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UMA DAMA NA CENA LIVRE

Eva Wilma, uma dama da arte de interpretar, vê possibilidade de a programação de televisão, principalmente das educativas, ajudar na conquista do direito à cidadania

Eva Wilma Buckup, nos primeiros anos domada. No vigor de sua sabedoria, Eva da década de 50, foi bailarina do Balé Quar- Wilma tem apostado no trabalho de qualida- to Centenário; começou sua carreira, simul- de e no respeito ao público, o que pode ser taneamente, no teatro, no cinema e na televi- constatado no trabalho que ora realiza no são. Trabalhou, durante dez anos, com seriado para televisão Mulher. Sua garra e Cassiano Gabus Mendes, na TV Tupi, na co- talento poderão ser vistos em novos traba- média de costumes Alô, doçura!, sem dúvida lhos no teatro e, quem sabe, futuramente, um dos programas precursores de nossa tele- também no cinema. dramaturgia. Confissões de Penélope (1970) Por Roseli Fígaro foi outro seriado de sucesso, do qual partici- pou por mais de dois anos. No cinema, tra- Revista Comunicação & Educação: balhou com Procópio Ferreira, Roberto e Eva, você começou sua carreira artística co- Reginaldo Farias, Luís Sérgio Person, entre mo bailarina, fale um pouco dessa sua expe- outros, em produções como O craque, Chico riência. Como você chegou ao teatro e à te- Viola não morreu, A ilha e São Paulo SIA. levisão? Como as diferentes linguagens, a No teatro, ao lado de José Renato, participou da música e a do teatro, contribuíram na sua do nascimento do Teatro de Arena e traba- formação? lhou, entre outras, nas peças Esta noite é Eva Wilma: Eu tinha muito estímulo nossa, O demorado adeus, Uma mulher e três em casa. Minha mãe era concertista de pia- palhaços. Com Antunes Filho, Lílian no, mas abandonou o trabalho pelo casa- Lemertz, Lklia Abramo e Maria Zlma percor- mento, e meu pai, cantor, ele era tenor. reu, entre 1977 e 1978, as principais capitais Além disso, a educação escolar, naquela do país, encenando a peça Esperando Godot, época, era bem consistente. Tinha muitas de Samuel Beckett. Querida mamãe, O preço aulas particulares e a minha formação foi se e Love letters são trabalhos teatrais que rea- encaminhando para o que chamaria de vo- lizou nos anos 90. Ainda na televisão, entre cação. Gostava de estudar, além de línguas, as muitas novelas em que trabalhou,pode-se canto e instrumentos musicais e, mais ainda, destacar os grandes sucessos de Mulheres de das aulas de dança. No início da década de areia, , , Pátria 50, tive minha primeira oportunidade de minha, (primeirafase) e A in- profissionalização. Isso foi importante para Comunicação & Educação, São Paulo, (14):76 a 88, jan./abr. 1999 77 mim, porque os meus pais estavam em uma inspirou em um programa de rádio criado situação difícil, por causa da Segunda por um homem genial, que era seu pai, o Guerra. Meu pai era alemão e, mesmo aqui Otávio Gabus Mendes. O programa chama- no Brasil, os cidadãos comuns alemães fo- va-se Encontro das cinco e meia', e tinha ram perseguidos a troco de nada: ele perdeu um mote infinito: o encontro entre um ho- o emprego, a colocação, enfim. E eu ganhei mem e uma mulher, sempre personagens di- a consciência de ter que ir à luta, o que foi ferentes, idades diferentes, classes sociais muito produtivo para mim. diferentes, mas sempre uma relação diverti- Consegui começar minha vida profis- da, com a proposta de comédia de costumes. sional no Balé Quarto Centenário. No ter- ceiro mês desta oportunidade maravilhosa, Assim comecei a minha carreira de participei da coreografia da peça atriz. Era uma época em que se fazia TV Passacaglia, de Bach, era 1953. Momento ao vivo. Estudava o script pela manhã, en- bonito da Vera Cruz, companhia cinemato- saiava o programa à tarde e, à noite, fazia gráfica brasileira. E momento bonito tam- ao vivo. bém para José Renato e John Herbert, por exemplo, que saíam de um centro de estu- Depois, na época de filmagens, con- dos cinematográficos, na Itália, e sonhavam trolava os dias de filmar e o trabalho no não só com o cinema, mas também com o Teatro de Arena. Sei que de 1953 a 1955 teatro. José Renato levantou o primeiro tea- consegui coordenar essas três coisas. tro de Arena da América Latina. E o teatro Consegui me firmar no Teatro de Arena, do José Renato começou a me fascinar. principalmente em 1954, quando entrei Acompanhava John Herbert nas filmagens e substituindo uma atriz numa comédia ingle- os acompanhava também nos ensaios tea- sa ligeira, divertida, que foi o primeiro espe- trais. Isso, aos domingos, porque, durante a táculo do Arenaz. Chamava-se Esta noite é semana, eram sete, oito horas de trabalho nossa. Era um tipo de experiência muito en- com a dança. De repente, tive três convites riquecedora. Foi muito interessante esse co- simultâneos, praticamente todos no mesmo meço com José Renato, e aí comecei o meu mês. E