RIO MUSICAL LANÇAMENTOS DE CDs, DVDs E LIVROS NOTÍCIAS MUSICAIS
CONCERTOCONCERTOGUIA MENSAL DE MÚSICA ERUDITA R$ 7,00 JANEIRO/FEVEREIRO 2007
ENTREVISTA Niza de Castro Tank ATRÁS DA PAUTA Júlio Medaglia RETROSPECTIVA 2006 Depoimentos exclusivos TEMPORADAS 2007 Cultura Artística Mozarteum Brasileiro CAMARGO GUARNIERI 100 anos de nascimento SÃO PAULO, ANO XII, Nº 125 ISSN 1413-2052 capa0107.p65 4 20/12/2006, 08:53 Osesp_geral.p65 2 14/12/2006, 09:53 Osesp_geral.p65 3 14/12/2006, 09:53 CONCERTO, janeiro / fevereiro de 2007, nº 125
ÍNDICE 4 Carta ao Leitor 6 Cartas 7 Contraponto Notícias do mundo musical. 11 Atrás da Pauta Coluna mensal do maestro Júlio Medaglia. 12 Rio Musical Notícias do Rio de Janeiro por Clóvis Marques. NOSSA CAPA 14 Em Conversa A capa desta edição apresenta uma reprodução Entrevista com Niza de Castro Tank. do manuscrito autógrafo de “Curuçá”, Choro nº 5 para orquestra, de Camargo Guarnieri, um de 16 Semibreves nossos maiores compositores e de quem em Flavio Florence desvenda o universo musical. 2007 se comemoram os 100 anos de nascimento. Pirapora do Curuçá foi um antigo povoado 18 Repertório fundado no fim do século XVII e que Lauro Machado Coelho faz o balanço lírico de 2006. posteriormente daria origem à cidade de Tietê-SP, terra natal do compositor. 20 Panorama Comemorando a data, concertos e eventos Temporadas 2007, destaques da programação especiais acontecerão durante o ano, como a de janeiro/fevereiro e dos festivais de verão. récita que a Orquestra Experimental de Repertório faz no dia 11 de fevereiro, totalmente dedicada a 28 Roteiro Musical São Paulo obras do compositor. Além dos 100 anos de Guarnieri, 2007 será 30 Roteiro Musical Rio de Janeiro rico em efemérides musicais, pois também 32 Roteiro Musical Outras Cidades comemora os nascimentos de Villa-Lobos (120 anos), Lorenzo Fernandes (110), 32 Roteiro Musical Festivais de Verão Francisco Mignone (110) e José Siqueira (100). 32 Outros Eventos 36 Rádio 37 Retrospectiva 2006 Capa Autógrafo da Destaques de 2006 e depoimentos de jornalistas, última página da músicos e promotores. obra “Curuçá”, de Camargo Guarnieri. 62 Lançamentos de CDs e DVDs [Arquivo Camargo Guarnieri, Instituto 66 Livros de Estudos Brasileiros, Universidade de 68 Vitrine Musical São Paulo] O classificado especial da Revista CONCERTO.
jan1parte1.p65 2 21/12/2006, 17:40
CARTA AO LEITOR
Prezado leitor! Você tem em mãos o número 125 da Revista CONCERTO, edição especial janeiro / fevereiro. Como em anos anteriores, www.concerto.com.br esta edição apresenta a retrospectiva de 2006, com o Janeiro / Fevereiro 2007 depoimento exclusivo de mais de 40 personalidades atuantes Ano XII – Número 125 no meio musical. Nossos entrevistados relembram Periodicidade mensal acontecimentos marcantes da temporada e apontam ISSN 1413-2052 perspectivas para o futuro. Neste amplo e rico painel (a partir Redação e Publicidade Rua João Álvares Soares, 1.404 da página 37), o leitor poderá rememorar o grande ano 04609-003 São Paulo, SP musical e também vislumbrar os problemas e desafios que Tel. (11) 5535-4345 – Fax (11) 5533-3062 ainda têm de ser vencidos. e-mail: [email protected] Publicidade Rio de Janeiro Mas como já estamos em 2007, também há novas Triunvirato Ltda. temporadas para anunciar. Nas páginas 20 e seguintes, Tel. (21) 3231-9017 e-mail: [email protected] você se informa sobre as séries do Mozarteum Brasileiro e Realização da Sociedade de Cultura Artística, a nova temporada lírica diretor-editor do Theatro São Pedro e a programação da Banda Sinfônica. Nelson Rubens Kunze (MTb-32719) editoras-executivas Cornelia Rosenthal, O compositor Camargo Guarnieri, cujo centenário de Mirian Maruyama Croce nascimento será festejado este ano – o maestro nasceu em reportagens Camila Frésca 1º de fevereiro de 1907 –, é lembrado nesta edição da Revista apoio de produção Arnaldo D’Ávila, CONCERTO (páginas 10 e 11). À medida que Guarnieri é Luciana Alfredo Oliveira, Márcia Augusto, Nágila Amaral Brito, tocado e torna-se mais conhecido, mais cresce sua reputação Vanessa Solis da Silva e reconhecimento como um dos principais criadores da música Arte e produção gráfica Lume brasileira no século XX. As datas e programações de concertos são fornecidas pelas próprias entidades O Troféu Guarany do Prêmio Carlos Gomes de 2006 foi promotoras, não nos cabendo responsa- conferido, em dezembro passado, para a cantora Niza de bilidade por alterações e/ou incorreções Castro Tank (veja na página 9). A artista, que durante sua de informações. Inserções de eventos são gratuitas e de- trajetória artística sempre esteve ligada às criações de Carlos vem ser enviadas à redação até o dia 10 do Gomes, lançou, no ano passado, importante publicação mês anterior ao da edição, por fax (11) sobre as canções do compositor. Sobre isso e outros assuntos, 5533-3062 ou e-mail: [email protected]. Artigos assinados são de responsabilidade Niza conversou com nosso colaborador Leonardo Martinelli, de seus autores e não refletem, neces- em entrevista que você lê na página 14. sariamente, a opinião da redação. Venda avulsa Esta edição ainda traz a Vitrine Musical 2007, o Livrarias Siciliano, Saraiva Mega Store, classificado especial anual da Revista CONCERTO (página 68 Fnac, Cultura Villa-Lobos e Market Place e seguintes). Neste espaço você pode conferir anúncios de e principais bancas. diversos segmentos da atividade musical, de escolas a lojas, Serviço de Assinaturas Tel. (11) 5535-5518 passando por artistas, CDs, gravadoras, editoras... CONCERTO é uma publicação de Desejamos a todos um ótimo 2007. Voltamos em março com todas as informações sobre a nova temporada musical. Até lá! Nelson Rubens Kunze diretor-editor
