Universidade de Cabo Verde Université Catholique de Louvain- la-Neuve

Departamento de Ciências Sociais e Faculté des Sciences Économiques, Humanas Sociales et Politiques Département Sciences Politiques et Sociales

GÉNESE E FORMAÇÃO DAS ELITES POLÍTICO- ADMINISTRATIVAS CABO-VERDIANAS: 1975-2008

Crisanto Avelino Sanches de Barros

Tese apresentada para obtenção do Título de Doutor em Ciências Políticas e Sociais

Orientadores:

Prof. Doutor Cláudio Alves Furtado Prof. Doutor Jean Michel Chaumont

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SETEMBRO DE 2012

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

GÉNESE E FORMAÇÃO DAS ELITES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS CABO- VERDIANAS: 1975 – 2008

Crisanto Avelino Sanches de Barros

Membros do Júri:

Prof. Doutor Arlindo Mendes (Uni-CV) (Presidente)

______Prof. Doutor Cláudio Alves Furtado (Uni-CV-UFBA) (Orientador)

______Prof. Doutor Michel Chaumont (UCL) (Orientador)

______

Professor Doutor Christian de Visscher (UCL) (Arguente)

______

Doutora Ângela Benoliel Coutinho (CES-NOVA) (Arguente)

______Prof. Doutor. José Carlos dos Anjos (UFRGS) (Arguente) ______

Professora Doutora Nathalie Burnay (UCL) (Arguente) ______

Praia, 12 de Setembro de 2012

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus pais, Avelino Sanches de Barros, a título póstumo, e a Etelvina Andrade Mendes de Barros por apostarem incansavelmente na minha escolarização. À minha família, Dulce Barros, esposa, e filhos Laís e Cristhian pelo apoio e compreensão ao longo desta longa caminhada.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Agradecimentos

A elaboração de uma tese de doutoramento é sempre uma obra colectiva que envolve uma rede de partilha de conhecimentos e de amizades. Apraz-nos, antes de mais, agradecer de forma muito especial os orientadores desta tese, Cláudio Furtado e Jean Michel Chaumont. O primeiro, por nos ter incentivado a iniciar essa longa caminhada, especialmente nos momentos em que titubeávamos se deveríamos iniciar uma nova largada. O segundo, pela forma afável, porém exigente, como nos orientou, durante as estadias na Universidade Católica de Louvain-la-Neuve (UCL). A ambos, devo inúmeras sugestões na formulação e análise dos principais resultados desta tese. As eventuais imprecisões e incoerências nela contidas são da minha inteira responsabilidade.

Gostaríamos de expressar os nossos agradecimentos às universidades de Cabo Verde e de Louvain, através do projecto PIC-Bélgica, que financiaram este programa de formação doutoral. Uma palavra de apreço e reconhecimento ao professor Pierre- Joseph Laurent pela forma amiga como nos acolheu na UCL e por nos ter inserido na rede de investigação em torno do LAAP (Laboratório de Antropologia Prospectiva) onde pudemos expor e partilhar com outros investigadores as nossas inquietações na construção desta tese.

Aos colegas do programa de doutoramento, António Jesus, Clementina Furtado, Daniel Costa e José Semedo com quem partilhámos momentos de angústia, incertezas e, evidentemente, de alegrias durante as estadias em Louvain. Ao pessoal dos serviços de relações internacionais da UCL que foi incansável na criação de condições para que a adaptação na Bélgica fosse o mais tranquilo possível. Ao amigo Vitalino Cardoso e família, em Roterdão, que semanalmente nos acolheram em sua casa, ajudando-nos a distender os efeitos que a saudade da terra natal provoca nas nossas almas.

Somos gratos também à Ângela Coutinho pela disponibilização de alguns dados sobre os antigos estudantes dos antigos liceus Gil Eanes, Adriano Moreia e Seminário São José da e pelas discussões a respeito da formação das elites cabo-verdianas. Ao professor José Carlos dos Anjos, uma palavra de agradecimento pelas conversas que mantivemos e pistas que sugeriu na feitura desta tese. Quero também dispensar uma palavra de gratidão a um leque de pessoas que nos apoiou na recolha e tratamento de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dados quantitativos. Em especial ao amigo José Manuel Marques, cujo auxílio tem sido inexcedível na elaboração da base de dados e tratamento de informações estatísticas. Ao Ângelo Barbosa, Otávio Varela e Deolinda Reis pela preciosa contribuição na tabulação e formatação do questionário. A um grupo de alunos do curso de Ciências Sociais da Universidade de Cabo Verde que, gentilmente, se disponibilizou para nos auxiliar no processo de levantamento de nomeações de funcionários, na aplicação de questionários e na transcrição de entrevistas.

Somos reconhecidos ao Filomeno Fortes e Ana Gonçalves pelo auxílio na resolução de problemas administrativos na Uni-CV e no acesso a recursos bibliográficos do centro de documentação PIC-Bélgica. Ao colega Arlindo Mendes pelo empenho demonstrado na coordenação do projecto PIC-Bélgica.

Uma palavra especial de apreço ao meu amigo José Mário Correia que fez a revisão desta tese e a Paul Mendes que procedeu à tradução da mesma para língua francesa. Sou agradecido também ao Carlos Santos pela forma gentil como me facultou o acesso a um conjunto de legislação e documentos diversos sobre Administração Pública cabo-verdiana. Os erros e as imprecisões insertas neste trabalho são da minha inteira responsabilidade.

Agradecemos também a todos aqueles que nos encorajaram na feitura desta tese.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Resumo

A presença de naturais de Cabo Verde no quadro do funcionalismo é algo que advém desde o povoamento do arquipélago. Mau grado as restrições impostas pelo Reino, desde os finais do século XVII, com a crise do modelo de acumulação instituído, verifica-se uma participação persistente das gentes das ilhas na administração régia. Essa tendência ganha novos contornos com a modernização da sociedade e do Estado cabo-verdianos no decurso do século XIX, quando Portugal desperta para a suas possessões africanas em decorrência da independência do Brasil.

Este trabalho analisa, por um lado, a génese da moderna elite administrativa cabo-verdiana que emerge dos efeitos combinados das reformas liberais a partir do segundo quartel do século XIX e do projecto de colonização efectiva do ultramar africano. Por outro, examina, de forma mais aprofundada, as condicionantes estruturais que estiveram na génese da formação da elite político-administrativa entre 1975-2008, enfatizando a sua base social e os critérios do seu recrutamento.

Palavras-chaves: Elite, génese, formação, recrutamento, reprodução e transformação das elites.

Abstract

The presence of Cape Verdean natives within the civil administration is something that comes from the settlement of the archipelago. In spite of the restrictions imposed by the Kingdom since the end of the seventeenth century, with the crisis of accumulation model established, there is a persistent involvement of the people of these islands in the royal administration. This trend would gain new shapes to the modernization of society and the Cape Verdean State during the nineteenth century, when Portugal arouses to their African possessions as a result of Brazil's independence.

First of all, this research paper study the genesis of modern Cape Verdean administrative elite that emerges from the combined effects of liberal reforms since the second quarter of the nineteenth century and the effective project of African overseas colonization. On the other hand, this paper presents a detailed analysis of the structural conditions that were the genesis of the formation of political and administrative elite from 1975 to 2008, by emphasizing its social base and the recruitment criteria.

Keywords: Elite, Genesis, training, recruitment, reproduction and transformation of elites.

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Indice

Dedicatória ...... ii Agradecimentos ...... iii Resumo ...... v Abstract ...... v Siglas ...... xii Introdução ...... 1 Definição do problema e âmbito da investigação ...... 4 Questões Metodológicas ...... 9 Estrutura da tese ...... 13 PARTE I - Formação da Sociedade e do Estado Cabo-verdiano e da sua Moderna Elite Administrativa ...... 15 Capítulo 1 - Notas sobre as teorias das elites e das elites-político administrativas ...... 16 1.1. Notas a propósito das teorias das elites ...... 16 1.2. Um breve olhar sobre experiências históricas de formação das elites ...... 33 1.3. Dinâmica de reprodução e transformação social das elites ...... 54 1.4. Conceitos operacionais ...... 60 Capítulo 2: Notas sobre a formação da sociedade e da edificação do Estado moderno cabo- verdianos ...... 62 2.1. Achamento, Povoamento, Economia e Estrutura Social ...... 63 2.2. As primeiras instituições político-administrativas ...... 67 2.3. Decomposição, recomposição da sociedade cabo-verdiana e a emergência de uma elite nativa ...... 69 2.4. A Revolução liberal de 1822 e suas implicações no arquipélago ...... 76 2.4.1. Reforma político-administrativa, económica e social ...... 78 2.5. Fundamentos de uma regeneração de Cabo Verde a partir de novas centralidades a Norte do arquipélago ...... 95 Capítulo 3: Génese e formação da moderna elite administrativa cabo-verdiana...... 100 3.1. Relendo algumas trajectórias profissionais de funcionários cabo -verdianos entre 1820 a 1892 ...... 100 3.2. Reposicionamento do Estado português em África no final do século XIX ...... 106 3.3. O advento da República e o reforço do projecto colonial ...... 113 3.4. Fundamentos da nova política colonial pós-Segunda Guerra Mundial ...... 121 3.5. Independência: a refundação do Estado e as novas utopias emancipatórias ...... 127 3.6. Pistas conclusivas ...... 132 PARTE 2 - Configuração e Trajectórias das Elites Político-administrativas Pós- independência ...... 134 Capítulo 4: Composição e formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975- 2008 ...... 135 4.1. Campo e abrangência do estudo ...... 135

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4.2. Uma radiografia da elite político-administrativa ...... 143 4.2.1 Perfil social da elite político-administrativa ...... 144 4.3. Perfil socioeconómico ...... 163 4.4. Trajectória na Administração Pública e critérios de recrutamento ...... 176 4.5. Circulação para os sectores privado, para-público e organizações internacionais ...... 179 4.6. Presença de ascendentes na Administração...... 184 4.7. Capital político e Administração Pública ...... 189 4.7.1. Interpenetração entre a Administração e a Política: ...... 191 4.8. Percepção sobre os critérios de nomeação: auto-representação de competência técnica como critério determinante...... 201 4.9. Considerações preliminares sobre o perfil dos dirigentes das empresas públicas e/ou com participação do Estado ...... 204 4.10. Pistas conclusivas ...... 208 Capítulo 5: Trajectórias das elites político-administrativas ...... 213 5.1. Relendo trajectórias de escolarização da elite político-administrativa no período pós- independência ...... 215 5.2. Famílias: situações de pertenças diferenciadas ...... 217 5.3. Processos de escolarização sob o signo de assimetria e temporalidade dissonantes ...... 228 5.3.1. Acessibilidades e temporalidades no acesso à escolaridade primária ...... 228 5.3.2. Ensino secundário: disparidades acentuadas e estratégias diversas de mobilização 238 5.3.3. Ensino superior: do gargalo estreito ao alargamento pós-independência ...... 257 5.3.4. Outras vias se abriam para os antigos funcionários e seus filhos na província e na diáspora africana ...... 264 5.4. Estratégias de escolarização: práticas individuais e familiares ...... 268 5.4.1. Os explicadores: uma estratégia de suprir as insuficiências do sistema formal de ensino ...... 268 5.5. Recuperando algumas trajectórias das elites político-administrativas ...... 276 5.5.1.Trajectórias de reprodução - uma reprodução autónoma ...... 276 5.5.2. Uma re-produção restrita e dependente ...... 282 5.5.1. Trajectórias de mobilidade: as grandes transformações ...... 286 5.5.4. Pistas conclusivas sobre as trajectórias ...... 292 Considerações finais ...... 294 Bibliografia ...... 314 Anexos ...... 341

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Lista de tabelas

Tabela 1 - Tipologia de elite segundo dimensões de integração e recrutamento 30 Tabela 2 - Distribuição da população de Cabo Verde (excluindo Cacheu na Guiné) em 1731 segundo o censo realizado pelo Bispo de Cabo Verde 72 Tabela 3 - Evolução da população de Cabo Verde de 1832 a 1900 86 Tabela 4 - Movimento dos alunos das escolas oficiais e particulares no ano lectivo de 1889-90 92 Tabela 5 - Alunos do Seminário-lyceu de São Nicolau entre 1866-1918 95 Tabela 6 - Directores das repartições das alfândegas: 1854-1892 101 Tabela 7 - Local de nascimento de funcionários: 1820-1892 104 Tabela 8 - Distribuição dos alunos do 7º ano por sexo 118 Tabela 9 - Distribuição alunos do 7º ano segundo local de residência 118 Tabela 10 - Profissão dos pais dos alunos do 7º ano 119 Tabela 11 - Relação nominal de alguns funcionários colocados no topo do funcionalismo público cabo-verdiano 120 Tabela 12 - Evolução das matrículas nas colónias/províncias de Portugal entre 1938- 1967 124 Tabela 13 - Estudantes cabo-verdianos matriculados na Escola Superior Colonial segundo período de estudo 125 Tabela 14 - Distribuição dos estudantes cabo-verdianos na Escola Superior Colonial segundo local de nascimento: 1913-1974. 125 Tabela 15 - Evolução da população emigrada entre 1950 a 1973 129 Tabela 16 - Evolução dos efectivos e das taxas de escolarização dos ensinos básico e secundário entre 1975/76 a 2005 130 Tabela 17 - Ministérios/Instituições abrangidos 136 Tabela 18 - Empresas públicas abrangidas no estudo 138 Tabela 19 - Distribuição inicial do universo da amostra 139 Tabela 20 - Universo real da amostra (população) 140 Tabela 21 - Padrão da estimação da amostra: 141 Tabela 22 - Distribuição dos dirigentes da Administração Pública segundo sexo 144 Tabela 23 - Distribuição dos alunos do Liceu Gil Eanes (Ludgero Lima) segundo sexo : 1922-1982 145 Tabela 24 - Distribuição dos dirigentes segundo local de nascimento entre 1975-2008 146 Tabela 25 - Distribuição dos Ministros e Secretários de Estado segundo local de nascimento: 1975-2008 147 Tabela 26 - Distribuição dos inquiridos segundo local de nascimento 149 Tabela 27 - Distribuição segundo local de nascimento do inquirido e do cônjuge 150 Tabela 28 - Distribuição dos inquiridos por tranche de idade 151 Tabela 29 - Distribuição segundo número de irmãos dos inquiridos 152 Tabela 30 - Distribuição dos dirigentes segundo estado civil 154 Tabela 31 - Distribuição dos dirigentes segundo nível de instrução dos dirigentes 154 Tabela 32 - Distribuição do nível instrução do inquirido, cônjuge e ascendentes 157 Tabela 33 - Distribuição dos inquiridos segundo país de formação 160 Tabela 34 - Distribuição dos inquiridos segundo área de formação 162 Tabela 35 - Distribuição dos inquiridos segundo modalidade de financiamento dos estudos 163

