<<

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA

MARIANA DE OLIVEIRA CANDIDO

VIDA MUSICAL EM CAMPINAS NA PASSAGEM DOS SÉCULOS: rupturas, permanências e novos caminhos (1889-1922)

CAMPINAS

2016

MARIANA DE OLIVEIRA CANDIDO

VIDA MUSICAL EM CAMPINAS NA PASSAGEM DOS SÉCULOS: rupturas, permanências e novos caminhos (1889-1922)

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de concentração Música: Teoria, Criação e Prática. Orientadora: Profa. Dra.Lenita W. M. Nogueira

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR MARIANA DE OLIVEIRA CANDIDO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA.

CAMPINAS

2016

Dedico este trabalho aos meus pais, Walderci e Vanilde.

AGRADECIMENTOS

Expresso nestas linhas minha grande gratidão

À minha orientadora Profa. Dra. Lenita Waldige Mendes Nogueira. Sua aceitação em me receber como aluna, auxiliando-me em meus primeiros esboços de pesquisa, ajudou a dar sentido às minhas ideias, por vezes inconsistentes. Sua longanimidade e paciência no decorrer dos semestres foram para mim preciosas, em especial nos momentos de dificuldades e incertezas.

Ao Instituto de Artes da Unicamp e ao Departamento de Música, e aos funcionários do Instituto e da Secretaria de Pós-Graduação.

À CAPES, pelo auxílio concedido através da bolsa de mestrado.

Aos professores e pesquisadores que se fizeram disponíveis e me auxiliaram em meu exame de qualificação – Prof. Dr. José Roberto Zan, Dra. Eliane Morelli, Prof. Dr. Marcos da Cunha Lopes Virmond e Prof. Dr. Jorge Schröder. Aos três primeiros e também à Dra. Maria Alice Rosa Ribeiro, agradeço por participarem comigo no momento final de defesa da dissertação.

A todos os professores das disciplinas cursadas durante o mestrado, cujas aulas deram-me mais perspectivas sobre a pesquisa musical e sobre minha própria pesquisa – Profa. Dra. Maria José Carrasqueira, Profa. Dra. Denise Hortência Garcia, Prof. Dr. Ricardo Goldemberg, Prof. Dr. Jorge Schröder, Prof. Dr. Marcos Virmond e Profa. Dra. Lenita Nogueira.

Aos funcionários das bibliotecas do Instituto de Artes, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Biblioteca Central Cesar Lattes, Instituto de Estudos da Linguagem, Faculdade de Educação, Instituto de Economia e do Centro de Memória da Unicamp.

Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth.

Aos funcionários do Centro de Memória da Unicamp, em especial à Denise, do Arquivo Fotográfico, e também ao diretor Fernando Abrahão.

Ao Museu da Imagem e do Som e à Eliane, do acervo fotográfico.

Aos funcionários do Arquivo da Câmara Municipal de Campinas.

Ao Centro de Ciências, Letras e Artes e seus funcionários. Em especial, à Mary Angela Biason, responsável pelo Museu Carlos Gomes, e à senhora Maria Alice, da Biblioteca Cesar Bierrenbach.

À professora Maria Luiza Ribeiro e à senhora Lélia, do Colégio Progresso, pelo acesso ao Memorial do colégio e seu acervo.

Ao simpático e paciente senhor Antonio Boscolo, do Centro de Documentação do Correio Popular, e à secretaria Sirleide, que tantas vezes me receberam em seu local de trabalho.

À Profa. Dra. Maria Sílvia Bassanezzi, pela amizade.

Aos meus pais, irmãos e amigos.

A Deus.

RESUMO

O presente estudo trata da vida musical de Campinas no período de transição dos séculos XIX e XX, entre os anos de 1889 e 1922, e busca identificar e observar seus caminhos e características desenvolvidos a partir das heranças musicais existentes, cujo movimento e maior relevância tiveram início durante os anos 1870. Durante essa década e pelos tempos seguintes, estabeleceram-se os principais fundamentos do universo musical na cidade, junto aos momentos de enriquecimento da vida cultural em florescimento no contexto do crescimento econômico impulsionado pela produção cafeeira nos territórios do município paulista, que se constituiu como centro urbano de referência nacional em seu processo de modernização. Como objeto histórico, a pesquisa procurou pela música em suas diversas formas de cultivo, usos e apreciações, inserida nos universo social, econômico e cultural da cidade, e revelada em parte como produto de complexas combinações desses fatores na grande trama de relações presentes no espaço urbano. O estudo buscou-a, portanto, envolta na variedade cultural e social de indivíduos e grupos ali existentes, entre aproximações e confrontos, imersos em um período de transformações políticas e de prementes questões sociais. Observaram-se ainda manifestações musicais segundo a diversidade de seus gêneros e suas variabilidades, alterações de práticas e funções no meio cultural em que emergia a expansão das tecnologias e do consumo, bem como seus principais espaços físicos de concretização, entre tradicionais e novos, segundo a marcha das novidades de entretenimento público trazidas pela renovação dos séculos. No todo, fez-se grande objetivo conhecer e acompanhar os percursos da música no universo campineiro entre importantes passagens de tempo, identificando processos de transição entre antigas e novas práticas e tendências musicais e, às vezes, a convivência entre elas.

Palavras-chaves: Vida musical; Campinas; República; Musicologia histórica.

ABSTRACT

This study deals with the musical life of Campinas in the period of transition of the nineteenth and twentieth centuries, between 1889 and 1922, and aims to identify and to observe its ways and characteristics developed by the musical heritages, whose movement and more important relevance started during the 1870’s. In this decade and by the following times, have stablished the fundamental basis of the city’s musical universe, with the enrichment of the cultural life in emergence by the economic growing context, pushed by the coffee production in the paulista city’s territories, that has formed as an urban center of national reference in its modernization process. As a historical object, the search has looked for the music in its several ways of cultivation, uses and appreciations, inside of the social, economic and cultural city’s universe, and revealed like a product of complex combinations of these factors in the big web of relationships in the urban space. The study has looked for it inside of the cultural and social variety of individuals and groups, between approaches and confrontations, immersed in a period of political changes and important social issues. The musical manifestations have been observed by the diversity of theirs genres and variabilities, alteration of practices and functions in the cultural environment in that emerged the expansion of tecnologies and consumption, as well as their more important spaces of achievement, between traditional and news ones, by the running of the new public entertainment ways brought by the passage of the centuries. At all, the big objective was know and follow the music’s courses in the universe of Campinas in this significant transition of time and identify the change’s process between old and new practices and between musical trends, with their possible simultaneous existence.

Keywords: Musical life; Campinas; Republic; Historical musicology.

Sumário

Introdução 11

Capítulo 1 A vida musical em Campinas e a epidemia de febre amarela (1889-1900)

1.1 Campinas, uma pequena introdução 15 1.2 A epidemia de febre amarela em Campinas 19 1.3 A vida musical e a epidemia de febre amarela 29

Capítulo 2 A música e seus espaços: palcos, salões, altares e ruas

2.1 O Teatro São Carlos 53 2.2 O Teatro Rink 66 2.3 Concertos nos teatros 68 2.4 Óperas, operetas e revistas 73 2.5 Associações culturais 87 2.6 Música nas igrejas 104 2.7 Música popular 116 2.8 Gramofones e cinemas 125

Capítulo 3 Laços e relações do mundo musical

3.1 Grupos musicais 134 3.2 Ensino musical: professores e escolas 149 3.3 Músicos, maestros e professores 160 3.4 Comércio musical 173

Conclusão 177

Bibliografia 182

Fontes documentais 187

Apêndice 188 Bandas de música, compositores e professores.

11

Introdução

Historicamente, a cidade de Campinas constituiu-se como localidade relevante no país durante o século XIX pelo desenvolvimento econômico advindo da produção cafeeira. Como centro urbano de considerável importância durante o Império, Campinas possuiu uma importante vida cultural, com espaços, pessoas e instituições que a sustentaram culturalmente. Ao iniciar-se a era republicana, era ainda notável sua riqueza musical, evidenciada pelo Teatro São Carlos, com orquestra própria e no qual se realizavam concertos e variados gêneros musicais. Bandas de música, associações culturais, saraus e grandes celebrações, sacras ou profanas, nas quais estavam sempre presentes grupos musicais, caracterizavam a vida musical da pujante cidade.

A última década do século XIX, no entanto, trouxe um período de dificuldades pelo enfrentamento de epidemias de febre amarela, ainda que em momentos isolados. Mudanças estruturais e novos discursos marcariam o desenvolvimento da cidade, cuja modernidade já se buscava e se construía desde meados daquele século. A marcha do progresso urbano, porém, manteve-se constante, levando consigo a vida cultural que se ampliaria e se diversificaria com a entrada do novo século. As transformações sociais do crescente urbanismo e aumento populacional dariam novos e mais complexos cenários para o desenvolvimento musical.

Em seus primeiros intentos, esta pesquisa buscava tratar da vida musical de Campinas entre os anos de 1889 e 1920, observando seus aspectos de sobrevivência e desenvolvimento durante e após o período marcado por surtos de febre amarela na cidade, ocorridos na última década do século XIX. O crescente conhecimento acerca do assunto, no entanto, permitiu perceber a existência de questões de maior extensão do que as inicialmente postuladas, ampliando a visão inicial e mudando um pouco as primeiras hipóteses da pesquisa.

Ao constatar as reais amplitudes e os efeitos da epidemia sobre a cidade, a qual, combalida em momentos críticos, não apresentou regressão em seu desenvolvimento ou de sua população, tornaram-se inadequadas as ideias de que os anos seguintes aos grandes surtos tenham sido de recuperação lenta do cotidiano urbano e de sua agitação. Pelo contrário, a

12

retomada da cidade deu-se de maneira mais prática e bem menos traumática do que se imaginava.

Assim, sob o âmbito cultural, foram também desfeitas as hipóteses semelhantes em relação à questão musical, passando-se a observar o século XX como proporcionador de renovações próprias das práticas culturais e musicais, ao invés de uma extensão gradativa e dependente dos efeitos negativos dos anos anteriores. Não se omitem, no entanto, algumas rupturas infalivelmente provocadas pela intensidade das desagregações durante os principais momentos de estagnação trazidos pela epidemia, ainda que pontuais.

Após essas percepções, portanto, a busca passou a privilegiar a cultura musical em suas formas de expressão nos diferentes espaços e meios em que se manifestou, segundo as influências das transformações urbanas e tecnológicas cada vez mais evidentes após o final do século XIX. O recorte temporal, por sua vez, estendeu-se ao ano de 1922, a fim de percorrer a história do Teatro São Carlos até seu desaparecimento, motivo relevante que demarcou o limite final da pesquisa.

A pesquisa documental deu-se através de periódicos, crônicas, almanaques, revistas, fotografias e partituras. Em menor medida, recorreu-se a documentos como registros cartoriais, processos ou livros administrativos. Nas fontes de maior extensão e abrangência, como os jornais, e também nas crônicas, foram buscados registros de informações sobre a vida musical da cidade, a fim de identificar a atuação de músicos, realização de eventos nos teatros, tendências musicais, comércio especializado e ensino, entre outros aspectos. Separados em temas, portanto, os registros foram tratados buscando um contexto de suas informações, formando-se um fio condutor de entendimento de seus dados sobre os assuntos neles contidos. Complementando a pesquisa em fontes primárias, foi feito também o levantamento e leitura de referências bibliográficas referentes ao contexto e aos objetos observados.

O acesso aos antigos jornais de Campinas, as principais bases documentais que viabilizaram a pesquisa, foi determinante para a execução do estudo, que jamais seria levado à frente apenas com esparsas referências nos livros de memória da cidade e das outras fontes. Embora com grande riqueza e regularidade de informações, muitas são as limitações apresentadas pelos periódicos, em parte devido à seletividade de suas publicações segundo a ordem social predominante, com a omissão de importantes realidades sociais e culturais

13

presentes em Campinas naquele período. As dificuldades relativas às crônicas dos memorialistas devem-se mais a certas imprecisões e generalizações, como informações pouco datadas, ou erroneamente indicadas, sobre a música e seus representantes de atuação definida no tempo.

No todo, como a grande tarefa, tratou-se de reconstruir o quanto possível o cenário musical campineiro na passagem entre os séculos XIX e XX, identificando as permanências e alterações das práticas musicais ao longo do tempo. No entanto, ao lidar com fragmentos deixados pelos documentos quase sempre sem a intenção de preservação da memória, fez-se natural a recorrente incompletude do conhecimento acerca do que se buscou. Imagina-se, portanto, um mundo musical muito mais amplo e rico.

O primeiro capítulo introduz o tema da vida musical em Campinas a partir de 1889, percorrendo a última década do século XIX. Trata-se de um período à parte da história da cidade e, portanto, da história de sua vida cultural, marcado pelos reveses da epidemia de febre amarela e pelas transformações modernizadoras do meio urbano. Após uma breve introdução e antes de abordar propriamente a questão musical, fez-se necessário expor, ao menos de forma geral, sobre os mesmos momentos críticos por que passou o município. Na terceira parte, então, pode-se acompanhar as descontinuidades e retomadas das atividades musicais durante o mesmo período, buscando identificar suas maiores rupturas com o passado imediato, bem como as forças que ainda a sustentaram e a conduziram ao novo século.

O segundo capítulo passa a buscar a vida musical da cidade em seus principais espaços de concretização, na intenção de reconstruir os cenários e as situações da música como acontecimento, com suas formas e repertórios, ao mesmo tempo em que procura pelos músicos e seus públicos. O Teatro São Carlos, por exemplo, era desde 1850 o ponto central da cultura e da música daquela sociedade. Grande parte da história musical de Campinas deu-se em seus concertos, óperas, zarzuelas e outros espetáculos, que neste estudo serão acompanhados até 1922, o ano final da existência daquele espaço. O mesmo se dará com o Teatro Rink, de características mais populares, e com as sociedades culturais, como o Club Semanal de Cultura Artística e o Club Campineiro, com frequentes atividades artísticas. Ainda são consideradas as atividades musicais nas igrejas, protagonizadas pela orquestra – da qual o maestro Sant’Anna Gomes fora regente por muitos anos, e por cantores, apresentando-

14

se nas grandes festividades religiosas. Deve-se tratar também da música popular, presente nas múltiplas faces da vida urbana e seus personagens. No todo do capítulo, abordam-se as mudanças que a agregação ou substituição de gêneros e hábitos musicais trouxeram à vida musical da cidade no importante período de passagem dos séculos, abrangendo ainda a última década de 1890 e prolongando-se, então, pelos vinte e dois primeiros anos do século seguinte.

Os últimos tópicos desse capítulo propõem-se a tratar, especificamente, das novas formas de apreciação da música que se estabeleceram no princípio do século XX e que passam a ocorrer a partir de novos suportes e contextualizações. O gramofone, por exemplo, vem a ser novo meio de divulgação musical, e de executante de conhecidas canções torna-se também fonte de novo repertório para a execução musical tradicional. Um pouco mais adiante, após a exibição de cinematógrafos itinerantes na cidade, afirma-se o novo espaço do cinema, com filmes cujas exibições, ainda por muito tempo, foram acompanhadas pelo som de pianos, bandas e orquestras. Para a música, surgem então outros usos, funções e demandas, dentre as quais a necessidade de novas habilidades dos músicos e de variação e adequação de repertórios. Em Campinas, a música do cinema representou-se pela pianista Ana Gomes, por bandas como a do maestro Troiano, e por orquestras conduzidas por diferentes regentes.

No terceiro e último capítulo serão abordadas as diferentes relações de afinidade percorridas pela arte musical, passando pelos interesses culturais e econômicos que se estabeleceram a partir da música. Os grupos musicais, como orquestras, bandas de música ou pequenas formações, como o quarteto dos irmãos Álvaro ou o quinteto de cordas de Sant’Anna Gomes, podem representar o encontro do conhecimento e do compartilhamento dos saberes entre músicos, fossem profissionais ou amadores. Nas relações de ensino musical que, por sua vez, davam-se em algumas instituições escolares, como o Colégio Progresso ou o Externato São João, e na pessoa de diversos professores da cidade, afirmavam-se os valores culturais e educacionais atribuídos ao conhecimento e à prática da música. Apresentam-se também, acompanhando e correspondendo às demandas materiais daquela cultura musical, alguns estabelecimentos comerciais, que através da negociação de instrumentos musicais, sobretudo pianos, e de profissionais tecnicamente especializados em serviços de conserto e afinação, constituíram adequadamente suas redes de interdependência econômica com a música.

15

Capítulo 1

A vida musical em Campinas e a epidemia de febre amarela (1889- 1900)

1.1 Campinas, uma pequena introdução

A história da cidade de Campinas representa, de forma icônica, a história do sudeste paulista durante século XIX, alcançando importante desenvolvimento sob o contexto econômico da expansão cafeeira e depois, abrigando os ideais políticos que ajudariam a dar ao país passagem ao regime republicano.

Foi a partir da década de 1870 que se deu um salto em seu processo de modernização, quando o capital excedente advindo da exportação do café foi direcionado pela aristocracia, que aos poucos se metamorfoseou em alta burguesia (LAPA, 2008: 20), em melhoramentos e serviços urbanos, modificando a paisagem e a vida na cidade. Afirma Semeghini que, já na década de 1880, “o fluxo da renda gerada na lavoura desenvolvera na cidade uma estrutura de serviços e um aparato cultural que em São Paulo só encontrava paralelo na capital.” (SEMEGHINI, 1988: 51).

Ainda antes de adentrar ao século XX, a cidade passaria por períodos de dificuldades e de grandes custos sociais, com o enfrentamento da epidemia de febre amarela. Considera-se que entre 1889 e 1897, cinco foram os surtos epidêmicos que atingiram a cidade, causando a morte de mais de duas mil pessoas. Ao passo em que a cidade era atingida pelo mal, metamorfoseava-se através da ação pública no empreendimento de renovação do meio urbano segundo os padrões modernos de estruturação sanitária, que se baseavam na defesa da saúde geral.

Sobre várias cidades do complexo cafeeiro paulista estabelecia-se o mesmo quadro epidêmico, criando-se, na década de 1890, um forte aparato institucional do governo estadual para os combates em prol saúde pública. Legitimando as políticas públicas postas em prática em parceria com os poderes municipais, impunha-se a legislação, como o

16

Regulamento de Higiene de 1892 ou o Código Sanitário de 1894. As ações governamentais davam-se, na prática, segundo o modelo campanhista, em que o Estado intervinha na normatização de aspectos do cotidiano da vida urbana (TELAROLLI, 1993: 239).

Para Campinas, exemplarmente, os últimos anos do século XIX representaram uma forte retomada no processo de rompimento com o passado de feições coloniais, catalisado pela presença da epidemia e pelas respostas demonstradas pelo poder público na transformação da cidade e dos hábitos cotidianos. Até então, sua área urbana desenvolvera-se espontaneamente, mas embora atrativa econômica e culturalmente,

A cidade apresentava-se com problemas estruturais sérios, que comprometiam o seu desenvolvimento e a qualidade de vida dos seus moradores, o que contrastava com sua riqueza acumulada ao longo dos últimos quarenta anos, com a modernização que conseguira em vários setores de sua vida pública, particularmente nas adoções tecnológicas que empreendeu beneficiando o conforto dos habitantes, em melhoramentos públicos e equipamentos, que de alguma maneira contribuíram para as manifestações de cultura e inteligência com que a cidade começou a atrair a atenção do país. (LAPA, 2008: 204).

A modernidade, anteriormente traduzida pela beleza da arquitetura e dotação de alguns serviços urbanos tecnicamente avançados, parecia ressignificar-se. No curso do desenvolvimento da cidade rumo à atualização e melhorias técnicas aplicadas a seu espaço, ali iniciado há décadas pelos recursos econômicos da cafeicultura, despontava, talvez, um novo indicativo de adiantamento para o viver urbano. No alvorecer da República, entre os enérgicos enfrentamentos às epidemias e no banimento de toda insalubridade causadora de males, estabelecia-se como paradigma de avanço e progresso a imagem da cidade higiênica.

No entanto, foi na contramão da cultura popular permanente em antigos hábitos, que a união do poder político e do saber médico buscou implantar o modelo ideal de cidade, segundo uma racionalidade burguesa. Como resume Amaral Lapa, “(...) é em grande parte na área da saúde que se coloca e se resolve a questão da modernidade. O econômico, o político e o cultural se curvam a esse acerto (...)” (Opus cit., p. 195). Também nos lembra Chalhoub que o pensamento higienista baseado nos sentidos que concebera sobre “civilização”, especialmente após o golpe militar de 1889 que estabeleceu o regime republicano, tornaria-se o suporte ideológico da “ação ‘saneadora’ dos engenheiros e médicos que passariam a se encastelar e acumular poder na administração pública” (CHALHOUB, 1996: 35).

17

A travessia de Campinas para o novo século deu-se, portanto, sob o contexto dos combates epidêmicos e das transformações urbanas. A continuidade de seu desenvolvimento como centro de produção agrícola e de atividades comerciais seria observada, no entanto, de forma positiva mesmo durante esse período e nas décadas seguintes. A partir de sua ascendente trajetória econômica em percurso durante o século XIX, o município segue em crescimento populacional e também industrial no século XX, quando a cafeicultura dá espaço a outros gêneros alimentícios e o mercado urbano torna-se mais complexo, com maior diversificação de setores do trabalho e de serviços, em um cenário de expansão do meio urbano (ABRAHÃO, 2014: 55-6).

Inserindo-se no cenário geral do desenvolvimento das cidades durante a passagem dos séculos, Campinas também se constrói, à sua maneira, como uma “civilização urbano- industrial”. Essa característica dos centros urbanos no referido período de transição englobou os fatores das movimentações imigratórias, que contribuiu para a conformação da mão-de- obra urbana e das questões trabalhistas, do crescimento da população nacional, da urbanização e da acelerada divisão social gerada pelo modo capitalista de produção cada vez mais presente, com o aparecimento de estratos sociais diversificados (NAGLE, 1976: 23-34).

Ao agregar esses elementos históricos de formação econômica e social, reunindo massas de trabalhadores estrangeiros aos libertos e livres já existentes no contexto de expansão de suas indústrias e companhias, como as estabelecidas estradas de ferro, e de complexidade da malha urbana, bem como à continuidade da produção das lavouras, Campinas desenhou-se como lugar de sensíveis transformações. A cidade envolveu-se ainda na ambiguidade dos processos em andamento dos aspectos econômicos, sociais e políticos, com a confluência dos mundos rural e urbano em suas respectivas dinâmicas de recuo e crescimento, e com a heterogeneidade dos atores sociais, dos quais apenas ínfima parte alcançou real representação jurídica junto à República.

Junto a esse universo urbano em contínua evolução, manifestou-se, por fim, um notável mundo cultural, potencializado pelo progresso desde a segunda metade do século XIX. Como prática da cultura e do lazer, a música ocupou um papel de destaque entre os variados meios sociais, com circunstâncias, espaços e instituições próprios de desenvolvimento. Nos passeios públicos, nas ruas, nos palcos do Teatro São Carlos e do Teatro Rink, nos clubes e associações culturais, nas salas íntimas das residências e nas igrejas

18

presenciava-se a música. Nas retretas, carnavais, festividades cívicas, concertos, óperas, saraus, missas, apresentavam-se bandas, músicos, cantores e orquestras. Professores de música, casas comerciais e serviços especializados completavam o quadro musical da cidade.

Ao acompanhar a história da cidade, a música revelou-se também em suas estreitas relações com o meio, e de forma recíproca interagiu com os aspectos da cultura e da sociedade em que se encontrou. Dos momentos finais do século XIX, marcados pelas paralizações do cotidiano durante os surtos de febre amarela, ao aceleramento da vida urbana no século XX, as práticas musicais estiveram em constante desenvolvimento e transformação, em pleno diálogo com os contextos de seu mundo urbano.

19

1.2 A epidemia de febre amarela em Campinas

“Foi em começos do ano da República: de quantos caíam, morria uma porcentagem aterradora!” (MARTINS, 1939: 401)

A febre amarela manifestou-se em Campinas como surto epidêmico a partir de março de 1889. Ainda em 1876, o médico Valentim Silveira Lopes afirmara serem alguns casos surgidos na cidade a própria febre, o que gerou sérias discussões médicas na imprensa e grande repúdio a tal afirmação, tida como afronta. Uma crença dominante era a de que a doença jamais chegaria ao interior, existindo apenas em cidades litorâneas, como Santos ou Rio de Janeiro, local em que a epidemia se manifestava desde 1850.

Em 1886, a Câmara Municipal havia criado a Comissão de Higiene e Saneamento, composta por três médicos, com o fim de inspecionar casas, ordenar a limpeza de locais insalubres e indicar medidas para o bem da saúde pública. Tais providências de caráter preventivo justificavam-se pela possibilidade sempre presente de ameaças epidêmicas. Anos antes, a cidade havia passado por episódios de epidemia de varíola, entre 1855 e 1875, além de casos de cólera morbo. Essas ações estão também relacionadas à sensível participação de médicos na vida política do município que, ocupando cargos de vereança ou de assessoria, contribuíram para a prática legislativa em torno da salubridade pública e auxiliaram no direcionamento do poder local em favor dessas questões (LAPA, 2008: 267). As medidas, no entanto, ainda foram insuficientes para evitar o expansivo desdobramento da febre amarela três anos depois.

Os livros de memória de Campinas e a literatura em geral recontam a história da epidemia de febre amarela na cidade como tendo origem com a chegada de uma jovem estrangeira, Rosa Beck, referida como suíça ou alemã. No Rio de Janeiro ou no porto de Santos teria contraído a doença, trazendo-a depois a Campinas, onde intencionava ser professora. Embora o caso da jovem Beck seja tido como marco original da febre nessa cidade, é possível supor que a ligação de Campinas com outras localidades, através das malhas ferroviárias de que dispunha, já possibilitasse a presença do vetor da doença em seu território. Há apontamentos de que algumas mortes causadas por febre perniciosa no ano anterior, 1888, pudessem ser, na verdade, os primeiros casos de febre amarela.

20

O primeiro surto epidêmico, portanto, iniciou seu ciclo em março de 1889, com a efetiva disseminação da febre. As primeiras providências tomadas pela Câmara resumiam-se em duas questões – a nomeação de médicos para o tratamento dos doentes e a nomeação de servidores para uma intensa operação de remoção de lixo e fiscalização de casas e áreas em condições irregulares de higiene. Intensos trabalhos de inspeção tomaram as ruas da cidade. O popular pensamento da época sobre os perigos dos miasmas, do quais provinham as temíveis enfermidades, embasava tais ações, e a imundície e a umidade do solo eram apontadas como originadoras de todo mal. Desconhecia-se, vale lembrar, o inseto como verdadeiro vetor da doença, muito menos sua causa viral. 1

Nas páginas dos jornais, severos discursos a favor do asseio e da higiene pública figuravam-se diariamente. A imprensa colocou-se

a serviço da higienização da cidade, atuando como atenta vigilante, denunciando ela própria o desrespeito aos preceitos que eram baixados nesse sentido, como também divulgando denúncias de terceiros e intermediando a acusação com a decorrência do ato corretivo da autoridade. (LAPA, 2008: 184.)

Frente à ameaça da epidemia, deu-se o êxodo da população urbana em grandes proporções. No ano de 1886, a população apontada para Campinas é de 41.253 habitantes, incluindo suas cercanias (BAENINGER, 1996: 24). Embora não haja números certos para o ano de 1889, pode-se construir uma pequena noção da população especificamente urbana, nesse período. Santos cogita a possibilidade de um número de 10.000 ou mais, baseado no que tem como referência do ano de 1871, de 10 mil habitantes na cidade e de 23 mil nas fazendas. Segundo o que afirma Baeninger sobre o crescimento da população da cidade entre 1886 e 1900, pode-se imaginar que, para o perímetro citadino, no ano da epidemia haveria certamente mais do que dez mil habitantes. Há um apontamento de 15 a 20 mil habitantes para o período (LIMA, 2013: 140).

Enfim, nas impressões do médico Angelo Simões, após a epidemia a cidade teria se reduzido a 3 mil habitantes, sendo que 1000 haviam morrido. E para outro médico, Clemente Ferreira, os que permaneceram na cidade foram 5 mil (SANTOS FILHO, 1996: 36).

1 Na década de 1880, o médico cubano Carlos Juan Finlay y de Barrés (1833-1915) havia apontado o mosquito Aedes Aegypti como o transmissor da febre amarela, mas sua hipótese, até então desacreditada, só se confirmou em 1900, pelos experimentos da Comissão de Saúde do Exército Norte-Americano, chefiada por Walter Reed (1851-1902).

21

Embora sejam simples impressões, a cifra de aproximadamente 5 mil habitantes remanescentes após a deserção é recorrente.

Os primeiros a se ausentarem da cidade foram os fazendeiros, permanecendo em suas propriedades rurais ou em outras localidades, seguidos dos menos abastados, que fugiram como puderam. “Fecharam-se as residências, as lojas, os armazéns, oficinas, hotéis, repartições públicas, escritórios e até as cocheiras localizadas nos centros citadinos” (SANTOS FILHO, 1996: 36). Assim diz o historiador, cuja obra sobre a febre amarela em Campinas2 é a mais completa. Em suas memórias, Amélia de Rezende Martins, filha do Barão Geraldo de Rezende, também escreveu que

“Na cidade assolada reinava o pânico! Quantos puderam, fugiram, refugiando-se nas fazendas. Todo o teto que meu pai pôde arranjar foi posto à disposição de amigos, de conhecidos, de quem pedia socorro... Quando já não havia mais lugar, o Diretor da Estação Agronômica pediu abrigo para a família! Meu pai pôs a mão na cabeça! Onde, meu Deus, fazer entrar mais gente! Mas que remédio! Era preciso servir! E desalojado o administrador, que arranjou-se como foi possível, foi sua casa cedida ao Dr. Dafert.” (MARTINS, 1939: 403).

Nesse grande êxodo urbano, a cidade reduziu-se a seus moradores sem recursos e sem destinos para a fuga. Naquelas condições, sobressaíram-se as relações familiares e de amizade e a conveniência dos bens materiais, ao passo que os que tais auxílios não possuíam, sofreram graves riscos e, boa parte deles, suas consequências fatais. Esse fato ajuda a demonstrar o aspecto social da epidemia que, embora tenha atingido todas as classes sociais, incluindo membros de famílias abastadas, de forma muito mais severa ceifou a população desfavorecida, como ex-escravos e seus descendentes, e em maior escala, os imigrantes.

Junto à morte massiva, que no auge da epidemia atingiu o número de trinta óbitos por dia, aliava-se a fome, levando a maior parte da população remanescente ao nível máximo da precarização de suas condições de sobrevivência. A escassez dos gêneros de primeira necessidade elevou os preços a níveis inalcançáveis para as famílias pobres, atirando-as, muitas vezes, à mendicância.

2 Neste trabalho a obra de Lycurgo de Castro Santos Filho, “A epidemia de febre amarela em Campinas: 1889- 1900”, foi tomada recorrentemente como referência, por se tratar de um estudo histórico de maior abrangência e maior critério na investigação de informações.

22

Com o intuito de amenizar tal situação, no dia 7 de abril, pelo cônego Cipião Junqueira e por Alberto Sarmento (1864-1927), fundou-se a Sociedade Protetora dos Pobres que, abrigada no consistório da Matriz Nova, “promoveu campanhas e distribuiu alimentos, roupas, dinheiro aos necessitados, chegando a atender mais de mil pessoas por dia” (LAPA, 2008: 266). O acolhimento aos enfermos, por sua vez, deu-se inicialmente em uma enfermaria da Santa Casa de Misericórdia e no Lazareto do Guanabara, seguindo-se a abertura de enfermarias na Beneficência Portuguesa, na Escola Correa de Mello e no Circolo Italiano Uniti (SANTOS FILHO, 1996: 175).

Incapaz de arcar sozinha com as demandas de socorro à população e com os custos que se somavam, a edilidade municipal recebeu auxílio das instâncias maiores do poder. Do governo da província, cuja presidência era então ocupada por Antonio Pinheiro de Ulhoa Cintra, o Barão de Jaguara, Campinas obteve apoio com o envio da Comissão Provincial de Socorro, composta por trinta e cinco membros, entre médicos, estudantes de medicina, farmacêuticos e desinfetadores. Ainda por influência do Barão de Jaguara, aprovou- se na Assembleia Provincial a doação de 2 mil contos de réis para a Câmara da cidade a serem destinados à Companhia de Água e Esgotos, para a realização das obras de saneamento, provendo instalações de abastecimento de água e destinação de dejetos sanitários.

O governo imperial também enviou sua comissão de socorro, ainda mais numerosa e eficiente no atendimento aos doentes, permanecendo na cidade durante o mês de abril. Campinas recebera uma terceira Comissão no mesmo mês, desta vez a mando dos jornais do Rio de Janeiro que, reunidos sob a Comissão Central da Imprensa Fluminense3, rapidamente angariaram recursos de variadas ordens para o auxílio da cidade.

Passado o mês de abril, chamado “mês do terror”, recuava a epidemia em meados de maio, com a diminuição do número de enfermos e início do retorno de parte dos que haviam deixado a cidade. Durante esse mês, no entanto, muitos dos que volviam eram ainda acometidos da enfermidade, de modo que havia um apelo para que se aguardasse a absoluta ausência da febre. Ao final de junho, enfim, a última enfermaria, no Correa de Mello, fechava suas portas. Para o número de mortos, Santos Filho estima-o em 1100, embora a situação caótica da cidade tenha impossibilitado o adequado registro dos óbitos pela febre amarela, de

3 Em razão das doações da imprensa do Rio de Janeiro em auxílio a Campinas, em 1889 o Passeio Público da cidade passou a chamar-se Praça Imprensa Fluminense, local do atual Centro de Convivência.

23

forma que muitas vítimas foram enterradas sem qualquer registro em cartório. Assim, não pode haver cifras exatas.

O ano seguinte, 1890, assistiu ao retorno da epidemia, cuja realidade foi aceita com relutância pela população. De quatro periódicos circulantes na cidade, somente o Diário de Campinas, através do médico Eduardo Guimarães, denunciava a nova ameaça da febre com a ocorrência de óbitos de alguns amarelentos, contra a opinião inflexível de outros médicos. Em meados de fevereiro, porém, já se registravam novas mortes.

Uma declaração nos jornais no dia 2 de março, do Dr. Antenor Guimarães, delegado de Higiene e pai de Eduardo Guimarães, causou real revolta na cidade contra pai e filho. Afirmava ocorrer nova propagação da epidemia, devendo-se abandonar a cidade. No dia seguinte, algumas centenas de pessoas, reunindo-se no largo do Visconde de Indaiatuba e lideradas pelo cidadão Rodrigues Costa, pediram a demissão de Antenor Guimarães de seu cargo na Intendência. Nesse dia, os médicos foram hostilizados e até mesmo alvo de apedrejamento pelos revoltosos. Na mesma tarde, o Dr. Germano Melchert, que travara na imprensa sua rivalidade a Guimarães, era ovacionado pela população. (SANTOS FILHO, 1996: 200).

A obstinação popular, no entanto, fundamentava-se na aterrorizante ideia da iminência de uma nova onda epidêmica. Havia também o fato de que, não poucas vezes, afirmações equivocadas sobre a existência de epidemias causavam na cidade pânico desnecessário, prejudicando-lhe o comércio e impedindo a vinda de visitantes (LAPA, 2008: 256). Não sendo esse um caso de equívoco, o fato era que a febre alastrava-se em seu segundo surto, dessa vez atingindo fazendas e localidades circunvizinhas.

Novamente foram necessários auxílios governamentais, enviados do então governo da República e do estado de São Paulo na forma de assistência médica. A relevância política de Campinas e sua forte militância republicana facilitaram-lhe também a liberação de grandes somas pelo poder federal. Com a mediação de Francisco Glicério e Campos Sales, políticos campineiros em cargos ministeriais do Governo Provisório, a Câmara Municipal obteve o crédito de 50 contos de réis para o socorro da cidade, medida aprovada pelo Marechal Deodoro.

24

Extinguia-se o surto epidêmico em inícios de junho. Tivera, dessa vez, menores proporções em relação ao primeiro, no ano antecedente. Para o número de mortos, Santos Filho faz uma estimativa entre 334 e 400 vítimas, sendo que a quase totalidade delas pertencia às classes médias e baixas.

No ano de 1891, por sua vez, não houve surto epidêmico. Segundo Santos Filho, “se houve casos de febre amarela em 1891, eles foram poucos e não mortais. Por todo esse ano, não se registrou um só enterramento de vítimas de febre” (Santos Filho, 1996: 217). Nesse ano, foram instalados os serviços de abastecimento de água na cidade, que muito contribuiriam, além da modernização e desenvolvimento da área urbana, para a diminuição da gravidade da epidemia nos anos seguintes. Embora já existissem planos para a implantação de tais serviços desde a década de 1880, as obras só foram iniciadas durante os difíceis tempos da ameaça epidêmica. E na cidade cujo território possuía, naturalmente, terrenos pantanosos, somavam-se práticas domésticas um tanto desfavoráveis ao bom uso da água:

Charcos, brejos, alagadiços, distribuíam-se pela zona central e periférica de Campinas. Eram focos criatórios de mosquitos e outros insetos. Fossas negras contribuíram para poluir a água de serventia retirada dos poços cavados muitas vezes junto às mesmas, nos quintais das residências. Eram, de fato, precárias e lamentáveis as condições de higiene da cidade. (SANTOS FILHO, 1996: 231).

Somente após muitos empecilhos de ordem política para a liberação do empréstimo, como já se disse, concedido pelo governo da Província, a Companhia Campineira de Águas e Esgotos, sob a direção do engenheiro Francisco de Sales Oliveira Junior (1852-1899) iniciou as obras. Foram concluídas com excelência tanto a rede de abastecimento de água como a rede de esgotos, esta inaugurada no ano seguinte e incluindo uma estação de tratamento e destinação dos dejetos para a lavoura. Embora tais obras tenham sido de grande contribuição para as mudanças dos padrões higiênicos da cidade, muitos esforços no mesmo sentido ainda se seguiriam anos depois.

O terceiro surto epidêmico deu-se no ano seguinte, 1892. Ao contrário do que ocorrera por ocasião do segundo surto, a população reagiu ao retorno do mal sem relutâncias, enquanto outras cidades próximas enfrentavam a epidemia da mesma forma. Como quadro epidêmico, o surto de febre iniciou-se em março, não havendo grande êxodo da população. Ainda assim, durante o recrudescimento da peste o cotidiano e as atividades eram suspensos

25

na cidade. No mês de maio recuava novamente a epidemia, e no dia 22, lia-se no Diário de Campinas:

Felizmente Campinas volta ao seu antigo estado de movimento e prosperidade. Os negócios (estabelecimentos comerciais) que se achavam fechados pela retirada de seus proprietários, reabriram suas portas, animando assim a cidade. Não tem havido novos casos da terrível febre, sendo a mortalidade insignificante. (SANTOS FILHO, 1996: 220).

Segundo as investigações de Santos Filho, aponta-se para esse ano o número de 191 mortos. O autor refere-se à imunização de muitos como responsável pelo livramento de centenas de vidas, dimensionando os níveis de mortalidade da epidemia de 1892 como sensivelmente inferiores aos de 1889. Para tanto, as obras de saneamento foram de grande contribuição, diminuindo os focos de mosquitos transmissores. (SANTOS FILHO, 1996: 218).

Os anos de 1893 e 1894 não registram surtos epidêmicos. Para 1893, apontam-se aproximadamente 40 casos de febre amarela, e para o ano seguinte, acredita-se que houve cerca de 10 casos. Em 1895, de igual modo, não houve epidemia, com casos esparsos da doença.

“A instalação da rede de água e esgoto e as medidas profiláticas de desinfecção devem ter contribuído para que não houvesse epidemia de febre amarela em 1893.” (SANTOS FILHO, 1996: 230). Certamente muito significou para a cidade a canalização da água e a destinação adequada dos dejetos, amenizando os efeitos devastadores da epidemia. O novo modelo de saneamento, no entanto, implicava no banimento das antigas fossas, localizadas nas propriedades dos moradores. Sob o comando das autoridades municipais, a desinfecção e inutilização das chamadas cloacas, e também dos poços, deveriam ser sistematicamente executadas, o que gerou, no entanto, grande descontentamento de muitos. Ultrapassando os limites do espaço público, tais medidas higiênicas adentravam ao ambiente privado das residências, além de exigirem, para o seu cumprimento, despesas dos próprios particulares.

Em meio ao contexto de crise na saúde pública revolviam-se, então, as questões do público e do privado, cujas relações tornavam-se mais difíceis com o endurecimento do

26

poder jurídico das autoridades municipais na necessidade de regulação do comportamento e dos hábitos populares. Como pontua Amaral Lapa,

Mas antes é preciso reconhecer que as mudanças que são exigidas não serão tão espontâneas como se pretendia. É preciso conferir-lhes caráter compulsório, criando- se um aparato capaz de constranger e reprimir os cidadãos resistentes e recalcitrantes, a fim de que o seu comportamento e relações sociais obedeçam à padronização requerida pela ciência médica (...). (LAPA, 2008: 189).

Os dois últimos surtos de febre amarela deram-se nos anos de 1896 e 1897. No entanto, em 1896, há alguns anos sem a ocorrência de quadro epidêmico, as notícias de aumento de casos da febre davam-se de encontro às positivas expectativas da população, pelas melhores condições em que se encontrava a cidade. Novamente desenrolava-se um surto, e de tais proporções que provocou dessa vez considerável emigração de habitantes. Deve-se ressalvar apenas que, apesar do abandono de várias famílias e paralização de diversos serviços públicos, observou-se uma continuidade no cotidiano da cidade, como a abertura permanente das casas comerciais ou a celebração da Semana Santa, ainda que em outro local.

Com a cidade dividida em três distritos, atuavam os médicos designados pela intendência municipal no tratamento dos doentes, auxiliados por outros vindos na Comissão Sanitária enviada pelo governo estadual. O número de mortos nesse ano oscila entre 782, 788 e 894, sendo que “as vítimas fatais foram, na quase totalidade, pessoas da classe média baixa, principalmente imigrantes.” (SANTOS FILHO, 1996: 245).

Nesse ano novas providências em favor do saneamento da cidade eram tomadas pelo poder municipal, com uma ação intensiva de drenagem do solo, arborização e fechamento de poços e fossas, ainda existentes em larga escala. Tais serviços foram, pouco depois, assumidos pelo governo estadual que, através da lei de 03/08/1896 assumia a responsabilidade pelo saneamento de Campinas e outras cidades que haviam passado por situação semelhante. Para tanto, a Comissão Sanitária atuou nas mesmas diretrizes sob a supervisão do sanitarista Emílio Ribas, completando-se as ações ao final de 1897.

Ainda no mesmo período, novos melhoramentos foram feitos nas redes de saneamento da cidade pela Comissão de Saneamento, chefiada pelo engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito (1864-1929). Executaram-se, por exemplo, obras de canalização nos córregos do Serafim e do Tanquinho, dando saída também às águas pluviais.

27

Subsistindo pela última vez em caráter epidêmico, retornou a febre amarela em 1897. No entanto, poucos foram os habitantes que deixaram a cidade, e a vida urbana transcorreu com regularidade. Segundo as aproximações de Santos Filho, o número de mortos se deu em torno de 325.

A partir de então, até o ano de 1903, quando se atestaram os últimos casos, muito poucas foram as ocorrências de febre amarela na cidade, permanecendo apenas em sua forma endêmica. O período marcado pelos reveses da epidemia havia sido superado, em grande parte devido às ações de ordem estrutural levadas a cabo pelos poderes local e estadual. Ao fim, muito embora por ocasião dos surtos epidêmicos o real transmissor da febre fosse ainda desconhecido, as obras de drenagem e saneamento da cidade fizeram-se adequadas no combate à sua disseminação.

Sob uma perspectiva geral, o período em que a epidemia de febre amarela sobreveio a Campinas não deve ser considerado, em termos exatos, como um tempo de pausa na marcha de desenvolvimento em que se conduzia a cidade. Os recuos que certamente existiram nas movimentações cotidianas, e que afetaram a vida comercial e cultural em certos momentos, deram-se de forma pontual e passageira.

Os tempos de desestabilidade urbana, ainda que marcados pelo grande êxodo de habitantes, não trouxe à cidade maiores danos para o seu desenvolvimento: “Apesar da febre amarela e da estabilização da produção, não houve involução ou decadência populacional e econômica” (SEMEGHINI, 1988: 63). Outra afirmação do autor, porém, não nega a existência de algum impacto no crescimento industrial: “De fins de 1880 até 1900, na segunda expansão cafeeira, a indústria local, embora cresça, é afetada pela febre amarela.” (idem, p.79).

Ao analisar as atividades econômicas em Campinas ao final do século XIX, através do conhecimento sobre os diversos serviços comerciais e financeiros existentes na cidade, Bianconi também conclui que o município manteve-se como centro de destaque econômico, tendo-se mostrado capaz de superar os períodos adversos por sua articulação urbana e diversificação de investimentos no complexo cafeeiro (BIANCONI, 2002: 95-6).

28

Como ainda afirma Baeninger, a cidade cresceu economicamente mesmo durante os anos da epidemia, ao menos em relação às atividades comerciais: “Na década de 1890, as atividades de comércio e prestação de serviços tenderam a se ampliar e se diversificar, reforçando a posição de Campinas como pólo regional.” (BAENINGER, 1996: 33). Quanto à questão populacional, segunda a mesma autora, Campinas avançava em suas cifras a 3,6% a.a. desde 1886, e ao ano de 1900 sua população, incluindo as cercanias, era de mais de 67 mil habitantes. Deve-se lembrar, no entanto, que houve definidos períodos de baixa no número de habitantes como resultado da epidemia, marcadamente durante o primeiro surto. No todo, há concordância com a análise de Semeghini, pois apesar da emigração dos habitantes e do número de óbitos, não houve involução nos números populacionais, mas sim um crescimento que não foi detido.

Ao findar do século, “Campinas voltou ao normal, readquirindo em 1900, a população urbana de 19 000 habitantes, numericamente próxima da que possuía em 1889, antes do início da epidemia. (Berquó apud Badaró, 1996: 32). De forma geral, apesar dos momentos críticos por que passou, a cidade prosseguiu em seu caminho de desenvolvimento. A única ressalva, talvez, seja a de que então foi superada por São Paulo, única cidade do estado com a qual se comparava em sua desenvoltura, por vezes excedendo-a em diversos aspectos:

Em 1900 a área urbana já retornara aos 20 mil indivíduos. Estava saneada. Mas irreversivelmente perdera para a capital do Estado a primazia do desenvolvimento paulista. E muitas cidades como São Carlos, Araraquara e Jaboticabal haviam crescido às expensas da peste amarela campineira. (MELLO, 1991: 23).

Considerando-se, agora, a relevante vida cultural de Campinas, passamos a deter- nos em sua vida musical do período até aqui abordado. Uma vez reconhecidas as relações entre música, cotidiano e sociedade, deve-se observar que a epidemia perpassou e interferiu na estabilidade do quadro musical da cidade, pois atingiu em vários momentos os mesmos aspectos da regularidade da vida urbana e das práticas sociais de seus habitantes no tocante ao cultivo da música. Ao mesmo tempo, tal vida musical acompanhou, na mesma marcha, as retomadas da cidade em tempos propícios, até mesmo reflorescendo de forma notável.

29

1.3 A vida musical e a epidemia da febre amarela

De todo o conhecido impacto sob o qual Campinas se desarticulou durante os piores períodos da epidemia, foi o a vida cotidiana o primeiro aspecto a ser por ele atingido. Diante da cessação da normalidade na qual transcorria a vida e perante um futuro duvidoso, portanto, entende-se como natural, ou automático, o recuo das atividades culturais da cidade.

