<<

COMUNI@CCION: Revista de Investigación en Comunicación y Desarrollo ISSN: 2219-7168 [email protected] Universidad Nacional del Altiplano Perú

Gomes Correa, Priscila COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE E DE - BRASIL COMUNI@CCION: Revista de Investigación en Comunicación y Desarrollo, vol. 4, núm. 1, enero-junio, 2013, pp. 14-27 Universidad Nacional del Altiplano Puno, Perú

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=449844866002

Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto ISSN 2219-7168

COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de Teoria da História da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)‐ Brasil. PRISCILA GOMES CORREA E‐mail: [email protected]

Recibido el 10/09/2012 Aprobado el 16/11/2012

RESUMEN ABSTRACT

Al confrontar las trayectorias artísticas de Caetano In facing the artistic path of Caetano Veloso and Veloso y Chico Buarque encontramos perspectivas Chico Buarque we found parallel and paralelas y complementarias en temas de la vida complementary perspectives in themes related to urbana cotidiana y la cultura en general. Son the urban life and culture in general. These are artistas que realizan un ejercicio concomitante con artists the made a concomitant exercise with a la canción, sus tradiciones y lenguas, que describen songs, traditions and languages that describe their los proyectos artísticos más amplios y ha esbozado widen artistic projects as the base of their careers. 14 el umbral de sus carreras. En este trabajo se This paper identifies the initial projects, continuity identifican los proyectos iniciales, sus and development in some songs and performances. continuidades y desarrollos en algunas canciones y actuaciones artísticas. KEY WORDS: popular music, Caetano Veloso, Chico Buarque, daily life, Resumo: Ao confrontar as trajetórias artísticas de Caetano Veloso e de Chico Buarque encontramos perspectivas paralelas e complementares sobre temáticas do cotidiano urbano e da cultura em geral. São artistas que realizam um exercício concomitante com a canção, suas tradições e linguagens, delineando projetos artísticos mais amplos e já esboçados no limiar de suas carreiras. Neste trabalho identificamos esses projetos iniciais, suas permanências e desdobramentos em algumas canções e performances artísticas.

PALAVRAS-CHAVE: Música popular; Caetano Veloso, Chico Buarque; Cotidiano

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

I INTRODUÇÃO notícia, intitulada “Sem discos novos, Chico Buarque e Caetano Veloso continuam em cena com Janelas abertas para o Cotidiano outras armas: livros, DVDs e coletâneas em CD”, na qual o jornalista destaca que “os dois artistas [...] A abordagem de temas e questões da vida cotidiana parecem mesmo destinados a viver como polos urbana tem sido muito comum na canção popular opostos fundamentais para a cultura brasileira brasileira, como retrato das contradições e contemporânea” (PIMENTEL, 2003). problemas da vida urbana ou de suas vivências e imaginários, formando uma extensa e complexa Enfim, o paralelo tornou-se historicamente rede de recados e interlocução. Caetano Veloso e inevitável, sugerindo ao mesmo tempo uma ampla Chico Buarque são dois importantes artistas gama de distensões independentes. Deste modo, é brasileiros que a partir da década de 1960 muito frutífero para o historiador da cultura o começaram a atuar nessa rede de comunicação, estudo de determinadas trajetórias intelectuais e ampliando-a ao tomar a canção também como artísticas como as de Caetano e de Chico, cujas expressão privilegiada para expor projetos ou inegáveis influências já indicam a importância de impressões críticas sobre a cultura brasileira. De suas produções, que correspondem a maneira que, do conjunto de suas obras podemos transformações sociais e culturais. Em suma, essas apreender modos de re-significação e trajetórias e todas as suas correlações constituem o representação acerca das relações entre objeto básico deste trabalho, ao expressarem cotidiano/cultura e cidade/subúrbio, como percepções e ações com determinados manifestações paralelas, complementares ou embasamentos sociais, capazes de revelar convergentes. E, uma vez que as canções desses permanências e transformações no tecido da compositores resultam de diversos fatores história. individuais e coletivos, daí engendrando reflexões e vivências sobre a sociedade brasileira, torna-se Portanto, não se trata de uma comparação estéril importante investigarmos também alguns dos entre méritos, procura-se não julgá-los, se suas processos, práticas e interlocuções que envolveram atitudes foram nobres ou indevidas, evitando suas intervenções artístico-intelectuais. confundir análise com proposta. O confronto sistemático que se apresenta na sequência, parte da “Trajetórias paralelas dos dois grandes artistas noção popular de conflito, com o intuito de brasileiros”, diz a capa de uma revista de 2009 desvendar práticas e imaginários vinculados a (Revista Bravo!), que estaria trazendo um ensaio movimentos mais abrangentes ao mesmo tempo em fotográfico histórico com os dois artistas juntos. que, por meio da comparação, reservamos a Durante o mês de abril daquele ano, cartazes com especificidade decorrente das trajetórias e opções 15 essa foto estamparam diversas bancas de jornal e de cada compositor. Dessa maneira, em vez de até as janelas dos ônibus que circulavam por buscar dois indivíduos unicamente exemplares de determinadas regiões do , visando determinadas tradições ou tendências, procura-se um público específico capaz de identificar a não prescindir da complexa relação entre importância desse paralelo, pois, embora já pertencimento e singularidade, encontrando, por desconhecidos do grande público, Chico e Caetano conseguinte, dois indivíduos ativos, influentes, e mantêm seu tradicional nicho de mercado. imbuídos de suas respectivas escutas ou percepções. Exemplos como estes foram periódicos ao longo dos últimos quarenta anos, e, ainda que não tenham II REVISÃO BIBLIOGRÁFICA sido parceiros frequentes, Chico e Caetano sempre foram vistos como referenciais paralelos. Logo no A “rede de recados” da música popular início desta investigação foi possível encontrar brasileira diversas notícias como esta: “Novo disco de Caetano reata 'dobradinha' com Chico”, De fato, a canção popular urbana adquiriu no Brasil (CALAZANS, 2006) destacando o esperado uma especial notoriedade, revelando-se como uma lançamento de CDs dos dois artistas no mesmo ano. forma artística capaz de expressar não só Essa referência acontecia mesmo quando não determinadas identidades, como também de lançavam discos, basta citar só mais uma recente sinalizar a cultura do país, constituindo inclusive

