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OGLOBO

José Eduardo Guinle fará livro CINEMA sobre bastidores do Copacabana RUSSELL Palace SEGUNDO Gente Boa pág. 7 CROWE CLEO GUIMARÃES ESTRELA O ÉPICO CADERNO BÍBLICO ‘NOÉ’ DOMINGO 23.3.2014 oglobo.com.br pág. 8 50 ANOS DO GOLPE _ Autores, músicos, diretores, artistas visuais e atores contam como tiveram suas vidas viradas do avesso e o que fizeram para resistir à censura em 21 anos sob regime militar QUANDO A ARTE FOI À LUTA

MARCOS ALVES GUITO MORETO FOTOS DE FABIO SEIXO

TOM ZÉ ROBERTO FARIAS JOÃO CARLOS MULLER CHAVES MARCOS ALVES MÔNICA IMBUZEIRO

SILVIO TENDLER ANTONIO MANUEL ODAIR JOSÉ BETTY FARIA MARCOS ALVES MARCOS ALVES

GILBERTO BRAGA JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA CARLOS ZILIO LAURO CÉSAR MUNIZ

CRISTINA TARDÁGUILA décadas no dia 31 —, além das visões dos colunistas a música se expandiu com força nos festivais. Nos da pelo CPC. O Chico (Buarque), por exemplo. [email protected] e Adriana Calcanhotto. Os relatos anos 1980, houve a diversificação dos produtos, e a Entre 1960 e 1980, o Brasil viveu o boom da in- MAURÍCIO MEIRELES deixam evidente também que, em contrapartida ideia de inimigo comum se perdeu um pouco. dústria cultural. Aparelhos de TV popularizaram- [email protected] àqueles 21 anos sob ditadura, viveu-se um dos perí- Na ditadura, o conflito entre a função política se entre a classe média e ajudaram a consolidar a odos mais férteis da produção cultural do país. da arte e seu valor estético borbulhava. Alguns a “integração nacional”. A música foi beneficiada ernanda Montenegro foi ameaçada de mor- Consolidaram-se, naquela época, nomes que se- defendiam como instrumento de luta, outros disso, sobretudo com os festivais da canção. te pelo telefone. Do outro lado da linha, uma guem como referência nas artes nacionais. priorizavam o estudo da forma. — Naquele momento, os setores mais dinâmi- F voz disse que ela levaria “um tiro certeiro na A combinação de diferentes elementos contri- — Era, no fundo, uma briga que começou na Gré- cos eram protagonizados por uma classe média testa”. Dias mais tarde, uma bala estraçalhou a ja- buiu para tal fertilidade, dizem especialistas. A cia e, ao longo da História, foi para lá e para cá — de oposição. Não necessariamente de esquerda nela do quarto onde ela descansava. Na mesma existência de um inimigo comum somou-se à ex- explica Heloisa Buarque de Hollanda, pós-doutora ou revolucionária. Os quadros intelectuais dessa época, José Celso Martinez Corrêa e seus compa- pansão da TV e da indústria cultural no país, dan- em Sociologia da Cultura pela Universidade Co- indústria eram recrutados entre universitários. nheiros do mandaram a bela italia- do origem a um ambiente em que a criatividade lumbia e coordenadora do Programa Avançado de Essa é uma contradição rica e interessante do pe- na que trabalhava na bilheteria do grupo a Brasília ganhou fôlego para combater o moralismo hostil Cultura Contemporânea (PACC/UFRJ). — Um per- ríodo — aponta Marcos Napolitano, doutor em para dormir com um censor e descolar a liberação das fardas. Foi o tempo da linguagem cifrada, das sonagem forte foi . Ele repetia: “Não História Social pela Universidade de São Paulo. da peça “O rei da vela”. Roberto Farias apresentava críticas nas entrelinhas e da ironia dos cartuns. vou falar, a minha estética é que tem que falar”. Passados 50 anos, uma das principais conse- “Pra frente, Brasil” no quan- Para pesquisadores da área, as duas décadas quências do golpe, na opinião de especialistas, foi a do soube que o filme havia sido censurado. Na- de ditadura podem ser divididas em três perío- EM SEGUNDO PLANO escassez dos espaços de debate na cultura, como quele dia, ele fazia 50 anos, mas a revolta se sobre- dos distintos. O primeiro, entre 1964 e 1967. O No extremo oposto estavam os membros dos eram o Cine Paissandu e a cantina do MAM. pôs à alegria de ter levado o prêmio de melhor fil- segundo, de 1968 à Anistia, em 1979. E o terceiro Centros Populares de Cultura (CPC) da União — Antes do golpe, as pessoas se reuniam para fa- me do festival. Tom Zé foi preso duas vezes e des- nos anos 1980, na redemocratização do país. Os Nacional dos Estudantes (UNE), que sonhavam lar de cultura e política. Esses lugares não eram ape- cobriu que, nas prisões políticas da ditadura mili- três reverberam até hoje na produção brasileira. criar uma “arte popular revolucionária”. Eles en- nas guetos. Havia gente de todo tipo. Eram espaços tar, cada detento tinha que pagar 70 mil cruzeiros à — Na primeira fase, vemos um deslocamento da cenavam peças em portas de fábricas e sindicatos de cruzamentos e não só de contemplação. Isso polícia e dedurar um companheiro. Nas artes visu- cultura da elite para a classe média — afirma Mô- para conquistar trabalhadores para a luta política. acabou junto com a repressão — diz Mônica. ais, o regime não foi mais brando. Antonio Manuel nica Almeida Kornis, doutora em Ciências das Co- Desmantelado em 1964, o grupo teve como últi- Para os especialistas, no entanto, diferentemen- fugiu de Salvador depois que a Bienal da Bahia foi municações da Fundação Getulio Vargas. — Até mo presidente o poeta . Hoje, ele te do que ocorre na Argentina e no Chile, a arte fechada pelo Exército. Ele jamais recuperou o pai- 1968, do ponto de vista formal e artístico, havia considera “ultrapassados” aqueles ideais: brasileira ainda não se apropriou daquele mo- nel. Tempos depois, novamente foi proibido de uma busca por uma linguagem inovadora. Naque- — A preocupação em fazer a revolução era de tal mento. O golpe segue um tema em aberto. l exibir uma obra, numa exposição no Rio. “Foi co- le ano, “O bandido da luz vermelha” (de Rogério ordem que a arte ficava em segundo plano. Aos mo se me mutilassem”, diz. Sganzerla) trouxe a frase que define bem o mo- poucos, fui mudando minha poesia. No começo WEB Esta edição reúne testemunhos desses e de ou- mento posterior: “Quando a gente não pode nada, era mais política do que poética. Vi que não era por oglobo.com.br/cultura tros artistas que tiveram suas vidas viradas do aves- a gente avacalha”. A censura era fortíssima. Mas a aí. O que a gente estava fazendo era comício — diz Depoimentos em vídeo, músicas da época e so pelo regime militar — cujo início completa cinco TV se nacionalizou, a indústria cultural explodiu, e ele. — Mas uma geração de artistas foi influencia- um mapa do exílio de artistas e intelectuais