jan1parte1.p65 4 21/12/2006, 17:40 ulm_geral.p65 3 20/12/2006, 12:52 CARTAS A opinião dos leitores e-mail: [email protected]
Paulo de Tarso Cartas para esta seção devem ser remetidas a Em relação ao exposto pelo Sr. Paulo de Tarso CONCERTO – Seção Cartas (CONCERTO nº 124, dezembro de 2006), temos a R. João Álvares Soares, 1.404 – 04609-003 São Paulo, SP, informar o que segue: ou enviadas por e-mail: [email protected] ou - Foi admitido como regente de corporação fax: (11) 5533-3062, com nome e telefone. musical em fevereiro de 2006 para realizar um Escreva para nós e dê sua opinião! trabalho de formação de músicos, visando uma futura orquestra jovem (músicos de 16 a 25 anos). A cada mês uma correspondência será premiada - A ele foi atribuído também o trabalho de atuar com um CD de música clássica. como assistente de regência junto à Orquestra (Em razão do espaço disponível, reservamo-nos o direito Filarmônica de São Bernardo do Campo (músicos de editar as cartas.) profissionais), no período em que a Secretaria de Educação e Cultura estava fazendo convite a diversos maestros. Nessa proposta, a cada mês a Eudóxia de Barros e Banda Mantiqueira orquestra recebia um maestro convidado: Roberto Escrevo-lhes esta mensagem por dois motivos Tibiriçá, Paulo Nogueira, Daniel Havens, Wagner bem diferentes. O primeiro trata da excelente Polistchuk. pianista brasileira Eudóxia de Barros. Tive a sorte - Findo este período, coube aos músicos da de assistir a seu último recital em São Paulo orquestra filarmônica a indicação do maestro (domingo, 10 e dezembro) no MIS, cujo auditório titular e de seu assistente. O Sr. Paulo de Tarso não esta à altura da qualidade desta senhora. não recebeu nenhum voto para titular e Todas as suas execuções foram magistrais e a tampouco para assistente. fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro simples- - Em função disso, sua atuação ficou restrita aos mente inesquecível. Agora me pergunto: porque trabalhos de formação da Orquestra Jovem. A uma artista desta categoria não é convidada a partir deste momento, o mesmo passou a ter uma solar com orquestras mais renomadas (Osesp, conduta inconveniente, criando atritos com Osusp, OSB). Sobre esta última mandei um e-mail diversos funcionários, inclusive com seus ao maestro Roberto Minczuk, que, aliás, continua superiores. deixando os paulistas com muitas saudades. - Junto ao trabalho de formação da Orquestra O segundo assunto é sobre o concerto de Jovem, o Sr. Paulo tomou iniciativas sem consulta encerramento da temporada da Osesp, para mim, e aprovação de seus superiores. lamentável. A Banda Mantiqueira tem excelentes A exoneração do Sr. Paulo não ocorreu exclusiva- músicos, não duvido disso. Porém, eles têm seu mente em função de sua reivindicação, mas lugar nos bares ou pubs da cidade, não na Sala porque o mesmo não estava correspondendo com São Paulo. as expectativas da Secretaria de Educação e Alberto Ramon Rios, São Paulo, SP Cultura. Vale frisar que os alunos da orquestra sempre receberam vale transporte e lanches nos dias de aulas, que são totalmente gratuitas, e Feliz Natal e ótimo 2007 também nas apresentações. Com a contratação de Terminando o ano, quero enviar também para um novo regente estamos retomando nossa vocês da Revista CONCERTO um Feliz Natal e um proposta que é a de formar novos músicos na ótimo Ano Novo. Muito obrigado pelos números cidade, e com isso a Orquestra Jovem de São da Revista CONCERTO e pelo lindo CD do Eduardo Bernardo do Campo. Monteiro. Espero que a gente siga com cada vez Gonçalo Pavanello, Diretor de Cultura de São mais música para alegrar os nossos dias! Bernardo do Campo, SP Paula Andersen, São Paulo, SP
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jan1parte1.p65 6 21/12/2006, 17:40 CONTRAPONTO Notícias do mundo musical
CD Nicolau de Figueiredo Camerata de Violões conquista “Choc 2006” completa 10 anos O CD com Sonatas de A Camerata de Violões do Conservatório Domenico Scarlatti Brasileiro de Música (RJ) comemorou 10 anos interpretadas pelo de atividades com um recital na Sala Cecília exímio cravista Nicolau Meireles, no último dia 4 de dezembro. de Figueiredo conquis- A Camerata nasceu numa reunião de tou o “Choc do ano professores do Conservatório e conquistou 2006”, prêmio da espaço no cenário musical apresentando prestigiosa revista arranjos inéditos de grandes clássicos, além francesa Le Monde de la Musique. A gravação foi de revelar obras inéditas de compositores reconhecida como um dos 10 principais lança- atuais. A proposta do grupo, que tem direção mentos eruditos de 2006. No Brasil, o CD foi musical de Paulo Pedrassoli, é difundir um lançado pelo selo CLÁSSICOS (veja em repertório próprio, calcado nas tradições www.lojaclassicos.com.br). O brasileiro Nicolau erudita e popular da música brasileira, mas de Figueiredo é festejado em todo o mundo como com forte sotaque contemporâneo. O grupo um dos maiores especialistas da música antiga. foi citado pela revista inglesa Classical Guitar Nascido em São Paulo, onde estudou piano, como “uma orquestra de violões que produz órgão, cravo e música de câmara, Nicolau vive na um som deslumbrante”, em crítica assinada Europa desde 1980, onde se formou no Conserva- por Paul Fowles, referente ao lançamento do tório Superior de Música de Genebra na classe de primeiro CD, elogiado como “uma gravação cravo de Christianne Jaccottet e de órgão de que todos os conjuntos deveriam se Lionel Rogg. Em 1984 obteve o “Primeiro Prêmio apressar em obter”. O segundo CD já se de Virtuosidade de Cravo”. Em seguida, aperfei- encontra em fase de preparação e deverá ser çoou-se com Kenneth Gilbert, Gustav Leonhardt e lançado pela gravadora Biscoito Fino. Scott Ross. Desde 2004 Nicolau de Figueiredo é professor no Conservatório de Paris.
