Quick viewing(Text Mode)

Grafite Em São Paulo: Entre a Comunicação a Céu Aberto E a Contemplação Nas Galerias De Arte

Grafite Em São Paulo: Entre a Comunicação a Céu Aberto E a Contemplação Nas Galerias De Arte

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ROBSON JOSÉ ROMANO SILVA

GRAFITE EM SÃO PAULO: ENTRE A COMUNICAÇÃO A CÉU ABERTO E A CONTEMPLAÇÃO NAS GALERIAS DE ARTE

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2014 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ROBSON JOSÉ ROMANO SILVA

GRAFITE EM SÃO PAULO: ENTRE A COMUNICAÇÃO A CÉU ABERTO E A CONTEMPLAÇÃO NAS GALERIAS DE ARTE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Dr. Jose Amalio de Branco Pinheiro.

SÃO PAULO 2014

______

______

______

DEDICATÓRIA

Agradeço em primeiro lugar a Deus.

À minha mãe, "Guerreira",

Iná Romano Silva.

Minha rainha Fabíola

Meus irmãos

Ao meu Orientador Amálio Pinheiro

E a todos que participaram deste

trabalho, direta ou indiretamente.

RECOMEÇAR

Não importa onde você parou,

em que momento da vida você cansou,

o que importa é que sempre é possível

e necessário "Recomeçar".

Recomeçar é dar uma nova

chance a si mesmo.

É renovar as esperanças na vida

e o mais importante:

acreditar em você de novo (...)

Paulo Freire RESUMO

Esta pesquisa tem como objeto de estudo a forma de expressão conhecida como grafitti na cidade de São Paulo. Atenta, enfocará as suas variações que sugerem instabilidade que se revela grafite como arte ou como pichação . O objetivo geral é mostrar as características do grafite, presente nos seus elementos constitutivos e em suas técnicas construtivas. O problema da pesquisa relaciona-se à inseparabilidade entre grafite e pichação e à consequente marginalização desta forma produtiva. Na fundamentação teórica, recorremos a Morin, Lotman, Martín-Barbero, Pinheiro, La Plantine, bem como ao depoimento do renomado grafiteiro Rui Amaral, que trata especificamente sobre a temática e sobre os elementos culturais presentes nesta forma de expressão artística. A hipótese é que o processo de consolidação do grafite lhe confere um sentido ambivalente e mestiço à medida que apresenta-se ora a céu aberto, nas ruas de metrópole paulista, ora em galerias de arte quando, possivelmente, perde seu caráter mais forte, o de contestação, transgressão e insubmissão, marcas estas presentes nos primeiros registros de seu surgimento em movimentos como o de Woodstock. Justifica-se a pesquisa, pois responde à necessidade de criar espaço acadêmico de discussão como uma possibilidade para romper com preconceitos, informando o leitor sobre a história do objeto, suas técnicas e especificidades que seriam, por si, valorosas como marca de um período de nossa história expressas de forma anônima.

Palavras-chaves : grafite; arte; mestiçagem; ambivalência; pixação; comunicação. ABSTRACT

This research’s object of study is the form of expression known as in the city of Sao Paulo. It will focus on its variations that suggest an instability that reveals itself as the graffiti as a wall art or graffiti as a wall tagging. The general goal is to show the characteristics of the graffiti, present on its constitutive elements and on its constructive techniques. The research problem relates to the inseparability between graffiti and tagging and the consequent marginalization of this latest productive form. In theoretical reasoning, we recurred to Morin, Lotman, Martín-Barbero, Pinheiro, La Plantine, as well as the testimony of renowned graffiti artist Rui Amaral, who treats specifically about the theme and about its cultural elements that are present in this form of artistic expression. The hypothesis is that the process of consolidation of the graffiti art gives an ambivalent, half-breed meaning as it presents itself sometimes in open air, on Sao Paulo’s big cities, sometimes in art galleries when, possibly, loses its strongest character, the one of contestation, transgression and insubordination, features very present on the first records of its emergence in movements such as Woodstock. This justifies the research, for it answers to the need of creating academic space of discussion as a possibility to disrupt preconceptions, informing the reader about the object’s history, its techniques and specificities that would be, on its own, valuable as a mark of a period in our history expressed as an anonymous form.

Keywords: graffiti; art; half-breeding; ambivalence; tagging; communication. LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Tradução: É proibido, proibir! 15 Figura 2. Tradução: A liberdade é o crime que contém todos os crimes. É nossa arma absoluta! 15 Figura 3. Negros,1930, de José Clemente Orozzo. 16 Figura 4. Mussolini, 1933, de Diego Rivera. 17 Figura 5. Um Trabalhador, 1936, de Davi Alfaro Siqueiros. 17 Figura 6. Dentro dos vagões do metrô: um monte de grafite também. 18 Figura 7. East Side com típico graffiti que desfigura um grande edifício antigo. 19 Figura 8. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. 20 Figura 9. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. 20 Figura 10. Grafite 3D, de Eduardo Kobra. 29/07/2014. 20 Figura 11. Grafite de Os Gêmeos em . 29/07/2014. 21 Figura 12. Grafite de Rui Amaral, na Av. Paulista. 21 Figura 13. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari 23 Figura 14. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari. 23 Figura 15. Painel decorativo, Eduardo Kobra. 26 Figura 16. Mural Eduardo Kobra, cidade de São Paulo. 27 Figura 17. Pichadores alcançam topos de prédios altos para deixar suas marcas. 29 Figura 18. Painel do Projeto Grafitran Brasília. 31 Figura 19. Parede com grafite casa cor SC. 31 Figura 20. Pichação no vão central do MASP. 32 Figura 21. Protesto contra novela da Rede Globo. 32 Figura 22. Pichação em propriedade particular. 33 Figura 23. Pichação/Comunicação que se aproxima do grafite. 33 Figura 24. Bomber: são letras gordas e que parecem vivas, geralmente feitas com duas ou três cores. 34 Figura 25. Painel na av. Henrique Schaumann, em Pinheiros, reproduz cena da São Paulo antiga. Quem assina é o grafiteiro Kobra. 38 Figura 26. : uma ruazinha sinuosa, que já foi bastante degradada, atualmente exibe desenhos que são renovados constantemente. 38 Figura 27. Criações de vários artistas enfeitam os muros imensos que margeiam a Radial Leste. Em destaque, desenho de Nina Pandolfo. 39 Figura 28. Grafiteira Minhau. 40 Figura 29. O túnel de acesso à av. Paulista foi grafitado pela primeira vez em 1987 – e três vezes apagado. Desde 2001, renova-se periodicamente. 41 Figura 30. Túnel Avenida Paulista e Rui Amaral. 42 Figura 31. I Bienal Internacional de Graffiti Fine Art. Foto: Rico Lima. 43 Figura 32. Fachada Estação Adolfo Pinheiro - SP. 44 Figura 33. Mural em fachada de prédio com o rosto do arquiteto . 45 Figura 34. Grafite de Os Gêmeos. 49 Figura 35. Grafite com mensagem sobre arte. 49 Figura 36. Paródia à frase bíblica ou musical. 50 Figura 37. Holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas participantes do projeto Favela . 52 Figura 38. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. 52 Figura 39. Casas da comunidade decoradas com grafite. 53 Figura 40. Foto panorâmica da favela Cruzeiro. 53 Figura 41. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela. 54 Figura 42. Grafite de carpas ao lado das escadas de acesso a favela. 54 Figura 43. Empresário David Chammas. 55 Figura 44. Personagem de seriado de TV, “Seo Madruga”. 56 Figura 45. Grafite aplicado em superfície irregular, mas com muita técnica. 56 Figura 46. Releitura de Monalisa. 57 Figura 47. Cena do filme Hulk. 57 Figura 48. Pichação feita no segundo andar do pavilhão da Bienal em outubro de 2008. 61 Figura 49. Grafite de Os Gêmeos com cunho social. Convida a sociedade para um novo desafio. 62 Figura 50. Pixadores desafiam a policia. 63 Figura 51. Prédio pichado no centro de São Paulo. De cima abaixo. E espalhando para os lados. 64 Figura 52. Mais um protesto de Os Gêmeos contra a prefeitura de São Paulo. 64 Figura 53. Mensagem de Paz em um muro atingido por bomba. 65 Figura 54. Mensagem de desamor. 65 Figura 55. Questionando o espectador sobre o conhecimento. 66 Figura 56. Buraco grafitado pelo artista Sipros, na Rua Laura Vicuna, na Vila Ida. 67 Figura 57. Buraco grafitado pelo artista Mauro, na Avenida da Liberdade, no Centro. 68 Figura 58. Na Avenida Diogenes Ribeiro de Lima no Alto de Pinheiros grafite de Mudano. 68 Figura 59. Rua Moisés Marx com rua Julio Colaço na Penha obra de Lobote. 69 Figura 60. Feik na Rua Manuel Dorta, Limão. 69 Figura 61. Grafite de Enivo, na Rua dos Pinheiros. 70 Figura 62. Grafite de Mauro na Avenida Liberdade. 70 Figura 63. Buraco coberto por grafite de Mauro na Rua Jaguaribe, em Santa Cecília. 71 Figura 64. Exemplos de Latas produzidas. 72 Figura 65. Propaganda de Whisky. 73 Figura 66. Propaganda de Tênis. 73 Figura 67. Propaganda de carro. 74 Figura 68. Propaganda de carro. 75 Figura 69. Contra Racismo. 79 Figura 70. BRAVOS – DOES – CHOR 81 Figura 71. BRAVO 82 Figura 72. BRAVOS - GENIOS - JEAN CARLOS POZE – CLOWN 82 Figura 73. Muro grafitado com letras 3D. 83 Figura 74. Grafite com técnicas diversas, imagens e letras. 84 Figura 75. Grafite com letras 3D imagens e cores fortes. 84 Figura 76. Grafite com letras 3D em perpectiva e cores fortes e vibrantes. 85 Figura 77. OS GEMEOS em atrito com o Prefeito de São Paulo. 86 Figura 78. Trabalho do artista Rui Amaral, “Grafite”, O Entusiasmo de Annunaki – Avenida Paulista. 88 Figura 79. Trabalho do Rui Amaral “grafite” Como um grafiteiro vê a cidade. Viaduto Comendador Elias Nagib Brein, 15/04/2012. 89 Figura 80. 'Os Gêmeos' pintam avião que transportará os jogadores da seleção brasileira. 90 Figura 81. Mil latas de spray de tintas foram usadas na pintura do avião da Gol. 91

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. PANORAMA HISTÓRICO E ESTÉTICO DO GRAFITE 13

1.2. GRAFITE VERSUS PICHAÇÃO: ESTÉTICAS ENVOLVIDAS 28

1.3. SÃO PAULO – CAPITAL DO GRAFITE 35

1.4. O GRAFITE COMO GRITO DE LIBERDADE 38

1.5. A ARTE TRANSFORMA VIDAS 40

2. GRAFITE COMO COMUNICAÇÃO: CONTRACULTURA E ARTE 47

2.2. COMUNICAÇÃO, CULTURA E GRAFITE 60

3. O LADO MESTIÇO DO GRAFITE 76

3.2. GRAPIXO 81

3.3. PICHARANA 82

CONCLUSÃO 92

REFERÊNCIAS 94

11

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo investigar a proximidade entre o grafite e a pichação apesar de suas diferenças visuais. Tais formas de arte de rua se tornam, de certa forma, muito ligadas uma à outra, dificultando assim a separação entre elas. Uma provém da outra e, já que consideramos ser uma forma de arte mestiça, elas sempre serão mencionadas como grafite/pichação. Entender esta proximidade entre as duas faz com que a sociedade em geral deixe de marginalizar o pichador e enaltecer o grafiteiro.

A pesquisa será disposta em três capítulos com abordagens diferentes sobre o objeto.

No primeiro capítulo, será apresentada a história do grafite/pichação, desde o seu surgimento nos Estados Unidos e a sua afirmação no Brasil, mais especificamente na cidade de São

Paulo, uma metrópole brasileira onde o grafite/pichação se faz muito presente.

No segundo capítulo, o grafite/pichação será apresentado como uma forma de comunicação, onde o artista de rua utiliza da sua arte para se comunicar com as pessoas, com a sociedade e com a cidade, seja de forma direta ou indireta, com mensagens com um sentido não explícito que transfere ao espectador o entendimento da mensagem. Os dois serão comparados com a Publicidade, guardadas as devidas proporções, já que tal área tem um objetivo comercial em sua forma e comunicação, diferente do grafite/pichação, que é feito com o objetivo de marcar territórios, como decoração, representação do cotidiano e como forma de comunicação.

