Os Jesuítas E a Divulgação Científica Nos Séculos Xvi E Xvii
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OS JESUÍTAS E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NOS SÉCULOS XVI E XVII António de Abreu Freire Os Jesuítas e a Divulgação Científica nos Séculos XVI e XVII Ficha Técnica Título: Os Jesuítas e a divulgação científica nos séculos XVI e XVII Autor: António de Abreu Freire Composição & Paginação: Luís da Cunha Pinheiro Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes Lisboa, Agosto de 2017 ISBN – 978-989-8814-67-8 Esta publicação foi financiada por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do Projecto “UID/ELT/00077/2013” António de Abreu Freire Os Jesuítas e a Divulgação Científica nos Séculos XVI e XVII CLEPUL Lisboa 2017 Índice Inovação em Tempo Global ........................7 Os Jesuítas e a Divulgação Científica nos Séculos XVI e XVII ... 55 Portugueses pelo Oriente ......................... 89 Camões e Vieira .............................. 139 O Advento do Vo Império ......................... 149 Um Sermão de Santo António ...................... 189 O Sermão da Rainha Santa Isabel ................... 211 5 INOVAÇÃO EM TEMPO GLOBAL Nos anos 30, e ainda mais na década de 40, as inovações tecnológicas invadiram literalmente a sociedade. A produção e distribuição de energia eléctrica desenvolveram-se, disponi- bilizando em qualquer lugar a potência necessária para fazer funcionar motores, alimentar instrumentos ou simplesmente ilu- minar os locais. A generalização das comunicações rádio es- timulou o desenvolvimento da indústria electrónica. Estavam reunidas as condições para a invenção de um instrumento cien- tífico de grandes repercussões: o acelerador de partículas. Com 8 António de Abreu Freire efeito, neste período surgiram, sucessivamente, o acelerador de Van der Graaf, o acelerador linear e o ciclotrão. Eram ainda ensaios, protótipos, mas que tiveram o grande mérito de confir- marem os princípios de funcionamento e de mostrarem o caminho para a construção de instrumentos capazes de servirem à explo- ração da matéria. De 1940 a 1945 uma guerra atravessou o mundo com o cor- tejo habitual de destruições e sacrifícios. Para muitos físicos tratou-se de um período dramático. Às privações materiais e de liberdade, física ou intelectual, que afectaram a generali- dade dos cidadãos, adicionou-se a responsabilidade moral de conceber e produzir uma arma de destruição maciça. Referimo- -nos às bombas de urânio e plutónio que arrasaram Hiroxima e Nagasáqui. João Varela, O século dos Quanta, Lisboa, Gradiva, 1996, p. 115 Um mundo de gente Fomos todos surpreendidos pelo fenómeno da globalização, quando tomámos consciência desta já então inevitável realidade na década de ’70 do século passado. Três décadas após as matanças da última guerra grande, sem que se tivessem apagado nas gavetas da memória os ódios e os horrores da guerra dantes, ninguém queria acreditar que começava um tempo novo, o da incerteza, desta vez com um manual de instruções inspi- rado nos almanaques Borda d’Água. O mesmo acontecera no século XVI quando de repente se espalharam notícias dizendo que o mundo não era o que se apregoava nem na forma nem no tamanho, que as raças huma- nas eram muito mais diferenciadas do que até então se imaginava e que tinha outros deuses desconhecidos, adorados por humanos, habitantes de arquipélagos e de continentes dos quais ninguém ouvira falar. Estava até então a terra dividida em três continentes (Europa, Ásia e África), tantos quantos os filhos de Noé, quando surgiu um quarto continente (a América), abordado e reconhecido nos últimos anos do século XV: e na quarta parte www.clepul.eu Inovação em Tempo Global 9 que Vossa Alteza mandou descobrir além do oceano, por a eles (os anti- gos) ser incógnita (. ) foi no ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde Vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além da grandeza do mar oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme (. ) por vinte e oito graus de ladeza contra o polo antártico, onde é achado nela muito e fino brasil com muitas outras coisas com que os navios vêm grandemente carregados (Esmeraldo, livro I, cap. 2 e 3, pars 15, 16 e 18). De repente os eruditos ficaram a saber que através dos oceanos se podiam contatar todos os habitantes do pla- neta e os especuladores entenderam que quem tivesse navios mercantes e fragatas armadas poderia dominar todo o mundo. A sucessão de desco- bertas científicas e de inovações tecnológicas que aconteceram logo após o achamento do Novo Mundo atropelou violentamente as mentalidades e no lapso de duas gerações instalou-se a dúvida como método, em nome do rigor e da racionalidade, a propósito de quase tudo o que era tido por certo e verdadeiro. Por causa dessa dúvida, aceite como novidade positiva e apoiada na lógica matemática para apurar a verdade racional, a curiosidade científica disparou e acelerou a corrida ao conhecimento; a