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Tabela 36 - Distribuição da profissão do inquirido e cônjuge 164 Tabela 37 - Distribuição comparativa da profissão do inquirido, cônjuge e ascendentes 166 Tabela 38 - Distribuição dos dirigentes segundo inquilino ou proprietária de residência 167 Tabela 39 - Distribuição segundo fonte de financiamento 167 Tabela 40 - Distribuição da estimativa do imóvel 168 Tabela 41 - Distribuição segundo tipo de propriedade 169 Tabela 42 - Distribuição segundo tipo de actividades dos pais 169 Tabela 43 - Distribuição de tipos de propriedade em regime de simples e acumulado 170 Tabela 44 - Distribuição de nível de instrução dos inquiridos segundo tipo de propriedade dos pais 170 Tabela 45 - Distribuição dos dirigentes segundo situação face à emigração dos pais 171 Tabela 46 - Distribuição dos dirigentes segundo estrato social a que pertencem 174 Tabela 47 - Distribuição dos dirigentes segundo a primeira função exercida na AP ou no sector privado 176 Tabela 48 - Distribuição dos dirigentes segundo tempo de serviço na AP 177 Tabela 49 - Distribuição dos dirigentes segundo quadro de origem 178 Tabela 50 - Distribuição segundo desempenho de outros cargos de chefia na AP 179 Tabela 51 - Distribuição segundo desempenho de cargos em instituições privadas 179 Tabela 52 - Distribuição segundo cargos exercidos nos sectores privado, para-público e outras organizações 180 Tabela 53 - Distribuição de cargos no sector privado e militância política 180 Tabela 54 - Desempenho de cargos no sector privado e nomeação/eleição para cargos políticos 181 Tabela 55 - Desempenho de cargos chefia na AP e exercício de funções no privado 181 Tabela 56 - Desempenho de cargos no privado e exercício de outros cargos de chefia na AP 181 Tabela 57 - Trajectória de inquiridos, irmãos, filhos e ascendentes na AP 185 Tabela 58 - Pertencimento ao quadro definitivo da AP e ascendentes na Função Pública 187 Tabela 59 - Relação entre ascendentes no funcionalismo público e dirigentes do quadro definitivo da AP 187 Tabela 60 - Inquiridos em cargos de chefia e ascendentes que exerceram cargos de chefia na AP 188 Tabela 61 - Ascendentes que desempenham funções de chefia e descendentes na AP 188 Tabela 62 - Distribuição da simpatia política dos dirigentes 189 Tabela 63 - Simpatia em relação aos partidos políticos 189 Tabela 64 - Militância política dos dirigentes 190 Tabela 65 - Militância em partidos políticos 190 Tabela 66 - Distribuição segundo nomeação/eleição para cargos políticos 191 Tabela 67 - Trajectória familiar segundo nomeação ou eleição para cargos políticos 199 Tabela 68 - Pertencimento ao quadro definitivo da Administração Pública e militância em partidos políticos 200 Tabela 69 - Militância partidária e pertencimento ao quadro definitivo da AP 200 Tabela 70 - Desempenho de cargo de chefia e é militância política do inquirido e pais 201 Tabela 71 - Militância e desempenho de cargos de chefia 201

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Tabela 72 - Razões da auto-representação como elite 203 Tabela 73 - Distribuição dos dirigentes das empresas públicas segundo local de nascimento. 205 Tabela 74 - Estrato social a que pertencem os dirigentes das empresas públicas 207 Tabela 75 - Origem dos alunos do seminário-liceu de São Nicolau segundo a sua legitimação social: 1890 -1918 226 Tabela 76 - Mapa do movimento escolar da Diocese de Cabo Verde em 31.12.1956 232 Tabela 77 - Matriz de variáveis no processo de acesso à escolarização primário no período que antecede a independência 237 Tabela 78 - Trajectória dos colegas de turma de Óscar Ribeiro, diplomado do liceu Adriano Moreira, ano lectivo 1960/1961 247 Tabela 79 - Matriz de influência de variáveis no processo de acesso à escolarização secundária antes da independência e da massificação do ensino 257 Tabela 80 - Profissão dos pais dos estudantes candidatos às primeiras passagens para a metrópole, 1956. 260 Tabela 81 - Lista graduada dos estudantes que deverão beneficiar da primeira passagem para a Metrópole, nos termos do Decreto Nº 39 294, de 29 de Abril de 1953, em 1956 261 Tabela 82 - Matriz de influência de variáveis no processo de escolarização superior 264

Lista de Gráficos Gráfico 1- População de Cabo Verde segundo traço fenótipo e estatuto jurídico em 1731 72 Gráfico 2 - Evolução da população estrangeira para Angola e Moçambique entre 1900- 1970 109 Gráfico 3 - Evolução dos alunos no liceu Gil Eanes e Secção/liceu da Praia: 1917-1965 117 Gráfico 4 - Evolução dos efectivos dos ensinos primário (incluindo o pré-primário) e secundário entre 1958 a 1975/76 123 Gráfico 5 - Distribuição dos dirigentes segundo nacionalidade 148 Gráfico 6 - Distribuição comparativa do número de irmãos e de filhos dos inquiridos 153 Gráfico 7 - Distribuição do inquirido segundo posição no seio da família 153 Gráfico 8 - Distribuição comparativa do nível de instrução do inquirido, cônjuge e população em geral 155 Gráfico 9 - Distribuição do nível de instrução do inquirido, irmãos e filhos 158 Gráfico 10 - Distribuição do nível de instrução do inquirido, irmãos e filhos 172 Gráfico 11 - Distribuição dos dirigentes segundo situação face ao quadro da Administração Pública. 177 Gráfico 12 - Cargos de chefia na Administração Pública 186 Gráfico 13 - Trajectória familiar segundo militância política do inquirido, cônjuge, irmãos e pais 199 Gráfico 14 - Percepção sobre critérios de nomeação 202 Gráfico 15 - Auto-representação como elite administrativa 203

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Lista de Figuras Figura 1:Localização do arquipélago de Cabo Verde 64 Figura 2:Boletim de matrícula do antigo liceu Infante D. Henrique 222 Figura 3:Família Azevedo 241 Figura 4:Internos da Aldeia Juvenil (Lar Nho Djunga) feita nos anos 60 245

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Siglas

AHU: Arquivo Histórico Ultramarino ASA: Empresa Nacional de Segurança Aeroportuária BCA: Banco Comercial do Atlântico BCV: Banco de Cabo Verde BO: Boletim Oficial CABNAVE: Empresa Nacional de Reparação Naval CCSL: Confederação Sindicatos Livres CEDEAO: Comunidade de Desenvolvimento Económica dos Estados de África Ocidental CTT: Correios, Telégrafos de Cabo Verde CVTELECOM: Empresa Nacional de Telecomunicações DECRP: Documento de Crescimento e Redução da Pobreza EFPES: Escola de Formação de professores de Ensino Secundário ELECTRA: Empresa Nacional de Energia e Água EMPA: Empresa Pública de Abastecimento ENACOL: Empresa Nacional de Combustíveis e Lubrificantes ENAPOR: Empresa Nacional de Administração dos Postos EUA: Estados Unidos da América GEP: Gabinete de Estudos e Planeamento IACI: Instituto Amílcar Cabral IEFP: Instituto de Emprego e Formação Profissional IESIG: Instituto de Ensino Superior Isidoro da Graça IFH: Instituto de Fomento e Habitação IHAN: Instituto do Arquivo Histórico Nacional INE: Instituto Nacional de Estatística ISCSP: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas ISE: Instituto Superior de Educação ISCSJ: Instituto Superior de Ciências Sociais e Jurídicas JAACV: Juventude Africana Amílcar Cabral LLL: Liceu Ludgero Lima MAAP : Ministério da Agricultura, Ambiente e Pescas MC: Ministério da Cultura

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ME: Ministério da Educação MF: Ministério das Finanças MIT: Ministério das Infra-estruturas e Transportes MJ: Ministério da Justiça MNEC: Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comunidades MORABI: Organização para a Auto Promoção da Mulher no Desenvolvimento MpD: Movimento para a Democracia MPLA: Movimento Popular de Libertação de Angola MTFS: Ministério do Trabalho Família e Solidariedade MTS: Ministério do Trabalho e Solidariedade OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico OMCV: Organização das Mulheres de Cabo Verde ONG: Organização Não Governamental OPAD-CV: Organização dos Pioneiros Abel Djassi PAICV: Partido Africano para a Independência de Cabo Verde PAIGC: Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde

PCA: Presidente de Conselho de Administração PROMEX: Centro de Promoção do Investimento e das Exportações

PNIEG: Plano Nacional para a Igualdade e a Equidade de Género PROMITUR: Associação Cabo-Verdiana de Promotores Imobiliários Turísticos RPSAC: Repertório Numérico Simples do Fundo Arquivístico RAU: Reforma Administrativa Ultramarina RGPH: Recenseamento Geral da População e Habitação RDA: República Democrática Alemã SEAP: Secretaria de Estado da Administração Pública TACV: Transportes Aéreos de Cabo Verde UA: União Africana UCID: União Cabo-verdiana Independente e Democrática UCL: Universidade católica de Louvain-la-Neuve UDC: União Democrática Cabo-verdiana UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura ÚNICA: Universidade Intercontinental de Cabo Verde

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UNI-CV: Universidade de Cabo Verde UNI-PIAGET: Universidade Jean Piaget de Cabo Verde UNI-SANTIAGO: UNTCS: União Nacional dos Trabalhadores Cabo-verdianos Sindicalizados UPICV: União do Povo das Ilhas de Cabo Verde URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Introdução

A participação de cabo-verdianos nas lides de administração das instituições públicas não é um fenómeno recente, antes pelo contrário, remonta aos primórdios do processo de colonização. Desde o século XVII, verifica-se a presença de gentes das ilhas na administração régia, mau grado as restrições impostas pela metrópole. Inicialmente, como observa Cohen (2005:139), “ser branco, cristão e sem qualquer indício de ascendência de diversa cor ou religião eram, sem sombra de dúvida, condições elementares para se pretender algum ofício no quadro do oficialato régio”.

Na verdade, o que se constatava, na prática, é que a organização administrativa em Cabo Verde achou-se sempre, como adverte Cohen, “polvilhada de indivíduos pertencentes aos dois grupos de exclusão, designadamente negros, mulatos e pardos e cristãos novos” (ibidem:145). Essa presença nativa acentua-se à medida que, nas ilhas, escasseavam homens do Reino, afugentados pelo esgotamento dos mecanismos de reprodução da sociedade escravista, com a perda da importância geoestratégica da Ribeira Grande no contexto do comércio de escravos com a Costa da Guiné e, subsequentemente, com todo o comércio intercontinental a que estava vinculado (Carreira, 1983a, p.300; Cabral, 2001; Correia e Silva, 2001a:354-355).

A expectativa dos cabo-verdianos em participarem mais nas lides da administração do Estado colonial ganha maior impulso a partir da segunda metade do século XIX, com a criação de instituições formais de ensino, no decurso de um conjunto de reformas liberais introduzidas em Portugal, que entrevia na educação um pilar fundamental no processo de edificação de uma sociedade moderna, diga-se liberal, livre das hierarquias do antigo regime.

Assim, com a regularização da instrução pública no país a partir de 1845, após algumas décadas a funcionar com enormes debilidades, ressurgem as escolas primárias (elementar e principal) que viriam a ser instaladas primeiro na Brava, em 1848, onde residia o Governador e uma importante comunidade de portugueses, depois em 1856, com fixação do Governador na então vila da Praia, e posteriormente anexada ao seminário liceu de São Nicolau, até 1871 (Anjos, 2002; Afonso, 2002: 120).

Até finais do século XIX haviam sido criadas mais escolas em Cabo Verde que nas demais colónias portuguesas. Como refere Semedo, “nas colónias portuguesas no seu

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 todo tinham sido criadas as seguintes escolas primárias: Cabo Verde 45, S. Tomé e Príncipe 2, Angola 25, Moçambique 8, Índia 37, Macau 4, Timor 1”, o que colocava Cabo Verde num poder de destaque se se levar consideração a sua pequena demografia ( 2006: 122).

A partir do terceiro quartel do século XIX, devido à sua posição geoestratégica no atlântico-sul, Cabo Verde, através do , reposiciona-se no contexto do intercâmbio económico mundial. Esta futura cidade atinge o porte de maior cidade do país, devido ao papel de entreposto das companhias britânicas e dos europeus que se deslocavam para o Atlântico Sul. Com o advento da República, em 1910, imprime-se um novo impulso ao sistema educativo com a instalação do Liceu Nacional de Cabo Verde, instituição de carácter laico, no Mindelo.

Diferentemente dos outros liceus criados no segundo quartel do século XIX, o então liceu Infante Dom Henrique, e posteriormente Gil Eanes, veio a funcionar de forma regular, criando condições para formar, no decurso de quase seis décadas, um número significativo de quadros nacionais, muitos dos quais recrutados para desempenharem funções intermédias nas demais colónias portuguesas.

Essas oportunidades de escolarização criadas em Cabo Verde abrem novas perspectivas de aquisição de capital escolar, especialmente para os filhos das famílias mais possidentes, num contexto de franca decadência da elite agrária. Como assevera Fernandes,

“essa grande onda de demandas por educação e instrução, parece ter-se configurado num período em que a estrutura social cabo-verdiana vinha passando por um processo de fragmentação e descaracterização, adveniente do colapso das grandes propriedades rurais, em função das graves e persistentes crises agrícolas, e da descoberta da emigração como alternativa ao trabalho sem retorno no campo” ( 2002: 65). Assim, a crise crónica do sistema económico nacional impele as famílias tradicionais a adoptarem estratégias de reconversão do seu capital económico incerto, nomeadamente fundiário e comercial, em capital escolar, por forma a acederem aos cargos públicos, e, de igual modo, intermediarem, sob vários aspectos, um diálogo com a metrópole (Anjos, 2006: 50 a 51).

No processo de recomposição social dos diferentes estratos que integram a sociedade, as famílias possidentes são aquelas que melhor conseguem reconverter o seu capital económico, simbólico e social em capital cultural, designadamente o escolar – o mais

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 transaccionável e de maior retorno nessa fase. Contudo, não é de se desconsiderar, no interior dos amplos movimentos históricos de mobilidade, como é que uma franja importante de famílias com poucos recursos materiais e simbólicos, consegue, por meio de estratégias diversas, escolarizar os seus filhos, fazendo da educação uma das suas principais estratégias de mobilidade ascendente e, por que não, de elitização.

O Estado representa, historicamente, em Cabo Verde uma instância de garantia de rendimento certo e previsível das famílias numa sociedade em que a vulnerabilidade do sistema económico não oferece às pessoas recursos duradouros de sobrevivência e, amiúde, de enriquecimento. Assim, desde os finais do século XIX, a burocracia torna-se a esfera para onde se conflui os mais diversos quadros qualificados do país, designadamente professores, médicos, engenheiros, advogados, gestores, etc, provenientes das mais diversas origens sociais.

A escolha do tema “Elites Político-administrativas” deve-se, essencialmente, ao facto de o Estado ocupar um papel de relevo na sociedade cabo-verdiana, quer pela importância que teve – e ainda hoje tem – na criação de emprego e na produção de riqueza nacional quer pelo status que conferia aos seus executivos principais e secundários.

Num país onde à época da independência cerca de 60% da população era analfabeta e a maioria dos escolarizados habilitada com o ensino primário, os diplomados com o ensino liceal geral e/ou complementar representavam um grupo minoritário e, como tal, de reconhecido prestígio. Um olhar sobre esse grupo que acede a altos cargos da administração, outrora reservados aos oriundos das famílias da metrópole ou a um grupo selecto de nacionais, com provas dadas de algum padrão de conhecimento e de fidelidade burocrática à metrópole, permite compreender as dinâmicas geracionais na produção de elites dirigentes.

Além do mais, o estudo sobre a natureza das elites político-administrativas, como endossa autores com filiações teóricas tão distintas como Aron (1968), Giddens (1975), Mills (1979), Suleiman (1976) e outros oferece um potencial heurístico importante para a compreensão da conformação do sistema político. Assim, a maior ou a menor pluralidade das elites vigentes numa sociedade constitui uma variável importante para se avaliar, quer a maior ou menor abertura do sistema político quer a dinâmica de configuração da estrutura social de onde são recrutados as elites.

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Além do mais, a própria autonomia do Estado, que tem no funcionamento da burocracia um pilar importante, depende, em certa medida, dos grupos sociais que nele participam e o administram (Birnbaun, 1977: 13). Tal intento só pode ser conseguido analisando a própria trajectória dos actores que acedem e circulam na esfera estatal.