Cantor José Gallisa fará três óperas nos EUA José Gallisa, premiado baixo brasileiro, estará no elenco de três óperas da San Diego Opera, nos Estados Unidos: Sansão e Dalila, em fevereiro de 2007, Aída e Pescadores de Pérolas em 2008. Gallisa, que se apresentou em dezembro no Theatro Municipal de São Paulo, também será o solista da obra de Almeida Prado no concerto que a Bachiana Chamber Orchestra fará no Carnegie Hall de Nova York, sob direção de João Carlos Martins, em janeiro. José Gallisa nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, e iniciou estudos de música aos 12 anos. Mais tarde, cursou a graduação em música (canto) na Universidade Federal de Minas Gerais, e depois na Faculdade de Música Carlos Gomes. Gallisa recebeu do Governo Federal, em 1997, a Bolsa Virtuose e partiu para cursar pós- graduação em canto na Opera Course, da Royal Academy of Music, em Londres, onde estudou com Glenville Hargreaves. (Conheça o site do artista: www.josegallisa.com) Foto: Divulgação / João Falcão
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jan1parte1.p65 7 21/12/2006, 17:40 CONTRAPONTO
Encontro da Osesp cria grupos de trabalho debateram questões como usinas indutoras de trabalho e consumo, Liga de Orquestras direção artística e programação, marketing e Foi unânime o interesse na criação da Liga de mídia, direitos autorais, estruturação legal, Orquestras Sinfônicas Brasileiras, sugestão do projetos educacionais, relações trabalhistas, maestro John Neschling lançada logo na problemas de infra-estrutura e gerenciamento abertura do I Encontro/Seminário Osesp de de custos. Entre os participantes também Orquestras Sinfônicas. Durante três dias em estavam, entre outros, Carlos Harasawa (diretor dezembro passado, autoridades, profissionais de marketing da Osesp), Marcos Caetano da área e jornalistas debateram as experiênci- (Unibanco), José Augusto Muller (Camargo as, sucessos e dificuldades das orquestras Correa), Yacoff Sarkovas (Artcultura), John sinfônicas profissionais do país. O primeiro Neschling (Osesp), José Roberto Walker (rádio e painel – Orquestras e política cultural – TV Cultura), João Batista de Andrade (Secretá- apresentou um interessante quadro de rio da Cultura de São Paulo), Carlos Moreno diversas realidades institucionais sinfônicas (Osusp), Ligia Amadio (OSN), Marcelo Ramos do país. Após a fala do ministro da Cultura (OSMG) e José Maria Florêncio (Theatro Gilberto Gil, pontuando a falta de uma política Municipal de São Paulo). Na última plenária do cultural para a música clássica e comprometen- encontro os representantes de 12 orquestras do o ministério com as demandas do setor, o sinfônicas – entre elas a Osesp, a Orquestra diretor executivo da Osesp, Marcelo Lopes, Petrobras Sinfônica (RJ), a Orquestra Sinfônica apresentou o modelo de sustentabilidade e de Minas Gerais (OSMG), a Orquestra Sinfônica funcionamento de sua orquestra e o relaciona- Nacional (OSN-UFF), a Orquestra Sinfônica da mento da instituição com o governo. Seguiram USP (Osusp) e a Orquestra Filarmônica de São depoimentos de Carlos Eduardo Prazeres, Caetano do Sul (OFSCS) – assinaram o docu- diretor executivo da Petrobras Sinfônica do mento de criação da Liga de Orquestras Rio de Janeiro, Evandro Matté, presidente da Sinfônicas Brasileiras e decidiram por um novo Associação dos Funcionários da Orquestra encontro em dezembro de 2007. O I Encontro Sinfônica de Porto Alegre, Jamil Maluf, diretor Osesp de Orquestras Sinfônicas ainda gerará artístico do Theatro Municipal de São Paulo, e uma brochura com o resultado concreto Noca da Portela, Secretário da Cultura do das propostas produzidas para cada uma as Estado do Rio de Janeiro. Outros painéis e seis áreas temáticas.
