Revista Brasileira 102 Internet.Pdf
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Revista Brasileira FASE IX • JANEIRO-FEVEREIRO-MARÇO 2020 • ANO III • N.° 102 ACADEMIA BRASILEIRA REVISTA BRASILEIRA DE LETRAS 2020 D IRETORIA D IRETOR Presidente: Marco Lucchesi Cicero Sandroni Secretário-Geral: Merval Pereira C ONSELHO E D ITORIAL Primeiro-Secretário: Antônio Torres Arnaldo Niskier Segundo-Secretário: Edmar Bacha Merval Pereira Tesoureiro: José Murilo de Carvalho João Almino C O M ISSÃO D E P UBLI C AÇÕES M E M BROS E FETIVOS Alfredo Bosi Affonso Arinos de Mello Franco, Antonio Carlos Secchin Alberto da Costa e Silva, Alberto Evaldo Cabral de Mello Venancio Filho, Alfredo Bosi, P RO D UÇÃO E D ITORIAL Ana Maria Machado, Antonio Carlos Secchin, Antonio Cicero, Antônio Torres, Monique Cordeiro Figueiredo Mendes Arnaldo Niskier, Arno Wehling, Carlos R EVISÃO Diegues, Candido Mendes de Almeida, Vania Maria da Cunha Martins Santos Carlos Nejar, Celso Lafer, Cicero Sandroni, P ROJETO G RÁFI C O Cleonice Serôa da Motta Berardinelli, Victor Burton Domicio Proença Filho, Edmar Lisboa Bacha, E D ITORAÇÃO E LETRÔNI C A Evaldo Cabral de Mello, Evanildo Cavalcante Estúdio Castellani Bechara, Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Carneiro, Geraldo Holanda ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS Cavalcanti, Ignácio de Loyola Brandão, João Av. Presidente Wilson, 203 – 4.o andar Almino, Joaquim Falcão, José Murilo de Rio de Janeiro – RJ – CEP 20030-021 Carvalho, José Sarney, Lygia Fagundes Telles, Telefones: Geral: (0xx21) 3974-2500 Marco Lucchesi, Marco Maciel, Marcos Setor de Publicações: (0xx21) 3974-2525 Vinicios Vilaça, Merval Pereira, Murilo Melo Fax: (0xx21) 2220-6695 Filho, Nélida Piñon, Paulo Coelho, Rosiska E-mail: [email protected] Darcy de Oliveira, Sergio Paulo Rouanet, site: http://www.academia.org.br Tarcísio Padilha, Zuenir Ventura. ISSN 0103707-2 As colaborações são solicitadas. Os artigos refletem exclusivamente a opinião dos autores, sendo eles também responsáveis pelas exatidão das citações e referências bibliográficas de seus textos. Transcrições feitas pela Secretaria Geral da ABL. Esta Revista está disponível, em formato digital, no site www.academia.org.br/revistabrasileira. Sumário CICERO SANDRONI Apresentação 7 100 ANOS DO NASCIMENTO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO FLÁVIA AMPARO Revisitando Quaderna: a concepção do feminino na poética de João Cabral de Melo Neto 9 ARNALDO NISKIER A cultura na ABL: Uma visão parcial 17 ANTONIO CARLOS SEccHIN As Espanhas de João Cabral 29 LUCILA NOGUEIRA Mito e surrealismo em João Cabral de Melo Neto 37 POESIA JOÃO CABRAL DE MELO NETO 59 110 ANOS DO NASCIMENTO DE RACHEL DE QUEIROZ ARNALDO NISKIER Evocação de Rachel de Queiroz no seu primeiro centenário 75 LÊDO IVO Rachel 89 IVO PITANGUY Rachel de Queiroz 93 MARIA ELI DE QUEIROZ As mulheres de Rachel de Queiroz 97 ENSAIO ARNO WEHLING Oliveira Lima: História e interpretações 107 JOSÉ LUIZ FOUREAUX DE SOUZA JÚNIOR Fantasmas, influências, inspirações: Odysseus, o velho, de Carlos Nejar 117 PEDRO MARQUES O rio do poema: João Cabral anti-épico 121 JEOVÁ SANTANA Soneto de fidelidade, 80 anos 143 CONTO MARCIA DE ALMEIDA Jabuti-Jabuticaba 147 EDISON NEQUETE Conjecturas em tom cinzento 151 RICARDO L. HOffMANN A casa de pedra 155 RONALDO MOREIRA A carta 159 