<<

145

Literatura, PolíticaFranklin Lopes eSilva Pessoalidade: lógicas cruzadas de atuação no espaço intelectual maranhense (1945-1964)1

Franklin Lopes Silva2

Resumo Este trabalho investiga as diferentes estratégias, espaços e mo- dalidades de atuação em que se insere um conjunto de agentes que ingressaram na carreira literária entre os anos de 1945 e 1964 no Maranhão. - dimensões e princípiosAs variáveis de hierarquização constituintes constituintes de seus perfis deste so espaçociais foram social, analisadas considerando-se de forma os relacional, investimentos identificando-se feitos no âmbi as- to cultural, político e de relações sociais. Palavras-chave: Literatura; Política; Recursos Sociais; Estratégias

Literature, Politics and Personhood: cross-action logics in the intellectual spa- ce in the state of maranhão (1945-1964)

Abstract This paper investigates the different strategies, spaces and for- - ms of action that fits a set of agents who have joined the litera- ry career between the years 1945 and 1964 in Maranhao. The variable constituents of their social profiles were analyzed re

Universidade Federal do Maranhão. Agradeço imensamente a Igor Gastal Grill, orienta- dor1 Este desta trabalho pesquisa, é uma a Elianasíntese Tavares de nossa dos monografia Reis e Wheriston de graduação da Silva em Neris, Ciências componentes Sociais na da banca de avaliação. Contamos também com o auxílio imprescindível de uma bolsa de iniciação2 Mestre emcientífica História concedida Social pela pela Universidade FAPEMA. Email: Federal [email protected] do Maranhão. 146 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964) lational, identifying the dimensions and principles of social hie- rarchy constituents of this space, considering the investments made in the cultural, political and social relations. Keywords: Literature; Politics; Social Resources; Strategies

INTRODUÇÃO

Detendo-nos sobre a análise das estratégias3 - cial acionadas por um conjunto de 37 agentes4 ingressantes na carreira literária no Maranhão entre os anos de de 1945 afirmação a 1964, soin- vestigamos uma série de interseções e lógicas de cruzadas, atu- ação e consagração em domínios que, a despeito de possuírem certos limites, apresentam-se imbricados, concomitantemente inseridos e penetrados por circuitos híbridos de funcionamento, o que implica em modalidades difusas no processo de consagra- ção destes agentes.

Quanto aos critérios metodológicos no processo de constitui- ção das variáveis utilizadas, orientamo-nos no sentido de apre- ender os diferentes usos dos recursos sociais, tangíveis ou não, em posse dos agentes analisados, como estratégias de inserção e espaço intelectual - nios pouco obstruídos por forças internas autônomas na forma deafirmação princípios no próprios de legitimação. Contudo, e “mecanismos tratando-se de de censura domí -

Portanto,a pautas exógenas”, semelhantemente estes diferentes ao cuidado usos empregadoprescindem porda “neces Eliana sidade imediata de reconversão de um domínio para o outro”.

3 Para Bourdieu, a noção de estratégia não diz respeito a um cálculo sistemático, mas à relação – também não plenamente inconsciente – entre as disposições incorporadas ao longo das trajetórias dos agentes e o que está em jogo no espaço social em que se inserem, ou seja, pelo acionamento de recursos tangíveis ou intangíveis condicionados a meio caminho entre as determinações objetivas e as disposições incorporadas.

4 Segue anexa uma lista com os nomes dos agentes em questão. 147

Franklin Lopes Silva

-

Reis na identificação dos diferentes recursos (herdados ou ad periféricasquiridos) que tomaremos possuíam esta os agentescirculação que entre analisara domínios (REIS, pela 2001, no- ção2007), de “papéis e tratando-se que são deendossados contextos e emque semelhantes solicitam dos condições seus pro- tagonistas o desenvolvimento de habilidades prescritas para o trânsito entre linguagens e domínios, assim com para o uso de

Paralógicas a construção multidimensionais” do que tratamos (REIS, 2007,por espaço p. 58). intelectual e análi- se das estratégias - nados, constituíram-se em importantes fontes para obtenção de de afirmação, disputas e repertórios nele acio promovidas por instituições dedicadas à consagração de persona- dados relativos aos agentes em questão, as publicações biográficas gens que se destacaram no cenário “intelectual” maranhense, como- a Academia Maranhense de Letras (AML) e o Instituto Histórico e sitesGeográfico particulares do Maranhão ou institucionais, (IHGM). Além entrevistas, destes, recolhemosmateriais produ infor- zidosmações pelos de biografias,movimentos livros culturais de memórias, de que participaram prefácios, antologias, e alguns - trabalhos acadêmicos que nos auxiliaram no mapeamento e carac- daterização a partir historiográfica destes trabalhos do períodopudemos em cotejar pauta discursose no conhecimento de posse, homenagens,dos “pares geracionais”, artigos, e perceberque constituem algumas os adesões casos em ou análise.oposições Ain e suas ligações por parentesco, amizade ou política entre os nomes a que se vinculavam. A relevância destes dados também se manifesta pelo destaque conferido aos movimentos culturais como espaços de publicação à dispensa dos incentivos públicos dirigidos a produ- çõesprivilegiados desta ordem, de afirmação bem como “intelectual”, do acesso através a semelhantes das possibilidades incentivos através de reciprocidades concedidas aos agentes pertencentes aos mesmos grupos. Além disso, o pertencimento a estes movimentos culturais lhes possibilitava o compartilhamento de sentidos, -

afir mados nas disputas pela afirmação entre agentes estabelecidos e 148 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

- sos sociais na busca pelo reconhecimento dos mais reconhecidos a substituição por novos “autores”, em posse de diferentes recur- da quanto a este processo de hierarquização social, cumprem as instituiçõese de poderem um reivindicar-se importante papel“escritores” no decurso (BOURDIEU, da consagração 2005). Ain e - cristalização biográfica de alguns personagens ilustres. Por exerce Estasrem localmente trazem entre este seus papel, patronos duas destas e fundadores instituições nomes têm destacadaconsagra- importância no desenvolvimento deste trabalho: o IHGM e a AML.- construindo-sedos na, e pela, historiografia sentidos de grupo maranhense, cultivados como referen quaisciais estratégicos alguns se aglutinam no processo reivindicando-se de auto afirmação; continuadores em alguns de casos um (REIS, 2007, p. 295), em torno dos como parâmetro de superação, caracterizando-se pela reivindica- legado da “tradição literária maranhense”, ou tomados por outros-

ção de uma “literatura marginal” e inovadora, que busca outros “es tilos”, temáticas e formas de reconhecimento. Posições no espaço e produção literária

Do ponto de vista analítico empregado neste trabalho, a análise da produção literária pressupõe a investigação do “sistema de desvios - pa fundamental para a investigação das disposições acionadas pelos do qual ela se situa no espaço das obras contemporâneas”. Esta eta- agentes em suas “obras” exige, inelutavelmente, a “apreensão es- trutural do respectivo autor” que se apreende a partir das “relações elementosobjetivas que que definem se destacam e determinam a partir do sua trabalho posição de no produção espaço de ideo pro- dução” (BOURDIEU, 2004, p.177-178). Assim, identificamos alguns lógica de suas vidas (Cf. BOURDIEU, 2005, p. 74-89) e cruzamo-los com as características mais distintivas entre seus perfis sociais, entreelaborados as condições a partir sociais da construção de ingresso de quadrosna carreira sinópticos. literária, Como a po- siçãoresultado que ocupapretendemos no espaço a demonstração intelectual maranhense das relações pelos existentes usos de 149

Franklin Lopes Silva recursos sociais herdados ou adquiridos por novos investimentos - rior etc.) e, a guisa de micro análises, a objetivação destas caracte- (formaçãorísticas em superior,alguns fragmentos experiências de publicações. em outros estados ou no exte

- sado na carreira literária entre os anos de 1945 e 1964, destaca- -seSem o perdermontante de vistade suas o fato primeiras de terem publicações estes “intelectuais” voltadas emingres sua conjugada ao período de ingresso destes agentes na carreira literáriamaior parte adquire para relevância o gênero ao poético percebermos (59,4%). as Esta relações observação entre jogo de relações em que se inserem e as mudanças ou perma- seus perfis sociais, suas consequentes posições ocupadas no de suas carreiras literárias. nências dos gêneros a que se dedicaram no ingresso e decorrer

Quadro 01 - Gênero da primeira publicação (%) N° de casos Poesia Gênero Romance 22 (59,4) Ensaio 3 (8,1) Teatro 4 (10,8) 1 (2,7) Conto 2 (5,4) Crônica 1 (2,7) Total Científico 4 (10,8) 37 (100)