Definição do problema e âmbito da investigação

No decurso de pouco mais de três décadas de independência, Cabo Verde conheceu mudanças estruturais que se traduziram na redução da taxa de analfabetismo, passando de 60% para 18%, no aumento da esperança de vida de 55 anos para 74 anos, na universalização do ensino básico de 60% para 96%, no aumento do PIB per capita de 190 para 3200 USD (Cf. DECREP, 2007).

Estas transformações resultam de dois ciclos importantes da trajectória política pós- colonial, designadamente a independência de Cabo Verde, em 1975, e a abertura política, a partir de 1991. O primeiro, constituiu um momento em que a classe política dirigente do PAIGC/CV, cujos governos foram constituídos, essencialmente, por ex- combatentes (Furtado:1997), chamou a si a responsabilidade histórica de refundar um Estado, capaz de atender às demandas sociais de um país pobre.

O segundo, com a abertura política em 1990, o Movimento para a Democracia (MPD), integrado por uma plêiade de quadros (profissionais liberais) e dissidentes do PAICV, legitimado pela ampla vitória conseguida nas eleições livres e multipartidárias, em 1991, impulsiona a reconstrução do Estado com a aprovação de uma nova Constituição em 1992, inaugurando, assim, a denominada II República. É com base no ideário dessa nova Constituição, de cariz liberal-democrática, que se encetaram mudanças estruturais na actividade económica, com a liberalização do mercado, na Administração Pública, na Justiça.

Estes dois ciclos – independência e abertura política em 1990 – que matizam a história política do Cabo Verde pós-independência, independentemente das suas configurações político-institucionais, caracterizam-se pelo esforço contínuo de fortalecimento do Estado social, cuja natureza não pode ser dissociada da gestão dos efeitos da seca e, consequentemente, da fome, categoria que historicamente estruturou o imaginário da acção colectiva dos cabo-verdianos.

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Em Cabo Verde, desde os finais dos anos 60, o Estado assume contornos claros de uma instituição assistencial, cuja função fundamental consistiu na criação de condições de produção para a sobrevivência de uma população, maioritariamente, campesina. Como observa Correia e Silva,

“a partir de 1968, com o acentuar da crise, provocada pela generalização dos efeitos económicos e sociais da seca, a natureza e a dimensão do Estado são completamente alterados. Os espaços sociais até então dotados de capacidade de reprodução autónoma e independente de Estado (refere-se ao imenso campesinato, burguesia terratenente e aos grandes comerciantes), encontram-se doravante incapazes de manter por si próprios” (2001c: 30). É neste sentido que se pode compreender o processo contínuo do alargamento das funções de Estado, tendo em vista a implementação de mecanismos de regulação social mediante a realização de amplos programas de obras públicas. O Estado nacional forjado a partir de 1975 é ele próprio refém dessa dinâmica assistencial. Como afirma Correia e Silva, “reforça os investimentos nos sectores da Educação, Saúde e Transportes”. (...) Assim, “assiste-se a um segundo ciclo de expansão-diferenciação do aparelho administrativo do Estado, causado tanto pelas novas funções derivadas da aquisição de soberania como pelo aprofundamento-extensão de regulação social” (ibidem: 33).

O aumento exponencial dos funcionários públicos (excluindo os das empresas estatais) no decurso das últimas décadas, passando de 1970 indivíduos em 1974 para 21992, em 2006, traduz essa dinâmica de expansão dos serviços governamentais (Cf. SEAP, 2008: 5).

As fragilidades históricas da estrutura produtiva impulsiona a classe média e as camadas populares a visualizarem nos serviços públicos a principal estratégia de ascensão social- Como observa Furtado (1997: 187 a 189) , “os investimentos públicos feitos no domínio da educação, levando a uma massificação do ensino, vêm alargar a base social de recrutamento dos funcionários e, por consequência, dos cargos dirigentes da Administração Pública” (1997: 187 a 189).

O contínuo processo de alargamento das funções do Estado requeria o desenvolvimento e consolidação de uma burocracia qualificada, abrindo espaço à emergência de uma pequena burguesia burocrática que tem no seu capital escolar e cultural o seu principal instrumento de ascensão social (idem, 1997; Correia e Silva, 2001c).

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Se é verdade que a natureza social do Estado que se configura nas duas primeiras décadas de independência não se alterou, é preciso destacar um processo totalmente novo: a irrupção na arena pública de um número significativo de quadros provenientes das mais diversas camadas sociais. São esses quadros que nos anos 80 pleiteavam por postos importantes no seio da máquina partidária e na burocracia estatal que, com a instituição do pluralismo político, a partir dos anos 90, vão imprimir uma nova dinâmica na configuração dos campos político e burocrático.

O estudo pioneiro realizado por Furtado (1997) a respeito da estruturação do campo político e da dinâmica da configuração da classe dirigente demonstra que essa classe se reproduz durante a Primeira República, graças ao controlo que os históricos do partido, os combatentes, mantêm sobre a máquina partidária e, consequentemente, à luz da Constituição de 1980, sobre o Governo, o Parlamento e a Presidência da República (Cf. Fonseca, 1990).

Furtado realça, ainda, a dinâmica das disputas no seio do partido entre os históricos e os jovens quadros (denominado grupo de Lisboa), revelando claramente um potencial de crescimento dos quadros que, beneficiando da sua legitimidade na esfera técnico- organizacional do Estado, procura reposicionar-se no seio do partido (1997: 147).

Todavia, o estudo de Furtado não capta, pelas balizas que o autor impôs ao seu objecto investigação, de forma substancial, nem a dinâmica de conformação da burocracia estatal e de sua elite nem as teias de relações estabelecidas entre a política e a administração e seus efeitos sobre a conformação da própria administração.

O estudo das elites constitui um viés fundamental para se compreender a dinâmica do sistema social, bem como a natureza da conformação do sistema político, como asseveram vários autores (Cf. Busino,1983; Bottomore,1967; Mills, 1969; Birnbaun, 1977; Suleiman, 1979 e 1995; Scot, 1995; Chevalier, 1997; Genyeis, 2006).

O presente estudo intenta responder a seguinte indagação genérica: qual é a configuração da elite político-administrativa que emerge na arena burocrática, com o advento da independência? Por outras palavras, de modo mais específico, importa perguntar: quais as suas estratégias de produção? Se ela se reproduz, por meio de que mecanismos? Se se transforma, quais são as estratégias de sua renovação? Como ela circula no interior e fora da esfera estatal?

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A leitura de uma importante produção académica a respeito da formação social cabo- verdiana e uma revisão teórica sobre a dinâmica de configuração das elites político- administrativas, induzem-nos a formular algumas hipóteses respeitantes à estruturação, reprodução e diferenciação da elite político-administrativa cabo-verdiana:

1. A cooptação da maioria dos quadros cabo-verdianos pela administração portuguesa para a colonização do Ultramar, a partir dos finais do século XIX, pode ter contribuído para a fixação dos mesmos nas outras ex-colónias e na metrópole, limitando, assim, a sua capacidade de engrossar a classe média nascente cabo-verdiana e, em consequência, arregimentar a sua posição na estrutura social cabo-verdiana. Por outro lado, é provável também que uma parte desses quadros por ter adquirido uma larga experiência na Administração Pública, numa situação de carência de quadros, no período pós-independência, tenha regressado ao país e passado a desempenhar funções importantes na cúpula do Estado.

2. Considerando a enorme disparidade regional em termos de acesso ao capital escolar, é provável que as elites político-administrativas do norte do arquipélago estivessem nas primeiras décadas pós-independência sobre-representadas ao nível da alta administração do Estado;

3. A expansão contínua do Estado social (tardo-colonial e pós-independência), enquanto estratégia de legitimação da elite política dirigente, propiciou uma maior democratização do acesso à educação, alargando, assim, a base social de recrutamento das elites político-burocráticas, tornando a sua composição mais heterogénea e renovável.

4. O facto de a alta administração ser toda ela nomeada pela elite política e, como tal, submetida aos critérios de natureza política, pode ter contribuído para que a composição da elite burocrática se tornasse mais aberta a diferentes grupos sociais.

5. É provável que a imbricação entre as esferas política e administrativa tenha favorecido às elites político-administrativas (especialmente os ministros) a

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aquisição de capitais social, informacional e económico importantes que lhes favorecessem uma ampla circulação, quer no interior da Administração Pública e do sector empresarial do Estado quer para o sector privado que tem no Estado o seu maior cliente.

Em suma, a realização desta investigação pretende, de uma forma geral, analisar as estratégias de produção, reprodução e reconversão da elite político-administrativa cabo- verdiana. De um modo mais específico, pretende explicitar o seu perfil social (familiar, regional, económico e profissional), político, bem como os mecanismos do seu recrutamento e as suas estratégias de circulação no interior da Administração Pública e para o sector privado.

Nem todos os ministérios revelaram a mesma importância no funcionamento da Administração Pública no decurso do processo de desenvolvimento do país. Por isso, o estudo incide, essencialmente, sobre oito ministérios, abarcando o período entre 1975 a 2008, quer pela importância estratégica que tiveram na configuração do Estado quer pela proporção de funcionários que empregam. São eles: Finanças, Economia, Infra- estruturas, Educação, Saúde, Justiça, Negócios Estrangeiros e Agricultura, bem como os institutos públicos sob a dependência dos mesmos. A esse grupo de ministérios associámos um leque de empresas públicas e/ou com participação do Estado. Por outro lado, incluímos nesse leque a Presidência da República, pela sua importância na construção do processo decisório governamental e pelo prestígio de que goza a nível da sociedade.

Todavia, a operacionalização de um espectro tão grande de instituições coloca uma série de dificuldades operacionais com implicações importantes na definição de representatividade da amostra e na recolha e tratamento dos dados. Isto nos obriga a fazer alguns recortes e restringir a nossa análise para os aspectos cujos dados se nos afiguraram suficientemente consistentes para aquilatar da validade das nossas hipóteses. Debruçaremos de forma mais específica sobre essas questões no capítulo IV relativo à radiografia da elite político-administrativa.

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Questões Metodológicas

As opções metodológicas cumprem no campo da investigação um papel decisivo na validação dos pressupostos teóricos e das hipóteses a eles subjacentes. Assim, a articulação entre a lógica teórica e o rigor empírico constituem duas facetas indissociáveis do processo de garantia da qualidade científica (Campenhoudt, 1992; Miendras, 2000; Sardan, 2008).

Neste estudo, procuramos combinar as ferramentas metodológicas de índole quantitativa e qualitativa, numa tentativa de emprestar significados às informações quantitativas e, ao mesmo tempo, apreender as regularidades das significações que os indivíduos atribuem às suas acções.

A compreensão aprofundada do processo de configuração da elite político- administrativa, por envolver um grupo heterogéneo de dirigentes, nomeadamente Presidente da República, ministros, conselheiros, assessores, directores de gabinete, directores-gerais, presidentes de institutos e de conselhos de administração de empresas públicas requer a utilização combinada de diversas ferramentas de índole quantitativa e qualitativa.

Assim, para uma radiografia detalhada do perfil social, profissional e político dessa elite dirigente da burocracia estatal recorremos, por um lado, à aplicação de um inquérito estruturado que inclui uma extensa quantidade de variáveis (aproximadamente em número de 500). Por outro, à combinação de informações disponibilizadas pela complexa base de dados da Administração Pública cabo-verdiana, de forma a proceder um controlo mais rigoroso da qualidade de algumas informações prestadas pelos nossos inquiridos.

Os dados resultantes da aplicação do inquérito estruturado, as informações da base de dados da Administração Pública constituem as principais fontes de informação quantitativas de referência da nossa investigação. Entretanto, outras informações complementares foram sistematizadas a partir de estatísticas disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estatísticas de Cabo Verde (INE), através do recenseamento, e dos outros órgãos sectoriais de produção estatísticas.

A revisão bibliográfica consistiu basicamente na leitura de livros e revistas, versando o processo de formação das elites, com realce para as político-administrativas, abarcando

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 reflexões estritamente teóricas como estudos de experiências práticas (case study). Neste sentido, consultámos uma vasta literatura especializada nas bibliotecas impressa e virtual das universidades de Louvain-la-Neuve, no Centro de Documentação criado no quadro do projecto PIC-Bélgica/Cabo Verde. Em alguns centros especializados em Portugal (nomeadamente a bibliotecas Nacional de Lisboa e a do Instituto Superior de Ciências Políticas e Sociais); em França (Biblioteca Nacional François Mitterrand). Nessas instituições recolhemos, também, parte importante do material teórico e empírico de suporte a esta investigação.

O leque variado de informações quantitativas coligido a partir dos instrumentos metodológicos quantitativos permite responder de alguma forma, quiçá estática, a várias indagações suscitadas nessa investigação, mas não permite apreender as contradições que resultam do fazer histórico dos indivíduos.

A laia de exemplo, quando os nossos inquiridos respondiam-nos, através do inquérito, que os seus pais têm tal ou qual profissão, essa resposta em si não nos permite captar a sua real dimensão socioeconómica se não se reconstituir de modo aprofundado a sua trajectória profissional e familiar, sendo as informações quantitativas apenas pontos de partida para a compreensão de um processo às vezes assaz complexo.

Assim, com o propósito de reconstruir a trajectória individual e colectiva da elite político-administrativa, recorremos à consulta de fontes primárias em diversos arquivos a saber:

Arquivo Histórico Ultramarino Aqui, num esforço de lançar um olhar genérico sobre a moderna elite administrativa que emerge a partir do segundo quartel do século XIX, com a edificação efectiva do sistema colonial na acepção real deste termo, escrutinámos a partir da consulta do processo dos antigos funcionários uma série de dados pessoais que incluíam no geral: (i) repartição, (ii) nome, (iii) local de nascimento, (iv) função/cargo, (v) habilitação, (vi) tempo de serviço, (vii) ordenado, (viii) nomeação e trajectória profissional, etc.

Arquivo do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa De igual modo, com o objectivo de averiguar a presença de cabo-verdianos nas escolas especializadas de formação da elite administrativa, recolhemos informações sobre a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 presença de estudantes cabo-verdianos nesta antiga Escola Superior Colonial, cujo espólio encontra-se no seu sucedâneo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa. Nesta instituição, computámos quase uma centena de estudantes cabo-verdianos que por ali passaram desde a primeira década do século XX até 1974, abarcando dados relativos ao nome do inscrito e dos pais, a idade, o sexo, local de nascimento, tipo de curso, ano de inscrição, etc.

Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde

Nesta instituição, coligimos vários dados sobre as nomeações dos dirigentes da Administração Pública pós-independência que resultaram na sistematização de 1200 nomeações de cerca de 502 altos dirigentes, bem como no levantamento de informações sobre o mapa de antiguidade dos funcionários cabo-verdianos no século XIX e de seus processos individuais com maior incidência entre 1910 a 1974. Outras informações complementares sobre o processo de escolarização relacionadas com os antigos liceus Gil Eanes e sua antiga secção na Praia, foram objecto de levantamento.

Arquivo do Liceu Ludgero Lima, herdeira do antigo liceu Gil Eanes

A recolha de informações junto ao liceu Ludgero Lima impunha-se como um dos desafios empíricos de maior monta, pois as informações inscritas nos boletins de matrícula dos alunos poderiam oferecer pistas determinantes para a reconstrução do seu perfil social – a principal vertente da nossa investigação. Sendo o mais importante estabelecimento de formação secundária do arquipélago até a década de 50 do século XX por onde passou a grande maioria da elite intelectual e administrativa cabo- verdiana, as expectativas para aceder às informações eram maiores. Entretanto, as dificuldades para localizar os dossiers de matrícula foram de ordem vária. Em primeiro lugar, a própria instituição desconhecia onde se localizavam os boletins de matrícula dos alunos nas primeiras décadas de funcionamento do liceu. Em segundo, as informações disponíveis resumiam-se praticamente às constantes dos livros de termo nos quais os serviços de secretaria do liceu sistematizam as classificações dos alunos com a vista à emissão de expedientes burocráticos.

