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$/0$1$48(+,67½5,&2 Conta Freire que queria ser cantor, viver de música, sair cantando para as gentes e com elas. De certa forma, é mesmo um cantor. Melhor, um cantador da palavra criada, intencionada e cultivada desde o povo, do contexto social, brasileiro ou universal, como o são Guimarães Rosa, , , Thiago de Mello, , Geraldo Vandré, , Patativa do Assaré, , , dentre outros tantos, por ele admirados. E canta a música da luta. Queria ser lembrado por isso. Canta a esperança. Canta, com amor ardente, a autonomia, a libertação, a justiça social, o diálogo e a criação, na educação e na vida. ALMANAQUE HISTÓRICO PROJETO MEMÓRIA 2005

Coordenação Geral Paulo Freire – Educar para Transformar SUMÁRIO Mercado Cultural Fundação Banco do Brasil Coordenação de Produção Flávia Diab Presidente Jacques de Oliveira Pena CIDADÃO NORDESTINO Coordenação de Administração Paulo Freire Cléo Assis Diretor Executivo de Desenvolvimento Social Coordenação Pedagógica Almir Paraca Cristóvão Cardoso Alfabetização INFÂNCIA Jason Mafra 5 a 11 Sonia Couto Diretor de Tecnologia Social e Cultura Luis Fumio Iwata Textos e Atividades Lúdicas CírculoADOLESCÊNCIA de cultura José Eustáquio Romão Assessora Maria José Vale Maria Helena Langoni Stein 12 a 16 Sandra Cristina Gorni Benedetti Sonia Maria Gonçalves Jorge Petrobras ConhecimentoJUVENTUDE E IDADE ADULTA Consultoria Alípio Casali Presidente 17 a 31 Lisete Arelaro José Sergio Gabrielli Conscientização Moacir Gadotti Ricardo Hasche Gerente Executivo de Comunicação Institucional Vera Barreto Wilson Santarosa Curadoria Gerente de Comunicação Nacional Paulo Freire CIDADÃO DO MUNDO Ana Maria Araújo Freire Luis Fernando Nery Lutgardes Costa Freire Instituto Paulo Freire Coordenadores do Projeto Memória Cultura NA BOLÍVIA E NO Diálogo Janice Dias Produção 32 a 38 Maria Oliveira Lenart Nascimento Filho Noêmia Inohan NOS ESTADOS UNIDOS E NA SUÍÇA Revisão de Textos Instituto Paulo Freire Beatriz de Paoli Diretor Geral 39 a 42 Imagens Moacir Gadotti Acervo Ana Maria Araújo Freire, Acervo Filhos NA ÁFRICA Paulo Freire, Acervo Instituto Paulo Freire Diretores Pedagógicos Curiosidade Educação Ângela Antunes 43 a 47 Projeto Gráfico e Diagramação Paulo Roberto Padilha Miriam Lerner Diretora de Relações Institucionais Capa Ética Salete Valesan Camba Lula Ricardi – XYZ Design Humanização Coordenadores do Projeto Memória Paulo Freire CIDADÃO BRASILEIRO Jason Mafra Sonia Couto DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) DE VOLTA À DOCÊNCIA Colaboradores V149c Vale, Maria José 48 a 52 Paulo Freire, educar para transformar: almanaque histórico / Maria Anderson Alencar Utopia José Vale, Sonia Maria Gonçalves Jorge, Sandra Benedetti. São Paulo: Mercado Cultural, Alex Ribeiro 2005. Flander Calixto 64 p. COMO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO 51 ISBN 85-98757-04-7 Projeto Memória “Paulo Freire – educar para transformar” Liberdade 1. Educação 2. Freire, Paulo – Biografia 3. Freire, Paulo – Vida e obra. ÚLTIMOS ESCRITOS I. Jorge, Sônia Maria Gonçalves II. Benedetti, Sandra III. Título 58 CDD 21.ed. 370.92 Politicidade REPERCUSSÕES E HOMENAGENS 61 a 64 Esperança CIDADÃO NORDESTINO Ascendentes de Paulo Freire Em 19 de setembro de 1921, numa segunda-feira, nascia em (PE) Paulo Freire, o quarto filho do militar Joa- quim Temístocles Freire, que estava muito enfermo. Segundo sua mãe, Edeltrudes Ne- ves Freire, “quase que o Paulinho seria órfão ao nascer”. Ceciliano Maria José Xavier Adozinda  O seu nome completo é Demétrio Anísia Barreto Flores PAULO REGLUS NEVES FREIRE. Freire Freire das Neves Neves O pai de Paulo queria homenageá-lo com o no- me Regulus, mas, por um erro do cartório, seu Joaquim Edeltrudes Temístocles Neves nome ficou sendo Reglus. Freire Freire PAULO ? Você sabia ? FREIRE Nomes e significados? ?  Paulo: de pequena estatura? (latim) A mangueira teve significado espe- cial para Paulo Freire. Foi à som- ?Reglus ➔ Regulus: pequeno rei (latim) ? bra das mangueiras, rabiscando o Freire: irmão, frei (do latim frater e Paulo Freire com um ano de idade. chão com gravetos, auxiliado pelos posteriormente do francês frère) ? pais, que iniciou sua alfabetização. "O nome de um homem não é como ?  uma capa que lhe está sobre os om- bros, pendente, e que pode ser tira- conhecendo mais da ou arrancada a bel-prazer, mas Ilustração: Fabiano Silva uma peça de vestuário perfeitamente p Regulus é também o nome da estrela Alfa adaptada ou, como a pele, que cresceu Leonis, a estrela mais brilhante da constelação de junto com ele; ela não pode ser arrancada Leão, que representa o leão morto por Hércules sem causar dor também ao homem." ÁRVORE GENEALÓGICA em um de seus doze trabalhos. Ela pode ser vista Por suas ramificações naturais, tanto das raízes quanto dos Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) ao longo da Via Láctea no hemisfério norte. galhos, a árvore tem sido o elemento natural utilizado pa- ABÍLIO ADALBERTO BENTO CARLOS DANILO ELÍGIO ERNESTO FREDERICO GETÚLIO ra simbolizar visualmente uma família, seus componentes Genoma HOMEROO nome, nasIVAN culturas JOÃO ocidentais, LEANDRO é a principal FREDERICO referência deGETÚLIO identidade que JOÃO o ser humanoPEDRO conquista. REINALDO e suas relações de ascendência e de descendência. O nome de cada um é inalienável, imprescritível, inestimável, imutável, irrenunciável, I É através do genoma que se pode SEBASTIÃO TANCREDO VINÍCIUS WILSON ZACARIAS ADRIANA BETINA CRISTIANE DIANAintransferível EUGÊNIA, intransmissível FLORA GISELAe ubíquo HELENA. IARA JOANA LUCIANA MARINA NICOLE OLIN- mapear como se desenvolve e funciona DATente NELSON relacionar TA os MARAtermos VANESSAacima com seusZILDA significados: ABÍLIO ADALBERTO BENTO CARLOS DANILO um ser vivo. O genoma pode ser ELÍGIO• Não pode ERNESTO ser cedido FREDERICO para outro GETÚLIO HOMERO IVAN JOÃO LEANDRO MANUEL NOEL chamado de seu Mapa Genético. OLEGÁRIO• Não é possível PEDRO estimar REINALDO o seu valor SEBASTIÃO TANCREDO VINÍCIUS WILSON ZACARIAS ANDREA• Não pode TODOS ser vendido OS ou comprado NOMES DO MUNDO FLORA GISELA HELENA IARA JOANA Com variações individuais, o genoma LUCIANA• Pertence MARINA tanto ao direitoNICOLE público OLINDA quanto PATRÍCIA ao privado ROSA SARITA TAMARA VANESSA ZILDA é transmitido de geração a geração e ABÍLIO• Não se ADALBERTO pode abrir mão BENTO dele CARLOS DANILO ELÍGIO ERNESTO FREDERICO GETÚLIO permite reconstruir a árvore HOMERO• Em geral, IVAN não JOÃOpode ser LEANDRO mudado MANUEL NOEL OLEGÁRIO PEDRO REINALDO SEBASTIÃO genealógica de todo TANCREDO• Não se herda VINÍCIUS WILSON ZACARIAS ADRIANA BETINA CRISTIANE DIANA EUGÊNIA FLORA GISELA HELENA IARA JOANA LUCIANA MARINA NICOLE OLIN- ser vivo. • Não se perde por desuso e não se adquire por usucapião DA PATRÍCIA ROSA SARITA TAMARA VANESSA ZILDA ABÍLIO ADALBERTO BENTO Paulo Freire com sua primeira esposa, Elza, filhos, genros e netos.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire QUE LUGAR É ESSE? Livro do Bebê

Situado na região Nordeste, o estado de Pernambuco tem uma área de 98.281 km2, mais 18,2 km2 do arquipélago Fernando de Noronha. Possui 184 municípios, que se distribuem em três grandes regiões geoeconômicas: Litoral/Zona da Mata, Agreste e Sertão. Maracatu, uma das expressões artísticas mais conhecidas de Pernambuco.

Pernambuco A FORÇA DA UNIÃO O nome Pernambuco é indígena e quer di- Em muitas cidades de Pernambuco, o arte- zer “mar furado”, devido à formação rochosa sanato é uma grande força econômica. As que acompanha a sua costa. cerâmicas de Tracunhaém, os bordados de O Livro do Bebê é um misto de álbum de Passira, as esculturas em madeira de Ibimi- fotografias e relatos de acontecimentos impor- rim, as tapeçarias de Lagoa do Carro, as tantes na vida de um recém-nascido. rendas de Poção e a cerâmica figurativa de É uma forma carinhosa de registrar o de- Caruaru, entre outros, são exemplos do ta- senvolvimento de uma criança e de concretizar lento de um povo que descobriu nesse tra- Esta é uma página do Livro do Bebê de Paulo Freire, que foi batiza- os sentimentos de amor e de carinho dos pais. do na Igreja Católica. balho a união dos esforços de homens e mu- lheres de todas as idades e a garantia de Acima: bandeira de Pernambuco Abaixo: Recife, capital de Pernambuco subsistência. O sistema de cooperativa abriu conhecendo mais caminho para a sua arte e hoje o artesanato da região é comercializado nos grandes cen- Cada religião tem o seu jeito de celebrar o nascimento tros consumidores do país e até no exterior. Entre os muçulmanos, é costume o pai recitar o azan no ouvido do recém-nascido. Trata-se de uma pre- ce que exprime os conceitos da religião. No Judaísmo, as crianças são levadas à sinagoga e lá recebem o seu nome diante da Torá, o livro sagrado dos israelitas. Os hindus praticam um ritual de banhar os filhos e de escrever com mel, em sua língua, a expressão OM, sílaba sagrada que representa o som da criação. Ekomojade (dia de dar o nome) é a cerimônia que se faz ao recém-nascido no Candomblé, onde se declara qual orixá regerá o destino da criança, que recebe um nome religioso africano. O padre católico abençoa a criança com o sinal da cruz, unta-lhe o peito com óleo e derrama água benta sobre sua cabeça, durante o batismo. p O FREVO Por acreditar que o batismo deve ser uma opção voluntária, os evangélicos de várias denominações conhecendo mais só batizam as crianças após os nove anos de idade, sendo imersas completamente na água, como Jesus foi batizado. O Frevo é um ritmo genuinamente pernambucano. A palavra “frevo” nasceu da linguagem simples Muito festejado pelos indígenas, o nascimento possui tradições diferentes em cada nação. Para os Karajá, do povo e vem de “ferver”, que as pessoas pronunciavam “frever”. Significava efervescência, são os pais que mudam de nome quando nasce um filho, passando a chamar-se “pai de...” ou “mãe de...”. agitação. Há diferentes modalidades: Frevo-de-Rua, Frevo-Canção e Frevo-de-Bloco. Curioso, não?

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire conhecendo mais p Cantigas de ninar Brincadeira de criança, como é bom! Quem quer brincar comigo põe o dedo aqui... Paulo Freire dizia que seu pai lhe cantava Qual a sua lembrança pessoal mais antiga? canções de ninar. Seu filho Lutgardes se lem- D que já vai fechar... bra da “Modinha” que o pai lhe cantava São lembranças de acalantos? Você conhece alguma cantiga de ninar? quando criança. R Desenvolvidas e divulgadas pela oralidade, as brincadeiras tradicionais da infância per- Alguém a cantava para você? manecem vivas de geração em geração; algumas vezes são recriadas e em outras ganham Olho a rosa na janela/Sonho um sonho pequenino características da cultura local ou regional. Se eu pudesse ser menino (...) Quem nunca empinou “papagaio”, mesmo que o chamasse de “pipa”? Quem nunca brincou Ai, amor, eu vou morrer/ Buscando o teu amor. Sem deixar de compreender as velhas cantigas de esconde-esconde, de seguir o mestre, de pular amarelinha, de roda? “Modinha”: composição de Sérgio Bittencourt – fragmentos. de ninar como um contexto de nossa cultura, por que não inovar com belas canções da Música Popular Brasileira para crianças? De nossas lembranças mais remotas, surgem os sons dos versinhos rimados, das sílabas finais prolon- gadas, do ritmo lento e sussurrado das cantigas de A música e o ninar. Dessa memória afetiva aparece, talvez, nítido desenvolvimento da criança Pular corda Brincadeiras de roda Carniça ou Pula Sela Bambolê Esconde-esconde também, o vulto da pessoa que assim nos embalava T e o contexto de fundo. O saber popular sempre valorizou a pre- Para muitos de nós, esse, talvez, tenha sido o pri- sença da música na vida das pessoas e pesqui- sas científicas comprovam a importância da Por meio das brincadeiras as crian- meiro gênero literário de nossas vidas, seguido pelas música no desenvolvimento humano. Delas Você sabia ? ças desenvolvem saberes, resolvem cantigas de roda. No Brasil são famosas as cantigas que podemos pinçar algumas conclusões: ? conflitos, experimentam sensações, falam do “Tutu-Marambá”, do “Bicho-Papão”, da “A criança terá ampla? oportunidade pa- lidam com diferentes sentimentos e Ainda no útero materno, o feto desenvolve aprendem a conviver e a cooperar “Cuca”, do “Pavão”, do “Boi da Cara Preta”. Estudos re- ra brincar e divertir-se, visando? aos pro- reações a estímulos sonoros. Os recém-nas- ? com um grupo. velam que a “mãe preta”, escrava, cantava para os seus cidos tendem a permanecer mais calmos quan- pósitos mesmos da sua educação; a socie-? filhos e para os filhos dos donos “da casa grande” esse do expostos a uma melodia serena e ficam dade e as autoridades? públicas empenhar- canto, ora doce, melancólico e lento, ora povoado de mais alertas com músicas mais aceleradas. se-ão em promover o gozo deste direito.” Pense rápido e diga depressa: Ouvir música clássica lenta facilita a con- seres aterrorizantes, que amedrontam a criança que Declaração? dos Direitos da Criança: Princípio? 7º Três pratos de trigo para três tristes tigres. não quer dormir. O bicho-papão “Tutu” é de origem centração e a aprendizagem. A prática cons- Num ninho de mafagafos, três mafagafinhos africana. A “Cuca” e o “Pavão”, de origem portuguesa. tante da música, no manejo de um instrumen- to, ou na apreciação interativa, potencializa a há. Quem desamafagafar os mafagafinhos, bom A cantiga infantil de horror apresenta uma lição a Paulo Freire brincou muito na memória, o raciocínio lógico e abstrato, a desamafagafinhador será. ser aprendida de modo didático direto. infância. Brincadeiras de rua, orientação espacial. com os irmãos e outros compa- As cantigas de roda nos inserem no nosso O que é, o que é? nheiros, nas quais não existiam Xô, xô, xô, pavão Tutu-marambá, grupo social e contribuem na socialização das Todos têm, mas ninguém fica com ela...

