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UFPB – PRG ______X ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

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O A ÓTICA MUSICAL DE NA CANÇÂO “ ONDE O RIO È MAIS BAIANO” Roncalli Dantas Pinheiro( 2) Amador Ribeiro Neto (3) Centro de Ciências Humanas Letras Artes/Departamento de Línguas Clássicas e Vernáculas/MONITORIA

Resumo O presente trabalho tem como objetivo fazer uma leitura da letra da canção Onde o rio é mais baiano, inserida no disco (1997), de Caetano Veloso, partindo da teoria da composição de canções, em que o autor Luiz Tatit estabelece na dicção de Caetano, elementos sensitivos de iconização. Buscaremos identificar os mecanismos que fazem desta letra uma produção icônica que se estabelece a partir do cruzamento das linguagens musicas, literária e sugerindo elementos visuais na estrutura da canção.

Onde o rio é mais baiano Caetano Veloso

A , Estação primeira do Brasil Ao ver a Mangueira nela inteira se viu, Exibiu­se sua face verdadeira. Que alegria Não ter sido em vão que ela expediu As Ciatas pra trazerem o pra o Rio (Pois o mito surgiu dessa maneira).

E agora estamos aqui Do outro lado do espelho Com o coração na mão Pensando em Jamelão no Rio Vermelho Todo ano, todo ano Na festa de Iemanjá Presente no dois de fevereiro Nós aqui e ele lá Isso é a confirmação de que a Mangueira É onde o Rio é mais baiano.

Introdução

A canção “onde o Rio é mais Baiano”, terceira faixa do disco livro (1997) de Caetano Veloso se destaca por apresentar os traços de iconização levantados por Luiz Tatit em sua obra O cancionista; composição de canções no Brasil. Neste estudo iremos enfatizar a construção de aspectos imagéticos sugeridos pela estrutura, tanto do ponto de vista musical quanto textual.

A paixão e o ritmo na canção popular

A canção é a composição que se forma da junção entre duas linguagens distintas. A melodia musical e o texto literário. Nela, como afirma Luiz Tatit (2002), o cancionista se equilibra, conseguindo cativar a confiança do ouvinte, muitas vezes intuitivamente, demonstrando domínio entre os vários elementos melódicos e lingüísticos, numa entoação próxima do coloquial. Deste cruzamento semiótico entre estas linguagens, o cantor utiliza mecanismos que provocam tanto o predomínio da continuidade na melodia pelo prolongamento dos sons das vogais quanto o predomínio da segmentação, provocado por intervalos na continuidade através dos atritos percussivos do aparelho fonador que produzem os sons consonantais.

______(2) Monitor(a) Voluntário(a); (3) Professor(a) Orientador(a)/Coordenador(a). UFPB – PRG ______X ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

O prolongamento dos sons das vogais, que permite a continuidade melódica, promove a diminuição do andamento da canção e o esvaziamento dos estímulos corporais que, aliado à exploração das freqüências tonais mais altas da melodia, produz tensões de caráter subjetivo e passional, sugerindo uma vivência introspectiva do intérprete. Inversamente à continuidade melódica, os ataques consonantais pretendem converter as tensões interiores em impulsos corporais rítmicos de marcação e recorrência. Assim o cancionista através da reiteração impõe marcas de regionalidade, de malandragem, de brasilidade, de revolta etc.

O sambaiano Rio vermelho carioca

Antes da análise propriamente dita da canção, faz­se necessária a apresentação de alguns elementos culturais e mitológicos presentes na canção citada. Realidades pertencentes às duas cidades, citadas por Caetano, e que esclarecem alguns pontos importantes da análise.

1) A geografia do samba

Desde o período do Brasil colônia que grande contingente de escravos oriundos da Bahia, onde se cultivava a cana, o algodão e o fumo, migraram para o Vale do Paraíba, situado no , onde se plantava o café. Após a queda da produção cafeeira, e a abolição da escravatura, parte dessa população se deslocou para a Corte que, juntamente com o retorno dos soldados em campanha na guerra de Canudos, elevou o número de trabalhadores na então capital federal. Muitos desses soldados trouxeram consigo baianas com as quais tinham se casado e estas fixaram residência próximo à zona portuária do Rio de Janeiro. É nos quintais das residências destas baianas, quituteiras, iniciadas nos rituais do candomblé que as festas, as danças e a música afro são retomadas. Dentre as pessoas que migraram da Bahia para o Rio, a mais famosa, a tia Ciata, tem em sua casa à rua Visconde de Itaúna, 117 no bairro Cidade Nova, o nascedouro mitológico do samba, para onde convergiriam grandes nomes da nossa música popular, como , , João da Baiana e outros.