Campinas ganha esculturas inspiradas em Carlos Gomes Foto: Divulgação As óperas O Guarany, Maria Tudor e Lo Schiavo inspiraram a mente e as mãos de três arquitetos de Campinas – Daniela Salgado Galli, Carlos Adriano Lazanha e Pedro Paulo Mainieri –, que venceram um concurso nacional e criaram esculturas que homenageiam a obra de Carlos Gomes. As peças foram inaugu- radas em dezembro em uma praça que fica na região do viaduto São Paulo, mais conhecido como Laurão, em Campinas. O processo de produção levou um mês e meio e foram utilizadas hastes e tubos de cobre, latão e aço inoxidável. “Procuramos um material que tivesse brilho e reagisse de maneira dinâmica aos raios de luz, celebrando o sol e o céu tão característicos da cidade de Campinas”, afirmou Pedro Mainieri. Obra intitulada Guarany
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jan1parte1.p65 8 21/12/2006, 17:40 CONTRAPONTO
Prêmio Carlos Gomes 2006 No último dia 7 de dezembro, a Philarmonia Brasileira Também foi a chuva que alagou São Paulo em 4 de promoveu o II Encontro Nacional para uma Política Cultural da Música Clássica Brasileira, reunindo dezembro passado que impediu que um público cerca de 30 representantes que debateram e estabele- mais numeroso acompanhasse a entrega dos ceram diretrizes estratégicas para a valorização e desen- troféus da 11ª edição do Prêmio Carlos Gomes. volvimento do setor. O grupo formulou e documentou Mas se lá fora a chuva castigava o cansado “Música em Ação”, que em meados de dezembro foi paulistano, dentro do Auditório Ibirapuera o apresentado ao MinC para integrar a minuta do Plano clima era de festa. O evento, transmitido ao vivo Nacional de Cultura. “Música em Ação” baseia-se em pela Rádio Cultura FM, foi enriquecido pela quatro eixos estratégicos: democratização do acesso; Orquestra Prelúdio do programa de calouros da fomento do setor da música e formação do ouvinte; TV Cultura, sob regência do maestro Júlio valorização da música e difusão; e apoio ao desenvol- Medaglia, que apresentou obras de Carlos Gomes vimento da economia do setor. O documento pretende e Mozart com a participação do jovem clarinetista contribuir para a criação de uma política cultural concre- Tiago Nagel, vencedor do Prelúdio 2005. Grandes ta para a área da música clássica. artistas foram agraciados com o troféu especial- Após dois anos de ausência na área de música erudita, mente desenhado por Arcangelo Ianelli. O o APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes) violinista Claudio Cruz foi o primeiro premiado a voltou a indicar os melhores do ano. O grande prêmio subir ao palco (prêmio solista instrumental) e em da crítica foi para o compositor Edino Krieger, e o suas breves palavras fez uma emocionante maestro Roberto Minczuk venceu na categoria regente. homenagem à violinista Maria Vischnia, decana Os outros premiados foram: Edmundo Villani-Côrtes dos violinistas brasileiros, que estava participan- com seu Te Deum (obra vocal); Ronaldo Miranda com do da Orquestra Prelúdio. Seguiram Sonia sua ópera A Tempestade (obra experimental); Arthur da Rubinsky (pianista do ano), membros do Quarteto Távola (personalidade); Trio Images (conjunto de câma- Camargo Guarnieri (grupo de câmara), Sérgio ra); e João Carlos Martins e sua Bachiana Filarmônica Casoy representando a soprano Eliane Coelho (prêmio especial). Votaram os críticos José Roberto (destaque vocal feminino), o baixo-barítono Trench, Roberto Farias e Juvenal Fernandes. Stephen Bronk (destaque vocal masculino), A Sinfonia nº 3 de Harry Crowl para oito violoncelos Cleber Papa e Vicente Amato Filho representando foi estreada em 9 de dezembro no “Cantacuzino Palace respectivamente os premiados Festival de Ópera Hall”, em Bucareste, Romênia, no âmbito do mais do Theatro da Paz de Belém e a Temporada Lírica importante festival de música contemporânea daquele do Theatro São Pedro de São Paulo (categoria país. A obra foi interpretada pelo Ensemble Violoncelis- universo da ópera), maestro Carlos Moreno e o simo, dirigido por Marin Cazacu. pró-reitor de Cultura e Extensão da USP Prof. Sedi Em 12 de dezembro passado, Vicente Malheiros da Hirano representando a Osusp (categoria Fonseca foi empossado presidente da Associação dos orquestra ou conjunto instrumental), José Amigos do Theatro da Paz, em Belém do Pará, suceden- Mindlin, presidente da Sociedade de Cultura do a Profª Maria Sylvia Nunes. Na ocasião, o Quinteto Artística, pela apresentação do grupo Les de Metais da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz Musiciens du Louvre (espetáculo do ano), dois apresentou recital com músicas das três gerações da diretores respectivamente do Bradesco Prime e da família Fonseca e, em primeira audição, o “Hino da Petrobras, vencedores do Prêmio José Ermírio de Associação dos Amigos do Theatro da Paz”, de autoria Moraes de patrocínio musical, e o jovem músico (letra e música) do próprio Malheiros da Fonseca. André Mehmari (revelação do ano). A noite O Quinteto Amizade, de Brasília, anuncia o vencedor terminou com Marcos Mendonça, presidente da de seu concurso de composição 2006: Nikolai Almeida Fundação Padre Anchieta, homenageando a Brucher (obra Vibrações Variantes). O Quinteto Amiza- soprano Niza de Castro Tank, grande vencedora de ainda concedeu três menções honrosas: Helio Bace- do Troféu Guarany. O Prêmio Carlos Gomes, lar Viana (Plisse), Claudia Castelo Branco (Mais em criado por Alice Carta, é uma realização da Rádio Brasa) e Vicente José Malheiros da Fonseca (Irurá). e Televisão Cultura da Fundação Padre Anchieta.
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jan1parte1.p65 9 21/12/2006, 17:40 CONTRAPONTO
Camargo Guarnieri, 100 anos Por Camila Frésca
Conta-se que quando Camar- internacional, e Guarnieri foi cha- go Guarnieri nasceu, em Tietê, às mado diversas vezes para apresen- margens do rio de mesmo nome, tar obras suas, reger e participar de alguém gritou: “Géssia, já nasceu júris de concursos, especialmente o menino? Coloque aí o nome de nos EUA e em Portugal. Mozart!” Lendas à parte, há exata- No campo pedagógico