eram convites profissionais, muito "autodidatismo". Não havia ainda escola interessantes. O de cinema era um contrato dramática. Digo autodidatismo entre aspas, de dois anos com a Multifilmes, ou seja, porque convivi com mestres como José significava uma bela estabilidade econômi- Renato, como Kusnet, com quem procurei ca. O convite de teatro era um idealismo e, fazer cursos, e de todas as pessoas com as para mim, seria como se fosse uma conti- quais trabalhei, principalmente aquelas que nuidade da dança. Era entrar no picadeiro e me dirigiram, cito sempre em primeiríssimo me expressar inteiramente só que, desta vez, lugar Antunes Filho. Essa escola, dessas usando a voz, a fala. O convite de televisão pessoas, me fazia estudar muito. O segundo era do Cassiano Gabus Mendes, que havia espetáculo do Arena foi muito interessante, três anos dirigia a primeira televisão da estreei dois textos: Judas em sábado de ale- América Latina. Ele era diretor artístico e se luia, de Martins Pena, e O demorado adeus,

1. Ver mais sobre esse período do rádio e da televisão brasileiros em: FÍGARO, R. No tempo da TVartesenal. (Entrevista com Mário Fanucchi). Comunicação & Educaçáo. São Paulo: CCA-ECA-USPI Moderna, n. 9, set./dez. 1997. p. 69-87. 2. Ver mais sobre o assunto: F'ÍGARO, R. Um artista do povo. (Entrevista com ). Comunicação & Educação. São Paulo: CCA-ECA-USPModerna, n. 5, jan./abr. 1996. p. 62-77. Uma dama na cena livre de Tennessee Williams. O espetáculo come- naquela época, todos chegaram a nos con- çava com O demorado adeus, uma peça vencer de que, casados e pretendendo for- mais densa. Lembro-me de que, quando as mar uma família, não havia possibilidade de luzes se acendiam, tinha que estar de com- continuar trabalhando como atores. Então, binação em cena. Para mim foi uma prova nós nos mudamos para o , de fogo, com os meus dezoito, dezenove porque o John Herbert conseguiu um em- anos, naquela época, em 1953! Depois des- prego como advogado numa firma de mar- ta experiência, o José Renato concebeu o cas e patentes. Mas, três meses depois, nós terceiro espetáculo. Ele escolheu uma peça estávamos no palco do Teatro Municipal do francesa muito interessante que se chamava Rio, dirigidos por Rogério Jacob, com a pe- Voulez vous jouer avec moi?, de Marche1 ça Lição de botânica, de Machado de Assis. Achard, é uma brincadeira com a palavra E eu já estava no terceiro mês de gravidez. comigo, enfim é uma peça brincalhona, co- Então, de lá para cá, fiz trinta espetáculos mo se fosse um espetáculo de circo; em por- teatrais, dos quais me orgulho muito. Al- tuguês nós a chamamos de Uma mulher e guns, durante três anos, com algumas pe- três palhaços. Eu entrava em cena logo no quenas interrupções. Ter rodado o Brasil to- início, como uma bailarina, dizendo: do com três ou quatro deles como produto- "Querem representar comigo? Bom dia, pa- ra. Ter levado, por exemplo, Esperando trão.. . Bom dia patrão.. ." ; era a brincadeira Godot de Samuel Beckett, com direção de dos trocadilhos dos palhaços, enfim, é uma Antunes Filho, para 17 capitais e 13 cida- peça próxima do Teatro do Absurdo, mas des. Bancando tudo isso e com os teatros não totalmente. absolutamente lotados. Quando montamos Esperando Godot Nós nos apresentávamos em fábri- fiquei muito cismada porque não consegui- cas, em residências, em festas para as mos teatro em São Paulo e nem no Rio de quais nos contratavam, ou seja, o famoso Janeiro. Propus, então, estrearmos em Bra- teatro a domicílio que dizem que apare- sília. Realmente me orgulho muito de ter si- ceu recentemente, nós o fazíamos em do eu que propus tudo, e o fiz pela primeira 1954. Adorava fazer esse espetáculo, tem vez. Neste período, já estava recém-desca- coisas lindas. Essa peça, Uma mulher e sada, vivendo em um casarão alugado, so- três palhaços, nos deu condições de cons- zinha com os meus dois filhos. Pela primei- truir o Teatro de Arena, que é o atual tea- ra vez na vida fui receber o meu salário, pe- tro Eugênio Kusnet, em São Paulo, literal- la primeira vez escolhi que texto gostaria de mente construir, nós batemos pregos lá. fazer, pela primeira vez fui escolher a minha parceira como sócia, e aqui vai a minha Também nos levou para o Rio de Ja- grande homenagem póstuma a Lílian neiro, ao Palácio do Catete, no governo Lemertz, uma atriz maravilhosa e, também, Café Filho, tivemos como público todos os ao Antunes Filho. Tenho a carta na qual ele ministros de Estado. Ela transformou-se em diz querer muito ser nosso sócio, mas não sucesso nacional. Fui capa de todas as prin- aceitamos. Ele já tinha sido sócio duas ve- cipais revistas. No ano seguinte, havia a ne- zes e queríamos realmente que ele descan- cessidade de tentarmos uma vida mais está- sasse das reponsabilidades da produção. Os vel. Já estava casada com o John Herbert e, responsáveis pela produção éramos eu, Comunicação & Educação, São Paulo, [ 141: 76 a 88, jan./abr. 1999 79