Fonte: repertórios biográficos - ções literárias, os dados demonstram um número acentuado Considerando a idade dos agentes em suas primeiras publica terços se prolongarmos este período de ingresso na carreira li- com idade até 25 anos (29,7%), O percentual cruzamento aumentado entre as duasem dois va- terária até os 30 anos (51,3%). 150 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

- vos à primeira publicação – e considerando-se também o fato de riáveisse localizarem apresentadas estes agentesnos quadros em posições acima – sociaisidade e dominadas gênero relati no

- ministrativasdomínio da política, no estado, serem em identificados geral voltados sob à aprodução mesma categoria cultural, de “escritores” e em sua maioria (75,6%) exercerem funçõesestraté ad- gico relativamente homogeneizante, com vias às modalidades apontam para a existência entre eles de um princípio - de trabalho “intelectual” mais rentáveis e gratificantes, homolo gamente tendentes à aproximação/distanciamento comentradas o polo emais transcorrer dominante/dominado de suas carreiras do literárias.estado, percebidas a partir dos gêneros de publicação aos quais mais se dedicaram nas A importação de referenciais oriundos de países mais centrais insere-se também entre os importantes recursos acionados por veja-se a lista de autores enfatizada por Nauro Machado quando alguns desses agentes nas disputas que travam. A exemplo disso- indagado acerca de suas principais influências literárias. Figu ram entre elas: Dostoievski, Thomas Mann, Rimbaud, Mallarmé, reconhecimentoBocage, Baudelaire, que entre possuem outros. e osA importação estilos de vida de seus construídos “estilos” e temáticas literárias acompanha, por analogia, a expectativa de- nio desses referenciais, a reivindicação de um assemelhamento passapelo trabalho a ser utilizado de produção como um de suastrunfo biografias. nas disputas Assim, que pelo trava, domí ser- universovindo-lhe social, ainda taiscomo a titulação um reparo escolar, à carência a inserção de outros em importan recursos- tesidentificados redes em nossa pesquisa como mais valorizados neste

de relações sociais ou a experiência com “movimentos culturais” ou políticos em contextos de maior destaque nacional. Assim se observa no seguinte trecho: Minha poesia, posterior à daqueles anos iniciais, fez-se in- fluenciar, sobretudo, por paradoxal que seja, pela leitura apai- 151

Franklin Lopes Silva

xonada dos grandes romancistas mundiais, como Dostoievski, com sua angústia metafísica e dolorosa consciência do mal, e Thomas Mann, pelo seu incurso nos domínios sombrios da morte e da arte. Minha poesia, seus sonetos que o digam, foge por completo aos cânones daquela geração [“geração de 45”, considerada precursora do ‘modernismo’ no Maranhão], que reputo, contudo, importante pela expressividade de alguns nomes que a compõem [refere-se com freqüência a Lucy Tei- xeira, José Chagas, e Ferreira Gullar]5.

Quanto à relação entre os tipos de publicação de estreia e os principais cargos públicos ocupados ao longo de seus percursos sociais, observa-se que aqueles que iniciaram a carreira literá- - ria investindo em gêneros relacionados à economia ou ao direi to, tenderam a ocupar postos mais próximos do pólo dominante da administração pública (Procuradorias, cargos de destaque em comoinstituições de maior voltadas relevância à produção no decorrer cultural, de suasSecretarias carreiras e chefias literárias. de gabinetes etc.), mesmo que estes gêneros não se tenham afirmado Destaca-se o alto número de escritores que estrearam na literatu- ra com a publicação de poesias e o pequeno número de ocupantes uma correlação entre as condições sociais de acesso a estes postos de altos cargos públicos entre eles, o que nos indica a existência de - çãoe a tendência e os níveis a determinadosdos cargos administrativos tipos de produção ocupados literária, ao longohavendo de suasinclusive carreiras pouca literárias. mobilidade Quanto entre a oestas gênero mudanças, da primeira destacam-se publica

Jomar Moraes e José Sarney que iniciaram com o gênero poético e acompanhoupassaram a dedicar-se o destaque – queembora adquiriram, não exclusivamente na administração – a estudos públi- cabiográficos vinculada e àao produção romance, cultural, respectivamente, no caso de inflexão Jomar Moraes,que também e no espaço do poder político, com José Sarney alçando à presidência

5 Entrevista concedida a Ricardo Leão em maio de 2003, disponível em: http://www. revista.agulha.nom.br/nauro1.html 152 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

da República. Demonstra-se nos quadros abaixo a relação entre o gênero de ingresso na carreira literária e o nível dos mais altos- -secargos o quadro públicos que por demonstra eles ocupados. os critérios Os textos utilizados de cunho para jurídico a hierar e- econômicoquização dos foram cargos agrupados públicos, no conjugados gênero científico. ao número Antes, de observe agentes que ocuparam tais funções.

Quadro 02 - Cargos públicos mais altos ocupados

N° de casos 1 Cargos 1 Chefe de gabinete (estado) Agente Fiscal de Tributos Federais 1 Chefe do Departamento Econômico do BNDE 1 Alto 1 Secretário Geral do Conselho de Desenvolvimento (RS) Auditor Fiscal de Rendas da Secretaria da Fazenda 1 General do Exército Promotor Público 1 1 Procurador Federal 1 Chefe do Contencioso da Caixa Econômica Federal Auditor Fiscal do Estado 1 1 Direção de hospitais 1 Chefe da 3° Inspetoria Geral da FUNAI 1 Reitoria da UFMA 1 Chefe de Gabinete (Município) Médio 1 Direção da Secretaria do Tribunal de Justiça 2 Membro do Conselho Estadual de Educação 1 1 Membro do Conselho de Contas do Município 1 Direção do IBAC - Membrotro da administração do Conselho Nacionalpública, como de Direito Redator, Autoral Porteiro, “FuncionárioMúsico da Banda Público” Militar, (cargos etc.) pouco expressivos den BaixoNão In- 8 forma- 9 dos Total 37

Fonte: repertórios biográficos 153

Franklin Lopes Silva

Quadro 03 - N°Gênero de casos da 1° obra eAltos nível do cargoMédios público mais altoNão ocupado informados (%) Poesia Gênero Baixos Romance - - 22 (59,4) 2 (5,4) 6 (16,2) 7 (18,9) 7 (18,9) Ensaio - - 3 (8,1) 2 (5,4) 1 (2,7) Teatro - - - 4 (10,8) 3 (8,1) 1 (2,7) - - 1 (2,7) 1 (2,7) - - - 2 (5,4) dos cargos Níveis 1 (2,7) 1 (2,7) Conto - - 1 (2,7) 1 (2,7) CrônicaTotal Científico 4 (10,8) 3 (8,1) 1 (2,7) 37 (100) 10 (27,0) 10 (27,0) 8 (21,6) 9 (24,3) Fonte: repertórios biográficos Outro dado relevante sobre o total de casos analisados trata da investimentos escolares feitos ao longo de seus percursos so- correlaçãociais. Aqueles entre que os se principais encontravam gêneros mais a propensosque se dedicaram à dedicação e os - deram a investir na formação escolar mais humanística, como a estilos mais exigentes literariamente (romances, poesia) ten superior – o que ocorre na maioria dos casos dedicados à poe- sia.filosofia, Já entre história, os que ou se mesmo aplicam não principalmente chegaram a possuir à publicação formação de rigor, na formação em direito. Em grande parte descendentes de famíliasensaios, atuantescrônicas ouno trabalhoscenário político científicos, – algumas tenderam em processo a investir, de a - usosdesclassificação dos recursos, social, tangíveis outras ede intangíveis, ascensão e adquiridosafirmação enquanpor he- rançato classe e dos dominante investimentos – estes em “intelectuais” títulos escolares se situam e inserções através dosem - dições e possibilidades estabelecidas pelas transições políticas movimentos de cunho cultural e/ou político, atendendo às con daquela conjuntura, em nível nacional e “local”. Entre os que não comsão membros pós-graduação. da AML Além (18, destes, correspondente 2 possuem a nível48,6% fundamental do total) é epredominante 4 escolaridade a titulação em nível escolar Médio. em Sobre nível 5 superiordeles não (5) obtivemos e 2 casos 154 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964) informações quanto à sua escolaridade. Quanto à titulação esco- lar entre os membros da AML, dividem-se em 1 com nível fun- damental, 3 com nível médio e também prevalece a formação superior com 7 casos e outros 2 com pós graduações. Também é aproximado o número de casos não informados, 6. Socialização, sociabilidades e constituição de sentidos