2) Jamelão e a festa de Iemanjá no Rio vermelho

Fazendo o caminho inverso das tias Ciatas, Jamelão, grande nome da Estação Primeira de Mangueira, viaja à Bahia e encontra um grande amigo na praia de Itapoã. Juntos, depois de retornarem ao Rio de Janeiro, compõem uma música chamada “Quem samba fica”, em homenagem àquela viagem. Nesta canção os pescadores e a sua devoção à deusa do mar estão presentes. Nos últimos versos, o Eu­lírico faz oferendas para que o auxílio divino venha em seu socorro e sugere que esteve nas festividades de Iemanjá: “já acendi as doze velas/ e joguei flores no mar”. Festa que ocorre todo ano no Bairro Rio Vermelho em Salvador no dia dois de fevereiro. Este ritual reúne milhares de pessoas que se aglomeram nas estreitas ruas do bairro levando suas oferendas para depositarem nos balaios, para que logo após sejam jogados ao mar.

Quem samba fica José Bispo(Jamelão) / Tião Motorista

Quem samba fica quem não samba vai embora

se é homem é meu senhor se é mulher minha senhora vou pra bahia vou ver barco correr no mar no mar, eh! eh! no mar

valha­me nossa senhora ai, ai, ai, são Benedito veja só que bicho feio UFPB – PRG ______X ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

pulando que nem cabrito eh! eh! no mar

eu falei com um pai de santo foi preciso me arrumar já acendi as doze velas e joguei flores no mar eh! eh! no mar

A Gestualidade oral de Caetano

De acordo com Luiz Tatit (2002) a singularidade da gestualidade oral de Caetano encontra­se na construção sensitiva de base icônica da canção opondo­se à narratividade textual. Essas construções icônicas são blocos de sentido que sugerem uma captação pelos diversos órgãos sensoriais. Assim, os elementos melódicos, lingüísticos e literários presentes nas canções, são cruzados com outros elementos sensitivos dentre os quais pode­se destacar a visualidade. Na canção “Onde o Rio é mais Baiano”, Caetano provoca deslocamentos espaciais entre a Bahia e o Rio através de um espelho em que a imagem da Bahia é sobreposta à do Rio de Janeiro, sob aspectos culturais, permitindo a transitoriedade tanto textual quanto dos elementos rítmicos e musicais devido à simetria icônica, invertida e reflexa entre as duas cidades. A primeira estrofe inicia­se em terceira pessoa, imprimindo à canção um caráter de veracidade no argumento de unidade, que é ratificado por considerações mitológicas, citando o caso da migração das Ciatas da Bahia para o Rio em contraponto com a viagem de Jamelão do Rio de Janeiro ao Rio Vermelho, em Salvador. As aproximações são também construídas no interior da estrofe, em que a estação primeira do Brasil se confunde com a Estação Primeira de Mangueira, construindo o amálgama Bahia/Mangueira/Rio. Reconhecimento de si no outro, produzindo alegria. É o inverso do “avesso do avesso do avesso”, que São Paulo provocou no Eu­lírico da canção “Sampa”, em que ele nada entendia "da dura poesia concreta de suas esquinas”, provocando um afastamento devido ao não reconhecimento inicial, evidenciando a opacidade do espelho em que o Narciso baiano não se encontrava, promovendo, posteriormente, uma nova experiência feliz de cidade. Na segunda estrofe o Eu­lírico transpõe efetivamente o espelho e se desloca em primeira pessoa entre as duas cidades. A transposição é efetuada imageticamente pelos cruzamentos dos elementos Rio Vermelho, em Salvador simétrico, à Mangueira, no Rio de Janeiro. Jamelão faz a simetria com o Eu­lírico da canção de Caetano, sugerindo a imagem da Mangueira na avenida e oferecendo seu equivalente na Bahia, que ocorre no dia 2 de fevereiro na festa de Iemanjá. A simetria invertida também é estabelecida quanto aos elementos melódicos. Toda primeira parte está em tonalidade menor, cadenciado pelo samba com predominância dos prolongamentos das vogais, principalmente da vogal “i” evidenciando a passionalização contida no reconhecimento da identidade cultural de si, a partir do outro. Logo em seguida, coincidindo com a segunda estrofe, a melodia passa à tonalidade maior e o ritmo, que era cadenciado pelo samba, passa a ser o axé­ com predomínio dos ataques consonantais, de andamento mais dinâmico, enfatizando a atitude ativa do Eu­lírico, que transpõe, migra e retorna num vai­ e­vem através dos elementos já citados. A estrutura óptica se forma como o esquema abaixo tendo os personagens (Jamelão, as Ciatas e o Eu­lírico) transitando entre os espaços:

Rio de Ciatas 3ª 1ªestrofe Mangueira samba Prolongamento das Janeiro pessoa vogais espelho espelho espelho Bahia Jamelão 1ª 2ªestrofe Rio axé Ataques consonantais pessoa Vermelho UFPB – PRG ______X ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

Referência bibliográfica: TATIT, Luiz. (2002). O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.

Referência discográfica: VELOSO, Caetano. (1997). Livro. Rio de Janeiro: Polygram

Referência eletrônica: ALVES, Nancy. Samba, do batuque à batucada. In: http://br.geocities.com/biografiaschiado /HistoriaCuriosidades/HistoriadoSamba/Historiadosamba.htm. Acesso em 7 de abril de 2007.