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Acordes E Batuques Na Vila De Drummond, Noel, Martinho E Isabel

Acordes E Batuques Na Vila De Drummond, Noel, Martinho E Isabel

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CAPÍTULO 3 - ACORDES E BATUQUES NA VILA DE DRUMMOND, NOEL, MARTINHO E ISABEL

A organização espacial proposta pelo Barão de Drummond transformou no primeiro bairro planejado do . Além desta herança, que repercute sobre o cotidiano dos residentes e freqüentadores até os dias atuais, outras ações foram desempenhadas pelo

Barão neste período. A Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel e o Jardim

Zoológico tinham por objetivo atrair um maior contingente populacional para esta área da zona norte da cidade. A tradição imperial do bairro seria substituída anos depois por uma classe média, plena de comerciantes, industriais e pela geração musical de (BORGES, 1987;

DAMATTA; SOÁREZ, 1999; ABREU, 2006).

A biografia do Poeta da Vila serviu para alterar o conteúdo e o imaginário social de Vila Isabel. A partir de suas composições, a Vila passou a ser vista como um lugar produtor de autênticos sambistas e boêmios.

Haesbaert (1999), ao debater o tema, assevera que uma identidade individual pode se tornar fundamental na formação de uma identidade social bem mais ampla. A geração de Noel Rosa funda, portanto, a identidade do bairro em tela como lugar genuíno do carioca. Os exemplos são diversos, mas alguns nomes pontificaram, a partir dos anos trinta, junto a Noel, como o gênio autor de antológicos como Copacabana (1947), “a princesinha do mar”, o choro Carinhoso (1917/1937), ao lado do talentoso

Pixinguinha e marchinhas imorredouras como Touradas em Madri (1938) e

Balancê (1938) . Através destes compositores brancos e de classe média, que

96 assinam discos, neste momento, a perseguição ao samba e outros ritmos nacionais tende a diminuir.

A identidade do bairro se consolida com a inauguração e as atividades do G.R.E.S. , assim como de seu membro ilustre

Martinho da Vila, que como Noel, dedica parte de sua obra a louvar seu lugar vivido.

Através da memória seletiva, são construídos geossímbolos

(BONNEMAISON, 2002) como as calçadas musicais, o monumento a Noel

Rosa e a quadra da agremiação isabelina que materializam a identidade social de Vila Isabel tornando, para um determinado grupo social, esta porção espacial em um lugar de expressiva carga simbólica.

3.1- A Vila de Drummond

O bairro de Vila Isabel, e seus circunvizinhos, Andaraí e Grajaú, ocupam uma área anteriormente pertencente à Fazenda do Macaco. As terras concernentes a este perímetro eram limitadas pelo rio Joana, pelo caminho do Cabuçu (atual rua Barão do Bom Retiro) e pela Serra do

Engenho Novo. Os proprietários eram os padres jesuítas que arrendavam parte dos terrenos aos interessados em desenvolver atividades agrícolas

(cana-de-açúcar, mandioca, milho e árvores frutíferas). Com a expulsão da

Ordem dos Jesuítas, determinada pelo Marquês de Pombal em 1760, a

Coroa Portuguesa confiscou e incorporou os bens da Companhia de Jesus, através das Cartas Régias de 25 de fevereiro e 5 de março de 1761

(BORGES, 1987).

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Após o ocorrido, algumas chácaras e sítios da Fazenda foram a leilão, não atraindo muitos compradores por causa das imperfeições no loteamento e do seu custo elevado. Neste sentido, de 1761 até a chegada da Família

Real ao Brasil (1808), a Fazenda do Macaco ficou praticamente abandonada, servindo apenas à caminhada de aventureiros e coleta de frutas.

Mais adiante, com a independência do Brasil (1822), a fazenda foi incorporada às posses do Império e, neste contexto, após o casamento de D.

Pedro I com Amélia de Leuchtenberg, a Fazenda do Macaco tornou-se um dos inúmeros presentes de núpcias à Imperatriz (GERSON, 2000). Amélia encantou-se de tal maneira com o lugar, que mandou construir em 1830 uma bela morada conhecida como a casa da Duquesa de Bragança. A viagem de

D. Pedro I e família para a Europa selou um novo período de desamparo.

Além do descaso imperial, o local não despertara interesse comercial devido a dificuldades de acesso e alagamentos constantes inutilizando, por conseguinte, as culturas de plantas baixas (ARAGÃO, 1997).

A macadamização da rua São Francisco Xavier, facilitando o trânsito, e a retificação do rio Joana, reduzindo as enchentes em 1856, estimularam a ocupação na área, registrando a partir de então inúmeras construções.

Em 1870, por iniciativa própria, o Major E. de Moshek decide por fazer o levantamento cartográfico da área, diagnosticando que do caminho do

Macaco – atual Boulevard Vinte e Oito de Setembro –, principal acesso da

Fazenda, iniciavam algumas sendas. A que começava na rua São Francisco

Xavier e terminava na altura do Corpo de Bombeiros, hoje é a rua Oito de

Dezembro. Os três primeiros logradouros iniciando do lado direito do caminho do Macaco são, respectivamente, as ruas Jorge Rudge, Duque de Caxias e

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Visconde de Abaeté . Do lado esquerdo havia duas pequenas entradas: a primeira, antes dos terrenos dos Rudge, transformou-se, alguns anos depois, na rua Felipe Camarão e a segunda, após aqueles ditos terrenos, foi alargada e denominada rua Rufino de Almeida (atualmente rua Pereira Nunes).

Paralelamente à rua do Macaco corria um outro caminho muito extenso, que começava na margem esquerda do rio Joana (onde este se dobrava para alcançar a atual rua Professor Manuel de Abreu) e que veio a ser conhecido como rua Teodoro da Silva, hoje, uma das principais vias do bairro

(BORGES, 1987).

O interesse de fato por esses terrenos começou com um homem de negócios chamado João Batista Vianna Drummond (1825-1897) em 1869. O futuro Barão de Drummond – título concedido em 1888 – nasceu em Itabira do Mato Dentro (MG). Chegou ao Rio de Janeiro ainda muito moço financiado pelo seu pai, um tradicional fazendeiro mineiro. Trabalhou inicialmente com a venda de artigos importados. Porém a especulação financeira na Bolsa de

Valores do Rio de Janeiro permitiu a multiplicação de suas posses.

Posteriormente casou-se com a filha de um influente banqueiro à época.

Passou a integrar, desta maneira, a seleta elite sócio-econômica da cidade, sendo inclusive convidado pelo Barão de Mauá para ser diretor da

Companhia que fundaria a Estrada de Ferro D. Pedro II (DAMATTA;

SOÁREZ, 1999). Quando se interessa, visionariamente, pela Fazenda do

Macaco é um homem de negócios conhecido e respeitado.

O proprietário da Firma Bancária Vianna Drummond e Cia. vislumbrou a possibilidade de progresso através do monopólio comercial da Fazenda e

99 procurou, em 1871, o Ministro do Império e amigo pessoal João Alfredo

Correa de Oliveira, com quem expôs suas idéias e pretensões.

A aquisição da Fazenda do Macaco aconteceu no dia 3 de janeiro de

1872. A primeira providência de Vianna Drummond como proprietário da fazenda foi criar uma empresa especializada em terraplenagem, voltada para a urbanização e delimitação dos lotes. Essa empresa denominou-se

Companhia Arquitetônica de Vila Isabel, a primeira companhia do gênero no

Brasil. Neste turbilhão, escolheu-se esta toponímia para o bairro planejado com o intuito de homenagear a Princesa Isabel por sua grande participação na aprovação e assinatura da Lei do Ventre Livre (1871).

O professor e engenheiro Francisco Bitencourt da Silva, Diretor do

Liceu de Artes e Ofício, em seguida Gerente Geral da Companhia, encarregou-se da elaboração do projeto (figura 3.1). O planejamento inicial tinha como prioridades o alargamento e retificação de caminhos pré- existentes, transformando-os em ruas, bem como a abertura de novos logradouros e a criação de uma suntuosa praça no final do caminho do

Macaco. Deste modo, a organização espacial proposta incluía treze ruas que partiriam perpendicularmente de uma larga avenida, arborizada ao centro, similar aos boulevares franceses, terminando na praça supracitada.

A Companhia Arquitetônica sugeriu as seguintes toponímias para as vias de circulação do projeto: Boulevard Vinte e Oito de Setembro (Caminho do Macaco), em reverência ao dia da assinatura da Lei do Ventre Livre. Na mesma trilha, a Praça Sete de Março (atual praça Barão de Drummond), batizada em alusão ao dia de instalação do gabinete do Visconde de Rio

Branco, grande entusiasta da mesma lei. A lista prossegue com as ruas:

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Teodoro da Silva, Torres Homem, Souza Franco, Teixeira Júnior, Conselheiro

Nabuco, Conselheiro Otaviano, Andaraí Grande, Visconde de Abaeté,

Visconde de São Vicente, Conselheiro Paranaguá, Duque de Caxias e Nova

Andaraí Grande. Desta maneira, como se pode observar, os nomes dos logradouros homenageiam políticos influentes e simpáticos à causa abolicionista.

Baseado nos princípios da reforma de Paris empreendida pelo Barão de Haussman, entre 1851 e 1870, o Barão de Drummond concebe um bairro em congruência com o projeto modernista no qual, anos mais tarde, Brasília se tornaria o paradigma. Nas palavras de DaMatta e Soárez (1999)

tanto na Vila Isabel de Drummond quanto na Brasília de Lúcio Costa e , as ruas perdem sua função de encontro, negócio, ócio e sociabilidade difusa e se transformam em via de acesso, passagem ou escoamento. A grande mudança da cidade tradicional para a “cidade modernista” fala – entre outras coisas – da transformação da rua de espaço simbólico (quando a rua era simultaneamente meio e fim), em espaço racional (quando ela é reduzida apenas a um meio de escoamento de veículos e pessoas) (p. 61).

Sobre a discussão, utilizando livremente as palavras de Tuan (1980;1983) para um outro contexto o pensador afirma que o ambiente construído define as funções sociais e suas relações. Como sabemos, o planejamento espacial faria parte de um esforço oficial, no início do século seguinte, para transformar o Rio de Janeiro em uma Paris dos trópicos (LESSA, 2000;

ABREU, 2006).

Em virtude do sucesso de outro empreendimento de Vianna

Drummond, a Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel, um novo projeto foi organizado em 1878 contendo onze novos logradouros, tais como: parte da

Rua Barão do Bom Retiro (antigo Caminho do Cabuçu), a Visconde de Santa

Isabel, que abrigou o antigo Jardim Zoológico (até então Caminho do

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Goiabal), Conselheiro Sinimbu, a Petrocochino, a Bezerra de Menezes, a

Barão de São Francisco, a Afonso Celso (atual Luís Barbosa), a Viana

Drummond, a Conselheiro Autran, a Conselheiro Zacarias e a João Alfredo.