mente um século – no dia 1º de Foto: Arquivo C. Guarnieri, Instituto de Estudos Brasileiros, USP Camargo Guarnieri foi, ao lado de fevereiro de 1907 – nascia Mozart Koellreutter, o mais influente pro- Camargo Guarnieri, primogênito fessor do século XX, criando uma de Géssia e Miguel, este um músi- verdadeira escola de composição co amador louco por ópera e que e orientando centenas de alunos, batizou os filhos com os nomes de muitos hoje reconhecidos den- seus compositores prediletos: tre os mais destacados nomes da além de Mozart, viriam Rossine, música brasileira, como Osvaldo Belline e Verdi... Lacerda, Almeida Prado, Cláudio Aos 13 anos, Guarnieri dedi- Santoro e Guerra-Peixe. cou ao seu professor sua primeira composição: Sonho Em 1975, quando já era compositor e regente de artista. O mestre detestou a obra mas seu Miguel, consagrado, a Universidade de São Paulo criou a entusiasmado com o talento do garoto, resolveu Orquestra Sinfônica da USP (Osusp), nomeando mudar-se com toda a família para São Paulo para que Guarnieri diretor artístico e regente titular. Em 1977, o filho pudesse receber uma educação musical ade- ao completar 70 anos de vida, inicia-se uma série de quada. Foi assim que Camargo Guarnieri tomou con- homenagens no Brasil e exterior – dedicando-lhe tato com aquele que marcaria seu pensamento e prêmios, títulos e medalhas – que se estenderiam obra musical de forma indelével: Mário de Andrade. pelos anos subseqüentes, culminando com os 80 Com Mário, Guarnieri adquiriu formação estética e anos do compositor em 1987. cultural (o compositor completara apenas o segun- Em 1990 Guarnieri – já com idade avançada e do ano primário), além de, influenciado pelo escritor abatido com o ostracismo a que fora relegado nos e musicólogo, abraçar a idéia da necessidade de últimos anos – recebe um duro golpe com um aciden- criação de uma música erudita de caráter nacional. te que deixa seu filho caçula em grave estado de Guarnieri também teve aulas com Ernani Braga, An- saúde. Doente, é levado ao hospital no dia 25 de tonio Sá Pereira e o regente italiano Lamberdo Baldi, dezembro de 1992. No dia seguinte a Organização outra figura fundamental em sua formação. Comple- dos Estados Americanos, em Washington, anuncia taria ainda seus estudos em Paris com o compositor seu nome como vencedor do Prêmio Gabriela Mistral. Charles Koechlin. A 10 de janeiro de 1993, morria Camargo Guarnieri no Embora nunca chegassem a conquistar alta popu- Hospital Universitário da USP. laridade, desde cedo suas obras foram saudadas pela Este homem generoso (ensinava de graça a to- crítica e premiadas, reconhecendo-se o talento e sólido dos os alunos em quem acreditava e que não podiam métier do compositor. Sua extensa produção conta pagar), que dedicou sua vida à música como se esta com uma ópera (Pedro Malazarte), muita música sinfônica, fosse uma espécie de sacerdócio, deixou um legado concertos, música de câmara (com destaque para as dos mais consistentes de toda a história da música maravilhosas Sonatas para violino e piano), obras corais, brasileira, num conjunto de obras que ainda está por peças para piano (a coleção de 50 Ponteios é um dos ser suficientemente conhecido e valorizado. pontos altos), para canto e piano (é considerado por Mal sabia seu Miguel, melômano incansável, que alguns como verdadeiro criador de nossa canção de seu filho Mozart viria a ser tornar um dos maiores câmara), etc. Suas composições lhe renderam projeção compositores que o Brasil já produziu...
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jan1parte1.p65 10 21/12/2006, 17:41 ATRÁS DA PAUTA por Júlio Medaglia e-mail: [email protected]
Camargo e o atropelo histórico
O século XIX foi o século do indivíduo. De suas Mozart Camargo Guarnieri. Num curioso eixo Tietê/ paixões, alegrias, aspirações e frustrações – tudo Paris, ele consegue fazer uma música baseada na devidamente externado na criação artística de to- matéria prima brasileira com sofisticado tratamento das as linguagens. Já o século XX foi o da tecnologia. composicional erudito moderno. Tudo que se usa no dia-a-dia atual foi inventado no No segundo pós-guerra, reacende-se a idéia da período. Se Dostoievsky dizia “valorize e expresse os música experimental, cujo epicentro era a Alema- valores de sua aldeia e você será universal”, toda a nha – a chamada Neue Musik. O dodecafonismo, que tecnologia criada no século XX contribuiu para a não havia sido devidamente explorado e compreen- aproximação das pessoas, tornando todo o planeta dido, volta com tudo, inclusive expandindo-se para uma só aldeia, como dizia Marshal McLuhan. É evi- o pan-serialismo. Se no início dos novecentos o conflito dente que essa idéia de globalização não só teve era com a tradição, nesse momento central do sécu- seus correspondentes na área cultural, como foi lo XX a polêmica era o universal versus o regional. Os incentivada por ela. Todos os autores importantes 20 anos que separam Camargo de Villa-Lobos foram do início do século XX – Stravinsky, Bartók, Prokofiev, decisivos na postura de ambos. Villa pôde ser revo- Villa-Lobos, Schönberg, Webern, Berg, Debussy e lucionário no início de século XX, neo-clássico nos outros – nada mais fizeram que trucidar os regiona- anos 30/40 e ninguém cobrou dele um enfrentamento lismos em suas músicas. O dodecafonismo do início com as vanguardas do segundo pós-guerra. Mas de da terceira década, por exemplo, chegou a uma Carmargo sim. Ele teve que enfrentar os representan- música tão atomizada e cristalina que, ao ouvi-la, tes das correntes experimentais do período e, numa seria impossível identificar sua origem ou autor – se posição defensiva do nacionalismo, chegou a escre- do vienense Webern ou do amazonense Santoro, se ver uma “carta aberta” à intelectualidade brasileira do japonês Mayusumi ou do emotivo e politicamen- justificando sua postura. te engajado Nono, se do super-intelectualizado Certa vez estive em sua casa e, provavelmente Stockhausen ou do intuitivo e precursor Ives, se do motivado pelas provocações do momento, Camargo colaborador do jazz americano Gunther Schüller ou mostrou-me esboços de obras que havia feito base- do matemático Boulez... adas num pequeno “namoro” com a escala de 12 No entre-guerras, esse radicalismo criador per- sons. Não creio que a idéia tenha progredido e nem deu seu vigor e mesmo os revolucionários mais conheci obras suas publicadas com tais caracterís- audazes associaram-se a um estilo chamado neo- ticas. Camargo não queria saber nada da esterilida- classicismo. Stravinsky relê Pergolesi, Villa-Lobos Bach, de da música feita com pinça, lupa e régua de Prokofiev associa-se a grandes cineastas e cria uma cálculo, e sim expressar a alma de seu povo na sala música mais voltada para o épico que para o novo, de concertos. Schönberg volta ao tonal em obras conteudísticas No final daquele século, que ele quase viu termi- ligadas ao martírio de sua etnia e assim por diante. nar, extinguiram-se os radicalismos estilísticos e Esse neo-classicismo requentou também a idéia escrever outra vez em dó maior não parecia mais ser nacionalista. Em conseqüência disso, num país de um grande pecado. Se a música de Camargo perma- cultura popular forte como o nosso, muitos autores necer na história, no que acreditamos, o será não só motivados num dado momento pela vanguarda, no pela elevada qualidade de sua engenharia final da primeira metade do século voltaram a com- composicional mas, sobretudo, por seu grande ta- por seus ponteios e lundus, incentivados pelos lento – que tornou este caipira de Tietê no maior estetas do provincianismo como Mário de Andrade. compositor paulista do século XX e no mais univer- Nesse período surge a grande figura do compositor sal (como queria Dostoievsky).