Somente na segunda das quatro deslocações a São Vicente foi possível localizar as caixas metálicas verdes onde se encontram guardados os boletins originais de matrícula que, ao que parece, estavam ainda intactas. Nos boletins de matrícula, descortinámos

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 uma série de variáveis de entre as quais se realçam: (i) nome, (ii) ano lectivo, (iii) classe, (iv) local de nascimento (freguesia, ilha, concelho), (v) data de nascimento, (vi), (vii) nome dos pais, (viii) profissão do pai (ou mãe), (ix) encarregado de educação. Essas informações específicas sobre o perfil dos matriculados foram completadas com outras insertas nos livros de termo que davam conta do desempenho escolar dos alunos.

Entrevistas aprofundadas A realização das entrevistas aprofundadas foi precedida da análise dos resultados preliminares do inquérito estruturado a partir do qual definiu-se as diversas dimensões a integrar nos guiões de entrevistas. Neste sentido, os referidos guiões não tiveram um padrão comum, tendo sido adaptados em função do tipo de temas específicos que importavam compreender em cada entrevista. As questões gerais incluídas nos guiões integravam a reconstrução do perfil social individual e colectivo do entrevistado, a sua trajectória escolar lactu sensu, o percurso profissional, as afinidades pessoais e, algumas vezes, políticas. Com o fito de apreender vivências diferenciadas dos entrevistados, condicionadas por estruturas de oportunidades históricas, os critérios para a escolha dos entrevistados tiveram em linha de conta: (i) a dimensão geracional (ii) o estrato social, (iii) o género, (iv) a importância dos cargos exercidos (trajectória relevante) e v) a origem geográfica (ilha e meio rural ou urbano).

Assim, foram realizadas 74 entrevistas, abrangendo dirigentes e pessoas chave em Cabo Verde, residentes na Praia, Santa Catarina, Mindelo, São Filipe e, no estrangeiro, em Portugal – Lisboa. As entrevistas tiveram em média a duração de uma hora, sendo em alguns casos alongado em função do perfil do entrevistado. Em alguns casos foi necessário a realização de uma segunda entrevista para clarificar e confrontar informações a priori contraditórias.

Em suma, é no recurso combinado de ferramentas de feições quantitativa e qualitativa que empreendemos esta tarefa investigativa que pretende dar conta de forma mais completa às perguntas que subsistem na base desta investigação.

Entretanto, importa, finalmente, advertir que numa micro sociedade como a cabo- verdiana em que o próprio investigador encontra-se enredado numa teia de relações sociais e institucionais de conhecimento e interconhecimento, impõe-se – e faz sentido – um esforço sistemático de auto-policiamento para evitar derivas de enviesamento das suas conjecturas e argumentos.

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Estrutura da tese

Esta tese encerra duas grandes partes as quais compõem uma totalidade explicativa que pretende dar conta do processo de formação da elite político-administrativa cabo- verdiana. A primeira parte denominada “Formação da Sociedade e do Estado cabo- verdiano e da sua moderna elite administrativa”, subdivide-se em três capítulos, a saber.

No primeiro capítulo, intitulado “Notas sobre as teorias das elites e das elites-político administrativas” discute-se as principais referências teóricas que abordaram processos de formação das elites e de sua transformação, com particular destaque paras as experiências nos países da Europa, América do Norte e da África sub-sahariana.

No segundo capítulo, denominado “Notas sobre a formação da sociedade e da edificação do Estado moderno cabo-verdianos”, intentamos uma leitura sobre o processo de formação e desenvolvimento da sociedade cabo-verdiana, enfatizando as dinâmicas relacionadas com a recomposição socioeconómica e o projecto de reinvenção de um novo Cabo Verde com a institucionalização do movimento político liberal no segundo quartel do século XIX.

O terceiro capítulo, cuja temática incide sobre a “Génese e formação da moderna elite admnistrativa cabo-verdiana, reconstitui algumas dimensões que estiveram na origem da constituição da elite administrativa com ênfase no processo de centralização e expansão das funções do Estado, no quadro da estratégia do governo português de ocupação efectiva de suas possessões em África. De igual modo, procura-se cotejar algumas implicações socioeconómicas com intensificação do processo de colonização e da emergência do Estado nacional pós-independência no século XX. Estes três capítulos integram a primeira parte da tese.

A segunda parte da tese designada “Configuração e Trajectórias das Elites Político- administrativas Pós-independência” comporta dois capítulos. O quarto capítulo, “Composição e formação da elite político-administrativa cabo-verdiana”, traça uma radiografia detalhada da composição da elite-político-administrativa que emerge com a edificação do Estado nacional pós-independência, procurando responder à pergunta quem e por que meios ela acede aos altos cargos da Administração Pública. Em outros termos, procuramos esmiuçar o seu perfil social e político, bem como os critérios de recrutamento e as estratégias de circulação no interior e fora da Administração.

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Finalmente, no quinto capítulo, denominado “Algumas trajectórias das elites político- administrativas”, explicitamos os diferentes percursos que demonstram os caminhos diversos pelos quais os indivíduos provenientes de estratos sociais distintos acedem à cúpula da Administração. Nesse esforço compreensivo, destacaremos trajectórias que indiciam estratégias de reprodução e de transformação na formação da elite político- administrativa pós-independência.

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PARTE I - Formação da Sociedade e do Estado Cabo-verdiano e da sua Moderna Elite Administrativa

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Capítulo 1 - Notas sobre as teorias das elites e das elites-político administrativas

O presente capítulo pretende, de forma sumária, apresentar um balanço crítico do debate teórico desenvolvido, especialmente no decurso da segunda metade do século XX a esta parte, a respeito do processo de formação, reprodução e transformação das elites e de sua importância na dinâmica de dominação política. Esse balanço prioriza duas dimensões fundamentais: uma enfatiza as principais contribuições teóricas a respeito do conceito de elite e a segunda centrará na releitura de algumas experiências históricas nos países centrais e nos países da África sub-subsahariana.

1.1. Notas a propósito das teorias das elites Desde o início do século XX, com a tradução das obras de Pareto e Mosca nos EUA, recrudesceu o debate em torno da importância das elites na configuração da dominação política. A partir da de década de 50, num claro contraponto com a teoria marxista, cuja ênfase recai sobre a luta de classes como motor da história, a sociologia americana encontrou na reanálise da categoria “elite” um conceito mais genérico e abstracto aplicável a todas as sociedades e esquivar-se, desse modo, às determinações de grupos sociais definidos exclusivamente pela posição no sector produtivo (Bottomore, 1964).

Uma contribuição importante, a partir da década de 70, para a compreensão da discussão sobre as elites advém do campo da história, com realce para os estudos prosoprográficos ou o método das biografias colectivas. Estes buscam revelar as características comuns (permanentes ou transitórias) de um determinado grupo social em dado período histórico, explicitando mecanismos colectivos de recrutamento, selecção e reprodução que matizam as trajectórias sociais dos indivíduos (Cf. Heinz, 2006: 9).

Segundo Heinz, fazer uma sociologia do passado com recurso ao método proposoprográfico significa

“resgatar as propriedades sociais em cada grupo, sua valorização ou desvalorização através do tempo; conhecer a composição dos capitais ou atributos cultural, económico ou social, e sua inscrição na trajectória dos indivíduos; enfim, conhecer os modelos e ou estratégias empregadas pelos diferentes membros de uma elite para alicerçarem uma carreira com êxito e socialmente ascendente ou, em outros casos, evitar – mediante mecanismos de reconversão social – um declínio ou uma classificação social muito abrupta” (2006: 9).

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Nas últimas décadas tem-se retomado, com algum vigor, o debate em torno da importância heurística do conceito “elite(s)” para uma reavaliação do processo de dominação e da conformação do processo de decisão política. Suleiman e Miendras (1995: 243), numa releitura do panorama europeu do processo de formação e recrutamento de diferentes elites, apontam para a importância crucial que desempenham no curso da história. Segundo eles, as escolhas feitas por cada sociedade são gizadas de forma explícita ou implícita pelas elites quer ao nível das decisões de natureza política quer nas formulações das políticas públicas que bulem com as vidas das pessoas.

Apesar de se perder, actualmente, algum fulgor teórico na busca de explicações conclusivas a respeito da natureza dos grupos sociais dominantes (classes, categorias dirigentes, lideranças, elites) nas sociedades contemporâneas, marcadas pela enorme complexidade da estrutura social (Aron, 1988; Giddens,1975), vários estudos recentram as elites como actores chave no processo de conformação de decisão nos Estados contemporâneos (Daloz, 1999; Genyeis, 2006; Bauquet et Brochier, 2006).

De igual modo, na maioria dos países africanos, devido à fraca institucionalização do poder político e da debilidade da organização autónoma dos grupos sociais, as elites, como observam Daloz e Chabal (1999: 45) jogam um papel crucial para a compreensão do processo de conformação da dominação política e da apropriação diferenciada do poder por parte dos actores políticos.

Pareto, Mosca e Michels: por que as minorias são inevitáveis e necessárias

Apesar de se atribuir a Pareto e Mosca a construção teórica mais elaborada sobre as elites, como assegura Busino (1983: 3), o termo “elite ” já era usual no século XIV. Segundo ele,

“le mot élite « féminin de élit » prend au cours du XIV siècle le sens de « élu », « choisie », « éminent », « distingué » qualifie ce qu’il y a de meilleur dans un ensemble d’êtres ou de choses, dans une communauté ou parmi divers individus. On parle ainsi de l’élite de l’armée, de la cavalerie, de la société, d’une profession ou d’un métier, etc » (ibidem:3).

Assim, é neste sentido que Frédéric le Play (1806-1882) o utiliza para caracterizar a divisão da sociedade entre uma classe superior, a dos dirigentes, e uma classe subordinada, a dos dirigidos, sendo esta na condição de propriedade natural.

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Posta a questão nestes termos, ou seja, se a existência das elites, para esses autores, é inevitável e necessária, o eixo de análise deverá orientar-se para a compreensão de como as elites se constituem, se transformam e se sucedem ao longo da história.

A teoria de Pareto sobre a génese das elites só pode ser entendida, como observa Aron (2000), no âmbito da sua teoria geral da acção humana, que se expressa através de dois tipos de factores: os resíduos e as derivações. Os resíduos são sentimentos esculpidos na natureza humana, um tipo de psicogénese; as derivações são os nossos sistemas intelectuais de que dependem as proposições racionais ou racionalizadas.

Esse autor distingue seis tipos de resíduos: o primeiro, é o instinto das combinações de que integram diferentes géneros e que de uma forma geral se resume à capacidade de raciocinar de que Grécia no século V e a França no XVIII seriam casos exemplares. O segundo, corresponde ao instinto dos agregados que impele aos homens a viver em sociedade e dos quais resultam duas tendências fundamentais da acção humana: a de transformar e a de conservar a sua prática social. A terceira, a necessidade de manifestar os seus sentimentos por meio de actos exteriores. A quarta trata-se de resíduos relacionados com a sociabilidade e capacidade de observar as regras sociais. A quinta prende-se com a integridade do indivíduo e dos seus dependentes e, por último, o sexto, os resíduos sexuais (ibidem: 387 a 396).

Por seu lado, as derivações, segundo Pareto, correspondem à linguagem e, de um modo geral, à ideologia ou teoria justificativa que os homens criam racionalmente para legitimar a sua acção em sociedade. É a partir dessa arquitectura psico-sociológica do ser humano que Pareto formula a sua compreensão geral da sociedade que se estriba no princípio de que “um mínimo de adaptação entre os sentimentos e as necessidades vitais é sempre necessário. Sem esse mínimo, a sociedade sucumbe, pois os diferentes sentimentos de resíduos e de valores que cada sociedade cria para si como mecanismo de auto-referenciação e de diferenciação de outras experiências históricas entram em contradição com o mínimo de sobrevivência” (Pareto apud Aron, 2000: 406). Assim, a variedade das sociedades resulta da diversidade dos indivíduos em termos de capacidade, o que torna a sociedade geneticamente heterogénea e dividida entre uma elite ciente da sua capacidade e a massa da população.

Segundo Aron, a teoria paretiana dos resíduos e derivações pertence a um movimento de ideias de que fazem parte Marx, Nietzshe e Freud cuja tónica incide em considerar

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 que os motivos e os significados dos actos e dos pensamentos dos homens não são, amiúde, aqueles que os próprios actores confessam (ibidem: 430).

Na sua obra « Traité de Sociologie Génerale », Pareto assevera que,

« il est de fait que la société humaine n’est pas homogène : que les hommes sont différents physiquement, moralement, intellectuellement » (Pareto : 1969, p. 1293). Ainsi, dans une société l’élite est constituée pour « ceux qui ont les indices les plus élevés dans la branche où ils déploient leur activité.» (Idem, ibidem, pp.1296-1297). Acrescenta ainda, que «nous avons donc deux couches dans la population : 1º couche inférieure, la classe étrangère à l’élite. (…). La couche supérieure, l’élite, qui se divise en deux : a) élite gouvernementale et élite non-gouvernementale » (1968 : 1298). Esta formulação comporta duas concepções de elite. Uma de índole mais genérica e que recobre toda a elite social, aqueles que se destacam na sua actividade quotidiana, e outra de carácter mais específica que diferencia a elite governamental da não-governamental.

Segundo Aron, o cerne do raciocínio de Pareto consiste em considerar que:

« as sociedades são caracterizadas pela natureza das suas elites, sobretudo das usas elites governantes. De facto, todas as sociedades têm uma característica, que os moralistas podem considerar deplorável, mas que os sociólogos são obrigados a constatar : há uma distribuição muito desigual dos bens neste mundo, e uma distribuição mais desigual ainda do prestígio, do poder e das honrarias associadas à competição política. Esta distribuição desigual dos bens materiais e morais é possível porque, afinal, um pequeno número de pessoas governa um grande número, recorrendo a dois tipos de meios : a força e a astúcia. Assim, « a população se deixa dirigir pela elite porque esta detém os meios de força ou porque consegue convencer, isto é, sempre enganar, mais ou menos, o grande número » (2000: 412). Este modelo de análise comporta uma reinterpretação da tipologia de Maquiavel – uma combinação entre a força e astúcia que caracteriza o leão e a raposa. Pareto considera que o fenómeno mais importante na dinâmica de todas as sociedades diz respeito ao processo de circulação das elites. A esse respeito, ele assevera que « nous devons aussi tenir compte de cet autre fait : que les classes sociales ne sont pas entièrement séparées, pas même dans les pays où existent les castes, et que dans les nations civilisés modernes, il se produit une circulation intense entre les différents classes» (Pareto, 1969, p.1294).

Segundo Busino, Pareto concebia a circulação das elites como um elemento vital para o processo de renovação das elites governantes. Diz ele:

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

“esse fenómeno das novas elites que, mediante um movimento incessante de circulação, surgem das camadas inferiores da sociedade, ascendem às camadas superiores, ali se desenvolvem para depois caírem, serem aniquilados e desaparecerem, é um dos fenómenos principais da história e torna-se indispensável para termos em conta e compreendermos os grandes movimentos sociais. (…) A circulação produz-se precisamente quando elementos estranhos à classe da elite nela se integram, introduzindo as suas opiniões, qualidades, virtudes, os seus preconceitos” (s/d: p.22). Marie Kolabinska (1969) discípula de Pareto, quis demonstrar a validade das teses do seu professor, realizando um exaustivo estudo sobre a circulação de elites na França. Ela conclui que na França ocorre um intenso processo de circulação de elites.