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

modos de reflexão oriundos dos entrecruzamentos envolvendo os mais diversos contra-discursos e re- e permeabilidades entre os diversos segmentos significações, captando as transformações urbanas, sociais. Como anotou Luiz Tatit (2004, p.11), cem suas contradições, problemas e imaginários. anos foram suficientes para a sua criação, Interlocuções diversas que acompanharam sua consolidação e disseminação, reunindo grande evolução ao longo do século, passando pela parte da sociedade brasileira – letrada ou não- consolidação do como gênero mais letrada, prestigiada ou desprestigiada, profissional representativo, pela , Tropicalismo, até ou amadora – no delineamento de seu perfil chegar à explosão de ritmos e gêneros desde a musical. (Cabe enfatizar que citamos essa década de setenta. avaliação, sobretudo em referência a um determinado segmento da canção popular - urbana, Nesse ínterim, a evidente referência à vida nas comercial e de privilegiada inserção nos meios de cidades e regiões que estavam sofrendo crescente comunicação, artísticos e intelectuais - urbanização tornou-se uma constante dentre as constituindo uma espécie de tradição desde os primeiros sambistas, passando por artistas mais temáticas das canções, como resultado de uma consagrados como e Ataulfo Alves até sensibilidade artística voltada, sobretudo, para as chegar em João Gilberto, em Caetano, Chico e conformações e resistências diárias, já configurada Vandré, em , , Lenine, etc. Essa pela literatura de fins do século XIX, mas então forma musical constituiu-se, por conseguinte, em indissociável da linguagem e dos anseios meio privilegiado de expressão pública, daí seus cotidianos. Assim, desde as modinhas e marchas artífices gozarem amiúde de grande prestígio e carnavalescas, passando pelos de Noel, influência. Sinhô, ou , e tantos outros momentos da música popular brasileira, até chegar Esse processo de consolidação passou por diversos ao pop e rap já naturalizados, encontramos os momentos cruciais ao longo do século XX, cujo temas relacionados ao cotidiano urbano. alvorecer propiciou a aliança entre os músicos populares e a tecnologia, entre os sambistas e o Contudo, os diversos processos sociais e culturais gramofone, denotando, definitivamente, a ocorridos a partir de meados do século ofereceram indissociabilidade entre estética e entretenimento oportunidade para a ampliação dessa tradicional na realidade da canção popular. E se esta já se rede de recados, num movimento amplo de configurava desde muito antes com base nos gestos representação e reflexão que instigou diversos e meneios da fala cotidiana, com o rádio e o disco artistas para reações críticas sobre a cultura ela começou a compor o dia-a-dia das residências e brasileira. Decerto que, desde seus primórdios, a 16 estabelecimentos comerciais de maneira canção popular desvelou antigas preocupações amplificada. Da fala cotidiana entrava, então, para acerca da possibilidade de caracterização do o cotidiano urbano, desprendida e para além de seus “caráter nacional brasileiro”, um exemplo clássico antigos espaços de audição, mas sem deixar de articular a diversidade de recados que o compositor foi o samba que, por volta dos anos trinta, esteve popular vinha comunicando, pois, como entre a repressão e a louvação. Em meio a uma caracterizou José Miguel Wisnik (2004, p.170), a extensa trama de tradições e debates, o música popular seria uma “rede de recados” que desenvolvimento desse gênero musical foi ao não abarca somente o conceitual, pois capta encontro de uma multiplicidade de pretensões e, de também e, sobretudo um conjunto de forças, uma acordo com Hermano Vianna, sua consolidação “pulsação que inclui um jogo de cintura, uma como música nacional expressou “o coroamento de cultura de resistência que sucumbiria se vivesse só uma tradição secular de contatos entre vários de significados, e que, por isso mesmo, trabalha grupos sociais na tentativa de inventar a identidade simultaneamente sobre os ritmos do corpo, da e a cultura popular brasileiras”(VIANNA, 2004, música e da linguagem”. p.34). Mas com a geração pós-Bossa Nova a canção atingiu um momento de autorreflexão mais Trata-se de uma indicação de como a canção foi se profunda, inclusive com diversos artistas se tornando uma forma de comunicação capaz de valendo de sua inserção privilegiada na indústria revelar e compor a vida cotidiana, um modo de cultural como recurso para promover determinadas dizer especial e compartilhado, por isso sempre reflexões críticas a partir das canções.

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

O fato é que, pelo menos desde meados da década pelos dilemas culturais, políticos e sociais do país. de cinqüenta, o processo de industrialização do país Muitos deles com implicação ideológica que se intensificou em paralelo ao crescente Walnice Nogueira Galvão (1976) avaliava, já em desenvolvimento do mercado e dos meios de fins da década de sessenta, como um projeto de comunicação de massa, motivando grandes levas “dizer a verdade” sobre a realidade imediata. E foi de migração interna e crescimento urbano sob esse contexto que a chamada MPB - Música desordenado. Às transformações políticas e sociais Popular Brasileira - (termo que abarcou tanto a somou-se uma onda de grande efervescência produção de Caetano Veloso quanto a de Chico cultural, em especial a partir dos movimentos Buarque) começou, segundo Marcos Napolitano, a ideológicos e de contracultura que caracterizaram o se estruturar como uma instituição sociocultural 1968 pelo mundo. Destarte, os artistas foram que, além de um gênero musical determinado, em levados gradativamente a responder às pressões de suas variáveis ideológicas e estéticas era seu tempo, discutindo não só os temas do dia-a-dia inseparável de uma cultura política marcada pelo como também a política e a cultura em sentido mais chamado “nacional-popular” de esquerda amplo, conectado com as reflexões teóricas e (NAPOLITANO, 2001, p.13). ideológicas a respeito do papel da arte e do artista sob um contexto de constante massificação cultural Naquele momento estava em questão novamente, e repressão política (a partir do golpe militar de mas de maneira transformada, a idéia de nacional- 1964). popular e seu diálogo com a cultura estrangeira, mas os processos de mistura já começavam a ser Nesse sentido, destacaram-se alguns artistas vislumbrados na essência da cultura nacional, oriundos da Bossa Nova ao iniciarem um amplo como sinalizava o movimento tropicalista. Note-se, movimento que desembocou na chamada canção entretanto, que o movimento tropicalista, de protesto. Vinícius de Moraes, , Edu diferentemente de algumas vertentes da canção de Lobo, Nara Leão, entre outros, começaram a protesto, procurava não se deter em essências ou abordar os problemas sociais do país, imbuídos de imagens, ou melhor, compunha-se da um imaginário político baseado na ideia de que, dessacralização e desmontagem dessas imagens. com a intervenção dos artistas e intelectuais, seria Segundo Celso Favaretto (1996, p.130), o possível chegar a uma sociedade mais justa. Daí a tropicalismo “ao invés de expressar a realidade, aproximação com as ideologias e projetos desmonta, pela crítica da linguagem da canção, a nacionalistas difundidos pelos CPCs (Centro idéia mesma de realidade brasileira”. Popular de Cultura), com o intuito de se buscar representações de uma memória genuinamente Ademais, como observou Martín-Barbero (2001, brasileira (CONTIER, 1998). Note-se que, como p.28) ao abordar processos similares em outros 17 assinala Eduardo G. Coutinho (2002, p.69), países latino-americanos, nesse momento despontava uma “verdade cultural”, a mestiçagem, diferente da crítica social e de costumes que caracteriza parte da produção musical dos anos 30, a que não é só aquele fato racial do qual viemos, mas a partir da década de 60 e sobretudo após o golpe de trama hoje de modernidade e descontinuidades Estado, o protesto passa a ser uma tendência culturais, deformações sociais e estruturas de ideológica na música popular – associado à luta contra sentimento, de memória e imaginários que misturam o a ditadura militar -, aparecendo como prática de indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore agitação política e resistência ao autoritarismo. com o popular, e o popular com o massivo.