Marcos Franco e Lílian Lemertz. O Antunes sou tudo, voltamos para o lugar, chamamos se apaixonou pelo trabalho e, no meu enten- a Maria Ilma e a Lélia Abramo, olhamos der, fez como diretor um grande espetáculo. uma para a outra e dissemos: "Bom, em que Estávamos em 1976, 1977 e você poderia pedaço nós estávamos?". Ouvi a maior ova- traduzir - como pelo Brasil traduziram - ção que já tinha ouvido na minha vida. Esperando Godot por Esperando a demo- Aliás, tenho muitas outras histórias dessas cracia. Antunes Filho escreveu um artigo para contar, mas eu não sei por que engrenei muito bonito para o programa da peça. nessa neste momento. Foi muito gratifican- Falava sobre a carnificina da Segunda te aquele público estudantil, aquela platéia Guerra Mundial, a qual se equivalia, em lotadíssima do teatro da Escola Parque, termos de carnificina, ao que acontecia nos aplaudindo. Tenho muito orgulho de ter fei- porões da ditadura. to esse trabalho sem nenhuma ajuda oficial, com o apoio de uma empresa aérea, de uma Em Brasília, na estréia, para minha televisão na qual havia trabalhado durante grande alegria, um jornal, que ainda 25 anos, a Tupi, que nos ajudou no sentido guardo, se referiu a peça com a manche- de, nas capitais, eles nos darem prioridade te: As flores e frutos de Eva. quanto ao anúncio. Nós tivemos a colabora- ção também das secretarias de Cultura das Inclusive, no último espetáculo do do- cidades onde nos apresentamos. Fazíamos mingo, havia um tumulto muito grande na porta do teatro, feito pelos estudantes que assim: segunda-feira, viajávamos e, quando não tinham conseguido lugar. Nós decidi- chegávamos a uma capital, a Lílian e eu mos, então, liberar para que eles se sentas- íamos para a Secretaria de Cultura pedir a sem no chão, conseguimos licença da segu- estadia dos outros treze colegas que compu- rança, e o teatro ficou realmente muito lota- nham a nossa equipe. Gosto muito de lem- do. Quando a Líiian, eu, a Lélia Abramo e a brar que, das dezessete capitais, praticamen- Maria Ilma estávamos em cena, um spot es- te dez ou onze concederam estadia. Em uma tourou, aconteceu um princípio de curto-cir- delas a experiência foi adorável. O secretá- cuito e um pequeno tumulto na platéia. A rio de Cultura da Paraíba, em João Pessoa, Maria Ilma pegou todos os pertences do antes de conceder as estadias, disse: "Eu personagem que ela fazia, que era um burro acho que dá, mas... gostaria de uma coisa de carga, e saiu de cena; a Lélia Abramo, em troca: três palestras do seu grupo para os que representava o poder, saiu para o cama- meus grupos de teatro". Fiquei muito feliz, rim; e a Lílian e eu imediatamente demos porque a proposta do secretário, na verdade, um pulo para a frente, para a boca de cena e para nós era um outro presente. E nós de- levantamos as mãos para o público. mos as três palestras no próprio teatro. Lembro-me de que eu disse "Calma!, Convidei a equipe toda para participar, do Caalmaaa!", como personagem, todo mun- diretor de cena ao motorista que conduzia o do sentou e ficou calmo. Enquanto isso o caminhão com o cenário: tenho muito pra- Marcos Franco tirava o extintor de incêndio zer em contar essas histórias todas. Nem da parede, jogava espuma pelas escadas e Lílian Lemertz, nem eu, nem Marcos subia no palco, e o nosso diretor de luz en- Franco, nosso produtor executivo, ficamos trava em cena com a escada e dominava o ricos com o sucesso desse trabalho. Nós problema. Quando ele tirou a escada e pas- conseguimos pagar o leite, o aluguel e a es- Uma dama na cena livre cola das crianças durante os dois anos da tocará as emoções das pessoas, que as fará carreira da peça, sem sufoco. se emocionar e refletir, se divertir, se encan- Enfim, foram trinta espetáculos tea- tar, se revoltar e saírem levando muita coisa trais, dezenove filmes, dos quais São Paulo para casa. Ou seja, o espaço básico deste ti- S/A é um clássico, ganhou muitos prêmios; po de acontecimento, da reflexão sobre Cidade ameaçada, de , tam- qualquer discussão é o teatro. É o espaço cê- bém. Foram trinta novelas, além de teletea- nico livre, digo isso porque pode ser inclu- tros, de programas especiais e de seriados. sive o espaço cênico do teatro de rua. É a O seriado Mulher, que faço atualmente, é o mágica da representação de um ser humano quarto. Fiz o Alô, doçura! que durou dez fazendo de conta que é outro ser humano, anos, com várias interrupções, mas durou. contando histórias, encantando outros seres Fiz o seriado Confissões de Penélope, de humanos diretamente. Mas, hoje a televisão Sérgio Jockyman, antes dele fiz A de Amor, é o meio de comunicação de massa mais de Lauro César Muniz, e agora Mulher. São abrangente. Quando a TV chegou, foi muito mais de quarenta anos de teatro, cinema e combatida e continua sendo. Os intelectuais televisão, às vezes, simultaneamente. do livro, muitas