Na mesma perspectiva elitista, Mosca postula que em todas as sociedades

“existem duas classes de pessoas, a dos e governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, executa todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que lhes estão associadas; enquanto a segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de um modo mais ou menos legal, mais ou menos arbitrário e violento (2004: 43). O ponto que difere Mosca de Pareto reside essencialmente no facto de o primeiro reconhecer a importância das forças sociais em luta na sociedade e sua influência sobre classe política. Mosca considera líder do Estado dificilmente poderia governar sem o consentimento de uma classe dirigente “que faz executar e respeitar as suas ordens, e se ele pode fazer sentir o peso da sua pujança a um ou a vários dos indivíduos que pertencem a esta classe, não pode certamente contradizê-lo no conjunto ou destruí-la” ( ibidem: 45).

Bottomore ao comparar as contribuições desses dois autores, afirma o seguinte:

“Mosca comprend mieux la nature hétérogène de la couche plus élevée de la classe politique, les intérêts ou forces sociales qui y sont représentés, et, dans le cas de sociétés modernes. (…) Il envisage la circulation des élites d’un point de vue à la fois sociologique et psychologique, et explique en partie la naissance de nouvelles élites ( ou les nouveaux éléments de l’élite) par l’apparition de forces sociales représentant de nouveaux intérêts, par exemple technique ou économique (1964 : 15). Ora, se a existência das elites é inevitável e necessária em todas as sociedades, segundo esses autores, o objecto central da análise da dinâmica da dominação política deve deslocar-se para a compreensão de como são formadas e qual a sua relação como outros grupos sociais. Aliás, a preocupação central da obra de Pareto, como asseveram Busino e Aron, consiste em explicar o processo histórico de circulação de elites.

De um certo modo, as contribuições de Pareto e Mosca, como observa Botomore (1967), procuram refutar dois aspectos essenciais na teoria de classes de Marx.

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Primeiro, a utilização do conceito de classe dirigente, na sociedade capitalista, constituída pela burguesia, enquanto classe antagónica ao proletariado, é de difícil aplicação nas sociedades modernas marcadas pela contínua circulação de elites. Segundo, que a utopia marxista segundo a qual a emancipação do proletariado rumo a uma sociedade sem classe é irrealizável (Cf. também Giddens, 1975).

Os escritos de Pareto (1968) e Mosca (2004) e, posteriormente, Michels (2001) procuram contrapor-se à profecia de Marx segundo a qual o proletariado constituiria o novo sujeito capaz de protagonizar as mudanças sociais. Foi Pareto quem, de forma irónica, afirmou ser a história um cemitério de aristocratas. Com essa assertiva o referido autor pretende evidenciar a quintessência do processo de dominação em todas as sociedades. Se as elites se constituem é porque a sociedade delas necessita e se sucumbem é porque patenteiam falta de astúcia e sagacidade indispensáveis para adaptarem às situações cambiantes da condição humana. A dominação política não resulta de lutas de classes, mas sim, de uma necessidade de a minoria dominar a maioria.

Michels (2001) reavalia a importância das elites, deslocando parte importante da sua análise para compreender a lógica de funcionamento das organizações nas sociedades de massa e a sua tendência à oligarquização. Primeiro, segundo esse autor, é preciso reconhecer que na sociedade moderna as relações entre os indivíduos são mediadas pelas organizações burocráticas, sejam elas públicas ou privadas. Em outros termos, isto quer dizer que todas as organizações estão submetidas aos imperativos da racionalidade burocrática, que consiste na hierarquização de autoridades baseadas em determinadas competências funcionais.

Ao analisar o funcionamento dos partidos políticos, especialmente os de esquerda que emergiram no processo de contestação à ordem capitalista burguesa, nos finais do século XIX, Michels constata uma crescente “oligarquização” do funcionamento do aparelho partidário. Os partidos, enquanto organização, longe de serem instituições que permitem a renovação de lideranças e procuram satisfazer as demandas dos seus associados, tendem a voltar sobre si próprios e em defesa dos seus próprios interesses. Eis por que a própria organização torna um fim em si, afastando-se gradativamente das finalidades que estiveram na base de sua criação. Em suma, Para Michels (2001), as organizações tendem ao processo contínuo de entropia institucional e à oligarquização

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 de suas lideranças, o que leva esse autor a ter uma enorme desconfiança em relação à concretização do ideário de uma sociedade democrática, entendida como auto-governo do povo.

Se Pareto, Mosca e Michels podem ser considerados pensadores elitistas e conservadores que explicitaram as antinomias entre o advento de uma sociedade democrática, calcada no ideário da soberania popular e de auto-governo, e o processo efectivo de governação submetido aos imperativos das minorias dirigentes, uma nova vaga de autores intenta demonstrar que a democratização da sociedade é compatível com a existência de elites e grupo de elites. Assim, a questão que convém indagar é a seguinte: de que forma a teoria das elites é conciliável com o sistema de governo democrático?

Democracia e elites: conciliações possíveis

Schumpeter é um dos precursores do debate em torno da conciliação entre a democracia e as elites, pese embora veja no auto-governo uma utopia. Segundo ele, “A democracia significa apenas que o povo tem oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão através da concorrência livre entre possíveis líderes pelo voto do eleitorado” (1987: 339). Nesse sentido, as elites resultam da competição estabelecida entre aqueles que concorrem ao exercício do poder político, o que faz delas produtos da competição social. Convém, entretanto, enfatizar uma outra particularidade das elites que, segundo Schumpeter (1984), consiste na sua capacidade de adaptação às novas situações. Diz esse autor:

« si l’importance sociale de la fonction d’une classe décline lorsque la classe ne s’acquitte plus avec succès de sa fonction et s’en détourne peu à peu, le déclin de la position de la classe ne se produit que si les membres de la classe ainsi libérés sont incapables de s’adapter á une autre fonction d’importance sociale équivalente. (…) Or une classe qui a occupé une position élevée se voit considérablement faciliter l’accès á des nouvelles fonctions, dans la mesure où elle bénéficie, pendant quelque temps encore, du prestige et des pouvoirs que lui assurait sa fonction précédant. » (1984: 208).

É justamente essa capacidade de adaptação e de reconversão de recursos de que dispõem as classes que lhes permitem resistir e reposicionar-se no espaço social. Neste aspecto específico, as contribuições de Schumpeter alargam o espectro da contribuição de Pareto, cujo ponto essencial centra-se no processo de circulação e renovação das

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 elites, ao demonstrar que a resiliência das elites constitui uma dimensão fundamental do processo de reposicionamento dos indivíduos e das classes sociais. Karl Mannheim (1983) figura também entre os pioneiros do debate em torno da conciliação entre as elites com o ideal da democracia. Segundo ele, as elites são, perfeitamente, compatíveis com a democracia desde que a dinâmica de sua constituição se submeta às regras de uma sociedade democrática, baseada nos princípios da igualdade e da participação política. Diferentemente de Pareto e Mosca, Mannheim considera que as elites não constituem um grupo coeso e unitário. Na sociedade moderna existe uma pluralidade de elites, políticas, organizacionais, económicas, artísticas, religiosas, morais, etc. Assim, como assevera Busino relendo Mannheim, “a direcção da sociedade pertence às elites que são várias e díspares. As elites intelectuais cumprem funções de mediação entre os interesses particulares dos grupos em conflito, criando deste modo as condições para a coexistência social” (Mannheim apud Busino: 39).

Mannheim (1986) acredita que os intelectuais pelo facto de não serem sempre afectados pelo condicionamento social e por terem uma pretensão universalista, poderiam colocar- se acima dos interesses específicos dos grupos de interesse, cumprindo a função mediadora entre as elites e as massas, figurando como categorias flutuantes. Embora os intelectuais sejam extremamente diferenciados para que se lhes considere como classe, segundo esse autor, há um elemento que os unifica – a educação que os enlaça de modo surpreendente. Estes têm uma enorme plasticidade de se vincularem à classe que originalmente não pertencem porque têm uma capacidade de adaptação a qualquer ponto-de-vista (1986: 180 a183).

Na perspectiva de Mannheim a particularidade das elites intelectuais subsiste na sua capacidade de transcender a sua própria condição de classe, tornando-se uma categoria trans-classe. Tal situação possibilita-lhes uma visão mais global da sociedade e, por isso mesmo, podem sintetizar o processo social. Destarte, a direcção da sociedade pertence às elites que são várias e díspares, cabendo-lhes a missão de experimentarem novas práticas possíveis, de elaborarem novos valores, de os difundirem e transmitirem às massas, com brandura e sem autoritarismo (1986: 192 a 194).

Contudo, pode-se dizer que o debate sobre a importância analítica da categoria elites no processo de dominação política recrudesceu no decurso das décadas de 50 e 60 do

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 século XX, especialmente com a reanálise das contribuições de Pareto e Mosca a respeito da necessidade histórica das elites em qualquer processo de dominação política. Com isso, estabelece-se um aceso debate a despeito do pluralismo da elite em contraposição à elite uniforme e unificada nos países comunistas (Daloz, 1999: 15).

Velhas questões e novas perspectivas Nas últimas décadas, o eixo central do debate em torno dos conceitos de elite, classe dirigente, categorias dirigentes ganham novos contornos. Primeiro, o reconhecimento da importância dessas categorias analíticas para a compreensão das dinâmicas do processo de dominação política. Segundo, a natureza das relações que se estabelecem no processo de dominação política entre as minorias e as maiorias. Assim, questões como: de que forma se constituem essas minorias e quais as relações que mantêm com as maiorias? Quem decide ou governa, para usar a clássica expressão de Robert Dahl? A favor de quem se decide?

Elite Unificada: Carl Wright Mills Wright Mills (1969), na sua obra clássica a elite do poder, procura responder, numa perspectiva neo-marxista, a algumas dessas questões. Ele argumenta que a estrutura de conformação do poder político nos EUA, a mais antiga democracia do Ocidente, repousa nas mãos de um círculo de poder tripolar constituído pelas elites políticas, económicas e militares.

Mills recorre ao conceito de “elites” em vez do de “classe dominante”, visto que não acredita que o poder possa ser apropriado por apenas um grupo social que estaria em condições de monopolizar esse poder. Segundo ele,

« le marxisme simple fait du grand homme économique le véritable détenteur du pouvoir ; le libéralisme fait du grand homme politique le chef du système de pouvoir ; et certaines autres voudraient considérer les seigneurs de la guerre comme des dictateurs en puissance. Chacun des ses points de vue est une simplification excessive. C’est pour les éviter que nous utilisons « élite du pouvoir » au lieu d’un autre terme, par exemple classe dominante.» (1969: 284). Para Mills, o facto de não se tomar nenhum grupo social como um grupo em si, capaz de monopolizar o poder político, não se deve descurar a importância das articulações entre as diferentes elites que integram a estrutura social nas sociedades modernas.

Mills define a elite do poder como sendo « ces cercles politiques, économiques et militaires qui, dans un ensemble complexe de coteries entrecroisées, partagent les

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 décisions d’importance au moins nationale. Dans la mesure où les événements nationaux font objet de décisions, l’élite du pouvoir est l’ensemble des hommes qui les prennent » (ibidem: 23).

Para Mills (1969), é preciso entender o processo de construção de afinidades entre as diferentes elites que se posicionam no espaço político. Assim, a elite do poder resulta da similitude que existe entre os seus membros, sobre as relações pessoais e oficiais que mantêm e sobre as suas afinidades psicológicas decorrentes da socialização de espaços como escola, clubes, associações. Os círculos de afinidades contribuem para constituir ao que Bourdieu (2001) chamaria de habitus de classe, um dispositivo de auto- reconhecimento entre grupos afins.

Segundo Mills, a utilização do conceito “elite” para caracterizar a dinâmica da relação de poder na sociedade americana, justifica-se na medida em que permite apreender a essência da relação entre os grupos de maior influência. Assim, diz ele,

“ au sommet de l’économie, parmi les riches de l’entreprise, se trouvent les présidents- directeurs généraux, au sommet de l’ordre politique, les membres du directoire politique, au sommet de l’appareil militaire, l’élite de soldats-hommes d’Etat groupés autour des chefs d’état-major et échelon supérieur du commandement. A mesure que ces trois domaines coïncident, et que le champ de leurs décisions s’élargit, les chefs des trois ordres – seigneurs de la guerre, dirigeants d’entreprise, et directoire politique – tendent à s’unir pour former l’élite du pouvoir en Amérique » (ibidem: 12). Como sublinha John Scott, a abordagem de Mills tem em vista explicitar que

« au sein de la société américaine du XX siècle, les liens entre les élites politique, économique et militaire, avaient abouti à la formation d’une élite du pouvoir unique. Cette situation se traduisait par un désengagement progressif de l’ensemble de la population vis-à-vis du pouvoir décisionnel, l’élite du pouvoir infiltrant toutes les domaines de la vie sociale moderne » (1995 :11 ; Cf. Campenhoudt, 2007: 255). Ao analisar a dinâmica de conformação do poder político na sociedade americana, uma sociedade liberal democrática por excelência, Mills (1969) estaria a colocar em causa os fundamentos da teoria política clássica liberal, que se estriba na ideia da autonomia das esferas política, administrativa, económica e militar.

Elite gerencial a nova classe tecnocrata

Os avanços tecnológicos na sociedade capitalista contemporânea e o elevado grau de qualificação que requer para a sua gestão e reprodução impeliram James Burnhan (1983) a preconizar a existência de elite gerencial capaz de substituir, do ponto de vista das funções directivas, a velha classe burguesa, cujo poder assenta na posse do capital.

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Esse novo grupo de liderança das empresas e instituições burocráticas, cuja fonte do poder estriba-se na força do conhecimento, assume-se cada vez mais como uma minoria, uma verdadeira elite, uma classe dirigente. A proposta de Burnham retoma, no fundo, as velhas tendências à oligarquização das organizações preconizadas por Michels que, no caso dos partidos, centra-se no desapossamento político dos militantes, e nas empresas pela expropriação do conhecimento dos empresários e dos trabalhadores. Num e noutro caso, trata-se efectivamente de deslocação do poder do campo do processo produtivo para o poder imanente do processo de distribuição e de gestão sob a alçada de um novo grupo dirigente integrado pelos altos quadros especializados das organizações (Burnham apud Busino, 1983).

Com esta proposta, Burnham (1983) faz fé na emergência de uma elite dirigente tecnocrata que poderia sobrepor-se aos interesses específicos dos empresários e dos trabalhadores, transcendendo, assim, as posições particulares e, obviamente, desempenhando funções de distribuidores da produção colectiva. Neste caso específico, o autor recentra as velhas questões de dominação de classe do processo produtivo para a esfera da circulação, deslocando o poder para as mãos dessa elite gerencial mais científica e, aparentemente, desinteressada.

Elite Estatal : Ralph Miliband

Na mesma senda e, em certa medida numa perspectiva mais radical, Ralph Miliband (1973) postula a existência de uma elite estatal ao serviços dos interesses das camadas mais favorecidas da sociedade. Na perspectiva de Miliband, uma das principais razões da predominância da burguesia nas instituições do sistema estatal deve-se às oportunidades muito desiguais de ensino entre as crianças oriundas de famílias desfavorecidas e as da burguesia, com reflexo no processo de recrutamento para o serviço público. Assim sendo, ele assevera que existe uma certa homogeneidade entre os homens do poder e os agentes do mundo económico (1973: 145).

As abordagens de Mills e Miliband mereceram críticas contundentes de Putnam (2006) para quem o impacto da origem social da elite sobre o conteúdo da política e das políticas públicas permanece extremamente ambígua, não existindo uma prova concreta de sua existência. Ademais, não se poderá afirmar que uma elite representando de forma equânime todos os grupos sociais formularia políticas públicas mais eficazes e sensíveis aos interesses de todos os cidadãos (Putnam apud Genyeis, 2006:129).

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Na mesma senda, Enzra Suleiman (1976), num estudo exaustivo sobre as elites em França, assevera que a origem social, no caso francês, joga pouca influência sobre o comportamento da elite administrativa, ainda que se reconheça que essa elite não seja representativa da sociedade nem em termos geográficos nem em termos e sociais.