Dessa maneira, configurava-se uma relação mais Ou seja, tratava-se de um fenômeno muito mais ativa de determinados artistas com os problemas abrangente, visto que a cultura popular urbana esboçados em meio à cultura política da época, passava a ser tomada por uma indústria cultural ainda caracterizada pela busca de uma identidade cujo raio de influência estava se estendendo ao nacional, formando com seu público um conjunto mercado transnacional. que tinha uma presença política certa, com seus próprios modos de sociabilidade e identificação Assim como os rumos da economia e da política, (PÈCAUT, 1990, p.255). também a ampla massificação cultural parecia exigir posicionamentos, e as controvérsias daí Surgia, assim, uma geração de artistas-intelectuais decorrentes não se restringiam ao Brasil. Os politizados, no sentido de que estavam envolvidos

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

conhecidos questionamentos sobre a “cultura de vanguardas artísticas e científicas do início do massas”, como os propalados pelos teóricos de século XX, ao ressaltarem o papel opressivo da Frankfurt, ainda estavam em curso e já eram industrialização como principal condicionante predominantes em alguns setores da crítica daquela nova situação histórica que estaria cultural. Umberto Eco (s/d, p.11) tratava, então, de corroendo o sentido de individualidade humana ao esclarecer: constituir uma coletividade alienada, tornando o homem uma espécie de apêndice da máquina. Esse o universo das comunicações de massa é – desencanto com o impessoal sob o impacto da reconheçamo-lo ou não - o nosso universo; e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das técnica, da cidade, do urbano e da multidão é, comunicações são aquelas fornecidas pela existência portanto, uma das angústias da modernidade, dos jornais, do rádio, da televisão, da música outrora colocada em pauta, entre outros, pela reproduzida e reproduzível, das novas formas de psicanálise, pela arte surrealista, e mais tarde pelo comunicação visual e auditiva. existencialismo filosófico.

Enfim, os debates intelectuais do período agitavam No entanto, essa historicidade do cotidiano em várias frentes e artistas como Caetano e Chico conquista a crítica a partir do momento em que se ingressaram nessa rede de interlocução, vislumbra a possibilidade de sua transformação, na contribuindo para sua expansão e, até mesmo, cotidianidade, que não havia sido abordada na superação, visto que não podiam ser facilmente literatura antes do advento do capitalismo de integrados como militantes políticos tradicionais concorrência, ou seja, até o século XIX e a grande em quaisquer das tendências ideológicas correntes. expansão do “mundo da mercadoria” Portanto, como apontou Marcelo Ridenti (2000, (LEFEBVRE, 1991, p.45). O cotidiano se revela p.13), como uma primeira esfera de sentido, mas esse inventário acompanhou-se de sua negação pelo eles jamais foram militantes; entretanto, suas simbolismo e pela ironia, a revelação do oculto trajetórias artísticas e políticas até os dias de hoje só empírico pelo mundo da metáfora, com destaque podem ser compreendidas a partir das origens na cultura política brasileira dos anos 50 e 60, marcadas para as misérias do cotidiano. Num segundo pelas lutas contra o subdesenvolvimento nacional e momento, esse humanismo chega a desvelar para o pela constituição de uma identidade para o povo. populismo ao ressaltar as grandezas do cotidiano, possibilitando novas perspectivas, que não vêem o Definições desde a crítica da vida cotidiana consumo e a funcionalidade apenas como vícios a serem eliminados, mas como partes constitutivas Na perspectiva deste estudo, uma particularidade da cultura. 18 comum às obras de Caetano Veloso e de Chico Buarque exerce papel preponderante, o recurso Com o fim das grandes certezas, a vida de todo dia freqüente aos temas do cotidiano e cultura urbanos. torna-se ponto de referência das novas esperanças Por isso, não se pode perder de vista o longo da sociedade, “o novo herói da vida é o homem processo que desembocou em tais elaborações comum imerso no cotidiano” (MARTINS, 2000, artísticas da noção de cotidiano, pois hoje, a p.57). Assim sendo, na década de sessenta a partir abordagem desse tema não se refere única e da crítica da vida cotidiana pelos movimentos de simplesmente ao habitual ou diário, pois as contracultura ou pelas atitudes revisionistas da discussões teóricas a respeito do cotidiano intelectualidade, destaca-se da cotidianidade um integraram, ao longo do século XX, as próprias homem solitário e submetido aos grandes concepções sobre essa realidade, abarcando mecanismos sociais, mas capaz de trabalhar com as também referências ao urbano, ao industrial e à probabilidades e alternativas de forma criativa. A massificação cultural. De maneira que, a idéia de atenção a outros mundos e outras vozes, antes cotidiano desponta, sobretudo, diante das silenciados, acarreta a valorização da participação representações e reflexões sobre vivências e popular, mas ao preço da vulnerabilidade à conseqüências da sociedade pós-industrial. manipulação do mercado de massa e da fetichização do “local” (HARVEY, 1994, p.55), Na verdade, temas relacionados à realidade risco considerado necessário para um reencontro imediata se tornaram uma constante nas discussões com a festa ou transformação. acerca do mundo moderno já a partir da crítica das

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Assim, a configuração desse contexto abarcou intelectual que faz uso da canção com o intuito de também o surgimento de representações artísticas, refletir sobre a cultura e a sociedade. Por isso, um que, diferentemente do conceitualismo das teorias, dos pressupostos deste trabalho é a consideração de tornam patentes as virtualidades do cotidiano, a que Caetano e Chico são intelectuais, ou seja, atividade criadora. Colocando, por conseguinte, produtores e transmissores de ideias, novas possibilidades, muito além das categorias e representando as opiniões e visões de mundo de teorias, para a investigação histórica, permitindo uma determinada época e sociedade específica. E, apreciações em escala de conjunto social. O fato de justamente por exercer poder por meio da que as canções de Caetano e de Chico estariam persuasão, Norberto Bobbio definiu essa ação engendrando representações sobre a cotidianidade como “política da cultura”, aquela própria dos urbana, desembocando dialeticamente em intelectuais, como sendo uma “ação que se concepções mais amplas sobre a cultura, remete a enquadra bem numa concepção ampla de política, idéia de cultura como uma práxis, como uma entendida como atividade voltada para a formação maneira de produzir, “a produção de sua própria e a transformação da vida dos homens”, com os vida pelo ser humano” (LEFEBVRE, 1991, p.38). intelectuais exercendo uma função política própria Nesse sentido, cotidiano e cultura aparecem em que garante a “autonomia relativa da cultura” toda a sua indissociabilidade, como noções (CORREA, 2008, p.19). complementares para se sentir-pensar a sociedade contemporânea, daí a ênfase de alguns A partir disso, é possível desenvolver uma pesquisadores como Michel de Certeau nas abordagem que toma a canção (aqui selecionadas chamadas “maneiras de fazer” e “apropriações” as mais representativas de cada compositor) como como uma cultura comum e cotidiana. foco de análise, apontando para suas inter-relações com as trajetórias de seus autores e as tradições em III METODOLOGIA que se encontram inseridas. Além disso, a investigação redundou na observação dos Escutas, canções e trajetórias: paralelos materiais, destaca-se a bibliografia crítica e historiográfica, incluindo os trabalhos sobre A partir disso, é possível identificar escutas Caetano e Chico, que, em determinados momentos, históricas que envolvem desde memórias e podem ser observados também como fonte, visto erudição pessoais, tradições de pensamento e constituírem expressão do impacto e influência dos culturas políticas até determinados “modos de compositores. proceder da criatividade cotidiana”, com base em uma metodologia de estudo qualitativa. Por um Não obstante, um estudo acerca desse universo lado, através da canção, captando práticas cancioneiro requer um enfoque plural, pois se trata 19 cotidianas e revelando “outra história” presente nas de uma fonte documental histórica por sugerir não ações, dizeres e imaginários. E, por outro lado, nas só uma ótica sobre o real, como carregar em si uma intervenções intelectuais dos artistas, quando faceta dessa realidade. Os diversos valores, usos, procedem por meio de táticas dentro do “lugar do costumes, ideologias e mitos que compõem essa outro” (indústria cultural, mercado), pois sendo sua realidade podem ser captados nas canções com criatividade permeada por injunções de caráter base na análise não só musical, mas literária, comercial, geralmente procuram subvertê-lo a seu antropológica e histórica, - o discurso poético- favor, numa ação parcial que deve se conformar, musical como fenômeno de geração, classe, gênero entretanto, à posição que de antemão lhes foi ou etnia (PERRONE, 1988). atribuída num jogo de forças desiguais (ORTIZ, 2000, p.14). Neste caso, são dois compositores cuja obra está repleta de referências e escutas seletivas que se Táticas ainda mais presentes nas relações dos diversificaram e se transformaram ao longo do artistas com a repressão política pós-64 e com a tempo, daí a necessidade de uma abordagem, a um sociedade onde se compõe sua rede de só tempo, de “texto” e “contexto”, da busca de interlocução. É desse modo que a autoconsciência elementos diacrônicos. Portanto, a crítica interna e do artista ganha projeção e reconhecimento, ao externa das fontes é basilar, mas sempre a partir do tomar para si a responsabilidade pública de seu registro fonográfico, privilegiando-se a escuta, ofício, engajando-se como “homem de cultura” ou com o intuito de considerar os níveis de significado