Esta a glória que fica, eleva, honra e consola. MACHADO DE ASSIS Apresentação Cicero Sandroni Ocupante da Cadeira 6 na Academia Brasileira de Letras. as primeiras páginas desta 102.a ingressar nos quadros da Academia Brasilei- edição da Revista Brasileira, impres- ra de Letras e também a primeira a receber N sa na gráfica da Imprensa Oficial o Prêmio Camões, a maior láurea lite rária da do estado de São Paulo, cuja colaboração lusofonia. Lembram a extraordinária mulher agradecemos, e na versão virtual, no site da querida por todos, Arnaldo Niskier, Lêdo Ivo, Academia Brasileira de Letras, o leitor en- Ivo Pitanguy e Maria Eli de Queiroz. contrará textos sobre o centenário de nasci- Enriquecem esta edição o artigo de Arno mento do poeta João Cabral de Melo Neto, Wehling sobre Oliveira Lima, o de José Luiz nascido a 9 de janeiro de 1920, no Recife. Foureaux de Souza Júnior, da obra de Car- Escrevem sobre o autor de pedras de los Nejar e o de Pedro Marques, sobre poe- toque da poesia do menos, na feliz definição ma de João Cabral de Melo Neto. A seguir, do poeta Antonio Carlos Secchin, além do análise de Jeová Santana sobre o “Soneto citado, Arnaldo Niskier, Flávia Amparo e Lu- de fidelidade” de Vinicius de Moraes. cila Nogueira. Nas páginas seguintes o leitor Na área da ficção o leitor encontrará as encontrará, em contínua homenagem, poe- narrativas “Jabuti-Jabuticaba” de Marcia de mas de João Cabral, a lembrar seu amigo, o Almeida, “Conjecturas em tom cinzento”, saudoso cronista Rubem Braga, para quem a de Edison Nequete, “A casa de pedra” de poesia é necessária. Ricardo L. Hoffmann e “A carta” de Ronal- Comemoramos também os cento e dez do Moreira. anos do nascimento da romancista e cronis- ta, Rachel de Queiroz, primeira brasileira a Boa leitura. 100 ANOS DO NASCIMENTO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO Revisitando Quaderna: a concepção do feminino na poética de João Cabral de Melo Neto Flávia Amparo Doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Professora Titular do Colégio Pedro II e Professora Associada da Universidade Federal Fluminense. a poesia de João Cabral, há uma melhor de si mesma: sua capacidade de sa- busca pela originalidade do verso, borear o inédito, o não aprendido”1. Rom- N seja na revitalização de modelos per, portanto, a crosta do costume seria sua antigos – da tradição ibérica medieval, por ambição de poeta. Se em Miró ele soube exemplo –, seja na desconstrução de obje- destacar o “fazer” como o essencial da pin- tos do cotidiano, apreendidos sob uma nova tura do artista, na sua própria obra o “dar perspectiva. A luta primordial da sua obra é a ver” seria a consolidação de seu conceito pela descontinuidade do hábito, pela rup- primordial de poesia. tura com o “lugar-comum”. Para o poeta Em Quaderna (1960), o prazer do leitor é importante deter o fluxo da sensibilidade ao apreciar as figuras femininas que vão mais óbvia e desgastada pela tradição ro- surgir nos poemas está intimamente asso- mântica, combatendo a criação poética que ciado a esse “saborear o inédito”, a um de- se baseia no sentimento, na emoção que gustar “cerebral” que a obra de arte origi- aflora e se expõe com facilidade. Escolhe- nal propõe. As imagens, na obra de Cabral, ria, portanto, uma poética mais elaborada, vão ser definidas na precisão das palavras, que pudesse