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O papel da MPB nas campanhas eleitorais de oposição durante a Ditadura Militar e nas Diretas Já (Brasil, 1976-1984)

RAFAELA LUNARDI*

Os cantores de Música Popular Brasileira (MPB) e suas canções andaram de mãos dadas com a política no período dascampanhas eleitorais dos partidos de oposição, de1976, 1978 e 1982, e das Diretas Já, em 1983 e 1984. Grandes estrelastiveram presença garantida nesses eventos cívicos de protesto, ajudando a dar sentido de pertencimento à oposição e declarando suas opiniões políticas à imprensa. Os tempos eram difíceis. Os brasileiros ainda vivenciavam a Ditadura Militar (1964-1985). Participar de eventos, principalmente políticos e de oposição, falar, cantar e se manifestar contrário ao Regime era um ato de coragem, mesmo em momentos de “Abertura política” (FAUSTO, 2009: 416-438). A partir da segunda metade da década de 1970 a meados dos anos de 1980, de acordo com a estrutura de sentimento do período, a MPB transmitia e ajudava a construir simbolicamente os sentidos de irmandade, de união e de liberdade difundidos pelas oposições, em uma tentativa de sublimar os difíceis momentos dos Anos de Chumbo(NAPOLITANO, 2010; RIDENTI, 2010: 95-96).É a partir dessa premissa que analisamos como a MPB e seus artistas, por meio de performances em rituais cívicos, tiveram um importante papel na luta da oposição ao Regime pela redemocratização do Brasil (EYERMAN; JAMISON, 1998: 1-2; 4; 6-7; 10; PEIRANO, 2000: 11; 20; PEIRANO, 2003: 47)1. Sendo assim, o objetivo deste texto é mapear a participação política dos artistas de MPB nas campanhas eleitorais oposicionistas durante a Ditadura e na campanha pelas Diretas Já, refletindo em que medida eles se relacionaram e/ou se engajaram nas lutas pelas liberdades democráticas no Brasil. Para isso, busca-se perceber e problematizar suas filiações ou

*Doutoranda em História Social na USP, com pesquisa apoiada pela FAPESP; Mestre em História Social pela USP; Bacharel e Licenciada em História pela UFPR. 1O caráter de espetáculo da música popular, mesmo em atividades cívicas, não pode ser menosprezado. Ao contrário, compunha, de acordo com Eyerman e Jamison, parte da “cognição prática” que promove a relação dos indivíduos com o contexto sóciopolítico em que se inserem, sendo importantes para a compreensão e conscientização do público nos eventos de oposição.Essa relação entre público e música dava-se pelo sentimento e pelas emoções, conformando uma “estrutura de sentimento”, e possibilitando que a performance do artista, no plano da voz, dos gestos e da escolha de repertório, fosse compreendida, aceita e admirada de acordo com o gosto pessoal construído socialmente. Segundo Mariza Peirano, os ritos constituem-se em performances que utilizam vários meios de comunicação, por meio dos quais os participantes experimentam o evento. Assim, os atos ritualizados contribuem para dar novas legitimidades às ideologias e impulsionar a ação coletiva, consciente ou inconsciente, aprofundando as tradições históricas e culturais e criando novos espaços públicos para endereçar problemas de seu tempo.

2 afinamentos ideológicos com os partidos de oposição e analisar suas atuações política em shows do período, em discursos na imprensa, e suas presenças em comícios de partidos ligados à oposição e das Diretas. Buscamos endossar a hipótese de que a música popular não se fazia presente nesses eventos somente para distrair o público, tal como faziam acreditar os militares e os mais conservadores, no período (KOTSCHO, 1984: 17-18). A música dava sentido aos ideários da oposição e a seus desejos por democracia, transmitia uma mensagem de esperança, chamava à união e difundia a liberdade em momentos de incertezas e dúvidas com relação ao futuro político do país.

A campanha eleitoral de 1976: a atuação indireta da MPB

A campanha eleitoral de 1976, marcada pelas limitações da Lei Falcão 2, elegeria, de forma direta, prefeitos, vice prefeitos e vereadores, no dia 15 de novembro ou em 10 de dezembro (nos municípios em que as eleições, por qualquer razão político e/ou partidária, não puderam ser realizadasem novembro)3. Artistas da TV e grandes nomes do teatro marcaram presença na campanha eleitoral do partido de oposição do período, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Artistas como Carlos Zara, , Paulo Pontes (autor, junto a , da peça “Gota d’água”) e o diretor teatral Plínio Marcos explicitavam seu apoio ao partido oposicionista(JORNAL DO MDB, 11/1976: capa; 2; 4).Até onde se sabe, os cantores de MPB, talvez muito devido aos ainda difíceis tempos ditatoriais, não tiveram participação direta nessa campanha eleitoral. 4 Durante a campanha de 1976, os comícios do MDB eram boicotados e aconteciam com precariedade, segundo a revista Veja , enquanto os do partido governista, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), contavam com superproduções (VEJA, 3/11/1976: 20-26). Diante disso, a ARENA garantiu sua vitória, que foi, também, uma resposta às fatídicas eleições de 1974, nas quais os resultados positivos do MDB no pleito direto para deputados

2 Em 1976, em uma tentativa de barrar o avanço da oposição, o governo implementou a Lei Falcão, que modificou a legislação eleitoral, limitando a propaganda dos candidatos no rádio e na TV. Com a lei, os candidatos somente apareceriam na TV por meio de uma foto, com seu nome e seu currículo, dificultando, principalmente,que o MDB difundisse suas ideias (FAUSTO, 2009: 420). 3 Informações de site : Cronologia das eleições no Brasil (1945-2010).In:Tribunal Superior Eleitoral (TSE) . Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleitos-1945-1990/cronologia-das-eleicoes . Acesso em 5 jun. 2014. 4 Por ora, ainda não encontramos referências da participação direta dos artistas de MPB nessa campanha em nossas fontes.