Ulteriormente, o capital imobiliário tratou de incorporar outras ruas à Vila

Isabel em detrimento de bairros considerados menos atrativos das proximidades, como o Andaraí e a Aldeia Campista.

O Rio de Janeiro teve o privilégio de ser a primeira cidade da América do Sul a observar a circulação de bondes. A primeira concessão deste serviço, ainda com tração animal, foi outorgada à Botanical Garden Railroad

Company (posteriormente Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico) que, em 1868, inaugurou uma linha conectando a rua Gonçalves Dias, localizada no centro da cidade, ao Largo do Machado, na zona sul da cidade. Esta ligação pretendia servir à freguesia da Glória, por ora uma importante área residencial das classes mais favorecidas (LESSA, 2000; ABREU, 2006).

O sucesso da Companhia Jardim Botânico contribuiu para o surgimento de empresas do mesmo ramo, atuantes em diversas partes da cidade. Em 1870 a Rio de Janeiro Street Railway Company (posteriormente

Companhia São Cristóvão) inicia suas atividades servindo aos bairros de São

Cristóvão, Andaraí Pequeno (Tijuca), Saúde, Santo Cristo, Gamboa, Caju,

Catumbi e Rio Comprido. Neste ponto, vale ressaltar, a popularização da palavra bonde associada a este meio de transporte decorrendo dos cupons

(bonds ) que a empresa concessionária vendia ao público para contornar o problema de troco (ABREU, 2006).

Neste cenário, Drummond entendeu que tal atividade valorizaria seus lotes além da possibilidade de transportar um maior número de pessoas para

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Vila Isabel e adjacências. Planejou-se para este fim a Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel, em 1871/72 com os sócios Barão de Santa Isabel (mais tarde

Visconde), Charles B. Greenough e Teodore O. Smith. Sua inauguração tardou por conta das grandes obras de aterro e construção da ponte na área do Mangal de São Diogo, atual Cidade Nova, junto à foz do rio Comprido

(ABREU, 2006).

Em 29 de novembro de 1873, o trecho principal da linha, contendo sete quilômetros de extensão, estabeleceu a conexão de Vila Isabel com a

área central da cidade. Neste instante, cabe ressalvar, no Boulevard Vinte e

Oito de Setembro instalaram-se os trilhos lateralmente com o intento de preservar o jardim central muito vistoso e florido na época (foto 3.1).

Lessa (2000) cita que o bonde estimulou a circulação pela cidade.

Progressivamente suas facilidades modificaram os hábitos de lazer.

O uso de espaços públicos – Floresta da Tijuca, a Quinta da Boa Vista, as ilhas (Paquetá, principalmente), as praias – converteu estes lugares em áreas de diversão. Ao mesmo tempo a população rica acostumava-se a comer fora de casa e freqüentar confeitarias (p. 144).

O autor ainda propõe uma comparação entre a paixão popular européia, sobretudo dos latinos, pela bicicleta com a paixão do carioca pelos bondes. A bicicleta permitiu ao citadino europeu deslocar-se com facilidade pela cidade.

O bonde fez o mesmo pelo carioca. Abrigado das intempéries e livre da sujeira urbana, “o passageiro do bonde conquistava a cidade” (p. 145).

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FOTO 28 ANTIGA

Figura 3.1: Projeto de urbanização da Cia. Arquitetônica de Vila Isabel. Fonte: BORGES, 1987.

Foto 3.1: O Boulevard Vinte e Oito de Setembro. Fonte: www.flickr.com/cariocadagema.

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Dois anos após a inauguração da linha principal, a Cia. Ferro-Carril de

Vila Isabel implantou duas linhas complementares, uma que se estendia até o

Engenho Novo e outra que tinha como destino o Andaraí Grande (hoje compondo os bairros Andaraí e Grajaú). A emissão de ações ao portador transformou a pequena sociedade em uma grande empresa de capital aberto.

No decorrer do tempo e já nos idos de 1885, a Assembléia Geral dos

Acionistas, avaliou várias sugestões a fim de trazer um contingente maior de pessoas para o bairro de Vila Isabel, aumentando conseqüentemente o número de passageiros. Nesta reunião, Vianna Drummond teve a idéia de criar um Jardim Zoológico. Pretendendo levar adiante seu propósito, o empreendedor em questão enviou uma proposta à Ilustríssima Câmara, proferindo

que o Zoológico seria tão aperfeiçoado quanto os demais outros países; que a fauna e a flora seriam rigorosamente classificadas de acordo com a moderna ciência; que os alunos de quaisquer cursos teriam acesso gratuito (...) e que o Zoológico promoveria exposições anuais de animais, para estimular o amor a natureza (BORGES, 1987, p.51-56).

Com o clima de euforia que cercava a idéia, Vianna Drummond obteve isenções de impostos municipais e de direitos aduaneiros para a importação de animais e plantas. A abertura do empreendimento sucedeu-se em 1888 após o término de inúmeras obras internas e externas ao Jardim.

Com a Proclamação da República (1889), o Barão de Drummond, pertencente a uma classe social ligada ao antigo regime imperial deixa de ser apadrinhado por um novo governo que se recusa a prestigiar ou patrocinar um estabelecimento que se reportava ao quadro político anterior. Com isto houve o corte imediato das isenções municipais em 1890. A situação do

Jardim se complicou, a ponto de comprometer a conservação do local e a

105 alimentação dos animais. Como solução do problema, Drummond idealiza uma espécie de sorteio, baseado no “jogo das flores”, inventado e realizado pelo mexicano Manuel Ismael Zevada na Rua do Ouvidor, core da área central do Rio de Janeiro daqueles dias, onde bilhetes eram numerados de 1 a 25 e cada número correspondia a uma flor. Vianna Drummond adaptou esse jogo à sua realidade, numerando da mesma forma 25 animais, dentre eles domésticos ou selvagens, corriqueiros ou exóticos. A organização original perdura até os dias atuais no Brasil, salvo algumas exceções promovidas por especificidades locais (DAMATTA; SOÁREZ, 1999).

Nascia naquele momento o “jogo do bicho”, legalizado em 13 de outubro de 1890, com a intenção de tornar o Jardim Zoológico da cidade um dos melhores do mundo (GERSON, 2000).

Rapidamente, o jogo do bicho popularizou-se em toda a cidade. O alastramento da jogatina passou a preocupar as autoridades, até que o

Procurador dos Feitos da Fazenda Municipal, Dr. Frederico de Almeida Rego, emitiu parecer sobre a situação do Jardim Zoológico, em 07 de fevereiro de

1895, declarando que o contrato entre a municipalidade e a concessionária não estava sendo cumprido e que as atividades nele desenvolvidas, restringiam-se aos jogos que tinham sido permitidos e que se transformaram em ““loterias de bichos” (...). Não é mais um Jardim Zoológico, e sim mais um ponto de reunião para o jogo a céu aberto” (BORGES, 1987, p. 65).

Diante de forte argumento, o prefeito Francisco Furquim Werneck julgou por bem rescindir o Termo Aditivo que permitira jogos no Jardim em 10 de abril de 1895. Esta data marca o início da ilegalidade do jogo do bicho, mas não o seu fim .

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O antigo Jardim Zoológico funcionou em Vila Isabel durante 57 anos, especificamente até 30 de setembro de 1940, quando sua área passou aos cuidados da União Federal. Nove anos mais tarde, ocorre a transferência de suas terras à administração municipal sendo reaberto ao público no dia 16 de outubro de 1967 com a toponímia de Recanto do Trovador (foto 3.2).

Hodiernamente, as comunidades do Pau da Bandeira e do Macaco, utilizam o parque como lazer e via de acesso às suas moradias (ROSADAS, 2006).

No último quarto do século XIX percebemos que o capital imobiliário tornara-se um sujeito ativo na valorização de prédios urbanos no Rio de

Janeiro. A Vila Isabel do Barão de Drummond é um exemplo disto. A associação loteamento/bonde revela uma complexa operação integrada de valorização imobiliária (ABREU, 2006). O loteamento da Fazenda do Macaco aconteceu simultaneamente com a instalação das linhas da Companhia

Ferro-Carril Vila Isabel. Visando incrementar ainda mais a ocupação do bairro, Vianna Drummond fundou o Jardim Zoológico (1888) e, posteriormente, criou o jogo do bicho (1890) (figura 3.2). Nas palavras de

Lessa (2000),

a concessão de linhas de transportes, a transformação de terra periférica em residencial pela outorga da linha, a definição do logradouro, a esquematização e realização de melhoramentos (principalmente a aproximação de água), o licenciamento da obra etc. são operações que exigem e constroem uma aliança sistêmica entre o circuito imobiliário e o poder local. Emerge com nitidez no Rio, no último quartel do século XIX, esta articulação indispensável para o entendimento da dinâmica da cidade (p.147).

A Vila de Drummond deixou marcas espaciais indeléveis que contribuem para a dinâmica do bairro em tela até o presente momento. No entanto, nas primeiras décadas do século XX Vila Isabel passará por transformações que trarão novas formas, funções e melodias às suas ruas, praças e avenidas.

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Foto 3.2: Recanto do Trovador. Ao fundo, parte do morro do Macaco. Autor: Michel Rosadas, 2006.

Figura 3.2: O Barão de Drummond e suas contribuições: o bonde e o jogo do bicho. Fonte: ABREU, 2006.

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3.2- A Vila de Noel

A Vila Isabel das quatro primeiras décadas do século XX abriga uma população diversificada. Ainda possui traços do modo de vida idealizado pelo

Barão de Drummond, como a presença das famílias tradicionais. No entanto, nesta conjuntura, o universo de habitantes não se limita ao grupo de classe média. Máximo e Didier (1990) classificam os moradores em três grupamentos distintos: os institucionais, os marginais e os demais. Os primeiros representam as lideranças sociais que gozam de grande prestígio na comunidade. O médico, muitos deles que não cobram consultas aos mais pobres e, por isto, são vistos como mistos de heróis e sacerdotes. As professoras, – dentre elas a mãe de Noel, Dona Martha –, que ensinam as primeiras letras e, também, não cobram de quem não pode pagar.

Finalmente, os padres, que alimentam o espírito e aconselham os mais aflitos.

Os marginais são tolerados, embora não aceitos, pela ampla classe média pequeno-burguesa preocupada com a ascensão social e com as inúmeras regras de postura e convivência. Estes farão parte do convívio de

Noel, o malandro, o bicheiro, os que habitam os morros próximos, o seresteiro, o sinuqueiro, o carteador, o desempregado convicto, bêbados, mendigos, proxenetas e valentões. Os demais completam o colorido cenário isabelino. Estudantes, aposentados debruçados nas janelas, donas de casa, e aqueles que desempenham funções subalternas, motorneiros e condutores, leiteiros, padeiros, garis, entregadores, carteiros e motoristas de táxi.

