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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 75 [ 9/2/2012 a 15/2/2012 ] Sumário

CINEMA E TV...... 4 O Globo - Das senzalas ao filão ‘favela movie’ / Entrevista / João Carlos Rodrigues...... 4 Estado de Minas – Ela fala da gente ...... 4 O Globo - Na parede da memória...... 6 Zero Hora – Morte e vida sertaneja...... 9 Deutsche Welle - “Olhe para mim de novo” mostra jornada pouco usual pelo sertão...... 9 Folha de S. Paulo – "Alô, Alô, Terezinha!" deixa Abelardo Barbosa de fora...... 10 O Globo - Brasileiro ‘Xingu’ tem primeira sessão concorrida...... 11 O Globo - Uma equação para rodar três longas em três semanas...... 11 Correio Braziliense - Senna vence Bafta...... 13 Estado de Minas – O povo que ri ...... 13 Folha de S. Paulo – Aïnouz começa a rodar 'filme de macho'...... 16 O Globo - O conforto do desafio...... 17 O Globo - Uma voz com 40 anos de estrelato...... 19 O Globo - A saga de três heróis de carne e osso...... 20 Folha de S. Paulo – Cota nacional exigida na nova lei da TV paga poderá incluir reality...... 21 TEATRO E DANÇA...... 21 Correio Braziliense - Labirinto poético...... 21 Estado de Minas - Sobre o amor e a morte...... 23 Folha de S. Paulo – "Os Sete Gatinhos" ganha nova montagem...... 24 Folha de S. Paulo – Enrique Diaz prepara nova peça e reestreia "Ensaio.Hamlet"...... 25 O Globo - Festival de : 29 peças em 13 dias...... 26 Folha de S. Paulo – Festival de Curitiba traz oito estreias nacionais...... 27 Estado de Minas – Teatro: No palco da vida ...... 27 ARTES PLÁSTICAS...... 29 Folha de S. Paulo – Pinacoteca compra retrato feito por Lasar Segall em 1927...... 29 Folha de S. Paulo – Tarsila do Amaral é alvo de grande retrospectiva no Rio...... 31 O Globo - Tarsila, menina do Rio...... 31 O Estado de S. Paulo – Os afetos de Tarsila...... 35 O Estado de S. Paulo - Grafite de é apagado no centro de São Paulo...... 37 Estado de Minas – Poder da criação ...... 39 Carta Capital - Vestido para provocar...... 46 FOTOGRAFIA...... 48 Folha de S. Paulo – Fotografia: Prêmio FCW de Arte tem inscrições abertas até 9/3...... 48 Folha de S. Paulo – Brasil rural é o destaque da Coleção Folha...... 48 MÚSICA...... 49 Correio Braziliense - O Brasil menos romântico...... 49 Estado de Minas - Nas entrelinhas...... 51 Folha de S. Paulo – Ídolo romântico, Wando morre aos 66...... 52 O Globo - Brega e ‘cult’...... 53 O Globo - Muito além das calcinhas...... 54 Folha de S. Paulo – Osesp vai assumir comando do Festival de Campos de Jordão...... 55 Folha de S. Paulo – Nova regente reforçou inserção internacional...... 55 O Globo - Dez anos de carreira sem tirar o pé da estrada...... 56 Folha de S. Paulo – Madonna é acusada de plagiar o carioca João Brasil em nova música...... 57 O Globo - Festivais e dois discos tentam reativar tradições do samba...... 58 O Globo - Ben Jor revê o passado e planeja o futuro...... 60 Folha de S. Paulo - Municipal de SP relembra Semana de 22...... 61 O Estado de S. Paulo - Ousadia em falta...... 62 O Estado de S. Paulo - Violino que canta...... 62 O Estado de S. Paulo - Transversal do tempo...... 64 O Estado de S. Paulo - Árido Groove...... 65 O Globo – Para ver os meninos...... 67 Veja – Do fundo de ...... 68

2 Correio Braziliense - Tom Jobim é homenageado...... 70 Estado de Minas – Meninas da Bahia ...... 70 Folha de S. Paulo – Recife por Karina Buhr...... 72 Folha de S. Paulo – São Paulo por Tatá Aeroplano...... 72 Folha de S. Paulo – Salvador por Marcia Castro...... 72 Folha de S. Paulo – Rio por Thalma de Freitas...... 73 Folha de S. Paulo – Banda paulista canta sobre "uísque paraguaio" e é acusada de xenofobia..73 Estado de Minas – Encontros marcados ...... 74 Estado de Minas – Sem medo de experimentar ...... 75 LIVROS E LITERATURA...... 76 Zero Hora – Gullar vence Prêmio Scliar...... 76 O Globo - Um Vinicius muito além do Poetinha ...... 76 Folha de S. Paulo – Notícias de Paris...... 78 Zero Hora – Repensando a Semana de 22...... 79 Zero Hora – O episódio histórico e seu contexto...... 80 Folha de S. Paulo – 'Diaba da moda' lembra carreira em livro...... 80 ARQUITETURA E DESIGN...... 81 Estado de Minas – Artesanato mineiro chega às prateleiras do Tio Sam ...... 81 POLÍTICAS CULTURAIS ...... 83 Correio Braziliense - O FAC e a burocracia ...... 83 O Globo - Assim se passaram 10 anos...... 86 QUADRINHOS...... 88 Folha de S. Paulo – Completa tradução...... 88 Brasil Econômico - Parque é a nova diversão de ...... 90 Brasil Econômico - Turma da Mônica fala 30 idiomas...... 91 Brasil Econômico - Neymar: do gramado para os quadrinhos...... 92 MODA...... 92 Estado de Minas – Moda no interior...... 92 OUTROS...... 93 O Estado de S. Paulo - Olhos no bastidor do jogo...... 93 O Globo - O sonho do museu próprio...... 95 Correio Braziliense - Uma casa para o Bumba meu boi...... 99 Correio Braziliense - Exposição - Centenário de Rio Branco...... 101

3 CINEMA E TV

O GLOBO - Das senzalas ao filão ‘favela movie’ / Entrevista / João Carlos Rodrigues

(9/2/2012) Clássico da crítica nacional, “O negro brasileiro e o cinema”, lançado em 1988 pelo pesquisador João Carlos Rodrigues, acaba de ganhar uma nova versão. Já à venda, o livro, publicado pela editora Pallas, inclui as transformações culturais do audiovisual na década passada, abrangendo produções como “Meu tio matou um cara” (2005) e “Tropa de elite” (2007). Segundo Rodrigues, dez anos após a consagração de “Cidade de Deus” (2002), o perfil dos personagens negros nas telas nacionais diversificou-se. Foi além da discussão social e dos temas ligados à escravidão que marcaram a produção nacional entre as décadas de 1960 e 80. Cresceu também a diversidade de atores e cineastas afrodescendentes. Nesta entrevista, Rodrigues fala da imagem do racismo.

O GLOBO: O que mudou na participação do negro nas telas na década passada, sobretudo a partir de “Cidade de Deus”?

JOÃO CARLOS RODRIGUES: Houve uma renovação muito grande de atores, numérica e de qualidade. Há atores e atrizes mais preparados para todo tipo de papel, não só de escravo ou favelado. Flávio Bauraqui e Lázaro Ramos são os melhores exemplos. Surgiram também mais cineastas e também alguns roteiristas. Já podemos dizer que hoje, no cinema brasileiro, os negros não estão apenas na frente das câmeras, mas também atrás delas, cada vez mais.

● Na produção nacional recente, entre os filmes de diretores negros, “Bróder”, de Jeferson De, desponta como um dos títulos mais exportados, a começar pelo Festival de Berlim, onde iniciou sua trajetória, em 2010. O que o filme acrescentou à representação do negro nas telas?

“Bróder” talvez seja o longametragem brasileiro dirigido por um cineasta negro mais bem-sucedido em matéria de direção, tempo, montagem, dramaturgia. Mas não acho que tenha acrescentado muita coisa à representação do personagem negro no cinema nacional. É um favela movie, melhor do que a maioria, mas ainda muito vinculado a outros filmes paulistas do gênero. Sob esse ponto de vista, “As filhas do vento”, de Joel Zito Araújo, cinematograficamente mais irregular, acrescentou mais, pois introduziu o tema da família negra, o que era uma antiga reivindicação da comunidade. Os dois foram premiados em Gramado e são, no presente, os dois cineastas negros brasileiros mais importantes.

● Qual é o filme brasileiro mais emblemático no debate da questão do racismo?

Entre os filmes antirracistas, tivemos alguns filmes emblemáticos, a destacar “Compasso de espera” (1969), o único longa-metragem do diretor teatral Antunes Filho, e “Tenda dos milagres” (1977), de Nelson Pereira dos Santos, sem falar no clássico da Atlântida, “Também somos irmãos”, de José Carlos Burle, feito em 1949, e que inaugurou o tema entre nós. mas não acho que seja um tema dominante. (R.F.)

ESTADO DE MINAS – Ela fala da gente

Lícia Manzo, autora da novela A vida da gente, surpreende na estreia com folhetim autoral que está agradando à crítica e ao público. Escritora é especialista na obra de

Ana Clara Brant (10/02/2012) Faltando pouco menos de um mês para terminar, a novela A vida da gente, exibida no horário das 18h pela Rede Globo, estreou em setembro com uma responsabilidade e tanto: substituir Cordel encantado, que arrebatou público e crítica pelo seu formato inovador. Mas a trama, que se baseia no triângulo amoroso protagonizado pelas irmãs Ana (Fernanda Vasconcellos), Manu (Marjorie Estiano) e por Rodrigo (Rafael Cardoso), não fez feio e deve boa parte de seu sucesso ao texto da autora Lícia Manzo. A carioca de 46 anos, que começou na vida artística como atriz, decidiu enveredar pelas letras quando passou a escrever para o teatro e, posteriormente, para a televisão. Grande admiradora de Clarice Lispector, a quem chegou a dedicar um ensaio que foi indicado ao Prêmio Jabuti e a organizar uma exposição, Lícia, que é mestre em literatura brasileira, vem

4 conquistando os telespectadores com sua história extremamente humana e sensível. “Quando escrevo, não fico me preocupando se vai fazer sucesso. A melhor forma de você atingir o público é se comunicar com você mesmo. Não é possível sensibilizar o outro se você próprio não se sensibiliza”, defende. Leia a seguir trechos da entrevista de Lícia Manzo ao Estado de Minas.

Começo

“Desde pequena, sempre gostei de escrever e de ler. Sou filha única e era uma criança quieta. Nunca tive a pretensão de fazer disso o meu ofício. E, na verdade, comecei minha vida profissional como atriz. Tinha 15 anos e atuei até os 30. Fundei um grupo de teatro bacana chamado Além da lua, que teve uma boa repercussão, mas não existe mais. E por coincidência, o primeiro texto que encenamos era meu. Costumava escrever também.”

Do palco para a escrita

“Em um determinado momento, comecei a me sentir insatisfeita com alguns aspectos que a vida me trazia. Achava que tinha talento para atriz, sem falsa modéstia, mas faltava alguma coisa. Teatro é coletivo demais, instável demais. Isso começou a brigar comigo. Não tinha vocação. Aí, passei a me interessar pelo outro lado da coisa. Fui fazer mestrado em literatura, curso de autores. Fui migrando. Olhando para trás, isso tem um outro sentido hoje. Talvez já existisse uma intenção lá longe de seguir esse caminho.”

Clarice Lispector

“Minha dissertação de mestrado foi sobre Clarice Lispector, que é sem dúvida uma das minhas escritoras favoritas. Esse trabalho acabou resultando no ensaio biográfico Era uma vez: eu – A não ficção na obra de Clarice Lispector (indicado para o Prêmio Jabuti em 2003). Também fui curadora da exposição A paixão segundo Clarice Lispector (que ficou em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, em 1992). Em termos de escrita, ela foi a pessoa que mais me impactou. O encontro da obra da Clarice com a personagem Clarice foi, sem dúvida, uma das coisas mais importantes da minha vida.”

Televisão

“O mercado de escrita é para a televisão. Mesmo o teatro é difícil. Gosto muito de televisão, de determinados produtos que ela produz. A TV tem um papel social enorme e poucas pessoas, infelizmente, têm acesso ao teatro. Havia escrito uma peça, no começo dos anos 1990, junto com o Aloísio de Abreu, e acabei conhecendo o Guel Arraes. Por meio dele, cheguei até o Claudio Paiva, que na época era um dos roteiristas do Sai de baixo. Acabei fazendo parte do grupo que escrevia o programa e um tempo depois fui escrever Malhação, A diarista e colaborar nas Três irmãs. Em 2009, surgiu o seriado Tudo novo de novo, em que era a autora e responsável pela redação final. O assunto desse programa era a família e, no ano seguinte, a TV Globo me encomendou a sinopse de uma novela com essa temática. Era A vida da gente.”

Sucesso

“Quando escrevo, não fico me preocupando se vai fazer sucesso. A melhor forma de você atingir o público é se comunicar com você mesmo. Não é possível sensibilizar o outro se você próprio não se sensibiliza. A TV tem um ritmo industrial e você tem esse desafio de se manter sensível mesmo assim. Tem que estar muito concentrado para conseguir isso.”

Maneco

“Admiro muito a obra do Manoel Carlos, fico lisonjeada com essas comparações, mas não teria a pretensão nesse sentido. Gosto muito do Gilberto Braga também. Acho que, entre os da TV Globo, foram os dois autores que me formaram. Se pudesse ter escrito uma novela, acho que escolheria até uma do Gilberto, Escrava Isaura. Tinha uns 11 anos quando ela foi exibida e adorei.”

Teatro

“Acho que escrever para o teatro e para a televisão são exercícios completamente diferentes. Tem uma peça que escrevi e está em turnê pelo país – A história de nós dois (com os atores Alexandra

5 Richter e Marcelo Valle, que foi indicada ao Prêmio Shell de Teatro) – e está tendo muito êxito. A TV te dá muitos recursos, como você conseguir materializar o que escreve com mais detalhes, como uma cena de um acidente, por exemplo. Você não tem muito tempo, o trabalho é bem corrido. No teatro, você tem que ter um exercício de síntese muito grande. A dificuldade é contar uma história enorme em uma hora e pouco, ao contrário da televisão, que é um processo mais longo. Gosto dos dois veículos e os acho extremamente interessantes.”

Rotina

“Quando você se dedica a um projeto assim é um ano que você tem que abrir mão de muita coisa. Não consigo ir ao teatro, cinema e não tenho tempo físico. Até boa parte da novela, ainda conseguia fazer minhas caminhadas no Jardim Botânico. Mas agora, na reta final, está bem corrido e estou muito voltada para o trabalho. Antes, escrevia mais pelas manhãs, mas agora estou entrando nas madrugadas. Igual a uma loba (risos). Depois disso, só quero férias e ainda não pensei em planos futuros.”

Público

Um dos grandes diferenciais da TV com relação ao teatro é que novela é uma obra viva, aberta; vai se desdobrando e se moldando. É igual à vida mesmo: ela vai se alquimizando. Com certeza, fico atenta às emoções e às reações dos atores e do próprio público. Sempre que posso, entro em redes sociais, blogs e vejo a leitura que as pessoas têm da obra. Acho importante conhecer a opinião dos telespectadores e posso, sim, modificar o decorrer da trama dependendo da resposta do público.”

A vida da gente

“Para mim tem sido uma experiência muito feliz. A vida da gente é um trabalho extremamente autoral, não faço nenhuma concessão e escrevo o que quero. A novela termina em 3 de março e certamente os telespectadores podem esperar muitas reviravoltas, que não posso adiantar muito.”

Lícia Manzo na tv

» Sai de baixo (1996)

» Malhação (2003 e 2004)

» A diarista (2004)

» Três irmãs (2009)

» Tudo novo de novo (2009)

» A vida da gente (2011)

Clarice por Clarice

A obra de Clarice Lispector é das mais estudadas da literatura brasileira, sendo motivo de muitos livros, teses e ensaios. A originalidade do livro de Lícia Manzo, Era uma vez: eu – A não ficção na obra de Clarice Lispector, está em extrair dos romances e contos da autora de A hora da estrela uma confissão sobre sua identidade mais íntima, quase a revelação de uma autobiografia narrada por seus personagens. Para isso, Lícia mostra amplo conhecimento da vida e da obra de Clarice, além de uma escrita poética, simples, sem ranço acadêmico. O livro, que foi finalista do Prêmio Jabuti, foi editado em 2001 pela Universidade Federal de Juiz de Fora e recebeu elogios de Affonso Romano de Sant’Anna (“um bem conduzido rito de iniciação”) e José Castelo (“o ensaio de Lícia é digno de Clarice”).

O GLOBO - Na parede da memória

Lula Buarque de Hollanda faz de ‘O vendedor de passados’, de José Eduardo Agualusa, um filme sobre o amor contemporâneo

6 Rodrigo Fonseca

Enviado especial • PAULÍNIA

NO SET: Lázaro Ramos, ao lado de Alinne Moraes, interpreta um especialista em forjar passados; à esquerda, o diretor Lula Buarque de Hollanda em Paulínia: um quê de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”

(10/2/2012) Mesmo sem a pirotecnia científica de “Brilho eterno de u m a m e n t e s e m lembranças” (2004), existe um quê do cult de Michel Gondry em “O vendedor de passados”, produção de R$ 5 milhões que Lula Buarque de Hollanda filma neste momento com base no romance homônimo do angolano José Eduardo Agualusa. As filmagens começaram em janeiro em Paulínia e arredores e amanhã mudam-se para o , onde a trama é ambientada. Centrados na memória, tema fundamental do cinema contemporâneo, os dois filmes falam de pessoas em luta para deixar as recordações para trás e alcançar a liberdade de recriar suas próprias histórias.

— No livro de Agualusa, há um olhar sobre Angola que traz em si uma crítica política. Mas não tem nada de África aqui. Ao importar a trama para o Brasil, queria partir dela para entender o que é o amor contemporâneo tendo como base a história de uma pessoa que, por uma série de razões, poderia precisar de um passado novo — diz Lula, realizador de “Casseta & Planeta: A taça do mundo é nossa” (2003).

7 No “Brilho eterno...” de Buarque, sua Kate Winslet é Alinne Moraes, no papel de Clara, jovem de identidade misteriosa que encomenda “memórias” a um especialista em forjar passados, Vicente, interpretado por Lázaro Ramos.

— Eu entendo o filme do Lula como a história de dois mentirosos que se encontram na verdade — explica Aline. Lázaro: além dos tipos cômicos Produção da Conspiração, com distribuição assegurada pela Imagem Filmes, “O vendedor de passados” apresenta Vicente como um órfão de pai em busca de sua origem, que oferece a seus fregueses versões ficcionais de suas próprias vidas.

Há exatos dez anos, Lázaro fez seu primeiro papel de destaque, em “Madame Satã” (2002), de Karim Aïnouz. A decisão de protagonizar o longa de Buarque foi uma opção do ator para ir além dos tipos cômicos e dos personagens de época que vinha vivendo nas telas.

— Seria fácil continuar fazendo apenas filmes na linha dos sucessos que fiz antes — diz Lázaro. — Mas chegou um momento em que comecei a dizer “não” para muitos convites e me afastei do cinema. Escolhi “O vendedor de passados” numa época em que questionava meu próprio trabalho, pois não queria ficar restrito a dramas sociais. Queria falar sobre os problemas simples do homem contemporâneo e, a partir de suas crises, abordar o universo que está nas entrelinhas.

No sábado, num casarão em Sousas, distrito de Campinas, Lázaro e Aline rodaram as sequências em que Clara testa pela primeira vez o passado que Vicente vendeu a ela durante um jantar com o casal Jairo (Odilon Wagner) e Stella (Mayana Neiva).

— Pessoas magoadas com a vida precisam mudar suas histórias. Nosso filme revela o quanto a mágoa aprisiona e quanto construímos passados em nossas relações — diz Odilon, cujo personagem, um cirurgião plástico acostumado a reconstruir o corpo de pessoas incomodadas com a própria forma, ocupa o lugar da figura paterna que Vicente perdeu. Como preparador de elenco, Buarque convocou Gustavo Machado, premiado pelo filme “Olho de boi” (2007).

— Meu papel aqui é estimular os atores a deixarem a intuição fluir — diz Machado Confiando a Toca Seabra (de “O invasor”) o posto de diretor de fotografia, Buarque importa para seu novo longa elementos de sua experiência com o cinema documental ao delinear a mecânica de trabalho de Vicente. Seu “vendedor de passados” usa vídeo e fotos para inventar uma vida hipotética para seus clientes — Meu barato com o cinema é viajar no tempo. Aqui, a questão é fazer um filme contemporâneo, sobre este mundo do pós-pós-tudo em que a gente vive — diz o diretor, sócio- fundador da Conspiração Filmes.

Segundo Buarque, o desafio de “O vendedor de passados” é mostrar que um filme sobre a contemporaneidade, para além de gêneros como comédia, favela movie, drama e etc., pode se comunicar com o público. — Os argentinos conseguiram isso: um filme como “Um conto chinês” ultrapassar dois milhões de pagantes na Argentina.

O cinema na América Latina ficou muito preso à questão social. Agora, com o desenvolvimento econômico, o cinema começa a ver além e testar outros modos de se fazer um filme de hoje, sobre o hoje — diz o diretor.

Fora da ficção, Buarque passou por projetos antropológicos como “Pierre Fatumbi Verger: mensageiro entre dois mundos” (2000) e fez uma série de projetos musicais como o vídeo “: Tempo rei” (2002) e o longa “O mistério do samba” (2008), codirigido por Carolina Jabor sobre a Velha Guarda da . Um de seus entrevistados, o compositor Monarco assina a canção-chave da trilha sonora de “O vendedor de passados”, gravada por Marcelo D2.

— Filmei muitos projetos ligados à música, vários com o Gil. Com 49 anos, eu venho da geração dos herdeiros do tropicalistas. Gil e Caetano são meus filósofos culturais, que enxergaram a evolução deste país a partir da mistura de raças — diz o diretor, que foi estagiário de Joaquim Pedro de Andrade (1932–1988) no projeto “Casa grande & senzala”, jamais filmado.

Próximo longa: ‘Leite derramado’ Em 2010, ele produziu com Márcia Fortes e Alessandra d’Aloia o longa coletivo “Destricted. Br”, versão nacional do projeto de Neville Wakefield, curador do P.S.1,

8 centro de arte contemporânea vinculado ao Mo- MA, em Nova York, de retratar a pornografia pela ótica de artistas e cineastas mais experimentais. O projeto é formado por sete curtas sobre pornografia dirigidos por medalhões das artes visuais no Brasil como Adriana Varejão, Miguel Rio Branco, Tunga, Marcos Chaves, Janaina Tschäpe. Buarque dirigiu um dos segmentos, “Amor”.

— Produzimos “Destricted. BR” com recursos próprios, numa vibe meio de filme de estudante, para exibição em festivais e galerias. É um filme para entender o que é a sexualidade hoje, sem um compromisso com o mercado. E com ele, eu pude sacar melhor o Rio e entender a ebulição criativa de quem ficou na cidade, mesmo quando ela caiu no fundo do poço com Brizola e Garotinho, em meio a toda a violência que nos assolou — diz Buarque.

Terminadas as filmagens, o cineasta começa a escrever o roteiro de sua adaptação para o romance “Leite derramado”, de , de quem é primo de segundo grau. — Será uma produção grande para daqui a uns dois anos. É um filme de época. De novo, viajo no tempo. Mais memória que isso, impossível. ■

O repórter viajou a convite da produção do filme

ZERO HORA – Morte e vida sertaneja

ROGER LERINA (10/02/12) Grande vencedor da 21ª edição do Cine Ceará, levando prêmios como os de melhor filme e roteiro, Mãe e Filha (2011) é o segundo longa de Petrus Cariry e a confirmação do jovem diretor cearense como um dos mais instigantes realizadores do cinema brasileiro contemporâneo. Seu novo trabalho dá continuidade e coesão a uma filmografia que explora a potência pictórica da imagem e a força evocativa do som – e que inclui os curtas Dos Restos e das Solidões (2006) e O Som do Tempo (2010) e o longa O Grão (2008), vencedor de mais de 30 prêmios em 50 festivais mundo afora. No filme que estreia hoje na Capital, Cariry escolheu como locação a cidade de Cococi, vilarejo em ruínas no sertão cearense onde natureza e civilização se amalgamaram em um cenário espectral – hábitat povoado pelas fantasmagorias e memórias características do cineasta. Mãe e Filha mostra o retorno de uma jovem (Juliana Carvalho) a sua terra natal para batizar e enterrar o filho natimorto. Morando sozinha na cidade fantasma, eternamente à espera do retorno do marido, a avó (Zezita Matos) trata o neto como se ainda estivesse vivo, adiando o enterro. A filha que quer voltar a Fortaleza vê-se então envolvida pelo tempo parado no qual a mãe habita, assombrado por um grupo de vaqueiros misteriosos que remetem aos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. O clima animista de Mãe e Filha – que impregna de espírito os seres, as construções e as coisas – lembra o cinema do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul. Mas a beleza poética das imagens, a construção rigorosa dos planos e o tempo reflexivo da narrativa filiam Petrus Cariry à venerável escola de mestres como o cineasta japonês Kenji Mizoguchi, o armênio Sergei Paradjanov e os russos Andrei Tarkovsky e Aleksandr Sokúrov.

DEUTSCHE WELLE - “Olhe para mim de novo” mostra jornada pouco usual pelo sertão

(14/2/2012) Documentário de Claudia Priscilla e Kiko Goifman faz estreia internacional em Berlim, mostrando a história do transexual Syllvio Luccio. Em formato de "road movie", o filme é um retrato vibrante da diversidade humana. Um road movie, gênero de filme em que a história se desenvolve durante uma viagem, está associado, geralmente, à transformação. A jornada serve para as personagens se descobrirem, se encontrarem ou se perderem ainda mais. Mas no fim quase sempre há uma mudança. Olhe para mim de novo, documentário do casal Cláudia Priscila e Kiko Goifman, levou o transexual masculino Syllvio Luccio a uma jornada onde ele é colocado, de maneira não usual, em contato com sua história, preconceitos e com o fundamentalismo religioso num Brasil que aponta para o futuro, mas ao mesmo tempo está marcado por cicatrizes do passado. Num ambiente rústico, como ele mesmo diz, Syllvio "nasceu mulher, virou lésbica e hoje é um 'cabra' macho nordestino". A força e o esclarecimento da personagem principal

9 sobre sua condição é impressionante, sendo que, após sua viagem, quem sai transformado é o expectador. Mudança de planos O filme surgiu quando a diretora Cláudia Priscila começou a se interessar por bioética. Conversando com o marido, eles resolveram adaptar o tema para famílias atuais. Tudo mudou novamente quando conheceram o cearense Syllvio Luccio e perceberam haver uma grande história por trás daquela personagem. "Tenho um grande prazer em mudar projetos em andamento. Isso faz falta em documentários. Não me interessa provar uma certeza e sim descobrir que há uma realidade muito maior", declarou o diretor à DW Brasil após a estreia na mostra Panorama do Festival de Cinema de Berlim. Goifman já esteve na Berlinale, em 2006, com o filme Atos dos homens. O diretor queria sair da tradição do documentário etnográfico, que enfoca a personagem no ambiente em que ele vive, mas sim cair na estrada e ver a reação. "Colocar uma pessoa, que mal conhecíamos, para conviver com a nossa equipe durante o período foi um grande risco, que deu muito certo", disse a diretora Claudia Priscilla. Eles seguiram o roteiro de viagem como a ideia original do filme. "Causa um pequeno estranhamento vermos o transexual em contato com pessoas portadoras de deficiências genéticas", explicam os diretores. Mas também serviu para termos uma visão mais complexa da personagem. "Essas pequenas imperfeições são uma maneira de explorar a fundo não só Syllvio, mas servem também para entendermos as imperfeições da natureza humana", acrescentam. Grande personagem A produção do filme encontrou Syllvio Luccio através de sua luta pelos direitos dos transexuais no Nordeste brasileiro. Para ele foi muito fácil colocar sua intimidade em frente às câmeras. "Minha vida é aberta desde o momento que eu me assumi", disse Syllvio em conversa com a DW Brasil. "Eu não fui só excluído pela minha família, pela escola, pelos amigos, ou pelo mundo masculino e feminino. Fui excluído do meu direito de ser cidadão brasileiro e ser humano", declarou o protagonista ao público após a sessão do filme. Mostrar sua história por diversos festivais no Brasil e agora também na Europa é um presente para Syllvio. "Estou muito feliz em estar pela primeira vez aqui na Alemanha e estou impressionado com a beleza das mulheres em Berlim", completou. Contra o preconceito Olhe para mim de novo estreou no ano passado no Festival de Gramado. Durante a coletiva de imprensa do filme em Gramado, Syllvio foi criticado por alguns jornalistas, devido a comentários que fez no filme. "Quando fazemos um filme, escolhemos um recorte do que queremos mostrar. Se deixamos uma piada machista no filme foi uma escolha nossa", disse Goifman. "Existe uma ignorância em pensar que o transexual tem uma visão intelectualizada de seu próprio processo. Quando ele se estabeleceu como homem, o que tomou como referência foi o círculo social e cultural em que ele viveu", completou Claudia. Os dois diretores ressaltam que a imprensa que criticou a personagem não tem a mesma atitude diante de outras piadas machistas vindas da intelectualidade paulista nos meios de comunicação. "Temos a impressão de que o cinema brasileiro está cada vez mais politicamente correto e careta", lamentou o casal. Autor: Marco Sanchez - Revisão: Carlos Albuquerque

FOLHA DE S. PAULO – "Alô, Alô, Terezinha!" deixa Abelardo Barbosa de fora

Crítica documentário EMILIO SANT’ANNA, DE SÃO PAULO

(13/02/12) Uma das poucas virtudes de "Alô, Alô, Terezinha!" é não teorizar sobre a figura de . O diretor Nelson Hoineff aposta em outro caminho para apresentar o universo de Abelardo Barbosa. A escolha, porém, não é das mais felizes. O documentário revela os dissabores de calouros e ex-chacretes à exaustão. O que de cara entretém e aguça a curiosidade acaba por descambar em sadismo.

10 Integrantes dos programas de Chacrinha se sucedem, revelando principalmente as amarguras do anonimato. De um calouro gago à Índia Potira, dançando nua em praça pública, de Russo, assistente de palco, à Rita Cadillac, poucos parecem ter se salvado. Assim, o apresentador "cult" em que se desdobrou a figura de Chacrinha perde espaço, o que não foi suficiente para trazer à tona o criador do personagem. Entre bacalhaus jogados à plateia, buzinadas e depoimentos de cantores como Fábio Jr., Roberto Carlos e Nelson Ned, o pouco que se revela do Abelardo Barbosa da televisão, irreverente e escrachado, é sua personalidade centralizadora e a relação de controle com as chacretes. Valem as declarações de sua viúva sobre a suposta relação com Clara Nunes e das dançarinas sobre bastidores. O resultado é regular e se você conseguir chegar ao final sem ficar deprimido, pode valer a pena. Mas é inevitável a sensação de que Abelardo não coube no filme.

O GLOBO - Brasileiro ‘Xingu’ tem primeira sessão concorrida

(13/2/2012) Uma das apostas de blockbuster para 2012 no Brasil, “Xingu”, de Cao Hamburger, teve uma primeira sessão bastante concorrida no Festival de Berlim, anteontem. O filme, incluído na mostra Panorama da Berlinale, marca o retorno do diretor à cidade, onde apresentou, em 2007, “O ano em que meus pais saíram de férias”, na competição pelo Urso de Ouro.

Exibido numa enorme sala lotada do multiplex Cinestar Cubix, o filme teve reações positivas do público. “Xingu” acompanha a trajetória dos irmãos Villas- Bôas, sertanistas com histórico de lutas pela preservação das terras e da cultura indígena no Brasil e idealizadores do Parque Nacional do Xingu. Eram eles Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat). Com cenas lindíssimas no meio da floresta, a trama começa com os irmãos largando suas vidas na cidade para se aventurar numa expedição do governo Getúlio Vargas para desbravar regiões de florestas supostamente inabitadas no território brasileiro. Lá, eles se depararam com os índios e, aos poucos, foram ganhando sua confiança.

A trama se alterna entre os elementos de tensão dos sertanistas com índios, governo, militares e até com eles próprios. A trama deixa claro como as relações familiares dos Villas-Bôas volta e meia eram deixadas de lado em nome de um bem comum, numa construção de personagens heróicos, porém não caricatos.

A sessão de gala de “Xingu” em Berlim está marcada para quarta-feira, com a presença de diretor e parte do elenco, que chegam à Alemanha amanhã. No Brasil, sua estreia está prevista para abril. (A.M.)

O GLOBO - Uma equação para rodar três longas em três semanas

Projeto coproduzido por Leandra Leal compartilha equipe para filmar duas ficções e um documentário com R$ 100 mil

Rodrigo Fonseca

11 LEANDRA LEAL (foto maior), com Bruno Safadi e Ricardo Pretti no set de “Amor Fati”, que tem ainda Mariana Ximenes no elenco

(13/2/2012) Com R$ 100 mil, os diretores Bruno Safadi e Ricardo Pretti, em parceria com a atriz Leandra Leal, encontraram uma equação financeira que viabilizou a produção de três longasmetragens em três semanas.

De 26 de janeiro até quinta-feira passada, eles rodaram duas ficções estreladas por Leandra, Mariana Ximenes e Jiddu Pinheiro: “O Rio nos pertence” e “Amor Fati”. Filmaram ainda um documentário sobre o processo: “Meta mancia”, codirigido por Lucas Barbi. Os cineastas compartilharam equipe e elenco, sem deixar de pagar ninguém. O segredo: enxugar custos e dividir tarefas.

A empreitada foi batizada de Projeto Sonia Silk. O nome é uma homenagem à personagem de Helena Ignez em “Copacabana mon amour” (1970), também gestado em processo coletivo na extinta produtora Belair, de Rogério Sganzerla (1946-2004) e Julio Bressane.

— Duas ideias primordiais nortearam a nossa realização. A primeira: fazer uma companhia de cinema. A segunda: combinar talentos e disciplinas, ou seja, trazer estrelas de novelas das oito para filmar com cineastas autorais longas que têm artistas plásticos no set e usam músicas de Caetano na trilha — diz Safadi, realizador de “Meu nome é Dindi” (2007). — Queremos lançar os três filmes no Festival de Roterdã, na Holanda, em 2013.

Pretti tornou-se conhecido por seu trabalho no coletivo Alumbramento, do Ceará, que rodou “Estrada para Ythaca” (2010), marco do Novíssimo Cinema Brasileiro. É dele a direção de “O Rio nos pertence”, em que Leandra está às voltas como uma conspiração promovida pelo mercado imobiliário que gera um surto de suicídios em massa na cidade.