3 federais, senadores, deputados estaduais, distritais e de território,surpreenderam o governo militar (FAUSTO, 2009: 417-420). Ainda que não tenham participado de modo ativo na campanhas oposicionista de 1976, os cantores de MPB atuavam politicamente, dando seus recados em suas próprias atividades profissionais, em um contexto da MPB, segundo Marcos Napolitano, marcado pelas “canções de abertura”, a exemplo de (entre muitos outros): Chico Buarque, que, ao lançar seu novo LP, “Meus caros amigos” (UNIVERSAL, 1976), apresentou a música “O que será” (Chico Buarque), que seria, na sequência, canção de inspiração ao Movimento Estudantil, e a música tema do disco, “Meus caros amigos”(Chico Buarque/Francis Hime), que deixava claro o quanto a coisa aqui no Brasil estava “preta”, qual seja, difícil. Além disso, vale destacar que sua canção “Apesar de você”, de 1970, ainda estava sob censura nesse período, por ter sido considerada uma afronta ao então presidente Garrastazu Médici; o cantor Fagner, comentando sobre a estrela na frente de seu boné (tal qual Che Guevara), em entrevista à Veja , comentava sobre política, buscando, no entanto, não ser tão direto: “Para as más línguas, eu digo que uso porque sou estrela mesmo. Mas também porque estrela é sinônimo de pensar em alguma coisa, em algo que me orienta. Terceiramente, porque ela pintou no meu boné” (VEJA, 17/11/1976: 125-126);a intérprete realizava nesse ano, no Teatro Bandeirantes, de São Paulo, o hoje famoso show “”, um marco em seu engajamento político (LUNARDI, 2011: 223-238).

A campanha eleitoral de 1978: a MPB como “voz ativa”

Em 1978, além do pleito indireto que escolheu, via Colégio Eleitoral, o novo presidente da República, João Baptista Figueiredo, e, também de modo indireto, os governadores estaduais, houve, por meio de eleições diretas, a escolha de deputados federais, estaduais, distritais, de territórios e senadores. Segundo a revista Isto É, em comentário crítico à presença dos artistas nas campanhas eleitorais de oposição, o showbusiness estava ao lado do MDB, a exemplo de famosos da TV e do teatro, como Regina Duarte, Bruna Lombardi, , Eva Wilma, Osmar Santos, Mário Lago e Dias Gomes. Ao lado destes, estavam, já na época, importantes nomes da MPB, como Chico Buarque, Elis Regina, Sérgio Ricardo e Gonzaguinha (ISTO É, 29/11/1978: 14). No resultado final das eleições, percebeu-se uma outra vitória do MDB, para desgosto dos militares.

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A presença dos artistas de MPB não se deu, somente, em suas aparições em comícios emedebistas, mas também em apoios políticos declarados a seus candidatos e trabalhos em suas respectivas campanhas eleitorais, bem como em declarações ligadas ao contexto político eleitoral na imprensa. Nesse sentido, vale destacar o apoio explícito de Elis Regina e Chico Buarque a Fernando Henrique Cardoso, candidato a senador pelo MDB/SP. Segundo Isto É , Chico chegou a assinar manifestos e fez jingle (“Saca rolhas”) para a campanha de Modesto da Silveira, candidato a deputado federal pelo MDB/RJ, e outro jingle ao candidato a deputado federal pelo MDB/SP, Audalio Dantas; e Elis, por sua vez, fez shows com renda revertida a candidatos populares (ISTO É, 29/11/1978: 14). Sobre a campanha do jornalista Audalio Dantas, ainda cabe apontar que, além do jingle de Chico, contou com show de João Bosco e do apoio de Elis Regina, em seu novo espetáculo “Transversal do tempo”, estreado no mesmo ano eleitoral (VEJA, 15/11/1978: 20-22). A música, por si só, também dava seu recado, a exemplo da já conhecida “canção de protesto” “Disparada” (Geraldo Vandré), vencedora do II Festival de MPB, em 1966, tocada na propaganda eleitoral televisiva do MDB/RS, enquanto apareciam as fotos dos candidatos. A propaganda foi impugnada pela ARENA, em uma demonstração de como a canção remetia a um imaginário de protesto e denúncia de mazelas sociais durante o Regime (VEJA, 27/09/1978: 32). Além disso, outros artistas, a sua maneira, faziam, em seus trabalhos individuais, protestos: Sérgio Ricardo fez show no Teatro Dulcina, no , em prol do jornal oposicionista Versus , da Convergência Socialista; a cantora Simone começava a entrar no circuito musical de MPB, dizendo-se não omissa à política por cantar a música “1º de Maio” (Chico Buarque/), cedida a ela pelos compositores,em show no Ibirapuera, em São Paulo; Milton Nascimento lançou o disco “ 2” (EMI, 1978) e, com , fez, nesse mesmo ano, declarações muito incisivas sobre democracia na imprensa (VEJA, 1º/11/1978: 48-50; 52; 54-55); segundo Veja , , apesar de, insistentemente, manifestar-se descomprometido com política, estava mostrando atitudes engajadas, cantando canções com preocupações sociais, como “Sampa” (Caetano Veloso), de seu disco “Terra” (PHILIPS, 1978). O mesmo, segundo a revista, ocorreu em seu mais recente espetáculo, no Teatro Thereza Raquel, no Rio de Janeiro, ao citar trecho de “Ele disse” (Ednardo Ferreira) (“Ele disse muito bem/o povo de quem fui escravo/não será mais escravo de ninguém”), em homenagem a Getúlio Vargas, o “pai das leis trabalhistas”, provocando a