O terceiro capítulo será onde apresentaremos as teorias onde nos apoiamos para estabelecer um vínculo desta forma de arte com a mestiçagem. Apontando que a pichação é anterior ao grafite e que o pichador foi mudando seu estilo, colocando cores e técnicas de desenho nas suas obras, surgindo então o grafite e, com a união ou a devoração de um pelo outro, um terceiro e novo estilo surge nas paredes e nas ruas com o nome de grapixo. 12

Após identificarmos alguns desenhos que estão espalhados pelas paredes da cidade com características da pichação, do grafite e do grapixo, nos inspirando na palavra

“sagarana”, criada por Guimarães Rosa, nós criamos o conceito, apenas para esta pesquisa, de

“picharana”. 13

1. PANORAMA HISTÓRICO E ESTÉTICO DO GRAFITE

Há algumas ações que mudam nossa maneira de olhar para um fenômeno. O percurso acadêmico, por exemplo, nos ajuda a compreender o que envolve determinada forma de expressão, quais as intencionalidades presentes em suas camadas, qual sua história, dentre outros detalhes.

Assim, vemos no Grafite um meio de comunicação, considerado manifestação subversiva por uns, deterioração de patrimônio por outros, além de várias outras visões que trataremos de apresentar nesse trabalho. Discorrer sobre sua história será uma forma de situar nosso leitor no tema e demonstrar em que medida o Grafite deve ser considerado uma forma de comunicação e reconhecido como arte pela sociedade, demolindo preconceitos e levando a um maior aprofundamento sobre suas peculiaridades. Antes de tentarmos definir o que é o

Grafite, entretanto, apresentaremos alguns fatos históricos relevantes para sua análise e investigação.

O nome de objeto de estudo deriva do italiano graffiare, que significa a ação de riscar algo. Ela é mais comumente utilizada na sua forma plural – grafito –, designação de inscrição feita em muro ou parede, da qual temos registros desde o Império Romano, nas catacumbas de

Roma e em Pompeia.

Na década de 1960, principalmente, época de intensas manifestações que contestavam a repressão promovida pelos poderes políticos e econômicos, imagens e frases ganhavam um novo sentido e superfície em muros universitários, primeiramente entre "os muros da escola", nas paredes de universidades como a Sorbonne, como forma de contestação e reflexo da vontade de participar de um processo de construção e reescritura da história do país, não somente na Europa. Curiosamente, a pesquisa que nos propomos a executar toma como ponto de partida esse período, no qual uma nuvem de tintas e cores se propagava em Praga, eu um 14

episódio que ficou conhecido como “Primavera de Praga 1”, espalhando-se por todo o lado; era despertado nos jovens um sentimento de poder demonstrado através de protestos que vieram ao conhecimento do mundo também com o festival de Woodstock 2.

Em Paris, a existência imaginária ou real de certas barreiras e proibições, como as que dizem respeito à liberdade de expressão, nos serve como analogia para explicar a intensa pressão sentida pelos jovens que passaram a se manifestar coletivamente, enfrentando instâncias de poder, implodindo e explodindo artisticamente, efusivamente, não sem prejuízo e perigo, já que, em 2 de maio de 1968, a administração da Universidade de Paris decidiu fechar a escola e ameaçou expulsar vários estudantes acusados de liderar o movimento contra a instituição. Tais jovens usavam como modo de protesto também o Grafite.

Tratamos o termo Grafite como forma de expressão indissociável do processo histórico em suas apresentações diversas pelo mundo, tanto como obra individual quanto coletiva, plural. Curiosamente constatamos que o Grafite é manifestação de caráter global e característica de certos ambientes culturais que se relacionam com a arte de rua, acompanhando as mudanças tecnológicas e midiáticas, apresentando-se de forma mutante e permeável que se constroem nas intersecções de dinâmicas inerentes às paisagens.

No que diz respeito ao Grafite, o seu surgimento/enraizamento local possibilita investigá-lo empiricamente fazendo-nos pressupor que esteja ligado a um circuito global do qual depende como modelo ou que dele se retroalimente. É, ainda, na sua expressão local, constituída mais em termos de fluidez do que de rigidez e permanência, moldada por

1 Na década de 1960, a cidade de Praga era um lugar fácil para jovens cidadãos, que viajavam pela Europa Ocidental para usar drogas e ouvir rock’n roll. Em 1968, Alexander Dubcek assumiu o posto máximo de primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia. Chegando ao mais importante cargo político de seu país, Dubcek preocupou-se em dar atenção a uma população que almejava a instalação de medidas liberais no país. Traçando um plano de profundas transformações, o líder tchecoslovaco autorizou total liberdade aos meios de comunicação. Vejam as informações completas em: .

2 Woodstock Music & Art Fair (conhecido informalmente como Woodstock ou Festival de Woodstock ) foi um festival de música realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969 na fazenda de 600 acres de Max Yasgur na cidade de Bethel, Estados Unidos. 15

diferentes forças políticas, sociais e culturais que se constituem como agentes de representação.

Um dos mais emblemáticos arranjos representativos de questionamentos ocorreu na

França, em maio de 1968, visto por muitos como uma oportunidade de sacudir os valores da

“velha sociedade”, contrapondo ideias sobre educação, sexualidade e prazer. A mudança almejada tomava força com outras palavras de ordem que tornavam os espaços brancos dos muros universitários um exato reflexo da vontade de reescrever o contexto da época.

Manifestações feitas em paredes e muros buscavam registrar e complementar a voz de um grupo que se entendia participativo e pensante sobre o futuro da nação a partir de frases que representavam um ideal revolucionário em que as palavras impressas em tintas sprays se apresentavam visíveis, em tamanhos que possibilitassem chamar a atenção de todos, como um grito permanente na boca de todos, porém unida e colada às paredes.

Figura 1. Tradução: É proibido, proibir! Figura 2. Tradução: A liberdade é o crime que contém todos os crimes. É nossa arma absoluta!

Fonte: .

Outro movimento marcante é o Muralismo mexicano, focado na missão de intervenção política e social através da arte, com reconhecidos pintores “revolucionários”, tais como

Rivera, Orozco e Siqueiros, rompendo através de seus trabalhos as expressões individualistas 16

das pinturas apoiadas em cavaletes. Assim como o grafite e a pichação, os muralistas produziam obras em locais públicos para que todos pudessem vê-las: uma forma de impedir que estas acabassem em propriedade de algum abastado colecionador. Ades (1997, p. 151) menciona que "os muralistas mexicanos produziram a mais importante arte revolucionária, de sentido popular, ocorrida neste século, e a influência deles em toda a América Latina tem sido contínua e de longo alcance”.

Figura 3. Negros,1930, de José Clemente Orozzo

Fonte: . 17

Figura 4. Mussolini, 1933, de Diego Rivera

Fonte: .

Figura 5. Um Trabalhador, 1936, de Davi Alfaro Siqueiros 3

Fonte: .

3 Davi Alfaro Siqueiros sempre foi um polemista muito lúcido, e desde a época em que se encontrava em Barcelona já havia feito inúmeras críticas contra o que ele considerava "insosso e arcaico estilo da arte nacionalista pitoresca". Dentre os muralistas, Siqueiros era o que tinha maior comprometimento com o mundo moderno, tanto no que diz respeito à temática quanto às técnicas. Para ele a palavra de ordem era: "uma nova direção para uma nova geração de pintores americanos". Ele queria uma arte inovadora, que fosse dinâmica e construtiva. A sua linguagem artística tinha raízes na estética modernista do cubismo e do futurismo. 18

Vimos que há manifestações grafitadas em vários lugares. Trazemos algumas ilustrações nova-iorquinas, pertencentes ou inseridas como elementos formadores da cultura 4, movimento essencialmente metropolitano surgido no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, como forma de manifestação contra a desigualdade social. Esta cultura se compõe por três elementos hip-hop (música), dança, e grafite.

O grafite, desde o seu surgimento, era uma maneira de contestação política, inicialmente na Europa, como forma de manifestações estudantis. Porém, ele só adquiriu sua característica de inscrição urbana na década de 60 e se espalhou para o continente americano sofrendo influências hippie e punk nas décadas de 70 e 80. (LAZZARIN, 2007).

Foi na década de 1970, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, que apareceram os primeiros grafites. Alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e, algum tempo depois, essas marcas evoluíram com técnicas e desenhos.

Figura 6. Dentro dos vagões do metrô: um monte de grafite também.

Fonte: NPR. .

4 Hip hop é uma cultura artística que começou na década de 1970 nas áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque. Bambaataa, reconhecido como o criador oficial do movimento, estabeleceu quatro pilares essenciais na cultura hip hop: o rap, o Djing, a breakdance e o grafitti. Disponível em: . 19

Figura 7. East Side com típico graffiti que desfigura um grande edifício antigo.

Fonte: Casey Kelbaugh para o New York Times. .

No final da década de 1970, o grafite foi introduzido no Brasil, em São Paulo, e o brasileiro não se contentou com o grafite norte-americano, então começou a incrementar. Não

é, portanto, um fenômeno inteiramente novo. O grafite atual apenas se distingue das anteriores manifestações pela extensão que alcança, configurado como uma linguagem supostamente global, porém não podemos permitir que o termo global impeça de observar as variantes locais, inscritas em modelos culturais com regras, vocabulários, práticas e ferramentas que são transmitidas e reproduzidas há mais de três décadas. No início, as obras dos grafiteiros eram apresentadas desde simples traços sem cores com críticas diretas ao governo até as mais rebuscadas com matizes diversos, e sua criação podia durar meses. 20

Figura 8. Foto de trabalho de Vallauri. Figura 9. Foto de trabalho de Vallauri. Exposição, MAM 19/04/2013. Exposição, MAM 19/04/2013.

As técnicas utilizadas também eram diferentes, o estêncil 5 por exemplo era muito utilizado. As cores também mudaram de forma expressiva, muitos novos tons surgiram, passou-se de um único autor, artista, a uma equipe. Do total anonimato ao reconhecimento artístico, como com os Gêmeos, Kobra, Rui Amaral, este último que vem desde aquela época.

Figura 10. Grafite 3D, de Eduardo Kobra. 29/07/2014.

Fonte: .

5 Molde recortado em cartolina, radiografias, ou outros materiais de maneira a criar formas pré-defenidas, encostando esse molde a uma superfície, e passando spray por cima, ficando com as formas subtraídas à cartolina, pintadas na parede. Ideal para fazer em superfícies pequenas, é rápido de executar, e permite também reproduzir o mesmo desenho em vários sítios. Fonte: . 21

Figura 11. Grafite de Os Gêmeos em Boston. 29/07/2014.

Fonte: .

Figura 12. Grafite de Rui Amaral, na Av. Paulista.

Fonte: . 22

Denominada , tornam-se objeto de curiosidade incorporados e utilizados com objetivos autorais distintos resultantes de manifestações tipicamente rotuladas como pertencentes à cultura urbana.

O que podemos entender sobre cultura? Um termo que abrange o que existe em uma sociedade, ao mesmo tempo em que define o que entra e o que fica fora de sua conceituação.

Quando se diz que um povo não tem cultura ou que um indivíduo é mais culto que o outro, o que se leva em consideração para tal afirmação? Dentro dessa discussão, o sociólogo francês

Edgar Morin traz o seguinte:

uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade). (MORIN, 1975, p. 10-11)

Dessa forma, temos de pensar, igualmente, as cidades e o espaço urbano enquanto território edificado e habitado por pessoas com lugares e destinos distintos que estabelecem vínculos sociais, afetivos, simbólicos, usando diversos recursos para exprimir algo sobre a sua condição, seja individual ou coletiva.

É por essa razão que uma cidade como São Paulo se constitui por signos variados, possui uma memória não apenas materializada, mas igualmente simbólica. Desta forma, vemos grafiteiros como exploradores da cidade que veem as superfícies muradas como telas em que imagens podem ganhar vida e novos significados.

Uma das hipóteses surgida durante a pesquisa seria a de que o grafite brasileiro apresenta indícios de hibridez e mescla de elementos franceses e norte-americanos, tal como

Laplantine menciona: 23

Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de "natural". Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. (LAPLANTINE, 2000, p. 21)

Assim, constatamos a partir da utilização simultânea de frases e ilustrações, palavras sofisticadas graficamente que revelam uma estética bastante peculiar à arte tal como menciona

Cauquelin (2005, p. 12) quando afirma que analisando a estética de uma obra no sentido de adjetivo “são qualificados comportamentos que parecem ter alguma coisa em comum com os atributos conferidos à atividade artística: a harmonia, a gratuidade, o prazer, o desprendimento; uma atitude, um gesto estético podem se considerados obras de arte”.

O impacto causado pelo grafite e a pichação foi similar ao da poesia concreta, guardada as devidas proporções, que quebrou, à época de seu aparecimento, uma série de paradigmas, revelando-se liberta das amarras infringidas pelo clássico ou dos estilos hegemonicamente aceitos como modelos. Ambas enfrentaram restrições do público: a poesia concreta, quando surgiu, causou estranheza e o grafite foi (e é) marginalizado.

Figura 13. Poesia concreta do poeta Décio Figura 14. Poesia concreta do poeta Décio Pignatari Pignatari.

Fonte: .

24

Vimos que nosso objeto de estudo revela-se ligado diretamente a vários movimentos, em especial ao hip-hop, que é uma forma de expressão, ou um movimento social, utilizada pelos menos favorecidos social e economicamente contra a opressão, dirigida frequentemente

à sociedade, numa tradição cultural tipicamente de rua.