No geral, a prática musical ocorre, como cultura, sob as possibilidades da mais imediata constância proporcionada pela estabilidade social e econômica, aspectos certamente comprometidos durante os primeiros anos de enfrentamento da crise epidêmica. Sabe-se, porém, que foram crescentes as condições da cidade na superação da epidemia, de modo que o cotidiano urbano, de forma direta, recobrou sua fluência pouco a pouco. A vida musical acompanhou, então, os mesmos movimentos urbanos de recuos e avanços, até mesmo sobrepondo-se a eles, em alguns momentos.

Nesse subcapítulo, busca-se expor as características da vida musical, partindo-se de 1889 e prolongando-se pela última década do século XIX, sob as condições por que passou a cidade nesse período. Uma ênfase maior coloca-se na busca pelos aspectos da sobrevivência e dos avanços musicais naquele contexto e, portanto, as questões mais propriamente intrínsecas à musica e sua cultura, bem como as instituições e pessoas que a representaram, serão reservadas a outros capítulos.

______

Foi musical o início daquele ano de 1889. O maestro Sant’Anna Gomes organizava um grande concerto em seu benefício, realizado no Teatro São Carlos no dia 20 de janeiro como grande festa artística, com enorme concorrência e aprovação do público. Orquestra, solistas, alguns deles vindos da Corte e de São Paulo, e o coro da Sociedade Concórdia tomaram parte no seguinte programa:

30

Primeira parte Carlos Gomes: O Guarany, ouvertura para grande orquestra. Schumann: Impromptu, de Stephen Heller, pela exc. Senhora D. Placidina Amaral. F. Abt. : Abend in Wald, coro pela sociedade de canto Concórdia. L. Sessa: Fantasia para violino, por Julio Bastiani acompanhado ao piano por Antonio Leal. N. Celega: Gavotta Pompadour, para instrumento de cordas, 9 violinos, 3 violetas, 2 violoncelos e 2 contrabaixos. Carlos Gomes: Lo Schiavo, aria para soprano, pela exc. Senhora D. Adelaide Lopes Gonçalves, acompanhada ao piano por Emilio Giorgetti.

Segunda parte Nicolai: Die lustigen Weiber von Windsor, sinfonia para grande orquestra. Chopin: Ballada para piano, pela exc. Senhora d. Placidina do Amaral. Poncchielli: Gioconda, terceto por Adelaide Lopes Gonçalves, Maria Luiza Almeida e Emilio Giorgetti, acompanhados ao piano por Maria Lopes Duque. Storch: Vorwärts in die Schenke, marcha coro, pela sociedade de canto Concordia, com acompanhamento de orquestra. J. Danbé: Berceuse, para violino, por Sant’Anna Gomes, com acompanhamento de quinteto, com surdina. Sant’anna Gomes: Semira, romance por Adelaide Lopes Gonçalves, com acompanhamento de orquestra.

O Teatro São Carlos

31

No espaço privado, prosseguiam-se as soirées musicais e dançantes, como o concerto de canto e piano na residência de D. Joanna Maria de Andrade, em que a cantora Ludovica de Andrade causara, em alguns trechos de sua apresentação, entusiasmo em seus ouvintes. No dia 1º de fevereiro, o Club Mozart, das alunas de piano do professor Luiz de Pádua, comemorava seu 6º aniversário com outro apreciado concerto.

No palco do Rink, o famoso ator Xisto Bahia4 trazia suas comédias, enquanto nos intervalos do espetáculo o pianista Vespasiano tocava suas polkas, como “Os caixeiros de Campinas”, que foi bisada várias vezes. Como de costume, A Banda Italiana dos irmãos Tullio, de larga atuação na cidade, achava-se semanalmente no jardim público, ao qual concorria grande quantidade de passeantes.

Em março, quando cresciam na cidade as festas e bailes carnavalescos, no entanto, aumentavam-se os números de casos de febre amarela, que logo assumiria suas proporções epidêmicas. Em fevereiro, ainda com as primeiras mortes, há registros de eventos musicais em toda a duração do mês, como um concerto dado pelo pianista cego Luigi Avesani realizado no teatro São Carlos.

Após os anúncios dos bailes de carnaval do Rink e do Salão Enax, nos dias iniciais de março, não mais se encontram indícios de quaisquer manifestações musicais na imprensa, dando-se o mesmo nos meses seguintes de abril e maio. Naturalmente, deve-se negar a existência de uma interrupção abrupta e geral da vida cultural na cidade mesmo no período da crescente ameaça epidêmica em março, pois do contrário se estabeleceria uma interpretação um tanto tendenciosa dos fatos. Da mesma forma, ainda que as fontes documentais possam muito bem servir de parâmetro para o conhecimento dos níveis de agitação da vida musical na cidade, não podem, de maneira absoluta, determinar a ocorrência do início ou do fim das atividades musicais, pois não as contemplam de todo.

As conhecidas condições caóticas a que se reduziu Campinas em abril e maio, por sua vez, reforçam a possibilidade real da inexistência de práticas musicais no perímetro urbano nesse período. Ao menos é o que se pode deduzir sobre a realidade de uma cidade com um reduzido número de habitantes, na convivência da doença e das privações. Não se pode dizer o mesmo, ou na mesma gravidade, sobre as famílias residentes ou refugiadas nas

4 Xisto de Paula Bahia (1841-1896) foi famoso ator, compositor e cantor. Compôs a primeira música gravada no Brasil em 1902, “Isto é bom”.

32

fazendas do município. Ao comentar sobre a estadia do casal Dafert na propriedade de seu pai, o Barão Geraldo de Resende, Amélia de Resende Martins relembra momentos musicais vividos enquanto a cidade era assolada pela epidemia:

Tinha, Mme. Dafert, uma linda voz; natural de Vienna, não podia deixar de ser musical... e quando não estavam os espíritos muito abatidos, vinha para nossa casa e, acompanhada por minha mãe, cantava os lindos Lieder de Schubert. (Martins, 1939: 403)

Na superação do primeiro surto epidêmico, alcançada apenas no mês de junho, com o retorno da maior parte da população que se ausentara, a cidade retomava seu cotidiano. Um primeiro registro no jornal pode levar a crer que o lento retorno à música se deu com a importante ação das bandas de música:

“Passeio público Amanhã de tarde irão tocar a banda de música Azarias de Mello e a banda italiana, reunidas sob a regência do professor Azarias. Entre outras composições serão executadas as seguintes: um grande pout-pourri do Trovador, um dito Omaggio a Bellini, um dito do Baile Brahms, o Hymno Alpino, de Carlos Gomes, e a marcha Uberaba, do maestro Presciliano Silva.” (Diário de Campinas, 29.06.1889).

Naquele domingo houve numerosa presença de ouvintes, e as bandas ainda se dirigiram ao Hotel Europa para tocarem no banquete oferecido em gratidão às comissões médicas e servidores que se destacaram durante a epidemia. De fato, pelos meses seguintes, observa-se grande esvaziamento da vida musical nos espaços do teatro e nas associações culturais. As corporações musicais, por sua vez, embora tenham elas mesmas passado por processos de reorganização, em muito sustentaram a continuidade das tradicionais audições públicas durante o ano todo. Pode-se citar ainda que poucos meses depois, em agosto, a Banda Silvestre estreava no jardim público como nova sociedade musical.

Em outubro, deu-se nova iniciativa em prol do desenvolvimento da música na cidade, através de um concerto organizado pelo proprietário da Casa Livro Azul, Antonio Benedito de Castro Mendes, que na cidade “teve importante atuação no campo cultural” (NOGUEIRA, 2001: 225). Pelo contexto e finalidade em que se realizou o chamado “Concertinho”, ao qual seu idealizador pretendia dar sequência em outras ocasiões, era muito provável que houvesse, de forma geral, uma dissipação do cultivo musical na forma desses encontros sociais. Justifica-se, assim, a ação inventiva de Mendes, e reafirma-se novamente seu papel como colaborador da vida cultural.

33

Esse concerto, já comentado por Nogueira (2001: 227-29) , realizou-se no salão da própria Livro Azul, cuidadosamente decorado, e no qual se achava um piano Cassel. Apresentaram-se ali o quinteto de cordas de Sant’Anna Gomes e outros músicos, como os pianistas amadores Antonio Lobo, advogado e figura de crescente importância política na cidade, e Maria Amélia de Freitas Guimarães, sempre presente em reuniões musicais. Várias das composições executadas eram de autoria dos próprios músicos, como o quinteto Il lamento degli orphanelli e a valsa Frederiquinho, do presente maestro Gomes, ou a Gavotta também para quinteto de cordas, da citada pianista, e se encontram guardadas no Museu Carlos Gomes5. Sobre o repertório, Nogueira ressalta a ocorrência de uma abertura, no cenário musical da cidade, para a apresentação de composições de autores locais, capazes de escrever obras de maior refinamento (NOGUEIRA, 2001: 229).

A visita de Carlos Gomes a Campinas ao final de 1889, no mês de novembro, ainda promoveu um momento festivo na cidade com a participação da Banda Azarias. Outras ocasiões comemorativas com acompanhamento musical das bandas foram também os festejos a Francisco Glycério, dias depois da proclamação da República, bem como as saudações, na estação, de sociedades campineiras vindas da capital, onde tomaram parte nas celebrações pela instituição do novo regime e do Governo Provisório no estado de São Paulo. Na ocasião, a Banda Italiana executou o hino “A Marselhesa”.

O ano parece ter seguido a seu fim sem eventos musicais de grande representatividade. A presença da epidemia na cidade afastara para longe as possibilidades de visita das tão frequentes companhias líricas e de zarzuelas, bem como a vinda de reconhecidos músicos ou grupos musicais para a realização de concertos. Ainda um tanto fragilizada, a vida musical, representada por seus conjuntos musicais, sociedades e diletantes, deveria buscar reconstituir-se em sua capacidade de articulação e inventividade nos próximos anos.

Um quadro mais positivo se desenharia em 1890, ainda que marcado pelo segundo surto epidêmico. Fora de menores proporções em relação ao primeiro, e embora também afetasse a regularidade da vida urbana, seus impactos sobre o cotidiano foram um pouco reduzidos.

5 Ver Nogueira, Lenita. W. Mendes. “Museu Carlos Gomes: catálogo de manuscritos musicais”. São Paulo: SP, Arte e Ciência, 1997. pp. 189, 190 e 324.

34

Logo no início do ano, encontrava-se na cidade a jovem violinista Giulietta Dionesi, cujos concertos no teatro atraiu grande público. Seria no mês de dezembro, como se verá adiante, que os meios musicais de Campinas se curvariam à presença da menina solista. No Club Semanal, ao final de janeiro, realizou-se um concerto dado por uma premiada harpista, Mathilde Cerutti, jovem instrumentista que passara pelo Conservatório de Paris. Na mesma soirée apresentaram-se o cantor Colantoni Rossi, o quarteto de cordas de Sant’Anna Gomes e as irmãs pianistas Freitas Guimarães. Dias depois, no mesmo Club, deu-se também o já tradicional concerto de aniversário do Club Mozart, organizado pelas alunas do professor de piano Luiz de Pádua.

A partir de meados de fevereiro, embora estando já a cidade sob o segundo surto de febre amarela, os festejos carnavalescos ocorreram com grande alarde, contrastando com o aspecto geral de tristeza e silêncio, deixado pelo abandono de muitos habitantes e pela apreensão dos que haviam permanecido. Embora não tenham sido muitas e extensas as festas de carnaval naquele ano, destacou-se a organização do Club dos Democráticos, com acompanhamento popular e carros alegóricos durante a tarde de domingo, e a presença da Banda Italiana. Ao salão do Rink, de igual modo, afluiu grande quantidade de pessoas.

Um recuo maior das atividades musicais se deu nos meses de março e abril, período mais crítico do ciclo epidêmico. Permaneceram em ação, de forma mais ou menos presente, as bandas de música, com destaque para a Banda Silvestre e a Banda Luiz de Camões. Em maio, os preparativos para a Festa do Divino através de bandos precatórios movimentam as ruas com a companhia de uma banda musical. Na festa religiosa, realizada em junho na paróquia de Santa Cruz, a música da orquestra unia-se à renovação dos ânimos na cidade:

Em todas as solenidades executou as peças respectivas a excelente orquestra dirigida pelo hábil maestro Sant’Anna Gomes (...) Durante as festas a cidade apresentou desusual (sic) movimento de povo, o que quer dizer que, felizmente Campinas voltou ao seu antigo estado de invejável animação. (Diário de Campinas, 10.06.1890).

A Festa do Coração de Jesus, na mesma paróquia, deu-se em um sábado à noite na praça Bento Quirino, iluminada para ocasião, e em cujo coreto tocou a Banda Silvestre, com grande participação popular. Na igreja os serviços de música haviam-se dado de forma especial:

35

A orquestra de amadores, auxiliada por alguns profissionais, que se prestaram desinteressadamente, esteve na altura de ser apreciada. Executou-se uma pequena, porém bonita missa francesa, com acompanhamento de piano, órgão e orquestra; a Ave Maria, mimosa composição de Leopoldo Amaral, cantada pela sra. D. Maria da Costa. (...) antes do sermão, as sras. D. Eliza Pereira e Bárbara Bueno cantaram um bonito dueto, com acompanhamento de piano, e duas flautas. Não só no respectivo templo como na procissão foi avultada a concorrência de devotos. (Diário de Campinas, 08.07.1890).

As festas de São Sebastião e de Nossa Senhora da Conceição, que se dariam em dezembro, tiveram a participação da orquestra sob a regência de Sant’Anna Gomes, com a execução da missa de Nossa Senhora da Conceição, de Carlos Gomes.

No teatro São Carlos, no segundo semestre do ano de 1890, registraram-se acontecimentos musicais com maior frequência em comparação com o ano antecedente, quando o espaço foi desvalorizado pelas circunstâncias mais graves da crise urbana. Considerando o período após a cessação da epidemia, em fins de junho houve ali um concerto de guitarras espanholas de onze cordas, dado pelos músicos José Martinez Toboso e Praxedes Gil Orozco. O repertório baseou-se em polkas, mazurcas, trechos de zarzuelas conhecidas e em fantasias de óperas de Verdi, gêneros que já eram do conhecimento e do agrado geral do público. Em setembro, apresentaram-se por duas noites “Os Três Bemóis”, artistas europeus cujo programa fora de grande aprovação no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os músicos traziam um espetáculo excêntrico, executando trechos de obras famosas, como Lucia de Lammemoor, em instrumentos desconhecidos e de sonoridades estranhas. Foi enorme a afluência de espectadores.

Em outubro o teatro recebeu a companhia dramática da atriz Adelina Castro, para a qual a orquestra, regida por Sant’Anna Gomes, tocou várias peças de seu repertório nas aberturas e nos intervalos dos espetáculos. A Companhia de Variedades apresentou, em novembro, operetas cômicas, cançonetas e comédias musicais, com muitos trechos bisados. No entanto foi ao final do ano, como já se disse, que se deu grande agitação na cidade pela presença da jovem menina de grande habilidade ao violino, Giulietta Dionesi. A série de seis concertos levou um massivo público ao teatro São Carlos.

Sendo sua precocidade já conhecida em Campinas, em sua chegada à cidade, na tarde do dia 07 de dezembro, Giulietta foi recebida na estação por membros da colônia italiana e por uma banda musical. No primeiro concerto, entremeado de comédias pelo grupo

36

dramático que a acompanhava, executou fantasias sobre Souvenirs de Faust e Un Ballo in Maschera. Na segunda noite, com o teatro repleto, apresentou o Grande Concerto Militar e Variações sobre o Tema do Carnaval de Veneza. Em seu repertório estavam o Neuvième Concert, de Beriot, Premier Rapsodie La Hongroise, de Hauser, o Andante Cantabile de Damela, o Cinquième Concert de Leonard a berceuse Dors mon Enfant de Loret.

Giulietta Dionesi

Para o último concerto, Giulietta saiu às ruas acompanhada de Sant’Anna Gomes e Emílio Grossoni, seu pianista acompanhador, para a venda dos últimos ingressos, pois não havia mais lugares nos camarotes e já se achavam vendidas 321 cadeiras. No concerto tomariam parte também D. Noemia Barbosa, aluna de Sant’Anna Gomes, o quinteto do referido maestro, formado também por Juvêncio Augusto Monteiro, Luiz Monteiro, João Monteiro e Emygdio Junior.

37

N. Celega: Quinteto Pompadour, pela senhorita Noemia, Juvencio Monteiro, L. Monteiro e João Monteiro e Emygdio Junior. Danela: Andantino e Polonesa Brillante di concerto, por Giulietta Dionesi, Sant’anna Gomes: Quinteto Melodia, por Noemia Barbosa, João Monteiro, Emygdio Junior, Luiz Monteiro e Juvêncio Monteiro. Paganini: Tema e Variazioni sul Carnavale di Venezia, por Giulietta Dionesi. Loret: Berceuse Dors mon enfant, por Giulietta Dionesi.

Também tomaram parte, embora não explicitado acima, as irmãs Freitas Guimarães, pianistas sempre presentes na cena musical dos concertos, executando uma fantasia de Weber a dois pianos, além de Antonio Benedito de Castro Mendes, tocando o Harmonicor-Julien6, instrumento francês de invenção recente. O grupo Gomes Vieira apresentou também a comédia Quincas Teixeira, e a Banda Italiana dos irmãos Tullio tocou trechos musicais durante os intervalos. Ainda no dia de natal ocorreu um derradeiro concerto, com a despedida de Giulietta.

Para o ano de 1890, portanto, pode-se apontar o início de uma tendência de ressurgimento da vida musical na cidade, principalmente através do retorno do público ao teatro, ainda que em eventos pontuais, e das festividades religiosas, em que atuaram músicos profissionais e amadores na execução de obras sacras. As associações culturais, ao que parece, foram muito pouco expressivas em comparação à regularidade de encontros musicais que de costume promoviam. Por outro lado, no mês de janeiro daquele ano, fundava-se uma nova sociedade recreativa, e Éden Campineiro.

Há também dois razoáveis indicadores de que nesse ano os meios culturais recuperaram-se de parte da estagnação que sofreram, que podem ser o principiante planejamento da instituição do que viria a ser o Centro de Ciências, Letras e Artes e a intenção da organização de um sarau em benefício de Maria Monteiro. Ambos reuniram, em diversos encontros, figuras do meio artístico e cultural, evidenciando, assim, uma rápida reconstituição das iniciativas culturais na cidade.

O quadro musical razoavelmente positivo que se observa deve-se, em grande parte, aos impactos um pouco menores causados pelo segundo episódio da epidemia. Foi

6 Chamado comumente de “órgão de boca” trata-se de um pequeno instrumento em que são acionados vários botões em série, dispostos sobre tubos que se ligam a um corpo semelhante a uma flauta. Seu som emitido lembra o de uma gaita. O exemplar referido no texto é do francês Louis Julien Jaulin,. Como empresário do ramo musical que mantinha relações comerciais com os Estados Unidos e Europa, A.B. de Castro Mendes poderia ter facilidades para obter e apresentar tais novidades.

38

possível para a cidade, mesmo sob um período crítico, estabelecer uma continuidade, ainda que frágil, das atividades culturais nas quais inscrevia-se a música. Tal continuidade pode ser traduzida pelas citadas festas de carnaval que se realizaram em meados de fevereiro ou pelas retretas musicais das bandas. A permanência de alguns setores da vida musical, mesmo durante os meses marcados pela epidemia, também se poderá notar em outros anos, com exceção de 1892, em que o surto epidêmico atingiu a cidade com força considerável.

No ano de 1891, por sua vez, a febre não se manifestou em forma epidêmica. Como novidade verificou-se, a partir do mês de junho, o retorno das companhias de zarzuelas e óperas cômicas, todas permanecendo por mais de um mês na cidade. Na ordem, apresentaram-se no teatro São Carlos a Companhia de Zarzuelas Espanholas da empresa Milone, a Companhia de Óperas Cômicas e Operetas da empresa Cartocci, esta recebendo da crítica comentários não favoráveis e pouco interesse por parte do público, e a Companhia Gargano, também de óperas cômicas. No mais, o ano apresentou poucos acontecimentos musicais de maior elaboração, de forma que a cena musical da cidade permaneceu centralizada nas apresentações dessas companhias. Daquele ano deve-se lembrar da fundação do Club Campineiro no mês de janeiro, associação que teria grande importância no cenário cultural da cidade.

Em 1892 houve o retorno do surto epidêmico, após um ano de trégua. Em janeiro, as atividades culturais ainda sucederam com normalidade, estando presente na cidade a já referida Companhia Gargano e seguida pela Companhia Maggi, empresa teatral, que parece ter atuado no teatro até inícios de fevereiro. A gravidade deste terceiro surto de febre amarela, no entanto, causou outra vez grande recuo na vida musical durante os meses de março e abril.

Em maio denota-se haver um recomeço, quando a Banda Azarias novamente apresentava-se no jardim público, com boa concorrência de espectadores. As celebrações do Mês de Maria também apontam para a retomada da normalidade. Em seu encerramento, ao final do mês, Joaquina Gomes Henking, irmã de Carlos Gomes, tomou parte na missa cantada na matriz de Santa Cruz, cantando o solo de uma composição de Sant’Anna Gomes, também seu irmão.

No teatro São Carlos, um conjunto lírico formado por cantores europeus de grande sucesso vindos de São Paulo – Capitani, Baldino e Elvira Roca, deram um concerto

39

vocal com peças de Boito, Wagner, Tosti, Ponchielli e Liszt. Em outubro, outro concerto, organizado pelo professor Moscatelli, que fixou residência na cidade para o ensino de instrumentos de cordas, teve a participação da soprano Lina Cassandro, vinda de São Paulo. Também contribuíram os professores Izauro Buzoni, Luiz e João Monteiro, G. Clivio e Próspero Marsicano. Este último era violinista, e ao que parece permaneceu em Campinas ao menos temporariamente. Sua berceuse L’ultimo baccio7, para quinteto de cordas, foi composta naquele ano de 1892 e encontra-se também no Museu Carlos Gomes.

A Grande Companhia Espanhola de Zarzuelas, propriedade de Luiz Milone, visitou a cidade no mês de setembro. Tendo alcançado grande sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo, pela qualidade de suas representações, obteve também a aprovação do público campineiro. Apresentou em seu repertório algumas zarzuelas já famosas, como O anel de Ferro, Jugar com Fuego, Los Magyares, La Guerra Santa, El molinero de Subiza. Ao final do ano intencionava vir a Campinas outra companhia do mesmo gênero, do teatro Minerva de São Paulo, o que não ocorreu, provavelmente pelo não preenchimento das inscrições para as récitas.

No último dia de dezembro foi apresentada ainda a revista “Campinas em 1892”, sob a direção de Henrique de Barcelos, com peças musicais produzidas localmente, como a valsa Primavera da professora Perpétua Duarte, e do professor Moscatelli, o Coro de Carnaval, entre outras. Tomaram parte também algumas dezenas de pessoas, representando os variados assuntos que perpassaram a cidade no decorrer do ano, demandando, certamente, não poucos preparativos para a concretização do espetáculo.

A organização de uma revista para o ano de 1892 aponta, portanto, para uma revalorização dos recursos musicais e artísticos da cidade, nos quais contribuíram de forma importante os próprios diletantes da arte. Ao lado do revigoramento sentido no meio musical através da ocorrência significativa de concertos e eventos no teatro, somou-se então a iniciativa dos próprios cidadãos, cuja imagem pode se resumir na pessoa culta e influente de Henrique de Barcelos, jornalista e articulador bastante representativo da vida cultural de Campinas.

7 Ver opus cit., p. 326.

40

Os três anos subsequentes de 1893, 1894 e 1895, por sua vez, representam um período de grande retomada da cidade em meio a seus enfrentamentos à crise epidêmica. A ausência de surtos nesse triênio proveu condições para que também a vida cultural campineira se restabelecesse mais fortemente, obtendo até mesmo novos avanços.

_____

O ano de 1893 destacou-se pela maior ocorrência de concertos ocorridos nos clubes e sociedades, o que não se observara com a mesma frequência até então. No mês de março, por exemplo, houve concertos nas associações culturais alemãs, como a do Club Teuto-Anglo-Saxonio, em que se deu um concerto instrumental entremeado por falas cômicas e humorísticas, e o Club Concórdia, onde se realizou uma festa musical. Em novembro, no mesmo Club, houve um grande concerto dado por Felicina Blesio, mezzo-soprano diplomada em piano pelo Conservatório de Milão, e por Fillipo Blesio, violoncelista, com a participação de Sant’Anna Gomes e Emílio Steudel.

Em dezembro o Club Semanal recebeu a cantora Gaetanina Friggeri, também auxiliada pelos professores Gomes e Steudel. Outros concertos de formato semelhante ocorreram em residências, como o oferecido pelo casal Blesio na casa de A.B. Castro Mendes, ou a soirée musical das alunas de piano da professora Perpétua Duarte.

Algo que se deve notar é a presença de dois professores de piano que retornaram a Campinas nesse ano – Manoel José Ferreira Penna e Emílio Steudel. As mais prováveis razões para a permanência fora da cidade, como foi a grande tendência de muitos, devem-se às circunstâncias difíceis da epidemia, embora ainda tenha-se verificado a presença de Ferreira Penna no concerto promovido na Casa Livro Azul, em outubro de 1889. Por se demorarem mais do que outros professores, como Theodoro Jahn e Joaquina Gomes Henking, que retornaram no ano de 1891, é possível dizer que no período considerado tenham servido em seu ofício musical com razoável estabilidade onde se fixaram. Isso se infere a partir do exemplo de Steudel, que desenvolvera vantajosamente merecimentos profissionais em São Paulo (Diário de Campinas, 16.03.1893).

Ferreira Penna, ao que parece, também esteve de volta à cidade pelos dias de março, ali sendo já largamente conhecido. Assim como Emilio Steudel, inseriu-se

41

rapidamente no meio musical do qual fizera parte, principalmente através de sua presença em concertos instrumentais. Sua relevância como professor de piano é destacada, tendo-se realizado em agosto um concerto organizado junto a suas alunas e, no mês seguinte, sob sua presidência, instituiu-se o “Club Sant’Anna Gomes”.

A reunião para a organização da nova sociedade musical, cujo nome homenageou o maestro campineiro, ocorreu na residência de D. Maria Clementina Bueno Bierrenbach, decidindo-se que o Club realizaria concertos de piano e canto de três em três meses, periodicidade revogada tempos depois. Uma das soirées musicais deu-se em novembro com um extenso programa, no qual participaram também Emílio Henking, Sant’Anna Gomes e Emilio Steudel, e nas partes de canto, D. Leonor Cardoso e alunas de Joaquina Gomes Henking:

1ª parte 1º HOROLD: Zampa – Overtura a 2 pianos e 3 mãos pelas exmas. Sras. Dd. Adelaide Ferreira, Esther Nogueira, Alzira Mascarenhas e Romilia Soares. 2º BEETHOVEN: La Molinara8, pela menina Zini Nogueira. 3º. VERDI: Falstaff, pela exma. Sra. D. Romília Soares. 4º. BEVIGNANI: La Floraja, canzone, pelas exma. Sra. D. Leonor Cardoso, acompanhada pelo dr. Penna. 5º. F. THOMÉ: Mandoline, pela exma. Sra. D. Petronilha Álvaro. 6º. GOTTSCHALK: Tremolo, pelo dr. Ferreira Penna.

2ª parte 1º. GUTMAN: Tirolesa para cítara, pelo sr. Emílio A. Henking. 2º. CARLOS GOMES: Guarany, dança a 4 mãos, pelas exmas, sras. Dd. Ercilia e Maria Alves. 3º. DUSSEK: Chantons L’Hymen, pela menina Alda Penteado. 4º. DONIZETTI: Linda de Chamonnix, cavatina pela exma sra. D. Eliza Fonseca. 5º. LEONCAVALLO: Pagliacci, pela exma. Sra d. Alzira Mascarenhas. 6º. CHIMERI: C’est toi que j’aime!, pela exma. Sra. D. Mocita Egydio. 7º. SANT’ANNA GOMES: Saudade, melodia para violino e piano, pelo autor acompanhado pela exma. Sra. D. Joaquina Henking.

3ª parte 1º. CARLOS GOMES: Guarany, overtura a 4 mãos pelas exmas. Sras. Dd. Vicentina e Noemia Bierrenbach.

8 O programa deve estar se referindo às Seis Variações, pequenas peças para piano, de Beethoven, sobre temas dessa ópera, cujo autor é Giovanni Paisiello (1740-1816).

42

2º. BEETHOVEN: Allegro da Sonata em Sol Maior, pela menina Carmen Nogueira. 3º. RAFF: Polka de la Reine, pela exma. Sra. D. Esther Nogueira. 4º.GASTADON: Musica Proibida, melodia, pela exma. Sra. D. Leonor Cardoso, acompanhada pelo dr. Ferreira Penna. 5º. ALX. LEVY: Allegro Appasionato, pela exma.sra.d. Adelaide Ferreira. 6º. CHOPIN: Rondó a 2 pianos, pelos srs. Dr. Ferreira Penna e Emílio Steudel.

No teatro São Carlos houve relevantes eventos durante todo o ano. Em abril realizou-se um concerto, com a presença da orquestra e de professores, em benefício do experiente cantor Giovanni Scolari, baixo-profundo. Na noite de 1º de julho, o teatro foi espaço de uma grande celebração musical organizada pela comunidade alemã como parte das comemorações pelo 30º aniversário da Sociedade Alemã de Instrução e Leitura.

Para a ocasião, uniram-se aos coros das sociedades Concórdia e Einträcht, de Campinas, os coros Lyra e Chor der Wilden, vindos de São Paulo. Durante o sábado do concerto, após a recepção das sociedades convidadas na estação, deu-se o ensaio geral no teatro São Carlos e, logo após, na matriz da Conceição, três dos coros cantaram acompanhados do órgão. No concerto da noite, o repertório compunha-se predominantemente de obras corais de compositores alemães, como Beethoven, Mendelssohn, Heinrich Pfeil e Franz Abt.

Nesse ano de 1893 também tomaram lugar no teatro os espetáculos oferecidos pelas companhias dramáticas, como a Furtado Coelho, Phenix e a da importante atriz Ismenia Santos, que apresentaram em seu repertório os gêneros das revistas, zarzuelas e vaudevilles. Entre setembro e outubro, no entanto, deve-se notar o retorno da representação de óperas, trazidas pelas companhias italianas Ferrari e Verdini. Ao que se observa, desde 1889 o gênero estivera ausente da cidade, mas as razões devem-se em maior parte, talvez, à crise epidêmica e seus desdobramentos.

Apresentando-se somente por duas noites, a Companhia Ferrari, recebida com grande entusiasmo na cidade, fez sua estreia com La Favorita, de Donizetti, obtendo aberta aprovação. Como segundo espetáculo, representou a cômica Falstaff, nova obra de Verdi, cuja estreia havido ocorrido em fevereiro daquele mesmo ano, em Milão. Despertando um grande interesse no público campineiro, que correspondeu com o teatro repleto, a companhia obteve novo reconhecimento.

43

A Companhia Verdini trouxe à cidade uma temporada variada com as óperas italianas Aida, Rigoletto e Ernani, de Verdi, Lucrezia Borgia, de Donizetti, Cavalleria Rusticana, de Mascagni e Il Barbiere di Siviglia, de Rossini, despedindo-se com Carmen, de Bizet. Mais uma vez externou o público, com a presença e com aclamações, sua satisfação pelas boas representações. No ano seguinte, 1894, a mesma companhia retornou ao teatro, representando outros conhecidos títulos, como Il Trovatore, de Verdi, Faust, de Gounod e Norma, de Bellini. Por ocasião dessa temporada, deu-se a primeira representação na cidade de La Gioconda, de Ponchielli,9 embora alguns de seus famosos trechos já fossem cantados em concertos.

Ainda que pareça ser esse um quadro positivo para a ópera na cidade, ao tratar sobre a questão de sua popularidade em Campinas em um período um pouco anterior a este, Nogueira constatara que, desde fins da década de 1870, o gênero decaíra do interesse geral, frente a um público cada vez mais inconstante e crítico. Assim, as operetas, revistas e zarzuelas ganhavam crescente espaço, pois “(...) aparentemente o público havia se cansado dos dramalhões e da constante repetição das mesmas obras, chamando atenção que a ópera mais recente a ser apresentada até 1889 na cidade foi Un ballo in maschera de 1859.” (NOGUEIRA, 2001: 86).

O que ocorre nesses últimos anos do século XIX, por sua vez, parece ser uma revalorização da ópera, que se observa a partir de 1893 e que se manifesta ainda na mesma década. Se não se trata, porém, de um novo ciclo de culto do público ao gênero, este passa ao menos a partilhar algum espaço com outros gêneros musicais de maior acolhida naquele momento. O que pode ser apontado como razão para o interesse do público seria, provavelmente, a representação de óperas ainda não vistas em Campinas. Cavalleria Rusticana (1889) e Falstaff (1893) são exemplos de óperas bastante recentes àquele momento, estreadas na Europa em 1890 e 1893, respectivamente, e que logo estiveram presentes no teatro São Carlos. Aida, Carmen, Faust e La Gioconda também passaram a ser representadas na cidade, entre 1893 e 1894. Também seriam nesses anos derradeiros do século em que o público campineiro assistiria a três óperas de Carlos Gomes.

9 Amilcare Ponchielli (1834-1886) foi vizinho e amigo de Carlos Gomes em Maggianico, na província de Lecco, onde o compositor brasileiro construiu sua residência, a Villa Brasilia. Hoje, seu prédio abriga uma escola de música municipal.

44

A primeira encenação de Il Guarany na cidade deu-se mesmo em 1894, por ocasião da temporada da já referida companhia Verdini, em que contribuíram vários músicos campineiros para a melhor composição da orquestra, cuja regência foi ocupada por Sant’Anna Gomes.

Levada ao palco do teatro São Carlos, portanto, no dia 19 de junho, em uma terça- feira, Il Guarany traduziu-se como um grande acontecimento musical para Campinas, quando finalmente uma ópera de Carlos Gomes, e a de maior representatividade, foi apresentada em sua cidade natal. Tomaram os principais papéis G. Simoni, como Peri, Bianca Montesini, como Cecília, A. Verdini como Gonzalez e A. Mori, como Dom Antonio de Mariz.

Segundo a crítica feita por José de Campos Novaes no Diário de Campinas, a primeira representação da ópera foi boa, e a despeito de algumas deficiências nos coros, as partes principais foram muito bem cantadas. Dois dias depois houve uma segunda récita, também sem excelência absoluta, em parte devido às condições um pouco enfraquecidas dos recursos daquela companhia. Longe de deter-se nesses senões, o fato é que o público presente nas duas noites, lotando o teatro como poucas vezes se vira, demonstrou enorme entusiasmo, externando-o com grandes ovações aos cantores e em especial, ao regente Sant’Anna Gomes. Sobre a estreia, José de Castro Mendes também comenta que o espetáculo era aguardado com grande interesse. “Foi um delírio! Sant’Anna Gomes, na regência da orquestra, comovido, tornou-se alvo das calorosas homenagens tributadas ao seu glorioso irmão distante.” (Mendes, 1963: 33). Embora grande parte de tal entusiasmo geral deva-se à proximidade afetiva do público campineiro com o autor da ópera, esse episódio traduz, por sua vez, o poder simbólico da música de Carlos Gomes sobre aquela sociedade, poder que transformou um espetáculo operístico em extraordinária festa musical.

Nesse ano também realizaram-se novamente vários concertos, como o do Club Sant’Anna Gomes, o de Giovanni Scolari, no Club Lago di Como, ou o do Club Silvester, no qual tocou uma orquestra recém-organizada regida pelo maestro Max Landmann. No mês de agosto, no salão do Grêmio Comercial, os irmãos Rabello, já conhecidos em diversas partes do país, proporcionaram uma apresentação musical um pouco diferente, ao executarem peças em seus violões de forma inusitada, como se vê na segunda parte do programa:

45

1ª parte Brilhante Valsa com introdução ‘Eu e Ela’. O carnaval de Veneza, com variações. Variada Polka ‘Chapeu de Pelo’. Forte dobrado ‘Rei do Mundo’. Valsa ‘Minha Esperança’. Peça de Harmonia ‘O Sonho’.

2ª parte Excelente polka executada sobre as costas. A valsa ‘Saudade’ executada com o cotovelo!10 Rica variação executada com o violão envolto em pano. Valsa ‘O Choro’ executada com uma só mão! Terminará esta festa musical com a execução do Hino Brasileiro.

Sobre 1894 também é válido lembrar a formação de uma nova banda, dirigida por Manoel da Costa Roriz, cuja estreia se deu em julho, por ocasião de um leilão de prendas em benefício da sociedade Camões. A banda Roriz oferecia-se, como as outras, para tocar em festas de igreja, casamentos, batizados e bailes.

A vida musical no ano de 1895, semelhantemente aos últimos dois anos, permaneceu em um quadro de desenvolvimento cultural. Nesse sentido, pode-se citar a atuação do Grupo Infantil Protetor do Liceu de Artes de Ofícios, em cuja direção artística achava-se Henrique de Barcelos. As peças apresentadas ao público incluíam partes musicais, como os coros, e eram executadas pela orquestra. Entre as composições tocadas durante o espetáculo, que reuniam peças de autores famosos, como Offenbach ou Gounod, incluíam-se também várias de autoria local, como as do amador Leopoldo Amaral e do próprio Barcelos. Destaca-se aqui a prática da educação cultural de crianças, inserindo-as no meio artístico.

Entre os concertos de 1895, houve grande destaque para o ocorrido em janeiro no São Carlos, com a presença da cantora italiana Itala Calvé e do qual participaram a violinista Giulietta Dionesi Grossoni11, o barítono Luciano Vetorazzo e vários outros músicos. O programa constou de quinze peças, entre as quais figuravam trechos operísticos de Wagner, Ponchielli, Verdi e Carlos Gomes, além de composições de Pierné, Paganini, Sant’Anna Gomes e outros. Também é válido lembrar que no teatro eram muitos os eventos artísticos, como peças dramáticas ou cômicas, que incluíam partes musicais pela orquestra ou por músicos e cantores. A audição de conhecidos trechos de óperas ou de obras sinfônicas

10 Provavelmente trata-se da composição de Sant’Anna Gomes, posteriormente arranjada para quarteto de cordas por Carlos Gomes em 1885. 11 Giulietta Dionesi tornara-se esposa de seu pianista acompanhador, Emilio Grossoni.

46

diluíam-se, muitas vezes, em espetáculos do mais diversos, sendo que a experiência musical abrangia a quase totalidade das ocasiões de divertimento.

Foi também nesse ano que se inaugurou em agosto a Banda Ítalo-Brasileira, corporação que se tornaria um dos principais grupos musicais do gênero da cidade. A princípio composta de 19 figuras, era dirigida por Constantino Suriani.

______

Nos anos de 1896 e 1897 deram-se os dois últimos surtos de febre amarela. Em 1896 houve, no entanto, um diferencial que marcou os meses mais críticos da epidemia, março e abril, que não se vira até então nos outros anos. Embora o Teatro e as associações estivessem fechados, e mesmo as comemorações da Semana Santa estivessem suspensas, alguns esforços particulares, através de uma subscrição, estimularam a presença das bandas de música no jardim público, algumas vezes por semana. A partir de julho, companhias de zarzuelas, de óperas e de operetas realçam novamente a vida musical da cidade, ao passo que nas festas religiosas também se articulam muitos músicos e cantores.

Nesse ano, ainda, três novas corporações musicais iniciaram suas atividades, sendo elas a Banda Brasileira, de Azarias de Mello, a Orquestra e Banda Campineira, de Sant’Anna Gomes e outros professores, e a Sociedade Musical dos Empregados da Companhia Paulista, dirigida por José Moreira Lopes.

Com o falecimento de Carlos Gomes no dia 16 de setembro, na cidade de Belém do Pará, Campinas foi tomada pela movimentação de sua sociedade na organização das devidas homenagens ao maestro conterrâneo, constituindo-se uma comissão especial para esse fim. As celebrações a sua memória iniciaram-se com uma missa solene no dia 22 de setembro, estando presente a orquestra de Sant’Anna Gomes, na qual contribuíram professores de uma companhia de zarzuelas que se achava na cidade. Foram cantados Salve Regina e Benedictus, de Valdealde, por artistas da mesma companhia.

Um programa foi organizado para a recepção do corpo embalsamado, que chegou a Campinas no dia 24 de outubro, após ter saído de Belém e passado pelo Rio de Janeiro e por Santos. Na tarde desse dia, os despojos foram recebidos na estação por um acompanhamento,

47

em cuja composição achavam-se membros representantes das várias sociedades e instituições, civis e militares, tanto da cidade como de fora. Uma banda de música tocou o Hino Nacional e a sinfonia de O Guarany.

Foram percorridas algumas ruas, enfeitadas com bandeiras e insígnias, até a Matriz da Conceição, que devidamente ornamentada, servira de local para a visitação pública nos dois dias seguintes. Na noite do dia 26, realizou-se uma sessão fúnebre no teatro São Carlos, que foi totalmente tomado. Presidiram o ato autoridades e influentes figuras locais do meio intelectual.

Na solenidade, após a exibição de um retrato a óleo de Carlos Gomes, a orquestra, sob a regência do maestro Antonio Leal, executou a sinfonia de O Guarany, que foi ouvida em pé pelo público. Entre os discursos que se proferiram foram cantados O Ciel de Parahyba, de Lo Schiavo e Ballata, de Il Guarany, por Eliza Monteiro e uma aria de Fosca, por L. Vetorazzo. Também tomou parte o Coro Concórdia, com a entoação de dois hinos. A orquestra executou ainda Marcha Fúnebre de Luiz Levy, escrita para a ocasião, sobre motivos de Salvador Rosa, do maestro João Gomes de Araújo, Marcha Fúnebre sobre motivos de O Guarany, e ao final, novamente, a mesma protofonia da famosa ópera.

Acompanhamento fúnebre de Carlos Gomes em Campinas Acervo fotográfico do Centro de Memória da Unicamp

48

No dia 27, às onze horas, celebrou-se uma missa cantada à grande orquestra, sob a regência do maestro Gomes Cardim. Às três horas da tarde, enfim, conduziu-se o corpo pelas ruas até seu jazigo provisório no Cemitério Municipal, cedido pela família Ferreira Penteado.

Ao final do ano, chegou à cidade a Companhia Lírica Sanzone, permanecendo até ao ano seguinte, 1897. Sua temporada foi dedicada a Carlos Gomes, apresentando em seu repertório mais duas óperas ainda não representadas em Campinas, Fosca e Salvador Rosa, embora somente a primeira tenha sido comprovadamente levada à cena. A estreia da companhia, no dia 23 de dezembro, deu-se com Il Guarany. Antes da sinfonia de abertura, no entanto, a orquestra executou o Hino Nacional, o que leva à percepção de uma continuidade da necessidade de se estabelecer uma relação entre a imagem do maestro e a representação de sua música como símbolo nacional, também no período republicano. A mesma ópera foi novamente encenada no dia 6 de janeiro, em récita extraordinária.

A ópera Salvador Rosa foi anunciada para o dia 28 de dezembro de 1896, mas algumas dificuldades na montagem adequada dos cenários determinaram, a princípio, o adiamento para a noite seguinte. O ponto duvidoso é que não se encontrou ainda referência alguma a sua representação nos comentários diários da crítica musical, apenas os anúncios da companhia, o que torna inseguro afirmar que a encenação dessa ópera ocorrera de fato naquela ocasião. Fosca foi levada à cena no dia 8 de janeiro de 1897, na qual cantaram a soprano Annunziata Stinco-Palermini, como Fosca, o tenor José Vilalta, como Paulo, a também soprano Ada Bonner, como Délia, e o baixo Donato Rotoli, como Gajolo. Pela destacada qualidade da companhia, especialmente por sua orquestra, o agrado foi geral, manifestando-se o público do teatro de forma positiva, como sempre o fora por ocasião das representações das óperas de Gomes.

O ano do último surto epidêmico, 1897, deu-se de forma semelhante, com razoável continuidade das atividades musicais durante o ciclo da epidemia, e no segundo semestre, observou-se nova retomada, com a realização de concertos como o do violinista cubano Raphael Díaz-Albertini e dos músicos portugueses José Vianna da Motta (1868- 1948), pianista e compositor e Bernardo Valentim Moreira de Sá (1853-1924), violinista.

49

Na música lírica, destacou-se a Companhia Lírica Italiana da empresa Ballesteros, apresentando as óperas A Força do Destino, Aida, La Gioconda, Il Barbiere di Siviglia, I Pagliacci, Cavalleria Rusticana, Fausto e O Guarany, esta muito bem executada e com grande concorrência do público nas duas vezes em que foi levada à cena.

Pelo que se registra, a última companhia de ópera vinda a Campinas antes do findar do século foi a Verdini, em maio de 1898. No dia 02 de junho, quinta-feira, assistiu-se também pela primeira vez em Campinas A Noite do Castelo, primeira ópera de Carlos Gomes. Representada em português e com bom desempenho, recebeu vultosa saudação do repleto São Carlos.

Os anos finais do século XIX seguiram-se com perfil musical muito semelhante aos anos antecedentes, caracterizados pela constância e fluência das atividades musicais, atingindo o meio musical um grau considerável de suas capacidades de articulação, organização e iniciativa. No entanto, embora a vida musical da cidade tenha-se reerguido de maneira notável entre anos críticos e bons, e de maneira geral tenha reconquistado ou substituído pessoas e recursos a seu favor, sofrera duas perdas de forma mais prolongada, compensadas somente vários anos depois.

A primeira perda refere-se ao Colégio Florence, no qual o elevado nível de ensino de música às alunas contribuíra grandemente para sua formação musical, sendo que “muitas atuaram como pianistas e professoras” (Nogueira, 2001: 304). No primeiro ano da epidemia, transferiu-se para Jundiaí, retirando da cidade sua boa influência. Em 1900, por sua vez, com a fundação do Colégio Progresso, estabelece-se em Campinas uma instituição muito semelhante àquela na educação musical, abrigando, depois de algum tempo, o Conservatório Santa Cecília.

A segunda perda, reparada dez anos depois, se trata da extinção da Orquestra Campineira, cuja atuação fora de grande relevância para a cidade. No entanto, ao iniciar-se o ano de 1899, no dia 8 de janeiro, no teatro São Carlos, ocorreu a primeira reunião para a instituição da nova orquestra, reunindo diversos professores e amadores, presididos por José Moreira Lopes. Duas comissões foram constituídas para a organização da orquestra e de uma sociedade protetora. O cargo de regente diretor caberia a Sant’Anna Gomes, auxiliado por Moreira Lopes e José Brachetto. Após nova reunião no mesmo mês, elegeu-se uma diretoria

50

provisória para a sociedade auxiliadora, e para a formação da orquestra, achavam-se quarenta e dois nomes, entre músicos profissionais e amadores.

Buscando uma visão geral sobre a vida musical da cidade durante o período até aqui abordado, observa-se que, ao final do século, encontravam-se superadas as rupturas causadas pelos recuos temporários durante os surtos epidêmicos. Como se viu, as primeiras tentativas de recuperação do cotidiano musical nos anos iniciais da epidemia foram marcadas por maiores dificuldades, deparando-se com lacunas onde anteriormente havia constantes atividades e acontecimentos artísticos. Durante o período de três anos em que não houve surtos de febre amarela, no entanto, percebe-se que a favorável situação possibilitou o enriquecimento de tal vida musical.

Um crítico musical, ao comentar um concerto realizado pelo Club Sant’Anna Gomes, discorre acerca dos efeitos negativos da crise sobre o meio cultural de Campinas, descrevendo, no entanto, o ressurgimento da antiga agitação cultural em 1894:

Hoje que a Campinas d’outrora parece ressurgir, como a Phenix antiga, imponente das próprias cinzas, é com indizível prazer que registramos, de coração, tudo quanto nos vem trazer provas irrefragáveis de que um grande sopro de vitalidade e de progresso galvaniza de novo a grande Capital do Oeste. Bailes, concertos, cenáculos artísticos e literários, tudo o que forma a grandeza de um povo que, mais do que tudo mostra o grau de sua civilização, a força de seus elementos de criação, a grandeza de sua iniciativa, eis o que tem sido a Campinas d’estes últimos tempos. (Diário de Campinas, 07.03.1894).