12 — O mais bacana do Projeto Sonia Silk é que ele me permite um trabalho de coautoria para além da minha participação como atriz e produtora — diz Leandra. — A fronteira dos cargos entre nós não é fechada.

No ano passado, Leandra filmou com Safadi o drama “Éden”, ainda inédito. Acabadas as filmagens, eles embarcaram no Projeto Sonia Silk, cuja ideia Safadi desenvolveu ao filmar com Noa Bressane um documentário sobre a Belair, lançado em 2011. Nas pesquisas, ele colheu exemplos históricos sobre iniciativas de filmar projetos autorais otimizando tempo e gastos, como o Grupo Dziga Vertov, que uniu Jean-Pierre Gorin e Jean-Luc Godard nos anos 1970.

Apoio do Canal Brasil

Com recursos obtidos junto ao Canal Brasil e a presença de Leandra, ele e Pedro viabilizaram tramas que compensam o baixo orçamento com invenção. Em “Amor Fati”, Safadi conta como o casal Antonia e Pedro (Mariana e Pinheiro) se desestabiliza quando ela se apaixona por Luana, vivida por Leandra. — É um olhar sobre relações amorosas contemporâneas — diz Leandra.

Nos três projetos, Safadi e Pretti filmaram com o fotógrafo Ivo Lopes Araújo, a artista visual Luísa Horta (na direção de arte) e o técnico de som e cineasta Pedro Diógenes.

— A relação do Rio de Janeiro com o cinema sempre me pareceu um bicho de sete cabeças. De um lado estamos sujeitos à imponência de um mercado televisivo glamouroso e, do outro, há uma realidade cultural que desconfia muito da relevância que a arte pode e deve ter. Por isso o cinema carioca se ancora muito nas normas do mercado pra poder se legitimar e existir — diz Pretti. — O Sonia Silk, nesse sentido, foi capaz de unir pessoas de vários universos em prol de três filmes inusitados, urgentes.

CORREIO BRAZILIENSE - Senna vence Bafta

(14.02.12) Senna, filme do diretor londrino Asif Kapadia sobre o piloto brasileiro de Fórmula 1, ganhou os prêmios da Academia Britânica para as Artes do Cinema e a Televisão (Bafta) de melhor documentário e edição. A obra narra a trajetória esportiva do tricampeão mundial Ayrton Senna, que morreu aos 34 anos, em 1994, num acidente no Grande Prêmio de San Marino. O documentário aborda principalmente sua rivalidade com o francês Alain Proust e os problemas de segurança da F1 na época. O filme, de 104 minutos e feito a partir de imagens de arquivo, algumas delas inéditas, também levou o prêmio de melhor edição, que foi entregue para Gregers Sall e Chris King.

ESTADO DE MINAS – O povo que ri

Documentário Hotxuá, dirigido pela atriz Letícia Sabatella e pelo cenógrafo Grinco Cardia, revela a função sagrada do palhaço na tribo indígena krahô

13 O hotxuá Ismael representa no filme a tradição do humor entre os krahôs, povo que também se caracteriza pela mobilização em torno de questões ecológicas

Ana Clara Brant

(14/02/2012) O som de risos e gargalhadas, antes mesmo de qualquer imagem surgir, é o prenúncio do que está por vir. A alegria é o elemento base da tribo indígena krahô, que vive em Tocantins, e também norteia o documentário em longa-metragem Hotxuá. O filme, que tem direção da atriz Letícia Sabatella e do artista plástico e cenógrafo Gringo Cardia, pela primeira vez atrás das câmeras, traz um relato poético do hotxuá, um palhaço sagrado, que é profundamente respeitado pela tribo. Assim como a figura clássica do palhaço, eles usam a força do humor e do riso para fortalecer a autoestima do povoado, garantindo a sua cultura milenar. “Os krahôs realmente são conhecidos por isso entre outras tribos e estar entre eles traz sensação de bem-estar incrível, de se ficar bem à vontade, pela simplicidade e pela deliciosa forma como vivem entre a natureza e seus ritos. E o hotxuá tem essa especial liberdade e é amado como é. Ele é detentor desse dom e da prática de prestar atenção em todos e procurar animar a aldeia, não deixar ninguém triste”, explica Letícia Sabatella, que considerou como “bárbara e criativa” sua estreia como diretora.

A ideia de levar os índios de Tocantins para a tela foi uma demanda da própria tribo. Letícia conta que os conheceu em 1996, quando foi até a aldeia com outros atores a convite do antropólogo e indigenista Fernando Schiavini, por causa de um laboratório que fizeram para uma montagem teatral. “Lá fomos batizados e saí com a intenção de nunca deixá-los, sempre pensando em algo para ajudá- los a se expressar. Este projeto partiu de um desejo muito forte de vê-los reconhecidos no seu valor, na sua importância para a nossa boa existência. O tanto que podemos aprender com eles”, destaca a atriz e diretora.

Além do bom humor, marca dos krahô, a preocupação com questões políticas, como a construção de uma possível barragem e os efeitos da cultura de soja na reserva onde vivem, também está presente no documentário, que conquistou o Prêmio do Júri Popular no Festival de Cuiabá e foi homenageado com o troféu Mapinguari no FestCine Amazônia, ambos em 2009.

Letícia lembra que percebeu essa característica forte na tribo e que, certa vez, os acompanhou durante uma reunião em Brasília, que durou sete horas, com representantes de outras etnias, para discutir justamente sobre as mais de 30 barragens que serão construídas ao longo do Rio Tocantins, além da monocultura extensiva, que utiliza agrotóxicos e transgênicos e os inquieta bastante. “O

14 trabalho de recuperação de todos os massacres que vêm sofrendo os povos indígenas é infindável; alternam-se ações desastrosas com boas ações. Vemos a política agrícola ameaçando a reserva e a cultura. A política energética também os ameaça, como podemos ver, e eles continuam de pé e lutando”, reforça a atriz.

Encontro Um dos pontos altos do documentário é o encontro entre o palhaço tradicional, vivido pelo ator, pesquisador e coordenador artístico do Lume Teatro, Ricardo Puccetti, e do hotxuá Ismael. Enquanto o primeiro estava caracterizado com seu nariz vermelho, maleta na mão e os trajes típicos, o índio surgia com folhas, galhos, miçangas e maquiagem com tinturas extraídas do urucum (vermelho), jenipapo (preto) e de pó de giz (branco). Mesmo de maneira improvisada, a interação entre os dois agentes do riso é impressionante. Ricardo conta que já estava há uma semana na aldeia para conhecer os rituais e as crenças dos krahôs e que prontamente se sentiu acolhido pelos nativos. “Lembro-me que, nos primeiros dias, estava me vestindo e as crianças ficavam me espiando com aquele ar de curiosidade. Quando saí e vi aquele mundo de índio olhando para mim, foi como descer em outro planeta. Fui conquistando aos poucos, mas quando deslanchou, foi surpreendente. Eles passaram a me chamar de hotxuá”, recorda.

O ator diz ter ficado impressionado com a alegria dos krahô e que não é à toa que eles são conhecidos como o povo do riso. A experiência intensa o marcou profundamente como pessoa e como palhaço. “Os krahôs brincam e riem o tempo todo. Tudo é motivo para dar gargalhada. E isso é muito espontâneo. Definitivamente, eles trazem o riso para a vida e o transformam em uma ferramenta de encontro e comunhão”, resume.

Para a diretora Letícia Sabatella, a cena entre o índio e o ser que nós somos, vindos de fora, simboliza o contraste, mas sobretudo revela a necessidade de uma solução lúcida e amigável, para não destruirmos a riqueza cultural do cerrado e dos povos indígenas. “E mostra também que, mesmo com contextos e culturas diferentes, o humor é universal. Mas mesmo assim, na minha opinião, o humor dos hotxuás traz uma liberdade sem censuras, uma singeleza e uma safadeza. Sempre partindo de uma atenção amorosa que busca o bem-estar da aldeia. É nisso que eles focam”, afirma.

Quando vi aquele mundo de índio olhando para mim, foi como descer em outro planeta - Ricardo Puccetti, ator

Técnica e emoção Com locações belíssimas em Itacajá, interior de Tocantins, o documentário de 70 minutos chama a atenção pela direção de fotografia primorosa a cargo de Sylvestre Campe. Os diretores Letícia Sabatella e Gringo Cardia realmente tomaram um banho de imersão na tribo e registraram o maior e

15 mais importante evento dos krahôs, a Festa da Batata, que marca a mudança da estação chuvosa para a seca e celebra a fertilidade da tribo. Nessa ocasião, também são realizados vários ritos de passagem, inclusive a oficialização de casamentos entre os nativos. Com depoimentos, em sua língua nativa, o merrim, e em português, o que mais salta aos olhos do espectador é a maneira como esse povo leva a vida sempre com um sorriso no rosto, apesar de todas as adversidades e preocupações que os rondam. Uma verdadeira lição para o homem branco.

SAIBA MAIS

OS KRAHÔS Os krahôs também são conhecidos como “os senhores do cerrado”, a grande savana brasileira, que eles lutam para preservar e manter intacta. Estes índios têm dois caciques, cada um representando um partido. Duas vezes por dia promovem uma corrida de toras entre os partidos, para garantir o equilíbrio do ambiente. É importante que nenhum deles ganhe sempre e que a competição seja motivo de fortalecimento e união para todos. Três crenças são primordiais na cultura: a harmonia da natureza, a força das plantas e a celebração da vida. Eles consideram que a natureza se divide entre o partido do sol (wakmiyé) e o partido do úmido (katamiyé) e as duas forças são complementares. Os krahôs acreditam que as plantas foram presente de Caxekwyj, uma estrela que veio do céu e trouxe as sementes. Depois, a estrela se transformou em moça e ensinou o povo a plantar e comer os frutos da terra. Um dia, um índio chegou à roça e as plantas estavam dançando e elas o ensinaram a festejar.

FOLHA DE S. PAULO – Aïnouz começa a rodar 'filme de macho'

Após produções com temas femininos, diretor abordará estereótipos masculinos, como a paixão por máquinas Com locações em Berlim e Fortaleza, 'Praia do Futuro' terá Wagner Moura no elenco; grava-ções começam no dia 27 FABIO CYPRIANO, ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

(14/02/12) Depois de produções com temáticas femininas, como o longa "O Céu de Suely" (2006) e a série de televisão "Alice" (2008), o diretor brasileiro Karim Aïnouz começa a filmar no dia 27 "Praia do Futuro", que trata de estereótipos masculinos, como a paixão por máquinas e velocidade. "Vai ser filme de macho", disse o diretor cearense à Folha, em tom de brincadeira. A entrevista foi feita em um restaurante no alternativo Kreuzberg, bairro turco de Berlim, primeira locação do filme. Fortaleza, onde Aïnouz nasceu, será a outra. Dez anos depois de lançar o premiado "Madame Satã" (2002), Aïnouz dirige pela primeira vez no exterior. "Eu cheguei a ter alguns convites, mas não achava que estava preparado nem queria fazer por fazer. 'Praia do Futuro' é um filme afetivo, rodado em lugares em que vivi ou vivo, então acho que agora faz sentido", contou. Aïnouz morou em Berlim em 2004 e, desde 2008, ele divide seu tempo entre São Paulo e a capital alemã. O filme, com roteiro de Felipe Bragança e do próprio Aïnouz, se passa em dois momentos. O primeiro se situa em 2004, quando o salva-vidas cearense Donato (Wagner Moura) resgata o turista alemão Konrad (Clemens Schick), na praia do Futuro, em Fortaleza. Em seguida, ambos vão para Berlim. O outro se passa em 2012, quando o irmão de Donato, Ayrton (Jesuita Barbosa), um entusiasta das motocicletas, sai em busca do irmão. BRIC Diferentemente da situação de "Terra Estrangeira" (1996), longa de e Daniela Thomas, quando imigrantes brasileiros viviam, em geral, como subempregados, "Praia do Futuro" deve refletir o novo momento do país. "Estamos em 2012, diante da força do Bric [bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia e China], e o Donato vai ser um brasileiro que fala alemão e tem um bom emprego", explica o diretor. Os principais personagens do filme são baseados em heróis de quadrinhos e séries de TV. O salva- vidas foi inspirado no Aquaman, e o irmão, no piloto Speed Racer. "Eu quero fazer um filme de ação e aventura, bagunçar um pouco a ideia de filme de autor [de produções mais intelectualizadas e com total autonomia do diretor]. Pode até ser abusado dizer, mas quero algo tipo James Bond."

16 Orçado em cerca de R$ 6,3 milhões, "Praia do Futuro" será uma coprodução Brasil-Alemanha com cinco semanas de filmagens em Berlim e outras duas em Fortaleza. Em seguida, ainda no primeiro semestre, ele organiza o lançamento de "O Abismo Prateado" no Brasil. O filme, que liga o Ceará à Alemanha, deve ser lançado em 2013. O jornalista FABIO CYPRIANO se hospeda a convite do Festival de Berlim

O GLOBO - O conforto do desafio

Após o sucesso ‘Meu nome não é Johnny’, Mauro Lima volta às telas com uma comédia de espiões

Rodrigo Fonseca

(14.02.12) Nas pré-estreias de “Reis e ratos”, comédia noir de espionagem que chega às telas nesta sexta-feira, com 160 cópias, transportando Selton Mello, Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Seu Jorge para os bastidores do golpe militar de 1964, o diretor Mauro Lima sempre falava pouco.

— Um filme rodado em 17 dias não pode ter um discurso muito grande por trás — diz o cineasta paulistano de 43 anos, que causou sensação no mercado depois que “Meu nome não é Johnny” se tornou a maior bilheteria brasileira de 2008, ao contabilizar dois milhões de pagantes.

Definido como um exemplo de rapidez e objetividade entre os produtores que, nos últimos quatro anos, lotaram sua caixa de email de propostas, Lima tinha várias ofertas de longas-metragens na mão. Entre elas está a adaptação da biografia “Tim Maia — Vale tudo”, de Nelson Motta, que ele filma neste ano com Babu Santana.

— Depois de “Meu nome não é Johnny”, ficou mais fácil entrar no escritório de uma major sem ter que marcar hora. Em vez de você bater à porta das pessoas, são elas que batem à sua porta, procuram seus serviços e oferecem projetos. Antes eu era apresentado assim: “Tem um cara aí que dirigiu ‘Tainá 2’...” Agora, não — lembra o diretor, que resolveu voltar às telas com um roteiro original de sua autoria. — O resultado imediato de ter emplacado um sucesso é que você passa a ser visto como um sujeito vendável. Mas era importante fazer algo desafiador. E eu já tinha o roteiro de “Reis e ratos” há tempos.

Há três anos, trabalhando como produtor associado de “O bem amado” (2010), ele foi visitar uma locação da comédia de Guel Arraes: um colégio no Alto da Boa Vista, cenografado por Cláudio Amaral Peixoto. Lima se encantou com o cenário e, após um bate-papo com sua produtora, Paula Lavigne, os dois tiveram uma ideia ligada àquele espaço.

— Parecia o hotel de “O iluminado”. A Paula virou para mim e disse: “Por que a gente não faz um filme de terror aqui?” Aí eu lembrei de uma história antiga, anterior ao “Johnny”, ambientada nos anos 1960. E a Paula fez a grande pergunta: “Você filmaria isso em 15 dias?” Como eu tinha acabado de dirigir episódios do seriado “Ó paí, ó”, em pleno Pelourinho, na pauleira, sabia que daria certo. Filmei em 17 dias, com a grana que tinha, entre R$ 500 mil e R$ 800 mil, antes que o cenário de “O bem amado” fosse desproduzido. Com isso, o que no filme do Guel era a entrada da cidade de Sucupira aqui virou uma embaixada — conta o diretor, lembrando que o custo final de “Reis e ratos” foi de R$ 7,3 milhões.

Carregado de crítica política, “Reis e ratos” foi filmado parte em preto e branco, parte em cor, com um elenco estelar que fala com tom de seriado da TV americana dublado, a começar por Selton Mello. O ator vive Troy Somerset, um agente da CIA lotado no Rio de Janeiro.

Ao lado do major glutão Esdras (Otávio Müller), Troy tenta impedir que a conspiração dos militares para depor o presidente da República — vivido por Élcio Romar, o dublador oficial de Woody Allen (leia quadro ao lado) — acabe num banho de sangue. — “Reis e ratos” tem muito da minha alma porque sai da zona de conforto. É a História do Brasil vista do lavabo — diz Mauro Lima, que fez atores como Rodrigo Santoro e Cauã Reymond deixarem o arquétipo de galã de lado e investirem em caracterizações mais complexas.

Influências literárias

17 Sob uma maquiagem que enche seu rosto de marcas, manchas, dentes podres e sujeira, Santoro é o marginal Roni Rato, engrenagem de uma conspiração que envolve a CIA, representada por um agente vivido por Selton. Já Cauã é um radialista de orientação sexual duvidosa que sintoniza ondas curtas da KGB numa lavagem cerebral digna daquela enfrentada por Frank Sinatra em “Sob o domínio do mal” (1962), de John Frankenheimer (1930-2002), uma das inspirações de Lima.

— Eu pensei no Frankenheimer, mas minha grande influência acabou sendo literária. Em 2002, estava lendo “6 mil em espécie”, de James Ellroy, e fiquei surpreso pela maneira como ele socava personagens da História dos EUA na trama. Tinha personagem que falava com (o senador) Bob Kennedy e brigava com o Jimmy Hoffa (líder sindical americano). Queria fazer algo assim, apesar dos impedimentos jurídicos do Brasil. Não podia colocar o Troy falando com o Magalhães Pinto (ex- governador mineiro), por exemplo, mas poderia criar figuras políticas ficcionais — explica Lima.

Logo depois de “Meu nome não é Johnny”, o cineasta envolveu- se com um projeto in internacional da Focus Features sobre a máfia, que depois passou para a Universal Pictures.

— Seria uma radiografia do crime mundial a partir de um grupo de personagens. Fiquei um tempão trabalhando nesse projeto. Andei mais com ele do que ele andou na Universal. Acabou não saindo, mas o projeto continua comigo e ainda vou filmá-lo — diz o diretor, que começa a produção do longa sobre Tim Maia até maio.

Ele ainda tem pela frente um projeto sobre a Marquesa de Santos, um filme sobre o píer de Ipanema e uma adaptação do livro “Dias de ira”, do jornalista Roldão Arruda, sobre o assassino conhecido como Maníaco do Trianon.

— Também estou fazendo um filme rodado em fins de semana, folgas e feriadões. Já filmei cenas na Patagônia — conta Lima, sem detalhar a trama.

Lima ainda foi convidado pelo produtor Rodrigo Teixeira, o mesmo de “Tim Maia”, para dirigir a versão para as telas da HQ “Mesmo Delivery”, que rendeu o prêmio Eisner (o Oscar das HQs) para Rafael Grampá.

Em clima de “O encurralado” (1971), de Spielberg, a graphic novel de Grampá aborda confrontos nas estradas, com caminhoneiros violentos.

— De novo, quero sair do que seria confortável. Aquela HQ é cheia de referências cinematográficas que o Grampá evolui com seu traço. Levá-la para o cinema pode ser um passo atrás se você não achar uma engenharia narrativa. Taí o desafio — diz o cineasta, que ainda estranha o conceito de “diretor contratado”. — Em 2004, quando dirigi “Tainá 2”, o cineasta era sempre o produtor de seus filmes. Eram projetos de vida. Agora com a onda de blockbusters, incluindo “Meu nome não é Johnny”, a indústria descobriu outros formatos. É possível contratar alguém para fazer um filme com qualidade. Dá certo.

18 OTÁVIO MÜLLER e Selton Mello (acima) tentam impedir que o golpe de 1964 acabe em sangue, usando

O GLOBO - Uma voz com 40 anos de estrelato

(14.02.12) Eleito o presidente da República de “Reis e ratos” por voto de Mauro Lima, sob a chancela de Selton Mello, o carioca Élcio Romar, dublador profissional há quatro décadas, dedicou os últimos 29 anos a buscar o timbre mais perfeito possível para o humor de Woody Allen. Estreante em tela grande, apesar de ter 36 peças e 15 novelas no currículo, ele é a voz oficial de Allen no Brasil desde 1983, quando “A última noite de Boris Grushenko” estreou na TV. Não largou mais o cineasta, alternando- o com outros astros de Hollywood de quem é dublador cativo desde 1980, como Michael Douglas.

— Nada é mais difícil do que reproduzir aquela gaguejada do Woody — diz Élcio, que já havia recebido convites nunca concretizados para o cinema antes. — Para o Selton, que foi um grande dublador, eu faria até de graça.

“Reis e ratos” traz ainda no elenco os dubladores Oberdan Júnior (Tintim) e Hélio Ribeiro (a voz de Steve Martin e Robert De Niro no Brasil). Mas ambos já tinham longas-metragens brasileiros no currículo. Élcio, não. Foi Selton quem sugeriu seu nome, um dos mais disputados da dublagem no país. Coube a Lima dar a ele o papel-chave dentro do golpe militar de 1964, criando uma espécie de paródia do ex-presidente João Goulart (1919-1976).

— Élcio faz parte do time dos clássicos dubladores brasileiros, ao lado de Mario Monjardim, Garcia Jr., Mario Jorge, Ricardo Schnetzer e tantos outros formidáveis — elogia Selton. — Eu e Mauro queríamos que o filme tivesse uma pegada de filme dublado, numa interpretação de dublagem antiga de filmes noir. Disse ao Mauro que poderíamos chamar dubladores pra abrilhantar o elenco. Sugeri vários e, entre eles, Mauro ficou bem impressionado com o Élcio.

Foi Domingos Oliveira quem deu ao dublador seu primeiro trabalho profissional no teatro, em 1978, na peça “Era uma vez nos anos 50”.

— Élcio me surpreendeu por ter o poder de dar a um diretor mais do que a gente espera no palco — diz Domingos. — Ele é um ótimo ator que fez carreira fora do circuito Zona Sul de estrelato.

Carioca do Méier, criado na Piedade, Élcio vai estrear também como dramaturgo neste ano com a comédia “É... Sou avô. E daí?”.

19 — Liberdade sempre foi mais importante para mim do que a fama. Mesmo fazendo novela (“A gata comeu”, “Zazá” e “Vira lata”, entre outras), nunca busquei ser famoso — diz Élcio. — Como técnica, a dublagem me ensinou a improvisar. Espero oferecer meu improviso ao cinema.

O GLOBO - A saga de três heróis de carne e osso

Cao Hamburger exibe seu ‘Xingu’, sobre os irmãos Villas-Boas, e diz que a violência da civilização está em xeque mais do que nunca

André Miranda

(14.02.12) Cao Hamburger chega hoje à Alemanha já com a certeza de que seu novo filme, “Xingu”, vem despertando o interesse do público do Festival de Berlim. Baseado na história dos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas- Boas (interpretados por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat), o longa-metragem foi incluído na mostra Panorama do evento e teve sua primeira exibição no último sábado, com sala lotada e aplausos no fim.

Agora, serão mais quatro projeções, de amanhã até sábado, uma por dia, em que Hamburger espera repetir o bom desempenho de “O ano em que meus pais saíram de férias”, seu filme anterior exibido pela competição de Berlim em 2007. Em entrevista ao GLOBO, ele falou sobre o trabalho com os atores indígenas em “Xingu” e sobre a situação atual das terras demarcadas no Brasil.

O GLOBO: O quão importante é exibir “Xingu” em Berlim? O quanto sua experiência com “O ano em que meus pais saíram de férias” mostra sobre o impacto do festival para um filme? CAO HAMBURGER: Os festivais colocam o filme no radar mundial. “O ano...” ficou conhecido em Berlim e, a partir daí, foi vendido a mais de 20 países, foi convidado para muitos festivais... Com “Xingu” esperamos que aconteça algo parecido, apesar de nossas expectativas estarem mais conservadoras por conta da crise que atinge a Europa. Além disso, como “Xingu” é um filme que fala de assuntos atuais e urgentes, apesar de ser um filme de época, estamos curiosos para ver a reação do público. A violência e o poder destruidor da civilização estão, mais do que nunca, em xeque.

Como foi o trabalho com os atores indígenas? Como você os escolheu e ensaiou? Alguns já tinham experiência anterior? Foi sensacional. Desde a pesquisa para escrever o roteiro, fizemos questão de envolvê-los no filme e ouvir o ponto de vista deles sobre a história. Na hora de escolher quem iria atuar, foi um trabalho grande de pesquisa, mas já estávamos próximos deles, o que facilitou muito. O produtor de elenco indígena, Chico Aciole, ficou no Xingu fazendo entrevistas em diferentes aldeias e fizemos um workshop com os que demonstraram mais talento. Não foi diferente de outros trabalhos com atores de primeira viagem. Foi espantoso perceber como eles sacaram o jogo de encenação, a câmera etc. E foi emocionante ver como se envolveram. Acho que isso aconteceu porque, para eles, contar essa história é muito importante.

No filme, o foco dos personagens se alterna entre questões familiares e a luta pela preservação da terra e dos povos indígenas. Como você acha que eles se dividiam nesses sentimentos? Eles foram, no meu ponto de vista, pessoas muito passionais. Tu Tudo o que fizeram foi com paixão, entregaram-se de corpo e alma. Por isso conseguiram esse feito inacreditável que é o Parque do Xingu. Foram heróis humanos, com sangue nas veias, contradições e dramas de toda espécie. Talvez, se não fossem irmãos, não conseguissem chegar ao fim. A Elena Soarez, corroteirista do filme, costuma dizer: “Se você acha que o Brasil não tem heróis, venha ver ‘Xingu’.”

Os textos de encerramento de “Xingu” passam a impressão de que a causa indígena no Brasil estaria bem resolvida hoje. Mas há muitos relatos da ação de fazendeiros no entorno de Xingu. Você teme ser criticado por talvez passar uma mensagem otimista demais no fim? A ideia dos textos é dizer: “O Parque existe e deu certo.” Mas realmente não só o Parque do Xingu, como outras áreas indígenas e reservas naturais, estão em risco. E, pelo andar da carruagem, vão sempre estar. As nascentes do Rio Xingu estão fora do Parque, fazendo com que as plantações de soja, o gado e pequenas hidroelétricas alterem a vida dos rios da região, o que altera a vida dos índios. Como diz Maiari Caiaby, um dos nossos atores, “o rio é nosso supermercado”. É de lá que eles pegam seus alimentos.

20 FOLHA DE S. PAULO – Cota nacional exigida na nova lei da TV paga poderá incluir reality

Versões locais de produções estrangeiras devem ficar de fora ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, DE SÃO PAULO

(15/02/12) A gente conhece pelo nome em inglês: reality show. E o formato poderá ser usado pelos canais pagos, a partir de abril, para atender à nova lei do setor, que exige ao menos três horas e meia semanais de programas brasileiros no horário nobre (a serem atingidas pelas TVs até 2014). Realities como "Big Brother Brasil" e "A Fazenda" ficam de fora a princípio. São licenças de franquias estrangeiras, e a a nova lei pretende fomentar o mercado local. "É para gerar riqueza interna, possibilidade de que o empreendimento possa se multiplicar", diz à Folha Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Cabe à agência regulamentar a lei. "Produtores de conteúdo viraram potências. A [holandesa] Endemol cria o 'BBB' e explode", lembra o advogado José Maurício Fittipaldi. Mas a lei desqualifica vários conteúdos, como religiosos e esportivos. Veta-se também o "concurso". Portanto, não está claro se realities com premiação serão aceitos dentro das cotas nacionais. É na consulta pública (até 3 de março) que essas fronteiras serão mais bem delimitadas, afirma Rangel. Em audiência pública ocorrida anteontem, em São Paulo, houve críticas à baixa qualidade associada ao gênero. Para Rangel, "seria um equívoco ir contra a natureza da TV por assinatura, que é segmentada e comporta vários gostos e formatos". TEATRO E DANÇA

CORREIO BRAZILIENSE - Labirinto poético

Montagem curitibana inspira-se na vida e obra do escritor e tradutor Paulo Leminski e cria um mosaico de influências

Mariana Moreira

(09/02/12) Vida, espetáculo da curitibana Companhia Brasileira de Teatro, está encharcado de influências da obra do poeta Paulo Leminski, embora não preste um tributo ou faça referência direta aos seus textos e aos poemas. “Resolvi transitar pelas influências dele, pela relação que ele tinha com a linguagem, a forma como escrevia. Leminski era um monstro devorador de referências e resolvemos trabalhar com o reflexo dessa experiência”, explica o diretor da montagem, Márcio Abreu. Depois de colecionar prêmios e passar pelas maiores cidades do país, Vida vem a Brasília pela segunda vez (fez uma passagem-relâmpago durante a última edição do festival Cena Contemporânea) e será encenada de hoje a sábado, às 20h, e domingo, às 19h, na Caixa Cultural.

O encantamento pela obra do poeta, também curitibano, surgiu na adolescência do diretor. “Li um livro dele chamado Vida, que reúne as biografias de Trotski, Jesus Cristo, Bashô (mestre japonês da poesia Hai-kai) e Cruz e Souza. Uma loucura. A leitura me marcou muito e resolvi partir desse título”, explica ele. “Nós, de Curitiba, cidade onde o Leminski vivia, fomos muito influenciados por esse mundo subterrâneo, off que era próprio dele. Trabalhamos muito com dramaturgia contemporânea do exterior e queríamos nos voltar pra nossa casa, no desafio de voltar aos textos próprios. Nada melhor do que falar sobre alguém de quem tivéssemos referências”, explica a atriz e dramaturga Giovana Soar.

Definido o rumo que seguiria, a companhia dividiu o processo em duas etapas. A primeira, que durou aproximadamente um ano, envolveu pesquisas e leituras sobre a obra completa do poeta e de suas influências. Nessa fase, os integrantes da trupe entraram em contato com sua vertente de tradutor. “No papel de tradutor, ele também era um criador, a linguagem dele estava presente na tradução”, destaca o diretor de Vida. Eles criaram um solo que não estava previsto (Descartes com lentes), baseado em outra obra dele, organizaram uma exposição sobre o poeta e até estrearam um texto bilingue, em Paris, com atores franceses.

21 Encontros informais O período também envolveu encontros informais com parentes, amigos, estudiosos da obra e parceiros profissionais de Leminski, conta a atriz Giovana Soar, amiga pessoal de Áurea, uma das filhas do poeta. “Nesses encontros, coletamos histórias bonitas, como a do Solda, cartunista e amigo do escritor. Solda nos contou que era um caipira, não era de contato físico, dava os tradicionais tapinhas nas costas na hora de cumprimentar alguém. Um dia, Leminski se pendurou nele e disse: ‘É assim que se abraça, cara’. Esse episódio acabou entrando na montagem”, revela.

Quem conhece a obra do poeta, prossegue ela, há de reconhecer o espírito leminskiano ali e acolá. Um exemplo são as referências a Catatau, jorro narrativo sem divisão em parágrafos ou capítulos. “O espetáculo também não para, começa e termina em um só fluxo”, revela a atriz. Depois, o grupo se debruçou na dramaturgia, num vaivém entre compor o texto e fazer incursões pela sala de ensaio.

O fruto da imersão no universo poético de Leminski deu origem à seguinte trama: quatro pessoas exiladas se encontram em uma sala de ensaio, para criar um número musical em homenagem ao aniversário da cidade aonde vivem. Durante duas horas, o público convive com desejos, idiossincrasias, realizações e frustrações dessas personagens. “É um espetáculo sobre a transformação, de se deixar afetar pelo outro”, explica Giovana.

Reconhecimento Desde a estreia, em março de 2010, a peça ganhou o Prêmio Bravo! Bradesco Prime de Cultura 2010, na categoria melhor espetáculo. Também ganhou a premiação Governador do Estado do Paraná, nos quesitos texto, direção, ator principal, ator coadjuvante e música. Foi ainda indicada ao Shell, o mais importante dos prêmios nacionais, nas categorias texto, música e cenário.

VIDA Direção de Márcio Abreu. Com Giovana Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini. De hoje a sábado às 20h e domingo, às 19h, no Teatro da Caixa (SBS Quadra 4, lote 3/4 – 3206-9448). Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

Três perguntas para - Márcio Abreu

O que Paulo Leminski representa? Ele foi um farol na cultura brasileira. Na década de 1980, tinha carta branca da editora Brasiliense para traduzir e publicar quem quisesse. Trouxe autores e obras que demorariam a chegar ao Brasil como Giacomo Joyce, de Joyce James, Malone morre, de Samuel Beckett, obras do Bashô e do Yukio Mishima (autores japoneses). Ela cria um diálogo de obras clássicas com a contemporaneidade ao traduzir Satyricon, de Petrônio, um dos primeiros romances ocidentais. Já fazia e falava sobre grafites nos anos 1980, foi grande pensador e ensaísta de seu tempo. Devorou e deglutiu influências, transformando-as em uma obra gigante, luminosa. Hoje, já não se vê mais uma reedição de seus livros, apenas a republicação de antologias. E isso é um atentando contra a cultura brasileira.

De que forma a influência dele está presente na obra? Se eu conseguisse dar uma resposta objetiva sobre essa experiência artística de apropriação da obra, teria escrito um livro e não feito uma peça. Temos clareza e convicção de que Vida só existe por causa dessa relação criativa e libertária entre os artistas envolvidos e a literatura do Paulo Leminski. É uma obra original e não existia antes de todo esse processo.

A peça trabalha com polifonia, música e vários idiomas. Como é isso? Há uma pluralidade de referências que convivem no mesmo plano, uma simultaneidade de cenas, o que é uma polifonia que gera sentidos para além do sentido imediato. A banda de exilados faz música ao vivo, uma trilha original composta por André Abujamra, em uma relação direta com a vertente musical do Leminski. Desde 2002, os trabalhos da companhia também têm forte relação com a música. Já criamos e produzimos até uma ópera (O empresário, de Mozart). Leminski também era um profundo conhecedor de idiomas.

22 Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, volta à cidade para curta temporada, de hoje a domingo, na Caixa Cultural

O pensamento poético de Paulo Leminski mobilizou os artistas

ESTADO DE MINAS - Sobre o amor e a morte

Antes do silêncio, de Eid Ribeiro, marca o reencontro do diretor com Rodolfo Vaz, que celebra 30 anos de carreira

Mariana Peixoto

23 (09/02/12) Antes do silêncio, espetáculo que fica em cartaz até domingo no Teatro Alterosa, na programação do Verão Arte Contemporânea (VAC), é mais do que o encontro de um dos mais produtivos atores mineiros da atualidade com um dos encenadores mais prestigiados do cenário das artes cênicas. A montagem, que parte de trechos de novelas de Samuel Beckett, marca também a celebração de 30 anos de trabalho. Foi com Bicho de pé, pé de moleque (1981), dirigido por Eid Ribeiro, que Rodolfo Vaz estreou nos palcos. Com Antes do silêncio, estreia do ano passado, os dois reafirmam essa parceria.