Parece-nos particularmente adequado pensar a natureza política da comunicação na cidade contemporânea como uma arena onde se desenrolam contendas de ordem simbólica em muros, transportes públicos ou em patrimônios ou imóveis como instrumentos para a afirmação de identidades, marcação territorial ou, simplesmente, proclamação de existência livre e/ou sem fronteiras.

O grafite apresenta-se ainda como ação coletiva, prática cidadã que aproxima jovens e os leva a participar da história e do idioma com regras e hierarquias próprias.

O grafite funde-se ao movimento de permanente construção e reconstrução da cidade que, a partir de seus agentes-habitantes, transforma-se de maneira constante, como resultado claro dos conflitos ocorridos em seu espaço. Justamente por essa razão, carrega em sua estrutura os signos oriundos deste fluxo perene.

O diálogo, no caso do grafite, se estabelece de forma produtiva pela complementaridade material entre humano e urbano, pois retórica é a arte do diálogo aliada à arte do debate e ao poder de argumentação. Esse debate acontece onde há ideias diferentes e onde um posicionamento é defendido e contradito logo depois. Como, por exemplo, quando discutimos se o grafite é ou não arte.

Não há como definir se grafite é arte ou não, o conceito de arte varia de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade, de classe social para classe social: o que é arte para um pode não ser para outro, como fica muito bem definido por Ernst Hans Gombrich

Nada existe realmente a que possa dar o nome Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna, hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes... Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas 25

atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. (2012, p. 15 )

Assim, aproveitando-nos de dúvidas conceituais que surgiram bem como de confusões que ocorrem frequentemente sobre juízos de valores sobre o grafite e a pichação, em que estas duas práticas divergem e, sobretudo, quais seriam os pontos convergentes entre elas, buscamos investigar melhor as questões a esse respeito. Vimos por exemplo que o grafite é reconhecido como arte enquanto que a pichação é manifestação de vandalismo e crime ambiental previsto em lei de acordo com o Artigo 65 da Lei 9.605/98, que penaliza o

“criminoso” à detenção de três meses até um ano com multa para quem pichar, grafitar ou, de alguma forma, profanar edificações ou monumentos urbanos. Então, trazemos à discussão: podemos qualificar o grafite como arte? Pra tanto utilizaremos o conceito de arte com base no conceito apresentado anteriormente definido por Gombrich.

Encontramos notícias sobre juízes adotarem a aplicação de penas alternativas ao infrator flagrado no exercício da “arte”, tais como o fornecimento de cestas básicas a entidades filantrópicas ou prestação de serviços comunitários, ainda que, em maio de 2011, o governo brasileiro tenha decidido descriminalizar o grafite.

Para ratificar a mais recente aceitação do grafite no Brasil, em 2011 foi sancionada uma lei que reconhece a legalidade dos sprays nos muros em casos específicos. Vale ressaltar que essa aprovação foi, na verdade, para alterar a redação da lei 9.605/98 de 12 de fevereiro de 1998, adicionando um segundo parágrafo ao artigo a seguir. Vejamos como ele ficou elaborado:

§ 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.

26

Em relação às alterações benéficas na lei, Binho Ribeiro, grafiteiro e curador de eventos como o “Graffiti Fine Art”6, faz o seguinte comentário sobre os motivos de sua difusão:

O motivo é o amadurecimento dos artistas e das pessoas, a alta qualidade das obras, a degradação da cidade quase abandonada e também os projetos sociais que resgatam centenas de jovens. Assim a cidade ganha e os artistas também.

Reconhecendo uma mudança da forma como se entende o grafite, constatamos que atualmente os grafiteiros são convidados para participar de projetos que visam embelezar as cidades. As imagens a seguir servem de exemplo:

Figura 15. Painel decorativo, Eduardo Kobra.

Fonte: .

6 Com três edições anuais, a Graffiti Fine Art traz a arte urbana para dentro dos limites do MuBE. A mostra foi criada pelo museu, para mostrar a diversidade e qualidade da arte de rua. Disponível em: . 27

Figura 16. Mural Eduardo Kobra, cidade de São Paulo.

Fonte: .

Reconhecido como artista grafiteiro, Eduardo Kobra passou a ilustrar paredões, antes imponentes e monocromáticos, com suas cores, sua arte e contextos temáticos tal como vemos nas figuras 15 e 16, nas quais estão retratados elementos de um passado próximo em que bondes circulavam pela cidade, de acordo com as vestimentas e veículos vistos, assim como fachadas e publicidades da época, revelando, mais que imagens, todo um projeto, desde o processo de criação até a execução e apresentação final da obra.

Adota-se, aqui, a hipótese de que o grafite urbano, enquanto manifestação, se sujeita a uma leitura plural que oferece possibilidades de um olhar que o privilegie como um exercício discursivo, em relação às grandes questões inerentes ao espaço em que se insere.

Obviamente, Kobra foi contratado para a confecção dessas imagens, o que significa conhecimento prévio de seus trabalhos e currículo, o que o eleva à qualidade de artista do ponto de vista da visão social. Por isso, a crença comum de que o grafite faria parte do espaço urbano como poluição visual que afeta as grandes metrópoles, nesse caso, fica abandonada, e a manifestação se torna arte inclusiva e expressão estética valorizada.

Esse é um exemplo do grafite ganhando destaque na cidade, o que possibilita criarmos espaços para refletir sobre seus traços, cores, pigmentos, técnicas, todas as formas de 28

expressão confirmando que devemos deixar no passado a desvalorização que perdurou até agora, pichadores e grafiteiros sendo vistos como vândalos, contribuindo assim para elevar as obras ao estatuto de expressão artística. Como signo detentor de sentidos plurais, o grafite pode ser examinado pela sua capacidade comunicativa, pelos códigos e linguagens próprios ou pelas técnicas e tecnologias que utiliza. Estamos tratando do grafite até agora, mas não poderíamos deixar de trabalhar com termos entendidos como sinônimos, tais como a pichação ou o grapixo, buscando revelar em que convergem ou divergem entre si.

1.2. GRAFITE VERSUS PICHAÇÃO: ESTÉTICAS ENVOLVIDAS

Uma das razões pelas quais o grafite é desqualificado tem que ver com a forma deturpada de pensar de uma maioria que assim o define por falta de conhecimento. Confundi- lo com a pichação é ainda mais comum, embora ambos possuam, geralmente, a mesma temática, contexto social e político como inspiração para as imagens. Há, contudo, diferenças notórias.

Por exemplo, a pichação diverge do grafite por dois motivos: às vezes tem como objetivo nada mais que a demarcação de território por grupos, inclusive com a disputa pelos lugares mais altos possíveis. O outro aspecto está ligado à estética ou forma como pichadores se expressam utilizando mais comumente letras estilizadas do que representações diversas em imagens mais elaboradas, com personagens, objetos, animais, dentre outras. Como expressão de pixe há também aquelas que pretendem representar a assinatura do grafiteiro, tal como mencionamos anteriormente quando trouxemos uma lista de termos relacionados a formas de expressão como essas. As tags são um tipo de marcação bem próxima do grafite podendo ser sinônimo tanto para um estilo quanto para o outro. 29

Figura 17. Pichadores alcançam topos de prédios altos para deixar suas marcas.

Fonte: .

Então, para que não haja confusão entre os termos, destacaremos as diferenças entre

Grafite e Pichação, a partir das definições a seguir:

Grafite: nome dado às inscrições feitas em paredes, considerando expressões

“caligrafadas”, desenho pintados ou gravados em superfície vertical comumente encontradas 30

em espaços urbanos. Pode ser considerada arte se partirmos do pressuposto de Ernst Hans

Gombrich, citado anteriormente. Na verdade o Grafite é uma arte, dentro do conceito apresentado anteriormente, feita para provocar, representa uma liberdade de expressão, relacionada ao ambiente político e social ou à condução da política em que predominam deveres, enquanto que os direitos são negados para grande parcela da população. São reconhecidos como desenhos em superfícies geralmente verticais, pois estão sempre presentes em circuitos de skates, dentre outros lugares, mas sempre notoriamente em locais públicos.

Revela-se com elementos mais elaborados que os presentes em pichações embora tenha a mesma intenção, a de interferir na paisagem da cidade, anônima ou identificada.

Sua relação com o espaço urbano é a de não representar um conceito ou expressão unos ou individuais mas sim o coletivo e o plural, como se a opinião geral pudesse ser emprestada à arte expressa por seus traços. Algo como fazer dos desenhos o que o artista pensa a respeito do que é retratado como um forma de fruição da imagem através do espectador ou transeunte. Assim, o processo de criação presente nesse tipo de mídia pode ser compreendido em sua complexidade e diversidade de manifestações. Desta forma, sendo considerado uma forma de arte, observa-se a relevância do grafite; suas motivações expressivas e quais propostas estéticas e de comunicação ele contempla.

As próximas imagens são apresentadas a fim de demonstrar como trabalhos grafitados em ambientes diferentes, tais como o lado externo de um muro (Fig. 18) e parte de espaço decorado em ambiente interno de uma loja (Fig. 19), revelam indícios sobre uma possível evolução da técnica do surgimento do grafite, podendo ser executadas tanto com materiais tradicionais como com latas de spray. 31

Figura 18. Painel do Projeto Grafitran Brasília.

Figura 19. Parede com grafite casa cor SC.

Pichação : considerado o ato de escrever ou rabiscar em muros, fachadas de edificações, asfalto ou monumentos usando tinta em spray, dificilmente removível, estêncil ou mesmo rolo de tinta. 32

No geral, são escritas frases de protesto ou insulto, assinaturas pessoais ou mesmo declarações de amor, embora a pichação seja também utilizada como forma de demarcação de territórios entre grupos – às vezes gangues rivais. Difere do grafite e geram polêmicas e desvalorização; em comparação ao grafite chega a ser considerada vandalismo.

Figura 20. Pichação no vão central do MASP.

Figura 21. Protesto contra novela da Rede Globo. 33

Figura 22. Pichação em propriedade particular. 7

Temos constatado que a incidência de manifestações deste tipo parece estar em vias de aprimoramento no que diz respeito aos traços cada vez mais elaborados, tais como

vemos nas imagens a seguir:

Figura 23. Pichação/Comunicação que se aproxima do grafite. 8

7 As imagens 20, 21 e 22 mostram pixos em locais diferentes São Paulo, expressam suas opiniões com relação ao racismo e em outro momento apenas marcam território, com suas tags, em um prédio de são Paulo.

8 As imagens 23 e 24 demonstram pichações diferentes das anteriores, nestas podemos notar uma maior elaboração para a sua realização, onde o pichador utiliza cores, e adiciona desenhos e personagens. 34

Figura 24. Bomber: são letras gordas e que parecem vivas, geralmente feitas com duas ou três cores.

A análise do grafite e da pichação leva em conta o contexto urbano e a cidade como um sistema vivo e dinâmico. Um ponto de grande importância diz respeito à valorização do trabalho e do estilo do grafite feito no Brasil, o que gerou um aumento do interesse da comunicação visual institucional por esta linguagem, que está em voga, influência modismos e revela tendências.

Mediante ao aparente aumento de interesse ou simpatia pela arte do grafite, a

Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, organizou, em 15 de maio de 2002, a primeira cooperativa brasileira de grafiteiros, onde muitos deles intitulavam-se ex-pichadores.

O objetivo da referida instituição foi o de levar professores experientes em artes plásticas ou designers a orientar os artistas, possibilitando a confecção de painéis em muros especialmente destinados para exibição e promoção desta arte.

Cada vez mais, e em maior número, moradores têm apoiado essa forma de comunicação visual ao oferecerem os muros de suas casas para que os grafiteiros desenvolvam sua arte e mostrem para a sociedade sua maneira de expressão e comunicação.

As imagens que vemos estampadas em ambientes externos e internos nada mais representam do que vozes que clamam por serem ouvidas na dimensão do entendimento de 35

que existe algo mais e além do que os códigos escritos formais que a população está habituada a decifrar. Parece inclusive tendência presenciar designers gráficos e meios industriais de produção gráfica utilizando esta forma de expressão.

1.3. SÃO PAULO – CAPITAL DO GRAFITE 9

Desde seu aparente surgimento na Roma Antiga, até a sua eclosão na década de 1970, o grafite passou por grandes períodos de adversidades que acabaram colaborando para maximizar uma mentalidade revolucionária: a primeira seria a bipolarização entre o capitalismo e o socialismo, em um cenário de tensão entre EUA e União Soviética 10 .

No Brasil, períodos problemáticos foram as crises do petróleo e, é inevitável, a ditadura militar, coincidindo com o surgimento da cultura hip-hop 11 .

Uma de suas principais características da cidade de São Paulo, devido à sua diversidade cultural, é presença muito forte da mestiçagem. É, por exemplo, a cidade que mais abriga japoneses, libaneses e alemães fora dos respectivos países. Isso sem falar em quem vem de outros estados brasileiros: gaúchos, amazonenses, baianos, capixabas, mineiros, potiguares e tantos outros trabalhando e colaborando para a formação cultural da cidade.

Muito se fala sobre São Paulo ser a locomotiva do Brasil. Um termo popular, porém um pouco injusto, uma vez que, quando pensamos em “locomotiva”, pensamos em uma imensa máquina.