Além da importância que adquire a capital do estado como prin- cipal centro de investimentos escolares feitos por estes agentes, outro elemento que contribuiu para que se concentrassem nesta

- cidade os “vocacionados” à “literatura”, processo iniciado ainda dosna Primeira principais República serviços com de imprensa, os Novos Ateniensesque se constituíram (Cf. NASCIMEN em es- TO, 2011; MARTINS, 2006; BORRALHO, 2011), foi a aglutinação coalizões paços privilegiados de atuação destes “intelectuais”, bem como a- possibilidade de inserção em “movimentos culturais”, e a proximidade com importantes espaços de publicação tam bém livresca, fossem de domínio público (Serviço de Imprensa aose Obras grupos Gráficas faccionais do Estado,, como as Secretaria revistas, jornais,Estadual editoras de Cultura etc. todo- dosMaranhão, com destacada Fundação concentração de Cultura do em Maranhão São Luís. Tomemosetc.) ou privados a loca-

Benedito Leite e que circularam durante o período de 1945 a lização dos jornais identificados no acervo da Biblioteca Pública

A1964 atuação como jornalística demonstração confere desta à centralidade:maioria dos agentesdos 68 jornais, em ques 52- (76,4%) localizavam-se em São Luís (Cf. SILVA, 1981). por seu intermédio podem glosar-se na reivindicação e críticas dastão (25)pautas um legítimas, status equivalente também aolhes de enseja “intelectuais”: a publicação ao passo de crôque-

faccio- nalmentenicas, contos,. Além poesias disso, servem-lhese outros gêneros os jornais próprios como à importantesliteratura, e espaçospor meio de destes “sociabilidades afirmam-se e socialização, e distinguem-se de tomadas literária de e posição 155

Franklin Lopes Silva e criação de vínculos variados etc. de cristalização de lógicas de

Movimentosidentificação e Culturaiscompetição” e Engajamentos (REIS, 2007, p. 163).Políticos analisados cumprem dois importantes papéis relacionados às observaçõesOs “movimentos feitas literários” acima. Por dos um quais lado servemparticiparam aos agentes os agentes como espaços de mobilização e constituição de coalizões que se carac- terizam, como observa Boissevain, pela fragilidade das organi- entre os indivíduos, sua instabilidade, efemeridade e concentra- ção,zações principalmente internas, das interdependênciasem seu formato faccional e compromissos mútuos que dispõem, os membros destas coalizões agem,, na figuraatendendo de um a seuslíder objetivos(BOISSEVAIN, momentâneos, 2003). Através constituindo dos usos repertórios dos recursos próprios sociais em torno de noções estético-literárias, políticas e ideológicas, que implicariam, portanto, na reivindicação da posse legítima - comodos modos importantes de ser espaçose do “estilo de socialização literário” do e constituiçãoautêntico “ser-poe de sen- tidosta”, além, promovendo de outras noçõesuma certa reivindicadas. homogeneidade Por outro entre lado os servemgrupos diversos, ainda que atendendo a interesses esporádicos, em tor- discussões em torno dos grandes autores etc.). Importa ressal- no de crenças e afinidades práticas e literárias (gostos culturais, partilhamento das dinâmicas de pertencimento e gozo de socia- tar que não apenas estes “movimentos” serviam à construção e informais quanto frequentes, devem ser percebidos como im- portantesbilidades (REIS,espaços 2007), de socialização também os e constituiçãoencontros corriqueiros, de redes sociais tão em torno da produção cultural. Ilustra um pouco esta assertiva o trecho seguinte: [...] bebi com Chagas durante cinquenta anos, era nossa trin- dade aqui: eu, José Chagas e o pintor Antonio Almeida. Nós 156 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

éramos três irmãos aqui, durante anos e anos nós bebemos [...] o Chagas é um grande poeta, basta dizer que ele é o au- tor do Canhões do Silêncio, aquilo vale tudo, aquilo abrange todo aquele bairro do desterro, as madames, as meretrizes, ele abarca tudo isso. O Almeida também foi um grande pintor, um intuitivo, porque não tinha uma formação, vamos dizer, “acadêmica”, mas era outro também que lia! O Almeida leu uma vez o Thomas Mann, rapaz, José e Seus Irmãos, ele lia aquilo e discutia até com as prostitutas e conversava com elas, sabe sobre o que? Modigliane e sobretudo Jesus Cristo! [...] Nós passamos a mocidade no Bar do Castro, no Hotel Central, no Bar do Pataquinha, mais de quinze ou vinte bares que existiam aqui [...] nós bebíamos e conversávamos sobre cinema, literatura, artes plásticas, música, Erasmo Dias não saía do Bar do Castro, nem Erasmo nem Bernardo Coelho de Almeida [...]6.

- Tambémtado, e em a alguns “drenagem casos dosde outros produtores países, da possibilitou capital” (CHARLE, algumas 1977),transformações conjugada e àso estabelecimento experiências sociais de novos trazidas referenciais de fora do lite es- rários e consequentemente a valorização e produção a partir de novos estilos e formas. Se em meados do século XIX temos presente na literatura maranhense a valorização do simbolis- mo, parnasianismo e do romantismo presentes na evocação de poetas como , Paul Verlaine, Charles Baudelaire e peloCamões, modernismo, os referenciais realismo, do vigésimo concretismo século e neo-concretismo, – tomados a partir re- verenciando-sedos agentes aqui autores analisados como – são, Fernando em sua Sabino, maioria, Flaubert, identificados Dos- entre outros. toievski, Edgar Allan Poe, Thomas Mann, Paulo Mendes Campos, Neste embate entre forças de conservação e de renovação em tor- - dos, um panteão que os referencie e diferencie, seja reivindican- no da “literatura”, pretende-se impor, junto aos estilos reivindica 6 Entrevista concedida a Franklin Lopes em agosto de 2010. 157

Franklin Lopes Silva do-se seus herdeiros ou epígonos nos casos mais tradicionais, ou - - turainvestindo a AML contrae o IHGM os emvultos sua estabelecidosrelação com os exigindo Patronos, sua Fundadores substitui ção. Quanto ao primeiro caso é exemplar a forma como se estru um sistema de parentesco de Cadeiras e Ocupantes, cuja genealogia funciona à espécie de , conforme descreve Alfredo Wagner: Tem-se um conjunto de autores, representados como per-

que ampara a criação das cadeiras e seus respectivos fun- dadoressonalidades e demais e figuras ocupantes. tutelares Por da disposiçõeshistoriografia estatuárias regional,

uma cada fundador, cadeira que corresponde representa um aquele patrono, que uma evoca figura o patrono como ao“autoridade criar um assento em história, na instituição. ou geografia O nome e ciências dos patronos afins”, e jamais poderá ser substituído pelos vindouros ocupantes das cadeiras conforme reza o art. 31, § Segundo[Regimento

fundamentos das tradições letradas, permitindo aos que aspiramInterno da lugares AML]. nos Seus panteons nomes mantêm e galerias vivas de e“vultos encarnam mara os- -

nhenses” uma relação em linha direta com os seus prote tores (ALMEIDA, 2008, p. 29). osOcorre agentes ainda geralmente que, condicionadas transitam as por lógicas vários de movimentosconcorrência bus e as- estratégias de afirmação à interferência de princípios externos,- rio combinados a outros domínios, sendo a política o principal deles.cando Entremelhor os posicionar-se 37 agentes analisados, através dos tivemos usos do 19 exercício participantes literá que aponta para um intenso trânsito dos agentes por estas es- destetâncias, tipo apesar de mobilização de uma relativa para variedade 7 movimentos das temáticas identificados, reivindi o- cadas pelos “movimentos culturais”. Preferimos utilizar o termo “cultural”, em seu sentido mais genérico, por não se vincularem- todos estas mobilizações estritamente ao exercício literário, mas corresponderem a várias modalidades de ação (literatura, tea tro, artes plásticas etc.) e temáticas (cultura do Maranhão, meio 158 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

- ambienteo total de casos– a exemplo analisados do Movimento não obtivemos em favor informações da Ilha, capitane relativas ado por Nascimento Morais filho – etc.). Ressaltamos que sobre 2 dentre os 37 casos analisados não participaram de qualquer organizaçãoà participação desse em “movimentostipo. culturais” de 16, e sabe-se que

Quadro 03 - Movimentos culturais*

Nome n° de casos 9 Grupo Movelaria 5 GrupoCentro IlhaCultural Gonçalves Dias 3 3 Opinião 1 ApolôniaAfluente Pinto 2 2 Não informados 16 *AlgunsNenhum casos (declarado) se inserem em vários movimentos