vezes, dizem: "Desculpem, eu não tenho tempo, eu não vejo". Acho que RCE: Nos anos 60, o teatro teve um eles perdem um pouquinho, eles deveriam papel muito importante enquanto espaço de arranjar meia hora por semana para ver tele- discussão, de crítica social. Quero que você visão. Esse meio de comunicação é absolu- me fale mais sobre isso e me diga qual dos tamente fascinante. meios de comunicação exerce hoje papel se- melhante àquele que o teatro exerceu na- A televisão veio para ficar, não quela época? adianta combatê-la, ela tem que ser usa- Eva: A sua pergunta é muito abran- da, e bem usada por seres humanos pen- gente e abre espaço para colocar a minha santes. Quanto ao cinema, tenho fascínio maneira de pensar sobre isso. O teatro é, e por ele e, felizmente, está sendo retomado será sempre, o meio de comunicação essen- depois do desastre do governo Collor, sem cial para a reflexão. Sou a favor de todos os falar no desastre da repressão e da dita- tipos de teatro. Deve existir o teatro de en- dura toda. Estamos vendo uma luz gran- tretenimento simplesmente, deve existir o dinha no fim do túnel. Estou vendo que a teatro de chanchada, o teatro mais herméti- produção cinematográfica nacional, que co, o teatro de grandes discussões políticas, sempre foi da maior importância, já está contestatório. Pois o espaço do aconteci- se levantando novamente. Ambos, por- mento teatral é o mais mágico de todos. Ele tanto, são um meio básico de comunica- é o espaço de seres humanos se comunican- ção, os quais não dispenso: o cinema - a do diretamente. Porque, por mais tecnolo- telona, e a televisão - a telinha. gia, por mais que a informática se desenvol- va, por mais que Gerald Thomas coloque RCE: Você fez São Paulo S/A, filme fumaças, os Peters Greenaways e os de Luís Sérgio Person, que é importantíssi- Spielbergs usem efeitos especiais, nada mo na história do cinema brasileiro. substitui um ser humano dizendo um texto, Gostaria que você falasse um pouco desse que chegará a outros seres humanos e que filme e da sua experiência com o cinema. Comunicacão & Educacao, São Paulo, [ 14): 76 a 88, .jan./abr. 1999 81

Eva: O primeiro filme que fiz chama- va-se O homem dos papagaios, dirigido por Armando Couto, com Procópio Ferreira, Leite Velozo e Hélio Souto. Foi tudo simul- tâneo, o Teatro de Arena, o cinema e a tele- visão, tudo em 1953, quando pedi demissão do Balé Quarto Centenário. Quando termi- namos as filmagens de O homem dos papa- gaios, o diretor e o produtor, com muito jei- tinho, vieram me explicar que eles tinham que me dublar. "Mas por quê?', perguntei. Eles me disseram: "Vamos mostrar os co- piões para você". Quando vi a minha figura Eva Wilma como Altiva, personagem da novela e me ouvi falando, dei muita risada. Hoje restaurados: o Santa Rosa, de João Pessoa, em dia quando vejo algumas estrelinhas no- que é inteirinho de pinho de riga, está res- vas falando na televisão, lembro-me disso. taurado e provavelmente é o mais lindo de Esse acontecimento, para mim, foi ótimo, todos; o José de Alencar, de Fortaleza, intei- porque fui imediatamente trabalhar a voz e ramente restaurado, maravilhoso. no segundo filme não fui mais dublada. Felizmente, também o Arthur Azevedo de Nunca mais deixei de trabalhar a voz, que é São Luís de Maranhão, totalmente restaura- um instrumento importantíssimo do ator. do. O Teatro Amazonas, em Manaus, e o Depois tive a oportunidade de fazer, na Teatro São Pedro, de Porto Alegre, total- Multifilmes, O craque, com direção de José mente restaurados, graças à luta de dona Carlos Burle, é um filme sobre futebol. Tive Eva Sofer. Foi uma fase bonita. Então, as contato com a Atlântica, com a história do filmagnes de Chico Viola, no Rio de cinema de chanchadas, travei conhecimento Janeiro, foram uma experiência muito inte- com esse tipo de filme, contracenei com ressante. Este filme foi uma co-produção da Marlene, com Luís Delfino, ganhei muitos Atlântica com uma empresa , o prêmios e ninguém teve que me dublar, foi produtor era o e o diretor era o meu segundo filme. No cinema, ator du- o argentino Roman Vignolli Barreto. Meu blado não concorre a prêmios. O terceiro personagem tinha uma boa dose de drama- filme foi A sogra, de Armando Couto, do ticidade e acho que consegui fazê-lo bem. mesmo estilo que O homem dos papagaios, Já estava melhor preparada como atriz e, com Procópio Ferreira também e, como foi com Chico Viola, ganhei o prêmio Saci e do mesmo estilo, não chegou a me acres- também alguns outros prêmios. Depois dis- centar muitas coisas. O quarto filme foi so, participei de outros dois filmes que são Chico Viola não morreu, filmamos no Rio significativos para mim: A ilha, de Walter de Janeiro e, para mim, foi uma aventura Hugo Khoury, que me deu também uma ex- fantástica. Só tinha ido ao Rio uma vez, aos periência fantástica. Aprendi coisas muito 15 anos, quando saí com