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jan1parte1.p65 11 21/12/2006, 17:41 RIO MUSICAL por Clóvis Marques
funcionando. Atua também diretamente, com ajuda Museus musicais de outros programadores, na formatação dos repertó- rios: “Eu já conheço os músicos, tenho um banco de Todo mundo já ouviu falar do Música no Museu, dados baseado em pesquisa junto ao público sobre os não só no Rio, onde o projeto foi criado em 1998 pelo artistas e os repertórios de maior aceitação.” empresário Sérgio da Costa e Silva, mas também em Os concertos são gratuitos e a resposta do públi- outras cidades por onde se espraiou, entre elas São co é muito boa. “Para o contato com os artistas, a Paulo. Além dos milhares de espectadores que tem escolha de repertório, o projeto conta em cada cida- atraído, a idéia era tão brilhante e quase óbvia em de com um coordenador musical que obedece à sua força que só podia mesmo dar certo e capturar minha coordenação geral”, prossegue Costa e Silva. a imaginação e a boa-vontade: promover concertos “Em algumas cidades, o coordenador musical tam- e recitais no ambiente acolhedor e propiciador dos bém supervisiona a produção. No Rio é tudo separa- museus, prática comum em outros países. do. Aqui, são cerca de cinqüenta pessoas trabalhan- Este ano a série comemorou em grande estilo o do no projeto em regime de terceirização, nas áreas nono aniversário, com um recital de Nelson Freire na de programação visual, informática, gráfica, bela Matriz de Santo Antônio de Tiradentes, em Minas marketing, contabilidade e auditoria, finanças.” Gerais. Costa e Silva tem a garra dos desbravadores e O crescimento foi gradativo, e as idéias novas o tino da promoção, e se orgulha dos recordes numé- precisam estar sempre surgindo. Há pouco, foi a de ricos que vem quebrando, tendo chegado em 2006 à oferecer aos consulados comemorações de suas marca de 428 eventos – sempre na hora do almoço, datas nacionais, com concertos do Música no Mu- uma alternativa diferente para o público e uma possi- seu, o que permite trazer músicos estrangeiros sem bilidade profissional suplementar para os músicos. ônus. Com isto, foi possível promover em 2006 o Dada a largada há nove anos com apresentações primeiro Festival Internacional de Harpas do Rio de apenas em um, e logo em dois museus do Rio, o Janeiro, que vai se repetir em 2007. movimento foi crescendo e hoje ocupa boa parte do Outra frente aberta, há cinco anos, foi a dos tempo e da energia desse advogado e administrador concertos durante os meses de verão, tradicional- que está à frente da série com sua empresa, a Carpex, mente vazios de música que não seja popular ou fundada em 1978 no terreno do marketing internaci- carnavalesca. “É o quinto ano em que promovemos onal e do comércio exterior, e que a partir de 1995 concertos no verão”, diz Costa e Silva. “Há cinco anos voltou-se para a área cultural. não paramos o ano inteiro, de janeiro a janeiro, só “Dei entrada com o projeto na Lei Rouanet em que agora com mais intensidade. 1996 e consegui os primeiros recursos em 1997”, expli- Existe o desejo de estar sempre apresentando ca o empresário. “Promovemos os concertos inicial- obras de compositores brasileiros, mas os direitos mente no Museu Nacional de Belas Artes do Rio, uma autorais nem sempre são compatíveis com o nível de vez por semana. Em 2000, incorporamos o Museu da financiamento. Donde a necessidade de um patrocí- República, em 2001, passamos a utilizar sete museus, nio mais firme e constante. Enquanto ele não vem, o e com o apoio da Varig ampliamos a série para outras trânsito do idealizador e promotor nas áreas empre- cidades: São Paulo, depois Belo Horizonte, Curitiba, sariais ajuda muito. Agora mesmo, ele está em enten- Florianópolis, Porto Alegre e Brasília.” dimentos com o empresário imobiliário José Conde O esteio dos incentivos fiscais à cultura é essen- Caldas, que investe particularmente no histórico cial, mas não resolve tudo. Costa e Silva busca patro- bairro de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, para cínio em caráter mais permanente para deslanchar intensificar as apresentações nos dois museus ali ainda mais. Ultimamente, toma pessoalmente a frente existentes – o Museu Nacional, da Quinta da Boa da divulgação e dos contatos com a imprensa, com Vista, e o Museu Militar Conde de Linhares – e quem uma estagiária, para economizar e manter a máquina sabe montar um espetáculo de som e luz.
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jan1parte1.p65 12 21/12/2006, 17:41 Rev Concerto Audição 15.5X21 12/14/06 8:27 PM Page 1
Estão abertas as Audições 2007 da Fundação Osesp.
A Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo abre vaga para: Pianista co-repetidor nível 1: 12 de fevereiro de 2007 às 17h00 Atribuições: ensaios, aulas na academia, apresentações de música de câmara e orquestra, além de outras atividades da instituição. Remuneração mensal: R$ 4.500,00. Regime de trabalho e benefícios: Carga horária de 30 horas semanais no regime da CLT, vale-transporte, ticket restaurante e auxílio educação. As provas acontecerão na Sala São Paulo e informações detalhadas estão disponíveis no site: www.osesp.art.br Contato: (11) 3367-9606 EM CONVERSA Niza de Castro Tank Quando se escuta o nome da soprano Niza de Castro Tank é difícil não associá-lo à figura de Antônio Carlos Gomes. E não é por menos. Ao
longo de sua carreira, Niza vivenciou os mais Chiri Foto: Divulgação / Rubens diferentes aspectos da obra do compositor campineiro. Ano passado esta relação pôde enfim ser melhor compartilhada com o grande público a partir da publicação de “Minhas pobres canções”, livro em que Niza resgata a produção camerística de “Carlão” (modo como ela brejeiramente se refere a Gomes). Tamanha dedicação a este que é um dos principais compositores brasileiros foi finalmente coroada com a obtenção do prêmio máximo do XI Prêmio Carlos Gomes, o Troféu personagem na primeira gravação completa da Guarany, no final do ano passado. Natural de ópera, em 1959. Levei Cecilia ao palco pela última Limeira (SP), mas campineira por “adoção e vez em 1986, numa montagem em Belém (PA). vocação”, aos 75 anos esta vigorosa figura está Sabe como é, com cinqüenta e tantos anos, apesar longe da aposentadoria artística, e promete para de estar no auge de minha maturidade vocal, não breve outros desdobramentos na luta em prol da dava mais para eu me passar por uma jovenzinha. obra e da memória de Gomes. Foi com a alegria Porém, ao contrário das interpretações tradicio- que lhe é característica, que Niza concedeu a nais, sempre procurei construir uma personagem seguinte entrevista à Revista CONCERTO. diferente da imagem tradicionalmente associada a ela. É muito comum encontrarmos uma Cecilia Por Leonardo Martinelli meiga e frágil. Mas isto está errado! Trata-se de uma mulher forte, que enfrenta uma tribo Como a senhora descobriu Carlos Gomes? indígena e luta contra as convenções de uma Assim que comecei a estudar canto entrei em sociedade muito conservadora, o que não condiz contato com a obra de “Carlão”. A primeira peça com a maioria das Cecilias que vemos por aí. de fôlego que estudei foi justamente uma passagem de “Il Guarany”, que levei um ano para No final do ano passado, a senhora foi agraciada fazer tal como meu mestre, Silvio Bueno Teixeira, com o Troféu Guarany do Prêmio Carlos Gomes queria. Quando vim para São Paulo, ao ser justamente por conta do livro que lançou sobre as contrada na Rádio Gazeta, fiz minha estréia canções de Carlos Gomes. Como foi para a senhora também com Gomes. E desde que fiz minha debruçar-se academicamente sobre um tema que primeira participação em “Il Guarany”, em 1957, no por anos desenvolveu de forma performática? Theatro Municipal de São Paulo, “Carlão” tem sido Sempre percebi que as óperas de Carlos Gomes uma presença constante em minha carreira. causavam maior interesse do que sua produção camerística. Quando decidi realizar meu doutora- A propósito de “Il Guarany”, como foi interpretar por do na Unicamp vi que era a hora e a ocasião ideal tantos anos a protagonista feminina? para tratar desta faceta pouco valorizada e Desde minha estréia nesta personagem foram conhecida de sua obra. Realizando o trabalho quase vinte anos encarnando Cecilia, fiz esta percebi que não apenas suas canções, mas toda
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sua obra (incluindo as sacras), está embebida de célebre o valor que lhe é devido. Mas quanto a isto ópera. E foi trabalhando academicamente suas Campinas está em grande débito com “Carlão”... canções que percebi que Gomes realizou todo seu cancioneiro em três esquemas bem indentifi- Desde finais da década de 1950 a senhora faz parte cáveis: a canção romântica, a dramática e a do cotidiano operístico brasileiro. Quais as princi- satírica. Porém, o livro que lancei não é literal- pais mudanças que sentiu ao longo destes anos? mente a tese de doutorado, mas sim uma versão Testemunhei diversas mudanças ocorridas dentro mais descontraída, visando o grande público, e fora do teatro de ópera. Porém, acho que o fato sobre o tema que desenvolvi na universidade. mais relevante é que, com o passar dos anos, a É importante salientar que todo o projeto do livro ópera foi deixando de ser um espetáculo para as só foi possível graças ao apoio irrestrito de meu elites e passou a ser freqüentada por todo tipo de editor, Heraldo Marin. pessoa. A prática da legendagem também foi algo muito importante para que aqueles que não estão Em meio a tamanha variedade de estilos disponíveis familiarizados pudessem aproveitar melhor o hoje em dia, qual o apelo que a obra de Carlos espetáculo. Creio que a ópera no Brasil está Gomes tem para os ouvidos contemporâneos? dando um passo importante ao abrir as portas É preciso compreender que Gomes, ao contrário para um tipo de público que até recentemente do que é dito por aí, não tem uma linguagem sequer sonhava em entrar num teatro. “quadrada”. Certas obras dele são de uma escritura muito complexa, foram muito bem Paralelamente às atividades de solista lírica, a escritas e ainda se mantêm atuais e interessantes senhora há décadas se dedica ao ensino do canto. para as platéias de hoje. É lugar comum falar que Quais são os principais desafios desta atividade? Gomes é mais italiano do que brasileiro, mas isto No geral, é algo muito gratificante, principalmente não é verdade. Evidentemente que há muito da quando se pega alguém que além de uma voz tradição romântica italiana, mas todos parecem talentosa tenha cérebro também. O cantor precisa esquecer as obras nas quais sente-se a presença compreender como funciona seu corpo e muitas do wagnerianismo, por exemplo. E fora da música, vezes o conhecimento necessário vai muito além Gomes foi um apaixonado por sua terra natal, da mera aula de canto. Quando lecionava na como fica bem claro quando se conheçe melhor Unicamp muitas vezes levei meus alunos para o sua figura. prédio da biologia para que vissem nos cadáveres como funciona o corpo do cantor. Mas, mesmo concordando quanto ao valor da obra de Gomes, por que ele, afinal de contas, tornou-se E como a senhora vê as mais recentes gerações de um compositor apreciado quase que exclusivamente cantores líricos brasileiros? no Brasil, à parte o sucesso que sua obra conheceu Acho que hoje em dia, tanto os estudantes como no exterior no século XIX? aqueles que já estão profissionalizados, estão O problema é que Gomes é pouco executado aqui melhor preparados do que os cantores de tempos no Brasil, e isto ocorre pelo fato de toda sua obra atrás. Atualmente, o cantor tende a não mesclar estar no poder da editora italiana Ricordi. Para escolas de canto, procura fazer repertório de apresentar uma simples ária de Gomes é necessário acordo com seu registro e construir sua carreira pagar um aluguel exorbitante do material de segundo suas aptidões vocais. O único problema é orquestra, que via de regra chega à estante da que persiste esta fascinação com a Europa. E eu orquestra em péssimo estado e cheio de erros. Isto digo que, quando voltei da Rússia, aprendi muitas inviabiliza sua excecução no Brasil, e como coisas e vivi coisas importantes, mas voltei a conseqüência, a própria imagem de Gomes no mesma pessoa. Infelizmente parece ser ainda muito exterior fica prejudicada com isto. Mas eu e meu comum o fato de ter que se apresentar no exterior editor estamos preparando uma ofensiva na Itália. para ser valorizado por aqui. Porém, creio que nesta luta seja fundamental que a cidade de Campinas conceda ao seu filho mais Obrigado pela entrevista.