A despeito dos dois últimos surtos que ainda ocorreriam em 1896 e 1897, a vida musical só teria, a partir de então, movimentos ascendentes. É também necessário lembrar que ao lado de tantos desligamentos, houve também importantes permanências. Azarias Dias de Mello, por exemplo, manteve-se sempre à frente de sua banda musical, reorganizando-a duas vezes. A presença constante de José Pedro de Sant’Anna Gomes, por sua vez, foi fundamental, pois contribuindo através de sua influência, conhecimento e poder de articulação, constituiu-se, de fato, em uma coluna musical da cidade. Sobressaem também as figuras dos professores de música, muitos dos quais não se ausentaram permanentemente e retornaram a seus círculos de alunos. Outros que, vindo de fora e ali se fixaram, da mesma forma enriqueceram as atividades musicais locais. As ideias e os esforços de A.B. de Castro Mendes em prol da música também devem ser considerados, através da organização de concertos, bem como as iniciativas culturais de Henrique de Barcelos.

51

Diante da realidade de tal ressurgimento musical em Campinas, algumas considerações fazem-se necessárias. Destaca-se em primeiro lugar uma questão de ordem social, que aqui emerge de forma a justificar, ao menos em parte, a capacidade de permanência e regeneração da vida musical nesse período. Durante a crise epidêmica, nos momentos mais críticos provocados pelos surtos iniciais da febre amarela, como já se disse, houve o esvaziamento do espaço urbano, no qual se ausentaram com maior facilidade e segurança as parcelas sociais economicamente privilegiadas.

Gozando de maiores possibilidades de retorno e restabelecimento na cidade, pela conveniência de suas condições materiais, a elite, seguida das classes médias, achou-se em situação favorável para buscar e reconstruir sua vida cultural. Admitindo-se, portanto, a existência de uma liderança cultural das classes altas, e levando em conta sua resguardada condição diante da crise, torna-se evidente que o reerguimento da vida musical da cidade une- se à problemática da epidemia pelo viés social.

Um aspecto que também se torna relevante é a constante iniciativa particular na busca pela satisfação das necessidades culturais, característica bastante visível e intrínseca àquela sociedade. As diversas associações e comunidades proviam por si mesmas a criação dos espaços, meios e circunstâncias para a concretização dos seus interesses, inclusive aqueles relativos às práticas musicais. Conservando-se, no geral, resistentes aos períodos de momentânea desregulação sofridos pela cidade, a grande maioria das agremiações e sociedades perpetuaram-se em suas ações, embora passando por reorganizações12:

Graças a essa capacidade generalizada em organizar-se, revelada pela sociedade local, com certeza as suas diferentes normas de mobilização para responder de maneira eficiente e pronta aos muitos desafios que se apresentavam à cidade foram exitosas. (LAPA, 2008: 149).

É também certo que o notável dinamismo cultural que Campinas manifestava desde seu florescimento econômico deu-lhe condições de reconstituição e reinvenção na questão musical, recorrendo às heranças e referências de que já dispunha. Por outro lado, as forças das tradições, manifestas no viver íntimo ou no coletivo, agiram de forma reguladora do tempo cíclico da cidade, exigindo de seus moradores os esforços e os recursos para a reconstrução da normalidade e sua fluência. Assim, musicalmente, impunham-se as

12 Uma das associações que passou pelo processo de reorganização foi o Club Semanal, como se verá no capítulo 2 em “Associações culturais”.

52

necessidades de uma constante continuidade sobre o conjunto de hábitos, das costumeiras práticas às esmeradas festividades artísticas ou religiosas.

Por fim, deve-se lembrar do lugar central ocupado pela música no universo social e cultural da cidade. Estabelecendo sua onipresença, do viver cotidiano às grandes celebrações, a música achava-se inserta nas mais diversas culturas urbanas em sua totalidade. Transpondo os reveses das crises, malgrado as limitações, a vida musical de Campinas reafirmou-se, reencontrando e abrindo caminhos para sua passagem.

53

Capítulo 2

A música e seus espaços: palcos, salões, altares e ruas

2.1 O Teatro São Carlos

O primeiro teatro campineiro abrira suas portas ainda em 1850, alguns anos depois de Campinas elevar-se de sua condição de vila para a de uma cidade. Construído e mantido por uma associação teatral, o Teatro São Carlos ergueu-se como espaço de representação da modernidade, tornando-se fundamental para a vida cultural ali observada, que se intensificaria na década de 1870. Nesse tempo, centralizava os mais diferentes eventos artísticos e de divertimentos, de óperas e concertos a espetáculos de variedades.

Junto ao teatro, emergiu também a figura de um público, sendo bastante intrínsecas as relações surgidas entre o espaço e seus frequentadores. Enquanto adequavam-se os padrões de comodidade do recinto teatral, modificavam-se também os padrões de comportamento dos espectadores.

No entanto, o movimento ascendente em seus níveis de acolhimento ao público, observado pelas adaptações feitas nas acomodações até avançados anos de 1870, pareceu declinar após esse período, de forma que, em pouco tempo, o teatro deixaria de cumprir seu papel satisfatoriamente.

Na década de 1880 registram-se duras críticas ao prédio, já considerado incapaz de corresponder adequadamente, por sua estrutura um tanto ultrapassada, ao desenvolvimento da cidade, nem às necessidades das companhias artísticas que o visitavam. Naqueles mesmos anos surgiram também as discussões sobre a urgência da construção de um novo teatro, levando a iniciativas concretas para a tal finalidade que, no entanto, não apresentaram resultados devido a dificuldades com a Câmara Municipal. (NOGUEIRA, 2001: 60-1).

Ao passo que a insatisfação pela insuficiência do São Carlos tornava-se generalizada – insatisfação que duraria por todos os anos restantes da existência desse espaço – o teatro passava por frequentes reformas, como as efetuadas entre 1886 e 1887. Grandes melhoramentos, como a ampliação dos camarins e dos camarotes, a construção das escadarias

54

laterais e de um amplo salão na parte térrea contribuíram para elevá-lo a uma condição razoavelmente superior, complementada ainda com novas ampliações em 1889. (idem, p.63).

Não obstante os recorrentes esforços de adequação do prédio teatral, outra comissão com a finalidade de construir o novo teatro achava-se organizada no início de 1896, formada, entre outras figuras expoentes, por Bento Quirino dos Santos e pelo Barão Geraldo de Rezende. O movimento cessou, no entanto, devido às momentâneas dissoluções ainda trazidas pelo surto epidêmico daquele ano.

De forma considerável, o acanhamento do São Carlos passou a resultar, em muitos casos, no próprio distanciamento de seu público. Em 1898, começando a se tornar um velho e repetido tema na imprensa, a urgência de um novo teatro volta à tona expondo uma plausível relação entre o interesse do público por espetáculos artísticos, a qualidade das companhias líricas ou dramáticas e a falta de capacidade estrutural do teatro São Carlos. Defende o redator que, sendo o teatro incapaz, por suas limitações, de corresponder às expectativas das melhores companhias, atraindo apenas as de nível inferior e de menores exigências materiais, o público campineiro manifestava-se, então, desinteressado em comparecer a tais espetáculos, sendo pouca a concorrência nessas ocasiões:

Se, muitas vezes, vemos o teatro vazio quando aqui trabalham companhias, não se explica o fato pela pouca estima que o público inteligente de Campinas preste às questões de arte. Poucos são mais dedicados à arte; nenhum, como ele, exigente. E, nessa exigência, se deve ir buscar a origem, a razão suficiente, precípua, do abandono em que, por vezes, o nosso povo deixa esta ou aquela empresa teatral. Assim é que o público, ou repleta o teatro quando são boas as companhias de variedades que por aqui aparecem, ou para assistir as revistas tão ao gosto de nosso paladar apimentado. Às companhias dramáticas ou líricas, ele pouca ou nenhuma atenção presta. Também, benza-as Deus! As que nos dão a honra de uma visita, são quase imprestáveis ou pouco menos. Compreende-se, pois, nesses casos, a frieza do público, como se compreende bem o seu entusiasmo, quase delirante, para com empresas de primeira ordem, como a Ferrari. Deem-nos um bom teatro capaz de comportar encenações regulares, e com lotação suficiente aos gastos das boas companhias, e vereis como o teatro será procurado pelo povo, ora como distração, ora como meio de educação popular dos costumes. (Diário de Campinas, 12 de outubro de 1898).

Percebe-se que as grandes insuficiências do teatro resumiam-se, por um lado, em sua pequena capacidade de lotação – o que, além de não oferecer conforto ao público, tampouco fazia-se em número suficiente para cumprir as expectativas de lucro das maiores companhias artísticas, e era o que levava, não raro, ao encarecimento do preço das localidades. O outro aspecto referia-se às limitações espaciais de seu palco, que não

55

comportava a grande mise-en-scène e os coros das trupes líricas. O lugar reservado para as orquestras era, de igual modo, reduzido.

Em setembro de 1899, finalizaram-se novas reformas, dessa vez apontadas por um relatório do engenheiro municipal. Ainda em 1898, notavam-se grandes fendas na parede lateral direita, devido ao escoamento da água da chuva para a rua 13 de Maio e que, retidas no local pela estrutura anexa do botequim e infiltrando-se nas bases do prédio, causavam os perigosos danos. Aparentemente, os reparos efetuados em 1899 atenderam a quase todas as indicações, com uma completa limpeza e pintura do teatro, sendo as paredes internas e o teto pintados de verde ultramar, bem como as grades de ferros dos camarotes, varandas, galerias e da plateia, acrescidos de detalhes em dourado. As exigências incluíram obras de complemento de canalizações no prédio do botequim e o calçamento do largo em frente ao teatro. Este último melhoramento, no entanto, só foi totalmente cumprido alguns meses depois, em meados de 1900.

As melhorias, embora frequentes, pareciam não contemplar de todo as muitas necessidades do teatro. Em uma noite de novembro de 1902, quando a companhia Sansone apresentava o primeiro ato de Il Guarayi, uma forte tempestade provocou o alagamento do palco, atingindo também a plateia (Cidade de Campinas, 06.11.1902). Pouco tempo depois, em janeiro do ano seguinte, por ocasião da temporada da companhia lírica Rotoli, as reclamações davam-se em torno da má iluminação do teatro e da precariedade do palco cênico e das dependências, cujos reparos eram urgentes (idem, 30.01.1903).

Após algum tempo, com as reformas de 1906, os camarins foram completamente pintados e melhor iluminados e ventilados, e às janelas adaptaram-se vidros resguardados por arames. As maiores transformações, porém, deram-se nas varandas laterais, nas quais a má disposição dos assentos ao fundo impunham dificuldades na visibilidade do palco. Tal deficiência, na prática, resultava em perda na venda dessas localidades, evitadas pelo público. Para a solução, o projeto do engenheiro René Renault propunha a conversão das varandas em quatorze camarotes, nos quais uma inclinação em seu nível garantiria a visão do palco a todos os seus ocupantes. Medindo 1,5m de frente e 2m de fundo, seriam também ricamente decorados com pinturas internas, franjas amarelas e sanefas de veludo carmesim, e ao fim proporcionariam, junto às varandas em semicírculo ao fundo, um número de 108 lugares.

56

O relatório da associação para o ano de 1906 confirmava a adaptação dos camarotes, bem como a nova pintura do interior e exterior do teatro, além da instalação de três grandes lâmpadas incandescentes sobre a plateia. Houve também vários melhoramentos nos cenários, cujas peças necessitavam de reformas há mais de quinze anos. O pano de boca pintado por Alexandre de Concilis e Bertoni, no entanto, foi alvo de alguns comentários desfavoráveis de um certo articulista no Correio de Campinas, nos quais julgava inapropriada a seminudez das musas da arte ali representadas. Ao rebater tais críticas, um artigo do Cidade de Campinas revela que a pintura fora, na verdade, inspirada em uma obra artística que se encontra na Ópera de Paris.

Lia-se também no Commercio de Campinas que as obras no teatro não corresponderam de todo às expectativas gerais:

A transformação das varandas em uma espécie de frisas traz vantagem unicamente à empresa, que encarece as localidades; a iluminação não é das melhores; o pano de boca é positivamente inferior ao velho, ao substituído, e assim por diante. Todavia, há uma face boa na transformação, que é, além de higiênica, muito decente, e essa consiste na limpeza que fizeram em todas as paredes, gradis, forros, etc. (Commercio de Campinas, 07.02.1907)

O fato era que, entre as muitas reformas, o antigo dilema do palco diminuto perpetuava-se. O mesmo crítico acima, que escrevia sobre a representação de Aida, expunha que a estreia havia sido infeliz,

e o há de ser sempre representada com deficiências, com sacrifícios e com dificuldades insuperáveis no pequeno palco do S. Carlos, que não comporta a exibição da formosa peça tal é, como tivemos ainda o ensejo de verificar na entrada dos prisioneiros e das trompas do 2º ato. (idem)

Os primeiros anos do novo século não pareciam apontar tempos de prosperidade à associação teatral. Segundo seus relatórios anuais, o teatro havia sido ocupado somente 18 noites em 1904, e em 1905, 46 vezes. No ano de 1906, o número de ocupações foi de 30 noites, 12 das quais atuou a companhia dramática de Ismênia dos Santos. Esse fato destaca-se por haver essa trupe declarado na imprensa grande insatisfação pelas condições contratuais para o aluguel do teatro, cujo preço, somado a outras custos, resultaria no valor de 570$000, pagos com antecedência. Como expressava a declaração:

57

Nas condições horrorosas exigidas pela diretoria do teatro não há companhia que venha trabalhar aqui. E é por isso que o teatro está e estará sempre fechado. Trabalhar ali é perder pela certa. A companhia Ismênia dos Santos irá trabalhar no Rink. Faz bem. As despesas são muito menores e o povo quando quer ver espetáculos não se importa com o local. A prova aí está nos espetáculos dados pelo cinematógrafo. O teatro São Carlos está definitivamente fechado. Não há empresário que não se benza, ouvindo falar nele. (Commercio de Campinas, 08.08.1906)

Em face à iminente perda de contrato, mostra o relatório um recuo por parte da diretoria, diminuindo o preço do aluguel de 270$000 para 250$000 por noite, incluindo ao valor os serviços de gás para a iluminação, bem como os do gasista, maquinista, auxiliares para mudanças de cenário, porteiros e bilheteria. Ainda houve, no entanto, grandes dificuldades em serem contratadas outras companhias, que se negavam a vir à cidade sem a prévia cobertura de assinaturas. No fechamento das contas daquele ano, devido às reformas, restava ainda um déficit de 2:701$010, que deveria ser recuperado ao longo de 1907.

Novamente, nesse novo ano não houve avanços, tendo a associação reduzido o aluguel ainda para 225$000 por noite. Embora a casa tenha sido ocupada mais vezes em relação ao ano anterior, o pagamento restante de dívidas e a manutenção do teatro não possibilitou a emergência de um melhor quadro financeiro. Uma justificativa recorrentemente apresentada pela diretoria, cuja presidência era ocupada por Antonio Álvares Lobo, dava-se em torno das gerais dificuldades por que passavam as empresas teatrais naqueles anos, devido à recessão econômica que atingia, primeiramente, os círculos culturais.

Em busca de soluções, observa-se que em abril de 1908 a associação firmou um acordo com a empresa F. Serrador e Comp., proprietária do teatro de Curitiba e arrendatária de dois teatros em São Paulo, a fim de também arrendar o teatro São Carlos pelo período inicial de um ano, sob um aluguel de 18:000$000. A empresa Serrador, portanto, promoveria a vinda de companhias.

Em 1909, um novo investimento foi feito na modernização do teatro, com a instalação da luz elétrica, em substituição à iluminação a gás. Os estudos para a implantação do melhoramento haviam começado no ano anterior, e os gastos para a execução deram-se em mais de 5 contos de réis. A iluminação elétrica, por sua vez, exigiria custos mais reduzidos do que o antigo sistema, proporcionando menores despesas.

O número de ocupações do teatro pouco havia aumentado, voltando-se a diretoria às razões econômicas que há tempos apontava. Por esses anos, a grande popularização das

58

sessões cinematográficas passa a constituir fator relevante para a explicação do esvaziamento das casas tradicionais. Em Campinas, o Teatro Rink havia se adaptado rapidamente às novidades do cinema, atraindo grande público. Demandando menos custos que outros espetáculos e tornando os bilhetes mais acessíveis, tais atrações passaram a ser uma prática central nos hábitos urbanos.

Teatro São Carlos em 1914, encontrando-se o Largo Ruy Barbosa já arborizado. Arquivo Fotográfico de Centro de Memória

Também o teatro São Carlos buscava transformar-se em sala de projeção, recebendo empresas do ramo. No entanto, marcadamente a partir do ano de 1909, surgiram novos espaços dedicados exclusivamente às exibições de filmes, como o Cine Bijou e o Cine Recreio. Em 1910, o Casino Carlos Gomes inaugurou-se como casa de espetáculos e cinema, ampliando ainda mais a oferta de programas de entretenimento ao público que, até então, dispunha de apenas dois teatros na cidade.

Diante de sensíveis mudanças, percebe-se então a confirmada descentralização por que passava o antigo teatro que, no entanto, ao menos em alguns momentos, adaptou-se satisfatoriamente ao novo gênero de diversão pública. Em 1918, por exemplo, instalou-se ali

59

por vários meses o Cine-Fox, da empresa Vianna e Bianchi, e em 1919, o Cine de Luxo, de Thomaz Ortale. Ainda durante alguns meses de 1920, retornou o Cine-Fox. A partir de julho de 1921, a empresa Ortale novamente instala-se com o Cine São Carlos13, oferecendo sessões até ao ano seguinte, nos derradeiros dias de funcionamento do teatro.

Durante a última década de sua existência, é necessário considerar, no entanto, a vinda de um número razoável de companhias de operetas, e até mesmo de companhias líricas, ainda que poucas. De certa forma, no caso das companhias de revistas e operetas, gêneros que mantinham sua popularidade por esse tempo, havia que concorrer com o Rink, que recebia em seu grande espaço muitas trupes. O São Carlos era, às vezes, procurado por grupos dramáticos locais ou para alguns raros concertos.

Um tanto surpreendente pareceu a iniciativa de sua Associação quando, próximo a 1920, anunciou grandes reformas que transformariam estruturalmente o velho edifício, e ao final poderiam ser somadas em mais de 300 contos de réis. O projeto de Mariano Montesanti previa a demolição de quase todo o prédio, permanecendo somente as paredes da rua José de Alencar, que abrigavam a caixa, e as paredes laterais de taipa da plateia. A fachada, refeita em estilo renascentista vienense, avançaria oito metros à frente e mais de dois metros para cima, e sua entrada principal teria cinco metros de largura. Seriam acrescidas saídas pelas ruas laterais, salas internas e camarins.

A capacidade total do teatro seria de mais de 1340 lugares, com poltronas giratórias na plateia, cuja sala aumentaria em tamanho, e as frisas, em maior número, perderiam suas colunas de ferro fundido, com ampla vista sobre o palco. Além de camarotes no segundo plano, haveria setenta balcões de foyer, encimados, no último plano, por galerias. O palco, por sua vez, ganharia dois metros em altura, e mais de um metro em largura e profundidade. Entre outras ampliações, o local para a orquestra teria mais espaço, com quinze metros de lado a lado, e quatro metros da frente ao fundo, em um plano inferior ao da plateia.

13 O Cine São Carlos instalado no teatro difere-se do cinema de mesmo nome localizado à rua Cesar Bierrenbach, inaugurado somente em 1924.

60

Fachada do novo Teatro São Carlos segundo o projeto de M. Montesanti Fonte: Diário de Campinas, 20.01.1920

O grandioso projeto parece não ter sido nem em partes executado, pois deveria ser posto em obras com um auxílio da Câmara, que lhe foi negado. Enquanto falava-se sobre reformas para meados de 1920, a permanência desse teatro e suas grandes pretensões de renovação eram motivo de indignação nas páginas dos jornais. Voltando à deficiência visceral daquele espaço, José de Campos Novaes, crítico musical e até mesmo um acionista do mesmo teatro, além de julgar a reforma do pardieiro um desastre, escrevia:

Digo com sumo pesar que a falta de dimensões do cenário onde nunca pode ser disposto uma perspectiva qualquer, das que são vulgaríssimas nos teatros de São Paulo, é aqui coisa nunca vista nem lembrada. Que as 800 pessoas que cabem na atual plateia e camarotes sejam elevadas a 1200 ou mais, nada adiantará, se as peças forem minúsculas operetas, porque nem essas conseguem se adaptar aos metros de boca do S. Carlos. (...) De que nos vale renovar o corpo das galerias e camarotes demolindo as paredes, se o teto do cenário não pode ver subir durante um intermezzo os panos, sem que se proceda a carpintaria que adapta as condições exíguas do local. Alguém já se lembrou que os palcos exigem uma altura dupla da boca de cena, o que faz o teto ser mais alto do que a cúpula sobre a plateia? Conservar os camarins laterais como coisa valiosa, sem atentar a tudo isso é erro que

61

mais tarde será imperdoável e até incompreensível para os campineiros do futuro. (Diário de Campinas, 22.02.1920)

A urgente necessidade de uma iniciativa eficiente para a construção de um teatro adequado à cidade movimentava discussões há décadas. Se para algumas tentativas já havidas ao final do século XIX o poder municipal concorreu com empecilhos, no correr do novo século parece haver uma postura diferente de sua parte. Em março de 1913 foi apresentado um projeto de lei na Câmara assinado por Raphael Andrade Duarte e outros vereadores, cuja proposta seria conceder um auxílio de 50 contos de réis à empresa ou companhia que construísse um teatro com custo mínimo de 300 contos de réis. Haveria isenção, ainda, dos impostos predial e de metros corridos pelo prazo de quinze anos. Tempos depois, em 1917, por deliberação da Câmara, fora o Largo Carlos Gomes posto à disposição para a construção do teatro.

Em 1919, ainda nenhuma resposta manifestara-se às propostas da Câmara, de modo que fortalecia-se a ideia de que o teatro deveria ser, de fato, uma iniciativa propriamente do poder municipal. Finalmente, no ano de 1921, novo projeto de lei foi apresentado por Raphael Duarte, então prefeito de Campinas. Aprovada em setembro daquele ano, em seu primeiro artigo a nova lei deveria autorizar a Prefeitura a construir o Teatro Municipal mediante projetos e plantas previamente aprovados pelo poder legislativo. O segundo artigo, no entanto, autorizava a prefeitura “a fazer um empréstimo interno de até 700:000$000 (700 contos de réis) pagável no prazo de 10 anos a juros de 8% e amortização de 7%.” E o artigo terceiro, por sua vez, deliberava : “Para garantir o pagamento dos juros e as amortizações, ficam alterados a partir de 1922 em diante os impostos predial, viação (metros corridos) e indústrias e profissões (...)” 14

Os meses que antecederam a aprovação final da lei foram de intensa discussão e contrariedades na imprensa campineira e até mesmo na de São Paulo e de outras cidades. Na Câmara, a princípio, apenas Álvaro Ribeiro, vereador e jornalista, havia votado contra o projeto, que fatalmente atingiria as classes menos favorecidas em suas já precárias condições econômicas. A ele uniram-se depois Araújo Mascarenhas e Paulo Pupo Nogueira. No Diário do Povo, liam-se apelos em seus constantes editoriais combativos ao projeto:

14 Lei nº 272 In: Câmara Municipal de Campinas. “Leis, resoluções e mais actos promulgados durante o ano de 1921.” pp. 8-9.

62

E o contraste será tristíssimo, porque ao tempo em que os abastados e remediados se repimparão em poltronas, frisas, camarotes e balcões, apreciando boa música, as pernas das bailarinas e escandalosos vestuários, com automóvel à porta do teatro, esperando para reconduzi-los às confortáveis residências, onde em fofos leitos sonharão com as delícias de um magnífico espetáculo, em quantos lares paupérrimos faltarão o pão e o leite, graças ao aumento do aluguel, proveniente dos impostos que serviriam para proporcionar essas regalias aos ricos? (Diário do Povo, 08.07.1921)

Entre os muitos argumentos contrários à lei nas sessões da Câmara, considerava- se a exorbitância do valor a ser tomado, cuja aprovação seria impossível caso uma revogada lei estadual ainda estivesse em vigor, a qual impedia as municipalidades de contraírem empréstimo com juros e amortizações maiores que a quarta parte de sua renda. Outra desvantagem viria também sobre os distantes bairros e distritos administrados por Campinas, que deveriam receber, de igual forma, o aumento de impostos, ainda que não tivessem fácil acesso ao Teatro. Este último discutido ponto foi revisto, entretanto, limitando-se os referidos tributos apenas à sede do município.

Não foi suficiente, porém, a oposição dos poucos vereadores frente à força imputada ao projeto pelo prefeito e a restante maioria. Com a promulgação da lei, ocorrida a 5 de setembro, Álvaro Ribeiro interpôs ainda um recurso junto ao Senado, mas sem efeito.

O novo teatro, cujo lugar para a construção também fora ponto de discordância, deveria ser erguido no mesmo local em que se localizava o Teatro São Carlos. Embora essa opção tenha exigido algumas desapropriações por utilidade pública de prédios ali existentes – dificuldades que também se apresentariam na hipótese de serem escolhidos outros locais, como a praça Bento Quirino – tais adaptações fizeram-se necessárias para a ampliação daquele espaço. A oficialização da escolha do terreno, no entanto, fora feita somente em março de 1923, pela promulgação da lei municipal nº 304. Algumas opiniões discordantes, como a da imprensa, apontavam outros locais para o erguimento do novo prédio teatral, como a Praça Imprensa Fluminense.

Duas deliberações de 1922, por sua vez, já versavam sobre a compra e a demolição do antigo teatro do Largo Ruy Barbosa. Primeiramente, a resolução nº 664 de 24 de março de 1922 autorizava a Prefeitura a adquirir todas as ações da Associação Campineira Teatro São Carlos pelo preço unitário de 20$000, para tanto usando de parte do empréstimo. A lei nº 286 de 24 de junho de 1922 concedia a autorização para a demolição do teatro, além da abertura ao recebimento de projetos, cujo limite de custos deveria ser de 600 contos de

63

réis.15 Entre dezoito propostas, o projeto finalmente escolhido por meio de uma comissão julgadora foi o dos arquitetos Chiappori e Lanza, e o contrato para a construção foi firmado com Mariano Montesanti. O Teatro Municipal começaria a ser construído em 1924, sendo inaugurado somente em 1930.16

A entrega do prédio à prefeitura, anteriormente prevista para o primeiro dia de julho, deu-se somente ao final de outubro, após a dissolução de algumas pendências entre a Associação do teatro e seu arrendatário – a empresa Ortale, que ocupava o espaço com o Cine São Carlos. Iniciando-se a demolição no mês de novembro, o velho edifício já não existia nos inícios de 1923.

Uma sessão cinematográfica do Cine São Carlos em 1922 mostra o interior do teatro pouco tempo antes de seu fechamento definitivo. fonte: Acervo do Correio Popular

15 Resolução nº 664 In: Câmara Municipal de Campinas. “Leis, resoluções e mais actos promulgados durante o ano de 1922.” pp. 65-6. Lei nº 286 In: idem, pp. 30-1. 16 O Teatro Municipal de Campinas fora denominado Carlos Gomes somente em 1959 e demolido em 1965. Vários documentos, seu processo de idealização arquitetônica e construção, bem como de informações técnicas sobre o próprio Teatro São Carlos encontram-se na tese de Maria Alice F. Pedroso: “Metáfora da Modernidade: Teatro Municipal Carlos Gomes”. Tese de doutorado. Campinas: Inst. de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, 2003.

64

O desaparecimento do Teatro São Carlos não era, no entanto, a geral e unânime vontade de seus frequentadores, apesar de sua desventurada missão em ser a representação cultural da sociedade campineira. Saudosismos e até mesmo uma moderada valorização do espaço como capaz de oferecer alguma utilidade combinavam-se em alguns discursos:

Não é um serviço completo para o povo dar-lhe um teatro em troca de outro. Este não se presta mais para acompanhar o grau de adiantamento da cidade, como o seu melhor palco; mas serve para pequenos conjuntos, para cinemas ao menos, e é – seja bom ou mau – mais um ponto de divertimento. (...) o que é preciso repetir é que não há necessidade de se arrasar esse prédio, que não é uma relíquia histórica, nem monumento arquitetônico, nem raridade de acústica, mas é, de segunda ou terceira ordem – um teatro, e o será por longos e dilatados anos se merecer a graça de nossa Câmara... (A Onda. Nº4, junho/1922. p.1)

Opiniões semelhantes a essas, por sua vez, confrontavam-se com outras mais preocupadas com a estética urbana, para a qual o antigo teatro constituía-se em grande desfavor. Para o projetista engenheiro M. Montesanti, em momento algum de sua história fora o São Carlos uma digna construção:

Muito se tem comentado sobre a demolição do velho edifício do teatro com o objetivo de dar lugar à construção do novo que ora se projeta. A miúdo ouvimos censuras vociferadas contra a administração pública, que, em boa hora, tomou essa resolução altamente salutar. ‘ –É um desrespeito às tradições’, dizem a una voce aqueles que outro motivo não atinam para conservar tal excrescência em pleno coração da cidade. ‘–É descaso do esforço dos antepassados’, dizem outros. Que esforço? Teria sido, talvez, o supra summum da arquitetura há setenta anos, aquele pardieiro feio que ali se ergue para um testemunho injusto de um legado feito de atraso e falta de gosto? Absolutamente não, pois a arte sã e apurada não nasceu nos tempos de agora, e sim em época que se perde nas noites dos tempos. Obra barata e feita à matroca não representam esforço digno de menção. Se assim fizeram, não foi por falta de meios pecuniários nem de modelos decentes a que recorrer, principalmente naquela época na qual era fácil a fortuna. É isto que se quer guardar como tradição digna? (Diário do Povo, 04.10.1922)

É necessário considerar, por outro lado, a influência do contexto no qual inscreveu-se a história desse teatro. Sua longa permanência fez frente a discordantes discursos, nos quais as pretensões de evolução intelectual e cultural sobressaíam-se advindos de um dominante ideário positivista e progressista. Almejado como símbolo desse imaginário, a não concretização em seus espaços de uma vida cultural de mais altos níveis passou a constituí-lo como um não-símbolo, ou uma falha na representação do progresso da cidade.

Tendo ao fundo um desfavorável cenário composto por tal tom discursivo, o avanço populacional característico do crescimento das cidades no período da transição dos séculos, aliado às variações nas práticas de divertimento social, para as quais houve

65

considerável especulação empresarial, contribuíram para reforçar, de certa forma, a fragilidade do antigo teatro, cuja centralidade na vida cultural campineira tornou-se cada vez mais questionável.

Ao fim, para além de sua realidade física, o teatro São Carlos deve ser tido como uma construção simbólica da sociedade que o tornou alvo de suas idealizações de civilidade e adiantamento. Malgrado as limitações de sua estrutura tenham-se feito incongruentes às aspirações artísticas do público campineiro, sua existência deve ser observada em perspectiva junto ao universo circundante, em que características culturais, socioeconômicas e até mesmo de ordem ideológica arranjaram-se e contribuíram para a formação de sua imagem e para a dotação de seus sentidos no interior da lógica urbana.

É necessário relevar o importante papel desempenhado pelo primeiro teatro junto à formação cultural da sociedade na qual se inseria. Erguendo-se como espaço artístico na cidade que buscava suas faces modernas, trouxe a esta uma representatividade cultural de destaque, inscrevendo-a no contexto maior das movimentações artísticas reservadas aos centros urbanos mais desenvolvidos.

Para além de suas condições materiais, o Teatro São Carlos constituiu-se como espaço de sociabilidade e de cultura musical de longa permanência, e como fator fundamental na geração de conhecimentos e de posicionamentos críticos relativos à arte, sob os quais educou-se seu público. Ao menos, junto às críticas alusões que persistentemente permearam sua história, devem também essas contribuições permanecer em sua memória.

66

2.2 O Teatro Rink

Muito frequentado desde sua abertura, em 1878, o Teatro Rink fez-se um espaço de grande agitação artística e, assim como o Teatro São Carlos, também contribuiu com o desenvolvimento e a formação dos hábitos culturais urbanos relacionados ao entretenimento e ao lazer. Foi seu primeiro proprietário Floriano Álvaro de Souza Camargo e chamou-se inicialmente Rink Campineiro, situando-se sempre entre as atuais ruas Barão de Jaguara e Conceição. De longa existência, reunia em seu grande recinto divertimentos mais populares. De pista de patinação ao som de valsas tocadas por bandas de música, passou a palco para exibição de espetáculos como companhias equestres e de variedades, que combinavam apresentações de animais, palhaços cantantes, acrobatas e equilibristas.

No período das festas carnavalescas, encontravam-se ali receptivos bailes, nos quais corporações musicais de destaque na cidade participavam com os gêneros mais característicos. De fato, o Rink tornou-se importante cenário na história do carnaval campineiro, pela regularidade de seus eventos festivos. Seu palco era ocupado também por companhias de operetas, revistas e de gêneros alegres e cômicos, e até mesmo por alguns instrumentistas em concerto, embora mais raramente.

Os primeiros cinematógrafos itinerantes, que a partir de 1896 passaram a circular por Campinas, tiveram no Teatro Rink um acolhedor espaço de divulgação, atraindo um numeroso e cativo público. Os programas oferecidos em diversos dias da semana trouxeram uma crescente aceleração das atividades no local, que tenderiam a se potencializar com as frequentes novidades e melhoramentos da tecnologia cinematográfica.

Desde o final da década de 1880 havia projetos de demolição da estrutura, e em 1891 intencionava-se fazê-lo para a construção de um novo teatro. O novo prédio, desenhado pelo engenheiro e arquiteto Ramos de Azevedo, teria um porte moderno e corresponderia às exigências de conforto dos espectadores, e seria capaz de receber companhias líricas de segunda ordem, além de possuir aparelhos para prevenção de incêndios e saídas externas para o público. Em comentário final sobre a notícia de um possível novo teatro, escreveu-se:

Esperamos e muito desejamos que o esforçado cidadão [Floriano Álvaro] mande encetar já aquelas obras com os requisitos indispensáveis a um teatro asseado, higiênico e livre de momentaneamente converter-se em túmulo de preciosas vidas. (Diário de Campinas, 12.06.1891)

67

Não naquele momento, um outro teto viria a desabar sobre muitos jovens, na conhecida tragédia de 1951, que demarcou o fechamento definitivo do então Cine Rink. 17

A reformulação proposta em 1891, no entanto, não foi levada a cabo, de forma que em 1896 registram-se apenas algumas reformas e melhoramentos no antigo pavilhão. No início de 1903, após outros retoques e limpezas, o espaço reabria-se para receber novos programas. Dessa vez, os camarotes contavam com mesas para o maior conforto do público, que poderia consumir bebidas durante os espetáculos. Um comentário na imprensa, no entanto, ainda referia-se ao prédio como velho, feio, esburacado e com todos os defeitos, mas vinha ao fim confirmar que “tudo passa... e o Rink fica.”

Nesse mesmo ano, por um período indefinido, mas aparentemente curto, um novo proprietário, F. Cassoulet, assume o então Rink Concerto, fazendo-o palco de cançonetistas, à semelhança do Teatro Politheama, de São Paulo. Em 1908, ano em que se instala ali a luz elétrica, parece haver nova tentativa de compra por Duarte de Rezende, embora sem confirmação. Sabe-se que em 1913, o Rink passa da empresa Bueno e Penteado ao novo proprietário, J. Solidário Pedroso.

Solidário Pedroso foi o responsável por uma significativa reforma no velho teatro, ocorrida entre julho e agosto de 1917, e na qual Arlindo de Mello, engenheiro da Companhia Mogiana, contribuiu para retirar uma incômoda coluna central do barracão, que por vezes tornava-se inconveniente para a visibilidade do palco. Externamente com melhor estética, no espaço interno houve ampliações no número de localidades, com 22 camarotes, 21 frisas, 800 cadeiras e 600 gerais. Além do provimento de um largo saguão, as dimensões da caixa e dos camarins foram aumentadas, e os camarotes ganharam corredores. A nova abertura do Teatro Rink deu-se em setembro, com um brilhante programa.

Com grande capacidade de atração e de adaptação às diversas formas de entretenimento público, pode-se afirmar que o Teatro Rink possuiu uma positiva trajetória, embora estruturalmente pouco agradável às exigências de seus frequentadores. Embora nada se assemelhasse a um verdadeiro teatro, suas variadas fases de reinvenção deram-lhe as condições para manter-se em franca atividade no cenário artístico campineiro, construindo-se como espaço de rica memória coletiva e cultural.

17 O trágico episódio ocorreu alguns anos depois transformação do antigo barracão em um grande prédio de cinema, durante uma matinê no dia 16 de setembro de 1951.

68

2.3 Concertos nos teatros

Os teatros foram importantes para a realização de concertos, destacadamente o Teatro São Carlos. No entanto, com o surgimento de associações culturais que promoviam encontros sociais e saraus como o Clube Semanal, com sede própria desde 1873, e a criação da sociedade de concertos Carlos Gomes, houve uma mudança na preferência de local para essas apresentações musicais (NOGUEIRA, 2001: 152). A fundação do Club Campineiro em 1891, e posteriormente o surgimento do Centro de Ciências e do Grêmio de Cultura Artística, ampliariam ainda mais os espaços da música de concerto na cidade.

Os concertos de Giulietta Dionesi e de outros grupos de músicos, já comentados anteriormente, trouxeram significativas atividades de concerto ao Teatro São Carlos durante a última década do século XIX. Pelos motivos indicados, poucos seriam os programas musicais realizados nesse espaço nos anos seguintes. Em 1905, por ocasião de um grande festival literário e musical em favor do Hospital da Beneficência Portuguesa, alguns músicos locais tomaram parte na apresentação. Elisa Monteiro cantou Il sogno, de Mercadante, acompanhada ao piano e ao violoncelo por Emílio Steudel e Luiz Monteiro. O tenor Machado de Oliveira cantou a ária de Tosca, de Puccini, e um grupo instrumental de cordas formado por onze músicos executou o Minuetto de Giovanni Bolzoni (1841-1919). Nas aberturas das partes do programa foram ainda apresentadas pela orquestra as aberturas de Norma, de Bellini, Le nozze di Figaro, de Mozart, e de Los diamantes de la corona, zarzuela de música de Francisco Barbieri.

Após 1913, ano em que se apresentou o famoso violinista húngaro Franz von Vecsey (1893-1935), realizaram-se concertos no teatro somente em abril de 1915, com a presença de uma orquestra composta por 50 músicos e dirigida por Francisco Murino, do Centro Musical de São Paulo, fundado por Savino De Benedictis (1883-1971). Este foi um compositor e professor italiano radicado no Brasil com grande atuação no ensino musical na capital paulista, além de participar da fundação da Academia Brasileira de Música. Na primeira noite foi executado o seguinte programa:

69

G. Verdi – Sinfonia Vespri Siciliani Bolzoni – Minuetto Agostino Cantù – Andante mesto G. Verdi – Prelúdio do 4º ato de La Traviata João Gomes – Sinfonia em Dó Menor: Allegro, Andante, Scherzo e Allegro finale Beethoven – Sinfonia n.1 em Dó: Allegro, Andante, Minuetto e Allegro molto vivace. C. Gomes – Sinfonia de Il Guarany

No repertório da orquestra paulistana pode-se notar o aproveitamento de obras de compositores presentes na recém-fundada instituição de ensino musical da cidade, o Conservatório Musical de São Paulo. Paolo Agostino Cantù (1878-1943), maestro italiano, estabeleceu-se em São Paulo em 1908 para lecionar no Conservatório, fundado dois anos antes, e o brasileiro João Gomes de Araújo (1846-1943) foi um dos fundadores dessa instituição e autor de seis sinfonias e de várias missas. Com poucas alterações nos autores das peças apresentadas na segunda noite, os concertos não atraíram um grande público. No ano seguinte, um dos músicos organizadores das séries orquestrais, Raphael Bernabei, havia comparecido novamente a Campinas a fim de promover outra programação semelhante, na qual participaria o jovem pianista campineiro Mário Monteiro. Sem registros encontrados, os concertos parecem não terem sido levados à cidade, talvez devido a certa indiferença do público.

Em abril de 1916, dois reconhecidos solistas de origem russa exibiram-se na mesma noite no teatro – a pianista Chura Botelho e o violinista conhecido como Mischa . Chura Botelho ou Alexandra Markoff, sobre quem pouco se sabe, nasceu na cidade de Petrogrado, Rússia, e foi aluna de . No Brasil, casou-se com Martinho Carlos de Arruda Botelho, advogado e intelectual natural de Rio Claro. Nesse concerto, em que mostrou elevado nível técnico, tocou entre outras as peças de número 1, 4 e 8 da série Kleisleriana, de Schumann, e Marcha dos Aliados, de sua autoria, certamente uma referência ao contexto da Primeira Guerra.

A apresentação do virtuose Mischa Violin deu-se com grande impacto sobre o público presente. Parece tratar-se do violinista judeu Mikhail Saulovich Elman (1891-1967), nascido em território russo hoje pertencente à Ucrânia. Após seus estudos no Conservatório de São Petersburgo, alcançou grande reconhecimento na Europa e nos Estados Unidos e, sob a era das reproduções musicais, deixou grande legado discográfico. Após um concerto de

70

Paganini, sendo chamado várias vezes ao palco, tocou ainda Les Valses de Vienne, de Fritz Kreisler, uma composição de Corelli e uma peça própria intitulada Dois olhos.

Dois concertos menores ainda ocorreriam no teatro no mesmo ano, com o guitarrista português Salgado do Carmo, acompanhado do violonista Armando Duque, de boas referências pela imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro. Entre peças de autoria própria e fados, foram executadas Sento una forza indomita e Senza tetto, senza cuna, de Il Guarany, de Gomes. Em dezembro realizou-se o concerto de despedida do tenor campineiro Santino Giannattasio, que retornaria à Europa. Nele tomaram parte Alice Gomes Grosso, filha do maestro Sant’Anna Gomes, seu esposo Rodolfo Grosso e Salvador Bove, músicos e professores atuantes na cidade.

Embora de um ambiente afeito a diversões mais populares, no palco do Teatro Rink também foram dados alguns concertos, notavelmente a partir de 1915. Em novembro desse ano, realizou-se ali um festival artístico, com o barítono brasileiro Luiz de Freitas, acompanhado do poeta Fonseca Junior e do baixo Cezar Reco, que cantou a ária da ópera Ernani, de Verdi, e Nont’amo più, de Paolo Tosti. Em dezembro do ano seguinte, apresentou- se o elogiado violonista brasileiro Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928). Compositor da famosa valsa Abismo de Rosas, era famoso por tocar perfeitamente sem fazer a inversão das cordas do instrumento, e é a quem se atribui o mérito de haver introduzido o violão às salas de concerto.

Mischa Violin retornou a Campinas em agosto de 1919, e apresentou-se no Rink à sua maneira de exibição, com peças de efeito. Entre as principais estavam Ciaccona para violino, de Bach, um concerto não especificado de Mendelsshon, um Scherzo de Beethoven, Zapateado, de Sarasate e Souvenir de Moscou, de Henryk Wieniawski (1835-1880). Acompanhado ao piano por , alcançou de novo grande aprovação do público.

Michel Livchitz, outro violinista russo de perfil virtuosístico, veio à cidade em 1921. Ao seu primeiro concerto, realizado no Teatro São Carlos sem grande audiência, seguiu-se outro no Rink. Nessa ocasião tocou de Weniawski o Prémier Grand Concerto, o Caprice Viennois de Kreisler, o Caprice n. 6, de Paganini, além de peças menores, como Rêverie, de Schumann. Entre Mischa Violin e Michel Livchitz, nota-se a presença constante da obra do compositor e violinista polonês Weniawski, de grande atuação na Rússia e de

71

projetada influência sobre os violinistas do país. Fritz Kreisler (1875-1962), austríaco e também violinista, firmou-se como outra referência sobre a geração contemporânea de músicos de seu instrumento.

Nesse mesmo ano ainda ocorreram dois concertos vocais no Rink. O cantor Fregolini possuía notável flexibilidade vocal ao cantar em quatro registros diferentes – tenor, barítono, baixo e soprano. Segundo os comentários da imprensa que antecederam sua apresentação, o concerto dado no Conservatório Musical de São Paulo havia sido aguardado com muito interesse. Em outubro, o barítono chileno Leopoldo Gutierrez, que havia passado pela região nordeste do país e trazia boas referências da imprensa de Recife, apresentou-se ao lado do soprano Lina Barberi em um concerto a preços populares:

1ª parte 1. Bizet – Canção do Toureador, da ópera Carmen – L. Gutierrez 2. Puccini – Sì, mi chiamano Mimi, da ópera La Bohème – L. Barberi 3. a) L. Gutierrez – Amore!, romanza. b) Brahms – Wiegenlied, canção alemã – L. Gutierrez c) Canção do Aventureiro, da ópera Il Guarany – L. Gutierrez 4. Verdi – Ritorna vincitor!, da ópera Aida – L. Barberi 5. Verdi – Qual voce! Come? Tu, donna?, dueto da ópera Il Trovatore – L. Barberi e L. Gutierrez

2ª parte 1. Toselli – Visione, serenata apaixonada – L. Barberi 2. Gounod – Dio Possente, da ópera Fausto – L. Gutierrez 3. Giordano – La mamma morta, da ópera Andrea Chénier – L. Barberi 4. a) Percival – O pinhal, canção brasileira. b) Leoncavallo – Prólogo da ópera I Pagliacci – L. Gutierrez 5. Carlos Gomes – Sento una forza indomita, dueto da ópera Il Guarany.

As árias e duetos de óperas ainda se fazem dominantes em concertos de música lírica, mas notam-se algumas canções independentes. Tem-se a conhecida melodia de Brahms de temática infantil, talvez a mais conhecida berceuse, e a canção O pinhal, do compositor Armando Percival, cujo nome era Virgílio de Oliveira Castilho (1886-1969). A presença desta canção, junto à serenata do italiano Enrico Toselli (1883-1926), autor da famosa Rimpianto, parece indicar a ascensão das canções de cunho mais popular com temática romântica em meio aos concertos vocais, com a valorização da produção contemporânea desses estilos. A crescente divulgação musical de vários compositores, através da reprodução fonográfica, deu passagem e acolhida a composições de caráter mais ligeiro nas apresentações musicais em que imperavam obras mais próximas ao universo erudito. Deve-se ressalvar que

72

essas possibilidades davam-se, aparentemente, devido ao conteúdo e formas cheias de lirismo dessas composições, aproximando-as do ambiente de concerto.

Lina Barberi Acervo Digital Teatro São Pedro de Porto Alegre

Embora com pouca frequência nos teatros, os concertos musicais mostram um caminho marcado pela permanência de repertórios e tipos de apreciação e também pela diversificação de apresentações e introdução de estilos, como os concertos de violão ou guitarra portuguesa. Ainda que valorizados culturalmente, esses programas musicais nem sempre encontravam grande público nas salas teatrais. Às razões iniciais apontadas, que indicavam o deslocamento das práticas de concerto para os ambientes das associações culturais, pode somar-se o fato de que, no século XX, novas formas de acesso à música estavam à disposição aos menos das classes médias e altas, com os suportes e meios de reprodução trazidos pelos gramofones e discos. O grande contexto das novidades de entretenimento urbano, com os espetáculos cinematográficos que ocupavam até os espaços dos teatros, também parece ter colaborado para o rareamento de concertos e de seu público.