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

que adquire a letra de uma canção ao ser cantada. trabalhos de Chico Buarque. Fato compreensível Levando-se em conta, assim, as suas sonoridades, quando se observa que, além das influências ritmo, melodia, performance de interpretação, comuns, para a gravação e veiculação de seus gravação e veiculação, um conjunto de primeiros trabalhos Caetano e Chico atuaram no informações que deve ser interpretado em suas mesmo círculo de amigos e contatos artísticos, diversas conexões, incluindo também suportes como Francis Hime, , Roberto Menescal, como as capas dos discos e textos de apresentação. entre outros. Por fim, é necessário o exercício sistemático de comparação e confrontação entre as duas trajetórias Nos trabalhos seguintes Caetano já estava artísticas, visto que só assim é possível desenvolver plenamente envolvido no movimento tropicalista, a erudição crítica para a realização satisfatória de com canções ousadas tanto na letra como na um trabalho historiográfico. música, mas sempre permeadas por um desconcerto em relação à “capital” (Salvador, São Paulo ou Rio de Janeiro), à presença cotidiana do IV ANÁLISE DOS DADOS mercado e do consumo e ao acalorado debate intelectual sobre o Brasil. Aliás, ao longo das O cenário e os projetos: desdobramentos desde as décadas seguintes podemos acompanhar em seus primeiras canções trabalhos a continuidade desse primeiro momento (de No dia em que eu vim-me embora; Paisagem Filhos da mesma geração, sendo ambos útil; Superbacana; Tropicália; Alegria, alegria; influenciados pela renovação da Bossa Nova, e Eles), um aprofundamento de suas reflexões sobre especialmente pelo violão de João Gilberto, a canção e a cultura. Entretanto, a base tropicalista Caetano e Chico buscaram criar estilos próprios a de sua obra sempre expôs uma preocupação com o partir de releituras do samba, visto como um dos aqui e agora, com a necessidade de revolucionar o ritmos mais populares do país. Caetano Veloso corpo e o comportamento, daí o recurso constante a (1942) nasceu e cresceu no Recôncavo Baiano, elementos do cotidiano. seguiu para o eixo Rio-São Paulo em meados da década de 1960. Chico Buarque (1944) nasceu no Não cabe aqui expor as características do Rio de Janeiro, mas realizou seus estudos em São movimento tropicalista, mas tão somente apontar Paulo. Ambos iniciaram suas carreiras ao sua variação estética sintonizada com a participarem dos festivais de música transmitidos modernidade internacional, com os avanços pela televisão, e continuaram produzindo até os tecnológicos e, como sugeriu Luiz Tatit, com as dias de hoje, tendo quase todas as suas obras dicções esquecidas ou desprezadas da MPB (p. ex. registradas em áudio e vídeo. Vicente Celestino). Uma vez que Caetano Veloso se 20 tornou um dos expoentes mais prestigiados do Já no primeiro disco (Domingo-1967) Caetano movimento, sua obra está não só ligada a tais discutiu sua relação com as canções quando na transformações, como também as expressa e contracapa começou a traçar um esboço de seu representa. A canção de 1967, Tropicália, gravada “projeto” como músico: “a minha inspiração não no segundo disco de Caetano Veloso, apresenta quer mais viver apenas da nostalgia de tempos e uma das possíveis sínteses de seu “projeto”, visto lugares, ao contrário quer incorporar essa saudade que constrói uma alegorização da realidade se num projeto de futuro”, destacando que se tratava valendo da colagem poética, de ruídos e guitarras. de um trabalho com canções mais antigas (pois no Encontramos em Tropicália a descrição de uma mesmo ano estava gravando seu segundo disco cotidianidade que envolve toda uma sociedade, com um estilo mais definido), mas já com uma elementos que invadiam o dia-a-dia das acentuada visão da vida urbana, como revela a residências, sobretudo pelo filtro da mídia valsinha Domingo. Nesta canção a cidade ainda é televisiva (“Domingo é o Fino da Bossa/ Segunda- doce, guarda os singelos hábitos comunitários de feira está na fossa/ Terça-feira vai à roça /Porém/O passear na praça aos domingos. No entanto, a monumento é bem moderno/Não disse nada do canção já não compõe o projeto de Caetano, assim modelo do meu terno/Que tudo mais vá pro inferno, como o todo do álbum, com canções ainda muito meu bem...”), ao mesmo tempo em que expõe ligadas a bossa nova, inclusive com sambas de imagens constrangedoras ao discurso estrutura rítmica e narrativa muito semelhante aos desenvolvimentista (“E no joelho uma criança sorridente, feia e morta/ Estende a mão...”).

