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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

CAROLINE BURRY

UMA ANÁLISE SOBRE OS LAÇOS HUMANOS: O AMOR NAS MÚSICAS DE

Niterói 2018

CAROLINE BURRY

UMA ANÁLISE SOBRE OS LAÇOS HUMANOS: O AMOR NAS MÚSICAS DE CAZUZA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Sociologia como requisito parcial para conclusão do curso. Área de concentração: Sociologia da Cultura

Orientador (a) (es): Prof. Dr. Carlos Eduardo Machado Fialho

Niterói 2018

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Ficha catalográfica automática - SDC/BCG

B968a Burry, Caroline Uma análise sobre os laços humanos: o amor nas músicas de Cazuza / Caroline Burry ; Carlos Eduardo Fialho, orientador. Niterói, 2018. 52 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Sociologia)- Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2018.

1. Cazuza. 2. Amor Líquido. 3. Música. 4. Poesia. 5. Produção intelectual. I. Título II. Fialho,Carlos Eduardo, orientador. III. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais.

CDD -

Bibliotecária responsável: Angela Albuquerque de Insfrán - CRB7/2318

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CAROLINE BURRY

UMA ANÁLISE SOBRE OS LAÇOS HUMANOS: O AMOR NAS MÚSICAS DE CAZUZA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Sociologia, como requisito parcial para conclusão do curso. Área de concentração: Sociologia da Cultura

Aprovada em 20 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

______Prof. Dr. Carlos Eduardo Fialho (Orientador) – UFF

______Prof. Dr. Luis Carlos Fridman – PPGS-UFF

______Prof. Dr. Jorge de La Barre – PPGS-UFF

Niterói 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradecer em primeiro lugar a minha mãe, Tania, pelo seu esforço, determinação e amor incondicional que me ajudaram a concluir essa etapa. Ao meu pai, Mario, e meu irmão, Pedro, pelo amor, carinho e suporte. A minha vó, Isabel, pelo sustento, paciência e carinho. Aos meus tios, Vania e Clovis, pela parceria e compreensão.

Ao meu companheiro, Pedro, que acompanhou o processo da monografia do inicio até último ponto final.

Ao meu orientador, Carlos, por me mostrar o caminho e me ensinar a confiar no meu trabalho.

A todas as professoras e professores que fizeram parte da minha formação acadêmica: André Dumans, Aline Marinho, Camila do Valle, Carolina Zucarelli, Daniel Hirata, Hélène Petry, Jair Ramos, Jorge de La Barre, Olivia von der Weid, Luis Fridman, Ligia Dabul, Rita de Cassia, Thiago Mourelle, Victor Piaia e Viviane Matesco.

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Ser duplo significa consentir em indeterminar o futuro

Zigmunt Bauman

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RESUMO

Este trabalho pretende analisar uma parte da obra do cantor e poeta Cazuza (1958-1990), referência do rock brasileiro dos anos 1980, com base na teoria do Amor Líquido do sociólogo Zigmunt Bauman, que apresenta a fragilidade dos vínculos humanos e os constantes desejos de criar laços apertados e, ao mesmo tempo, deixá-los soltos. Ao justapor a música à teoria, descobriremos que, o eu lírico das poesias, assim como o próprio Cazuza, apresentam relatos da vida amorosa sob o mesmo enfoque que Bauman propõe sobre a sociedade pós-moderna. A partir de um repertório de mais de 100 composições autorais, foram escolhidas 26 músicas para análise, divididas em três temáticas: relações inconsistentes, individualidade sobreposta ao coletivo, e o que é felicidade e dor nas letras do Cazuza. Desta forma, será possível demonstrar que as observações sociológicas sobre o indivíduo pós- moderno de Bauman, se constatam através de um material escrito e culturalmente significativo.

Palavras-chave: Cazuza. Amor Líquido. Música. Poesia.

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RÉSUMÉ

Ce travail a l'intention d'analyser une partie de l’œuvre du chanteur et poète Cazuza «1958- 1990», un des référence du rock brésilienne des années 1980, avec base dans la théorie de l'Amour Liquide du sociologue Zigmunt Bauman, qui présente la fragilité des liens humains et les désirs constants de créer des liens serrés et, au même temps, les laisser libre. En juxtaposant la musique à la théorie, nous découvrirons que, le moi lyrique des poésies, aussi bien que le même Cazuza, ils présentent les rapports de la vie affectueuse sous le même foyer que Bauman propose sur la société post-moderne. En commençant d'un répertoire de plus de 100 compositions de l'auteur, ils ont été choisis 26 musiques pour faire cet analyse, divisé dans trois thèmes : des relations inconsistantes, l'individualité mise sur le collective et ce qui est le bonheur et la douleur. De cette manière, il sera possible de démontrer que les observations sociologiques sur l'individu post-moderne de Bauman sont mises en évidence par un matériel écrit et culturellement significatif.

Mots-clés: Cazuza. Amour Liquide. Musique. Poesie.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...... 10 2. HISTÓRICO BIOGRÁFICO ...... 12 3. METODOLOGIA ...... 24 3.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO EM TEXTO ...... 24 3.2 ANÁLISE ESTRUTURAL ...... 25 4. AMOR, INDIVÍDUO E SOCIEDADE ...... 28 5. ANÁLISE DA NARRATIVA NAS POESIAS DE CAZUZA ...... 34 5.1 RELAÇÕES INCONSISTENTES (PERMANÊNCIA E FRAGILIDADE) .. 34 5.2 INDIVIDUALIDADE SE SOBREPONDO AO COLETIVO ...... 35 5.3 O QUE É SER PLENAMENTE "FELIZ" E O QUE É "DOR" NAS LETRAS DO CAZUZA? ...... 37 6. CONCLUSÃO ...... 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 41 FILMOGRAFIA ...... 42 DISCOGRAFIA ...... 43 ANEXO I – MAPEAMENTO DAS MÚSICAS ...... 45 ANEXO II – QUADRO TEMÁTICO ...... 50

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1. INTRODUÇÃO Ao me aprofundar na discografia do cantor e poeta Cazuza (1958-1990) consegui observar que as letras das suas músicas possuíam semelhanças e características da teoria do amor liquido, do sociólogo Zigmunt Bauman. De grande relevância no panorama da música brasileira dos anos 1980, Cazuza foi um veículo de expressão artística da sua época e que ecoa até os dias de hoje, motivo pelo qual o escolhi para ser meu objeto de pesquisa neste trabalho. Foram 126 canções gravadas por Cazuza, 78 que deixou inéditas e 34 compostas para outros intérpretes,1 das quais foram selecionadas 26 canções.

A biografia do Cazuza interferiu não só na sua formação como artista, mas também na criação da sua poesia, reflexo da sua socialização como filho único e do privilégio de ter nascido no berço da música brasileira, graças ao seu pai, um dos produtores musicais mais relevantes do país à época, elemento essencial a ser considerado e explorado para ser considerado na análise das músicas. Da mesma forma, Cazuza se demostrava uma pessoa muito intensa e passional, quando bebia ficava mais alegre, cantava e escrevia incansavelmente.

Ao correr da reflexão do amor líquido em Bauman, encontram-se duas peças centrais, a primeira, que diz respeito a vontade de liberdade por meio da individualização e, a segunda, voltada para a velocidade dos acontecimentos, consequência das dinâmicas de produção pós-modernas. O caráter paradoxal dos relacionamentos afetivos que contrapõe a ambição pelo amor eterno com o constante e mutante desejo – confundido muitas vezes com o impulso – se apresenta dessa forma por causa da dinâmica do mercado de consumo. Assim, da mesma forma que os objetos de consumo, as relações amorosas também têm data de validade devido à grande facilidade de descarte e aquisição de novas mercadorias. Desse modo, a constante busca do indivíduo pela individualização se choca com a busca e o desejo por uma vida social estável. São estas características que proponho evidenciar na obra do Cazuza, destrinchar sua poesia e, por meio dela, representá-las a luz do conceito baumiano do amor líquido.

Para entender de que forma o amor líquido se encontra na obra do Cazuza, será preciso dois tipos de abordagens, a primeira, sobre a análise de conteúdo do texto, e a segunda, uma abordagem estrutural das canções. Por um lado, a análise de conteúdo visará os procedimentos para a análise textual com fins de pesquisa social para abarcar os aparelhos

1 Disponível em: , acesso em 02/11/18

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culturais nas músicas de Cazuza. Por outro, a abordagem estrutural, como o mesmo nome explica, pressupõe, de modo genérico, uma compreensão das estruturas como modeladoras do comportamento do eu lírico e das personagens das canções.

Finalmente, a análise das músicas do Cazuza será dividida por três temáticas, as quais serão abordadas separadamente. A primeira, sobre as relações inconsistentes – permanência e fragilidade dos relacionamentos, trata a facilidade com as quais as relações começam e terminam e como a dinâmicas de mercado pós-moderna influência nesse aspecto. A segunda, corresponde aos relacionamentos nos quais a individualidade se sobrepõe ao coletivo. E, por último, uma avaliação sobre o que é ser plenamente feliz e o que é a dor nas letras da música do Cazuza.

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2. HISTÓRICO BIOGRÁFICO

Cantor, compositor, letrista e, principalmente, poeta, Agenor de Miranda Neto foi um dos marcos do rock e da música popular brasileira dos anos 1980. Agenor, mais conhecido como Cazuza, que ganhou o apelido mesmo antes de nascer graças as origens pernambucanas da família paterna, lugar no qual “cazuza” significa “molequinho” – o nome Agenor foi escolhido porque tinha um significado histórico na família paterna, já que várias gerações levavam o mesmo nome. Acostumado em ser chamado de Cazuza, pois ninguém o chamava pelo nome registrado na certidão de nascimento, com aproximadamente 3 anos de idade descobre que seu nome era Agenor, pouco contente com o nome que seus pais lhe deram, só iria se conformar depois, quando descobre que um dos seus ídolos, , também levava o nome de Agenor.

Filho único de Lúcia Araújo, que teve uma breve carreira como cantora, foi também costureira, e João Araújo, empresário e produtor musical, Cazuza foi extremamente mimado e amado pelos seus pais durante a infância e o restante da sua vida. Sua mãe relata que até os 12 anos ele era uma criança tranquila, e que só depois começaria a dar mais trabalho. Quanto a vida com o resto da família, Cazuza era o primeiro neto homem numa família de mulheres, ele era ciente que era o preferido e orgulhava-se disso. Com a dona Alice, avó materna, Cazuza compartilhava suas poesias e as suas rimas, com ela, ele disfrutava da liberdade fora de casa, que não tinha com o poder autoritário da mãe. Da mesma forma, o esquema era similar com dona Maria, avó paterna, acostumado a passar as férias na casa dela, em Vassouras, cidade do interior do Estado do , onde transformava-se num príncipe que tinha todas as suas vontades satisfeitas.

Durante a infância, Cazuza passou por várias fases de interesses, desde muito novo tinha uma capacidade incrível para escrever grandes histórias, cadernos repletos delas, criava famílias com personagens completas e cada uma com um destino. Apesar de não ser muito bom em ortografia a escrita fluía, como ele mesmo afirmava, “sempre fui péssimo em português. Tenho o dom de escrever, mas sou nulo em ortografia” (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p. 131). Entre outras das suas paixões estava a geografia quando tinha por volta de 6 anos, trancafiado no seu quarto por longos períodos, estudava a Enciclopédia Barsa e se concentrava profundamente num grande mapa-múndi que abria no chão do seu quarto, sabia as capitais, a renda per capita, o número de habitantes e as diferentes culturas dos países. Da mesma forma, costumava ler romances e consultar o Atlas, assim ele saberia identificar a localidade onde a narrativa se passava. Mais tarde encontrou fascínio na arquitetura e no

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urbanismo, criava grandes cidades e projetava maquetes que funcionavam perfeitamente, passava horas no quintal da sua avó paterna construindo metrópoles com plantas e madeiras, ao olhar da sua mãe, Cazuza se transformaria em um grande arquiteto ou engenheiro. Depois na fotografia, trancava-se no seu quarto e passava dias inteiros nas janelas tirando fotos de tudo e de todas as pessoas que passavam. Junta-se a essa constante rotação de hobbies, também, a atenção natural pela música que Cazuza demostrava, isso devido a ascensão na indústria do disco de João Araújo, na produtora mais influente da época, produziu discos de Ellis Regina, , e os Novos Baianos e que lançou e , e motivo pelo qual fez com que o convívio com os marcos importantes da música popular brasileira fosse intenso durante sua infância, somando as influências maternas, que adoravam Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues. Mais adiante, em 1985, durante sua carreira como cantor, confessaria:

"Sou um cara que ouve muita música brasileira. Eu não conheço os grupos lá de fora, não conheço o rock internacional. Conheço Janis Joplin, blues, Stones, Beatles. Estou super por fora do new wave, pós- punk, etc. Sou um cara mais ligado nas coisas daqui do que nas de fora. Então, minha influência do rock veio a partir de Rita Lee, Jovem Guarda, . Eu me coloco dentro de um rock que já está sendo feito há muito tempo, um rock mais genuíno." (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p. 137) Contudo, apesar de todas as oscilações entre seus hobbies, o ato de escrever se perpetuou na sua vida desde muito cedo, sempre havia tempo para escrever, foi um ciclo ao qual deu continuidade por toda sua vida. Em 1970 a família de Cazuza se muda para um apartamento localizado no , bairro nobre do Rio de Janeiro, no Baixo Leblon, uma quadra conhecida que reunia restaurantes e bares e que acolhia diferentes tipos de pessoas. Dona Lucia, mãe de Cazuza, reconhece que, a época “o ponto não podia ser mais estratégico. Saía todas as noites sem me dizer aonde ia e sem hora para voltar” (ARAÚJO, 1997, p.29). Aos 16 anos esquece definitivamente dos projetos arquitetônicos e se entrega a boêmia carioca e a máquina de escrever, passa as noites de porre em porre, sempre rodeado de amigos. Tempos depois, Caetano Veloso teria comentado com a Dona Lucia que quando ouvira Bilhetinho Azul, música do primeiro álbum do Barão Vermelho, não podia acreditar que aqueles versos tão profundos foram escritos por aquele menino que encontrava de porre no Baixo Leblon.