“Eid é um grande especialista em Beckett. Montou suas peças em vários lugares, tanto aqui, quanto em São Paulo e na Áustria”, conta Rodolfo. A partir de quatro novelas do dramaturgo irlandês, a montagem fala de amor, bem como da miséria e da grandeza humanas. Em cena, dois personagens, um homem e uma mulher (papel de Kelly Crifer), divagam sobre o amor e a morte.

“Meu personagem, como quase todos os do Beckett, é um outsider, um vagabundo de rua com uma certa erudição”, conta Rodolfo. Uma das inspirações foi o personagem-título da novela O expulso, “uma pessoa que é expulsa de rua e que opta por continuar na rua.” De acordo com o ator, tal personagem acabou tendo nuances de outro que ele interpretou – um sem-casa – no filme O quadrado de Joana, de Tiago Mata Machado, filho de Eid Ribeiro, que também integrou o elenco. “Trinta anos depois, trabalhar com o Eid, um diretor marcante na minha trajetória, foi como rever um grande amor”, conclui.

Personagem de Rodolfo Vaz é um vagabundo com certa erudição

FOLHA DE S. PAULO – "Os Sete Gatinhos" ganha nova montagem

Espetáculo enfatiza os conflitos religiosos e sexuais de uma família suburbana retratada no texto de Peça estreia no sábado em São Paulo; Renato Borghi interpreta Noronha, patriarca de um clã que desmorona GABRIELA MELLÃO, DE SÃO PAULO

(09/02/12) É num misto de casa, igreja e bordel que o diretor Nelson Baskerville situa sua montagem da peça "Os Sete Gatinhos" (1958), de Nelson Rodrigues (1912-1980). O espetáculo entra em cartaz neste sábado e marca a última estreia da ocupação do Teatro de Arena dedicada ao dramaturgo, cujo centenário de nascimento é celebrado neste ano.

24 Neste espaço híbrido habitado por seu Noronha, dona Aracy e as cinco filhas do casal, pinturas religiosas (criadas pelo próprio Baskerville) convivem com desenhos pornográficos, calcinhas vermelhas rendadas, talheres, mesas e outros objetos usados no cotidiano. A mistura revela as múltiplas -e contraditórias- facetas da família. No primeiro ato, Silene, a filha caçula do clã, é endeusada por seus parentes, que sacrificam suas vidas para garantir-lhe uma boa educação. A transformação é absoluta quando seu Noronha descobre que Silene não só matou uma gata grávida a pauladas como não é mais virgem e carrega um filho no ventre. De santuário, a casa é transformada em bordel. Todos os pecados passam a ser permitidos e praticados. "Quando não existe o divino, motivo para a existência, o inferno é o caminho mais provável", diz Baskerville. "Todos nós somos canalhas", conclui seu Noronha quando caem as máscaras de sua família. O personagem é interpretado por Renato Borghi, ator que dedicou seus 54 anos de carreira à renovação do teatro brasileiro. "Com 'Os Sete Gatinhos', Rodrigues inventa a tragédia cafona suburbana do Rio de Janeiro e deixa claro que ninguém presta", diz Borghi. O ator contracena com seu parceiro no grupo Teatro Promíscuo, Élcio Nogueira Seixas. Ele vive Aracy, mulher submissa que expurga frustrações escrevendo pornografia no banheiro. Usam figurinos trocados, uma maneira de evidenciar a inversão de valores e comportamentos da família Noronha. DIVINA COMÉDIA Nelson Rodrigues apelidou "Os Sete Gatinhos" de divina comédia. Em sua encenação, Barskerville enfatiza tanto a discussão religiosa como o humor do texto -no qual, segundo ele, Nelson "ri do ridículo da passionalidade do brasileiro". O espetáculo marca a primeira incursão integral de Baskerville numa obra rodriguiana. Nessa empreitada, ele flerta de modo paródico com diversas linguagens teatrais, como tragédia, teatro de revista e comédia. Não economiza na ousadia, como fez em "Luis Antônio Gabriela" -espetáculo que criou com a Companhia Mungunzá de Teatro, premiado nas últimas edições do APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e do CPT (Cooperativa Paulista de Teatro). "Nesta peça, Nelson marca um posicionamento contrário à igreja, ridiculariza o misticismo. Eu exagero isso ainda mais", diz. Para ele, a discussão sobre fanatismo religioso é oportuna: "O fundamentalismo cresceu proporcionalmente à falta de cultura e à condição social dos brasileiros". Segundo conta, Nelson Rodrigues defendia a liberdade como sendo mais importante do que o pão. "Em 'Os Sete Gatinhos', a religião, levada às ultimas consequências, emburrece o homem e tira dele o melhor na vida: o livre arbítrio", completa.

FOLHA DE S. PAULO – Enrique Diaz prepara nova peça e reestreia "Ensaio.Hamlet"

Premiada em 2004, obra é clássico da trajetória da Cia. dos Atores (09/02/12) DE SÃO PAULO - Enrique Diaz estreia em março, no Rio, "A Primeira Vista", seu segundo espetáculo de autoria do canadense Daniel MacIvor -o primeiro foi "In on It", sucesso da temporada teatral de 2010. Antes de apresentar este novo trabalho -um jogo de memórias interpretado por sua mulher, a atriz Mariana Lima, e Drica Moraes-, ele reestreia "Ensaio.Hamlet" nesta terça, em São Paulo. Segundo o ator, diretor e fundador da Cia. dos Atores, "Ensaio.Hamlet" e "A Primeira Vista" representam dois extremos de um ciclo. "Estou numa fase esquisita, de reequilíbrio. Não sei o que significa, apenas quero parar um pouco. Não estou com vontade de conquistar o mundo neste momento", diz. Diaz, 44, sinaliza o desejo de se alimentar de outras artes, sobretudo do cinema. "Quero escrever um roteiro e dirigir um longa", conta ele, que recentemente filmou "O Deus no Arroz Doce", um curta documental feito por meio de colagens de imagens de diferentes épocas de sua família. Além de um clássico da Cia. dos Atores, "Ensaio.Hamlet" é um marco na trajetória de Enrique Diaz. A peça, que conquistou os prêmios de melhor espetáculo no APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e direção no Shell, em 2004, sintetiza a técnica de improvisação Viewpoints aplicada pelo artista em suas encenações. Nelas, atores tornam-se autores, criando a partir de vivências e questionamentos pessoais. "Ensaio.Hamlet" transforma o teatro num jogo no qual "Hamlet", a obra máxima de Shakespeare (1564-1616), pulsa em tempo presente.

25 O espetáculo reluz em meio a diversas releituras da obra de Shakespeare em cartaz na cidade na programação do projeto Experimento Shakespeare. Surge aos fragmentos, como num quebra- cabeça. Nunca se completa. Na verdade, se transforma com a interferência dos atores, que se apropriam de trechos do original e lhes dão novos significados. A metalinguagem se impõe como meio para que, a partir de "Hamlet", os intérpretes investiguem a arte teatral, a fronteira entre ficção e realidade e a própria vida. Desde "Ensaio.Hamlet", Diaz radicaliza progressivamente sua pesquisa em busca de um teatro que nasce da desconstrução e é criado coletivamente e parece ser apresentado no momento exato da criação. Em "A Gaivota - Tema para um Conto Curto" (2007), consolida os procedimentos de "Ensaio.Hamlet". Em "In on It", a linguagem continua sendo a da permanente reconstrução. O esfacelamento da narrativa se verticaliza em "Otro" (2010). Criado por atores, performers e bailarinos da Cia. Coletivo Improviso, o espetáculo aproxima-se da abstração, misturando narrativas entrecortadas e diversas linguagens artísticas, como dança, vídeo e música. (GM)

O GLOBO - Festival de Curitiba: 29 peças em 13 dias

Programação, em março, terá nove estreias nacionais e três montagens estrangeiras

Luiz Felipe Reis

WALDEREZ DE BARROS em “Hécuba”: direção de Gabriel Villela

(9/2/2012) O Festival de Teatro de Curitiba — que acontece entre os dias 27 de março e 8 de abril — chega à sua 21aedição com 29 espetáculos em sua mostra principal. Nove deles são estreias nacionais, sendo seis montagens brasileiras e três estrangeiras. “Gargólios”, que Gerald Thomas apresentou em São Paulo, em 2011, com a London Dry Opera Company, irá a Curitiba, assim como a espanhola “Los pájaros muertos”, de Marcos Morau. A terceira peça internacional virá da Inglaterra, dirigida por um conhecido ator e cineasta, anunciaram ontem os organizadores do evento, mas ainda precisa vencer questões burocráticas para entrar definitivamente na programação.

A edição deste ano de um dos principais festivais de teatro do Brasil conseguiu equilibrar o número de peças produzidas nos dois principais polos teatrais do país. Serão oito cariocas, frente às 18 do ano passado, e dez paulistas, acima das seis de 2011. Entre as seis estreias nacionais, destacam-se “O casamento” e “Escravas do amor”, que a companhia carioca Os Fodidos Privilegiados montará para celebrar o centenário de nascimento de Nelson Rodrigues.

Também estão na programação o Grupo Galpão, que mergulhará mais uma vez no universo do russo Antón Tchékov com “Eclipse”; o núcleo paulista da Cia. de Ópera Seca, com “Licht +Licht”; o autor e diretor carioca Pedro Brício, que estreará “A peça do casamento”; o diretor Márcio Abreu, da curitibana Companhia Brasileira, com “De verdade”; a Pausa Companhia, que fará “Ah, AHumanidade! e outras exclamações”, e o Circo Roda, com “Caravana —Memórias de um picadeiro”. Ainda estão na lista “O idiota”, de Cibele Forjaz, “O jardim”, de Leonardo Moreira, e “Luis Antônio- Gabriela”, de Nelson Baskerville.

Das montagens paulistas, destacam-se “O libertino”, texto de Eric-Emmanuel Schmitt que foi inspirado no filósofo francês Diderot e tem assinatura de Jô Soares. Já Gabriel Villela, que tomou as

26 ruas de Curitiba em 2011 com “Sua incelença Ricardo III”, retorna ao festival com “Hécuba”, a tragédia de Eurípedes que tem Walderez de Barros como a personagem-título. Alexandre Reineke, por sua vez, monta a consagrada “Equus”. Escrita por Peter Shaffer, ela narra o tratamento psiquiátrico de um jovem que tem um estranho fascínio por cavalos.

A garimpagem carioca também foi boa. Estarão em Curitiba “Estamira”, com Dani Barros, e “Rosa”, com Débora Oivieri, além de “Palácio do fim”, com Vera Holtz, o cine-teatro “Julia”, de Christiane Jatahy, “Judy Garland”, de Charles Möeller e Claudio Botelho, “Obituário ideal”, de Rodrigo Nogueira, e “Nem um dia se passa sem notícias suas”, dirigida por Gilberto Gawronski.

— Ainda teremos a Mostra XXX, com temas adultos — diz o diretor geral do festival, Leandro Knopfholz. — Serão três espetáculos sobre homossexualidade e canibalismo.

FOLHA DE S. PAULO – Festival de Curitiba traz oito estreias nacionais

Entre 27 de março e 8 abril, serão apresentadas duas montagens de Nelson Rodrigues GUSTAVO FIORATTI, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(13/02/12) Uma noite de abertura na companhia de estrangeiros, um olhar sobre o trabalho de novos autores brasileiros e peças em homenagem ao centenário de nascimento de Nelson Rodrigues. Essas são algumas das marcas da 21ª edição do Festival de Curitiba, que acontece entre os dias 27 de março e 8 de abril. Como no ano passado, a abertura ocupa o espaço público do Largo da Ordem com a apresentação gratuita do espetáculo espanhol "Los Pájaros Muertos". O trabalho de dança contemporânea é assinado pelo coreógrafo Marcos Morau, diretor da companhia La Verona!, e se inspira na obra do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Na programação, destaque ainda para oito estreias nacionais, entre elas, duas montagens da companhia carioca Os Fodidos Privilegiados para textos de Nelson Rodrigues (1912-80): "O Casamento" e "Escravas do Amor". Já o Grupo Galpão, de Minas Gerais, apresenta um espetáculo resultante de uma pesquisa em parceria com o diretor russo Jurij Alschitz, "Eclipse", baseado na obra de Anton Tchékov. A peça está sendo divulgada como estreia, embora tenha passado por curtíssima temporada em Belo Horizonte. No total, a Mostra Oficial terá 29 espetáculos de seis Estados brasileiros e duas apresentações internacionais: além de "Los Pajaros Muertos", prevê ainda "1984", uma adaptação do romance homônimo de George Orwell (1903-50) dirigida, em 2006, pelo ator americano Tim Robbins. O diretor do festival Leandro Knopfholz diz que a curadoria permanece seguindo a diretriz de fazer uma representação do que é produzido hoje no Brasil, embora boa parte das montagens ainda seja formada por peças que fizeram sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os espetáculos "O Libertino", dirigido por Jô Soares, "Gargólios", de Gerald Thomas, e "Palácio do Fim", com direção de José Wilker, também estão na programação. Agradar o público local é uma questão central. Uma pesquisa da Secretaria de Turismo de Curitiba aponta que 86,8% do público do festival é formado por moradores de Curitiba, e 7,1% por moradores da região metropolitana da capital paranaense. A preocupação de abarcar trabalhos de novos autores brasileiros, diz o diretor do festival, também determina algumas escolhas. "O Jardim", do jovem e premiado Leonardo Moreira (direção e texto) é um dos espetáculos que representam a nova safra da dramaturgia nacional.

ESTADO DE MINAS – Teatro: No palco da vida

O cineasta Walter Lima Júnior dirige a montagem de A confissão, com Ângelo Paes Leme e Sílvio Guindane, que fica em cartaz até sexta-feira, no Teatro Oi Futuro Klauss Vianna

27 Ângelo Paes Leme e Silvio Guindane em cena de A confissão: sentimento de posse e a incompletude humana Walter Sebastiao

(15/02/2012) Vince (Ângelo Paes Leme) é um sujeito charmoso, bem-humorado, mas ficou parado no tempo e vive em meio a drogas e bebidas. Jon (Sílvio Guindane) conseguiu fazer cinema, está em início de carreira, é prepotente e se acha o tal. Os dois foram amigos de escola e depois de 10 anos sem se ver, combinam encontro numa cidade do interior. Conversando, chegam à situação que, mesmo passado o tempo, continua mal resolvida: o fato de Amy (Isabel Guerón), amiga de colégio de ambos, ter preferido Vince a Jon. A lembrança faz recomeçar a disputa entre eles, até que Amy, que mora na cidade onde os dois homens estão, entra em cena. História da peça A confissão, que vai ser apresentada até sexta-feira, às 21h, no teatro Oi Futuro Klauss Vianna. O texto é do norte-americano Stephen Belber e tem a direção de personagem ilustre: o cineasta Walter Lima Júnior.

O diretor sintetiza a história em uma linha: é conflito de um homem que deixou de ter o que queria para outro que, para ele, não tinha nada de especial. “E peça sobre carência, vaidade, sentimento de posse, incompletude. Questões que são ponto de partida para um retrato do ser humano”, acrescenta. Ponto forte do texto, para ele, é o confronto entre os personagens, por meio de diálogos ágeis, de grande vivacidade, produzindo humor que leva à reflexão. Não economizou esforços para que esses aspectos chegassem ao público. “O público não vai ver diálogos decorados, trabalhei para que os atores dessem vida à situação”, explica. A tática foi exercitar exaustivamente o entendimento profundo das situações, certo de que a boa compreensão por parte de intérpretes significa o mesmo do lado do público. “Entendimento permite invenção, o ator pode apresentar a versão dele”, defende.

Os atores aprovam o método de Walter Lima Júnior: “É genial. Walter Lima tem um detalhamento na busca do personagem que é emocionante. Ele esmiuça a história e os personagens, discute o entendimento, acha o personagem dentro da gente. É muito bonito”, afirma Sílvio Guindane. Ele observa que o diretor, ao mesmo tempo em que está estudando os personagens, está estudando os atores. O diretor acompanhou tudo e foi, inclusive, traduzindo a peça junto com os atores. A peça, para o ator, é comédia dramática, realista, contemporânea, que “pega o espectador de surpresa”. Considera ainda que é texto que expõe “o quanto é ridícula a competitividade contemporânea para ver quem é mais bem-sucedido ou pela necessidade de ser alguém”. É crítico com os personagens masculinos e só elogio para a maturidade de Amy.

A confissão estreou em Lisboa, em dezembro de 2010. O projeto nasceu do desejo de Ângelo e Sílvio trabalharem juntos. Admiradores do trabalho de Walter Lima Júnior, interessados em fazer cinema,

28 não só ficaram amigos do diretor como passaram a conviver com ele. Decidida a montagem de A confissão, o convite a Walter Lima Júnior se deu naturalmente. O cineasta, por sua vez, explica que as atividades no teatro têm existido aproveitando brechas longas entre realização de filmes. “São aulas com atores”, observa. “Dirigir peças é oportunidade de me manter em contato permanente com eles”, conta, avisando que está ficando cada vez mais próximo da turma. É diretor coruja: vê e revê todos os espetáculos. Não vem a Belo Horizonte porque tem compromissos no Rio. “Mas já estou com dor de cotovelo”, brinca.

Distintos

O diretor garante que não fica tentado a filmar as peças, até porque, cinema e teatro têm princípios estruturais distintos. “No cinema, o dogma é a verdade. Durante o tempo em que estamos assistindo a um filme não ficamos pensando que aquilo é representação. Pensamos isso depois do término da sessão. O teatro é convenção, acreditamos mesmo sabendo que é representação”, explica. Se no cinema os erros tendem a ser eliminados, no teatro, imprevistos podem trazer riqueza à situação. O gosto pelo teatro vem da adolescência. No ginásio, o cineasta chegou a atuar como ponto (a pessoa que, do fosso, soprava o texto quando os atores esqueciam as falas) e adorava a função. Novo projeto para o cinema é a versão de A outra volta do parafuso, novela de Henry James (1843-1916). O projeto era uma peça, mas a atriz Virgínia Cavendish convenceu o diretor a transpor o texto para o cinema. As filmagens devem começar no segundo semestre, no Nordeste.

A confissão

Direção de Walter Lima Júnior, com Isabel Guerón, Silvio Guindane e Ângelo Paes Leme. De hoje a sexta-feira, às 21h, Teatro do Oi Futuro Klauss Vianna, Avenida Afonso Pena, 4.001, Mangabeiras, (31) 3229-3131. Ingressos: R$15 e R$ 7,50 (meia-entrada).

Em nome do ator

Walter Lima Júnior tem 74 anos e nasceu em Niterói. Integrou grupo histórico que criou o Cinema Novo, movimento de jovens cineastas, no início dos anos 1960, que decidiu voltar suas câmeras para histórias e personagens brasileiros, fazendo filmes de baixo orçamento, misturando poesia e política. O primeiro longa do cineasta foi Menino de engenho (1965) e o mais recente Os desafinados (2008). Foi premiado em vários festivais: Brasil ano 2000 (1968) ganhou o Urso de Prata do Festival de Berlim e Concha de Ouro no Festival de Cartagena; A lira do delírio (1977) deu ao diretor prêmio no Festival de Brasília; Inocência (1983) foi premiado no Festival de Havana; A ostra e o vento (1977) foi selecionado para o Festival de Veneza. O diretor vem alternando filmes de ficção e documentários para televisão. Tem ministrado cursos de direção de atores e assistência de direção para o cinema.

“Existe algo na nossa natureza de brasileiros que leva à predisposição para a atuação”, propõe Walter Lima Júnior. Ao contrário da formação rígida do ator inglês, na avaliação do diretor, a intuição comanda o artista brasileiro, que trabalha com a emoção. “Nosso ator tem uma capacidade de entrega que é muito interessante, mesmo que a técnica, às vezes, seja mal resolvida”, avalia. Isso levou o diretor a dar ênfase ao trabalho de compreensão do texto, das personagens, da história e da situação dramática. “Entendimento traz a inteligência para o comando, permite administrar e modular o lado intuitivo”, defende.

Para Lima Júnior, o teatro é arte do ator, é ele que está no palco, que tem o domínio da situação. “Não há como você ficar ao lado dele dizendo o que fazer. Teatro é, para mim, um plano geral, fixo, com a possibilidade de jogo vivo de pessoas sobre um tema determinado. Um pouco como jazz, que tem improvisos mas volta sempre à melodia”, compara. O cineasta confessa que gosta de dirigir teatro. “É exercício permanente com quem faz cinema – quem faz o cinema é o ator, não a câmera. Não gosto do ator que interpreta, gosto do que vive o personagem. Gosto do ator que é, não do que está”, sintetiza.

ARTES PLÁSTICAS

FOLHA DE S. PAULO – Pinacoteca compra retrato feito por Lasar Segall em 1927

29 ‘Retrato de Goffredo da Silva Telles’, obra de Lasar Segall

SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO

(09/02/12) Um retrato de Goffredo da Silva Telles feito em 1927 por Lasar Segall é o mais novo quadro do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, comprado de um colecionador particular por R$ 400 mil. Esse é o primeiro retrato feito por Segall a passar a integrar o acervo do museu.

Marcelo Araujo, diretor da Pinacoteca, vê um significado duplo nessa aquisição, primeiro por ser um retrato de Segall, artista referencial da arte moderna do país, e, segundo, pelo retratado ser Silva Telles, uma das figuras centrais da burguesia ilustrada no começo do século 20.

"Do ponto de vista iconográfico, a obra tem sentidos especiais", diz Araujo à Folha. "Ele foi um personagem emblemático na história de São Paulo, teve uma atuação destacada e foi um grande incentivador do modernismo."

Coincidência ou não, a aquisição, que vem sendo negociada há um ano por conselheiros da Pinacoteca e a Secretaria de Estado da Cultura, foi oficializada agora, dias antes dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 22.

Goffredo da Silva Telles era advogado de formação, foi vereador e proclamado prefeito de São Paulo durante a Revolução Constitucionalista.

Também foi poeta e escreveu os livros de versos "O Mar da Noite", publicado em 1915, e "A Fada Nua", que foi lançado cinco anos mais tarde.

Casado com Carolina Penteado, filha da mecenas Olivia Guedes Penteado, Silva Telles se aproximou dos fundadores do modernismo no país, armando régias festas na fazenda da família em Araras, no interior paulista.

Entre os convidados dos Silva Telles costumavam estar figuras como Heitor Villa-Lobos, Mário de Andrade, Blaise Cendrars, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Victor Brecheret e Lasar Segall.

Nascido na Lituânia, Segall se naturalizou brasileiro no mesmo ano em que retratou Goffredo da Silva Telles.

Foi também um momento de transição na carreira de Segall, que suavizou o traço expressionista que marcou o início de sua obra e passou a focar mais na figura humana, de contornos mais realistas, em sintonia com a produção modernista da época.

"Retrato de Goffredo da Silva Telles" está exposto agora num dos recortes do acervo permanente da Pinacoteca.

30 FOLHA DE S. PAULO – Tarsila do Amaral é alvo de grande retrospectiva no Rio

Mais de 80 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras e parte do diário da artista estão expostos no CCBB Também integram a mostra obras-primas, como 'Antropofagia' e versão inacabada da tela 'A Negra' DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

(13/02/12) Mais de 30 anos depois de pintar "A Negra", de 1923, retrato de uma antiga ama de leite que virou um ícone do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral tentou fazer uma segunda versão da tela. Não conseguiu ou não quis, deixando enormes faixas cinzentas atravessando a tela no lugar das cores da original. É essa obra incompleta que norteia a mostra da artista, morta aos 86 em 1973, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio. Enquanto discursos surrados sobre a artista tendem a ganhar mais força no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, sua "Negra" inacabada aponta para outra direção -Tarsila foi mais volúvel e errática do que a musa moderna que virou depois uma espécie de mito. Seu quadro inacabado data de um momento conturbado na vida da artista. Em crise financeira e amargando a morte da neta Beatriz, que morreu afogada em 1949, esse retorno tardio à fase áurea da carreira, a década de 1920 em que vivia em Paris, até hoje intriga seus estudiosos. "Todos os grandes artistas deixam algo inacabado", diz Antônio Carlos Abdalla, curador da mostra. "Reproduzir uma obra anterior numa época em que estava frágil pode ter sido uma espécie de freio." DIÁRIO Pelas ausências, como a "Negra" original, consagrada como obra-prima, e o "Abaporu", hoje numa coleção argentina, a mostra no Rio constrói um retrato afetivo da artista, calcado no diário de suas viagens pela Europa, África e Oriente Médio com o marido Oswald de Andrade. Nesse mesmo diário, Tarsila colou uma fotografia da negra, uma ex-escrava de sua fazenda no interior paulista, que deu origem à tela. Suas impressões sobre o corpo, o fascínio pela vida urbana, a flora tropical e mais tarde suas telas de cunho social aparecem em trabalhos pontuais. De um nu acadêmico, com discreta influência impressionista, para os corpos geometrizados que fez no ateliê de Fernand Léger, em Paris, Tarsila mostra como absorveu a vanguarda. Outras telas pontuam a transição da infância numa fazenda cafeeira para a metrópole. Também há uma série da fase surrealista, provável influência de André Breton, mentor do movimento, que frequentava as feijoadas na casa de Tarsila em Paris. (SL) O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do Centro Cultural Banco do Brasil.

O GLOBO - Tarsila, menina do Rio

31 “AUTORRETRATO” (1921): nascida em São Paulo, Tarsila conheceu os modernistas em 1922, casou-se com Oswald de Andrade e inspirou o movimento antropofágico

“ANTROPOFAGIA” (1929): obra é exposta no Rio pela quarta vez

32 GRAVURA DA TELA “Abaporu” (1928), que está fora da mostra

33 DIÁRIO DE VIAGENS que a artista fez quando casada com Oswald de Andrade: documento raro guardado pela família inspira a montagem da exposição carioca

Depois de 43 anos sem individual na cidade, a modernista tem 85 obras em mostra que o CCBB abre hoje

Audrey Furlaneto

(13/2/2012) Foi no Rio de Janeiro que, em 1929, Tarsila do Amaral fez sua primeira mostra individual no Brasil. Depois, expôs na cidade em 1933 e em 1969. Desde então, a artista modernista que talvez seja a mais frequente no imaginário popular nunca mais teve uma exposição na cidade. O CCBB vai quebrar o jejum de 43 anos com “Tarsila do Amaral — Percurso Afetivo”, reunião de 85 obras da artista que será inaugurada hoje, às 19h, para convidados, e amanhã para o público. Há, no entanto, uma falta que será rapidamente identificada: “Abaporu” (1928), sua pintura mais famosa, não integra a exposição. Segundo o curador Antônio Carlos Abdalla, o colecionador Eduardo Costantini, dono da tela que é o carro-chefe de seu museu, o Malba, em Buenos Aires, não se mostrou muito “disposto” a um novo empréstimo da tela, que veio ao Brasil em 2008, para uma retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, e em 2011, para uma mostra em Brasília — na ocasião, aliás, a presidente Dilma Rousseff posou ao lado da pintura.

— Se tivesse sido muito fácil, teria vindo. Nunca fui muito a favor de trazer “Abaporu”, porque a gente corre o risco de fazer a exposição do “Abaporu”, e não da Tarsila do Amaral. Estava consciente disso — diz o curador. — Também não temos o original de “A Negra” (1923), porque o MAC (Museu de Arte Contemporânea) de São Paulo está em reinauguração e não podia emprestar. A solução foi trazer “Antropofagia” (1929).

Em “Antropofagia” (1929), para o curador da exposição no Rio, estão reunidos os personagens das telas “Abaporu” e “A negra” — esta última, conta ele, foi criada pela artista a partir de uma foto de sua babá. O retrato dela foi encontrado pela família de Tarsila num de seus diários e será parte da montagem carioca. Outro dos diários, o de viagens que ela fez quando casada com Oswald de Andrade, foi usado como fio condutor da exposição.

— Tarsila pega notas de restaurantes, bilhetes de viagens de trem, fotografias, pouquíssimas coisas escritas e cria um diário visual da viagem. Não é textual. Isso tem uma forma um pouco caótica.

Não se tem domínio absoluto de uma recordação. As memórias surgem no momento e vão sendo coladas no papel de uma maneira um tanto aleatória — conta o curador. Inspirado pelo diário visual da modernista, ele optou por não organizar as obras no CCBB a partir de classificações acadêmicas. “Tarsila do Amaral — Percurso afetivo” é, como define, “uma mostra de colagens de obras da artista”.

34 A proposta livre permitiu a Abdalla, por exemplo, agrupar três telas em que Tarsila retrata o Rio no que chama de “trilogia carioca”. Assim, o público verá na sequência “Morro da favela”, “Estação de ferro Central do Brasil” e “Carnaval em Madureira”, telas que são da fase conhecida como “Pau brasil”, todas de 1924, ano em que ela chegou à capital fluminense.

Do Rio, Tarsila e os modernistas partiram para Minas Gerais, onde, conta Abdalla, fazem “a redescoberta do Brasil, em que se valoriza o barroco mineiro”. Dois anos depois da chegada ao Rio, Tarsila abre sua primeira individual em Paris, com crítica bastante favorável. No mesmo ano, ela se casa com Oswald de Andrade, e os dois viajam pela Europa e pelo Oriente Médio.

— Conta a lenda que a beleza estonteante de Tarsila parava pessoas nas ruas de Paris. Ela sempre teve essa coisa de mito da mulher deslumbrante, bonita, elegante, com dinheiro e talento. Mas não gosto de deixar de lembrar que, ao mesmo tempo, ela teve a vida muito marcada pela tragédia — defende.

Dor e esplendor

Tarsila perdeu a única filha, Dulce, e, mais tarde, a única neta, Beatriz, que pintou em vários retratos. Sua família, bastante rica, perdeu recursos na Crise de 1929.

Ainda assim, o esplendor de Tarsila é presença marcante na exposição seja pela exuberância de cores nas telas ou pelos objetos pessoais. Uma estola e um bracelete criados para ela por Paul Poiret, o estilista da alta sociedade francesa na década de 1920, foram cedidos pela família para a montagem.

A responsável pela obra de Tarsila entre os descendentes da modernista é sua sobrinhaneta, que carrega seu nome — e ganhou o apelido carinhoso de Tarsilinha, para se diferenciar da célebre tia- avó. Ela ainda cedeu para a mostra no CCBB pincéis, espátulas e um Moleskine com desenhos e anotações.

— É sempre um conjunto tão bonito de ser exibido reunido — diz Tarsilinha, 47 anos, que tinha oito quando a artista morreu, em decorrência de complicações após uma operação na vesícula, em 1973. — Era uma tia muito próxima, eu era a queridinha.

Me lembro tanto dela, dos corredores da casa na (rua) Albuquerque Lins (em Higienópolis, São Paulo), da sala, dos quadros, de nós duas na casa.

Tarsilinha, que organizou o catálogo raisonné da artista, diz que conseguir 85 obras de Tarsila é “uma tarefa árdua”. O curador concorda. Para ele, os colecionadores têm uma relação afetiva com a obra da artista.

— Todos são muito ciosos de suas telas — afirma. Além da exposição aberta agora, a artista ganhará em março mais uma reunião de suas obras — no livro “Tarsila — Os melhores anos” (M10 Editora), que trará imagens de seus trabalhos e sua história contada pela crítica Maria Alice Milliet.

O ESTADO DE S. PAULO – Os afetos de Tarsila

Público carioca vai poder ver sua obra depois de 43 anos

35 Roberta Pennafort / RIO

(14/2/2012) Em1924, Tarsila do Amaral pintou três quadros icônicosdoRio de Janeiro: E.F.C.B. (Estrada de Ferro Central do Brasil), Carnaval em Madureira e Morro da Favela.

A pintora do modernismo paulista era fascinada pelas cores da cidade, mas nunca passou muito tempo entre elas: em 87 anos de vida, foram apenas três mostras individuais,em1929 – a primeira no Brasil –, 1933 e 1969.

Só agora, passados quase 40 anos de sua morte, ela está de volta. Tarsila do Amaral – Percurso Afetivo será aberta ao público hoje pelo Centro Cultural Banco do Brasil. Tem essas e outras 45 telas das mais representativas de sua trajetória, sendo a estrela Antropofagia, de 1929, um dos gatilhos do Movimento Antropofágico de Oswald de Andrade, então seu namorado.

Nada de Abaporu, que o Brasil perdeu para a Argentina nos anos 90 e que em 2011 já havia sido trazido do Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires para uma exposição em Brasília, a pedido da presidente Dilma Rousseff. Três anos antes, o quadro viajara para uma mostra da Pinacoteca do Estado.

“É difícil conseguir as grandes obras para fazer uma exposição sobre Tarsila. As pessoas vão ao Malba para ver o Abaporu, eles não podem ceder toda hora”, sua sobrinha-neta, homônima, justifica. “Esta é uma boa oportunidade para as pessoas verem quadros como Urutu e Antropofagia, que mistura elementos do Abaporu e de A Negra (outra estrela fora da mostra, por estar em exposição no MAC USP).”

O curador, Antonio Carlos Abdalla, lembra que o fato de sua obra pictórica não ser tão extensa – cerca de 300 telas – é outro entrave. “Ela talvez seja das artistas brasileiras de maior requisição no

36 Brasil e internacionalmente”, diz.“ De certa forma, foi bom que o Abaporu não tenha vindo, porque a gente corria o risco de fazer uma exposição dele, e não da Tarsila.”

Há 12 anos cuidando do legado da tia-avó, Tarsilinha tentou montar uma exposição como esta, que tem 85 obras, cedidas por museus e colecionadores particulares, entre pinturas, desenhos, objetos e gravuras, dois anos atrás. Mas a falta de patrocínio frustrou sua iniciativa: os custos envolvem seguros caríssimos (que podem comer em torno de 10% do orçamento), envio de equipe especializada para manusear as obras.

Ela participa como cocuradora. Foi quem cedeu a Abdalla o álbum de viagens que norteou seu trabalho. Entre 13 de janeiro e 18 de fevereiro de 1926, Tarsila e Oswald, um pouco antes de oficializarem o casamento (já viviam juntos desde 24), fizeram uma viagem de sonho, que incluiu Europa e além( Turquia, Síria, Egito, Chipre...)Apaixonada, ela colecionou souvenirs como cartões de visita, contas de restaurantes e de hotéis e os colou com fotos suas e de Oswald.

Era um caderno sem pauta como outro qualquer, mas que se tornou uma relíquia de família. Tarsilinha pretende lançá-lo em fac-símile, numa edição caprichada– masnovamentevai precisar de patrocínio.

Os afetos derramados em suas páginas, e também a falta dos outros quadros, levaram Abdalla a dispor as obras seguindo um critério menos acadêmico do que de costume. Em vez de separá-las nas diferentes fases de sua carreira–“pau-brasil”,“antropofágica”, “social” – escolheu dispô- las em temas. É o caso da apelidada de “trilogia carioca”.