9 São Paulo – Brasil, Instituto Callis, 2006.

10 A década de 1970 demonstrou ao mundo que a União Soviética já não era mais a grande rival dos Estados Unidos, sua capacidade já havia sido reduzida consideravelmente. Os sinais de esgotamento econômico começaram a aparecer e isso se tornou evidente com a divulgação de problemas graves, como a falta de alimentos. A partir daí, seguiram-se uma série de estratégias erradas que só piorariam sua situação. Logo depois, a União Soviética invadiria o Afeganistão, aumentando a crise. Esta se consolidava, pois a maior parte dos recursos estava sendo consumida pelo setor militar, a capacidade industrial – especialmente no que se refere aos bens de consumo – não dava conta de atender à população, população esta que não era consultada em momento algum e, por isso, perdia a atração pelo sistema. A falta de liberdade para expressão do povo refletia-se diretamente na produtividade do país, pois os indivíduos sentiam-se desmotivados com a realidade que viviam. Disponível em: .

11 Arte Urbana < http://jpress.jornalismojunior.com.br/2013/08/grafite-arte-%E2%80%93-preconceito- superado/ >. 36

Mas a maior força dessa cidade, o que a faz há muito tempo percorrer os trilhos do crescimento cultural, são os condutores dessa tal locomotiva. O elemento humano é o maior bem de São Paulo .

Além das inúmeras figuras ilustres e históricas que ajudaram a projetar a cidade no campo das artes, esportes, política, ciências, engenharia, dentre outros, São Paulo só se tornou o maior marco urbano do Brasil graças aos seus milhões de anônimos.

O fato é que, notórios ou anônimos, todos os moradores de São Paulo desfrutam diariamente de suas (muitas) qualidades e enfrentam seus (muitos) desafios e cabe a cada um de nós continuar trabalhando para que a nossa cidade se torne tudo aquilo que ela merecemos que ela seja.

Com seus quase 12 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo é a maior metrópole em extensão territorial da América Latina, marcada por grandes contrastes e simultaneidades que imbricam e matizam – para além de uma perspectiva dual – o arcaico e o moderno, a cidade rica e a cidade pobre, o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, a exclusão e a inclusão, o global e o local etc.

O seu gigantismo é proporcional à intensidade e à complexidade dos seus desafios urbanos e das suas desigualdades.

O crescimento econômico intenso das últimas décadas, como centro da economia nacional e polo da economia global, não gerou ganhos similares na massa salarial e em qualidade de vida para o conjunto de seus habitantes, ou seja, não gerou uma cidade com urbanidade para a maioria (SANTOS; SILVEIRA, 2006, apud, CARREIRA, 2013, p. 11).

Pelo contrário, o crescimento econômico acirrou dinâmicas de segregação socioespacial, concentração do patrimônio e inserção precária na cidade para grande parte da população com base em um liberalismo exacerbado com relação aos interesses privados

(TRINDADE, 2011; ROLNIK; KLINK, 2011, apud, CARREIRA, 2013, p. 11). 37

Uma das faces desse fenômeno foi a expansão territorial das periferias, em resposta à especulação imobiliária, em uma cidade com muitos vazios urbanos. Segundo o Censo do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010 12 , a cidade de São Paulo possui

290 mil imóveis vazios, que seriam suficientes para abrigar toda a população que vive em

áreas de risco, cerca de 130 mil pessoas.

A expansão territorial da cidade imposta aos segmentos mais pobres, em áreas sem infraestrutura urbana (saneamento, educação, saúde, cultura etc.), degradação ambiental, perda de tempo da população entre ida e vinda do trabalho, gera condições de vida precárias, necessidade de investimento público em transporte, dentre outros problemas, que alimentam a lógica segregadora da cidade.

A história de uma cidade pode ser contada de várias maneiras e por meio de vários recursos, que ela transmite por meio da ocupação de seus espaços, de suas obras de arte e de sua arquitetura. “Uma imagem vale mais que mil palavras”.

São Paulo, cidade de inúmeros talentos criativos, começou a ganhar o colorido dos grafites nos anos de 1980.

Muitos agentes, reconhecidos internacionalmente como artistas, atraem visitantes à procura de suas obras, pois acreditam existir novos gênios da arte de rua . A lguns artistas começaram a usar o espaço público para democratizar a arte, e os muros da cidade foram sendo preenchidos com belos grafismos e desenhos. Assim, não é exagero afirmar que a capital paulista nos reserva uma surpresa a cada esquina.

12 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010. 38

Figura 25. Painel na av. Henrique Schaumann, em Pinheiros, reproduz cena da São Paulo antiga. Quem assina é o grafiteiro Kobra.

Figura 26. Beco do Batman: uma ruazinha sinuosa, que já foi bastante degradada, atualmente exibe desenhos que são renovados constantemente.

1.4. O GRAFITE COMO GRITO DE LIBERDADE

Não se espante se você sair pelas ruas de São Paulo num domingo e se deparar com algum grafiteiro pintando muros ou paredes dos bairros. Esse é o dia da semana em que a maioria deles escolhe para fazer o que mais gosta: ficar ao ar livre, expressando-se em espaços públicos.

"Eu faço arte para ser feliz, e o que mais me atrai no grafite é a capacidade de criar diálogos com a cidade", conta o grafiteiro Rui Amaral, um dos precursores dessa arte urbana. 39

Sua geração ocupou as ruas da cidade com desenhos no início da década de 1980, quando o país ainda saboreava a amargura da ditadura .

"A repressão política fez com que as pessoas se fechassem nas casas. Tomar a rua era um jeito de quebrar o paradigma repressivo", diz o artista Jaime Prades, ex-integrante do grupo “Tupinãodá”, que ganhou fama nos muros da Vila Madalena no final dos anos 1980.

Figura 27. Criações de vários artistas enfeitam os muros imensos que margeiam a Radial Leste. Em destaque, desenho de Nina Pandolfo.

O acesso mais democrático deu chance também às mulheres. Entre elas, está a paulista

Minhau, 35 anos, seu grafite é inconfundível, caracterizado pelos fortes traços e grandes contraste de cores. 40

Figura 28. Grafiteira Minhau.

Fonte: .

O codinome nasceu dos desenhos de gatos grandes e coloridos, que são sua marca registrada. Ela utiliza o grafite como forma e relacionamento com as pessoas: "Arrancar sorrisos de crianças e idosos na rua é uma experiência viciante. Graças ao grafite, eu me relaciono com pessoas de todos os níveis sociais”.

1.5. A ARTE TRANSFORMA VIDAS 13

"O grafite ajuda também a elevar a autoestima das pessoas", diz o artista conhecido por Birigui, que cresceu na Vila Madalena e ainda criança se sentiu atraído pelos desenhos nos muros.

A convivência com artistas de rua e do hip-hop o fez perceber que a arte poderia servir como um meio de inclusão das populações mais carentes.

"Virei numa ONG há dez anos e, desde então, percebi como as pessoas se sentem valorizadas ao entrar em contato com a arte. Gosto de ver como vão construindo seu

13 Disponível em: < http://jpress.jornalismojunior.com.br/2013/08/grafite-arte >. 41

aprendizado e se desenvolvendo. Isso só é possível porque o grafite é acessível, democrático", diz 14 .

Figura 29. O túnel de acesso à av. Paulista foi grafitado pela primeira vez em 1987 – e três vezes apagado. Desde 2001, renova-se periodicamente.

Afinal, pichar e grafitar são a mesma coisa?

"As pichações, que são rabiscos e letras feitos para demarcar território ou ir contra as instituições, têm seu valor antropológico. Já o grafite é uma forma de arte e envolve conceito e pesquisa", explica Baixo Ribeiro.

"Os dois têm a mesma essência: são meios de protesto ou de diversão, na falta de opções de lazer", diz Rui Amaral 15 , que assina o emblemático túnel da Avenida Paulista. Aos

51 anos, ele continua ativo: "Não gosto de ficar pintando telas no ateliê. Meu grande barato é mesmo a rua".

14 Idem.

15 O grafiteiro/pichador e artista plástico Rui Amaral, um dos pioneiros desta arte de rua, nos concedeu uma entrevista muito interessante onde conta a sua trajetória com o grafite desde o início no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Conta como conheceu grafiteiros internacionais e outros grafiteiros famosos da época como Jean- Michel Basquiat, John Howard, Keith Haring, Alex Vallauri e Mauricio Villaça. Rui também fala de sua participação no Grupo Tupi Não Dá onde atua como grafiteiro/pichador, professor e em projetos sociais relacionados ao grafite. Esta entrevista está disponível em um CD no final do trabalho. 42

Figura 30. Túnel Avenida Paulista e Rui Amaral.

Um exemplo vinculado ao grafite é o Projeto Quixote, onde jovens em situações difíceis podem participar de cursos e workshops de técnicas de pintura e desenho.

Depois, eles vão para a Agência Quixote Spray Arte, onde produzem material com aquilo que aprenderam e podem comercializá-lo. Neste material pode incluir-se desde grafitagem de fachadas até camisetas e móveis. E, além de tudo isso, os jovens são remunerados.

Bem como os planos sociais atrelados a esta arte, eventos indoor e colaborativos também têm dado maior visibilidade para a nobreza que o grafite carrega.

O projeto Color+City , desenvolvido pela empresa Google, visa unir e colocar em contato aqueles que desejam ter suas paredes grafitadas e aqueles que desejam deixar nelas suas respectivas obras de arte. 43

Desse modo, os artistas também podem garantir a autorização legal para que certos muros sejam preenchidos, minimizando o estigma de marginalização devido à sua elevação a crime ambiental.

Figura 31. I Bienal Internacional de Graffiti Fine Art. Foto: Rico Lima.

Como representante dos eventos, está o Graffiti Fine Art , que traz grandes nomes da cultura urbana nacional e internacional.

Além da temática, o interessante é que o próprio nome do evento já traz em si um paradoxo benéfico.

A mistura da palavra “ graffiti ” (que, para alguns, remete a um sentido subversivo) com “ fine art ” eleva a prática ao patamar artístico. Ao mesmo tempo, o fato de ser desenvolvida uma exposição, aos moldes daquelas dedicadas às obras tradicionais de arte, eleva o Grafite à condição de sofisticado e ratifica que ele possui a mesma nobreza de outras artes.

Apesar de eventos indoor e autorizações para grafitar abrirem questionamentos acerca da essência frenética da arte de rua, o Fine Art, Color+City e Quixote possuem um objetivo em comum no que diz respeito ao spray no Brasil. 44

“Grandes projetos, exposições e campanhas publicitárias, isso tudo somado ajuda bastante”, disse o grafiteiro Binho Ribeiro quando questionado sobre o que o motiva a continuar nesta mudança de imagem.

A política também não fica fora desta esfera artística. Apesar do grafite ser uma arte que não depende necessariamente do funcionamento da cidade, as parcerias e intervenções governamentais tornaram-se inevitáveis.

Para Binho, a relação do grafite com o governo é confusa. “O grafite ora é agressivo e outrora suave e agradável, então é difícil definir isso. No geral, se apoia o agradável e educacional e se reprime o protesto e o vandalismo”. Não é raro encontrar casos ilustrativos para o que o artista disse. A cidade de São Paulo, maior foco de arte urbana do Brasil, carrega inúmeros em seu histórico.

Figura 32. Fachada Estação Adolfo Pinheiro - SP.

Fonte: .

Um exemplo é o caso da fachada da (futura) estação Adolfo Pinheiro do Metrô.

Grafiteiros foram convidados a preencher o tapume com suas obras e foi fornecido até o material necessário.

No entanto, um dos desenhos dos artistas consistia em uma crítica à Polícia Militar paulistana: uma coxinha uniformizada como policial, com um cassetete na mão, correndo atrás de um punhado de pessoas. Hoje não há mais grafitagens na fachada da Estação Adolfo

Pinheiro, ainda em construção. 45

Outra obra que estava presente na fachada trazia a seguinte frase: “Todo vagão tem um pouco de navio negreiro”, criticando a situação precária do transporte público na cidade e comparando-a com os navios lotados e em péssimas condições que traziam escravos para o

Brasil.

A obra foi censurada pela prefeitura, passando-se tinta verde somente por cima da

“coxinha militar”. Em contrapartida à censura, há projetos de parceria com empresários e prefeituras para que os artistas da rua mostrem seu talento.

Figura 33. Mural em fachada de prédio com o rosto do arquiteto Oscar Niemeyer.

Fonte: . 46

Ainda na cidade de São Paulo, encontramos os casos do Museu Aberto de Arte Urbana

(MAAU-SP). As composições desse museu são feitas nas colunas de sustentação do metrô, entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê.

Além desse caso, são exemplos também as frentes do Edifício Regina, com 36 metros de mural, e de outro prédio na Praça Oswaldo Cruz, preenchido com a imagem do rosto de

Oscar Niemeyer.