Fonte: repertórios biográficos Este tipo de mobilização deve ser compreendido à luz da con- juntura em que se estabelece. Outrossim, superado o chamado Estado Novo, que no Maranhão transcorre sob a interventoria de Paulo Ramos, destacam-se entre os “intelectuais” expoentes- dose os contidos“movimentos” entre emos casos que se aqui engajavam, analisados), nomes reconhecidamente como os de José do Nascimento Morais Filho, José Sarney e Bandeira Tribuzi (to- po Movelaria Guanabara, respectivamente. No interior destes lideranças do Centro Cultural Gonçalves Dias, Grupo Ilha e Gru-

“movimentos”Manuel Sobrinho, destacam-se, Tobias Pinheiro, vinculados Dagmar ao Centro, Desterro, Bernardo Ferreira Co Gullar,elho de Lago Almeida, Burnett, Nascimento Bandeira Moraes Tribuzi Filho,– deslocando-se Vera-Cruz Santana,logo de- 159

Franklin Lopes Silva pois para o Grupo Ilha. Em torno deste último transitavam José

Movelaria Guanabara, uniram-se Antonio Almeida e Lago Bur- Sarney, Bello Parga, Carlos Madeira e Lucy Teixeira. Quanto ao

Taisnett, agentesque até utilizamentão compunha como principal o Centro estratégia Cultural Gonçalves Dias. domínio literário a reivindicação de representantes da “nova lite- de afirmação no ratura maranhense”, em posse de novos recursos e trunfos, alguns deles adquiridos em experiências fora do estado e no exterior.- Como exemplo podemos destacar alguns elementos presentes no formaraperfil de emLucy Direito, de Jesus amiga Teixeira, dos melhoresobservados intelectuais por Arlete mineiros Noguei dera daentão, Cruz e Machado:consciente “recém das modernas chegada conquistas de Belo Horizonte literárias onde de seu se

Europa pela primeira vez como bolsista do Governo italiano. Re- tempo” (CRUZ, 2003, p.36). Nascida em Caxias, Lucy residiu na- tão promoveu diversas atividades literárias e de artes plásticas. Muda-segressou a para São oLuís RJ em em 1949, meados continuando da década a depublicar 40 e a em partir jornais de en e a longa atuação no jornal O Imparcial, de São Luís. Além de partici- parcolaborar do grupo com Movelaria diversos suplementosGuanabara, organizou literários, ema exemplo São Luís, de com sua fundação do Movimento Anti-Quentismo, segundo ela “de repú- Ferreira Gullar, o Congresso Súbito de Poesia, do qual resultou a- ras do Grupo Ilha, do qual também participaram Bandeira Tribuzi edio José ao Sarney.sentimento Formada fácil emem poesia”,direito pelafoi também UFMG, dedicou-seuma das fundado princi- palmente à produção de crônicas e poesias; ocupante da cadeira - tantes cargos públicos, destacando-se o de Diretora da Secretaria don° 7Tribunal da AML de (recebida Justiça do por Maranhão. José Sarney); ocupou também impor

À época do que a historiografia e crítica literáriaetiquetado local passaram a denominar de “modernismo literário” no Maranhão – entre os anos de 1945 e 1950 –, inicia-se o período (GRILL, 2010) por “oligarquia vitorinista”. Tais epígrafes consagradas 160 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

- pelatantes historiografia elementos para local compreendermos às diversas fases daos políticausos estratégicos maranhense da não têm por fortuitas suas origens e podem nos fornecer impor dos grupos em torno de um passado comum reivindicado. memória e das referências ao passado como forma de coesão de uma nova geração e rearranjos faccionais e pressupõe a con- sagraçãoComo mencionado de um novo acima, panteão este que, processo sob os acompanhaauspícios de o epígonos ascenso - cionamentos em torno de determinadas problemáticas e suas respectivase continuadores posições dos eseus oposições. feitos heróicos, Assim ocorre redefinem com os seus usos posi das emterminologias torno dos quais “magalhãesistas”, aglutina-se um “vitorinistas”, conjunto de “oposicionistas”, agentes ou vin- “ilha rebelde”, “Atenas brasileira”, “decadentismo”, entre outros, faccional - culam-nos seus opositores: no primeiro caso como estratégiagrupo opos de- afirmação , no segundo também como afirmação, po- rémcionistas, a partir caracterizando-os da desqualificação como e estigmatização apoiadores de douma oligarquia queto, a já exemplo adentrava da categoriasua segunda “vitorinismo” década de mandonismoenfatizada pelos local, oposi con- trário às tradições maranhenses de um passado de lutas pela li- berdade e “dependente das fraudes eleitorais para permanecer no poder” (CRUZ, 2003, p. 44). etiquetas acionadas nas disputas intelectuais e políticas no Maranhão Como observa Igor Grill, estas

[...] são categorias ativadas como critérios de aproximação e de estabelecimento de clivagens, mediante as quais as lutas faccionais que atravessam o espaço da luta política no plano estadual se definem e redefinem [...]

(GRILL, 2010, p. 1).

Envoltos pela atmosfera de disputas faccionais entre “vitorinis- 161

Franklin Lopes Silva

- hesitaramtas” e “oposicionistas” em se posicionar que (de)marcaria fazendo uso dea historiografia suas “vocações mara lite- nhense, os “intelectuais” da segunda metade do século XX não- tas políticos de outrora nas lutas pela libertação do Maranhão, rárias”, dando prosseguimento à tarefa herdada dos protagonis- - emtantemente direção àreinventado retomada do conforme seu mítico se rearranjampassado glorioso, os grupos de exu em berânciadisputa. Estaeconômica, observação política ganha e cultural, relevância cujo para significado este estudo é cons ao percebermos que, no universo analisado, as principais posições dentre os cargos eletivos e da administração pública são ocupa- faccionais, aliadas ao grupo dos oposicionistas, que se impôs na posição de dominante dosno espaço por figuras do poder proeminentes político maranhense. nas disputas

Lieux du Milieux

Os espaços de publicação recebem aqui o tratamento de lugares lieux), no sentido empregado por Eliana Reis, como espaços de

( - “expressãomilieu). oficial Estes doslugares grupos” apresentam-se, (REIS, 2001, portanto, p. 25) e de como criação fontes de privilegiadaslaços de identificação, para a análise vínculos do trabalho afetivos de e sociaisconstrução entre da os memó agen- tes ( se distinguiam por coalizões distintas. ria dos agentes e grupos que por eles ligavam-se, afirmavam-se e Entre estas alianças, destacam-se as facções em torno de movi- mentos políticos e literários, que propiciavam também o contro- le de importantes espaços de publicação, ensejando inclusive

Sãoo ingresso José, da de Arquidiocese diversos autores de São na Luís. carreira Gerenciada literária. por A Bernardo exemplo da importância desses espaços de afirmação temos a Tipografia

ManuelCoelho deLopes Almeida e Nascimento – entrementes Moraes incluídoFilho –, fundador entre importantes da revista estreias como as de José Chagas, Nauro Machado, Nacedo Neto, 162 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

Legenda e também publica várias obras de colaboradores desta reviosta no período analisado, além de lançar outros livros de estreia, como o de José Chagas, Canção da Expectativa (1955).- Pelo Centro Cultural Gonçalves Dias Lago Burnett lançou sua primeira obra, Estrela do Céu Perdido (1949) e através da revis ta Afluente edita alguns livros de sua autoria, como O Ballet das Palavras (1951) e Os Elementos do Mito (1953). Além destas, osVoz que no Silêncio,não chegaram de Manuel a publicar, Lopes (1953);mas participavam Canção Inicial, dos deconse José- lhosSarney editoriais (1954) organizados e Iceberg de por Macedo estes Netoespaços, (1955). é o caso Há também de Luís

Ilha, Fundada pelo Grupo Ilha, sob as lideranças de José Sarney e Carlos Bello Parga, que integrava o conselho editorial da revista entanto, as vinculações destes agentes a determinados lugares Bandeira Tribuzi, da qual também participava Lucy Teixeira. No- -se os demais posicionamentos tomados em domínios diferen- ciadose “movimentos e considerados culturais” estrategicamente devem ser analisadas como oportunidades relacionando para o estabelecimento de alianças que retroalimentam suas variadas formas de atuação – facilidades de publicação, nomea- ção para cargos públicos etc. Desta forma a ocupação de cargos públicos vinculados a atividades culturais como a Secretaria de constituem-se em estratégias privilegiadas para as relações de aliançaCultura, faccionalFUNC, SIOGE,, que Conselhoimplicam Estadualem relações de Cultura de trocas e o eIPHAN, retri- elevadobuições dosentre agentes estes “intelectuais”, que ocuparam no tais trânsito funções entre administrativas, os domínios buscandopolítico e literário.através doAssim granjeamento considerados, das justifica-se instâncias oculturais percentual do - - tivaestado, autonomia condições deste de sobrevivência,espaço, não lhes econômica poderia ofertar. e principalmen te literária, que um contexto como o maranhense, sem uma rela Outra importante estratégia utilizada pelos agentes, principal- paramente si ema valorização posições mais de princípios,dominadas recursos no processo e práticas de afirmação que se intelectual, é a referência a nomes consagrados, transferindo 163