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Também está presente em muitas das primeiras denúncia em suas obras, mas também a proposição canções de Caetano um olhar crítico sobre a de perspectivas vivenciais. Assim, expôs desde o política e a atitude dos artistas e intelectuais de início canções com temática social, propondo a esquerda ligados ao projeto nacional-popular festa e a fraternidade entre os homens, uma disseminado, sobretudo, pelos CPCs (Centro idealização do homem simples suburbano, mas Popular de Cultura) da UNE. O que levou muitos com a situação política do país motivando críticas críticos e pesquisadores a apontarem seu sociais mais acentuadas. tropicalismo como uma ruptura, mas, como destacou Marcelo Ridenti, o tropicalismo é fruto da Note-se, por exemplo, que em sua primeira canção cultura política da época; modernizador e crítico, Tem mais samba, composta para o espetáculo p o r é m c e n t r a d o n a r u p t u r a c o m o Balanço de Orfeu em 1964, já está presente o tema subdesenvolvimento nacional e na construção de primordial do conjunto de canções pertencentes aos uma identidade do povo brasileiro (RIDENTI, seus dois primeiros discos, a saber, a exaltação do 2000, p.269). Por outro lado, sob o aspecto estético- samba, da festa, da música como elemento de musical, as gravações de Caetano para seu segundo alegria e vivência, presente inclusive na álbum apresentam muita inovação. Com o apoio e cotidianidade, sublimada pela festa que a compõe regência de músicos ligados a “música nova” inevitavelmente. Ao longo da canção percebe-se (Duprat, Medaglia, etc.), bem como pela que o samba está no inesperado, acontece, pulsa incorporação de sonoridades diversas, sobretudo naturalmente, exige aceitação, saber viver é saber do pop internacional, seu tropicalismo contribuiu sambar, o que não tem lugar nem hora, pois mesmo para uma ampla abertura da música brasileira para no homem que trabalha e no som que vem da rua, ou os mais diversos ritmos e gêneros. seja, integra o dia-a-dia (“Tem mais samba no homem que trabalha/Tem mais samba no som que Aliás, sob este aspecto é possível encontrar as vem da rua... Que o bom samba não tem lugar nem primeiras opções divergentes entre Caetano e hora/O coração de fora/Samba sem querer...”). Chico, entre a guitarra e a percussão dois projetos para a canção popular, mas expondo representações No entanto, a melodia buarquiana ainda está ligada sobre o cotidiano urbano com características a linguagem tradicional, embora a presença forte da complementares. Observe-se que também Chico percussão represente um posicionamento frente às traçou suas preocupações iniciais no texto da transformações pelas quais passava a música contracapa de seu primeiro disco (Chico Buarque popular, um reajuste da “batida” da bossa nova ao de Hollanda-1966): samba urbano (ao estilo de Ismael Silva ou Noel Rosa), ou seja, oferecendo sua “contribuição” ao melodia e letra devem formar um só corpo (...). Por “popular”. Como observou Marcos Napolitano, 21 outro lado, a experiência em partes musicais (sem Chico “atualizava os parâmetros estruturais do letra) para teatro e cinema provou-me a importância do estudo e da pesquisa musical, nunca como ostentação samba “noelesco”, uma vertente até então e afastamento do 'popular', mas sim como negligenciada pela Bossa Nova, mais próxima contribuição ao mesmo. estruturalmente da tradição de e ” (NAPOLITANO, 2007, p.123). Assim revelando, também, preocupação com as questões estético-ideológicas em torno da canção A incorporação de instrumentos de percussão em popular e, até mesmo, da problemática do paralelo ao violão caracteriza a maioria das obras descompasso entre o erudito e o popular que de Chico do período, o tempo rítmico aparece marcou a trajetória da música brasileira no século fortemente marcado, com ênfase na repetição, XX. sobretudo nas canções referentes a temática do cotidiano (Pedro pedreiro, Logo eu?, Fica). Esse Os primeiros trabalhos de Chico (sobretudo as elemento harmônico, uma variação de timbre canções: Tem Mais Samba; Fica; Olê, Olá; calcada em percussão e bateria, difere da Tamandaré; Pedro Pedreiro; Com Açúcar, Com construção rítmica presente nas canções Afeto; A Televisão; Logo Eu) já avalizavam um eu tropicalistas de Caetano, que com a incorporação lírico de vozes interditadas na realidade de instrumentos elétricos lega a um segundo plano pressuposta, o que lhe aproximava, mas não a questão do samba, ao enfatizar o tratamento pop restritamente, da canção de protesto, pois havia das melodias. O que se pode observar na canção

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Alegria, alegria, uma marchinha (aliás, segundo posicionamentos diretos, como disse Augusto de Caetano Veloso, inspirada em A banda do Chico) Campos ao ser indagado sobre sua defesa incisiva (VELOSO, 1997, p.175), uma melodia atraente dos tropicalistas, “naquele tempo, você era a favor resultante da justaposição de sons e imagens ou contra”. poéticas, expressando a fugacidade cotidiana que envolveria a vivencia de um jovem ao caminhar Assim, propositalmente Chico buscou temáticas pela cidade, metrópole da cultura massiva mais ingênuas, como em A Banda, queria uma (“Caminhando contra o vento/Sem lenço sem música que não tivesse uma preocupação política, documento/ No sol de quase dezembro/Eu vou... O mas ainda assim manteve o cunho social ao se sol nas bancas de revista/ Me enche de alegria e voltar para a cultura popular, mesmo que de preguiça/ Quem lê tanta notícia?/ Eu vou...”). maneira bastante idealizada. Com Caetano essa atitude foi mais radical, envolveu não só as O texto da canção caracteriza-se, sobretudo, pela temáticas da canção, mas sua estética e “iconização”, pela sequência de imagens performance. Dessa maneira, como observou completadas pela participação de elementos Gilberto Vasconcellos, a Tropicália colocou em sonoros. Como observou Luiz Tatit, “compondo outro nível a questão da crítica política na MPB, ícones desse tipo, Caetano transfere a experiência “representou um passo adiante da 'participação' vivida para dentro da canção, transformando-a em musical populista, sobretudo porque em suas experiência a ser vivida a partir da escuta” (TATIT, canções o significado político nunca é exterior à 2007, p.268). Não obstante, à preocupação com o configuração estética (VASCONCELLOS, 1977, aqui e agora, com o presente, sempre tão explorado p.47). E esse passo adiante também aparece em em suas canções, pode-se acrescentar o lirismo Chico Buarque, na medida em que, assim como nostálgico de Chico Buarque. Este parte do olhar do Caetano, ele encontrou um espaço diferenciado de outro, da vivencia daquele que espera, visto que atuação e reflexão na esfera pública (onde as excluído de alguma maneira dos processos centrais pessoas articulam suas opiniões e se unem para que movimentam a vida nas cidades, no entanto alcançar objetivos coletivos), muito mais amplo ao ainda aberto às experiências comunitárias livres da captar seus desdobramentos na cotidianidade. manipulação sob a sociedade industrializada (veja- se A televisão, Ano novo). Quero que você venha comigo todo dia

As primeiras representações artísticas de Chico A norma, a eficácia, a repetição, a disciplina e a Buarque enfatizavam, portanto, a perspectiva dos obrigação, eis um tal cotidiano que prescinde do homens das periferias e subúrbios, a cidade vista lazer, da festa, ou que até mesmo a normatiza. A desde suas extremidades. Com Caetano Veloso o experiência do cotidiano passa a ser 22 caminho é praticamente oposto, com o seu frequentemente associada à rotina e à exploração determinante olhar de recém-chegado vislumbra o do trabalho. A opressão do cotidiano, que, na centro de uma metrópole com todos os seus verdade, é uma opressão gerada por uma estrutura encantos e desencantos. Noutro sentido, buscou, social específica, é traduzida em cotidianidade, portanto, os caminhos de uma individualidade aparecendo na espera do trem, nas filas, vilas, sobrepujada, mas também idealizando a favelas. É nesse dia-a-dia que aflora a sensibilidade criatividade que brota dos percursos urbanos, dessa para um tempo imposto, ou para um tempo livre nova forma de sociabilidade vinculada ao massivo. esvaziado de sentido, pois que orientado e vigiado. Note-se, portanto, que para ambos os artistas a Um cotidiano, ainda que equivocado, começa a se vivência e os costumes ganham lugar de destaque, definir pela sensibilidade, como tantos artistas onde a vida acontece de fato para além das teorias e cantam, pintam e escrevem, pois a arte aponta a denúncias vazias. Não por acaso encontramos situação e, dentro dela, a saída. semelhante postura, pois por volta de 1966 a chamada canção de protesto, como salienta o Em 1971, Chico Buarque compôs Cotidiano, uma próprio Chico Buarque, já estava se diluindo, se canção-síntese para essa sensibilidade comum, desgastando depois de adquirir um sentido de pois tantos outros artistas a representavam de moda: “começou a ficar chata”. Naturalmente os maneiras diversas e em tempos diversos. Esse artistas seguiram outros caminhos, muitas vezes desassossego que habita o fazer artístico aponta interpretados como um desengajamento, pois “no para um encontro com a festa, a consciência de que calor da hora” o protesto parecia exigir “a vida cotidiana não está 'fora da história', mas no