Sai de cima do telhado não venha mais cá, crianças. As cantigas tratam de temas belos e barreiras de classe social, etnia, vida) (a Deixe meu filho dormir Que o pai do menino cor ou credo no relacionamento dos vivenciais, falam de amor/desamor, de ale- Por que o gato mia para a lua e a lua não mia Seu soninho sossegado. te manda matar! brincantes. Brincadeiras que vive-

gria/tristeza, disputas e papéis sociais – aju- para o gato? dam a criança na elaboração de ram para sempre em sua memória. astro-no-mia) (porque Dorme, menino! Boi, boi, boi emoções e a se prepa- Que o Tutu vem te pegar. Boi da cara preta rar para a vida. Papai foi p’ra roça Pega este menino amê minguê, um i-tê, sal sorv Mamãe foi passear. Que tem medo de careta ni-dun ete c cê U olorê vo L , o escolhido foi 8 9

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Paulo Freire: Experiência pessoal de alfabetização A mudança para Jaboatão

“Fui alfabetizado no chão do quintal de mi- Paulo e sua família moravam na casa de um QUE LUGAR É ESSE? nha casa, à sombra das mangueiras, com pa- A primeira professora: tio, que era próspero comerciante. A crise de lavras do meu mundo, não do mundo maior 29, que paralisou parte do comércio mundial, Jaboatão dos Guararapes dos meus pais. O chão foi o meu quadro-ne- EuniceVasconcelos (1909–1977) provocou a perda da casa. Sem recursos para gro; gravetos, o meu giz.” “Jovenzinha de seus 16, 17 anos [...], alugar casa em Recife, tiveram que mudar pa- Localização: Litoral/Mata, a 18 km do Recife Área: 234 km2 (FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três ar- ela me fez o primeiro chamamento com re- ra Jaboatão, cidade próxima à capital, onde vi- População: cerca de 560 mil hab. (2ª maior de PE) tigos que se completam. 21. ed. São Paulo: Cortez/ Auto- lação a uma indiscutível amorosidade que veram momentos de grandes dificuldades. res Associados, 1988, p. 15.) Relevo: Forte ondulado e montanhoso eu tenho hoje, e desde há muito tempo, pe- Padroeiro: Santo Amaro los problemas da linguagem e, particular- A utilização das palavras do universo pes- História: Fundada em 1593, por Bento Luiz de mente, os da linguagem brasileira, a cha- conhecendo mais Figueiroa, a partir do Engenho São João Batista. soal sempre essteve presente na proposta de mada língua portuguesa do Brasil. Ela O nome Jaboatão vem da palavra indígena Paulo Freire para o processo de alfabetização. p A Batalha dos Guararapes (1649) com certeza não me disse, mas é como se “Yapoatan”, árvore comum na região. Guararapes significa tambores. A cidade tem grande impor- tivesse dito a mim, ainda criança pequena: Foi uma aliança militar luso-brasileira nu- ma das batalhas mais importantes da guer- tância histórica, por ter sido o local onde se tra- ´Paulo, repara bem como é bonita a ma- varam as “Batalhas dos Guararapes”, lutas decisi- ra para expulsão dos holandeses, que ocupa- neira que a gente tem de falar!...´ [...] vas na guerra de expulsão dos holandeses de ram Pernambuco, entre 1630 a 1654. O pe- Hoje, a presença dela são saudades, são Pernambuco, na metade do século XVII. ríodo de maior prosperidade da colônia ho- lembranças vivas. Me faz até lembrar da- landesa ocorreu no governo do príncipe Igreja N. S. dos Prazeres, para rir: quela música antiga, do Ataulfo Alves: ‘Ai Maurício de Nassau (1637 a 1654). Os ho- edificada nos Montes que saudade da professorinha, que me en- Guararapes como agra- landeses conquistaram o apoio não só de decimento pelo fim do A professora dá uma bronca no Juquinha por ter fal- sinou o bê-a-bá’.” tado à aula. muitos senhores de engenho, mas também domínio holandês. Ele diz que faltou por motivo de luto. (FREIRE, Paulo. Apud GADOTTI, Moacir (Org.) da população pobre da região. Após a expul- Localizado na Região Metropolitana do Recife, – Luto?!?! Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: são holandesa, a Vila de Recife entrou em o povoado de Prazeres é – É, professora, a senhora nem imagina o quanto eu Cortez, 1996, p. 31.) rápida decadência. Uma pergunta: foram os atualmente um bairro do luto contra a preguiça todo dia de manhã... portugueses menos invasores do que os ho- município de Jaboatão landeses, sob o ponto de vista dos indígenas? dos Guararapes. p conhecendo mais Ataulfo Alves (1909-MG,1969-RJ) Leitura do mundo Teve uma infância pobre, mas tranqüila e feliz, que registraria com emoção no seu samba Meus Tempos de Criança, também conhecido como Meu Pequeno Miraí e Saudades da Professorinha. A ECONOMIA BRASILEIRA E A CRISE DE 1929 A partir do ano de 1861, o café foi responsável pela reintegração da economia brasileira aos mercados interna- Meus tempos de criança (ATAULFO A LVES) cionais. A superprodução do café gerou grande oscilação em seu preço, na região sudeste. Com a I Grande Guerra Eu daria tudo que eu tivesse Que saudade da professorinha (1914-1918), o comércio mundial entrou em processo de retração severa, diminuindo muito devido às constantes Pra voltar aos dias de criança Que me ensinou o beabá desvalorizações, praticadas pelos diversos países, para garantirem competitividade de seus produtos e protegerem Eu não sei pra que que a gente cresce Onde andará Mariazinha suas economias. O apogeu dessa crise foi a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929. As ex- Se não sai da gente essa lembrança Meu primeiro amor onde andará? portações de café caíram quase 70%, o que significou um desastre para o Brasil. Naquele momento, ocorreram mui- Aos domingos missa na matriz Eu igual a toda meninada tas falências e a perda de poder das oligarquias. Por outro lado, a crise de 1929 desencadeou mudanças fundamen- Da cidadezinha onde eu nasci Quanta travessura que eu fazia tais na atividade econômica brasileira. O mercado interno passou a ser o novo alvo de investimentos. Seu cresci- Ai, meu Deus, eu era tão feliz Jogo de botões sobre a calçada No meu pequenino Miraí Eu era feliz e não sabia mento marcou nova fase para as relações econômicas e sociais decorrentes da industrialização e da urbanização.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire cionar, e seu irmão, Temístocles, andava o dia Água: seiva do planeta Terra Ainda em Jaboatão... inteiro no Recife fazendo entregas e pequenos serviços para um escritório comercial. Paulo Freire, aos 13 anos, viveu a dor de Ainda assim, a renda familiar não era sufi- Proporção de água perder seu pai e de interromper seus estudos. ciente para o sustento de todos e a permanên- Que coincidência! Mas, em Jaboatão, Paulo Freire provou tam- cia de Paulo Freire em escola particular. Dona saber cuidar bém algumas doces alegrias. Em suas recorda- Edeltrudes, persistente, conseguiu uma bolsa ções, lá estavam o rio Jaboatão, onde adorava de estudos para o filho, no Colégio Osvaldo nadar, a “roda de amigos”, vencida a timidez, Cruz, também em Recife. A única condição O planeta Terra é formado por a descoberta de sua paixão pelo futebol, pelas colocada pelo dono do colégio, Aluízio Araújo, 71% de água. moças e pelas sintaxes popular e erudita de era que o jovem fosse estudioso. Isso ele era! nossa língua. É muita água, mas... Paulo gostava tanto de estudar, que seu fu- 71% 71% 97,5% é água salgada e está nos mares e turo deveria ser nos estudos. Essa era a apos- oceanos; ta da família. Por isso, o mais novo dos irmãos 2,493% é água doce, mas está em gelei- No Brasil... foi poupado de trabalhar para ajudar no sus- saber cuidar ras e regiões subterrâneas; • 2 bilhões de pessoas enfrentam a falta tento da casa, como o fizeram seus outros ir- 0,007% é água doce de fácil acesso pa- de água. mãos, irmã e mãe. Em Jaboatão, só existiam • 1,7 bilhão não têm sistema de esgoto. ra o consumo humano, encontrada nos rios, escolas primárias. Seguir adiante significava O Rio Jaboatão e o ataque de tu- • Águas poluídas causam a morte de qua- lagos e na atmosfera. tro milhões de crianças por ano. ter de ir para o Recife. barões no litoral de Pernambuco O primeiro ano secundário de Paulo Freire foi cursado mediante o sacrifício e a solidarie- Uma pesquisa da Universidade Federal Cinco minutos no dade dos irmãos. Armando, irmão mais velho, Rural de Pernambuco (UFRPE) aponta chuveiro dá para tomar um bom banho! conseguiu um trabalho na Prefeitura Muni- alguns dos motivos que podem estar le- Você sabia ? cipal do Recife, a irmã Stela, com seu diploma ? vando tubarões a permanecerem no litoral • A água é o principal? componente do cor- de professora de primeiro grau, começou a le- sul de Pernambuco. Desde 1992, um fri- po humano. ? gorífico lança substâncias no rio Jaboatão •? O consumo médio diário é mais ou ?me- que exercem forte poder de atração sobre nos 120 litros de água por pessoa. • Uma torneira? pingando desperdiça esses animais: sangue e vísceras. Outras 1.380 litros de água por mês. três fontes de poluentes foram identifica- • Uma pessoa pode viver um mês sem co- ? ziraldo das: descargas de usinas de açúcar, esgo- mida, mas? dificilmente sobreviverá a três tos domésticos e o chorume do lixão. O dias sem água. volume do material orgânico que o rio • No Brasil a maior parte dos esgotos são CISTERNA: Jaboatão leva até o mar é da ordem de despejados em cursos d’água sem trata- experiência de sucesso mento. 345 mil litros/dia. O processo de reserva de água em cisternas é sim-

Mais de 45 ataques de ples: a água é coletada no telhado da casa e por tubarões foram registrados, “A água não é somente uma herança dos nossos pre- meio de uma calha vai para o reservatório. O tra- desde 1992, no litoral do decessores, ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos balho é feito em mutirão e a comunidade apren- Recife. sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vi- de a filtrar, conservar e usá-la adequadamente. tal, assim como uma obrigação moral do Homem para Essa prática tem sido aplicada em muitas regiões Colégio Osvaldo Cruz, em Recife, onde Paulo Freire fez as gerações presentes e futuras.” brasileiras que sofrem com a seca. a escola secundária. Declaração Universal dos direitos da Água – ONU – 1992. 12 13

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire A infância roubada com o trabalho infantil saber cuidar conhecendo mais p Alberto Torres: pioneiro da ecologia brasileira ? Você sabia ? ? No início dos anos 30, a dimensão am- Alberto Torres (1865-1917) dedicou-se Assim como aconteceu? com os irmãos de Paulo? Freire, muitas crianças e jovens estão fora da escola por es- biental começou a despontar, no Brasil, co- a pensar a reorganização da sociedade bra- tarem trabalhando. mo preocupação. Diversas sociedades de sileira e o desenvolvimento do país. Para ?O relatório do Fundo das Nações Unidas para? a Infância (Unicef), divulgado em fevereiro de 2005, revelou que proteção à natureza surgiram naquele mo- ele, se o progresso fosse alcançado median- uma a cada doze? crianças do planeta enfrenta as piores formas de exploração no trabalho. No Brasil, o trabalho mento, tais como a Sociedade de Amigos te formas desenfreadas de industrialização, infantil é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. das Árvores, a Sociedade Geográfica do Rio os recursos naturais do planeta entrariam ? Apesar da legislação brasileira, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-2003) detectou que 5,1 de Janeiro, a Sociedade de Amigos da Flora num acelerado esgotamento. Acreditava milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos de idade, trabalham, tanto na cidade como no campo. Destes, Brasílica, a Sociedade de Amigos de Alber- que a chave do desenvolvimento nacional 209 mil tinham de 5 a 9 anos, 1,7 milhão tinham de 10 a 14 anos e 3,2 milhões tinham de 15 a 17 anos. to Torres, entre outras. Essas organizações estaria na combinação entre exploração sis- assumiam uma postura bastante ativa em temática e racional da agricultura, investi- defesa da natureza, propondo leis florestais mento na população e na preservação dos e reformas na agricultura contra o desma- recursos naturais do país. Paulo Freire fala sobre sua adolescência tamento e mau uso do solo. Além de incen- Suas idéias “ecológicas”, consideravel- tivarem o plantio de árvores, distribuíam mente aguçadas para o período histórico Assim como grande parte dos adolescen- tão, criança ainda, converti-me em homem sementes, ministravam palestras e pressio- em que viveu, influen- tes, principalmente os mais pobres, Freire vi- graças à dor e ao sofrimento que não me sub- navam o poder público da época. Tais mo- ciaram fortemente a veu a insegurança em relação à auto-imagem, mergiam nas sombras da desesperação. Em bilizações não foram em vão. Em maio de geração de 1930. a ansiedade para ser aceito no grupo social: Jaboatão joguei bola com os meninos do povo. 1933, Getúlio Vargas decretou o código Nadei no rio e tive ‘minha primeira ilumina- Florestal e o das Águas, e a Constituição, Alberto Torres, nascido no Rio de Janeiro, bacharelou-se em Ciências “Estava sendo então um adolescente inse- ção’: um dia contemplei uma moça despida. promulgada em 1934, estabeleceu que a Jurídicas e Sociais, na mesma guro, vendo-me como um corpo anguloso e Ela me olhou e se pôs a rir...” proteção das “belezas naturais” e dos mo- Faculdade de Direito de Recife, feio, percebendo-me menos capaz do que os numentos de valor histórico ou artístico se- onde estudou Paulo Freire. (FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da outros, fortemente incerto de minhas possibi- libertação. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 9.) ria competência do Estado. No final da dé- lidades. Era muito mais mal-humorado do cada de 1930, foram criados os primeiros que apaziguado com a vida. Facilmente me Parques Nacionais. Você sabia ? eriçava. Qualquer consideração feita por um ? colega rico da classe já me parecia o chama- Os problemas ambientais são necessariamente Por muito tempo, a questão do meio ambiente foi ? mento à atenção de minhas fragilidades, de sociais e políticos. A sustentabilidade implica refle- ignorada pelos modelos e teorias econômicas. ? minha insegurança.” xões e decisões de toda a sociedade. Organizações Atualmente,? a relação entre meio ambiente e? eco- ecológicas contribuem para a mobilização social em nomia tem sido debatida em todo o mundo e o (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São ? Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 48.) torno de grandes questões. Entre tantas outras conceito de sustentabilidade socioambiental é o preocupações, destacam-se as florestas, os rios, la- que vem sendo mais explorado: um processo volta- De forma autêntica e delicada, ele nos rela- gos e mares e muitas espécies vivas, ameaçadas de do à melhoria? da qualidade de vida da população,? usando os recursos disponíveis de forma que eles ta a sua “primeira iluminação”: extinção. Em muitas regiões, a espécie mais amea- sejam conservados e otimizados para o usufruto çada é o ser humano. desta e das gerações futuras. “Em Jaboatão experimentei o que é a fome e compreendi a fome dos demais. Em Jaboa- 14 15

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Leitura do mundo Estudante e A primeira companheira No mesmo Colégio Osvaldo Cruz de Recife ADOLESCENTES E JOVENS NO BRASIL onde estudou, Paulo Freire foi professor de Quando eu tinha vinte e dois anos en- • O período da adolescência é de 10 aos 19 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Língua Portuguesa, a partir de 1941. contrei minha primeira mulher, Elza [...], • No Brasil cerca de 20% da população é adolescente. “(...) Vivi um tempo intensamente dedica- uma grande educadora. [...] Elza vivia muito bem a tensão entre li- • As pessoas passam pelas idades de forma diferenciada, conforme a época, etnia, gênero e do a leituras (...) de gramáticos brasileiros e berdade e autoridade. Fui seu professor condição socioeconômica. portugueses. Parte da parte que me cabia do de sintaxe. Foi assim que a conheci. • Segundo pesquisa sobre o perfil de jovens brasileiros de 15 a 24 anos, divulgada pela que eu ganhava dedicava à compra de livros e Teria ela de fazer um concurso de cujo de velhas revistas especializadas. (...). Não an- Fundação Perseu Abramo, em 2003, 75% desses jovens estão trabalhando ou tentando traba- resultado dependia um degrau a galgar dava sujo, é verdade, mas andava feiamente lhar; a educação é fundamental para o futuro profissional, na opinião de 77% dos jovens pesqui- em sua carreira profissional e me procu- sados; a violência e o desemprego são percebidos por esses jovens como os principais componen- vestido.” (FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. rou para lhe dar umas aulas em torno tes negativos de sua condição juvenil. São Paulo: Paz e Terra, 1994, p. 103-4.) da matéria. • De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, em 2005, os brasileiros de 16 a 24 anos Interessado na área de ciências humanas, Por causa daquele curso de sintaxe eu representam quase o dobro da taxa de desemprego do país. cursou Direito na Faculdade do Recife. sou hoje avô de oito netos... • A participação relativa dos jovens na taxa nacional de homicídios atinge quase 40%. • Diversas pesquisas mostram que, nos últimos 15 anos, a idade em que meninas e meninos (FREIRE, Paulo. Educação na cidade. 5. ed. começam a fumar está cada vez mais baixa. São Paulo: Cortez, 2001, p. 101-2.) • O Ministério da Saúde informa que o contágio de Aids cresceu 200% de 1990 a 1996, em adolescentes heterossexuais, e cerca de um milhão de adolescentes ficaram grávidas em 1998. Somente 30% dos jovens usavam métodos anticoncepcionais.

SUCESSO DE CAMPANHAS NA REDUÇÃO Você conhece os projetos em prol da DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA juventude, em sua cidade?