73

2.4 Óperas, operetas e revistas

Óperas

Ainda frequente na cena cultural campineira durante os últimos anos do século XIX, o gênero operístico passaria a ter menor presença na cidade nos primeiros decênios do novo século. Nesse período, é sensível seu distanciamento do Teatro São Carlos, em parte devido a razões já apontadas das deficiências espaciais do único palco disponível para receber tais encenações, além de outros motivos advindos das dificuldades enfrentadas pela associação teatral.

Mudanças e novas características no mundo artístico e do entretenimento urbano, por sua vez, parecem em muito contribuir para a exígua condição em que se encontrava a ópera. Ao menos em Campinas, a grande popularidade das sessões cinematográficas, a continuidade dos gêneros ligeiros que conquistavam espaço havia décadas, e as constantes apresentações cômico-musicais com programas variados tornaram-se os principais eventos atrativos ao público e às empresas teatrais.

Na cidade, a substituição da ópera por outros gêneros dava-se há algum tempo, nos anos derradeiros de 1880. Sobre esse período, observou Nogueira que

o público optou pela música ligeira e peças cômicas ornadas de música e as paródias, que provocavam enormes gargalhadas, cujos temas estavam na ordem do dia. Rossini, Donizetti, Bellini e Verdi foram colocados de lado e em seu lugar aparecem num primeiro momento os espanhóis com suas zarzuelas, seguidos pelas operetas francesas de Offenbach e Lecocq e pelas revistas, em especial as brasileiras. (2001: 86).

É interessante notar que nos anos 1890, embora sucessivos à desvalorização da cena lírica e ainda nos quais a cidade foi marcada pela epidemia de febre amarela, há uma considerável presença de companhias do gênero lírico a ocuparem o Teatro. Como comentou- se no primeiro capítulo, a representação de novas óperas, e em especial as de Carlos Gomes, nunca antes trazidas a Campinas, despertaram especial interesse.

Na virada do século e em seu prolongamento, observa-se novo fenômeno substitutivo, no qual as zarzuelas também decaem, possuindo popularidade somente até o fim da década de 1890. Permanecem, de fato, as revistas e operetas, que se combinam à novidade do cinema. Recuando a um espaço ainda menor, a ópera recolhia suas exibições a raras

74

ocasiões. No século XX, a primeira temporada deu-se apenas em 1902, quando a última visita de uma companhia ao São Carlos havia sido em 1898. Até o início dos anos 1920, o teatro recebeu temporadas líricas somente mais sete vezes.

Após alcançar notável sucesso no Teatro Sant’Ana, a Companhia Lírica Italiana Sansone veio a Campinas em novembro de 1902. Era conhecida na cidade desde sua temporada entre 1896 e 1897, quando apresentou, entre outras óperas, Fosca e Il Guarany, de C. Gomes. Com bom aparato orquestral, formado por quase cinquenta músicos regidos por Giorgio Polacco, estreou com La Bohème, de Puccini. A representação dessa ópera, motivo de aprovação geral no teatro paulistano, também alcançou êxito diante do público campineiro, que correspondeu com grande concorrência ao São Carlos para a segunda récita com La Gioconda, na noite seguinte, quando as lotadas localidades dos camarotes ainda eram procuradas.

Uma crítica no jornal levantava-se em favor do retorno do gênero contra as más operetas e fastidiosos concertos a que esteve exposto o público local. Em um tom ufanista, também perpetuava o pensamento que idealizava o verdadeiro progresso da cidade conjugado à correta valorização do estilo musical cultuado pelas classes elevadas:

A prontidão com que foi coberta a assinatura das duas récitas anunciadas, acentuando o gosto pela arte divina de parte da culta sociedade campinense, revela ao mesmo tempo a verdade consoladora do ressurgimento desta terra, contra cuja vitalidade não prevaleceram os açoites epidêmicos, nem os flagelos econômicos, estes arguidos em todas as lamúrias contemporâneas. (Cidade de Campinas, 04.11.1902)

La Gioconda e Il Guarany tiveram bom desempenho geral. No dia da ópera de Gomes, houve mesmo a sugestão de que o comércio encerrasse suas atividades mais cedo, para que os empregados também pudessem comparecer à representação da obra do maestro campineiro. Torna-se o fato interessante para se pensar na composição social do público das óperas.

Dos camarotes às galerias, é certo que a territorialização do espaço interno do teatro selecionasse os espectadores em estamentos, segundo as possibilidades financeiras. Também se deve considerar a presença de classes médias que buscavam ascender aos espaços e aos costumes aristocráticos, e que podem muito possivelmente fazer parte da plateia. A representação da mais conhecida ópera de Carlos Gomes, por sua vez, poderia gerar, ao menos por uma noite, certa ressignificação do que seria desfrutar de uma noite lírica no teatro.

75

Pode tratar-se de um momento de exceção, em que o apelo simbólico da obra do maestro atraiu espectadores que não necessariamente fossem habitués de programas operísticos, mas que ali compareceram por razões de uma identidade coletiva em torno da representativa figura. Corrobora a ideia o fato de que Sant’Anna Gomes, irmão do maestro, tenha sido chamado à frente ao final do espetáculo sob as ovações do repleto recinto, à semelhança do que ocorrera em 1894.

Outras récitas da companhia foram Cavalleria Rusticana, de Mascagni, e I Pagliacci, de Leoncavallo, ambas já aqui trazidas anos atrás. Embora a representação da primeira não tenha sido de completo agrado, a segunda obteve extraordinária aprovação do público, que aplaudia e dava bravos em vários momentos. Segundo o crítico, “A execução de Os Palhaços, na noite de cinco [de novembro], marcou um sucesso que há de figurar inolvidavelmente na história da arte em Campinas.” (Cidade de Campinas, 07.11.1902)

Por pedido de um grupo de membros influentes da colônia italiana, a companhia lírica ofereceu Lakmé, de Léon Délibes, ainda inédita na cidade. Apesar de anunciar Os pescadores de Pérolas, de Bizet, a récita não ocorreu por motivos não esclarecidos pelo empresário G. Sansone, tendo o público encontrado o teatro de portas fechadas.

No início do ano seguinte, instalou-se no São Carlos a Companhia Lírica Italiana Rotoli, dando sua estreia com Othelo, de Verdi, que embora composta em 1887 ainda não havia sido trazida à cidade. Representou-se a preços reduzidos, como de teatro popular. Seguiu-se La Bohème, de Puccini, de grande agrado, apesar de uma indecisa orquestra. Uma chuva torrencial não permitiu grande afluência ao teatro, no entanto.

Com Il Barbieri di Siviglia houve aprovação geral, à grande concorrência. Essa conhecida ópera fazia-se benquista do público local, repetida por pedidos ao final da temporada. Como bem observou o cronista no jornal, “os velhos spartitos ainda encontram na plateia os entusiastas dos antigos moldes feitos para as lágrimas e para os grandes lances de heroísmo e sofrimento.” (Cidade de Campinas, 03.02.1903)

La Traviata obteve uma boa casa, mas não houve harmonia entre o coro, os artistas e a orquestra. Sobre essa noite reclamava-se no jornal sobre os inconvenientes pormenores que se passavam durante a ópera: “os porteiros não devem permitir a entrada a cachorros que vão perturbar o espetáculo, sem pagar qualquer contribuição” ou “a polícia deve proibir no galinheiro espectadores com bengalas e cacetes. Um destes derrubou grossa

76

bengala na plateia, podendo causar sério desastre.”(Cidade de Campinas, 04.02.1903) Se as masculinas bengalas eram motivo de preocupação e incômodos, por parte das mulheres um outro artigo de seu distinto vestuário gerava constante descontentamento no pequeno teatro – os belos e grandes chapéus que, quando usados nas varandas e camarotes, em muito impediam a boa perspectiva do espetáculo.

A partir da quinta noite, com a apresentação de Rigoletto, passou a ocupar o papel de Gilda a soprano brasileira Nícia Silva, de grande destaque em suas interpretações e a quem foi oferecido um grande festival artístico e até mesmo um poema publicado no jornal, por Vieira Bueno. Natural de Iguape, cidade paulista, nasceu em 1876 e estudou canto lírico na França, tornando-se depois soprano da Ópera de Paris. As outras óperas representadas eram quase todas muito conhecidas, como Lucia de Lammenmoor, Il Guarany, levada à cena duas vezes, e I Pagliacci. A única exceção foi Tosca, de Puccini, composta em 1899 e ainda inédita em Campinas.

Essa ópera seria reapresentada dois anos depois, com a mesma companhia de Donato Rotoli, no início de 1905. De reservado comportamento durante o espetáculo, o público manifestou-se positivamente com a famosa ária do último ato, pois

ao terminar o sr. Castellano a frase última do E lucevan le stelle – non ho amato mai tanto la vita, rompeu [o público] em francas demonstrações, pedindo bis à inspirada endeixa que foi assim repetida por Castellano que efetivamente a cantou com muito sentimento e expressão. (Cidade de Campinas, 11.02.1905)

Carmen e La Bohème foram representadas nas noites seguintes. Nesta ópera de Puccini outro tenor sobressaiu-se, De Neri, estreando sua participação na temporada com o papel de Rodolpho:

O estreante, cuja voz de tenor lírico é de um timbre suavíssimo, extensa, maleável, segura em todos os registros, conhecedor dos segredos mais sutis da arte de cantar (...) emitiu com nitidez em tenuta um dó agudíssimo, sublevando a sala que irrompeu em brados de aclamação, antes que o artista terminasse o seu canto, sendo ainda forçado ao bis, que em tais casos é uma dura homenagem. Pois o sr. De Neri bisou a tenuta. (Cidade de Campinas, 14.02.1905)

De Neri destacou-se na ópera seguinte, Lucia de Lammenmoor, na qual também teve de repetir sua ária no quarto ato, Tu che a Dio spiegasti l’ali. Soffia Aifos, na personagem de Lucia, cantou e interpretou muito corretamente e foi ovacionada na Ária da Loucura, apesar da pouca assistência presente devido a uma forte chuva durante a noite. Na noite anterior, da representação de Othelo, ainda outro tenor destacou-se como protagonista. Embora indisposto e de má saúde, Cardinalli ao menos demonstrou “grande esforço” ao

77

dramatizar o denso papel do Mouro de Veneza. Com “inexcedível sentimento” fez o dueto do primeiro ato, bem como o canto final de sua despedida – Un bacio, ancora un bacio.

A novidade da temporada foi Manon Lescaut, ópera de Puccini composta em 1892, com libreto em italiano baseado em uma novela francesa de título L’Histoire du Chevalier Des Grieux et de Manon Lescaut, de Prévost. Para a crítica sobre a representação no Teatro São Carlos, o contentamento não foi completo, pois não foi possível prover a adequada execução musical da ópera, para a qual seria necessária uma orquestra bem composta em instrumentos de cordas e madeiras, de que não se dispunha. Malgrado essas limitações e talvez uma equivocada voz no papel de Geronte pelo sr. Flori, o espetáculo tornou-se aceitável com a costumeira qualidade orquestral e o belo dueto dos principais papeis de Des Grieux e Manon por Castellano e Laura Silva.

A Companhia Rotoli também levou ao palco Cavalleria Rusticana, Il Guarany, I Pagliacci, Rigoletto e ao final da temporada, Fausto, de Gounod. Embora fossem óperas comuns em seu repertório e de conhecimento das plateias habituadas às noites líricas, podiam atrair o público às salas teatrais pela excelente qualidade de seus intérpretes e orquestra. O mesmo estava a ocorrer com o público do São Carlos, que em seu amadurecimento tornou-se crítico e conhecedor das obras operísticas a ele trazidas por quase sempre boas companhias e que, em vários momentos no século XIX, demonstrou de forma sensível suas posições de interesse e desinteresse pelo gênero.

A representação das obras de , cujas óperas compostas ao final do século ainda seriam novas para Campinas no início de 1900, poderia ser outro fator que explique a boa correspondência pela música lírica por parte do público, em um período de forte presença da música ligeira e de temas cômicos.

Dois anos depois, no inicío de 1907, quando o teatro abriu-se após a reforma, veio à cidade a Companhia Tornesi, descrita pela crítica como não sendo uma companhia de primeira ordem. De fato, foram necessários apelos na imprensa para que as assinaturas das récitas pudessem ser cobertas e assim se viabilizasse a instalação da trupe no teatro.

Com uma temporada de poucos espetáculos, na estreia apresentou-se Aida, encenada de forma infeliz, apesar de bons e regulares cantores. Referindo-se à representação como uma “temeridade”, a crítica reprovou a pobreza dos cortejos, as trompas desafinadas e os desajustes na banda e no coro que tomaram a cena, limitados pelo pequeno palco. Nesse

78

episódio, como narrou o crítico em sua coluna de jornal, a plateia manteve-se discreta, “não bisando nada, porque na atualidade artística não é uso o bis em seratas de troupe lírica (...) Mostraram que Campinas sabe calar subtilmente a sua vibração emocional” (Commercio de Campinas, 07.02.1907).

Houve, porém, uma noite de excelente assistência no teatro e geral aprovação, com a representação de La Gioconda, de Ponchielli. Em Rigoletto sobressaiu-se Malvina Pereira, soprano que já havia se apresentado em concertos na cidade. Nas récitas finais, levaram-se à cena Íris, de Mascagni, e La Bohème e Tosca, de Puccini.

Com a Companhia Lírica Italiana Riva e Scchiaffino, que se apresentou ao final de 1909, Aida teve melhor execução, destacando-se a afinação dos coros. Na noite de La Bohème, com a participação de Isabella Grumen e Giovanni Poggi como Mimi e Rodolpho, houve uma manifestação positiva dos espectadores pelo terceiro ato, no qual “se justificaram os aplausos verdadeiramente entusiásticos do público, havendo sido bisado o belíssimo quatuoro (sic).” (Cidade de Campinas, 05.11.1909) Contrariando o que havia sido afirmado por outro colunista tempos atrás, seguia-se o costume de demonstrações de agrado pela plateia campineira, se de fato a execução fosse digna de sua aprovação.

Combinadas na mesma noite, apresentaram-se Rigoletto e Cavalleria Rusticana, atraindo grande assistência. O soprano Capella, o tenor Novi e o barítono Nistri elevaram a bons níveis La Gioconda, com a boa correção da orquestra sob a regência do maestro Sigismondi. Entretanto, a aclamada ópera O Guarani não causou o esperado efeito sobre a plateia, por razões que apontou a crítica:

Compreende-se bem quando agrada ao sentimento dos brasileiros a oportunidade de ouvir o grandioso poema lírico do maestro campineiro. O que vai, porém, ocorrendo com as produções de Carlos Gomes aqui em S. Paulo e no Rio, em campanhas que se organizam expressamente para as excursões na América do Sul, contrista em vez de alegrar, melindra em vez de desvanecer, porque as ópera de Gomes, e entre essas, O Guarany, excluídas do repertório são objetos de improvisadas exibições para o exclusivo provento das empresas. Ópera de grande encenação e de grande massa coral, O Guarany reclama preparos que nem todos os palcos cênicos comportam, como o geral das troupes líricas também não os pode atender; adaptada, entretanto, com as inevitáveis supressões, ainda assim as execuções dessa partitura tem sido graves desastres artísticos e objeto de colossal ridículo cênico. (Cidade de Campinas, 09.11.1909)

O articulista seguia imputando à companhia Riva Schiaffino o desejo ambicioso em obter vantagens em sua bilheteria, ao investir menos em seus artistas. O repleto auditório não mostrou contentamento, pois o drama lírico se passou “em um ambiente glacial num

79

expressivo silêncio de necrópole.” A serata “foi apenas um ensaio de ópera e, como ensaio, dos piores que se podem conceber no gênero.” De fato, como se pode observar em várias temporadas líricas em Campinas, a ópera de Gomes tornou-se uma das peças-chaves para as récitas das companhias, talvez porque, por seu apelo simbólico ao público local, atrairia maior assistência ao teatro. Quase sempre representada em boas condições musicais de cantores e músicos, a ausência de uma aparatosa produção, de modo a dar o devido brilho ao drama, poderia causar desapontamentos e uma desastrosa impressão.

A temporada lírica seguinte deu-se em fevereiro de 1913, com a bem organizada Companhia Italiana Rotoli-Billoro. Sua estreia com Tosca, de Puccini, atraiu grande público ao velho São Carlos, com destaque para o soprano Felisa Ordugna. Fedora, ópera de Umberto Giordano nunca antes trazida a Campinas, foi representada em segunda récita, embora com escasso número de espectadores devido à noite chuvosa. No papel de Fedora Romanzov, o soprano Gilda Butti atuou ao lado do tenor Antonio Balestro como o Conde Loris Ipanov, vencendo o primeiro momento de indiferença da plateia no primeiro ato, provocado por certos embaraços dos cantores, e chegando ao terceiro ato com numerosos aplausos.

Com bom desempenho representou-se Manon Lescaut, em que cantaram de forma promissora o tenor Caio Carlini como Des Grieux, e o barítono Dario Zani, o Sargento Lescaut, além da já aplaudida Gilda Butti, no papel de Manon. De boa qualidade artística, a companhia exibiu coros de boa afinação, bem como a orquestra, sob a regência notável de Gennaro Abbate. Este, alvo de grande admiração pela plateia, foi festivamente homenageado na representação de Íris.

Assistida por um público seleto, a ópera perpetuava-se como gênero musical reservado às classes elevadas da sociedade:

Se na plateia se viram algumas localidades abandonadas, o mesmo não se dava com as frisas e camarotes, todos tomados por damas, famílias da elite campineira. Não poucas foram as toilettes de apurado gosto que tivemos o ensejo de admirar, realçados por artísticos penteados de única elegância e perfeição. A soirée de ontem fez inegavelmente honra à cultura artística e elevado grau de civilização da sociedade campineira. Grande número de cavalheiros envergava trajes de rigor, como é de praxe nas estações líricas. (Diário do Povo, 09.02.1913)

Em um contexto de crescente popularização dos divertimentos em que a música desenvolvia-se em seu caráter ligeiro, o gênero operístico parece reservar-se em ocasiões específicas, nas quais a elite faz-se presente de forma exclusiva e excludente. No âmbito do

80

simbólico, a ópera consagra-se, em vista de outras tendências musicais, como representação elevada da cultura artística e do refinamento.

Após I Pagliacci, Cavalleria Rusticana e Rigoletto, títulos há muito conhecidos e repetidos pelas companhias, representa-se como outra novidade a recente ópera de Puccini Madame Butterfly, de 1903. Da parte da crítica, houve certo estranhamento em relação à monotonia das cenas, por vezes cansativas e sem o poder de provocar grande entusiasmo. Novamente trazida ao palco campineiro, La Bohème provocou maior agitação, pois desde sua primeira representação em 1896, pela Companhia Sansone, havia cativado especial interesse no público local.

Em Carmen, na qual o soprano G. Butti desempenhava a contendo seu papel ao lado de Carlini, como D. José, quando no pormenor em que subia as escadas para sair da cena, sofreu uma queda, ferindo-se levemente, o que em partes prejudicou o andamento de sua apresentação nos atos seguintes. Don Pasquale, de Donizzetti, agradou com seu colorido semelhante ao de uma opereta e com trechos saltitantes. A temporada fechou-se com a já conhecida La Traviata, de Verdi.

A última companhia de ópera que ocuparia o Teatro São Carlos com uma temporada representativa seria novamente a Rotoli-Billoro, em 1917. Em 1919, visitou a cidade a Companhia Juvenil Città di Roma e apresentou óperas como Lucia di Lammenmoor, La Bohème e Cavalleria Rusticana. Segundo consta, apesar da juventude de seu elenco, os difíceis trechos foram satisfatoriamente desempenhados pelos artistas, cuja atuação encontrou êxito em teatros da capital paulista.

Com excelente crítica publicada no Rio de Janeiro, a Companhia Rotoli-Billoro, com seu completo número de cantores, além de seus coros, corpos de baile, orquestra e maestros, despertou grande interesse no cumprimento de assinaturas para suas seis récitas. Entre as óperas italianas que representou, Il Guarany foi levada à cena de forma atrativa, diferentemente do apático espetáculo que apresentara anos antes. Destacando-se como Peri, cantou o tenor Ettore Bergamaschi e, como Ceci, Virginia Cacioppo. Mário Pinheiro, barítono brasileiro de longo aprendizado nos palcos europeus, tomou o papel do Cacique dos Aimorés.

Da grande consagração na cena musical campineira durante o século XIX aos anos de descentralização e superação pelos gêneros de música ligeira, a ópera alcançou o século XX conformando-se ao novo contexto cultural da cidade, caracterizado pela

81

arrebatadora atração e mutação constantes na oferta e variedade de divertimentos ao grande público urbano em expansão. Nesse quadro, despojado há tempos de sua brilhante e centralizadora influência, o drama lírico assomaria ao palco sob as condições de eventuais espetáculos, reservados a temporadas pouco frequentes.

Embora submetendo-se a ocasionais exibições, a ópera guardaria para si seu público admirador, detentor de seus códigos de linguagem e interpretação, socialmente herdeiro dos valores musicais próprios e representativos relativos ao gênero. Nesses poucos espetáculos, o cultivo da memória musical ligava-se à necessidade de preservação de padrões artísticos idealizados para o alcance do que se almejava como grau de civilização, através da educação por meio da arte. De certo modo, essa visão traduzia-se como resistência às transformações do meio cultural, no qual a música tomava formas estéticas cada vez mais variadas e inseria-se rapidamente em meios de expressão em direção à popularização.

Nesse sentido, ainda que a representação de novas óperas fossem experiências quase sempre interessantes, como as obras contemporâneas de Puccini, observou-se que os grandes títulos de Verdi, Donizzetti, Mascagni , Leoncavallo e Gomes dominaram repetidamente o palco do São Carlos. A despeito da razão óbvia – o fato de ser esse o repertório das companhias italianas, a correspondência positiva do público em comparecer às boas representações parece confirmar o agrado pelas consagradas óperas. Novamente percebe-se presente o forte senso da memória, como resgate e revalorização dos tradicionais enredos dramáticos e estéticas musicais da ópera italiana.

Como gênero lírico, a ópera teve uma história própria no mundo musical de Campinas, em especial em seu único palco, o Teatro São Carlos. Naturalmente, como em qualquer situação histórica, a unicidade de sua trajetória deveu-se aos múltiplos fatores que a construíram – a própria música, com suas características intrínsecas, o teatro, com suas possibilidades e limitações, o público, em sua formação, conhecimento e reações, as companhias, em seus aspectos artísticos e empresariais, a cidade e seu desenvolvimento urbano e cultural.

Por fim, os espetáculos operísticos em muito significaram para a edificação e amadurecimento artístico do público campineiro que, embora seleto e por vezes distintivo em si mesmo, educou-se através dos anos por meio da experiência musical.

82

Operetas e revistas

Em Campinas, os gêneros ligeiros alcançaram popularidade a partir anos de 1880, momento em que a ópera italiana perdia espaço (NOGUEIRA, 2001: 116). Apresentaram-se primeiramente as operetas francesas de Offenbach e Lecocq, seguidas pouco depois pelas revistas portuguesas e brasileiras. Como também observou a mesma autora, quando do início das representações de operetas na cidade, houve resistências de ordem moral ao gênero, considerado de caráter duvidoso. Adequando-se, então, ao espaço popular do Teatro Rink, tornaram-se crescentemente apreciadas pela assistência habitual. (Opus cit., p. 119)

Embora de público inicialmente resistente, o Teatro São Carlos passou a ser também importante palco para as companhias, frequentado pelas trupes com grande constância ainda durante as primeiras décadas do século XX, pois até então conservaram as revistas e as operetas seu domínio nos espaços teatrais. De simultânea ascensão na cena musical das cidades, ambas combinavam-se nos repertórios das companhias, cujos títulos pouco variavam, identificadas pelo nome de seus diretores e empresários.

Enquadrando-se em um mesmo contexto cultural que se delineava em São Paulo, cujas casas teatrais ampliavam-se em número enquanto desenrolava-se o crescimento urbano e populacional, Campinas crescia com potencial nas questões do entretenimento e recebia muitas das companhias provenientes das grandes capitais, inserindo-se novamente no trajeto dos artistas em direção ao interior paulista. Dessa forma, ao público local apresentavam-se os mesmos títulos que grande sucesso alcançavam nos principais palcos paulistanos e cariocas. É de se notar, por sua vez, a permanência de interesse por obras nem sempre inéditas, levadas à cena diversas vezes por diferentes companhias. O que verificou o autor a seguir sobre o que ocorria em São Paulo pode ser imputado a Campinas:

O público não exigia novidade. O repertório era comum a todas as companhias, sem prejuízo para nenhuma. Interessavam aos espectadores, como na ópera, as diferentes interpretações, as diversas vozes, a riqueza do conjunto e as comparações que pudessem depois ser estabelecidas entre uns e outros intérpretes. (MAGALDI, 2000: 60)

Por outro lado, com o domínio crescente dos gêneros ligeiros, somaram-se às primeiras críticas, sobre a imoralidade presente nas representações, outras referentes à sua pouca qualidade artística. A condição secundária a que se reduziu o teatro dramático gerou discursos contrários, por um descontentamento com as formas teatrais assumidas e com a

83

decadente independência dos tradicionais gêneros em relação às tendências do gosto popular e das conveniências financeiras advindas do crescente mercado do entretenimento:

Eu devo dizer que e com inteira certeza de não errar que a arte dramática no Brasil não existe, que foi suplantada e levada de vencida pela revista aparatosa, picante, indecente quase sempre, sem arte alguma, mas que faz o gaudio das plateas. O autor o que quer, é ganhar dinheiro e como os trabalhos literários, artísticos, reveladores de talento, de gênio lhe não proporcionam isso, escrevem consoante o paladar do público, que a um bom drama, a um drama moderno, a uma comédia fina e a uma tragédia que seja a tradução fiel de uma situação angustiosa da vida, preferem essas scenas em que mulheres seminuas cantam em versos que, em geral, são sempre bisados para se prolongar a scena, e para que os conceitos picantes das coplas pairem por mais algum tempo nos ouvidos dos espectadores. A depravação, bem isto. De maneira que o único responsável pela decadência do nosso teatro é o público, esse mesmo público que se queixa do estado a que, entre nós, chegou a arte dramática. (Diário de Campinas, 13.10.1898)

Em um período de sensíveis mudanças nos padrões teatrais e musicais trazidos pelos gêneros ligeiros, então apresentados nos tradicionais espaços antes reservados à apreciação artística nas quais dominavam densas obras líricas e dramáticas, a revista foi percebida como gênero degradante e simplificado, de música igualmente frágil em elaboração. Com grande poder de apelo popular, essas formas dramático-musicais em franca ascensão nos anos finais do século XIX, no entanto, sobrepuseram-se às críticas das correntes de resistência guardadoras de cristalizados ideais de arte, avançando e atraindo numeroso público também durante o novo século.

A boa aceitação dos gêneros alegres em Campinas continuou a se manifestar mesmo durante os anos 1890, tempo em que as ameaças dos surtos epidêmicos afastaram visitas de companhias artísticas à cidade durante alguns períodos. Em julho de 1891 a Grande Companhia de Óperas Cômicas e Operetas Italianas Cartocci instalou-se no Teatro São Carlos, permanecendo ali por um mês e meio com um repertório de operetas já conhecidas e, embora autores franceses em sua maioria, foram cantadas em traduções para o italiano.

Com Cuore e mano, de Charles Lecocq, estreou a companhia com excelente correspondência do público que, durante toda a temporada, pareceu eleger alguns títulos de maior interesse, de acordo com sua apreciação. Foi exemplo de grande sucesso Dona Juanita, de Suppé, representada várias vezes. Em seu primeiro anúncio, um imprevisto com a falta de músicos na orquestra provocou o adiamento da récita, causando descontentamento. Para solucionar o problema, como de costume, alguns músicos da cidade auxiliaram na

84

composição do conjunto orquestral, dirigido pelo maestro Ricardo Cendalli. Entre eles, Antonio Braz da Silva, José Emigdio Ramos Junior, Pompeu de Tullio e Manoel da Costa Roriz, nomes conhecidos pela atuação em bandas de música e formações instrumentais de cordas.

Diferente da obra de Suppé e de Les mousquetaires du convent, de Varney, atraíram pouca assistência Tutti in maschera, de Carlo Pedrotti e El pescador de Nápoles, de Sarría, possivelmente pela pouca atratividade de seus enredos. A formação de certo conhecimento sobre as obras apresentadas ao longo dos anos parece contribuir para o amadurecimento do público também em relação aos gêneros em voga, tornando-se observador de suas características dramático-musicais e, por isso, capaz de exprimir-se criticamente.

Tal como ocorrera no ciclo operístico, nas décadas passadas, os diferentes aspectos dos espetáculos eram avaliados segundo padrões consolidados, aos quais as companhias, em seus níveis de organização e investimentos materiais e humanos, deveriam corresponder. De fato, a ópera parece ter estabelecido tanto os parâmetros de apreciação dramática e musical, como os comportamentos e formas de demonstração da aprovação geral, principalmente em passagens de árias e duetos.

A técnica, expressividade e adequação vocal continuaria a impressionar os ouvidos atentos, como comenta a crítica sobre o barítono Luigi Poggi, em La Mascotte, de Audran:

O sr. Poggi representou e cantou bem, mas poderia fazê-lo melhor. O belo dueto do primeiro ato com a sra. Gori foi sacrificado pela grande ostentação da voz do distinto barítono em detrimento sensível dos pianos e das notas intimamente amorosas, que devem ser antes solfejadas como o latejar surdo do coração. (Diário de Campinas, 06.08.1891)

Se mesmo as nuances vocais eram alvo das percepções, a desafinação dos coristas tornava-se ainda mais perceptível no pequeno teatro, sendo possível reconhecer ainda a posição das vozes mal colocadas. Somada à qualidade do canto, a capacidade de interpretação dos papeis em suas necessárias ênfases tinham grande valor para se agradar o público. Em suas representações, o mesmo barítono L. Poggi fazia-se de notável destaque, como em Il Duchino, de Lecocq, em que “sua gesticulação, suas gaifonas, seu dizer particular e bem estudado foram imensamente apreciados.” (idem)

85

O soprano Pasquali, por sua vez, não possuía as mesmas habilidades, embora de bom desempenho vocal:

A sra. Gori Pasquali não foi tão correta e natural quanto se desejara no difícil papel de Betina. Cantou bem, mas no que meramente dizia respeito aos movimentos de cena, ao traquejo de palco, ficou muito aquém de artistas nacionais e mesmo de algumas estrangeiras, que há pouco vimos. O desempenho que deu ao seu papel, força é confessar, pecou imenso pela falta de naturalidade, afastou-se demasiado da estética teatral. (Diário de Campinas, 31.07.1891)

Como nota-se acima, as comparações tornavam-se um hábito e um indicativo do referido senso de conhecimento das obras em diversas representações. Les cloches de Corneville de Robert Planquette, por exemplo, não produziu nenhum agrado, se comparada a uma récita trazida tempos antes por outra companhia. O equilíbrio entre uma boa interpretação vocal e a capacidade de expressão cômica, então, resumiriam um bom espetáculo, como o foi com Boccacio, de Suppé. Os cantores Conti, Tito e Luigi destacaram- se na serenata do primeiro ato, “além de cantarem com muita graça e sal, dançaram valentemente, sobretudo o sr. Luigi Poggi, que é ligeiro de pernas como um sagui.” (Diário de Campinas, 28.07.1891)

A Companhia de Óperas Cômicas e Operetas Gargano, de boa fama e esperada em Campinas, visitou a cidade ainda ao final de 1891, levando à cena uma opereta nova, Uma noite em Veneza, de Johann Strauss, cujas belas valsas foram bastante apreciadas. De elevada qualidade artística, a companhia deu boas representações, destacando-se com as conhecidas peças Boccacio, Fra-Diavolo e A pérola do Peru. Outros títulos, como A princesa Ricardo, de Belleville e Satanel, de Chivet, atraíram menor público.

A temporada diferenciou-se pela apresentação de A emancipação das mulheres, com tradução de Giovanni Gargano, diretor da companhia, e música de A. Fonzo. A opereta satírica possuía interessante temática, na qual tomava parte um bom coro feminino. Em outra noite, levou-se ao palco a pequena ópera Annita Garibaldi, de autoria do maestro Alfredo Grandi, regente da orquestra. De enredo trágico e romântico e bela partitura, explorava a história da revolução gaúcha e obteve boa recepção pelo público presente.

Apesar do bom nível técnico dos artistas, alguns incidentes desagradaram os espectadores. No intento de manter o interesse da audiência através da comicidade, excederam-se no uso das palavras: “preocupados em fazerem pilhérias, esqueceram-se do respeito que devem ao público, usando de frases chulas e às vezes indecentes, travando

86

diálogos que nada têm com as peças.” (Diário de Campinas, 05.01.1892) Adepto do riso, mas sensível à linguagem, o público guardava em si reações diversas, ora de enlevo e agrado, ora de reprovação.

No Teatro São Carlos, outras grandes temporadas de operetas seriam trazidas no século XX, atraindo ainda grande público. Em 1912, a Companhia Ernesto Lahoz representou com destaque A casta Suzana, Boccacio, O conde de Luxemburgo, A gueixa, de Sydnei Jones e O camponês alegre, de Leo Fall. Em 1920, a Companhia Clara Weiss trouxe as novidades das operetas La regina del fonografo e La Duchessa del Bal Tabarin de Lombardo. Representou também Addio Giovinezza, de Petri, Eva e Mademoiselle porte bonheur, de Lehár.

A Companhia Arruda exibiria revistas no Teatro Rink nos anos 1920, após vários anos em que se apresentara ali. A companhia paulista, fundada em Mococa, pelos atores Abílio Meneses e Sebastião Arruda em 1916, alcançou grande sucesso em São Paulo mas percorreu também o interior do estado, com peças de autores paulistas. O ator Arruda encarnava o tipo jeca-tatu, tornando-se de reconhecido valor teatral.

Em 1920, representou-se Não pega na gente, A pensão da mulata e Nossa terra e nossa gente, esta com tipos caipiras. São Paulo Futuro e Maridos em apuros, de Vampé, são de enredo urbano. Em 1921, estreou com a opereta sertaneja Flor tapuia, com música de Pixinguinha, ainda não representada na cidade. Outras revistas foram A mulata do cinema, O pausinho, de Alvaro Perez, a popular Capital Federal, Nhá moça, P’ras eleições, Pelo telefone, Contrabando, Caça-dotes, No olho da Rua, de Carvalho, Pensão de D. Rita, de Miguel Santos e a Italianinha, de Viterbo Azevedo.

87

2.5 Associações Culturais

Em Campinas, as associações culturais desempenharam importante papel na construção das formas de sociabilidade e de identidade de grupos étnicos e sociais. No caso das sociedades fundadas pela elite, nos espaços onde desdobravam-se as circunstâncias sociais, estabeleciam-se também os laços relacionais e a demonstração de poder.

Algumas associações fizeram de seus salões bons espaços para a apreciação musical em forma de concertos, nos quais músicos concertistas e cantores apresentavam-se de maneira oportuna. A existência dessas salas de concerto em muito ajudaram a construir os parâmetros de apreciação musical e de valores artísticos de um seleto público. Junto ao universo das práticas musicais no âmbito do privado, os clubes musicais, formados destacadamente por mulheres, também funcionaram como pequenas instituições culturais, nas quais uniam-se o aprendizado e a expressão pública e personalizada do saber musical.

Clube Semanal

Fundado em 16 de julho de 1857, o Clube Semanal se constituiria, durante a segunda metade do século XIX, como a principal sociedade cultural da cidade, representativa da elite local. Obteve significativa evolução a partir de 1873, quando instalou-se em salão próprio para a realização de encontros sociais e dançantes. Três anos depois, com a compra de um piano Pleyel, o espaço ganhou também as características de uma sala de concerto (NOGUEIRA, 2001: 191).

Instrumentistas e cantores em passagem por Campinas poderiam encontrar no Clube Semanal um espaço ideal para apresentações e, de fato, a sociedade tornou-se importante cenário para o desenvolvimento da música vocal e instrumental na cidade, ampliando as possibilidades das experiências musicais na forma de concertos.

Ao aproximar-se o final do século, no entanto, a associação apresentou sintomas de decadência, como indicou Raphael Duarte. Por volta de 1900, o Clube encontrava-se com sua “glória eclipsada por motivos sem explicação” (DUARTE, 1905: 40). Nos anos anteriores, embora parecesse haver níveis de organização satisfatórios, com diretoria e regularidade de reuniões administrativas das quais estavam à frente representantes como Bento Quirino dos Santos, Antonio Álvares Lobo e Leopoldo Amaral, alguns efeitos de desaceleração nas atividades da associação fizeram-se sensíveis.

88

No mesmo ano de 1900, no entanto, novas resoluções indicavam um período de reformas no modelo associativo. Em uma reunião especial entre sócios e os acionistas proprietários do edifício-sede deliberou-se a fusão da sociedade recreativa e da associação, estabelecendo-se, então, novos estatutos, acordados com as exigências das associações recreativas reconhecidas por lei. Elegendo-se nova diretoria, sob a presidência de Antonio Lobo, foram autorizadas as necessárias reformas no prédio do Clube, para as quais colaborou com o valor de 5 contos de réis Bento Quirino dos Santos, fundador da sociedade e seu presidente por mais quarenta anos. Com reparos internos e externos, foram feitos melhoramentos na segurança do edifício, pintura e decoração do salão.

Por motivos desconhecidos, não foi possível identificar as atividades musicais ocorridas no Clube Semanal após esse momento de reorganização. Não se espera tratar-se de um período de nova ascensão da sociedade, uma vez que em 1916, sob outras circunstâncias, ocorreu sua união com outra associação, o Grêmio de Cultura Artística. São considerados a seguir, portanto, os registros musicais referentes aos anos 1890.

Passados os primeiros anos de recessão cultural observados no período de maior incidência da epidemia de febre amarela, parece haver a retomada da sociedade a partir de 1893, ao menos no que se refere aos concertos. No entanto, a realização desses programas musicais não se deram com grande regularidade no último decênio daquele século, havendo poucas ocorrências dessas ocasiões.

Como descrito no primeiro capítulo, em 1893 destacou-se o concerto dado pelo violinista Próspero Marsicano, em que foram tocadas peças para grupos de cordas e solos de violino acompanhado ao piano. Na execução de um repertório romântico, com Schubert e Chopin, tiveram participação professores e músicos locais, como Luiz Monteiro, Emigdio Ramos Junior, Emílio Steudel e José Ferreira Penna.

Em novembro do mesmo ano, apresentou-se em concerto o casal italiano Felicina e Filippo Blesio. O mezzo-soprano, com formação em canto e piano pelo Conservatório de Milão, já cantara em companhias líricas nas principais cidades europeias, e seu esposo, violoncelista, fora discípulo do maestro Serati. O programa apresentado reunia peças para canto de estilo também romântico, ao lado de trios para violino, violoncelo e piano de Mendelsshon e Hummel, nos quais auxiliaram Sant’Anna Gomes e Emílio Steudel. Como de

89

costume, os dois músicos atuaram ainda no concerto de outra artista que visitou a cidade, o soprano Gaetanina Friggeri.

Os concertos identificados nos anos seguintes foram poucos, como o realizado em 1896 por artistas de uma companhia de zarzuelas que se encontrava no Teatro São Carlos. Nessa ocasião, foram beneficiados os cantores Tullio Campello e Mario Cavicchi, através da influência de Sant’Anna Gomes. Ao lado de árias e romanzas italianas, cujo predomínio ainda se estendia nos programas de concertos vocais, foram cantados trechos mais conhecidos de zarzuelas espanholas como La guerra santa e Los diamantes de la corona. Uma orquestra executou passagens de La Mascotta e El anillo de hierro.

Um destacado concerto deu-se em 1897 com a presença do violinista cubano Raphael Díaz Albertini (1857-1928), célebre em seu país e na Europa por conquistar o primeiro prêmio de violino do Conservatório de Paris. Entre peças cantadas pelo tenor português Joaquim Tavares, o virtuose apresentou-se com Martha, fantasia de outro famoso violinista cubano, José White, Noturno, Habanera e Fausto, de e As bruxas, de Paganini. Em suas habilidades e excelente técnica, o músico causou grande impressão sobre o público, ávido pela contemplação de execuções virtuosísticas e de grande apelo emotivo:

“Aqueles sons harmônicos e de notas dobradas iam se avolumando sob o arco, com sublime maestria, e como que se coadunando com o sentimento do artista. Torrentes de aplausos acolheram os últimos e expressivos acordes.” (Diário de Campinas, 21.09.1897)

Clube Livro Azul

Os salões da Casa Livro Azul, com seus pianos e objetos de arte, fizeram-se também espaços sociais e de atividades culturais, com sessões musicais e literárias. Seu proprietário Antonio Benedicto de Castro Mendes possuía notável perfil de articulador cultural, colaborando para as movimentações dessa natureza em seu próprio espaço. Um concerto ali organizado ao final de 1889, já descrito no primeiro capítulo, fez-se significativo pela inventividade de seu incentivador.

As ideias e conversações desenvolvidas durante as reuniões do Clube resultaram em um acontecimento artístico ao final de 1903. Incumbido de escrever algo a ser colocado na reunião próxima ao Natal, o literato Coelho Netto acabou por preparar um material que

90

ganhou, então, proporções cada vez maiores, até transformar-se em uma peça de natal, a Pastoral, composta da Anunciação, Visitação e Natal.

Na pauta, Francisco Braga, Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald e Sant’Anna Gomes Coelho Netto em destaque. Fonte: Acervo Fotográfico do Centro de Memória da Unicamp

Conta Raphael Duarte que durante os ensaios dos artistas, as salas ficavam repletas de senhoras e cavalheiros, todas as noites. Eram ainda os ensaiadores um farmacêutico, um festejado pianista e um antigo professor alemão. O autor descreve ainda mais sobre os preparativos da peça e seus participantes, que agora a apresentariam no Teatro São Carlos:

Organizaram-se os corpos de coristas de ambos os sexos, nacionais e os associados alemães, do Club Concordia, orquestra de amadores sob regência muito competente de um saudoso musicista Olegário Ribeiro, amador distintíssimo, contando-se nela representantes de várias classes sociais, desde um estimado deputado federal (1º violino), até um modesto artífice (trombone). (DUARTE, 1905: 213)

Com a colaboração de quatro compositores, as partes musicais foram escritas por Sant’Anna Gomes – Prelúdio, Henrique Oswald – Anunciação, Francisco Braga – Visitação e Alberto Nepomuceno – Natal. Este compareceu à representação da peça no Teatro São Carlos

91

no dia 25 de dezembro, quando o recinto foi iluminado à luz elétrica pela própria Livro Azul, através de um gerador. Tomando o lugar cedido pelo maestro Olegário, Nepomuceno regeu a orquestra.

Cena da Pastoral no Teatro São Carlos em 1903 Arquivo Fotográfico do Centro de Memória da Unicamp

Club Campineiro

Foi fundado em 2 de novembro de 1891, tendo como primeira sede o sobrado que pertencera ao Visconde de Indaiatuba18, alugado à sociedade pelos herdeiros de seu antigo proprietário. Seu prédio próprio19, localizado ao lado da praça Bento Quirino, teve sua construção iniciada em 1913, mas retomada somente dez anos depois por falta de recursos. Após a obtenção destes através de doações e por outros meios, a nova sede foi inaugurada em 1925.

18 O antigo solar do Visconde de Indaiatuba localiza-se na esquina das atuais ruas Barão de Jaguara e General Osório, reformado em 1994 após um incêndio. Foi tombado pelo CONDEPACC em 1988. 19 Este prédio localiza-se ao lado do Monumento a Carlos Gomes, e atualmente possui o nome de Jockey Club Campineiro, em razão da fusão entre o Club Campineiro e do Jockey Club em 1958.

92

Antigo solar do Visconde de Indaiatuba em 1900, sede do Club Campineiro até 1925. Fonte: Lapa, José Roberto do Amaral. A cidade: os cantos e os antros. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. p.121.

A sociedade destinava-se às tradicionais reuniões sociais entre seus membros e, ao menos durante o período aqui considerado, observa-se que promoveu concertos musicais importantes, com grande contribuição para a vida cultural local. Em março de 1899, por exemplo, apresentou-se no Club o pianista e compositor português Alfredo Napoleão (1852- 1917), irmão do também músico Arthur Napoleão. Em seu concerto, tocou a Sonata Opus 27 e a Sonata para piano e violino n.1 em Ré maior, de Beethoven, quatro peças de Chopin e, na segunda parte, sua própria Sonata em Sol maior e algumas peças individuais, além de outras de Raff e Liszt. Em 1904, ainda antes de se tornar uma das mais representativas pianistas brasileiras, assistiu-se ali a um concerto de Magdalena Tagliaferro (1893-1986). Aos 11 anos, manifestando sua precocidade musical, apresentou um variado programa com a participação de músicos locais em acompanhamento de cordas.

A presença de professores e instrumentistas da cidade em concertos de artistas visitantes tornara-se uma tradição. Na ausência de concertistas ou cantores vindos de fora, as reuniões musicais eram organizadas entre os melhores mestres de música locais, que poderiam oferecer bons programas, junto aos músicos profissionais ou amadores que ali viviam.

93

Um concerto artístico e literário no dia de natal daquele ano foi oferecido pela diretoria do Club aos sócios, reunindo Emílio Steudel e Luiz de Pádua, dois destacados professores de piano, e o maestro Sant’Anna Gomes. Somente as partes musicais já demonstraram um elaborado trabalho artístico desenvolvido pelos participantes. As partes do programa foram iniciadas com as aberturas de Egmont, de Beethoven e de Phèdre, de Massenet, pela orquestra. O Concerto em Sol maior de Beethoven foi tocado a dois pianos, por Jocelyna de Castro Mendes e Emílio Steudel e a senhora Ida Stott cantou a ária de Salomé da ópera Hérodiade, de Massenet. Um coro feminino com mais de 20 componentes ainda executou o Coro das Fiandeiras da ópera O Navio Fantasma (Der fliegende Holländer) de .

Essas reuniões culturais eram demonstração do rico envolvimento entre amadores e profissionais no cultivo das práticas musicais, mantendo vivos, ao menos nos ambientes íntimos das associações, a efervescência e o entusiasmo pela música erudita e sua vivência coletiva, em seus processos de aprendizado pessoal e apreciação pública dos resultados alcançados. Campinas também nunca deixara de possuir figuras de referência em seu quadro musical, de modo que foi possível observar a continuidade de trajetórias representativas na arte da música na cidade.

Em grande parte, isso se deve à tradição do conhecimento e prática musicais presentes na sociedade campineira, entre as famílias de elite e também nas que guardavam fortes laços com a arte musical, como os Gomes. Ao mesmo tempo, como cidade de notável desenvolvimento e diversificação dos espaços e instituições culturais ou educacionais, Campinas atraiu vários professores e músicos para atuação profissional em seu meio.

Ormeno Gomes, filho dos músicos Joaquina Gomes e Emílio Henking, tornou-se um dos herdeiros musicais da família Gomes e do universo artístico de Campinas, especializando-se no ofício da composição. Em maio de 1907, antes de retirar-se para Itália, onde estudaria, apresentou-se durante um sarau no Club Campineiro com sua 3ª Gavotta intitulada Graciosa, para piano, flauta e instrumento de corda. Em Florença, publicou suas gavotas, valsas e mazurcas, e dedicou sua 5ª Gavotta à princesa Mafalda de Saboia (MENDES, 1969).

Poucos dias depois, deu-se um concerto com a presença de outro músico campineiro, este em mais avançada fase de desenvolvimento artístico. O violinista Francisco

94

Chiaffitelli foi vencedor do 1º Prêmio de Violino do Real Conservatório de Bruxelas e já havia se apresentado em diversas cidades europeias e sul-americanas. Nessa ocasião apresentou, entre outras peças, Zapateado e Zigeunerweisen, composições de passagens virtuosísticas do espanhol Pablo de Sarasate, e Zamacueca, do cubano José White, acompanhado ao piano por sua esposa Orminda Teixeira Chiaffitelli.