Paralelamente, crianças brincando nas ruas e nos terrenos baldios, o guarda noturno e os galãs de porta de confeitaria também se encaixam neste grupo.

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Alguns outros transitam pelo bairro esporadicamente, entre os quais: as baianas e seus tabuleiros, amoladores de faca, sorveteiros, baleiros, vendedores ambulantes e os prestamistas. Estes últimos ofereciam mercadorias em domicílio e disponibilizavam empréstimos para saldar as dívidas dos clientes.

Sobre as múltiplas faces que coexistem pelas ruas do Boulevard, transversais e paralelas, os autores sublinham a localização geográfica como razão para o fenômeno. Vila Isabel está cercada por bairros heterogêneos.

(...) a Tijuca de ricos e remediados, estes sonhando em ser como aqueles e fazendo desse sonho a sua divisa; o Andaraí de contornos proletários, meia dúzia de fábricas empregando quase um quinto da população; o Engenho Novo de ares provincianos, cadeiras de vime pelas calçadas nas tardes de domingo, gente debruçada na janela para ver o trem passar, pessoas que se cumprimentam sem se conhecerem; o Maracanã de famílias conservadoras, que só daqui a algum tempo se permitirão, nas batalhas de confete da rua Dona Zulmira e redondezas, umas tantas liberações; o Grajaú ainda meio deserto, recém-loteado, de moradores poucos e indefinidos; os Morros da Mangueira e dos Macacos, de multidões pobres que se debatem contra a miséria sem perder o orgulho e a esperança – Vila Isabel acaba tendo um pouco de cada um (p. 39).

Neste bairro múltiplo, microcosmo da cidade do Rio de Janeiro, nasce

Noel de Medeiros Rosa em 11 de dezembro de 1910 (foto 3.3). Desde garoto

Noel se revela atento e observador. Interessa-se pelas pessoas de maneira geral, independente do proceder ou da classe social. Em entrevista ao jornal

Diário Carioca em 1936, comentaria:

Quando penso no Boulevard, nas ruas pacatas que guardam os meus melhores segredos, nas esquinas prediletas para as reuniões da turma, que aprendeu a fazer samba vendo sambar o arvoredo, o meu coração, incuravelmente sentimental, bate descompassado como um tamborim tocado por estrangeiro. E eu vou alongando o pensamento e vou pensando que a cidade inteira é Vila Isabel... (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 38).

Ao deixar a infância, Noel se tornará um poeta-cronista, daqueles que fazem da sua obra uma tradução do cotidiano. Sobre o exposto, Sodré (1998)

110 aponta que nos versos de Sinhô já estava fixada uma das características do samba carioca: a letra como crônica do Rio de Janeiro e da vida nacional.

Noel, seu herdeiro natural, manteve no novo gênero musical as crônicas poéticas da cidade. Mudanças no modo de vida urbano, sátiras, comentários políticos, incidentes cotidianos e notícias de grande repercussão são encontrados em sua produção musical. Neste contexto, vale frisar, que o

Poeta da Vila se enquadra perfeitamente na categoria utilizada por João do

Rio ([1908] 2007) para aqueles que estudam a psicologia das ruas, o flâneur.

Nas palavras do autor, para entender tal coreografia

não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. (...) Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! (...) Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir nas praças os ajustamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde, depois de ter ouvido os dilettanti de casaca aplaudirem o maior tenor do Lírico numa ópera velha e má; é ver os bonecos pintados a giz nos muros das casas, após ter acompanhado um pintor afamado até sua grande tela paga pelo Estado; (...). Flanar é a distinção do perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico (p. 17/18).

Podemos perceber nas palavras do autor uma geografia do movimento

(SANTOS; SILVEIRA, 2001) plena de interações espaciais. Estas

podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a freqüência da ocorrência e conforme a distância e direção, caracterizando-se por diversos propósitos e se realiza através de diversos meios e velocidade (CORRÊA, 1997, p. 279).

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Foto 3.3: Noel Rosa. Fonte: MÁXIMO; DIDIER, 1990.

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Utilizando seu entendimento apurado de flâneur , Noel comporá seu primeiro samba, intitulado Com que roupa? (1929). Os versos da canção reportam a um panorama de pobreza e miséria que se alastra pelo país. Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, a situação tende a piorar. Eis a letra:

Agora eu vou mudar minha conduta Eu vou pra luta, Pois eu quero me aprumar. Vou tratar você com força bruta Pra poder me reabilitar Pois essa vida não está sopa, E eu pergunto: com que roupa?

Com que roupa eu vou Pro samba que você me convidou? Com que roupa eu vou Pro samba que você me convidou?

Agora eu não ando mais fagueiro Pois o dinheiro Não é fácil de ganhar Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro Não consigo ter nem pra gastar, Eu já corri de vento em popa Mas agora com que roupa?

Eu hoje estou pulando como sapo Pra ver se escapo Desta praga de urubu. Já estou coberto de farrapo, Eu vou acabar ficando nu, Meu terno já virou estopa E eu não sei mais com que roupa

O samba de grande sucesso traz consigo a singularidade carioca de tratar com humor os assuntos mais sérios. Assim sendo, cabe ressaltar que, naqueles dias, “com que roupa?” era uma expressão popular que significava

“de que modo?”, “com que dinheiro?” (MÁXIMO; DIDIER, 1990).

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Assistindo ao primeiro filme sonoro nacional, Coisas Nossas , o poeta se indaga sobre o que é verdadeiramente brasileiro. Observando as ruas do bairro, Noel compõe São Coisas Nossas (1932). Uma crônica que reflete a dinâmica urbana do Rio da década de 1930. A seguir a letra:

Queria ser pandeiro Pra sentir o dia inteiro A tua mão na minha pele a batucar Saudade do violão e da palhoça, Coisa nossa, coisa nossa.

O samba, a prontidão e outras bossas, São nossas coisas, são coisas nossas!

Malandro que não bebe, Que não come, que não abandona o samba Pois o samba mata a fome, Morena bem bonita lá da roça, Coisa nossa, coisa nossa.

Baleiro, jornaleiro, Motorneiro, condutor e passageiro, Prestamista e vigarista E o bonde que parece uma carroça Coisa nossa, muito nossa!

Menina que namora Na esquina e no portão Rapaz casado com dez filhos, sem tostão, Se o pai descobre o truque dá uma coça. Coisa nossa, muito nossa!

O autor exalta o samba com um dos elementos tipicamente brasileiros entre outras bossas. “Bossa” na linguagem do poeta quer dizer jeito para fazer as coisas, aptidão, queda. O malandro que se nega a trabalhar, tema corrente do estilo novo, os bondes envelhecidos, como os da Cia. Ferro-Carril de Vila

Isabel além de outras situações cotidianas do bairro e da cidade também estão relatados.

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As canções evidenciadas anteriormente cumprem o papel de salientar a importância da geografia informal (WRIGHT, 1947) para as investigações geográficas. O artista, no caso Noel Rosa, compõe ao experienciar (TUAN,

1983) as interações espaciais (CORRÊA, 1997) e as coreografias do cotidiano através do seu corpo. Sobre isto, Seamon (1980) afirma que

através do sujeito-corpo, a pessoa se localiza em relação aos objetos, lugares e ambientes familiares que, em suma, constituem o seu mundo geográfico cotidiano. Seja qual for o contexto histórico e cultural, particular a base de sua experiência geográfica é o extrato corporal pré-reflexivo de sua vida – seu espaço corporalmente vivido incorpora pequenos gestos como caminhar, virar, alcançar, e os padrões ampliados do ballet-corporal e da rotina têmporo- espacial (p. 151).

De acordo com as idéias de Ribeiro (1995) tais composições também se prestam a demonstrar como Noel Rosa se aproxima das idéias modernistas. Segundo a autora, o movimento modernista iniciado na década de 1920 procurava alargar o conceito de literatura ao discutir o cotidiano e descobrir a poesia nos fatos. O despojamento da linguagem vinha acompanhado do tratamento cômico-sério da vida contemporânea do tempo presente. Nesta linha de raciocínio, simplicidade, humor e presentidade estariam registrados na obra de modernistas como Manuel Bandeira, Oswald e Mário de Andrade.

Noel desenvolve uma linguagem impregnada e estruturada pelos elementos do mundo burguês com que se depara na sua experiência, ao mesmo tempo se contrapõe a ela, tanto na vida – colocando-se de fora -, quanto na arte – fazendo uso da ironia e da paródia. É desta forma que se projeta, ainda que de maneira intuitiva, sua faceta modernista, mostrando pontos de convergência, quanto a conciliação que promove entre a arte e a vida e quanto ao aspecto da inovação formal, com Oswald de Andrade. Pois também para Noel “a poesia existe nos fatos”, principalmente nos que ocorrem no seu cotidiano boêmio (p. 259- 260).

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Noel Rosa era o maior talento musical de Vila Isabel, porém não o

único. Pelo contrário, a Vila, neste período, era um verdadeiro celeiro de músicos. O produtor de rádio e compositor Haroldo Barbosa, confirmando o exposto, comparou a musicalidade de Vila Isabel dos fins da década de 1920 e do início dos anos 1930 com a Ipanema dos anos 1960. Corroborando a idéia, Cabral (2005) o definiu como “um bairro muito alegre, ocupado por uma classe média emergente, e que, de fato viria a produzir alguns dos artistas mais famosos do Rádio e da música popular” (p. 35).

O início da carreira artística de Noel, confirmando o conteúdo das linhas anteriores, será em um conjunto musical formado por jovens de classe média do bairro, chamado Bando de Tangarás (figura 3.3). Este, contando com a participação de remanescentes do grupo Flor do Tempo, assim foi denominado em alusão aos pássaros que sempre em grupo de cinco dançam festivamente em forma de roda. Para elucidar o mencionado, faz-se pertinente enfatizar, que faziam parte deste conjunto Henrique Foréis

Domingues, o Almirante e Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, neste dias ainda João de Barro1.

Outros renomados artistas também eram vizinhos de Noel, como o cantor Francisco Alves, naquele tempo o principal intérprete da música popular brasileira, Lamartine Babo, morador da rua Conde de Bonfim, na

Tijuca, mas intenso freqüentador dos cafés isabelinos, Antônio Nássara

(figura 3.4), caricaturista e compositor, Orestes Barbosa, jornalista influente e também compositor, por exemplo da obra-prima Chão de Estrelas (1938),

1 Braguinha adotou este pseudônimo para preservar seu anonimato. A carreira de músico não era bem vista pelas famílias tradicionais. Seu pai, Jerônimo José Ferreira Braga Netto, era diretor da Fábrica Confiança Industrial, localizada em Vila Isabel e uma das mais importantes do Brasil.