De A Negra vieram uma reprodução, um desenho preparatório, uma segunda versão inacabada, da década de 50 (três depois da primeira)e uma foto da antiga babá que inspirou Tarsila, ex-escrava que tem os traços do quadro: os lábios grossos, os seios grandes, as mãos expressivas.

A fascinante personalidade de Tarsila, não podada pelos limites da época – casou-se e descasou-se três vezes –, não se deixou castrar por homem nenhum. Foi amiga de gente como Erik Satie e Blaise Cendrars, sem falar na interessante trupe modernista – mereceu uma sala. Estão lá também as tragédias pessoais: a morte da filha e da neta, o empobrecimento. A supervalorização de seu trabalho viria só nos anos 90.

O ESTADO DE S. PAULO - Grafite de osgemeos é apagado no centro de São Paulo

(15.02.12) Em diversos livros sobre arte de rua pelo mundo, São Paulo é representada por um grafite gigantesco da dupla osgemeos instalado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Pintada na lateral de um prédio em 2009 como parte das comemorações do Ano da França no Brasil, a imagem virou uma marca daquela região da capital. Essa referência do grafite paulistano, no entanto, não existe mais. O desenho, com quase oito andares de altura, foi apagado ontem - sobrou apenas a vaga silhueta de um homem, sem cor, sem pintura.

De acordo com nota divulgada pela Secretaria Municipal de Cultura, o grafite dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo "que estava no prédio da antiga sede do Sindicato dos Comerciários foi apagado pelo Sesc a pedido dos próprios artistas".

Gustavo confirmou ontem ao Estado que já sabia da retirada do desenho, uma ação programada com antecedência. "Já sabíamos, sim. Esse grafite fazia parte da peça 'O Estrangeiro', de 2009, quando levamos aqueles bonecos gigantes infláveis para o Anhangabaú", diz ele. "Tínhamos conhecimento de que ele ia ser apagado agora." A ação, porém, causou comoção nas redes sociais ontem.

Artes. Ainda de acordo com a Prefeitura, o edifício onde estava o grafite será demolido e a área, integrada à Praça das Artes, futuro anexo do vizinho Teatro Municipal.

Recentemente, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), prometeu a inauguração do espaço, de 28,5 mil metros quadrados, para ainda este ano.

37 Referência. Obra de 8 andares virou marca do Anhangabaú e aparece em livros de arte

38 Só a silhueta. Fimdo grafite já estava programado, segundo artistas,mas causou comoção

ESTADO DE MINAS – Poder da criação

Obra de Álvaro Apocalypse ganha registro em livro com texto crítico de Márcio Sampaio. Volume reúne trabalhos de várias fases do artista, dos primeiros desenhos aos bonecos do Giramundo

39 Álvaro Apocalypse se responsabilizava por todas as fases da produção dos espetáculos do Giramundo, desenho, confecção dos bonecos e até a dramaturgia Sérgio Rodrigo Reis

(15/02/2012) São poucos os artistas que ao longo da carreira conseguem imprimir identidade e marca pessoal aos trabalhos. Álvaro Apocalypse (1937-2003) atingiu esse patamar tanto com a produção de desenhos, pinturas e cenários, quanto com a criação de bonecos e espetáculos para o Giramundo, grupo de bonecos que ajudou a fundar em Minas Gerais. Inquieto, produtivo e versátil como artista, ele trabalhou incessantemente, sem se preocupar em divulgar os próprios feitos. O livro Álvaro Apocalypse (Edição do autor, 345 páginas), do crítico Márcio Sampaio, chega para mudar essa história.

A obra parte da análise das várias fases de Álvaro Apocalypse. Fala da infância lúdica em Ouro Fino, Sul de Minas, quando mirava os animais à volta, tentando reproduzi-los em desenhos; lembra da adolescência em Belo Horizonte e da formação artística como aluno de Alberto da Veiga Guignard; dedica ainda uma parte ao importante trabalho que desenvolveu como mestre e professor. Como poucos – e isso o livro deixa bem evidente –, ele soube passar adiante o conhecimento, sobretudo as soluções encontradas para seu desenho e as técnicas desenvolvidas para dar vida aos bonecos. Era raro o dia em que não havia ao seu lado no ateliê uma turma de curiosos aprendizes, com olhares vidrados nas lições. Cumpria a missão de ensinar com prazer incomum também como professor da Escola de Belas Artes da UFMG.

Álvaro Apocalypse desenhou por toda a vida. Daí justifica-se a opção do livro em dedicar a maioria das páginas ao ofício. De Guignard ele herdou a lição de não retocar os desenhos, de deixar-se levar pelo primeiro gesto e assumir as possíveis incorreções como parte dos trabalhos. Também herdou o sentimento destemido diante do papel branco. Aventurou-se na busca de soluções estéticas curiosas, divertidas, impressionantes. Como ocorre com a maioria dos grandes artistas, mesmo dedicando parte da vida ao compartilhamento do conhecimento, é difícil fazer um sucessor. No caso de Apocalypse, ficou a obra (um legado incrível de bonecos, pinturas e desenhos em parte reproduzidos no livro) e um vazio. Não há nenhum outro em Minas que desempenhe hoje esta vertente da criação com tanta competência, sutileza e nobreza.

40 41 42 43 “Sempre compreendi o desenho como minha linguagem, tanto Traços de um mestre que considerava a verdadeira maneira de fazer arte, pela sua concisão, espiritualidade e falta de cor. O desenho é uma escrita, é o resultado de um gesto feito no espaço, numa superfície”, registrou Álvaro. Há outras lições destacadas no livro. Certa vez, numa roda de amigos intelectuais que se reuniam às tardes numa livraria de BH, ele declarou de maneira enfática: “O mundo deveria ser preto e branco!”. A afirmação foi recebida entre os pares com certa ironia, mas Márcio Sampaio, que estava entre eles, a encarou de outra forma. “Queria dizer que o desenho é perfeitamente suficiente e eficiente para expressar e interpretar o mundo, com delicadeza ou agressividade, em silêncio ou murmurando, até mesmo com voz clara e altissonante, doce ou irônico, sarcástico, direto, simbólico e metafórico. De toda forma, o desenho em preto e branco. E sendo assim, a cor do mundo seria, para o desenhista, desnecessária.”

Brincadeira Como a vida imita a arte e é da convivência com a realidade que o artista retira elementos para a criação, um livro Obra do artista Álvaro dedicado a compreender uma produção estética como a de Apocalypse, fundador do Álvaro Apocalypse não poderia deixar esse aspecto de lado. Giramundo, ganha registro em Álvaro foi casado com Terezinha Veloso, também artista, que o livro com texto crítico de Márcio ajudou a fundar o Grupo Giramundo. Sampaio

Nos anos 1970, de volta da França depois de dois anos de residência artística, ele resolveu, para entreter os filhos e amigos, materializar uma antiga ideia de fazer um espetáculo com bonecos. Já havia feito animação para comerciais da extinta TV Itacolomi e procurava meios de dar movimento aos seus desenhos. A brincadeira virou coisa séria quando, pouco depois, montou uma versão do clássico A bela adormecida. “A meninada adorou. O então diretor do Teatro Marília, Júlio Varela, ficou sabendo e trouxe o espetáculo para Belo Horizonte. Daí em diante, o projeto deslanchou”, conta Sampaio. Para alegria da garotada, nunca mais a história do teatro de bonecos no Brasil foi a mesma.

Livro reúne trabalhos de várias fases do de Álvaro Apocalypse, dos primeiros desenhos aos bonecos do Giramundo

Carvão sobre papel, 1961

44 Início modernista

Influenciado por Portinari e outros modernistas, Álvaro Apocalypse começa, a partir do fim dos anos 1950, a desenhar temas inspirados no povo, nas festas, na gafieira, na boemia. O aspecto social que aparece neste princípio na obra perpassa toda a sua produção.

Obra do artista Álvaro Apocalypse, fundador do Giramundo, ganha registro em livro com texto crítico de Márcio Sampaio Grafite sobre papel, 1966 Realismo fantástico

Os anos da ditadura militar o levam a explorar a realidade fantástica nos desenhos. Cria seres híbridos mesclando homens, máquinas e bichos. Sua crítica, política, tecnológica e social, aparece nas entrelinhas, por meio de metáforas e simbologias dos desenhos.

Pastel sobre cartão, 1972 Pintura acrílica sobre cartão, 1977 Invenção da cor Tipos populares A releitura do mito grego Rapto de Europa leva Álvaro Apocalypse a dar mais um salto no trabalho. Resolve transpor a realidade das invasões narrada na obra para Minas Gerais. Passou a retratar as festas populares, o congado, o reisado, os personagens típicos de Óleo sobre tela, 1980 Lagoa Santa e trabalhadores rurais, para realizar uma grande Desenho ganha vida série de desenhos.

Se antes a cor não lhe interessa, a partir do fim dos anos 1960, quando sua pintura começa a ser valorizada, as diversas tonalidades passam a figurar nos trabalhos. De maneira tímida, nas aquarelas, logo as cores ganham mais força ao usar a técnica do pastel. Quando uma das pinturas vence um concurso que lhe Livro reúne trabalhos de dá direito a viver por dois anos em Paris, na França, a cor entra várias fases do de Álvaro definitivamente na obra. Na Europa, descobre-se pintor, investe Apocalypse, dos primeiros na tinta a óleo e passa a se interessar pela representação de desenhos aos bonecos do guerreiros medievais transportados para a realidade do sertão Giramundo mineiro.

O sucesso da pintura o torna refém de temas e motivos solicitados por colecionadores e admiradores. Não que a situação fosse um peso, mas é inegável que gastou tempo excessivo repetindo

Obra do artista Álvaro Apocalypse, fundador do 45 Giramundo, ganha registro em livro com texto crítico de Márcio Sampaio assuntos. A novidade surge quando começa a criar experimentações com murais e, nos anos 70, ao fundar o Grupo Giramundo. Ali fez tudo. Os bonecos partiam do desenho, que depois ganhavam cor, movimento e dramaticidade. Sintetizou todo o conhecimento voltado para a cena teatral. Fez criações antológicas, com destaque para Cobra Norato e Auto das pastorinhas.

Acrílica sobre tela, 1999 O Álvaro Apocalypse, no fim da vida, confirmando o espírito último gesto inquieto que o movia, deu outro salto. Libertou-se de qualquer amarra estética e começou a pintar simplesmente por prazer. Nas criações dessa fase aparecem a liberdade no uso da cor e dos temas e, acima de tudo, uma visão mais bem-humorada da vida. Na última representação da santa ceia que fez, em vez de o Cristo estar ceando com os apóstolos, ele o coloca acompanhado de toda a humanidade, representada por tipos comuns.

Álvaro Apocalypse De Márcio Sampaio. O volume traz texto crítico de Márcio Sampaio, dezenas de imagens, cronologia, bibliografia e versão em inglês. A edição própria foi realizada por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. O livro será vendido por R$ 150, na sede do Grupo Giramundo (Rua Varginha, 245, Floresta). O lançamento será no primeiro semestre, em data ainda não definida. Informações: (31) 3446-0686.

Livro reúne trabalhos de várias fases do de Álvaro Apocalypse, dos primeiros desenhos aos bonecos do Giramundo

CARTA CAPITAL - Vestido para provocar

Exposição

Flávio de Carvalho, precursor da vanguarda modernista, ganha mostra abrangente no CCBB de Brasília

Por Ana Ferraz, De Brasília

46 (13.02.12) Quando a Semana de Arte Moderna explodiu, em fevereiro de 1922, há exatos 90 anos, Flávio de Carvalho (1899-1973) estava na Europa, de onde chegaria em dezembro. Paradoxalmente, coube a esse artista ausente da efervescência paulistana a virtude de levar para as ruas o que até então se limitava a um círculo fechado. "Flávio de Carvalho mostrou para o público o que se passava entre quatro paredes. A partir dele, o Modernismo se expande", analisa Luzia Portinari Greggio, especialista em modernismo e curadora da mostra Flávio de Carvalho: A revolução modernista no Brasil, que até 29 de abril é exibida no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília.

Iconoclasta nato, artista interessado tanto na tecnologia quanto nos meandros da alma, agitador cultural, Flávio de Carvalho foi múltiplo. E como tal ganha agora uma mostra a ocupar três espaços do CCBB. Aqui, sua versatilidade está plasmada em óleos, guaches, desenhos em nanquim sobre papel, objetos, roupas, móveis, maquetes de edifícios e de projetos cenográficos. São cerca de 200 itens, naquela que a curadora considera a mais completa das exposições sobre o artista, que deixou somente perto de 600 obras. "Falar de Flávio exige abrangência", diz Luzia a CartaCapital "Não se pode ficar apenas com o artista plástico. Ele introduziu a arquitetura e o teatro modernos, projetou móveis, criou moda, fez performances."

Filho único nascido numa família de ricos cafeicultores do interior do Rio de Janeiro criou-se em São Paulo e estudou engenharia na Inglaterra. Paralelamente, especializou-se em desenho e pintura na King Edward VII School of Fine Arts. Na volta ao País, a afinidade com os modernistas foi imediata. "Ele enturmou-se rapidamente. Ficou muito amigo de Oswald de Andrade, participou de um congresso de arquitetos no Rio e apresentou-se como 'delegado antropófago' do movimento", situa Luzia, sobrinha de Cândido Portinari, que conviveu com o artista.

No documentário Flávio de Carvalho, dirigido por Alfredo Sternheim, em 1967 e exibido na mostra, amigos e admiradores são convidados a definir o artista. Controvertido, reformador, versátil, inteligente, erudito, hermético, um mito são algumas das impressões de personalidades como a pianista Yara Bernette, cujo retrato pintado por Flávio está na exposição, o escritor e crítico literário José Geraldo Vieira e o psiquiatra João Carvalhal Ribas. Nesta rara oportunidade de observar o artista por ele mesmo, nota-se o homem de fala calma a ocultar o espírito inquieto, revolucionário. Educado, elegante e tímido na intimidade dos amigos, é curioso imaginá-lo naquela que foi uma de suas mais ousadas experimentações.

A Experiência Número 3, talvez a gênese da performance pública, colocou o homenzarrão de quase 2 metros de altura de saiote e blusa, meia arrastão ("para esconder varizes") e sandálias de couro pelas ruas do centro paulistano. Era a estreia do New Look Tropical, traje concebido como forma de fazer justiça ao homem sufocado em ternos e gravatas. Uma armação de arame garantia a distância entre corpo e roupa. Válvulas insuflavam e renovavam o ar. Um sonho de verão, enfim. O CCBB expõe o conjunto usado por Flávio na Rua Barão de Itapetininga, em 1956. Uma projeção holográfica mostra o artista vestido para causar.

O famoso traje, aliás, não é apenas um. Flávio desenhou vários modelos para que os amigos participassem da performance, entre eles Assis Chateaubriand. Leve e solto, entretanto, passeou sozinho. "Ninguém teve coragem", diverte-se a curadora. A exposição traz ainda um tapete interativo com imagens projetadas em sentido contrário para que o público experimente outra intervenção flaviana. Disposto a testar a tolerância de católicos durante uma procissão de Corpus Christi, cobriu a cabeça com um acintoso boné verde e caminhou no sentido contrário dos fiéis. A Experiência Número 2 ganhou as manchetes dos jornais. Num deles, o título informava: "Lyncha! Gritava a multidão".

Em mais um ataque ao clero, em 1933, o artista promoveu em seu Clube de Arte Moderna, reproduzido no CCBB com bar, palco e piano, o Bailado do Deus Morto. Bastaram três encenações para que a polícia fechasse o espetáculo de teatro experimental por atentado ao pudor. "Eu propunha uma turbulência mental, o desaparecimento de Deus neste século", explica Flávio no documentário. Em cena, atores escolhidos no meio do povo, rostos sob máscaras de alumínio. "Ele via o alumínio como uma inovação a baratear o custo da construção", conta Luzia. Em sua Fazenda Capuava, em Valinhos, considerada marco do modernismo arquitetônico, o banheiro era forrado de alumínio, então um material impensável como revestimento. "Flávio teve uma fábrica de persianas. Queria vender para os favelados. Um crítico então argumentou que os pobres às vezes nem sequer tinham janela." Sem nenhum tino comercial, fracassou em todos os negócios, entre eles uma loja de laticínios, A Vaca.

47 A famosa Vila América, conjunto de casas projetadas por Flávio nas alamedas Lorena e Ministro Rocha Azevedo, em São Paulo, também foi alvo de críticas. De linhas retas, despojadas, eram quentes no verão e frias no inverno. Antes de entrar no espaço de pé-direito duplo, o locatário recebia uma "bula", um guia para potencializar o uso do imóvel. Entre os moradores da vila, que sofreu diversas modificações estruturais ao longo do tempo, estiveram Pa-gu, Mário Autuori e o próprio Flávio.

Grande retratista, Flávio de Carvalho gostava de eternizar os amigos e as mulheres com quem se relacionava (jamais se casou ou deixou herdeiros). Mário de Andrade posou para ele. "O que me interessa no retraio é a expressão fundamental do modelo", dizia. "Escolho a cor predominante para iniciar o retrato e coloco-a com volúpia de formas sobre a tela." Assim também é o quadro que homenageia o etnólogo francês Paul Rivet, de 1952. "Ele era expressionista e figurativista convicto. Mais para o final começou a derivar também para o abstracionismo. Na tela Anteprojetopara Miss Brasil, de 1931, critica o padrão de beleza da brasileira imposto pela mídia, ao retratar uma mulher de aspecto indígena ou negro", analisa Luzia. O retrato de Yara Bernette, em pinceladas agressivas, é considerado exemplo clássico do expressionismo, movimento com o qual conviveu na Europa. A série em nanquim sobre papel traz mulheres nuas, sensuais e, ao mesmo tempo, ameaçadoras. "A sensualidade, o erotismo e a morbidez eram formas de resistência às convenções da boa sociedade. Impeliam a mulher a uma postura afirmativa", pontua Luiz Camilo Osório, professor do Departamento de Filosofia da PUC e curador do Museu de Arte Moderna do Rio, no livro Flavio de Carvalho.

A controversa e belíssima Série Trágica, em que o artista desenhou a agonia da própria mãe, comparece em nove gravuras feitas a partir dos originais, expostos no novo prédio do MAC, em São Paulo. "Ele foi acusado de insensibilidade, mas se trata de uma grande homenagem, uma despedida dolorosa", analisa a curadora Luzia Portinari Greggio. "Flávio foi a personalidade mais importante da arte moderna brasileira do século XX." Versátil, visionário, empenhado em acabar com a provincianização da São Paulo de sua época, Flávio de Carvalho viveu do jeito como sempre quis, um rebelde na contramão. FOTOGRAFIA

FOLHA DE S. PAULO – Fotografia: Prêmio FCW de Arte tem inscrições abertas até 9/3

(09/02/12) O concurso organizado pela Fundação Conrado Wessel irá premiar, em sua 10ª edição, trabalhos fotográficos com o tema "Brasil Contemporâneo". A ficha de inscrição e o regulamento completo estão disponíveis em www.fcw.org.br. Cada candidato pode se escrever com apenas um trabalho, inédito ou já publicado, produzido entre 2009 e 2011 e composto de no mínimo 10 imagens. Os prêmios serão de R$ 114,3 mil (1º lugar) e R$ 42,8 mil (2º e 3º lugares).

FOLHA DE S. PAULO – Brasil rural é o destaque da Coleção Folha

Quarto volume, nas bancas no domingo, reúne importantes fotos tiradas no interior do país

Trabalhadores saindo para colher café no Paraná, em fotografia tirada pelo nipo-brasileiro Haruo Ohara (1909-1999)

48 (09/02/12) DE SÃO PAULO - Cana, mineração, café, pecuária, borracha e assim por diante. A cada ciclo econômico que marcou a história do Brasil, grandes contingentes populacionais se estabeleceram em terras afastadas do litoral, consolidando a ocupação do território nacional. Diversos modos de vida se desenvolveram pelo país afora, e é dedicado a este Brasil rural o quarto volume da Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil, que chega às bancas no próximo domingo, dia 12.

Vaqueiros, agricultores, mineradores e fazendeiros são alguns dos destaques das fotografias do livro, tiradas entre a segunda metade do século 19 e meados do século 20 por importantes nomes da fotografia no país.

Dividido em três partes temáticas -"Trabalho", "Edificações" e "Vida"-, o volume reúne imagens de Pierre Verger (1902-1996), Vicenzo Pastore (1865-1918), Marc Ferrez (1843-1823) e Hildegard Rosenthal (1913-1990), entre outros.

A Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil, dedicada a apresentar algumas das fotografias mais importantes feitas no país entre 1840 e 1960, traz 20 volumes organizados de forma temática.

A série, que procura mostrar grandes acontecimentos e cenas do cotidiano, é um registro ilustrado da história do país -uma história da sociedade, do cotidiano, da economia e da política contada por intermédio da fotografia.

As cerca de 900 imagens que compõem a coleção fazem parte dos principais acervos do país, como o Instituto Moreira Salles (apoiador da coleção), a Fundação Pierre Verger, o Acervo da Biblioteca Nacional, o Arquivo Público do Estado de São Paulo e o Acervo IBGE.

MÚSICA

CORREIO BRAZILIENSE - O Brasil menos romântico

Autor de sucessos como Moça e Fogo e paixão morre aos 66 anos em razão de complicações cardíacas. Fãs se despedem do cantor que é um ícone brega

FELIPE MORAES

(09/02/12) Voz de um romantismo desavergonhado e bem-humorado, Wanderley Alves dos Reis, o Wando, morreu por volta das 8h de ontem, aos 66 anos, no Biocor Instituto, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. Segundo informações, às 5h40, o estado de saúde do artista, que estava internado no centro de terapia intensiva (CTI), piorou repentinamente. Horas depois, ele teve uma parada cardiorrespiratória e, em seguida, faleceu. O cardiologista particular, João Carlos de Souza Dionísio, informou que foram feitas tentativas de ressuscitação, mas não foi possível reanimá-lo. De acordo com boletim médico da última terça, Wando apresentava melhoras consideráveis e um quadro de estabilidade. Tanto que, dias antes, no domingo, num programa de televisão, chegou a mandar um recado aos fãs: “Eu estou na oficina de Deus arrumando a turbina. Me aguardem!”. Sua esposa, Renata Costa Lana e Souza, esteve com ele em seus últimos momentos de vida.

Mineiro do município de Bom Jardim, o cantor e compositor deu entrada no hospital em 27 de janeiro, devido a uma angina (dor intensa) de peito. Exames detalhados descreveram entupimento de três artérias do coração por partículas de gordura. Ele estava acima do peso recomendado, com 110 quilos. Em situação crítica, Wando foi submetido a duas cirurgias após um infarto agudo. A assessoria informou que o último show do músico foi em 7 de janeiro, em Gravatá (PE).

Em nota de pesar publicada no site do Ministério da Cultura, a ministra Ana de Hollanda lamentou o falecimento do cantor. “Acaba de nos deixar Wando, o trovador de uma forma muito particular do romantismo que, com seu carisma, conquistou uma legião enorme de admiradores”, ela escreve.

A calcinha É praticamente impossível desvencilhar Wando da peça de roupa íntima das mulheres, a calcinha. Em seu site oficial, é possível até mandar um bilhete virtual na forma de uma lingerie, com vários

49 modelos. “Eu coloquei no disco o nome de Tenda dos prazeres e uma calcinha na capa do disco, e essa coisa fez tanto sucesso que até hoje eu não consigo tirar dos shows. Eu distribuo calcinhas novas e recebo usadas, eu tenho uma coleção realmente muito grande de calcinhas de todas as formas, jeitos, cores e tamanhos... de pequenininha até muito grande”, diz ele, em depoimento postado na página.

Mais que apenas um sujeito irreverente, o cantor foi símbolo de uma geração inteira de outros intérpretes românticos, costumeiramente taxados de brega e cafona, como Odair José, Waldick Soriano e tantos outros. Com versos escrachados, rotulados de obscenos, Wando conquistou as multidões e desafiou a fragilidade da moral e dos bons costumes. Mas, bem antes do sucesso, ele foi um trabalhador anônimo. Nasceu em Bom Jardim, mas foi registrado em Cajuri, também em Minas. Em Juiz de Fora, já um garoto, terminou o curso fundamental, na época chamado de primário. Anos depois, morando em Volta Redonda (RJ), começou a estudar violão. E, ao mesmo tempo, dedicava- se a uma porção de outras atividades para sobreviver, como feirante, entregador de leite e jornal e até motorista de caminhão.

Morando em Congonhas (MG), criou o grupo Escaravelhos. Mas os primeiros vultos de reconhecimento só viriam em 1973, quando mudou-se em São Paulo, no LP de estreia Glória a Deus e samba na terra. Nele, ouvia-se um Wando preocupado com as questões sociais, em sambas que explicitavam carinho pelas movimentações comunitárias nas favelas e em bairros pobres.

A verve romântica tomaria a carreira do mineiro a partir da metade daquela década. Nos anos 1980, ele se firmou de vez, vivendo no Rio de Janeiro, como crooner de baladas provocantes, como Fogo e paixão, hit do álbum O mundo romântico de Wando (1988). Em composições como Emoções, de 1978, ele fala sobre o relacionamento entre dois jovens do sexo masculino, numa poética abordagem. “Te agasalhei nos braços/ Pele, mão, espaços acariciei/ Te amei suavemente e tão docemente/ Eu me fiz teu rei”, versa.

Para o especialista em música brasileira Ricardo Cravo Albin, Wando foi tanto um ícone brega como um primoroso artista. “Teve repercussões profundas na sociedade brasileira, tanto como compositor quanto como intérprete. Ele antecipou, com o erotismo de seus shows e as calcinhas, a sensualidade dentro da música popular de agora, do hip-hop e do rap”, conta. “Ele tem músicas absolutamente fora de série. Moça, um de seus grandes sucessos, é uma das músicas mais bem feitas da época, nos anos 1970. Portanto, a repercussão que ele provocou nas pessoas e nas ruas deve ser observada e respeitada”, completa o pesquisador.

Registros históricos Wando e outros cantores considerados bregas são objeto de pelo menos dois registros de pesquisa e documentação importantes. No livro Eu não sou cachorro, não (Record), Paulo Cesar de Araújo detalha a difícil relação da música cafona com a ditadura militar. Já o documentário Vou rifar meu coração, de Ana Rieper, exibido pela primeira vez no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2011, coleta depoimentos de fãs e artistas, numa tentativa de compor um painel da música brega.

Depoimentos

“Eu virei mais fã dele quando o conheci pessoalmente. Não é porque o Wando morreu que estou afirmando isso, mas ele era um cara muito bacana, uma grande pessoa; dessas que cativavam mesmo.” Falcão, cantor

“Gravei outras músicas dele, principalmente os sambas, mas depois Wando achou sua fórmula de se apresentar: o homem das calcinhas. Eu lamento muito sua morte, mas Deus sabe o que faz. ” , cantor

“Wando teve três fases na carreira e cada década com um sucesso e um estilo diferente. Cada artista tem a sua época (...). Ele não estava mais no auge, mas continuava fazendo shows com o seu extenso repertório que foi construído ao longo de três décadas de carreira.” Paulo César de Araújo, jornalista e historiador

50 “Wando cantava a música real, a verdadeira música, assim como eu, para o povo. A música brasileira perdeu um tremendo compositor e um tremendo músico”.

ESTADO DE MINAS - Nas entrelinhas

Kiko Ferreira

(09/02/12) Com um mix de MPB e MPP (Música Popular dos Pampas), o músico, cantor e compositor Richard Serraria chega ao segundo disco, Pampa esquema novo, fazendo mistura que seu perfil no MySpace classifica de dub/experimental/folclórica. Como é comum na música urbana de Porto Alegre, o disco tem parte gravada no Sul, parte na Argentina, parte no Uruguai. E os vocais da faixa mais comercial, Amor de perdição, feitos em São Paulo, onde mora o convidado especial, Zeca Baleiro.

Com 15 anos de atuação na capital gaúcha, o mestre em literatura pela UFRGS começou a chamar a atenção quando participou, ainda aluno, do fanzine Notas marginais. Hoje, é colunista da revista digital O dilúvio, membro do prestigiado grupo Bataclan F.C. e merecedor de meia dúzia de prêmios Açorianos, o mais importante do Rio Grande do Sul. Ritmista de baterias de várias escolas de samba de lá, venceu o Festival de Samba-enredo de Caxias do Sul em 2004, e participou de um CD que já é clássico, o Xquinas, de Marcelo Corsetti, além de várias outras produções da cena local.

“Candombe e tango é livre o choro”, verso da faixa que dá título ao CD, dá pistas das misturas espalhadas pelas 12 músicas. Bossa nova e tango, rap e repente, candombe e samba rock, milonga e ijexá. “Um disco de estrada”, como o próprio autor classifica. A pegada brasileira sempre encontra um eco, um detalhe, uma referência no mundo hispânico. Bom de samba, como se pode provar em faixas como Avisa que o amor vai chegar (“mulher é arte e o samba é artimanha”) e Doce amor se fez samba puro, ele acerta ao dividir vocais com a amiga Vanessa Longoni em Bailadera e ao usar a experiência com a literatura para criar rimas internas, sonoridades dúbias e jogos de palavras que valorizam suas letras de estrutura simples, mas cheias de teias delicadas.

51 Richard Serraria é mestre em literatura, o que explica muita coisa

FOLHA DE S. PAULO – Ídolo romântico, Wando morre aos 66

Cantor da sedução e das calcinhas morre em Minas Gerais de complicações decorrentes de infarto sofrido há duas semanas

Enterro de músico, que estourou nos anos 70 e vendeu 10 milhões de discos, acontece hoje em Belo Horizonte

Wando (Guilherme Lara Campos - 03.mai.09/Folhapress)

DE SÃO PAULO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BELO HORIZONTE

(09/02/12) Um dos principais ídolos da música popular romântica brasileira, o cantor Wando, 66, morreu por volta das 8h de ontem, por complicações decorrentes de um infarto sofrido há duas semanas.

52 Wanderley Alves dos Reis estava internado num hospital em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, desde o dia 27 de janeiro.

Após o infarto sofrido madrugada do dia 28, Wando passou por uma angioplastia para desentupir artérias, foi sedado e começou a respirar por aparelhos.

Nos últimos dias, havia melhorado. Acordou, se comunicava por gestos e conseguia respirar sem auxílio de aparelhos. Passou por uma traqueostomia para preservar sua voz e, anteontem, chegou a tomar iogurte. Mas piorou durante a madrugada.

O cardiologista Joel Teles disse que o excesso de peso pode ter sido uma das causas do entupimento das artérias do cantor. Ao entrar no hospital, Wando pesava 110 kg.

O velório do cantor ocorreria na noite de ontem, e o enterro, hoje de manhã, em Belo Horizonte. Wando deixa a mulher, Renata Costa Lana e Souza, e quatro filhos.

MOÇA

Wando foi cantor de grande apelo popular desde os anos 1970, quando estourou com o hit "Moça", da trilha da novela global "Pecado Capital", de 1975. A balada dizia: "Moça/ Sei que já não é pura/ Teu passado é tão forte/ Pode até machucar".

Conquistou 19 discos de ouro, sete de platina e dois de diamante. Segundo suas próprias contas, Wando vendeu cerca de 10 milhões de cópias dos seus mais de 20 álbuns.

Cultivava a imagem de mulherengo sedutor. Colecionava calcinhas que ganhava das fãs -tinha milhares delas.

Na manhã de ontem, a morte do cantor era o assunto mais comentado do Twitter no Brasil e no mundo, com hashtags como #R.I.P. Wando (iniciais em inglês para "descanse em paz") e #calcinhapretaday.

FEIRANTE

Nascido numa fazenda em Bom Jardim, região de Cajuri (MG), Wando foi criança para Juiz de Fora e morou em Volta Redonda, Congonhas do Campo, Rio e São Paulo.

Antes de ser músico, foi feirante e caminhoneiro.

Começou com o samba, tendo duas músicas gravadas por Jair Rodrigues: "O Importante É Ser Fevereiro" (71), que viraria sucesso de Carnaval, e "Se Deus Quiser" (72).

"Gloria a Deus e Samba na Terra" (1973), o primeiro álbum com seu nome na capa, tinha, segundo Wando, influência de , Chico Buarque e Gilberto Gil.

No álbum "Gosto de Maçã" (1978), começa a se insinuar o espírito "obsceno" que, a partir dos anos 1980, se solidificaria, tornando Wando um personagem, um gênero musical, quase um adjetivo.

Quando descobriu que era esse o seu nicho, correu atrás do tempo perdido. "Vulgar e Comum É Não Morrer de Amor" (disco de 1985, onde estão os hits "Fogo e Paixão" e "Chora Coração") marca o território -e com um título que, enquanto reclama do rótulo "vulgar", o toma para si de uma vez. (MARCUS PRETO E NIELTON BATISTA)

O GLOBO - Brega e ‘cult’

O legado de Wando, referência da canção muito popular brasileira

Silvio Essinger*

(9/2/2012) Mais improvável símbolo sexual da música popular brasileira, Wando costumava admitir: “Na verdade, acho-me até feio, mas é inegável que tenho um jeitinho todo especial com elas.” Ou então: “Sou um cara feio, mas toco violão e falo de amor. Isso ajuda muito.” Ajudou-o, sim, a vender

53 milhões de discos e a tornar-se referência da canção muito romântica brasileira — brega, para quem preferir o termo.

Com seus lábios grossos, cantando “o amor para maiores de 25 anos”, ele virou febre na segunda metade dos anos 1980, a partir do sucesso de “Fogo e paixão” (que seria cantada por Nando Reis, Fábio Junior, Demônios da Garoa e Wilson Sideral, entre outros). Nos anos 2000, a canção batizou um bloco de carnaval no Rio — para o qual o próprio Wando ajudou a angariar fundos, autografando calcinhas e camisetas e doando uma tanga amarela do seu acervo. Incluída no disco “Vulgar e comum é não morrer de amor”, “Fogo e paixão” rompeu a barreira das FMs e ajudou a firmar a imagem do cantor.