Franklin Lopes Silva

- do por ocasião do falecimento do escritor Nascimento Moraes sabemFilho, neste, deles. além É exemplar de referir-se o artigo diretamente produzido ao por autor, Nauro insere Macha co- - trabalhomentários social de outros de consagração, escritores consagrados.de retribuição Cabe e de aindaapropriação obser var a ocorrência de uma espécie de “divisão e hierarquização do coletiva dos feitos do homenageado” (GRILL, 2010, p. 8). Seguem alguns fragmentos do referido artigo: - plar por toda a sua vida, citando-me o nome como o de um Nauro Machado: Comigo ele [Nascimento Moraes] foi exem- -me todas as vezes em que eu era atacado na minha vida grandepública, poeta, aconselhando-me, no exagero que o quelhe era fez peculiar, por inúmeras defendendo vezes, para ir morar no , onde, dizia ele, eu teria meu renome assegurado como escritor e poeta.

- tãoFerreira fazia Gullar:da sua Maispoesia que instrumento todos nós, era de Nascimentoluta em defesa Morais dos interesseso que tinha nacionais. maior consciência das questões sociais e já en

- Arlete Nogueira da Cruz Machado: Depois do movimento que liderou, a partir de 1945, Zé Morais publicou vários li- dadão,vros, entre estimulador eles Clamor de talentos,da Hora Presente,defensor quedos seráinjustiçados, lançado veementehoje na sua voz quarta contra edição. ímpios Poeta,poderosos, professor, incansável autêntico pesqui ci- sador, acabou por descobrir a primeira romancista mara- nhense, Maria Firmina dos Reis, apresentando-a ao Mundo através de festa memorável7.

Outra observação a ser destacada nestes recortes é a semelhan- ça entre os elementos enfatizados acerca do mesmo sujeito refe- rente e as respectivas posições ocupadas pelos agentes. Assim, Nauro Machado salienta as relações pessoais com o homenage-

7 (Supl. Cult. e Lit. JP Guesa Errante. Edição 221 de 10 de setembro de 2010). 164 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964) ado, lembrando os elogios que dele recebia como “grande po- e conselheiro insistente de sua mudança para o Rio de Janeiro eta”, além de protetor dos ataques que sofrera na vida pública seguida, Ferreira Gullar enfatiza o pertencimento ao mesmo grupoonde teria seu “renome assegurado como escritor e poeta”. Em voltando-a (refere-se para osaos problemas movimentos sociais Movelaria e dos interesses Guanabara nacionais, e Centro muitoCultural semelhantes Gonçalves Dias) às principais e destaca características o engajamento enfatizadas de sua poesia, em - - suas biografias. Por fim, Arlete Nogueira da Cruz realça a princi pal função que cumpriu à frente da SECMA na publicação de vá rios trabalhos de maranhenses, exaltando o homenageado como Também“estimulador acompanham de talentos”. as intervenções de Nauro Machado o que poderíamos chamar, como Bourdieu, de “dialética do res- sentimento que condena no outro o que deseja para si próprio”- (BOURDIEU, 2002, p. 32), manifesta pelo rechaço frequente dos Oescritos anverso e projetosdesta postura dos acadêmicos é sua angústia que, por segundo um reconhecimento ele, “literaria mente não significa[m] nada porque não têm atuação literária”. poesia, em falas que a esta recusa mescla-se a satisfação por um local, sempre refreado pela resistência à popularização da sua como os verbetes relativos à sua poesia presentes em alguns di- sempre reafirmado reconhecimento nacional e internacional, cionários internacionais de literatura: - res muito bons, lógico né, mas só quem me conhece. Algu- mas[...] eu pessoas tenho atualmente,sérias que escreveram existem leitores sobre fora a minha daqui, poesia, leito eu faço parte de boas antologias, inclusive algumas na Euro- pa [...] eu tenho bons amigos poetas, colegas que me respei-

não conhece? Foi até presidente da Academia Brasileira de tam como poeta, um exemplo: Ivan Junqueira, você conhece, mas ele é um grande poeta, traduziu tudo do T.S. Eliot, Letras, isso não significa muita coisa, ser presidente da... 165

Franklin Lopes Silva

Andrade respeitava muito minha poesia, pessoalmente dei Baudelaire e Émille Thompson. [...] o Carlos Drummond de

duas carreiras nele na Cinelândia, eu bêbado, 1958, ele era mineiro, caladão […] (loc. cit., p. 14). O projeto embargado de reprodução da notoriedade familiar se

Assim,manifesta sua na auto-apresentação sua carreira literária reporta-se como uma sempre “revolta a nomes submissa” con- sagrados(Idem, p. 33)internacionalmente às posições medíocres na literatura, impostas conjugandoconjunturalmente. a esta não sendo, portanto, fortuitas as eleições, para seu trabalho de característica a tentativa de assemelhação entre suas biografias,- auto-representação, de autores como Fernando Pessoa ou Char les Baudelaire, conforme os trechos de entrevistas:

circunscrito àquele pequeno espaço por ele habitado pro resto[...] todo da vida, o espaço do tempo literário dele que dele ele [Fernando passou em Pessoa] Lisboa, ficouape- nas alguns quilômetros quadrados, e o meu próprio espaço - te tradicional que é a parte de São Luís, aqui projeto Praia também está restrito quase que exclusivamente a esta par

Grande até mais ou menos Desterro […] (Ibdem). Nauro Machado não participou de qualquer “movimento cul- tural” e insere-se no perfil dos que ocupam os cargos públicos mais baixos, caracterizado principalmente pelo baixo grau de escolaridade; não teve experiências nacionais ou internacionais que poderiam ser utilizadas como trunfos (formação superior superior,em outros a breve estados, passagem convívio de com um personagenssemestre pelo expoentes colégio Mal do- letmodernismo, Soares, no exílioRio de etc.) Janeiro, – mesmo é mencionada não se tratando com destaquede formação em

–, também não é membro de nenhuma instituição dedicada à consagraçãosuas sínteses intelectual.biográficas (Cf.Este p.ex. conjunto RAMOS, de 1990; informações BRASIL, funda1994)- 166 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964) mentam a importância das relações pessoais, de compadrio ou parentesco, para o granjeamento do cargo que ainda hoje ocupa junto à Secretaria de Cultura do Maranhão, o que se demonstra nestas falas: Certa vez, naquele mesmo Canto do Protesto, Zé Moraes ver- berou contra a minha não permanência em um cargo comis- sionado da Secretaria da Cultura do Maranhão, criada por iniciativa da escritora Arlete Nogueira da Cruz, indo falar pessoalmente depois com o então Governador Luís Rocha, seu velho amigo, dele conseguindo (graças também à defe- sa que me fizeram vários intelectuais , como o nosso querido e grande ensaísta Franklin de Oliveira e de alguns membros da Academia Brasileira de Letras, e outras associações lite- rárias) que o recém nomeado Secretário da Cultura voltasse atrás, conservando-me ainda como Assessor daquele órgão cultural.