116 entre outros. Tantos interessados em música que, “por algum tempo, toda vez que um novo nome surgir, no disco ou no rádio, haverá quem pergunte: É de Vila Isabel?” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 143).

Realmente muitos rapazes tocavam e improvisavam versos pelas esquinas e botequins (figura 3.5) de Vila Isabel. Não apenas sambas, mas, partidos, choros, músicas regionais, valsas, em suma, música popular de qualidade. Esquinas e botequins formavam o cruzamento do Boulevard Vinte e Oito de Setembro com a rua Souza Franco, conhecido como Ponto dos 100

Réis (esquema 3.1), o centro comercial, de circulação e de encontros do bairro. Esta toponímia se refere ao fato deste local abrigar a “mudança de seção” dos bondes (foto 3.4). A partir daquele ponto são cobrados mais cem réis de cada passageiro. Os bondes provenientes do Lins de Vasconcelos e do Engenho Novo paravam em frente à agência da Caixa Econômica (foto

3.5). Os que percorriam o caminho oposto, ou seja, procedentes do centro da cidade, o realizavam em frente ao Café Rio Clube. Completava-se o cruzamento com o Café de Vila Isabel e a Confeitaria Ventura. Todos os grupos pertencentes da comunidade isabelina, se encontravam neste local.

Máximo e Didier (1990) indicam que

no Ponto de 100 Réis reúne-se toda sorte de gente, jovens e velhos, operários de fábrica e desocupados, doutores e oportunistas, chefes de família e estudantes, policiais e sambistas. Os botequins e as esquinas são entidades integradoras, em torno das quais se conhecem, se aproximam, conversam, trocam idéias e até ficam amigas as criaturas mais diversas, de níveis sociais tão distintos que muito provavelmente, não houvesse os botequins e as esquinas, seus caminhos jamais se cruzariam (p. 95).

Logo, o Ponto dos 100 Réis cumpre o papel de centralidade comercial e social pois este emite e atrai fluxos que participam diretamente da dinâmica espacial do bairro e da cidade a qual está inserida (MELLO, 2002a).

117

.

Figura 3.4: Caricatura de Noel feita por Nássara. Fonte: MÁXIMO; DIDIER, 1990.

Figura 3.5: O botequim. Fonte: MÁXIMO; DIDIER, 1990 .

Figura 3.3: Almirante e o bando de tangarás. Fonte: MÁXIMO; DIDIER, 1990.

118

Esquema 3.1: O Ponto dos 100 Réis .

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PARADA OBRIGATÓRIA

Foto 3.4: Garagem da Cia. Ferro-Carril de Vila Isabel. Hoje o terreno abriga a Sede

do G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel. Fonte: www.luiz.deluca.none.br.

Foto 3.5: Bar Parada Obrigatória . Localizado no cruzamento Boulevard Vinte e Oito de Setembro/ rua Souza Franco. Autor: Michel Rosadas, 2009.

120

Em uma destas esquinas, mais precisamente no Café de Vila Isabel, os músicos locais terão abrigo e poderão compor, tocar e cantar sempre.

Este estabelecimento vai testemunhar o nascimento de várias composições de Noel, freqüentador assíduo do botequim do Carvalho, como era conhecido o Café. Tal era o papel do botequim, que o poeta comporá em parceria com

Oswaldo Gogliano, o Vadico, uma música retratando seu intenso movimento.

Nas linhas seguintes a letra de Conversa de Botequim (1935):

Seu garçom, faça o favor De me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada, Um pão bem quente com manteiga à beça, Um guardanapo E um copo d´água bem gelada. Feche a porta da direita Com muito cuidado

Que não estou disposto A ficar exposto ao sol. Vá perguntar ao seu freguês ao lado Qual foi o resultado do futebol.

Se você ficar limpando a mesa, Não me levanto nem pago a despesa. Vá pedir ao seu patrão Uma caneta, um tinteiro Um envelope e um cartão. Não se esqueça de me dar palitos E um cigarro pra espantar mosquitos. Vá dizer ao charuteiro Que me empreste umas revistas Um isqueiro e um cinzeiro.

Telefone ao menos uma vez Para 34-4333 E ordene ao seu Osório Que me mande um guarda-chuva Aqui pro nosso escritório. Seu garçom me empreste algum dinheiro Que eu deixei o meu com o bicheiro, Vá dizer ao seu gerente Que pendure essa despesa No cabide ali em frente.

121

A situação enfoca o cliente folgado desejando do estabelecimento todos os tipos de serviços. O autor resume em um único freguês diversos freqüentadores dos cafés cariocas. Isto se explica porque neste cenário, o botequim cumpre uma função integradora, que mais favores prestam aos homens do bairro.

Vendendo refeições fiado, emprestando dinheiro, fixando em suas paredes anúncios manuscritos pedindo ou oferecendo empregos, pondo seu telefone à disposição dos que não o têm (...), oferecendo suas mesas para quem quer que seja, o botequim realmente serve e integra a comunidade. Para os fregueses assíduos, homens como o Carvalho e o Martinez [ proprietário do Café Rio Clube ] jamais dizem “não posso”. Eles sempre podem. Qualquer coisa, desde pregar mentiras salvadoras (à namorada, à mulher, ao credor ou à polícia) até dar e receber mensagens, funcionar como eficiente agência de recados (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 98).

As singularidades de Vila Isabel tornarão esta porção espacial um lugar único, pleno de afeto e familiaridade para Noel Rosa. Andando por outros bairros, seja em apresentações, festas ou encontros de qualquer natureza, o poeta sentirá os efeitos causados pela distância do seu lugar natal. Para Noel, nenhum local tem a bossa e a qualidade musical da Vila.

Seguindo este caminho, Tuan (1980) expressa que no transcurso do tempo as pessoas investem parte de sua vida emocional em seu lar e, em outra escala, em seu bairro. Sair da própria casa ou do bairro “é ser despido de um invólucro, que devido a sua familiaridade protege o ser humano das perplexidades do mundo exterior” (p. 114). A composição Eu vou pra Vila

(1930) relata este sentimento:

Não tenho medo de bamba Na roda do samba Eu sou bacharel (Sou bacharel) Andando pela batucada Onde eu vi gente levada Foi lá em Vila Isabel

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Na Pavuna tem turuna Na Gamboa gente boa Eu vou pra Vila Aonde o samba é da coroa. Já saí de Piedade Já mudei de Cascadura Eu vou pra Vila Pois quem é bom não se mistura

Quando eu me formei no samba Recebi uma medalha Eu vou pra Vila Pro samba do chapéu de palha A polícia em toda a zona Proibiu a batucada Eu vou pra Vila Onde a polícia é camarada.

Esta canção é a primeira que o autor fará exaltando seu bairro. Conterá os aspectos musicais que distinguem a Vila de outros domínios do Rio de

Janeiro. Nos últimos versos, Noel comenta, em um dos primeiros registros da música brasileira, a perseguição policial aos sambistas. Como relatam

Máximo e Didier (1990), Vila Isabel estava desembaraçada destes incômodos.

Alegria lembra mais uma vez a passagem vivida por ele e Noel numa de suas serenatas. Os dois cantavam sob janela de uma casa de vila na rua Maxwell quando viram parar, lá na entrada, o carro da polícia. Alegria engoliu seco, o violão de Noel emudeceu (...). Os dois seresteiros continuaram calados, imóveis, esperando pelo pior. − Escute aqui − disse o comissário para Alegria. − Pois não, seu doutor. − Vocês conhecem Última Lágrima? Noel Rosa e Alegria se entreolharam. Não conheciam, não. − Aquela valsa do Cândido das Neves. − Ah! − exclamou Alegria aliviado. − O doutor deve estar falando de Íntima Lágrima. − Sim, esta mesma. − Conhecemos sim, seu comissário. − Então vamos lá. Cantem. Mas depressa. Tenho ronda pra fazer. E Alegria, Noel ao violão, cantou: (...) Não, a polícia da Vila nunca foi de perseguir seresteiro (p. 147).

123

Em outra composição, Noel Rosa revelará seus laços topofílicos com seu bairro de nascimento. Topofilia, nas palavras de Tuan (1980), diz respeito a um neologismo útil em sentido amplo para enfocar manifestações específicas do amor humano por um lugar. Ou seja a filiação, a querência de uma pessoa ou grupo pelo seu universo vivido. Bom Elemento (1930) nasce de uma parceria com Euclydes Silveira, o Quidinho da Aldeia Campista.

Igualmente a Noel, Quidinho tem contato íntimo com os negros do morro do

Salgueiro e da Mangueira, se apropriando inclusive dos seus termos e expressões. Apesar do talento, será um dos vizinhos do poeta que não atingirá o sucesso.

Entrei no samba, Os malandros perguntaram Se eu era bamba No bater do tamborim E o batuque Eles logo improvisaram Eu dei a cadência assim:

Meu bem, o valor dá-se a quem tem A Vila e a Aldeia não perdem pra ninguém (O que é que tem?) Meu bem, o valor dá-se a quem tem A Vila e a Aldeia não perdem pra ninguém

Com violência Enfrentei a batucada, A harmonia Do meu simples instrumento Fez toda a turma Ficar muito admirada Porque sou bom elemento.

Como pode ser visto, os autores juntam-se para enaltecer seus bairros e atestar que são bambas do samba. Apesar de bons elementos, portanto distantes da malandragem, estes são verdadeiros sambistas. Cabe citar, neste instante, que a Aldeia Campista já não existe como bairro, sendo hoje

124 parte de Vila Isabel. Por conseguinte, se Quidinho nascesse nos dias atuais seria mais um talento musical do bairro de Noel.

Mais a seguir, em 1934 Lela Casatle, moça de Vila Isabel, é eleita

Rainha da Primavera e passa a ser conhecida em toda a cidade. Fotos suas são estampadas nas revistas e nos jornais. Compositores inspiram-se nesta rainha da beleza. A comunidade isabelina sente orgulho do acontecimento que eleva o bairro. Aproveitando a oportunidade para homenagear Lela, Noel

Rosa produzirá, com melodia de Vadico, a maior declaração de amor a sua terra natal. Nascia Feitiço da Vila :

Quem nasce lá na Vila Nem sequer vacila Ao abraçar o samba Que faz dançar os galhos Do arvoredo E faz a lua nascer mais cedo. Lá em Vila Isabel Quem é bacharel Não tem medo de bamba. São Paulo dá café Minas dá leite E a Vila Isabel dá samba.

A Vila tem Um feitiço sem farofa Sem vela e sem vintém Que nos faz bem. Tendo nome de princesa Transformou o samba Num feitiço decente Que prende a gente.

O sol na Vila é triste Samba não assiste Porque a gente implora: Sol, pelo amor de Deus, Não venha agora Que as morenas vão logo embora. Eu sei tudo que faço, Sei por onde passo, Paixão não me aniquila. Mas tenho que dizer:

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Modéstia à parte, Meus senhores, eu sou da Vila!