As crescentes taxas de gravidez na adolescência, Projetos que possibilitam o ingresso dos jovens aos Paulo Freire, em Elza Freire

no final dos anos 90, foram consideradas uma estudos e ao mercado de trabalho são caminhos que sua formatura em Direito, 1947. epidemia, mas desde 1999 essa taxa vem di- 

buscam corrigir injustiças sociais e abrir possibilida- minuindo e, em 2003, cai 10,5%, embo- ra ainda continue muito mais alta do des aos mais pobres. Mas todas essas medidas são - apenas mínima parte da luta maior por uma socieda- que a dos países desenvolvidos. Em 1944, Paulo Freire casou-se com Elza Maia Costa de Dados do Censo de 2000 mostraram de mais justa. que a gravidez na adolescência é Oliveira, com quem teve cinco filhos: Maria Madalena, nove vezes maior entre as meninas Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. de baixa escolaridade e baixa ren- Elza, professora primária, foi a grande motivadora de da familiar. Você sabia ? Paulo Freire na educação, permanecendo, por toda a vida, Motivos apontados para essa inversão ? O Brasil é um dos campeões mundiais da ao lado dele, como um permanente estímulo. da tendência tem sido a ampliação de ? informação pela mídia e educação sexual desigualdade social. Esta triste? posição Ela exerceu papel fundamental na construção de suas nas escolas, além de campanhas públicas de só? é menor do que a de Serra Leoa, ?país idéias e práticas. Foi uma espécie de mangueira frondosa, prevenção à Aids e a doenças sexualmente africano. sob a qual Paulo iniciou um projeto educacional que se transmissíveis, com distribuição de preservati- ? vos aos alunos de 13 a 24 anos. Informe do Instituto de Pesquisa Econômica desdobraria num precioso legado para a humanidade. Aplicada (Ipea), 1/6/2005. Cf. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 19/6/2005. ? ? - 16 17

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire

PALAVRA GERADORA Paulo Freire: ✐ conhecendo mais De Advogado ? Você sabia ? Existem microcréditos para? quem está começando EDUCAÇÃO pO Programa das Nações Unidas para o a Educador um trabalho autônomo. O Serviço? Brasileiro de Desenvolvimento (PNUD) tem como objeti- Apoio? às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae? po- EDUCAÇÃO BANCÁRIA vo principal o combate à pobreza. de ajudá-lo a saber mais sobre isso. O Sebrae pro- X Paulo Freire rememorou um dos marcos ? Pelo Relatório PNUD (2004), o Brasil apre- move cursos de capacitação, para que o futuro em- EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA sentava, naquele ano, uma taxa de alfabe- decisivos em sua vida. Foi quando decidiu não presário conheça melhor o ramo de atividade e o tização de 86,4%. mais exercer a advocacia, mesmo consideran- mercado em? que pretende atuar, saiba fazer? levan- Na educação bancária, os alunos se tornam de- do-a uma “tarefa indispensável que, tanto tamento de dados para estabelecer os objetivos que positários dos conteúdos transmitidos a eles. quanto outra qualquer, se deve fundar na éti- pretende atingir e planejar o que vai ser colocado “Enquanto a prática bancária, como enfatizamos, ca, na competência, na seriedade, no respeito em prática por sua micro ou pequena empresa. A implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder às gentes”.1 capacitação do Sebrae pode facilitar aos pequenos criador dos educandos, a educação problematizado- Em seu primeiro caso como advogado, de- empreendimentos acesso a crédito (microcrédito) ra, de caráter autenticamente reflexivo, implica num veria defender os interesses de seu cliente con- e a capitais. constante ato de desvelamento da realidade.” tra um dentista recém-formado, que não con- (FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 80.) Programa das seguira pagar a dívida contraída na compra de Nações Unidas para equipamentos. O dentista disse a Paulo Freire Leitura do mundo o Desenvolvimento “A educação será libertadora na medida em que que levasse seus móveis – a sala de jantar, a sa- incentivar a reflexão e a ação consciente e criativa la de visita, mas, se já estava difícil pagar sua Com a ampliação do uso da tecnologia no das classes oprimidas em relação ao seu próprio pro- IDH NO BRASIL Pelo relatório do PNUD-2004, o Brasil ocupava, dívida trabalhando, sem seus instrumentos de setor produtivo e com a emergência de no- cesso de libertação.” nesse ano, a 72ª posição, com um IDH de 0,775. trabalho seria impossível saldá-la. vas exigências da dinâmica social nos Entre os municípios brasileiros, São Caetano (SP) Freire desistiu da causa e da profissão de grandes centros urbanos, uma verdadeira (FREIRE, Paulo. “Educação: o sonho possível”. In: BRANDÃO, C. R. (org). Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 20.) é a cidade com maior IDH (0,919) e Manari (PE) é o advogado e aceitou o convite de um amigo pa- revolução ocorreu no mundo do trabalho, município com menor índice (0,467). ra incorporar-se ao recém-criado Serviço Social no século XX. Paralelamente ao desem- da Indústria – SESI, na Divisão de Educação e prego, pela decadência ou extinção de pro- Cultura, onde atuou de 1947 até 1957. fissões, novas ocupações foram criadas. Leitura do mundo Vejamos algumas delas: 1 (FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reen- contro com a Pedagogia do oprimido. 11. ed. São Paulo: • Profissionais e técnicos ligados à in- Educação: um dos indicadores do IDH Paz e Terra, 2003, p. 17.) formática e ao comércio virtual: webmas- A educação é revalorizada a partir de 1990, com a primeira publicação do Índice de Desen- ter, programador, webdesigner, help volvimento Humano (IDH). desk, técnicos em segurança para as ope- O IDH varia de (0-1), isto é, de (0)-zero (nenhum desenvolvimento humano) a (1)-um (de- rações em rede. senvolvimento humano total) e foi criado para medir o nível de desenvolvimento humano dos • Profissionais do turismo, hotelaria, países, a partir de três indicadores: culinária, moda. – educação (alfabetização e taxa de matrícula); – saúde (longevidade – esperança de vida ao nascer); • Geriátrico, gestor ambiental, segu- – renda (PIB per capita). rança do trabalho. Segundo o relatório PNUD-2004, a Noruega apresentava o maior IDH e Serra Leoa, na África, • Administrador de viagens, motoboy etc. o mais baixo IDH.

Paulo Freire discursa no SESI. 18 19

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Paulo Freire Paulo Freire conhecendo mais p Cordel e a Arte-educação e o teatro Em Paulo Freire, a dimensão estética sem- Com operários do Recife, Paulo Freire e O poeta popular é um representante do povo, Vou falar de uma vida pre caminhou de mãos dadas com a ética e Ariano Suassuna, em 1953, desenvolveram o repórter dos acontecimentos da vida do Nor- Com muita satisfação com a política. uma experiência pioneira no SESI: lançaram deste do Brasil. Ele divulga fatos reais e de fic- Nesse verso pé quebrado Ana Mae Barbosa, arte-educadora pernam- as bases para a prática de um teatro popular ção por meio de livretos de cordel ou do repen- Mas que é de coração bucana, conhecida internacionalmente, é autêntico, participante e comunicativo. te, um tipo de poesia cantada e improvisada. Da vida de Paulo Freire quem relembra o que poucos sabem. Paulo Teatro como canal de conscientização, de Essa tradição é de origem européia e o nome Na alfabetização Freire esteve ligado à arte-educação, desde o leitura do mundo e comunicação entre palco da publicação, cordel, vem da maneira como início de seu envolvimento com a educação. e platéia, platéia e palco, sob a mediação de este é vendido: dependurado em Quero homenagear Foi presidente da Escolinha de Arte do Recife um coordenador de debates, na figura de um cordéis em Este ilustre cavalheiro (PE), nos anos 50, e sua primeira mulher, personagem fantástico ou mítico, cuja fun- feiras, pra- Que veio revolucionar Elza Freire, foi uma das pioneiras na integra- ção seria a de precipitar comentários e diá- ças e bancas Nosso ensino inteiro ção da Arte na Escola Pública, enfatizando as logos com a platéia. Nessa experiência, o de jornal. O Fazendo a gente ficar produtivas implicações do fazer artístico no teatro foi linguagem artística fundamental, povo, no en- Um pouco mais brasileiro (...) processo de alfabetização. aplicada à educação. tanto, chama- (Francisco Ciro Fernandes) o simplesmen- O Teatro do oprimido de Boal Você sabia ? te de folheto. Augusto Boal, um dos mais importantes direto- res de teatro da atualidade e criador do Teatro Suassuna, um grande do Oprimido (TO), conhecido e praticado em nome da literatura nacional mais de 70 países, seguindo Paulo Freire, pro- pôs uma pedagogia cênica construída pelos Autor de “Auto da oprimidos, e não para os oprimidos. Um Mé- Compadecida”, exibi- do em filme de Guel todo Estético que reúne exercícios, jogos e téc- Paulo Freire retratado Arraes, Ariano Vilar nicas teatrais pela desmecanização física e em xilogravura. intelectual dos que o praticam. Pelo TO, os Suassuna (João Pessoa oprimidos são “incitados” a lutarem pela sua – PB: 1927) foi con- libertação, com a apropriação dos meios de temporâneo de Paulo produzir e democratizar o teatro, pela via de Freire no Colégio Os- uma comunicação direta, ativa e propositiva valdo Cruz, onde estu- Mamulengo entre espectadores e atores. Atualmente, entre dou direito e literatura. Professor na Univer- Os mamulengos (mão molenga) são bonecos de pano e madeira que representam gente e bichos outras coisas, sidade de Pernambuco, escreveu peças tea- e participam de narrativas de interesse social ou de puro entretenimento. Boal dedica-se trais, romances, crônicas, poe- sias, crítica de arte. É Dou- Esses bonecos falam, cantam e dançam, interagindo com os espectadores e, não raro, tecem co- ao trabalho tea- mentários sobre fatos e personalidades locais. Para tal, os artistas chegam à cidadezinha e conversam tor Honoris Causa na Uni- tral numa série com alguns de seus moradores antes de realizar a sua função. versidade do Rio Grande do de presídios em O teatro de mamulengos também pode ser usado para difundir noções de saúde e outros temas de Norte e membro da Acade- todo o país. utilidade pública nas regiões mais afastadas. mia Brasileira de Letras. Os mamulengos fascinam crianças de todas as idades e também os adultos, porque muitas

Augusto Boal Ariano Suassuna vezes eles expressam o que nós desejaríamos dizer.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire O gosto pela música O método Paulo Freire de alfabetização de adultos saber cuidar Paulo Freire adora- lho de pedreiro, socializando o seu saber e ex- “A leitura do mundo precede sempre a va passarinhos. Ado- periência. A discussão pode caminhar para leitura da palavra e a leitura desta implica rava a palavra cer- uma ampliação desse conhecimento atual, isto a continuidade da leitura daquele.” teira, verdadeira, A biodiversidade das é, para estudos sobre questões do trabalho e sensível: a que toca aves brasileiras (FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em direitos do trabalhador. três artigos que se completam. 3. ed. São Paulo: Cor- e canta. Adorava música brasileira, música A alfabetização parte do texto-contexto No Brasil, encontram-se 1.677 espécies tez/ Autores Associados, 1983, p. 22.) popular brasileira, música nordestina. ou “tema gerador”. Este gera debates, pes- de aves, o terceiro lugar no mundo – e pode quisa, leitura e escritas de novos textos rela- Música... Gostava de música, poesia, litera- chegar a ser o primeiro, pois, continuamen- Começar do “a-e-i-o-u” e do tura, das artes todas. te, são descobertas novas espécies, quando cionados e atividades de outras áreas do co- E tinha o costume de assobiar. Podia ser um áreas florestais isoladas vão sendo reconhe- “ba-be-bi-bo-bu”, para ler depois: nhecimento. Do texto, são selecionadas as trecho de Villa-Lobos, uma canção de Adoni- cidas. Destas, 191 são espécies endêmicas, “A baba é do boi”? palavras e estas analisadas em suas partes ram Barbosa, Chico Buarque, Milton Nasci- isto é, encontradas apenas no nosso país. ou menores. Leituras e escritas do mundo e da mento, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Gar- Calcula-se que 103 espécies de aves bra- palavra se sucedem. del, Orlando Silva... Assobiava e cantava para sileiras estão ameaçadas de extinção, moti- Partir da leitura do mundo Nesse método se fazem presentes a sincrese desanuviar. Cantava baixinho para fazer ador- vada pelo desmatamento, caça indiscrimi- para a leitura da palavra? (visão inicial e atual do contexto), a análise mecer seus filhos, quando crianças, assim co- nada e captura de animais para o tráfico. (estudo, discussão e detalhamento do tema) e Quanto mais raro o animal, maior é a cota- mo fez seu pai, Temístocles. No início da década de 1960, Paulo Freire a síntese (visão mais ampla, aprofundada e ção de preço no mercado. A extinção com- Apreciava música clássica tanto quanto a crítica do tema). promete o equilíbrio ecológico de uma ca- propõe um novo método de alfabetização de música da terra: violinos, piano, violão clássico, Enquanto se alfabetizam através do exercí- deia alimentar. As aves também são disse- adultos. Este marca uma significativa dife- viola, sanfonas, flautas, pífanos e batuques. cio do diálogo dirigido de forma democrática minadoras de sementes, contribuindo para rença em relação aos métodos anteriores para e planificada pelo(a) educador(a), os educan- Sim, toda a “boniteza” era bem-vinda, fos- a reprodução de espécies de plantas. adultos, pautados em simples adaptações das se seu criador artista consagrado ou anônimo, cartilhas para crianças, sendo assim bastante dos conhecem melhor o mundo e podem to- da cultura popular ou erudita, fosse boniteza infantilizados. mar posição frente aos problemas sociais que de uma obra exposta num museu, numa feira vão se desvelando. Bicudinho do brejo Ao invés de letras e palavras soltas, frag- de artesanato ou a expressa por um gesto, por mentadas e descontextualizadas da vida so- uma maneira especial de ser homem, mulher É uma ave recém-descoberta e a espécie já pode estar cial e da experiência pessoal dos alunos, num ameaçada de extinção, pela degradação dos brejos. ou grupo, quando as pessoas se colocam, rela- aprendizado mecânico do “ba-be-bi-bo-bu” Ao adquirir uma ave e adotá-la como um animal de cionam-se umas com as outras. estimação, podemos contribuir ou de frases simplórias e alienantes, como para a extinção de sua es- “A baba é do boi”, Freire sugere partir dos pécie. É melhor deixá-la temas geradores, ou temas sociais colhidos no seu habitat “Meu primeiro mundo foi o quintal de casa, do universo vocabular dos educandos, aber- ou em áreas com suas mangueiras, cajueiros de fronde qua- tos à discussão coletiva nos “círculos de cul- protegidas. se ajoelhando-se no chão sombreado, jaqueiras tura” e abertos à análise de questões regio-

e barrigudeiras. Árvores, cheiros, frutas, que, Ilustração: Fabiano Silva nais e nacionais. atraindo passarinhos vários, a eles se davam Por exemplo, a partir de uma imagem am- como espaço para seus cantares.” pliada na parede, pelo projetor de slides, que (FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São verse sobre o tema da construção civil, o edu- Paulo: Olho d’água, 1995, p. 24.) cando passa a falar da realidade do seu traba- Paulo Freire em Angicos, 1963. 22 23

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire

PALAVRA GERADORA PALAVRA GERADORA ✐ 1960Uma década de profundas mudanças ✐

Nos anos 60, quase todos os países do Oci- CONSCIENTIZAÇÃO ADAPTAÇÃO E dente sofreram verdadeiras convulsões sociais. Em 1963, Freire publica, na revista Estudos Universi- INSERÇÃO O “poder jovem”, marcado pela participação tários (Recife, nº 4, abril-jun.), um artigo intitulado “Cons- radical de estudantes em inúmeras áreas da cientização e alfabetização”. Esse conceito, central no Freire distingue os conceitos de adaptação e de pensamento de Freire, foi melhor explicitado por ele a inserção: cultura e da política (teatro, música, movi- partir dos livros seguintes à “Educação como prática da li- “Adaptação implica o esforço do ser humano em mento estudantil etc.), abalou os alicerces do berdade”. Freire passou, então, a destacar a relação ne- mudar-se para viver no mundo como ele é.” mundo adulto. A juventude resolveu não espe- cessária entre o conhecimento crítico e o compromisso de “Inserção implica a intervenção de homens e mu- intervenção transformadora sobre a realidade. rar o mundo do futuro, resolveu se assumir lheres no mundo, para transformá-lo.” Compreender esse conceito supõe, portanto, acompa- sujeito da história no presente, na tentativa de (Paulo Freire, in memoriam. PRIOLLI, Gabriel. São Paulo: TV nhar a práxis freireana, estudá-la, ao longo de sua obra. construir projetos sociais nos quais as pessoas PUC, 1997, sonoro, sem legenda, colorido.)

pudessem ser mais livres e mais felizes. Paulo Freire (à esquerda) e o Ministro da Educação Paulo de Tarso “A conscientização não pode parar na etapa do des- Como os jovens brasileiros, Paulo Freire, já Santos visitam o Círculo de Cultura do Gama (DF), em 1963. velamento da realidade. A sua autenticidade se dá adulto, engajou-se profundamente no movi- quando a prática de desvelamento da realidade consti- tui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da (1939-1981) mento transformador e participou da funda- 1964, mais de vinte mil Círculos de Cultura. transformação.” Maior expressão do “Cinema No- ção do Movimento de Cultura Popular (MCP), Mesmo que alguns governantes utilizassem a (FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5. ed. Rio de vo”, combativo, polêmico, re- lançado pelas forças progressistas de Recife, e alfabetização apenas com objetivos eleitorais (os Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 117.) volucionou o cinema brasi- coordenou, nessa ocasião, o “Projeto de Edu- analfabetos não podiam votar), o “Método Paulo “Contra toda a força do discurso fatalista neoliberal, leiro e mundial, transfor- cação de Adultos”. Freire” ia muito além, buscando apoiar a trans- pragmático e reacionário, insisto, hoje, sem desvios mando-o em instrumento de Impressionado com os resultados alcança- formação dos alfabetizandos em sujeitos de sua idealistas, na necessidade da conscientização. Insisto na conhecimento e revelação dos pelo Método Paulo Freire, na alfabetiza- própria aprendizagem, de seu próprio processo sua atualização.” da realidade brasileira. Fazer (FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 2. ed. São Paulo. ção de camponeses de Angicos (RN), o então de conscientização, de seu protagonismo políti- cinema era conscientizar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 60.) Ministro da Educação, Paulo de Tarso C. co, de seu próprio projeto de vida. O golpe de Santos, convida Paulo Freire, em junho de 1964 interromperia o Governo João Goulart e 1963, para a coordenação do “Programa todas as suas propostas. O “Programa Nacional Leitura do mundo Nacional de Alfabetização”. de Alfabetização” foi oficializado em 21 de ja- As metas eram alfabetizar cinco milhões neiro de 1964 e extinto, pelo governo militar, de brasileiros, em dois anos, e implantar, em em 14 de abril do mesmo ano. Efervescência cultural e política: Brasil – início dos anos 60 • Surge o teatro de arena, com o palco em círculo e maior proximidade da platéia. O Teatro Brasileiro de Comédias passou a ser criticado por utilizar peças teatrais e recursos cênicos, predominantemente importados, numa postura Leitura do mundo colonizada. Uma nova geração de diretores e atores prefere, agora, textos nacionais e simples. Com Augusto Boal, , Oduvaldo Vianna Filho e outros, o teatro é visto como ferramenta política, capaz de contri- Efervescência cultural e política: Brasil – início dos anos 60 buir para mudanças na realidade brasileira. O Brasil viveu momentos de intensa mobilização cultural e política, no final dos anos 50 e início dos anos 60. Antes • O Cinema Novo brasileiro, no início da década de 1960, critica o artificialismo, a simples diversão em cena. Jovens da repressão militar, além do Movimento de Cultura Popular (MCP), no qual atuou Freire, há que se ressaltar outros cineastas, como Glauber Rocha, propõem um cinema com temática e linguagem voltadas para a realidade nacional. movimentos significativos, nessa fração da história brasileira: • No campo político, forças nacionalistas, sensíveis às demandas populares, favoreciam a emergência das esquer- • A União Nacional dos Estudantes (UNE) discutia questões nacionais e as perspectivas de transformação que mo- das. O Partido Comunista tornou-se peça estratégica do jogo de alianças do período Goulart e, com seu ideário da re- bilizavam o país. O Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à UNE, foi criado em 1961 e se espalhava pelo país, travan- volução democrática e antiimperialista, exercia influência no meio sindical, estudantil e intelectual. do contato com bases universitárias, operárias e camponesas. Seu ideal era a construção de uma cultura nacional, po- • A sindicalização rural se expandia com as Ligas Camponesas. Em 1963, a Reforma Agrária tornou-se tema de pular e democrática, buscando atividade conscientizadora junto às classes populares, restituindo-lhe “a consciência de debate político nacional. si mesma”. O CPC utilizava recursos como shows de música, teatro popular, cinema, produção de revistas e livros. • Trabalhadores urbanos uniam forças, articulando-se em novos pactos sindicais.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire “Com as discussões sobre o conceito de cultura, o analfabeto descobriria que tanto é cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor, de um conhecendo mais p grande pintor, de um grande místico, ou de um pensador. Cultura é a poesia dos poetas letrados de seu país, Prêmio interamericano de cultura pelo conjunto como também a poesia de seu cancioneiro popular. Cultura é toda criação humana.” Francisco Brennand é de sua obra (1993: OEA – EUA) (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 109.) ceramista, pintor, es- cultor, desenhista,