Os casos acima servem para elucidar as contradições às quais o grafite e a cultura urbana, artes antes tão incompreendidas, estão submetidas. 47

2. GRAFITE COMO COMUNICAÇÃO: CONTRACULTURA E ARTE

Há vários segmentos na sociedade, como os acadêmicos, publicitários ou os anônimos passantes que avaliam o grafite como forma de comunicação ou, quando muito, de protesto que polui a paisagem urbana. Outros afirmam que trata-se de arte. Não há consenso. Supomos que ambas opiniões são formas de refletir sobre aspectos relacionados ao grafite rotulando-o como arte ou como representação de um movimento de contracultura. Este termo foi mencionado com alguma frequência no auge dos anos 1960 como forma de expressão radical, experimentada, na maioria das vezes, por jovens que pleiteavam mudanças. Um representante dessa época, Maciel (1981), em uma tentativa de explicar o que foram as manifestações da

época, explica que

o termo "contracultura" foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina [...] Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial [...] Cultura é um produto histórico, isto é, contingente, mais acidental que necessário, uma criação arbitrária da liberdade – cujo modelo supremo é a Arte. (MACIEL, 1981 apud PEREIRA, 1983, p. 13-15)

Defendemos que o grafite seja arte e procuramos, com esta pesquisa, trazer dados sobre sua história, formas de expressão, materiais utilizados e outras especificidades para promover, através dessa dissertação, espaço para reflexão a fim de que sejam analisados diversos pontos de vista, tanto do artista ou grafiteiro como de outros, simples espectadores dessas imagens em seu entorno, em vaivém diário, apressado, contemplativo, interpretativo, desinteressado, indiferente, reflexivo ou de outros tipos.

Constatamos que essa forma de expressão artística está carregada de intencionalidades, compartilhada em superfícies rígidas de tijolos, armações em ferro, cimento e água misturadas a pigmentos que camuflam propagandas políticas coladas e esquecidas de outros períodos eleitorais, além da própria marca de quem a idealizou, traçou e a coloriu, às pressas com olhar perturbado, atento às reações dos passantes, na tentativa de 48

expressar temas confusos, contestadores, poéticos e críticos do cotidiano, possibilitando que todos possam fazer suas leituras próprias na tentativa de compreender o verdadeiro sentido do artista e sua imagem grafitada, aproximando-se do processo feito pelo contemplador de outras obras. São imagens tipicamente urbanas, geralmente de fácil acesso ao público pedestre ou de condutores de veículos, particulares ou coletivos, e de várias camadas sociais. Muitas vezes trazem exacerbada crítica política e social, depondo e convidando os outros a pararem um momento e pensarem a respeito da imagem representada. Assim, interferindo no trânsito das pessoas e nas ideias preconcebidas da população, tais imagens podem vir a provocar com o sentido impregnado na imagem, contribuindo, interferindo ou sugerindo mudanças. Segundo

Canevacci:

Na decodificação da mensagem existe sempre um lado criativo, um critério subjetivo. Ela é interpretada segundo a formação particular do pesquisador, sua biografia intelectual e política, seus gostos e emoções, ou segundo o acaso. A tradução da mensagem urbana é sempre uma traição. (CANEVACCI, 1993, p. 27)

Apresentamos para ilustrar a Figura 34, grafitada pelos irmãos conhecidos como Os

Gêmeos . Os artistas defendem nessa ilustração o direito à liberdade de expressão como

“atividade intelectual, artística, científica” fazendo inclusive menção ao Artigo de Lei n. 5.

Não bastasse o uso do texto em forma de protesto, eles criam um personagem que indica e chama a atenção de quem passa por perto desse grafite apontando para o texto, simples, direto, objetivo, mostrando a posição assumida. Interessante verificar que o próprio personagem esconde sua identidade utilizando uma espécie de venda que esconde praticamente todo o rosto, indicando um ato que precisaria ser anônimo para que não haja retaliações. Porém, tratando-se dos irmãos, internacionalmente conhecidos, surge como um elemento duplo de protesto encerrando na imagem e no texto a expressão e quem se expressa desta forma é considerado pela maioria como um líder.

49

Figura 34. Grafite de Os Gêmeos

Fonte:

Na Figura 35 abaixo, tons ou nuances revelam certa crítica poética, sugerindo que a arte resulta em permanência que ultrapassa o indivíduo que a idealizou ou o tempo.

Figura 35

Fonte: .

50

Figura 36. Paródia à frase bíblica ou musical. 16

Disponível em: .

O grafite da Fig. 36 pode ser interpretado como inspirado no evangelho de São

Mateus, como a música de , paródia do bíblico ressignificada no muro como forma humorada de crítica sobre a falta de elementos que possam dar cor ao logradouro. No que diz respeito à música, Amaral e Sousa (2012, p. 16) mencionam que

Cálice é uma canção com muitas metáforas, nas quais Chico Buarque e usaram para contar sobre a situação em que a sociedade vivia durante a ditadura militar. Na canção eles expressam o desejo de se livrar

16 Na figura 36 a frase nos remete ao Evangelho de Mateus (26:39-42) ou à canção Cálice de Chico Buarque e Gil. Cálice é uma canção com muitas metáforas, nas quais Chico Buarque e Gilberto Gil usaram para contar sobre a situação em que a sociedade vivia durante a ditadura militar. Na canção eles expressam o desejo de se livrar das desigualdades sociais no Brasil nesse período. Eles ainda abordam a questão do envolvimento de políticos com as mortes ocorridas nesse período, denunciam os métodos de tortura e repressão que eram submetidas às vítimas para conseguir o silêncio das mesmas e o desejo de liberta-se das imposições feitas pelo governo Militar. 51

das desigualdades sociais no Brasil nesse período. Eles ainda abordam a questão do envolvimento de políticos com as mortes ocorridas nesse período, denunciam os métodos de tortura e repressão a que eram submetidas as vítimas para conseguir o silêncio das mesmas e o desejo de liberta-se das imposições feitas pelo governo Militar.

Não seriam os muros, colunas de viadutos ou paredões lugares em que podem haver formas de expressões que pretendem “livrar das desigualdades sociais”? Obviamente, essa ilustração surge não como denúncia à tortura física, mas reflete, sim, uma tortura estética em relação à cor cinza como algo negativo, como um silêncio forçado que pode ganhar “voz” na aplicação de cores de latas de sprays, contornos, materialização de figuras como convite à liberdade de expressão do artista, bem como um convite à mesma liberdade de reflexão a partir da imagem grafitada.

Para os estudiosos, críticos se o grafite é arte ou não, vimos que alguns defendem o valor do objeto, pintura ou outros materiais como aquilo que representa um período da civilização em que nota-se certa mudança de apresentação de estilos. Há aqueles que definem períodos, movimentos artísticos de vanguarda, mas o que nos parece é que a longevidade de uma forma de expressão pode vir a ganhar essa classificação ou a técnica, que pode ser à

época completamente nova, a qualifica como arte. Já historiadores poderão contestar esse tipo de valorização e indicar outros. Assim, vemos que o conceito de arte geralmente resulta de uma série de processos mesclados uns aos outros, formas de expressão, materiais e técnicas diversas que caem no gosto do popular, da massa seguindo como padrão, forma ou estética apresentada e que variam entre si.

Há casos em que o sentimento que a obra proporciona é tão poderosa e tão clara que reproduções dela podem ser encontradas em locais habitados por pessoas que entendem ou não de “arte”. É o que aconteceu na favela do Cruzeiro na cidade do Rio de Janeiro, idealizado por dois holandeses que vieram ao Rio de Janeiro. 52

Figura 37. Holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas participantes do projeto Favela Painting.

Fonte: .

Figura 38. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela.

Fonte: .

Quando vieram ao Brasil pela primeira vez, no ano de 2012, os artistas holandeses Dre

Urhahn e Jeroen Koolhaas foram convidados por um amigo a visitar a Favela do Cruzeiro. A 53

dupla de artistas teve a ideia de pintar um mural no morro. Foi assim que começou o projeto

Favela Painting 17 , que consiste em cobrir o morro de arte.

Figura 39. Casas da comunidade decoradas com grafite.

Fonte: .

Figura 40. Foto panorâmica da favela Cruzeiro.

Fonte:

17 A reportagem completa sobre a Arte na favela está no site: . 54

Figura 41. Grafite aplicado ao lado da escadarias de acesso á favela.

Fonte: .

Figura 42. Grafite de carpas ao lado das escadas de acesso a favela.

Fonte: . 55

Existem obras feitas com expressões mais difíceis de serem interpretadas e que, talvez por essa característica, chamem a atenção de forma curiosa e desafiadora no que concerne a sua possibilidade de interpretação. Outras ainda tornam-se peças para colecionadores que saem das ruas e vão para galerias de arte, como no exemplo de David Chamas que comprou as placas de metal pintadas pelo grafiteiro Onesto, instaladas para proteger um terreno baldio em muro nas imediações da Rua da Consolação.

Grafite de rua vira peça de colecionador 18

As placas de metal pintadas pelo grafiteiro Onesto, que protegiam um terreno baldio em um muro na rua da Consolação, agora decoram um galpão do empresário David Chammas, 60 anos. (Jornal Agora. Segunda-feira, 08/09/2014. Folha de S.Paulo.)

Figura 43. Empresário David Chammas.

Dono de uma coleção de cerca de 150 obras de arte, com telas de pintores como Anita Malfatti e Aldemir Martins, Chammas tem garimpado pelas ruas da cidade peças grafitadas para incluir em seu acervo pessoal. Já tem 15 tapumes resgatados do lixo ou comprados por “alguns trocados” em obras do centro. O empresário não está só nessa empreitada. A badalação em torno do grafite paulistano e a promessa de valorização desses artistas no mercado da arte provocou uma espécie de corrida aos muros da cidade.19

Encontramos em Gombrich, conforme mencionado anteriormente, uma forma de conceituar produtos que reconhecemos como arte no grafite.

18 Reportagem no site Agora – Nas Ruas – Grafite de rua vira peça de colecionador – 28/02/2010. Disponível em: .

19 Folha de S.Paulo, 8 set. 2014. 56

As imagens a seguir são exemplos de grafites feitos com muita técnica, cores e conhecimento de proporção, luz e sombra e muito mais, por isso são verdadeiras obras de arte e poderiam estar expostas em qualquer sala de grandes museus em São Paulo ou em qualquer lugar do mundo.

Figura 44. Personagem de seriado de TV, “Seo Madruga”.

Disponível em: .

Figura 45. Grafite aplicado em superfície irregular, mas com muita técnica.

Disponível em: . 57

Figura 46. Releitura de Monalisa.

Disponível em: .

Figura 47. Cena do filme Hulk.

Disponível em: < http://www.pinterest.com/pin/317785317426454771/>. 58

É essencial entender ou aceitar que grafite é a criação de forma que se oferece à percepção do mundo, de sua realidade e de injustiças sociais. Então, teria como finalidade despertar sentidos e possibilidades de interpretação. Essas possibilidades de interpretações possíveis, a partir de uma forma de expressão artística parece estar relacionada ao espaço em que ocorre com o tempo de criação ou processo criativo e tudo o que o envolve. Salles menciona que

Com relação a arte, em diálogo com aqueles que, como Arlindo Machado (1999), defendem a abordagem da comunicação em âmbito expandido, por perceber que se trata de “um conceito-chave” no mundo contemporâneo, pois dá conta de alguns processos vitais que definem esse mesmo mundo, mas está longe de ser um conceito consensual. Alguns o tomam num sentido mais restritivo, abrangendo apenas o campo de atuação das mídias de massa, outros preferem dar maior extensão ao conceito, incluindo no seu campo semântico todas as formas de semiose, ou seja, de circulação e intercâmbio de mensagens, inclusive até fora do âmbito do social e do humano, no nível molecular, por exemplo, ou na linguagem das máquinas. (Salles. 2006, p. 14-15)

Para a autora, os elementos participantes do processo criativo são pistas ou indícios que devem levar o pesquisador à reflexão sobre o começo, meio e fim que definiram renúncias e escolhas para a apresentação da obra finalizada, mas aberta à intervenções ou novas reapresentações da mesma, não necessariamente modificada, mas acrescida de ideias.

Devem ser observados não somente através de teorias ou conceitos existentes, mas reflexões específicas de acordo com cada artista. Acrescenta que

Nestes casos, os conceitos perderiam seu poder heurístico, ou seja, a pesquisa ofereceria muito pouco retorno no que diz respeito a descobertas sobre o ato criador. Por outro lado, se o que buscamos é a melhor compreensão da complexidade que envolve o processo criativo, não podemos lançar mão de conceitos teóricos isolados, como, por exemplo, percepção ou acaso. (SALLES, 2006, p. 15)

Para um designer gráfico/grafiteiro como Rui Amaral, é inegável a representação exponencial dos grafiteiros e do meio como se comunicam através de suas imagens, utilizando como tela superfícies de prédios, viadutos ou muros como um outdoor, onde publica sua forma de ver o espaço público ou um momento político, por exemplo. Porém, possivelmente, o que ele deseja transmitir, passará pela capacidade de interpretação do outro, 59

dependendo assim do olhar do sujeito que o contempla bem como de seu repertório cultural ou político.