Da crítica à concepção pluralista: Nicos Poulantzas Segundo Poulantzas (1984), a crítica recorrente à concepção marxista limita-se a constatar a identidade que essa teoria estabelece entre a classe economicamente dominante e a classe politicamente dominante. Assim, a despeito das transformações ocorridas no capitalismo moderno, essa identidade não seria possível decalcar, dadas as transformações ocorridas no processo produtivo, das relações de classe, relações de dominação política na esfera estatal. James Burnham, um dos teóricos da revolução gerencial acredita que a separação das funções de propriedade e controle nas grandes empresas permitiria o advento de uma tecno-burocracia capaz de tornar-se preponderante na esfera económica e na burocracia estatal.

Para Poulantzas, as teorias pluralistas das elites, ao pretenderem superar a explicação simplista marxista, vêem-se enredadas no mesmo embaraço teórico, pois não apresentam argumentos sólidos para a explicação do fundamento do poder político. Assim, segundo Poulantzas, os pluralistas

“ao admitirem uma pluralidade de fontes de poder político, já não conseguem fornecer nenhuma explicação nas suas relações. Assim, chegam a resultados contrários àqueles que visavam: fazendo embora crítica da concepção marxista deformada da classe dominante, pretendendo em particular examinar o funcionamento próprio da burocracia, acabam por admitir a unidade das elites políticas” (1984: 326). As elites plurais : Crítica de Dahl aos neo-marxistas

As teses defendidas por Mills (endossadas por Miliband in extremis) foram objecto de severas críticas por parte de autores funcionalistas como Parsons, e liberais, como Robert Dahl. Para Parsons (1993), Mills “confunde poder e influência, pois enquanto o primeiro diz respeito a uma capacidade para tomar e impor decisões, que são obrigatórias para a colectividade, a influência diz respeito à capacidade de persuadir, para provocar decisões desejadas, sem ameaça”. (Parsons apud Bessa, 1993: 329).

Dahl no seu ensaio intitulado “Une Critique du Modèle de L’Élite du Pouvoir”, argumenta que Mills confunde uma elite do poder com um grupo de indivíduos que têm mais influência que todos os outros num mesmo sistema. A hipótese de uma elite do

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 poder, segundo Dahl, pode somente ser testada de uma maneira estrita se: (i) o grupo constitutivo dessa elite for suficientemente definido; (ii) Se uma amostra representativa de decisões políticas fundamentais da suposta elite do poder for contrária às decisões apresentadas por demais grupos; (iii) finalmente, explicitar em que casos as preferências da elite do poder predominam regularmente (1975: 52 a 55).

Em suma, segundo Dahl, a tese de Mills carece de uma demonstração empírica diferenciadora das situações em que a elite unificada decide e daquelas em que não decide. Segundo esse autor, um determinado grupo pode ter um forte potencial de controlo e um fraco potencial de unidade. Do mesmo modo, um outro grupo pode ter um fraco potencial de controlo e um forte potencial de unidade, o que o torna mais eficaz. Ao longo do seu livro “Qui Gouverne”, Dahl (1971) demonstra, através do estudo de caso em New Haven, que a sociedade democrática americana é caracterizada por uma pluralidade de grupos de interesse que se inter-influenciam. A imputação de uma relação causal no processo de dominação entre os diferentes agrupamentos sociais requer uma análise caso a caso.

Embora muitas das conclusões extraídas do estudo de caso sobre New Haven reflectem a dinâmica de conformação da vontade política nessa região do EUA, as conclusões de Dahl a partir de New Haven, segundo Busino, não são de todo extrapoláveis à sociedade americana no geral (1983: 63 a 64).

Como combinar a pluralidade de elites com a governação?

À semelhança de Dahl, Aron (1988) é um dos principais críticos a respeito da existência de uma elite unificada nas sociedades ocidentais, elites essas com capacidade para controlarem e influenciarem o processo decisório a favor das camadas dominantes.

Aron (1988) partilha com Pareto e Mosca o princípio de que a desigualdade do poder político não desaparece e muito menos é atenuada pela supressão das classes sociais, contrariamente ao que preconiza o marxismo tradicional, pois – diz – “é impossível as funções dirigentes de uma sociedade serem exercidas por todos, mas sim, por uma minoria” (Ibidem: 122).

Numa sociedade de classes ou sem classes, nem todos podem participar na mesma medida na administração ou na direcção do Estado. Segundo ele, “qualquer que seja o

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 modo de recrutamento dos governantes, qualquer que seja o seu funcionamento, em teoria ou na prática, o regime está sempre nas mãos de um pequeno número de pessoas.

Esse autor utiliza o conceito de elites no sentido mais amplo para designar o conjunto daqueles que nas suas diversas actividades ocupam posições privilegiadas, seja em termos de rendimento ou de prestígio. Segundo Aron, na sociedade moderna (ele se refere às sociedades ocidentais da segunda metade do século XX) a elite subdivide-se em cinco grupos: (i) os dirigentes políticos; (ii) os administradores do Estado, (iii) o empresariado; (iv) líderes de massa e (v) os chefes militares. Em todas as sociedades modernas são esses grupos que respondem pelas funções fundamentais. O que varia é o grau de distinção entre os grupos e a força relativa de cada um (ibidem: 122).

Ademais, ele se refere à classe política ou “les hommes politiques” que, como lhe era mais usual afirmar, deve ser reservada à minoria mais reduzida que exerce efectivamente as funções políticas de governação. Em relação à classe dirigente, Aron diz que ela “se situa entre a elite e a classe política. (…) Recobre os privilegiados que, sem exercer as funções propriamente políticas, exerce influência sobre os que governam e os que obedecem, seja devido à sua autoridade moral, seja devido ao seu poder económico (ibidem: 151).

De novo, a velha questão, qual é a relação entre as elites e a classe dirigente? Aron, equaciona essa questão ao afirmar que nas sociedades democráticas avançadas a classe dirigente não pode ser considerada senão como uma hipótese a ser verificada à luz de estudos empíricos (ibidem: 155 a 156).

À guisa de conclusão, Aron assevera que a

“pluralidade de categorias dirigentes é inseparável da natureza das sociedades modernas mas, lembra que estas categorias podem constituir uma classe dirigente, quer quando são instituídas por um partido único, quer quando guardam, a despeito da competição, um senso de interesse comum ao regime e ao Estado, quer ainda quando elas continuam a ser recrutadas num meio mais restrito, ou seja, aristocrático (ibidem: 165). Em suma, a contribuição de Aron permite apreender a dinâmica dos regimes políticos. Assim, uma elite homogénea e unificada conduz a regimes opressivos, enquanto uma sociedade na qual viceja a heterogeneidade de categorias dirigentes conduzirá a regimes mais abertos e liberais. Todavia, o duplo paradoxo das teorias das elites resume-se no facto de a unidade das elites fazer perigar a liberdade e a sua desunião poder levar ao fim do Estado, ameaçando de igual modo a liberdade (Aron, 1988, Genyeis, 2006:132).

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Um balanço crítico e novas perspectivas

Na perspectiva de Giddens (1975), a elite diz respeito tanto a aglomerados de elites quanto a um grupo de elite. Este autor refere-se à elite para designar todos “os indivíduos que ocupam posições de autoridade formal no topo de uma organização social ou instituição” (ibidem: 145). Na sua óptica, duas dimensões relevam de grande importância para a caracterização da estrutura da elite: o grau de integração e a forma de recrutamento. A natureza da combinação dessas dimensões permite tipificar a natureza de uma determinada elite, podendo esta ser uniforme, estabelecida, solidária ou abstracta (ibidem: 145).

Tabela 1 - Tipologia de elite segundo dimensões de integração e recrutamento

Recrutamento Integração Aberto Fechado Alta Elite Solidária Elite uniforme Baixa Elite abstracta Elite estabelecida Fonte: Giddens, 1975

Assim, uma integração alta e um recrutamento fechado propiciam o surgimento de uma elite uniforme, caracterizada por uma socialização coerente, favorecendo um elevado grau de solidariedade entre os seus membros. Contudo, se o recrutamento se mantiver fechado e a integração for baixa, a elite, neste caso, tende a ser estabelecida, pois a coesão não é totalmente arregimentada (ibidem: 146).

Por outro lado, se a integração for alta e o recrutamento aberto, permitindo que indivíduos de diferentes grupos sociais acedam a postos de cúpula, a elite tende a ser solidária. Para Giddens, esta tipologia de elite, embora seja dificilmente aplicável às sociedades capitalistas, ajusta-se bem à realidade dos países socialistas onde o Partido Comunista é o principal canal de acesso a posições de elite.

Finalmente, se o recrutamento for aberto e a integração baixa, teremos provavelmente uma elite abstracta, com baixo nível de solidariedade e maiores níveis de competição. Essa tipologia aproxima-se a das elites nas sociedades capitalistas contemporâneas denominadas democracias pluralistas nas sociedades capitalistas (ibidem: 146 a147).

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A distinção entre os diferentes tipos de formação de elite não permite em si mesma, definir a estrutura de poder dessa elite, pois esta depende da forma de mediação do poder, que pode tomar, segundo Giddens, duas dimensões. Primeira, a institucional, abarcando o Estado e economia, no interior do qual os grupos de elite são recrutados e estruturados, abrangendo o papel da propriedade na organização global da vida económica, a natureza do quadro de referência legal que define direitos e obrigações políticas e económicas, e a estrutura institucional do próprio Estado. Segundo a mediação de controlo relativo ao poder efectivo na formulação de políticas e tomadas de decisões dos membros do grupo de elite. (ibidem: 147).

Para equacionar a questão da detenção do poder, o cerne da problemática da dominação, Giddens propõe duas variáveis que são expressão do poder real das elites: a extensão em que tal poder está "consolidado" nas mãos de grupos de elite e o segundo, a "força-de- mando" manipulada por aqueles que estão em posições de elite. Assim, por um lado, se o poder estiver consolidado e a força de mando for ampla, a detenção do poder tende a ser autocrática e se a força de mando for restrita a mesma torna-se oligárquica. Por outro se o poder for difuso e a força de mando for ampla, a detenção do poder propende a ser hegemónica; se a força de mando for restrita, tende a ser democrática. (ibidem: 148).

Integrando ambas as classificações formuladas, Giddens propõe a seguinte tipologia global para explicar a formação de grupos de poder no interior da estrutura de classes. Deste modo, verifica-se uma classe dominante quando a formação da elite é uniforme/estabelecida e a detenção do poder for autocrática/oligárquica. Prevalece uma classe governante quando a formação da elite for uniforme/estabelecida e a detenção do poder hegemónica/democrática. Impera uma elite do poder na medida em que essa elite for solidária e a detenção do poder autocrática/oligárquica. Finalmente, prepondera os grupos de liderança se se configurar uma elite abstracta e se a detenção do poder for hegemónica/democrática" (ibidem: 149). Elites naturais, artificiais e recicladas: Kenneth Farmer, Daloz e Chabal Kenneth Farmer propõe três características para a definição de elites: a exclusividade, a superioridade e a dominação. Exclusividade, no sentido de sua diferenciação do conjunto da sociedade, que pode ser aferida em termos de processo de recrutamento, símbolos exclusivos e estilo de vida; Superioridade, reportando a Mosca, denota qualidades materiais, intelectuais e morais superiores à média da sociedade; A

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dominação, no sentido de que as elites dominam os sectores da vida humana, pois como observa Keller, são responsáveis pela realização dos principais objectivos da vida social e da sua continuidade (1999: 2).

Todavia, Farmer sugere que as formas como essas características são apropriadas pelos grupos sociais determinam se se trata de uma elite artificial ou natural. Assim, a elite é natural quando emerge autenticamente sob condições de competição desregulada e a sua posição de elite depende do seu poder próprio e de suas qualidades específicas. Ao contrário, ela é artificial na medida em que ocupa uma posição de elite não resultante de certas qualidades próprias, mas de factores criados pelas condições institucionais e organizacionais. O caso paradigmático de uma elite artificial é nomenclatura na ex- URSS e no leste europeu (ibidem: 3).

Daloz e Chabal (1999: 49) consideram que a teoria Marxista de luta de classes e de Pareto sobre a circulação das elites é insuficiente para explicar outras realidades sociais. Segundo eles, as contribuições de Schumpetter ou de Lasswell que insistiram muito na flexibilidade e na capacidade de adaptação das elites comportam valor analítico importante para a compreensão de outras dinâmicas sociais, especialmente a dos países africanos.

Eis por que esses autores formularam o conceito de elites recicladas para dar conta de situações em que velhas elites reconvertem-se num processo de readaptação ao novo sistema, como estratégia de sobrevivência e de consolidação de sua posição dominante (ibidem: 47 a 50).

As elites das políticas: Suleiman e Gennyeis

Numa perspectiva diferente dos teóricos que procuram descortinar as funções políticas que as elites cumprem no processo de dominação política, uma óptica mais recente sobre as teorias das elites centra o eixo de análise a respeito da função importante que elas desempenham, no mundo hodierno, na concepção e formulação das políticas públicas. A complexidade do Estado e as enormes funções sociais que lhes são cometidas requerem cada vez mais uma elite especializada capaz de influenciar sobremaneira no processo de decisão política. Como havia demonstrado Suleiman (1979) no estudo sobre a elite francesa, essas elites das políticas se afirmam não tanto

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 pela sua origem social ou filiação ideológica, mas pela competência em suportar as condições técnicas de legitimação da classe política.

Segundo Genieys, uma abordagem mais aprofundada de quem governa numa sociedade democrática deve deslocar o foco de análise dos espaços tradicionais do poder do Estado para o das elites que estão no centro da decisão dessa organização. Isto porque são elas que concebem e implementam as políticas públicas. Diz o referido autor que, « il s’agit de réorienter la sociologie des élites sur les processus internes aux structures formelles du pouvoir et d’insister sur les acteurs dont les croyances et les avis orientent effectivement les politiques publiques » (2006 : 146).

Actualmente, segundo Busino, a maioria das abordagens sobre as elites concentra a sua análise com ênfase no seu processo de formação, reprodução e transformação e as s implicações na dinâmica de configuração dos sistemas social e político.

1.2. Um breve olhar sobre experiências históricas de formação das elites Processo

Elites nos países ocidentais: um olhar panorâmico sobre as elites político- administrativas na França, Inglaterra, nos EUA e em Portugal

A escolha dessas quatro experiências acima referidas prende-se com o facto de serem, no contexto ocidental, os mais antigos, casos inglês e francês, e o mais recente (EUA) processos de formação de elites cujas matrizes inspiraram outras experiências históricas. A inclusão do caso português, justifica-se em parte pelo facto de seu modelo jurídico- institucional ter sido historicamente transposto para Cabo Verde, no período colonial, e no período pós-colonial continuar a ser uma das principias fontes do direito comparado dos juristas cabo-verdianos.

A existência de elites só se torna possível na medida em que cada sociedade valoriza a posse de terminados recursos, entretanto, apropriados de forma selectiva por grupos sociais específicos. A posse de um determinado nível de educação, ou melhor, de capital escolar, segundo Bourdieu (1985), tem constituído um factor importante de diferenciação numa sociedade.

Segundo Farmer, desde a China Imperial a formação da elite constitui um factor chave de diferenciação dos grupos sociais. A laia de ilustração, em 1970, nos EUA, 88% dos dirigentes políticos era detentora de um diploma de ensino superior contra apenas 11%

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 da população. Nas demais regiões a discrepância era ainda maior. Assim, na Europa ocidental (76%) e na USSR (60%) da classe política era habilitada com uma formação superior quando em média somente 5% dos habitantes possuíam esse nível de instrução (1999: 31).

Na maioria dos casos, as elites são formadas nas grandes escolas tais como: Oxbridge (Oxford e Cambridge), na Inglaterra, grandes escolas (ENA e Politécnicos), na França, Germany Jurismonopol, na Alemanha, Tokyo University, no Japão, American Ivy Leagues, nos EUA, pese embora no caso americano as instituições de formação sejam relativamente diversificadas (ibidem: 31 a 32).