PALAVRA GERADORA tapeceiro e gra- Recife e várias ci- conhecendo mais ✐ vador. dades do Brasil e Freire conhe- dos Estados Unidos Diferentes culturas, outras economias CULTURA ceu Brennand no exibem em edifícios A organização econômica é diferente nas diversas “Cultura, no seu sentido amplo, antropológico, culturas. Entre os indígenas brasileiros que resistem Colégio Osvaldo e prédios públicos à lógica capitalista, essas diferenças são marcantes, é tudo o que o homem cria e recria.” Cruz, em Recife. os seus painéis, es- principalmente nas sociedades mais tradicionais. Há (FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Brennand pintou, a culturas e murais um modo de vida mais simples, pois se produz para o Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 56.) convite de Paulo Freire, as dez situações pa- cerâmicos. consumo e não para juntar riquezas. Não existe acú- ra o estudo do conceito de cultura utilizadas Seus pisos e ladri- mulo de bens ou propriedade individual. A natureza por Freire nas suas primeiras experiências lhos são feitos por pertence a todos e cada família retira dela o que ne- com alfabetização de adultos. Francisco de um processo semi- cessita para viver. Paula Coimbra Brennand (Recife, PE: 1927) artesanal, com rígido Há divisão de tarefas: homens preparam o terreno para o plantio, se encarregam da caça e da pesca, não completou o curso de direito e se dedicou controle de qualida- defendem a aldeia de perigos. Mulheres cuidam das à pintura. Viajou da França a vários outros de e pequena escala de produção. crianças e da casa, do plantio, da colheita e prepa- países aperfeiçoando a arte cerâmica. Ele expõe no Brasil e no exterior. ram o alimento. Entre os 17 povos do Parque do Xingu, existe o “Moi- Obras de Francisco tará”, comércio anual de produtos, onde eles fazem a Brennand, localizadas troca de bens produzidos durante o ano. Grupos co- em sua oficina no mo os Mundurukú, Bororo e Xavante organizam-se Recife, PE. em cooperativas ou associações. Uma das pinturas que Francisco Brennand produziu, a pedido de A difícil resistência no ambiente adulterado Paulo Freire, para as suas primeiras experiências com Alguns povos, como os Ianomâmi, cujas terras e cul- a alfabetização de adultos. turas são violentadas pela presença de grandes em- “Todos os povos têm cultura, porque trabalham, presas capitalistas, sofrem doenças, fome e desnutri- porque transformam o mundo e, ao transformá-lo, ção. Desequilíbrios socioambientais, em razão de se transformam. A dança do povo é cultura. A mú- uma superexploração irracional, dificultam a produ- sica do povo é cultura, como cultura é também a ção de subsistência, diminuem suas terras férteis, di- forma como o povo cultiva a terra. Cultura é tam- zimando plantas e animais. Em situações semelhan- bém a maneira que o povo tem de andar, de sorrir, tes, outros povos indígenas precisam comprar rou- de falar, de cantar, enquanto trabalha (...) Cultura pas, remédios e comida e até trabalhar como mão- são os instrumentos que o povo usa para produzir. de-obra assalariada. Povos como os Guarani, Teréna, Cultura é a forma como o povo entende e expressa Pankararu e Pataxó tiveram suas terras invadidas ou o seu mundo e como o povo se compreende nas ocupadas, perderam espaço para a agricultura e pre- suas relações com o seu mundo. Cultura é o tam- cisaram se adaptar a esses novos tipos de economia. bor que soa pela noite adentro. Cultura é o ritmo Esses e outros povos fornecem ouro, madeira, artesa- do tambor. Cultura é a ginga dos corpos do povo nato, farinha, banana, mel etc. ao mercado regional. ao ritmo dos tambores.” (MUNDURUKU, Daniel. Coisas de Índio. São Paulo: Callis, (FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três 2000, p. 54-6.) artigos que se completam. 45. ed. São Paulo: Cortez / Autores Associados, 2003, p. 75-6.) 26 27

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire “Para a concepção crítica, o analfabetismo nem é uma ‘chaga’, nem uma ‘erva da- “Que podem um trabalhador camponês ou um trabalhador urbano retirar de positivo para seu que-fazer ninha’ a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade, mas uma das expressões con- no mundo, para compreender, criticamente, a situação concreta de opressão em que se acham, através de um cretas de uma realidade social injusta.” trabalho de alfabetização em que se lhes diz, adocicadamente, que a ‘asa é da ave’ ou ‘Eva viu a uva’?” (FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, “Mais que escrever e ler que ‘a asa é da ave’, os alfabetizandos necessitam perceber a necessidade de p. 15-6.) um outro aprendizado: o de ‘escrever’ a sua vida, o de ‘ler’ a sua realidade, o que não será possível se

não tomam a história nas mãos para, fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos.”

PALAVRA GERADORA Brasil – Analfabetismo em pessoas ✐ de 15 anos ou mais (FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 11-2)

Ano Número % sobre o total

ANALFABETO PALAVRA GERADORA PALAVRA GERADORA ✐ em milhões da população ✐

Paulo Freire nos fala da posição astuta ou ingê- 1920 11,4 64,9 nua que omite a causalidade política e deixa de ALFABETIZAÇÃO CÍRCULO DE 1960 15,9 39,6 denunciar o discurso ideológico que se refere aos 2000 16,2 13,6 A alfabetização é um tema recorrente na obra de CULTURA analfabetos como seres incapazes, indolentes e Paulo Freire. Mas sua principal contribuição como um Em suas primeiras experiências com educação preguiçosos. Fonte: IPM (Instituto Paulo Montenegro) dos mais conceituados educadores do nosso tempo de adultos, em Recife, Paulo Freire criou o círculo não é apenas a criação de um método de alfabetiza- “Ninguém é analfabeto por eleição, mas como de cultura em lugar da sala de aula tradicional. Leitura do mundo ção de adultos, no início da década de 1960. O méto- conseqüência das condições objetivas em que se en- Em lugar das aulas exclusivamente expositivas, do Paulo Freire de alfabetização de adultos ainda não o diálogo. Em lugar do professor orador, o coorde- contra. Em certas circunstâncias, ‘o analfabeto é o Mais da metade da população brasileira era anal- foi suficiente e amplamente resgatado e recriado na nador de debates e animador cultural. homem que não necessita ler’, em outras, é aquele fabeta em 1920. A taxa de analfabetismo diminuiu sociedade brasileira e consiste numa parcela da tota- Em lugar de aluno, com tradições passivas, o ou aquela a quem foi negado o direito de ler.” gradativamente, mas o número absoluto de analfa- lidade do legado freireano. Freire deve ser entendido participante de grupo. (FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5. ed. Rio de betos só começa a diminuir a partir de 1980. Em como um representante da concepção ético-político- Em lugar dos conteúdos idealizadores da reali- Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 15.) 2003, a taxa era de 11,6% de analfabetos. pedagógica progressista que abrange a complexidade dade, os temas geradores, a discussão crítico-cria- de uma prática pensada da educação em sua relação tiva da realidade. com a sociedade global brasileira e mundial. Em lugar de treinar pessoas para simplesmente se adaptarem, formar agentes sociais de mudança. MAPA DO ANALFABETISMO ( INEP ) “A alfabetização implica não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de síla- (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. • O país ainda possuía, em 2000, uma taxa de 13,6% de analfabetos (entendidos como pessoas bas, desgarradas de um universo existencial, mas Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 103.) de 15 anos ou mais que se declaram incapazes de ler e escrever um bilhete simples) e 27,3% de uma atitude de criação e recriação. Implica uma analfabetos funcionais (pessoas de 15 anos ou mais, com menos de quatro séries concluídas). autoformação de que possa resultar uma postura in- • Grande parte dos analfabetos iniciou e desistiu de continuar os estudos. 35% dos analfabe- terferente sobre seu contexto.” tos brasileiros já freqüentaram a escola, segundo dados do IBGE de 2001. • A maior concentração de analfabetos está na população de 60 anos ou mais (34%). (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liber- • O analfabetismo é maior nas regiões norte e nordeste. Quanto mais baixa a renda familiar, dade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 111.) maior é o índice de analfabetismo, que chega a ser 20 vezes maior entre os mais pobres. No meio “A alfabetização de adultos era tratada e realiza- rural brasileiro, a taxa de analfabetismo é três vezes superior à da população urbana, e o contras- da de forma autoritária, centrada na compreensão te é ainda maior na região nordeste. A taxa de analfabetismo entre negros e pardos é duas vezes mágica da palavra, palavra doada pelo educador aos maior do que aquela obtida entre os brancos e amarelos. analfabetos; se antes os textos geralmente ofereci- • Seriam necessários 200 mil alfabetizadores para zerar o índice do analfabetismo brasileiro, em dos como leitura aos alunos escondiam muito mais quatro anos. do que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como Acima: povo nômade do deserto do Quênia em Círculo de Cultura. ato criador e como ato político é um esforço de lei- Ao lado: artesanato, de Olinda, representa Por que ainda o analfabetismo? tura do mundo e da palavra.” Paulo Freire em Círculo de Cultura. Essas, entre outras, são causas responsáveis pelo analfabetismo no Brasil: a ausência de políticas públicas consistentes (FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três arti- de educação no campo, penalizando minorias étnicas, indígenas e quilombolas. O abandono das classes mais pobres na ci- gos que se completam. São Paulo: Cortez / Autores dade. A oferta insuficiente de educação infantil. O baixo investimento na formação e valorização de alfabetizadores. A po- Associados, 1989, p. 18.) breza que conduz milhões de crianças ao trabalho infantil.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Recife, cidade minha, Recife, cidade minha, proclamo alto: Um golpe, tantas perdas já homem feito teus cárceres experimentei. se alguém me ama Um dois três quatro a ti te ama. quatro três dois um Se alguém me quer O Golpe de Estado, instaurado no Brasil em 1º de abril de 1964, levou ao poder as Forças pra frente pra trás que a ti te queira. Armadas. Foi então decretado o AI-1 (Ato Institucional 1), que cassou mandatos, suspendeu a imu- apitos – acerta paso Se alguém me busca nidade parlamentar e os direitos políticos e acabou com as garantias de vitaliciedade dos magistra- soldado não pensa que em ti me encontre: um dois três quatro nas tuas noites, dos e a estabilidade dos funcionários públicos. O Brasil, então, passou a viver sob séria censura aos quatro três dois um nos teus dias meios de comunicação e aos chamados de “esquerda”, tidos como comunistas. direita esquerda nas tuas ruas alto! esquerda direita nos teus rios Foi nesse contexto que o método de alfabetização de adultos, criado pelo educador Paulo Freire, soldado não pensa no teu mar foi considerado uma ameaça ao sistema, pois buscava a conscientização, o protagonismo político e no teu sol a transformação de cada alfabetizando em sujeito de sua própria aprendizagem e de sua história. Recife, cidade minha, na tua gente já homem feito teus cárceres experimentei no teu calor Por isso, Paulo Freire foi preso no 14o Regimento de Infantaria em Recife, em 16 de junho, acusa- o que queria nos teus morros do de atividades subversivas. o que quero e quererei nos teus córregos é que homens – todos os homens na tua inquietação possam comer no teu silêncio Lendo alguns trechos do poema RECIFE SEMPRE, escrito por Paulo Freire, em fevereiro de 1969, possam vestir na amorosidade de quem lutou no Chile, podemos imaginar os sentimentos que ele experimentou na prisão, em Recife (1964). possam calçar e de quem luta possam criar de quem se expôs e que os meninos não tenham fome e de quem se expõe (...) Recife sempre. Recife, onde tive fome Recife não tenham dor de quem morreu Teus homens do povo onde tive dor possam brincar e de quem pode morrer queimados do sol sem saber por que possam sorrir buscando apenas, cada vez mais, gritando nas ruas, ritmadamente: onde hoje ainda possam cantar que menos meninos chora menino pra comprar pitomba tantos, terrivelmente tantos, possam amar tenham fome e tenham dor eu tenho lã de barriguda pra “trabiceiro”! sem saber por que e amados possam ser. (...) sem saber por que (...) Doce de banana e goiaba! (...) têm a mesma fome Continuava gritando, têm a mesma dor, andando apressado raiva de ti não posso ter. (In: FREIRE, Paulo e GUIMARÃES, Sérgio. Aprendendo com o própria história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 155-60.) sem olhar para trás Recife, onde um dia tarde sem olhar para o lado com fome, sem saber por que para rir : o nosso homem-brinquedo. pensei tanto nos que não comiam Foi preciso que o tempo passasse nos que não vestiam que muitas chuvas chovessem nos que não sorriam que muito sol se pusesse nos que não sabiam que muitas marés subissem e baixassem o que fazer da vida que muitos meninos nascessem Pensei tanto que muitos homens morressem nos deserdados que muitas madrugadas viessem nos maltratados que muitas árvores florescessem nos que apenas se anunciavam que muitas Marias amassem mas que não chegavam que muitos campos secassem nos que chegavam que muita dor existisse mas que não ficavam que muitos olhos tristes eu visse nos que ficavam para que entendesse mas não podiam ser que aquele homem-brinquedo nos meninos era o irmão esmagado que já trabalhavam era o irmão explorado antes mesmo de nascer – Ilustração: Julio Moreira era o irmão ofendido no ventre ainda, ajudando a mãe o irmão oprimido a pedir esmolas proibido de ser a receber migalhas – era o irmão ofendido também descaso de olhares frios – o irmão oprimido proibido de ser. Recife, raiva de ti não posso ter.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire CIDADÃO DO MUNDO conhecendo mais p Ainda em 1964 acontecia Depois de 70 dias na prisão, Paulo Freire conseguiu a li- no Brasil e no mundo... berdade, mas não a segurança de poder continuar o seu trabalho de edu- cador e filósofo da educação sem ser novamente preso. Assim, contra a Olimpíadas de Tóquio 1964 sua vontade, em setembro de 1964, parte para o exílio. Anita Malfatti faleceu em 6 de novembro de 1964 “Um dia, proibido de ser, me vi longe de minha terra”, disse Paulo • O Brasil participou desses Freire. Jogos Olímpicos com 70 atletas. Sua exposição de 1917 foi marco da re- Saiu do Brasil com um contrato de assessoria para o Ministério da • O voleibol estréia em Tóquio novação das artes no Brasil. Educação da Bolívia. Vitor Paz Estenssoro, o então presidente, líder do como modalidade olímpica e o A reação às severas críticas que recebeu causaram uma polêmica que resultou em Movimento Nacionalista Revolucionário, que implantou o voto secreto, Paulo Freire, em 1964. Brasil garantiu a 7ª colocação. a reforma agrária e a nacionalização das minas, foi solidário aos brasi- • O basquete brasileiro ga- união de idéias, forças e ações que se tra- duziram num movimento que acabou por leiros exilados. Mas acabou sendo deposto pelo general Barrientos, que imporia ao povo boliviano nhou medalha de bronze. gerar a Semana de Arte Moderna de 1922. uma cruel ditadura. Pressionado pelas tensões políticas do golpe militar na Bolívia, onde per- • Outros brasileiros fizeram maneceu em torno de um mês, Paulo Freire parte para Arica, no Chile. bonito: Nelson Pessoa Filho, no Hipismo, ficou em 5o lugar; Aída dos Santos em 4o lugar no Para Paulo Freire foi difícil suportar a altitude Salto em altura e João Henrique da Silva clas- o de 3.600 m de La Paz. Nessa altitude, a rarefa- saber cuidar sificou-se em 5 lugar no Boxe. ção do oxigênio no ar provoca uma diminuição