Na primeira estrofe o poeta evidencia que o bacharel, símbolo da cultura branca e letrada, e o bamba, fruto da mestiçagem carioca, transformam a Vila em um lugar de encontro e confraternização entre ambos através do samba.

O próprio Noel estampa a personificação deste encontro. Logo em seguida, o samba é qualificado como mais um produto nacional, este com origem em

Vila Isabel, somando-se a outros, a saber, o leite e o café advindos de Minas

Gerais e São Paulo respectivamente. Mais do que isso, Noel coloca no mesmo patamar escalar e de riqueza unidades da Federação com o seu bairro vivido, ou seu lugar por excelência (MELLO, 1991). Desta forma, o autor sutilmente elege este gênero musical como um misto entre os radicais, café (preto) e o leite (branco) (SANDRONI, 2001), ou seja, o samba como uma manifestação popular tipicamente mestiça. Legitimando o referido, Sodré

(1998) destaca que a simples situação de classe ou de cor não basta para explicar o fenômeno do samba.

Trata-se, na verdade, de uma posição cultural , de um lugar em que se inscreve o compositor, não por decisão puramente racional ou doutrinária, mas por um impulso especial de sentido, cujo pólo de irradiação se encontra na transitividade cultural das classes economicamente subalternas (p. 45).

No estribilho da mesma canção, Noel enfatiza que o samba da Vila tem feitiço, porém decente ( “sem farofa, sem vela e sem vintém” ). O termo sugerido denota aceitação social, o aval da Princesa (“tendo nome de princesa, transformou o samba num feitiço decente que prende a gente”) confirmando a pertinência de se ouvir e/ou cantar samba independente da classe social (SANDRONI, 2001). O último verso da obra tem um valor

126 especial para esta investigação geográfica pois é a partir dela que a identidade de Vila Isabel vai ser construída em torno do samba e da boemia.

“Ser da Vila” confirmará desde então a procedência genuína de um sambista.

Segundo Carney (2007) isto ocorre porque a música reflete e influencia as imagens que as pessoas possuem dos lugares e a forma como estas imagens mudam expressivamente as atitudes das pessoas com os lugares.

Em outras palavras, ao ouvir determinadas músicas, indivíduos associam um estilo de música a um lugar, neste caso , o samba à Vila Isabel. Tuan (1983) ao abordar a questão alerta que muitos lugares, significantes para certos grupos ou indivíduos, têm pouca notoriedade visual, restando apenas o conhecimento emocional. Deste modo uma função da arte literária e/ou musical, é permitir a visibilidade de experiências íntimas, inclusive às de lugar. Neste quadro, Noel o faz através de suas canções.

A última homenagem prestada por Noel à Vila Isabel deriva de uma polêmica musical com Wilson Baptista. Conforme Máximo e Didier (1990) explicam, Wilson conquistou uma mulher pretendida por Noel. Inconformado, o Poeta da Vila inicia a disputa ao arremedar o samba, listado no segundo capítulo, Lenço no Pescoço . Wilson, prosseguindo com a peleja, compõe

Conversa Fiada (1935):

É conversa fiada Dizerem que o samba Na Vila tem feitiço, Eu fui ver para crer E não vi nada disso. A Vila é tranqüila Porém eu vos digo: cuidado! Antes de irem dormir, Dêem duas voltas no cadeado.

Eu fui na Vila ver o arvoredo se mexer E conhecer o berço dos folgados

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A lua nessa noite demorou tanto Me assassinaram um samba Veio daí o meu pranto.

Ouvindo publicamente um compositor espinafrar a Vila, Noel decreta o fim da polêmica com Palpite Infeliz (1935).

Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do Céu, que palpite infeliz! Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz Que sempre souberam muito bem Que a Vila não que abafar ninguém, Só quer mostrar que faz samba também.

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo, Ao som do samba dança até o arvoredo. Eu já chamei você pra ver, Você não viu porque não quis Quem é você que não sabe o que diz?

A Vila é uma cidade independente Que tira samba mas não quer tirar patente. Pra que ligar a quem sabe Aonde tem o seu nariz? Quem é você que não sabe o que diz?

Obra-prima da música carioca, além de defender elegantemente o seu lugar natal, a canção promove a confraternização do mundo do samba ao situar a

Vila no mesmo patamar do Estácio de Sá, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo

Cruz e Matriz.

Ao compor músicas em homenagem a Vila Isabel, Noel Rosa 2 registrou a riqueza das suas experiências vividas em relação ao seu lugar

íntimo. A música, neste sentido, cumpre o papel de aguçar a paixão e o orgulho pelo lugar vivido (TUAN, 1983; MELLO, 2000).

2 Noel Rosa faleceu no dia 04 de maio de 1937 vítima da tuberculose, com apenas 26 anos de idade. Compôs sozinho ou em parceria 259 canções (MÁXIMO; DIDIER, 1990).

128

Os laços identitários do bairro com o samba se fortalecerão anos mais tarde com a fundação do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila

Isabel e com .

3.3- A Vila de Martinho

Nos anos de 1940 a Vila ganhará novos acordes e batuques com a fundação de uma escola de samba. A autoria da façanha deve-se a Antônio

Fernandes da Silveira, o Seu China, apelido cunhado pelo fato de ter os olhos apertados, à moda oriental. Seu China, que residira anteriormente no morro do Salgueiro, ao mudar-se para o morro dos Macacos encontrou um bloco chamado Acadêmicos da Vila cujas cores eram vermelho e branco. Este se notabilizava pela maneira organizada como desfilava, sendo a maioria dos seus componentes moradores do morro do Pau da Bandeira. A partir do desfile do Acadêmicos da Vila no carnaval de 1946, com seus componentes fantasiados e isolados por uma corda conforme uma mini escola de samba, que Seu China conceberá a idéia de criar uma agremiação carnavalesca no bairro (MARTINHO DA VILA, 1999).

Logo após o carnaval, ocorreu a articulação entre Seu China e membros do bloco de sua inspiração, Acadêmicos da Vila. As cores azul e branco batizaram a escola em homenagem ao fundador, pertencente no passado à Escola Azul e Branco do Salgueiro. Integrantes do bloco de Dona

Maria Tataia, conhecido por ter entre os seus principais instrumentos pistons, trombones e clarinetes, colaboraram também com a iniciativa. Como resultado do esforço conjunto, fora institucionalizado no dia 04 de abril de

1946 o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel.

129

Os primeiros ensaios da debutante escola de samba realizavam-se na rua Senador Nabuco 248 casa 03 (localizada no Caminho Central, que permite o acesso ao morro dos Macacos), mais precisamente no quintal do fundador. Seu China, Antônio Fernandes da Silveira, faleceu em 1966, com

76 anos de idade.

Na década de 1960, a Unidos de Vila Isabel vai passar por uma série de transformações com a assunção de um novo grupo de gerenciadores.

Neste contexto chega à Vila um compositor cuja história sempre estará ligada a esta agremiação. A figura proeminente em foco é Martinho José Ferreira

(foto 3.6) nascido no dia 12 de fevereiro de 1938 em Duas Barras, interior do estado do Rio de Janeiro. Quatro anos depois, sua família mudou-se para a

Favela da Boca do Mato, localizada na serra dos Pretos Forros, elevação esta que permeia os bairros cariocas do Méier, Engenho de Dentro e Lins de

Vasconcelos. Aos 13 anos Martinho já integrava a escola de samba

Aprendizes da Boca do Mato. Seis anos mais tarde comporia seu primeiro samba-enredo (MARTINHO DA VILA, 1999).

No carnaval de 1965 a Vila Isabel adquire o direito de desfilar entre as grandes escolas ao obter a segunda colocação no grupo de acesso. A agremiação comandada pelo banqueiro de bicho Waldemir Garcia, o Miro, decidiu convidar pessoas de outras escolas capazes de manter a Vila no grupo de elite do carnaval carioca. Inicialmente Martinho foi convidado pelo ex-presidente Davi Corrêa para atuar na diretoria, na função de secretário, e para organizar a ala dos compositores. Não aceitou o primeiro cargo, mas assumiu o segundo compromisso. Como rito de passagem, o recém-chegado precisou fazer um samba sobre a Vila Isabel. Boa Noite (1965) é a primeira

130 obra de Martinho para sua nova escola e este surge reverenciando ou mesmo saudando o seu lugar vivido, a “... terra de Noel...”:

Boa noite, Vila Isabel Quero brincar o carnaval Na terra de Noel Boa noite, diretor de bateria Quero contar com sua marcação Boa noite, sambistas e compositores Presidentes e diretores Pra Vila eu trago toda a minha inspiração Quero acertar com o diretor de harmonia E as pastoras o tom da minha melodia

A a a a a a a a a Ó ó ó ó ó ó ó ó ó Ô ô ô ô ô ô ô ô ô Laralá, larará, la ra ra

Passistas, mestres-sala, ritmistas Quero ver samba feito com animação Eu quero ver as alas reunidas Baianas brilhando no carnaval Eu quero ver a Vila destemida Fazendo evolução monumental

O samba focaliza o momento em que a Unidos de Vila Isabel está pronta para adentrar a avenida. Também notamos a referência a Noel com o intento de demonstrar que o bairro tem um ícone de reconhecido prestígio no mundo do samba. Após o batismo, Martinho tornara-se da Vila adicionando ao seu nome a toponímia do seu universo vivido.

O ano de 1965 não marcou apenas a escola mas também todo o bairro. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro completava seu quarto

Centenário de fundação. Um ano antes, o governador do então Estado da

Guanabara, Carlos Lacerda, determinou que as calçadas do Boulevard Vinte e Oito de Setembro fossem pavimentadas com pedras portuguesas.

Aproveitando a ocasião comemorativa, o arquiteto Orlando Madalena,

131 membro do Lions Club de Vila Isabel, expôs à diretoria sua intenção de decorar as calçadas com partituras musicais de Noel Rosa. A instituição consultada aprovou a idéia. Todavia condenou o bairrismo da proposta, sugerindo a escolha de canções brasileiras consagradas. Com o aval do governador, o arquiteto designou Almirante, grande conhecedor da música brasileira e, neste período, popular locutor de rádio, para executar a seleção.

O tamanho dos quarteirões embasou a distribuição das partituras. Para separar as composições foram desenhados violões e cavaquinhos pelo arquiteto Hugo Ribeiro. Em 28 de agosto de 1964, o primeiro trecho contendo a canção A Voz do Violão (1928), de Francisco Alves e Horácio Campos, foi inaugurado. Reconhecendo o simbolismo e o valor patrimonial das calçadas musicais (foto 3.7), a Assembléia Legislativa do Município do Rio de Janeiro julgou pertinente tombá-las por uma iniciativa da Ucovi (União dos

Comerciantes de Vila Isabel) em 1999.