Como aludimos, inicialmente, este trabalho não recobre a questões específicas que têm a ver com a história e evolução do funcionalismo público em suas diversas dimensões (acesso e desenvolvimento profissional), mas somente aspectos que permitem melhor compreensão do perfil social e critérios de recrutamento dos que acedem à cúpula da Administração Pública e sua relação com as esferas política e económica.

A natureza da elite político-administrativa varia consoante as características especificas de desenvolvimento do Estado e da sociedade nos mais diversos países. Na velha Europa, o modelo de desenvolvimento do Estado prussiano e de sua burocracia especializada constitui um paradigma a que se seguiram, ao longo da segunda metade do século XIX, os modelos britânico, com a institucionalização do Civil Service, e o francês, com a formação de quadros altamente especializados (Gazier, 1972: 31 a 32; Cf. Timsit, 1986).

O caso francês: uma elite criada pelo Estado e “rassemblement prolongé des sembables”

Na Europa ocidental, a França é o país onde o Estado assegura institucionalmente a formação da sua elite administrativa, política, económica e militar através de escolas especializadas de formação (Debasch,1969; Suleiman, 1979). Embora algumas instituições de formação reportem ao antigo regime é, entretanto, no decurso século XIX, no quadro de um extenso e complexo processo de centralização do poder nas mãos do Estado e da consolidação da nação gaulesa, que são gizadas, por Napoleão, as modernas instituições de qualificação conducentes a impulsionar o desenvolvimento da França e a catapultar o país para os lugares cimeiros da civilização ocidental.

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Para Napoleão, o sistema educativo deveria formar uma nova geração de técnicos capazes de assegurar a uniformidade da sociedade, estribada na ordem e não na anarquia. Por isso, estes seriam qualificados para serem úteis ao interesse público através do Estado, enquanto guardião do interesse geral da sociedade (Napoleon apud Suleiman, 1979).

É no âmbito desse projecto que ao longo do século XIX são desenvolvidas as escolas normais e politécnicas às quais se associam, no decurso do segundo quartel do século XX, a Escola Nacional de Administração (ENA) e os Institutos de Estudos Políticos (Science Po), sendo que estes sucederiam as antigas escolas de comércio. Incumbia-se a essas instituições a selecção, com base no mérito, e a formação das melhores capacidades a quem caberia a condução dos destinos do Estado e da sociedade. Eis por que a meritocracia alça-se no centro do processo de recrutamento das elites francesas (ibidem, 1979: 39; Gazier, 1972: 45).

Assim, uma das características peculiares do sistema francês reside no facto de ser o seu Estado, em larga medida, dirigida pelos funcionários, entretanto, formados pelo próprio. Como observa Suleiman,

« la France est sans doute le seul Etat démocratique a avoir créé des écoles dont l’objectif premier consiste á former des serviteurs loyaux de l’Etat. Les Républiques précédentes, toute comme la Ve, ont pu être définies comme des républiques dirigées par les fonctionnaires. Durante la IV République, les serviteurs de l’Etat étaient considérés comme les substituts à l’irresponsabilité des politiques avec pour tâche principal de diriger le pays sous la route de la reconstruction puis de la modernisation. Sous la V République, les hauts fonctionnaires se sont progressivement multipliés dans toutes les secteurs de l’Etat et de l’économie privé » (1995: 20). Contudo, uma análise do perfil social dos estudantes das instituições responsáveis pela formação da elite francesa evidencia que se trata de indivíduos recrutados dos meios sociais mais favorecidos. São, geralmente, descendentes de grandes patrões do comércio, industriais, de altos funcionários do Estado e de profissionais liberais que dispõem de recursos materiais e simbólicos para a reprodução do capital escolar – credencial de acesso à elite (Birnbaun, 1975; Suleiman, 1976).

Pierre Birnbaun et al (1978) num estudo clássico sobre a classe dirigente francesa apresenta uma radiografia minuciosa da elite político-administrativa explicitando a sua origem social, processo de escolarização e a interpenetração entre os campos político, administrativo e económico. A experiência francesa apresenta, segundo ele, ao menos

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 três características específicas: uma elite fortemente escolarizada pelas instituições consagradas e sacralizadas pelo Estado, cunhando os seus diplomas de um enorme potencial de transacção na alta esfera do sector público e privado. Segundo, essa elite é oriunda das famílias tradicionais da burguesia francesa que se reproduz durante longos séculos.

Diga-se que a selectividade do sistema francês de mobilização das elites não reside apenas no recrutamento privilegiado de franjas da burguesia industrial e comercial para a cúpula do Estado, mas acima de tudo pelo espírito de corpo que o caracteriza, impedindo a criação de outros mecanismos de acesso à elite que não as instituições sacralizadas pelo Estado. Como adverte Suleiman,

“l’élitisme de ces institutions provient donc non pas tant de la représentation disproportionnée qu’y détient la bourgeoisie, mais bien du fait qu’elles accordent pour toute une vie la certitude de faire partie de l’élite. Elles ont aussi une importante fonction de négative. Celle d’empêcher l’ouverture d’autres moyens d’accès à l’élite. En interdisant á d’autres institutions d’acquérir une légitimité suffisante, elles parviennent à monopoliser la fonction d’authentification de l’élite et de sa légitimation » (1979: 278). Uma terceira marca reside na interpenetração entre as esferas política, administrativa e económica. Essa osmose entre a política e alta administração é muito acentuada e constitui-se numa das características do modelo francês (Timsit, 1986: 53; Cruz, 1999). Essa interpenetração entre a administração, a política e o mercado dota os altos funcionários de um multi-posicionamento em resultado da apropriação de várias espécies de capital1. Essa situação induz Bourdieu a postular que a estrutura de poder longe de ser derivado apenas do campo político, ele se configura como resultado das relações de força decorrentes da posição em determinados campos (Bourdieu, 1989)

1 Na perspectiva de Bourdieu, a posição dos agentes no espaço social depende da estrutura e do volume de capital de que são portadores. Assim, “ o capital económico constituído pelo conjunto dos bens económicos tais como rendimento profissional, património mobiliário e imobiliário; o capital social como conjunto de recursos ligados com a posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizada de reconhecimento e interconhecimento (Bourdieu,1980b: 2). O capital social corresponderia ao que denominamos hoje relação social na linguagem moderna da rede. (Campnhoudt, 2007). O capital cultural envolve o universo dos recursos culturais incorporado através da educação familiar e escolar que se manifesta nas maneiras de ser e de estar dos indivíduos e consagrados oficialmente pela atribuição de títulos. O capital simbólico, como refere Bourdieu, « c’est la forme que prend toute espèce de capital lorsqu’elle est perçue à travers des catégories de perception qui sont produit de l’incorporation, des divisons ou de oppositions inscrites dans la structure de la distribution de cette espèce de capital (ex :. fort /faible ; grand / petit, riche /pauvre, etc.) ». Finalmente, o capital político corresponde à autoridade política de que os agentes políticos são detentores em jogo no campo político (1994: 40-117).

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A esse respeito, este autor assevera que:

“ le champ du pouvoir est un champ des forces défini dans sa structure par l’état du rapport de force entre des formes de pouvoir, ou des espèces de capital différents. Il est aussi inséparablement, un champ de luttes pour le pouvoir entre détenteurs de pouvoirs différents, un espace de jeu où des agents et des institutions ayant un commun de posséder une quantité spécifique (économique ou culturel, notamment) suffisante pour occuper des positions dominantes au sein de leurs champs respectifs, s’affrontent dans des stratégies destinées à conserver ou à transformer ce rapport de force » (ibidem: 375). Trata-se, no caso francês, segundo Bourdieu, da existência de uma verdadeira homologia entre o campo das grandes escolas e o campo do poder, pois são os indivíduos do mesmo meio social e escolar que dominam o campo do poder – administrativo, político e económico – constituindo-se, como ironiza esse autor, num verdadeiro “ rassemblement prolongé des semblabes” (ibidem: p.234).

Em suma, os altos dirigentes da administração na França são, em geral, recrutados predominantemente dos meios mais favorecidos que, com efeito, dispõem de maior capital económico e cultural destinado a propiciar um elevado padrão de qualificação aos seus descendentes (Cf. Kesler, 1980: 46 a 47).

O caso da Grã-Bretanha: um Civil Service proveniente da Oxbridge Na Grã-Bretanha, a consolidação do recrutamento formalmente aberto da elite político- administrativa resulta da luta secular do regime parlamentar em controlar e limitar o poder da monarquia sobre as estruturas do aparelho do Estado. Daí a exigência de uma administração neutra que sirva os interesses do Estado e da nação e não aos exclusivos do monarca de quem dependia o controlo sobre o poder executivo (Debasch, 1969: 17; Gazier, 1972; Timsit: 1986).

Assim, a civil service é uma manifestação desse contexto histórico específico de regulação do poder na Grã-bretanha e enquadra-se numa estratégia de formar uma elite administrativa de carreira, enquanto garante da estabilidade da governação e de lealdade ao poder político instituído.

Desde a segunda metade do século XIX, após o relatório Northcote-Trevelyam sobre a reforma da administração inglesa foi introduzido um conjunto de medidas visando a substituição do mecanismo da patronagem por critérios meritocráticos e uma progressiva despolitização da Administração Pública. Essa mudança possibilitou a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 segmentos da classe média emergente aceder a postos importantes da alta administração (Gazier, 1972; Cruz, 1999: 175).

A diversificação do perfil social da elite-político administrativa limita-se à fase inicial, ao longo do século XIX, marcada pela grande expansão do Estado e das transformações económicas que absorveram franjas importantes da classe operária e campesina inglesa, permitindo a sua mobilidade social para segmentos médios da sociedade.

Esse mesmo fenómeno regista-se na esfera política com o advento dos partidos de massa e a afirmação de sindicatos das grandes indústrias, onde parte importante de indivíduos das classes trabalhadoras ascende a segmentos da classe média pela via da aquisição do capital político e a sua reconversão em oportunidades de ascensão social.

Passada essa vaga inicial de grande mobilidade, o sistema de recrutamento ficara adstrito às camadas sociais mais favorecidas que se encontram-se em condições privilegiadas para a aquisição do capital escolar e cultural socialmente valorizados e sacralizados pelo Estado. Com efeito, são os descendentes das classes mais favorecidas que obtêm as melhores credenciais académicas e culturais para ocuparem os postos da alta administração.

Como nota Ralph Miliband (1973), no seu estudo sobre a elite estatal inglesa, há uma forte relação de correspondência positiva entre aqueles que detinham os postos de mando na esfera estatal e as camadas mais favorecidas dessa sociedade. Os homens que ocupam todos os cargos de mando no sistema estatal provinham, na sua maioria do mundo de negócios e da propriedade, e de entre os profissionais da classe média (.

Assim, a elite inglesa é toda ela proveniente dos sectores altos e médios da sociedade britânica, cuja formação concentra-se nas prestigiadas instituições como a Oxford e Cambridge, numa reprodução das classes favorecidas e aristocráticas.

O Caso americano: um recrutamento diversificado na classe média

O princípio da interdependência e controlo do poder está na génese da formação do Estado americano, como professava Madison, numa leitura dessacralizadora do poder. Dizia ele “os membros de cada um dos três ramos do poder são tão pouco dependentes quanto possível dos demais, relativamente aos respectivos emolumentos. Se o magistrado executivo não for ou os juízes não forem independentes do legislativo nesse

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 particular, a independência sob qualquer outro aspecto será meramente nominal” (Madison, 2006: 273).

Diferentemente dos países europeus, nos EUA o desenvolvimento das instituições políticas, matizadas pelo princípio do controlo e separação de poderes, antecedeu em larga medida a consolidação de uma burocracia estatal profissionalizada (Suleiman e Miendras, 1999: 243). Contrariamente a muitos países, os Estados Unidos instauraram a sua democracia antes que ela gerasse um real sistema burocrático. A fragmentação da estrutura governamental e a limitação da intervenção do Estado na economia, sobretudo a convicção de que o governo deve permanecer próximo da sociedade civil e hipersensível às demandas populares, contribuiu para dar ao Estado um estatuto inferior, se comparado com as demais democracias (Aberbach e Rocman, 1985; Cf. Gazier, 1972: 48).

A alta administração americana funcionou durante os primeiros séculos na lógica do spoil system, prevalecendo o princípio de quem ganha as eleições premeia os seus sequazes com os principais cargos de direcção. Todavia, a progressiva profissionalização do aparelho burocrático, a partir da segunda metade do século XIX, levou a uma profunda alteração do sistema até então vigente. Com efeito, a ocupação de cargos de direcção passa a resultar da combinação de requisitos de carreira com os de natureza política (career appointees com a political appointees) – ambas com esferas de actuação rigorosamente delimitadas.

Segundo Rockman, a doutrina americana de separação de poderes e a divisão do poder institucional no seio do governo tornam difícil a um grupo de instituições ou de suas elites de definir por si só a política pública de maneira decisiva. O quadro institucional implementado desde dois séculos funda-se sobre a ideia de impedir todo grupo de elite exercer algum poder exclusivo ( 2006: 228).

Neste sentido, a administração nos EUA fica sob a gestão do poder executivo, mas no estrito controlo do poder legislativo e, em alguns casos, do próprio sistema judiciário, mais do que as suas homólogas europeias, onde o executivo exerce um poder quase que discricionário. Inicialmente, os cargos públicos foram dominantemente ocupados por homens de negócios e por políticos, os chamados Boss, amiúde provenientes de meios sociais mais abastados.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Do pondo de vista do seu recorte social, nos EUA os funcionários da administração são recrutados em grande parte da classe média, apresentando um perfil mais homogéneo que as suas congéneres europeias. De igual modo, a escolarização dessa elite procede-se em diversas instituições de formação superior, diferentemente da França ou da Inglaterra onde um número reduzido de instituições prepara uma elite oriunda há séculos do mesmo meio social (Aderbach et al., 1982; Rocman, 2006).

Todavia, como adverte Cruz: “os executivos de nomeação política provêm das classes económicas mais privilegiadas, sendo geralmente formadas pelas universidades de Harvard, Yale, Princepton e as de Ivy League” (Cruz, 1999: 290).

No caso Americano, o igualitarismo é mais marcante no seio da elite administrativa que na elite política em que o recrutamento é marcado pela ausência da presença significativa da classe trabalhadora (Aderbach, 1982: 64).

Portugal: uma elite político-administrativa com elevado padrão de escolarização

Almeida e Pinto, num estudo comprativo sobre as elites do sul da Europa, traçam um balanço sobre a elite ministerial portuguesa entre 1851 a 1999, apontando algumas características matriciais da mesma. Segundo os referidos autores, com a consolidação da monarquia constitucional a partir de 1834, e derrota da velha ordem absolutista, altera-se a configuração social da elite político-administrativo com o recrutamento a incidir nos estratos da classe média em ascensão e o declínio da aristocracia. Assim, de acordo com esses autores, entre 1851 e 1910, “apenas 14% de todos os membros do Governo pertenciam à nobreza e desde de 1870 nenhum Primeiro-ministro pertence às antigas famílias tradicionais”(2006: p.20).

Com a instalação da República, uma nova recomposição opera-se com a crescente afirmação da classe média urbana, incorporando inclusive franjas mais baixas desse estrato social. A ter em conta o elevado credencial académico dessa elite ministerial – com formação superior acima dos 90%, torna-se evidente que o seu recrutamento prevalece no seio dos estratos alto e médio da sociedade portuguesa, consolidando no decurso do século XX com o crescente alargamento da classe média (ibidem: 37). Ao proceder a uma radiografia da elite administrativa portuguesa com foco nos directores- gerais, durante o XIV Governo Constitucional Português, Nunes (2003) aponta para algumas características do perfil social dessa elite.