5 excitação da plateia. De acordo com as palavras de Caetano, mais que engajamento o que havia era “um lance poético em momentos que a política está no ar”, o que mostra que os artistas de MPB estavam antenados e sensíveis à estrutura de sentimento democratizante que estava em voga no Brasil(VEJA, 15/11/1978: 20-22). Sobre Chico Buarque, vale destacar o lançamento do disco “Chico Buarque” (PHILIPS, 1978), no qual, finalmente, pode gravar “Apesar de você” (Chico Buarque), proibida pela censura, em 1970 (HOMEM, 2009: 83-86). A música foi utilizada, largamente, nas campanhas pelas Diretas Já e considerada um dos tantos hinos da resistência à Ditadura Militar.

A não eleição de 1980: a MPB reage nos palcos

O Regime Militar suspendeu as eleições de 1980, que elegeriam prefeitos, vice prefeitos e vereadores municipais, alegando, com a apresentação da Emenda Anísio de Souza, que os novos partidos – oposicionistas, como PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PT (Partido dos Trabalhadores), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), e o governista, PDS (Partido Democrático Social) - criados em 1979, ainda não estavam prontos para as campanhas eleitorais(MOTTA, 1999: 127- 131).Essa foi mais uma estratégia do Regime para conter o avanço das oposições, que, novamente, mostraram sua força nas urnas no pleito anterior.Na oportunidade, segundo a Veja ,a oposição solicitou a eleição direta para presidente da República em 1984 e as eleições para prefeitos, vice prefeitos e vereadores em 1982 (VEJA, 19/11/1980: 20-23). Já é sabido que os pedidos quanto às eleições de 1982 se concretizaram e os das eleições diretas para presidente, em 1984, ficaram somente em projeto. Mesmo sem eleições e, por conseguinte, campanhas eleitorais, os artistas de MPB, tal como já era comum, mostravam sua força e atuação política nos palcos. A presença de , Sá & Guarabira e Amelinha, no 32º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), entidade recentemente tirada da ilegalidade 5, que ocorreu em Piracicaba, interior de São Paulo, foi um exemplo do apoio dos cantores de MPB à causa estudantil(VEJA, 22/10/1980: 20-23).

5 Sobre história da UNE, ver: ARAÚJO, 2007.

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Uma série de artistas compareceu ao show de MPB realizado no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, com promoção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, objetivando arrecadar verbas para o fundo de greve paulista. Estiveram presentes, e, naturalmente, sob a mira do DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social): Ciro Braga, Gonzaguinha, João do Vale, MPB-4, , Belchior e Caetano Veloso(DEOPS, 12/4/1980). O grande espetáculo “Show 1º de Maio”, de 1980, no Pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro, que reuniu dezenas de artistas em comemoração ao 1º de Maio, Dia do Trabalho, foi uma alternativa de resistência às comemorações oficiais do Estado militar.De acordo com Veja , oshow , promovido pelo CEBRADE (Centro Brasil Democrático) (NAPOLITANO, 2011: 134)teve o propósito de arrecadar valores para o fundo de greve paulista e para o CONCLAT (Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras). O mesmo periódico noticiou alguns comentários ligados à política feitos pelos cantores: Chico Buarque dizia que estava em dúvida entre o PMDB e o PT; se dizia a favor do povo; Caymmi colocava- se a favor das eleições diretas; , de forma crítica, dizia não acreditar na Abertura; e Flávio Venturini (do grupo 14 Bis) dizia torcer para Brizola. Porém, diferente de mostrar a força de suas opiniões ou posicionamentos, Veja desqualificou a atuação política dos artistas e a chamada “união”, pois os comentários permitiram, segundo a revista, “a observação da profundidade das diferenças ideológicas entre cantores e compositores”(VEJA, 7/5/1980: 18). Gonzaguinha apresentava posturas oposicionistas bastante incisivas e em show junto a seu pai, Gonzagão, no Ginásio de Esportes do Clube dos Bancários, em Marília, interior de São Paulo, convidou os estudantes universitários presentes na plateia a participarem do Congresso da UNE/UEE (União Nacional de Estudantes/União Estadual de Estudantes) e fez discurso antiditadura (DEOPS, 25/08/1980).Ivan Lins, tal como Gonzaguinha, também tinha posturas mais ativas e diretas contra a Ditadura. Em show no Ginásio de Esportes do Yara Clube, de Marília, no interior de São Paulo, falou para o público sobre a necessidade de ter coragem e cantou música contra a Polícia Militar carioca. Segundo o DEOPS, quando das críticas ao governo, foi fortemente aplaudido(DEOPS, 13/10/1980). Veja noticiou que Chico Buarque lançou o álbum “Vida” (POLYGRAM, 1980), “sem metáforas políticas”, porém a análise do disco permite concluir que a canção “Fantasia”