a professora do ba- interessantes com o Khoury, ele é um este- lé, num navio, em turnê, dançando em todas ta, principalmente da figura feminina. O ou- as capitais, nos teatros monumentos do tro filme foi Cidade ameaçada, do Roberto Brasil inteiro. Hoje todos esses teatros estão Farias. A personagem que interpretei e o Uma dama na cena livre próprio filme exigiram muito mais de mim. consegui fazê-las bem. Ou seja, dentre as O Roberto filmou a história verídica de um muitas cenas das quais participava, avaliei bandido apelidado de Promessinha e que no que havia duas que significavam grandes filme se chamava Passarinho. E eu era a mu- momentos do filme e, se eu não fizesse lher desse personagem, interpretado por aquelas duas até o fundo da minha alma, Reginaldo Farias. A direção do Roberto foi, não faria o trabalho do jeito que queria fa- para mim, um aprendizado altamente praze- zer. O resultado parece que foi bom, pois roso no campo do cinema. Nós filmamos uma delas se transformou na abertura do fil- muitas noites com chuva, eram cenas dra- me. Fiz o desenho da personagem na minha máticas; filmamos em um plantão de polí- cabeça, e isso bateu com a sintonia do cia, de madrugada, no plantão médico, fil- Person. Acho que no cinema quem mais mamos na penitenciária, lá dentro mesmo. realiza é realmente o diretor, o maestro da Eram cenas fortes, consistentes e com esse obra. Parto sempre do ponto em que o texto filme viajei para a Europa pela segunda vez. é uma partitura, o diretor é um maestro e os A primeira vez tinha ido a Londres. Nessa atores são os instrumentos. O cinema per- segunda viagem, fomos representar o Brasil tence mais ao maestro e a minha sintonia na Semana do Cinema Brasileiro, em Roma, com o Person foi total. Sintonizei perfeita- com o filme Cidade ameaçada, e também mente também com o iluminador Ricardo no Festival de Cinema Latino-Americano Aronovich, que agora está famoso, um ar- de Santa Margarida Ligori, na Itália. Este gentino que ficou na Europa. Ele está na vôo foi cheio de cineastas e jamais esquece- crista da onda, é um grande artista, um rei a figura do Almeida Salles, completa- grande iluminador e um grande diretor de mente dopado de medo de pisar no avião. fotografia. Para mim esse tripé é muito im- Ele tinha pavor de avião, então, além de cal- portante: o entrosamento do ator, com o di- mantes, foi um ótimo pretexto para ele esva- retor e com o diretor de fotografia. ziar brindes e brindes de champanhe. O avião inteiro era do grupo que foi para a O último filme que fiz, e já faz al- Semana do Cinema Brasileiro, em Roma. gum tempo, foi Feliz ano velho, roteiro e Foram momentos absolutamente inesquecí- direção de Roberto Gervitz Nele tive veis para mim, porque, além do Festival de apenas uma participação importante, Santa Margarida, tive o prazer de conhecer mas pequena: interpretei a mãe do herói toda aquela Costa da Itália, ver outros fil- da história. Meu personagem tinha um mes. Em Roma, nós visitamos os estúdios da monólogo que me deu a chance de colo- Cinecittá. Tive o privilégio de fazer um pou- car a minha alma, porque era um desaba- co de boêmia, depois da projeção de nosso fo de todos nós. Interpretava o papel de filme, junto com Paulo César Saraceni, Eunice Paiva, a mãe do Marcelo Paiva, Gustavo Dahl e Luís Sérgio Person, que es- que fazia um depoimento durante um tavam cursando cinema em Roma. Congresso da Anistia, em pleno momento O filme seguinte foi São Paulo S/A, de da repressão. Luís Sérgio Person. Quando ele propôs esse filme, me entreguei de corpo e alma ao tra- Era um texto maravilhoso do Marcelo, balho. Era um filme que, para mim como não sei até que ponto ele pegou o próprio atriz, tinha duas grandes cenas e acho que depoimento da mãe, não sei até que ponto o Comunicação & Educação, São Paulo, [ 14):76 a 88, jan./abr. 1999 83 roteirista trabalhou o texto, mas me entre- guei de corpo e alma inteiros, porque era um texto que falava de tudo o que nós passa- mos. Falava essencialmente do medo e da impotência de todos aqueles que tinham consciência das atrocidades cometidas pelo regime. Gostaria também de citar Asa Branca, um sonho brasileiro, anterior ao Feliz ano velho, dirigido por Djalma Limonje Batista e no qual ele presta uma homenagem póstuma ao seu irmão. José Possi Neto ajudou na direção de atores e co- reografia, foi muito bonito. Além de tudo, tive a oportunidade de contracenar com a minha filha, que estudava na ECA, e que es- tava se encaminhando para o cinema. Ela queria experienciar o lado do ator no cine- ma, então interpretou a personagem da noi- va do herói e eu seria a sogra dela. Nós con- tracenamos. Foi um filme bonito, falava muito de futebol, assim como O craque. Como se vê, tive a oportunidade de fazer dois filmes sobre futebol, um em 1954 e ou- Na primeira parte de O rei do gado, Eva Wilrna interpretou tro em 1985. Marieta Berdinazzi.