Sabe-se que a também notável violinista Paulina d’Ambrosio (1890-1976), natural de São Paulo, apresentou-se ali em 1908. Como Chiaffitelli, estudou no conservatório belga, onde também conquistou o mesmo prêmio, e tornou-se professora de violino no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro. Atuou por algum tempo ao lado de Maria Amélia de Rezende Martins e Alfredo Gomes, músicos naturais de Campinas.

Em 1910, dois outros músicos brasileiros fizeram-se presentes na cidade – o pianista e compositor Joaquim Antonio Barrozo Netto (1881-1941) e o violinista Humberto Milano (1878-1933), ambos do Rio de Janeiro. Seguindo a tradição do repertório romântico da música camerística, o concerto fez-se importante pela presença das obras de alguns autores brasileiros. De Leopoldo Miguez (1850-1902), foram tocadas a Sonata para piano e violino, Noturno, e Scherzetto. De Francisco Braga, Air de ballet, de Henrique Oswald, Berceuse, além de composições do próprio Barrozo Netto, com a Segunda valsa capricho, para piano, e Nostalgia. Suas canções Adeus!, Dorme e Cantiga foram cantadas pela amadora Rosaura de Lemos.

As peças líricas executadas nesse concerto são exemplo da produção ascendente de música de câmera brasileira, durante as últimas décadas do século XIX. Embora o campineiro Sant’Anna Gomes seja também um representante desse movimento, suas composições só eram ali executadas, quase sempre, por seu próprio conjunto de cordas. Os compositores nacionais representados nesse concerto, ainda que de produção sob os moldes europeus, ocuparam um lugar poucas vezes concedido pelos concertistas em seus programas musicais, nos quais imperavam os mais tradicionais autores do romantismo, como Schumann, Brahms, Chopin, Mendelsshon, Liszt e Beethoven.

Os quatro últimos compositores, por exemplo, figuraram no programa do pianista cego Rodolfo Moriconi, em 1912. Alfredo Andrade, violoncelista brasileiro, também deu um concerto com autores românticos, com Chopin, Popper, Schumann, Brahms, Arthur Napoleão e Fischer. Nas apresentações vocais, por sua vez, os trechos operísticos ainda predominavam,

95

como se registrou do concerto do tenor Santino Giannattasio e do barítono Ernesto de Marco, pois apresentaram passagens de Verdi, Puccini, Bizet, Rossini e Thomas. Foi cantada ao menos a canção Ideale, de Francesco Paolo Tosti (1846-1916).

O repertório para violino também revelava as especificidades e tendências de estilo, segundo as características dos concertistas do período. Emilia Frassinesi, violinista italiana, apresentara-se na cidade anos antes no Teatro São Carlos durante um espetáculo de sua irmã Fátima Miris, famosa transformista cujo nome real era Maria Frassinesi. Em janeiro de 1913, veio novamente à cidade, dando um concerto no Club Campineiro acompanhada ao piano por Luciano Gallet.

Ao lado de peças de Sarasate e Paganini, onipresentes em concertos de violino, Frassinesi executou o Concerto em Mi menor Opus 64, a Sonata em Dó menor, de Grieg e um Noturno de Chopin. Comparando-se com o concerto dado em 1917 pelos irmãos Alfredo e Armando Belardi, violinista e violoncelista, encontram-se novamente as obras de Paganini, assim como Wieniawsky. Sarasate, por sua vez, aparecera no repertório de Chiaffitelli, anos antes. Violinistas que visitaram a cidade em outros espaços também trouxeram peças desses três compositores.

Um esperado concerto deu-se no ano seguinte, com a pianista Guiomar Novaes (1894-1979), que retornava à cidade em sua fase adulta, uma vez que havia se apresentado ali em 1905, quando algumas crianças puderam tomar parte em seu concerto. Natural da cidade paulista de São João da Boa Vista, tornou-se ainda em sua juventude uma destacada referência no meio musical internacional. Após seus estudos no Conservatório Musical de São Paulo sob as orientações de Luigi Chiaffarelli, foi admitida no Conservatório de Paris depois de um disputado concurso, no qual alcançou a primeira colocação. Novaes apresentou-se em Campinas em abril de 1914, ano em que deixou a Europa pelo início da Primeira Guerra. Nesse tempo já possuía grande reconhecimento, e seu recital foi antecedido de grandes preparações por parte de um grupo de mulheres, reunidas para suas comissões de organização nos salões da Casa Livro Azul.

Entre as moças, provavelmente estudantes de música, encontrava-se Maria Amélia de Rezende Martins, neta do Barão Geraldo de Rezende e que se tornou uma pianista profissional. Também se achava ali Olga Pedrário, que desenvolveu carreira como pianista e compositora. No salão nobre do Club, Guiomar Novaes deu ao público um grande concerto,

96

com peças de elevada dificuldade técnica, como a complexa composição de Liszt executada ao final, causando profunda impressão sobre o auditório:

Bach - Busoni – Chaconne Chopin – Sonata em Si menor, Opus 58 Brahms – Capriccio em Si menor. Moszkowsky – Estudo de concerto Les vagues Zanella – Minuetto Liszt – Rapsódia Húngara n.2

A aguardada presença da pianista e sua representação como destacada pianista evidenciava um importante aspecto da cultura musical do período – a relevância da figura feminina no cultivo da arte musical das elites. Nas práticas da cultura privada, com a inserção do piano como ícone cultural de posição central nos ambientes familiares e sociais durante o século XIX, as mulheres associaram-se fortemente aos hábitos musicais através do conhecimento da arte pianística e vocal. Firmando-se ideologicamente como cultura de classe, as práticas musicais do universo feminino traduziram-se como distinção e valorização pessoal em sua sociedade.

Tais características da formação cultural feminina ainda manifestavam-se pelo início do século XX, como se percebe pelo envolvimento e presença das mulheres nos programas musicais descritos. Embora amadoras em sua maioria, é visível o elevado nível de desenvolvimento musical que alcançavam e, de fato, parecem responder por grande parte das movimentações culturais da cidade. Ainda que sob a perspectiva das questões morais e sociais que as envolviam em tempos de predomínio do conservadorismo, deve-se ressaltar o enriquecimento que proporcionavam à vida musical através das práticas e conhecimentos artísticos que possuíam.

97

Guiomar Novaes cercada pela comissão de jovens mulheres, por ocasião de seu concerto em 1914 no Club Campineiro. Revista A Cigarra, edição de maio de 1914. Acervo digital do Arquivo do Estado de São Paulo

Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928), violinista, compositor, professor e musicólogo italiano radicado no Brasil, foi mais um dos músicos atuantes no universo musical carioca a se apresentar em Campinas. Seu concerto deu-se em 1917, com a pianista Maria Lina Jacobina, apresentando obras do violinista tcheco Ferdinand Laub (1832-1875), Chopin, Wieniawsky e Camille Saint-Saëns. Deste apresentou a Sonata n.1 Opus 75 para violino e piano, a mesma que tocou com o próprio compositor em 1899, quando da primeira apresentação dessa peça no Brasil, no Teatro São Pedro de Alcântara. Cernicchiaro também tocou Tarantella, de composição própria.

Ao final de 1919 veio à cidade a pianista francesa Renée Florigny, após apresentar-se no Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Consagrada com o primeiro prêmio de piano do Conservatório de Paris, também tornou-se conhecida na América do Norte. Um pouco diferente do que frequentemente se via em concertos de piano, Florigny incluiu em seu programa romântico, que se iniciou com a Sonata n.23 de Beethoven, a Apassionata, as peças

98

francesas do período barroco Le tambourin, de Jean-Philippe Rameu e Coucou, de Louis- Claude Daquin. De Debussy, cujas peças eram ainda pouco conhecidas e tocadas ali, executou um Arabesque, assim como um Prelúdio de Rachmaninoff.

Seguiu-se o concerto da soprano Cacilda Ramalho Ortigão (1889-1956), portuguesa de grande destaque no canto lírico ligeiro, considerada uma virtuose. Acompanhada do pianista português Oscar da Silva, cantou um repertório já bem conhecido, com trechos de ópera de Gomes, Donizetti, Bizet e Mozart, sendo a única exceção a ária de Beatriz de Portugal, ópera do compositor luso Francisco de Sá Noronha (1820-1881). O singular interesse manifestado pelo público na ocasião, por sua vez, não se relacionava a novidades musicais, mas sim com a presença oportuna da famosa cantora.

Em 1920 apresentou-se no Club a jovem pianista Ada Pinelli, que como novidade tocou peças do compositor italiano Giuseppe Frugatta (1860-1933) e do alemão Max Reger (1873-1916). José Bustamente de Camargo, tenor campineiro que alcançara grande reconhecimento na Europa ao fazer parte do elenco na Opera de Paris, deu um importante concerto em novembro. Diferente de Santino Giannattasio, tenor ainda jovem que, segundo a crítica, não buscava desenvolvimento artístico como representante do canto, Camargo era aclamado pela imprensa como grande símbolo lírico do Brasil. No início daquele ano, havia sido convidado a cantar na presença do presidente Epitácio Pessoa, que o felicitou distintamente. Em seu concerto em Campinas, preparado por uma comissão de mulheres, além dos famosos excertos operísticos, apresentou as peças Guitarra e Mal secreto, de Elias Lobo Netto, seu pianista acompanhador ao lado de Alice Gomes Grosso.

Em 1922, outro grande concerto vocal foi organizado com a vinda do soprano Aida Poggeti Hermann, paulistana que iniciou seus estudos no Conservatório de sua cidade como uma de suas primeiras alunas. Ao tomar parte em uma companhia lírica italiana no Rio Grande do Sul, revelou-se como notável intérprete nos papeis de Musetta, de La Bohème e Rosina, de Il Barbieri di Siviglia, óperas de Puccini e Rossini. A partir de então, traçou uma trajetória ascendente como cantora lírica, em que contou com o patrocínio de Carlinda Borges de Medeiros, esposa do governador daquele estado.

Sua apresentação no salão do Club Campineiro reuniu representantes da política local, como o prefeito Raphael Duarte, evidenciando as práticas das formalidades elitistas que envolviam essas reuniões culturais, marcadamente nas quais se faziam presentes figuras de

99

vulto do mundo artístico. No concerto, elaborado para possuir um grande efeito através do auxílio de uma orquestra, Poggetti cantou entre as principais peças o rondó de Lucia de Lammemoor e a cavatina de Don Pasquale, de Donizetti, a ária de La Traviata, de Verdi, a ballata de Il Guarany, de Gomes e a cavatina de , de Bellini. Uma segunda apresentação foi realizada dias depois no Clube Semanal de Cultura Artística, devido ao grande interesse do público pelo notável soprano que se achava em seu meio.

A realização de concertos dados por grandes figuras do cenário artístico nacional no Club Campineiro parecem revelar uma posição destacada dessa associação na promoção de programas culturais na cidade. Marcadamente a partir do século XX, os concertos musicais passaram a ocorrer em meio a outro contexto da cultura urbana, simultâneos às novas formas de entretenimento que ascendiam ao gosto geral, menos relacionadas à contemplação musical. A tradição desses eventos musicais, entretanto, teria sua continuidade no interior das sociedades culturais, que seguiriam como principais de espaços de sociabilidade e apreciação musical das elites.

Grêmio de Cultura Artística

Fundado em 27 de maio de 1915, tinha como objetivo promover concertos e saraus, mas, sem sede própria, suas programações davam-se na mesma sede do Club Campineiro. Em pouco tempo, no ano seguinte à sua fundação, seria unida ao antigo Club Semanal, passando a ter, então, um salão próprio. Um dos concertos organizados pelo Grêmio foi o da pianista Antonietta Rudge (1885-1974), que como Novaes e Tagliaferro foi grande referência do piano brasileiro. Sua apresentação deu-se em março de 1916, em que foram executadas peças de Beethoven, Chopin, Liszt, Ravel e Saint-Saëns.

Club Semanal de Cultura Artística

As condições em que se achava o Clube Semanal desde os anos de 1900 eram difíceis, e por volta de 1916, seu salão encontrava-se fechado há dois anos. As intensas atividades do Grêmio de Cultura Artística, iniciado há pouco mais de um ano com notável articulação, traduziam-se nos impulsos que faltavam ao antigo Clube, em sua escassez financeira e de movimentação cultural.

100

A fim da conservação da memória da decadente associação, viu-se como estratégia o uso de seu prédio pelo Grêmio, ainda sem sede própria. Na importante reunião de 23 de abril de 1916, as duas sociedades deliberaram a formação de uma comissão mista, a fim de promoverem a fusão do Grêmio e do Clube, o que ocorreu no mesmo ano.

Com um grupo orquestral próprio, os saraus literários eram dados com mais frequência, aproveitando-se os recursos musicais de que dispunha. O violinista Fritz Gottwald dirigia as programações, nas quais tomariam parte muitos músicos locais, como Salvador Bove.

A partir de 1917, verificaram-se os concertos como o de Agustín de Barrios, guitarrista paraguaio, e dos irmãos Belardi, dueto de violino e violoncelo. Um destaque em relação ao repertório, predominantemente romântico para os concertos de cordas e piano, deu- se com pianista Ophelia Nascimento em 1921, que ao lado das composições de Bach, Couperin, Mendelsshon e Chopin, trouxe pela primeira vez à cidade uma peça de Villa- Lobos, O ginete do pierrozinho.

Centro de Ciências, Letras e Artes

Como resultado das movimentações intelectuais na cidade, o Centro foi fundado em 31 de outubro de 1901, tendo em sua primeira diretoria figuras como Leôncio de Carvalho, José de Campos Novaes, Cesar Bueno Bierrenbach e Coelho Netto. Com um numeroso grupo de estudiosos de diversas áreas do conhecimento formaram-se comissões auxiliares, especializadas no desenvolvimento de conferências e estudos.

A sede do Centro de Ciências, construída tempos depois de sua fundação, tornou- se espaço de importante vida cultural, com a instalação de uma biblioteca e museu, e espaços para exposições artísticas. Uma sala de concertos daria lugar a apresentações musicais. A associação passou a publicar ainda sua própria revista, a partir de 1902. Também fizeram parte da comissão artística José Pedro de Sant’Anna Gomes e Luiz de Pádua.

101

Os concertos passaram a ser mais frequentes por volta de 190820, talvez pela ausência inicial de uma sede própria. Luiz de Pádua, pianista e um dos membros da associação contribuiu para a realização dos programas musicais, como os que tinham por finalidade a divulgação de peças de autores nacionais, executadas por seus alunos de piano e por músicos amadores. À semelhança do Clube Semanal de Cultura Artística, o Centro de Ciências fez-se espaço de incentivo para instrumentistas locais, como os pianistas Mario Monteiro, então jovem estudante de grande talento, e Olga Pedrário. Outra estudante de piano a se apresentar ali foi Maria Amélia de Rezende Martins, com seu primeiro concerto público, no qual tocou as seguintes peças:

Bach-Busoni – Chaconne Beethoven – Sonata ao luar Schumann – Papillons A ma fiancée Chopin – Estudo n. 5 Chopin-Godowsky – 5º estudo para mão esquerda Chopin – 3ª balada Schubert – Alvorada Grieg – Carnaval Dubois – Les abeilles Wagner – Balada da ópera O Navio Fantasma

Sabe-se também que em 1914, pouco tempo depois do concerto dado em Campinas, Guiomar Novaes recebeu do Centro de Ciências o diploma de sócia correspondente de honra, e após assistir a um programa musical que lhe foi dedicado, participou brevemente com a execução de algumas peças ao piano.

No geral, a instituição mantinha um constante movimento musical através desses concertos, nos quais se envolveram professores como Fritz Gottwald e Eugenia Franchi, além de muito amadores que, ao que parece, foram efetivamente os responsáveis em grande parte pela realização desses eventos. Com essas práticas, o Centro estendeu sua influência cultural sobre a cidade, na proposta de valorizar e manter a cultura musical como um dos aspectos da formação intelectual.

20 1908 foi o ano da morte de Sant’Anna Gomes. Não se encontraram muitos vestígios de sua atuação na comissão artística do Centro, mas imagina-se que tenha naturalmente contribuído na organização de concertos, embora as reuniões musicais tenham sido mais recorrentes após sua morte.

102

Anfiteatro da primeira sede do Centro de Ciências Fonte: José de Castro Mendes, Suplemento Cultural sobre a história de Campinas. 1969.

Club Mozart

Esse clube musical foi fundado pelo professor de piano Luiz de Pádua Machado em 1882, com a finalidade de oferecer às alunas oportunidades de apresentação em concertos públicos. Representativo da cultura musical do universo feminino, no qual destacava-se a figura da mulher pianista, o Club possuiu longa duração e uma geral constância de atividades registradas ao menos até 1919, e era organizado segundo a regência de um estatuto.

Protagonizados pelas senhoras e jovens da elite, os concertos programados durante o ano tomavam lugar nos salões do Clube Semanal e, posteriormente, no Club Campineiro. Seria difícil traçar uma trajetória detalhada sobre os numerosos programas que ocorreram, pois envolveram um variado repertório, de predomínio romântico, interpretado por muitas alunas, em diferentes níveis de desenvolvimento.

Entre as pianistas em formação, distinguiram-se algumas que de fato excederam o nível do amadorismo, tornando-se professoras na cidade. Por sua vez, Zulmira Dal Colleto, a

103

quem se dedicou o concerto realizado em março de 1916, chegou a cursar o Conservatório de Roma.

Club Musical Sant’Anna Gomes

Organizado em 1893 pelo professor de piano Manoel José Ferreira Penna e suas alunas21, esse clube musical homenageou em seu nome o mais representativo músico do cenário campineiro. Em janeiro de 1895, na primeira reformulação de seus estatutos, deliberou-se que os concertos deveriam ocorrer de quatro em quatro meses, e que possuiriam uma parte musical e outra dançante. Seriam também admitidas outras senhoras que não as alunas do professor Ferreira Penna, as quais poderiam ocupar cargos de diretoria. O número de sócias, porém, seria limitado a cem.

Pelo primeiro aniversário do clube que levava o nome de seu irmão, Carlos Gomes escreveu em 1894 sua sonata O burrico de pau, para quinteto de cordas. Em agradecimento à dedicatória do maestro, a diretoria do clube enviou um ofício do qual segue o excerto inicial:

O club musical Sant’Anna Gomes, composto de filhas desta cidade, que se ufana de ter sido o vosso berço, amadoras da sublime arte em que, com o vosso prodigioso talento conquistastes a imarcescível coroa de glória que refulge em vossa fronte, por sua diretoria e por seu fundador abaixo assinados, tem a honra de vir por este meio patentear-vos o mais sincero agradecimento pelo mimo de grande valor artístico – a magnífica sonata para instrumentos de cordas – que delicadamente escrevestes para a festa do primeiro aniversário desta associação. (Diário de Campinas, 24.08.1894)

Embora em 1895 o número de sócias se aproximasse do limite estabelecido, o clube não parece ter prosseguido em suas atividades após o ano de 1896, quando não se observam mais registros.

Club Mandolinista

Com poucos registros sobre esse clube, teve aparentemente seu início em 1904 com o professor Ugo Azzolini, mestre de bandolim, e em sua primeira audição, realizada no Club Semanal, contavam-se 17 alunos.

21 Ver o primeiro capítulo, p.34.

104

2.6 Música nas igrejas

O século XIX foi, como para o desenvolvimento urbano e econômico de Campinas, importante período de estruturação institucional do poder religioso, dentro dos moldes da formação cultural das cidades brasileiras do período. Ao final do século, três importantes igrejas demarcavam os espaços centrais da cidade.

A Matriz de Santa Cruz22 erguia-se como a mais antiga igreja, conhecida como Matriz Velha após a construção da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1883. Desde 1870, a elevação da chamada Matriz Nova acabou por dividir a cidade nas duas grandes paróquias de Santa Cruz e Conceição, passadas à nomenclatura de distritos após o início do regime republicano. Outro importante templo era também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário23, situada junto ao largo de mesmo nome. Hoje inexistente, foi demolida em 1956 para o alargamento da avenida que é a atual Francisco Glicério.

A Igreja de São Benedicto possuía singular história, na qual sobressaiu-se a figura do Mestre Tito, ex-escravo que iniciara as obras da construção e que, falecendo em 1882 não participara de sua conclusão, levada a cabo em 1885 por outros em sua memória. Além das principais igrejas no perímetro central da cidade, outras havia junto a instituições, como a Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, da Santa Casa de Misericórdia, e as capelas do Liceu Salesiano e do Externato São João. Ao final do século, bairros e distritos de Campinas inauguravam suas capelas, nas quais havia também relativa atividade musical, com o concurso de bandas de música.

O processo de laicização em andamento desde as inconstâncias das relações entre o clero e o poder imperial tomou formas mais definidas com a instauração da República em 1889, marcadamente com as disposições jurídicas da nova Constituição, aprovada em 1891. Dissociando-se do poder político ao menos nas principais estruturas legislativas do país, em que perdera os foros de oficialidade como religião nacional, a Igreja Católica encontrava-se em um período de remodelação de seus caminhos de atuação.

Embora significativa e marcante, o rompimento do Estado com a Igreja em suas relações mais diretas não se traduziu em decadência do poder institucional religioso, em seus

22 A antiga igreja foi inaugurada em 1781 e em grande parte demolida no século XX. Sobre ela foi construída a Basílica de Nossa Senhora do Carmo, localizada na praça Bento Quirino. 23 Difere-se da atual igreja de mesmo nome no Jardim Chapadão.

105

aspectos internos e também políticos, ou os representativos da fé cristã e de seus valores junto à sociedade. Em contrapartida, percebe-se o fortalecimento do movimento católico, que se revelou expansivo com a fundação de instituições de ensino e associações. Em Campinas, houve a fundação de colégios católicos, como os citados Liceu e Externato, o Colégio Sagrado Coração de Jesus e o Colégio Diocesano, e a União Santo Agostinho, de atividades culturais. Em 1908, a cidade tornou-se ainda sede administrativa, com a criação da diocese sob o bispado de D. João Batista Correa Nery.

Nesse período, as celebrações não deixam de ser agregadoras de grande assistência de fiéis e fazem-se ainda grandiosas, com destaque para a Semana Santa e a Festa do Divino Espírito Santo. As duas principais festividades centralizavam-se nas duas matrizes, a antiga Santa Cruz e a nova Catedral, reunindo a população da cidade nos maiores templos para as principais datas do calendário religioso. O dia dos padroeiros das igrejas menores eram datas de movimentação local, como a Festa de São Sebastião, na capela do distrito de Arraial dos Sousas e a Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, celebrada anualmente na Santa Casa de Misericórdia. A Festa de São José tinha lugar às vezes nas igrejas do Rosário e de Santa Cruz. Nesta, o Mês de Maria ocorria geralmente em maio.

Musicalmente caracterizadas pela solenidade das orquestras e coros e pelas tradicionais bandas de música nas procissões, as celebrações religiosas traduziam-se como representações do poder da Igreja, desde os sagrados altares às ruas e praças, ocupando templos e espaços públicos com grande acompanhamento popular. Relacionavam-se também à memória religiosa no âmbito do coletivo, reafirmando crenças e hábitos do universo simbólico cristão e católico.

As narrativas e comentários da imprensa sobre as maiores festividades e celebrações do cenário religioso católico24 dão relativas possibilidades de conhecimento das práticas musicais existentes nas igrejas, embora representativas de atos realizados em períodos específicos do ano e em ocasiões de maior movimentação em que, certamente, havia maior elaboração musical em relação ao cotidiano dos cultos semanais. Imagina-se que ao menos nos dois grandes templos, em que se sabe da existência de órgão, as necessidades musicais poderiam ser supridas pela presença de músicos desse instrumento em funções

24 As práticas musicais aqui observadas referem-se exclusivamente às da Igreja Católica. Embora desde o final do século XIX algumas igrejas protestantes houvessem iniciado sua implantação em Campinas, não foi possível obter conhecimento detalhado sobre seus usos musicais, certamente relevantes. Um único registro no jornal indicava a execução de hinos pelo coro da Igreja Presbiteriana Independente, em 1916.

106

comuns. Embora sem confirmação, não devem ser excluídas as possibilidades de música em formação instrumental e vocal mais variada também nessas funções regulares.

Durante a década de 1890, as celebrações anuais seguiram de forma positivamente constante, ainda que em tempos de recessão das atividades urbanas. Com exceção do ano de 1889, com o grande primeiro surto epidêmico, no qual houve pouca ou nenhuma solenidade festiva, mantiveram-se as principais datas observadas pelas igrejas durante os outros anos. Em 1890, após o segundo surto, a Festa do Divino ocorreu em ambas as matrizes entre os meses de junho e julho, na qual se encarregou das partes musicais uma orquestra conduzida pelo maestro Sant’Anna Gomes. No segundo semestre do ano, período de maior retomada da cidade, realizaram-se ainda a Festa do Sagrado Coração de Jesus, para a qual executou-se uma pequena Missa Francesa de autor não especificado, e a Festa de São Sebastião, também com a presença da orquestra.

Situada nos desfavoráveis meses de março ou abril quando do cenário de ameaças epidêmicas, a Semana Santa saiu-se como celebração por vezes suprimida, ou realizada em condições simplificadas, como em 1892. A partir de maio desse ano, no entanto, momento em que diminuíam os efeitos dos surtos de febre amarela, retornaram à prática as funções festivas previstas. No Mês de Maria, na matriz de Santa Cruz, ao lado da solista Joaquina Gomes Henking cantaram duetos e coros femininos. A Festa do Divino ocorrida na mesma igreja reuniu sacerdotes cantores sob a regência do sub-chantre da Sé Episcopal José Rodrigues de Carvalho, com acompanhamento da orquestra local.

A ausência da epidemia a partir de 1893, por sua vez, devolveria à Semana Santa seu período habitual de celebração, entre as festas de São Benedito e São José ocorridas em janeiro e abril. As celebrações da Páscoa do ano seguinte distinguiram-se, por sua vez, pela presença do maestro e compositor Elias Álvares Lobo (1834-1901), em que suas composições foram executadas pelo órgão da Catedral25 que, em substituição à orquestra sem motivos explícitos, não contemplou de todo a inspiração presente nas partituras. As obras sacras de Elias Lobo, já há tempos conhecidas, seriam ainda de relevante execução nas igrejas de Campinas, em especial pela presença de seu filho regente Jeronymo Lobo e de Elias Lobo Netto à frente de orquestras e coros.

25 Segundo os comentários da imprensa, o órgão Cavaillé – Coll possuía então possante sonoridade. Sabe-se que em 1895, pouco tempo depois, fora reformado pelo maestro Leffji, professor do colégio de Itu.

107

Em agosto de 1896, um destacado acontecimento musical deu-se com a Missa de Santa Cecília celebrada na Matriz Nova, a catedral, por iniciativa de músicos da orquestra de Sant’Anna Gomes e da Banda Brasileira, de Azarias Dias de Mello. Instrumentistas amadores e de outras localidades contribuíram para o enriquecimento do grupo orquestral, que executou o Credo e a Missa de São Sebastião, de Carlos Gomes. Como solo ao pregador, Eliza Monteiro cantou o Ave Maria de Othelo, “que o fez com muita expressão e sentimento, sobrelevando-se o acompanhamento que produzia uma harmonia muito suave e agradabilíssima.” (Diário de Campinas, 11 de agosto de 1896).

Carlos Gomes, que já se achava muito enfermo em Belém, foi assunto das palavras finais na pregação do Bispo Correa Nery, o que causou grande comoção nos presentes. Instado pelos músicos da orquestra, Sant’Anna Gomes passou o seguinte telegrama ao irmão: “A Carlos Gomes – Pará: Orquestra executou hoje Missa e Credo de São Sebastião na festa de Santa Cecília. Monsenhor Nery, Bispo Espirito Santo, pregou pedindo preces públicas restabelecimento do velho conterrâneo.” (idem)

No mesmo mês, a Festa do Divino Espírito Santo realizou-se de forma marcante, na qual tomaram parte no coro cantores de nível artístico vindos de São Paulo. Nessa celebração, mantinha-se a tradicional comitiva real a percorrer ruas e a completar a triunfal entrada no templo:

Às 11 horas partiu do Império o cortejo, que foi de uma suntuosidade de encantar. As senhoras que tomaram parte nele trajavam os mais ricos e primorosos toilettes, sendo difícil dizer-se qual o mais elegante e mais bem talhado e rico, presidindo na confecção dos mesmos o mais refinado gosto, mais perfeito savoir faire. Os cavalheiros que ao lado das senhoras compunham o cortejo, vestiam corretamente casaca. (Diário de Campinas, 25.08.1896)

Após a chegada do cortejo à Catedral, deu-se a missa cantada com grande orquestra sob a regência do maestro Gomes Cardim, vindo de São Paulo acompanhado de mais de 30 músicos. Uma excepcional orquestra de 62 músicos executou as seguintes partes musicais:

Overture à grande orquestra. Marche de La Reine de Sabat – Gounod. Grande Misse – F. Rossi. Credo – Mercadante. Solo à Epístola – cantado por Candida Escobar.

108

Air d’Église – Stradella. Sanctus – T. Tiske. Solo ao Pregador – Gomes Cardim, cantado por Maria da Costa. Ofertório, quarteto a vozes dobradas – P. Cagliero. Agnus Dei – P. Giorsa.

Com exceção da Marcha da ópera de Gounod, o repertório manteve-se nos moldes sacros. Embora estivessem em uso peças de conteúdo religioso pertencentes a obras profanas – como a preghiera de óperas, geralmente aplicada em solos – composições destinadas diretamente ao ambiente sacro pareciam predominar nas apresentações musicais das igrejas. As formas de apreciação, por sua vez, poderiam ainda reduzir-se a uma contemplação artística, desprovida de elevação espiritual de caráter religioso:

As diversas músicas sacras produziram a mais agradável impressão, não só pela arte que presidiu a sua escolha, como pela maneira com que foram interpretadas, não se notando a mais leve falta, não só nas partes componentes e heterogêneas como no conjunto que foi o mais afinado, produzindo um efeito admirável, máximo para quem sabe que os professores desta cidade não fizeram ensaios, executando de primeira vista quase todos os trechos. O que aqui dizemos da orquestra aplicamos também às vozes, que eram boas, notando um solo de tenor, o solo à epistola pela exma. sra. d. Candida Escobar, e o solo ao pregador, pela exma. sra. d. Maria Costa. (Diário de Campinas, 25.08.1896)

Na apreciação musical durante essas celebrações, certa ênfase nas habilidades musicais de instrumentistas e solistas parecia exprimir tanto o desejo quanto a satisfação pela elevação técnica apresentada, necessários para a excelência dos resultados musicais e seus efeitos quase extáticos no decorrer das solenidades. Os pontos altos das funções religiosas dessas ocasiões eram geralmente referidos por suas passagens musicais, em especial pelos belos cantos solo, dos quais se pode ter referências.

Em 1897, na Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, executou-se a Missa de Nossa Senhora da Conceição, de Carlos Gomes. No Solo ao Pregador cantado por Elisa Monteiro – a composição de Sant’Anna Gomes Ave Maris Stella, acompanharam o maestro Brachetto à d’amore e a orquestra. Após a pregação seguiu-se o Credo de São Sebastião e duetos e solos, por Joaquina G. Henking e o barítono Luciano Vetorazzo, de São Paulo.

No ano seguinte, apresentou-se nas celebrações da Festa do Divino um coro de senhoras entre as quais encontravam-se Perpétua Duarte e Joaquina Gomes, professoras de música, e Vicentina Bierrenbach. No solo ao pregador, Emília de Camargo cantou Salve

109

Maria de Mercadante, junto à flauta de Candido Álvaro e ao harmonium de José Brachetto, regente da orquestra que, nessa ocasião, executou uma missa do mesmo compositor italiano.

Além da sempre presente figura de Joaquina Gomes, Ludovica Andrade, conhecida como D. Vivica, destacava-se também como cantora em funções religiosas. Na missa de Sexta-feira Santa de 1902, por exemplo, cantou Tristis est anima mea, de Sant’Anna Gomes, além de participar de parte da Missa de N.S. da Conceição de C. Gomes no solo do Laudamus e no terceto do Domine Deus. Professora de canto e piano, chegou a dirigir o coro durante o mês mariano na Matriz Nova, em 1898. Outra mulher de atuação nem sempre evidente, mas certamente importante, foi Ana Gomes, citada como regente da orquestra junto a seu irmão Sant’Anna Gomes durante a Semana Santa de 1897. Na direção da música de igreja, havia também algum espaço para grupos menores dirigidos por amadores, como o grupo infantil Coração de Jesus organizado por Euclides Teixeira.

Além das composições sacras dos Gomes, valorizadas em sua cidade natal, ou de Elias Álvares Lobo26, outros compositores brasileiros figuraram no repertório local, como o importante nome do padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), representante do período musical anterior e grande referência da música religiosa colonial. Embora os títulos de suas missas não tenham sido especificados, suas composições foram usadas em 1902 nas solenidades do mês mariano e da Festa da Boa Morte, com orquestra e coro misto. Em 1905 executou-se também uma missa de Martiniano Ribeiro Bastos (1834-1912), compositor e regente natural de São João Del Rey, cuja trajetória e atuação assemelhou-se muito à do campineiro Sant’Anna Gomes. Foi seu discípulo Presciliano Silva, natural da mesma cidade mineira e que por um período foi professor de piano em Campinas.

Na Festa de São José ocorrida na Igreja do Rosário em 1902 apresentou-se uma obra de Francisco Andrevi y Castellar (1786-1853), organista, teórico e mestre espanhol. Sobre a execução musical, comentou-se que

O coro esteve muito bom a despeito da desigualdade da parte instrumental e das vozes. A não ser esse pequeno senão que prejudicou a harmonia da música, por ter a parte vocal encoberto em alguns trechos do Gloria e do Credo os instrumentos, o coro com rigorosa afinação, deu boa execução à belíssima música do compositor espanhol R. Andrevi.27 (Cidade de Campinas, 22.04.1902)

26 Compositor paulista natural de Itu, viveu um período de sua vida em Campinas e faleceu em São Paulo. 27 A inicial “R” parece ser um equívoco, pois o primeiro nome do compositor era Francisco.

110

A Missa em Si bemol de Joseph Haydn foi apresentada em uma grande celebração da Santa Casa de Misericórdia em 1905, com bem composto coro e orquestra. Jeronymo Lobo, regente nessa ocasião, passaria a ser atuante maestro na direção musical em festas religiosas, dando relevante atenção à obra de seu pai, Elias Lobo. Em parte contribuiu para a substituição de Sant’Anna Gomes desde 1908. O último registro desse maestro ao conduzir uma orquestra foi a Semana Santa de 1907.

De reconhecida qualidade artística proporcionada pelo desenvolvido corpo orquestral e coral de que dispunham as igrejas, a música religiosa das grandes celebrações católicas constituíam-se oportunos momentos de apreciação de obras sacras. Ainda que em um contexto de culto religioso, durante o qual deveria assumir função subserviente aos rituais sacerdotais e dos fiéis, assumira as formas de um tempo independente, por vezes destacado da lógica circundante imediata.

De fato, as práticas musicais dos concertos e da música lírica, desenvolvidos durante o século XIX, tiveram entrada no diferenciado ambiente das igrejas, em parte aceitas por elas. Como observou Nogueira: “A igreja, percebendo a necessidade de adaptação às tendências da época, tentou adequar a prática musical à demanda popular, passando a tolerar a introdução de gêneros até então estranhos à suas tradições.” (2001: 21)

O quadro que se desenhara sobre a música religiosa em Campinas parecia ser também comum ao contexto geral das igrejas no extenso universo católico, de forma a provocar reações nas mais altas autoridades da instituição. Embora prescrições da cúpula da Igreja já versassem sobre os usos da música nos templos, foi necessário haver mais forte intervenção jurídica. Os efeitos de suas determinações poderiam ser vistos até mesmo no meio musical campineiro, anos depois.

No primeiro ano de seu pontificado, o Papa Pio X instituiu uma relevante reforma musical através de seu Motu Proprio, emitido em 22 de novembro de 1903, dia de Santa Cecília. Trata-se de documento conciso de orientações diretas com força de lei e requerida observância. Indicando os princípios gerais que deveriam ser restituídos à música sacra,

111

buscou resgatar tradições frente à sensível teatralização e exibição musical que se estabelecera nas igrejas durante a segunda metade do século XIX.

Inicialmente, o texto do Motu Proprio expõe os valores e princípios que devem reger a música sacra, cuja função é servir com apropriada melodia aos textos litúrgicos, dando-lhes maior eficácia ao conduzir a devoção dos fiéis, possuindo ainda a santidade e a universalidade. Como primeira revalorização da tradição musical está o retorno do canto gregoriano, idealizado como manifestação legítima e correta da música sacra, e que deveria ser, portanto, devolvido às funções de culto. É tido como paradigma musical, de modo que “uma composição para a igreja é tanto mais sacra e litúrgica, quanto mais se aproxima no andamento, na inspiração e no sabor da melodia gregoriana; e tanto menos digna é do templo, quanto mais se afasta daquele supremo modelo.” (RÖWER, 1950: 12)

O segundo gênero a ser resgatado deveria ser a polifonia clássica, desenvolvida pela Escola Romana no século XVI e que teve em Pierluigi da Palestrina seu maior representante. A música sacra moderna, no entanto, seria admitida conquanto não se assemelhasse às formas musicais características dos gêneros teatrais: “(...) nada contenham de profano, não tenham reminiscências de motivos usados no teatro e não sejam moldadas, nem sequer nas suas formas externas, nos andamentos dos trechos profanos.” (Opus cit., 13)

Sobre o texto litúrgico, este só poderia ser cantado em latim, proibindo-se qualquer tradução para o vernáculo, ou alterações de seu conteúdo. As partes litúrgicas deveriam seguir sua estrita ordem, sem omissões ou inversões. Também as partes constitutivas da Missa e do Ofício deveriam seguir os tradicionais conceitos composicionais, bem como as diferentes partes não poderiam expressar motivos musicais independentes, mas contribuir juntos para um inteiro sentido da obra. Os hinos, por sua vez, de modo algum deveriam assemelhar-se em suas passagens a uma romanza, cavatina ou allegro.

O canto coral foi diferenciado entre o canto dos sacerdotes, exclusivamente gregoriano, e o canto do coro, cuja atuação deveria ser predominante em detrimento do solo. Esta voz deveria “ter o caráter de simples proposição ou esboço melódico e ser estreitamente ligada ao resto da composição de forma coral.” (Opus cit., p. 15) Uma notável prescrição a respeito dos coros proibia a participação de mulheres, pela dita incapacidade de exercerem seu munus litúrgico – ou ofício, devendo ser substituídas por meninos nas vozes de soprano e

112

contralto. Impedidas de cantar na missa solene, poderiam fazê-lo, no entanto, nas chamadas funções extralitúrgicas, e também em casas religiosas e educandários femininos (Opus cit., p. 103)

Em relação ao uso de instrumentos musicais, admitia-se o órgão de modo que não prevalecesse sobre as vozes do coro, ou se sobressaísse com prelúdios e . Proibia- se a partir de então o uso do piano e de instrumentos fragorosos e ligeiros, como tambor, bombo, pratos, campainha e outros semelhantes. Os instrumentos de sopro poderiam tomar parte sob devida autorização, em estilo grave em conveniência com o órgão. As bandas de música não poderiam tocar no interior do templo, apenas no acompanhamento de procissões com peças sacras e nunca profanas, acompanhadas pelo canto das irmandades ou cantores.

Ao fim, o documento prescrevia como forma de boa execução das dadas orientações a criação de comissões especiais, as quais pudessem julgar as composições propostas, a criação de uma Schola Cantorum em seminários e institutos, bem como em igrejas.

As restritivas determinações do Motu Proprio, portanto, davam-se de encontro a muitos usos musicais nas igrejas de Campinas. Os coros femininos ou mistos, o uso frequente de solos, muitos dos quais cantados por mulheres, a presença do piano junto à orquestra e a execução de peças originárias de óperas são, à primeira vista, as principais práticas ali existentes, combatidas pelas novas imposições papais. No entanto, fez-se perceptível o surgimento de um novo cenário musical no meio religioso, no qual transpareceu de forma nítida o seguimento das ordenações recebidas.

Um primeiro registro que revelou a adoção de novas práticas musicais segundo as recomendações eclesiásticas refere-se à celebração da Semana Santa de 1908, na matriz de Santa Cruz. As partes musicais foram executadas pelo coro de alunos do Liceu Salesiano N. S. Auxiliadora, conduzido pelo padre J. Falcone, seguindo-se ainda as determinações de Pio X. A presença da Schola Cantorum dessa instituição em participação da tradicional festividade pascoal sob a regência de um sacerdote poderia expressar por si mesma, então, o surgimento de definidas alterações na forma de execução musical durante aquela ocasião.

A observância das novas regras sobre a questão musical seria ainda requerida através de uma comissão especial para a avaliação das proposições de peças a serem

113

executadas nas igrejas. Um registro de jornal de 1912 revelou que a comissão examinara e rejeitara muitas composições que antes eram executadas nas igrejas de Santa Cruz, Conceição e na capela da Santa Casa e que esperava receber das demais instituições e das bandas de música seus repertórios para o devido exame. Comentava ainda que nos bairros do Arraial dos Sousas e Rebouças haviam sido executadas missas de estilo sacro e com partes variáveis a cantochão, de acordo com o Motu Proprio. Os rumos da música sacra deveriam seguir nas direções das referidas exigências. Ao observar as descrições das solenidades do Domingo de Ramos na Catedral no mesmo ano de 1912, percebe-se, talvez, o início de novos padrões de contemplação musical, mais próximos do que esperavam as autoridades da Igreja:

O suntuoso templo estava majestosamente ornado com tapetes ao longo das colunas; as tribunas paramentadas festivamente, o coro pronto para entoar o Salve sacerdos magnus. O badalar da torre anuncia às 10 e ¼ a chegada do s. exc. sr. bispo, que no meio de uma ala de irmãos do Santíssimo, faz a entrada solene na Catedral. As notas melodiosas do órgão, os cantos suaves da liturgia, a flébil voz dos instrumentos enchem as arcadas do templo e o povo genuflexo contempla extático essa passagem triunfal do Bispo, como se aquela representasse a verdadeira glória de Jesus em Jerusalém. (Diário do Povo, 01.04.1912)

A passagem coral referida acima era na verdade Ecce Sacerdos Magnus, de Carlos Gomes. O reverendo Scott cantou o Credo do padre José Mauricio, assim como o Improperium do Ofertório, acompanhado pela orquestra regida pelo maestro Antonio Jorge, de Amparo. A ênfase dos cantos litúrgicos em função das circunstâncias solenes descrevem novas aplicações da música nesse contexto, em posição de dependência ritual e circunstancial, embora ainda se sobressaísse a figura do solista. Na procissão que se seguiu, foram cantados motetes de Manoel José Gomes (1792-1868), progenitor da família Gomes e primeiro mestre- de-capela de Campinas, de importante contribuição musical como compositor e professor.

Na Quinta-feira Santa, a missa executada foi de Jerônimo de Sousa Lobo (1780- 1810), compositor mineiro, e músicas de Elias Lobo e Presciliano Silva. Na sexta-feira, repetiram-se ainda composições de Sousa Lobo, ao lado de O Popule Meus e Adoração da Cruz, de José Maurício, e Tristis est anima mea, de Sant’Anna Gomes. Na cerimônia das Três Horas de Agonia, cantou-se o oratório de E. Lobo As sete palavras de Cristo na cruz. Permitidas apenas nas procissões, as bandas de música Ítalo-Brasileira e Progresso Campineiro conduziram a cerimônia do Enterro do Senhor.

114

Para o cumprimento das exigências musicais, teria forte importância a Schola Cantorum do Liceu Salesiano28 e do Externato São João, que acumularia larga prática na música sacra, facilitada pela influência reguladora dos próprios dirigentes das instituições. O coro de alunos teve participações em ocasiões especiais, como o aniversário da sagração episcopal do Bispo Correa Nery, em 1912. Nas comemorações, ofereceu-se um concerto sacro com partes em canto gregoriano, reunindo obras de Luigi Bottazzo (1845-1924), Pietro Branchina (1876-1953), Giovanni Pagella (1872-1944) e Lorenzo Perosi (1872-1956).

Nos anos seguintes, várias indicações sobre as composições a serem executadas durante as celebrações demonstraram as constantes necessidade e exigência de adequação às regras estabelecidas. Por outro lado, pareceu haver menos descrições sobre a música em uso nas igrejas, indicando, talvez, uma significativa diminuição da centralidade musical no andamento das funções religiosas, nos aspectos de destaque artístico que há poucos anos possuía.

Dois maestros passam a se destacar em sua atuação frente à orquestra e formações corais. Elias Lobo Netto, filho de Jerônymo Lobo, colaborou na função de regente e compositor. Em 1913, durante da Festa da Boa Morte na Santa Casa, uma orquestra de 20 músicos e um coro de 90 meninas da Escola Normal Primária executaram sua missa Sursum Corda. Primo Sartori, professor do Seminário Episcopal, foi igualmente regente, encontrando-se na condução de coros e orquestra a partir de 1915.

Algumas questões sobre as práticas musicais em funções religiosas e seus níveis de adequação às ordenações papais podem se reduzir a limites duvidosos, pois naturalmente se desconhecem em grande parte os repertórios e suas formas de execução, ao passo que são também desconhecidas as peculiaridades da aplicação do Motu Proprio em Campinas. O uso de coros mistos em algumas celebrações na Festa da Boa Morte, por exemplo, parecem contradizer inicialmente as regras impostas. Um Agnus Dei de Bizet, possivelmente de sua ópera L’Arlesiénne, executado na mesma festividade aparenta ser transgressor. Deve-se lembrar, no entanto, que não seriam impossíveis a ocorrência de determinadas negociações entre autoridades eclesiásticas e diretores musicais, previstas em alguns casos no próprio documento de Pio X.

28 Há mais informações sobre a Schola Cantorum do Liceu no capítulo 3, em “Professores e escolas”.

115

Em um campo de ambiguidades, a música religiosa percorreu sua trajetória entre as ondas das influências musicais do profano e os poderes e regulações das autoridades eclesiásticas, entre permissões e intervenções. Em Campinas, no contexto de seus usos e funções durante a passagem dos séculos, revelou as permanências do potencial musical da cidade na formação de músicos, cantores e no desenvolvimento de repertórios sacros, assim como as transformações das práticas que, embora sob conformações relativamente definidas, proporcionaram a renovação de usos musicais em novos parâmetros de contemplação.

116

2.7 Música popular

O início do período republicano inscreveu-se no contexto das rupturas de instituições estabelecidas durante o Império, como a escravidão. As grandes ondas imigratórias ocorridas nas últimas décadas do século XIX concorreram para gerar novas configurações sociais e étnicas no cenário das cidades brasileiras, quando estas passaram a ser o espaço das populações, após a diminuição do ciclo das lavouras.

A complexidade das figuras sociais no meio urbano fez-se, por um lado, com a inserção da população liberta nas diversas funções do trabalho urbano, em condições subalternas. Por outro, deu-se com as numerosas famílias imigrantes, das quais grande parte, sem especialização ou ofício determinado, iniciavam-se em ofícios diversificados, como alfaiates, sapateiros, barbeiros ou caixeiros do comércio, a fim de reunirem um capital inicial que lhes desse independência (DIAS, 1977: 40).

Como parte significativa dos habitantes da cidade, as comunidades de ex- escravos, libertos ou já forros, certamente envolveram-se na manutenção de suas práticas culturais em seus territórios e ambientes próprios. Encontrando-se, porém, em condições de inferioridade social, em nada modificadas pela República, continuaram a tornar-se alvo da repressão policial, herança de um longo histórico de opressões.