da resistência ao esforço e mal-estar. Doenças respiratórias como a bronquite, rinite e asma atingem milhões de pessoas em todo o mundo e causam grande prejuízo econômico aos QUE LUGAR É ESSE? sistemas de saúde e ao mercado de trabalho. O maior dos responsáveis por isso é a poluição do ar. O ar é poluído principalmente pelas queima- República da Bolívia das, atividade industrial, agropecuária, pulveriza- ção de agrotóxicos e veículos. Área: 1.098.581 km2 Os danos não se restringem aos seres humanos Moeda: Boliviano – todo o ambiente é afetado. Os maiores impactos O homem amarelo (1915-1916), de Anita Malfatti. Língua oficial: Espanhol, da toxidez do ar são a redução da camada de ozô- Óleo sobre tela, 61x51 cm. Quéchua e Aimará nio (que protege a Terra dos raios ultravioletas do Capital: Sucre sol), o efeito estufa (elevação da temperatura da Painel de Santa Bárbara Sede do Governo: La Paz Terra) e a chuva ácida, que mata plantas e ani- Foi concebido pela pintora Djanira Em 11 de dezembro de 1964, Ernesto mais, além de causar danos ao patrimônio históri- A cultura boliviana apresenta influências dos incas da Motta e Silva, em 1964, e executado por co e artístico. oferece o apoio de Cuba para as lutas de liber- e de povos indígenas na música, vestuário e na re- Adolpho Soares, para homenagear os 18 tação do Terceiro Mundo, ligião. O entretenimento mais comum é o futebol e operários que morreram num desabamento em discurso antiimperialis- a festa mais popular é El Carnaval de Oruro, consi- Você sabia ? quando construíam o Túnel Santa Bárbara ta na ONU. derada patrimônio cultural da UNESCO. ? no Rio de Janeiro. A Bolívia não possui litoral, mas tem um grande Podemos contribuir para? a melhoria do ar: • Plantando árvores; Santa Bárbara é padroeira dos mineiros e “Hay que endurecerse lago que faz fronteira com o Peru: o Titicaca. A ? •? Denunciando desmatamentos; de trabalhadores em galerias subterrâneas. pero sin perder maioria da população vive no Altiplano, planalto ? • Evitando queimadas; O painel encontra-se hoje no MNBA – central do país, e no ocidente encontra-se o Salar ? la ternura jamás.” • Mantendo os veículos regulados? e usando-os só Museu Nacional de Belas Artes – RJ. Che Guevara (1928-1967) de Uyuni, a maior planície de sal do mundo. quando estritamente? necessários.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Chile, 1964 a 1969 – as idéias em prática conhecendo mais Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente) “Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Pai- QUE LUGAR É ESSE? Thiago de Mello (Santiago do Chile, abril de 1964) xão, saudade, tristeza, esperança, desejo, so- Artigo I com seu olhar limpo nhos rasgados, mas não desfeitos, ofensas, Fica decretado que agora vale a verdade. porque a verdade passará a ser servida saberes acumulados, nas tramas inúmeras República do Chile agora vale a vida, e de mãos dadas, antes da sobremesa. vividas, disponibilidade à vida, temores, re- marcharemos todos pela vida verdadeira. (...) Artigo VII Área: 756.950 km2 (...) Artigo IV Por decreto irrevogável fica estabelecido ceios, dúvidas, vontade de viver e de amar. Moeda: Peso chileno Fica decretado que o homem o reinado permanente da justiça e da claridade, e a Esperança, sobretudo.” Língua oficial: não precisará nunca mais alegria será uma bandeira generosa duvidar do homem. para sempre desfraldada na alma do povo. (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reen- Castelhano contro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Que o homem confiará no homem (...) Artigo IX Capital: Santiago Terra, 1992, p. 35.) como a palmeira confia no vento, Fica permitido que o pão de cada dia como o vento confia no ar, tenha no homem o sinal de seu suor. como o ar confia no campo azul do céu. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da No Chile, Paulo Freire foi convidado, por Parágrafo único: ternura. Jacques Conchol, a integrar o Ministério da O homem confiará no homem (...) Artigo Final Reforma Agrária e coordenar a campanha de como um menino confia em outro menino. Fica proibido o uso da palavra liberdade, Artigo V a qual será suprimida dos dicionários alfabetização dos camponeses chilenos. Fica decretado que os homens e do pântano enganoso das bocas. Foi nesse país que ele conseguiu pôr em estão livres do jugo da mentira. A partir deste instante prática as suas idéias e onde experimentou a Nunca mais será preciso usar a liberdade será algo vivo e transparente a couraça do silêncio como um fogo ou um rio, sua metodologia em um ambiente diferente nem a armadura de palavras. e a sua morada será sempre daquele em que ela foi concebida. O homem se sentará à mesa o coração do homem. Freire reencontrou-se com sua esposa Elza e com seus filhos vindos do Brasil em janeiro Santiago é a capital do Chile. Com quase 5 de 1965. Em Santiago retomaram o convívio Thiago de Mello, poeta amazonense, em en- “Eita, Thiago velho de guerra, amigo-sempre, milhões de habitantes, está situada junto trevista ao jornal O Estado de São Paulo, em familiar, tão importante para ele. companheiro imenso. [...] Precisamos de você, da à base da Cordilheira dos Andes e aproxi- 8/5/1999, conta que em seu exílio no Chile, on- sua fé e coragem, do seu desprendimento, da sua Os permanentes diálogos e a convivência madamente a 50 km do Oceano Pacífico. de reencontrou Paulo Freire, dirigiu um peque- poesia – um grito de amor e de esperança, espe- afetuosa os fizeram uma família feliz, a O clima do Chile varia de seco ao norte, no no coral onde cantava Pablo Neruda, um dos rança na manhã de um amanhã de liberdade que quem Paulo Freire, tantas vezes, dedicou os mais árido deserto do planeta, o deserto de mais importantes poetas em língua espanhola do homens e mulheres, oprimidos hoje, teremos de seus escritos. Atacama, ao frio úmido do sul, no ponto século XX. criar. Poeta que propõe aos oprimidos um discur- so diferente – sua ´palavração´. Um discurso per- mais próximo da Antártida. No centro, um manente, que abalará vales e montanhas, rios e vale fértil possibilita a produção de frutas mares e deixará atônitos e medrosos os atuais do- e de vinho, os grandes produtos de expor- nos do mundo. [...] Agüente o barco, querido tação do país. amigo! Muitas madrugadas, cheias de orvalho macio, esperam por você. Andarilho da liberda- de, você tem ainda muitos trilhos a percorrer; seus braços longos, muitas crianças a abraçar; Pablo Neruda (1904-1973) Thiago de Mello (1926- ) Com outros exilados do Brasil, durante a suas mãos, muitos poemas a escrever.” “... o maior dos sofrimentos: sua estada no Chile, Paulo Freire refletia não ter por quem sentir saudades, passar (FREIRE, Paulo. “Carta de Paulo Freire para sobre a realidade brasileira enquanto de- Thiago de Mello [Genebra, 13 jan., 1974]”. In: pela vida e não viver.” senvolvia suas experiências educativas. MELLO, T. de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de (Pablo Neruda em “Saudade”.) poemas. 2. ed. 1987, p. 319.) Charge de Ziraldo

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire conhecendo mais p Ditadura x Poesia No exílio, Paulo Freire escreveu seus primeiros livros

Fui assassinado. dos eletrocutados, [...] meu ofício sobre a terra Morri cem vezes dos “suicidas”, é ressuscitar os mortos Educação como prática da liberdade Extensão ou Comunicação? e cem vezes renasci dos “enforcados” e “atropelados”, e apontar a cara dos assassinos. sob os golpes do açoite. dos que “tentaram fugir”, dos enlouquecidos. [...] Venho falar Escrito em 1967, é uma reflexão sobre as Paulo Freire reflete sobre a questão da co- [...] Fui poeta pela boca de meus mortos. suas experiências pedagógicas. municação no meio rural, entre agrôno- como uma arma Sou o poeta Sou poeta-testemunha, Aqui Paulo Freire reafirma a sua concep- mos com formação acadêmica e homens para sobreviver dos torturados, poeta da geração de sonho e ção de educação conscientizadora e seu simples, cuja experiência foi construída no e sobrevivi. dos “desaparecidos”, sangue dos atirados ao mar, sobre as ruas de meu país. potencial de força de cotidiano da lida com a terra. Discute o [...] Porque sou o poeta sou os olhos atentos mudança e libertação. conceito de invasão cultural, de ex- dos mortos assassinados sobre o crime. “O processo de educa- tensão, revista em seu Pedro Tierra – Poema prólogo de “Poemas do Povo da Noite” ção não se completa sentido lingüístico e na etapa de desvela- filosófico, e a refor- Hamilton Pereira da Silva, preso pela ditadura por 5 anos, escreveu inúmeros poemas, fingindo mento de uma reali- ma agrária. serem de um tal poeta latino Pedro Tierra. Escrevia-os em papel de maço de cigarros e, para enviá- dade, mas só com a los para fora da prisão, enrolava-os dentro de uma caneta, que trocava com seu advogado. Assim prática da trans- nasceu seu livro “Poemas do Povo da Noite”, publicado em 1975, quando ainda estava preso. formação dessa realidade.” Pra não dizer que não falei de flores

Assim que Geraldo Vandré apresentou esta canção no III Festival Internacional da Canção, em 1968, ela alcançou o coração do país, tornando-se uma espécie de hino estudantil, apesar de ter perdido para “Sabiá”, sob ruidosos protestos da platéia. Ele já havia vencido o II Festival de MPB da TV Excelsior com “Porta Estan- Ação Cultural para a Liberdade Pedagogia do Oprimido darte”, onde cantava: “Levando pra quem me ouvir/ Certezas e esperanças pra tro- car / Por dores e tristezas que bem sei / Um dia ainda vão findar”. Escrito em 1968, é uma coletânea de tex- Esses três primeiros livros de Freire deram Exilado, tornou-se símbolo de resistência à ditadura. t tos de reflexão sobre a alfabetização. forma ao “método Paulo Freire”, anuncia- do em sua obra prima: a Pedagogia do Caminhando e cantando e seguindo a canção Nos quartéis lhes ensinam antiga uma lição Propõe um processo pedagógico que pos- Somos todos iguais braços dados ou não De morrer pela pátria e viver sem razão sibilite ao alfabetizando a compreensão do Oprimido, cujos originais foram escritos no Chile entre 1967 e 1968, mas publicados Nas escolas nas ruas, campos, contruções t U ato de ler, a partir de seu contexto social, Caminhando e cantado e seguindo a canção Vem vamos embora que esperar não é saber pela primeira vez, em inglês, nos Estados por meio da prática de diálogo conscien- Quem sabe faz a hora não espera acontecer Unidos em 1970. Considerada a mais radi- Vem vamos embora que esperar não é saber tizador e gerador de uma U cal proposta pedagógica pensada a partir da Quem sabe faz a hora não espera acontecer Nas escolas, nas ruas, campos, construções Somos todos soldados, armados ou não reflexão crítico-liberta- realidade do Terceiro Mundo, Pedagogia do Pelos campos a fome em grandes plantações Caminhando e cantando e seguindo a canção dora. Oprimido enfatiza as idéias de Pelas ruas marchando indecisos cordões Somos todos iguais, braços dados ou não t Ainda fazem da flor seu mais forte refrão Os amores na mente, as flores no chão U que todo processo educativo é E acreditam nas flores vencendo o canhão A certeza na frente, a história na mão r um processo político. O diálo- Caminhando e cantando e seguindo a canção go é a essência desse processo Vem vamos embora que esperar não é saber Aprendendo e ensinando uma nova lição Quem sabe faz a hora não espera acontecer e o sentido que a ação educa- Vem vamos embora que esperar não é saber U tiva deve ter igualmente para Há soldados armados, amados ou não Quem sabe faz a hora não espera acontecer educador e educando. Quase todos perdidos de armas na mão r

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Leitura do mundo Em Genebra

Como professor convidado, Freire esteve no Paulo Freire x MOBRAL México em 1966 para conferências e seminá- O Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – foi criado em 1969 para “erradicar” o analfabetismo do rios e nos Estados Unidos em 1967, para on- Brasil, em dez anos. Enquanto o objetivo do Programa Nacional de Alfabetização, elaborado por Paulo Freire, em de voltou de 1969 a 1970. 1963, era alfabetizar despertando no jovem e no adulto um processo de conscientização sobre a realidade vivida, Viveu, depois, por dez anos em Genebra pela transformação dessa mesma realidade, o MOBRAL propunha um programa de alfabetização funcional, visando (Suíça), de 1970 a 1980, como consultor es- à aquisição de técnicas de leitura, escrita e cálculo. pecial no Departamento de Educação do O método de alfabetização empregado pelo MOBRAL fez uso do Método Paulo Freire, esvaziando seu teor poli- Conselho Mundial de Igrejas. Freire lecionou tizador. “Palavras geradoras” também estavam presentes nos procedimentos de alfabetização do MOBRAL, mas não na Universidade de Genebra e, nessa função no sentido dado por Paulo Freire: palavras selecionadas dentre os vocábulos mais usados pela população a ser alfa- betizada. O MOBRAL utilizava, contraditoriamente, palavras “geradoras” padronizadas para todo o Brasil, desconsi- de consultor, viajou para Ásia, Oceania, Amé- derando as realidades locais. Foi extinto em 1985 com o fim do Regime Militar. rica e para países de língua portuguesa na África (Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau). Leitura do mundo Você sabia ? O IDAC ? Em 1971, Paulo e Elza Freire, Claudius No período militar, hou- Escolas Indígenas Ceccon, Miguel e Rosiska Darcy de Oliveira, ve expansão desordenada? brasileiros também exilados, criam o Instituto das fronteiras da agricul- Somente há pouco tempo, e apenas em algumas de Ação Cultural, o IDAC. O grupo do IDAC tura sobre? áreas de flores- regiões do país, escolas indígenas passaram a de- assessorou projetos de educação na África, que tas nativas. senvolver conteúdos curriculares e metodologias ? se alongaram por cinco anos na Guiné-Bissau. Chico Mendes Em 1971, o termo “agro- de ensino e aprendizagem em correspondência A sede do IDAC se transferiu para o Rio de tóxico” foi cunhado pelo ambientalista José com as necessidades e reivindicações expressas Janeiro e São Paulo, por ocasião do regresso de Lutzenberger, que denunciou a contaminação do localmente. São escolas cujo calendário de aulas solo, das águas, dos alimentos, pessoas e animais, Freire ao Brasil. respeita o calendário social e ambiental do povo Manuscrito do poema “Canção Óbvia”, escrito provocada por defensivos agrícolas. indígena, a fim de que alunos e alunas possam “Vivendo e Aprendendo. Experiências do IDAC em por Paulo Freire em Genebra, em março de 1971. (Publicado no Em 1976, Chico Mendes, ambientalista as- livro Pedagogia da indignação e outros escritos, p. 5.) participar das atividades produtivas e culturais Educação Popular.” sassinado em 1988, chamou a atenção da mídia tradicionais de suas famílias e do processo de Este é o título do livro publicado no Brasil, por nacional e internacional para o desmatamento Paulo Freire, em parceria com Claudius Ceccon, aprendizagem tradicional de seu grupo. da floresta amazônica. Liderou ações pacíficas Rosiska e Miguel Darcy de Oliveira. (São Paulo: contra o desmatamento, reunindo um grande Brasiliense, 1980.) número de seringueiros, índios, pescadores e tra- Morena Tomich balhadores rurais que, de mãos dadas, faziam o “empate”, cercos humanos nas florestas e mar- gens de rios ou abraçavam-se às árvores, a fim de impedirem a sua derrubada por empregados de fazendeiros e seringalistas, armados de foices, machados e moto-serras. Em 1985, Chico Mendes propôs as Reser- vas Extrativistas. Nelas, os povos da floresta Acima: Paulo Freire ao lado do educador austríaco Ivan Illicht, traçam um plano de uso sustentável dos recur- em Genebra, 1971. sos naturais. Crianças na escola da Terra Indígena À esquerda: Paulo Freire com Claudius Ceccom e Rosiska Darcy de Mekragnoti, no sul do Pará. Oliveira, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Genebra, em 1979. 38 39

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire QUE LUGAR É ESSE? “Ser cristão não significa necessariamente ser reacionário, como ser revolucionário não impli- conhecendo mais ca ser ‘demoníaco’. Ser revolucionário significa estar contra a opressão, contra a exploração, em Suíça favor da libertação das classes oprimidas, em termos concretos e não em termos idealistas.” p Parceria Suíça e Brasil (FREIRE, Paulo . Ação cultural para a Liberdade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 91.) Capital: Berna Localização: Europa central Entre os dois países há antigas e recentes Fronteiras: França, Alemanha, relações comerciais, acordos e tratados: A dimensão do sagrado conhecendo mais Itália, Áustria e Liechtenstein • As empresas suíças em nosso país ge- Idiomas nacionais: Alemão, ram cerca de 87 mil empregos. Em várias oportunidades, nos seus livros, pales- p Você sabe o que é francês, italiano e romanche • Verificou-se, em 2004, um ligeiro au- tras ou em seus depoimentos gravados, Paulo Freire Principais atividades: indústria e serviços “mais-valia”? se posiciona como cristão e revolucionário. Principais produtos: máquinas, produtos químicos mento de 8% das importações e as expor- Para alguns, não é compreensível essa dupla re- e farmacêuticos, relógios tações brasileiras para a Suíça cresceram Para (1818-1883), na socie- em 13%. ferência. Haveria compatibilidade em ser cristão e ser, ao mesmo tempo, marxista? dade capitalista, a divisão social do trabalho • Em maio de 2004, autoridades suíças Freire nos fala que foi como camarada de gera e é gerada pela desigualdade social. Ela e brasileiras assinaram o “Acordo de Cristo que ele se aproximou dos favelados, desde separa seres humanos em proprietários e Cooperação Jurídica em Matéria Penal”, os tempos de educador iniciante. E foi para melhor não-proprietários. Os primeiros exercem o um poderoso instrumento que facilita o compreender a situação de pobreza, desigualdade poder sobre os segundos, que são explorados trabalho conjunto dos dois países na luta e injustiça social que ele se aproximou do pensa- economicamente e dominados politicamen- contra o crime. mento marxista. te. É a dominação de uma classe social sobre • Já foram assinados tratados bilaterais (PRIOLLI, Gabriel. In: Paulo Freire in memoriam. São outra. A essência do capitalismo é o lucro so- em áreas como a Aviação Civil, a Coope- Paulo: TV PUC, 1997, sonoro, sem legenda, colorido.) bre o trabalhador, que produz muito mais A Suíça é um país de pequenas dimensões territo- ração Técnica e Científica e a Promoção e do que vale o seu salário. riais, se comparado ao Brasil. Nossa população é Proteção de Investimentos. A filosofia de Freire tem uma relação próxima A diferença entre o valor do que produz e estimada em 182,9 milhões (janeiro de 2005) pelo • Em 2004, a Suíça colaborou com vá- do pensamento católico, principalmente com a o valor de seu salário é a “mais-valia”, que é Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – rios projetos no Brasil, entre eles: Teologia da Libertação. Ela encontra grande resso- 2 IBGE, numa área de 8.547.403 km . A população - Grupo Tortura Nunca Mais – à área nância entre educadores cristãos e progressistas. apropriada pela classe dominante. A origem da Suíça é de 7,5 milhões de habitantes (em de Saúde e Direitos Humanos da rede pú- Nos anos 70, enquanto Freire atuava como o do capital, portanto, é o trabalho não pago. 2004) e a superfície de 41.285 km2. blica – RJ; principal consultor do Departamento de Educa- A classe que explora economicamente só A nação tem uma forte tradição de neutralidade - Direito à Moradia – às Comunidades ção, no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, poderá manter seus privilégios se dominar po- política e militar e de cooperação internacional. É Remanescentes dos Quilombos; a sua filosofia de educação problematizadora al- liticamente, isto é, se dispuser de instrumentos sede de muitas organizações internacionais, inclu- - Associação para o Eco-Desenvol- cançou educadores progressistas da América para essa domina- sive da Cruz Vermelha Internacional. Latina, passando a ser adotada em projetos edu- vimento – às mulheres artesãs – MG; ção. Esses instru- cacionais regionais ou nacionais no Chile, Peru, Os Alpes suíços, paisagem característica, com - Associação Suíço-Brasileira de Ajuda mentos são dois, o Equador, Uruguai, Argentina e México. altos picos montanhosos, estendem-se pelo à Criança – à capacitação profissional pa- aparelho de coer- centro-sul do país. O mais alto é o Pico Dufour, ra jovens – SP. ção e repressão so- de 4.364 m. cial do Estado e a Embaixada da Suíça: Genebra é a segunda maior cidade e fica no ideologia. http://www.eda.admin.ch/brasilia_emb/p/home/c extremo oeste da Suíça, junto ao lago Leman. handbr.html É uma cidade de negócios, de espírito aberto e de grande sensibilidade internacional. Karl Marx