RCE: E a sua experiência com Alô, grande segredo era a existência sempre de doçura!? Durante dez anos você protagoni- personagens diferentes, isso não cansava o zou esse seriado. A que você atribui tanto público. Apesar de os personagens serem sucesso, que importância você acha que te- diferentes, eram sempre interpretados pelos ve esse programa para a consolidação de mesmos atores e o público foi adquirindo uma teledramaturgia brasileira? uma certa empatia por nós. Quando o pro- Eva: Foi o primeiro seriado da TV. grama começou não era o John Herbert que Naquela época ainda não se fazia novela, se fazia, era o Mário Sérgio, um ator de cine- fazia teleteatro ao vivo e ele começou ao vi- ma bastante conhecido, infelizmente preco- vo também. Foi o precursor do seriado e, cemente falecido. Mas ele está na história portanto, o precursor da teledramaturgia do nosso cinema com uma filmografia im- que se encaminharia para a . O portante. Com ele aprendi bastante, ele ti- grande segredo do sucesso de Alô, doçura! nha a gentileza de decorar textos, à tarde, além do talento do criador da idéia, Otávio em minha casa. Nós precisávamos estudar Gabus Mendes, pai do Cassiano, talentosís- juntos. O Cassiano era extremamente exi- simo diretor Cassiano Gabus Mendes, que gente, detalhista; era necessário muita pre- redigia, dirigia, ensaiava e criava também os cisão nos cortes, pois o programa era ao vi- vo, e tinha efeito interessantíssimo de hu- efeitos da música, os efeitos sonoros, o 84 Uma dama na cena livre mor. Esses eram os motivos do grande su- nha estadia, depois de ficar me olhando es- cesso. Quando o Mário Sérgio teve que via- tarrecido, se atreveu a perguntar para a mãe: jar para fora do país, o Cassiano convidou "Mas, mamãe, você não falou para mim que John Herbert. O John Herbert já costumava o Batman não existe? Como é que ela exis- frequentar os estúdios, porque nós estáva- te?'. Ou seja, para ele eu era Batman. mos começando a namorar. Quando o pú- A novela vem evidentemente dos fo- blico descobriu que os dois atores eram na- lhetins de Dostoiévski e continua sendo uma morados, depois ficaram noivos e, ainda mistura de conto de fada com os grandes ro- por cima, se casaram e o programa conti- mances que atravessam gerações; gosto de nuava no ar, isso se tomou um atrativo a citar Vinhas da ira, de John Steinbeck, e as mais. As histórias também eram muito en- obras de Graciliano Ramos - que maravilha graçadas. Ele foi precursor do seriado, por- seria se alguém adaptasse Graciliano para que passou a ser feito duas vezes por sema- novela. Uma mistura, portanto, de conto de na. Uma vez por semana fazia no Rio e ou- fada, com grande romance e história em tra, ao vivo, em São Paulo. Toda a semana quadrinhos. E com o estilo de cada autor, e fazíamos a ponte-aérea e eu estava grávida um estilo muito definido, como por exemplo do meu filho, isso em 1958. Era a típica vi- o Sílvio de Abreu, que tem um estilo muito da de malabarista do ator brasileiro que próprio. Acho que é, digamos assim, quase quer sobreviver de sua profissão. uma concepção. Sempre me queixo de que novela não tem quase direção. Se o diretor RCE: Quando você começou a fazer geral sintonizar - porque tem aquela coisa telenovela? Queria que você contasse como terrível da hiper, superprodução - com o es- foi esse tipo de trabalho nos anos 70 e como tilo de concepção do autor, e se o autor tem é hoje. E se é possível se analisar e classifi- talento, estamos feitos. Codificaria por aí, e car a telenovela por períodos, por décadas? não pelas décadas. Eva: Acho que cada autor tem um es- tilo e são estilos muito, muito pessoais. O RCE: Com relação à produção, você estilo de e de Ricardo estava dizendo da superprodução de hoje, Linhares, por exemplo, pode ser analisado como era isso nos anos 70? E o trabalho do na novela que estão assinando, Meu bem ator? querer: Nesta novela a brincadeira nordesti- Eva: A dramaturgia se salvava sem- na com romance, com vítima, com ironia pre. Tudo tinha que ser muito mais simples, fala de um pedaço desse Brasil tão diversi- o cenário, por exemplo, era mais criativo. ficado. Não sei se é possível codificar por Num cantinho, digamos assim, criando a décadas, acho que é possível codificar por parede, criando a mesa, criando com a ilu- estilo de autores, muito mais do que pela minação, fazia-se o ambiente para uma história da década. grande cena. E uma grande cena era o que Tenho um conceito muito pessoal so- ela era dramaturgicamente. Hoje em dia, bre novela. Quando fiz um grande sucesso muitas vezes a suntuosidade e o número de em novela com a primeira versão de cenários parece substituir em importância a , fui descansar na casa de dramaturgia. Isso vem em detrimento da uma prima, e o filhinho dela de quatro ou qualidade. Porque a novela é antes de mais cinco anos de idade, no terceiro dia de mi- nada dramaturgia. Perde também, porque o Comunicação & Educação, São Paulo, (141: 76 a 88, jan./abr. 1999 85 produtor joga um número de cenas no com- como já fez várias vezes, O casarão e putador e diz que têm que ser feitas. Não dá , por exemplo. Nestas nove- tempo para nada, muitas vezes os atores las, além de ele discutir questões políticas, não estão nem se olhando e muitas, muitas pôde repassar um pedaço de nossa Histó- vezes, não foram poucas, as cenas se pas- ria, na medida em que, naquele momento, sam com o diretor aos berros. A pressa é houve abertura para isso. Ele gosta tam- tanta, os teipes que têm que ser feitos por bém de trabalhar com assuntos da atualida- semana são tantos, que costumo dizer que é de e a novela permite isso, porque é uma um varejão... Você sabe o que é um vare- obra aberta. Mas é o estilo particular dele. jão? Aquilo que você vê na Praça da Sé, O Manuel Carlos tem um outro estilo, ele é com os camelôs, digamos assim. Varejão do mais romântico. Sílvio de Abreu é um au- ponto de vista de interpretação. Os atores tor, no meu entender, gênio do humor. Ele mais jovens saem prejudicados, só se saem tem a preocupação de colocar o humor e a bem aqueles que se agarram nos atores brincadeira nos seus textos, dando desta- mais experientes. Essa velocidade se dá pe- que ao entretenimento. Para mim a novela la suntuosidade do cenário e pelo monopó- é um romance, misturado