Se eram as manifestações musicais dessas comunidades de todo ignoradas pela imprensa, motivo pelo qual se tem pouquíssimas referências de suas características, as más notícias eram por sua vez publicadas, como a ocorrência de desentendimentos entre negros em um baile, comentada no jornal com tom obliquamente depreciativo, em que se percebe o discurso sobre a desordem:

Baile e balbúrdia – N’um arrasta-pé realizado domingo em o Largo de Santa Cruz do Fundão, o preto Sebastião deu uma cacetada em fuão Benedicto. Este em resposta vibrou uma facada naquele. O ofendido está na Santa Casa e a polícia tomou conhecimento do fato. (Cidade de Campinas, 21.08.1906)

Embora de forma rápida, Geraldo Sesso faz referência a certos duelos musicais entre músicos negros, nos quais se desenvolviam improvisos ao violão e canções, por volta de 1901. Comenta rapidamente sobre a figura do sambista Zé Mundão (1970: 207). Em outro lugar, o autor refere-se ainda sobre a existência de uma Sociedade Musical dos Homens de Cor, cuja atuação, porém, foi pouco divulgada.

117

Entre as colônias imigrantes estabelecidas em Campinas houve forte movimento associativo em torno das questões de identidade e união cultural. De forma mais representativa, os italianos instituíram diversos clubes familiares, mas destacaram-se musicalmente com a formação da Banda Italiana, fundada pelos membros da família Di Tullio, e a Banda Ítalo-Brasileira.

Geraldo Sesso informa que membros reunidos da comunidade cultivavam o hábito dos encontros dançantes no Baile do Pagliaço, organizado por Gaetano Raimundi. Os divertimentos familiares davam-se com acompanhamento musical no qual tomava parte Carlos Agostinho Gobbi em sua sanfona, e prolongando-se de 1907 a 1920, segundo o autor (1970: 253).

Entre os alemães, de igual modo, instituíram-se associações culturais como o Club Concórdia e a Sociedade Einträcht, de canto coral. As corporações musicais que os representaram foram a Banda Alemã e a Banda Silvestre, de atuação restrita ao século XIX. Quanto a manifestações de música popular, no entanto, não se tem referências.

Se não é possível obter tão relevantes e numerosos registros quanto às manifestações coletivas entre as comunidades específicas, deve-se então procurar por indícios de práticas musicais de caráter popular em um panorama mais amplo, considerando maiores espaços e hábitos generalizados da sociedade campineira.

No cenário das transformações políticas e econômicas aceleradas no período republicano e no qual as cidades tornaram-se espaços cada vez mais centrais no contexto da crescente industrialização, a cultura musical popular movimentou-se de acordo com a diversificação social das crescentes massas urbanas. Em suas formas e gêneros, a música tornou-se marcadamente um produto de consumo, desde os programas musicais apresentados por companhias artísticas aos artigos palpáveis em franca comercialização, como se tornaram os discos.

A expansão das classes intermediárias nos centros de maior desenvolvimento e de sua busca pela identificação de uma cultura musical ao seu alcance resultaria em um processo sócio-cultural em que a música se inscreveria com a “adoção e formas estéticas capazes de representar os novos padrões de gosto e expectativas de camadas médias da cidade sem a informação necessária para compreender a arte erudita” (TINHORÃO, 2010: 226). Nesse

118

contexto, houve o surgimento de espaços de consumo do entretenimento nos quais as linguagens musicais se fariam apropriadas a seu público.

Existente na Europa desde o século XIX, assim como no Rio de Janeiro, os cafés- cantantes cumpriam a função de oferecer música em padrões acessíveis aos frequentadores, consagrando-se então o gênero das cançonetas. Em Campinas, os espaços em que talvez mais se reproduziu o referido gênero foram o Teatro Rink e o Cassino Carlos Gomes. Este, mais destacadamente, inaugurou em 1910 um ambiente de entretenimento diferenciado de qualquer outro existente na cidade, no qual as programações noturnas desenvolviam-se à aproximada semelhança de funções de cabaret, com a presença de chanteuses, artistas e cantores de gêneros alegres.

A popularização das cançonetas proporcionaria um satisfatório número de artistas cantores durante a passagem dos séculos, avançando pelo século XX. Nas sessões oferecidas pelo Cassino, os cançonetistas encarregavam-se das funções de variedades, combinadas a exibições de filmes. Um exemplo foi a presença do famoso Trio Phoca, formado por João Phoca, artista cômico, a cantora Abigail Maia e o pianista e maestro Luiz Moreira em 1915. Entre os programas de formato semelhante que reuniam partes faladas e canções populares, apresentaram a conferência “A canção brasileira”, composta de falas cômicas e dez números musicais, entre eles: Os olhos dela, de Camilo Cearense, Sertanejo Namorado, de Ernesto Nazareth, Por um beijo, de Catulo Cearense, Catita, de Francisco Braga, e O beijo, de J. Brito e Chiquinha Gonzaga.

O trio português Monteiro – Albertina – Vasconcellos trouxe as chamadas conferências com temáticas literárias e musicais de Portugal, em que a cantora Albertina Rodrigues apresentou os melancólicos fados acompanhados da guitarra de Vasconcellos, em uma abordagem diferente da comicidade dos artistas brasileiros. A figura do caipira foi ainda trazida por Cornélio Pires (1884-1958), entre passagens cômicas e dançantes. Natural de Tietê, em São Paulo, Pires foi de grande importância para a divulgação da cultura caipira através de suas apresentações humorísticas, levadas a várias cidades do país. Jornalista e escritor, deixou uma significativa obra bibliográfica sobre o universo cultural sertanejo do interior paulista. Como também se viu no

119

repertório do Trio Phoca, na adaptação para a realidade brasileira tornava-se uso a encarnação dos tipos populares em forma de mote para apresentações musicais.

A atriz e cantora brasileira Abigail Maia (1887-1981) Acervo digital do Teatro São Pedro de Porto Alegre

Passando aos espaços públicos da cidade, em que a música propagava-se através das corporações musicais, tem-se outra grande instância de divulgação de gêneros de caráter popular. De forte presença nos repertórios das bandas, os trechos de ópera, linhagem erudita das peças, combinavam-se às dançantes polcas, valsas, mazurcas e schottichs, compondo programas pouco diversificados por considerável período. No entanto, poucas foram as alterações em relação às influências da música nacional ou mesmo americana para as bandas.

O tango foi o primeiro gênero a ser incluído no repertório. Tomando como exemplo a mais desenvolvida corporação de Campinas, a Ítalo-Brasileira, pode-se encontrar

120

algumas composições de Hugo Bratfisch29, como O moleque, Requebra Morena, e Bezerro explosivo. O two-step foi tocado poucas vezes, como o Você não me disse nada, de Salvador Bove, e Bon soir, de Lopes30. O tradicional programa da corporação mantinha-se fiel às peças clássicas das aberturas e fantasias de óperas famosas. Timidamente presentes, esses gêneros populares de grande influência no período, não tiveram entrada nos programas da corporação.

O acervo de Hugo Bratfisch, regente e compositor estabelecido em Campinas, aponta as principais tendências dos novos gêneros em ascensão. Cópias e manuscritos de partituras para formações instrumentais mostraram que, ao lado das permanentes valsas, tocavam-se o tango canción e o tango milonga, bolero, rag-time, one-step e two-step. A presença de gêneros argentinos e americanos deu-se com maior força em grupos musicais de outra natureza, como orquestras.

Serenatas

A música de seresta era também uma prática existente no século XIX que permaneceu em uso por tempo considerável entre os músicos adeptos das canções noturnas. Embora revestida de romantismo, as serenatas provocavam não poucos descontentamentos e discussões por parte dos ouvintes involuntários. Ao existir no meio público das ruas, tornaram-se alvo das arbitrariedades policiais.

Ainda que sob as regras de ordem pública, os momentos musicais proporcionados pelas serestas poderiam ser bem-vindos para seus apreciadores, ao menos na condição de que as canções fossem bem executadas. Como escreveu o cronista Machadinho em um de seus interessantes textos no Diário do Povo em 1921, quando as serenatas eram ainda “muito frequentes na deliciosa terra de Carlos Gomes”, achava-se naquela ocasião furioso “por não poder pregar o olho a ouvir uma malfadada serenata que parecia o ‘esguelar’ do coro satânico do rei dos infernos.” A princípio feliz ao perceber a aproximação dos acordes ao longe, continuava a contar no que se transformara o esperado cantar seresteiro:

29 Hugo Bratfisch ou Diogo Theodoro Bratfisch, segundo as variações encontradas sobre seu nome. Acredita-se tratar-se do mesmo compositor. 30 Ao que parece, trata-se do maestro campineiro José Moreira Lopes.

121

Apagando a vela, atirei-me jubiloso ao leito e fiquei esperando a serenata, que parecia encaminhar-se para a nossa rua... Como fui sempre um ‘lambão’ pela música, já sonhava com alguns instantes de verdadeiro prazer... Assim, notei com alegria que os tais paravam bem em frente a minha casa e afinavam os instrumentos... Começaram a tocar e... quase desmaiei! Aquilo era uma ‘sapecada’ de violão, cavaquinho, caracaxá e gaita que, safadamente enguinchava uma salada encabuladora. (...) Quando pensava que a mixórdia ia ter um fim, uma voz aguardentada dizia, dirigindo-se aos músicos: ‘Bamô Dicto, afina em mi maiol... cuidado cô a passage de ré prá si... entra moçada!’ E o pé de anjo do maestro estalava, a marcar compasso na calçada, enquanto o ‘pirolito’ assustadoramente continuava. Em dado momento, notei que o ‘troço’ tinha parado... respirei... arre, que os mariolas lá se foram! Levanto-me e, pé ante pé, abro a janela, passando a cabeça pela fresta, deito uma olhadela para a rua... Oh desilusão! Lá estava o maestro, de pé grande, a beijocar a cozinheira... Fecho a janela, atiro-me ao leito e, dali a minutos... nova remessa de música me petrificava. (Diário do Povo, agosto de 1921)

Embora a cidade já se encontrasse em adiantado processo de abertura em sua vida noturna com maior nível de movimentação pública do que em períodos anteriores, essas situações causavam problemas, pelas razões mais óbvias. Em agosto de 1900, uma reclamação no Diário de Campinas dirigia apelos às autoridades policiais pelo importuno canto de seresteiros, que impediam o descanso noturno dos moradores da rua Regente Feijó durante noites seguidas. Um músico desprevenido deveria contar com a sorte, portanto, ao soltar seus acordes espontâneos pelas ruas da cidade, o que não aconteceu com o violonista Catallo em uma noite enluarada:

Serenata sem licença: José Catallo chorava ontem no pinho as suas mágoas, dedilhando um violão choroso pela rua Saldanha Marinho abaixo... E o belo luar de ontem estava mesmo a calhar. Como toda medalha tem o seu reverso, o Catallo não tinha a necessária licença policial. E vai daí, interpelado por um cívico, virou bicho e a esta hora, chora as mágoas no xadrez... Ora, o Catallo... (Diário do Povo, dezembro de 1914)

Júlio Mariano (1970: 194) comenta que muitos jovens enamorados e de vida boêmia envolviam-se em serenatas sem a apresentação das devidas licenças, armando desordens. Cita que durante os anos de 1910, no entanto, houve músicos de reconhecida proficiência que encontraram apreciação mesmo em suas empreitadas seresteiras. Ao violino, destacavam-se o Cruz e o Carneiro, Jaime dos Santos, Antonio Pousa, Jorge Whiteman e Antonio de Paula Souza, entre outros. Sabe-que os dois últimos atuavam também em outros ambientes musicais de faces menos populares, como na composição de orquestras. Whiteman, por exemplo, auxiliou o maestro Salvador Bove na formação da Sociedade Sinfônica de Campinas, em 1929. Outro memorável músico foi Osório Barbosa que, embora brigão,

122

continuou a tocar seu clarinete após perder dois dedos, remodelando as chaves de seu instrumento.

O amadorismo estava fortemente presente nas práticas das serestas, uma vez que nem todos os músicos, como o foram J. Whiteman ou A. de Paula Souza, engajavam-se em orquestras devido à dificuldade de leitura à primeira vista, habilidade às vezes requeridas nesses meios. Como lembra Mariano, os amadores da música noturna circulavam entre bailes e festas familiares, formando seus próprios grupos musicais com violino, flauta, violão e cavaquinho (Opus cit., p. 196) Um registro de jornal de 1917 parece indicar, por exemplo, a formação de um pequeno conjunto de música popular, de nome Chora Menino.

O autor afirma ser a década de 1920 o ciclo final das serenatas em Campinas, ainda com notáveis conjuntos musicais. Na Vila Industrial, havia um no qual participavam os violinistas ítalo Quilicci e Bertoni, o clarinetista Sebastião Auta e o flautista José Tauil. Outro conjunto, o chamado Grupo dos Carregadores, era formado por vários membros da família Nista. Nesse grupo se revelou o violinista Orlando Canelini e tocavam, entre suas músicas, Rapaziada do Brás.

O próprio Júlio Mariano possuiu um conjunto, sediado no bairro Ponte Preta. Destacaram-se o chapeleiro Alceu, de instrumento não indicado, o flautista Júlio Gonçalves e o clarinetista Carlos Baltazar. O violão era tocado por Avelino, carroceiro de entrega da Casa Carlos Gomes.

Outros serenatistas que ainda citou foram Wilfrido Pacheco e Oreste Tedeschi, que introduziram o tango argentino às serenatas locais, os flautistas Mário Castrese, Martins Taquarinha e Nabor Neves e os violonistas Olivertino e João Mendes Nogueira, o “Joãzinho das moças”.

Carnaval

A tradição dos festejos carnavalescos em Campinas existia ao menos desde o período de maior desenvolvimento da cidade, a partir da década de 1870. Nos anos 1890, permaneciam os tradicionais bailes no Teatro São Carlos e, em especial, no Rink. Neste espaço, grandes festejos tomavam feições populares, em que bandas de música proporcionavam a dança com polcas, mazurcas, valsas.

123

Tornava-se recorrente a organização de luxuosos préstitos, com carros alegóricos e bandas a percorrerem as ruas da cidade. Esses grandes desfiles eram promovidos por sociedades carnavalescas, como o Grupo Carnavalesco Guarany, que desde 1886 organizava zé pereiras. Outros eram os Fenianos e o Galopins Campineiros, atuantes ao final do século XIX. Pouco a pouco, o carnaval libertou-se dos ambientes privativos dos teatros e clubes e passou a manifestar-se com grande ostentação nos espaços públicos.

Com crescente participação popular, no entanto, os festejos que reuniam numeroso público passaram a causar incômodos por algumas práticas indesejáveis, que se davam com o entrudo – costume de se atirar objetos e substâncias líquidas entre os foliões, causando grande agitação. Em 1905, essa prática foi então proibida pelo Código de Posturas da cidade, impedindo-se o uso de “carrapichos, espanadores, pó, graxa e quaisquer outros objetos destinados àquele fim, não podendo também sair à rua nenhum préstito, fantasiado ou não, sem prévia licença da autoridade policial.” (Cidade de Campinas, 03.03.1905)

Em 1912 as movimentações do carnaval haviam-se tornado ainda mais intensas. Nos salões das sociedades, no Cassino e no Rink, e até mesmo nos cafés havia reuniões festivas. As ruas, porém, eram o principal cenário dos divertimentos:

As ruas centrais inundavam-se de uma chuva de luz polycroma, jorradas por centenares de lâmpadas elétricas. Bandas de música alegravam festivas o ambiente, enquanto a multidão invadia o centro; de minuto a minuto a onda popular crescia. (Diário do povo, fevereiro de 1912)

Os grandes carnavais de rua eram animados, portanto, pelas corporações musicais. Embora as descrições e referências sobre as festas sejam em bom número, não se pôde encontrar satisfatórias indicações musicais. Sabe-se que a Banda do Boi, de orientação carnavalesca, fazia-se presente de forma singular. Sua desafinação era-lhe característica e causava gerais desagrados, mas o grupo parecia prezar pela excentricidade:

Essa infalível banda de carnavalescos apareceu, como nos anos antecedentes, com suas músicas desafinadas, o que lhe emprestava um cunho bizarro. À frente dos músicos, vinha um boi abrindo a ala, tendo à esquerda o gigante que só pelo carnaval é que vem a Campinas. Acompanhando a harmonia desafinada da banda, vinham alguns máscaras representando a fome, crise, urucubaca, etc. (Diário de Campinas, fevereiro de 1915)

124

Uma referência musical sobre a Banda Progresso Campineiro revelou serem tocados maxixes e tangos junto ao desfile dos sócios do Club dos Excêntricos. No Club Democráticos, dançava-se ao som de maxixes e valsas. O maxixe por fim ganhara espaço, como se nota por ocasião da inauguração da sede dos Excêntricos, quando os “maxixeiros exímios e as maxixeiras escolhidas de Campinas” preparavam-se para os “remelexos e requebros”, em fevereiro de 1919. Também a Banda do Boi reaparecia com renovado repertório no qual figurava o gênero, com “repenicados tangos, provocantes maxixes e chorosas valsas.”

De volta às ruas, um desfile de automóveis com distintos passageiros tomavam a cena. Outros carros, alegóricos, eram tripulados pelos carnavalescos, que cantavam os versos:

“Yayá me diga Quem inventou tal brincadeira Se veio do Rio Ou se é da moça campineira.

Se é verdade que Yayá é curandeira, Dê por piedade pra nós a mamadeira!”

Os tangos e os maxixes, portanto, passaram a compor os repertórios das bandas de música durante os carnavais enquanto avançavam os anos do século XX. Em parte superadas, as polcas e mazurcas, tão frequentemente executadas nos bailes ao final do século, deram lugar a mais expressivos gêneros da música para danças.

125

2.8 Gramofones e Cinemas

Gramofones

O fonógrafo foi o primeiro aparelho capaz de registrar e reproduzir o som, criado por Thomas Edison em 1877. A partir dele, Alexander Graham Bell apresentou o grafofone, na década seguinte, com diferenças no meio de reprodução a partir dos cilindros e seus materiais de revestimento e nas técnicas de gravação do som.

Embora o uso do disco já fosse conhecido por Edison e outros exploradores dos inventos, o alemão Emile Berliner, partindo para os Estados Unidos, divulgou um novo suporte, com nova tecnologia material a partir do zinco e moderno meio de gravação, na qual a reprodução do som era melhor em qualidade. Surgia então o gramofone patenteado por Berliner, que em 1898 estabeleceu-se empresarialmente com a Deutsche Grammofon.

Nos Estados Unidos, passou a ser comercializado pela Victor Talking Machine Company, estabelecida em 1901. Em 1906, a Victor constituía-se como a maior empresa de força de mercado e lançou a chamada Victrola, com sua trompa de ligação interna na cabine, modelo de ampla distribuição.

O primitivo modelo do fonógrafo foi apresentado em Campinas ainda no século XIX. Sabe-se que em 1895, foi trazido por Frederico Figner ao Teatro São Carlos na mesma ocasião em que trouxe o kinetoscópio. Em 1899, novamente foi ouvido durante algumas exibições na Casa Mattos, com reprodução de óperas, modinhas, bandas, monólogos e discursos. A novidade poderia ainda ser levada a casas de famílias e clubes.

No mesmo ano, José Boucoult fez a primeira exibição do grafofone no Rink, reproduzindo discursos e peças musicais e, em 1900, em um salão à rua Barão de Jaguara, expôs-se então o Graphophone Grand, a “maravilhosa máquina falante”. Com grande interesse, o aparelho reproduziu músicas executadas por bandas – como Fausto, Fra-Diavolo, e Trovador, por orquestras, como Cavalleria Rusticana, Serenata de Gounod, e marchas. Ouviram-se solos líricos, como o de Carmen e canções americanas, além de discursos de Floriano Peixoto, Saldanha da Gama e até mesmo de Carlos Gomes. Esse aparelho não tinha necessidade de “canudos de borracha” nos ouvidos, pagando-se 1$000 pela audição de cinco peças.

126

As exposições e esforços de divulgação pelos empresários itinerantes preparavam os consumidores em potencial para absorverem as ofertas que logo viriam com a instalação da filial Casa Edison. Em junho do mesmo ano de 1900, a Casa Livro Azul passou a oferecer a novidade em várias opções de aparelhos, cujos preços variavam entre 80$000 a 300$000. Os cilindros, contendo o repertório musical, poderiam ser adquiridos por 5$000.

Em 1907, na comercial rua Barão de Jaguara, também a loja Ao Bastidor oferecia grafofones ao lado dos gramofones, segundo as marcas Bijou, Columbia e Arion, além de discos da Odeon, que variavam de 3$ a 7$000, conforme seus modelos e tamanhos. No ano seguinte, uma iniciativa da Casa Neubern criou o Club de Grammophones. A julgar pelo anúncio, aparentava tratar-se de um consórcio, no qual pagava-se 3$000 por semana durante 30 semanas, e os premiados receberiam um excelente gramofone. A loja também anunciava seu sortimento de aparelhos e discos, com canções em diversas línguas.

A filial da Casa Edison, por sua vez, disponibilizava gramofones da Columbia e Phoenix este de preços mais acessíveis, e discos Victor, até mesmo com repertório sacro gravado na Capela Sistina. Era possível ainda consultar um catálogo com mais de 4 mil discos. A Casa Miguel de Franco, aberta em 1913, dedicava-se igualmente ao comércio dos aparelhos musicais.

Os discos comercializados nessas casas reproduziam as consagradas modinhas, polcas, valsas, mazurcas e schottichs, mas seriam também veículo de divulgação das canções populares, difundidas amplamente a partir das possibilidades de gravação. Por si só, os títulos das músicas às vezes desconhecidas, revelam seu caráter popular, como Urucubaca miúda, Tia Philomena ou Minha Carabôo. Havia ainda os choros do Grupo do Bahianinho e peças do Grupo do Canhoto, do violonista Américo Jacomino, formado por violão, trombone, clarineta e cavaquinho.

Embora as poucas referências não permitam a nomeação de mais peças e repertórios distribuídos na cidade, o que seria naturalmente de difícil acesso, Tinhorão pontua como gêneros que entraram em grande circulação no período, como

a modinha seresteira, os lundus cantados, as cançonetas de teatro e palquinhos de cafés-cantantes, as marchas dos primeiros ranchos carnavalescos, as chulas e as chamadas cantigas sertanejas, entre as quais muitas vezes se incluíam músicas do folclore. (1981: 27)

127

Desde a busca e o interesse pelas novidades tecnológicas das exibições públicas dos aparelhos de reprodução musical, Campinas buscava inserir-se nas modernas formas de apreciação musical, o que ocorreu pelas vias comerciais da cultura de consumo, processo que passou a despontar na passagem dos séculos com a exploração do mercado em expansão dos centros urbanos. As condições econômicas relativamente restritas para se obter um gramofone, no entanto, tornaram sua posse privilégio de poucos e almejado por muitos:

Músicas e modinhas: Da casa n.17 da rua 7 de Dezembro, furtaram hontem às 14 horas mais ou menos, um grammophone de propriedade do sr. Cincinato Ferreira. Eis ahí um gatuno amante de lindas músicas e sentimentais modinhas. (Diário do Povo, agosto de 1916)

Cinemas

Como o mais atraente divertimento público às populações urbanas no início do século XX, o cinema traria consigo transformações sensíveis ao cenário cultural das cidades, estabelecendo hábitos coletivos e novas formas de observação e percepção do real. Precedeu à formação dos espaços específicos de exploração – as salas de cinema, um período relativamente curto e rápido de divulgação e evolução técnica dos suportes de projeção, assim como dos objetos, formas e narrativas da imagem.

Em Campinas, a primeira exibição de um aparelho projetor de imagens deu-se em 1895, trazido por Frederico Figner ao Teatro São Carlos. Tratava-se, no entanto, do kinetoscópio de Edison, no qual 20 mil fotografias passavam-se em dez minutos, resultando em cenas de brigas de galo, boxeadores, equilibristas e operetas. Nesse primeiro modelo, as imagens poderiam ser contempladas de forma individual, através de um visor sobre a grande caixa. Em algumas ocasiões nos anos seguintes, apresentaram-se no mesmo teatro aparelhos mais modernos, de projeção externa e coletiva.

Os cinematógrafos tornaram-se crescentemente frequentes em Campinas na década de 1900, marcadamente a partir de 1906. O Teatro Rink, destacado espaço de entretenimentos populares, recebeu os primeiros empresários proprietários das máquinas de projeção, cujas sessões exibiam grande repertório de fitas, vistas nas capitais brasileiras e pela

128

América do Sul. As empresas Richebourg e Candburg ofereceram os primeiros e atrativos programas ao público local, que passou a corresponder com grande interesse.

A imagem em movimento tornou-se espetáculo diante dos numerosos espectadores e abriram caminho à grande expansão visual do mundo. A multiplicidade das cenas urbanas de Paris, ou até mesmo de Campinas, como o Largo do Rosário e a Rua Direita, as vistas naturais e cenas de guerra, as experiências de Santos Dumont na aviação, ou então as pequenas tomadas com enredos cômicos, tornaram o real em objeto de contemplação, de efeitos insuperáveis e de atração pública jamais vista. A imaginação sobre o desconhecido e as possibilidades do conhecimento do outro uniam-se pelos poderes das projeções: “Graças ao cinematógrafo podemos ver, como se lá estivéssemos, cenas que se desenrolam em longínquas terras e de que unicamente a fotografia, com todos os seus aperfeiçoamentos, não nos permitiria ter uma ideia.” (Cidade de Campinas, 20.08.1907)

As sessões cinematográficas seguiriam em seu movimento de popularização com grande ascensão nos anos seguintes, instaurando-se em meio aos demais gêneros de entretenimento como o de maior potencial em vantagens empresariais. De poucas necessidades materiais em relação às companhias artísticas, as quais despendiam altos investimentos em aparatos, artistas e músicos, as empresas exploradoras dos cinematógrafos encontravam-se em excelentes condições de mercado, em que poderiam obter espaços de atuação e público em potencial com extrema facilidade, uma vez que os já existentes cenários culturais urbanos proporcionariam seus teatros e sua assistência às novidades dos filmes.

Acompanhando, por outro lado, as já consagradas formas de diversão teatral, como peças cômicas e artistas cantantes, os programas cinematográficos tornaram-se também ecléticos, combinando filmes variados a sessões musicais e artísticas, ao menos em casas de entretenimento na forma de variedades, como o Teatro Rink e o Cassino Carlos Gomes.

Após a grande divulgação dos espetáculos cinematográficos ocorridos no Rink e também no Teatro São Carlos, a primeira sala de cinema abriu-se em março de 1909, o Cine Bijou. Pouco tempo depois, em maio, inaugurou-se o Cine Recreio e em 1911, o Cine Radium. O Cassino Carlos Gomes, aberto em 1910, era também espaço de exibição de filmes.

129

Adaptou-se ainda ao gênero o Colyseu31, ambiente semelhante ao Rink. Após 1922, outras salas surgiriam, como o Cine República e o Cine São Carlos, aberto em 1924 e local em que se apresentaria o primeiro filme sonoro em Campinas, em 1930.

Como visto, os filmes sonoros apareceriam na cidade apenas vários anos depois e, assim, o acompanhamento musical tornou-se indispensável durante os novos programas de divertimento nesses primeiros tempos de cinema mudo. Em franca aceitação, as sessões de cinema oferecidas diariamente em quase todas as salas proporcionaram a abertura de numerosas oportunidades de atuação para músicos, fossem pianistas ou em pequenas e maiores formações instrumentais.

Após as primeiras produções de imagens naturais e de registros das cenas reais sem fios narrativos definidos, a crescente produção de filmes com enredo e de gêneros dramáticos, cômicos ou românticos gerou a necessidade de passagens musicais condizentes. “Aquilo que depois do advento do cinema falado se transformaria na chamada ‘trilha sonora’ precisava então ser feito de improviso, com o pianista atento à movimentação das cenas que se projetavam na tela.” (TINHORÃO, 1972: 229)

Nos cinemas de Campinas, mais do que pianistas, destacaram-se os grupos orquestrais, cujas formações foram possíveis graças ao satisfatório número de músicos profissionais e amadores em atuação na cidade, em parte herança de um relevante passado musical desenvolvido durante o século XIX. As bandas de música também devem ser citadas por sua contribuição nesse sentido, embora tenham sido superadas pelas orquestras no cumprimento dessas funções, uma vez que estas possuíam mais agradável sonoridade nos ambientes dos cinemas. Representante do piano, Ana Gomes, irmã de Carlos Gomes, também exerceu sua contribuição como acompanhadora de filmes.

As funções de direção musical ocupadas por músicos com perfil para a regência passaram a ser fundamentais no novo contexto das sessões cinematográficas, que rapidamente se estabeleceram como hábito cultural urbano. No aproveitamento da ascendente popularidade desses programas, as empresas exploradoras perceberam também a importância da presença de bons grupos musicais, bem conduzidos e com repertório adequado. Ao lado da constante

31 Como o Rink, tinha a forma de um grande barracão circular, no qual davam-se apresentações circenses e lutas esportivas. Com o advento do cinematógrafo, adaptou-se como uma sala de projeção.

130

variedade e novidade de películas, a qualidade das peças executadas em acordo com os filmes e suas características, ou mesmo a própria boa reputação artística dos instrumentistas em conjunto colaboravam em muito para a atração do público.

Segundo Geraldo Sesso (1970: 319), o Teatro Rink possuía uma das mais completas orquestras, conduzida por José Moreira Lopes. Havia, no entanto, certa rotatividade de regentes que, contratados pelas empresas, poderiam transitar entre diferentes casas. Em março de 1913 ocupava a regência o professor Júlio Dias e por volta de junho do ano seguinte, José Germini. Em 1919, encontrava-se no posto Gutemberg de Moraes Leite, que se destacaria como maestro no preparo e condução de orquestras.

O Cine Bijou, como registrou José de Castro Mendes (1963: 11), possuía uma orquestra formada de mulheres e dirigida pela violinista Eugenia Franc, professora e musicista de destaque que se instalara em Campinas no início do século. No entanto, pouco se sabe sobre esse cinema que, assim como o Cine Radium, fechou-se pela concorrência de outros. Com maior período de funcionamento, o Cine Recreio estendeu suas atividades até 1918, quando foi totalmente leiloado. As descrições de seus espaços e aparatos indicam um ambiente de razoável sofisticação e conforto, características físicas que outros cinemas buscavam conservar, oferecendo-se ao público segundo uma imagem de modernidade e luxo.

Enquanto ainda se encontrava ativo, o Cine Recreio investira em um agradável passatempo para seus frequentadores, como anunciou no Diário do Povo em abril de 1916: “A empresa cinematográfica do Recreio inaugurou mais um ótimo melhoramento, que consiste num quinteto, que antes das sessões, executará composições musicais conhecidas e de grandes autores, na sala de espera.” À semelhança dos cinemas cariocas da Avenida Central, a música nas antessalas funcionava como prenúncios dos bons programas que se seguiriam e relacionava-se aos momentos de sociabilidade.

Em 1917, sabe-se que no Colyseu, de forma peculiar, tocava a banda do maestro Troiano, possivelmente a Banda Progresso Campineiro. Quanto ao Teatro São Carlos, sua orquestra de dez músicos em 1909 era conduzida por Francisco Russo. Arrendado por outras empresas a partir de 1920, o espaço passou a funcionar sob os nomes de Cine-Fox, com a direção de Vianna e Bianchi, e Cine São Carlos, com Thomaz Ortale. Nesses anos, os

131

programas parecem ter-se condicionado aos níveis da elite, que se dirigia às soirées chics no teatro adaptado a cinema.

Em junho de 1920, por exemplo, anunciava-se um bom programa musical e cinematográfico: “Quem for hoje ao ‘Cine’ passará horas deliciosas, ouvindo belíssimas partituras de músicas clássicas e assistindo emocionantes cenas dramáticas pelos mais notáveis artistas universais.” (Diário do Povo, junho de 1920) Entre outras peças, seriam tocadas as passagens sinfônicas de operetas como a aberturas de Poète et paysan de Franz Suppé e a de Si j’étais roi de Adolpho Adam, o quarteto de Rigoletto, de Verdi e as valsas Alma adorada e Longe, bem longe de ti, do compositor local Hugo Bratfisch. Em outra noite a orquestra executaria o seguinte programa, quase todo ocupado por trechos de óperas:

Revue de la Garde – Marche Valsa da ópera La Bohème – Puccini Grande Fantasia de Mefistofele – Boito 1ª parte de Madame Butterfly – Puccini Quintetto e Finale de Lucia de Lammemoor – Donizetti Fantasia O Guarani – Carlos Gomes Pout-pourri I Pagliacci – Leoncavallo Preghiera de Lohengrin – Wagner

Nesse período, pouco tempo antes do fechamento do Teatro São Carlos, as sessões de cinema destacavam-se pela qualidade de seu acompanhamento musical. Em 1921, então como Cine São Carlos, suas soirées cinematográficas eram abrilhantadas por sua bem organizada orquestra, à frente da qual estava Gutemberg de Morais:

Vale a pena assistir-se uma sessão cinematográfica no Cine São Carlos. Só a orquestra, por si constitui um maravilhoso programa. As partituras sobressaem-se clássicas, são escolhidas com o máximo bom gosto. Ademais a orquestra está agora acrescida de novos e importantes elementos, principalmente de um violino já consagrado no nosso meio artístico. Quem desconhece Gutemberg de Moraes em Campinas? Ninguém, e esse nome tão acatado no meio artístico campineiro, é o bastante para elevar a orquestra do Cine São Carlos. (Diário de Campinas, agosto de 1921)

O Cassino Carlos Gomes também possuía uma orquestra de destaque com regentes como Francisco Russo, Antonio Leal, Guilherme Mignone, Mario Monteiro e João do Amaral (Mendes, 1963: 93). Em 1912, Antonio Leal regia a orquestra de 10 músicos, substituído temporariamente a partir de abril por Luiz Provesi. Antes de ausentar-se, o

132

músico acompanhou o filme O mártir do Calvário em um programa na Sexta-feira Santa, tocando harmônio.

Sabe-se que para o enriquecimento do repertório da orquestra e para o oferecimento das necessárias novidades, as partituras eram adquiridas em São Paulo. Em 1914, contratou-se por sua vez o músico Antonio Jorge, há algum tempo presente em Campinas durante celebrações religiosas. Com o maestro Salvador Bove, no entanto, a orquestra chegou ao número de 20 componentes. Em junho de 1920, sob sua regência, foram executadas as peças seguintes:

F. Suppé – Pique Dame, sinfonia Bellini – Norma, fantasia Waldteufel – Papillons bleus, valsa Meyebeer – Les Huguenotes, fantasia Gugo Noris – Valse d’or, valsa Ponchielli – Gioconda, grande fantasia Waldteufel – La plus belle, valsa Gounod – Mireille, fantasia

Veem-se marcadamente, ao lado das fantasias sobre motivos operísticos, as valsas de Émile Waldteufel (1837-1915), compositor francês de grande produção de gêneros dançantes, como polcas e mazurcas.

No Teatro Rink, a orquestra organizou-se para acompanhar o filme O rival do padre, em que atuava o protagonista era Carlyle Blackwell e “cujas cenas delicadas e de leves emoções para o espírito se adaptam perfeitamente à vida social moderna, onde tudo é rápido, nervoso, eletrizante” (Diário do Povo, fevereiro de 1922). O recortado repertório, ao adaptar- se às diferentes cenas, mostrou-se igualmente eclético. De Mozart a Moreira Lopes, incluía-se ainda uma peça de fox-trot, influência da música americana que se achava em ascensão.

Nabucodonosor – Verdi Revue de la Garde (Parade) – Eilenberg Grande Aventure, valsa – Waldteufel Manon, fantasia – Massenet Au revoir, valsa - Waldteufel Madame Butterfly, fantasia – Puccini Santa Lucia luntana – A. Moris La Bohème, fantasia - Puccini Marcha Turca – Mozart Marcha Nupcial – Mendelsshon Margie, fox-trot – Rolinson

133

Lamentos, valsa lenta – José Moreira Lopes

Os cronistas referem-se ao repertório das orquestras dos cinemas segundo os gêneros mais populares das valsas, marchas, polcas e mazurcas, além de famosos trechos de óperas. Como se viu, as principais referências musicais cultivadas nos tradicionais espaços sociais e artísticos, das soirées dançantes às noites líricas no teatro, deram-se de forma natural às recentes aplicações, uma vez que os acervos de partituras disponíveis, embora renováveis e com algumas novidades, eram basicamente os mesmos de tempos atrás. Peças e estilos de música há muito consagrados combinavam-se, portanto, às novas situações e objetivos.

De intensas atividades nos espetáculos cinematográficos, as orquestras, com seus músicos e regentes, experimentaram funções em oportunidades inéditas, ao mesmo tempo em que empreendiam não poucos esforços para a adequação de repertórios e alcance de qualidade técnica, dividindo-se entre o prestígio e as responsabilidades do fazer musical. De forma positiva, sua atuação e sua música, ainda que em moldes tradicionais, colaboraram para o coroamento do cinema como espaço centralizador do entretenimento também em Campinas, dotando-o da arte audível em excelentes níveis. Como formação instrumental em evidência, a orquestra achou-se no vértice das renovações das práticas musicais, convertidas em outras linguagens junto à contemplação da cena muda.

134

Capítulo 3 Laços e relações do mundo musical

3.1 Grupos musicais

Quinteto de Cordas de Sant’Anna Gomes

Atuante em saraus e concertos, foi um dos poucos exemplos de formação camerística existentes na cidade. Era formado por José Pedro de Sant’Anna Gomes, José Emygdio Ramos Junior, Juvêncio Augusto Monteiro, João Monteiro e Luiz Monteiro. Segundo os registros, no entanto, as atividades parecem ter se limitado à década de 1890. O falecimento de Emygdio Junior em 1900 é uma possível explicação para a extinção do quinteto.

Quarteto dos irmãos Álvaro

Por volta de 1901, o Quarteto dos irmãos Álvaro, da tradicional família Souza Camargo, ainda achava-se em atividade, existente há anos e atuando em reuniões musicais, com notável repertório. Sabe-se que sua distribuição dava-se com Joaquim Álvaro ao violino, Candido Álvaro à flauta, Antonio Álvaro ao bombardino e com o professor José Braccheto ao piano. Embora haja muito poucas referências sobre esse conjunto, há registros da atuação de seus membros no auxílio do serviço musical em festividades religiosas junto à orquestra.

Orquestras

As formações orquestrais possuíam considerável importância durante do século XIX no provimento musical de celebrações religiosas, peças teatrais, óperas e reuniões dançantes nas muitas sociedades culturais da cidade. Como se comentou no capítulo anterior, nos primeiros anos do século seguinte, com a popularização das casas de cinema, criaram-se novos espaços para a atuação de músicos e de orquestras, visto o surgimento de outras circunstâncias sociais nas quais a música deveria exercer um papel agregador, além das óbvias necessidades de acompanhamento musical aos filmes ainda mudos.

135

Foi crescente, portanto, a valorização dessas formações instrumentais, pequenas ou de maior porte, potencializando as possibilidades de desenvolvimento da música orquestral e das oportunidades constantes para o ofício musical. Necessárias diariamente em alguns cinemas cujos programas davam-se de forma ininterrupta, devido à lucratividade pela grande concorrência de espectadores, as orquestras passavam por proveitoso momento de expansão.

Sobre a música circunstancial nas sessões cinematográficas e o repertório empregado, escreveu José de Castro Mendes, em suas Efemérides Campineiras:

Entrando o cinema em franca aceitação como divertimento ideal para todas as idades, a partir de 1909, foram se registrando a abertura de várias casas no gênero, que passaram a funcionar em caráter permanente (...) Dirigia a orquestra o maestro Moreira Lopes, caprichoso da organização do repertório, sempre de acordo com o gênero dos filmes programados. Para as cenas naturais, nada melhor do que uma bela mazurca. As correrias do Tontolini e as graças de Max Linder desenrolavam-se ao som de tanguinhos e maxixes bem marcados, reservando-se para os dramas quase sempre em doze partes, as seleções de óperas e fantasias escolhidas. (Mendes, 1963: 91)

Naquele momento, José Moreira Lopes era regente da orquestra do Cine Recreio, mas passou a conduzir também uma das mais completas orquestras de cinema da cidade, a do Teatro Rink. No Cassino Carlos Gomes, atuava outra orquestra tendo à frente Francisco Russo, acompanhando também artistas cantantes que frequentemente ali se apresentavam. Outros regentes eram Antonio Leal, Salvador Bove e Gutemberg Moraes. Ana Gomes, pianista, achava-se sempre atuante na condução de pequenas orquestras, como a do Club Mogiana em suas reuniões sociais.

Nas igrejas da cidade, ao menos nas principais datas festivas do calendário católico, músicos e cantores envolviam-se em notável movimentação de ensaios de obras sacras, cujas apresentações tomavam lugar especial nos ofícios e missas celebrados. Nesse meio, a presença de uma orquestra há muito tornara-se habitual, e em suas formações, quase sempre de proporções moderadas, participavam instrumentistas profissionais e amadores.

Embora sob a regência predominante de Sant’Anna Gomes durante a maior parte dos anos 1900, não se pode dizer ao certo se a orquestra sempre oficiante nos principais templos em suas festividades seria a Orquestra Campineira, pouquíssimas vezes referenciada. Há espaço para que se pense em uma possível combinação de músicos em torno das necessidades das igrejas, ainda que se possa reconhecer a permanência de alguns indivíduos ligados a uma formação instrumental mais ou menos fixa, aos quais tenham-se somado outros segundo as ocasiões e as peças executadas.

136

Uma oportuna descrição dos componentes da orquestra que tomaria parte nas celebrações da Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, em 1905, possibilitou o conhecimento de alguns músicos e de seus respectivos instrumentos:

Regente: José Brachetto

Primeiros violinos: Trompas: Joaquim Álvaro A. de Tullio H. Armbrust P. Procópio Edgard Gerin Raul Gerin Tímpano: Segundos violinos: F. Maryssa David Mendes Cesar Monteiro Francisco Guilherme Carlos Cordz

Violas: Sant’Anna Gomes Narciso Monteiro

Violoncelos: Alfredo Gomes32 Luiz Monteiro J. Ladeira

Contrabaixo: Antonio Cesar Pedro de Castro Pedro Crasso

Flauta e oboé: Candido Álvaro Oscar Zimbres Luiz Monteiro

Clarinetes: Antonio Braz Antonio F. de Carvalho e Silva

Fagotes: Juvenal Placídio da Costa Moreira Lopes

32 Filho de Sant’Anna Gomes.

137

Uma comparação entre esses nomes e a lista de músicos da Orquestra Campineira em 1908, exposta linhas abaixo, leva a pensar que, embora vários nomes de músicos sejam coincidentes, não se trata desse grupo musical, mas de outro, de caráter não oficial e talvez reunido somente para a tal finalidade. No entanto, deve-se lembrar que os registros são pontuais e distam-se em três anos, dentro dos quais não seria impossível a ocorrência de mudanças e metamorfoses na composição da orquestra. Por outro lado, outro fator que contribui para o primeiro pensamento é o fato de que não foram encontrados registros em que José Moreira Lopes, regente sucessor de Sant’Anna Gomes após sua morte, conduzisse orquestras em igrejas. Ao contrário, despontam outros maestros, como Jeronymo Lobo, Elias Lobo Netto e Primo Sartori.

Outros interessantes espaços em que atuaram formações orquestrais, provavelmente de pequeno porte em sua maioria, foram alguns bares e restaurantes da cidade, com destaque para a Casa Barsotti, à rua Barão de Jaguara. Ao menos a partir de 1908 registram-se com maior frequência a presença de música em seus salões, frequentados pela elite. Nesse ano, após uma reforma no espaço, foi instalado um estrado no qual uma orquestra e um piano ofereceriam música às quintas-feiras, sábados e domingos.

Como repertório tocavam-se peças de caráter leve ou dançante, apropriadas ao ambiente de sociabilidade e distração do restaurante. Ao menos até 1909, o grupo de músicos apresentava-se sob a regência do maestro Moreira Lopes, cujas composições foram bastante empregadas nessas funções musicais:

Nair, polca – J. Santos Odyla, valsa – Moreira Lopes Serenade – Schubert Gavotte des Mathurins – G. Lemaire Geysha – Sydney Jones Tesoro mio – Ernesto Becucci Moreninha, polca – Moreira Lopes

Por volta de 1915 ainda encontraram-se indicativos da existência de música na Casa Barsotti, com a presença de um sexteto. Certamente a música esteve presente em vários estabelecimentos, embora poucos registros tenham sido localizados. Sabe-se que em 1907 o Café Guarany também oferecia momentos musicais através de um quinteto dirigido por Paschoal Penteado, e que se apresentava ali todos os domingos à

138 noite. Em 1921, o Bar Christofani informava em um pequeno anúncio no jornal sobre uma “grande orquestra” em seu espaço.

Dessa forma, com a abertura e diversificação da vida social no cenário urbano em relação a tais espaços de convivência pública, embora seletivos quanto às camadas sociais que os frequentavam, observa-se como processo simultâneo o direcionamento inclusivo das funções musicais junto à expansão dos ambientes de sociabilidade. Nesses espaços, as formações orquestrais também se sobressaíram, em grande parte devido aos paradigmas de refinamento a que poderiam corresponder, através de suas próprias características estéticas.

Orquestra Campineira

Tendo sofrido grande dissolução no período epidêmico, reapareceu em 1899, através da iniciativa do maestro Sant’Anna Gomes e de dezenas de músicos e colaboradores. Sua atuação foi pouco comentada e muito provavelmente tenha se reservado a atividades coadjuvantes no teatro. Segundo a descrição do Almanaque de Campinas de 1908, formava-se por 19 músicos e por seu regente Moreira Lopes, uma vez que Sant’Anna Gomes falecera nesse mesmo ano.

Regente: José Moreira Lopes

Julia de Toledo Juvencio Monteiro Carlos Cordz Cassio Monteiro José Narciso Monteiro Luiz Monteiro Juvenal Placidio da Costa Haroldo Monteiro Oscar Zimbres de Carvalho Luiz Gonzaga Monteiro

Edgard Gérin Clemente Hilkner Diógenes Neves Bernardo Stapelfeldt Joaquim Tappareli José Piovesan João de Tullio Cesar Cardoso Eustachio Braz da Silva

139

Grupo musical em Campinas, década de 1900. Arquivo Fotográfico do Centro de Memória da Unicamp.

José de Castro Mendes também registrou nomes de vários músicos atuantes em grupos orquestrais nos diversos espaços, alguns dos quais já mencionados: os violinistas Gutemberg de Moraes, Eugenia Franchi, Fritz Gottwald, Jorge Whitemann, Wilfrido Pacheco, Antonio de Paula Souza, Tiberio Focesi e Angelo Barreta; os flautistas Lulu Monteiro, Oscar Zimbres, Antonio Salustiano da Silva e Theodoro Meireles; o pistonista Galdino Guimarães; Luiz Monteiro ao violoncelo; Procópio Assunção e José Moreira Lopes ao contrabaixo e os pianistas Ana Gomes, Alice Gomes Grosso, Lalá Cezar, Julia de Toledo, Antonio Leal, Luiz Provesi, Francisco Russo, Guilherme Mignoni, Luiz Quesada, João do Amaral, Oswaldo Serra, Francisco de Andrade Santos, Mario de Tulio, Miguel Ziggiatti, Julieta Landmann e Aldo Gomes Pinto.

140

O forte movimento de elaboração de orquestras nesse período tornou-se salutar ao amadurecimento da prática orquestral na cidade, que ao final dos anos 1920 viria a possuir, de forma um pouco mais constante, uma representativa orquestra. Como reconheceu Júlio Mariano,

O que muito contribuiu para a criação da Sinfônica Campineira foi o obrigatório treino dos músicos nas orquestras de cinema mudo, cujo repertório se constituía, a maior parte, de composições dos mais festejados mestres das mais variadas escolas. (1970: 196)

Através de seu desenvolvimento nos cinemas, como também em igrejas, teatros, associações culturais e familiares e até mesmo em bares, restaurantes e cafés, as formações orquestrais atingiram um ponto alto de atuação e crescimento, cujos efeitos resultaram no bom provimento de profissionais que ajudariam a iniciar e a compor, a partir de 1929, a Sociedade Sinfônica Campineira, sob a direção de Salvador Bove e Jorge Whitemann.