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL centro do acontecer histórico; é a verdadeira antropofágico e erótico atribuem um caráter mais essência da substância social (HELLER, 2008, arredio ao personagem, que, diante da sequência de p.34). De acordo com Agnes Heller, o artista se gestos cotidianos, pressupõe que nada o consola. converte, em suas fases produtivas, em Eis novamente as referências a produtos representante do gênero humano, aparecendo como industriais, a gestos cotidianos repetidos, levando a protagonista do processo histórico global, mas uma superação pela decisão de tudo abandonar, de “toda obra significativa volta à cotidianidade e seu transformar: “Eu quero é ir-me embora/ Eu quero efeito sobrevive na cotidianidade dos outros” dar o fora”. Ao mesmo tempo em que apresenta um (2008, p.43). Por isso, não é difícil entender a convite à transformação, por meio de uma reflexão, relevância atribuída ao artista popular como arauto envolvendo o desejo do narrador, e pela ação, de tantas vivências. “quero que você venha comigo”, embora tudo se mantenha sempre no plano do desejo. Em 1972, esses debates teóricos sobre o cotidiano já estavam em curso e o turbilhão de Note-se, portanto, que essa solução não é atingida transformações culturais que caracterizaram o (assim como em Alegria, alegria), pois, ao final, 1968 pelo mundo também tecia um novo contexto uma tensão se estabelece pela repetição infinita, de atuação para os jovens artistas brasileiros, que justamente quando o samba recebe maior então enfrentavam uma tensa censura sob o marcação, com a introdução do chocalho, governo ditatorial brasileiro. Pouco após a volta do revelando o distanciamento contínuo do objeto exílio, Chico e Caetano gravaram um LP, Chico e desejado. Aí o desejo (em ritmo mais lento, de Caetano juntos e ao vivo, no Teatro Castro Alves, disponibilidade) se transmuta em espera (mais de Salvador, em novembro de 1972. Nesse álbum, veloz, mais automática), numa espera como a de aproveitando-se do popular confronto realizado Pedro pedreiro. Nesse momento Chico Buarque pelo público e imprensa, buscaram dirimir começa a acompanhar a melodia, introduzindo quaisquer conflitos entre seus projetos artísticos, ao Cotidiano. Aliás, essa longa introdução é na mesmo tempo em que intensificaram suas posições verdade um processo de adaptação de tom, Chico críticas, explorando as possibilidades de subiu um tom para poder acompanhar Caetano. performances mais agressivas no palco. Ocasião em que descobriu essa possibilidade em sua voz, o que para Caetano já era muito natural, Eis um segundo momento de encontro entre os dois visto que o falsete lhe permitia atingir um patamar artistas (considerando-se a fase dos festivais como bastante agudo. um primeiro encontro, ainda que indireto), quando, estrategicamente, souberam aproveitar os diversos Cotidiano é ainda mais pessimista, não exibe uma possibilidade de transformação sob a confrontos que foram explorados e criados entre 23 eles. No show de 1972 são interpretadas as canções cotidianidade, e uma aceitação muda perpassa a Você não entende nada (de Caetano) e Cotidiano narrativa. Na verdade é a rotina que oprime o (de Chico Buarque), um encontro mais direto de personagem, uma rotina que exclui ação para si: complementaridade entre as duas óticas sobre o “todo dia ela faz tudo sempre igual”. A realidade cotidiano, uma vez que a canção de Caetano remete pressuposta é representada, mas não propõe justamente àquele jovem de Alegria, alegria, alternativas, ainda que o personagem destaque que insatisfeito com a cotidianidade e que visa a “todo dia eu só penso em poder parar/ Meio-dia eu transformação pelo comportamento, por que não? só penso em dizer não”, em seguida, lembra-se Sua realidade é aquela cantada por Chico Buarque “depois penso na vida pra levar/ E me calo com a em seguida, mas sob uma ótica mais crítica, quando boca de feijão”. Um processo que retrata bem o diz: “Quando eu chego em casa nada me período pelo qual passava o Brasil e o próprio consola/Você está sempre aflita/Com lágrimas nos compositor, que desde seu quarto LP (Chico olhos de cortar cebola/ Você é tão bonita/ Você traz Buarque de Hollanda n.4 – 1970) já esboçava um a coca-cola, eu tomo/ Você bota a mesa, eu como/ abandono de toda a esperança carregada pela Eu como, eu como, eu como, eu como/ Você!” música. Agora o cotidiano era mais penoso; agora a (HOLLANDA, VELOSO, CD, 1972). massificação cultural já suplantava os valores que poderiam motivar sujeitos, como o narrador de A transformação do comportamento está nesse jogo Cotidiano, a parar; agora o artista não tinha mais de palavras com “eu como”, cujos sentidos sua voz, calada sob a censura do governo civil- militar.