Aos 18 anos, embarca em uma viagem a Londres com o objetivo de fazer um curso no qual pudesse estudar arte dramática, não faz o curso e gasta o dinheiro descobrindo o rock de

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Janis Joplin, os Rolling Stones e que começaram a definir suas influências musicais, também vai a museus, cinemas, teatros e, claro, pubs, depois de três meses está de volta a Rio de Janeiro. No seu retorno, pressionado pelo seu pai presta vestibular para o Centro de Comunicações, de Jacarepaguá, passa e três semanas depois abandona o curso. Dois anos depois tenta Comunicações na Faculdade Hélio Alonso e passa, sem dar certo pela segunda vez, a sua única saída é trabalhar. Seu pai consegue uma vaga na Som Livre, no departamento de imprensa, no qual seu trabalho era escrever releases de artistas e ao que parece, ele tinha ótima redação e boas ideias. Futuramente em uma entrevista ele iria explicar como realmente se sentia:

"Quando trabalhava na Som Livre e o Guto Graça Mello disse que queria me dar um novo cargo, não acreditei. Afinal, filho de diretor tem que subir na vida, disse ele. Foi meu primeiro parafuso. Me vi fechado num escritório para o resto da vida, feito meu pai. Disse que preferia até ser um mendigo de rua, mas nunca um executivo. Pedi uma passagem para os Estados Unidos, uma mesada e me mandei. Senão, me jogaria pela janela". (Cazuza apud ARAÚJO, 1997, p.41)

Em abril de 1979, Cazuza, com 21 anos, saiu do Rio de Janeiro rumo a San Francisco, na Califórnia, decidido a fazer um curso de fotografia e dança. Matriculado devidamente no curso de fotografia e artes plásticas da Universidade de Berkeley, em Oakland. Todos os dias, depois do horário comercial, Cazuza ligava para a casa dos pais de qualquer orelhão dando números de telefone de diferentes estabelecimentos, não demoraria muito para Joao Araújo receber uma ligação da Telerj2 que o informava que alguém chamado Agenor estava fazendo ligações irregulares para o Brasil, à vista disso, precisou pagar uma multa considerável. A mãe conta da reação do pai, “João não gostava nada desse hábito de nosso filho, mas Cazuza não dava bola. Se entusiasmava feito um moleque ao cometer qualquer transgressão” (ARAÚJO, 1997, p.41). Cazuza, acostumado com uma vida social bem agitada, começa a sentir as dificuldades de morar no exterior não só por causa da língua estrangeira, mas a ausência da sua turma e da sua família começa a se fazer presente. Apesar das viagens, das aventuras, das festas, dos bares, a solidão o acompanha e sem finalizar o curso de fotografia sete meses depois, em 17 de outubro de 1979, estava de volta no Rio de Janeiro sem dinheiro, com os cabelos enormes e com um macacão furado de balas que, teoricamente, teria sido usado por um soldado na guerra do Vietnã.

2 Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. - TELERJ foi a empresa operadora de telefonia do grupo Telebras no estado do Rio de Janeiro entre 1975 e 1998, quando foi privatizada.

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Entretanto, apesar da sua curta estadia em San Francisco, foi tempo suficiente para se aproximar da literatura de Jack Kerouac e Allan Ginsberg, dois escritores e poetas norte- americanos da década de 1950, grandes seguidores de Rimbaud, que se voltaram contra o consumismo, inovaram estilos na sua escrita e que foram os únicos a gritar contra a perseguição comunista do final dos anos de 1940 que foi até o final dos anos 1950. A geração beat foi um dos movimentos que fizeram parte da contracultura, geração caracterizada pela escrita automática, procurava algo de visceral, algo de intimista, algo de pessoal por meio das palavras como forma de atingir uma percepção mais sensorial. A escrita podia ser simples, espontânea e politicamente corajosa, a proposta era a de que qualquer pessoa poderia se manifestar por meio da escrita sem precisar ser erudita para fazê-lo, assim, a própria experiência de liberdade individual fazia parte da criação artística – quem fazia parte do movimento ganhava, rapidamente, a fama de boêmio hedonista3. Da mesma forma em que Cazuza faria na composição das suas músicas, fragmentos de uma pequena autobiografia na poesia, que demarca, não só a sua posição social, como também na sua forma de se posicionar enquanto indivíduo.

Na euforia pós San Francisco, Cazuza conheceu , uma história intensa que durou alguns meses, no relato de Ney: “Foi um grande amor mesmo. Ele era encantador e apaixonante e, nessa fase, o extremo oposto do que o Brasil conheceu depois. [...]. E eu fiquei apaixonado de perder a direção” (MATOGROSSO apud ARAÚJO, 1997, p. 45). Após uma viagem com os pais para Suíça e França, a qual Cazuza teria levado uma amiga com a qual teria um breve romance, a sua retirada da vida do Ney se concretizou, contudo, para Ney: “Na verdade, acho que ele tinha muito medo do rumo que a nossa história estava tomando e de que o relacionamento poderia exigir mais dedicação, mais compromisso” (MATOGROSSO apud ARAÚJO, 1997, p. 45), sendo assim, o término foi brusco e passional, o que não impediu que mantivessem uma relação muito boa depois. Em outro namoro com a amiga de turma Patrícia Casé, relação que durou aproximadamente seis meses, mesmo tempo que moraram juntos, Patrícia lembra: “quando nosso breve romance terminou, continuamos amigos. Éramos 'espertos', inteligentes e livres. E eu, romântica” (CASÉ apud ARAÚJO, 1997, p. 46). Para terminar, Cazuza teria deixado um bilhete em casa no qual ele falava que o relacionamento não poderia continuar porque ela amava ele ao cubo, e ele ao quadrado, dessa forma ele não poderia continuar num relacionamento onde ele desse para a outra pessoa menos do que ela merecia.

3 O hedonismo é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana.

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De junho de 1980 a janeiro de 1981, aos 22 anos, Cazuza trabalhou na gravadora RGE como fotografo free-lancer. Em uma carta escrita em janeiro de 1980, Dona Lúcia escreve para o filho, num momento de nostalgia, antes dele dar início a sua carreira:

"Meu filho: É tudo que quero, é tudo o que queria ser e o mundo me impediu: alegre, inteligente, bonito e bom. É por isso que aprovo o vôo de eu fruto, sangue de meu sangue. Voa, querido, a vida é só uma. Viva a vida sem medo, sem repressão, mesmo que seja amando pouco. O amor, ao mesmo tempo que te beija, te morde; ao mesmo tempo que te acaricia, te maltrata; é duro e mole; é felicidade e infelicidade; é satisfação e insatisfação. Viva a vida, vida da minha vida, seja feliz de qualquer forma..." (ARAÚJO, 1997, p. 49) Em 1981, Cazuza se inscreveu no grupo de teatro que era ministrado por Perfeito Fortuna, e o grupo Asdrúbal trouxe o trombone4. Dedicavam-se a criação coletiva e procuravam a desconstrução da dramaturgia – na época era também conhecido como teatro besteirol – a vitalidade do grupo mais tarde se revelaria um dos pontos de maior relevância das artes cênicas do pais, vários grupos de teatro dos anos 1980 foram seus seguidores, como a Companhia Tragicômica Jaz-o-Coração, Banduendes Por Acaso Estrelados, Beijo na Boca e Diz-Ritmia, uma vez que, o grupo trabalhava na criação de:

sua linguagem pela prática desenvolvida no processo de improvisações e jogos coletivos. O ator é o eixo da criação e a função do diretor consiste em selecionar, sequenciar, costurar os fragmentos produzidos por ele. Trabalhando com a noção de jogo e suprimindo a de interpretação, o artista entra em cena para contracenar com seu parceiro e cria a partir do seu próprio imaginário. Para isso, o grupo usa poucos objetos cênicos e, no palco nu, valoriza os recursos físicos e criativos do intérprete. Mas não se exige nenhum tipo de virtuosismo, pelo contrário: o ator não deve cantar, mas cantarolar, deve ser antes de tudo uma pessoa que experimenta e não um especialista. (ENCICLOPEDIA ITAÚ CULTURAL5) Sempre com o apoio incondicional da mãe, que participava assiduamente da vida do filho, Cazuza fez sua primeira montagem e apresentação com a peça “Pára-quedas do coração”, na qual seu papel envolvia cantar, foi apresentada no Circo Voador, que na época foi montado no Arpoador, graças aos pedidos de Cazuza e a primeira-dama do

4 Asdrúbal Trouxe o Trombone é nome de um grupo teatral brasileiro da década de 1970, de estilo cômico e anárquico. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Asdr%C3%BAbal_Trouxe_o_Trombone >, acesso em 20/10/2018 5 Disponível em: , acesso em: 20/10/2018

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Rio de Janeiro da época, Zoé Chagas Freitas. Em seguida, participou de outro grupo de teatro, no qual fez parte da peça infantil “Parabéns pra Você”, apresentada no Teatro Candido Mendes, na época Cazuza confessou que se sentia mais um canastrão do que um ator. Finalmente, na conclusão do curso no Circo Voador, se apresentou na montagem de uma parodia da peça “A Noviça Rebelde”, cantou “Odara”, de Caetano Veloso. Para surpresa da mãe, que nunca tinha ouvido o menino cantar em público, ficou completamente emocionada e surpresa, conseguiu, também, identificar o estilo que futuramente caracterizaria Cazuza.

Durante o mesmo período, Léo Jaime é convidado para participar como vocalista de uma nova banda de rock que se formava no Rio de Janeiro, recusa, pois na época ele já participava de duas, mas se oferece a conhecer o trabalho deles como forma de poder indicar alguém. O nome da banda era Barão Vermelho, formada até então por Maurício Barros, 17 anos, tecladista, Flávio Augusto Goffi Marquesino, 19, o Guto, baterista, André Palmeira Cunha, 16, o Dé e Roberto Frejat, guitarrista, 19 anos. Ao ouvir o som deles, pensa no Cazuza, amigo dele há alguns anos, sabia que ele era talentoso, que compunha e cantava, por isso presumiu que os perfis de ambos se encaixavam perfeitamente. Cazuza entra em contato com os meninos e em 1981 integra o Barão, a parceria entre Cazuza e Frejat é imediata e intensa. Nas palavras de Frejat sobre os acontecimentos: “Léo Jaime tinha nos contado que ele era seu amigo e que gostava de gritar, certamente iria se dar bem com o nosso som pesado. Cazuza chegou, lhe mostramos as músicas, ele pegou o microfone e começou a cantar. Soltou a voz. Nos entendemos na hora” (FREJAT apud ARAÚJO, 1997, p. 51-52).

O show de estreia do Barão aconteceu em um condomínio da Barra da Tijuca6, Cazuza estava bêbado e extremamente incomodado com a presença da mãe, temeroso de parecer “careta” aos olhos dela. Em seguida, fizeram um show numa boate chamada Caribe localizada no Bairro de São Conrado7. Quando João assistiu ao show do Barão Vermelho ficou surpreso, pois não sabia que Cazuza cantava e compunha, mas relembra “dos tempos em que ele se trancava no quarto. Muitas vezes, quando eu chegava de madrugada, ele estava batucando e batucando na máquina de escrever. No dia seguinte, eu encontrava uma pilha de papéis escritos, umas poesias” (ARAÚJO apud ARAÚJO, 1997, p. 53). Após uma curta temporada de shows realizados em pequenos lugares, a banda decidiu gravar uma fita, mesmo amadora e da má qualidade da gravação, ela chega nas mãos do produtor Ezequiel Neves, provocando

6 Bairro nobre da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, no Brasil. Seus habitantes fazem parte da classe média alta carioca 7 Bairro da Zona Sul do município do Rio de Janeiro, no Brasil. O bairro apresenta grande desigualdade social, já que de um lado se encontram os condomínios de luxo e, do outro lado, está a Favela da Rocinha.