Bandas de Música33

Formação instrumental de longa tradição, as bandas de música relacionavam-se fortemente ao espaço urbano e ao cotidiano, estabelecendo um importante papel na conformação dos tipos de sociabilidade pública. Florescendo em um tempo de abertura da vida privada à vida social das ruas, contribuíram para a confirmação de hábitos relativos aos espaços comuns da cidade, locais de encontro e visibilidade.

As corporações musicais eram também portadoras de um grande poder simbólico, percebido exteriormente nas circunstâncias em que ajudavam a dar sentido a um evento cultural, cívico ou religioso, ou de forma interna, ao olhar de seus integrantes que a viam como elemento agregador de suas identidades e origens. Do ponto de vista musical, funcionaram como veículo democratizante dos variados gêneros, emitindo ou refletindo peças de música advindas tanto de grandes óperas italianas como da criação espontânea dos compositores locais. Como afirmou Pateo,

33 A descrição dos componentes de várias bandas encontram-se no Apêndice deste trabalho.

141

elas foram fundamentais na popularização da música erudita e divulgação da música popular. Até então, o acesso à própria audição de músicas era privilégio de uma pequena elite; com as bandas nas praças e ruas, várias peças musicais clássicas, principalmente europeias, passaram a ser divulgadas. As polcas, as valsas, mazurcas, restritas até então aos ambientes de ‘veludo e cristais finos’, invadiram a rua e penetraram em ouvidos desconhecidos. (PATEO, 1997: 186-7)

Deve-se também lembrar que, pela passagem dos séculos, ao encontrarem- se em um cenário cultural no qual afloraram espaços de divertimento em que eram necessárias, como passeios campestres ao Bosque dos Jequitibás ou apresentações circenses, armou-se uma situação de concorrência, na qual sobressaíam-se as corporações com maior qualidade e tradição. Por outro lado, em alguns aspectos foram superadas pela adaptação das orquestras, mais adequadas às salas internas dos cinemas do que o som potencialmente estridente de seus metais.

Embora em um novo período de atuação, e talvez reservando-se a ocasiões mais específicas, as bandas de música ainda eram motivo de atração pública. Era comum, por exemplo, o intercâmbio de bandas entre as cidades, como a visita da corporação do Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Jundiaí, no jardim da Praça Imprensa Fluminense em 1912. Em 1913, apresentou-se na estação da Paulista da cidade uma banda formada somente por mulheres, vindas de São Paulo.

Banda Italiana

Conhecida também como banda dos irmãos Tullio, ou banda Luiz Di Tullio, nome de seu principal dirigente, a Banda Italiana pode ser considerada uma das corporações de maior destaque e atuação em Campinas, ao final do século XIX. Existente desde 1880, ocupou um lugar dominante nos diversos espaços e circunstâncias nos quais uma banda musical deveria estar, do Passeio Público às fábricas de cerveja, como a de Petroni e Irmãos, Cross e Victória, e até mesmo em festividades na capital paulista.

Reorganizada em 1890, resistiu ainda aos períodos de descontinuidade e dispersão na cidade, causados pela epidemia de febre amarela. Contratações para bailes, casamentos e batizados poderiam ser feitas procurando-se os responsáveis Luiz e Miguel Di Tullio em seu depósito de móveis, à rua Francisco Glycério, 54.

142

Não há descrições sobre seus músicos, embora um anúncio de jornal em maio de 1891 tenha revelado que Pamphilo Sabatini, Giovanni Suriani, Salvatore Russomano, Afonso Disilis, João Senjano e Pedro Nuñez, depois de haverem-se desligado da banda, ofereciam seus serviços musicais para quaisquer ocasiões. Os dois primeiros nomes, por sua vez, figuram entre os componentes da Banda Ítalo-Brasileira, organizada pouco tempo depois, e na qual alguns membros da família Di Tullio também tomaram parte. Pode-se pensar, ainda que remotamente, em certa continuidade entre as duas corporações. Os últimos registros encontrados que atestam a atuação da Banda Italiana datam de 1894.

Banda Azarias

Conduzida pelo professor Azarias Dias de Mello, foi também uma corporação de frequentes participações na cidade, junto à Banda Italiana. À semelhança desta, adaptou-se através de reorganizações, como a de 1890, quando do regresso de músicos ausentes. Superando o período epidêmico, estendeu sua existência ao menos até 1898.

Outras bandas cujas origens remontam às últimas décadas do século XIX ainda existiam na cidade por volta dos anos 1890, mas torna-se difícil precisar o momento exato do encerramento de suas atividades, e se de fato ocorreu no período de transição de séculos, ou posteriormente. Isso se deve às poucas referências disponíveis e, talvez, à atuação menos intensa dessas corporações, se comparadas àquelas de maior presença na cena musical.

Cita-se primeiro a Banda da Sociedade Lyra Campineira, existente desde 1877, que ainda em 1893, conduzida por Manoel da Costa Roriz, tomava parte em diversas ocasiões, como um casamento em Amparo ou um pique-nique em uma chácara. Também executou seu repertório nos bailes carnavalescos do Teatro São Carlos e substituiu a orquestra de uma companhia dramática.

A Banda Alemã, pertencente à comunidade germânica, fundou-se em 1878. Em 1893 encontrava-se levando sua música ao restaurante Scandia, à rua Onze de Agosto. A Banda Silvestre, ou como referida entre os alemães, a Deutsch Musikverein

143

Silvester, existente desde 1885, parece ter passado por nova organização em 1890. Entre as aplaudidas peças de seu repertório encontrava-se um tango da revista Bendengó. A Sociedade Musical Particular Arens, criada em 1888 e composta por empregados da Companhia Arens, do ramo de maquinários agrícolas, ainda encontrava-se ativa no início de 1890. Também cita-se a Banda Luiz de Camões, existente desde 1880 e continuamente atuante nesse período.

Outras corporações, por sua vez, surgiram ainda durante os últimos anos daquele século, também sem considerável prolongamento de sua duração. A Banda Roriz foi organizada por Manoel da Costa Roriz em 1894 e estreou oportunamente em um leilão de prendas da Sociedade Camões, no mês de julho. Destinando-se a servir em festividades, achava-se em participação nos dois dias de celebração pela inauguração da igreja de Santa Maria, na Estação Jaguary, atual cidade de Jaguariúna, e na festa beneficente à Nova Escola Alemã, em 1898.

A Sociedade Musical União Operária, fundada em 6 de maio de 1894 sob a regência de Juvenal Placídio da Costa, era composta por 60 sócios, dentre os quais 21 faziam parte da banda. Segundo o que afirmou Geraldo Sesso (1970: 161), existiu por mais de duas décadas, desaparecendo nos anos 1920 por questões financeiras.

A Banda Brasileira foi organizada pelo maestro Azarias de Mello e teve sua estreia em março de 1896, executando peças eruditas, ligeiras e nacionais. No mês de novembro iniciou-se a Sociedade Musical dos Empregados da Companhia Paulista, apresentando-se em público em junho de 1897, sob a regência de José Moreira Lopes. No mesmo ano participou de solenidades religiosas na Estação Santa Bárbara e em Limeira.

Ainda em 1897, com a Sociedade Carnavalesca Fenianos organizou-se a Banda Feniana, de boa atuação e conduzida por Pamphilo Sabatini, embora em um curto período. Nesses anos também fazia-se presente no Jardim Público a Banda do 2º Batalhão de Polícia.

Banda Musical Ítalo-Brasileira

Fundada em 4 de julho de 1895 por Constantino Suriani, possuía inicialmente 19 músicos e reunia, em sua grande maioria, membros de identidade

144 italiana. Tornou-se a corporação de maior prestígio, alcançando excelentes qualidades musicais e estendendo suas atividades até aos dias atuais sob o nome de Banda Carlos Gomes, embora de forma decadente. Em 1922, chegou a representar a cidade de Campinas nas comemorações da Independência no Rio de Janeiro. Foi possível identificar várias descrições do conjunto em três diferentes almanaques, transcritas no apêndice deste trabalho.

Banda Ítalo-Brasileira em 1910

Banda Musical Azarias

Fundada em 18 de fevereiro de 1899 por Manoel da Costa Roriz, cujo nome foi dado em homenagem ao professor e regente Azarias Dias de Mello. Difere, portanto, da antiga Banda Azarias, acima referida.

Banda Musical Carlos Gomes34

Teve início em 14 de março de 1899, por iniciativa do maestro José Moreira Lopes, mas com curto período de existência. Em sua estreia, a polca Bicycleta, composição do mesmo regente, alcançou grande aprovação do público presente. Segundo Sesso (1970: 165), outra banda de mesmo nome foi organizada pelo professor Agide Azzoni, também de pouca duração.

34 No decorrer dos anos, como em 1906 e 1917, outras corporações de nome Carlos Gomes parecem surgir, embora de difícil identificação. Deve-se lembrar que a Banda Ítalo-Brasileira também passou a ter a mesma denominação na década de 1940.

145

Banda do Boi

Pertencente à Sociedade Dansante(sic) Carnavalesca Familiar ‘Banda do Boi’, foi fundada pelo maestro Zimbres em 1905 e ocupou importante papel nas festividades de carnaval. Em certa ocasião, a corporação foi duramente criticada por uma violinista recém-chegada a Campinas, que assim comentava:

Creia o sr., nunca em minha vida ouvi tanta desafinação. E que desaforo! Uma tal banda tocar junto à estátua de Carlos Gomes! Felizmente o maestro é de aço, porque se fosse de carne e osso, descia do seu pedestal e desancava a pau aqueles músicos! (Diário do Povo, fevereiro de 1912.)

No início do século XX, houve também a formação de bandas cuja atuação é pouco conhecida. Sabe-se que em 1906 o professor Pedro Butera, regente do Corpo de Bombeiros de São Paulo, trabalhava para a constituição de uma nova corporação em Campinas, embora nenhum registro sobre sua efetiva existência tenha sido encontrado. De caráter étnico, a Banda Musical Campineira dos Homens de Cor, organizada por João de Oliveira, deixou poucos vestígios. Esta parece diferir da banda de igual nome fundada posteriormente pelo mesmo maestro em 11 de junho de 1933, segundo Geraldo Sesso (1970: 169). Já em 29 de abril de 1909, como descreveu José de Castro Mendes em suas Efemérides Campineiras, fundou-se a Banda Musical Garibaldina.

Banda Musical Brasileira

Fundada em 1919 por Salvador Bueno de Oliveira, difere-se da banda homônima conduzida por Azarias de Mello em 1896. Em 1920, José Moreira Lopes ocupava sua regência, mas a deixa por vontade própria ao final do ano, ocupando-a depois Hugo Bratfisch. Em 1922, assume como novo regente João da Silva Oliveira.

Banda Progresso Campineiro

Fundada em 11 de agosto de 1911 por seu regente permanente José Troiano, embora equivocadamente Geraldo Sesso afirme ter sido sua fundação em fins de 1913.

146

De considerável duração, alcançou elevado nível técnico e boa aprovação pública. Segundo consta, seu fardamento foi encomendado segundo o uniforme oficial dos granadeiros do exército italiano.

Maestro José Troiano Diário do Povo, julho de 1917.

Banda Giuseppe Garibaldi

Fundada em 4 de abril de 1906, fez sua primeira demonstração musical ao público em um domingo de maio, através de uma passeata pelas ruas. Pouco tempo depois, recebia as instruções do maestro Benjamin Meo, vindo da Argentina a fim de orientar a nova corporação, cuja regência passou a assumir, embora um dos registros afirme a permanência de João Gensani como diretor da banda desde sua fundação. Segundo a folha Cidade de Campinas, com a qual B. Meo firmou laços de amizade, dedicando-lhe uma marcha militar homônima, a banda alcançou elevado progresso após a admissão de seu novo professor. Executando suas composições ao lado de peças clássicas dos repertórios comuns, de excertos operísticos a tangos, chegou até mesmo a importar da Europa, juntamente com seu fardamento, duas peças sacras para serem

147 tocadas na procissão da Sexta-feira Santa – as marchas fúnebres Venerdi Santo e Et memoria.

Em 1907, algumas publicações no Correio de Campinas apontam Francisco José Marzagão como o regente da banda, ao menos por um período. Dando claros sinais de ressentimento e disputa pelas oportunidades de fazer tocar sua corporação, Marzagão refere-se a um chamado monopólio, talvez indicando a atuação intensa da Banda Ítalo- Brasileira e sua onipresença na cena musical, dificultando a ascensão de bandas menores:

A corporação Garibaldi tem a subida honra de comunicar ao público campineiro que acha-se bem organizada e com um já escolhido repertório, bem ensaiada e garante tocar muitíssimo barato; caso achar uma outra que faça pelo mesmo preço, a ‘Garibaldi’ tocará gratuitamente. Final do monopólio. O regente da ‘Garibaldi’ – Francisco José Marzagão. (Correio de Campinas, 22.05.1907)

Em uma longa declaração publicada poucos dias depois, o regente ainda travava suas pendências com o maestro Troiano, que o teria difamado publicamente. Embora um pouco obscura e sem grandes esclarecimentos do contexto a que se refere, a carta parece tratar de confrontos e desentendimentos entre músicos e suas corporações.

Banda União Campineira

Em 1912, compunha-se de 28 músicos e possuía como regente João Luiz Leite e em outubro de 1914, assume o maestro José Benedicto de Paula. Atuou em bairros cidades próximas e no Colyseu, casa de entretenimento.

Banda da Sociedade Musical Reboucense – Bairro do Rebouças

Segundo Aguiar (2004: 39), que se baseou no livro Sumaré, Edição Histórica, a banda foi fundada em 20 de janeiro de 1900 e teve como primeiro regente o clarinetista Gabriel de Vasconcellos – um dos primeiros membros da Banda Ítalo- Brasileira, sucedendo-o na direção o pistonista João Baptista Ramos. Nos tempos que se seguiram, alguns outros músicos de Campinas revezaram-se na regência da corporação.

148

Ocupando o posto, José Moreira Lopes trazia também instrumentistas campineiros em ocasiões festivas. Por volta de 1917, substituiu-o compositor Hugo Bratfisch, e mais tarde a banda passou a ser dirigida pelo professor Agide Azzoni. Segundo o Almanaque de Campinas de 1908, a Banda Musical Reboucense era assim composta:

José Maria Barroca, português e professor de música no Bairro do Rebouças, tornaria-se figura de destaque na corporação, cuja direção assumiria em 1921, após um período de inatividade. O grupo musical também era conhecido popularmente como Banda São Sebastião e suas atividades prolongaram-se até o final dos anos 1940 e início da década seguinte.

Banda da Sociedade Progresso Cariobense – Vila Americana

Poucas são as informações encontradas sobre essa corporação, existente na promissora Vila Carioba, do então Distrito de Vila Americana. O antigo aglomerado industrial e de trabalhadores do ramo da tecelagem já possuía um ciclo próprio de vida cotidiana e cultural, marcada por festividades religiosas, como a Festa do Padroeiro, e profanas, como o carnaval. A banda de música, portanto, fazia-se presente, e era composta por operários da fábrica de tecidos Carioba, propriedade do Comendador Franz Müller a partir do início do século XX. A banda era dirigida por Chiarissimo Caravieri e possuía 21 músicos, segundo o Almanaque de Campinas de 1908.

149

3.2 Ensino musical: professores e escolas

Professores de música35

A representativa vida musical existente em Campinas desde as últimas décadas do século XIX também se expressava através do ensino, personificado no considerável número de professores que se dirigiam à cidade e ali instalavam-se para oferecer seus serviços, correspondendo à boa procura pelo aprendizado de instrumentos e de conhecimentos teóricos.

Entre os mais antigos e influentes professores deve-se citar o maestro Sant’Anna Gomes, violinista e de larga influência no desenvolvimento musical local. Azarias Dias de Mello, por sua vez, ao reger corporações musicais e dedicar-se ao ensino de crianças legou, de igual modo, grande contribuição à música. Com o desaparecimento desses músicos entre 1908 e 1912, no entanto, foram necessárias novas figuras de relevo técnico na cena musical campineira.

Entre os mais destacados professores de piano estava Luiz de Pádua Machado, conhecido mestre e fundador do Club Mozart, de longa existência. Relacionando-se com a elite cultural, possuía um permanente número de alunas que, através da referida associação, realizavam notáveis audições musicais durante o ano. Sua atuação e seus métodos influenciaram não poucas mulheres, que também se tornaram professoras de piano na cidade.

A fundação do Conservatório Musical de São Paulo, em 1906, exerceu sensível impacto no que toca às pretensões de estudo entre o público aprendiz campineiro. Diplomados por essa escola, alguns professores, quase sempre de piano, fixaram-se em Campinas e aqui passaram a ministrar aulas preparatórias para a entrada no mesmo Conservatório, além de outros mais distantes, como o do Rio de Janeiro e até mesmo do exterior. Como exemplo pode-se citar o pianista Mário Monteiro, natural desta cidade e que, ao retornar de seus estudos em São Paulo, contribuiu em muito como professor e compositor.

35 No apêndice do trabalho encontram-se relacionados nomes de professores de música atuantes na cidade.

150

Campinas também recebeu mestres estrangeiros e formados por escolas europeias, como os conservatórios de Leipzig e Düsseldorf. Outros professores, menos qualificados, lecionavam junto à música saberes escolares, idiomas e artes manuais, como o caso de muitas senhoras alemãs que se destinavam à educação dos filhos de famílias abastadas.

Escolas de música

A institucionalização do ensino de música em Campinas ganharia mais firmes bases com a fundação do Conservatório Carlos Gomes, em 1927. Até então, houve também algumas iniciativas em âmbitos menores, certamente sem as mesmas condições e influências alcançadas por essa instituição.

Na segunda década do século XX, encontram-se alguns esparsos registros de tentativas em prol da formação de escolas de música. São empreendimentos particulares em resposta a um aparente fortalecimento da cultura musical no universo educacional dos indivíduos, que se reflete na demanda pelo ensino em uma cidade que busca seus caminhos de progresso e modernidade.

As tendências de escolarização da música, já existentes no ensino formal, passam a projetar-se na forma de escolas especializadas no ensino da arte, de maneira personalizada. Se há décadas a cidade possuía diversos professores particulares, com os quais as relações se davam de um modo um tanto informal e direto, um novo momento parece surgir com a inventiva dos mesmos profissionais, que agora ganham novas representações a partir de suas faces institucionais.

Como já dito, os registros encontrados sobre os primeiros estabelecimentos de ensino musical são pontuais e não oferecem evidências sobre a continuidade e permanência das atividades por eles desenvolvidas. Também há poucas informações sobre o grau de organização e formalidade dessas escolas que, ao menos nos territórios interioranos, poderia ser algo bastante relativo em um período de incipiência da formalização do ensino. Este certamente ainda herdaria os métodos e as feições das aulas particulares de música, que tinham lugar no ambiente intimista das residências.

Em 1914, a escola de música dirigida por Eugenia Franchi, violinista de destaque na cena musical da cidade, destinava-se inicialmente ao ensino de solfejo,

151 canto, violino e piano. Em seu primeiro anúncio no jornal, dirigia-se também a um público específico de prováveis interessados, os professores normalistas. No entanto, parece ter havido mudanças ou recuos na primeira proposta do estabelecimento, na qual deveriam tomar lugar outros professores de música, lecionando as modalidades acima.

Em dezembro do mesmo ano, ao realizar-se uma audição especial com seus dez alunos no Club Campineiro, a escola é referida simplesmente como “Escola de Violino Eugenia Franchi” e, de fato, todas as peças apresentadas foram executadas nesse instrumento. É provável, pois, que as primeiras pretensões tenham-se reduzido a mais modestas condições de organização e de capacidade de oferta do ensino por motivos desconhecidos.

O Conservatório de Música de Campinas foi aberto em 1º de novembro de 1914 pelos professores Jorge Henrique Klier e Fritz Gottwald. Provisoriamente instalado à rua General Carneiro, oferecia aulas de piano, violino, canto, solfejo, rudimentos de música e harmonia a preços reduzidos, ao menos inicialmente. Para uma avaliação geral dos alunos, realizavam-se exames anuais, como o de 1916. Nessa ocasião, o número de nomes descritos como aprovados era de quatorze, com dez estudantes de piano e quatro de violino. A ausência de mais abundantes dados, por sua vez, deixam dúvida sobre a própria definição dessa escola como Conservatório. Sabe-se que os cursos tinham caráter preparatório.

Em 1919 tem-se um primeiro registro do Curso Musical Santa Cecília, embora não se saiba de forma exata o ano inicial de suas atividades de ensino. De mesmo nome, não se deve confundi-lo com o Conservatório Santa Cecília, fundado pelo professor Djalma de Campos Pádua no Colégio Progresso, em 1929. Sob a direção da professora Luiza Ferreira da Fonseca, diplomada pelo Conservatório Musical de São Paulo, o Curso Musical acolheu considerável número de alunos de música, quase em sua totalidade meninas em idade escolar. Lecionavam-se os chamados rudimentos de música, solfejo, canto coral e piano. Mantendo-se as relações com o Conservatório da capital paulista, auxiliaram nos exames finais daquele ano dois catedráticos dessa instituição, João Gomes de Araújo e Sylvio Motto.

Outra iniciativa de que se tem registro refere-se ao Instituto Campineiro de Música, organizado por professores da orquestra do Rink, também em 1919. Movimentavam-se os músicos com o intuito de dotar a cidade de um primeiro

152 estabelecimento de ensino musical completo, abrangendo o piano, instrumentos de cordas e sopro, metais e palhetas. Segundo se publicou na imprensa no mês de agosto, o Instituto teria dez professores e estava em vias de abrir-se ao público.

Ensino Musical em Escolas

Durante o período aqui considerado, três foram as instituições escolares que se revelaram destacadas no ensino musical junto a seus currículos. O saber musical, no contexto da predominância do positivismo permanente nos primeiros anos da República, tornou-se também um símbolo de progresso intelectual, como forma de conhecimento e cultura, fatores determinantes para o avanço civilizatório almejado pela elite brasileira. No início do século XX, embora a música estivesse presente nas diversas escolas normais que se multiplicavam pelo município de Campinas, geralmente na forma de canto coral, os colégios abaixo relacionados promoveram não somente um envolvimento generalizado com a arte musical, mas o fizeram de maneira ativa e direcionada a cultivar conhecimentos específicos e duradouros.

Colégio Progresso Campineiro

Destinado ao ensino feminino, o Colégio Progresso teve início com a iniciativa de alguns campineiros através de uma associação, fundando-se em 8 de outubro de 1900. Desfeita a sociedade algum tempo depois, o estabelecimento tornou-se propriedade de sua segunda diretora, Emília de Paiva Meira, sucessora de Ana Malezwska.

Na questão musical, preencheu em grande parte a lacuna deixada pelo Colégio Florence, transferido para Jundiaí anos antes, no período da epidemia. Seu ensino musical baseava-se principalmente no estudo do piano, embora alguns documentos de 1906 a 1909 mostrem a contratação do professor de violino e bandolim Ugo Azzolini, nesse período. O pianista Luiz de Pádua Machado, por sua vez, tornou-se o primeiro e permanente mestre de música no colégio, por alguns momentos acompanhado de sua esposa, Laura de Pádua. Compôs o Hino do Colégio Progresso

153

Campineiro em 1918, e o Hino das Diplomadas, atuando no colégio até sua morte, em 1929.

Outros professores foram Emil Steudel, de piano e canto, entre 1905 e 1907, e Ana Gomes Funch, lecionando piano por alguns meses em 1908. Eugenia Franch, professora de violino, atuou na instituição por volta de 1914 e, em 1921, registra-se também a presença do maestro Gutemberg de Moraes. Mediante pagamento, o Colégio provia os materiais musicais necessários para as alunas, como instrumentos, cordas, palhetas para bandolim, partituras e métodos. Sabe-se que o método pianístico Schmoll foi usado no estabelecimento.

Como de costume, a exibição dos progressos alcançados nos estudos musicais dava-se em concertos e nas festividades de encerramento do ano letivo.

Alunas do Colégio Progresso em 1907 Fonte: Acervo do Colégio Progresso

154

Liceu de Artes e Ofícios de Nossa Senhora Auxiliadora

Sua fundação deu-se em 1892 pela conjunção de esforços do padre João Baptista Correa de Nery, então vigário da paróquia de Santa Cruz, e pela senhora Maria Umbelina Alves Couto, em função da necessidade de abrigar e direcionar o grande número de órfãos deixados pelos efeitos da epidemia de febre amarela.

Com grande movimentação social em forma de festas beneficentes promovidas pela Igreja, grandes doações e realização de espetáculos infantis no Teatro São Carlos, o projeto foi levado a efeito, dando-se a inauguração de grande parte do prédio do liceu em 25 de julho de 1897. De orientação salesiana, tornou-se a mais representativa instituição educacional católica na cidade e talvez em sua região, de fortes relações com as autoridades eclesiásticas. Inicialmente oferecendo o curso primário e de ofícios, passou também ao curso ginasial e, a partir de 1911, incluiu o Curso Comercial.

Intensa era a promoção de atividades culturais, e os eventos lítero-musicais com partes corais, orquestrais e dramáticas, nos quais participavam os alunos, eram frequentes. Celebrando as datas solenes do calendário católico e da instituição, somavam-se ainda outras ocasiões festivas e de marcada presença musical. Junto às missas, por exemplo, era possível ouvir a interpretação de algumas peças sacras de autores contemporâneos, graças à existência da Schola Cantorum.

Parecendo cumprir uma das recomendações do Motu Proprio do Papa Pio X de 1903, documento que buscou restaurar os princípios da música sacra através de várias diretrizes, o Liceu apresentou seu coro de alunos com um atualizado repertório. Algumas peças de Lorenzo Perosi (1872-1956) repetiam-se em diferentes ocasiões. Em 1914, nas celebrações do Sagrado Coração de Jesus, foi cantada a duas vozes a Missa in honorem S. Josephi Calassantii, de Oreste Ravanello (1871-1938), além do Tantum ergo do padre salesiano Giovanni Pagella (1872-1944) e Laudate de Federico Caudana (1878-1963).

Em 1916 cantaram-se outras peças sacras nas festividades de maio, mês da padroeira do colégio. A Schola Cantorum apresentou uma missa não nomeada com o

155

Credo e partes variáveis em canto gregoriano, de Joseph Renner (1868-1934)36, compositor alemão. Houve ainda os hinos também em canto gregoriano Saepe dum Christi, Reginae Coeli, e Tantum ergo a duas vozes de Haydn.

Em 1919, cantou-se uma missa de Dionigio Canestrari (1865-1933) e partes variáveis em fabordão, de Pagella. Nesse ano, um registro na imprensa aponta o número de setenta vozes para a Schola. Se correta é a informação, trata-se de notável recuo para a formação coral naquele momento, pois em 1916 contavam-se cento e dez alunos, conforme publicado em jornal e no anuário da instituição.

Era também comum o uso de hinos laudatórios dedicados a autoridades institucionais e eclesiásticas, quando de suas visitas ao Liceu. Excertos operísticos, como o Coro dos Peregrinos, de Verdi, tinham lugar junto aos variados programas, que combinavam discursos, poesias e peças musicais, como a Ave Maria de Gounod apresentada pelo trio instrumental formado pelo padre José dos Santos ao piano, Antonio Ferreira ao violoncelo e Ramiro Garcia ao violino, em 1914.

Sabe-se que por determinado período, ao menos durante os anos iniciais, as aulas de música eram ministradas pelo professor Américo Belardi, violinista, e pelo maestro Salvador Bove. Alguns concertos dados às famílias tornavam-se a oportunidade de demonstração dos estudos feitos ao piano, violino, flauta e bandolim. Em 1917, por exemplo, tem-se o seguinte programa musical:

Canção dos Soldados, cantada por todos os alunos. 1- Marcha a quatro mãos, piano, pelo aluno Plinio Franco e prof. Bove. 2- Romanza para violino, pelo aluno José Roversi. 3- Barcarole para flauta – Durval Camargo. 4- Halte sous les bois, para violino – Augusto José Rodrigues. 5- Vogue, melodia para duas flautas – Heitor Gomes e Nelson Silveira. 6- Berceuse, para piano – Waldemar Vergueiro. 7- Air Champêtre, para flauta – João Marcolino. 8- Le petit Savoyard, para violino – Nelson da C. Mello. 9- Sonho, melodia para flauta – Oscar Ferraz. 10- Campinas, valsa para violino – Ruy Egydio. 11- Prima Carezza, noturno para bandolim – Alcindo Barbosa. 12- Caro mio, arietta para violino – Angelo Orlando

36 Trata-se mais possivelmente de Joseph Renner, der Jüngere. Seu pai, de mesmo nome, fora também compositor e viveu entre 1832 e 1895.

156

Hino do Liceu 13- Era uma vez, para piano – Arthur Quirino. 14- Rêverie, andante para violino – Álvaro Nascimento. 15- Disputando, para violino – Francisco Mayese. 16- Tyrolese, solo para flauta – Antonio Pacca. 17- Capricho, para violino – Antonio do Pateo. 18- Chevouchée, para violino – José Lara. 19- Sonatina, para piano – José Marques. 20- Carillon, para violino – Darthiu X. da Silveira. 21- Bon soir, romanza para flauta – Prudencio Franco. 22- Melodia, para piano – José Vellosa do Amaral. 23- Rondó, para violino – Roberto Piccoli. 24- Berceuse, para flauta – Luciano Nogueira Filho. 25- Tarantelle, para violino – Olympio Solano. 26- Em pleno campo, melodia campestre para flauta – Radouvillers Garcia. 27- Royal Marche, piano a quatro mãos – Arthur Quirino e José Vellosa. Hino Militar.

De forma geral e grupal, através das aulas de canto, individualmente, com as lições de algum instrumento, ou ainda através da simples apreciação passiva, o aprendizado musical irradiava-se em diversas instâncias na vivência escolar do Liceu. O colégio possuía também dois conjuntos instrumentais – uma banda e uma orquestra.

Pode-se afirmar que, ao menos em 1898, a banda de música já se encontrava organizada. Em 1914 era seu regente o professor José Moreira Lopes, e em 1916 contava com 42 figuras. Segundo Anuário do Liceu Salesiano N. S. Auxiliadora do mesmo ano, envolviam-se no estudo dos instrumentos da Banda Colegial mais de 50 alunos internos. Em 1917, achavam-se no posto da regência o professor Bove e João Aba, embora não se saiba se de forma permanente.

A orquestra, também formada por alunos, contava com 16 músicos em 1916. Seu repertório era comum e variava entre marchas, valsas e polcas, da mesma forma conduzida pelo maestro Salvador Bove. Sem nada afirmar, há sugestões de que, por volta de 1922, tenha se chamado Orquestra Carlos Gomes.

157

Banda do Liceu N.S. Auxiliadora Fonte: Anuário do Liceu de 1916

Externato São João

Fundado em 24 de junho de 1909 pelo padre Domingos Albanello, foi erigido em um terreno da Rua José Paulino já adquirido em 1905 pelos padres salesianos, a fim de abrigar as oficinas profissionalizantes do Liceu de Artes e Ofícios, cuja sede tinha localização um pouco distante da região central da cidade.

Nessa instituição destacou-se, a partir de 1912, a figura do padre português José dos Santos, pianista e regente que, à direção do externato, muito contribuiu para a realização de atividades artísticas e musicais por seus alunos. Segundo Júlio Mariano (), o padre José formou e manteve um numeroso orfeão infantil para o canto de missa gregoriana a três vozes. Por sua iniciativa, foi também fundada a Associação Ex-Alunos de Dom Bosco de Campinas37 de intensa atuação cultural, e na qual havia o grupo teatral Benedicto Otávio e uma orquestra própria.

37 Referida dessa forma posteriormente, era antes chamada Associação Antigos Alunos Salesianos.

158

O grupo orquestral, segundo o mesmo autor, foi fundado por Jorge Whiteman, e sua regência era ocupada por José dos Santos. Em ocasiões festivas, executava partituras de conhecidos compositores e acompanhou o pianista campineiro Mário Monteiro na apresentação de sua peça Ressurreição. Destaca-se também sua participação em conjunto com o grupo dramático de amadores, executando partes de As Três Horas de Agonia, de Elias Lobo, no intervalo de um drama sacro de Benedicto Otávio, o Drama do Calvário.

Possuía a escola uma sala teatral, o Teatrinho São João, que recebeu um notável melhoramento em 1914, ao instalarem-se ali 340 poltronas importadas dos Estados Unidos. Nesse recinto desenvolviam-se todas as atividades institucionais, com representações dramáticas, de operetas, comédias, apresentações corais, sessões cinematográficas, discursos e solenidades escolares e religiosas. Por outro lado, o espaço era também aberto a concertos de instrumentistas que passavam pela cidade. Em 1915, por exemplo, deram-se dois destacados concertos nos quais tomaram parte alguns professores de relevo na cidade, reunindo músicos locais que muito contribuiriam até mesmo para a formação da Orquestra Sinfônica Campineira.

Ao final 1916, deram ali um concerto vocal o tenor português Almeida Cruz e o barítono Antonio Peixoto, em cujo programa predominaram clássicas árias de ópera italiana. Em outra ocasião, Alfredo Andrada, apresentando ao violoncelo peças de compositores já há muito conhecidos, como Schumann e Saint-Säens, tocou também o Andante, do contemporâneo violoncelista alemão Hugo Becker (1863-1941).

Em abril do ano seguinte, o jovem pianista cego José Leite, interpretou, além de Schubert, Chopin, Mendelssohn, Beethoven e Rubinstein, a Marche Nupciale de Grieg, o Improviso de Alberto Nepomuceno e Il neige, de Henrique Oswald. Nos anos de 1918 e 1919, respectivamente, apresentaram-se o violonista paraguaio Agustín Barrios, em série de concertos por Campinas, e o professor De Leon com o então curioso instrumento por ele chamado de “marimbon”, a marimba, que havia adquirido na América Central e, após algumas adaptações, divulgado pelas principais capitais europeias. De grande efeito sobre a plateia, seu divulgador executou nele, na íntegra, a ópera Rigoletto.

Ainda naquele ano deu-se o concerto de violino Rafael Rizzo Fausto, diplomado pelo Conservatório de Nápoles, e em 1920, em turnê pelas cidades paulistas,

159 o também violinista Clóvis de Queiroz, que completara seus estudos no Conservatório Real de Bruxelas.

160

3.3 Músicos, maestros e professores

Com a passagem dos séculos, o cenário musical de Campinas e suas principais personagens, entre músicos, maestros e professores, passaria também por um período de mudanças. Sabe-se que, marcadamente no ano de 1889, na evasão da cidade tomada pela epidemia de febre amarela, muitos foram-se de forma definitiva para outras localidades, o que naturalmente incluiu pessoas de boa contribuição na arte musical local. Um bom exemplo, como já comentado, foi o desaparecimento da Orquestra Campineira, cuja existência suspendeu-se por anos, uma vez que boa parte de seus membros foram dispersos pelo grande surto epidêmico. Para além dos efeitos causados pela epidemia, deve-se reconhecer um movimento intrínseco de renovação sobre as principais figuras musicais de destacada atuação durante a segunda metade do século XIX. José Pedro de Sant’Anna Gomes, de maior representação, estenderia suas atividades por quase uma década no século XX, mas deixaria suas funções de regência nas mãos de José Moreira Lopes e de outros maestros, quando do seu falecimento em 1908. A morte de Azarias Dias de Mello em 1912 também se constituiria em um significativo vazio musical, e embora sua contribuição prática já fosse escassa nos últimos anos de sua vida, sua condição em vida, de certa forma, manteve unidas memórias e práticas a que esteve ligado. Por outro lado, houve pontos de contato entre as figuras no processo de transição dos ofícios e funções musicais na cidade, de forma que não se tratou de rupturas de efeitos irredutíveis, e nem todas as substituições deram-se entre membros antigos e novos. Ainda que novos músicos e professores se estabelecessem em Campinas, ou mesmo ali se originassem, para se desenvolverem como notáveis professores e regentes, a permanência de outros de atuação bastante conhecida e apreciada manteve tradições e conduziu o prolongamento das práticas musicais com suas inevitáveis transformações de forma coerente durante a passagem do tempo. Os músicos apresentados a seguir são representativos pelas funções que exerceram na cidade, e ainda que alguns deles, como Francisco Chiaffitelli, não tenham participado da vida musical de Campinas, aqui se encontram citados por terem nela sua origem e referência. De forma resumida, as informações sobre eles dizem respeito ao período a que se refere a pesquisa – a partir de 1889, embora muito se possa conferir

161 sobre seu histórico nas décadas anteriores com mais detalhes no trabalho de Lenita Nogueira38 .

José Pedro de Sant’Anna Gomes (Campinas, 1834 – 04.04.1908)

Irmão mais velho de Carlos Gomes, foi maestro e compositor de maior representação em Campinas e de papel central na vida musical da cidade, como organizador e articulador das atividades artísticas, em concertos e grandes apresentações orquestrais em teatros e igrejas. Sua permanência em Campinas durante os surtos de febre amarela, a despeito dos apelos de Carlos Gomes para que se ausentasse da cidade, em muito contribuiu para a continuidade do desenvolvimento musical local em um período de paralização das atividades culturais. Ao menos durante a década de 1890 foi possível identificar as atividades de seu quinteto de cordas, no qual era o primeiro violino, participando de concertos e saraus. Nesse mesmo período ainda exerceu o ensino particular de seu instrumento, e até pouco tempo antes de sua morte manteve-se como principal regente de orquestra em festividades religiosas e espetáculos teatrais. Foi um dos principais responsáveis pelo ressurgimento da Orquestra Campineira, em 1899.

Joaquina Gomes Henking (Campinas, 1853 – Ribeirão Preto, 1939)

Irmã de Carlos e Sant’Anna Gomes por parte de seu pai Manoel José Gomes e filha de Francisca Leite. Como colocou Nogueira, assim como sua irmã Ana Gomes, foi uma das pioneiras da profissionalização musical, uma vez que moças de boa família não poderiam se dedicar à arte de forma profissional, o que lhe foi possível por não pertencer à alta sociedade (2001: 362-3). Foi destacada pianista e professora de piano, contribuindo ainda com a execução de solos vocais em celebrações sacras. Deixou a cidade durante a epidemia de 1889, retornando somente em 1893, quando de novo ali se estabeleceu à Rua da Misericórdia, oferecendo seus serviços de ensino. Seu marido Emílio Antonio Henking, austríaco e natural de Viena, foi músico amador e tocava cítara, apresentando-se em alguns concertos. Faleceu em 1903 após anos em condição

38 ver NOGUEIRA, Lenita W. M. “Música em Campinas nos últimos anos do Império.” Campinas: Unicamp, 2001. Capítulo 6, “Trajetórias”.

162 enferma, por ter sofrido um ataque de serpente. O filho Ormeno Gomes Henking dedicou-se à composição.

Joaquina Gomes Henking Fonte: História de Campinas. Correio Popular, Suplemento Cultural, 13.02.1969. p.7.

Anna Luiza Gomes Funck (09.09.1865 – 01.11.1936, Campinas)

Como Joaquina Gomes, filha de Manoel José Gomes e de Francisca Leite. Pianista, atuou como professora particular e, ao menos por pouco tempo, no Colégio Progresso. Possuindo perfil de regente, conduziu orquestras em reuniões de sociedades familiares e em cinemas, nos quais também acompanhava filmes ao piano. Casou-se com José Mariano Funck, nascendo-lhe uma filha em 1887, Maria Benedicta Gomes Teixeira Pinto.

163

Ana Luiza Gomes Funck Fonte: História de Campinas. Correio Popular, Suplemento Cultural, 13.02.1969. p.8

164

Alice Gomes Grosso (Campinas, 18.02.1884 – Rio de Janeiro, 03.06.1963)

Filha de José Pedro de Sant’Anna Gomes e de sua esposa Deolinda Maria das Dores. Tendo seu pai como primeiro professor de música, estudou também com o mestre de piano Luiz de Pádua Machado, além de possuir boa voz. Tornou-se destacada pianista e professora, chegou a se apresentar em concertos em Campinas e São Paulo, além de atuar ao lado de sua tia Anna Gomes em cinemas da cidade na condução de orquestras. Em 1913 atuou junto à orquestra do Teatro João Caetano, em Amparo. Casou-se com Rodolfo Grosso e foram seus filhos Iberê Gomes Grosso, violoncelista admitido em primeiro lugar no Instituto Nacional de Música em 1920, tornando-se professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Alfredo Gomes Grosso, Ilara Gomes Grosso, pianista, Alda Gomes Borghert, violinista e José Pedro Santana Gomes Netto, musicólogo e médico.

Alfredo Sant’Anna Gomes (Campinas, 29.04.1888)

Filho de José Pedro de Sant’Anna Gomes e Deolinda Maria das Dores. Violoncelista, obteve do governo do estado uma bolsa de estudos, prometida pelo governador Jorge Tibiriçá por ocasião da inauguração do monumento a Carlos Gomes em 1905. Partindo para a Europa no ano seguinte, alcançou o primeiro prêmio do Conservatório Real de Bruxelas, onde estudou. Tornou-se professor do Conservatório Musical do Rio de Janeiro.

Azarias Dias de Mello (Piracicaba, 19.03.1834 – Campinas, 17.11.1912)

Foi estimado professor e regente de bandas, funções que mais exerceu em seu ofício musical em diversas localidades antes de estabelecer-se em Campinas por volta de 1863, a pedido de Sant’Anna Gomes (NOGUEIRA, 2001: 372-3). Nas últimas décadas do século XIX, conduziu a Banda Azarias, de importante destaque na cena musical da cidade e cuja formação resistiu aos anos da epidemia de febre amarela, graças aos esforços de seu maestro. Mestre de muitos discípulos, alguns de seus alunos de fato exerceram atividades musicais, como Joaquim Álvaro de Souza Camargo e Antão Fernandes, este regente da prestigiada Banda da Brigada Policial de São Paulo e

165 que em suas visitas a Campinas lhe homenageava em sua residência acompanhado da corporação. Casado com Narcisa Maria do Carmo, teve seis filhos, dos quais cinco chegaram à idade adulta: Fausto Dias de Mello, Antonio Dias de Mello, Magdalena de Mello, Marcellina de Sousa, esposa de Bernardo de Sousa, Amazília de Mello Vieira, casada com o também maestro Ananias José Vieira. Ao final da vida encontrava-se em difíceis condições financeiras, e por isso foi diversas vezes auxiliado por amigos através de festivais artísticos, promovidos nos teatros da cidade. Uma resolução da Câmara Municipal no início de 1908 (nota: Livro de Leis e Resoluções de 1908, Resolução n. 258, p.7-8), por exemplo, concedia-lhe o prazo de dois anos para o pagamento de impostos a que estava obrigado. As doações conseguidas em abril e dezembro de 1909, portanto, parecem dever-se a essa razão, pois coincidem com o término do tempo estipulado para a quitação das dívidas. Em março de 1912, por ocasião do que seria seu último aniversário, as bandas União Campineira e Ítalo-Brasileira dirigiram-se ao então velho Azarias, como era chamado, para cumprimenta-lo. Já afastado de suas atividades pela avançada idade e com saúde debilitada, faleceu meses depois aos 78 anos no Hospital da Beneficência Portuguesa, após alguns dias de internação. Em seu funeral, ocorrido na Matriz de Santa Cruz, seguindo-se o sepultamento no Cemitério do Fundão (Cemitério da Saudade), houve grande acompanhamento público com quatro bandas de música e a orquestra de Moreira Lopes. A banda Ítalo-Brasileira executou a marcha fúnebre Memórias, de Sant’Anna Gomes.

166

À esquerda, Azarias Dias de Mello, ao centro José Emygdio Ramos Junior e à direita, Sant’Anna Gomes Fonte: Museu Carlos Gomes

Antonio Leal (São Paulo, 02.09.1865)

Natural de São Paulo, contrariou a sugestão de seus pais para tornar-se advogado, preferindo a música e a regência. Aos 16 anos tornou-se organista da Catedral, ali permanecendo por dez anos. Além de violoncelista, foi regente de orquestra de várias companhias de operetas, zarzuelas e líricas, com grande destaque e reconhecimento. Em um período de poucas oportunidades, trabalhou no Teatro Polytheama por dois anos e atuou como organista da Matriz de Santa Cecília em São

167

Paulo. Em Campinas, regeu orquestras em cinemas e participou de concertos ao lado de Sant’Anna Gomes e Azarias Dias de Mello.

Hugo Bratfisch (Araras, 1885 ou 1886 – 1947?)

Músico, professor, maestro e compositor, Hugo Bratfisch – ou Diogo Theodoro Bratfisch, foi figura atuante no cenário das bandas de música do interior paulista no início do século XX. Em meio às incursões pelo estado, que caracterizaram sua trajetória profissional, Campinas destaca-se como uma das cidades com a qual criou mais representativos vínculos.

A partir do registro civil de seu casamento, ocorrido em Campinas em 18.12.1909, sabe-se que era natural da cidade de Araras, nascido entre 1885 e 1886 e filho de Theodoro Bratfisch e Anna Amélia, esta residente em Leme. Casado com Carolina Romano, costureira e natural de Campinas, divorciou-se em 1912, possuindo então dois filhos, Amélia e Francisco.

A atuação de Diogo Bratfisch em Campinas, segundo indicam os almanaques contemporâneos, parece iniciar-se pela Banda Ítalo-Brasileira, da qual foi regente entre os anos de 1910 e 1912. As partituras de seu acervo, por sua vez, registram sua presença na cidade já no ano de 1908. Uma vez que o registro de seu casamento, em 1909, apresenta como testemunhas duas figuras da referida banda, o maestro José Troiano e Martinho Bahde, torna-se provável que sua chegada a esta cidade coincida com sua entrada nessa sociedade musical.

Suas atividades como compositor e arranjador, através de diversas partituras preservadas, acabaram por deixar os vestígios de datas e lugares em que exerceu seus ofícios musicais. As variadas valsas, polcas e mazurcas assinadas em Campinas, por exemplo, indicam a rua Duque de Caxias, n.33, no ano de 1910. Outras peças, por sua vez, registram as cidades de Araras em 1907, Leme, em 1914 e 1918, Itatiba, em 1919, Cosmópolis e Ribeirão Preto, ainda que menos representativamente, e Elias Fausto, durante a década de 1930, lugar com o qual estabeleceu, assim como Campinas, laços mais fortes.

Revelam-se interessantes, da observação de seus manuscritos musicais, as diferenciações em suas assinaturas, apresentadas sob duas formas – Diogo Theodoro Bratfisch e Hugo Bratfisch. O segundo nome passa a figurar nas partituras, segundo o

168 que se pode inferir pelas indicações de data, a partir de 1916. É tal assinatura que se torna predominante em toda a documentação posterior a esse ano, até 1947. Esse nome é também referenciado como pistonista e regente da Sociedade Musical Rebouncense, na atual cidade de Sumaré, por volta de 1917, quando substituiu o seu até então maestro José Moreira Lopes, de Campinas.

Luiz de Pádua Machado (Bananal, 02.02.1856 – Campinas, 17.06.1929)

Professor de piano de grande influência em Campinas, educou-se no Rio de Janeiro, estudando no Instituto Nacional de Música, onde concluiu seu curso aos 22 anos. Casou-se com Maria de Campos da Paz e mudou-se para Campinas, cidade em que lecionaria música durante cinco décadas. Por algum tempo manteve-se no Rio de Janeiro devido ao mau estado de saúde de sua esposa, mas retornou a Campinas por não obter melhoras. Enviuvou em 1894 e casou-se no ano seguinte com Laura de Campos da Paz, também pianista e professora e provavelmente irmã de sua falecida esposa, nascendo-lhe três filhos – Djalma, Laurita e Luizita. Como primeiro professor do Colégio Progresso desde sua fundação em 1900, atuou no ensino até sua morte e foi responsável pela formação de muitas professoras de piano. Fundou o Club Mozart, sociedade musical de longa duração na qual se organizavam concertos pianísticos com o concurso de várias alunas. Seu filho Djlama de Campos Pádua, nascido em 1898, dedicou-se à música, tornando-se pianista e aluno de Luigi Chiafarelli, completando seus estudos no Conservatório Nacional de Música da Argentina. Atuou como regente de orquestras e também como professor no Colégio Progresso, onde fundou o Conservatório Santa Cecília, além de possuir cargos em outras instituições musicais.