Ou quanto às homenagens que tem recebido: Mas a verdade é que de alguns anos para cá, sobretudo a partir do governo da minha querida amiga, senadora Rosea-

conterrâneos, sendo até mesmo nome de praça e tema da Escolana Sarney de Murad,Samba Turmaganhei odo reconhecimento Quinto, que ganhou oficial o dos carnaval meus

de São Luís no ano passado [2002], com um enredo baseado em minha vida e poesia (loc. cit., p. 6). - crises polí- Naticas ausência de destacados recursos econômicos,estrategicamente titulação esco lar,na importância ou de experiências política valorizadas de seus ascendentes por momentos e no domínio de de re- (cf. REIS, 2007), Nauro Machado investe ferenciais artísticos (literatura, artes plásticas, cinema, música etc.) como trunfo: Você sabe que o nosso sobradão, que é o sobrado da família 167

Franklin Lopes Silva

Machado foi ocupado pelos chamados “soldados da liber-

- dade”, tomaram conta do sobrado, da praça [do Largo do Carmo] toda foi tomada pelo povo, se alimentavam na pra [...]ça, vocêa cidade deve parou saber completamente dessa história [...]toda, e aquele né. Por sobrado quase umera domês meu [...] pai,o porto minha não mãe funcionava, era viúva a e marinha cedeu o nãosobrado funcionava para o

MarcelinoNeiva Moreira, Machado, ficou temcomo a pontechefe desseMarcelino, movimento, do Partido ele Ree o- publicano,meu tio General genro Linoúnico Machado, de Benedito o Lino Leite você [...] sabe, tanto irmão que tem do a ponte hoje do Benedito Leite e tem a do lado a ponte Mar- celino Machado, a rodoviária se chama Marcelino Machado. Aquele foi um movimento fabuloso, um momento sério con- livrariatra a posse Universal do Eugênio. que era [...] [...] desde a livraria aquela mais época antiga [década do país, de e50], que ali através ao lado desta [do Largolivraria do eu Carmo] tive a haviaoportunidade uma livraria, de ler a praticamente tudo que a livraria dispunha lá, do Raimundo de Almeida. Tive esta sorte, de ler sobretudo os franceses, dinamarqueses e caperva, né. Proust, Balzac, Zola, que eu quegostei pareça, muito que do Zola,reputo Scandinavo, ser um grande Strindberg, romancista, Flaubert, que dos eu achoingleses fabuloso também: também, Dickson, e sobretudo li muito [...] Dickson, um poeta por chamado incrível - - Edgar Alain Poe, que me influenciou muito. Basta dizer tam bém que ele influenciou quem: os dois monstros da literatu ra francesa, né: Baudelaire e Stéphane Mallarmé, sobretudo numaBaudelaire maneira que crítica traduziu com todos que eu os vejo Contos as coisas, Extraordinários quem sou eupara para o francês me equiparar, e até hoje, ao menos por incrível me rastejar que pareça,perto dos incrível gran- des críticos norte americanos que consideram o Edgar Alain

Enquanto os franceses reputam Edgar Alain Poe como um Poe de “segundo time” da literatura, você sabia disso, sabia?- grande mestre, que foi influenciador, em parte, do movi mento simbolista francês, através do Baudelaire, Stéphane- Mallarmé[...] Filosofia e cinema também, que eu sempre fui apaixonado pelo cinema, desde jovem eu não saía do cine- ted,ma, dado Mezzo,Éden e do do neorealismo Rox, outra sorteitaliano, minha da França porque Filmes, grandes da filmes passavam aqui [...] conheci filmes da Worm da Uni 168 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

Art Filmes, todos esses passavam aqui, eram lançados quase que simultaneamente aqui e no Rio de Janeiro [...] mas eu acho que eu tive essa sorte de viver através disso, de certa

maneira, porque você sabe que a imaginação às vezes vale mais do que a realidade, né poeta (loc. cit., p. 20). “Já disse dezenas de vezes, em circunstâncias as mais diversas, que só poderia ter escrito esses milhares de versos que com- põem meus trinta e seis títulos de poesia já publicados, viven- do em São Luís”. Assim Nauro Machado inicia o prefácio de sua trigésima sexta obra: “Pátria do Exílio” (2010). Título indicativo de uma das suas principais, e paradoxais, reclamações, ou seja,- onhecimento fato de sempre de que ter o vivido conteúdo em Sãode seusLuís. poemas O paradoxo se deve se deve princi ao- desejo manifesto de vivência em regiões mais centrais e o reco palmente a este “enclausuramento”. [...] pelo mastigar de um Pão Maligno com Miolo de Rosas - no e interno daquilo que constitui meu alimento verdadeiro, que(MACHADO, é a cidade 2008, de São p. 43-97)Luís e o como verbo a que explicar em mim os lados transformo exter num miolo de rosas, que desejo ser o coroamento do meu esquife poético, até chegar ao paraíso utópico que jamais vislumbrarei pela visão material do meu tato humano, visto se contemplado apenas à distância, através de uma Lisboa por mim tanto desejada e na qual meus pés reais jamais,

tenho certeza, haverão de pisar (MACHADO, 2006).

Diferentemente de Nauro, Ferreira Gullar é aquele que migra da periferia para o centro nacional. Filho de pequenos comer- ciantes de São Luís, engajou-se em importantes “movimentos culturais” e políticos como o Centro Cultural Gonçalves Dias- (através do qual publica seu primeiro livro, Um pouco acima do Chão – 1949), Grupo Afluente, Movelaria Guanabara, e lide rou junto a Lucy Teixeira o Movimento Anti-quentismo, todos 169

Franklin Lopes Silva

estes no contexto maranhense. Em 1962 ingressa no Centro importantesPopular de Cultura personagens (CPC) no da domínio União Nacional cultural dosnacional, Estudantes como (UNE), sendo eleito seu presidente em 1963. Em contato com Aragão, João das Neves, Denoy de Oliveira e Pichin Pla, funda comOduvaldo estes Viannao Grupo Filho, Opinião Paulo em Pontes, 1964. ArmandoTrabalhou Costa, como Thereza locutor - da rádio Timbira (que pertencia ao Governo Estadual), na re suplementovista do Instituto literário de do Aposentadoria Diário de São Luís. dos Comerciários,Já no Rio de Janeiro, como revisor de textos na revista O Cruzeiro (1951) e colaborou no- integratrabalhou a equipe como Revisorque elabora (e depois o Suplemento redator) Dominical na revista doManche Jornal te. Depois de trabalhar como redator no Diário Carioca, Gullar sucursal carioca de O Estado de São Paulo, jornal ao qual es- do Brasil (1955). Passa a trabalhar em 1962 como redator na taria ligado por quase 30 anos. Em 2004 passa a assinar uma coluna semanal de crônicas no Caderno Ilustrado da Folha de- São Paulo. Exilado em 1971 pelo Golpe militar sob a acusação de pertencer ao Comitê Cultural do PCB, partido ao qual se fi liara em 1964 (período em que exercia a direção da Fundação Cultural de Brasília), morou em Paris, Moscou, Chile e Buenos FerreiraAires, onde Gullar escreve, é Nomeado em 1975, pelo seu Presidente célebre PoemaItamar SujoFranco (1976), dire- trazido ao Brasil e divulgado por . Em 1992, que permaneceria até 1995. tor do Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (IBAC), cargo em É interessante notarmos a apropriação da obra deste autor seu ingresso na carreira literária e o reconhecimento alcançado nacomo maturidade. se houvesse Ainda um outrofio condutor elemento a conectar digno de ideologicamente destaque são as diferentes interpretações da “obra” ou de um “texto” específico Poemade um determinadoSujo representa “autor” a partir das posições ocupadas por seus intérpretes. Assim, enquanto para Otto Maria Carpeaux o sdfd

170 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

A encarnação da saudade daquele que está infelizmente longe

dele, na imaginação do poeta, o Brasil que lhe inspirou esses versos.de nós, Poema geograficamente, sujo mereceria e tão ser perto chamado de nós ‘Poema como está nacional’, perto - peranças da vida do homem brasileiro. É o Brasil mesmo, em porque encarna todas as experiências, vitórias, derrotas e es

versos ‘sujos’ e, portanto, sinceros (In: GULLAR, 2004).

Para os comentadores maranhenses, esse mesmo poema recebe

outros adornos:

quando entende que poderá morrer a qualquer instante, éPortanto, que nasce no oexílio, orgástico, noutro o delirante,momento odesesperado vertiginoso ePoema vital, Sujo, cuja centralidade está novamente no seu chão de origem. Nenhum livro deste poeta nasce de situação mais

na , onde Gullar se encontrava na época, estava vital e horrenda. Sabia-se, por exemplo, que a ditadura carros. E, então, o poeta Ferreira Gullar mais uma vez se voltaseqüestrando para a mitologia seus opositores pessoal ede explodindo-os José Ribamar dentro Ferreira. de Mais uma vez, das pedras-memória, da estopa e dos ven- tos, do tesou-monturo, do lodo e azulejo, do turvo e azul de

- rante,sua formação edição 221).em São Luís o poeta fixará firmemente neste poema seu locus e seu ser, que são um só. (In: O Guesa Er Toda a trama elaborada pela crítica literária maranhense acerca de Ferreira Gullar se tece abaulado sobre um baú de memórias de sua

terra natal. Vejamos alguns exemplos presentes em nota editorial de publicação do Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, publicado por ocasião do 80° aniversário de Ferreira Gullar:

de oitenta anos, principalmente se esse homem for um ci- dadãoNão é fácil brasileiro, criar a nascidobiografia no de Maranhão, um homem mais que precisamentechega à idade 171

