O Poeta Do Grotesco, Vinicius De Moraes
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DANIEL GIL O POETA DO GROTESCO, VINICIUS DE MORAES Rio de Janeiro Setembro de 2019 O POETA DO GROTESCO, VINICIUS DE MORAES Daniel Vasilenskas Gil Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas — Literatura Brasileira. Orientador: Prof. Dr. Eucanaã Ferraz Rio de Janeiro Setembro de 2019 2 O POETA DO GROTESCO, VINICIUS DE MORAES Daniel Vasilenskas Gil Orientador: Professor Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas — Literatura Brasileira. Rio de Janeiro Setembro de 2019 3 Gil, Daniel. O poeta do grotesco, Vinicius de Moraes / Daniel Gil. -- Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2019. 176 f. Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, 2019. Referências Bibliográficas: f. 121-132. 1. Poesia brasileira. 2. Crítica. 3. Grotesco. 4. Feio. 5. Vinicius de Moraes. I. Ferraz, Eucanaã. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação. 4 RESUMO Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas — Literatura Brasileira. GIL, Daniel. O poeta do grotesco, Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) — Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Muito embora a poesia de Vinicius de Moraes seja celebrada mais especialmente pelo verso amoroso, ela possui, em mesma medida, um lado estranho, prolífico, e ainda pouco explorado pelos estudiosos. Uma grande quantidade de poemas tende aos domínios do feio, do anômalo, do quimérico, e faz do poeta, com a devida atenção, o maior herdeiro no século XX da poesia grotesca levada a efeito por Cruz e Sousa e Augusto dos Anjos. Essa tendência esbarra igualmente, outras vezes, no riso espontâneo do nonsense, da glutonaria, do escatológico e da incorreção. A tese de que Vinicius seja um poeta do grotesco se fundamenta nas numerosas e persistentes ocorrências da substância grotesca em toda a sua obra poética. Junto à leitura de alguns dos poemas em que ela ocorre, é possível consultar um rol de teóricos que contribuem de maneira decisiva para com os conceitos que a circundam. Reflexões estéticas que aproximam e contrastam textos de Bakhtin, Baudelaire, Hugo, Kayser, Schlegel e outros oferecem a linha condutora para a análise. Palavras chave: Poesia brasileira; Crítica; Grotesco; Feio; Vinicius de Moraes. 5 ABSTRACT Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas — Literatura Brasileira. GIL, Daniel. The poet of the grotesque, Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) — Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Even though Vinicius de Moraes's poetry is more especially celebrated by his amorous verses, that poetry has, to the same extent, a strange, prolific side, still largely understudied by scholars. A great deal of poems tends to the realms of the ugly, the aberrant, the chimeric, and that makes the poet, with due attention, the most prominent heir in the twentieth century of the grotesque poetry carried through by Cruz e Sousa and Augusto dos Anjos. Other times, that tendency comes up in the spontaneous laughter of nonsense, gluttony, eschatology, and incorrectness. The thesis that Vinicius is a poet of the grotesque is substantiated by the numerous and persistent occurrences of the grotesque substance in all of his poetic corpus. Alongside with some of the poems in which such element occurs, one can go through the thoughts of scholars who have made a decisive contribution to the encompassing concepts. Aesthetic reflections which juxtaposes texts by Bakhtin, Baudelaire, Hugo, Kayser, Schlegel, and others constitute the guiding line for the analysis. Keywords: Brazilian poetry; Criticism; Grotesque; Ugly; Vinicius de Moraes. 6 A Pedro Rafael, meu filho, que dividiu minhas atenções com este trabalho nos primeiros meses de sua vida. 7 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Eucanaã Ferraz, orientador — e companheiro sempre sem igual nessa jornada viniciana. Ao Prof. José Carlos Prioste que, em 2002, durante uma aula sobre Baudelaire, fez com que eu me atentasse às belezas do grotesco. À Vanesa — às conversas, à abnegação, ao Amor. 8 SUMÁRIO I. MOTIVOS 11-18 II. DE ROMA A HOLLYWOOD (W. KAYSER) 19-28 III. ARIADNE E OS SOGNI DEI PITTORI 29-39 IV. ZABUMBAS NAS CAVEIRAS (M. BAKHTIN) 40-52 V. O BANQUETE DO OMNÍVORO 53-62 VI. O FEIO ROMÂNTICO 63-77 VII. BAUDELAIRE NO MIRAMAR 78-88 VIII. É BELA A BOMBA? 