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uma reação de fascínio, como ele relembra: “Ficamos todos bastante impressionados com as letras das músicas do Barão. Tinha muita coisa escrita em português errado, mas uma linguagem totalmente moderna, atualíssima, falando de garotada, de dor-de-corno.” (NEVES apud ARAÚJO, 1997, p. 54). Empolgado, junto com Guto Graça, compositor e produtor musical, procuraram o diretor da Som Livre8, João Araújo, que se nega em primeiro momento, visto sua posição de pai do Cazuza, situação que poderia ser desconfortável futuramente, entretanto acaba cedendo com algumas ressalvas.

A gravação do LP acontece em dois finais de semana, Cazuza na companhia do uísque, gostava de cantar, colocar a voz sem precisar fazer repetições e corrigir passagens. Em novembro de 1982, foi lançado pela gravadora Som Livre, o primeiro LP do Barão Vermelho – Barão Vermelho, que incluía canções como “Down em mim” e “Todo o amor que houver nesta vida”, ambas compostas por Cazuza. Na época, apesar do sucesso, o número de vendagem foi baixo9 e não chegaram a tocar nas rádios. Sem desanimar, em 1983, o Barão lança o segundo LP, Barão Vermelho. Em trabalhos autorais, Ney Matogrosso grava “Pro dia nascer feliz” (1983) e Caetano Veloso canta, de surpresa, a música “Todo o amor que houver nesta vida”, no show de lançamento de seu disco Uns (1983). Depois que a Rádio Cidade10 troca a versão de Ney pela do Barão Vermelho, quebra-se, assim, a barreira das mídias. Caetano relembra:

"A música Todo Amor Que Houver Nessa Vida é uma obra-prima. Cazuza era um romântico autêntico. Isso foi o que deu à poesia dele um poder de comoção muito grande, porque ele era cem por cento autêntico e isso a gente sentia. Ele entrou na música popular brasileira com uma marca enormemente original e seu trabalho com o Barão, e posteriormente sozinho, representa uma coisa grande, com um papel importante no desenvolvimento da história da música brasileira". (VELOSO apud ARAÚJO, 1997, p. 57)

Em 1984, as relações interpessoais estão fragilizadas entre os integrantes do Barão por dois motivos, por um lado, os comportamentos excessivos e passionais de Cazuza, que

8 A Som Livre é uma gravadora musical brasileira. Foi fundada em 1969 com a finalidade de desenvolver e comercializar trilhas sonoras de novelas produzidas pela Rede Globo, e pertenceu a SIGLA (Sistema Globo de Gravações Audiovisuais Ltda) e atualmente pertence a Globo Comunicação e Participações S.A. Seu fundador é o produtor musical João Araújo. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Som_Livre >, acesso em 21/10/2018 9 Fonte: http://www.galeriamusical.com.br/detalhes_d.php?cod_artista=9 10 Rádio Cidade é uma web rádio brasileira sediada no Rio de Janeiro, capital do estado homônimo. Pertencente ao Sistema Rio de Janeiro de Rádio, funcionou entre 1977 e 2006 e entre 2014 e 2016 no dial FM 102.9 MHz, concessionado em Niterói, onde atualmente opera sua co-irmã Rio FM. Disponível em: < https://pt.wiki- pedia.org/wiki/R%C3%A1dio_Cidade_(Rio_de_Janeiro) >. acesso em 21/102018

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envolviam ataques de fúria e o uso constante de álcool e outras drogas, por outro lado, as divergências entre Cazuza e Frejat sobre o caminho que estavam tomando a respeito da música. Enquanto Cazuza queria experimentar com outros tipos de musicalidades e tipos sonoros, Frejat estava determinado que a banda não perdesse suas características roqueiras. Apesar dos conflitos, o Barão lança o terceiro LP, Maior Abandonado, que tem como parte do repertório as músicas, compostas por Cazuza, “Eu queria ter uma bomba”, “Baby Suporte” e “Você se parece com todo mundo”. Para surpresa de todos, as vendas do disco superaram todas as expectativas, com mais de 100.000 cópias vendidas, recebendo assim o certificado de disco de ouro11. Cazuza ficou extremamente incomodado de que o prêmio não era só dele, mas de todos os participantes da banda, Frejat, Mauricio, Guto e Dé. No dia anterior da renovação do contrato para gravar o quarto LP do Barão, Cazuza decide deixar a banda. Em janeiro de 1985, em sua última apresentação juntos, o Barão abre a noite de encerramento do Rock In Rio12 e em agosto do mesmo ano, Cazuza deixa definitivamente a banda para seguir carreira solo.

Cazuza começou a sentir os primeiros sintomas da AIDS13 enquanto ainda participava do Barão, mas não dava muita importância, como ele mesmo relata: “Comecei a ter febre nos fins de tarde, mas não contava para ninguém. Tomava duas aspirinas e ia para o bar, beber” (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p.157). Uma semana depois do rompimento com o Barão Vermelho, foi internando no Hospital São Lucas14, o motivo seria uma infecção causada pela bactéria Streptococus viridans, que se instalou nos seus pulmões. Na década de 1980, o alastramento da AIDS decorria justaposta a ideia da contaminação por meio de relações sexuais homoafetivas, sob o receio de ter contraído o vírus, Cazuza pede para o médico fazer o teste de HIV, o resultado é negativo.

Em novembro de 1985 é lançado pela Som Livre o primeiro disco solo de Cazuza, Exagerado, que incluía as faixas “Exagerado”, “Cúmplice”, “Desastre Mental” e “Codinome

11 A indústria musical global atribui prémios de certificação baseada no número de vendas do trabalho. No Brasil, o encarregado pela acreditação dessa certificação é a PMB (Pro-Música Brasil, anteriormente conhecida como Associação Brasileira dos Produtores de Discos, ABPD), uma entidade oficial que representa as principais gravadoras do mercado fonográfico do país. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Certifica- %C3%A7%C3%B5es_de_vendas_de_discos_no_mundo >. acesso em 21/10/2018. 12 O Rock In Rio é um festival de música, foi idealizado pelo empresário brasileiro Roberto Medina pela primeira vez em 1985, sendo, desde sua criação, reconhecidamente, o maior festival musical do planeta. Foi originalmente organizado no Rio de Janeiro, de onde vem o nome. Disponível em: , acesso em 21/10/2018. 13 A AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença do sistema imunológico humano resultante da infecção pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência. Disponível em: < http://giv.org.br/HIV-e-AIDS/O-Que- %C3%A9-a-AIDS/index.html >, acesso em 22/10/2018 14 Hospital tradicional da cidade do Rio de Janeiro, situado em Copacabana, na Zona Sul carioca.

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Beija-flor”, a última foi escrita no período em que ficou internado no Hospital São Lucas. A partir desse momento, a música que dá nome ao LP, solidifica a forma do Cazuza “exagerado”. Futuramente ele explicaria que a música não era autobiográfica, mas composta em homenagem ao seu amigo e produtor, Ezequiel Neves, e como uma crítica ao amor dor- de-cotovelo, a forma dos sentimentos presentes nas canções melancólicas e dramáticas de Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Cartola, , Maysa e Dalva de Oliveira, dos quais Cazuza era grande fã. (DUÓ, 1990).

"Acho até que, atualmente, poucos compositores falam da dor. [...] pintou uma fase em que era cafona e antiquado falar do sofrimento. Não estou sendo pretensioso, não, mas vários estudiosos da música popular já me disseram que eu trouxe essa coisa da dor-de-cotovelo de volta. É claro que isso aconteceu com a moldura mais epidérmica do rock. Todo brasileiro, todo latino-americano [...] gosta de temas relacionados a uma paixão que não deu certo. Esse é o lado diferente e talvez polêmico do meu trabalho. Atualizar Lupicínio, trazer essa tradição da poesia brasileira através de uma abordagem mais moderna, mais próxima de nossa realidade, nosso 'hoje'. Não posso, por exemplo, repetir Noel Rosa. Os tempos dele eram mais românticos, as pessoas pediam xícara de açúcar emprestada. Hoje, as pessoas nem se olham na cara. Houve a mudança do universo comportamental, e do referencial imediato. Mas o referencial básico fundamental, essencial, para mim, para minha alma, ainda é o mesmo." (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p. 141)

Em março de 1987, é lançado pela PolyGram15 o segundo álbum solo de Cazuza, Só se for a dois, nome de uma das faixas que fazem parte do repertório, outras músicas escritas por ele e inclusas no disco foram “O nosso amor a gente inventa (Estória Romântica)”, “Solidão que nada”, “Heavy Love” e “Completamente Blue”. Antes do show que estrearia o álbum, Cazuza sente sua saúde debilitada e procura um médico, em abril do mesmo ano, faz um exame e descobre que era portador do vírus HIV. Depois da turnê de Só se for a dois, Cazuza, acompanhado de seus pais e Ezequiel Neves, partiram rumo a Boston, nos Estados Unidos, para uma consulta com um médico membro do Programa de Combate a AIDS do governo americano, o doutor Sheldon Wollff. Os conhecimentos sobre o vírus ainda eram muito restritos, até novembro de 1987 foram registrados 62.811 casos pelo mundo, em 127

15 PolyGram Discos foi uma das maiores gravadoras da indústria fonográfica no Brasil. Fundada durante a Década de 1920, com o nome de Sinter, mudou de designação em 1958 para Phonogram, permanecendo assim até 1979, quando passou a se chamar "Polygram do Brasil". Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki- /Polygram_do_Brasil >, acesso em 22/10/2018.

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países, segundo a OMS16. Sem resultados alentadores, apenas com sugestões médicas severas para que Cazuza levasse uma vida mais saudável. Ao voltar ao Brasil, Cazuza ignora completamente os pedidos médicos e continua com os mesmos hábitos boêmios e de criação desenfreada.

Em agosto Cazuza divide com o prémio de melhor letrista de MPB do ano da Associação Brasileira de Produção de Discos e reúne o Barão para um jantar de despedida par celebrar os cinco anos de relacionamento e poder continuar a sua carreira solo. Em outubro do mesmo ano, Cazuza tem sua saúde debilitada novamente e é internado na Clínica São Vicente17, apesar das dificuldades em achar o foco das infecções e controlar a febre, Cazuza continuou escrevendo e compondo músicas em parceria com Frejat, durante os 18 dias internado. Obrigado a passar mais uma temporada em Boston, visto as dificuldades no Brasil pela novidade do vírus, vivência sofrimentos causados pelos efeitos colaterais de uma medicação experimental.

De volta ao Brasil em janeiro de 1988, prepara o novo repertório do terceiro disco, Ideologia, lançado pela PolyGram em abril do mesmo ano, com canções como “Faz Parte do Meu Show”, “Guerra Civil”, “O Assassinato da flor e Blues” da “Piedade”, produzida em parceria com Frejat. Em agosto, começa a turnê nacional de Ideologia que renderia mais de 500.000 cópias vendidas e o show seria um sucesso de bilheteria. Sob a direção de Ney Matogrosso, o trabalho se diferenciou na performance de Cazuza no palco, no qual o importante era a sua história musical e o seu pensamento, o movimento das luzes faria o resto do espetáculo. Aos olhos do pai, produtor musical, o espetáculo foi impecável:

"A combinação entre Cazuza e Ney foi maravilhosa. Aquele, para mim, foi seu primeiro show profissional. De alguma maneira, as observações que eu havia feito sobre seu trabalho, no passado, serviram como que para asfaltar um pouco seu caminho profissional. (ARAÚJO apud ARAÚJO, 1997, p. 85)

“O resultado do disco e do show para a carreira de Cazuza foi bastante positivo. A partir desses dois trabalhos ele viveria o momento de maior sucesso e prestígio na vida. Seu coração estava cheio de esperança e vontade de produzir. Inspirado, escrevia furiosamente e, ao mesmo tempo, levava a vida de boêmia de sempre.” (ARAÚJO, 1997, p. 72)

16 Organização Mundial da ou de Saúde é uma agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza- %C3%A7%C3%A3o_Mundial_da_Sa%C3%BAde >, acesso em 22/10/2018 17 Hospital tradicional da cidade do Rio de Janeiro, situado na Gávea, bairro nobre da Zona Sul carioca.