com conto de fa- lio da emissora. Não tem mercado de traba- da e com história em quadrinhos. Tem que lho, então o autor acaba escalando quaren- prender o telespectador, o público tem que ta personagens, o que dá para entender, pois ficar aguardando o próximo capítulo, como ele quer colocar esse pessoal para trabalhar. no folhetim. É isso. Agora depende do es- Viu o que está acontecendo? O SBT está tilo de cada autor. Acho que é muito raro e despedindo todo mundo. Uma emissora que muito difícil um autor poder colocar a crí- ganhou uma concessão que jamais deveria tica social no texto. Talvez a melhor ma- ter ganho, porque ela não tem um homem neira de se fazer isso seja brincando, como de comunicações, é um homem do baú da se vê nos programas de humor em que a , é outra coisa, e agora isso está crítica social e política aparecem com mui- ficando claro. A outra emissora, a ta competência. Bandeirantes, está tentando e nós não sabe- mos se vai conseguir. Não tem mercado, é RCE: O seriado Mulher que você faz muito cruel, e a televisão é a única vitrine atualmente trata de temas relativos às preo- que o ator tem para mostrar o seu trabalho cupações das mulheres. Que paralelo se po- e dá pelo menos seis meses de salário, mes- de traçar entre os temas propostos por mo que seja pequeno. Mulher e os temas abordados, no final dos anos 70, pelo seriado Malu Mulher? Você RCE: Bom, falando mais uma vez de acha que a mulher brasileira mudou nesse telenovela, qual é a relação que se pode es- período? tabelecer entre a telenovela e a agenda te- Eva: Lógico que a mulher brasileira mática da sociedade? evoluiu de lá para cá, evidente. E vamos Eva: Isso depende da concepção do continuar evoluindo, ainda temos muitas autor. Essa relação com a realidade aconte- conquistas a fazer. De Malu Mulher para ce em novelas de Lauro César Muniz, au- cá são quase 20 anos de evolução, muitas tor que gosta de discutir questões sociais e mudanças aconteceram. E essas mudanças políticas, e sabe fazer um grande romance, podem ser sentidas e vistas nos temas Uma dama na cena livre abordados pela série Mulher. Mas, em rela- nar, de ajuda à mulher no Brasil inteiro. ção à programação que dialoga com os Mesmo nos rincões mais distantes, onde avanços da sociedade, acho que vale a pe- nem há posto de saúde público, já imagi- na discutir nesse contexto, acima de tudo, a nou os problemas para os quais se pode disputa pela audiência na TV aberta. alertar e prevenir, a partir dos temas dra- Estamos vivendo nos últimos um ano e matizados em Mulher? Aliás, aqui mesmo, meio, talvez dois anos, uma verdadeira acabei de ir ao lançamento do livro de mi- guerra para ver que emissora rebaixa mais nha amiga Leilah Assunção, aliás um livro o nível de sua programação. Chegamos ao fascinante. É um livro dos bilhetes dela pa- ponto de se levantar até a discussão sobre ra a filha adolescente. E essa jovem me dis- se a sociedade deveria ou não retomar uma se coisas importantes sobre o programa, o certa censura ou, pelo menos, algum tipo qual ela não perde e que tenho ouvido tam- de protesto contra isso. Como é que nós bém de outras jovens de 14, 15 anos, filhas vamos proibir alguém de ligar o botão em de amigas minhas. Elas estão empenhadas determinado horário?, vai ficar um inferno em perceber, em aprender; acho que é um a casa das pessoas. Por isso, acho que programa que presta um serviço muito Mulher representa o contrário: é um pro- grande, sim. grama que levantou o nível. Foi uma gran- de ousadia de uma empresa de televisão, RCE: Como você pensa a relação dos que é uma das maiores empresas de comu- meios de comunicação, principalmente a te- nicação do mundo, mesmo sendo um mo- levisão, com o conjunto da sociedade, ou nopólio, entrar na guerra ousando levantar seja, com a cultura, com a política e o direi- o nível. Acho que é essa a grande impor- to à cidadania? tância de Mulher: Eva: É o meio de comunicação mais importante para contribuir com isso. Queria até dizer que, desde que co- mecei a trabalhar, tento compreender a RCE: Você acha que é possível apren- televisão, ou seja, desde 1953 penso que a der com a televisão? TV aberta subestima a inteligência do Eva: Acho sim. É possível, lentamente, público. Porque o público pode ser sub- junto com a política, a partir de alguma efi- nutrido, tudo aquilo que nós sabemos, ciência por parte dos homens que estão no mas burro ele não é. Subestima-se mesmo poder, ao acionarem mecanismos para ajudar e nivela-se por baixo. Acho que o grande o público a separar melhor o joio do trigo, papel do ator e ao qual sempre me pro- propiciando-lhe mais interesse por progra- pus, embora não queira que pareça pre- mações da TV Cultura e da TV Futura, por tensioso de minha parte, é de sempre lu- exemplo. A TV Futura já tem, comprovada- tar dentro da televisão para a melhoria mente, um serviço prestado da maior impor- da qualidade da programação. Durante tância. Mas na TV aberta é complicadíssimo, toda a minha carreira na televisão lutei ela está voltada mais para o entretenimento para isso, e acho que contribuí para ele- do que para cumprir essas funções. Mas in- var o seu nível. terfere. De certa maneira está sempre interfe- rindo, até sublirninarmente. Interfere melhor O programa Mulher tem um grande ainda nos programas de humor, quando eles alcance no país, maior do se possa imagi- criticam situações sociais e políticas. Comunicação 82 Educaçao, São Paulo, (14): 76 a 88, jan./abr. 1999 87

RCE: Você acha que há expectativa de trabalho para o ator na televisão aberta, diante do crescimento da televisão por assi- natura? Eva: A oportunidade de o artista tra- balhar na televisão não depende só da tele- visão aberta, depende muito mais das medi- das que os homens de poder podem tomar. Como por exemplo: já foi discutida a obri- gatoriedade da programação ao vivo, isso está na Constituição de 1988, e nunca foi colocado em prática. Então, é preciso que a televisão aberta de todas as empresas de co- municação desenvolvam o trabalho de tele- dramaturgia, por exemplo, acreditem e in- Como a Dra. Marta, no seriado Mulher, Eva Wilma inspira vistam, mas elas também precisam do apoio confianca e acredita estar aiudando a elevar o nível de auali- dos homens do poder para isso. dade da programação de TV.