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(Chico Buarque) carrega em si uma esperança por dias melhores no Brasil 6 (VEJA, 15/10/1980: 93-94; 98). Fafá de Belém também lançou um novo disco de nome sugestivo “Crença” (POLYGRAM, 1980) e a canção “Bicho Homem” (Milton Nascimento/Fernando Brant) expressava que “todo canto é um farol” e que o seu canto “chuta o traseiro do ditador e quer ser Brasil”, chamando à irmandade, à união, e, por meio do ato de cantar, mostrava a luta por um país mais democrático (VEJA, 29/10/1980: 147). Segundo a revista Isto É , Elis Regina lançou o álbum “Elis” (EMI-ODEON, 1980) tentando acompanhar as mudanças sociais (ISTO É, 24/12/1980: 59-60). Em 1980, a cantora também estreava, no Canecão, na cidade do Rio de Janeiro, o novo espetáculo “Saudade do Brasil”, que, segundo ela própria, falava sobre o medo daqueles dias (ISTO É, 2/4/1980: 54). 7Gal Costa, por sua vez, lançou o disco “” (UNIVERSAL, 1980), retomando o repertório de , numa estratégia de resgate de um nacionalismo, e quando de seu show “Gal Tropical” falou sobre política comentando que não se sentia apta a falar sobre isso, mas que acreditava em formas diferentes de fazer política e respeitava muito as de Caetano, Chico e Elis, por exemplo (JT, 12/04/1980: 18) 8. O grupo MPB-4, que foi censurado no espetáculo de 1977, “No país das maravilhas”, fez, em 1980, o show “Vira Virou”, no TUCA e, segundo a revista Isto É , continuavam combativos ao cantarem a música não gravada em disco por Chico Buarque, “Linha de montagem”, em homenagem aos metalúrgicos do ABC (ISTO É, 22/10/1980: 5; FSP, 9/10/1980: Ilustrada: 6).

A grande campanha eleitoral de 1982: a força da MPB nos palanques e na imprensa

Em 1982 ocorreu a primeira eleição pluripartidária do período da Abertura política. Foi o momento em que, desde o ano de 1966, governadores, prefeitos, vice prefeitos e vereadores foram eleitos pelo voto direto. 9Tal como já estava previsto, os partidos que concorreriam às eleições eram: o situacionista, PDS; e os oposicionistas, PMDB, PDT, PT e

6 A canção foi composta especialmente para o espetáculo do MPB-4, “Bons tempos, hein?”, de 1979, que fazia uma análise crítica dos então quinze anos de Ditadura. 7 Além disso, é interessante apontar que a imagem de Elis Regina aparecia na propaganda do jornal de oposição, Coojornal , de Porto Alegre (ISTO É, 02/04/1980: 74 ). 8Neste texto, o Jornal da Tarde , o jornal Folha de S. Paulo e o jornal O Estado de S. Paulo serão referidos por meio das siglas JT, FSP e OESP, respectivamente. 9 Idem ànota 3.

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PTB. Mais uma vez, assim como em 1978, um grande elenco de artistas, da TV, do teatro e da música popular,participou das campanhas eleitorais. As posições, muitas vezes, diferentes dos artistas, expressam o quanto ainda havia dúvidas e uma falta de unanimidade do grupo artístico por uma tendência/partido político ou outro(a). O que havia era um sentimento coletivo de pertencimento a uma oposição, fosse ela política, propriamente dita, ou que expressasse atitudes mais modernas de comportamento, de acordo com o ideário das novas esquerdas, na década de 1970 (ARAUJO, 2000: 16-17).Isso também ficou manifesto na atuação artística quando das Diretas Já. Nesse sentido, é interessante apontar que a Isto É preparou uma pequena entrevista com artistas para conhecer suas posições quanto à candidatura de Miro Teixeira, do PMDB/RJ, e de Sandra Cavalcanti, do PTB/RJ, ao governo do Estado (ISTO É, 21/4/1982). De acordo com a revista, Chico Buarque disse que ainda não havia decidido, mas que, indubitavelmente, não votaria em Sandra; disse que esperaria o debate entre os candidatos; Ivan e Lucinha Lins disseram que não preferiam ninguém; o casal e Baby Consuelo disse que votaria em Sandra, porque era feminista (expressando menos posicionamento político e/ou partidário, mas em conformidade com os novos padrões de comportamento); Sidney Magal disse votar em Sandra; disse estar indeciso, mas tinha simpatia pelo PT; e o cineasta Cacá Diegues declarou votar em Miro, porque era um candidato da oposição. A pressão por um posicionamento artístico coerente era explícita e, nessa direção, a revista Veja desqualificou, por exemplo,a opinião de , quando disse, há meses atrás, que votaria em Miro Teixeira e, nesse momento, em Brizola, do PDT/RJ (VEJA, 06/10/82: 24-29). As diferenças político partidárias dos artistas de MPB, ainda que todos apoiassem a oposição, ficam ainda mais esclarecidas quando observamos a participação dos cantores em comícios de diferentes partidos: Beth Carvalho chegou a participar de um comício do PMDB/SC e, na oportunidade, cantou “Virada” (Noca da ), que dizia “está na hora da virada/vamos virar o jogo”, uma frase utilizada por ela, anos mais tarde, em 1984, quando da campanha pelas Diretas Já; Chico Buarque e Simone participaram da festa do PMDB/RJ, onde Brizola estava à frente de Miro Teixeira e do candidato do PDS; participou do comício de Brizola, no Rio de Janeiro; Fafá de Belém participou do comício do PMDB/PR, apoiando a candidatura a governador de José Richae a senador de Álvaro Dias;