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A saúde frágil de Cazuza envolvia uma série de cuidados que eram levados em consideração em todas as apresentações, como por exemplo, uma ambulância estava sempre pronta nos locais onde aconteciam os shows, caso fosse preciso. Combinado ao seu estado frágil, a sua personalidade explosiva, que envolvia todas as suas relações interpessoais, inclusive com as com plateia, ofendia o público quando percebia que não estavam dando a ele a devida importância, como fez num show em São Paulo no qual exclamou: “Vocês aí de trás, venham todos para a frente porque essas pessoas aqui da frente, que balançam suas joias falsas... não estão com nada!!” (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p. 87), da mesma forma que cantava até o seu último suspiro, entregando-se totalmente à plateia. Entre idas e vindas de internações em Boston durante todo o ano de 1989, o estado de saúde de Cazuza agravava e o seu apartamento, sempre aberto para festas, não era adaptado para as necessidades de que necessitava, mudou-se para outro apartamento, acompanhado do seu motorista, Bené, e de duas enfermeiras. Apesar de todos os cuidados, a onda de festas, álcool e drogas ilícitas continuavam fazendo parte da vida de Cazuza. Ainda a procura de novas experiencias, entra em contato com a seita do Santo Daime18, acompanhado de Ney Matogrosso, tomou um chá alucinógeno de ayahuasca:

"Fui ao Santo Daime e achei interessante. Foi uma experiência fantástica tomar o Daime. Eu já tinha tomado muito ácido, cogumelo, mas era diferente. O Daime é uma coisa religiosa, uma coisa de sentir Deus, sabe? [...] foi uma ajuda. Eu descobri uma coisa religiosa em mim que é muito importante para minha cabeça." (CAZUZA apud ARAÚJO, 1997, p. 147) No final de maio de 1989, Cazuza finalizava a árdua gravação do seu quarto álbum, já que dependia de uma cadeira de rodas. Às vezes cantava deitado, mas, apesar do seu estado delicado, sempre gravava com disposição, “mesmo com a morte cada vez mais perto, Cazuza encontra forças para burlar as regras e seguir os próprios desejos” (CANEPPELE, 2015, p. 176). Dessa forma, é lançado pela PolyGram o álbum duplo Burguesia, que tem um número de vendagem de 250.000 cópias, mas não é aclamado pela crítica. Fazem parte do repertório do disco Eu quero alguém, Filho único, e Mulher sem razão. Sua grande vontade de continuar escrevendo e cantando era inversa à sua disposição física, em outubro do mesmo ano, Cazuza contrai o citomegalovírus, um vírus que se aloja no aparelho digestivo. As impossibilidades de um tratamento no Brasil fazem com que precise voltar para Boston pela última vez. Ficou acompanhado pela sua família e amigos durante esta triste temporada na clínica, entretanto,

18 O Santo Daime é uma manifestação religiosa surgida na região amazônica nas primeiras décadas do século XX. Consiste em uma doutrina espiritualista que tem como base o uso sacramental de uma bebida enteógena, a ayahuasca. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Daime >, acesso em 22/10/2018.

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Cazuza continuava transgredindo pequenas regras, fumando e não comendo, já que seu apetite oscilava. Em janeiro de 1990, a equipe médica encarregada pelos cuidados de Cazuza, constataram a família que não haveria mais nada que eles pudessem fazer e, em marco, estavam de volta ao Rio de Janeiro. Celebrou seu aniversário de 32 anos com uma grande festa da qual se retirou cedo, com dificuldades e sempre acompanhado. Mesmo debilitado, conseguia manter atividades que gostava como ir à praia, ao shopping e assistir ao show de Caetano Veloso. Em 7 de julho de 1990, falece um dos nomes mais importante do rock brasileiro da década de 1980, vítima de complicações causadas pela síndrome de imunodeficiência adquirida.

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3. METODOLOGIA

Apresenta-se nesse capitulo a metodologia utilizada para o desenvolvimento da análise das músicas de Cazuza em detrimento das observações do amor na modernidade líquida, de Zigmunt Bauman.

3.1 ANÁLISE DE CONTEÚDO EM TEXTO

A escrita, assim como a fala, é um mecanismo que envolve pensamentos, sentimentos, memórias, planos e conflitos dos indivíduos para ser desenvolvida, a vista disso, as ciências sociais empíricas desenvolvem um método que procura criar um vínculo entre as análises estatísticas e qualitativas como uma forma de utilizar textos em pesquisas sociais. Desta forma, a análise de conteúdo (AC), não está à procura da reconstituição de textos originais, ou da revelação da verdade, mas se caracteriza por ser “uma técnica para produzir interferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada” (BAUER, M. & GASGELL, G., 2010, p. 191), de forma sistemática e não necessariamente uma leitura valida singular dos textos:

A validade da AC (análise de conteúdo) deve ser julgada não contra uma ‘leitura verdadeira’ do texto, mas em termos de sua fundamentação nos matérias pesquisados e sua congruência com a teoria do pesquisador, e à luz do seu objetivo de pesquisa. Um corpus de texto oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que ele contém. A AC [...] traça um meio caminho entre a leitura singular verídica e o “vale tudo”, e é, em última análise, uma categoria de procedimentos explícitos de analise textual para fins de pesquisa social. Ela não pode nem avaliar a beleza, nem explorar as sutilezas de um texto particular. (BAUER, M. & GASGELL, G., 2010, p. 191) Existem dois objetivos básicos na análise de conteúdo: “um símbolo representa o mundo; esta representação remete a uma fonte e faz apelo a um público” (BUEHLER apud BAUER, M. & GASGELL, G., 2010, p. 192). Os textos analisados são registros de eventos, valores, regras e normas sociais, sendo assim, a análise de conteúdo permite reconstruir esses indicadores como forma de compará-los. Da mesma forma, procedimentos sintáticos e semânticos servem para reconstruir as representações dos textos. O procedimento sintático destaca transmissores de sinais e suas inter-relações, descreve os meios de expressão e suas influências – o como o texto foi escrito. Já os procedimentos semânticos têm como foco as relações entre os sinais e os sentidos normais, não procura saber o como algo foi duto ou escrito, mas o que é dito num texto. Tais características, semântica e sintática, do corpus de um texto auxiliam o pesquisador a deduzir sobre os valores, as atitudes e os estereótipos de um texto.

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A análise de conteúdo trabalha com diferentes matérias escritos que podem ser manipulados de forma a dar respostas as questões do pesquisador, assim, para poder realizar uma análise é preciso, primeiro, a codificação e classificação da amostragem escolhida. Uma tarefa de construção que envolve a teoria, no caso deste trabalho, o amor líquido19, e o material de pesquisa, a poesia de Cazuza20. O pesquisador precisa de um referencial de codificação, ou seja, um modo sistemático de comparação com o qual pode-se tratar os materiais pré-selecionados. Sendo assim, “a AC interpreta o texto apenas à luz do referencial de codificação, que constitui uma seleção teórica que incorpora o objetivo da pesquisa. A AC representa o que já é uma representação, ligando os pesquisadores a um texto e a um projeto de pesquisa” (BAUER, M. & GASGELL, G., 2010, p. 199-200).

A análise de conteúdo é uma construção social, portanto, ela leva em consideração alguma realidade, sendo aqui o corpus do texto, nesse caso, as orações extraídas das músicas do Cazuza. A pesquisa é capaz de expressar como resultado se a análise é de interesse ou não, assim como a metodologia se preocupa de ter um resultado de qualidade, tendo como preocupações principais a fidedignidade e a validade. A fidedignidade, por um lado, é a concordância entre os interpretes, por outro, a validade, refere-se a até que ponto o resultado representa o conteúdo e o contexto do mesmo.

Compreende-se, assim, que o enfoque da análise de conteúdo, desenvolvida na pesquisa social, é geral e tenta abarcar o aparelho cultural, suas vantagens são que ela consiste em fazer uma análise generalizada de dados brutos que acontecem naturalmente em traços da comunicação humana. Pode, também, construir dados históricos estabelecendo tendências sociais e focalizar no que é tendência, deixando de lado o que é raro e o que está ausente.

3.2 ANÁLISE ESTRUTURAL

Tzvetan Todorov, filósofo e linguista, em As Estruturas Narrativas (1970) procura encontrar as estruturas subjacentes que se encontram na narrativa, assim, propõe uma abordagem estrutural da literatura e a ilustra por meio de um problema concreto, o da narrativa. Deste modo, chega a conclusões sobre sua natureza e os princípios de sua análise. Em um primeiro momento, Todorov opõe duas atitudes possíveis na literatura, a atitude teórica e a atitude descritiva. Tendo a análise estrutural um caráter teórico, no qual o estudo

19 Capitulo 4. 20 Verificar quadro temático anexo ao trabalho monográfico.

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da obra não visa a descrição de uma obra completa, mas “a manifestação de uma estrutura abstrata, a qual ela é apenas uma das realizações possíveis; o conhecimento dessa estrutura será o verdadeiro objetivo da análise estrutural” (TODOROV, 1970, p. 80), assim, a estrutura é avaliada num sentido lógico e não espacial. Da mesma forma, opõe dois tipos de abordagem, uma interna e outra externa, que ao contrapor estes dois tipos de abordagem, explica que a análise estrutural tende para uma abordagem interna da obra literária. Por um lado, ao qualificar a análise estrutural teórica, aproxima-a do que se chama de “externo”, isto é, quando se aborda uma obra literária o interesse é o “conhecimento de uma estrutura abstrata, social ou psíquica, que se manifesta através da obra” (TODOROV, 1970, p. 80) e não no conhecimento da obra por ela mesma: essa atitude é teórica e externa. Por outro lado, uma análise descritiva e interna “não terá outro objetivo senão o conhecimento da obra ela mesma; o resultado do seu trabalho será uma paráfrase da obra, que pretende revelar seu sentido melhor do que a obra ela mesma” (TODOROV, 1970, p. 80).

Diferente das duas atitudes explicadas, Todorov afirma que a análise estrutural não aborda nenhum desses dois caminhos, já que ela não se contenta com uma descrição profunda da obra, nem com interpretações sociológicas ou psicológicas. A análise estrutural da literatura condiz com a teoria da literatura, ou seja, com a poética. O objeto de estudo não é a obra literária em si, mas o discurso literário, de forma que:

O objetivo desse estudo não é mais articular uma paráfrase, um resumo argumentado da obra concreta, mas propor uma teoria da estrutura e do funcionamento do discurso literário, apresentar um quadro dos possíveis literários, do qual as obras literárias existentes aparecem como casos particulares realizados. (TODOROV, 1970, p. 80-81). Na prática, a análise estrutural visa, também, as obras reais, uma vez que o conhecimento empírico é preciso para chegar a teoria. Porém, esta análise irá desenvolver o que cada obra tem em comum com todas as outras, “trata-se de um movimento continuo de ida e volta, das propriedades literárias abstratas às obras individuais e inversamente. A poética e a descrição são, de fato, duas atividades complementares” (TODOROV, 1970, p. 81). Entretanto, o caráter interno da abordagem não nega a relação que a literatura possa ter com outros campos, como a filosofia ou a vida social, trata-se de constituir uma hierarquia, “a literatura deve ser compreendida na sua especificidade, enquanto literatura, antes de procurar estabelecer sua relação com algo diferente dela mesma” (TODOROV, 1970, p. 81).

O que pode ser a análise estrutural da literatura parte do conceito literário abstrato que Todorov aborda, seu objetivo é oferecer um determinado número de categorias que auxiliem a identificar e descrever as narrativas. São os seguintes: 1 unidade mínima é uma oração, na

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qual devem ser consideradas as categorias de língua e da narrativa; 2 a análise da oração tem duas unidades inferiores correspondentes as partes do discurso, os agentes e o predicado, que é sempre o verbo; 3 as ações podem ter caráter negativo ou positivo; 4 categoria de mobilidade, ou seja, ações ainda não realizadas, mas que não deixam de ser importantes; 5 múltiplas percepções da mesma ação que dizem respeito a relação narrador-leitor como também as personagens; 6 relações temporais, causais, ou espaciais entre as orações; 7 a unidade sintagmática, quer dizer, a sequência, dar ao leitor uma narrativa mínima completa, que é produzida pela repetição modificada da oração inicial; 8 passar da representação esquemática para a representação abstrata, que exige três passos: a) mudar o nível de generalidade, ou seja, estudar o mesmo gênero de organização num nível mais concreto – estudo da sintaxe narrativa b) um estudo temático através das ações concretas para descobrir as unidades abstratas; e c) estudar o material verbal das unidades abstratas – estudo retórico.

Visto isto, pode-se dizer que a finalidade não é o conhecimento da obra literária em si, embora tal analise possa servir, mas o conhecimento da literatura. Tais categorias permitem uma análise mais avançada, o objeto de estudo é, principal e unicamente, nos modos narrativos, nos pontos de vista ou nas sequências na obra literária. O objeto da análise estrutural obriga a “introduzir certo número de questões, a criar uma imagem da literatura; essa imagem constitui a preocupação constante de toda pesquisa sobre a poética” (TODOROV, 1970, p. 89), sendo assim, as qualidades abstratas da literatura constituem a poética, à qual a literatura lhe serve como uma ponte para ser capaz de falar. Por tanto, “não se deve concluir que a literatura seja secundária para a poética e que ela não seja, em certo sentido, seu objeto. O que caracteriza a ciência é justamente a ambiguidade do seu objeto” (TODOROV, 1970, p. 89), portanto, na poética, as discussões metodológicas formam a sua principal tarefa de forma a constituir este trabalho.