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire

PALAVRA GERADORA ✐ conhecendo mais Paulo Freire na África UTOPIA p Paixão pela Utopia Na qualidade de consultor do Departamen- QUE LUGAR É ESSE? to de Educação no Conselho Mundial de Este conceito está insistentemente presente na Igrejas, Paulo Freire viaja para a Tanzânia, on- práxis de Paulo Freire. Significa o sonho possível, ba- Num dos trechos de seu discurso de agra- África de o partido socialista revolucionário amplia nhado de esperança. A história está aberta às possi- decimento, por ocasião da cerimônia da en- trega do título de Doutor Honoris Causa, ofe- consideravelmente o índice de alfabetização. bilidades e, desde agora, nós somos os sujeitos co-di- recido pela UNICAMP-SP, em 24 de outubro Freire viaja várias vezes para a África. Logo rigentes desse devir: de 2000, diz Dom Pedro Casaldáliga: em seguida, com pessoas da equipe do IDAC, [...] “A paixão que poderia, mais ou menos, Freire é convidado a assessorar projetos nacio- “Enquanto presença na História e no mundo, es- justificar o título que a Universidade me con- nais de educação de adultos em Cabo Verde, perançosamente luto pelo sonho, pela utopia, pela cede é a paixão pela utopia. [...] Uma paixão São Tomé e Príncipe e na Guiné-Bissau. esperança, na perspectiva de uma Pedagogia crítica. que, em primeira e última instâncias, coincide GUINÉ-BISSAU O projeto de assessoria na Guiné-Bissau se E esta não é uma luta vã.” com a melhor paixão da própria Humanida- desenvolveu nos anos 70. O país acabava de se de, quando ela se quer plenamente humana, (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: libertar do colonialismo português (1974) e UNESP, 2000, p. 53.) autenticamente viva e definitivamente feliz.” Casaldáliga declama os versos do poeta era liderado pelo “Partido Africano da Inde- pendência da Guiné e Cabo Verde” – PAIGC, “Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia Oscar Campana: de orientação marxista e chefiado por Luiz não é o idealismo, é a dialetização dos atos de de- Se não houver caminho que nos leve Cabral, irmão de Amílcar Cabral, o revolucio- nunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura “A cor do céu, o verde-azul do mar, os coquei- nossas mãos o abrirão, nário assassinado. desumanizante e de anunciar a estrutura humani- ros, as mangueiras, os cajueiros, o perfume de e haverá lugar para as crianças, Em 1977, Freire escreve sua obra mais pró- zante. Por esta razão a utopia é também um compro- suas flores, o cheiro da terra; as bananas, entre para a vida e para a verdade; xima da ação revolucionária, “Cartas à misso histórico.” elas a minha bem-amada banana-maçã; o peixe e esse lugar será de todos, Guiné-Bissau – Registros de uma experiência ao leite de coco; os gafanhotos pulando na gra- (FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Cortez & na justiça e na liberdade. em processo”. ma rasteira; o gingar do corpo das gentes andan- Moraes, 1979, p. 16.) Se alguém se anima, avise: Na Guiné-Bissau, Luiz Cabral é deposto seremos dois a começar. do nas ruas, seu sorriso disponível à vida; os tam- por um golpe militar, em 1980. bores soando no fundo das noites; os corpos bai- Dom Pedro Casaldáliga (Espanha, 1928). lando e, ao fazê-lo, ‘desenhando o mundo’, a pre- Ordenado Bispo de São Felix do Araguaia, sença, entre as massas populares, de expressão MT, em 1971, é escritor, poeta e autor de de sua cultura que os colonizadores não conse- dezenas de livros. É um representante da guiram matar, por mais que se esforçassem para Teologia de Libertação. fazê-lo, tudo isso me tomou todo e me fez perce- ber que eu era mais africano do que pensava.”

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo (FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau. 2. ed. Rio de dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 13-4.) dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isto: para que “Quão importante foi, para mim, pisar pela eu não deixe de caminhar.” primeira vez o chão africano e sentir-me nele co- (Fernando Birri, cineasta.) mo quem voltava e não como quem chegava.” Paulo Freire trabalhando como o coordenador de alfabetização do Ministério da Educação de Guiné-Bissau, 1976. Paulo Freire

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire conhecendo mais p África em Recortes Brasil e África

Nelson Mandela (foto), uma das figuras mais importantes da história con- Grande desigualdade social temporânea, um lutador incansável pelos direitos humanos na África e no mun- saber cuidar do, foi presidente da África do Sul e recebeu o Prêmio Nobel da Paz (1993). Na África, como no Brasil, há grandes Wangari Maathai, ativista ambiental queniana, a primeira mulher da diferenças entre a população de ascendên- África a ser homenageada com o Prêmio Nobel da Paz (2004) por sua con- Desflorestamento cia européia, mais rica, e a população de tribuição pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz. Florestas exuberantes, exóticos animais, origem africana, mais pobre. cascatas, o deserto do Saara – o maior do Dos 54 países independentes, 45 apre- mundo –, as pirâmides do Egito. Mara- A ÁFRICA ESQUECIDA vilhas e mistérios convivem ao lado de tra- Apartheid sentam um baixo índice de desenvolvi- Diferente do tratamento internacional mento humano e 13 deles apresentam re- gédias como guerras, misérias, doenças e degradação ambiental. que se dá a alguns países, como Is- gressão na qualidade de vida, desde 1990. Regime político, econômico, social e ideo- rael, Iraque, Afeganistão, cujos inte- Em 8 países, Serra Leoa, Suazilândia, A África já perdeu 92% lógico imposto na África do Sul. Baseava-se resses políticos e financeiros mobili- de suas florestas primárias, na discriminação racial, que previa a sepa- Zâmbia, Zimbabue, Angola, República zam os olhares do mundo, multi- segundo declarações do Greenpeace. ração de brancos e negros. A legislação que Centro-Africana, Lesoto e Moçambique, a impedia negros de possuir os mesmos direi- dões da África, esquecidas pelas esperança de vida caiu para 40 anos ou Ameaça de extinção grandes potências, desaparecem tos da elite branca dominante foi aprovada menos. Isso se deve, em grande parte, à O elefante africano está ameaçado de em 1948. O sistema de segregação acentuou em razão da guerra, da doença e epidemia da Aids. Estas populações vi- extinção. Atualmente, os elefantes são os a desigualdade social. Nos bantustões, esta- da fome. É o que vem aconte- vem em extrema pobreza, fome e falta de maiores animais do planeta. Pesam até 12 dos oficiais de segregação, os negros não ti- cendo com o Congo, Uganda e saneamento básico. No continente, há toneladas e medem em média quatro me- nham cidadania, não votavam e eram forte- Sudão. Segundo especialistas, é ainda o problema da seca e das violentas tros de altura. mente reprimidos pela polícia. a pior crise humanitária desde lutas internas. Nelson Mandela, principal líder na luta o Holocausto, na Segunda Verde que te quero ver-te pela igualdade racial, foi o grande símbolo Guerra Mundial. No mês de maio de 2005, a mídia brasilei- de oposição ao regime racista sul-africano. ra divulgou esta preocupante notícia: no Em 1990, após décadas de pressões e lutas Religiões na Guiné-Bissau: período de 2003-2004, a estimativa do de negros e brancos do mundo inteiro contra animismo (54%); religião muçulmana (38%); e ain- desmatamento da Amazônia foi de 26.130 2 o regime, o apartheid foi extinto. Os negros da: cristãos, católicos, crenças tribais e islamismo. km . Esse número corresponde a um ritmo adquiriram os direitos de cidadania política de devastação equivalente a 200 campos e participaram da primeira eleição multirra- de futebol, por hora. cial na África do Sul, elegendo Mandela co- Guiné-Bissau mo o primeiro presidente negro no seu país. Campanha contra a Mutilação Foto: João Meirelles Filho – Ele governou de 1994 a 1999. A conquista Genital Feminina A amazônia pede socorro O ritmo de desmatamento da floresta amazônica é assusta- real da igualdade na África do Sul é No dia 6 de fevereiro de 2005, marchas pelas prin- dor. Para transformar áreas em pastos, campos de soja ou em um processo em construção, pois o cipais ruas de Bissau culminam na entrega do abai- razão da extração ilegal de madeira, apenas no ano de 2004, fim do regime não garantiu ainda a xo-assinado na Assembléia Nacional Popular. É um foram destruídos cerca de 26 mil quilômetros quadrados da O Livro de Ouro da Amazônia verdadeira cidadania aos que so- floresta amazônica. É uma área maior que o território da grande passo para a aprovação de legislação sobre Bélgica. Isso equivale à devastação de 8 campos de futebol freram décadas de opressão por a mutilação genital feminina. A retirada do clitóris por segundo. Calcula-se que, se esse ritmo se mantiver, a flo- uma minoria branca no país. feminino é um costume de origem islâmica, adota- resta amazônica desaparecerá em apenas 200 anos. do em Guiné-Bissau. (VARELA, Drauzio. “A destruição da floresta”. In: Folha de S. Paulo. Folha Ilustrada. São Paulo, 28 mai, 2005. )

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire conhecendo mais p Marcas Africanas O país amanheceu mais luminoso: no Brasil PAULO FREIRE CHEGOU O Brasil é uma nação mestiça, multicultural e, por isso, original. Para ser amorosa e solidária é necessário construir, coletivamente, um Estado de igualdade de direitos nessa rica diversidade. “Hoje, passados quin- ze anos de exílio, retorna MANIFESTO À NAÇÃO o professor Paulo Freire (fragmento) [...], com uma grandeza que As entidades presentes no Congresso Na- decorre, sobretudo, de haver posto sempre o cional pela Anistia assumiram o compromisso da seu pensamento a serviço da liberação do ho- transformação da luta pela anistia num amplo e estruturado movimento popular, entendendo mem. Ao menos hoje, apaguemos da memória que é da organização e da pressão popular que Candomblé (Carybé) Capoeira (Carybé) Culinária esses anos de pesadelo.” depende a conquista de: CAÇULA CAFUNÉ (Almino Affonso. In: Folha de São Paulo, 8/8/1979.) • fim da legislação repressiva, inclusive da MOLAMBO MOLEQUE lei de segurança nacional e da insegurança dos brasileiros; Contribuições do quimbundo, Na segunda metade da década de 1970, a • desmantelamento do aparelho de repressão língua nativa de Angola, política e fim da tortura; ao nosso vocabulário. sociedade brasileira intensificou a mobiliza- • liberdade de organização e manifestação. ção em favor das liberdades democráticas. Samba (Heitor dos Prazeres) Congada O que mais se reivindicava era uma anis- ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA tia ampla, geral e irrestrita, que pusesse fim São Paulo, 5 de novembro de 1978. a um passado de ódio, medo e injustiça e De origem negra, a arte de Mestre Didi e (Manifesto lido no encerramento do I Congresso Nacional de Rubem Valentim é simbólica e tem pro- Você sabia ? permitisse o sonho de um futuro melhor. pela Anistia, no Teatro , São Paulo – SP.) fundas ligações com o religioso. ? Um futuro que recuperasse o direito de ? pensar e de agir livremente. Diga-me, benzinho... ? Esse? nosso modo carinhoso de usar os? di- minutivos e de? assim colocar os pronomes é uma herança do modo de falar do povo conhecendo mais africano, que aqui veio na condição de escravos.? ? p O que é Anistia?

É um ato do governo, como que um “perdão” a práticas consideradas delitos políticos. Quase sempre, a anistia resulta de pressão popular dos Você sabia ? Obras de Mestre Didi (esquerda) e Rubem Valentim A culinária da senzala ? aproveitava as sobras de segmentos organizados da sociedade. A anistia ? carnes da casa-grande, tem caráter coletivo e não pode ser confundida A Lei da ANISTIA, nº 6.683, foi promul- 20 de novembro, celebra- com indulto, que é o perdão a crime comum. gada em 28 DE AGOSTO DE? 1979. usava o aipim indígena e ção da morte de Zumbi ? as verduras, misturava aos ? dos Palmares, é o Dia temperos africanos, prin- Nacional da Consciên- cipalmente o dendê e a pimenta malagueta. Sur- cia Negra giam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá. Paulo Freire chegava, como disse, com o desejo de “reaprender o Brasil”. (Da obra Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.) 46 47

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire CIDADÃO BRASILEIRO ...de volta à docência

Paulo Freire voltou à atividade docente: co- Paulo Freire. Antes, o Reitor solicitou um “pa- meçou a lecionar na Pontifícia Universidade recer sobre Paulo Freire”. , pro- Católica de São Paulo – PUC-SP. Ainda em fessor titular daquela Universidade, foi o en- 1980, após reivindicação de estudantes e pro- carregado de fazê-lo. fessores, tornou-se também professor da Universidade de Campinas – UNICAMP, onde Rubem Alves, um dos intelectuais mais famosos e lecionou de 1980 até o final de 1990. respeitados do país, escreve sobre Filosofia da Ciência e da Educação, Filosofia de Religião, Contudo, somente em 1985, a condição de Teologia, além de livros infantis e crônicas. professor titular da UNICAMP foi conferida a

Um “anti-parecer” sobre Paulo Freire (fragmento) O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer a alguém que supostamente nada ouviu e que, Amigos recebem Paulo Freire no aeroporto de Viracopos, em Campinas, 1979. por isto mesmo, nada sabe, aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um parecer empresta os seus olhos e o seu discernimento a um outro que não viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é ne- nais junto ao Conselho Mundial de Igrejas e cessário porque os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois [...] Reaprendendo o Brasil com o IDAC. Nessa época, Paulo já havia sido Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa. [...] Um parecer sobre Paulo Assim que conseguiu passaporte brasilei- convidado por Dom para Reglus Neves Freire. O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo. Não o será aqui, na UNICAMP? ro, Paulo Freire desembarcou em São Paulo, trabalhar na PUC de São Paulo. E será por isto que deverei acrescentar a minha assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista? Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino (e bem pode ser que eu esteja errado) que ne- no mês de agosto de 1979, e ficou no Brasil du- Em junho de 1980, Paulo Freire regressou nhum outro dos nossos docentes terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre seu rante um mês. Voltaria para a sua querida Re- ao Brasil com sua esposa Elza e Lutgardes, o pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos sobre o seu pensamento e a sua prática cife? Não. Caso pretendesse reassumir suas filho caçula do casal, e foram morar na cida- educativa, se publicados, seriam livros. de de São Paulo. antigas funções na Universidade, precisaria O seu nome, por si só, sem pareceres domésticos que o avalizem, transita pelas universidades da América do Norte requerer, ao Ministério da Educação, o estudo e da Europa. E quem quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação” só faria papel ridículo. de seu caso, como ex-exilado. Recusou-se a “O momento mais marcante, para Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na UNICAMP. Isto seria ofender àqueles que com- aceitar exigência tão ofensiva. Retornou a Ge- mim, foi a viagem a Genebra, ao Con- põem seus órgãos decisórios. nebra para concluir os seus compromissos fi- selho Mundial de Igrejas, para o encontro Por isso o meu parecer é uma recusa em dar um parecer. E nesta recusa vai, de forma implícita e explícita, o es- panto de que eu devesse acrescentar o meu nome ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não se sustentasse. com o educador Paulo Freire e seus ami- Mas ele se sustenta sozinho. gos. Cheguei a passar dois dias com o Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir. A questão é se desejamos tê-lo conosco. A nosso querido e ilustre pedagogo Paulo questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado. Freire, para garantir-lhe volta sem difi- É bom dizer aos amigos: culdades especiais e, ainda, um cargo de “ – Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da UNICAMP...” Era o que me cumpria dizer. professor em nossa Universidade Cató- Rubem Alves lica. Aceitou o meu convite e confiou nas garantias que lhe demos para voltar ao (FREIRE, Ana Maria A. “A voz da esposa: a trajetória de Paulo Freire”. In: GADOTTI, M. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez / IPF, 1996, p. 44-5.) nosso país e estado.” Dom Paulo Evaristo Arns 48 49