O artista é consciente de que nem tudo o que escreve é facilmente compreendido, assim como muitos outros artistas, grafiteiros, pois muitos têm uma forma de se expressar através da escrita estilizada definidas como marca própria, uma nova forma de imagem gráfica urbana ou criação. Também neste sentido, Salles menciona que uma imagem tem muito do aspecto sentimental e momentâneo do artista, sentimento este que fica incutido em sua memória e é externado mesmo que sem intenção quando ele produz uma obra. Acrescenta ainda que

A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe, portanto, em contato com um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidade e plasticidade. Uma memória criadora em ação que também deve ser vista nessa perspectiva da mobilidade: não como um local de armazenamento de informações, mas um processo dinâmico que se modifica com o tempo. (SALLES, 2006, p. 19)

Justamente pensando nesses elementos que contribuem para a apresentação da imagem, pensamos que o grafite pode ser analisado como uma representação social ensinando-nos através de sua técnica e suporte como dialoga com o público.

Procuramos entender como um grafite ou uma pichação se tornam únicos e como um artista materializa seu pensamento, como o tempo e o espaço mudam sua forma de expressão.

Vemos que as imagens produzidas por eles têm muito sobre o contexto em que se encontravam, pois o momento em que foram pensadas, elaboradas e materializadas em suas cores e tintas, remete à ideia de que vários elementos permitiram seu nascimento tal como

(SALLES, 2006, p. 24) menciona Morin ao falar de "tecido em conjunto", revelando um velho paradigma que nos obriga a disjuntar, a simplificar, a reduzir sem poder conceber a complexidade e buscamos outro capaz de reunir, de contextualizar, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto.

60

Diria respeito ao "jogo de interações" ou "rede de criação" que significa “Influência mútua, algo agindo sobre outra coisa e algo sendo afetado por outros elementos. Estamos assim em plena tentativa de lidar com a complexidade e as consequências de enfrentar esse desafio”. (MORIN, 2002, p. 11)

Essas reflexões nos remetem às ideias de Lotman no que diz respeito a tendências estéticas e filosóficas que estão presentes nas representações artísticas mencionando "um princípio de arte criando um novo nível de realidade que se diferencia da própria realidade por uma imensa ampliação de liberdade". Acrescenta ele ainda que a liberdade se introduz mais facilmente em esferas carentes da sociedade, "assim, aquela que está sem alternativa, consegue encontrar uma”. (LOTMAN, 1988, p. 55)

2.2. COMUNICAÇÃO, CULTURA E GRAFITE

A cidade de São Paulo diariamente oferece imagens de todos os tipos e formas de forma efêmera, em jornais e revista, ou intensas em sprays grafitados que invadem superfícies rígidas, de concreto ou em madeira com traçados que representam pensamentos e/ou ideais dos pichadores. Interessante constatar que a maioria delas parecem atender a objetivos como marcação de território, protesto ou apenas de embelezamento da cidade, cercada por prédios que tornam as aparências urbanas extremamente acinzentadas e com ângulos retos, lugares que convidam aquele que tem um olhar artístico a estampá-las com vida, cor e novos contornos, propostas oferecidas aos cidadãos para contemplação. 61

Figura 48. Pichação feita no segundo andar do pavilhão da Bienal em outubro de 2008.

Fonte: .

Nesse sentido, acreditamos que o grafite seja parte integrante da comunicação social e herdeiro legítimo de uma cultura visual de massa, passível de leitura e de compreensão subjetiva para quem o observa, interpreta e lhe atribui significado.

Martin-Barbero afirma que formas de comunicação e movimentos sociais seriam formas de expressões que convidam a

Abordá-los em sua forma, explicitá-los, esclarecer o movimento que, dissolvendo pseudo-objetos teóricos e implodindo inércias ideológicas, vem se desenvolvendo na América Latina nos últimos anos: a investigação sobre processos de constituição do massivo a partir das transformações nas culturas subalternas. Sobrecarregada tanto pelos processos de transnacionalização quanto pela emergência de sujeitos sociais e identidades culturais novas, a comunicação está se convertendo num espaço estratégico a partir do qual se podem pensar bloqueios e as contradições que dinamizam essas sociedades-encruzilhadas, a meio caminho entre um subdesenvolvimento acelerado e uma modernização compulsiva. Assim, o eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais. (MARTIN-BARBERO, 2006, p. 261)

62

Na Figura 49 a seguir, podemos notar a busca dos artistas, Os Gêmeos, em se comunicar com os passantes locais que podem interpretá-la como uma mensagem clara, que incita à ideia de mudança na cidade, no país ou, talvez, no mundo. Através dela, o artista estabelece um contato com o espectador convidando-o à ação. Ela também faz paródia ao lema inscrito na bandeira do Brasil, “Ordem e Progresso”, sendo ressignificada, reapresentada e parodiada como “Acordem e Progresso” sugerindo ser o momento mais que necessário de ação nacional, acordar, reagir, perceber tudo o que envolve nossa política e caminhos que a pátria pode vir a seguir, apesar de ter mantido a palavra progresso que para a nossa atual condição não se aplica.

Figura 49. Grafite de Os Gêmeos com cunho social. Convida a sociedade para um novo desafio.

Disponível em: .

Ainda que a pichação busque confrontação, marcar território e provocação com a autoridade, como se fosse um jogo, em que o desafio do pichador é deixar a sua marca num lugar de difícil acesso, seja pela topografia, seja pela vigilância ou proibição de acesso, sem ser pego pela polícia, o autor da pichação, ao vencer o desafio, tal como um ritual, alcança o 63

reconhecimento como participante do grupo. Utiliza, geralmente, gírias ou dialetos que são compreendidos apenas pelos participantes, de difícil decodificação por outros frequentadores ou passantes locais.

Figura 50. Pixadores desafiam a policia.

Fonte: < http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/05/alem-de-sujarem-imoveis-pichadores-desafiam- policia-em-belo-horizonte.html>.

Na Figura 50, a frase “Prenda-me se for capaz” é a única que foi pintada ou pincelada de forma mais clara. Há outras tantas na altura dos olhos, acima e outras ainda em locais mais elevados sugerindo certa acrobacia para fazê-las, todas na cor preta, supostamente feitas com pincéis largos ou ainda rolinhos de pintar. A impossibilidade de leitura ou decodificação a deprecia de modo geral, pois a incompreensão remete à rotulação nua e crua como rabiscos que denigrem imóveis e outros. Para quem tem afinidade ou familiaridade com a linguagem ou com os executores, a leitura é de atrevimento, coragem e modelo que deve ser comemorado ou copiado. 64

Figura 51. Prédio pichado no centro de São Paulo. De cima abaixo. E espalhando para os lados.

Fonte: .

Ao fazer um protesto contra um determinado assunto ou escrevendo uma mensagem, o autor da pichação promove um diálogo, aparentemente seu principal objetivo, ou apenas estimula e convida à contemplação.

Figura 52. Mais um protesto de Os Gêmeos contra a prefeitura de São Paulo.

Fonte:. 65

Figura 53. Mensagem de Paz em um muro atingido por bomba.

Fonte: .

Figura 54. Mensagem de desamor.

Fonte: .

66

Figura 55. Questionando o espectador sobre o conhecimento.

Fonte: < http://altzombie.tumblr.com/post/6125470248>.

Nas figuras 53, 54 e 55, várias mensagens são estampadas nas paredes e parecem representar sentimentos profundos de quem as pintou, provavelmente ligadas a um momento específico de suas vidas, mas que podem, e devem, segundo os artistas, ser compartilhada como algo comum a todas as pessoas.

O grafite e a pichação e suas formas de comunicação e expressão visual procuram focalizar o estilo de vida e a visão de mundo e podem ser pesquisadas e vistas como apropriação de espaços públicos. A mensagem visual sugere diálogo simultâneo com a sociedade em geral e com os que dominam a sua forma de expressão.

Encontramos durante a pesquisa informações sobre um movimento em São Paulo chamado Buraqueira 20 e que tinha como proposta convidar artistas (grafiteiros e pichadores)

20 O projeto foi realizado em outubro de 2013 como uma ação foi iniciativa da Veja São Paulo, curadoria de Binho Ribeiro e Jacqueline Prado e participação de onze grafiteiros, entre eles Mundano, criador do projeto Pimp My Carroça, e artistas da galeria A7MA da Vila Madalena. Disponível em: . 67

para fazerem sua arte em buracos e imperfeições do asfalto, utilizando a criatividade e formas curiosas que pudessem chamar a atenção das pessoas que por eles passavam, desviando do ponto que representa perigo de acidente, denigre a imagem local, além de outras avaliações negativas que podem ser feitas. O objetivo principal não seria disfarçar ou enfeitar o problema, obviamente, mas sim representar uma forma de protesto em diferentes bairros chamando ainda mais a atenção de todos para tais questões, cidadãos comuns assim como responsáveis pelas vias urbanas, prefeitura por exemplo.

As figuras de 56 a 61 trazem ilustrações de como elas foram apresentadas. Das mais diferentes formas representadas, desde a mais humorística, de Sirpos, que sugere o personagem com cabeça faltando cérebro; de Mauro, com a personagem sem ventre, sugerindo a fome; “O buraco é mais embaixo”, de Mudano; o zumbi de Lobote; a flor; a representação da morte com sua foice, aproveitado o buraco que na imagem é justamente a parte do rosto, sugerindo semelhança com “O Grito” de Münch ou risco de morte por causa da depressão no asfalto, são apenas algumas que foram feitas e que ganharam grande repercussão na época e foram mostradas em jornais e revistas que circularam na época do manifesto.

Figura 56. Buraco grafitado pelo artista Sipros, na Rua Laura Vicuna, na Vila Ida. 68

Figura 57. Buraco grafitado pelo artista Mauro, na Avenida da Liberdade, no Centro.

Figura 58. Na Avenida Diogenes Ribeiro de Lima no Alto de Pinheiros grafite de Mudano. 69

Figura 59. Rua Moisés Marx com rua Julio Colaço na Penha obra de Lobote 21

Figura 60. Feik na Rua Manuel Dorta, Limão.

21 Disponível em: . 70

Figura 61. Grafite de Enivo, na Rua dos Pinheiros.

Figura 62. Grafite de Mauro na Avenida Liberdade. 71

Figura 63. Buraco coberto por grafite de Mauro na Rua Jaguaribe, em Santa Cecília.

O poder de comunicação do grafite e da pichação é de tamanha grandeza que é possível, guardadas as devidas proporções, aproximá-los da publicidade, que utiliza de imagens e frases para divulgar ou difundir um produto ou uma marca. O que os diferencia é que a publicidade é autorizada pela lei, desde que siga normas e regras, enquanto que o grafite e a pichação, não.

Atualmente algumas marcas fazem uso do grafite para divulgarem os seus produtos como, por exemplo, a Sprite que utilizou na campanha publicitária para mudar o layout da embalagem de um dos seus produtos. A chamada publicada foi “ Refresque suas ideias ” e, para inspirar os candidatos, lançou um desafio com 4 grafiteiros tidos como referência na arte urbana: Bruno Big , Fefê Talavera , Jotapê e Nina Moraes. 72

Figura 64. Exemplos de Latas produzidas.

Fonte: .

Mais alguns exemplos de como o grafite e a publicidade se unem para a propaganda de um produto. Na figura 65 uma garrafa de whisky Johnnie Walker é colocada no meio de uma paisagem grafitada no chão, onde o artista aplicou a técnica 3D. A imagem é muito rica em detalhes e dá a sensação de leveza, paz e tranquilidade, nos dando a impressão de que, quando se tomar uma dose do whisky, o espectador/consumidor teria os mesmos sentimentos.

E na figura 66, de uma propaganda de tênis, a técnica é mais simples mas de muita criatividade. A imagem do grafite ao fundo, aparece nas tiras do tênis como se elas fossem transparentes e mostrassem a imagem que está ao fundo. 73

Figura 65. Propaganda de Whisky.

Disponível em: .

Figura 66. Propaganda de Tênis.

Disponível em: . 74

Nas imagens abaixo o produto a ser divulgado está inserido em painéis diferentes de grafite para compor a propaganda.

A imagem grafitada com animais de grande porte e de muita força como o elefante, transmite ao consumidor/receptor a sensação de um veículo forte e muito resistente.

Figura 67. Propaganda de carro.

Disponível em: .

Nesta outra imagem abaixo o grafite utilizado mostra o produto, caminhonete, e muitos outros veículos sendo atacados por “alienígenas”, com armas de raio laser, porém o veículo do anunciante não é danificado e ainda o laser rebate no seu teto e atinge um dos discos voadores, enquanto os demais são destruídos. O grafite é muito bem feito e rico em detalhes, tornando assim o anúncio muito rico. 75

Figura 68. Propaganda de carro.

Disponível em: .