Franklin Lopes Silva

numa casa com quitanda e quintal, na Rua dos Prazeres, esquinana cidade-ilha com Afogados de São [...]. Luís principalmente do Maranhão, especificamenteporque lendo as obras completas desse poeta, se tenha a estranha sensação de que ele, apesar de haver vivido fora de São Luís, desde os vinte e um anos de idade, nunca haja saído daquela casa com quitanda e com quintal. Principalmente se esse homem for o escritor Ferreira Gullar, que sacou que, para vir a ser

precisava do espaço pequeno de sua casa com quitanda e compoeta, quintal não precisava de onde pôde de um ler grandeo mundo. espaço Aos vinte geográfico. e um anos Só pôs tudo em miniatura no cérebro e no coração. Pôs a casa, pôs a quitanda, pôs o quintal, depois foi pondo o que estava

cidadedentro incluído.da saudade [...] eAchou não quis prudente, deixar por para isso, trás guardar [...] até seus que bensao final de percebeucabeça e coraçãoque na bagagemnalgum lugar estava mais todo seguro, o mapa onde da - cou-os em poemas. [...] Principalmente se esse poeta cantou pudessesua casa, preservá-lo com quitanda para e oquintal presente em eobras-primas para o futuro. geniais Colo

como A Luta Corporal, O Vil Metal, Dentro da Noite Veloz,- Na Vertigem do Dia, Poema Sujo, Crime na Flora, Barulhos e RuaMuitas dos Vozes Prazeres, e através esquina delas dos universalizou Afogados. São Luís do Ma ranhão, ilha onde nasceu, no dia 10 de setembro de 1930, na

É notório o investimento em voltar sua poesia para sua cidade- - de, a rua, a casa, o poeta. E se reivindica deste cosmopolita todas as-ilha, menções onde viveu ao passado seus primeiros como sinônimo anos. Tudo de seuse cristaliza: enraizamento a cida à - var, com certo tom de ironia, que a publicação de Toda Poesia terra natal que frutifica sua poesia. Convém, no entanto, obser - (2004), organizado pelo próprio autor, exclui de sua antologia- menteseu livro para de oestreia, Rio de Um Janeiro. Pouco Acima do Chão (1949), único edi tado em sua terra natal, dois anos antes de mudar-se definitiva -

Ocorre que são diversas as inflexões presentes na trajetória so cial e intelectual de Ferreira Gullar, seja quanto aos “estilos” ou 172 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

- modalidades de sua “obra”, tais como apontadas no item “obras do autor” da mencionada antologia (poesia, contos livros infan tis, ensaios, teatro, crônicas, ficção, memórias e biografia). - háO objeto sessenta de anossaudosismo é reivindicado, alegado atravésa um (Ferreira de seus Gullar)poemas, é comoa an ogústia que, “apesarpelo isolamento de haver do vivido outro fora (Nauro de São Machado). Luís, desde O que os vinte partiu e um anos de idade, nunca haja saído daquela casa com quitanda - chado), reclama uma poesia voltada pra fora, resignada pelo en- e com quintal”; o que jamais migrou para o centro (Nauro Ma loc. cit., p. 22); quase sempre comparado a personagens raizamento em São Luís: “a melhor viagem mesmo é a de quem fica” ( umade reconhecimento obra realmente internacional, singular, distinto como de exemploqualquer a poeta referência con- de Ricardo Leão: “Comparado a Fernando Pessoa, Nauro possui

Tendotemporâneo, em mente mesmo o que de suase observa geração” acima, (BRASIL, vejamos, 1994). a guisa de - chado e Ferreira Gullar com São Luís, a partir de suas “canções exemplo, as diferentes relações estabelecidas por Nauro Ma de exílio: 173

Franklin Lopes Silva

Canção do (D)Exílio Volta a São Luís

Não permita Deus que eu morra Mal cheguei e já te ouvi

Que a distância me socorra NestaE com terra turbinas em que me nasci:corra Egritar a brisa pra é mim:festa bemnas folhas te vi! De quem minha nunca cri.

De quem, minha, foi madrasta OAh, tempo que saudadeeterno é depresente mim! Desde o início ao anoitecer, no teu canto, bem-te-vi E que como gosma emplastra

Meu desespero de ser. como no passado ouvi) O infinito me desastra (vindo do fundo da via Nosso céu tem mais estrelas, bem te vi, te vi, te vi E logo os outros repetem: Nossos bosques têm mais vida. NossoMas, somentecéu tem maisa merecê-las, primores como no passado ouvi Têm a córnea pervertida. Como outrora, como agora, São os mendigos e as suas dores Quando o crepúsculo baixa: (vindo do fundo da vida) Carregadas nos andores as aves que lá gorjeiam ComoOnde defuntos cantou oem sabiá, caixa. nãoMeu gorjeiam coração comodiz pra aqui si:

E hoje canta, em outro ar, NenhumaCantou outrora ave, que a ascotovia. não há Nesta terra, morto o dia.

(In: MACHADO, 2008) (In: GULLAR, 2004)

Considerações Finais

A negação das impressões imediatas com relação à vocação li- terária é aqui substituída pelo esforço de compreensão desta atividade a partir da submissão dos agentes às lógicas de fun- tomando-se por objeto de análise o acionamento desta atuação cionamento de uma estrutura de relações sociais específica, 174 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964) literária enquanto estratégia um conjunto de agentes ingressantes na carreira literária entre de afirmação social investida por- ção vinculados às posições por eles ocupadas e que orientam, osrelativamente, anos de 1945 suas e 1964, tomadas identificando de posição os nomecanismos interior do de espaço atua intelectual maranhense. de personagens destacadas no cenário político e intelectual ma- ranhense – atuantes principalmenteConstatamos duranteque para o osinício descendentes do século XX, que, no entanto, enfrentaram uma vigorosa transformação social, em grande parte decorrente dos rearranjos faccionais que deslocaram seus ascendentes das posições politicamente domi-

status intelectual nantesapoiado –, nos o exercício usos do capital literário de notoriedadelhes serve ao do preenchimento grupo familiar ede a duaspossibilidade funções principais:de inserção a em manutenção redes de relações de um sociais situadas - tes. Não sendo a titulação escolar seu principal recurso social a meio caminho entre a “vala dos comuns” e os grupos dirigen , estes tenderam a pa- acionado,drões medianos, segundo com identificamos títulos adquiridos a partir 8em dos instituições dados coletados priva- utilizando-nosdas da capital ou do com método breves prosopográfico passagens por outros estados. Em em nível superior e da progressiva importância que estes adqui- um contexto de expansão, ainda que lento, do número de cursos rem no processo de consagração intelectual (cf. NUNES, 2002), os agentes destituídos deste recurso têm que se resignar a uma- dupla subordinação: suster-se à margem dos grupos dirigentes pela atuação literária e à dependência da política como condi sição mesmo, de sobrevivência já que neles de não suas havia obras nem – odisposição que se exemplifica nem detinham pelo recursoselevado número de publicações financiadas pelo estado – e de tenderam a ocupar postos pouco relevantes e vinculados à pro- dução cultural. para a profissionalização fora do serviço público, onde

Estas informações encontram-se melhor discutidas em Silva (2011).

8 175

Franklin Lopes Silva

uso estratégico das associações com os grandes feitos dos seus Enquanto aqueles se afirmavam, principalmente, através do seus ascendentes, outros, membros de novos grupos sociais em ascensão,familiares, tenderam com ênfase a investir sobre as na características aquisição de títulos intelectuais de forma dos- ou mesmo pós-graduando-se na capital e outros estados, todos adquiridosção superior em diversificados, instituições com públicas. maior concentraçãoEstes casos constituemem Direito, o perfil dos agentes melhor sucedidos em relação aos postos estado,públicos vinculando-se ocupados, exercendo a setores cargos jurídicos médios e econômicos e altos, além da sua de administração.serem os que mais Porém, se aproximamno que tange do ao pólo reconhecimento mais dominante literá do- rio, não cumpre à titulação escolar o papel preponderante, mas ao nível mais pessoalizado das lógicas sociais em jogo. Neste ponto a inserção em movimentos culturais e os engajamentos políticos faccionais se sobressaem. Os nomes mais consagrados literariamente dentre os 37 agentes que analisamos ombrea- ram os principais movimentos culturais ocorridos em São Luís nos idos de 1945 a 1964, com maior destaque para os que se inseriram ainda em redes de relações sociais e administraram alguns casos que viveram, ou vivem ainda, em Minas Gerais, Rio contatos qualificados em contextos mais centrais do país, como- de Janeiro, Paraná,espaço Bahia,. São Paulo ou no exterior, utilizando -se também destas experiências como importantes recursos de Apresenta-seafirmação neste assim uma contribuição inicial para a compreen- são dos condicionantes sociais e estratégias -

de afirmação literá dasria no adesões contexto e solidariedades maranhense. Asque dimensões integram ode sistema análise de apontadas relações sociaisneste trabalho em que interagem nos possibilitam os intelectuais em diante maranhenses, um exame mais tomando-se acurado esta noção a partir da atuação destes agentes nas imbricações entre os domínios político e literário, permitindo-nos um maior detalha- mento das relações intersticiais em que inserem. 176 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