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Em 24 de outubro de 1986, morre Elza, a companheira de 42 anos. Paulo entrou em abati- “Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, mento profundo, pois eles viveram de forma harmoniosa, amorosa e solidária, por todos esses repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai anos, no Brasil e no exílio. além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instru- “Em momentos como esse que eu experimento agora, morre-se um pouco”, disse Paulo na ocasião. mento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história.” (FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 16.) Opção pela vida: a segunda companheira Em 1989, Luiza Erundina foi eleita prefei- “Ao me enamorar de Nita me re-enamorei do mundo”, dizia e repetia Paulo, apaixonadamente, ta de São Paulo e convidou Paulo Freire para amoroso de Nita e da Vida! assumir a Secretaria de Educação, cargo que ocupou até maio de 1991, substituído, a partir “Quero a alegria de um barco voltando tribuiu em três de seus livros escrevendo as de então, pelo professor Mario Sergio Cortella. Quero a ternura de mãos se encontrando notas explicativas: Pedagogia da esperança, Havia muito trabalho pela frente e ele não Para enfeitar a noite do meu bem.” Cartas a Cristina e À sombra desta mangueira. só tinha de ser realizado, mas com qualidade (Dolores Duran) Fez ainda publicar, como sucessora de sua e comprometimento político-pedagógico. obra, mais três outros livros com textos de Pau- No dia 27 de marco No início do mandato, Paulo Freire de 1988, Paulo Freire lo Freire: Pedagogia da indignação, Pedagogia Posse de Paulo Freire como Secretário de Educação de São Paulo. deparou-se com 700 escolas, 720.000 alunos e casou-se, em cerimô- dos sonhos possíveis e Pedagogia da tolerância. 39.614 funcionários, além de muitos proble- nia religiosa, com mas, como professores e funcionários com sa- Ana Maria Araújo Você sabia ? lários baixos e desestimulados, prédios escola- ? Hasche. Paulo a co- “A Ana Maria, minha mulher, não apenas ? nheceu no Colégio Os- com o meu agradecimento pelas notas, com as res sem manutenção. • Embora os Conselhos de Escola já Ao contrário de esmorecer, Paulo Freire en- existissem na lei, foi Paulo Freire? quem os valdo Cruz, quando o quais, pela segunda vez, melhora livro meu, mas ? pai de Ana Maria, também com a minha admiração pela maneira frentou as dificuldades na busca de fazer um implementou de verdade nas escolas. ? Aluízio Pessoa de Ara- séria e rigorosa com que sempre trabalha.” trabalho inovador no campo da educação, na • Foi Paulo ?Freire quem criou o MOVA újo, ofereceu-lhe uma Dedicatória escrita por Paulo Freire no livro Cartas cidade de São Paulo. (Movimento de Alfabetização de Jovens e bolsa de estudos para fazer o curso se- a Cristina. Adultos ?de São Paulo). ? cundário. Em 19 de agosto de 1988, com o • A taxa de aprovação, na gestão de casamento civil, ela retirou o sobrenome de Ao lado: Paulo Freire em seu casamento com Nita. Paulo Freire, aumentou de 77,45%, em seu primeiro marido e acrescentou o Freire. 1988, para 81,31%, em 1990. Com Nita, como Paulo a chamava cari- Abaixo: Paulo Freire brinca com Nita usando o solidéu que acabara de ganhar de , em Nova Iorque, abril de 1988. • Foi criado, nesse período, o Estatuto nhosamente, viveu uma relação de amor pro- fundo, de paixão intensa. De cumplicidade e de do Magistério em São Paulo. ternura. Ela contribuiu decisivamente para que Paulo voltasse a escrever livros “à sombra da mangueira”, o que ele não o fazia desde 1982. A experiência do MOVA, implementado por De 1991, quando saiu da Secretaria Municipal Paulo Freire em São Paulo, foi tão rica que ganhou de Educação de São Paulo, até 1997, ele o Brasil. Num país com tantas desigualdades so- escreveu 7 livros. Paulo Freire foi seu orienta- dor da Dissertação na PUC–SP, da qual resul- ciais e exploração das classes oprimidas, um proje- tou o livro Analfabetismo no Brasil. Ela con- to político-pedagógico como o MOVA tornou-se uma ferramenta de luta dos oprimidos. “Dedico esse título à memória de uma e à vida da outra!”, disse Paulo, homenageando a Elza Hoje o MOVA está em vários estados e municí- pios brasileiros. e a Nita, em 23/11/1988, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da PUC–SP. Paulo Freire abraça sua grande amiga Luiza Erundina.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Novamente, professor Leitura do mundo

“Um segundo momento desta trajetória, importante também, se dá quando o diretor do Você sabe o que é Síndrome de Burnout? Colégio Osvaldo Cruz, Aluízio Araújo, que me recebera em seu colégio como aluno gratuito, me Pesquisador na área de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), Wanderley Codo avaliou, em convidou para assumir umas turmas de Português do então curso ginasial. Me lembro ainda ho- 1999, 39 mil professores(as), de diferentes estados do país. Revelou então que aproximadamente 50% sofria, em je do que significou para mim, entre assustado e feliz, entre temeroso e ousado, dar minha pri- maior ou menor grau, da “síndrome do desgaste profissional” ou “síndrome de Burnout”, que significa “parar de meira aula.” (FREIRE, Paulo. Política e Educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 80-1.) funcionar”. Embora a síndrome também surja em outras categorias profissionais, a incidência entre os(as) professores(as) tem Em 1991, Paulo Freire volta a lecionar na “A tentativa de reduzir a professora à con- sido preocupante. Os sintomas são esgotamento físico e emocional, sentimentos de autodesvalorização, incompetên- PUC-SP e a proferir palestras como profes- dição de tia é uma ‘inocente’ armadilha ideo- cia, impotência, de fragilidade e desesperança. sor convidado na USP. Como professor coe- lógica em que, tentando-se dar a ilusão de Na evolução da doença surgem complicações orgânicas variadas, como insônia, depressão, pressão alta, gastrites rente com sua concepção educacional pro- adocicar a vida da professora, o que se tenta é e úlceras, problemas cardíacos, diabetes, dores nas costas e de cabeça. blematizadora, ele instigava e incentiva a amaciar a sua capacidade de luta...” A doença surge quando o ambiente de trabalho é estressante em demasia, o nível de exigência acima das possi- bilidades pessoais, condições de trabalho precárias, acúmulo de horas de trabalho, desvalorização profissional, difi- busca curiosa do conteúdo e o debate coleti- (FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não. São Paulo: culdades nos relacionamentos, resultados insatisfatórios e pouco recompensadores. vo de teorias e práticas. Olho d’Água, 1993, p. 25.) Professores(as) devem buscar mais informações sobre o assunto e estratégias coletivas para fazerem da escola um Ao longo de sua obra, Freire conversa com os espaço de convivência saudável. Os níveis de estresse ocupacional precisam ser avaliados, fatores estressores minimi- professores em seus livros, palestras, entrevistas A MESA DO PROFESSOR zados e soluções alternativas recriadas. e vídeos. Vamos reler algumas passagens? A mesa do professor contém “O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito.” “Sou professor a favor da decência contra o Papéis Livros despudor, a favor da liberdade contra o autori- (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 109.) Cadernos tarismo, da autoridade contra a licenciosidade,

A mesa do professor contém “O que tenho dito sem cansar, e redito, é que da democracia contra a ditadura de direita ou PALAVRA GERADORA Nomes ✐ não podemos deixar de lado, desprezado como algo de esquerda. [...] Sou professor a favor da luta Números imprestável, o que educandos [...] trazem consigo constante contra a ordem capitalista vigente que Flores ESCOLA de compreensão do mundo, nas mais variadas di- inventou esta aberração: a miséria na fartura.” A mesa do professor contém mensões de sua prática na prática social de que fa- “Naturalmente, a viabilização do país (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saber zem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcu- não está apenas na escola democrática, São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 115.) Esperança lar, seus saberes em torno do chamado outro mundo, Amor formadora de cidadãos críticos e capazes, sua religiosidade, seus saberes em torno da saúde, mas passa por ela, necessita dela, não se “A alegria não chega apenas no encontro do A mesa do professor contém do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da faz sem ela.” achado, mas faz parte do processo da busca. E Sonhos força dos santos, dos conjuros.” ensinar e aprender não podem dar-se fora da Saudades (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 11. ed. Alegria “É urgente que engrossemos as fileiras São Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 85-6.) procura, fora da boniteza e da alegria.” A mesa do professor contém da luta pela escola pública neste país. (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. A fé Escola pública e popular, eficaz, democrá- São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 160.) No futuro. tica e alegre com suas professoras e profes- sores bem pagos, bem formados e perma- “Tão importante quanto o ensino dos con- Paródia construída pela professora Vera Lúcia C. nentemente formando-se.” teúdos é a minha coerência entre o que digo, o Leite. Consultoria pedagógica de Vera Barreto. que escrevo e o que faço.” Poema original: “A mesa do poeta”, de José Antonio (FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não. São Paulo: Olho D’Água, 1993, p. 59 e 88.) (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Braga Barros (poeta). São Paulo: Paz e Terra, 1996.) 52 53

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire “O verdadeiro compromisso é a solidariedade, não a solidariedade com os que negam o compro- misso solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em ‘coisas’.” No Mundo (FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, p. 19.) Institutos, cátedras, ? escolas, centros e núcleos No dia 22 de abril de 1997, Paulo Freire de estudos e pesquisas, ? diretórios e centros deu sua última aula, na PUC de São Paulo. ? acadêmicos, entre outras Dez dias depois, no dia 2 de maio, aos 75 ? instituições, que ? desenvolvem pesquisas anos de idade, teve um infarto fulminante. e/ou projetos educacionais Em sua morte, seus familiares e o instituto na perspectiva freireana. que leva seu nome receberam mais de 600 mensagens de condolências de amigos e de professores, além dos brasileiros, de aproxima- damente 150 universidades de todo o mundo.

No dia 2 de maio, morreu o seu corpo, mas Fonte: Instituto Paulo sua filosofia, seus sonhos e sua ética conti- Freire, 2005 nuam vivos, no Brasil e no mundo. Têm esta- do presentes onde quer que proliferem práti- “Há possibilidades para diferentes amanhãs. A luta já não se reduz a retardar o que cas que tenham, como causa maior, a causa de virá ou a assegurar a sua chegada; é preciso reinventar o mundo.” todos os “condenados da Terra”. (FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’água, 1995, p. 40.) Você sabia ? ? ? Leitura do mundo A PRÁXIS FREIREANA? ? PAULO FREIRE E A ECONOMIA ? O pensamento de Paulo Freire tem inspirado o que hoje tem sido chamado de Economia Popular de Solidariedade ?No Brasil ? ou Economia de Solidariedade, sob uma nova racionalidade, chamada ”Fator C”. Você sabe o que é isso? Em nosso e Atualmente,? existem redes, movimentos e projetos que têm? no legado de Paulo Freire a maior em outros idiomas, vários termos implicados com novos comportamentos, sociais e pessoais, começam com a letra referência e inspiração. Dentre muitos, podemos citar dois programas de Alfabetização de “C”: cooperação, colaboração, coordenação, comunicação, companheirismo, comunidade etc. Na base desses novos comportamentos, tem-se a solidariedade como fator humanizante comum, tanto à economia popular, como à orga- Jovens e Adultos, que se identificam com os princípios filosóficos e pedagógicos de educação nização e educação popular comunitária. concebidos por Paulo Freire: Tecnologia Social (TS) é um conceito que incorpora traços importantes do sistema de pensamento de Paulo Freire. O BB Educar é uma iniciativa da Fundação Banco do Brasil, a partir de uma experiência Tecnologia Social compreende produtos, técnicas e metodologias desenvolvidas na interação com a comunidade, por bem-sucedida de escolarização de funcionários da carreira de serviços gerais (carpinteiros, pe- efetivas soluções de transformação social. Trata-se de uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a dreiros, eletricistas, pintores etc.), em 1992. Hoje, o Programa destina-se a jovens e adultos não participação coletiva em seu processo de organização, desenvolvimento e implementação. Baseia-se na disseminação alfabetizados, a partir de 14 anos e sem limite máximo de idade. Tendo iniciado no ano de de soluções para problemas relacionados à alimentação, saúde, educação, habitação, renda, recursos hídricos, ener- 2000, o BB Educar já alfabetizou mais de 125 mil pessoas e outras 45 mil encontram-se em gia, meio-ambiente, dentre outras demandas. As Tecnologias Sociais podem combinar saber popular, organização so- processo de alfabetização. cial e conhecimento técnico-científico. Importa, essencialmente, que as soluções sejam efetivas e reaplicáveis (mul- tiplicáveis), propiciando desenvolvimento social em grande escala. O MOVA-Brasil, projeto desenvolvido pela Petrobras em parceria com o Instituto Paulo Freire – IPF e com a Federação Única dos Petroleiros – FUP, é um ousado projeto de alfabeti- O Banco Popular, subsidiária integral do Banco do Brasil, existe desde 2003 para atender aos brasileiros de baixa zação. Iniciado em agosto de 2003, tem a meta de alfabetizar 40.000 jovens e adultos e capa- renda, sem registro em carteira, que atuam na economia informal. O Banco Popular opera com a microfinança, des- tinada às micro e pequenas empresas, com taxas reduzidas, transformando o crédito em “um direito de cidadania” pa- citar 1.600 alfabetizadores em 3 anos. ra grande parcela da população brasileira que, até então, encontrava-se excluída do sistema financeiro.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Leitura do mundo saber cuidar PAULO FREIRE E A ECOLOGIA A questão ecológica, entendida como uma postura fundada na noção da sustentabilidade e do cuidado, sempre es- O sonho maior de Paulo Freire – de justiça social sem fronteiras, de respeito e cuidado com a vida – parece estar teve presente nas obras de Paulo Freire. Em seus últimos trabalhos, Freire deu atenção especial a esse tema, explici- mais próximo de ser vivido. Em 2005, inauguramos a Década das Nações Unidas da Educação para o Desen- tando mais enfaticamente a sua visão sobre ele. volvimento Sustentável. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco – coor- Um dos projetos de Paulo Freire era sistematizar, em uma obra, as relações entre a Pedagogia e a Ecologia. Em denará as ações voltadas para o decênio, procurando estimular os países-membros da ONU a incorporarem o 1998, um grande amigo de Freire, Francisco Gutièrrez, educador costarriquenho, inspirado no ideário e nos princípios conceito de desenvolvimento sustentável em suas políticas educacionais. Para tanto, propõe oito Objetivos pa- freireanos, escreve a obra “Ecopedagogia e cidadania planetária”, uma pedagogia do fazer humano sustentável que ra o Desenvolvimento do Milênio (ODM), a serem alcançados até o ano de 2015: incorpora as múltiplas dimensões da vida. O último texto de Freire, acerca de sua indignação frente ao assassinato do índio Galdino, é profundamente ecológico: Erradicar a extrema pobreza Melhorar a saúde “Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos e a fome materna seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas. Não creio na amo- rosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer práti- Atingir o ensino básico Combater o HIV/Aids, a malária ca educativa de caráter radical, crítico ou libertador [...]. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofen- universal e outras doenças dendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros...” (FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000, p. 66-7.) Promover a igualdade entre os Garantir a sustentabilidade sexos e a autonomia das mulheres ambiental

Carta do chefe indígena Seattle Reduzir a mortalidade Estabelecer uma parceria mun- ao Presidente dos EUA, em 1855 infantil dial para o desenvolvimento (fragmentos)

“Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece es- tranha. Se não possuímos o frescor do ar e o Você sabia ? brilho da água, como é possível comprá-los? [...] Isto sabemos: a terra não pertence ao O que é desenvolvimento? sustentável? ? Pintura de Francisco Brennand. ? homem; o homem pertence à terra. Isto sabe- É o desenvolvimento que atende às necessidades do presente,? sem comprometer? as necessidades das mos: todas as coisas estão ligadas como o futuras? gerações. Apóia-se em três dimensões:? atividade econômica, meio ambiente e bem-estar da sangue que une uma família. Há uma ligação ? Você sabia ? comunidade. O? desenvolvimento sustentável pode melhorar a qualidade de vida das populações, em tudo. equilibrar o desenvolvimento socioeconômico nos países e entre eles, preservar e conservar o meio Em junho de 2005,? o Ministério do Meio ambiente e controlar recursos naturais considerados essenciais, tais como a água e os alimentos. O que ocorrer com a terra recairá sobre os Ambiente e a Secretaria Especial? de Políticas filhos da terra. O homem não tramou o tecido de? Promoção da Igualdade Racial firmaram? da vida; ele é simplesmente um de seus fios. acordo de cooperação? técnica, no apoio a pro- “Minha radicalidade me exige absoluta lealdade ao homem e à mulher. Uma Economia inca- Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo [...].” jetos que implementem ações de proteção am- paz de programar-se em função das necessidades humanas, que convive indiferente com a fome biental e melhoria da qualidade de vida das de milhões a quem tudo é negado, não merece meu respeito de educador nem, sobretudo, meu comunidades tradicionais, mantendo ?suas ba- ? respeito de gente. E não me digam que ‘as coisas são assim porque não podem ser diferentes’.” ses produtivas de forma sustentável. (FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água, 1995, p. 22.)

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Professores apresentam: Tempo de ler-escrever escrever-ler “A pedagogia de Paulo Freire Em novos livros, Paulo Freire relata experiências, reflete, discute, dialoga... No cotidiaNo da Educação na cidade Pedagogia da esperança: um reencontro Trata-se de uma coletânea de com a Pedagogia do oprimido. entrevistas nas quais, com entusiasmo A vibração de Paulo Freire na narrativa do sala de aula” crítico, Paulo Freire narra todo o seu envolvimento de pessoas de quase todo o esforço e de sua equipe da SMED-SP mundo com a Pedagogia do oprimido está para “mudar a cara da escola”, para presente da primeira à última linha deste torná-la popular, alegre e séria. livro, e sua paixão e esperança nas pessoas e num mundo melhor embebem cada uma de suas palavras.