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Chico Buarque, Simone e Clara Nunes estiveram no comício do PMDB/PE; e Elba Ramalho esteve em comício do PMDB/SC(VEJA, 27/10/1982: 40; 43; 45). A relação entre a presença dos artistas nas campanhas e a quantidade de público/pessoas nos comícios era por vezes questionada da imprensa, algo que, mais pra frente, quando das Diretas Já, seria alvo de sérias críticas feitas pelo próprio governo militar, na tentativa de desqualificar o impacto das manifestações de rua. Nesse sentido, quando da participação de Elba Ramalho no comício do PMDB, em Florianópolis, a revista Veja , por exemplo, alegou que a grande quantidade de pessoas no comício era para ver as famosas bonitas pernas da cantora(VEJA, 10/11/1982: 40; 43; 45). Chico Buarque, o artista mais engajado politicamente, escreveu à Veja , em entrevista especial, das páginas amarelas, sobre o show “Canta Brasil”, de 198210 , realizado em prol da CONAM (Conferência Nacional de Moradores). Disse Chico, na oportunidade, que insistia em participar da política, pois não acreditava que o artista deveria ser comprometido somente com sua arte. Nesse sentido, declarou que acreditava, segundo suas próprias palavras, utopicamente, em uma frente de oposições, já que não manifestava interesse, no momento, em se filiar a qualquer partido político. Sobre o fato de a imprensa noticiar que artistas, como Elba Ramalho, Pepeu Gomes e Baby Consuelo terem expressado, durante o espetáculo, desconhecimento da CONAM (FSP, 9/2/1982: 27), Chico deixou claro que os artistas presentes no “Canta Brasil” tinham consciência do porquê ali estavam, ainda que levasse em consideração que um pedido seu não seria negado por integrantes de sua classe artística(VEJA, 17/2/1982: 3-4).

As festas das Diretas Já: artistas, músicas e política

Embalada pelas frasesde canções de Chico Buarque, como “Amanhã vai ser outro dia” e “Vai passar”, a sociedade civil brasileira entregou-se à campanha que pedia eleições diretaspara o Presidente da República “já”, qual seja, naquele mesmo ano de 1984.

10 Nesse ano eleitoral, já consagrados nomes da MPB, na época, compareceram ao show “Canta Brasil”, em São Paulo, no Estádio do Morumbi. O espetáculo contou com a presença de Milton Nascimento, Fagner, Simone, Gonzaguinha, Clara Nunes, , Nara Leão, Ivan Lins, Djavan, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, MPB-4, João Bosco, Elba Ramalho e (OESP, 7/2/1982: 38). Foi nessa ocasião que ficou registrado o emocionado da cantora Simone ao interpretar “Caminhando”, de Geraldo Vandré (JT, 8/2/1982: 12) e a homenagem feita a Elis Regina, que falecera no mês anterior, em 19 de janeiro (JT, 8/2/1982: 12).

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A primeira manifestação pública pelas Diretas Já aconteceu em novembro de 1983, em frente ao Estádio do Pacaembú, em São Paulo, tendo sido uma organização do PT, do PDT, do PMDB e de mais setenta entidades. Porém, segundo a Folha de S. Paulo , faltou a confraternização suprapartidária que se esperavaem torno do objetivo das eleições diretas, tendo sido mais um comício do PT.Nessa oportunidade, houve a notícia da morte do senador Teotônio Vilela, do PMDB, um dos mais importantes articuladores políticos pelas eleições diretas para presidente. O tema do ato era “sem eleição direta não há democracia” (FSP, 28/11/1983: 4) e a participação de artistas nesse evento ficou restrita ao show de Marília Medalha e de Abílio Manoel e apresença deLélia Abramo e Ester Góes. 11 O primeiro grande comício pelas Diretas Já ocorreu em Curitiba, capital do Paraná, e contou com a presença de cerca de 40 mil pessoas. A cor amarela e a inscrição “Quero votar pra presidente” eram preponderantes em meio à multidão (FSP, 13/1/1984: 6; ISTO É, 18/01/1984: 18-21) e a ideia inicial da campanha era não aceitar qualquer negociação com os militares, bem como apelar pela criação de um governo de transição até as eleições diretas de 1984.Osmar Santos, radialista esportivo da rede Globo, que, na sequência, se tornaria no “locutor das Diretas”, apresentou-se pela primeira vez. Diferente do primeiro ato, em 1983, estiveram presentes nesse primeiro grande comício um elenco de artistas já consagrados: a atriz Bete Mendes, deputada do PT, , Dina Sfat e Raúl Cortez. Animando o comício e também dando seu apoio, cantou uma canção que compusera em Angola (FSP, 13/1/1984: 6). 12 Sobre as Diretas, escreveu Chico Buarque, dando seu apoio, na primeira quinzena de janeiro: “Ninguém escolhe melhor do que o povo. A prova disso é que ele está impedido de se manifestar há vinte anos e nada está dando certo” (JT, 13/1/1984: 6). O apoio à campanha também foi dado pela cantora Simone e pela dupla gaúcha Kleiton e Kledir. Ainda em janeiro, a cantora Elba Ramalho, grande sucesso no momento (alcançando recordes de bilheteria em seu show “Coração brasileiro, no Canecão, Rio de Janeiro), apareceu em reportagem da revista Veja com camiseta das Diretas. Segundo a reportagem, no

11 Dias depois, a campanha das Diretas contou com o apoio e a adesão de artistas que se manifestaram nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, fazendo circular um abaixo assinado pelas Diretas. Estavam lá: Juca de Oliveira, Raúl Cortez, Regina Duarte e Ruth Escobar (VEJA, 30/11/83: 36-40). 12 Houve inserções da manifestação no Jornal Nacional , da TV Globo, mostrando que a imprensa televisiva não estava completamente alheia ao que estava acontecendo, ainda que não tivesse dado a devida atenção ao fenômeno de massa que estava ocorrendo no Brasil.