Aproximar o grafite/pichação da publicidade tem como objetivo demonstrar como ambos podem servir como meios comunicacionais com amplo alcance de público ao serem flagradas nas ruas, mesmo que de difícil interpretação ou decodificação. O que desejamos explorar é como pode fazer parte do que Canevacci nomeia como modelo comunicativo da publicidade como

resultado complexo de muitas linguagens parciais fundidas numa síntese suja, por assim dizer. Com efeito, o emissor seleciona algumas linguagens entre outras, enquanto o destinatário traduz o todo com uma sensibilidade que varia com base naquelas características, próprias de cada camada de público, que se diferencia de possuir ou não os novos alfabetos visuais. (CANEVACCI, 2001, p. 155)

As pessoas/espectadores/receptores, quando passam por um grafite ou por uma pichação, são estimuladas a absorverem a mensagem contida na imagem que observam, assim compreendemos ser possível relacioná-las com a publicidade sem desconsiderarmos estratégias e técnicas próprias que fazem dela outro meio de comunicação.

Desta forma tentamos demonstrar através de imagens e teorias que o grafite e a pichação são formas de comunicação utilizadas pelos artistas de rua em grande escala nas ruas e atualmente de uma forma intensa por várias empresas. 76

3. O LADO MESTIÇO DO GRAFITE

O homem sempre procurou representar, por meio de imagens, a realidade que o rodeia e na qual está inserido, fazendo dessa representação um instrumento de comunicação social. E isso também ocorre em nossa realidade local. Observando nosso contexto socioeducacional, percebemos o quanto o grafite, nas suas mais variadas formas, está presente na vida das pessoas como expressão da arte.

Neste sentido, ele assume uma forma de expressão da qual os artistas se utilizam para manifestar seus conceitos sociais, na qual o artista (grafiteiro) realiza os trabalhos de forma remunerada ou apenas por prazer, decorando os ambientes.

A linguagem do grafite e da pichação faz parte do cenário das grandes cidades, não há como ignorar a presença de ambos, assim como não há como ignorar esta forma de comunicação que nasce no anonimato, e torna-se uma forma real de comunicação, dentre muitos.

Por essa razão o grafite é fragmentado, híbrido e mestiço e as obras resultam de uma fusão de técnicas e de elementos que evocam o universo publicitário, a cultura elevada e a arte oficial, bem como os diferentes nichos que compõem a cultura de massas, de tendência mais comercial ou alternativa.

O grafite também é efêmero. Longe da preservação dada às obras de arte oficial, ele é, por essência, fugaz, sujeito às mutações do edificado e à qualidade das superfícies exteriores e depende do clima e das agressões de transeuntes e autoridades.

Hoje em dia o grafite é indiscutivelmente um produto presente em muitos países, é, aliás, um produto em constante e rápida mutação, devido à intensificação dos processos culturais , midiatização e principalmente a mestiçagem.

Num país como o Brasil, onde as diferenças sociais ainda são gritantes, ser cidadão de uma metrópole com título de “a mais importante do pais, no aspecto financeiro, primeiro 77

mundo” confere ao cidadão um status elevado. Neste país ainda em desenvolvimento, latino- americano e miscigenado, ser cidadão da “capital financeira” faz sua vida ter mais valor.

Nesta multiplicidade cultural e divisão de espaços, dos agentes e das expressões culturais, torna ainda mais problemática encontrar uma definição, que permita descrever este fenômeno, simultaneamente global e local.

Não podemos separar o crescimento do grafite dos processos mais abrangentes de comunicação e globalização que contribuem para a edificação de modelos, imaginários, pois, simbolicamente, a cultura do grafite está associada ao gueto, às minorias éticas, à discriminação racial e pobreza, à rua, à transgressão e ilegalidade, mas é admirada e até consumida por todas as classes sociais, onde supostamente o nível cultural são diferentes, sem definição de melhor ou pior, havendo uma fusão entre as culturas. Esta fusão entre culturas é muito presente na mestiçagem, onde podemos considerar mestiçagem cultural como

A mestiçagem cultural se constitui em um fazer humano por meio das possibilidades de trocas, nas quais os objetos partilham propriedades comuns e transmutam propriedades outras. Esse fato pode facilitar uma diluição de fronteiras e um cruzamento de linguagens. É sempre um acordo temporário entre as tensões, visto que as diferenças permanecem. Assim o objeto mestiço possui qualidades comuns e diversas. (PINHEIRO, 2009, p. 35)

O grafite revela ainda um duplo sentido comunicacional. Em primeiro lugar, a mensagem em si, o conteúdo verbal ou icónico da mensagem com um determinado significado e, em segundo lugar, a transgressão em si, que comunica desobediência e recusa da norma. Os dois estão interligados, pois o conteúdo expresso geralmente só alcança um sentido enquanto ato de transgressão, na medida em que a mensagem noutro contexto e situação perderia o seu valor. Na sua linguagem mesclada estão presentes a fotografia, as artes plásticas convencionais, a banda desenhada, os desenhos animados, os cartazes publicitários, os néons e os outdoors , as fábulas cinematográficas e televisivas, bem como os imaginários urbanos que nos circundam. 78

Assim, o grafite remete claramente para o confronto, a ilegalidade e a provocação e, simbolicamente, tem sido culturalmente apropriado como emblema de rebeldia e rebelião, signos de vozes incompreendidas ou minoritárias sejam estas de minorias políticas ou de excluídos de subúrbio.

Nesse sentido, o Brasil é o primeiro país a promover a separação entre grafite e pichação e também o primeiro país a ter uma lei que privilegia um em detrimento ao outro.

Essa descriminalização foi amplamente noticiada e debatida chegando a repercutir em revistas especializadas como a Graffitiart.

Gustavo Coelho afirmou que o Brasil é o único país do mundo em que essa distinção existe. Segundo ele, o grafite é mais romanceado e intelectual. “Ele se tornou antídoto contra a pichação”.

Para o grafiteiro Airá (o Crespo), a definição é clara: “O grafite é desde um simples garrancho a um painel elaborado, mas a rua é o seu principal suporte!”. Ambos deram estas declarações em encontro sobre grafite 22 .

Não há como separar um do outro, eles se equiparam. Não há como classificá-los como melhor ou pior, pois, mesmo que diferentes em alguns aspectos, eles se parecem em outros e é isso que os torna interessantes, como afirma Amalio no que diz respeito à troca de informações entre um e outro.

E situações interessantes são aquelas que geram uma zona de aproximação e convergência do um e do outro; não apenas o reconhecimento do outro como outro, mas a constante “troca” com este outro. Molabilidade (termo utilizado por Deleuze) é a capacidade de ir ao outro e voltar a si mesmo (num movimento de mola). 23

22 “Grafitismo: a arte das ruas”. Tema de abertura do “Seminário Brasil, brasis” de 2011.

23 Pinheiro, José Amálio – Aula 06 – 19/09/2012.

79

Figura 69. Contra Racismo.

Disponível em: .

A dialética estabelece-se de forma produtiva pela complementaridade material entre humano e urbano e o processo de consolidação do grafite como arte mestiça confere a ele um sentido ambivalente, na medida em que se torna arte de galeria, perdendo a força originária transgressora e insubmissa que marca sua existência.

Neste caso, Barbero cita que há que se levar em conta o seguinte:

O reconhecimento de uma mestiçagem que, na América Latina, não remete a algo que passou, e sim àquilo mesmo que nos constituiu, que não é apenas um fato social, mas também razão de ser, tecido de temporalidades e espaços, memórias e imaginários que até agora só a literatura soube exprimir (...) O reconhecimento desse conhecimento [da mestiçagem] é, na teoria e na prática, o surgimento de uma nova sensibilidade política, não instrumental nem finalista, aberta tanto à institucionalidade quanto à cotidianidade, à subjetivação dos atores sociais e à multiplicidade de solidariedades que operam simultaneamente em nossa sociedade (...) É como mestiçagem e não como superação (...) que estão se tornando pensáveis as formas e os sentidos que a vigência cultural das diferentes identidades vem adquirindo: o indígena no rural, o rural no urbano, o folclore no popular e o popular no massivo. (MARTIN-BARBERO, 2006, p. 261-289) 80

Da mesma forma e como disse o cacique Terena em uma entrevista na primeira aldeia urbana na cidade de Campo Grande – MS, quando foi questionado se ele sentia falta da sua aldeia, “Eu posso ser você, sem deixar de ser eu”. (Terena apud PINHEIRO, 2012,

10/12/2012) um pichador pode vir a ser um grafiteiro sem deixar de ser pi chador e o grafiteiro pode ser pichador e não deixar de ser grafiteiro. E situações interessantes são aquelas que geram uma zona de aproximação e convergência do um e do outro; não apenas o reconhecimento do outro como outro, mas a constante “troca” com este outro. Molabilidade

(termo utilizado por Deleuze) é a capacidade de ir ao outro e voltar a si mesmo (num movimento de mola).

O grafite é a expressão de arte onde a cultura mestiça está muito presente, assim como na pichação, onde o que interessa não é o diluir-se no outro, mas o “devir-outro”, a incorporação de alteridades, não há como cada um ter a sua identidade, este conceito não se aplica, já que o termo identidade traz a ideia de matriz, puro de genuíno.

Em vez de enfrentar as perturbações ocasionais baseando-se num fundo de ordem sempre pronto e a se impor, a maioria dos sistemas mestiços manifesta comportamentos flutuantes entre diversos estados de equilíbrio, sem que exista necessariamente um mecanismo de retorno à “normalidade”. (GRUZINSKI, 2001, p. 59 apud PINHEIRO 2013, p. 20)

Se tornarmos como parâmetro o processo antropofágico 24 , que é um processo de tradução onde você devora o outro para digeri-lo, a pichação foi devorada pelo grafite que contém técnicas mais refinadas onde há uma mistura de desenho com letras, surgindo assim um terceiro objeto, sem perder as características, mas com outra roupagem: o “grapixo”.

24 Segundo Laplantine (2013, p. 13): “A abordagem antropológica provoca, assim, uma verdadeira revolução epistemológica, que começa por uma revolução do olhar. Ela implica um descentramento radical, uma ruptura com a ideia de que existe um "centro do “mundo”, e, correlativamente, uma ampliação do saber e uma mutação de si mesmo. O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Isso supõe aomesmo tempo a ruptura com amargura da monotonia do duplo, do igual, do idêntico, e com a exclusão num irredutível "alhures". As sociedades mais diferentes da nossa, que consideramos espontaneamente como indiferenciadas, são na realidade tão diferentes entre si quanto o são da nossa. E, mais ainda, elas são para cada uma delas muito raramente homogêneas (como seria de se esperar) mas, pelo contrário, extremamente diversificadas, participando ao mesmo tempo de uma comum humanidade. 81

3.2. GRAPIXO

No Brasil, o grapixo apareceu entre os anos de 2003 e 2004 em São Paulo e tomou uma proporção maior do que em outros países. Na grande maioria dos casos muitos pichadores não procuram protestar e sim marcar o seu território com sprays ou tinta látex, mas com o grapixo os pichadores/grafiteiros passaram a fazer um tipo de pichação mais elaborada.

As palavras são escritas com letras trabalhadas com cores e espessura diferentes e ainda com imagens compondo a arte, sendo esta uma característica predominante no grapixo.

Este estilo é muito visto na região do ABC em SP e a característica principal são as letras idênticas a pichações, que possuem contornos fortes e cores em um único tom, geralmente feitas em látex.

Figura 70. BRAVOS – DOES – CHOR

Fonte: . 82

Figura 71. BRAVO

Fonte: .

Figura 72. BRAVOS - GENIOS - JEAN CARLOS POZE – CLOWN

Fonte: .

Considerado modismo ou não, o Grapixo mostra um estilo que veio para se afirmar na arte de rua mundial, as suas composições são feitas de muitas variações, incluindo nessas variações características absorvidas de outras culturas.

3.3. PICHARANA

Citando Guimarães Rosa, que criou a palavra “Sagarana” para dar nome a um de seus livros, publicado em 1946, a palavra saga 25 , que significa “lenda”, colocando o sufixo “rana”,

25 Saga é uma palavra que significa lenda ou aventura, e consiste em descrições de histórias de personagens famosos de uma determinada cultura ou religião. As sagas também podem ser em forma de canção, que revela os atos heroicos. Inicialmente as sagas eram transmitidas de forma oral e constituíam o alicerce da literatura da Escandinávia. Teve o seu início por volta de 1120 na Islândia, mas posteriormente se expandiu a outras nações escandinavas. Atingiu o seu auge no século XIII e se propagou até o final do século XIV. 83

uma palavra de origem tupi que significa semelhança. Assim temos a palavra Sagarana que pode se entender como alguma coisa que é próxima a uma saga. O sufixo Rana torna este entendimento possível pois o seu conceito é de aproximar o diferente.

Pensando na origem da palavra grapixo, seguindo esta linha e juntando à palavra pichação o sufixo rana, ouso criar uma palavra nova, a picharana , para ilustrar uma obra que não é um grafite, nem uma pichação e também não é grapixo. É considerada picharana a obra onde o artista emprega técnicas utilizadas em todas as manifestações de arte criada nas ruas, o grafite, a pichação e o grapixo, sem perder as características de cada uma elas e criando um outro objeto.

Como o termo picharana foi criado e aparece pela primeira vez neste trabalho, as imagens apresentadas abaixo são classificadas desta forma apenas neste trabalho por se tratar de uma classificação nossa.

As figuras (73, 74 e 75) são compostas por personagens onde podemos notar a presença do grafite acompanhado de letras em formato tridimensional e muito colorido, que representam a pichação e o estilo de letras utilizado nas imagens, formas que remetem ao grapixo.