Dito isto, é possível compreender o porquê do empréstimo da teoria de Todorov sobre as estruturas narrativas é importante para o desenvolvimento deste trabalho. Uma vez o amor líquido considerado uma estrutura da sociedade contemporânea, pode-se entender que a abordagem da análise estrutural, que pressupõe uma compreensão das estruturas como modeladoras do comportamento de indivíduos e grupos sociais, é capaz de auxiliar no estudo referente a poesia de Cazuza. Sendo assim, é por meio do discurso literário presente na sua música que será possível entender a estrutura do amor liquido.

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4. AMOR, INDIVÍDUO, SOCIEDADE

O final do século XX trouxe com ele uma série de mudanças, múltiplas transformações sociais, econômicas, culturais e políticas a escala mundial. Para o sociólogo Zygmunt Bauman, isto é, nada mais que a transição da fase sólida da modernidade, para a fase líquida. Por um lado, as instituições e as relações sociais, da primeira modernidade eram sólidas, quer dizer, resistiam à força do tempo, eram duráveis, estáveis e fixas ao espaço. Por outro, na segunda fase tudo se torna líquido, a constante mutabilidade e mobilidade não conseguem resistir a força temporal, causando o desmantelamento das suas estruturas, ou seja, a fixação no espaço não tem mais lugar. São estas características fluidas das quais Bauman se utiliza para atribuir o nome de Modernidade Líquida a esse estágio da história.

A intencionalidade do espírito moderno era apenas substituir os sólidos pré-modernos, ligados a lealdades tradicionais do mercado e aos direitos costumeiros, por uma nova modalidade de sólidos, imune a qualquer ação que não fosse econômica. Dessa forma, a ordem que se instaura pelo espírito moderno veio a dominar a totalidade da vida humana porque profanou e tornou irrelevante tudo aquilo que fosse ineficaz a contínua reprodução da ordem neoliberal. Acontece a redistribuição e realocação dos poderes, assim, os responsáveis pela liquefação passaram do nível macro para o nível micro do convívio social. Tais poderes agora estariam se manifestando na própria sociedade, bem como, nas políticas da vida. A nossa versão da modernidade, é uma versão privatizada, onde o principal alvo da liquefação são os padrões de dependência e interação. Dessa forma, o autor argumenta que as novas técnicas do poder, cujas ferramentas principais são o desengajamento e a arte da fuga, que estariam nos levando a um processo de desintegração social.

A solidez procurada nas relações sociais esbarra com as incertezas, com a liquidez dos círculos de relacionamentos do século XXI. Desse modo, se falarmos de amor e levarmos em consideração que amar o outro não é amar o que projetamos nela, mas a sua humanidade e suas singularidades, não será difícil entender porque o amor é um desafio nos tempos de modernidade líquida. Os muros construídos ao nosso redor, tanto físicos quanto emocionais, tem a função de nos isolar, a procura desenfreada pela felicidade individual nos transforma em tribunais individuais e, na disputa pela sentença a ser proferida, aquele que vencedor é o que se recusa a ouvir o outro indivíduo. Desviamos, assim, facilmente de nossos compromissos e de tudo aquilo que nos seja incômodo. Desta forma, a Modernidade Líquida influência todos os campos da nossa vida, assim, o plano de fundo do amor líquido consiste

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nas inúmeras formas de relacionamento em um mundo tremendamente individualista e voltado a autossatisfação dos desejos dos individuais.

Composto por alguns ensaios, a obra Amor Líquido (2004) apresenta impressões sobre os acontecimentos cotidianos dos vínculos afetivos na vida dos indivíduos contemporâneos, sua abordagem é voltada para as ligações humanas em detrimento do consumismo pós- moderno. Apresenta a fragilidade dos vínculos humanos, os sentimentos de insegurança que tal instabilidade provoca e os constantes desejos de criar laços apertados e, ao mesmo tempo, deixá-los soltos, pois na dinâmica contemporânea, nada nem ninguém cria raízes, tudo é volátil e de curta duração, assim, o amor, de caráter líquido, escorre pelas nossas mãos, enquanto dura por um instante infinito.

O amor é visto como uma habilidade que se pode adquirir por meio do acúmulo de experiências amorosas, e que sua prática trará, a cada vez mais, experiências mais excitantes e estimulantes. Porém, ao invés de se atingir padrões de amor cada vez mais altos, visto a capacidade recorrente de apaixonar-se e desapaixonar-se, esses padrões parecem reduzidos. Dessa forma, o único conhecimento que aqui se amplia é o do amor de episódios intensos e impactantes de curta duração, assim como se amplia, também, a capacidade de terminar rapidamente, para poder começar desde o início.

Sem embargo, o amor não procura seu significado em algo pronto, concluído ou completo, mas no encorajamento de participar da concepção e no estímulo desse algo. Bauman explica que em todo amor há, pelo menos, dois seres envolvidos, ambos como uma incógnita para o outro, impossível de ser descoberto o que vem a frente, amar é amarrar-se ao medo do mistério do futuro. Entretanto, procura-se desfrutar do mais doce do amor sem ter que passar pelas amarguras que ele implica.

E assim é numa sociedade consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta de construir uma “experiencia amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforços. (BAUMAN, 2004, p. 21-22) Para Bauman, o desejo e o amor caminham juntos, mas sempre em linhas paralelas. Enquanto o amor se relaciona com a vontade da posse, de cuidar, de preservar e de assumir responsabilidades e compromissos, o desejo relaciona-se a vontade de consumir, de absorver, de devorar e aniquilar, quer dizer: “o amor é uma rede lançada sobre a eternidade, o desejo é um estratagema para livrar-se da faina de tecer redes. Fiéis a sua natureza, o amor se

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empenharia em perpetuar o desejo, enquanto este se esquivaria aos grilhões do amor” (BAUMAN, 2004, p. 25).

Contudo, o desejo precisa de tempo – tempo que é prolongado demais para nossa cultura de satisfação instantânea – para poder crescer e gerar frutos. A prolongada criação dos desejos é substituída pelos pela ação rápida do aniquilamento, o impulso. No caso das parcerias sexuais, seguir os impulsos, ao invés dos desejos, é deixar os laços suficientemente soltos, como forma de desfazê-los quando novas oportunidades surjam, possibilidades que pareçam ser mais extasiantes que as anteriores. A vida cotidiana é persuadida pela dinâmica contemporânea de mercado, fazendo, com que tudo seja visto como mercadoria, inclusive os relacionamentos. Assim, relacionamentos não satisfatórios são facilmente descartados pela procura de mercadorias novas e sem defeitos. Consequentemente, relacionamentos tornam-se mais um investimento uma vez que neles é depositado tempo, dinheiro e esforços. O primeiro lucro esperado é o da segurança, ou seja, o apoio incondicional, a mão amiga, o braço para segurar durante as dificuldades. Da mesma forma que acontece com os investimentos econômicos, estar em um relacionamento envolve constantes amarguras e, principalmente, insegurança, já que não se pode ter certeza daquilo que se faz ou se irá fazer a coisa certa no momento indicado.

Relações doces de curta duração, ou relações de bolso, as quais Bauman se refere, são aquelas das quais podemos nos librar rapidamente se for preciso, caracterizadas pela instantaneidade e pela disponibilidade. Nelas não pode se apaixonar, nada de emoções intensas que lembrem o amor, nem daquelas que lembram ao desejo, a conveniência é o único que importa, manter a cabeça fria e não deixar o coração esquentar. É preciso, nesses casos, supervisão constantemente, sem deixar que a situação adquira lógica própria ou direitos de propriedade de um sobre o outro, a menor suspeita de emoções aflorando, sabe-se que está na hora de seguir em frente. Quer dizer, no mundo fluido as parcerias são junções de interesses conjuntos, assim, numa dinâmica na qual as pessoas estão em constante movimento, as coligações são frágeis e flexíveis, "ninguém pode prever o que será a partir daquilo que é" — mas ninguém pode suportar com leveza essa impossibilidade. No mar da incerteza, procura-se a salvação nas ilhotas da segurança. ” (BAUMAN, 2004, p. 45).

Afinidade significa parentesco e este, querendo ou não, é uma coisa dada, porém, a afinidade nasce da sintonia e da atração entre os indivíduos. A intenção da afinidade é se assemelhar ao parentesco, ser tão irrevogável e incondicional quanto ele, contudo o que é reunido pelo ser humano pode ser facilmente separado por ele. As gerações de parentesco são,

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nesta instancia, o resultado da afinidade das gerações anteriores. Sendo a afinidade um resultado da escolha, para se manter viva e saudável, ela precisa de cuidado constante, hábito que não se enquadra nas nossas vidas líquidas, ávidas por não ter nada que prenda nossas mãos, deste modo:

Você pede menos, aceita menos, e assim a hipoteca a resgatar fica menor e o prazo de resgate, menos desestimulante. O futuro parentesco, quer desejado ou temido, não lança a sua longa sombra sobre o "viver juntos". "Viver juntos" é por causa de, não a fim de. Todas as opções mantêm-se abertas, não se permite que sejam limitadas por atos passados. (BAUMAN, 2004, p. 47). Da mesma maneira, o impulso de liberdade e a ânsia por pertencimento se mesclam “no trabalho extremamente absorvente e exaustivo que é ‘tecer redes’ e ‘surfar nelas’.” (BAUMAN, 2004, p. 52). Dois estímulos inconciliáveis com o desejo de “conectividade”, mas que asseguram um caminho protegido do compromisso e dos vínculos.

Na líquida sociedade moderna, o sexo sem fins reprodutores transforma-se no sexo em si, liberto de consequências e responsabilidades, sexo para consumo não se caracteriza pelo acumulo, mas pelo uso e o descarte. Sai da prisão no qual era mantido pela sociedade patriarcal, embora esta estrutura ainda permaneça inviolada, no qual serve unicamente para sua função ortodoxa, reprodução. Torna-se um encontro que não serve para nada além do prazer e da alegria momentânea, sem restrições, nem medos, uma “felicidade do tipo ‘satisfação garantida ou seu dinheiro volta’. A mais completa encarnação da liberdade, tal como definida pela sabedoria e pela prática populares da sociedade de consumo.” (BAUMAN, 2004, p. 65). Entretanto, o sexo, ao se apresentar como mera sensação física, não está isento de incômodos, pelo contrário, se encontra carregado de expectativas não supridas.

As intimas conexões do sexo com o amor, a segurança, a permanência e a imortalidade via continuação da família não eram, afinal de contas, tão inúteis e constrangedoras como se imaginava [...] os antigos companheiros do sexo, supostamente antiquados, talvez fossem seus sustentáculos necessários. (BAUMAN, 2004, p. 66). Um dos preceitos da vida moderna, segundo Freud21 (em o mal-estar na civilização22), é a invocação do “amar ao próximo como amar a si mesmo”, a qual, segundo Bauman (2004), é o motivo do interesse próprio e da busca pela felicidade individual, “somos tentados a concluir, contra o bom senso, que o ‘amor ao próximo’ é ‘um mandamento que na verdade se justifica pelo fato de que nada mais contraria tão fortemente a natureza original do homem’.” (BAUMAN, 2004, p. 100) Desse modo, o amor-próprio se coloca como um elemento

21Sigmund Freud, 1856-1939, foi um médico neurologista criador da psicanálise. Disponível em: < https://pt.wiki-pedia.org/wiki/Sigmund_Freud >, acesso em 02/11/2018 22 Sigmund Freud, “O mal-estar na civilização”.

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irrefutável do “amar ao próximo como amar a si mesmo” e também como um modelo de amor ao próximo. Afinal, amar o próximo, não é mais que um reflexo do amor que recebemos, da necessidade social, e não instintiva, pois outros devem nos amar primeiro para que possamos amar a nós mesmos.