169

O professor Luiz de Pádua rodeado de suas alunas no Colégio Progresso Campineiro no início de 1900 Fonte: Acervo do Colégio Progresso

Francisco Chiaffitelli (Campinas, 15.03.1881 – Rio de Janeiro, 1954)

Violinista e compositor, estudou no Conservatório Real de Bruxelas, onde recebeu o primeiro prêmio de violino em 1897. Apresentou-se em Paris, Londres e Haya. De volta ao Brasil, deu concertos com grande reconhecimento. Em 1902 e 1907 esteve em Campinas para apresentar-se no Club Campineiro com sua esposa Orminda Chiaffitelli, pianista. Em 1911, tornou-se professor do Instituto Nacional de Música. Compôs obras como Fantasia Brasileira, para violino e piano, Dança Regional Brasileira e Canção Sertaneja, para instrumentos de arco e Cismas de Matuto, para piano.

170

Francisco Chiaffitelli Academia Brasileira de Música

Mário Monteiro (Campinas, 1900? – 1945)

Filho de Luiz Monteiro e Ana Monteiro, estudou piano com Azarias Dias de Mello, revelando notável precocidade musical. Em 1913, ainda muito jovem, compôs a ópera em três atos sobre tema sacro Ressurreição, com libreto de Benedicto Otávio. Em 1914, agraciado por uma bolsa de estudos, seguiu para o Conservatório de Milão. As dificuldades trazidas pela Primeira Guerra Mundial, no entanto, o trouxeram de volta ao Brasil, onde manteve-se estudando no Conservatório Musical de São Paulo, formando- se aos 16 anos. Dedicando-se ao ensino e à regência de orquestras em cinemas e teatros, voltou à Europa para estudar com o professor Richter em Hamburgo. Também escreveu Suíte Macabra, Catira, de estilo regional, um quarteto para violinos, piano e flauta e outra ópera de temática bíblica, que não chegou a ver representada.

171

Mário Monteiro Fonte: Monografia Histórica de Campinas, p.457

Outros houve que, como regentes, instrumentistas e professores, exerceram reconhecidas funções musicais, mas de origens e de biografias menos conhecidas em seus detalhes. São exemplo os irmãos Di Tullio, ativos na antiga Banda Italiana e alguns de seus membros na Banda Ítalo-Brasileira. José Moreira Lopes, compositor, professor e maestro ocupou a regência de orquestras, que possuíam grande destaque sob sua condução em espetáculos cinematográficos. Nesse ofício também atuaram Francisco Russo e Luiz Provesi, este também pianista e professor. José Troiano, regente e fundador da Banda Progresso Campineiro, atuou à frente da corporação por longo tempo. Salvador Bove estabeleceu-se em Campinas já no século XX, alcançando notoriedade como regente, compositor e pistonista. Foi o organizador da Sociedade Sinfônica Campineira em 1929.

172

Salvador Bove Fonte: História de Campinas. Correio Popular, Suplemento Cultural, 13.02.1969, p.10.

173

3.4 Comércio musical

Casa Genoud

Fundada em 1876 por Alfredo Genoud, o estabelecimento da rua Barão de Jaguara tornou-se uma das principais casas comerciais na oferta de literatura em diversas áreas do conhecimento. Possuía também seções de artigos de papelaria, armarinhos, brinquedos, perfumaria e artigos musicais.

Após o falecimento de seu fundador, passou a ser conduzida sob a razão de Viúva Genoud e Filho até 1903, quando Pedro Genoud tornou-se seu único proprietário. Residindo em Paris, deixou a loja sob a gerência de seu tio, enquanto a mantinha atualizada através do envio de artigos europeus. Em 1912, o estabelecimento mudou-se para um grande e novo edifício na mesma rua, cuja planta viera de Paris, dividindo-se em três seções e com mais de 20 empregados. Incluía também uma tipografia.

Em 1895 anunciava a venda de instrumentos de todas as qualidades: saxofones, pistões, trombones, bombardinos, baixos Elicons, variado sortimento de clarinetes, flautas, flautins, violões, bandolins. Um anúncio de 1901, por sua vez, detalhava os preços, com pistões a 60$ (sessenta mil réis), clarinetes de 13 chaves a 80$, flauta de ébano 5 chaves a 40$, violões de cedro a 30$, cavaquinhos a 16$, etc. Oferecia também cordas Napolitanas e outras para rabeca, violoncelo, violão e bandolim, cordas superiores para violão e rabeca a 300 e 400 reis.

Além de pianos, era constante a venda de partituras de valsas, schottischs, tangos e mazurcas de autores locais, como Moreira Lopes e Sant’Anna Gomes.

Casa Livro Azul

Fundada em 15 de novembro de 1876 por Antonio Benedicto de Castro Mendes, funcionou como papelaria e venda de diversificados artigos de decoração, à semelhança da Casa Genoud, e possuiu também uma desenvolvida tipografia. Em 1889, ao instalar-se no prédio de maiores dependências à rua Barão de Jaguara, passou a exibir seus pianos em um salão, local que se tornou espaço de reuniões e saraus e conhecido como Clube Livro Azul.

174

Antonio Benedicto de Castro Mendes Álbum histórico, ilustrativo, informativo: Campinas, ontem e hoje.

No comércio musical, seu grande diferencial dava-se pelos serviços de importação de pianos norte-americanos e europeus, como os de Scheel In Cassel, Pleyel e Carl Ecke. Os preços em 1899 variavam 800$000 a 1:400$000. Em 1913, a empresa era a única representante do ramo a importar os pianos automáticos dos Estados Unidos, bem como seus rolos de música. Esses pianos encontravam-se à venda por preços entre 1:800$000 a 2:400$000, parecendo alcançar certa popularidade entre os que podiam adquiri-los. A Casa Livro Azul possuiu significativa importância na distribuição do instrumento na cidade, bem como de partituras musicais.

175

Anúncio da Casa Livro Azul Almanaque de Campinas, 1900.

Casa Edison

A filial da matriz de São Paulo estava presente em Campinas ao menos a partir de 1902, à rua Barão de Jaguara. Oferecia completo e variado sortimento de máquinas falantes, como fonógrafos, grafofones, gramofones e zonofones, bem como repertório nacional e estrangeiro para os mesmos, impresso em cilindros, discos ou chapas. Em 1903, por um gramofone Mignon, com seis tubos de óperas, modinhas ou bandas a escolher pediam-se 60$000.

Casa Miguel de Franco

Abriu-se em 1913, franqueando-se principalmente ao comércio de gramofones e seus diversos acessórios, como cordas, tambores, volantes e parafusos. Segundo seu anúncio, o proprietário possuía grandes conhecimentos técnicos em aparelhos, de relógios a fonógrafos, gramofones e cinematógrafos, oferecendo serviços de conserto e reforma de qualquer máquina falante.

176

Outros estabelecimentos de comércio musical eram também a loja Monde Elegant, que oferecia músicas para piano, a Casa Neubern, de gramofones, discos e partituras e a Casa de Pianos Alemã. Alguns profissionais dedicavam-se à fabricação, conserto e venda de instrumentos, como Luiz Marsaioli, fabricante de harmônios e de instrumentos de cordas, e Pedro Barbieri, reformador e comerciante de cordas para violino, violão, bandolim e papéis para música. Fernando Guerra era proprietário de uma fábrica de sanfonas, , violões, guitarras portuguesas e cavaquinhos, em que se consertavam harmônios, caixas de música, instrumentos de banda, além de oferecer sanfonas italianas e nacionais e cordas napolitanas para instrumentos. Ainda Basílio da Silveira oferecia conserto, afinação, troca, venda e aluguel de pianos.

Afinadores de piano encontrados em anúncios de jornais:

Caetano Cazelli, 1898.

José Javarone de Luciano – afinação e conserto de pianos e harmônios, 1899.

Fernando Pezzotti, 1899.

J. F. Gastão – afinador e consertador da Casa Bevilacqua, de São Paulo, 1901.

Sócrates Valeriani, reconstrutor, afinador e consertador de pianos, 1916.

Otto Wintgen, afinação e conserto de pianos, 1916.

Carlos Torres, afinação e conserto de pianos, 1917.

Pedro Cernak, especialista em auto-pianos e harmônios, 1917.

177

Conclusão

Da observação sobre os anos finais do século XIX em Campinas, parece emergir uma cidade de faces ambíguas em meio aos desencontros e processos de reestruturação causados pelos ataques epidêmicos, e cuja vida cultural ressurge com interpretação bastante problematizada. Os abalos sofridos pelos surtos epidêmicos a partir de 1889 foram, na verdade, de efeitos pontuais. Excetuando-se o primeiro e grande surto, que piores consequências trouxe ao cotidiano urbano, ao todo podem-se reconhecer as rápidas retomadas da normalidade pela cidade, que mostrou sua capacidade de regeneração de forma notável.

Embora o abandono de famílias tenha ocorrido, bem como um elevado número de vítimas tenha sido registrado, não houve decrescimento populacional. Como mostraram alguns levantamentos, Campinas continuou em seu movimento de crescimento habitacional. Por outro lado, o desconhecimento das causas da febre amarela e dos meios específicos de controle da epidemia contribuíram para a intensificação dramática de episódio, resultando em percepções e referências marcadamente trágicas.

Atrelada à constância do cotidiano, a vida musical revelou-se indicativo dos recuos e avanços observados em períodos específicos dos anos marcados pela epidemia, bem como também mostrou maior fluência em seu desenvolvimento em momentos de ausência dos surtos. Deve haver um ponto de equilíbrio ao considerar as relações entre a problemática epidêmica e a vida musical, ainda que as conclusões indiquem um quadro favorável.

Certamente as paralizações de atividades culturais, de fato observadas e apontadas como recorrentes durante o agravamento dos surtos, revelam momentos de impossibilidades, e podem ter resultado em desmantelamentos de efeitos de longa permanência sobre organizações musicais importantes. Tais congelamentos e dispersões, embora de duração limitada a alguns meses do ano, levaram, como se viu, ao fim da existência de uma orquestra e ao afastamento de um colégio feminino de grande influência musical para outra cidade, cujos vazios foram preenchidos somente após uma década.

178

O distanciamento de companhias artísticas em visita ao teatro também se fez sensível durante anos inteiros, mesmo em momentos em que o cotidiano havia sido retomado. Por outro lado, em momentos de tranquilidade constante nos períodos de desaparecimento dos surtos, houve considerável movimentação teatral com companhias de ópera, operetas e zarzuelas. Com poucas exceções, observou-se um grande retorno do público à sala teatral para a apreciação dos espetáculos líricos, de forma a apontar a permanência do potencial econômico suficiente para corresponder às ofertas do consumo cultural. Pode-se considerar que, embora o fechamento de empresas e casas comerciais tenha ocasionado casos de regressão do poder aquisitivo, a reabertura de outras, na marcha das recuperações do movimento urbano, e a quase intocada elite cafeeira em sua produção agrícola levaram avante o impulso de recursos financeiros direcionados à vida cultural.

Pode-se dizer, resumidamente, que as principais características da vida musical da cidade foram conservadas, entre a atuação de bandas de música tradicionais e a permanência de mestres e cultores da arte musical, como o maestro Sant’Anna Gomes. No período seguinte aos últimos anos do século XIX, ao aproximar-se um novo século, os círculos musicais e as faces da música cresceram em diversidade e complexidade.

Na marcha das transformações do mundo musical e artístico, em evidência nas maiores capitais do país, manifestaram-se em Campinas as tendências de gêneros musicais que conquistavam seu crescente espaço diante das plateias urbanas, em continuidade ao que se observava há algumas décadas. No jogo das renovações da criação dramático-musical europeia e nacional e das preferências do gosto do público, tomaram a cena com grande consagração os gêneros alegres das operetas e revistas, estabelecendo por décadas sua presença nos palcos campineiros com grande acolhida.

Deixando a cena, a ópera limitou-se a aparecimentos esporádicos, marcadamente a partir dos anos 1900. A valorização dos gêneros de caráter ligeiro e cômico, por sua vez, pareceu contribuir para que os dramas líricos construíssem para si um valor ainda mais distintivo em relação a seus atributos musicais e semânticos, os quais se sobressairiam como forma de diferenciação do gosto em tempos de popularização musical e expansão dos públicos.

179

Esses círculos eruditos do cultivo musical também continuariam a eleger os recitais e concertos camerísticos como forma de apreciação e meio de educação artística. Perpetuando-se com maior frequência nas salas íntimas das associações culturais, a audição musical proporcionada por músicos e cantores de destaque internacional ou local manteve-se como prática relevante, com considerável ascensão a partir da criação de novas sociedades promotoras de reuniões musicais no século XX, como o Centro de Ciências, Letras e Artes e o Clube Semanal de Cultura Artística.

Com o predomínio dos repertórios românticos, perpetuava-se a figura central do músico, tanto na exibição de suas habilidades técnicas como em sua capacidade de oferecer elevação aos ouvintes. As formas de sociabilidade nas quais combinavam-se a música de concerto, a audiência distintiva da elite e a restrição dos espaços privados afirmaram a continuidade dos valores culturais das classes elevadas, dentro dos quais a educação e da apreciação musical seriam tanto os meios como os objetivos para o alcance de maior conhecimento artístico e realização intelectual.

Como parte desse universo circundante tomado pela tônica do positivismo, cujos valores revelaram-se com força na referida cultura intelectual e artística elitista, a educação musical fez-se presente ainda nos currículos escolares e apontou a permanência da valorização dos saberes da arte da música como parte importante da formação humanística. Embora o crescimento da cidade tenha atraído profissionais da música para o ensino local, o aumento do número de professores, dos quais alguns com formação de conservatórios nacionais e europeus, indicou a existência de um campo de possibilidades para a instrução musical. A formação de escolas especializadas, ainda que de natureza institucional e de embasamento curricular aparentemente pouco definidos, atendeu à demanda de um considerável público com firmados interesses nos estudos musicais.

Em meio aos movimentos de expansão dos círculos culturais através do fortalecimento das associações e dos eventos teatrais e musicais, da popularização da música ligeira e das novas formas de entretenimento trazidas pelo cinematógrafo observados no início do século XX, percebeu-se, em contrapartida, um direcionamento oposto no universo musical religioso. De práticas estilísticas, instrumentais, vocais e expressivas com grande influência da música profana durante as celebrações e ofícios

180 da igreja, passou-se à redução e ao controle de tais usos musicais, aplicados segundo as determinações papais.

Como centro diocesano instituído pouco depois da publicação do Motu Proprio de Pio X de 1903, a Igreja de Campinas travou um caminho de retorno às principais tradições litúrgicas católicas, às quais se submeteram o fazer musical. Embora ainda necessários ao acompanhamento das funções religiosas, os músicos e cantores, direcionados por seus regentes, entraram em uma nova lógica de atuação, definida não pela dramaticidade e expressividade performáticas há tempos observadas, mas por outros moldes expressivos, de estilo e de repertórios próprios, afastados do universo secular.

Para além dos conservadores caminhos escolhidos para a música religiosa nos templos da cidade, um mundo secular cultural em grande dilatação agitava-se em meio aos espaços de divertimento. As formas de sociabilidade e entretenimento em diversificação, proporcionadas pelo surgimento de um complexo quadro social cada vez mais amplo no espaço urbano, contribuíram para a geração e ascensão de gêneros da música popular. Canções e tangos, já presentes nas revistas, ganharam espaço através de novos formatos de diversão noturna, como os programas musicais do Cassino Carlos Gomes. Junto ao maxixe, tornaram-se também os principais gêneros do repertório carnavalesco, explorado pelas bandas de música nas grandes festas que passaram a ser ocasiões de intenso ajuntamento popular.

A divulgação dos gêneros populares deu-se ainda pelas vias de modernidade tecnológica dos gramofones e dos aparelhos que o precederam, como o fonógrafo, através dos quais a produção musical de artistas nacionais da música popular ganhou imensa projeção, nos anos iniciais do século XX. Em Campinas, a inserção dos novos suportes de reprodução musical deu-se de forma rápida, acompanhado de notável exploração comercial.

A modernidade chegou à cidade também pelos avanços técnicos da cinematografia, cujas limitações iniciais da não-reprodução de som ofereceu à música e ao músicos excelente espaço de atuação e desenvolvimento. Como primeira necessidade em salas de projeção de filmes, o acompanhamento musical desenvolveu-se na importante figura das orquestras e seus regentes que, embora com função secundária

181 nos espetáculos, fizeram-se alvo de grande apreciação pública, tornando-se elemento de distinção na qualificação dos variados programas noturnos dos teatros e cinemas.

Com repertório marcadamente tradicional, as orquestras tomaram lugar de destaque nos espaços de divertimento. Em um território diferente, as bandas de música ainda prosseguiram em sua atuação pública no entretenimento de passeantes nas praças e jardins e, com maior destaque, nos carnavais e procissões religiosas.

Os caminhos percorridos pela música em Campinas durante a passagem e o avanço dos séculos deram-se segundo as peculiaridades dos contextos gerais e específicos a que esteve condicionada. As relativas rupturas trazidas pela epidemia, bem como as permanências e possibilidades de adaptação das práticas musicais ao período de incertos rumos, no todo, revelaram as características da música na cidade, em seus aspectos de resistência e fragilidade.

O advento da República e o enrijecimento dos valores positivistas na educação e na arte erudita e, por outro lado, as variações e formas complexas da música popular provocadas pela diversificação social presente nas cidades em desenvolvimento, apontam a música e suas formas de apreciação como fruto de embates sociais e ideológicos, e também como resultado das mudanças socioeconômicas em que se inserem os indivíduos. Às vezes, no interior de instituições como as igrejas, a música pode se revelar ainda como terreno de regulações, nascidas de ideais espirituais e filosóficos.

Ainda as transformações tecnológicas no mundo cultural e seus efeitos sobre as práticas musicais, direta e indiretamente, inscreveram o mundo musical de Campinas no seio das renovações trazidas pelo avanço do século XX, alterando o cenário da cidade com o surgimento de novos espaços onde a música também se transformou, assim como seus agentes em suas funções e ofícios.

Por fim, no decorrer deste estudo foi possível recuperar os principais traços e faces do mundo musical campineiro durante tal período de transição e mudanças, observando, a partir dos fragmentos das fontes históricas, como se construiu e se adequou a seus contextos, fossem eles de desmembramentos e desafios ou de renovações e novos caminhos.

182

Bibliografia:

ABRAHÃO, Fernando Antônio. Padrões de riqueza e mobilidade social na economia cafeeira: Campinas, 1870-1940. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, 2015.

ABREU, Alexandre José de. José Pedro de Sant’Anna Gomes e a atividade das bandas de música na Campinas do século XIX. Campinas. Dissertação de mestrado. Instituto de Artes, Unicamp, 2010.

ADORNO, Theodor W. Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

ALENCASTRO, Luiz Felipe (org.). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1997.v.2.

AMARAL, Leopoldo (org.). A cidade de Campinas em 1900. Campinas: Typographia a vapor Livro Azul - Castro Mendes & Irmão, 1900.

______. A cidade de Campinas em 1901. Campinas: Livro Azul, 1900.

______. Campinas: recordações. São Paulo, SP: O Estado, 1927.

Annuário do Lyceu Salesiano N.S. Auxiliadora. Campinas, 1916.

AZEVEDO, Luiz Heitor Correa de. 150 de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1956.

BADARÓ, Ricardo S. de Campos. Campinas, o despontar da modernidade. Campinas: Unicamp/CMU, 1996.

BAENINGER, Rosana Aparecida. Espaço e tempo em Campinas: migrantes e a expansão do pólo industrial paulista. Campinas: Unicamp/CMU, 1996.

BATTISTONI FILHO, Duílio. A vida cultural em Campinas nos anos 20. Campinas: Edição do Autor, 1986.

BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Pioneira, 1977.

BIANCONI, Renata. Dinâmica econômica e formas de sociabilidade: aspectos de diversificação das atividades urbanas em Campinas (1870-1905). Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas, 2002.

BRESCIANI, Maria Stella Martins. O cidadão da República. In: Revista USP, São Paulo, n. 17, 1993. pp.122-135.

CARR, Edward Hallet. “O historiador e seus fatos” In:______. Que é história? Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2006. pp.43-65.

183

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.

DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1977.

DOIN, José Evaldo de Mello. et al. A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no mundo do café (1852- 1930) – a proposta do Cemumc. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.27, n.53, 2007, pp. 91-122.

DUARTE, Raphael de Andrade. Campinas de Outr’ora: coisas do meu tempo por Agricio. São Paulo, SP: Typographia Andrade, 1905.

FAUSTO, Boris. O Brasil Republicano. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo, Difel, 1977. Vol. 1.

FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002.

FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. São Paulo: Global, 2004. pp. 291-351.

GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

KERMAN, Joseph. Musicologia. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987.

KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do século XX. Porto Alegre, RS: Movimento, 1977.

LADEIRA, José M.; OCTAVIO, Benedicto. Almanach de Campinas para 1908. Campinas: Casa Mascotte, 1907.

LAPA, José Roberto do Amaral. A cidade: os cantos e os antros. Campinas (1850- 1900). São Paulo, SP: USP, 1996.

______. Coelho Neto em Campinas (1901-1904). São Paulo, SP: [s.n.], 1960.

LAUERHASS, Ludwig; NAVA, Carmen (orgs.). Brasil: uma identidade em construção. São Paulo: Ática, 2007.

LIMA, José Alves de. O ovo da serpente: Campinas, 1889. Campinas, SP: Arte Escrita, 2013.

184

MAGALDI, Sabato; VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875-1974). São Paulo: SENAC São Paulo, 2000.

MARIANO, Júlio. Campinas de ontem e anteontem. Campinas, SP: Maranata, 1970.

______. Crônica da velha Campinas. São Paulo: Typ. do Departamento de Investigações, 1950.

MARIZ, Vasco. A canção brasileira: popular e erudita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: INL, 1985.

______. Dicionário biográfico musical: compositores, intérpretes e musicólogos. Rio de Janeiro: Philobiblion: INL, 1985.

______. História da música no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2000.

MARTIN-FUGIER, Anne. Os ritos da vida privada burguesa. In: PERROT, Michele (org.). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. v. 4.

MARTINS, Amélia de Rezende. Um idealista idealizador, Barão Geraldo de Rezende. Rio de Janeiro: Of. Graf. Almanak Laemmert, 1939.

MASSIN, J. História da música ocidental. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1997.

MELLO, Fernando Figueira de. “Formação histórica de Campinas: um breve panorama”. In: Campinas, Prefeitura Municipal. Campinas: subsídios para a discussão do plano diretor. Campinas, Pref. Mun. 1992. pp.15-30.

MENCARELLI, Fernando Antonio. A voz e a partitura: teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). Campinas. Tese de doutorado. IFCH, Unicamp, 2003

______. Cena aberta: a absolvição de um bilontra e o teatro de revista de Arthur Azevedo. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

MENDES, José de Castro. Efemérides campineiras (1739-1960). Campinas: Ed. Gráfica Paineiras, 1963.

______. Retratos da Velha Campinas. São Paulo, SP: Departamento de Cultura, 1951.

Monografia histórica do município de Campinas. Rio de Janeiro, RJ: IBGE, 1952.

MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo, SP: EDUSP: EPU, 1974.

185

NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

NOGUEIRA, Lenita W. Mendes. Museu Carlos Gomes: catálogo de manuscritos musicais. São Paulo: Arte e Ciência, 1997.

______. Música em Campinas nos últimos anos do império. Campinas: UNICAMP, 2001.

NÓVOA, Jorge; FEIGELSON, Kristian (orgs.). Cinematógrafo, um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da Unesp, 2009.

OCTAVIO, Benedicto; MELLILO, Vicente. Almanach histórico e estatístico de Campinas 1912. Campinas: Casa Mascotte, 1911.

______. Almanach histórico e estatístico de Campinas 1914. Campinas: Casa Mascotte, [1914?].

PATEO, Maria Luísa de F. Duarte do. Bandas de música e cotidiano urbano. Dissertação de mestrado. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, 1997.

PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, município no império: fundação e constituição, usos familiares, a morada, sesmarias, engenhos e fazendas. São Paulo, SP: Impr. Oficial, 1983.

______. Campinas, seu berço e juventude. Campinas: Academia Campinense de Letras, 1969.

RENAULT, Delso. A vida brasileira no final do século XIX: visão sócio-cultural e política de 1890 a 1901. Rio de Janeiro, RJ ; Brasília, DF : José Olympio: INL, 1987.

RÖWER, Basílio. Música sacra: comentário do Moto próprio sobre a música sacra de Sua santidade Pio X. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Vozes, 1950.

SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro; NOVAES, José. A febre amarela em Campinas (1889-1900). Campinas: UNICAMP, 1996.

SANTOS, Maria Lygia C. Köpke. Entre louças, pianos, livros e impressos: a Casa Livro Azul (1876-1958). Campinas. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação, Unicamp, 2004.

SARTORI, Vilmar. Banda Ítalo-Brasileira/Carlos Gomes: história e memória de uma corporação musical centenária na cidade de Campinas. Campinas. Dissertação de mestrado. Instituto de Artes, Unicamp, 2013.

SEMEGHINI, Ulysses. Campinas (1860-1980): agricultura, industrialização e urbanização. Campinas. Dissertação de mestrado. Instituto de Economia, Unicamp, 1988.

186

SESSO, Geraldo. Retalhos da Velha Campinas. Campinas, SP: Palmeiras, 1970.

SEVERINO, Jairo. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras. São Paulo: Editora 34, 1997. v.1.

SADIE, Stanley (ed.). The new Grove dictionary of music and musicians. New York, NY: Grove, c2001.

STEHMAN, Jacques. História da música europeia: das origens aos nossos dias. Lisboa: Bertrand, 1979.

SUPICIC, Ivo. “Situação sócio-histórica da música no século XIX”. In: MASSIN, J. História da Música Ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. pp.661-672.

RUIZ, Roberto. Teatro de revista no Brasil: do início à I Guerra Mundial. Rio de Janeiro: INACEN, 1988.

TELAROLLI Junior, Rodolpho. Poder e Saúde: a República, a febre amarela e a formação dos serviços sanitários no Estado de São Paulo. Tese de doutorado. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp, 1993.

TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo, SP: Editora 34, 2010.

______. Música popular: do gramofone ao rádio e TV. Petrópolis: Vozes, 1972

______. Música popular: teatro e cinema. Petrópolis: Vozes, 1972.

VIGNOLI, José Antonio Penteado. A Campinas do Dr. Vieira Bueno: o médico dos pobres e seu sucesso: a política e os costumes do século XIX: a febre amarela. [S.I.]: Edição do Autor, 2005.

187

Fontes documentais

Jornais de Campinas

Diário de Campinas (1889 – 1900) Cidade de Campinas (1900 – 1910) Disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth (Coleção CPDS)

Correio de Campinas (exemplares avulsos) Disponível na Biblioteca do Centro de Memória da Unicamp (CMU)

Diário do Povo (1912 – 1923) Disponível no Centro de Documentação do Correio Popular.

Museu Carlos Gomes Partituras dos fundos Hugo Bratfisch e Manoela Pousa.

Centro de Ciências, Letras e Artes Revistas do CCLA e a revista A Onda. A biblioteca guarda um exemplar do Método Musical de Elias Lobo e muitos títulos de grande importância.

Arquivo Histórico do Centro de Memória Processos jurídicos, fotografias, Coleção Ruas de Campinas – informações biográficas.

Arquivo da Câmara Municipal de Campinas Livros de leis e resoluções.

Museu da Imagem e do Som de Campinas Fotografias e livros.

Colégio Progresso Livros administrativos, documentos avulsos, fotografias.

Biblioteca do Centro de Memória da Unicamp Almanaques de Campinas – 1901, 1908 e 1914 Crônicas sobre Campinas Geraldo Sesso, Leopoldo Amaral, Raphael Duarte, Julio Mariano

188

Apêndice

Bandas de música

Abaixo estão relacionados os nomes dos componentes de algumas bandas de música de Campinas, registrados nos almanaques ou publicados nos jornais da cidade:

Banda Ítalo-Brasileira

Almanaque de 1901 Compõe-se de 23 figuras.

Diretor-regente: Constantino Suriani Diretor: Pamphilo Sabatini Tesoureiro: José Troiano Secretário: Rumoaldo Suriani

Constantino Suriani Carlos Hilckner Giuseppe Troiano Paulo Suriani Rumoaldo Suriani Antonio Marotta Pamphilo Sabatini Marco Vivarelli Giovanni Suriani Attilio D’Angieri Michele di Filippis Giustino Scamuffo Gabriel de Vasconcellos Domenico Ciurcio Ernesto Ricci Francesco Tullio Benjamin Constant da Silva Umberto Troiano Pompeo de Tullio Sobrinho Natale Salateo Martinho Bahde Francesco Vevone Clemente Hilckner

Almanaque de 1908 Regente: José Troiano

Ernesto Ricci Martinho Bahde Paulo Suriani Olivio Catuzzo Constantino Suriani Palmerino Suriani Miguel di Filippis Affonso Massarotti Abramo Borgonori Natale Salateo Benjamin Constant da Silva Augusto Moreira Pamphilo Sabatini Attilio Dangieri Marco Vivarelli Miguel Vinhati João Suriani Jayme Pires Domingos de Ciurcio Leonardo Russo Justino Scamuffo Pompeu de Tullio Sobrinho

189

Francisco de Tullio Tito de Mario. Umberto Troiano

Almanaque de 1912 Regente: Diogo Bratfisch

Ernesto Ricci Olivio Catuzzo Marco Vivarelli Alipio de Carvalho Alcibíades Massaini João Lopes de Andrade João Massaini Jayme Pires Sebastião Otero Constantino Suriani Emilio Rossini Francisco de Tullio Palmerindo Suriani Paulo Suriani Eugenio Mancini Domenico de Ciurcio Jorge Prestes Miguel de Filippis João Alves Justino Scamuffo João Suriani Natale Salateo Martinho Bahde Benjamin Constant

Banda Musical Azarias - fundada em 1899 por Manoel da Costa Roriz

Diretor: Manoel da Costa Roriz

Ermano de Fabris João Pofoli Luiz A. Prestes João Savoy Jeremias Pozallo Antonio Pinto dos Santos Brazílio de Arruda Leôncio Duarte de Rezende Leandro de Fabris José Micheloni Affonso Massarotti José Piovezan Joaquim M. do Prado Francisco Thanck Agostinho de Bene Antonio Galvão

190

Banda Musical Carlos Gomes – fundada em 1899 por José Moreira Lopes

Diretor-regente: José Moreira Lopes

Juvenal Placídio da Costa Antonio Ferreira Leite José Calixto Cláudio Monteiro Leonídio de Siqueira Antonio Pereira Franco Didier Monteiro Christiano Wolf Luiz Monteiro Balthasar Carneiro João Pereira Pedro do Nascimento Augusto Moreira José Benedicto de Paula Benedicto de Oliveira Arthur Pinto Ermantino Beltrão Francisco Kohn Joaquim Pereira

Sociedade Musical Lyra de São Benedicto

Professor-regente: Luiz Monteiro

Moysés Caetano Paulo Aguiar João Baptista de Paula Ignacio Alexandre Elias de Oliveira Braulio Alexandre Francisco de Siqueira Mario Antonio Pinheiro Christóvão Ferreira Francisco Antonio de Assis Adão de Oliveira José Candido Frederico de Oliveira Justino Costa Florentino de Oliveira Joaquim Roberto

Banda da Fazenda Chapadão

Organizada e composta por empregados da fazenda de propriedade de D. Isolina Barbosa Aranha, com a direção de Leôncio da Silva.

Firmino Aranha Júlio Miranda Getúlio Aranha Jeronymo Alexandre Carlos Palma Vitalino de Oliveira Herculano Palma Joaquim Bueno Virgílio Palma Leopoldo Bueno Carlos Covizzi Paulino Bueno

191

Banda da Fazenda Recreio

Formada por empregados da fazenda do tenente-coronel José Francisco Aranha, também conduzida por Leôncio da Silva.

Venâncio José Benedicto Avelino de Campos Tertuliano Aranha Octacílio de Campos Arthur Aranha Joaquim Sabará Romeu Aranha Martim do Sul Alfredo Thomaz Horácio do Sul Eduardo Barbosa Oliveira Aranha Osório Thomaz João Anselmo de Campos

Banda Musical Brasileira – fundada em 1919 por Salvador Bueno de Oliveira

José Moreira Lopes José de Assis Joaquim B. de Oliveira Avelino Sabará Adolpho de Godoy Jorge Moura Carlos Alves Evaristo Vilella José Pereira Manoel Seixas Lupércio Ferraz Orlando Salles Pedro Pires Aleixo Lopes Waldomiro Amaral Benedicto de Lima Brasilio de Camargo Carlos de Campos José do Prado João Pinheiro Paulo Brunno Angelo de Souza Benedicto Faustino Biordo João Baptista Pompeo João Bruno de Oliveira Henrique Conrado João Hegler Benedicto Avellar Miguel Longone Francisco Theophilo Agostinho Felippe. Benedicto Duarte

192

Banda Progresso Campineiro

José Antonio Prado Julio Lopes Alfredo Rodrigues Vicente Scicilia Adão Gozzi Vicente Buonicore Raphael Luchezzi João de Almeida Benedicto Faustino Carlos de Campos Caetano Vattrini Roque Zampini João de Canton Armando Troiano Luiz Favalli Antonio Matallo José de Castro Jayme Pires Arthur Fioravanti Alipio Carvalho Lourenço Lupi José Gonçalves Matheus Antonio Rosa Roque Vinhado Arthur Pinto José A. J. Marques

Banda Giuseppe Garibaldi

Regente: Giovanni Gensani

Claudio Penteado João Sarti Antonio Cypriano Affonso Pedroni Braulio de Souza Giuseppe Pissato Vicente Buonicore Roque Zampini Antonio Maragni Eugenio Mariani Giovanni B. de Canton José Mathias Gonçalves Francisco Vinhado João Crosgnach Lindolpho Mattos Antonio Matallo Evaristo Villela

Banda União Campineira

Regente: Leonidio Saraiva de Siqueira

João Baptista Aranha Moysés Caetano Benedicto da Silva Joaquim Porcinica Arthur Puratti Antonio Teixeira Antonio Pinto Francisco de Assis Benedicto Vasconcellos Florentino de Oliveira Paulo Aguiar Elias de Oliveira Nicolau de Souza Costa Mario Pinheiro Venancio José Benedicto Octavio Tavares Francisco de Siqueira Irineu Veranno

193

Banda do Liceu de Artes e Ofícios

Regente: Franklin de Castro

João Baptista Roque José Q. de Rezende Affonso Pozzi Placido Bertolo Guilherme Bertolo Rosario Gualhano José Gualhano Benedicto Apollinario Ignacio L. do Canto Vicente Belluomini Francisco Nery Octavio Marinho Clodomiro Amaral Aldovar V. Salles João Venancio Benedicto Galvão Paiva Domingos de Oliveira José Gomes Carneiro Pio Verardi Valdomiro da Silva Faustino A. de Moura Simão J. P. de Queiroz José M. de Moura Augusto Toledo Durval Aranha João Morelli José Apollinario Orestes Pisani

Banda São Sebastião – Distrito de Valinhos

Regente: Carolino de Almeida

Claudio Ungaretti Cesar Julietti João Antonio Rodrigues Vicente Bruno Umberto Antoniazzi Benjamin Bruno José Abrantes Povoa Silvio Cocon Alberto Rossi Angelo Gago Vital Barbin João Capovilla Caetano Nogulo Carlos Gabetto

194

Banda da Sociedade Musical Reboucense – Bairro do Rebouças

Regente: José Moreira Lopes

João Rohwedder Filho Luiz Rohwedder Julio Santini Tranquillo Menuzzo Sebastião Rapozeiro Luiz Fructuoso Joaquim Rohwedder Antonio da Costa José Maria Barroca Joaquim do Valle Sobrinho Pedro Augusto de Souza Lazaro Pereira de Andrade José Maria Miranda José de Souza Antonio do Valle Sobrinho Antonio Pereira de Andrade Julio Rohwedder Lafayette dos Santos

Compositores e composições

Entre muitos, o saber musical florescia também na forma das práticas composicionais, em geral de gêneros populares e ligeiros, disseminados no ambiente urbano através das bandas de música, orquestras, espetáculos teatrais e gramofones a reproduzirem sempre novas canções. É interessante notar a existência de certa autossuficiência musical, embora muito longe de ser absoluta, no que se refere à composição dos referidos estilos musicais, destinados a enriquecerem os repertórios das corporações locais ou dos grupos orquestrais que se apresentavam pelos teatros e plateias. A impressão das partituras por tipografias da cidade e seu consequente comércios pelas lojas especializadas reforçam a ideia de que se desenvolvia ali um notável percurso musical da criação, desde a composição e a reprodução impressa até a venda e a circulação. Torna-se importante destacar também que as diversas composições locais refletiam as próprias relações sociais entre as pessoas e as instituições, oferecendo um pequeno vislumbre sobre as motivações obliquamente inseridas nos títulos e dedicatórias das peças musicais. Os compositores e as composições apresentadas a seguir foram listados segundo as informações retiradas de periódicos, em sua maioria, ou de acervos documentais. Os anos indicados referem-se à data em que as composições foram anunciadas nos jornais da cidade, e não necessariamente o ano em que as peças foram

195 escritas por seus autores. O fato de serem comentadas como novidades musicais, no entanto, indica que se tratava de músicas há pouco terminadas. No caso de Hugo Bratfisch, há partituras sem data ou local indicados. Dele também podem ser citadas “A mais linda flor”, valsa lenta dedicada a José Pires Neto, prefeito de Campinas em 1930, e “Saudades de Campinas”, oferecida à Gazeta de Campinas, sem data.

Álvaro Bastos Tio Tinoco, polca-tango – 1912.

Álvaro Marcilio O Gavião, samba-picadinho para piano.

Alzira da Costa Carvalho Éden Campineiro, mazurca – 1903.

Antonio Leal Arranjo para piano de Danse Negre, de L. Barés, executada nas funções do T. Rink.

Attilio d’Angieri Virginia, mazurca – 1904.

Diogo Theodoro Bratfisch (Hugo Bratfisch) Ítalo-Brasileira, valsa – 1908. Dedicada à Sociedade Dançante Familiar de mesmo nome. Adella, mazurca – 1908. Aida, valsa – 1910. A Bella Concceta, valsa – 1910. Angelina da Rosa, valsa – 1910. Cacilda, mazurca – 1910. Dona Flauta, polca – 1910. Mirette, polca – 1910. Therezinha, valsa – 1910. Marcha Militar – 1914. Elizinha, valsa – 1916. Dedicada a Eliza Vallerio. Brasileira, marcha – 1919.

F. Amendola Esfola canela, tango – 1916.

F. A. Bucci Nas asas do aeroplano, valsa – 1921. Executada na Praça Carlos Gomes. Escola de Commercio de Campinas, valsa.

Germano Benencase – Vila Americana

196

Saudades de Adelaide – 1917 Agonia Lenta, valsa – 1919. Dedicada a Olavo Bilac Uma luz nas trevas, valsa – 1921 Izaura, valsa sentimental – 1921

João de Paula Castro O Maduro, tango – 1899.

Joaquim Azevedo Filho Imprensa Campineira, valsa.

José Moreira Lopes Risoleta, polca – 1897. Dedicada a Risoleta Lopes Tango da Paulina, para piano – 1899. Morenita, valsa – 1904. Luizinha, valsa – 1904. Flor entre flores, schottisch – 1907. Executada no baile do Club Campineiro. Judith, valsa – 1907. Palmyra, valsa – 1906. Dedicada a Palmyra Penteado. Nunca esquecida, valsa – 1921. O Moderno, tango – 1920. Executado no bosque dos jequitibás pela banda Moreira Lopes. Dance Comigo, tango – 1920. Esposa Mimosa, valsa – 1922. Machadinho, tango – 1922. Silesia, valsa – 1922. Inconsolada, valsa – 1922.

José de Tullio Clorinda, marcha – 1899.

José Pedro de Sant’Anna Gomes Tico-Tico.

Laura Nogueira Glórias na cultura da divina arte, valsa – 1900.

Leopoldo Amaral Ao redor da Campinea, polca – 1899. Dedicada a Joaquim Gomes Pinto.

M. J. Ferreira Penna Barcarola – 1895. Dedicada às alunas de piano.

Manoel Roriz Gracília, valsa – 1904.

197

Mário Monteiro “A Ressurreição”, ópera infantil em 3 atos dedicada ao bispo diocesano D. João Nery. Libreto de Benedicto Otávio. A cigarra, música. Letra de Gil Só (Carlos Macedo). A Princesa na Floresta, ópera infantil.

Pedro Paulo Pinto Lourdes, valsa – 1918.

Rodolpho Grosso Olhar que mata, mazurca – 1921. A bela mulata, tango – 1921.

Salvador Bove Tens o coração sincero, valsa – 1916. Dedicada a Domingos de Andrade. Vamos ao Colyseu, marcha – 1921. Dedicada à empresa Vianna e Bianchi e executada pela Banda Italo-Brasileira na Praça Carlos Gomes.

Zini Nogueira Rêverie d’Enfance, sonatina – 1899.

Professores de música

Segue abaixo a relação de professores instalados em Campinas no período a que se refere esta pesquisa, de acordo com os anúncios publicados em jornais ou dados provenientes de outras fontes. Poucas referências em alguns anos ou mesmo sua total ausência não indicam a inexistência de mestres. Deve-se lembrar de que se trata de informações em fragmentos, e que certamente o universo do ensino particular de música da cidade era maior do que aqui se apresenta.

1889 Presciliano Silva – piano, canto, rabeca e regras de harmonia. Rua Ferreira Penteado, n. 71.

1890 Lições de piano. Rua Alvares Machado, 79.

1891 Joaquina Gomes Henking, piano. Rua da Misericórdia, n. 23.

Theodoro Jahn, piano e outras matérias.

198

1892 Moscatelli – instrumentos de cordas, em especial bandolim.

1893 Manoel José Ferreira Penna, piano.

João Genzani (ex-professor do colégio Azurara em Piracicaba) – lições de música. Rua Regente Feijó, n. 168.

Emil Steudel – canto e piano.

1894 Luiz de Pádua, piano. Rua Dr. Quirino, n. 4.

1895 Emilio Antonio Henking. Rua da Misericórdia, n. 23.

Antonio Monteforte – lições de música. Rua Ferreira Penteado, n. 47.

João F. de Paula Castro – piano e instrumentos de banda. Rua General Osorio, n. 59.

1896 Luiz Monteiro – violoncelo. Rua Campos Salles, n. 32.

1897 Henrique Mausbach, recém-chegado da Alemanha e diplomado pelo Conservatório Musical de Düsseldorf. Leciona e afina pianos. Rua Campos Salles, n. 22.

1898 Professora de piano. Rua Onze de Agosto, n.9.

Professora de piano. Rua Barão de Jaguara, n. 118.

1899 Carlos de Mello – violoncelo. Rua Cônego Scipião, n. 51.

José Nespleda – canto.

1902 Laura de Pádua (esposa de Luiz de Pádua) – piano. Rua Duque de Caxias, n.34.

Julio Ernesto de Oliveira – flauta, violão e etc.

1905 Jeronymo Álvares Lobo – piano e canto.

Guilhermina Ortiz – piano. Rua Barão de Jaguara, n. 130A.

199

1906 Benjamin Meo – piano, canto, instrumentos de sopro e de cordas. Rua São Pedro, n.6.

Alice Gomes Grosso – piano. Rua Antonio Cesarino, n. 34.

1907 Christina Pezzone de Marzagão – piano e canto.

1909 Sebastião Pariato – harmonia, bandolim, violão, piano e instrumentos de sopro. Rua José Paulino, n.62.

1912 Maestro Provesi – piano.

Agueda Ferraz, ex-discípula de L. de Pádua – piano. Rua General Osorio, n.73.

Oscar Zimbres – flauta e violino. Rua General Carneiro, n.28.

1913 Algeo Mafri – flauta violino, piano, etc.

Professor de flauta, violino e piano desde 1892. Organiza orquestras para bailes. Rua Moraes Salles, n.183.

Fritz Gottwald – violino. Ex-discípulo do maestro H. Becker do Conservatório de Leipzig. Rua Regente Feijó, n.44.

Antonio Orestes Penzo – piano e violino.

1914 A.Oppermann – flauta e canto. Rua General Osorio, n.117.

Antonio Leal – piano, solfejo e interpretação de canto. Rua Bernardino de Campos, n.49.

José Moreira Lopes – solfejo, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo e instrumentos de sopro. Rua Duque de Caxias, n.38.

Professora de piano para alunas principiantes. Rua General Carneiro, n. 28.

Professora de piano para alunas principiantes. Rua Treze de Maio, n. 72.

Sylvio de Oliveira Guimarães – música, flauta, violino e clarinete.

Eugenia Franchi – violino. Rua Conceição.

Zico Zimbres – violino. Rua Bernardino de Campos, n.79.

200

1915 Branca Faria de Meirelles, aluna de Luigi Chiafarelli – piano. Rua Barreto Leme, n.9.

Professora de piano, diplomada pelo Conservatório Musical de São Paulo – piano, solfejo e teoria musical. Rua General Osorio, n.124.

Rosette Mayer Franco, ex-discípula de L. de Padua – piano. Rua Saldanha Marinho, n.63.

Salvador Bove – piano e outros instrumentos. Álvares Machado, n.62.

1916 L. de Padua dá cursos preparatórios para o Conservatório do Rio, São Paulo e Europa.

Professor de violino, noções de música e solfejo. Rua Francisco Glicério, n. 108.

1917 Professor de violino. Rua José Paulino, n.41.

Maria da Conceição Meirelles, diplomada pelo Conservatório Musical de São Paulo - piano. Prepara alunos para o mesmo conservatório. Rua Andrade Neves, n.53.

Mario Monteiro, diplomado pelo Conservatório Musical de São Paulo, prepara alunos para o mesmo. Vila Industrial.

Professor Maximiliano – piano e violino. Rua Ferreira Penteado, n.128.

1918 Benedicto José de Camargo – piano e oboé. Afina pianos. Rua Regente Feijó, n.50.

Professor de violino para principiantes a 5$000 mensais. Rua José Paulino, n.41.

1919 Luiza Ferreira da Fonseca – piano. Diplomada pelo Conservatório Musical de São Paulo.

Raphael Rizzo Fausto – preparação para entrada em Conservatórios nacionais e estrangeiros.

1920 Professora de piano, aluna de L. de Pádua. Rua Boaventura do Amaral, n. 15A.

Professora de piano, aluna de L. de Pádua. Rua Ferreira Penteado, n. 86B.

1921 Paschoalina Ziggiatti – piano. Rua José Paulino, n.135.

Professor de violino e solfejo. Rua Culto à Ciência, n. 40.

201

1922 Ada Meyer – piano. Rua Andrade Neves, n.6.

Alcinda de Sá, aluna de Luiz de Pádua – piano. Rua Andrade Neves, n. 85.

Benedicta Simões Botelho – piano e solfejo para violino. Rua José de Alencar, n.90.

Outros professores descritos no almanaque de Campinas de 1901

Azarias Dias de Mello, vários instrumentos. Francisco Moreira Lopes, José Braccheto, violino e piano. José Pedro de Sant’Anna Gomes, violino. José Troiano, vários instrumentos. Júlia de Toledo, piano. Ludovica de Andrade Santos, canto e piano. Manoel da Costa Roriz, vários instrumentos. Perpétua Duarte, piano. Ana Gomes, piano.

iii