Figura 73. Muro grafitado com letras 3D.

Fonte: . 84

Figura 74. Grafite com técnicas diversas, imagens e letras.

Fonte: .

Figura 75. Grafite com letras 3D imagens e cores fortes.

Fonte: .

85

Figura 76. Grafite com letras 3D em perpectiva e cores fortes e vibrantes.

Fonte: .

Mais um exemplo que podemos classificar como picharana, esta condição de arte na parede, é aquela motivo de imbróglio entre a prefeitura de São Paulo e Os Gêmeos, A prefeitura apagou algumas obras dos Gêmeos alegando que elas eram pichação. Os Gêmeos as refaziam, argumentando que eram grafite. 86

Figura 77. OS GEMEOS em atrito com o Prefeito de São Paulo.

Disponível em: .

A prefeitura a considerava pichação por conter letras, porém havia técnicas de arte nas imagens, que são aplicadas nos grafites, somadas com letras feitas de formas mais simples.

Então pode, perfeitamente, ser considerada uma picharana , uma obra que parece ser uma pichação e que pode ser considerada um grafite também, mas não é nenhuma das duas.

Sabe-se que o grafite usa de diversos suportes que estão relacionados ao modo de conviver em sociedade, portanto faz com que cada vez mais tenhamos de abrir nossos olhos a novos caminhos a serem percorridos a quem busca desvendar essa arte urbana que é considerada um canal de informação alternativo dentro do espaço urbano.

Com o intuito de analisar sua presença no território urbano e participação social como meio de vida das pessoas, deve-se abrir uma discussão em que se discuta realmente sua importância entre as questões a desvendar nesse eixo exploratório. 87

Assim, se poderá avançar em seus objetivos práticos e legítimos e no tratamento de conhecimento e reconhecimento das práticas dos profissionais que lutam pelo reconhecimento social na cultura urbana.

Para mim, ao levar em consideração a cidade como local democrático e, por essa razão, com diferentes manifestações culturais, o grafite é parte integrante do processo comunicacional e representa a arte que surge do concreto, a intervenção em cores principalmente quando se faz uma releitura em dois momentos diferentes – fotografia e a exposição dos recortes na galeria – caso dos sprays poéticos, o grafite “reinventa” a poesia, criando novas possibilidades de interpretação, passando a ser contemplado por novos grupos que podem integrar ou não a urbe.

O primeiro, quando o grafite é exposto em galerias, museus e em espaços internos como parte da decoração, e o segundo quando o grafite é feito nas ruas em paredes e muros com um sentido diferente que, em muitos momentos, é confundido com pichação: a qual também tem sua forma de arte, e carrega consigo um ruído urbano, assim como o grafite, com dimensões diferentes.

O grafiteiro e o pichador, hoje, podem pertencer a qualquer classe social, culturas e etnia, apesar de o grafite e a pichação terem início nas periferias. Em ambas as manifestações, as suas composições são feitas de muitas variações, incluindo nessas variações características absorvidas de outras culturas.

Os estilos são múltiplos, as técnicas também e o grafite, acima de tudo, aceito e admirado por pessoas de gostos e culturas diferentes.

Numa reflexão, cito uma conversa que tive com o grafiteiro Rui Amaral, nem sei se devo chamá-lo de grafiteiro, artista plástico ou pichador. Esta dúvida se dá por ele ter me falado que ele é um grafiteiro que faz “mural” e que nas suas horas vagas também faz pichações. 88

Para ele, a diferença entre os três é que quando ele faz um trabalho para uma galeria ou museu, para um órgão público ou para servir como decoração, estes trabalhos são remunerados, então ele é um muralista/grafiteiro. Ao contrário de quando ele faz grafites em locais autorizados e pichação na rua em muros, viadutos etc.

As imagens que vem a seguir são trabalhos do Rui Amaral, que comprovam o seu modo “mestiço/barroco” de se autonomear grafiteiro/pichador.

Figura 78. Trabalho do artista Rui Amaral, “Grafite”, O Entusiasmo de Annunaki – Avenida Paulista. 89

Figura 79. Trabalho do Rui Amaral “grafite” Como um grafiteiro vê a cidade. Viaduto Comendador Elias Nagib Brein, 15/04/2012.

Segundo ele, o trabalho de grafite passa a ser considerado “mural” devido à institucionalização que o trabalho possui. Ele, quando passa por um local e o vê degradado, ele faz um grafite sem prévia autorização, para mudar a imagem do lugar e este grafite é marginalizado e considerado pichação. Rui Amaral não gosta e nem tem a intenção de separar a sua imagem do pichador, ele consegue ser um sem deixar de ser o outro.

O grafite é associado aqui à produção artística e até a certo tipo de trabalho de recuperação, como se aí tivéssemos uma espécie de “porta de saída”, através da qual o jovem abandona o mundo perigoso da rua e então se coloca, em função do exercício da grafitagem, à serviço do próprio embelezamento da cidade (de algum modo, uma atitude cidadã).

Uma leitura rápida permite-nos perceber que as matérias vistas não só atenuam aquilo que geralmente associamos à criminalidade e ao vandalismo, mas tratam também de romantizar: o grafite deixa de ser “marginal” e torna-se erudito.

Uma prova desta afirmação do Rui quanto ao termo utilizado para designar o autor de uma obra é a reportagem que aborda o trabalho realizado pelos grafiteiros/muralista/artistas 90

plásticos Os Gêmeos, na pintura do avião da gol que transportou a seleção brasileira durante a copa, que eu apresento logo abaixo 26 .

Figura 80. 'Os Gêmeos' pintam avião que transportará os jogadores da seleção brasileira. (Foto: Divulgação).

Avião que transportará seleção na Copa ganha grafite de 'Os Gêmeos' Os artistas plásticos Otávio e Gustavo Pandolfo assinam a obra exclusiva Segundo a Gol, mil latas de spray de tintas foram usadas na pintura. O avião que transportará a seleção brasileira durante a Copa foi decorado com um grafite feito pelos artistas plásticos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como "Os Gêmeos". A pintura que reveste o novo avião da Gol, que é a transportadora oficial da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), faz uma homenagem à torcida brasileira, destacando a diversidade do povo brasileiro, segundo a companhia. A Gol informou que foram necessárias cerca de 100 horas para a realização da pintura, além de mil latas de spray de tintas, vindas da Espanha. O novo avião da companhia é um Boeing 737-800 Sky Interior. “Criamos esse trabalho pensando nos usuários do avião. Pintamos a aeronave para quem está no aeroporto, para quem trabalha dentro dela, para o rapaz que está fazendo uma ponte aérea para ver a namorada, o outro que

26 Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2014.

91

vai resolver um trabalho, a menina que vai ver a família", explicam os artistas no material de divulgação da ação de marketing da Gol. É a primeira vez que a dupla de irmãos e grafiteiros estampam seus traços em um avião. Os artistas já pintaram castelos, prédios, túneis e trens e já espalharam seus grafites em diversos países. A aeronave é um Boeing 737-800 Sky Interior, com maior espaço para bagagens de mão, iluminação interior de LED Segundo a Gol, o primeiro voo do avião com a arte de "Os Gêmeos" será realizado na tarde desta terça-feira (27) na rota Confins-Congonhas.

Figura 81. Mil latas de spray de tintas foram usadas na pintura do avião da Gol (Foto: Divulgação).

Concluindo, vale dizer que o percurso feito até aqui pretendeu tão somente configurar uma primeira aproximação ao tema do grafite, na medida em que tais escritos compõem nossos “compósitos intensivos da comunicação urbana”. 92

CONCLUSÃO

Quando demos início a esta pesquisa, o objeto grafite seria estudado de uma forma a definir se esta forma de expressão possuía um elo ou apenas um paralelo à arte nas cavernas, feitas pelo homem primitivo. Por este prisma, considerávamos o grafite uma forma de arte e o separávamos da pichação, por considerarmos essa última uma forma de expressão marginal e transgressora. Ainda falando em separação, a própria pichação era também dividida em duas, a que se expressa apenas como forma de marcar território, ou de se manifestar social e politicamente, e aquela que, no nosso modo de pensar, invadiria propriedades públicas e particulares, infringindo as leis.

Uma questão que frequentemente surge é a de que se o grafite é arte ou não, comparado e considerado pichação, sendo assim questionada a sua presença em galerias de arte. Perante esta dúvida e para não ficarmos sempre nesta discussão, adotamos para a pesquisa a definição de arte do Ernst Hans Gombrich (GOMBRICH, 1999, p. 15).

Em um determinado momento, passamos a ter contado com autores que trabalham com o conceito de mestiçagem e antropofagia, que consiste no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Os autores que estudamos e adotamos como teóricos para o embasamento da pesquisa são Amálio Pinheiro,

Laplantine, Martim-Barbero.

A partir do entendimento sobre antropofagia e mestiçagem, a ideia principal da pesquisa toma um rumo diferente, e passamos a adotar a ideia de que o grafite é mestiço, tornando-se ambivalente por ter definições diferentes quando visto na rua, em paredes e muros, e quando é exposto em galerias de arte.

Com o conceito de mestiçagem, a pesquisa já não separa mais o grafite da pichação e nem mais separa a pichação de manifestação de sentimentos e ideologias da pichação 93

transgressora que infringe leis. Em determinados momento, mencionamos o fenômeno como grafite/pichação, para não separá-los.

A pichação é a origem de tudo, tendo inicio na década de 1970 como forma de manifestação e o grafite surge com aplicação de técnicas de arte como perspectiva, cores e imagens.

Esta forma de expressão demonstra o seu lado mestiço onde o que interessa não é o diluir-se no outro, mas o “devir-outro”, a incorporação de alteridades, não há como cada um ter a sua identidade, este conceito não se aplica, já que o termo identidade traz a ideia de matriz, pura e genuína. Quando falamos de Grapixo, que é uma forma de expressão que nasce no Brasil especificamente em São Paulo, entre 2003 e 2004, e possui características da pichação e do grafite, por ser ele um terceiro elemento que veio da pichação e do grafite, é possível identificar a presença da pichação com as letras utilizadas e a do grafite com as cores e imagens.

Conforme estudamos as imagens de pichação, grafite, grapixo, localizamos em alguns trabalhos um estilo diferente e, com base em uma palavra, “sagarana”, criada por Guimarães

Rosa, e por este estilo não ter um nome definido, criamos a palavra picharana, que aparece com a mistura da pichação, do grafite e do grapixo.

Este estilo nos dá a oportunidade e nos aguça a vontade de continuarmos estudando e pesquisando estas formas de expressão que estão muito presentes nas redes sociais, programas de TV, novelas etc. 94

REFERÊNCIAS

CANCLINI, Nestor García. Culturas Híbridas. Trad. Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

CANEVACCI, Massimo. A Cidade Polifônica. São Paulo: Nobel, 1993.

CARREIRA, Denise. A educação e o direito humano à cidade. In: CARREIRA, Denise (Ed.) Educação e desigualdades na cidade de São Paulo / Ação Educativa. São Paulo: Ação Educativa, 2013, 1º edição, p. 9-23. Disponível em: . Acesso em: 23 nov 2014.

______. Antropologia da Comunicação Visual. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

COLAPIETRO, Vincent. Introduction to, and selection of texts in, section on Charles S. Peirce. In: ______. Classical American . NY: Oxford University Press, 2000.

DELEUZE, Gilles. Palestra de 1987. Trad. José Marcos Macedo. Folha de São Paulo , 27 jun. 1999.

GRAFITISMO. A Arte das Ruas . Seminário Brasil, brasis. Rio de Janeiro. 28 abr. 2011

GOMBRICH, E. H. Estranhos começos: povos pré-históricos e primitivos; América Antiga. In: ______. A História da arte. Tradução Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012. Cap. 1, p. 39-53.

LANZA, Sonia. O texto jornalístico: paradigma recodificado. In: PINHEIRO, José Amálio (org.). Comunicação e Cultura: barroco e mestiçagem . Campo Grande: UNIDERP, 2006.

LAZZARIN, L. F. Grafite e o Ensino da Arte. Revista Educação & Realidade, n. 32, p. 59- 74, jan/jun. 2007.

LOTMAN, Yuri. El fenómeno del arte. In: ______. Cultura y explosión. Lo previsible y lo imprevisible en los procesos de cambio social. Madrid: Gedisa, 1999.

______. La semiosfera I: semiótica de la cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Seleccion y traducción del ruso por Desiderio Navarro. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998.

LAPLANTINE, Francois. Aprendender Antroplogia . São Paulo: Brasiliense, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Trad. de Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Editora URFJ, 2003.

MORIN, Edgar. O Método 4 - As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.

PINHEIRO, Amálio. Mídia e mestiçagem. In: ______(org.). Comunicação e Cultura: barroco e mestiçagem . Campo Grande: UNIDERP, 2006. 95

RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, pichação & cia . São Paulo: Annablume, 1992.

READ, Herbert Read. O Sentido da Arte. São Paulo: Ibrasa, 1972.

SALLES, Cecilia. Gesto Inacabado - Processo de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2011.