ANEXO – Lista dos 37 agentes analisados

Antenor Mourão Bogéa

Bernardo Coelho de Almeida Clóvis Pereira Ramos Dagmar Destêrro e Silva InácioDurval de Cunha Mourão Santos Rangel Franklin de Oliveira (pseudônimo de José Ribamar de Oliveira Franklin da Costa)

JoãoJamil Miguel Jorge (pseudônimo Mohana de Jamil Daud Murad Hiluy) JomarJoão Batista da Silva Bastos Moraes Coqueiro

José de Jesus Louzeiro José doCarlos Nascimento Lago Burnett Moraes Filho

José Maria Nascimento José MariaFrancisco Ramos das MartinsChagas José Pereira Brasil José Ribamar Ferreira Gullar

José Tribuzi Pinheiro Gomes Bandeira Tribuzi José Sarney (José Ribamar Ferreira de Araújo Costa) Justo Sebastião Jansen Ferreira José Vera-Cruz Santana Magson Gomes da Silva Lucy de Jesus Teixeira

Manuel Alexandre de Santana Sobrinho MárioMaria daMartins Conceição Meireles Ferreira NauroMaria daDiniz Conceição Machado Neves Aboud

OsmarOlavo Alexandrino Rodrigues Marques Correia Lima Olímpio Martins da Cruz Raimundo Nonato Ferro do Lago TobiasOswaldino de Sousa Marques Pinheiro Filho

Venúsia Cardoso Neiva 177

Franklin Lopes Silva

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A Ideologia da Decadência -

: leitura an tropológica a uma história da agricultura no Maranhão. Rio de Janeiro: Editora CasaMARTINS, 8/FUA, Manoel 2008. Barros. Operários da Saudade: os novos atenienses e a in- vençãoBADIE, doBertrand Maranhão. & HERMET, São Luís: Guy. Edufma, Las 2006. Política com- parada dinámicas huérfanas. In: BOURDIEU,. México: Pierre. Fondo Razões de Cultura práticas Econômica, 1993. - : sobre a teoria da ação. Campinas: SP: Pa pirus,______. 2005. Leitura, leitores, letrados, Coi- sas Ditas. literatura. In: BOURDIEU, Pierre. ______. São As Paulo: regras Brasiliense, da arte 2004. : gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Análisis de re- des sociales BOISSEVAIN, Jeremy. Coaliciones. In: SANTOS, Félix Requena. BORRALHO, José. Barcelona: Henrique Siglo de P.Veintiuno, Terra e céu 2003. de nostalgia: tradição e identida- de em São Luís do Maranhão. São Luís: Café e Lápis, 2011. Actes de la Recherche en, SciencesCHARLE, Christophe.Sociales, année Situation 1977, spatiale volume et 13, position numéro sociale: 1, p. 45-59. essai de géographie sociale du champ littéraire à la fin du 19e siècle. -

CORADINI,Revista O. L. As Estudos missões Históricos da “cultura» e da «política”: confrontos e reconver sões de elites culturais e políticas no Rio Grande do Sul (1920-1960). Rio de Janeiro: , n° 32, 2003, p. 125-144. MA). 34° reunião anual da ANPOCS GRILL, Igor G. Os usos dos “ismos” em batalhas políticas e intelectuais (RS/ , 2010. - Revista Tomo GRILL, Igor e REIS, Eliana T. Letrados e Votados: Lógicas cruzadas do engaja mento político no Brasil. In: , n° 13, 2008, p. 127-168. - ranhense na primeira república. Anais do XXVI Simpósio Nacional de Histó- NASCIMENTO,ria Dorval do. Nosso céu não tem estrelas: o campo intelectual ma

NUNES, – ANPUH, Patricia São Maria Paulo, . julho 2011. Medicina, poder e produção intelectual : uma análise sociológica da medicina no Maranhão. São Luís: Edições UFMA/PROIN (CS), 2000. 178 LITERATURA, POLÍTICA E PESSOALIDADE: LÓGICAS CRUZADAS DE ATUAÇÃO NO ESPAÇO INTELECTUAL MARANHENSE (1945-1964)

Tempo Social SAPIRO, Gisèle. Elementos para uma história do processo de autonomização: o exemplo do campoOs literáriointelectuais francês. e a política no Brasil, 2004, p. 94-104. PÉCAUT, Daniel. : entre o povo e a nação. SãoREIS, Paulo: Eliana Ática, T. dos. 1990. Juventude, Intelectualidade e Política - : espaços de atua ção e repertórios de mobilização no MDB gaúcho dos anos 70. Dissertação de Mestrado______. em Contestação, Ciência Política, Engajamento UFRGS, 2001. e Militantismo - : da “luta contra a dita dura” à diversificação das modalidades de intervenção política no Rio Grande do______. Sul. Tese Referencialde Doutorado e mediação em Ciência na Política/UFRGS, produção de políticas 2007. públicas para a cultura no Maranhão. 33° Encontro anual da ANPOCS

, 2009. Intelectuales y poder em Argentina em la década del sesenta SIGAL, Silvia. Introdução: Intelectuales, cultura y política”. In.: SIGAL, Silvia. . Argentina: Siglo veintiuno de Argentina Editores, 2002, p. 1-17. apontamentos para a análise das entradas RevistaSILVA, Franklin Outros L.Tempos A Literatura Como Condição: na carreira literária no Maranhão contemporâneo (1945-1964). , V. 8, número 11, 2011Sociologia, – Dossiê História problemas e Literatura. e práti- cas WACQUANT, Loïc. Mapear o campo artístico. , n° 48, 2005, p. 117-123. Fontes de pesquisa

Antologia da AML, 1908-1958

Gênese. AML: da São Academia Luís, 2008. Maranhense de Ciências. ALMEIDA, Zafira da Silva de. SãoBRASIL, Luís: Assis. Editora A PoesiaUEMA, 2009.Maranhense no Século XX 1994. . SIOGE/Imago: São Luís, O Modernismo no Maranhão

CORRÊA, Rossini. . Corrêa & Corrêa Editores: Brasília, 1989. A presença do Maranhão na Câmara dos Deputados (1826-2006) COUTINHO, Milson. . Editora Legenda:Nomes São e NuvensLuís, 2007. CRUZ, Arlete Nogueira da. . Unigraf: São Luís, 2003. 179

Franklin Lopes Silva

DINO, Sálvio. A Faculdade de Direito do Maranhão (1918-1941) São Luís, 1996. . EDUFMA: GULLAR, Ferreira. Toda Poesia.

LEÃO, Ricardo. Tradição e ruptura José Olympio Editora: Rio de Janeiro, 2004. - : a lírica moderna de Nauro Machado. Fun daçãoLivro doCultural Centenário do Maranhão: da AML São (1908-2008) Luís, 2002. Trindade Dantesca . Edições AML: São Luís, 2009. MACHADO, Nauro. . Unigraf: São Luís, 2008. M. Dez estudos históricos Luís,MEIRELES, 1994, p. Mário 45-94. M. O ensino superior no Maranhão. In: MEIRELES, Mário (coleção documentos maranhenses). Alumar: São ______. Apontamentos para a história da Farmácia no Maranhão.

UFMA/CAPES:MOHANA, João. São A grande Luís, 1982. música no Maranhão. MORAES, Jomar. Perfis Acadêmicos. Edições AML, SECMA: 1993. São Luís, 1995. ______. Perfis Acadêmicos

______. Guia de São Luís do. Edições Maranhão AML, 1987. ______. Apontamentos de literatura maranhense. s/d. Terra timbira . SIOGE: São Luís, MORAIS, Clóvis.A intelectualidade. Brasília, maranhense 1980. RAMOS, Clóvis. : fase contemporânea. Centro GráficoSupl. Cult. do Senado e Lit. JP Federal: Guesa ErranteBrasília, 1990. : Anuário: São Luís, n° 3, 2005; n° 5, 2007; n° 6, 2008; n° 7, 2009 e edição 221Jornais de 10 demaranhenses setembro de (1821-1979)2010. SILVA, Celeste Amância Aranha e. . Func/ Biblioteca Benedito Leite: São Luís, 1981.

Recebido em 02.03.2013 Aprovado em 23.05.2013