Política e educação Cartas a Cristina: reflexões sobre “Há uma nota que os atravessa a minha vida e minha práxis. todos: a reflexão político-pedagógica. Nestas cartas, ao relembrar a sua vida É esta nota quem, de certa maneira, — da infância ao Colégio Osvaldo os unifica ou lhes dá equilíbrio Cruz, do MCP ao SESI-PE —, Paulo enquanto conjunto de textos”, disse Freire foi analisando e relacionando sobre este livro, composto por 11 os seus diversos momentos, com p Um trabalho educacional, em sintonia com os sos alcançados nos confrontos de interesses contra- ensaios do próprio autor. coerência e sensibilidade, à luz da sua princípios ético-político-pedagógicos de Freire, vai ditórios e ao entusiasmo na busca coletiva e organi- própria teoria de conhecimento. priorizar os temas de relevância e urgência social, lo- zada de soluções viáveis. cal e nacional, isto é, os “temas geradores”. p A exemplo de Freire, podemos trabalhar os te- Professora sim, tia não: cartas a quem À sombra desta mangueira. p mas sociais de forma crítica, criativa e estética. As ousa ensinar. Paulo Freire começa este livro É importante partir do conhecimento anterior diversas formas de manifestação artística estarão Neste livro Paulo Freire denuncia e justificando o seu título e envereda do educando. Ao estudar um tema, as primeiras desmascara a ideologia, difundida por contundentes críticas aos temas atividades podem ser mais próximas da realidade presentes no trabalho educativo. Podemos ainda no Brasil, que enfatiza, na relação atuais, sobretudo o neoliberalismo do educando, de sua linguagem, concepção de mun- intercalar jogos cooperativos, atividades variadas educativa, a professora primária político e a globalização da economia. do, de seu nível de desenvolvimento. A seguir, ca- interessantes, dinâmicas e coloridas. como uma tia, superdimensionando minhar daqui para um conhecimento mais avan- p os laços afetivos. çado e sistematizado, que analisa criticamente e Freire também inovou na utilização de lin- transforma a realidade. guagem multimídia aplicada à educação de adul- tos. Nós reinventamos Freire, quando nos empe- Pedagogia da autonomia: saberes Pedagogia da indignação: cartas p Freire inovou não apenas no conteúdo, mas nhamos na democratização do acesso às novas necessários à pratica educativa. pedagógicas e outros escritos. também em relação à forma tradicional de alfabe- tecnologias a serviço da educação. Escrito na maturidade e no auge da sua Nos textos deste livro Paulo Freire tizar. Ele critica a educação bancária, isto é, a sim- sabedoria, é o livro de Paulo Freire que expõe como nunca a sua indignação ples transmissão e repetição de conteúdos prontos. p Os preconceitos tradicionais e os estereóti- mais o engrandece como educador e como contra a falta dos limites éticos Estudar com curiosidade é exercitar o prazer de pos usuais ao retratar mulheres, negros, índios, gente, pois se ofereceu nele por inteiro na e nos convence da necessidade da crianças e analfabetos serão analisados e ques- sua grandeza e inteireza. É o livro- educação da vontade. pensar, construir-reconstruir e compartilhar co- tionados. testamento de sua presença no mundo. nhecimentos.

p Na relação educador-educandos, nega-se o p Da mesma forma, será analisada e question- Pedagogia dos sonhos possíveis. Pedagogia da tolerância. autoritarismo de um e a submissão conformista ada a imposição de valores das classes socialmen- Este livro é composto de ensaios, Outro livro de coletânea de trabalhos de outro. Essa interatividade é pautada no diá- te privilegiadas, o realce de valores, tais como a diálogos, entrevistas e cartas nos quais teóricos de Paulo Freire. São discursos, logo e na intervenção competente e amorosa do competição versus solidariedade, o fanatismo e o Paulo Freire trata, negando, a ensaios, diálogos, cartas e educador. sectarismo versus o diálogo e a busca democrática inexorabilidade da história, a redução depoimentos sobre sua vida, todos de consensos. mecanicista da subjetividade e a escritos ou falados com rara beleza p A criticidade ou a indignação não precisa ser, educação como simples treinamento ética e linguagem poética séria e necessariamente, desesperançosa, amarga ou ran- p Estes princípios ético-político-pedagógicos de- tecnológico, entre outros temas. comprometida. corosa. Todo conteúdo histórico-crítico pode aliar fendidos por Freire se aplicam não apenas à alfabe- denúncia e anúncio a relatos de conquistas e suces- tização de adultos, mas a toda situação pedagógica. 58 59

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Alguns prêmios, medalhas e títulos Outros Títulos e Homenagens “Os homenageados não podem dormir em paz só porque receberam a homenagem. “Acho que esses prêmios têm razão de ser e me deixam feliz. Eu me sinto cobrado a continuar a merecer a homenagem de hoje.” Eles me desafiam a continuar trabalhando.” – Paulo Freire (Paulo Freire, ao receber o Prêmio Educação para a Paz da UNESCO, Paris, 1986.) (FREIRE, Ana Maria A. “A voz da esposa: a trajetória de Paulo Freire”. In: GADOTTI, M. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez / IPF, 1996, p. 54.) São inúmeras citações acadêmicas à obra de Pau- Títulos lo Freire no mundo todo. Há centros de documenta- Esta grande escultu- ção, informação, divulgação e estudo de sua obra em “CIDADÃO HONORÁRIO” ra de pedra foi escul- Paulo Freire foi tema de 1983 - Rio de Janeiro países diversos. Centenas de Instituições em muitos 1986 - São Paulo pida pela artista sue- Escola de Samba! países adotaram o seu nome. 1987 - São Bernardo do Campo ca Pye Engstron, em Nos encontros internacionais do “Fórum Paulo 1987 - Campinas 1972, em Estocolmo. A “Leandro de Itaquera”, em São Paulo, ele- Freire”, ocorridos a cada dois anos desde 1998 (São 1989 - Belo Horizonte Paulo Freire é repre- geu Paulo Freire como tema do carnaval-1999, Paulo, Bolonha, Los Angeles, Porto e Valência), são 1992 - Itabuna com o seu samba-enredo nota 10: “Por Paulo 1992 - Porto Alegre sentado ao lado de Freire: Educação, um salto para a liberdade” apresentados trabalhos, pesquisas e projetos educa- 1993 - Angicos Pablo Neruda, Ân- (Mauro Pirata, Tony e Beto Muniz). cionais inspirados em sua práxis. 1995 - Uberaba Paulo Freire recebe o gela Davis, Mao Tsé- U 1996 - Juiz de Fora título de Cidadão Acorda meu Brasil “Sempre achei algo válido ser pretexto para Tung, Sara Lidman, 1997 - Porto Velho Honorário de Angicos. Desperta pra felicidade U boas coisas.” “RECONHECIMENTO FRATERNO” Elise Ottosson-Jense e Georg Borgström: Eu quero amor, eu quero amar (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de 1986 - Los Angeles–EUA uma homenagem da artista aos que lutaram Em liberdade U Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 65.) 1987 - Cochabamba (Bolívia) contra a opressão. Hoje a Leandro tão bonita, faz o seu papel Pede licença e mostra Prêmios Homenagens A realidade nua e crua No quadro negro a nossa luta continua 1975 - Prêmio Mohammad Reza Pahlevi do Irã – pela 1979 - Ordem do Mérito da Marim dos Caetés, de Olinda. A minha escola dá um salto pro futuro UNESCO, no Irã. 1987 - Título de Comendador da “Ordem Nacional do Mérito E vem pra guerra de caneta na mão 1980 - Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento – Educativo” do MEC do Brasil. Vermelho e branco pede educação Bélgica, Bruxelas. 1988 - Medalha do Mérito Cidade do Recife – Classe Ouro. Sem preconceito e discriminação 1985 - Prêmio William Rainey Harper – Califórnia, USA. 1989 e 1990 - Prêmio “Manchete de Educação”, dos anos de 1985 - Prêmio Estácio de Sá – Rio de Janeiro. 1989 e 1990. Divina luz inspirou 1986 - Prêmio UNESCO da Educação para a Paz – em Paris. 1990 - Diploma do Mérito Internacional – Estocolmo, Suécia. Cantamos numa só voz 1988 - Prêmio Mestre da Paz – A.I.E.T.I., Espanha. 1990 - Reconhecimento do Serviço Universitário Mundial, em E Paulo Freire está presente em nós 1988 - Prêmio Frei Tito de Alencar – da Prefeitura de São Paulo. Paulo Freire recebe o título de Doutor Honoris Causa da Fortaleza. 1990 - Título de “Educador do Ano” – pela Câmara Municipal Universidade de Louvain, Bélgica, em 1975. Moço, não abro mão dos meus direitos 1992 - Prêmio Andres Bello – Educador do Continente – de Vereadores de Mogi das Cruzes, SP. Eu também tenho o meu conceito OEA nos USA. 1993 - Medalha “Libertador da Humanidade”, outorgada pe- Paulo Freire foi agraciado com o título de No universo da criação 1995 - Prêmio Moinho Santista – em São Paulo, Brasil. la Assembléia Legislativa da Bahia. Doutor Honoris Causa em 39 universidades do Mentes são dotadas de virtudes e poder 1993 - Medalha concedida pela Conferência Internacional de Basta abrir as portas, verá florescer Brasil e do mundo. Duas universidades brasilei- Educação para o Futuro, em São Paulo. Um mundo, onde a magia forma os ideais 1993 - Título de Grão-Mestre da “Ordem Nacional do Mérito ras e uma dos EUA lhe concederam o título E o saber, não se difere por camadas sociais Educativo” do MEC do Brasil. de “Professor Emérito”. É hora de reflexão 1994 - Medalha “Jam Amos Comenius” do governo da Re- Quase uma dezena de E consciência em cada coração pública Tcheca, em Genebra, Suíça. 1994 - The Paulo Freire Awards – da International Instituições elegeram Um clarão reluz, mudança Consortium Experimental , em Washington, USA. Paulo Freire como o Salve a juventude, criança 1995 - Medalha “Paulo Freire” – A educação da paz, liberda- seu “Presidente de Na fé que incendeia Paulo Freire recebe o Prêmio da Unesco para a Paz, de, alfabetização, conscientização – Portugal. Honra”. Futuro feliz, nação brasileira. em Paris, França, em 1986.

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Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Para Paulo Freire... com carinho Paulo Freire por Paulo Freire “Um homem que viveu para que os outros escrevessem.” Cristóvam Buarque Peço licença para terminar Flor que mais gosto? soletrando a canção de rebeldia Rosa! que existe nos fonemas da alegria: Gosto de passear de carro para canção de amor geral que eu vi crescer ver paisagens, prédios e pessoas. nos olhos do homem que aprendeu a ler.

Canção para os fonemas da alegria (fragmento) Gosto de andar na praia. T HIAGO DE M ELLO

(MELLO, Thiago. In: BARATA, Manuel S. (org.). Canto Melhor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 216-7.) Minha comida favorita é Tenho medo de andar de avião

PAULO FREIRE

No cheiro da terra, a inspiração Graveto na mão Lousa no chão Não gosto peixe com leite de coco Palavras, rabiscos, desenhos, figuras, de frio

Marcelo Barbosa anseios, procuras, leituras, leituras... Minha cor preferida é o Aviso que ignorei Mosaico de Henrique Gougon, em forma de livro, em cuja capa aparecem quase Um mundo a ser transformado mil assinaturas de adultos recém-alfabetizados. Foi inaugurado em 12 de dezem- Um ideal a ser sonhado vermelho bro de 2003, pelo então ministro da educação Cristóvam Buarque e Ana Maria Uma utopia a ser alcançada O que aprecio nas Araújo Freire, em frente ao prédio do Ministério da Educação, em Brasília. Um menino, um moleque, um aprendiz, pessoas: mais nada... “Como um plantador do futuro, ele sempre será Homem que o tempo moldou, Adoro passarinhos... lembrado porque nos deixou raízes, asas e sonhos que a vida esculpiu, Coerência, honradez, que o amor fermentou, lisura, inteligência como herança. Como criador de espíritos, a me- que a paixão consentiu lhor maneira de homenageá-lo é reinventá-lo.” criadora. Homem-menino, que rabisca o mundo (GADOTTI, Moacir. Um legado de Esperança. São deixando suas marcas Meu time do coração Paulo: Cortez, 2001, p. 41.) Que tem na esperança sua maior aliada, é o SANTA CRUZ companheira de sonhos... Desejo que FUTEBOL CLUBE de Menino-homem, que pensa o pensar Recife. como quem tece, não realizei como quem fia, como quem borda...

Guerreiro, sereno, Minha divisa predileta é irado, gentil, doutor, aprendiz “Unidade contra a opressão” Cidadão planetário Na fala a doçura, No olhar, o afeto, a ternura. Nas mãos, o fazer Gostaria de Ser que sabe ser R No fundo, eu sou simplesmente... W ter sido Homem-mulher-criança... são todos, um nordestino de maneiras calmas e sentimentos fortes são muitos... São PAULO! cantor um ser humano consciente de sua posição no mundo uma alma eternamente apaixonada pela vida. S ONIA C OUTO, 19/9/1996. S Paulo Freire com o amigo Moacir Gadotti. 62 63

Paulo Freire EDUCAR PARA TRANSFORMAR EDUCAR PARA TRANSFORMAR Paulo Freire Cronologia

1921 Paulo Reglus Neves Freire nasce no Recife-PE – Brasil. 1964 Coordena o “Programa Nacional de Alfabetização”, 1927 Aos 6 anos é alfabetizado pelos pais. no governo João Goulart. 1931 Os Freire mudam-se para Jaboatão-PE, a 18 1964 Golpe Militar no Brasil: instaura-se a ditadura. Paulo quilômetros de Recife. Freire é preso (prisão política) por 70 dias. 1934 Morre Temístocles Freire, um homem amoroso e 1964 Paulo Freire exila-se na Bolívia, por pouco tempo. afetuoso, pai de Paulo Freire. Neste mesmo ano exila-se no Chile por causa do golpe 1937 Paulo Freire ingressa no Colégio Osvaldo Cruz, em militar na Bolívia. Recife, como bolsista. 1967 Publica, no Brasil, Educação como prática da 1941 Ganha seu primeiro emprego como docente: foi liberdade. convidado para lecionar Língua Portuguesa no Colégio 1969 Leciona na Universidade de Harvard, por dez meses. Osvaldo Cruz. 1970 Publica, nos Estados Unidos, Pedagogia do Oprimido. 1943 Inicia o curso de Direito na Faculdade de Direito do 1970 Muda-se para Genebra para trabalhar como consultor do Recife. Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas. 1944 Casa-se com a professora primária Elza Maia Costa 1971 Paulo Freire e um grupo de brasileiros fundam o Oliveira. Instituto de Ação Cultural (IDAC). 1944 Paulo Freire é dispensado do serviço militar, por estar 1975/1979 Atua com a equipe do IDAC nos programas de exercendo a docência. educação e de alfabetização da Guiné-Bissau, Cabo Verde, 1947/1954 Assume a função de Diretor do Setor de Angola e São Tomé e Príncipe, na África. Educação e Cultura do SESI. 1979 Pressionado pelos “exilados internos”, o governo 1952/1961 Professor da Escola de Belas Artes da militar foi obrigado a conceder a Anistia. Paulo obteve, Universidade do Recife. então, seu primeiro passaporte e visita o Brasil. 1954/1956 Exerce o cargo de superintendente do SESI. 1980 Depois de 16 anos, Paulo Freire volta, 1956/1964 Teve atuação importante nos quadros do SESI. definitivamente, do exílio. 1958 Apresenta “A Educação de Adultos e as populações 1980 Ingressa como docente na Pontifícia Universidade marginais: o problema dos mocambos”, no II Congresso Católica de São Paulo (PUC-SP). Nacional de Educação de Adultos. 1980/1990 Professor da Universidade Estadual de 1959/1960 Defende a tese “Educação e Atualidade Campinas–UNICAMP. Brasileira” e obtém o título de Doutor em Filosofia e 1986 Recebe o prêmio “Educação para a Paz” da UNESCO, História da Educação, na Universidade do Recife. em Paris-França. 1961 Por força da lei vigente torna-se Livre Docente da 1986 Falece Elza Maia Costa Oliveira Freire, a primeira Escola de Belas Artes da Universidade do Recife. Assume a esposa de Paulo Freire. cadeira de Filosofia e História da Educação da Faculdade 1988 Casa-se com a professora universitária Ana Maria de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife. Araújo Hasche, depois Freire. 1962 Cria o Serviço de Extensão Cultural (SEC), da 1989 Assume a Secretaria de Educação do Município de Universidade do Recife e foi seu diretor até 64. São Paulo, na gestão de Luiza Erundina. De 1989 a 1991, 1962/1963 Desenvolve as primeiras experiências de atuou no sentido de “mudar a cara da escola”, na política alfabetização de adultos, no Recife, utilizando o “Método popular de educação. Implementou o projeto MOVA-SP Paulo Freire”. (Movimento de Alfabetização de Adultos). 1963 Extende a experiência com seu Método para Natal 1991 Participa da criação do Instituto Paulo Freire. (RN), João Pessoa (PB) e Angicos (RN). Em Angicos 1992 Publica Pedagogia da Esperança: um reencontro com alfabetiza 300 trabalhadores. Este trabalho obteve grande a Pedagogia do Oprimido. repercussão nacional e internacional. 1996 Publica Pedagogia da Autonomia: saberes necessários 1963 Inicia o projeto que se chamaria, em 1964, Programa à prática educativa. Nacional de Alfabetização, alfabetizando adultos no Gama, 1997 Falece Paulo Freire aos 75 anos, no dia 2 de maio, de Brasília, DF. infarto agudo do miocárdio, na cidade de São Paulo.

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