11 referido espetáculo, a artista passou a convocar o público para participar da campanha(VEJA, 18/1/1984: 20-22). No 430º aniversário de São Paulo foi realizado o primeiro grande comício “monstro” das Diretas, reunindo, na Praça da Sé, políticos e artistas. Segundo a imprensa, os discursos foram entremeados pelas apresentações dos artistas(FSP, 25/1/1984: capa). Quanto aos cantores de MPB, vale a pena destacar a participação de: Moraes Moreira cantando a então liberada pela censura, “Frevo das Diretas”; Jessé interpretando “Nos bailes da vida”, de Milton Nascimento, que dizia que “todo artista tem de ir aonde o povo está”; Sérgio Ricardo entoando “Vou renovar”, um baião, pedindo a renovação da política brasileira; Belchior cantando a sua “Apenas um rapaz latino americano”, mostrando a esperança por dias melhores; Martinho da Vila interpretando “Canta, canta minha gente” (Martinho da Vila/Gonzaguinha) e improvisando, com versos da própria cançãoque dizia “canta canta, minha gente/deixa a tristeza pra lá/canta forte, canta alto/que a vida vai melhorar”(“pra melhorar só votando pra presidente”, disse Martinho). Chico Buarque foi o artista mais aplaudido e cantou trecho de “Apesar de você” (Chico Buarque), mostrando a esperança por um amanhã melhor. É importante destacar que essa canção embalou o comício, com direito a faixa com o trecho “Amanhã vai ser outro dia”;Alceu Valença e Gilberto Gil, juntos, cantaram “Anunciação”, música nova de Alceu Valença, de seu álbum “Anjo avesso” (UNIVERSAL, 1983), que pressagiava a chegada das Diretas com os versos “tu vens, tu vens/eu já escuto os teus sinais”. O final do comício foi marcado, de forma emocionante, com Simone cantando “Caminhando”, canção emblemática de Geraldo Vandré, de protesto aos militares, em 1968, e com todos, de mãos dadas e estendidas para o alto, cantando o Hino Nacional brasileiro (JT, 25/1/84: capa; 11). Beth Carvalho não esteve presente no comício da Sé, devido aos últimos ensaios de seu show “Suor no rosto”, em cartaz no Palace, em São Paulo. Dizia ela, em reportagem da Folha , no entanto, que gostaria muito de estar junto ao povo, na praça, pois, para a artista, esse era o momento “da virada”, em apologia à música que cantava, de grande sucesso, em 1978, “Virada” (“vamos lá rapaziada/tá na hora da virada/vamos dar o troco/vamos botar lenha nesse fogo/vamos virar esse jogo/que é jogo de carta marcada/ [...] é hora do tudo ou nada”). É interessante destacar a atuação da cantora em prol das Diretas nesse show : ao final do espetáculo, Beth e músicos exibiamno palco faixa com a inscrição “Firme e forte com as Diretas”, a favor da campanha. O letreiro da faixa, segundo Beth, fazia apologia ao título de

12 uma das canções de seu novo LP, a “Firme e forte” ( e Efson), e, de acordo com a artista, fora improvisada, pois a estreia do espetáculo ocorrera no dia 25 de janeiro, data do grande comício da Sé(FSP, 4/2/1984: capa; 6). Mesmo com a participação e o perceptível engajamento artístico na campanha pelas Diretas, o Ministro da Justiça, AbiAckel, insistia em dizer que a grande aglomeração de pessoas nos comícios era devida à presença dos artistas. Os artistas, em resposta ao ministro, apelaram judicialmente, pois se sentiam ofendidos com tal afirmação. Veja comentou - em uma tentativa de mostrar-se mais a favor das Diretas, já que a grande imprensa, a esse momento, já apoiava a campanha 13 - que o comício mostrou que, sozinhos, os artistas não seguravam aquela manifestação (VEJA, 1º/2/1984: 12-18). Bom exemplo disso, ocorreu no comício de Teresina, capital do Piauí, onde, a cinco quadras do ato político, acontecia um show de Elba Ramalho. Segundo Kotscho, havia mais gente no comício que no espetáculo de Elba “desmentindo as afirmações do Ministro da Justiça, Abi Ackel, de que o povo só vai a comício para ver artistas” (KOTSCHO, 1984: 51). Na mesma oportunidade, Veja noticiou o sucesso da cantora paraense, Fafá de Belém, nas campanhas pelas Diretas. Segundo a revista, Fafá fora convertida na “menestrel da Direta”, em apologia à música de grande sucesso, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, e feita em homenagem ao senador Teotônio Vilela, que a cantora interpretava, com grande emoção, nos comícios, “Menestrel das Alagoas”. Fafá declarava que considerava a participação nas Diretas como obrigatória e defendia a absorção do apoio dos políticos do PDS contrários à indireta na campanha. Para ela, os artistas, eram os avalistas entre o povo e o governo(VEJA, 1º/2/1984: 12-18). Para intensificar e difundir ainda mais a campanha, em fevereiro, saíram em caravana pelo país Ulysses Guimarães (presidente nacional do PMDB), Lula (líder sindicalista e presidente nacional do PT) e Doutel de Andrade (presidente nacional do PDT, representante de Leonel Brizola). De acordo com a Folha , a impressão era de que os “3 mosqueteiros” (chamados assim, pois estavam sempre juntos e lutando por um objetivo em comum) pertenciam ao mesmo partido, o “partido das Diretas” (FSP, 19/2/1984: 6).14