Ele dispensava as metáforas (“Não gosto de entrelinhas, prefiro o que vai direto ao coração”) e assumia sua condição de cantor popular (“Fazer a coisa complicada é muito mais fácil. O difícil é simplificar”). Além de “Fogo e paixão”, Wando teve como grandes sucessos “Moça” (com a qual vendeu mais de 1,2 milhão de discos, em 1974), “Coisa cristalina” (“Inspirada num amigo viciado em cocaína, que queria uma paixão tão avassaladora pela mulher quanto a que tinha pela droga”), “Chora coração” (“Foi feita na morte de Tancredo para a dona Risoleta Neves”), “Eu já tirei a tua roupa”, “Gosto de maçã”, “O que que eu vou dizer para o meu corpo?” e “Deus te proteja de mim” — todos clássicos da canção popular brasileira. Wando bateu recordes de bilheteria no Rio e em São Paulo em 1988 com o show do disco “Obsceno”, que teve mais de um milhão de cópias vendidas. No espetáculo “Tenda dos prazeres” (1990), ele inaugurou um procedimento que se tornaria sua marca: “Comecei a distribuir calcinhas e passei a receber outras. Hoje, tenho 17 mil”, recordou recentemente. Ele teria inclusive manifestado o desejo de criar um museu de calcinhas em Belo Horizonte.

“Tenda dos prazeres” foi sua primeira superprodução, com tenda árabe, dançarinas do ventre e banheira de acrílico. Ele pôs telões na rua para para o povo que não podia pagar o ingresso. O disco acabou vendendo 300 mil cópias em plena recessão da indústria. Nos shows, Wando ainda sorteava suítes de motéis e bonecas infláveis e distribuía maçãs, pêssegos em calda e rosas. Apesar de pecha de brega, ele se orgulhava do seu engajamento político (participou de comício das Diretas em Curitiba, em 1984) e de ter sido censurado (nas canções “Boca calada” e “Jesus, negro bonito de olhos azuis”).

Wanderlei Alves dos Reis nasceu em Cajuri, na Zona da Mata mineira. Foi feirante, caminhoneiro e ainda tentou a carreira teatral em Belo Horizonte.

Mudou-se para o Rio em 1972, onde conheceu Oswaldo Sargentelli, que incentivou sua carreira. Seu primeiro LP, “Glória Deus no Céu e samba na Terra”, foi lançado em 1973. No começo da carreira, foi gravado por Roberto Carlos (“A menina e o poeta”), Jair Rodrigues (“O importante é ser fevereiro”), Angela Maria (“Vá mas volte”) e Originais do Samba (“Velho poeta Pixinguinha”). Um sucesso dessa fase, “Nega do obaluauê”, foi regravado nos anos 2000 por Pedro Luís e a Parede.

Wando morreu ontem, aos 66 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Ele estava internado desde 27 de janeiro no Hospital Biocor, em Nova Lima (MG), onde, após um princípio de infarto, passou por uma angioplastia para desobstrução das artérias do coração. Ele vai ser enterrado hoje, às 11h, no cemitério Bosque da Esperança, em Belo Horizonte. Deixa quatro filhos e dois netos. ■

O GLOBO - Muito além das calcinhas

Paulo Cesar de Araújo

(9/2/2012) Para além do cantor tido como obsceno, que transitava com desenvoltura pelos temas da libertinagem, Wando foi um artista ousado também em outra seara — e esta não é das suas facetas mais conhecidas. Tal como faziam artistas da elite da MPB, ele também abordou a temática social, naquele que foi o período mais duro da ditadura militar no Brasil. Isto se comprova em algumas de suas canções dos anos 1970, como, por exemplo, “O ferroviário”, “Malandro guardado” e, principalmente, “Presidente da favela”, abordando a trajetória de um líder comunitário de São Paulo: “Que sirva de exemplo/ a todas as favelas brasileiras/ arranjem um presidente de boas maneiras/ que a vida lá no morro será bem melhor/ Dalvino de Freitas, presidente da favela/ onde tenho o meu barraco / disse que agora na favela é outro papo/ vamos ter ruas calçadas e água boa de beber.”

54 Na impossibilidade de eleger o presidente da República (não havia eleições diretas na época), o brasileiro poderia ao menos eleger o presidente da favela. Além desta referência política, a composição de Wando chamava a atenção para um dos aspectos sociais mais importantes daquele período: a emergência de movimentos de organização de moradores de bairros e comunidades carentes. A canção serviu de estímulo à participação popular, até porque, com o bloqueio dos espaços públicos tradicionais da política — parlamento, sindicatos, partidos —, a resistência espalhava- se por outros caminhos, possibilitando o aparecimento de diversos líderes. E lá estava Wando e dar-lhes voz com suas canções.

PAULO CESAR DE ARAÚJO é autor de “Eu não sou cachorro, não — Música popular cafona e ditadura militar”

FOLHA DE S. PAULO – Osesp vai assumir comando do Festival de Campos de Jordão

Orquestra irá substituir a organização social Santa Marcelina Cultura na gerência do evento Para a Secretaria de Estado da Cultura de SP, a mudança vai intensificar a formação de novos músicos IRINEU FRANCO PERPETUO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(09/02/12) O Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão está mudando de mãos. Sai de cena a Santa Marcelina Cultura e entra a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Organização social que gerencia os principais programas de formação musical do governo do Estado de São Paulo, como o Guri Santa Marcelina, a Escola de Música do Estado de São Paulo Tom Jobim e orquestras e corais jovens do Estado, a Santa Marcelina Cultura vinha administrando o evento desde 2009. EXEMPLO VENEZUELANO De acordo com Ana Flávia Souza Leite Mannrich, coordenadora da Unidade de Formação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, a troca se deve à reorganização geral dos equipamentos educacionais da secretaria, no âmbito do recém-criado Sistema Paulista de Música. Com o nome inspirado na iniciativa venezuelana de educação musical que virou paradigma internacional de excelência na área, o Sistema Paulista de Música foi anunciado em dezembro último e tem como objetivo intensificar a integração entre os programas de base e de formação profissional do Estado. "A Osesp, que já era um excelente instrumento de difusão cultural, estava um pouco distante da formação profissional", afirma Mannrich. "Ela não pode ser uma escola em caráter permanente, mas pode assumir um projeto de formação sazonal, de quatro semanas, como o festival", completou. Mannrich cita a nova regente da orquestra, a norte-americana Marin Alsop, como elemento-chave nesse processo. "Alsop tem uma trajetória ligada a iniciativas de formação profissional e, portanto, todas as credenciais para recolocar a Osesp nessa função, que já foi sua no passado", diz. CONVIDADOS A coordenadora sinaliza ainda para uma ampliação das atividades do festival em São Paulo. Os bolsistas do evento devem continuar a ser escolhidos por um processo de seleção, embora haja a ideia de convidar estudantes de instituições internacionais de grande prestígio, como a Juilliard School, que fica em Nova York, e o Conservatório de Paris. A relação da secretaria com a orquestra para o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão não deve ocorrer por contrato de gestão, como era o caso da Santa Marcelina Cultura, e sim por um convênio. Em viagem a Londres, o diretor artístico da orquestra, Arthur Nestrovski, afirmou avaliar a proposta de comandar o festival com "simpatia" e "interesse". "Assumirmos a direção do festival é o desenvolvimento lógico do Sistema Paulista de Música que vem sendo construído", disse ele.

FOLHA DE S. PAULO – Nova regente reforçou inserção internacional

RODRIGO RUSSO, DE LONDRES

(09/02/12) A Osesp traça planos internacionais cada vez maiores. Muito disso se deve ao apoio da nova regente titular, Marin Alsop, disse Arthur Nestrovski, diretor-artístico da orquestra, à Folha.

55 Anteontem, Alsop, Nestrovski e Marcelo Lopes, diretor-executivo da Fundação Osesp, participaram de evento na Embaixada do Brasil em Londres para celebrar o começo do mandato de Alsop à frente da orquestra. No segundo semestre, três grandes movimentos devem acontecer: uma turnê de sete dias na Europa, com quatro concertos, e o lançamento internacional de dois CDs pelo prestigioso selo Naxos. O primeiro deles é a gravação da quinta sinfonia de Prokofiev, regida por Alsop. O lançamento no Brasil será em março, quando a orquestra inicia a temporada 2012. Em seguida, o registro das sexta e sétima sinfonias de Heitor Villa-Lobos, sob regência do maestro brasileiro Isaac Karabtchevsky, será disponibilizado no mercado. Para Nestrovski, "Alsop é uma aliada crucial da orquestra. Ela se mostrou uma grande parceira mesmo antes de assumir efetivamente a regência da Osesp e trouxe grandes nomes do cenário global para trabalhar conosco, como a própria Naxos. São passos importantes para a inserção internacional da orquestra". Em 2013, o diretor artístico confirmou também uma grande excursão de três semanas por vários países da Europa. As apresentações, regidas por Marin Alsop, devem ocorrer nas cidades de Frankfurt, Londres, Paris, Viena e Salzburgo.

O GLOBO - Dez anos de carreira sem tirar o pé da estrada

Com público no Brasil e no exterior, Céu fala da itinerância em seu terceiro álbum, ‘Caravana sereia bloom’

Silvio Essinger

Enviado especial • SÃO PAULO

CÉU, num restaurante de SP: nova turnê da cantora, que começa no mês que vem, passará pela Europa e chegará ao Rio em maio

(9/2/2012) Aos dez anos de carreira, Céu ainda se surpreende com a imagem que o público faz dela. Com seu eterno jeito de menina, ri ao lembrar de um sujeito que, entrevistado pela TV num pé-sujo na Rua Augusta, disse achar que ela poderia estar em uma certa boate de SP, nunca ali.

— E eu jamais tinha ouvido o nome daquela boate! — diverte- se a cantora, de 31 anos, que está lançando seu terceiro álbum, “Caravana sereia bloom” (nas lojas no dia 14). — Eu poderia estar ali, do lado do cara, e ele nem ia saber!

56 Tão incomum quanto a imagem é o lugar de Céu no mercado da música: é uma cantora que se equilibra entre o cult e o popular e se divide fazendo shows por todo o Brasil e por grandes festivais no exterior, como o californiano Coachella. A turnê de “Caravana...”, por sinal, começa em 10 de março no Sesc Vila Mariana (São Paulo) e segue pela Europa em 16 datas. O show chega ao Rio, no Circo Voador, em 5 de maio. O que tem tudo a ver com o assunto do novo CD.

— Esse é um disco que fala muito sobre a estrada — conta. — Foi uma temática que eu senti bem latente em mim e sobre a qual eu quis falar como se fosse uma espécie de cineminha. “Caravana...” é um disco bastante imagético e, nele, estou me colocando na pele de personagens — segue Céu, que, no título, presta uma homenagem à Caravana Rolidei do filme “Bye bye Brasil”.

Produzido pela cantora junto com o marido, o músico Gui Amabis, o novo disco de Céu leva adiante o espírito de caravana ao reunir participações de músicos como Pupillo e Curumin (bateria) e Lúcio Maia (guitarra) e das cantoras Negresko Sis (Anelis Assumpção e Thalma de Freitas).

— O “Caravana...” tem uma coisa colaborativa interessante. É legal como a galera se faz disponível para participar dos projetos uns dos outros — diz Céu, que já perdeu a conta dos CDs, canções e projetos musicais de que participou.

Disco de “realização fácil” (duas semanas de gravação das bases, quatro dias para as vozes), “Caravana...” é o álbum em que Céu mais cantou músicas de outros autores que não ela: duas de Lucas Santtana (“Contravento” e “Streets bloom”), uma de Gui (“Falta de ar”), uma de Jorge du Peixe (“Chegar em mim”, que fecha o disco), o “Palhaço” de (em que foi acompanhada ao violão pelo pai, Edgar Poças, que fez do samba “uma valsa felliniana”) e o pré-reggae “You won’t regret it”, que ela encontrou numa coletânea de rocksteady.

— Tinha vontade mesmo de experimentar a coisa mais intérprete, mas aí, no fim, até que compus bastante. Quando eu vi, tinha oito músicas prontas — diz ela, que ainda inseriu duas vinhetas, “Sereia” e “Fffree”, que gravou sozinha, em casa, com o software Garage Band do seu iPad.

— Eu queria dar essa matéria bruta para quem curte o meu som — explica Céu, que hoje tenta conciliar a vida normal, com contas a pagar, um marido e uma filha (Rosa, de 3 anos), com a de artista. — É uma vida desregrada, mas tem a sua matemática. Eu admiro muito quem é disciplinado — reconhece. ■

O repórter viajou a convite da Universal Music

FOLHA DE S. PAULO – Madonna é acusada de plagiar o carioca João Brasil em nova música

MARCUS PRETO, DE SÃO PAULO

(10/02/12) Lançado na semana passada, "Give Me All your Luvin'", o mais novo single de Madonna, está sendo acusado de plágio em redes sociais. A cantora teria copiado a introdução de "L.O.V.E. Banana", do carioca João Brasil editada em 2011, com par¬ti¬ci¬pa¬ção da também brasileira Lovefoxxx, da banda CSS. As duas músicas, de fato, começam de maneira idêntica. Os gritinhos de líderes de torcida que, na canção de João, dizem "L.O.V.E Banana" fazem "L.U.V. Madonna" na versão da cantora americana. "Ainda não entendi o que aconteceu. Se for [plágio], melhor ainda. Sou fanzaço dela. Como ela está sempre na ponta [na vanguarda], seria um bom sinal em relação ao que eu faço", diz João, que vive em Londres, mas está no Brasil para o Carnaval. Conta que estava tocando na Bélgica quando os amigos começaram a bombardeá-lo pelo Facebook e Twitter, apontando o possível plágio. Segundo ele, a possibilidade mais plausível é que os produtores de Madonna tenham assistido ao seu vídeo -e são eles, não Madonna, que vão atrás de novas referências para o trabalho dela. "L.O.V.E. Banana" foi editada por uma gravadora alemã. Está na mão da empresa lidar com o assunto e com possíveis processos. "São eles que estão vendo como é o processo, se existe alguma coisa a se fazer", diz. "Mas eu não quero fazer nada. A última coisa de que preciso na vida é arrumar uma briga com Madonna."

57 O GLOBO - Festivais e dois discos tentam reativar tradições do samba

BAIANINHO (acima) e Zé Katimba (em segundo plano, ao lado do parceiro Daniel Scisínio) estão na final do concurso de samba de quadra, hoje

RENATINHO PARTIDEIRO (à esquerda), Serginho Procópio e Tantinho da Mangueira, participantes do CD de partido alto

58 Concurso de samba de quadra tem final hoje; partido alto vai ganhar CD

(10/2/2012) Afinal, no Circo Voador, do 4o- Concurso de Samba de Quadra, a partir das 22h, coroa hoje uma das iniciativas em curso de recuperação de subgêneros do samba pouco praticados atualmente. Outra é o 1o- Festival de Partido Alto, realizado em 29 de janeiro e que terá mais capítulos, como o lançamento de um CD com grandes partideiros do Rio.

Já está pronto o disco com os dez finalistas da disputa de sambas de quadra — projeto do Sesi Cultural que tem direção artística de Haroldo Costa.

O produtor musical Ruy Quaresma, que lança o disco por sua gravadora Fina Flor e participou da triagem dos 1.385 inscritos, conta que a primeira dificuldade foi encontrar composições que pudessem ser consideradas sambas de quadra — ou de terreiro, como eram chamados antes de as escolas de samba cimentarem os pisos de suas sedes.

— A estrutura tradicional tem duas estrofes curtas e um refrão para ser cantado por todos. E não é feito para o carnaval. Por isso, também é chamado de “samba de meio de ano” — explica Quaresma.

— No primeiro concurso, foi muito difícil encontrar sambas de quadra. Acabou ganhando um partido alto, por causa da qualidade superior.

Neste ano, já houve mais objetividade e qualidade. Ainda recebemos pagodes melosos, sambas- enredo, outros com letras muito grandes, mas houve um avanço grande.

Dos terreiros para a cidade Quando as escolas de samba tinham uma atividade cultural e social intensa, sendo mais do que uma agremiação voltada prioritariamente para o carnaval, os compositores se reuniam para criar e mostrar seus sambas. “Esta melodia” (Portela) e “Vem chegando a madrugada” (Salgueiro) são casos de sucessos que saíram dos terreiros para ganhar a cidade.

Não é por acaso que autores com grande vivência em escolas já estiveram entre os primeiros colocados em outras edições — Monarco e Marquinho do Pandeiro, da Velha Guarda da Portela, são os atuais campeões. Estão na final deste ano Zé Katimba (Imperatriz Leopoldinense), Baianinho (Em Cima da Hora) e a dupla Mauro Diniz (Portela) e Gusttavo Clarão (Viradouro).

— Mas surgiram sambas bons de gente pouco conhecida, como Edson Andrade e Osmar do Breque — destaca Quaresma.

O cantor Roberto Silva, de 92 anos, será homenageado hoje, e haverá show de Arlindo Cruz após a final.

Arlindo é um dos últimos grandes improvisadores do samba, gente capaz de criar versos na hora e por horas tendo apenas um refrão como base — estrutura-padrão do partido alto, o mais difícil dos gêneros, na avaliação de outro mestre, .

Para estimular o surgimento de novos partideiros, o Centro Cultural Cartola criou o festival, vencido por Gabrielzinho do Irajá, de 16 anos.

— Ouvindo Arlindo, , Almir Guineto, fiquei querendo descobrir como o pensamento podia ser tão ágil para criar versos. O Renatinho Partideiro me deu muitas manhas no Cacique de Ramos, e eu estou praticando sempre — diz Gabrielzinho.

Ele estará no CD com produção de Paulão 7 Cordas, que reuniu em estúdio os craques do gênero Renatinho, Tantinho da Mangueira, Serginho Procópio e Marquinho China — além das participações de Zeca e de Rody da Mangueira.

— Queremos lançar o disco levando esses grandes partideiros para as comunidades, porque os meninos perderam essa referência, mas os funkeiros são partideiros em potencial — diz Nilcemar Nogueira, do Centro Cultural Cartola, que teve o apoio do Iphan no festival. (Luiz Fernando Vianna)

59 O GLOBO - Ben Jor revê o passado e planeja o futuro

Enquanto grava sucessos para um ‘Luau MTV’, cantor fala do novo ‘A tábua de esmeralda’ e diz estar com muitas inéditas

Luiz Fernando Vianna

Enviado especial • PARATY

(10/2/2012) De Fiuk a Zé Ramalho, passando por Sandra de Sá, Carlinhos Brown e Zeca Pagodinho, Jor reuniu em Paraty para a gravação do programa “Luau MTV”, na última terça-feira, um time de convidados que retrata a diversidade de estilos e gerações que sua música seduz. Os planos para 2012 espelham a tangência entre repetição e renovação que marca seu trabalho. Com previsão de ir ao ar em abril, juntamente com o lançamento do CD e do DVD, o “Luau MTV” conta com sucessos que não ficam fora dos shows de Ben Jor: “A banda do Zé Pretinho”, “Ive Brussel”, “Taj Mahal”, “Que maravilha”, “País tropical”. Mas também foram levados ao palco da Praia do Pontal encontros recentes do artista, como com Fiuk em “Quero toda noite” e com Zeca Pagodinho em “Ogum”.

Carlinhos Brown — acompanhado de três percussionistas da Timbalada — e Sandra de Sá participaram de uma versão de “Charles Anjo 45”; Zé Ramalho fez duo em “Errare humanum est”; e ainda haverá gravações com (“Descalço no parque”) e (“Umbabarauma” ou alguma a escolher). — O público não pede coisas novas. Pede as antigas. Estou surpreso (com o conhecimento dos fãs) — disse Ben Jor depois das quase duas horas de show, garantindo que tem muitas canções novas para gravar, faltando apenas ter as condições de produção. — Estou cheio de músicas inéditas, mas esperando.

Seu último disco de inéditas é de 2004, “Reactivus amor est”. Outro projeto fonográfico para 2012 não tem repertório novo, mas será um dos acontecimentos musicais do ano, caso vingue. Ben Jor está se preparando para refazer em estúdio “A tábua de esmeralda”, um de seus principais discos, realizado em 1974.

— Igual, não vai ser. Chamei o Paulinho Tapajós, que foi o produtor na época, procuramos dois estúdios, e o único técnico que trabalhou no disco e está vivo disse que aquele som não é mais possível. O estúdio de hoje é moderno, melhor, o digital é limpinho, mas não tira aquele som com respiração.

O que eu fazia com o violão ovation sem efeito nenhum agora vai precisar de efeito. A única coisa que a gente usava era uma máquina pra imitar eco — conta ele, que, depois de tanto tempo dedicado à guitarra, voltará a tocar seu violão marcante, revelado para o grande público em “Samba esquema novo” (1963), estreia que tinha “Mas que nada” como faixa de abertura.

Ben Jor quer que os três arranjadores de “A tábua de esmeralda” que estão vivos participem do trabalho: Hugo Bellard, Osmar Milito e Arthur Verocai — Darcy de Paulo morreu em 2000.

— Pretendo fazer um disco bem medieval. Naquela época, tive de aprender harmonia renascentista — lembra.

Do repertório do então LP do então Jorge Ben constam “Os alquimistas estão chegando”, “Errare humanum est” e “O namorado da viúva”, que foram cantadas em Paraty. “O homem da gravata florida”, “Menina mulher da pele preta”, “Zumbi” e “Brother” são outras músicas importantes do disco.

Sem comemorações

Nenhum dos planos para esta temporada tem ligação com os oficiais 70 anos que Ben Jor completa em 22 de março — a data está em praticamente todos os registros sobre sua vida, mas ele nega. Muito incomodado ao ser perguntado sobre o assunto, ele disse não entender por que deveria comemorar algo. Em seguida, afirmou não ser de 1942:

60 — Há um engano. Ainda falta muito tempo para 70 anos. O que é isso? Sou de 1945. Logo após o carnaval, Ben Jor fará dois shows na Lapa: na Quarta-feira de Cinzas no Lapa 40° e no dia 24, no Circo Voador. Ele está combinando em sua banda, como mostrou em Paraty, a juventude do baterista Lucas Real Fernandes com a experiência de Neném da Cuíca, e contando ainda com Dadi no baixo, Lorival Costa no teclado e um naipe de três sopros (Marlon Sette, Altair Martins e Jean Arnoult).

FOLHA DE S. PAULO - Municipal de SP relembra Semana de 22

Programação traz, a partir da próxima quarta, duas óperas modernistas, além de música de câmara e sinfônica

"Magdalena", de Villa-Lobos, foi concebida em 1948 como espetáculo da Broadway e chega pela 1ª vez à cidade

JOÃO BATISTA NATALI

(11/02/2012) O Theatro Municipal começa na próxima quarta-feira uma programação para lembrar os 90 anos da Semana de Arte Moderna, com música de câmara e sinfônica, balé e, sobretudo, duas óperas modernistas: "Magdalena", de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), e "Pedro Malazarte", de Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993).

Nunca encenada em São Paulo, "Magdalena", com cinco récitas entre os dias 15 e 25, foi concebida em 1948 como musical da Broadway e é uma colagem de composições de Villa-Lobos, para a qual os norte-americanos Robert Wright e George Forrest escreveram um libreto.

A produção, originalmente montada em Paris pelo Teatro do Châtelet (2010) conta a história de Maria (Rosana Lamosa, soprano) e Pedro (Rubens Medina, tenor) em meio à luta, na Amazônia, contra a opressão do general Carabaña (Sávio Sperandio, baixo).

A Sinfônica Municipal é regida por Gustavo Petri, e a direção cênica, na remontagem brasileira, de Jean-Philippe Delavault, que disse privilegiar "o desejo de liberdade e a revolta contra a injustiça".

É um espetáculo deslumbrante pelas cores das luzes e de um cenário que representa a floresta de modo estilizado, com música, diz Delavault, "que surpreende".

"Pedro Malazarte" terá quatro récitas e será a segunda parte de um espetáculo em que o Balé da Cidade de São Paulo exibe a coreografia inédita "Suíte Vila Rica", também de Camargo Guarnieri (leia texto ao lado).

Na ópera, o malandro Malazarte (Sebastião Teixeira, barítono) interfere nas amarguras conjugais da Baiana (Edneia Oliveira, mezzo-soprano) e do Alemão (Eric Herrero, tenor).

Há boas surpresas nessa história de infidelidade aparentemente singela, diz o diretor Cleber Pappa. A começar pelo cenário, imensa reprodução do "Abaporu", tela de Tarsila do Amaral (1886-1973). No libreto de Mário de Andrade o anti-herói surge em cena com uma porta e um gato, que na montagem se humanizam na pele de atores-bailarinos.

A música de câmara unirá o pianista Caio Pagano e os integrantes do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo para um programa que trará, no sábado, Villa-Lobos e Claude Debussy.

Quanto ao espetáculo sinfônico, Jamil Maluf rege no domingo, dia 26, às 11h, a Orquestra Experimental de Repertório, com um programa modernista até a medula.

Trará o "Batuque", de Lorenzo Fernandes, a "Momoprecoce", com solista de piano (Pablo Rossi), de Villa-Lobos, e a "Sinfonia Popular nº 1", de César Guerra-Peixe.

A peça de Villa, diz o maestro, "delineia o contorno do Carnaval", dentro de "um rio caudaloso de melodias", em que o compositor escapa excepcionalmente de sua tendência de não desenvolver, por meio de seguidas variações, os temas melódicos que escreveu.

61 O ESTADO DE S. PAULO - Ousadia em falta

ROBERTO NASCIMENTO - O Estado de S.Paulo

Julia Bosco navega vertentes de MPB com sensualidade equilibrada. Sua voz não envereda pelo sexy efêmero comum entre a nova leva de cantoras brasileiras, tampouco se entrega aos dramas escancarados do soul contemporâneo. Fica contida, quase camuflada, durante as 13 faixas de Tempo, com uma maturidade anormal para quem está em seu primeiro disco. Isto é ao mesmo tempo a virtude e o ponto fraco de Tempo. Enquanto o canto de Julia transpira um desejo elegante, calcado na tradição jazzística, a sua natureza mais sutil dá espaço para a produção do disco, que a enquadra em um contexto estético extremamente datado.

Comandada por Fábio Santanna, a proposta do disco mina qualquer chance de destacar Julia da esmagadora mesmice de um pop brasuca ultraproduzido, feito para agradar a quarentões em um churrasco de sábado à tarde. De cara, Desavisados imagina Julia como uma femme fatale de cabaré semelhante àquela que Maria Rita encarna quando não está ocupada sendo uma porta-bandeira de luxo.

Curtição, um groove genérico pontuado por metais (quase uma redundância), tem rima rítmica óbvia (patati patatá, com batida do mar), produzida para cair como uma luva na programação de smooth jazz para FMs. O afoxé-funk de Dia Santo exalta os orixás com pouca substância, embora palmas e agogô quebrem a mesmice da produção. Julia é filha de João Bosco, que participa do disco sem roubar a cena. Talvez o grão mestre da voz e do violão pudesse também ensinar à sua filha a importância de ser ousado.

O ESTADO DE S. PAULO - Violino que canta

Um dos discos mais instigantes da temporada sai das mãos de Simona Cavuoto

JOÃO MARCOS COELHO , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo

62 Outra vanguarda. Simona diz se sentir mais livre para experimentar quando está no Brasil

Quanto mais só está, mais um violino canta. A ideia de Willy Corrêa de Oliveira, decano dos cinco compositores brasileiros presentes no CD O Violino na Metrópole, aplica-se ao sentido mais amplo desta extraordinária aventura musical contemporânea. É um dos mais instigantes CDs de música brasileira dos últimos anos. Lançado este mês, apresenta obras recentíssimas para violino solo, interpretadas pela italiana Simona Cavuoto, radicada no Brasil desde 2005, onde integra a Osesp e se apresenta com o Percorso Ensemble e a Camerata Aberta fazendo música contemporânea.

A ideia deste CD, diz Simona ao Estado, "nasceu quando Marcus Siqueira me perguntou dos meus projetos pessoais. Fiquei olhando para o nada: depois da temporada da Osesp, com média de 3 a 5 concertos semanais, aulas e tocando no Quarteto Portinari, fiz uma sincera reflexão sobre como, envolvida numa grande estrutura sinfônica, esqueci minha existência como entidade musical própria."

É curioso que Simona, musicalmente educada na Itália, considere mais positiva a cena brasileira contemporânea. "Aqui me sinto mais livre para experimentar tanto as músicas europeias quanto as brasileiras. Os brasileiros são muito abertos à produção musical contemporânea. Me sinto mais lúcida e conectada com a atualidade do mundo estando aqui. Infelizmente, os músicos de lá com os quais tenho contato se sentem mal reconhecidos quando o trabalho musical está voltado para a música do presente."

Seguidores. 'Filhos de Willy' pode parecer forte ou redutor. Mas a impressão é esta mesma. Aos 73 anos, ele está rodeado de quatro 'filhos' musicais: Marcus Siqueira e Marcus Alessi Bittencout, ambos com 37 anos, Rodrigo Lima, de 35, e Mauricio de Bonis, que também não chegou aos 40. E - detalhe interessantíssimo - como canta o virtuosístico violino de Simona nas oito obras gravadas. É claro que todas lidam com técnicas expandidas. Mas é sintomático que praticamente todas partam, manipulem ou transfigurem os gestos primais, a retórica e os afetos do violino.

Outro ponto comum é o fato de eles escreverem com engenho e arte sobre suas obras, assumindo um novo papel. Até Beethoven, na passagem dos séculos 18/19, o mediador não existia: fazia-se música para agradar a todos os ouvidos. Mozart ouviu do imperador José II que sua música "tinha notas demais". Não se ofendeu. Beethoven foi o primeiro a se alforriar, ao afirmar que "o cérebro humano em si não é um produto vendável" (Willy escreveu um belo livro sobre este tema em 1979).

Beethoven também disse que "o que é difícil é bom". A partir daquele momento, surgia a figura do mediador entre a obra e o público. Os primeiros explicadores foram o dublê de músico e escritor E. T.

63 A. Hoffmann (que escreveu sobre as estreias das sinfonias de Beethoven) e compositores como Schumann e Berlioz. Paralelamente, nascia a imprensa musical especializada na Europa.

Com maior ou menor adequação, os compositores hoje abrem novamente mão dos mediadores e tratam a explicação verbal de suas obras com o mesmo carinho com que as compõem, como atestam as preciosas notas do CD de Simona Cavuoto. Atitude correta. Os 3 Capricci Urbani, de Siqueira, ficam sensacionais quando você sabe que ele parte de Paganini para "retratar dois universos sonoros distintos: o espectro sonoro do violino advindo dos séculos 17 ao 19 e a nova profusão de sons, articulações e texturas advindas da estrutura física do instrumento."

No caso de Willy, a dupla função do compositor fica ainda mais virtuosa. Você ouve eletrizado a Arya per Yara ("presente carinhoso dele para nossa filha Yara", diz Simona) quando sabe que ele a concebeu ouvindo a Scheherazade de Rimski-Korsakov "e uma ideia ocupou-me, fixa: vislumbrava um movimento claro desde o agudo do violino baixando gradativamente até o grave, um longo arpejo florido". Ou em "Oh!, este viejo y roto violin!", inspirado por um poema do espanhol León Felipe: "Queria que o violino dissesse coisas alteradas, distintas, sim, poderia rumorejar, grunhir, que esbravejasse, mas desta feita não cantasse." Resumindo: quem ler os textos antes de ouvir a música vai se maravilhar com este solitário Violino na Metrópole magistralmente tocado por Simona Cavuoto.

O ESTADO DE S. PAULO - Transversal do tempo

Caixa com o que Elis fez nos anos 60 e 70 prova a máxima: 30 anos depois de sua morte, ela canta cada vez melhor

LAURO LISBOA GARCIA , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo

A voz de Elis Regina (1945-1982) já era um espanto aos 16 anos, quando gravou o primeiro LP, Viva a Brotolândia, renegado por ela até o fim. Até ali, tendo Ângela Maria como referência, era ingênua personagem coadjuvante na engrenagem do mercado, lançada como concorrente de Celly Campello. A técnica, o suingue, a incrível divisão no samba, a entrega emocional, a autonomia na escolha de repertório, músicos, arranjos, capas dos discos, o profissionalismo rigoroso, enfim, a identidade e a marca da personalidade só vieram quando foi contratada pela gravadora Philips. Essa fase áurea de Elis emerge novamente agora, para lembrar os 30 anos de sua morte, em duas caixas da Universal, com todos os álbuns das décadas de 1960 e 70 e três compilações de raridades.

Os álbuns todos já tinham sido editados em CD na caixa Transversal do Tempo, de 1998, e a compilação Pérolas Raras é a mesma de 2006. Quanto a isso não há muita novidade. Porém, todos

64 passaram por nova masterização, os encartes com todas as letras e fichas técnicas reproduzem fielmente as artes originais dos LPs, como o belíssimo Elis, de 1974, que tinha no pingo do 'i' vazado uma foto dela na parte interna da capa dupla. Além de takes alternativos de algumas canções em na compilação em CD duplo No Céu da Vibração (1968-1981), há a gravação inédita de Comigo É Assim (Luiz Bittencourt/José Menezes).

O projeto é do pesquisador carioca Rodrigo Faour, que colheu depoimentos inéditos de gente que compartilhou momentos importantes da carreira de Elis, entre cantores, compositores, técnicos de estúdio e produtores, como Jair Rodrigues, César Camargo Mariano, Amilton Godoy e Rubinho Barsotti (ambos do Zimbo Trio), Aldir Blanc, Manoel Barenbein, Nelson Motta e Roberto Menescal. Reunido em dois libretos (um em cada caixa), esse material é o que dá maior sustentação a esses relançamentos, com um perfil de Elis traçado por quem realmente fez a história com ela.

O faro de Elis para descobrir (e disputar com outras cantoras) novos talentos é bem conhecido. Sua forte ligação com , , , João Bosco e Gilberto Gil foi além de meramente revelá-los. Elis não fazia por menos e tornou-se a maior intérprete de cada um deles em diversas fases. Cada gravação é um marco, desde Reza (Edu Lobo/Ruy Guerra), a faixa de abertura do primeiro álbum desse período (Samba Eu Canto Assim, 1965).

Roda e Lunik 9, ambas de Gil, e Canção do Sal (Milton) no álbum seguinte, Elis (1966); Madalena (Ivan), de Ela... (1971); Bala com Bala (Bosco e Blanc), de Elis (1972); e tantas outras deles e de outros de sua geração. "Elis, antes de tudo, era muito segura nas suas escolhas", diz Armando Pittigliani, produtor de quatro discos dela. "Sua obsessão maior era provar que era a maior cantora do Brasil, com opção de isso se estender por todo o planeta. E isso ela não escondia de ninguém."

Menescal lembra que nas gravações Elis "tirava de letra" o que era "uma tortura" para a maioria dos cantores. Ela gravava tudo em duas semanas. "E colocava a voz junto com a orquestra e grupo. Isso não era praxe nas gravadoras, ela é que peitava para fazer dessa forma", declara no encarte. "E muitas gravações dela de estúdio eram de primeira. Dificilmente repetia."

Por essas e outras que não parece tão ruim o disco Elis Especial (1979), o último dessas caixas, lançado à revelia dela, quando a cantora rompeu contrato com a Philips. É uma compilação de sobras de estúdio, canções em que ela tinha colocado apenas a voz-guia e, naturalmente, o lançamento a deixou irritadíssima.

