(Março, 2015) Tese De Doutoramento Em Ciências Musicais
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
O papel da morna na afirmação da identidade nacional em Cabo Verde Gabriel Moacyr Rodrigues Tese de Doutoramento em Ciências Musicais - Etnomusicologia (Março, 2015) Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais – Etnomusicologia, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor João Soeiro de Carvalho Apoio financeiro da FCT e do FSE no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio. i Como tributo a meus pais, que desde cedo nos envolveram numa atmosfera de música, capaz de criar em nós esse prazer inefável da sua fruição. ii O PAPEL DA MORNA NA AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL EM CABO VERDE GABRIEL MOACYR RODRIGUES RESUMO No presente trabalho propõe-se analisar o significado social de um género musical de Cabo Verde, a morna, e mais precisamente, o papel que terá desempenhado na demarcação de um espaço identitário na sociedade colonial cabo-verdiana e na consequente construção de uma identidade nacional. De finais do século XIX até à década de 1980, a morna foi o único género musical que se expandiu por todo o arquipélago, em termos de audiência como de produção artística. Caracteriza-se por ser uma música popular urbana cantada e dançada, com uma estrutura melódica e harmónica tonal, tendo passado de um ritmo binário para quaternário. Do ponto de vista literário, trata-se de um texto poético popular, tradicional e oral. Para o seu estudo recorreu-se à combinação de uma abordagem histórica e etnográfica, utilizando a bibliografia disponível, fontes de arquivo com documentos oficiais, livros de viajantes, periódicos, discografia, assim como o estudo de terreno, entrevistas e a análise dos poemas da morna. Procedeu-se à descrição deste género musical, assim como das transformações que foi sofrendo ao longo do período delimitado e estudou-se o seu significado social, produção, performance, formas de divulgação e de aprendizagem nas três ilhas onde teve maior expressão: Boavista, Brava e S. Vicente, estabelecendo ligações com as comunidades emigradas. Para análise da questão em estudo, recorreu-se a conceitos e problemáticas propostos por diversos etnomusicólogos e que tratam da relação entre música, identidade, nação e nacionalismo, mas também por estudiosos de outras disciplinas das Ciências Sociais, com especial relevo para o de “comunidade imaginada”. Conclui-se nesta tese que a morna foi-se impondo como um espaço de afirmação do “nós” e empreendeu uma national journey, passando por um processo através do qual se transformou numa “música nacional”, ainda na última fase do período colonial. Tornou-se no instrumento privilegiado de construção desta “comunidade imaginada” que é a nação. Com efeito, foi o género musical mais divulgado no arquipélago e junto iii às comunidades emigradas ao longo do século XX, tendo executantes e compositores oriundos de todas as ilhas e de todas as camadas sociais. Por outro lado, sendo a população cabo-verdiana, na sua grande maioria, analfabeta, a música atinge um público muito mais alargado do que a literatura culta ou os textos jornalísticos, tanto no arquipélago, como junto às comunidades emigradas em geral, onde normalmente é o crioulo que permanece e prevalece. Tendo apreendido a importância deste processo, os nacionalistas do movimento independentista surgido na década de 1960 utilizaram também a morna como instrumento privilegiado de divulgação do seu projeto político junto aos cabo-verdianos, graças às emissões radiofónicas e à indústria discográfica, às quais já tinha acesso. ABSTRACT In this work, we propose to analyse the social meaning of a music genre of Cape Verde, the morna, and more precisely, the role it has had in the demarcation of an identitary space in the capeverdean colonial society, and consequently, in the edification of a national identity. From the end of the XIXth century until the 1980’s, the morna was the only music genre that has spread through all the archipelago, in what the audience is concerned, as well as the musical production. It is characterized as an urban popular music, sang and danced, with a melodic and harmonic tonal structure, going from a binary to a quaternary rhythm. From a literary point of vue, it is a poetic popular, traditional and oral text. For its study we had recourse to the combination of an historical and ethnographic approach, using the existing bibliography, official records, travelers’ journals, the press, the discography as well as the field study, interviews and the analysis of the song texts. We have proceeded to the description of this music genre, as well as of the transformations it has suffered throughout the period delimited, and we have studied its social meaning, production, performance, means of diffusion and learning in the three islands where it has developed the most: Boavista, Brava and S. Vicente, also making connections with the communities abroad. For the analyis of this