Na obra A exigência ética, de Løgstrup23, o autor indaga que “é uma característica da vida humana que normalmente encaremos uns aos outros com natural confiança” (BAUMAN, 2004, p. 110), aceitar a palavra do estranho e não desconfiar dele, salvo em circunstâncias especiais. Contudo, para Bauman, essas ideias teriam sido inconcebíveis caso o autor tivesse Tecido suas memorias e experiências como um membro ativo da resistência dinamarquesa, ao invés da paroquia tranquila na qual passou oito anos. Dito isto, explica como reality shows24 tornaram-se ensaios públicos sobre a descartabilidade dos seres humanos, ninguém mais é indispensável, assim, inverte o veredicto de Løgstrup para: “é uma característica da vida humana que normalmente encaremos uns aos outros com natural suspeita” (BAUMAN, 2004, p. 111). Enquanto mais duro se se é, mais apto para a sobrevivência:

Todo indivíduo é visto como um competidor que está à espera do nosso primeiro tropeço, assim, a compaixão, a confiança e a clemência são característica suicidas. Em cada um de nossos vizinhos tememos um lobo... Somos tão pobres, tão fracos, tão facilmente arruináveis e destrutíveis! Como podemos deixar de ter medo?... Enxergamos o perigo, apenas o perigo... (SHESTOV apud BAUMAN, 2004, p. 112) Bauman se apropria da descrição de Anthony Giddens25 sobre o “relacionamento puro”, o qual tende a ser a principal forma de convívio humano, consiste numa dinâmica na qual ambos tem algo a ganhar e tal relacionamento continua enquanto as duas partes estão satisfeitas, assim, o relacionamento incondicional, aquele instituído pela igreja com “até que a morte nos separe”, tem sido cada vez mais evitado. Direcionar sentimentos tornou-se uma tarefa arriscada, uma vez que se é ciente de que o companheiro pode acabar com o relacionamento a qualquer momento, com ou sem a concordância do outro lado. Sob esse panorama, a responsabilidade moral pelo outro tornou-se algo negativo, o “relacionamento puro” permite que o sentimento não seja reciproco, assim, o lugar-comum, no qual todos os relacionamentos são puros, ou seja, que tendem a fragilidade, a transitoriedade e a fluidez da

23 Knud Ejler Løgstrup, 1905-1981, teólogo e filósofo dinamarquês. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org- /wiki/K._E._L%C3%B8gstrup >, acesso em 02/11/2018 24 Gênero de programa de televisão baseado na vida real. Podemos então falar de reality show sempre que os acontecimentos nele retratados sejam fruto da realidade e os visados da história sejam pessoas reais e não personagens de um enredo ficcional. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Reality_show >, acesso em 02/11/2018 25 Anthony Giddens, 1938, é um sociólogo britânico. Seus interesses acadêmicos centram-se em reformular a teoria social e reexaminar a compreensão do desenvolvimento e da modernidade. Disponível em: < https://pt.wiki-pedia.org/wiki/Anthony_Giddens >, acesso em 02/11/2018

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dinâmica contemporânea, faz com que parcerias pessoais não sejam lugares onde se queira criar raízes. Dito isto, a experiência individual tornou-se o ponto central do eu, o qual é o único que pode dar alguma certeza de continuidade e duração, assim, em uma sociedade que aponta a inconstância das regras e a fragilidade dos laços, a confiança não é um ponto reforçado, e neste campo dotado de improbabilidades que a incerteza se aloca.

Os poderes políticos não mais fluem no âmbito local, mas global, fazendo com que as agências políticas locais sofram de uma insuficiência de poder. Em nosso mundo globalizado, as causas mundiais entram “no domínio das preocupações políticas por meio de suas ramificações e repercussões locais.” (BAUMAN, 2004, p. 125). Problemas criados mundialmente precisam ser solucionados no âmbito local, da qual surge a maior contradição, onde se tem “politicas cada vez mais locais num mundo estruturado por processos cada vez mais globais. [...] Indefesas diante do furacão global, as pessoas e agarram a si mesmas.” (CASTELLS apud BAUMAN, 2004, p. 126). Porém, quanto mais os indivíduos se aferram a eles mesmos, mais propensos ficam diante dos problemas globais. Dito isto, Bauman explica que os impulsos e desejos humanos criam-se a partir dos lugares, são neles que nasce a esperança, que frequentemente é frustrada pelos riscos, pois “as cidades contemporâneas são campos e batalha em que os poderes globais e os significados e identidades obstinadamente locais se encontram.” (BAUMAN, 2004, p. 127), assim, é nesse atrito que a dinâmica das cidades líquido-modernas se desenvolve.

Ao correr da reflexão de Bauman, encontram-se duas peças centrais, a primeira, que diz respeito a vontade de liberdade por meio da individualização e, a segunda, voltada para a velocidade dos acontecimentos, consequência das dinâmicas de produção pós-modernas. O caráter paradoxal dos relacionamentos afetivos que contrapõe a ambição pelo amor eterno com o constante e mutante desejo – confundido muitas vezes com o impulso – se apresenta dessa forma por causa da dinâmica do mercado de consumo. Assim, da mesma forma que os objetos de consumo, as relações amorosas também têm data de validade devido à grande facilidade de descarte e aquisição de novas mercadorias. Desse modo, a constante busca do indivíduo pela individualização se choca com a busca e o desejo por uma vida social estável. São estas características que proponho evidenciar na obra do Cazuza, destrinchar sua poesia e, por meio dela, representá-las a luz do conceito baumiano do amor líquido.

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5. ANÁLISE DA NARRATIVA NAS POESIAS DE CAZUZA Foram 126 obras gravadas por Cazuza, das quais 26 foram selecionadas para o desenvolvimento desta pesquisa. A análise será dividida em três temáticas direcionadas as inúmeras formas de relacionamento em uma sociedade individualista e voltada a autossatisfação dos desejos dos individuais: relações inconsistentes – permanência e fragilidade dos relacionamentos, individualidade sobreposta ao coletivo e o que é ser plenamente feliz e o que é dor nas letras do Cazuza?

5.1 RELAÇÕES INCONSISTENTES – PERMANÊNCIA E FRAGILIDADE DOS RELACIONAMENTOS A linguagem das letras que Cazuza compunha, continham o amor que se caracteriza por episódios intensos e impactantes, tendentes a curta duração, esses fatores que ampliam a capacidade de terminar rapidamente para poder recomeçar. Ao invés de se aprofundar na capacidade de amar, como em “Doralinda”, “eu queria te dar/ eu queria te dar um amor/ que talvez eu não tenha pra dar”, (Cazuza, 1998) aprende-se a apaixonar-se e desapaixonar-se com facilidade, na faixa de sucesso “O nosso amor a gente inventa”, “te ver não é tão mais bacana/ quanto a semana passada / você nem arrumou a cama / parece que fugiu de casa” (Cazuza, 1987). As promessas de compromisso a longo prazo são irrelevantes, as relações precisam ser doces e de curta duração – as relações de bolso, caracterizadas pela instantaneidade, “Solidão que nada”, “ela é um satélite/ e só quer me amar/ mas não há promessas, não/ é só um novo lugar/ ... viver é bom / nas curvas da estrada/... viver é bom / partida e chegada/ solidão, que nada” (Cazuza, 1987). As relações de bolso são frágeis e tem facilidade de terminar, novamente em “O nosso amor a gente inventa”, “o teu amor é uma mentira/ que a minha vaidade quer/ e o meu, poesia de cego/ você não pode ver / Não pode ver que no meu mundo / um troço qualquer morreu / num corte lento e profundo / entre você e eu” (Cazuza, 1987). O constante impulso para a satisfação imediata tira o tempo que o desejo precisa para gerar frutos, criando relacionamentos frágeis, portanto, inconstantes, como em “O nosso amor a gente inventa”, “o nosso amor a gente inventa/ pra se distrair/ e quando acaba a gente pensa/ que ele nunca existiu” (Cazuza, 1987). No caso das parcerias sexuais, segue-se os impulsos e mantém-se os laços soltos, para poder trocá-los por novas possibilidades, melhores que a anterior, assim que elas surjam, como por exemplo em “Mulher sem razão”, “saia desta vida de migalhas / desses homens que te tratam / como um vento que passou / caia na realidade, fada / olha bem na minha cara / me confessa que gostou / do meu papo bom / do meu jeito são / do meu sarro, do meu som / dos meus toques pra você mudar” (Cazuza, 1989). Assim, dada

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a incredibilidade do mundo fluido, as junções são frágeis e ninguém saberá o que acontecerá, ninguém suporta o mar de incertezas pela falta de segurança, como manifesta a letra de “Faz parte do meu show”, “faço promessas malucas/ tão curtas quanto um sonho bom / se eu te escondo a verdade, baby / é pra te proteger da solidão” (Cazuza, 1988). As relações inconsistentes, frutos da descartabilidade e da indispensabilidade dos seres humanos motivada pela dinâmica de mercado, podem ser observadas na canção “Heavy love”, “eu não sei se o nosso caso/ vai durar ou não/ se o que sinto por você/ é doença ou paixão / ... vem, me procura e encaixa (encaixa) / no escuro do meu coração / pro nosso amor descarado / virado / o mundo lá fora / não vale pra nada / eu não sei se o nosso caso / vai durar ou não” (Cazuza, 1987). Devido a isto, torna-se uma característica da vida humana não confiar no próximo, pois somos todos competidores, como demostra a faixa “Desastre Mental”, “não é que eu não ligue / de correr o perigo / de nunca te achar direito / eu quero de qualquer jeito / eu tenho que me salvar / não vá me convencer que está com medo” (Cazuza, 1985) ou em “Porque a gente é assim?”, “agora fica comigo / e vê se não desgruda de mim / vê se ao menos me engole / mas não me mastiga assim / canibais de nós mesmos / antes que a terra nos coma / cem gramas, sem dramas / por que que a gente é assim?” (Barão Vermelho, 1984). Assim, visto todo indivíduo como um competidor e a sobrevivência de quem mais duro é, nos tornamos seres tão frágeis, que o medo é maior do que , em “Desastre Mental”, “prefiro te manter / ao lado direito do meu peito / por essa razão / você não navega / é uma queda de avião / no meu coração / não vá me provocar no fim da festa, não / aqui ninguém tá morto” (Cazuza, 1985) ou em “Você se parece com todo mundo”, na qual o medo se mostra por meio da busca da fuga do relacionamento: “beijinhos e tapas / todo o tipo de carinhos / eu te mostrei vários amores / mas eu te perdi / ameaças, trapaças / todo o tipo de chantagem / eu usei todos os truques / mas me esqueci / que todo mundo ama / exagera tudo / mas depois disfarça / foge pelos fundos”. (Barão Vermelho, 1984)

5.2 INDIVIDUALIDADE SOBREPOSTA AO COLETIVO Ávidos por não querer nada que prenda nossas mãos, a afinidade, resultado de uma escolha, para manter-se viva e saudável precisa de cuidados, os mesmos que não se enquadram nos hábitos da líquida vida moderna, nem nas músicas “Filho Único,” “eu tento mudar / eu tento provar que me importo com os outros / mas é tudo mentira (tudo mentira) / estou na mais completa solidão / do ser que é amado e não ama / me ajude a conhecer a verdade / a respeitar meus irmãos / e a amar quem me ama” (Cazuza, 1989) e em “O que a gente quiser”, “diga o que faço / mas não faça o que eu digo / se eu estou por perto / isso é sinal de perigo / porque eu apronto e desapronto / e não passo recibo / choro, ressuscito / dou

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risada e vomito / passo pra outra / pro que der e vier” (Cazuza, 1983). Assim como a afinidade é conciliada pelos seres humanos, por eles mesmos pode ser desfeita, como se revela na letra de “Faz parte do meu show”, “confundo as tuas coxas / com as de outras moças / te mostro toda a dor” (Cazuza, 1988) e “Baby Suporte,” “amor escravo de nenhuma palavra / não era isso que você procurava / não viu no fundo da retina a mágoa / a luz confusa onde tudo é o nada” (Cazuza, 1984). Tecer redes é um trabalho tão exaustivo que se luta constantemente contra o impulso de liberdade, onde se está a procura de um caminho protegido dos vínculos, tal dinâmica se manifesta na letra de “Eu queria ter uma bomba”: “solidão a dois de dia/ faz calor, depois faz frio/ você diz ‘já era’ e eu concordo contigo/ você sai de perto, eu penso em suicídio/ mas no fundo eu nem ligo / você sempre volta com as mesmas notícias / eu queria ter uma bomba / ...pra poder me livrar / ...das tuas frases feitas / pra poder te negar / bem no último instante / meu mundo que você não vê / meu sonho que você não crê” (Cazuza, 1984). Uma vez que para amar ao próximo é indispensável o amor-próprio, o mesmo torna- se um elemento irrefutável na formação do indivíduo contemporâneo, na composição de Cazuza tal temática se ilustra em “O assassinato da flor”, “flores são flores / colhidas sem dó / por alguém que ama / e não quer ficar só.” Um indivíduo só ama o outro porque há de ter algo em troca, que lhe trará autossatisfação, como em “Blues da Piedade”, “pra quem não sabe amar/ fica esperando/ alguém que caiba nos seu sonho / como varizes que vão aumentando / como insetos em volta da lâmpada / vamos pedir piedade / senhor, piedade / pra essa gente careta e covarde” (Cazuza, 1988) e “Não amo ninguém”, “se todo alguém que ama / ama pra ser correspondido / se todo alguém que eu amo / é como amar a lua inacessível / é que eu não amo ninguém, ninguém / eu não amo ninguém, parece incrível / não amo ninguém / e é só amor que eu respiro” (Cazuza, 1984). No que concerne ao relacionamento puro, é uma dinâmica na qual ambos parceiros precisam ganhar alguma coisa com o relacionamento, sua característica principal é que este possa ser rompido a qualquer momento e por qualquer um deles, como acontece na letra de “Completamente Blue”, “você chega e sai e some / e eu te amo assim tão só / tão somente o teu segredo” (Cazuza, 1987) e “Carne de Pescoço”: “andava tão calmo / dava pra desconfiar / levando a minha vida / sem me preocupar / você pintou / eu tava quieto no meu canto / curtiu com a minha cara / foi me provocando / achando que eu fosse / entrar no teu jogo / brincar de apaixonar / o coração de um bobo / depois tirar o corpo fora / pra variar / achando otário todo o cara / que quer te amar” (Cazuza, 1983) À vista da falta de incondicionalidade do outro, o relacionamento precisa ser evitado para não surgir o sofrimento que acarreta, assim, a linguagem da poesia do Cazuza consegue exprimir esta dinâmica perfeitamente, em “Blues do Iniciante”, “eu traço tantos planos / brilhantes, antes / de te ganhar num salto / mortal, de iniciante / na pirraça de te ter / por