89-97 IX. DE GREGÓRIO A VINICIUS 98-120 X. BIBLIOGRAFIA 121-132 ANEXO I (TREZE POEMAS) 133-163 ANEXO II (ICONOGRAFIA) 164-176 9 No bilhar de Van Gogh tudo estava imóvel Mas de repente entrou o jogador bêbado que eles diziam falido na vida E se pôs a jogar com tanta perfeição que os modelos adormecidos se levantaram E vieram ver e ficaram com gestos de aprovação na cabeça e se entreolhavam. Mas o mais belo foi quando ele deu a tacada seiscentos e sessenta e seis. A luz se apagou e todas as coisas mesmo cadeiras mesas vieram cumprimentá-lo E ali mesmo ele foi proclamado Diabo, porque, eles diziam Só mesmo o Diabo era capaz de jogar assim. (“O bilhar” In: Vinicius de Moraes: música, poesia, prosa, teatro. Org. Eucanaã Ferraz. Vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017, p.517-8.) 10 I. MOTIVOS (...) É proibido frequentar o cabaré do sublime. Liberdade é uma libertinagem. Limitar-se é bom, castrar-se é melhor. Passai vossa vida a vos conter. Sobriedade, decência, respeito pela autoridade, toalete irrepreensível. Não há poesia senão vestida com apuro. Uma savana que não se penteia, um leão que não faz as unhas, uma torrente não peneirada, o umbigo do mar que se deixa ver, a nuvem que se arregaça até mostrar o Aldebarã, é chocante. Em inglês, shocking. A vaga espuma no recife, a catarata vomita no golfo, Juvenal escarra no tirano. Ui, que nojo! Victor Hugo A ironia de Victor Hugo em sua apologia de Shakespeare1 é um exemplo saboroso do embate entre duas perspectivas teóricas que atravessam a história das literaturas e da crítica. Uma delas se concentra na razão, na laboração cerebral e na expressão dos artifícios; projeta-se, no mais das vezes, com muita austeridade emocional e imagética. Hugo a denominava — pejorativamente — de “escola sóbria”.2 A outra é mais propensa ao arrebatamento, aos extremos, e arrisca-se não raro a uma imagética fronteiriça ao mau gosto (ao que pode ser entendido dessa forma); e muito se inclina às paixões e aos contrastes incisivos, ao belo e ao feio, ao sublime e ao grotesco — revelando inclusive as afinidades existentes entre elementos opostos. É certo que, em alguma medida, os maiores escritores estão atentos a todas as possibilidades do fazer; e se encontram devidamente aparelhados para a execução de procedimentos e imagens 1 HUGO, Victor. William Shakespeare. Trad. Renata Cordeiro e Paulo Schmidt. Londrina: Campanário, 2000, p.159. 2 Op. cit., 158-9. 11 oriundos de ambas as perspectivas; o que, de modo geral, não os obsta à filiação específica a um dos lados e à defesa entusiasmada. Sem dúvida alguma, Vinicius de Moraes posicionou seu olhar de maneira contígua ao de criadores como Victor Hugo. Ainda que muito bem operasse aqueles instrumentos que podem oferecer à poesia um caráter cerebral — a ponto de antecipar, por exemplo, em “Última elegia”,3 um conjunto de recursos de vanguarda na poesia brasileira —, essa destreza no emprego de técnicas, na realização diversificada de formas, esteve sempre submetida a um protagonismo desassombrado de intensas paixões e perplexidades — como também dos delírios e das fantasias que pudessem ofertar mais significado aos vãos angustiantes de sua experiência com o real. A mestria converteu-se com igual relevância no intercâmbio muito característico do poeta entre componentes contemporâneos e tradicionais, inclusive no que tange à temática, à esfera semântica, ao plano do imaginário. A propósito, é preciso dizer que grande parte da melhor poesia brasileira publicada no século XX não foi exatamente endurecida, contida, antilírica, como faz parecer uma quantidade considerável de material crítico e teórico produzido ao longo do período. Bandeira, Cecília, Vinicius são poetas apaixonados, demasiados, melodiosos; Drummond é também um poeta dos sentimentos, do amor, conquanto sua dicção seja mais angulosa; restaria em sequência, ainda, o lirismo de um Quintana, de Hilda, de Adélia. Nem mesmo é cabível afirmar que uma perspectiva “sóbria” tenha sido a preferida entre os leitores nos círculos intelectuais de amplo espectro. Acontece que as atenções da teoria e da crítica mais institucionalizada, de fato, voltaram-se com maior interesse para outros campos de nossa poesia, preferindo a consciência ostensiva dos artifícios; a experimentação das vanguardas; a apurada contensão, a concisão de João Cabral; os aspectos mais racionais da poesia de Drummond. Antonio Candido percebe que o seu tempo “é um tempo que tende à ruptura, ao triunfo do ritmo e mesmo do ruído sobre a melodia, assim como tende a suprimir as manifestações de afetividade”; e que “Vinicius é melodioso e não tem medo de manifestar sentimentos, com uma naturalidade que deve desgostar as poéticas de choque, geralmente interessadas em suprimir qualquer marca de espontaneidade e em realçar o cunho de artifício”.4 É necessário registrar que, nesse contexto, as concepções 3 MORAES, Vinicius de.