De acordo com Wagner (1979), na experiência repetida, as pedras portuguesas alinhadas reproduzindo notas musicais transformam-se em

“veículos de significado” (p. 20). Contudo, nos lembra o autor, estas não são marcas ou signos em si, só o são por atribuição de um indivíduo ou grupo social. A respeito disto Mello (2003) comenta que “esta questão de posse, defesa e significado remontam à noção fenomenológica de mundo vivido (...), consoante a alma dos lugares” (p. 65).

132

Foto 3.6: Martinho da Vila Fonte: www.cifrantiga.blogspot.com.

Foto 3.7: Trecho das calçadas musicais . Autor: Michel Rosadas, 2006.

133

Mapa 3.1: As calçadas musicais de Vila Isabel.

134

“Carnaval de Ilusões”, enredo da Unidos de Vila Isabel de 1967, revolucionaria os desfiles de todas as escolas. Até então os desfiles possuíam motes didáticos, ligados a História do Brasil. A idéia da Vila era fantasiar

no sentido de sonho da palavra e um pouco de teatralização, pois escola de samba é o maior teatro ambulante, onde todos os componentes são atores em desfile. (...) transformar todos os participantes em crianças, uma criança que ouviu estórias infantis, leu contos de fadas e sonhou com todos aqueles personagens de leitura desfilando num carnaval de ilusão (MARTINHO DA VILA, 1999, p. 145).

Além do enredo, a Vila rompeu também com o pragmatismo das agremiações que se apresentavam contendo unicamente as suas respectivas cores. Ainda que mantendo a base branca e azul, as fantasias continham vermelho, prata e ouro. Embora portadora de sólidas inovações a Vila figurou entre as favoritas mas não venceu.

Sete anos depois, a Vila aprendeu da pior forma que nem todas as inovações trazem benefícios imediatos para a agremiação. O enredo de 1974 contava a história da tribo dos Carajás. O samba de Martinho da Vila sobre o tema fora considerado subversivo pela censura política. Com isto, a escola viu-se obrigada a modificar o samba assim como o andamento do enredo. O resultado na passarela foi desastroso. Protagonista da situação, Martinho compôs um samba louvando o bairro e afirmando o soerguimento da escola

(MARTINHO DA VILA, 1999). Do fato resultou Renascer das Cinzas :

Vamos renascer das cinzas Plantar de novo o arvoredo Bom calor nas mãos unidas Na cabeça um grande enredo Ala dos compositores Mandando um samba no terreiro Cabrocha sambando Cuíca roncando,

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Viola e pandeiro No meio da quadra Pela madrugada Um senhor partideiro Sambar na avenida de azul e branco é o nosso papel Mostrando pro povo que o berço do samba É em Vila Isabel

O arvoredo que balançava vividamente nos tempos de Noel será replantado.

Os componentes da escola novamente farão seu papel para mostrar “que o berço do samba é em Vila Isabel”. A menção ao “azul e branco” vale para destacar a importância das cores para uma agremiação carnavalesca. O geógrafo Lowenthal (1985), abordando o assunto, ressalva que são atribuídos valores para as cores, bem como para as formas, fazendo com que grupos sociais se identifiquem através delas.

Apesar de não ter nascido ou crescido em Vila Isabel, Martinho por meio da escola de samba, transformou o bairro em seu lugar vivido. Tuan

(1983), após refletir sobre quanto tempo demora para se conhecer uma unidade espacial, afirma que “sentir” um lugar demanda tempo.

(...) se faz de experiências, em sua maior parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dia e através dos anos. É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar. (...) Com o tempo nos familiarizamos com o lugar, o que quer dizer que cada vez mais o consideramos conhecido (p. 203).

Dez anos depois de Renascer das Cinzas , o compositor dedicou um trabalho completo ao seu espaço vivido. Holzer (1992), com base nas idéias de

Frémont (1978), aponta que o espaço vivido

é uma experiência contínua, egocêntrica e social. Um espaço de movimento e um espaço-tempo vivido, uma categoria que não se reduz ao espaço cartesiano ou Euclidiano, mas se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário (p. 440).

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Algumas músicas desta produção, singelamente intitulada “Martinho da Vila

Isabel”, merecem destaque especial por revelar em seus versos afirmações de amor e familiaridade pelo bairro de Noel. Na obra Vem pro Samba Meu

Amor (1984) , o compositor do bairro Diógenes registra o legado do Poeta da

Vila como o idealizador do verdadeiro samba:

Vem pro samba, vem sambar Vem pro samba meu amor Que o samba na Vila tem muito mais sabor

O nosso samba é malemolência Nossas cabrochas olha o passo, veja a cadência Os ritmistas são caprichosos e não saem do tom O samba é belo, o samba é doce, o samba é bom O nosso samba não se aprende no colégio É privilégio que Noel Rosa nos deixou Mas se você nunca foi a um samba na Vila Então esteja certa que também nunca sambou

Mas vem pro samba vem sambar Vem, vem pro samba meu amor Que o samba na Vila tem muito mais sabor

O autor comenta a qualidade dos componentes da Unidos de Vila Isabel e encerram a letra enaltecendo o samba diferenciado da Vila, que “tem muito mais sabor”.

Na canção Vila Isabel (1957), de Valdemar de Abreu, o Dunga, membro da ala de compositores da agremiação homônima, novamente o bairro é identificado como “berço de poetas imortais” cujos “sambas têm magia”. A fidelidade e o amor pelo lugar vivido também aparecem através dos versos “s erei eternamente o teu cantor, canto e canto de alegria o teu louvor ”.

Noel, o mais representativo sambista isabelino, mais uma vez é honrado numa música com o nome do bairro.

Vila Isabel És manchete de revistas e jornais

137

És um berço de poetas imortais Mundo inteiro te conhece e não te esquece Vila Isabel És manchete em revistas e jornais És um berço de poetas imortais Mundo inteiro te conhece e não esquece Vila Isabel Para o artista és um tema ideal Tens arte e poesia Teus sambas têm magia Tu és a imagem pura do carnaval Vila Isabel Serei eternamente o teu cantor Canto e canto de alegria o teu louvor Fevereiro a fevereiro com meu pandeiro Vila Isabel De pastoras tão bonitas, meu senhor Tu és um festival de luz e cores Inspirando amor

O sereno está caindo Em toda Vila Isabel É o céu que está chorando Com saudade de Noel

Vila Isabel, Vila Isabel Serei eternamente teu cantor Canto e canto de alegria em teu louvor Fevereiro a fevereiro com meu pandeiro Vila Isabel Das pastoras tão bonitas meu senhor Tu és um festival de luz e cores Inspirando amor

Assim como Noel Rosa registrou as interações espaciais (CORRÊA,

1997) ou o balé do lugar (SEAMON, 1980) de sua época em São Coisas

Nossas (1932), Martinho repete o feito quando interpreta Flor dos Tempos

(1984) , canção de Ruy Quaresma e . Abaixo o segmento que confirma a idéia:

Vila lá vou eu Camisa aberta, ventre livre, chinelo nos pés Da Barão de São Francisco, tomo um chopp no Petisco Faço uma fé no Cem Réis Vila, Vila eu vou

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Por entre as notas das calçadas musicais Vou seguindo as partituras De tão sábias criaturas Que fizeram sambas imortais

A letra sugere que o movimento descrito remete a uma pessoa familiarizada com o bairro, tanto pelos locais que freqüenta (“tomo um chopp no Petisco, faço uma fé no Cem Réis”) quanto pelas vestes informais (“c amisa aberta, ventre livre, chinelo nos pés”). Nos últimos versos, os autores dedicam-se a homenagear as calçadas musicais, que abrigam obras de “tão sábias criaturas que fizeram sambas imortais.”

Martinho da Vila volta a se aproximar da obra de Noel com a canção

Quando o ensaio começar (1984), de Zé Branco e Lolote . Conforme o poeta em Eu vou pra Vila (1930) , o sambista caminha por diversos locais da cidade, mas retorna ao “samba vibrante” do seu lugar íntimo, ou lar:

Quando o ensaio começar, Quando o ensaio começar, eu vou te levar na Vila pra ver

Vais ouvir um samba diferente E sambar com muita gente Isso é que nos dá prazer

Eu fui lá na Mangueira, gostei No Império Serrano também Eu fui na e o samba estava pra lá de bom Num domingo de folga que eu tive Eu subi fui a Padre Miguel Mas voltei radiante pro samba vibrante de Vila Isabel

No ritmo do samba coloquemos em pauta uma outra página relevante da história, da política e da geografia do país. Cem anos da abolição da escravatura no Brasil se completariam em 1988. Como vimos anteriormente, o bairro de Vila Isabel tem um passado abolicionista a começar pelo nome, passando pelos seus personagens, como o Barão de Drummond e seus

139 colaboradores e, posteriormente, a ligação da Vila com a cultura negra, através do samba, pela genialidade de Noel Rosa e o talento de Martinho da

Vila.

Naquele ano três escolas de samba escolheram a Abolição da

Escravatura como enredo, inclusive a Unidos de Vila Isabel. Martinho da Vila idealizou “Kizomba, festa da raça” (foto 3.8). Cabe ressaltar que o termo kizomba significa encontro, festa de confraternização, como esclarece o próprio autor. O mesmo relata a apreensão e a emoção dos momentos que antecederam o desfile da agremiação.

No histórico carnaval do centenário, a Unidos de Vila Isabel foi a escola de samba que se apresentou com o maior contingente de negros em desfile. Até nos carros alegóricos, lugar de rico ou de mulher pelada, havia negros também, mas os brancos estavam lá, perfeitamente integrados, curtindo uma legal, felizes, emocionados e conscientes de que não estavam simplesmente se exibindo. Sabiam que participavam de um acontecimento importante.(...) Paulo Brazão 3, o grande fundador, foi colocado num digníssimo trono, como um Soba, o Grande Chefe. A Presidente Lícia Maria Maciel Caniné, a Ruça, estava com os nervos à flor da pele e não conseguia falar. Passou a bola para o autor intelectual do enredo, Martinho da Vila: − Alô, Vila Isabel! Cada um de nós a partir de agora é um Zumbi, é alegre. Zumbi canta. Zumbi dança. Valeu, Zumbi? − Valeu. − Mais forte, gente. Valeu, Zumbi? − Valeeeu. − Axé pra todo mundo! − Axé. A um sinal do Jaiminho, o diretor de harmonia manda atacar. Claudinho Jorge marca no violão. O pandeiro do Paulinho da Aba e a cuíca do Ovídio firmam o ritmo. Três mil e quinhentos componentes estão ofegantes. O cavaquinho do Wanderson chora e o puxador Gera ataca o forte samba de Luís Carlos [ da Vila ], do Rodolfo e do Jonas: “Valeu Zumbi! O grito forte dos Palmares Que correu terras, céus e mares Influenciando a abolição Zumbi valeu! Hoje a Vila é Kizomba É batuque, canto e dança Jongo e maracatu Vem menininha pra dançar o caxambu

Ôô, ôô, Nega Mina

3 Primeiro Diretor-Geral da Agremiação. Em 1948 teve o privilégio de ser eleito Cidadão- Samba do Rio de Janeiro pela antiga União Geral das Escolas de Samba.