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Por isso, na gravação ao vivo, uma alternativa só trajetórias, mas também o reconhecimento de que o ressurge ao final com a proposta de Caetano: “eu recurso a comparação entre os dois artistas abrange quero ir-me embora e quero que você venha a filigrana de uma performance social de produção comigo”. Aí a complementaridade entre as duas de sentido, ultrapassando os limites da opinião ou propostas: “eu quero que você venha comigo todo gosto estético ou ideológico. dia”, uma circularidade negativa que acaba envolvendo as duas perspectivas, mostrando o peso Por isso, para concluir, pode-se observar as obras da cotidianidade nas escolhas coletivas (como em dos dois artistas lançadas no ano de 2006, versando Chico) e individuais (como em Caetano). sobre temas do cotidiano nas cidades. Chico Diferentemente da primeira fase de ambos os Buarque lançou o disco Carioca, e Caetano Veloso compositores, quando vislumbravam alternativas, o disco Cê. São duas propostas e duas atitudes ainda que de distante concretização, um certo estéticas diferentes, mas voltadas para a desespero caracteriza a presente crítica ao problemática comum que ainda chamava os artistas cotidiano. à reflexão. As diversas dimensões da cidade, as relações com a sociabilidade vinculada ao massivo, O disco inteiro apresenta uma linguagem de o encontro da criatividade inerente aos percursos desespero, tanto nas interpretações críticas de urbanos, os valores inscritos nas memórias e Caetano, que “lê” de maneira singular o texto das ideologias já esvaziadas de conteúdo significativo, canções, atribuindo uma batida lerda e monótona constituem questões que perpassam suas obras. até aos sambas-rasgado (como em Partido alto), Contudo, é na construção estética, em especial, quanto nas versões “agudas” de Chico. Este, em rítmica dos álbuns, que reside uma diferença Você não entende nada/Cotidiano, compõe uma interessante performance com Caetano, que substancial. aumenta o tom/altura do canto na medida em que os versos da canção propõem transformações, “eu Atento às novas sonoridades, Caetano Veloso quero que você venha comigo”. Até que ao final compôs canções para serem tocadas por uma banda volta a atingir uma altura compatível com a de de rock, um som mais cru, mas ainda na linhagem Chico, o qual retroage para um canto passional, pop. Chico Buarque apresenta um álbum pautado porém aos gritos, enfatizando o desespero diante da pelo aprimoramento harmônico, seguindo a cotidianidade. Consolida-se, assim, uma linhagem da Bossa Nova, inspirado, sobretudo, em aproximação sensível entre as duas perspectivas Tom Jobim. Em entrevista à Folha de São Paulo, (note-se que a composição de Caetano foi inspirada Chico ressaltou esse diferencial: em Com açúcar, com afeto). Chico realiza, então, uma adaptação entoativa, uma apropriação de sua eu adoro o disco do Caetano. É interessante isso. Ele é 24 o contrário do meu. A gente convive há quarenta anos, própria composição, mantendo assim seu projeto às vezes por caminhos paralelos, às vezes por de uma arte mais popular, para ser usada. Dessa caminhos diferentes, mas é bom que seja assim. É bom maneira, a rede de recados permanece em que seja assim para todo mundo: para mim, para ele, funcionamento, e nela os dois compositores para a música. encontraram o ponto de junção entre suas críticas sociais e subjetivas. E, instigado pelo entrevistador, completou: “não preciso concordar em tudo com o Caetano. Aliás, V CONSIDERAÇÕES FINAIS discordo quase sempre. Isso é bom, a gente discorda amigavelmente” (HOLLANDA, 2006). ENTRE A CIDADE E O SUBÚRBIO – ALGUM HERÓI À discordância estética soma-se a discordância política na consolidação de obras que Deve-se notar que, neste estudo, a dimensão correspondem ao mesmo gênero, à mesma complementar das trajetórias de Caetano e Chico preocupação social com o país. Pois bem, em recebeu maior destaque, por revelar duas ou mais relação aos discos de 2006, é relevante observar faces da cultura, ou mesmo da identidade brasileira. que ambos os compositores realizam, também, uma O imperativo do confronto se justificou nesse atualização temática. Revisitando os espaços indício que exigia bem mais que a identificação da urbanos em busca do “herói” que sempre povoou singularidade (paralela e similar) de suas suas narrativas. Esse herói do cotidiano que

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL desponta de contradições sociais e subjetivas, e que ironia: “lá tem Jesus/ E está de costas”, como revela a dor e a esperança que motiva o fazer referência ao monumento do Cristo Redentor que criativo. está, de fato, de costas para a periferia da cidade. Portanto, o herói buarquiano ainda reside no O Subúrbio é revisitado por Chico Buarque, que subúrbio, mas está em vias de desaparecimento, enfim fecha o ciclo de seu diálogo com a Gente enquanto não se impuser, de alguma maneira, Humilde, de 1969. Um ciclo de compaixão e ilusão frente à grande cidade que suga suas vivências sob rompido pela realidade cada vez mais dura das aqueles percursos urbanos do trabalho para casa e periferias urbanas, pois a expectativa de que vice-versa. subsistiriam valores nas regiões suburbanas já não habita o imaginário do compositor como solução. Embora subúrbio idílico ainda esteja lá, com suas Da mesma maneira, Caetano dá voz ao herói que tradições e formas de expressão próprias, o surge das contradições sociais do país, que habita as compositor se vê chamado a opinar, já não acredita periferias e praças. Aproveita para fazer um acerto no bom senso da audiência, surda para quaisquer de contas com a nossa história, com o “ser imagens ou ironias. À observação jornalística, brasileiro”, quando faz referências a Sergio Chico acrescenta a crítica e a proposta. Primeiro Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre. Além da uma descrição já imbuída de crítica: “Lá não tem canção, o compositor tem a oportunidade para brisa/ Não tem verde-azuis/ Não tem frescura nem colocar sua prosa em artigo de junho de 2006: “sem atrevimento/ Lá não figura no mapa/ No avesso da nunca ter escrito a expressão "democracia racial", montanha, é labirinto/ É contra-senha, é cara a Freyre é frequentemente xingado por causa dela. tapa”. Eu, que adoro esse mito, acho que se presta uma homenagem a Freyre ao atribuir-lhe a invenção” Em seguida um chamado, a tentativa de (VELOSO, 2006). Trata-se de uma aproximação do mobilização popular para uma reversão dessa compositor aos intérpretes do Brasil, com um rap situação de marginalidade: “Fala, Penha/ Fala, que ultrapassa a mera denúncia ao expor uma Irajá/ Fala, Olaria/ Fala, Acari, Vigário Geral/ Fala, suposta vivência do narrador, do brasileiro: “é Piedade”. A descrição prossegue, “Casas sem cor/ como em plena glória espiritual/ que digo:/ eu sou o Ruas de pó, cidade/ Que não se pinta/ Que é sem homem cordial/ que vim para instaurar a vaidade”, mas sempre seguida pelo clamor pela democracia racial/ eu sou o homem cordial/ que ação: “Vai, faz ouvir os acordes do -canção/ vim para afirmar a democracia racial/ eu sou o Traz as cabrochas e a roda de samba/ Dança teu herói/ só Deus e eu sabemos como dói”. funk, o rock, forró, pagode, reggae/ Teu hip-hop/ Fala na língua do rap/ Desbanca a outra/ A tal que Eis uma “dor” que não se diz em palavras, só na 25 abusa/ De ser tão maravilhosa”. Com esse choro- melodia, nos sussurros e gemidos da guitarra, no canção, o compositor já não visa representar as jeito de corpo que suplanta o discurso falado e vivências suburbanas, quer que os próprios carrega essa paixão do indivíduo, do brasileiro: o suburbanos falem, participem das instâncias de herói do seu canto. Tal qual seu discurso decisão da cité: improvisado, de 1968, para Proibido proibir, Caetano imprimi certa fúria ao seu discurso, mais Existe mesmo a intenção de fazer cantar a periferia – uma vez apontando para a “dor sem esperança”. ou antes, a periferia da periferia. O Brasil sempre Mas não prescinde da proposta, agora presente na ocupou uma posição periférica no mundo e o Rio, cada experiência paradoxal do personagem, que entre vez mais, está numa situação periférica em relação às decisões nacionais, ao poder, à São Paulo. O subúrbio tantos caminhos revela o negativo que resulta da do Rio é a periferia dessa cidade meio marginalizada, e cordialidade brasileira: está literalmente fora do mapa (HOLLANDA, 2006). descobri cedo que o caminho/ não era subir num pódio Apesar da esperança de mobilização, à maneira de mundial/ e virar um rico olímpico e sozinho/ mas Gente Humilde, o cantor imprime sua angústia fomentar aqui o ódio racial/ a separação nítida entre as diante dos problemas sociais tão agudos no raças/ um olho na bíblia, outro na pistola/ encher os corações e encher as praças/ com meu guevara e minha subúrbio: “Lá não tem claro-escuro/ A luz é dura/ A coca-cola (VELOSO, 2006, CD). chapa é quente/Que futuro tem/ Aquela gente toda/ Perdido em ti/ Eu ando em roda/ É pau, é pedra/É fim de linha/ É lenha, é fogo, é foda”. Destaca com