Intérprete das mais sérias e criteriosas, ela também se dava o direito de brincar, como quando gravou duas canções de Pelé num compacto com participação dele. A crítica torceu o nariz. Há quem critique também a brincadeira com Tom Jobim no final de Águas de Março, no clássico Elis & Tom (1974), uma canção de letra tão dramática, que ela tinha gravado sozinha em 1972 com a seriedade adequada. Porém, é o marco do encontro de dois gigantes.

O próprio (1913-1980) não gostou da gravação dela para Canto de Ossanha. Outro álbum dos mais incensados, Falso Brilhante (1976), também provocou estranhamento por fugir do conceitual, reunindo material eclético de um show incomparável. Passou dos boleros, calipsos e roquinhos inconsequentes para balançar na bossa e cair no samba, embarcou no tropicalismo, foi um dos alicerces do que se convencionou chamar de MPB, provou o gosto da soul music e da canção de protesto, revelou para outras gerações clássicos do cancioneiro antigo e, enfim, estabeleceu o padrão Elis acima de qualquer gênero. Sem risco de perder a validade.

O ESTADO DE S. PAULO - Árido Groove

RAMIRO ZWETSCH , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo

65 Céu na estrada. A imagem de rodovia no clipe da faixa Retrovisor não está ali por acaso

Lambada, Fellini, , Nancy Sinatra. As referências que a cantora e compositora Céu enumera vão ao encontro da sensação que as primeiras audições de seu terceiro disco provocam: seu som mudou. A pulsação que pendia pro reggae e pro samba agora aponta para algum lugar entre o brega nordestino e o rock. As letras projetam a imagem recorrente da estrada e a produção é mais crua. As composições próprias, maioria absoluta no repertório gravado nos dois discos anteriores (Céu, de 2004, e Vagarosa, de 2009), são apenas seis entre as 13 faixas do recém-lançado Caravana Sereia Bloom. E até a voz, que sempre saltava à frente nos arranjos, agora aparece um pouco menos cintilante na mixagem. O desvio de rota até poderia levá-la para um beco sem saída, mas Céu encontrou o atalho para escapar do caminho fácil da continuidade comportada, sem ousadia.

Ela não chegou lá por acaso, havia um norte a ser perseguido mesmo antes de as gravações começarem. A imagem de beira de rodovia que aparece no clipe divulgado da faixa Retrovisor guiou o processo desde o início - há cerca de um ano e meio - e todo o material que surgia era guardado em uma pasta de seu computador batizada como "estudos da estrada". Os compositores Lucas Santanna e Jorge Du Peixe (vocalista da Nação Zumbi) foram convocados a escrever sob essa inspiração e o produtor do disco Gui Amabis - autor do bem falado Memórias Afro-Lusitanas (de 2011) e pai da filha da cantora, Rosa, de 3 anos - levou também seu punhado de 'road songs'. Céu, que a princípio queria compor ainda menos pro disco, acrescentou seus versos e as canções agrupadas deram liga, esboçaram um roteiro que reflete a experiência da vida nômade de artista. As versões do rocksteady You Won't Regret It (de Lloyd Robinson e Glen Brown) e do samba Palhaço (de Nelson Cavaquinho, registrada sob inspiração 'felliniana' e com o pai de Céu, Edgard Poças, dedilhando uma valsa ao violão) completam o diário de bordo.

"Toda viagem é uma saída da zona de conforto. Em São Paulo eu tenho minha família, minha casa, minhas coisas. Em turnê, de repente você vai ter outras pessoas em volta, acordando, dormindo e comendo com você. É muito legal, mas cansa, você volta um bagaço", ela ri, prestes a cair na estrada com o novo disco e a velha banda, Brasil e mundo afora.

Essa ambiguidade não foi só ponto de partida, como também indicou o caminho de alguns arranjos. Sereia e Fffree, as duas faixas em que Céu toca tudo além de cantar, surgiram como esboços registrados nas turnês. Embora não fosse o plano gravar daquele jeito cru, a cantora foi convencida pelo produtor e pela banda a preservar o estado bruto delas. "Eu assumi umas coisas de rascunho do (software) garage band, sabe? Isso rola muito na estrada, ter uma ideia e anotar. Não é tosco mas é simples." Mesmo a voz, antes regravada quantas vezes fossem necessárias, foi registrada em poucos dias e takes. "O Gui levanta muito a base do jeito dele e a galera se norteia pelo que ele faz."

66 A produção também destaca a guitarra de Dustan Gallas, talvez o mais efetivo entre os vários instrumentistas que tocam no disco - os bateristas Bruno Buarque, Curumin e Pupillo, os guitarristas Fernando Catatau e Lúcio Maia, os baixistas Lucas Martins e Dengue, o saxofonista Thiago França, as cantoras Anelis Assumpção e Thalma de Freitas, etc.

Os timbres e o acento tanto em solos como nos riffs ajudam a pincelar a paisagem árida de asfalto, mato e terra. O rock reverbera no ataque das seis cordas, mas por filtros bem específicos. "Amo Jimi Hendrix, piro em Velvet Underground, mas não é essa referência. É mais jovem guarda, Nancy Sinatra, Erasmo Carlos", explica. "Eu estava ouvindo coisas que eu realmente não ouvia antes: discos da origem da lambada, coisas de guitarrada, carimbó. Esse é um disco mundano, a palavra é essa." Essa é a Céu de Caravana Sereia Bloom.

O GLOBO – Para ver os meninos

Completando 70 anos em 2012 com material inédito para gravar CD, aceita ser homenageado em bloco, amanhã, para que jovens conheçam os sambas de antigos compositores

Luiz Fernando Vianna [email protected]

(11/02/2012) Em meados do ano passado, o jornalista e pesquisador Vagner Fernandes esteve com Paulinho da Viola não para saber se lhe interessava receber uma homenagem, mas para comunicar que ele seria homenageado pelo bloco Timoneiros da Viola, que acabara de ser criado.

O compositor se assustou, pois, em função do plano que traçara para o carnaval de 2012 (shows no Sesc Pinheiros, em São Paulo, de sexta-feira a domingo, e descanso nos dois dias restantes), já recusara convite de outro bloco. Acalmou-se ao ser informado que o desfile seria no domingo anterior ao carnaval, data sem compromisso marcado. Mas assustou-se de novo quando ouviu que apenas músicas suas estariam no repertório. — Isso não existe — rechaçou Paulinho, sugerindo que também fossem cantadas criações de outros autores, “sambas que normalmente não são mais cantados”.

Vagner aceitou o argumento, e é em nome dessa ideia que Paulinho estará amanhã sobre um trio elétrico, sob o calor de Madureira, desempenhando o papel de protagonista da primeira ida às ruas do Timoneiros da Viola, com concentração marcada para as 11h na Praça Paulo da Portela e saída prevista para as 13h.

— Será interessante ver a reação do pessoal mais novo em relação a essas músicas que não vêm sendo cantadas, inclusive músicas de grandes compositores da Portela. Isso me motivou — explica Paulinho. O bloco promete sambas de Bide, Marçal, Candeia, Nelson Cavaquinho, Car tola, , João da Baiana, , Alvaiade, Manacéa, Chico Santana... Gente, enfim, que Paulinho homenageou na letra de “Bebadosamba”.

— Queremos cantar samba durante o carnaval. É só isso, o feijão com arroz — afirma Vagner, ampliando sua ambição ao dizer que “a ideia foi recuperar o romantismo dos antigos carnavais de subúrbio”.

Paulinho diz que muitos desses carnavais passaram por sua vida. Ele brincava em blocos por Madureira, Cascadura, Campinho, Marechal Hermes, Vila Valqueire e, também, Botafogo, onde passou infância e adolescência.

— Assisti a muitos ensaios dos Foliões de Botafogo, inclusive o do lançamento do “Tristeza” (“Tristeza/ Por favor, vá embora...”), do Niltinho. Tinha o Carijó, que era da rua em que eu morava, a Pinheiro Guimarães. O bloco cantava os sambas do rádio, como se dizia. Outros blocos tinham compositores, como o São Clemente. Brinquei muito carnaval, fui até a banho de mar a fantasia — recorda-se ele.

Por Paulinho, a Velha Guarda da Portela subirá amanhã pela primeira vez num trio elétrico. Pela Velha Guarda, da qual é padrinho e o pioneiro produtor (disco “Passado de glória”, de 1970), e por insistência de outros amigos da escola, Paulinho não faltará ao desfile da Portela, o segundo do

67 domingo de carnaval. Logo após o show do Sesc Pinheiros, pegará um avião e correrá para o Sambódromo.

— Nunca fiz isso — espanta-se ele, que voltou a sair em sua escola em 1995, após 17 anos de afastamento, e desde então só faltou em duas ocasiões.

— Estamos num outro tempo, e muitos dos grandes sam- “Muitos dos grandes sambas do passado não podem ser cantados no andamento atual.

Falei demais sobre isso, até compreender que a vida é isso mesmo, a vida muda. Passei a evitar críticas, porque há pessoas envolvidas nesse trabalho o ano inteiro, aquilo (as escolas de samba) é a vida delas Paulinho da Viola bas do passado não podem ser cantados no andamento atual (acelerado) — observa. — Falei demais sobre isso, até compreender que a vida é isso mesmo, a vida muda. Passei a evitar críticas, porque há pessoas envolvidas nesse trabalho o ano inteiro, aquilo (as escolas de samba) é a vida delas. Não tem sentido ficar repetindo o que eu já disse.

Em 12 de novembro, Paulinho completará 70 anos. Com a discrição habitual, diz que não tem planos de comemoração: — Por mim, não faria nada. E acho que não vai ter nada de especial. Tomara que não.

Mas, ainda que por coincidência, poderá haver. Ele foi sondado para se apresentar pela primeira vez no Carnegie Hall, em Nova York, em novembro. Se confirmado, o show será dentro de um pequeno festival de música brasileira a ser realizado n o m e s m o p a l c o e m que, há 50 anos, ocorreu o concerto que lançou a bossa nova nos Estados Unidos. E ainda há a possibilidade de acontecer algo cada vez mais raro na carreira de Paulinho: um disco. Ele, que lançava pelo menos um por ano na década de 1970 (em 1971 e 1976 foram dois), foi aumentando os intervalos a partir da década seguinte. O último majoritariamente de inéditas foi “Bebadosamba”, de 1996. O último a ser lançado, “Acústico MTV” (2007), tinha quatro canções novas. — Tenho umas sete inéditas. Mostrei algumas no show do Vivo Rio (em julho passado), m a s d e p o i s g u a rd e i . Estou trabalhando outras, e há antigas praticamente prontas. Pode ser para este ano (o disco). Espero que seja — diz ele, que tem com a S o n y, q u e l a n ç o u o “Acústico”, contrato para um segundo CD, mas está brigando na Justiça com a gravadora, pois ela alega que o artista descumpriu um contrato de administração de shows ao não repassar uma quantia.

Ser convencido a estar amanhã em Madureira não foi obra do acaso. Portelense que desfila na escola desde os 9 anos, Vagner o conhece há muito tempo. Já publicou um livro — que será relançado este ano — sobre Clara Nunes, um dos maiores símbolos da Portela e presente no enredo deste ano, e concluiu outro sobre Cartola, um dos mestres de Paulinho.

— Tenho verdadeira idolatria por Paulinho. E imaginei o bloco quando estava no Largo de Bangu, no carnaval do ano passado, e vi as pessoas se abraçando e chorando quando tocou “Foi um rio que passou em minha vida” — conta Vagner, que, atendendo a sugestões de Paulinho, pretende que a bateria do bloco toque os sambas com cadência semelhante à dos tempos idos.

O autor de “Para ver as meninas” aguarda a chegada do sexto neto e acompanha as carreiras dos filhos, como Beatriz Faria, atriz e cantora que está no elenco do musical “Sassaricando”, e João Rabello, violonista como o tio Raphael e que lançou no final do ano passado, aos 30 anos, seu segundo CD, “Uma pausa de mil compassos”.

— Gostei muito desse disco. João poderia até trabalhar menos, mas faz um esforço para criar uma coisa dele. Acho que ele está no caminho certo — aprova o pai.

VEJA – Do fundo de Cartola

Implacável consigo próprio, o sambista da Mangueira escondeu canções de qualidade que o MIS do Rio de Janeiro está organizando e vai mostrar a pesquisadores musicais

Marcelo Bortoloti

68 Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), foi um desses raros poetas populares de inspiração clássica capazes de proclamar verdades e dúvidas eternas de um mundo que é um moinho, onde as rosas falam exalando o perfume do colo amado. Era conhecido pela velocidade prodigiosa com que compunha e pela facilidade espantosa com que se esquecia das composições que anotava em qualquer pedaço de papel a mão ou em maços de cigarros. Parte dessas preciosas anotações desapareceu nos anos 40, porque os papéis repousavam debaixo de um sofá que sucumbiu a uma enchente no morro carioca da Mangueira, onde morou quase a vida rota. Cartola recorria à memória de amigos que o socorriam lembrando das músicas antigas que ele fez. Sua obra, pelas próprias contas, chega a 600 composições, das quais “As Rosas Não Falam” e “O Mundo É um Moinho” são as mais conhecidas de apenas 146 registradas ou gravadas. Uma parcela das composições de Cartola foi preservada meio que por acaso, em dois conjuntos de gravações caseiras até hoje inéditas. Uma parte foi feita pelo compositor e produtor Hermíno Bello de Carvalho. A outra, reunida pela pesquisadora Marília Trindade Barboza, autora da biografia “Cartola, os Tempos Idos”. Marília organizava encontros de compositores com Cartola em sessões gravadas que avançaram até os últimos anos da vida do mestre, abatido por um câncer de tireoide. Os dois acervos acabam de ser doados ao Museu da Imagem e do Som (MIS), no Rio. e, até o fim do ano, estarão à disposição de pesquisadores para consulta. O público em geral também terá acesso, mas o MIS ainda não sabe quando isso será possível.

O material inclui cerca de trinta canções inéditas de Cartola — de algumas até se conhecia a letra, mas a melodia era dada como perdida. Elas revelam que o autor de composições refinadas sobre amor, solidão e exaltação à vida no Morro da Mangueira não recusava estímulos mais distantes. Há um samba que fez em homenagem à cidade de Campo Grande: "És cidade morena / Muito embora pequena / De valor tradicional". Era 1962, ano em que a Mangueira, escola de samba que ajudou a fundar, foi convidada a se apresentar no aniversário da capital sul-mato-grossense, e Cartola aproveitou a oportunidade para divulgar a agremiação verde e rosa (cores que ele próprio escolheu). Em outra faixa, entoa um jingle publicitário que compôs para a alfaiataria A Cidade: "Vestir bem gastando pouco / Eis o problema louco / Que nós temos a resolver". Fez não por dinheiro, mas para agradar à patrocinadora do programa “A Voz do Morro”, que ele apresentava na rádio Cruzeiro do Sul. na década de 40.

O novo acervo guarda algumas composições elaboradas, com o traço inconfundível do autor, mas que nunca foram gravadas nem lançadas comercialmente. No fim da vida, qualquer detalhe bastava para Cartola, implacável consigo mesmo, excluir uma canção de seu repertório. “Cadeira Vazia”, em parceria com Nuno Veloso, também da leva recém-doada ao MIS, nunca saiu do papel só porque, ele viria a descobrir, o título era o mesmo de uma canção que ficou famosa na voz de Lupicínio Rodrigues. Cartola achava que o título era bom e não devia ser mudado, mas também não iria gravar uma música que poderia ser confundida com outra. Assim, ficou longe do público a composição em honra de em que Cartola se curva ao mestre de Vila Isabel. "Não sei se o baralho / Deu trunfos demais pra você / Nem cartas poucas pra mim" Em outra música esquecida, a versificação não deixa dúvida sobre a autoria: "Não brinca, deixa de história / É um caso sério para decidir / A negra quer ir embora / E você por deboche ainda pega a rir".

Depois de fazer sucesso na década de 30, com músicas gravadas por cantores como Francisco Alves e , Cartola adoeceu, se afastou dos amigos e sumiu, chegando a ser dado como morto. Foi redescoberto por acaso em 1956, trabalhando como vigia e lavador de carros de um prédio em Ipanema — e voltou à cena Conseguiu um emprego no serviço público — contínuo do Ministério da Indústria e do Comércio, onde chamava atenção por bater ponto com um inseparável terno azul- marinho e gravata. Abriu um restaurante, o Zicartola, em parceria com a então mulher, Eusébia Silva do Nascimento, a Zica. Nesse período, submeteu-se a uma cirurgia plástica no nariz, deformado por urna doença. A operação deixou sequelas visíveis na cor mais escura da pele da região nasal. Cartola desenvolveu também fotofobia, e passou a usar dia e noite um par de óculos escuros. Com a vida mais aprumada, teve suas novas músicas gravadas por artistas de sucesso, ele mesmo cantou em coletâneas e participou em discos de outros, mas só conseguiu gravar o primeiro todo seu em 1974, aos 65 anos.

Seguiu-se seu período mais produtivo. Reconhecido pelo grande público, Cartola (apelido que ficou dos tempos em que trabalhava como pedreiro e usava um chapéu-coco como proteção) ganhou homenagens e ainda lançou outros três discos antes de morrer, em um intervalo de seis anos. Nesse período, as gravadoras insistiam para que ele apresentasse novidades. Só de vez em quando ele

69 cedia e gravava alguma canção inédita antiga. Mas, quando estava entre amigos de seu círculo íntimo, era comum recorrer ao arquivo do passado. "Cartola achava que essas músicas mais-antigas não tinham tanto valor, o que é uma interpretação absolutamente injusta", avalia a biógrafa Marília. O compositor esnobava canções da mesma safra que produziu obras excepcionais, como Alegria, Divina Dama e Quem Me Vê Sorrindo, feitas quando tinha entre 20 e 30 anos. Várias das composições reveladas agora são justamente daquele período — um baú que vai mostrar que o fundador da Mangueira estava errado em seu próprio e duro julgamento.

CORREIO BRAZILIENSE - Tom Jobim é homenageado

(14.02.12) O maestro Tom Jobim foi um dos homenageados da cerimônia do Grammy 2012, recebendo um prêmio póstumo pelo conjunto da obra. O músico está em evidência em 2012, onde também foi tema do filme A música, segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos.

ESTADO DE MINAS – Meninas da Bahia

70 O Quarteto em Cy surgiu há quase 50 anos e ainda está na ativa

Kiko Ferreira

(14/02/2012) Apadrinhadas por Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, que deram nome ao grupo a partir das iniciais dos nomes de suas quatro integrantes, as meninas do Quarteto em Cy eram uma grande sensação na década de 1960. A ponto de um tímido rapaz de olhos verdes, um certo Chico Buarque, dizer que seu grande sonho era ter um tema gravado por elas.

Cyva, Cynara, Cybele e Cylene gravaram o primeiro disco em 1964 e, já no ano seguinte estreavam um histórico show ao lado de e Vinícius de Moraes na boate Bottle’s, no Beco das Garrafas, berço da bossa nova. Com o estouro do movimento na América, elas foram convidadas a gravar dois discos nos Estados Unidos. O primeiro, Pardon my english, de 1967, chegou a sair por aqui em vinil. O segundo, Revolucion com Brasilia, de 1968, nem isso. Agora, os dois álbuns saem em CD no Brasil, preenchendo uma lacuna histórica.

Rebatizadas lá fora de The girls from Bahia, elas são apresentadas como “a versão feminina dos Beatles” no Brasil e identificadas, para o público americano, como legítimas representantes do “samba jovem” brasileiro, definido como “uma mistura de cool jazz e beat latino”.

Pardon my english (título da versão de Samba torto), foi produzido pelo versionista Ray Gilbert e por Aloysio de Oliveira, com arranjos de Oscar Castro Neves. Entre clássicos da bossa, como Inútil paisagem, Razão de viver e Você, deliciosas e inofensivas versões em português de standards americanos, como Makin’ whoopie e Bye bye blackbird, e uma leitura rápida de Oh Susannah. Com o frescor dos 20 e poucos anos, elas soam como uma tradução sonora da Zona Sul carioca.

Revolucion com Brasilia segue o padrão semelhante. Desta vez, a produção é de Sonny Burke, e o mix de repertório mescla Berimbau, Chuva, Morrer de amor e Dindi com The sunny side of the street, Manhattan e In the mood, transformada em Edmundo por Aloysio de Oliveira. E, desta vez, Chico Buarque realizou seu sonho. As meninas gravaram Tem mais samba e A banda, que virou Parade.

O maior arrepio, para quem viveu a época, pode vir na leitura do texto de apresentação, em que o lançamento americano não só do quarteto, mas de Jobim, Caymmi e outros astros da bossa, é atribuído ao Programa Aliança para o Progresso, instrumento criado por Kennedy para os países latinos, em plena guerra fria, manterem laços culturais e econômicos com os Estados Unidos.

71 FOLHA DE S. PAULO – Recife por Karina Buhr

KARINA BUHR, ESPECIAL PARA A FOLHA

(15/02/12) Escolher o que indicar no Carnaval de Recife e Olinda é das tarefas mais difíceis, com tanta coisa incrível por lá nessa época do ano. O maracatu Estrela Brilhante, que tem o baque comandado por Walter França, é tesouro nessa vida.

Vale ver nas saídas da sede, no Alto Zé do Pinho (r. Tuína, 15), e na Noite dos Tambores Silenciosos, segunda-feira à noite (à partir das 20h no Pólo Afro, que fica no Pátio do Terço, s/nº, São José).

O encontro de maracatus rurais, em Cidade Tabajara, também é precioso e é na segunda de manhã.

Aconselho também ir pra Olinda, pegar a programação dos blocos e seguir um do começo ao fim.

Tem muitos e maravilhosos: Ceroula, Pitombeira, Homem da Meia-Noite, Elefante e Eu Acho É Pouco.

Na terça de manhã, tem o encontro de Bonecos Gigantes, no largo de Guadalupe.

Confira os horários de todos eles no site

carnaval.olinda.pe.gov.br .

Toda noite há ainda shows espalhados por todos os cantos da cidade. É chegar, pegar a programação e enlouquecer com o que vai perder.

KARINA BUHR é cantora e compositora e cresceu no Recife

FOLHA DE S. PAULO – São Paulo por Tatá Aeroplano

TATÁ AEROPLANO, ESPECIAL PARA A FOLHA

(15/02/12) Sou fã das marchinhas compostas pelo Emerson Boy, músico piauiense radicado em Sampa e um dos fundadores do bloco Jegue Elétrico, que existe desde 2000. Boy tem dezenas de marchinhas, como a do Bin Laden (Eu não sou anjo, mas querubin/ Querubin, Bin Laden do meu lado).

Para este ano, ele criou marchinhas sobre a falsa grávida e da "Luisa do Canadá" (Ela é mentirosa/ Ele é caloteiro/ A barriga de lombriga/ Enganou o país inteiro). O Bloco do Jegue Elétrico sai no sábado, às 15h, na esquina das ruas Caetés e Caiubi, em Perdizes; e segunda, às 16h, na pça. Benedito Calixto.

Outro bloco massa é o do Vai Quem Quer (VQQ), um dos mais tradicionais da Vila Madalena. Sai todas as noites de Carnaval, às 21h, da pça. Benedito Calixto. O tema deste ano é "O Fim do Mundo". O compositor Carlos Zimbher é um dos cantores.

Na sexta, às 21h, o Bloco afro Ilú Obá de Min, formado só por mulheres, sai as 21h do viaduto Major Quedinho, na República. Vamos cair na folia porque vai que o mundo acabe mesmo, não?

TATÁ AEROPLANO é cantor e compositor e vive em São Paulo

FOLHA DE S. PAULO – Salvador por Marcia Castro

MARCIA CASTRO, ESPECIAL PARA A FOLHA (15/02/12) O Carnaval de Salvador tem tomado novos ares, está "arriando as cordas", trazendo esperanças para aqueles que, como eu, gostam de perambular pelas ruas.

72 Neste ano, teremos os Trios Pipoca, como o Guitar Hero, com Edgard Scandurra, Lucio Maia e Juracy do Amor; o Paulinho Boca Convida, com Tulipa Ruiz, Otto, Lucas Santanna, Karina Buhr; o samba de Elza Soares, Aline Calixto e Sambatrônica; o rap de Xis e Itapuã Beat.

Todos espalhados pelos circuitos Batatinha (Pelourinho), Dodô (Barra-Ondina) e Osmar (Campo Grande). Programação em www.carnaval.salvador.ba.gov.br.

Há também os blocos de protesto inteligente, como a Mudança do Garcia ou o Bloco da Pipoca Indignada.

Imperdível é a saída ritualística do bloco Ilê Aiyê, no Curuzu, com seus cantos profundos em meio a uma linda revoada de pombos brancos.

Também no circuito Osmar, há o estonteante desfile de blocos afros, como o Malê de Balê e Muzenza. Carnaval de Salvador é baião de dois, é mistura, é muito além do que se vê na televisão.

MARCIA CASTRO é cantora e nasceu em Salvador (BA)

FOLHA DE S. PAULO – Rio por Thalma de Freitas

THALMA DE FREITAS, ESPECIAL PARA A FOLHA

Para quem é folião de raça, o Carnaval começa amanhã, quando a Orquestra Imperial faz seu último Baile à Fantasia no Circo Voador (r. dos Arcos, s/nº, Lapa, às 22h, R$ 60, 18 anos). Na sexta à tarde, temos o bloco das Carmelitas, em Santa Teresa (concentração às 15h), e o Vem ni Mim que Sou Facinha, que sai às 17h da pça. General Osório.

À noite, dá para pegar a Bootie Rio, na Fosfobox (r. Siqueria Campos, 143, R$ 40, 18 anos). É uma festa só de "mashups" (misturam, em uma mesma música, gravações de Michel Teló, Beastie Boys e Bob Marley).

Sábado, o tradicional bloco do Cordão do Bola Preta (concentração na Candelária, às 9h30). Domingo, às 10h, seguimos para o Bangalafumenga em frente ao Coreto Modernista no Flamengo.

Segunda, às 10h, em frente à Marina da Glória, o Bloco do Sargento Pimenta toca Beatles em ritmos brasileiros. Terça, Banda de Ipanema às 18h, e assim vamos até amanhecer a quarta de cinzas.

THALMA DE FREITAS é cantora e atriz carioca

FOLHA DE S. PAULO – Banda paulista canta sobre "uísque paraguaio" e é acusada de xenofobia

DE SÃO PAULO

(15/02/12) Já faz três décadas que os paulistas da Língua de Trapo cantam sobre o uísque "12 anos feito em um mês" e o tênis "made in Hong Kong". Até agora, a música "Tudo para o Paraguai" escapara à berlinda. "Ninguém havia se manifestado contra ou a favor", diz o vocalista Laert Sarrumor, 53, cofundador da banda que se define como "anárquica e avacalhada". Nos últimos dias, contudo, ele passou a receber comentários agressivos via internet. "De 'hijo da puta' pra baixo." A culpa é de um vídeo gravado por uma amiga, posto no YouTube em setembro de 2010. Acusado por paraguaios de incitar a xenofobia, o trecho reproduz um show na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo) em que três integrantes da Língua caçoam do país fronteiriço. A canção retrata o Paraguai como uma Disneylândia da pirataria e do contrabando. São versos como "os carros que aqui são roubados, lá são encontrados", ou "ponte da Amizade, onde tudo pode: pó de cocaína, pó de guaraná". Segundo Sarrumor, a ira dos vizinhos se multiplicou anteontem, após o vídeo ser noticiado no site do "ABC", um dos maiores jornais locais.

73 A publicação descreve como o trio " começa a dizer 'Paraguai', imitando o tom das polcas de nosso país". O encarregado de negócios do Paraguai no Brasil, Didier Olmedo, diz que a liberdade de expressão não é desculpa para "ofensa e difamação". "Não sei se você viu a letra... Muito ofensiva! Estão falando de flagelos universais, como pirataria. E ela não é exclusiva do Paraguai." Olmedo lembra de leis brasileiras, como a 7716/89, que pune crimes de discriminação por "procedência nacional". Para Sarrumor, "humor é assim mesmo, pega estereotipo para fazer brincadeira". "A gente tira sarro de português, pastor evangélico, nordestino, argentino... As pessoas entendem que é humor e tiram de letra", afirma. SIMPSONS Em 2002, um capítulo de "Os Simpsons" mexeu com os brios brasileiros. A grita se deu porque, em visita ao Rio, a família amarelada encontrava um pacotão de clichês: filas em ritmo de conga, violência urbana a cada esquina e Xoxchitla, a apresentadora infantil hiperssexualizada. Na época, o então presidente FHC disse se tratar de "visões distorcidas" do Brasil. (ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER)

ESTADO DE MINAS – Encontros marcados

Línox está lançando seu terceiro disco solo Ailton Magioli

(15/02/2012) Uma das curiosidades que cercam o poeta e músico fluminense Línox é o fato de ele sequer ter adotado o nome legítimo, ao longo de seus 39 anos. “Meu verdadeiro nome é Carlos Maurício, pelo qual nunca fui chamado. Meu pai também é Carlos e aí começou aquela história de Carlos, Carlino e acabou em Línox”, conta, explicando a origem do pseudônimo artístico. Lançando pela Rob Digital o terceiro e sugestivo disco solo Me gustan las posibilidades, paralelamente, Línox investe no projeto coletivo Organismo (www.organismo9.com), ao lado de Shala Andirá e Roberto Pontes.

“A palavra é o nosso centro”, diz Línox a respeito da companhia de arte contemporânea, cujas apresentações ostentam agenda digna de certas bandas de rock. “O domínio da palavra é um movimento muito natural que construí”, explica o artista, que também vem preparando para publicação um livro e um segundo com o Organismo. Enquanto músico, o objetivo de Línox, segundo diz, é provocar bons encontros. “A música é um encontro em si”, acredita. “O ideal é facilitar os

74 caminhos que a possibilitem. O grande barato do músico é gerar esse encontro, pelo qual a melodia seja potencializada pela poesia.”

Palavra

“Veja o caso de Jorge Benjor, cujas letras extremamente simples são potencializadas por arranjos extremamente simples também”, exemplifica sua teoria, salientando que na música tudo ocorre a partir do momento que se tem música e letra. “A poesia é redimensionada para um novo plano, com um grande poder de transformação”. Produto mais recente do que diz, a quinta faixa de Me gustan las posibilidades, oportunamente batizada de Asas da palavra, nasceu de processo parecido.

Originalmente um tema instrumental, conta, a ideia era que nela acontecessem poemas. No processo de gravação do disco, que durou apenas sete dias, Línox pegou o original do futuro livro que vai publicar e começou a letra, aleatoriamente, poemas de sua autoria, que acabaram se transformando em letra da música. “A ideia era manter uma sonoridade viva, onde as coisas se fizessem com frescor, sobretudo”, afirma o artista, que faz do estúdio uma verdadeira lapidação.

Ainda de acordo com Línox, acompanhado de alguns músicos com os quais nunca havia trabalhado antes, ele levou para estúdio 14 canções, e delas restaram 11, com destaque para a rumba-rock Asas da palavra, que Línox considera uma das mais vigorosas do repertório. “Peguei dezenas de poemas e fui lendo aleatoriamente para marcar o espaço deles na música. Depois de encerrado o processo, nunca mais consegui tirar os poemas”, recorda.

Autor de sonoridade crua, que ele mesmo classifica um tanto circense, com ares de Leste europeu e olhar positivo de tudo, Línox usa base instrumental de banjo, baixo acústico e acordeom, acrescentando guitarra, violão, piano, escaleta, bandolim e outros instrumentos. O artista que começou na bateria aos 12 anos, criou a banda Fibra ao lado de sete amigos, entre eles Davi Moraes. “Quatro desses sete eram, também, a banda de Moraes Moreira”, acrescenta, lembrando o momento marcante de carreira. “Na forma de brincar com as palavras, Moraes foi um mestre”, reconhece Línox, cuja música tem por mote a própria vida.

ESTADO DE MINAS – Sem medo de experimentar

Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Rômulo Fróes se preparam agora para uma turnê Mariana Peixoto

(15/02/2012) Três compositores e um produtor. Todos trabalhavam juntos, porém em separado. Até que por um desses encontros da vida, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos, Kiko Dinucci e Marcelo Cabral resolveram gravar um álbum, Passo torto, lançamento da YB Music e Phonobase. O projeto teve início quando Fróes foi convidado para fazer show no Casa de Francisca, café-teatro paulistano que vem servindo de palco para a atual geração de músicos de São Paulo.

75 Como o espaço é pequeno, não haveria como Fróes levar sua própria banda. Dessa maneira, ele convidou Rodrigo e Kiko para fazer a apresentação com ele. Cada um levou algumas músicas e as parcerias foram surgindo naturalmente. Logo veio a necessidade de se fazer um disco. No caminho, Marcelo Cabral foi também convidado. “Entrei como aquele que está de fora e precisa resolver as ideias”, diz o contrabaixista e produtor, que integra a banda de cada um dos três compositores em suas carreiras individuais.

Quando Marcelo chegou para o projeto, o registro só tinha voz, violão e cavaquinho. “Estava bem cru e começamos a experimentar um monte de coisas.” Fizeram um novo show no Casa de Francisca antes de gravar. Em comum, além da amizade, os quatro têm o samba como referência. Mesmo assim, Passo torto, que conta com 11 faixas e foi produzido pelo grupo em parceria com Maurício Tagliari, está longe de ser um disco de samba.

Com sutileza e forte presença de cordas, o quarteto dá vazão a canções que tentam traduzir a cidade de São Paulo (como Da Vila Guilherme até o Imirim e Faria Lima pra cá), ponto de encontro dos quatro. “A gente não tem medo de experimentar. Começamos a compor sem saber que ritmo está fazendo. A intenção foi somar ideias, colocar ritmo e poesia”, conclui Marcelo. Aprovados pelo Conexão Vivo, devem trazer o show a Belo Horizonte.