procura de novas emoções e a satisfação de desejos até então censurados, reprimidos e proibidos, provocaram a inovação. O Discurso do Método do médico, matemático e filósofo francês René Descartes (1596-1650) foi es- crito e publicado em 1637 na cidade de Leiden, quando as sete províncias do norte dos Países Baixos, onde vigorava um clima de tolerância e de abertura a ideias novas, se lançavam numa arriscada aventura comercial e militar pelos oceanos e rincões produtivos do planeta. Nesse mesmo ano Maurício de Nassau desembarcava no Brasil à frente da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (WIC), pelo açúcar de Pernambuco; os holandeses já tinham fundado a norte do continente americano a cidade de New Amsterdam, hoje New York, uma dúzia de anos antes. Foi um tempo de euforia, o exultar da curiosidade, de procura por novos espaços de liberdade e por novas fontes de riqueza, de temerárias aventuras do comércio e do livre pensamento, na alvorada do modernismo. Verdade era um fonema sublime que sugeria o imutável e o universal e estas duas noções faziam parte, desde tempos imemoriais, dos pila- res do sistema de pensamento que identificava e definia a civilização ocidental. Havia uma visão do mundo e do universo que, entendiam os www.lusosofia.net 10 António de Abreu Freire eruditos, os gestores das consciências e os governantes, não era suscetí- vel de ser posta em causa, já que levara mais de dois mil anos a fixar-se, confrontara-se com outras filosofias refutando-as e assentava na revela- ção divina; era uma visão geométrica, romanesca e pictórica tão sedutora que dificilmente se imaginaria outra melhor. Foi o resultado da conjuga- ção da filosofia grega, racional e prática, com a teologia hebraica, mística e escatológica, uma coligação que levou séculos a sistematizar. Os an- tigos gregos nunca desenharam a terra, nem a cosmografia dos astros, nem as rotas dos cometas, nunca se interessaram pela forma do planeta nem pela sua durabilidade; os filósofos, matemáticos e naturalistas que se aventuraram em palpites sobre a forma e o tamanho da terra ou sobre a matéria e a natureza dos astros, dos pedregulhos e dos bichos, não angariaram audiências. Foi o caso do arrogante e misantropo Heráclito, do divertido e risonho Demócrito e do astuto Aristóteles, mestre e tutor do grande Alexandre da Macedónia, foi o caso também de Euclides, o pai da geometria ocidental. Pelo contato com outras civilizações no tempo da grande aventura expansionista de Alexandre o Grande da Macedónia, no século IV ac, os filósofos gregos foram solicitados e até forçados a imitar as culturas orientais e a desenhar um boneco do mundo; fizeram-no do modo mais simples possível, à maneira de um quadro naïf mas que era um sistema lógico, coerente e racional: colocaram a terra encima de um alicerce de colunas espetadas no abismo e imaginaram sete esferas cris- talinas cobrindo-a, por onde se moviam, sem risco de colisão, os diferentes corpos celestes. A sétima esfera, acima do éter incorruptível onde se fi- xavam as estrelas, reservaram-na para os seres imortais, como residência principal das divindades criadas e divulgadas pelos poetas. No fundo do abismo o fogo infernal explicava as convulsões do planeta e servia de li- xeira de toda a maldade terrestre. Os escolásticos medievais acataram o desenho, chamaram à esfera superior o céu empíreo e fizeram dela o lugar exclusivo da divindade, dos santos e das almas bem-aventuradas. Esta visão pictórica do universo perdurou imutável até aos finais do século XVII e servia perfeitamente para explicar a arquitetura das coisas criadas, o mistério da redenção e a história da salvação. A simplicidade da arquitetura do projeto, divulgado em linguagem poé- tica, não suscitou grandes controvérsias, mas faltava um dado importante: explicar a génese do sistema, descrever como toda esta engenharia ti- www.clepul.eu Inovação em Tempo Global 11 nha surgido! A resposta já tinha sido ensaiada pelos poetas antigos e resumida na Teogonia de Hesíodo, um poeta popular contemporâneo da literatura homérica (séc. VIII a.C.); o enredo já não podia resultar so- mente do imaginário dos poetas, porque exigia um sistema organizado de ideias que servisse para explicar a origem do mundo. O resultado foi o seguinte: tudo o que existe decorre de um relacionamento amoroso vio- lento, de uma guerra entre Céu (Urano) e Terra (Gaia): o mundo e as criaturas resultam de uma façanha ousada de Cronos, o filho mais novo de Céu e Terra, que escapou à raiva do pai. Céu saciava-se devorando todos os filhos que Terra paria, mas Cronos (o tempo) foi retido pela mãe no seu ventre quanto bastasse para esta lhe ensinar a odiar o pai; no seio infernal da Terra, Cronos fabricou uma foice com a qual castrou o pro- genitor e libertou a mãe da violência, derramando de uma só vez todo o sémen divino e tornando o Céu inofensivo: era assim que as crianças gre- gas aprendiam no catecismo poético a origem da matéria e da vida.