RCE: As TVs regionais deveriam eminentes, só como coordenadores. Acre- tentar? dito que esta seria a solução para o país. Aí, Eva: Exatamente, pois temos uma sim, cada região se resolveria e o povo po- cultura bastante diversificada e talentos im- deria cobrar, e cobrariam mesmo. portantes, talentos reconhecidos e prernia- dos até na Europa. Através da televisão, RCE: O que você pensa da produção eles deveriam ser conhecidos e prestigiados da teledramaturgia do Brasil em relação à no Brasil inteiro. Acho que esses muitos produção estrangeira, principalmente a nor- brasis teriam que se unir. Mas sobre a ques- te-americana? tão regional e os problemas do Brasil, tenho Eva: Sempre achei que a gente com- também uma opinião muito minha, parece pra o lixo do mundo, aquilo que já rendeu utópica, mas vou mantê-la. Vou morrer e que já deu tudo que tinha para dar. É o li- acreditando nas utopias, não tenho muitas xo do mundo! Portanto, quando tentamos esperanças de solução para o nosso país, vender algo para fora é uma atitude revolu- apesar de ser sempre otimista. Tenho uma cionária. convicção de que um país do tamanho do nosso teria que ser transformado, não sei de O grande problema do cinema bra- que maneira, ouvi dizer que a única manei- sileiro está com os exibidores, porque fica ra seria com a revolução, mas para mim te- de graça exibir o lixo do mundo. Penso ria que ser transformado em confederações que a exibiqão devia ser regulamentada autônomas. Os latifundiários todos fica- pelos homens do governo. Assim como riam na sua região e se matariam uns aos deveriam ser regulamentados por faixa outros e ponto final, entendeu? O problema etária os filmes violentos e cada vez mais seria só deles. Nós teríamos que deixar tal- violentos, que se vê na TV e também no vez, em Brasília, um grupo de cidadãos cinema. 88 Uma dama na cena livre

RCE: Quais são os seus projetos para ciso destrinçar e tentar fazê-lo no teatro, o o futuro? que poderá me ajudar a continuar evoluindo Eva: Tenho muitos ... Mulher deverá como atriz. Devo continuar sendo uma ma- seguir em frente. Já tive uma reunião e triarcona meio coruja, adoro meu ninho, Mulher deve recomeçar as gravações para meus filhos, enteados, netos, integrar a fa- 99. Deverei quebrar uma promessa, que já mília toda. Devo continuar sendo uma avó tinha feito a mim mesma: nunca mais fazer sirigaita, assim, bem alegre com meus ne- simultaneamente o trabalho de televisão tos, pegando o lado lúdico do ator, é tão com o trabalho de teatro. Mas, deverei es- bom recordar isso! Espero o nosso trabalho trear um trabalho teatral em São Paulo, ain- com saúde. E espero continuar essa fase que da no primeiro semestre. Tenho projeto de adoro chamar de adolescência da evelhes- continuar evoluindo como atriz e é por isso cência, aproveitando-a como a melhor ida- que quebrei minha promessa. Chega um de. Espero também que apareça algum con- certo tempo em que sinto que, se fico só vite para cinema, mais ou menos parecido sendo cortada no close e falando baixinho, com que a fez em paro de evoluir. Tem aí um autor que eu pre- Central do Brasil, quem sabe... por aí...

Resumo: Entrevista com Eva Wilma trata da Abstract: This interview with Eva Wilma deals trajetória profissional dessa atriz que, desde a with this actress' professional trajectory. década de 50, trabalha no teatro, no cinema e Since the 501s, Eva Wilma has worked in the na televisão. Eva Wilma trabalhou ao lado de theatre, cinema and television. The actress José Renato, fundador do Teatro de Arena; ao worked alongside José Renato, founder of the lado de Cassiano Gabus Mendes, em Alô, do- Teatro de Arena; Cassiano Gabus Mendes, in çura!, primeiro seriado da TV brasileira, pela Alô, doçura!, the first series for the Brazilian TV Tupi, que, ao longo de seus dez anos, se TV, aired by Ti/Tupi, which throughout the ten tornou um dos precursores de nossa teledra- years it was on the air, became one of the pre- maturgia. No cinema, ganhou muitos prê- cursors of our teledramaturgy. In the cinema, mios em trabalhos importantes como: Chico she was awarded many prizes for her per- Viola não morreu, São Paulo S/A, Cidade formances in important work, such as in: Chico ameaçada, entre outros. Como artista e como Viola não morreu, São Paulo S/A, Cidade cidadã, tem clareza do papel importante que ameaçada, among others. As an artist and as a jogam os meios de comunicação na conquis- citizen, she is well aware of the important role ta do direito a cidadania e fala sobre a neces- the means of mass communication have in sidade de a TV aberta encarar o desafio da the right to citizenship. In the article she talks disputa pela audiência, melhorando a quali- about the need for open TV to face the dade da programação, a exemplo do que sig- challenge in the dispute for audience, improv- nifica o seu novo seriado Mulher para o públi- ing the quality of the programming, an exam- co jovem e feminino. ple of which is her new series, called Mulher (Woman) for the young and female public.

Palavras-chave: Eva Wilma, atriz, televisão, Key words: Eva Wilma, actress, television, cinema, teatro cinema, theatre