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enquanto, por enquanto” (Cazuza; Frejat; Guto Gofi; Dé; Mauricio Barros, 1983) e em “Guerra Civil”, “foram frases decoradas / tristes e sagradas / feito missas toda madrugada” (Cazuza, 1988) Desta forma, direcionar sentimentos torna-se difícil, uma vez que pode-se ser romper os laços facilmente, mesmo sem a concordância do outro, assim, criam-se indivíduos incapazes de amar, mas que anelam não ficar sós, em “Mulher sem Razão” esta temática se expressa da seguinte forma:, “...parta, pegue um avião, reparta/ sonhar só não tá com nada / é uma festa na prisão”. O primordial a se entender na poesia de Cazuza, é que a experiencia individual não se importa com a reciprocidade, mas com a certeza que ele tem sobre ele mesmo, como em “Exagerado” “exagerado/ jogado aos seus pés/ eu sou mesmo exagerado/ adoro um amor inventado” (Cazuza, 1985)

5.3 O QUE É SER PLENAMENTE "FELIZ" E O QUE É "DOR" NAS LETRAS DO CAZUZA? Cazuza se caracterizava por ser uma pessoa intensa e explosiva, entregava-se as alegrias e as dores da vida, estas mesmas peculiaridades encontram-se na sua poesia. O mesmo se reflete no que Bauman expõe sobre desfrutar do mais doce do amor, mas precisar, também, passar pelas amarguras que ele envolve, o que implica, ao mesmo tempo, se amarrar a algo que não tem previsibilidade para o futuro, como em “O assassinato da flor”, “é alguém com flores e eu já fico a mil / morro de dores / da dor mais vil” (Cazuza, 1988); “Desastre Mental” “Baby, eu lamento / mas não tenho tempo / pra sentir as tuas dores / as minhas eu já não aguento / minha vista torta / já não se importa / não me conte um bando de mentiras /...não é que eu não ligue / de correr o perigo / de nunca te achar direito / eu quero de qualquer jeito / eu tenho que me salvar” (Cazuza, 1985) A falta de compromisso, causada pelas inseguranças e os medos que a dinâmica contemporânea favorece, se mostra em frases de canções como “Exagerado”, “eu nunca mais vou respirar / se você não me notar / eu posso até morrer de fome / se você não me amar”; e; Assim, evitam-se as ameaças dos relacionamentos a longo prazo, “aqui ninguém entra / daqui ninguém sai / somos sobreviventes / de um desastre mental”. Uma vez que não existe segurança nos relacionamentos, fadados ao fracasso, a dor é evitada a qualquer custo, assim como em “Eu queria ter uma bomba”, “eu queria ter uma bomba / um flit paralisante qualquer / pra poder me livrar / do prático efeito / das tuas frases feitas / das tuas noites perfeitas”; “Você se parece com todo mundo”, “é, eu te amei demais / eu sofri pra burro” (Cazuza, 1984); e “Completamente Blue,” “como é estranha a natureza /

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morta dos que não têm dor / como é estéril a certeza / de quem vive sem amor, sem amor” (Cazuza,1987) Da mesma forma se encontra na sua poesia os encontros sexuais que servem só para o prazer, para a alegria momentânea do encontro dos corpos, um tipo de felicidade garantida: “Bicho Humano”, “dance / eu quero que você me canse / até o sol raiar / canse / eu quero ver você em transe / me chamar, me chamar / me gritar pedindo, deixando / bicho humano uivando / bicho humano uivando / eu não te amo, não” (Cazuza, 1983); “Vem comigo”, “bebe a saideira / que agora é brincadeira / e ninguém vai reparar / já que é festa / que tal uma em particular? / há dias que eu planejo impressionar você / mas eu fiquei sem assunto / vem comigo / no caminho eu explico / vem comigo / vai ser divertido / vem comigo” (Cazuza; Guto Goffi; Dé, 1983); “Só se for a dois”, “o beijo do soldado em sua namorada/ seja pra onde for/ depois da grande noite/ vai esconder a cor das flores/ e mostrar a dor”; e “Você se parece com todo mundo” (Cazuza, 1983). Ao mesmo tempo em que se encontra a felicidade nos relacionamentos curtos e intensos, nos encontros sexuais cheios de paixão, mas passageiros, a dor se esconde na insegurança do futuro incerto, se utiliza da falta de interesse para não precisar aflorar.

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6. CONCLUSÃO

Cazuza foi considerado um dos melhores letristas da música popular brasileira no ano de 1987 pela Associação Brasileira de Produção de Discos, não surpreendentemente, as letras das suas músicas tornaram-se o reflexo da sua geração e das que vieram depois. Sua obra é um veículo de expressão que nos conecta como indivíduos residentes deste mundo hiper- fluido – que se manifesta ao pé da letra na sua poesia. Direcionei o estudo dentro da sociologia da cultura sobre o amor na pós-modernidade, assim, me apropriei de 26 canções compostas pelo poeta e procurei entender, por meio delas, as dinâmicas dos relacionamentos dos indivíduos pós-modernos.

Sendo Cazuza o autor dos textos analisados, foi preciso primeiro uma análise do seu histórico biográfico como forma de nos adentrar no seu corpo social e compreender a sua escrita, quais eram as suas motivações, sobre quem escrevia, para quem? Escrevia sobre seus sentimentos, sobre a sua vida social e a boêmia, de extrema importância na sua trajetória, pois eram elas que inspiravam sua poesia, acarretando, assim, o retrato do amor pós-moderno, do amor líquido. Sendo assim, a teoria do amor líquido de Bauman foi meu principal material de estudo.

É possível entender que o indivíduo das músicas de Cazuza é o mesmo indivíduo sobre o qual Bauman, uma vez que a análise de conteúdo possibilitou a interpretação das músicas à luz do Amor Líquido, objetivo da pesquisa, conferindo sua fidedignidade e sua validade. A análise de conteúdo auxiliou, também, a deduzir os valores e os estereótipos do texto assim como compreender o aparelho cultural. Já com a análise estrutural, preocupada em propor uma teoria da estrutural e do funcionamento da literatura, alcancei os objetivos da pesquisa ao extrair a estrutura formadora da poesia de Cazuza e estudá-la, não só perante o amor liquido, mas perante ela mesma.

O amor liquido expresso nas músicas de Cazuza foi construído a partir do aparelho cultural no qual ele estava inserido, a boêmia, a zona sul carioca, a música popular brasileira, assim como suas referências pessoais, como a poesia beatnik de Jack Kerouac e o rock de Janis Joplin e os Rolling Stones. Desta forma os desejos e anseios de Cazuza mostrados na sua poesia fizeram com que este trabalho seja possível. Foi preciso fazer a restrição do objeto de pesquisa e escolher as músicas nas quais se sustentaria este trabalho, já que Cazuza possui mais de 100 composições da sua autoria. Assim, foram escolhidas 26 canções, nas quais o

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assunto principal se refere a relacionamentos amorosos por começar, inacabados, paixões e términos.

Desta forma, para realizar a análise foi preciso compreender a sociedade e o indivíduo pós-moderno da poesia do Cazuza, para assim justapor a música à teoria do Bauman. Feito isto, assim como Bauman explica no seu , constatei os diferentes tipos dos laços humanos produzidos nas músicas e suas similitudes com os relacionamentos dos indivíduos em uma sociedade que visa o consumo como forma de satisfação imediata das inquietudes pessoais. Os versos constatam as observações do Bauman sobre o amor na pós-modernidade, assim, este trabalho amplia o nosso olhar para o estudo sociológico com base em material culturalmente significativo, como é a música.

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RIBEIRO, Júlio Naves. Lugar Nenhum ou Bora Bora?: Narrativas do "rock brasileiro anos 80". São Paulo: Annablume, 2009. 204 p.

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FILMOGRAFIA

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Cazuza Por Toda A Minha Vida. Disponível em: , acesso em 30/10/2018

Léo Jaime & Cazuza. Disponível em: , acesso em 08/11/2018

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DISCOGRAFIA

BARÃO VERMELHO. Down em mim. In: Barão Vermelho. Rio de Janeiro: Som Livre: 1982.

______. Todo o amor que houver nessa vida. In: Barão Vermelho. Rio de Janeiro: Som Livre: 1982.

______. Blues do Iniciante. In: Barão Vermelho 2. Rio de Janeiro: Som Livre: 1983.

______. Carne de Pescoço. In: Barão Vermelho 2. Rio de Janeiro: Som Livre: 1983.

______. O que a gente quiser. In: Barão Vermelho 2. Rio de Janeiro: Som Livre: 1983.

______. Baby Suporte. In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

______. Bete Balanço. In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

______. Eu queria ter uma bomba. In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

______. Porque que a gente é assim? In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

______. Não amo ninguém. In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

______. Você se parece com todo mundo. In: Barão Vermelho – Maior Abandonado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1984.

CAZUZA. Exagerado. In: Cazuza – Exagerado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1985.

______. Cúmplice. In: Cazuza – Exagerado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1985.

______. Codinome Beija-flor. In: Cazuza – Exagerado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1985.

______. Desastre Mental. In: Cazuza – Exagerado. Rio de Janeiro: Som Livre: 1985.

______. O nosso amor a gente inventa (Estória Romântica). In: Cazuza - Só Se For a Dois. Rio de Janeiro: Polygram: 1987

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______. Só se for a dois. In: Cazuza - Só Se For a Dois. Rio de Janeiro: Polygram: 1987

______. Solidão que nada. In: Cazuza - Só Se For a Dois. Rio de Janeiro: Polygram: 1987

______. Heavy Love. In: Cazuza - Só Se For a Dois. Rio de Janeiro: Polygram: 1987

______. Completamente Blue. In: Cazuza - Só Se For a Dois. Rio de Janeiro: Polygram: 1987

______. Blues da Piedade. In: Cazuza – Ideologia. Rio de Janeiro: Polygram: 1988.

______. Faz Parte do Meu Show. In: Cazuza - Ideologia. Rio de Janeiro: Polygram: 1988.

______. Guerra Civil. In: Cazuza - Ideologia. Rio de Janeiro: Polygram: 1988.

______. O Assassinato da flor. In: Cazuza - Ideologia. Rio de Janeiro: Polygram: 1988.

______. Eu quero alguém. In: Cazuza - Burguesia. Rio de Janeiro: Polygram: 1989.

______. Filho único In: Cazuza - Burguesia. Rio de Janeiro: Polygram: 1989.

______. Mulher sem razão. In: Cazuza - Burguesia. Rio de Janeiro: Polygram: 1989.

______. Doralinda. In: Codinome Cazuza. Rio de Janeiro: Polygram: 2013

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ANEXO I – MAPEAMENTO DAS MÚSICAS

1. O nosso amor a gente inventa (Estória Romântica)

“O teu amor é uma mentira/ que a minha vaidade quer/ e o meu, poesia de cego/ você não pode ver.”

“O nosso amor a gente inventa/ pra se distrair/ e quando acaba a gente pensa/ que ele nunca existiu.”

“Te ver não é tão mais bacana/ quanto a semana passada.”

2. Eu queria ter uma bomba

“Solidão a dois de dia/ faz calor, depois faz frio/ você diz “já era” e eu concordo contigo/ você sai de perto, eu penso em suicídio/ mas no fundo eu nem ligo”

“Eu queria ter uma bomba / um flit paralisante qualquer / pra poder me livrar / do prático efeito / das tuas frases feitas / das tuas noites perfeitas”

3. Exagerado

“Exagerado/ jogado aos seus pés/ eu sou mesmo exagerado/ adoro um amor inventado.”

“Paixão cruel, desenfreada / te trago mil rosas roubadas / pra desculpar minhas mentiras / minhas mancadas”

“Eu nunca mais vou respirar / se você não me notar / eu posso até morrer de fome / se você não me amar”

4. Faz parte do meu show

“Faço promessas malucas/ tão curtas quanto um sonho bom...