subject, we had recourse to concepts and problematics proposed by many ethnomusicologists that treat the relation between music, identity, nation and nationalism, but also by scholars from other disciplines of the Social Sciences, specially the concept of “imagined community”. We have concluded that the morna has imposed itself as a space of affirmation of a “we”, and has undertaken a “national journey”, through which it became a “national music” during the last phase of the colonial period. It became a privileged instrument in the edification of this “imagined community” which is the nation. As a matter of fact, it was the most diffused music genre in the archipelago as well as in the communities iv abroad throughout the XXth century, having performers and composers from all the islands and all the social origins. On the other hand, being the capeverdean population at the time mostly illiterate, the music reached a much wider public than the litteature or the newspapers did, in the archipelago and in the emigrated communities, where, in general, the creole language remains and prevails. Having seized the importance of this process, the nationalists of the independence movement rose in the 1960s have also used the morna as a privileged instrument to diffuse their political project to the capeverdeans, thanks to radio emissions and to the record industry, already available for them. PALAVRAS-CHAVE: morna, Cabo Verde, identidade KEYWORDS: morna, Cape Verde, identity v ÍNDICE I.Introdução………………………………………………………………………………1 I.1. Estado da Arte……………………………………………………………………2 I.2. Breve apresentação da tese……………………………………………………...11 I.3. Problemática, objetivos e enquadramento teórico………………………………14 I.4. Métodos de pesquisa adotados………………………………………………….27 I.5. Motivações pessoais e envolvimento com a música cabo-verdiana…………….29 II.O século XIX em Cabo Verde……………………………………………………….34 II.1. Breve apresentação da situação sociopolítica e económica em Cabo Verde no século XIX……………………………………………………………………………..34 II.1.1. A Economia Decadente do Antigo Regime Colonial…………………...34 II.1.2. As Mudanças Sociais……………………………………………………35 II.1.3. A Nova Economia Industrial em S. Vicente…………………………….38 II.2. A vida cultural de Cabo Verde no século XIX…………………………………39 II.3. A ilha da Boavista, berço da morna, e as suas ‘cantadeiras’…………………...42 II.4. Breve descrição da ilha Brava e do seu ambiente musical……………………..51 II.4.1. Eugénio Tavares: breve apresentação da vida e obra……………………55 II.4.2. Eugénio Tavares e a geração de mornistas da Ilha Brava……………….57 II.4.3. Análise das obras significativas de Eugénio Tavares…………………...59 II.4.3.a) A receção da obra de Eugénio Tavares na sociedade cabo- verdiana do seu tempo………………………………………………….71 II.4.3.b) O legado de Eugénio Tavares…………………………………76 II.4.4. A comunidade cabo-verdiana dos Estados Unidos da América…………78 vi II.5. O século XIX e as premissas da construção de uma “comunidade imaginada”……………………………………………………………………………..89 II.5.1.As raízes de um descontentamento permanente…………………………89 II.5.2. A desilusão com a República……………………………………………90 III. A morna em S. Vicente: heranças e alterações, 1900 – 1945………………………97 III.1. Breve apresentação da ilha de S. Vicente nos aspetos socioeconómicos, políticos e culturais na primeira metade do século XX………………………………106 III.2. O ambiente musical no Mindelo em início de Novecentos………………….106 III.2.1. A trajetória de Luís Rendall…………………………………………...106 III.2.2. A invisibilidade das ‘cantandeiras’/ compositoras de mornas………...122 III.3. A socialização musical do compositor B. Lèza……………………………...125 III.3.1.A Infância e Juventude no Mindelo……………………………………125 III.3.2. A estadia no Fogo……………………………………………………..127 III. 4. A década de 30 em Portugal e em Cabo Verde……………………………..129 III.4.1. A política do Estado Novo e o estatuto dos colonizados……………...129 III.4.2. Os cabo-verdianos e a morna nos olhares de articulistas portugueses……………………………………………………………………………132 III.4.3. A crise económica instalada em S. Vicente e em Cabo Verde………..138 III. 5. O regresso de B. Lèza ao Mindelo………………………………………….139 III.5.1. As alterações na morna e a revista de Artes e Letras ‘Claridade’…….139 III.5.2. A aclamação do artista e a exaltação da terra…………………………151 IV. A morna em Cabo Verde e na diáspora: da denúncia dos dramas sociais à luta de libertação nacional (1945 – 1975)…………………………………………………….164 IV.1. A produção e vivência musicais no Mindelo musical nos anos 40 e 50……164 vii IV.1.1. A rua e os bairros como locais de socialização musical dos mindelenses…………………………………………………………………………...164 IV.1.2. A música nos subúrbios do Mindelo nos anos 40/50…………………171 IV.1.3. A geração de “ouro” do Mindelo……………………………………..173 IV.1.4. Reações ao falecimento de B. Lèza…………………………………...176 IV.2. O alargamento das temáticas da morna e a expressão dos dramas sociais…..178 IV.2.1. Carestia, fome e emigração clandestina………………………………178 IV.2.2. Jota Monte e o amor à terra…………………………………………...200 IV.2.3. Abílio Duarte e a denúncia político-social na morna…………………203 IV.3.