13 De forma geral, na segunda metade da década de 1970, a revista apresentava, de forma discreta, muitas vezes, uma política mais a favor do governo. Nota-se isso ao serem analisadas reportagens da época, da própria revista. 14 Uma série de artistas acompanharam os políticos na caravana. Assim, no comício de Belém, capital do Pará, estiveram Dina Sfat, Lúcio Mauro e os cantores Fafá de Belém e Pinduca, cantor paraense e autor da “Marcha das diretas” (“o povo está querendo/um Brasil em linhas retas/com eleições diretas [...]”) (FSP, 17/2/1984: 5). Segundo a Folha , no carro de som que convocava a população para o comício, tocava “Caminhando”,

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Mesmo com as investidas das oposições e do apoio, em massa, da população, o presidente Figueiredo, em 12 de fevereiro de 1984, apresentou suas intenções em realizar as próximas eleições presidenciais com pleito indireto. O vice-presidente, Aureliano Chaves, explicitou, por sua vez, o apoio às Diretas, demarcando os impasses políticos que ocorriam dentro do próprio governo (FSP, 16/2/1984: 4). No grande comício de , capital mineira, Simone repetiu a apresentação emocionante de “Caminhando” e a Fafá coube cantar o Hino da Independência brasileira, como se as Diretas pressupusessem a libertação da “brava gente brasileira”. Cantores como Maria Bethânia, Chico Buarque (segundo a Folha de S. Paulo , muito ovacionado) e Gonzaguinha, tiveram presença garantida nesse comício. Chico Buarque, por exemplo, ensaiou alguns versos adaptados de sua canção “Vai levando” (Chico Buarque/Caetano Veloso)(“a gente vai levando/ a gente vai levando/ a gente vai levando as Diretas”), e Gonzaguinha fez pequeno discurso tratando da busca de democracia por meio da festa e da alegria. Chico, para repórteres, disse que: “[...] As diretas por si só não resolvem tudo, mas são o primeiro passo para que passemos a discutir mais. A solução de nossos problemas começa por aí”(FSP, 25/02/1984: capa; 4-5). Para problematizar um pouco a atuação dos artistas e a maciça presença de público nos comícios pelas Diretas, em função dos pronunciamentos de Abi Ackel, a revista Veja lançou o seguinte comentário: não é verdade que o povo vai aos comícios só para ver artistas; mas também, não é verdade que o povo vai para os comícios, absorve todas as ideias e se convence (VEJA, 29/2/1984: 20-23). O grande comício do Rio de Janeiro, o maior da história brasileira, até então, foi marcado para o dia 10 de abril de 1984, na Candelária. (ISTO É, 18/4/1984: 28-37). Participaram Fafá de Belém, Chico Buarque, Lecy Brandão, Fagner, , João Bosco, Zezé Motta, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Maria Bethânia, , Moraes Moreira e Paulinho da

embalando o tom de protesto da sociedade civil brasileira (FSP, 19/02/1984: 6); O comício de Goiânia, no mês de abril, contou com a presença de Fafá de Belém cantando “Menestrel das Alagoas” (JT, 13/4/1984: 6) e Martinho da Vila interpretando seu “O pequeno burguês” (Martinho da Vila), cujo refrão dizia que “particular, ela é particular”, como se referisse às eleições indiretas. Martinho também cantou, novamente, trecho da canção “Canta canta, minha gente” (FSP, 13/4/1984: 6). No comício de Porto Alegre estiveram Fafá de Belém, João Bosco e a dupla gaúcha Kleiton e Kledir, cantando “Vira virou” (Kleiton Ramil), que demonstrava uma nova onda de mudanças (“ah, vira virou/meu coração navegador/ah, gira girou/essa galera”) (JT, 13/4/1984: 6; FSP, 14/4/1984: 6).