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

Nesse longo discurso-canção, Caetano narra as 10.- ECO, U. (1993). Apocalípticos e Integrados. peripécias decorrentes de um nacionalismo São Paulo, Perspectiva hipócrita que sempre o incomodou. E, assim como 11.- FAVARETTO, C. (1996). Tropicália, Chico Buarque, intuiu na situação de constante Alegoria, Alegria. São Paulo, Ateliê Editorial marginalidade do povo, da cidade e do país, a raiz de parte das mazelas que afligem o povo. Assim, a 12.- GALVÃO, W. N. (1976). Saco de Gatos: despeito das diferenças, semelhanças e ensaios críticos. São Paulo, Duas Cidades complementaridades entre as trajetórias artísticas 13.- HARVEY, D. (1994). Condição Pós- de Chico e de Caetano, o olhar de ambos sempre moderna: uma pesquisa sobre as origens da esteve voltado para uma arte popular em sua forma, mudança cultural. São Paulo, Edições em seus objetivos ou em suas temáticas, visando, Loyola. como sujeitos históricos, um mundo melhor.

VI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14.- HELLER, A. (2008). O Cotidiano e a História. São Paulo, Paz e Terra 1.- BOBBIO, N. (1997). Os Intelectuais e o Poder: Duvidas e Opções dos Homens de 15.- HOLLANDA, C. B. de.(1966). A Banda Cultura na Sociedade Contemporânea. São (manuscritos). Rio de Janeiro, Ed. Paulo de Paulo, UNESP Azevedo Ltda 2.- BRAVO!, Revista. (2009). Caetano Veloso e 16.- ______. (1966) Meu refrão. Rio de Chico Buarque: o som e a palavra. Ano 11, Janeiro, número 140. Edição de Abril 17.- ______. (1968).Nem toda loucura é 3.- CALAZANS, R. Novo disco de Caetano genial, como nem toda lucidez é velha. Rio de reata “dobradinha” com Chico. Site Terra, Janeiro, Última Hora 0 9 / 0 8 / 2 0 0 6 D i s p o n í v e l e m : 18.- ______. (2006). Tantas Palavras: http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI109 Todas as Letras e reportagem Biográfica de 1405-EI1267,00.html Acesso em: 10 fev Humberto Werneck. São Paulo, Cia das 2010 Letras 4.- CAMPOS, A. de. (1993). Balanço da bossa e 19.- LEFEBVRE, H. (1991). A Vida cotidiana no outras bossas. São Paulo, Perspectiva mundo moderno,. São Paulo, Ática 5.- CERTEAU, M de (1997). A invenção do 20.- MARTIN-BARBERO, J. (1997). Dos meios cotidiano, vols. 1 e 2. Petrópolis, Vozes 26 às mediações. Cultura, comunicação e 6.- CONTIER, A. D. (1998). Edu Lobo e Carlos hegemonia. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ Lyra: O nacional e o popular na canção de 21.- MARTINS, J. de S. (2000). A sociabilidade protesto (os anos 60). Revista Brasileira de do homem simples: cotidiano e historia na História. vol.18, nº35, Anpuh, São Paulo modernidade anômala. São Paulo, Hucitec 7.- ______. (1991). Música no Brasil: 22.- NAPOLITANO, M. (2001). “Seguindo a história e interdisciplinaridade, algumas Canção”: engajamento político e Indústria interpretações (1926-80) In Historia em Cultural na MPB (1959-1969). São Paulo, Debate. Atas do XVI Simpósio Nacional de Annablume:Fapesp Historia, ANPUH, Rio de Janeiro 23.- ______. (2006). A historiografia da 8.- CORREA, P. G. (2008). O Intelectual e a música popular brasileira (1970-1990): Política. In. História, Política e Revolução síntese bibliográfica e desafios atuais da em Eric Hobsbawm e François Furet. São pesquisa histórica. ArtCultura: Revista de Paulo, Annablume/FAPESP História, Cultura e Arte, v. 8, nº.13, 9.- COUTINHO, E. G. (2002). Velhas histórias, Uberlândia memórias futuras: o sentido da tradição na 24.- ______. (2007) A síncope das idéias. obra de . Rio de Janeiro, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo EdUERJ

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013 COTIDIANO Y LA CULTURA EN LAS CANCIONES DE CAETANO VELOSO Y CHICO BUARQUE - BRASIL COTIDIANO E CULTURA NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO E DE CHICO BUARQUE - BRASIL ISSN 2219-7168 DAILY LIFE AND CULTURE IN THE SONGS OF CAETANO VELOSO AND CHICO BUARQUE - BRASIL

25.- ______. (2002) História & Música: 38.- WISNIK, J. M. (2004) Sem Receita. São história cultural da música popular. Belo Paulo, Publifolha Horizonte, Autêntica Discos 26.- PECAUT, D. (1989). Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo, Ática 1.- HOLLANDA, C. B. de. (1966) Chico 27.- PERRONE, C. (1988). A Letras & letras da Buarque de Hollanda. RGE, CD (2001) musica popular brasileira Rio de Janeiro, Elo 2.- ______. (1967) Chico Buarque de Hollanda Vol. 2. RGE, CD (2001) 28.- PIMENTEL, J. (2003) Sem discos novos, Chico Buarque e Caetano Veloso continuam 3.- ______. (1968) Chico Buarque de em cena com outras armas: Livros, DVDs e Hollanda Vol. 3. RGE, CD (2001) coletâneas em CD. Rio de Janeiro, O Globo 4.- ______. (1970) Chico Buarque de 29.- RIDENTI, M. (2000). Em busca do povo Hollanda Vol.4. RGE, CD (2001) brasileiro: artistas da revolução, do CPC à 5.- ______. (1971) Construção, era da TV. Rio de Janeiro, Record Phonogram, CD, (2001), 1971. 30.- TATIT, L. (2004). O cancionista: 6.- ______e VELOSO, C. (1972) Caetano e composição de canções no Brasil. São Paulo, Chico juntos e ao vivo. CD, Phonogram EDUSP (2001) 31.- ______. (2004) O século da canção. 7.- ______. (2006) Carioca. Biscoito Fino, Cotia, Ateliê Editorial CD 32.- TINHORÃO, J. R. (1997) Música Popular: 8.- VELOSO, C.e COSTA, G. (1967).Domingo, um tema em debate. São Paulo, Editora 34 Phillips, LP (1989) 33.- VASCONCELLOS, G. (1977) Musica 9.- VELOSO, C. (1967) Caetano Veloso, popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro, PolyGram, CD (1990) Graal 10.- VELOSO, C. et alli. (1968)Tropicália ou 34.- VELOSO, C. (1997) Verdade Tropical, São panis et circenses. Philips, CD Paulo, Cia das letras 11.- VELOSO, C. (1969) Caetano Veloso. 35.- ______. (1972) Entrevista à Hamiltom PolyGram, CD (1989) Almeida. Revista Bondinho 12.- ______. (2006) Cê. Universal Music, 27 36.- ______. (1977) Alegria, Alegria: uma CD caetanave organizada por Waly Salomão. Rio de Janeiro, Ed. Pedra Q. Ronca 37.- VIANNA, H. (1995)O mistério do samba. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor

COMUNI@CCIÓN V.IV,N.1, ENE - JUN, 2013