LIVROS E LITERATURA

ZERO HORA – Gullar vence Prêmio Scliar

Poeta foi o grande laureado no 1º Prêmio de Literatura

(09/02/12) Em sua primeira edição, dedicada à poesia, o Prêmio Moacyr Scliar de Literatura teve como vencedor Em Alguma Parte Alguma, do maranhense . Receberam menção honrosa Em Trânsito, de Alberto Martins; A Vida Submarina, de Ana Martins Marques; Lar, de Armando Freitas Filho; e Aleijão, de Eduardo Sterzi. O resultado do primeiro edital, uma parceria entre a Secretaria Estadual da Cultura, por meio de Instituto Estadual do Livro, Corag e Associação Lígia Averbuck, com patrocínio da Petrobras e do Banrisul, foi publicado no Diário Oficial do Estado de ontem. O vencedor receberá R$ 150 mil, e a editora, a José Olympio, R$ 30 mil. Uma edição especial do livro, com tiragem de 5 mil exemplares, será distribuída a bibliotecas públicas do Rio Grande do Sul. – Ele não só era um grande escritor, como era uma pessoa especial. Era meu amigo. Eu tinha um grande carinho por ele, e o fato de ganhar esse prêmio é uma alegria sagrada – disse o poeta, um dos fundadores do neoconcretismo, movimento surgido na década de 1950, no Rio. Nascido em 1930, Gullar é também crítico de arte, biógrafo e tradutor. No ano passado, já havia conquistado o Livro do Ano, na categoria ficção, no 53º Prêmio Jabuti com o mesmo trabalho. Em Alguma Parte Alguma, que levou 11 anos até ser publicado, em 2010, faz uma reflexão poética sobre a existência. – Eu escrevo pouca poesia, sempre escrevi pouco porque eu não escrevo a partir de uma decisão minha. A minha poesia nasce de um espanto, de algum fato que me surpreende e revela alguma coisa da vida que eu tenho que expressar – explica. Em 2012, o concurso, que em sua estreia recebeu 152 inscrições de todo o país, privilegiará contos. Nos anos seguintes, haverá sempre uma alternância entre poesia e conto.

O GLOBO - Um Vinicius muito além do Poetinha

Novo livro, com textos, fotos e documentos inéditos, destaca a erudição do artista

Mauro Ventura

76 O MANUSCRITO de “Garota de Ipanema”, reproduzido em “Vinicius de Moraes — Um poeta dentro da vida”

Dizer que o livro “Vinicius de Moraes — Um poeta dentro da vida” resulta de um descontentamento talvez seja exagero, mas a verdade é que Bebel Bernardes sempre se incomodou com o apelido Poetinha dado ao escritor pelo cronista Antonio Maria.

— Vinicius usava muito o diminutivo, e os amigos o chamavam de poetinha de modo carinhoso. Mas para umas pessoas isso ficou como se ele fosse um poeta menor. Isso me motivou — conta ela, idealizadora, editora e coordenadora editoral da obra, ao lado de Heloisa Faria. Não se trata de mais um livro sobre Vinicius.

— Ele tem coisas excepcionais — diz Susana Moraes, filha mais velha de Vinicius. — Tem textos exemplares, que revelam muito da obra, e uma pesquisa da Bebel que desencavou coisas que nem nós conhecíamos. Entre elas estão fotos de Alécio de Andrade (1938- 2003) que estavam com a viúva do fotógrafo, Patrícia, em Paris.

— A maioria das fotos do capítulo “Memórias”, dele com amigos como Dr ummond, , Chico e Niemeyer, são do Alécio — diz Bebel.

O acervo do fotógrafo tirou um peso de suas costas. É que parecia a ela que tudo sobre Vinicius já havia sido visto.

Para fazer o livro, fui pesquisar e aí comprei “Cancioneiro Vinicius de Moraes — Biografia e obras selecionadas” (com texto de Sergio Augusto e songbook com músicas escolhidas por Paulo Jobim, filho de Tom). Pensei: “Meu livro micou. O que vou mostrar de novidade?” Liguei para o Miguel (Faria Jr., que fez o documentário “Vinicius”), e disse: “Pronto, acabou.”

Ao descobrir o acervo, Bebel se acalmou. Quanto ao texto, o livro estava bem resolvido desde o início. Há uma entrevista com Susana feita pela jornalista Regina Zappa, uma análise da obra poética de Vinicius assinada por Eucanaã Ferraz, um capítulo sobre suas letras escrito por José Miguel Wisnik e uma parte biográfica, a cargo de Júlio Diniz.

— Tem muito folclore em torno de Vinicius, suas mulheres, a boemia, o uísque. Mas eu me pergunto se sabem que ele é fruto de grande erudição — questiona Bebel. — Tem muito estudo de poesia e literatura. Ele passou por grandes transformações. Fez coisas eruditas que caíram no gosto popular.

Wisnik descreve o trabalho por trás das letras. “Garota de Ipanema” não saiu de primeira, espontaneamente. Do rascunho manuscrito na mesa do bar, na esquina da Rua Montenegro (hoje Vinicius de Moraes) com a Prudente de Moraes, até a versão final, muito uísque rolou. A começar pelo título, que se chamava “Menina que passa”. “‘Garota de Ipanema’ foi longamente elaborada, e muito longe de qualquer bar”, escreve.

No texto há algo já dito no show que Wisnik e Artur Nestrovisky faziam sobre Vinicius.

— Artur dizia que “Garota de Ipanema” é uma música triste, sobre um cara mais velho que vê uma menina cheia de vigor passar. Tem uma melancolia nisso. Eles dois me deram um olhar mais profundo sobre a música — diz Susana.

77 FOLHA DE S. PAULO – Notícias de Paris

Livro reúne cartas trocadas entre o escultor Victor Brecheret e o escritor Mário de Andrade, ícones do modernismo brasileiro

Lasar Segall e Victor Brecheret (à dir.) a bordo de navio em que voltaram ao Brasil

SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO

(13/02/12) De Paris, Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade elogiando os versos da "Pauliceia Desvairada" que o amigo enviara por correio, reclamando da penúria em que vivia, contando como uma de suas obras rachou no frio do inverno e ainda extasiado com o "turbilhão" daquele "pandemônio de cidade". Era a década de 1920, os anos loucos da capital francesa, epicentro da produção artística global, e Brecheret era o bolsista do governo paulista que tentava modernizar seu traço convivendo com artistas como Brancusi e Léger e o arquiteto Le Corbusier.

Essa correspondência breve e ao mesmo tempo intensa entre duas figuras centrais do modernismo brasileiro está agora num livro editado no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.

Em "Victor Brecheret e a Escola de Paris", Daisy Peccinini narra o triunfo que o escultor -nascido em Farnese, na Itália, e morto aos 61 em São Paulo, em 1955- atingiu na capital francesa.

Ali, Brecheret foi parar num ateliê perto do cemitério de Montparnasse, então uma zona pobre e periférica de Paris. Um crítico que visitou o jovem artista chamou de "tétrico" o endereço onde ele se trancava. "Sem repouso", como frisou em carta a Mário de Andrade, para fazer suas esculturas.

VITÓRIA

78 Num português sofrível, Brecheret contava ao escritor que andava "sempre trabalhando". "Estou classificado aqui em Paris em primeira linha, tendo tido visitas de muitas pessoas notáveis", escreveu o artista em 1924.

Isso foi depois da carta eufórica que mandou um ano antes, começando com "vitória! vitória!", ao narrar o prêmio que venceu no Salão de Outono de 1923 com a obra "O Sepultamento de Cristo".

"Era um grupo de mulheres em pé e a Virgem sentada, segurando sobre as pernas a cabeça e parte do tronco de Jesus", descreve Peccinini. "Ele instalou essa obra numa mureta da escadaria do Grand Palais, numa adequação da escultura à arquitetura, uma síntese das artes."

Nesse ponto, por mais que a bolsa em Paris tivesse como foco um aprimoramento acadêmico do artista, era inevitável que os brasileiros que se aventuravam por Paris sofressem influência das vanguardas, como o "esprit nouveau", propalado por Le Corbusier e que está por trás de vasta produção de Brecheret.

Foi em Paris que o escultor suavizou o traço, chegando às formas límpidas que aparecem no monumento às Bandeiras e outras de suas obras clássicas. No lugar da anatomia real e de uma organicidade às vezes grotesca, Brecheret preferiu formas depuradas, prontas para um embate plástico com a luz.

Brancusi, que o artista conheceu em Paris, é influência clara nessa simplicidade da forma. Mas Brecheret também teve como motor certa aversão ao corpo de verdade.

CADÁVERES

Em Roma, onde estudou ainda adolescente, ele se horrorizava com as práticas sanguinárias do mestre Arturo Dazzi, que chegou a matar e dissecar um cavalo puro-sangue, presente do rei da Itália, para estudar como desenhar veias, artérias e músculos.

Brecheret, que também ajudava o artista a encontrar cadáveres de indigentes para dissecar, parece ter se traumatizado com a experiência.

"Ele vai geometrizando cada vez mais suas esculturas, em círculos, espirais, parábolas", analisa Peccinini. "Esse despojamento das formas, a limpidez do traço, vinha do grupo de Le Corbusier, que Brecheret frequentava."

Fernand Léger, mentor de Tarsila do Amaral, que então também vivia na capital francesa, tinha um ateliê perto do de Brecheret e foi influência decisiva em sua obra.

Talvez depois de ver as mulheres-engrenagem do artista francês, Brecheret também enveredou por "nus mecanicistas", nas palavras de Peccinini, peças como "Portadora de Perfume", de 1924, que serviram de embrião para o monumento às Bandeiras, que ele construiu no Ibirapuera entre os anos 30 e 50.

ZERO HORA – Repensando a Semana de 22

LITERATURA Escritores e historiadores relativizam o caráter de vanguarda do movimento modernista (14/02/12) Há 90 anos, o Theatro Municipal de São Paulo preparava-se para receber um evento que se tornou um mito cercado de polêmicas, para sempre inscrito na história da cultura brasileira. A ideia da Semana de Arte Moderna, realizada entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, era instaurar-se como marco de transformação e ruptura. Nada como nove décadas para colocar o evento em perspectiva e analisar suas contradições. Em 1922 – A Semana que Não Terminou (Companhia das Letras), Marcos Augusto Gonçalves, editorialista e repórter da Folha de S.Paulo, investiga a gênese do movimento, recupera momentos- chave e traça o perfil de seus mentores com riqueza de detalhes e vasta pesquisa iconográfica. Fruto de três anos de pesquisa, o livro cobre um período que vai da virada do século a 1923 e mostra que o modernismo no Brasil começou antes de 1922. Nele são descritos os encontros festivos na “garçonnière” de Oswald de Andrade, a formação cristã de Mário e a pena inclemente de Monteiro

79 Lobato, que, em crítica à exposição de Anita Malfatti, em 1917, comparou a arte moderna a desenhos que ornam os manicômios. Na Semana de 22, pela primeira vez a plateia paulista ouviu a música de Villa-Lobos. Oswald e Mário foram recebidos com um coro de vaias – mas muitos pesquisadores supõem que estas teriam sido orquestradas pelos organizadores do evento, para causar furor.

Com uma abordagem jornalística, 1922 tem o mérito de reunir informações de bastidores em uma narrativa fluente. Não se propõe a trazer novas descobertas (embora reserve algumas), mas sim a contar boas histórias. Por exemplo: mostra como os artistas foram convidados sem muito critério, às pressas, para o evento, e que muitas das obras apresentadas conectavam-se à tradição que pretendiam confrontar. – Foi uma espécie de “modernismo de compromisso”, em que predominou o tom conciliatório. Tendências antagônicas, como a presença da pianista Guiomar Novaes, que não tinha relação com os modernistas, conviviam no mesmo programa – diz Gonçalves.

ZERO HORA – O episódio histórico e seu contexto

LITERATURA (14/02/12) Noventa anos depois, hoje se sabe que a realização da Semana de 22 foi também produto dos interesses da elite cafeeira. – São Paulo detinha o poder econômico e político e buscava uma expressão cultural da mesma dimensão. Tratava-se de um projeto de Brasil. Era o modernismo “plantation” – diz Marcos Augusto Gonçalves, autor de 1922. Nesse sentido, a figura de Paulo Prado, que patrocinou a Semana de 22, é emblemática. Carlos Augusto Calil, secretário municipal de cultura e organizador de Retrato do Brasil (Companhia das Letras), de autoria de Paulo Prado (e lançado originalmente em 1928), refere-se a ele como um homem de negócios erudito que via seu país mãos de uma classe política incompetente: – Rico e viajado, ele se entediava na São Paulo provinciana. Para Nicolau Sevcenko, professor de história da cultura na USP e da Universidade de Harvard, nos EUA, o contexto econômico da época é fundamental para se compreender a Semana: o preço do café, principal motor da locomotiva paulista até então, estava desabando após o fim da I Guerra Mundial (1914 –1918). – Havia uma luta pela sobrevivência simbólica da elite em decadência – explica. – E os modernistas de 1922 nunca quiseram romper com o status quo. Polarizavam, mas sem querer solapar. Eis a surpresa: a Semana se apresenta como uma revolução e converte-se em mito na historiografia oficial. Mas, com distanciamento crítico, é possível relativizá-la.

FOLHA DE S. PAULO – 'Diaba da moda' lembra carreira em livro

Temida e admirada, Regina Guerreiro mostra também em exposição fotografias pioneiras da produção nacional "Foi uma espécie de obsessão pelo perfeccionismo que me transformou numa diaba", lembra CAROLINA VASONE, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(15/02/12) Os anos 80 mal tinham começado. Regina Guerreiro, 71, então diretora de moda da revista "Vogue", quis adequar, para as fotos de um editorial, a cor do pato ao azul do jeans, tão em voga na época. Se a natureza não havia concebido patos azuis, um spray seria suficiente para complementar a cartela de cores da espécie. "Dei duas fumascadas e falei: 'Clica, [J.R.] Duran!' Ele clicou, e o pato morreu", lembra Regina. Exatamente 30 anos depois do polêmico e trágico (para o bicho, já que a foto, exclama Regina, saiu linda) acidente, o mundo da moda é outro. Os sacrifícios em prol da imagem perfeita ganharam limites. Trancar a equipe que dirigia na "Elle" até que a revista ficasse pronta também não se faz mais. Já muitas das cerca de cem imagens produzidas em quase 50 anos de carreira de moda parecem bastante atuais. "Quero mostrar que fotos de décadas atrás são tão ou mais modernas do que as de hoje", disse, no sofá de sua casa, vestida num quimono da grife Neon, na manhã de anteontem, dia do lançamento de "Ui!", livro que reúne imagens de editoriais de moda comandados por ela, exposta também em uma mostra no MuBE (Museu Brasileiro de Escultura).

80 A interjeição que dá título à publicação é marca registrada da jornalista e revela uma de suas grandes qualidades profissionais: o humor. Tanto nos textos quanto nos editoriais de moda para revistas como "Claudia" (anos 1960), "Vogue" (1970 e 1980), "Elle" (anos 1990) e "Caras" (anos 2000), o talento para ironizar, provocar e até debochar provocam o sorriso de quem se vê ao mesmo tempo cúmplice e alvo da piada -afinal, os amantes da moda, em algum momento, sempre acabam vitimados por ela. Já a obsessão por criar a foto ideal rendeu parcerias (com fotógrafos como Otto Stupakoff, Trípoli e Miro) e histórias impagáveis, como a da viagem a Israel, em 1984, com Miro, quando os dois percorreram o deserto da Judeia em busca da melhor luz, locação e figurino. No fim, Regina enrolou as modelos com o famoso lenço palestino que viraria moda décadas depois, em 2007, no desfile da Balenciaga. Essa procura incansável pelo "irreal", como Regina define, também rendeu desafetos, responsáveis por sua faceta "diabólica". "Foi uma espécie de obsessão pelo perfeccionismo que me transformou numa diaba. Aquela que matou o pato", retoma, referindo-se à foto que Duran não cedeu para o livro (substituída por ilustração no mesmo tom de azul). Regina Guerreiro é capaz de se meter em situações igualmente difíceis e polêmicas para defender o que acredita. Isso inclui criticar duramente estilistas como Clô Orozco (Huis Clos), que passou dez anos sem falar com a editora (mas esteve no lançamento do livro), ou declarar que a moda anda "bêbada e não sabe para onde vai". "Hoje, você vai a festas de longo, de midi, de curto: tudo está na moda, então nada está na moda", diz, e encerra com uma provocação. "A moda virou meio puta, sabe?" ARQUITETURA E DESIGN

ESTADO DE MINAS – Artesanato mineiro chega às prateleiras do Tio Sam

Temporada brasileira em quatro lojas da Macy’s nos EUA começa em 5 de maio, terá peças produzidas em várias regiões do estado e deve movimentar mais de US$ 1 milhão em 60 dias

Bonecas de cabaça da região de Araçuaí. Peças com as cores do Brasil são as mais procuradas no exterior Marta Vieira

81 (13/02/2012) Depois de conquistar minutos preciosos da atenção do presidente Barack Obama no Brasil, ano passado, tendo a presidente Dilma Rousseff como garota-propaganda, o artesanato brasileiro se prepara para fincar os pés em uma das maiores redes americanas de varejo, a Macy’s. Não se trata de coincidência entre dois fatos que prometem deixar marcas na arte popular típica do país. Chegar às vitrines da Macy’s é só a etapa final de um longo processo de negociação e convencimento das equipes de compras do magazine, num esforço concentrado para valorizar o produto nacional no exterior. A temporada brasileira começa em 5 de maio nas lojas de Nova York, Chicago, São Francisco e , com a meta de vendas superiores a US$ 1 milhão durante 60 dias.

Para quem considera modesta a cifra esperada dos caixas da Macy’s, vale comparar a projeção às exportações de 2011. A receita do artesanato de Minas Gerais apurada no exterior foi de US$ 2,014 milhões de janeiro a agosto, somadas as vendas contabilizadas pelo Mãos de Minas, maior central de cooperativas de artesãos do estado. Para todo o ano passado, a expectativa é de uma renda para os artesãos de Minas na casa dos US$ 4 milhões, ou seja, os produtos que estarão na rede americana representam pelo menos 25% desse total.

O peso da atividade na economia brasileira também dá mostras da importância do negócio. Cerca de 8,5 milhões de brasileiros vivem da produção artesanal no país, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O segmento movimenta algo em torno de 3% da produção de bens e serviços do Brasil, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB). Portanto, ao redor de US$ 30 bilhões. Em Minas, essa fatia seria de US$ 2 bilhões e envolveria 500 mil pessoas.

Novos clientes no Tio Sam são mais que bem-vindos num momento de crise na Europa. As panelas de pedra-sabão fartamente produzidas em Minas e uma série de peças feitas das fibras da bananeira, além de trabalhos em cerâmica, têm tradição nas compras dos americanos. A presidente da Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa), Tânia Machado, informou ao Estado de Minas que os trabalhos de artesãos selecionados em quase todas as regiões do Brasil para atender o contrato com a Macy’s vão seguir por navio, em abril, para os Estados Unidos.

A viagem das peças, avaliadas em US$ 500 mil, levará 20 dias até a costa americana, onde desembarcam arte indígena em plumagem variada, produzida no Norte, redes e a cerâmica do Nordeste, panelas de pedra-sabão, namoradeiras em madeira e bonecas de cabaça do Sudeste e imagens de madeira feitas no Centro-Oeste retratando bichos da fauna brasileira. “Os americanos querem o artesanato que mostra as cores das riquezas do Brasil e a alegria do nosso povo. E a oportunidade na Macy’s abre não só o comércio do mercado norte-americano, mas também o de outros países”, diz Tânia Machado.

A exposição e venda do trabalho dos artesãos na rede americana vai permitir, ainda, o teste de aceitação nas regiões da Flórida e da Califórnia, áreas em que a Abexa identifica potencial forte de vendas, tendo em vista o clima mais quente e mais identificado com o Brasil. As peças ocuparão espaços de 24 mil metros quadrados nas quatro lojas da Macy’s.

82 As panelas de pedra-sabão, tradicionais no interior de Minas, também costumam fazer sucesso quando expostas fora do país

O negócio foi enquadrado num evento que vai homenagear o Brasil nas prateleiras da rede. Com apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o Centro Cape, braço executivo do Mãos de Minas, vai sortear convites para a Fórmula Indi nos EUA, passagens para o Brasil e distribuirá 1 milhão de exemplares da revista O Brasil feito à mão, editada em inglês. Sacolas da rede deverão estampar motivos e temas brasileiros e é possível que a Abexa leve um grupo de índios para exibir pinturas corporais típicas. Está acertada a reserva de espaço no primeiro piso da loja de Nova York para abrigar o artesanato e apresentações de videos sobre a gastronomia e a cultura brasileiras.

PRONTA ENTREGA O negócio com a Macy’s terá o reforço de uma outra estratégia dentro da incursão do artesanato brasileiro nos Estados Unidos, que cria um centro de distribuição com pronta entrega no estado de New Jersey. Segundo Tânia Machado, da Abexa, um galpão de 2 mil metros quadrados gerenciado pela empresa Worldwilde, parceira antiga do Centro Cape, será transformado em depósito, que também abrigará estrutura para vendas pela internet.

A iniciativa vai consumir recursos de US$ 75 mil que serão liberados pela Apex-Brasil, para reforma e adequação do galpão. O comércio virtual visa atender os lojistas revendedores nos EUA, uma característica que difere do sistema de vendas pela internet do Mãos de Minas no Brasil. A capacidade de estocagem em New Jersey será suficiente para que em três dias o cliente receba o produto. A nova estrutura deverá estar pronta em abril. POLÍTICAS CULTURAIS

CORREIO BRAZILIENSE - O FAC e a burocracia

Falta de objetividade nos projetos apresentados é principal entrave, além do pouco número de técnicos para apreciação de propostas

Nahima Maciel

83 O subsecretário de Fomento, Leonardo Hernandes, afirma: "As pessoas não conseguem ser objetivas"

(13/2/2012) Os artistas beneficiados com os editais do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) de 2011 tiveram trabalho. Para conseguir que os projetos concorressem aos R$ 35 milhões disponíveis, precisaram enfrentar as “dificuldades” de um sistema informatizado e uma série de mudanças que dificultaram o processo. Em vez de categorias divididas por linguagens, o FAC contemplou finalidades. Seis no total, distribuídas por criação e produção, circulação e difusão, registro e memória, montagem de espetáculos, indicadores e formação, qualificação e manutenção de grupos e espaços. A quantidade de inscritos habilitados a concorrer na primeira fase do processo chegou a 848, mas a última etapa diminuiu o número para 283, total bem inferior aos 458 aprovados em 2010. No cofre do FAC sobraram R$ 10 milhões, que devem se somar ao montante de 2012 e engordar as duas etapas de editais, que chegarão a R$ 53 milhões.

Para Leonardo Hernandes, subsecretário de Fomento da Secretaria de Cultura, a redução de aprovados se deu por causa das mudanças e da qualidade dos projetos apresentados. “As pessoas não sabem o que é ‘objetivo’. O objetivo nunca é objetivo. O cara não fala ‘vou fazer uma peça do teatro’, ele fala ‘vou enaltecer o teatro da cidade’ porque acha que esse discurso vai encantar a pessoa que vai analisar o projeto. As pessoas não conseguem ser objetivas, elas não sabem o que é meta, por exemplo. A maior dificuldade é conseguir colocar as ideias no papel.”

Outra dificuldade diz respeito à burocracia exigida para concorrer aos recursos. Os proponentes precisam apresentar três orçamentos diferentes — uma exigência da Lei nº 8.666, que regulamenta contratos e licitações da administração pública — e, na maioria das vezes, não usam nenhum dos valores apresentados. Hernandes quer negociar uma mudança no decreto que institui o FAC de maneira a permitir o uso de uma tabela de orçamentos da Fundação Getulio Vargas (FGV), a mesma utilizada pelo Ministério da Cultura (MinC).

Mesmo com as inscrições informatizadas, o FAC sofre com a falta de pessoal. Na Secretaria de Cultura, não há servidores suficientes para tratar as propostas com rapidez. O resultado é o atraso nos pagamentos e na liberação das prestações de contas. São entraves que dificultam as produções das obras contempladas, detalhes que Leonardo Hernandes quer tentar corrigir durante gestão na Subsecretaria de Fomento. Abaixo, Hernandes fala sobre as maiores dificuldades do FAC.

Entrevista - Leonardo Hernandes

84 Qual o maior problema do FAC? Não é mais de dinheiro, porque em 2008 a gente resolveu isso. Cresceu em 1.000%, saiu de R$ 3 milhões para R$ 30 milhões. Só que a estrutura não cresceu 1.000%, continua sendo para atender R$ 3 milhões. Então, o maior problema do FAC é sua capacidade de execução. Tem pouca quantidade de servidores na casa. Temos hoje, em execução, cerca de 500 projetos de 2010 e nós não temos 500 servidores na Secretaria de Cultura. Para cada processo em qualquer área tem que ter um executor daquele contrato, então há um problema grande de acompanhamento de projetos do FAC por falta de servidores. Este ano a tei que criou o FAC completa 21 anos. E a gente está muito imbuído de tentar resolver a execução do funco, conseguir dar a ele uma execução tranquila tanto internamente quanto com um bom acompanhamento para os artistas.

Vocês criaram outras diretorias para agilizar o FAC. Aumentou o número de pessoas na área? Olha, em número de servidores não mudou muita coisa. O que mudou foi que a gente conseguiu crescer em diretoria, conseguimos criar cargos em que as pessoas são mais bem remuneradas. Criamos uma diretoria de indicadores culturais porque o FAC não tem histórico nenhum de como o dinheiro é aplicado, qual o retorno para a gente poder olhar e saber como esse dinheiro está sendo absorvido pelo movimento cultural. Criamos uma diretoria de programa de fomento que vai poder pensar essa distribuição do dinheiro em programas e não por uma demanda maior ou menor de movimentos mais ou menos organizados. O FAC não é para resolver o problema dos artistas, é para resolver o problema da sociedade. O acesso da população à cultura. Os artistas são o meio pelo qual a gente resolve o problema da população.

E tem perspectiva de aumentar o número de servidores? A gente tem um edital de um concurso que foi aprovado. Falta só o planejamento decidir fazer. Hoje, temos um problema sério que é a análise da prestação de contas: o artista não entrega a prestação de contas e ele só pode receber um FAC novo quando fizer a prestação de contas. Temos três pessoas para analisar a prestação de contas e muitos artistas não conseguem receber porque a prestação do ano passado não foi aprovada. Se a gente não resolver isso esse ano, o FAC vai entrar em colapso. O problema do FAC não é tirar o dinheiro, é colocar servidores.

Essa execução também atrapalha no fim, quando o artista vai receber o dinheiro? A gente também tem problema disso. Temos duas pessoas para lançar no sistema todos os pagamentos e os contratos. Às vezes, são dois para fazer 300 contratos. Isso demanda tempo. O pagamento do FAC também demora. Nos guichês, temos estagiários para atender os artistas e os estagiários não sabem dar informações. Meus melhores servidores ficam atrás para fazer a casa andar. Temos uma pessoa responsável por organizar as contrapartidas porque os armários estavam lotados de caixas de CDs entulhados. Catalogamos tudo e estamos criando uma sistemática de distribuição para as bibliotecas, para o MinC, para a Rádio Cultura. A contrapartida é um problema porque os artistas acham que é mal utilizada e é verdade, então fizemos questão de, no último edital, os artistas darem valor a ela. Quanto custa a contrapartida? Criamos um núcleo só para poder dar esse valor.

No passo a passo do FAC, onde estão os maiores entraves? Ainda na qualidade dos projetos. Se a gente ver no fim do corte todo, a gente vê que a maior queda ainda é na fase de mérito: 38% dos projetos caíram na fase de mérito e 80% desses saíram pela questão de mérito. Já pedimos para alterar o decreto e assim possibilitar que a gente utilize a tabela do MinC em relação aos orçamentos, porque é uma referência, é a tabela da FGV, e isso minimiza muito esse trabalho. Em relação às outras formalidades, como as pessoas agora aprenderam como funciona acho que vai diminuir bastante (a dificuldade). Agora, a qualidade dos projetos ainda é um entrave. Estamos tentando licitar uma empresa para dar cursos aos artistas. Fizemos um curso aqui, atendemos 245 artistas proponentes para entender como funcionava o edital, só que nossa capacidade é muito pequena.

Alguns artistas genuínos, mais populares, alegam ter ficado de fora do FAC por causa da informatização. Isso é um prejuízo para a cidade? Como integrá-los? É verdade. Ainda são necessárias ações para fazer a inclusão digital desses artistas. Vamos criar unidades de suporte com equipamentos para atendê-los e capacitá-los. No entanto, sabemos que a opção pelos meios eletrônicos é mais transparente e eficiente. Esse caminho não tem retorno. O que

85 temos que fazer é criar meios para esses artistas terem acesso aos equipamentos. Uma parceria com os Pontos de Cultura, por exemplo, pode ser uma das soluções.

O GLOBO - Assim se passaram 10 anos

Prefeitura anuncia concessão da Cidade das Artes, um projeto iniciado em 2002

Luiz Ernesto Magalhães

(14.02.12) Quase uma década após ser anunciado e depois de mais de R$ 500 milhões do dinheiro público terem sido gastos, a Cidade da Música, rebatizada de Cidade das Artes, finalmente deixará de ser apenas um prédio sem uso no meio do Cebolão, na Barra da Tijuca. Em meio a pressões da classe artística para a obra acabar, a prefeitura prevê para março o lançamento do edital que escolherá um grupo privado para administrar o espaço. O complexo será aberto no segundo semestre, se o escolhido conseguir fechar uma programação até lá . Mas, desde já, o prefeito Eduardo Paes admite que manter o projeto iniciado no governo Cesar Maia será impossível sem verba pública.

— A manutenção da Cidade das Artes custará cerca de R$ 25 milhões por ano. Vamos ter que repassar recursos, porque o complexo não se manterá apenas com os eventos culturais — disse Paes.

Mesmo após quase dez anos de obras, a Cidade das Artes será entregue incompleta. Nos últimos três anos, as intervenções foram para refazer estruturas mal instaladas (com o custo arcado pelas construtoras), inclusive da sala principal de concertos, e para complementar obras. Mas itens do projeto que poderiam gerar receita extra para o futuro operador não foram feitos e terão que ser arcados pelo concessionário. Isso inclui instalações para salas de cinema, restaurantes e estacionamento rotativo.

— Repito o que disse na campa campanha eleitoral. Eu ia acabar a obra, mas não investir mais recursos do que os necessários para ela ser inaugurada — disse o prefeito.

Anunciada em novembro de 2002, a previsão inicial era que a obra fosse concluída em 2004. Mas cumprir prazos ainda parece um desafio. Um relatório recém-votado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) revela que o contrato com as empreiteiras venceu em agosto e, legalmente, não pode mais ser renovado. As obras, porém, mesmo sem cobertura contratual, prosseguiram.

Segundo o relatório do TCM, a prefeitura ainda teria que pagar R$ 19 milhões às construtoras para fechar a conta em R$ 518,6 milhões. Mesmo depois de várias auditorias e inspeções feitas pela prefeitura, o TCM ainda desconfia de irregularidades. No relatório, o tribunal solicitou esclarecimentos ao município, por suspeitar que tacos de tatajuba e serviços prestados por bombeiros hidráulicos, eletricistas, pedreiros, serventes e carpinteiros foram pagos duas vezes.

Dois grupos já mostram interesse

O secretário municipal de Obras, Alexandre Pinto, rebateu:

— A auditoria da prefeitura já identificou o que foi cobrado a mais, e os valores foram descontados. A demora para finalizar a obra se deve ao fato de que esse é um projeto arquitetônico complexo e estamos tomando todos os cuidados.

Apesar dos problemas, já há interessados em concorrer à administração da Cidade das Artes. A prefeitura foi procurada pelo Instituto e pelo presidente da Associação Polo Rio de Cine e Vídeo, Cláudio Petraglia, interessados em dirigir o complexo cultural.

— Nós temos 20 anos de experiência em organizar eventos musicais clássicos. Não estudamos ainda uma programação porque o edital não foi divulgado — diz o presidente do Instituto Tomie Ohtake, Ricardo Ohtake, ex-secretário estadual de Cultura de São Paulo.

Petraglia disse já ter planos para o local, mas prefere não antecipá-los

86 Paes acrescentou que a produtora escolhida terá liberdade na escolha da programação, que não ficaria mais restrita à música clássica — daí a alteração do nome. A única exigência é que se comprometa a atender às necessidades da Orquestra Sinfônica Brasileira, que terá sua sede no local, como previsto na proposta original.

O prefeito disse que não planeja uma programação ambiciosa para os primeiros meses, para que ajustes na acústica e em equipamentos sejam feitos. Já produtores argumentam que o município não tem muitas opções, devido à incerteza sobre quando o complexo estará mesmo disponível:

— Grandes orquestras, como as filarmônicas de Chicago, Berlim e Nova York, decidem sua programação com até três ou quatro anos de antecedência. Trazer uma grande atração internacional em cima da hora até seria possível, mas por custo maior — explicou Steffen Dauelsberg, da produtora Dell’Arte.

O artista plástico contou que em outubro foi sondado pela Secretaria de Cultura para montar uma instalação no mezanino do espaço. Depois, não se falou mais no tema:

— Hoje aquilo é um elefante branco. Mas com grande potencial para ser um espaço importante das artes.

A abertura do complexo supriria uma deficiência momentânea da cidade quando a espaços de audições clássicas A Sala Cecília Meireles está fechada para obras e o Teatro Municipal suspendeu a programação depois que setores de apoio, como a bilheteria, foram atingidos por escombros do Edifício Liberdade.

— Com a grana absurda que foi gasta lá dentro, a Cidade das Artes já deveria ter sido entregue há muito tempo. Se havia problemas, o prefeito teve quatro anos para resolvê-los — disse a coreógrafa .

Um silêncio que provocou muito barulho

Obra foi marcada por polêmica, e custo já é 6 vezes maior que o anunciado

Em 2008, O GLOBO noticiou que, para sair do papel, a Cidade da Música (atual Cidade das Artes) custaria mais de R$ 500 milhões — mais de seis vezes os R$ 80 milhões estimados em 2002. Entre outros fatores, a alteração do projeto original e sucessivas paralisações elevaram os custos das obras.

Em meio à polêmica, o então prefeito Cesar Maia decidiu inaugurar a Cidade da Música, mesmo sem as obras terem sido concluídas. Uma CPI na Câmara dos Vereadores e uma auditoria da Controladoria Geral do Município identificaram falhas na execução das obras, além de serviços incompletos. Depois da inauguração, em 2008, parte da estrutura da plateia da Sala de Concertos teve que ser refeita. As instalações de áudio e vídeo e a iluminação cênica precisaram ser concluídas. Apenas entre 2009 e 2010 foram instalados equipamentos definitivos de som e iluminação.

— O fato de as obras serem executadas por grandes construtoras não significa que problemas não possam ocorrer. Às vezes, a mão de obra não é adequada. Havia muitos problemas. Devido a uma infiltração no foyer, por exemplo, todo o piso precisou ser refeito. Isso exige tempo — explicou o secretário municipal de Obras, Alexandre Pinto.

87 A CIDADE DA MÚSICA, rebatizada de Cidade das Artes, se destaca na paisagem da Barra: o complexo cultural já consumiu mais de R$ 500 milhões e, apesar de quase dez anos de obras, será entregue incompleto QUADRINHOS

FOLHA DE S. PAULO – Completa tradução

Raridade em sebos e fetiche entre colecionadores, 'Avenida Paulista', álbum em que Luiz Gê faz misto de biografia e novela gráfica da via, ganha edição revisada

Imagens do álbum "Avenida Paulista"

RODRIGO LEVINO, EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

(14/02/12) Luiz Geraldo Martins, 60, ou Luiz Gê, virou lenda. Desde 1991, quando publicou a biografia gráfica da avenida Paulista "Fragmentos Completos", o desenhista e arquiteto parou de publicar quadrinhos autorais.