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jan1parte1.p65 15 21/12/2006, 17:41 SEMIBREVES por Flavio Florence
português atual, de vários nomes diferen- What’s in a name? tes para um mesmo instrumento: trompete, trombeta, clarim, pistão. Antes Uma coisa que você não deve procurar na arte musical, de prosseguirmos, uma dica para o preza- amigo leitor, é coerência. As artes plásticas, por exemplo, são do leitor: ao se referir a esse nobre instru- absolutamente coerentes: pincel é sempre pincel, mármore é mento, faça como no meio musical, utili- mármore, ponto de fuga é ponto de fuga. Já a música... zando unicamente o primeiro nome Outro dia discutíamos aqui o termo cadência, que tem no (trompete). mínimo três significados diferentes. Caso parecido se dá com a Na família dos metais a bagunça é palavra tom. Tom pode ser mero sinônimo de som, mas pode tanta que os médicos, de uma hora para referir também a tonalidade – em outras palavras, a base harmô- outra, resolveram mudar de instrumento. nica – em que determinada música é composta. O maestro Explico: há duas estruturas no corpo Eleazar de Carvalho, diga-se de passagem, era adepto dessa humano que até algum tempo atrás cha- acepção: “O tom da quinta de Beethoven é dó menor.” O falecido mavam-se “trompa de Eustáquio” e “trom- maestro desprezava a palavra tonalidade, que no entanto pare- pa de Falópio”. Agora a anatomia desceu ce ser a preferida dos musicólogos de hoje em dia. duas oitavas: os nomes oficiais são “tuba Como se não bastasse, há um terceiro significado: tom é o auditiva” e “tuba uterina”, respectivamen- nome do intervalo (a distância, por assim dizer) entre duas te. E no entanto, nenhuma das estruturas notas musicais – dó e ré, por exemplo. Nesta acepção, tom é uma se parece com trompa nem com tuba. Os unidade de medida. Os engenheiros têm o metro, os açouguei- médicos estariam melhor servidos se fa- ros têm o quilo, nós músicos temos o tom. lassem em oboé auditivo ou clarineta Os nomes dos instrumentos musicais muitas vezes são uterina… Já a cóclea, esta sim tem todo o também uma boa fonte de confusão. Com as cordas ainda há jeito de trompa. alguma coerência, se bem que em Portugal houvesse uma As formas musicais também são cha- tendência (aparentemente abandonada) de chamar a viola de madas por nomes que podem confundir o violeta. Por falar em viola, essa palavra no Brasil é motivo de ouvinte incauto. Concerto, como se sabe, grandes mal-entendidos, por conta da viola caipira, imensa- é tanto uma peça orquestral com solista mente mais popular que a viola de orquestra. como apresentação pública de orquestra Os nomes dos instrumentos de sopro também geram sérias (ou banda de rock, nos dias atuais). Mais divergências. Veja-se o caso do Salmo 98 (96 em algumas edi- sutil é a diferença entre as duas acepções ções), um dos preferidos dos compositores justamente por de quarteto: quatro músicos (às vezes mencionar vários instrumentos em seus versos. Em latim a quatro bandidos, a julgar pelo noticiário tradução Vulgata diz “in tubis et clangore bucinae”. Que instru- de certos jornais…) ou uma sofisticada mentos seriam “tubis” e “bucinae”? forma musical composta para dois violi- Na tradução francesa constam respectivamente trompete nos, uma viola e um violoncelo. Mais sutil e trompa (trompette, cor); na alemã trompete e trombone ainda é a palavra sonata, cujos vários (Trompeten, Posaunen); na inglesa trompete e cornetim significados e variantes merecem expli- (trumpet, cornet); e na portuguesa trombetas e buzinas. No cações muito mais pormenorizadas, e não original hebraico mencionam-se o trompete e o shofar (o instru- uma simples notinha de rodapé. Vai ficar mento sagrado dos judeus). Pronto: está instalada a discórdia para depois, portanto. – perfeitamente compreendida, aliás, já que o texto foi escrito Para terminarmos, amigo leitor, fi- há milhares de anos. Caso semelhante ocorre no último salmo que com esta pérola da incoerência (o 150), outro dos preferidos dos compositores em razão da musical: para se tocar corretamente um profusão de instrumentos musicais. trio-sonata barroco, são necessários O que não se compreende tão facilmente é a existência, em quatro músicos.
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jan1parte1.p65 16 21/12/2006, 17:41 Abril BUDAPEST FESTIVAL ORCHESTRA IVÁN FISCHER REGÊNCIA Maio BRITTEN SINFONIA Maio PIOTR ANDERSZEWSKI PIANO Junho YO-YO MA VIOLONCELO KATHRYN STOTT PIANO Julho LA CAPILLA REAL DE MADRID OSCAR GERSHENSOHN REGÊNCIA Agosto GUSTAV MAHLER JUGENDORCHESTER PHILIPPE JORDAN REGÊNCIA THOMAS HAMPSON BARÍTONO Setembro QUARTETO HAGEN CORDAS Setembro ORCHESTRA BAROCCA DI VENEZIA ANDREA MARCON REGÊNCIA GIULIANO CARMIGNOLA VIOLINO Outubro JACQUES LOUSSIER TRIO Novembro ORQUESTRA FILARMÔNICA DE VARSÓVIA ANTONI WIT REGÊNCIA ANTONIO MENESES VIOLONCELO Programação sujeita a alterações. Renovações em dezembro de 2006 e janeiro de 2007 Novas adesões a partir de fevereiro de 2007 Valores de R$ 260,00 a R$ 1.500,00 SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA Rua Nestor Pestana, 196 Informações tel. 3256 0223 Televendas 3258 3344 www.culturaartistica.com.br
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