140

Anastácia não se deixou escravizar Ôô, ôô Clementina O pagode é o partido popular

O sacerdote ergue a taça Convocando toda a massa Neste enredo que congraça Gente de todas as raças Numa mesma emoção Esta Kizomba é nossa Constituição Que magia! Reza, ajeum e Orixás Tem a força da cultura Tem a arte e a bravura E um bom jogo de cintura Faz valer seus ideais E a beleza pura dos seus rituais Vem a Lua de Luanda Para iluminar a rua Nossa sede é nossa sede De que o apartheid se destrua Valeu”

Mestre Mug, o diretor de bateria, ergue os braços. O apito estrila e a bateria arrebenta com seus surdos, reco-recos, agogôs, taróis, caixas, repiques, pandeiros, centradores, cuícas e tamborins. São 320 ritmistas tocando loucamente. Os corações vêm à boca e todo mundo entra em transe. É a Vila Isabel na passarela. É a Kizomba no carnaval (VILA, 1999, p. 111, 113 e 114).

Em momentos como este a Unidos de Vila Isabel funciona como elemento difusor de organização do espaço. Segundo Oliveira (1978) a difusão espacial caracteriza-se por uma aceitação no tempo de alguma idéia ou prática por indivíduos ou grupos ligados a uma estrutura social inserida em um sistema de valores ou cultura. A referida agremiação projeta sua imagem através dos seus ensaios e desfiles.

Mesmo sem luxo e sem patrono, alguém que viabilize o desfile financeiramente, o G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel sagrou-se campeão do carnaval de 1988. A letra do samba e sua melodia fazem jus à data comemorativa. Vencer o campeonato em um ano tão especial e por uma escola com escassos recursos foi realmente extraordinário para o bairro e para todos os envolvidos neste êxito. Sem quadra, na época, a festa da

141 vitória ocorreu nas ruas do bairro. Até os dias atuais o samba-enredo da Vila

é um dos símbolos de resistência da cultura negra sendo cultuado e cantado em carnavais e festividades oportunas, como o Dia da Consciência Negra (20 de novembro).

Após dezoito anos de espera a Unidos de Vila Isabel alcançou seu segundo triunfo. A sede, situada no Boulevard Vinte e Oito de Setembro,

único logradouro da urbe carioca com tal distinção, abrigou a festa de comemoração do título no grupo especial das escolas de samba do Rio de

Janeiro cujo enredo intitulara-se “ Soy loco por ti, América - a vila canta a latinidade” (foto 3.9). Por todos os motivos que cercam uma conquista, esta tem um sabor especial, pois neste carnaval completaram-se sessenta anos da fundação da agremiação. Isto posto, pode-se destacar a extraordinária centralidade conferida à sua quadra em momentos como o acima referido.

142

Foto 3.8: Desfile da Unidos de Vila Isabel em 1988. Fonte: www.cifraantiga.blogspot.com.

Foto 3.9: Novamente campeã em 2006. Fonte: www.gresunidosdevilaisabel.com.br.

143

3.4 - O Feitiço da Vila

As sucessivas transformações tecnológicas e econômicas dos últimos tempos acarretaram uma redefinição do que entendemos por comunidade e lugar. Buttimer (1985a), debatendo o assunto, aponta que uma comunidade não deve ser analisada exclusivamente como um grupo social que enfrenta unido algum desafio comum ou que compartilha recursos limitados.

Hodiernamente, geógrafos interessados na questão devem se debruçar sobre

“as conseqüências psicológicas e emocionais de genre de vie fragmentados, justapostos no espaço físico porém estranhos no espaço social” (p. 239). Em outros termos, a autora justifica que, nas sociedades complexas, vários grupos sociais heterogêneos ocupam, muitas vezes, a mesma porção espacial sem comungar de princípios e valores coletivos. Neste panorama, elementos culturais como a música, podem servir para distinguir lugares uns dos outros.

Nesta perspectiva Moura (2004) trata da questão dos usos e funções da música em uma determinada sociedade. Embasado em Merriam (1964), o autor assevera que as letras de música produzem “funções particulares para a sociedade na medida em que elas sempre expressam valores” (p. 53). Em outro segmento, o autor conclui que

a música, então, promove um ponto de agrupamento em torno do qual os membros de uma determinada sociedade reforçam os compromissos que requerem a cooperação e coordenação do grupo (p. 102).

Carney (2007), geógrafo estudioso da influência da música sobre os lugares, contribui com o tema em foco ao salientar que

a referência a um lugar no título ou letra de uma canção acende uma memória sobre ele, mas com o tempo os próprios sons musicais podem evocar um sentido de lugar de uma maneira que

144

talvez só seja igualada, em um nível pessoal, pelos aromas especiais da cozinha ou a visão da casa da vovó (p. 146).

Os sambas de Noel Rosa e Martinho da Vila, inseridos neste trabalho, tanto pelos títulos quanto pelos teores, exemplificam a citação anterior. Através destes, identifica-se o bairro como lugar único por ser um genuíno produtor de samba e de todas as variantes que cercam este gênero musical, como a roda, a boemia e a partilha de uma visão de mundo comum. Assim podemos associar a unidade espacial em destaque e um gênero musical. Nesta circunstância o samba, “pode funcionar como uma fonte de identidade geográfica, (...) bem como uma ajuda para favorecer um sentido de orgulho pelo lugar e um sentimento de ligação com ele” (CARNEY, 2007, p. 147).

A identidade social fornece substância e atribui significados a objetos ou pessoas de acordo com os critérios estabelecidos. A identificação remete a dois processos distintos e complementares.

De um lado, a identificação consiste, em um sentido lógico transitivo, em designar e nomear qualquer coisa ou qualquer um, e depois em caracterizar sua singularidade. De outro lado, em um sentido intransitivo e por vezes reflexivo, e entendendo a identidade como similaridade, a identificação consiste em se assemelhar a qualquer coisa ou a qualquer um e se traduz, principalmente, tanto para o indivíduo como para o grupo, por um sentimento de pertencimento comum, de partilha e de coesão sociais (LE BOSSÉ, 2004, p. 161).

Haesbaert (1999) concorda com o autor ao defender que identificar, na esfera humano-social, significa identificar-se , em um processo reflexivo. Ao mesmo tempo, identificar-se é sempre uma ação de identificar-se com , o que se traduz em um processo relacional, dialógico, inserido numa relação social.

Desta maneira a identidade é formada tanto pelo pertencimento quanto pela exclusão, aproximando-se destarte tanto daquilo que leva em consideração como daquilo que negligencia.

145

Consideramos como o suporte essencial da identidade social, o lugar.

Este, conforme Tuan (1983), é um centro de valores estabelecidos pela subjetividade dos indivíduos e dos grupos. Devido a estabilidade e à permanência, a unicidade e a especificidade, o lugar adquire um foco identitário independente da escala, desde o lar até o território nacional ou o próprio planeta (MELLO, 2000; LE BOSSÉ, 2004). Assim sendo, os grupos sociais ao afirmarem e reivindicarem sua identidade cultural e política em relação ao seu lugar forjam uma territorialidade simbólica. Para Haesbaert

(1999), uma identidade territorial. De acordo com o autor isto ocorre quando uma identidade social define-se

fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social (p. 172).

Convém lembrar que na definição de território caracterizada pelo autor, a dimensão simbólica, promovida pelas identidades, se sobrepõe à dimensão mais concreta, como do domínio político que faz uso de fronteiras territoriais para o exercício do poder. Bonnemaison (2002), caminhando na mesma direção, evidencia que o território se constrói como sistema e como símbolo.

Um sistema porque ele se organiza e se hierarquiza para responder às necessidades e funções assumidas pelo grupo que o constitui. Um símbolo porque ele se forma em torno de pólos geográficos representantes dos valores políticos e religiosos que comandam sua visão de mundo (p. 106).

Sobre o exposto, Claval (1999) certifica que os seres humanos necessitam de uma base territorial que desempenhe o papel de refúgio e de um espaço onde se sintam protegidos, conhecidos e reconhecidos. A mesma idéia tem sido perseguida pelos adeptos da ala humanística recorrendo ao conceito lugar advindo da noção fenomenológica do mundo vivido.

146

Apesar da importância do valor ritual e simbólico, o território identitário também é palco de práticas ativas e atuais pelas quais se afirmam e vivem as identidades. Neste sentido, devemos debater a noção de símbolo para entendermos a relação entre identidade social e território (HAESBAERT,

1999; LE BOSSÉ, 2004). Em consonância com Tuan (1980; 1983), um símbolo representa uma parte que tem o poder de sugerir um todo. Em outras palavras, o símbolo nasce da necessidade de se ter objetos tangíveis nos quais se possa apoiar o sentimento de identidade, tais artefatos transcendem suas condições e passam, então, a ser símbolos de querência/afetividade ou de rejeição (MELLO, 2003). Para Bonnemaison (2002), símbolos espaciais são geossímbolos.

Um geossímbolo pode ser definido como um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas, políticas e culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão simbólica que os fortalece em sua identidade (p. 109).

Discutindo o tema, Corrêa (2005) qualifica os símbolos espaciais como formas simbólicas espaciais. Estas são ditas espaciais quando constituídas por fixos e fluxos, “isto é, por localizações e itinerários, apresentando, portanto, os atributos primeiros da espacialidade” (p. 3). Dentre inúmeras atribuições, as formas simbólicas espaciais “constituem importantes elementos no processo de criação e manutenção da identidade, seja étnica, racial, social, religiosa ou nacional, seja ainda a identidade de um lugar” (p.

6).

Para um determinado grupo social, particularmente compositores, músicos, intérpretes, poetas, sambistas anônimos, residentes ou amantes de

Vila Isabel, o bairro assume uma identidade territorial costurada pelos geossímbolos ou pelas formas espaciais simbólicas presentes em seus

147 domínios. O monumento de Noel Rosa (foto 3.10), posicionado na praça

Maracanã, recepcionando quem chega à Vila, a edificação das calçadas musicais e seu posterior tombamento, exibindo o forte apelo musical, e a própria sede da Unidos de Vila Isabel (foto 3.11), inaugurada em 2004 e localizada no Boulevard Vinte e Oito de Setembro representam espacialmente neste simbólico lugar a identidade da porção espacial em evidência.

A construção destes geossímbolos reforça a identidade social de Vila

Isabel iniciada pela biografia de Noel Rosa e seus contemporâneos na década de 1930 e consolidada pela obra de Martinho da Vila e, ainda, pelos desfiles da agremiação local, que difunde e fortalece os laços identitários da

Vila anualmente no carnaval carioca, no chamado “maior espetáculo da

Terra”, evento este de grande repercussão nacional e internacional.