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Viola (FSP, 10/4/1984: capa; 4; FSP, 11/4/1984: capa; 4-6). Para explicitar um pouco como ocorreu a participação dos artistas nesse evento, vale a pena verificar que Lecy Brandão lembrou o samba da escola de samba Caprichosos de Pilares (“Salomé, Salomé, bate um fio pro João, que indiretas não dá pé”); Taiguara cantou música própria, “Universo no teu corpo”, cujo refrão dizia “o povo unido jamais será vencido”; João Bosco, sem violão, cantou “O bêbado e a equilibrista”, o já então famoso “Hino da Anistia”; Fafá de Belém cantou a já muito conhecida canção dos comícios, “Menestrel dasAlagoas”; Milton Nascimento cantou, junto ao público, “Nos bailes da vida”, marcando um momento de compartilhamento de ideias e emoções entre público e artista, pois o público cantou junto a ele, de mãos dadas, ao alto; Morares Moreira cantou o “Frevo das Diretas” (FSP, 11/4/1984: 5). De acordo com a Folha , Chico, Fagner, Martinho da Vila, Zezé Motta e Beth Carvalho cantaram canções que expressavam o desejo de votar já. Erasmo Carlos, por exemplo, não cantou, mas disse, no palanque, que ele, tal como seu filho de 20 anos, queriam votar para presidente. Como já era tradição, o final do comício foi marcado pela canção “Caminhando”, tocada nos alto-falantes.Segundo o mesmo jornal, o objetivo dos organizadores era transformar o comício em uma grande festa com a presença de artistas(FSP, 11/4/1984: capa; 4-6). A Isto É, no entanto, criticou a festa, escrevendo que, como “espetáculo”, o comício nem sempre foi atraente (ISTO É, 18/4/1984: 28-37). A Folha aindatrazia a informação de que o Ministro do Interior, Mário Andreazza, também atribuía o sucesso de público nos comícios aos artistas, assim como ao comércio fechado e à gratuidade do transporte público (FSP, 11/04/1984: 5). Vale destacar que a Veja também noticiava, de igual maneira, que o Ministro do Exército, general Walter Pires, desqualificava o sucesso dos comícios atribuindo à presença maciça de público aos artistas(VEJA, 18/4/1984: 22-31). Outro grande comício explodiu em São Paulo, no mês de abril, agora, no Vale do Anhangabaú(JT, 17/4/1984: 11-13; 16; 23).O ato contou, como sempre, com a presença de muitos artistas/cantores, a exemplo de, segundo o Jornal da Tarde : Sérgio Ricardo, que improvisou uma embolada; Taiguara, que fez um discurso lembrando Jango; Walter Franco, que interpretou canção que falava do respeito à vontade do povo; Beth Carvalho, que cantou “Virada”; Fafá de Belém, que cantou “Menestrel das Alagoas” e falou que essa era a marselhesa brasileira;Milton Nascimento e Alcione (FSP, 15/4/1984: capa; 2; 4-5;).No caminhão de som, a caminho do Anhangabaú, estiveram Martinho da Vila, Chico Buarque e

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Beth Carvalho. A participação dos artistas, segundo o jornal, se dava da seguinte forma: cantavam um pequeno trecho de sua música mais conhecida, com letra adaptada e, ao final, gritavam entusiasmados “Diretas já”(JT, 17/4/1984: 11-13; 16; 23). Na oportunidade desse comício, Brizola anunciou no palanque que Figueiredo havia encaminhado uma emenda para a realização das eleições diretas somente em 1988. Lula, em discurso, após o anúncio de Brizola, comunicou ao povo que não haveria qualquer forma de negociação das oposições com o governo, pois entendia que se tratava de uma traição à população. Em relação a isso, os cantores também se manifestaram: Chico comentou sobre a importância e a força das campanhas pelas Diretas em São Paulo e no Rio de Janeiro; Fafá de Belém considerava que, mesmo que as Diretas não fossem aceitas, toda a manifestação popular levou consciência à população; Sérgio Ricardo entendia que a emenda se tratava de uma teimosia de Figueiredo; e Beth Carvalho falava sobre sua emoção em participar de toda a mobilização pelas Diretas Já. O comício terminou com Fafá soltando a pomba e o jogador Sócrates comandando a cantoria final de “Caminhando”. Antes da votação da Emenda Dante de Oliveira, que aconteceria em 25 de abril de 1984, a Folha , grande defensora e divulgadora da campanha pelas Diretas, noticiou:“[...] o caráter pacífico dos protestos tem constituído a arma mais eficaz da sociedade civil para converter essa imensa força social em força política [...]” (FSP, 12/4/1984: 2). O jornalista do mesmo jornal,Ricardo Kotscho, que acompanhou de perto toda a mobilização em torno das Diretas, fez um balanço otimista da campanha: o herói era anônimo, era o povo nas ruas e nas praças; todos que participaram dos comícios e passeatas tinham consciência do porquê ali estavam e, caso não tivessem, passaram a ter após a participação; foi um momento de união, de reunião suprapartidária, de artistas, políticos, jornalistas, líderes sindicais e de entidades civis (FSP, 22/4/1984: 5). Ainda que houvesse grande desejo popular pelas Diretas Já, a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada no Congresso Nacional, sequer indo à votação para o Senado.A grande imprensa escrita anunciou, com tristeza e decepção, a derrota da emenda, que também expressava uma derrota para a sociedade civil brasileira do período(JT, 26/4/1984: capa; 3; 5). À oposição não restou alternativas a não ser a negociação com o governo, transformando a vontade pelas Diretas Já em um desejo pela continuidade da luta (FSP, 25/4/1984: capa; 4-6; FSP, 26/4/1984: capa; 5).

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Pôde-se perceber neste texto que a presença dos artistas deu o tom de alegria/espetáculo dascitadas festas cívicas, ainda que a classe artística e, especialmente os cantores de MPB, não comparecessem aos referidos eventos somente para distrair o público entre os discursos políticos. Os artistas, tal como desenvolvemos nossa hipótese, deram seu apoio, direta ou indiretamente, fossem com palavras ou com suas/seus (trechos de) músicas, que sensibilizavam o povo/público ouvinte para a necessidade de luta pela redemocratização brasileira.

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