...se eu te escondo a verdade, baby/ é pra te proteger da solidão/ ...faz parte do meu show, meu amor”

“Confundo as tuas coxas / com as de outras moças / te mostro toda a dor” “Invento desculpas / provoco uma briga / digo que não estou.”

5. Cúmplice 6. Só se for a dois

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“As possibilidades de felicidade/ são egoístas, meu amor/ viver a liberdade, amar de verdade/ só se for a dois”

“O beijo do soldado em sua namorada/ seja pra onde for/ depois da grande noite/ vai esconder a cor das flores/ e mostrar a dor.”

7. Solidão que nada

“Alguém me espera/ e adivinha no céu/ que meu novo nome é/ um estranho que me quer.”

“E eu quero tudo / no próximo hotel / por mar, por terra / ou via Embratel”

“Ela é um satélite/ e só quer me amar/ mas não há promessas, não/ é só um novo lugar/ ... viver é bom/ partida e chegada/ solidão, que nada.”

8. Codinome Beija-flor

“Pra que mentir/ fingir que perdoou/ tentar ficar amigos sem rancor/ a emoção acabou/ que coincidência é o amor/ a nossa música nunca mais tocou”

“Pra que usar de tanta educação / pra destilar terceiras intenções / desperdiçando o meu mel”

“Você sonhava acordada/ um jeito de não sentir dor/ prendia o choro e aguava o bom do amor.”

9. Mulher sem razão

“Saia desta vida de migalhas/ desses homens que te tratam/ como vento que passou/ ...parta, pegue um avião, reparta/ sonhar só não tá com nada/ é uma festa na prisão.”

“Ouve o teu coração/ batendo travado/ por ninguém e por nada.”

10. Heavy Love

“Eu não sei se o nosso caso/ vai durar ou não/ se o que sinto por você/ é doença ou paixão”

“Perca a razão / vem, me procura e encaixa (encaixa) / no escuro do meu coração”

11. Blues da Piedade

“Pra quem não sabe amar/ fica esperando/ alguém que caiba (idealização) nos seu sonho.”

12. Doralinda

“Eu queria te dar/ eu queria te dar um amor/ que talvez eu não tenha pra dar”

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13. Guerra Civil

“Paro no meio da noite/ procuro tua mão/ você ta tão distante/ num sonho que eu nem sei.”

“Foram frases decoradas/ tristes e sagradas/ feito missas toda a madrugada/ tem sempre um lugar/ onde você não está.”

“O pensamento é a guerra / a guerra civil do ser / entro no teu corpo / quero te conhecer”

14. Down em mim

“Outra vez vou te cantar, vou te gritar/ te rebocar do bar/ e as paredes do meu quarto assistir comigo/ à versão nova de uma velha história/ e quando o sol vier socar minha cara/ com certeza você já foi embora/ eu ando tão down...

outra vez vou me esquecer/ pois nestas horas pega mal sofrer.”

15. Todo o amor que houver nesta vida

“Eu quero a sorte de um amor tranqüilo / com sabor de fruta mordida / nós na batida no embalo da rede / matando a sede na saliva”

“E ser artista no nosso convívio / pelo inferno e céu de todo dia / pra poesia que a gente nem vive / transformar o tédio em melodia”

“Ser teu pão / ser tua comida / todo o amor que houver nessa vida / ... e algum trocado pra dar garantia / e algum veneno anti monotonia - e algum remédio que me de alegria”

16. O assassinato da flor

“É alguém com flores e eu já fico a mil / morro de dores / da dor mais vil”

“É à fã sem nome / explico: "As flores não se tocam / vivem pra si / e pros passarinhos e pro vento" ... Foi por amor / o assassinato da flor”

“Flores são flores / colhidas sem dó / por alguém que ama / e não quer ficar só”

“De manhã cedinho, o sangue escorre / foi por amor / e o homem bom pratica o ato heroico”

17. Completamente Blue

“Como é triste a tua beleza / que é beleza em mim também / vem do teu sol que é noturno / não machuca e nem faz bem”

“Você chega e sai e some / e eu te amo assim tão só / tão somente o teu segredo”

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“Como é estranha a natureza / morta dos que não têm dor / como é estéril a certeza / de quem vive sem amor, sem amor”

18. Eu quero alguém

“Eu quero alguém / que use calça ou saia”

“Quero alguém / é melhor que nada / quero alguém / pra ter do meu lado”

“Estou tão só / meus pais não me conhecem / meus amigos são chatos / meu cachorro não me lambe / mas eu quero alguém / quero alguém”

19. Filho único

“Eu tento mudar / eu tento provar que me importo com os outros / mas é tudo mentira (tudo mentira)”

“Estou na mais completa solidão / do ser que é amado e não ama / me ajude a conhecer a verdade / a respeitar meus irmãos / e a amar quem me ama.”

20. Desastre mental

“Baby, eu lamento / mas não tenho tempo / pra sentir as tuas dores / as minhas eu já não aguento”

“Não é que eu não ligue / de correr o perigo / de nunca te achar direito”

“Aqui ninguém entra / daqui ninguém sai / somos sobreviventes / de um desastre mental”

“Prefiro te manter / ao lado direito do meu peito / por essa razão / você não navega / é uma queda de avião / no meu coração / não vá me provocar no fim da festa, não”

21. Baby Suporte

“Amor escravo de nenhuma palavra / não era isso que você procurava / não viu no fundo da retina a mágoa / a luz confusa onde tudo é o nada”

22. Você se parece com todo mundo

“Beijinhos e tapas / todo o tipo de carinhos / eu te mostrei vários amores / mas eu te perdi / ameaças, trapaças / todo o tipo de chantagem / eu usei todos os truques / mas me esqueci / que todo mundo ama / exagera tudo / mas depois disfarça / foge pelos fundos”

“É, eu te amei demais / eu sofri pra burro”

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“Eu investi demais / sem pôr no seguro / você empresta e cobra / mais tarde com juros / Você chora e fede / como todo mundo / você mente e esconde / no teu cofre escuro / mas vacila e entrega / um mistério sujo”

23. Não amo ninguém

“Se todo alguém que ama / ama pra ser correspondido / se todo alguém que eu amo / é como amar a lua inacessível / é que eu não amo ninguém, ninguém / eu não amo ninguém, parece incrível / não amo ninguém / e é só amor que eu respiro”

24. O que a gente quiser

“Diga o que faço / mas não faça o que eu digo / se eu estou por perto / isso é sinal de perigo / porque eu apronto e desapronto / e não passo recibo / choro, ressuscito / dou risada e vomito / passo pra outra / pro que der e vier”

25. Carne e pescoço

“Andava tão calmo / dava pra desconfiar / levando a minha vida / sem me preocupar / você pintou / eu tava quieto no meu canto / curtiu com a minha cara / foi me provocando / achando que eu fosse / entrar no teu jogo / brincar de apaixonar / o coração de um bobo / depois tirar o corpo fora / pra variar / achando otário todo o cara / que quer te amar” 26. Blues do Iniciante

“Eu traço tantos planos / brilhantes, antes / de te ganhar num salto / mortal, de iniciante / na pirraça de te ter / por enquanto, por enquanto”

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ANEXO II – QUADRO TEMÁTICO

Relações inconsistentes Individualidade se O que é ser plenamente (permanência e sobrepondo ao coletivo "feliz" e o que é "dor" fragilidade) nas letras do Cazuza?

1. O teu amor é uma 2. Solidão a dois de dia / 2. “Eu queria ter uma mentira / Que a minha Faz calor, depois faz frio / bomba / um flit paralisante vaidade quer / E o meu, Você diz "já foi" e eu qualquer / pra poder me poesia de cego / Você não concordo contigo / Você livrar / do prático efeito / pode ver. sai de perto, eu penso em das tuas frases feitas / das suicídio / Mas no fundo eu tuas noites perfeitas” nem ligo

1. O nosso amor a gente 3. Exagerado / Jogado aos 3. Eu nunca mais vou inventa / Pra se distrair / E teus pés / Eu sou mesmo respirar / Se você não me quando acaba a gente exagerado / Adoro um notar / Eu posso até morrer pensa / Que ele nunca amor inventado de fome / Se você não me existiu. amar

1. Te ver não é mais tão 4. “Confundo as tuas 4. Se eu te escondo a bacana / Quanto a semana coxas / com as de outras verdade, baby / É pra te passada moças / te mostro toda a proteger da solidão / Faz dor” parte do meu show

4. Faço promessas malucas 4. “Invento desculpas / 5. Rodei todas as / Tão curtas quanto um provoco uma briga / digo lanchonetes / Tive idéias sonho bom que não estou.” perversas / Relembrei tantos golpes espertos / Você cada vez mais perto (se apegar a dor?) 5. Cúmplice 7. “E eu quero tudo / no 6. O beijo do soldado em próximo hotel / por mar, sua namorada / Seja pra por terra / ou via onde for / Depois da Embratel” grande noite / Vai esconder a cor das flores / E mostrar a dor 7. Ela é um satélite /E só 8. Pra que usar de tanta 6. As possibilidades de quer me amar / Mas não há educação / Pra destilar felicidade / São egoístas, promessas, não / É só um terceiras intenções / meu amor / Viver a novo lugar Desperdiçando o meu mel liberdade, amar de verdade / Só se for a dois

9. Saia desta vida de 9. Parta, pegue um avião, 7. Viver é bom / Nas migalhas / Desses homens reparta / Sonhar só não tá curvas da estrada / que te tratam / Como um com nada / É uma festa na Solidão, que nada

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vento que passou. prisão 10. Eu não sei se o nosso 9. Ouve o teu coração / 8. Você sonhava acordada caso / Vai durar ou não / Batendo travado / Por / um jeito de não sentir dor Se o que sinto por você / É ninguém e por nada / Na / prendia o choro e aguava doença ou paixão escuridão do quarto o bom do amor

12. Eu queria te dar / eu 11. Pra quem não sabe 10. Acenda as luzes todas / queria te dar um amor / amar / fica esperando / Perca a razão / Vem, me que talvez eu não tenha alguém que caiba no seu procura e encaixa / No pra da sonho escuro do meu coração

13. Foram frases 13. O pensamento é a 13. Paro no meio da noite decoradas / tristes e guerra / a guerra civil do / procuro tua mão / você ta sagradas / feito missas ser / entro no teu corpo / tão distante / num sonho toda a madrugada / tem quero te conhecer que eu nem sei sempre um lugar / onde você não está. 14. “Outra vez vou te 16. “É à fã sem nome / 14.... outra vez vou me cantar, vou te gritar/ te explico: "As flores não se esquecer/ pois nestas horas rebocar do bar/ e as tocam / vivem pra si / e pega mal sofrer paredes do meu quarto pros passarinhos e pro assistir comigo/ à versão vento" ... Foi por amor / o nova de uma velha assassinato da flor” história/ e quando o sol vier socar minha cara/ com certeza você já foi embora/ eu ando tão down 15. “Ser teu pão / ser tua 16. “Flores são flores / 15. “Eu quero a sorte de comida / todo o amor que colhidas sem dó / por um amor tranquilo / com houver nessa vida / e alguém que ama / e não sabor de fruta mordida / algum trocado pra dar quer ficar só” nós na batida no embalo garantia- e algum veneno da rede / matando a sede anti monotonia - e algum na saliva” remédio que me de alegria”

15. “E ser artista no nosso 17. “Você chega e sai e 16. “É alguém com flores convívio / pelo inferno e some / e eu te amo assim e eu já fico a mil / morro céu de todo dia / pra tão só / tão somente o teu de dores / da dor mais vil” poesia que a gente nem segredo” vive / transformar o tédio em melodia” 16. “De manhã cedinho, o 18. Quero alguém / é 17. “Como é triste a tua sangue escorre / foi por melhor que nada / quero beleza / que é beleza em amor / e o homem bom alguém / pra ter do meu mim também / vem do teu pratica o ato heroico” lado” sol que é noturno / não machuca e nem faz bem”

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19. “Estou na mais 18. “Estou tão só / meus 17. “Como é estranha a completa solidão / do ser pais não me conhecem / natureza / morta dos que que é amado e não ama / meus amigos são chatos / não têm dor / como é me ajude a conhecer a meu cachorro não me estéril a certeza / de quem verdade / a respeitar meus lambe / mas eu quero vive sem amor, sem amor” irmãos / e a amar quem me alguém / quero alguém” ama.”

20. “Não é que eu não 19. “Eu tento mudar / eu 20. “Baby, eu lamento / ligue / de correr o perigo / tento provar que me mas não tenho tempo / pra de nunca te achar direito” importo com os outros / sentir as tuas dores / as mas é tudo mentira (tudo minhas eu já não aguento” mentira)”

20. “Prefiro te manter / ao 20. “Aqui ninguém entra / lado direito do meu peito / daqui ninguém sai / somos por essa razão / você não sobreviventes / de um navega / é uma queda de desastre mental” avião / no meu coração / não vá me provocar no fim da festa, não.”

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