Halbwachs (1990) confirma o narrado ao afirmar que memória coletiva – dita pela maioria de pesquisadores como seletiva – tem seu ponto de apoio sobre as imagens espaciais. Com isto, não há memória seletiva que se perpetue ausente de um quadro espacial. Tuan (1980), compartilhando a idéia, constata que a consciência do passado é um elemento importante no amor pelo lugar. Logo, os geossímbolos relacionados são o reflexo dos significados emitidos pela memória seletiva do bairro que identifica e particulariza a Vila como local do samba e da boemia carioca. Martinho da Vila (1999) ilustra a passagem ao descrever como fato único a comemoração da conquista de

1988.

Na história das vitórias nunca houve uma comemoração como a nossa. A 28 de Setembro ficou toda ocupada, lotada, cheia, transbordando de gente de toda a cidade. Parecia que o Rio todo foi pra Vila Isabel e se bebeu a noite inteira sem confusão nenhuma no meio de uma zorra da porra. (...) A Vila era como um país que

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ganhou a guerra. Era o 14 de julho na França, o 11 de novembro em Angola, o outubro de 1917 na Rússia, o dia dos cravos vermelhos de Portugal, ou o Brasil no tricampeonato de 70 (p. 247).

Foto 3.10: Monumento em homenagem a Noel Rosa . Autor: Michel Rosadas, 2006 .

Foto 3.11: Sede do G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel. Autor: Michel Rosadas, 2009.

149

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em reação a influência das correntes neopositivistas, geógrafos interessados em resgatar os aspectos subjetivos da complexidade humana decidiram procurar caminhos independentes, trilhados inclusive pelos domínios de outras ciências, como a antropologia, a psicologia e a filosofia, tendo em vista que não existe o instituto da patente intelectual e as ciências se interpenetram. Deste esforço, surge na década de 1970 a geografia humanística, que almeja, sobretudo, priorizar a visão antropocêntrica, na qual o homem é a medida de todas as coisas. Isto permitiu que as manifestações artísticas cujo valor não se estipula por leis, métodos e sistemas analíticos pudessem servir de fonte valiosa para os estudos geográficos.

A música é uma destas manifestações que tem a capacidade de traduzir sentimentos e olhares dos compositores sobre determinados pontos do espaço geográfico. Como exemplo do exposto, temos a comunidade negra residente na área periférica do centro da cidade do Rio de Janeiro, nas últimas décadas do século retrasado, que expunha, entre outros enfoques, seu cotidiano e suas idéias sobre os rumos da cidade e do país através das suas composições. Por sua vez, Pelo Telefone (1917), considerado por autores e estudiosos do assunto como o primeiro samba gravado, justifica a idéia das linhas anteriores ao abordar um tema em ebulição naqueles dias, a proliferação dos jogos de azar.

Apesar de conservar o temário de suas composições, o gênero musical em evidência passou por uma série de transformações rítmicas e melódicas na década de 1930 com os sambistas do bairro do Estácio de Sá. Os malandros do Estácio inventaram novos instrumentos e foram responsáveis pela criação 150 da primeira escola de samba, a Deixa Falar. Neste cenário, um indivíduo branco e de classe média se destaca ao compor diversas canções em sintonia perfeita com o Estácio e com os sambistas do morro. Estamos falando de Noel

Rosa.

Até Noel figurar nos círculos da música popular brasileira, Vila Isabel era considerado um bairro fabril e de classe média, embora portador de um passado imperial, planejado com largas ruas e avenidas, herança do Barão de

Drummond. No entanto, o Poeta da Vila, junto a uma geração privilegiada de músicos, compositores e intérpretes, fizeram de Vila Isabel o lugar do samba de qualidade e das incontáveis noites de boemia. Por meio das suas composições e de sua biografia, Noel, mesmo sem esta intenção, engendra a identidade do bairro.

Na década seguinte ao falecimento de Noel Rosa (1937), Seu China e alguns colaboradores fundam o G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel. Esta agremiação perpetua o legado do poeta, difundindo e divulgando espacialmente o bairro em tela nos desfiles das escolas de samba do Rio de

Janeiro. Tempos depois, um talentoso compositor cantará a Vila, com tanto ardor, que seu nome artístico conterá a toponímia do bairro: Martinho da Vila.

Com a contribuição musical de Noel, Martinho e da agremiação carnavalesca local, a Vila de Drummond e Isabel, será marcada como uma das localidades que se caracteriza por produzir o genuíno samba carioca. Assim sendo, a memória seletiva de residentes e admiradores alicerçam a construção de geossímbolos (BONNEMAISON, 2002) ou formas simbólicas espaciais

(CORRÊA, 2005) aptas a alçar o sentimento e a convicção da Vila como um lugar especial do samba. Estes símbolos são as calçadas musicais, 151 arquitetadas em meio às homenagens ao quarto centenário da cidade (1965), bem como o monumento a Noel Rosa, saudando aqueles que chegam à Vila pela sua entrada principal, ou seja, pelo Boulevard Vinte e Oito de Setembro, e a sede da Unidos de Vila Isabel, recinto inaugurado em 2004. Neste instante, vale ressaltar, que costurada pelos geossímbolos, a unidade espacial em destaque assume uma identidade de lar/lugar, ao menos para este ou aquele indivíduo ou para um determinado grupo social.

O feitiço da vila não inebriou apenas os compositores locais, mas também músicos de outros lugares que cultuam o bairro de Noel em suas obras. Na canção Vila Isabel (1952), Bide e Marçal ao reverenciar o poeta homenageiam a Vila:

Ó Vila teu poeta nos contou Os teus segredos ao som do samba Viu sambar teus arvoredos Mostrou em versos Uma sincera amizade Levou seu nome no peito para a eternidade A ele rezamos um preito de saudade

Em outra composição, o sambista Bezerra da Silva (1988) se rende aos encantos e a musicalidade da Vila. A seguir, um trecho de Garoa :

Vila Isabel! Vila Isabel, não chove à toa, Chuva forte lá na vila é garoa!

Mas lá não pode chover Porque o samba está lá É um pagode na praça É outro no Boulevard No terreirinho também Tem gente a batucar E no jardim, muito bem, Tem sempre gente a cantar, olha aí

152

Nomes consagrados da MPB (música popular brasileira), incluíram do mesmo modo Vila Isabel em canções que falam do samba carioca. É o que faz

Caetano Veloso em Pé do Meu Samba (2002):

Você é a canção que consigo Escrever afinal Você é o Buraco Quente A Casa da Mãe Joana É a Vila Isabel, Você é o Largo do Estácio, Curva de Copacabana Tudo que o Rio me deu!

Em Carnavália (2001), os tribalistas , e

Carlinhos Brown repetem o feito ao incluir a Unidos de Vila Isabel em sua letra:

Vamos pra avenida, desfilar a vida, carnavalizar

Na Portela tem, Mocidade, Imperatriz No Império tem, uma Vila tão feliz Beija Flor, meu bem, a porta-bandeira Na Mangueira tem morena da Tradição

As menções à musicalidade da Vila extrapolam as canções e os fixos de relevância alcançando até as casas comerciais do bairro que fazem uso desta identidade para nomear e/ou criar as logo-marcas dos seus estabelecimentos

(fotos 4, 5, 6 e 7).

153

Foto 4: O alfaiate Euclides oferece seus serviços. Autor: Michel Rosadas, 2009.

Foto 5: O Vila Shopping. Autor: Michel Rosadas, 2009.

Foto 6: O prédio comercial Vila Trade Center. Autor: Michel Rosadas, 2009.

Foto 7: O açougue Feitiço da Vila.

Autor: Michel Rosadas, 2009.

154

As marcas da negritude persistem em lugares anteriormente ocupados pela chamada “Pequena África do Rio de Janeiro” (MOURA, 1995), fontes de sabedoria, malemolência e improvisos. Hoje sobre um passado glorioso estão assentados no mesmo ponto no qual se encontrava a casa da Tia Ciata, uma escola com o seu nome. Quer dizer, embora no passado o samba, o chorinho e o candomblé tenham sido reprimidos, tempos estes ganham simbolicamente status na figura da negra supracitada com um educandário em sua honra. O

Terreirão do Samba e a Passarela do Samba estão, igualmente, localizados em um chão pleno de simbolismo e da riqueza ancestral de uma cultura que continua viva e pulsante. Ou seja, nem as reformas urbanas para a abertura da

Avenida Presidente Vargas, nem a chamada destruição dos chamados “bairros que estão no meio do caminho” (ABREU, 2006) conseguiram arrasar o curso inicial de um rio que persiste em meio a “represas”/ obstáculos/ destruições impostos por este ou aquele governo. Mais do que isso, a Praça Onze continua sendo cantada e mesmo exaltada nos sambas enredos e, portanto, recriada nos carnavais, ainda que pulverizada em sua forma material.

Mas seja como for, permitindo o retorno ou o (re)ingresso de diversas gerações ao berço do samba (MELLO, 2002b).

Os acordes, batuques, sons e cânticos contribuíram para a construção das identidades dos bairros do Estácio, Cidade Nova, da mitológica Praça

Onze e da Vila de Noel e Martinho. Esta investigação geográfica descortinou elementos culturais e artísticos que podem ser utilizados junto à geografia acadêmica aliando os preceitos filosóficos aos meandros dos universos vividos.

Neste curso de um caudaloso Rio musical, os minadouros Cidade Nova,

Estácio e Praça Onze influenciaram e verteram suas águas e talentos para 155 uma Vila Isabel receptora de criatividade e elaboradora de uma seqüência de fluidez musical na urbe carioca. Inicialmente em um Rio de proibições, gingas, festas e vanguarda confluíram o maxixe e o chorinho na Cidade Nova e, um pouco mais tarde, os batuques e o samba na Praça Onze e no Estácio. Neste vale convergiram os bambas como , , Sinhô, e

João da Bahiana, a reverência às tias, sobretudo, Ciata e, em Vila Isabel, entre outros, Noel, Martinho e a campeã de carnavais a Unidos de Vila Isabel. Por seu turno, Noel ganhou escultura e passou a ser nome de túnel, tal a sua importância no campo das artes e por propagar, décadas após sua morte, o seu universo vivido. Gerações contemporâneas ou pretéritas costumam se remeter à “Vila de Noel”. Ao lado disso, Martinho da Vila, em 1987, no Festival da Canção Francesa, realizado no extinto Hotel Nacional do Rio de Janeiro, foi apresentado “como filho de Noel Rosa com a Mãe África” (MELLO, 1991). Seus livros e sua música ecoam, entre outros países, em Angola e na França. Em suma, o Rio musical com vales, meandros e cachoeiras deságua em delta e se espraie além-mar.

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