88 Mas é por sua última criação, que retorna às livrarias nesta semana, republicada pela Quadrinhos na Cia. sob o título de "Avenida Paulista", que Gê voltará à tona. Não era sem tempo.

O afastamento e a dificuldade de encontrar exemplares da obra -publicada originalmente em uma revista institucional, de circulação limitada- aguçou a curiosidade dos leitores e inflacionou seu valor em sebos.

"Foi tempo suficiente para uma geração pôr essa obra na cota das raridades e surgir outra que nem sequer sabe quem eu sou", diz ele em entrevista à Folha.

Gê, cofundador da revista "Balão" e editor da "Circo", que reuniam a nata dos quadrinhos nacionais nos anos 70 e 80, é professor de desenho industrial e quadrinhos da Universidade Mackenzie, em São Paulo, desde 1994.

Em julho do ano passado, quando acertou a reedição de "Avenida Paulista", o quadrinista voltou aos originais da obra, que estavam guardados em imensas gavetas do seu ateliê.

NOVOS TEMPOS

"Os modos de produção mudaram muito de lá para cá. Os originais são fotolitos enormes, que caíram em desuso. Digitalizá-los foi um trabalho meticuloso e exaustivo", conta ele, que se adaptou forçosamente ao uso do computador para desenhar.

As cores foram retrabalhadas, e o texto, revisado e atualizado. O traço revela a forte influência da arquitetura na obra do autor, detalhista e esmerado.

"'Avenida Paulista' é fruto da minha relação afetiva com a cidade e do meu interesse pela preservação da sua história", explica ele, que se dedicou a uma rigorosa pesquisa antes de criar sua versão para a trajetória do que chama "a espinha dorsal da cidade de São Paulo".

Concebida como uma espécie de bulevar, por iniciativa do engenheiro Joaquim Eugênio de Lima, e inaugurada em dezembro de 1891, a Paulista passou por transformações drásticas.

Estão na obra os casarões dos barões do café do começo do século 20, a chegada dos imigrantes, a explosão demográfica, a transformação em centro financeiro do país e, sobretudo, o surgimento de uma arquitetura que deu à avenida uma face cosmopolita, atulhada de arranha-céus.

"Mas ela é desordenada e sem identidade. Com exceção do Masp (Museu de Arte de São Paulo), não há uma construção na avenida que sirva de símbolo para a cidade", reclama Gê.

"Por outro lado, a Paulista nos oferece uma perspectiva histórica da cidade. Vias como a Berrini e a Faria Lima nasceram como um arremedo da Quinta Avenida em Nova York. Quer dizer, sem passado", pondera.

PASSADO E FUTURO

Embasado por documentos históricos e pitorescos, como o folheto que anunciava a inauguração do Conjunto Nacional, o enredo pende para a ficção científica na segunda metade. É quando Luiz Gê traça perspectivas sobre o futuro da Paulista.

Esse futuro chegou, e os executivos usando celulares, laptops e circulando em uma área urbanisticamente hostil é uma realidade que em 1991 parecia devaneio.

A tudo isso está somado um viés ideológico que ele situa entre o humanismo e o nacionalismo. Nos parágrafos que contextualizam alguns períodos dessa história, há críticas contundentes ao liberalismo e referências à crise econômica de 2008.

"De certa forma, a dependência brasileira do capital estrangeiro durante tantos anos influenciou a nossa arquitetura", diz ele, que depois de muito tempo à sombra, agora parece ter tomado gosto pela volta.

Até o final de 2013, Luiz Gê deve concluir uma novela gráfica de ficção científica. O começo dessa história foi publicado em 12 páginas na última edição da revista "Chiclete com Banana", em 1995.

89 "Mas vou sem pressa", avisa ele.

Raio-X - Luis Ge

OBRA

Foi um dos fundadores da revista "Balão", nos anos 70 e editou a "Circo", publicação que reunia quadrinistas brasileiros nos anos 80. Foi chargista da Folha entre 1976 e 1984. Tem tiras publicadas em seis países da Europa

MÚSICA

É autor da capa do disco "Clara Crocodilo", de Arrigo Barnabé, artista que também musicou seus quadrinhos em "Tubarões Voadores"

PUBLICAÇÕES

Publicou "Macambúzios e Sorumbáticos", "Quadrinhos em Fúria" e "O Mal dos Séculos"; adaptou para quadrinhos "O Guarani", de José de Alencar, e "O Príncipe e o Mendigo", de Mark Twain

BRASIL ECONÔMICO - Parque é a nova diversão de Mauricio de Sousa

Pai da Turma da Mônica investe em cinco novos parques temáticos

Michele Loureiro - (15.02.12) Mauricio de Sousa vai promover o aguardado banho do Cascão neste ano. Mas quem pensa que as histórias em quadrinhos terão um novo rumo, se engana. O cartunista não vai mudar o roteiro e sim criar um parque aquático com o nome do personagem conhecido por ser avesso ao contato com água. Além da empreitada curiosa, Sousa planeja quatro novos parques temáticos nos próximos anos.

O valor dos cinco empreendimentos na lista do cartunista deve superar os R$ 200 milhões e só será viável porque Sousa tem parceiros investidores do setor de parques. “Não tenho pai rico e preciso de pessoas que apoiem minhas ideias”, brinca.

O local onde o complexo do Cascão será instalado não foi divulgado, mas Sousa garante que o parque ficará no estado de São Paulo e abre as portas ainda neste ano. “Será um espaço destinado para a família e terá uma área coberta climatizada para funcionar o ano todo.”

Desde que o Parque da Mônica fechou as portas em fevereiro de 2010, no Shopping Eldorado, Sousa anda ansioso. Problemas com a administração do complexo de compras levaram ao fim da atração. “Não vejo a hora de reabrir e ficar perto da criançada”, diz. Mas os planos de Mauricio para o Parque da Mônica terão de esperar até meados de 2014, quando o Shopping Nova 25, local escolhido para abrigar a atração, ficará pronto na Zona Sul de São Paulo.

Outro empecilho nos planos do cartunista é o valor elevado dos terrenos na capital paulista. O Parque do Cebolinha, planejado para o início deste ano, vai precisar de mais prazo. “Digamos que o campo de futebol onde Cebolinha e Cascão bateriam uma bolinha ficou muito caro”, diz, referindo- se ao preço elevado do terreno que negociava na Zona Oeste de São Paulo e que forçou a mudança do complexo para uma região próxima.

Enquanto os parques da capital paulista preparam-se para sair do papel, Mauricio volta a atenção para a região Nordeste. Tentando conter o entusiasmo, o cartunista evita dar detalhes sobre a nova atração que prepara em Fortaleza. “Só posso dizer que será enorme”, diz em meio a gargalhadas. Ontem, Sousa recebeu a notícia de que todas as licenças ambientais necessárias para o início das obras no Nordeste foram concedidas. “Foi uma espera de cinco anos. Agora só quero um escritório de frente para o mar para acompanhar a construção”, afirma Sousa. O empresário vai contar com parceiros para a realização do complexo de diversões que ainda não tem data para começar a funcionar.

Além de espalhar a Turma da Mônica pelo Brasil, o cartunista, que se inspirou nas filhas para criar os personagens, faz questão de ampliar os horizontes. Angola será destino de mais um complexo da

90 Turma da Mônica nos próximos anos. O país africano já tem um parque há dois anos e o retorno positivo fez Sousa optar pelo reforço. Além disso, Paraguai e Argentina estão na lista de Mauricio. “Estamos analisando”, diz o cartunista criando suspense.

Maurício de Sousa: mais de meio século de experiência como cartunista

BRASIL ECONÔMICO - Turma da Mônica fala 30 idiomas

(15.02.12) Há cerca de sete anos Mauricio de Sousa iniciou um processo de internacionalização da Turma da Mônica, mas este ano será decisivo para que os personagens do cartunista, com mais de meio século de experiência, caiam no gosto do mundo. O personagem de Neymar deve auxiliar na promoção da marca de Sousa, acompanhando Ronaldinho Gaúcho, que já é lido em mais de 32 países.

Um escritório sediado em Nova York, nos Estados Unidos, é responsável pela negociação com novos países. “O trabalho vai render neste ano porque estamos apostando em novos formatos”, diz Sousa, que tem os gibis traduzidos em mais de 30 línguas. Além deles, o cartunista aposta nos desenhos para televisão. Filmes de cerca de sete minutos estão sendo produzidos em inglês e espanhol e em parceria com a Cartoon Network são veiculados em vários países.

Os livros também são apostas para alavancar a presença global e a meta é comercializar 1 milhão de exemplares neste ano, muito mais que um best seller. “Temos parcerias com 18 editoras, fazemos volumes didáticos e com temas variados.”

91 Enquanto o mundo é o limite, Mauricio também descobre um “novo país dentro do Brasil”. “Estamos maravilhados com as oportunidades no Nordeste e licenciamos produtos exclusivos para a região, como farinha de mandioca”, diz.

BRASIL ECONÔMICO - Neymar: do gramado para os quadrinhos

Depois de renovar o futebol brasileiro, garoto segue passos dos ídolos e vira tema de gibi

(15.02.12) O atacante Neymar vai reforçar o time de personagens de Mauricio de Sousa nos gibis ainda neste ano. Seguindo os passos de Pelé e Ronaldinho Gaúcho, o menino da Vila será imortalizado, mas superou seus ídolos e terá o prestígio de uma estreia internacional. “Será o primeiro lançamento mundial da Turma da Mônica”, diz Mauricio de Sousa. Em meados de abril a parceria deve ser oficializada e o gibi será escrito em cerca de 30 idiomas.

Orgulhoso da nova empreitada, o cartunista garantiu que está acertando detalhes finais com o pai do garoto, que cuida dos negócios. “Já esboçamos um desenho de Neymar, mas ainda não é a arte final. Estamos agendando entrevistas com a mãe e a irmã dele, além de pessoas próximas. Com isso, vamos conseguir formular roteiros atraentes e cativar os leitores”, disse Sousa, que também já mandou fotografar a escola onde o garoto estudou e o campo onde ele jogava bola quando criança.

Empolgado com o projeto,o pai da Mônica anda na cola de Neymar para observar os hábitos do rapaz. Até no aniversário do ídolo, no início deste mês, Mauricio estava presente. Evitando falar nos números previstos com a nova empreitada, o cartunista reforça que Neymar já é sucesso por si só e com certeza irá agitar a Turma da Mônica.

Neymar é observado pelo cartunista Mauricio de Sousa para dar mais realidade aos quadrinhos MODA

ESTADO DE MINAS – Moda no interior

ANNA MARINA - (10/02/2012) Tenho a maior simpatia pelo núcleo de criação de moda de Divinópolis, onde estive várias vezes no tempo em que dava assessoria para o Ceag. Visitava principalmente uma confecção que criava centenas daqueles vestidos de renda e musselina tinturados, que eram sucesso por aqui. Infelizmente, esqueci-me do nome da estilista, que tinha grandes planos. Como a moda daquele tipo de roupa terminou, porque foi explorada à exaustão na feira de artesanato, nem sei se ela continua no mercado. Mas acompanho, há anos, a trajetória de Iris Soares, que me apareceu com uma coleção de biquínis, Siri, atualmente vendidos até para o exterior.

Mas sei que a cidade está promovendo, entre 6 e 10 de março, a quarta edição da Feira de Negócios de Divinópolis (FashionMix), que é um sucesso, porque muito bem organizada e muito bem programada. Durante sua realização, os visitantes terão acesso a desfiles, palestras e shows em torno de uma grande mesa de negociação entre confeccionistas e compradores: lojistas, representantes, sacoleiras, corretores e guias, além de fornecedores, designers, estilistas e profissionais da moda, o que atrai a atenção de editores e jornalistas.

O FashionMix é promoção do Sindicato da Indústria do Vestuário de Divinópolis (Sinvest), que é o portal de entrada do polo de moda da cidade. A partir da feira, os visitantes acessam mais de 1 mil lojas de fábrica distribuídas em seis shoppings de atacado, onde se encontra de tudo: moda feminina, masculina, infantil, teen, jeans, festa, íntima, praia, camisaria, fitness, plus size, bijuterias e acessórios. Além da indústria da confecção, o FashionMix inova ao fazer o mix de negócios de moda com gastronomia, artesanato, tecnologia e sustentabilidade.

92 É claro que a política da vez, sustentabilidade, também chegou lá, é um dos pilares da proposta de inovação do FashionMix. A feira é 100% reciclada. Todo o mobiliário e decoração estão sendo produzidos a partir do reaproveitamento de resíduos da indústria de confecção como retalhos, embalagens de tecido e insumos em geral. Os estandes, araras e prateleiras foram produzidos especialmente para o FashionMix a partir de placas de embalagens longa-vida, que deixaram de ir para o lixo. Entre embalagens e retalhos, pelo menos 10 toneladas de resíduos foram reutilizados, o que contribui para a redução do lixo descartado em aterros e lixões. Para garantir a sustentabilidade do FashionMix, o Sinvest deixou de contratar uma montadora de estandes e fez parceria com a ONG Lixo e Cidadania. Essa parceria, além de promover a reutilização dos resíduos da indústria, garante o plantio de árvores e formação dos empresários por meio de oficinas de educação ambiental, que buscam o engajamento dos confeccionistas em iniciativas socioambientais, como a reutilização dos retalhos na moda produzida em Divinópolis.

Desde a primeira edição, o Sinvest conta com apoio institucional da Federação da Indústria do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), bem como dos governos municipal, estadual e federal. A feira é patrocinada por diversos prestadores de serviço e fornecedores da cadeia têxtil-confeccionistas, como a Cedro Têxtil, Sicoob, Correios, entre outros. OUTROS

O ESTADO DE S. PAULO - Olhos no bastidor do jogo

Mostra articula três mídias para permitir ao visitante a imersão no espaço mais indevassável do mundo esportivo

LUIZ ZANIN ORICCHIO

(12/02/2012) Você vai ao Museu do Futebol cheio de paixão e sai de lá repleto de perguntas, o que não quer dizer que o amor pelo seu clube ou pelo jogo tenha diminuído. Pelo contrário. Talvez apenas tenha ficado mais complexo e rico. É essa a intenção de um museu que se deseja antipedagógico e, com desculpas pela da contradição, muito pouco museológico. É assim que o espectador deve se postar diante da exposição temporária Vestiário, que será inaugurada na terça-feira, às 19h30. Com espanto, aberto a um olhar fresco e a uma nova perspectiva em relação ao esporte que ele crê conhecer tão bem.

A exposição consta de 56 fotos de Gilberto Perin (leia entrevista abaixo) e 28 obras do artista plástico Felipe Barbosa, que dialogam com a técnica de video mapping do VJ Spetto. Isso quer dizer que esse espaço íntimo, os vestiários dos clubes de futebol, recebem não um tratamento realista, ou jornalístico, mas uma interpretação artística, que permite ao público vislumbrá-lo como espaço mítico. Mito é a palavra.

Como diz o curador Leonel Kaz, "trabalhamos aqui como no filme de John Ford, O Homem Que Matou o Facínora, no qual se a lenda é melhor que a realidade, que se imprima a lenda". Qual a melhor maneira de abordar essa lenda? Não poderia ser de maneira tradicional.

E, de fato, não se trata de uma exposição como outras, mas visa levar o espectador a uma experiência desse espaço exclusivo do mundo do futebol, onde muitas vezes se decide a vitória ou a derrota, que é o vestiário.

As fotos de Perin seriam como o aspecto mais palpável desse "espaço sagrado" do futebol, ao qual apenas os jogadores e o técnico têm acesso. As obras do artista plástico Felipe Barbosa, compostas por bolas, chuteiras, caneleiras e outros utensílios do mundo do jogo, dispostos em forma de instalação que reproduz os armários de um vestiário, enfatizam o caráter um tanto lúdico do espaço. Assim como essa impressão fica acentuada pelas animações criadas por Spetto em computador e que serão projetadas em cima das obras dos outros artistas e nas paredes da Sala Osmar Santos, onde está montada a exposição que deve ficar em cartaz por cerca de cinco meses.

93 Essas três modalidades de percepção - as fotos, as instalações, os vídeos - são conjugadas de modo a proporcionar uma experiência única ao visitante. "Uma das sacadas da exposição é essa articulação entre três artes, fotografia, mapping e artes plásticas, que, sobrepostas, permitem trazer alguns dos imaginários que flutuam em torno do espaço íntimo do vestiário", diz Clara Azevedo, diretora de conteúdo do museu. De fato, cada uma dessas modalidades se articula com a outra, como numa jogada bem urdida de um grande time. Tudo para sugerir, de maneira poética, o que é indevassável por definição e constitui, ainda, o último reduto intransponível do futebol em meio à sociedade do espetáculo e sua vocação de tudo mostrar e transformar em show.

O espaço mais escondido, o vestiário, é o que pode revelar mais a fundo a natureza do esporte. Se hoje ele é tão profissional, tão mercantilizado e pragmático, é no vestiário que seus aspectos mais essenciais se revelam. A coesão do grupo é enfatizada nos gritos de guerra, nas rodinhas de incentivo mútuo e nas palavras do "professor". Mas há também espaço para as crenças, para velas acesas, ramos de arruda atrás da orelha, imagens de devoção. Conta-se que, no vestiário do Santos, todos os ruídos cessavam um pouco antes do início do jogo, quando Pelé, já inteiramente paramentado com seu uniforme, meias e chuteiras, se estendia sobre um banco, cobria o rosto com uma toalha e permanecia alguns minutos em silêncio. O que fazia? Tirava um pequeno cochilo antes da partida decisiva? Rezaria uma prece? Pensaria no adversário, na tática a ser empregada para vencê-lo? Ou apenas buscaria seu vazio interior, aquele silêncio de paz que o preparava para o jogo?

Nunca ninguém jamais soube. Assim como (conta-se) não se sabe até hoje o que existe no armário que o mesmo Pelé trancou depois de jogar o último jogo pelo Santos, em 1974. Nunca mais foi aberto e ele não revela o que contém. Está lá, conforme a lenda, do jeito que Pelé o deixou, na Vila Belmiro. Coisas do vestiário, desse espaço de mistério. Mitos do futebol, que povoam o imaginário desse esporte, que é também uma religião para muitos dos seus seguidores.

Foi pensando nessa aura mítica, e no que vai além dela, que a exposição foi montada. Como diz Felipe Barbosa, "a mostra discute muitas coisas além do futebol. Alarga o conceito de vestiário, não apenas como local físico, mas como lugar de crença, celebração, fé. Um espaço sagrado, onde somente jogadores têm acesso", diz.

Leonel Kaz lembra também que o vestiário é como um rito de passagem para o jogador. "Ele se despe de sua roupa civil, como a de qualquer mortal, e se veste com o uniforme do seu clube, como quem se prepara para uma batalha." É nesse recinto que a pessoa física do profissional se transforma na figura do jogador, aquele que veste a cor de um clube ou de uma seleção e entra na arena para representar os torcedores, às vezes um país inteiro. Ele se ritualiza. E a entrada no gramado é o termo final desse rito. "Uma vez acompanhei a entrada em campo do Pelé, ao lado dele, e nunca esqueci a experiência", conta Kaz, que torce para o América do Rio. "Aquele barulho da torcida vai subindo até explodir; é algo muito físico, impressionante, essa passagem do vestiário para o campo de jogo."

Enfim, o que se tenta é a aproximação, através de da interpretação dos artistas, dessa realidade para sempre escondida dos torcedores. Por isso, o curador da mostra, Leonel Kaz, diz que "ao conceber a mostra, eu brincava que ela seria um misto entre uma exposição e uma alucinação. Por quê? Porque levaria o visitante aos extremos da sua percepção, numa comunhão singular de experiências visuais".

Na superposição de espaços míticos, entra o próprio local onde se dará a exposição. O espaço, hoje denominado Sala Osmar Santos, em homenagem ao grande inovador da narração esportiva, era antigamente usado como vestiário. Teve essa finalidade até a construção do Tobogã, quando então os vestiários foram realocados no espaço do velho estádio, inaugurado em 1940. Estádio mítico, já que é disso que se trata.

94 O GLOBO - O sonho do museu próprio

Na esteira de Inhotim, que virou o maior centro de arte contemporânea do país, colecionadores brasileiros criam espaços para abrigar seus acervos particulares e exibi-los ao público

95 INSTITUTO FIGUEIREDO FERRAZ, em Ribeirão Preto (SP): 2.500 metros quadrados e quatro salas de exposição para abrigar a coleção de João Carlos de Figueiredo Ferraz

Audrey Furlaneto

Depois da iniciativa do empresário Bernardo Paz , que construiu Inhotim, o maior centro de arte contemporânea do Brasil, outros colecionadores brasileiros apostam em abrir seus acervos ao público. São cada vez mais frequentes as coleções particulares acessíveis a visitantes ou até mesmo transformadas em institutos. Em São Paulo, já existem pelo menos dois acervos privados que podem ser vistos por quem se interessar. Há ainda iniciativas semelhantes no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo. São, digamos, museus particulares para crítico nenhum botar defeito.

96 Como Bernardo Paz, que, num primeiro momento de seu instituto, recebia visitantes com hora marcada, o colecionador Oswaldo Corrêa da Costa criou um espaço para sua coleção, que pode ser vista em Pinheiros, em São Paulo, com agendamento prévio. Aos 53 anos, o economista aposentado diz que não lhe agradava o fato de seu acervo, que completa 40 anos em 2013, ser “um tanto estéril”. Custeou (sem o uso de leis de incentivo) a reforma do espaço de 130 metros quadrados de área expositiva e outros 130 de subsolo e reserva técnica. Organiza no local, batizado de Coleção Particular, exposições trimestrais, que são, como afirma, “tentativas de compreender a própria coleção”.

— Morei a maior parte da vida nos Estados Unidos, no Canadá e em países da Europa, onde há sempre coleções particulares abertas ao público. Estranhava que isso não existisse no Brasil. O exemplo de Inhotim foi fantástico, pena que é fora de mão — avalia o colecionador.

O modelo que impera no país, segundo ele, é o de coleções valiosas fechadas nos grandes apartamentos dos colecionadores, que recebem visitas restritas aos interesses do mercado das artes plásticas. Durante a Bienal de São Paulo, por exemplo, são frequentes os jantares e encontros para marchands internacionais nas “casas das coleções”.

Dono de obras de Hélio Oiticica, Mira Schendel, Leda Catunda, Leonilson e Antonio Dias, entre outros (são mais de 500 obras), Costa diz que, embora abra sua coleção, são raras as “pessoas comuns” interessadas em vê-la. — Recebi até hoje 200 pessoas, algo como cinco por semana. Acho que os brasileiros ainda não estão acostumados — diz ele, que abre as portas da Coleção Particular apenas de quarta a sexta-feira. — Gostaria de ter mais tempo, mas, se fosse abrir direto, teria de contratar recepcionista, segurança. Evito ter muitos gastos, porque faço tudo sozinho.

Há colecionadores que se inspiram no modelo atual de Inhotim, institucionalizado e aberto como um museu. Nada, é claro, tem as dimensões do empreendimento de Bernardo Paz, que, recentemente, em entrevista ao GLOBO, disse que pretendia transformar seu centro cultural (com dois milhões de metros quadrados e estimado em US$ 200 milhões) numa espécie de “Disney das artes plásticas”. Em Ribeirão Preto, o economista João Carlos de Figueiredo Ferraz, de 60 anos, inaugurou no final de 2011 um instituto que leva seu sobrenome — e guarda a coleção, de quase mil obras, formada por ele e por sua mulher, a arquiteta Dulce de Figueiredo Ferraz.

Paulistano, ele escolheu a cidade do interior do estado para viver e construir sua usina de açúcar nos anos 1980, década em que iniciou sua coleção de obras de arte. Nos últimos anos, vinha tentando enviar seu acervo por comodato para instituições da capital e, sem sucesso, decidiu construir seu próprio instituto.

O sonho do museu próprio

Inaugurado no fim do ano, o Instituto Figueiredo Ferraz é uma das maiores iniciativas recentes para expor uma coleção particular. São 2.500 metros quadrados de área construída e quatro salas de exposição, divididas em dois andares. Há ainda uma reserva técnica, um auditório para 60 pessoas, biblioteca, jardim, escritório e bar para os dias de eventos. Questionado sobre os custos da construção, patrocínios ou uso de leis de incentivo fiscal, o instituto informou que não comenta tais temas.

O Figueiredo Ferraz possui obras de artistas como Tunga, Vik Muniz, Tatiana Blass, Antonio Dias, Adriana Varejão e Nuno Ramos. Na inauguração, o instituto convidou Agnaldo Farias, curador da última Bienal de São Paulo, para selecionar as obras da primeira exposição, “O colecionador de sonhos”.

— A ideia de abrir ao público foi uma consequência da abertura do espaço. Não fazia o menor sentido mantê-lo fechado sendo que essas obras fazem parte do patrimônio cultural da Humanidade e portanto devem ser vistas — diz Ferraz. — Inhotim é um exemplo extraordinário e deve ser aplaudido, mas acredito que nossa história seja um pouco diferente: enquanto eles compraram obras para ocupar um espaço, nós tivemos que achar um espaço para receber uma coleção que se formou nos últimos 30 anos.

97 Agnaldo Farias vê a iniciativa de mostrar uma coleção privada ao público como “algo naturalmente muito generoso e que dá visibilidade a uma obra que acabaria fora da vista do público”. Farias acompanhou a formação da coleção de Ferraz, que, na década de 1990, “já se mostrava consistente”. Para o curador, porém, o modelo ainda “engatinha” no mercado brasileiro.

— O próprio colecionismo no país ainda está se constituindo. É preciso se profissionalizar, porque há muita compra errada, muita volúpia de compra, que não configura uma coleção — diz Farias.

Colecionadora desde os anos 1960, a artista plástica Vera Chaves Barcellos, de 74 anos, diz que se cansou de ver as obras de seu acervo pessoal “em casa ou mal depositadas”. Ela e o marido, o também artista e colecionador Patrício Farias, decidiram construir uma reserva técnica em 2005. A coleção seguiu crescendo e, em 2010, o casal criou um espaço em Viamão, a cerca de 20 quilômetros de Porto Alegre (RS).

Hoje, estão prestes a inaugurar a segunda reserva, e seu espaço expositivo, de 400 metros quadrados, recebe a quarta exposição do acervo do casal.

— Ganhamos agora um edital do Ministério da Cultura para contratar um especialista em arte que vai atender as escolas que nos visitam — conta Vera, que, em parceria com o governo local, já recebe alunos de escolas da região. Em São Mateus, no Espírito Santo, o escritor Maciel de Aguiar, de 60 anos, custeou a construção de dois prédios nos últimos 30 anos para abrigar sua coleção, composta principalmente de peças da cultura afro-brasileira. O Museu África Brasil deverá ter mais cinco prédios. Num deles, Aguiar vai exibir pinturas de Heitor dos Prazeres e objetos do período da escravidão, como troncos e algemas.

— A ideia não é minha, é do . Ele dizia que o país deveria ter um museu para reunir tudo sobre a escravidão. É o que pretendo. Sei que é um projeto grandioso e gostaria de ter parceiros — diz Aguiar, que banca a coleção e as construções com a venda de livros que escreveu sobre Pelé e .

O recente crescimento de coleções abertas ao público é acompanhado pela empresária Regina Pinho de Almeida, de 50 anos. Colecionadora desde os 25, ela se voltou na última década para a arte contemporânea brasileira e tem convidado outros colecionadores para reunir seus acervos num mesmo lugar.

— Todos se entusiasmam com a ideia, mas ninguém fecha — resigna-se Regina.

“A vaidade existe”, completa a colecionadora, mas um dos motivos que espantariam os colegas é a necessidade de “regularização das obras, muitas vezes adquiridas em compras internas”, ou seja, sem recibo.

— Muitos têm medo da questão legal, porque, até pouco tempo atrás, não se comprava com nota fiscal. Hoje, só compro com nota. Mas, para expor uma coleção, todas as obras teriam que ser regularizadas. A questão tributária é outro problema. Para uma pessoa física não é fácil conseguir incentivo e bancar todo o processo.

Fenômeno deve continuar

Para o colecionador Mariano Marcondes Ferraz, de 46 anos, que vive na Suíça e tem seu acervo nas casas da Europa e do Rio, a abertura ao público de coleções particulares é “um fenômeno que deve ocorrer no Brasil nos próximos dez anos, assim como ocorreu a profissionalização das galerias brasileiras nos últimos tempos”.

— Hoje, existe um interesse maior em colecionar arte. Temos mais galerias e mais colecionadores, um reflexo do que está acontecendo no Brasil, de mercado aquecido. Além disso, a qualidade dos artistas brasileiros é excepcional, o que propicia a procura de visitas a coleções privadas — avalia ele. — Ter um espaço dedicado à sua coleção e torná-la acessível a mais pessoas é um sonho que todo colecionador tem.

98 FUNDAÇÃO VERA BARCELLOS, em Viamão, na Grande Porto Alegre: espaço expositivo e reserva técnica para as 1.600 obras reunidas por um casal desde os anos 1960

COLEÇÃO PARTICULAR aberta pelo economista Oswaldo Costa no bairro de Pinheiros, em São Paulo: visitas agendadas por telefone para ver as exposições trimestrais

PEÇA HISTÓRICA da coleção do escritor Maciel de Aguiar, que constrói o Museu África Brasil na cidade de São Mateus (ES)

CORREIO BRAZILIENSE - Uma casa para o Bumba meu boi

Depois da morte de Seu Teodoro, há pouco menos de um mês, a família reúne forças para tocar seus projetos, como a construção de um espaço destinado a apresentações e oficinas

Gabriela de Almeida

99 (14.02.12) As paredes da casa de dona Maria José, em Sobradinho, mostram que por ali morou um apaixonado. Um louco de amor pelo Maranhão, pelo bumba meu boi, pelo tambor de crioula, pelo Flamengo e pela família. Cada cantinho da casa onde vivia Seu Teodoro tem uma referência a uma dessas paixões. Nas paredes, bandeiras, fotos e homenagens. “Esta foto aqui é de quando ele ajudou a fundar uma biblioteca”, aponta Maria José para uma imagem de Seu Teodoro rodeado de livros. “Ele adorava ler”, completa a viúva.

Teodoro Freire faleceu em 15 de janeiro e os seus pertences ainda estão intactos. O chapéu de palha com uma fita vermelha e preta, que era uma de suas marcas registradas, permanece pendurado na parede do quarto. No armário, as roupas continuam alinhadas e o altar ao qual ele costumava recorrer para as preces está do mesmo jeitinho que ele deixou. Nada mudou. “Parece que ele está viajando e que logo vai voltar”, diz Maria José, esposa com quem Seu Teodoro viveu meio século.

Na sala de estar, ao lado da televisão, uma urna chama atenção. É nela que estão as cinzas do grande responsável por trazer a Brasília a cultura popular maranhense há 50 anos. Para os familiares e amigos a saudade não cessa, mas a vida segue. Pai de 11 filhos, Seu Teodoro tinha o sonho de ver erguida a nova sede, mais ampla, que, se tudo sair como no projeto, será construída no mesmo terreno que o grupo ocupa em Sobradinho.

A intenção é que o novo espaço seja palco das apresentações, mas também sirva como local de hospedagem dos grupos que vêm de fora, além de servir para a comunidade, com oficinas e atendimentos odontológicos. “Nossa esperança é que tudo esteja pronto em até cinco anos”, anseia Guarapiranga, filho caçula de Seu Teodoro e Maria José.

Para que a nova sede saia do papel é preciso dinheiro. “Estamos tentando com deputados, mas é uma ciumeira. Se falamos com um, o outro fica chateado, e assim por diante. O vice-governador se mostrou favorável e quer ajudar, mas até agora não temos nada”, explica Guarapiranga.

“Guará”, de 37 anos, foi eleito pelo próprio pai para tocar os planos do Centro de Tradições Populares de Seu Teodoro. A primeira providência foi cumprir a agenda mesmo com tão pouco tempo após a morte. O grupo se apresentou no último dia 4, na Quadra 831 de Samambaia. “Foi bonito, tinha muita gente. O público estava bem animado e não foi a choradeira que eu achei que seria”, lembra ele.

Até 19 de fevereiro, Guará e o grupo vão passar por Sobradinho e Brazlândia com o projeto Bumba Meu Boi e Tambor de Ccrioula do Seu Teodoro nas feiras do Distrito Federal. Depois, eles se preparam para apresentações em escolas públicas. “É importante que a gente ensine para as crianças o valor da cultura popular”, orgulha-se o filho.

Os ensaios vão começar no sábado de aleluia e seguirão até o dia de São João, em 24 de junho, quando acontecerá o batizado do boi. Depois, o grupo vai para o Maranhão para os festejos juninos de lá. Em agosto, será realizada a 49ª festa de morte do boi. A capital do estado que tanto enchia de orgulho Seu Teodoro completará 400 anos em 8 de setembro.

Homenagem Guarapiranga pretende levar as cinzas do pai para a capital maranhense para homenagear a cidade e o patriarca. “Ele queria muito ter vivido até o quarto centenário (de São Luís). Pena que faltaram oito meses”, lamenta o filho. No dia da morte do artista, o prefeito João Castelo decretou luto oficial de três dias.

Teodoro Freire nasceu em São Vicente de Férrer, cidade localizada a 280km da capital. O município tem o menor PIB do país e pouco mais de 20 mil habitantes. Antes de vir para Brasília, morou no Rio de Janeiro, onde se apaixonou pelo Flamengo. A mudança para a capital do Brasil, em 1962, foi um pedido do então diretor da Fundação Cultural, o poeta Ferreira Gullar.

100 O herdeiro da arte: Guará busca apoio para tirar a nova sede do papel nos próximos cinco anos

O legado: Seu Teodoro chegou a Brasília em 1962, graças a um convite do poeta Ferreira Gullar

CORREIO BRAZILIENSE - Exposição - Centenário de Rio Branco

(14.02.12) A exposição Rio Branco: 100 anos de memória, com foco na trajetória de vida do barão, está em cartaz diariamente, das 10h às 17h, com entrada franca, no Palácio Itamaraty (Esplanada dos Ministérios). A mostra comemora o centenário do Barão do Rio Branco, professor, político, jornalista, diplomata, historiador e biógrafo. O barão entrou para a história por redefinir as fronteiras do Brasil no início do século 20, assinando tratados com Equador, Guiana Holandesa, Colômbia, Peru e Argentina. Lançou ainda as bases de uma nova política internacional.

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