excitar a razão do público no na escolha de um estilo forte para pintá-las, lugar da emoção, concebendo-se como um sem utilizar cores frouxas e esmaecidas. antilírico, disposto contra o automatismo O predomínio da clareza, da definição, da da visão poética e contra a cristalização do sentido das palavras. precisão do traço também será o recurso Ao analisar a pintura de Miró, por exem- usado pelo escritor para criar os poemas plo, o escritor acaba por definir a sua pró- que tematizam o feminino. pria poética, falando sobre a “dolorosa ati- O ato de criação na obra cabralina, basea- tude de luta contra o hábito e a algo que vá, do na reflexão e no aprimoramento da pala- por sua vez, romper, no espectador, a dura vra, lembra, em muitos aspectos, a obstinação crosta de sua sensibilidade acostumada, 1 MELO NETO, João Cabral. Prosa. Rio de Janeiro: Nova para atingi-la nessa região onde se refugia o Fronteira, p. 47. 10 • Flávia Amparo da escrita de outro artista, o escritor Gus- universo masculino do sertão, modelo efi- tave Flaubert. O romancista francês chegou ciente para cantar a mulher. No entanto, a a dizer em uma de suas cartas, presentes cidade de Sevilha, na Espanha, ofereceu-lhe na coletânea Cartas Exemplares: “Medite não apenas a paisagem feminina, inversa- portanto antes de escrever e ligue-se à pa- mente proporcional à paisagem pernam- lavra. Todo talento de escrever não consiste bucana, como também a tradição poética senão na escolha das palavras. É a precisão dos cancioneiros medievais. Essa tradição que faz a força.”2 Ou ainda, quando fala marcaria as matrizes ibéricas de formação sobre a poesia: “A poesia é apenas uma da cultura oral nordestina, sobretudo da li- maneira de perceber os objetos exteriores, teratura de cordel, que, para Cabral, teria um órgão especial que tamisa a matéria sido o fundamento de sua “descoberta da e que, sem mudá-la, transfigura.”3 Da Literatura” e, ao mesmo tempo, o antídoto mesma forma, para Cabral, o importante para a ruptura com o “falar rico”. é captar a materialidade do objeto poeti- A influência do cancioneiro medieval zável, o corpo das coisas, e transformá-la não está restrita ao processo de construção no corpo da palavra poetizada, de modo formal do verso, mas também se refere às que a leitura da palavra nos faça retornar à concepções medievais sobre o feminino. In- materialidade da coisa em si. cluiríamos, neste ponto, o cancioneiro pro- Esse processo desencadeará uma série vençal, pois não poderíamos deixar de lem- de comparações, presentes em grande par- brar da “Flors enversa” do trovador Arnaut te de seus poemas, com o propósito de dar Daniel, estudada por Augusto de Campos. conta de uma infinidade de aspectos obser- Sobre Arnaut, o crítico destaca algumas ca- váveis de um dado objeto, sem esvaziá-lo racterísticas de sua poesia: de sentidos. Ainda falando sobre a aderên- [...] percepção poética extraordinária, além de cia do poema à palavra e a da palavra ao um rigoroso sentido de funcionalidade: a cons- objeto, podemos relembrar um trecho do ciência do poema como um organismo, de que fala Pound, e a noção da palavra precisa, “Catecismo de Berceo”: “Fazer com que a o “mot just”, que fazem com que cada parte palavra frouxa / ao corpo de sua coisa adira: e cada célula do poema contribuam para o / fundi-la em coisa, espessa, sólida, / capaz todo.