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Em termos de proveniência geográfica, quase a metade (44.6%) é originária de Lisboa, tendo uma parcela não desprezível (10,8%), oriunda das antigas colónias. No que concerne à origem social, com base na reconstituição da trajectória académica dos dirigentes – todos com elevado padrão escolar –, Nunes assevera que “a esmagadora maioria dessa elite provém das classes dominantes e dos estratos médios superiores” Contudo, a selectividade social no processo de recrutamento dessa elite administrativa, segundo Nunes, não é muito diferente da que o ocorre no seio das elites espanhola, italiana, francesa e inglesa, onde os dirigentes provêm dos meios sociais mais favorecidos ( ibidem: 109).

Uma leitura comparativa entre a e Europa e os EUA

Numa leitura comparativa do perfil dos burocratas e políticos na Europa Ocidental e nos EUA, Aderbach et al. (1982) denotam alguns aspectos conclusivos importantes em relação a sexo, origem social e nível e instrução. O topo da administração e da política é dominado pela presença masculina. A par do sexo, uma outra evidência é que a educação é a principal credencial para o acesso ao parlamento e à burocracia, sendo que os burocratas têm nível de instrução superior aos dos parlamentares. Uma outra característica, segundo os autores, é que os burocratas provêm de meios sociais mais privilegiados que os políticos. Cerca de 74/% dos burocratas são descendentes de gestores e profissionais liberais, comparado com 55% de políticos (Idem: 49 a 56).

À guisa de conclusão, os autores apontam que

“in all cases, access to the elite is considerably more biased in educational terms than in social terms. Higher social origins are helpful in gaining access to the elite, but higher education is a virtual necessity”. (…) In all cases, access to the political elite is more egalitary (or less inegalitarian) than acess to the administrative elite. I part this results from the more demanding educational credentials required of high-ranking civil servants; but as we have seen, it also results from more subtle sorts of post educational social discrimination” (ibidem: 64). Uma comparação entre o perfil da origem social e o nível de instrução na Europa e nos EUA aponta que neste último é menos desigual que na Europa, devido ao facto de a classe média americana ser mais extensa que a europeia e o ensino superior ter conhecido maior difusão entre a população.

Contudo, se o perfil social de onde é recrutada a elite administrativa no conjunto dos países supramencionados é praticamente similar, ou seja, no interior das classes alta e

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 média da sociedade, o processo formal de recrutamento é um pouco diverso em função das tradições políticas de cada nação.

Notas sobre o processo formal de recrutamento dos altos dirigentes da Administração na Europa e nos Estados Unidos

A existência de altos cargos dirigentes visa uma conciliação no interior da Administração entre os rácios político e administrativo do Estado moderno democrático submetido constantemente à necessidade de legitimidade política. Como observa Suleiman “c’est un débat qui dure depuis toujours: dans quelle mesure la bureaucratie doit-elle être l’instrument du gouvernement du jour, ou être composée de fonctionnaires auxquels on a accordé, ou qui peuvent avoir usurpé, un certain degré d’autonomie? ( 1995: 257).

Nessa perspectiva, as tensões entre a administração e a política são extremamente complexas. Weber acreditava que a prevalência de uma racionalidade política sobre a administração tem em vista fazer pender o funcionamento do Estado a favor dos benefícios dos partidos políticos em disputa na arena social. Segundo ele, “tous les conflits de partis politiques sont des conflits pour le contrôle des postes, autant que des conflits pour des buts objectives » (Weber apud Suleiman, 1995 : 297).

Na perspectiva de Cruz, esse conflito estrutural entre a administração e a política resulta do facto de “a administração ser considerada nas democracias liberais o instrumento da política, enquanto ela representa a vontade popular. Por outro lado, a administração deve respeitar o princípio da democracia liberal da igualdade de tratamento dos cidadãos, ou seja, de uma administração imparcial. Surge, assim, uma contradição entre o princípio do governo representativo de uma maioria que aplica o seu programa – e a administração deve aceitar as suas directrizes políticas – e os princípios liberais das revoluções americana e francesa, em que a igualdade implica a renúncia a um tratamento partidário. Se os governos fazem a política (politics), é a administração, através dos seus funcionários, que dá forma a essa política (policies). Os países têm encontrado soluções para esse conflito de princípios. Cada sistema tem a sua concepção nacional de politização, de neutralidade, de lealdade, etc) (Cruz, 1999: 269).

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A ideia de uma antinomia entre a administração e a política fora, segundo Jacoben, praticamente abandonada e em seu lugar emergiu a busca de modelos capazes de ligar a administração e a política (Jaconben apud Nunes, 2006: 215).

Segundo Oslack, a maioria dos sistemas de serviço público dos países da OCDE comporta a uma estrutura de pessoal político de confiança (Osack apud Nunes, 2006: 212), integrando geralmente os dirigentes de gabinetes ministeriais, assessores de gabinetes, presidentes e directores de empresas públicas, directores e subdirectores- gerais. Estes grandes funcionários, para usar a expressão de Gournay, são dirigentes “altamente qualificados que trabalham em relação constante com o pessoal político e que preparam e executam as mais relevantes decisões políticas” (Cf. Gornay apud Cruz, 1999).

No caso da França, o recrutamento para os altos cargos de direcção fica a discrição do Governo eleito que tem poder de nomear os dirigentes discricionariamente e os demitir ad nutum. Como observa Cruz,

“não beneficiam de nenhuma garantia e são submetidos a obrigações muito restritas que os privam praticamente do exercício do conjunto de direitos reconhecidos aos funcionários. Se os seus ocupantes não pertencem à função pública também não adquirem qualquer direito de nela ingressar, regressando, portanto, à situação que anteriormente detinham” (1999: 273). Além disso, o governo pode recrutar esses altos dirigentes no seio ou fora da Administração, mas o recrutamento exogâmico é pouco frequente em razão do poder de influência que detém os grandes corpos da administração, formados em sua maioria na Escola Nacional de Administração (ibidem: 274).

No Reino Unido, o processo de recrutamento é relativamente diferente. Em geral, não está ao arbítrio dos inquilinos políticos, embora tenha havido durante o Governo de Margareth Tacher e seus sucessores pressões para alguma discricionariedade política na escolha de altos dirigentes da Administração.

Apesar de não haver regras fixas, no processo de recrutamento dos altos dirigentes, prevalece o princípio da selecção. O “Head of the Civil Service (HCS)” é um dos mais elevados civil servants da Grã-Bretanha, um posto que geralmente acumula o de Secretary of the Cabinet e de Permanent Secretary to the Prime Minister, desempenha a função chave na selecção dos diferentes dirigentes submetidos à apreciação dos ministros. A alta função pública é constituída por seus graus que vão de permanent

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 secretary, a principal, passando por Deputy Secretary, Under-Secretary, assistant secretary e sénior principal, sendo recrutados em geral por processos de selecção” (ibidem: 279).

Em relação ao caso americano, a criação do sénior Executive Service pelo Presidente Carter, em 1978, pretendia limitar o número de nomeações políticas (political oppointees) a 10% dos 7000 postos de direcção (super grade level) que se situam logo a seguir ao nível puramente político do Executive Schedule (cerca de 600 empregos). O sistema americano conserva a sua especificidade relativamente às democracias europeias, chegando no mesmo nível hierárquico a coexistirem funcionários de carreira e de nomeação política (ibidem: 285).

Segundo Gain,

“a neutralidade da Administração americana enuncia-se do seguinte modo: é neutral uma administração politicamente subordinada ao poder executivo enquanto instituição, e não ao Presidente, enquanto representante do partido vencedor. Esta definição permite compreender a distinção entre os altos funcionários de carreira, submetidos a uma obrigação de lealdade institucional, isto é, sujeitos a aplicar as decisões tomadas pela direcção política do seu departamento ou agência, e os executivos nomeados pela sua lealdade política” (Gain apud Nunes, 2006: 308 a 309). No caso português, à semelhança do sistema francês de recrutamento do pessoal dirigente, encontra-se sob descrição do poder político. À luz da legislação de 1979, o recrutamento para os cargos de director-geral e subdirector-geral ou equiparados é feito por livre escolha entre os indivíduos habilitados com licenciatura e experiência adequada, notando-se a tendência para ser mais circunscrito à função pública, embora mantendo sempre à possibilidade de recorrer a outro pessoal (Carmo, 1985: 158; Cruz, 1999).

Entretanto, esse dispositivo legal no seu artigo 12º, nº 4 permitia que, excepcionalmente, se dispensasse o requisito habilitacional, desde que devidamente fundamentado. A referida excepção começou a ser regra a ponto de quase 1/3 do recrutamento passar a ser recrutada por essa via (Carmo: 1985 p.159). As legislações subsequentes corrigiram essa distorção, sendo os altos dirigentes todos eles escolhidos por livre escolha dos dirigentes exclusivamente entre os indivíduos habilitados com formação superior vinculados ou não á Administração Pública (Nunes: 2006: 220; Nunes, 2003: 100).

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Elites na Ex-URSS e no Leste Europeu

Desde a publicação da “A Nova Classe”, de Milovan Djilas (1957), a respeito da existência de uma nova classe dominante na antiga URSS e no leste europeu, uma atenção particular tem sido dada ao processo de formação e reprodução da elite dirigente nos países comunistas. Para Djilas, a abolição da propriedade privada dos meios de produção e instauração da ditadura do proletariado preconizada pelos marxistas como antídoto para combater a exploração de uma classe sobre a outra, como fora longamente debatida no seio dos intelectuais marxistas do fim do século XIX e início do século XX não inibiu o aparecimento de uma nova classe tão poderosa como a que existe nas sociedades capitalistas.

Djilas postula que a apropriação da autoridade político-burocrática pelos membros da nomenclatura confere a esse grupo uma grande vantagem na apropriação dos recursos materiais e simbólicos produzidos pelo estado socialista. Assim, a exploração do proletariado exorcizada pelos marxistas retorna sob novas vestes pelas vias da burocratização do poder político instituído (ibidem: 46 a 47).

Ex-URSS: uma nomenclatura do partido

Com a revolução bolchevique de 1917, as velhas aristocracias portadoras de capitais simbólico, económico e cultural foram aniquiladas em favor da emergência de uma nova geração de intelectuais e de homens do partido comunista, cujo poder assenta, essencialmente, no capital político.

No período estalinista intensifica-se a expansão do Estado totalitário que requer a proliferação de uma ampla burocracia no sector produtivo e na esfera governamental. Abre-se o caminho à era dos quadros, recrutados, na fase inicial, no seio grande da massa campesina. Nesta fase, ocorre um intenso processo de mobilidade social dos quadros provenientes das camadas populares constituídas em sua larga maioria pelos trabalhadores agrícolas e operários (Cf. Farmer, 1999, p38; Bauquet, 2006: 38-39). Doravante, a aquisição do capital político através do militantismo leal, torna-se um critério decisivo.

Entretanto, como observa Bauquet, a origem operária, durante muito tempo um critério importante para o acesso à elite, torna-se cada vez mais de difícil aplicação à medida que os quadros procuram transmitir seus status à geração seguinte. O ciclo de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 mobilidade social ascendente de que beneficiaram os operários e camponeses passa a depender da posse de um diploma superior. Com efeito, é em torno da luta pela obtenção dessa credencial que se organiza a competição entre os grupos sociais (2006: 42).

No concernente ao espaço de formação, na URSS não havia uma instituição que monopolizasse a formação e treinamento das elites. Muitos graduados das escolas do partido integram a elite intermédia, sendo a elite de cúpula formada e treinada nos institutos técnicos e universidades (Farmer, 1999: 32).

Com as mudanças ocorridas a partir dos finais dos anos 80, verifica-se uma expressiva e renovação da elite política que, entretanto, não é acompanhada pela renovação da elite económica. Antes pelo contrário, são as velhas elites políticas que se reconvertem em elites económicas, prática, como se verá seguidamente, estender-se-á a outros antigos países da zona de influência do Kremelin no Leste europeu. (Bauquet, 2006: 51).

Elites nos antigos países do leste europeu

No leste europeu e na antiga União Soviética, após a fase inicial de grande ascensão dos quadros, em substituição da velha elite aristocrática, oriundos do proletariado campesino e urbano, a nomenclatura tende a reproduzir-se no seio dos quadros pela apropriação diferenciada do capital político, social e cultural, como bem pressagiara Bourdieu (1989). No decurso do tempo, a elite governante torna-se uma elite uniforme com elevado padrão de coesão social e lealdade política.

Na Polónia, diferentemente dos demais países, a maioria da elite foi recrutada mais no seio dos profissões intelectuais do que nas restantes categorias profissionais. Segundo, Mink, este fenómeno é claramente perceptível em 1973, acentuando-se nos anos 80, em detrimento de grupos emergentes da classe dos operários e dos agricultores. Outrossim, nota-se uma fraca reprodução da nomenclatura (2006: 216).

No caso da antiga RDA, segundo Kott verifica-se uma enorme renovação da elite dirigente com o processo de “desnazificação” que leva à ascensão de dirigentes provenientes do meio rural, operários e pequenos empregados. Em 1961, 66% dos quadros do partido eram de origem trabalhadora, sendo os critérios de recrutamento das pessoas susceptíveis de serem quadros os seguintes: 1) lealdade ao regime e ao partido;

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2) ser originárias da classe trabalhadora e 3) competência (formação na escola do partido) (2006: 173).

Entretanto, a partir dos finais dos anos 1970, com o bloqueio da mobilidade ascendente, o recrutamento tende a ser cada vez mais endogâmico. Nos finais dos anos 70, nota-se a emergência de uma “contra elite” que busca reposicionar-se entre a lealdade ao partido e as exigências técnicas de modernização e de mobilidade pessoal. Da parte da nomenclatura verifica-se uma desconfiança face ao crescente papel atribuído aos quadros” (ibidem: 178-179).

Na Roménia, como assevera Boia, o comunismo modificou quase completamente a fisionomia das elites romenas. As antigas elites políticas e económicas foram de facto aniquiladas. Uma parte importante da elite intelectual foi, todavia, recuperada, mas fortemente enquadrada. Nenhuma outra revolução engendrou uma tal mobilidade social ascendente e descendente (2006: 213).

Entretanto, algumas décadas após a institucionalização do socialismo estatal, a representação dos diferentes estratos da sociedade na cúpula do Estado nos países do Leste e da ex-URSS tende a ser manifestamente desproporcional ao seu peso demográfico. A nova sociedade que resulta da industrialização e que dissolve as velhas estruturas agrárias e os seus laços de sociabilidade comunitária beneficia, acima de tudo, os novos grupos sociais minoritários urbanos ligados ao sector do comércio (Bauquet, 2006).

Assim, após a queda do muro de Berlim, na sequência das reformas da Glasnost introduzidas por Gorbatchev, um extenso inquérito da European Survey de 1990, coordenado por Gil Eyal et Eleanor Towsley, procedeu a uma comparação a composição social da nomenclatura nos países do leste (Polónia e Hungria) e da Rússia e do Leste europeu (Eyal e Towsley apud Bauquet: 2006).

Segundo esses estudiosos, é a Rússia que apresenta a taxa de reprodução e endogamia mais elevada, sendo que 60% dos membros da nomenclatura são descendentes de pais da elite, geralmente quadros da economia, profissionais intelectuais, e mais de metade das esposas provenientes do mesmo meio social. Em contrapartida, na Hungria a reprodução, ainda que real, é menos pronunciada, com 30%. Em suma, os dados do inquérito apontam para a formação de uma classe dominante que associa a reprodução

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 social da burocracia com a cooptação das camadas intelectuais, obtendo uma posição dominante no sistema político (ibidem: 45).

Reconversão das elites políticas em elites económicas

Com a queda do regime político em 1989 são, em geral, as velhas elites do partido comunista que se assenhoram do sector privado, constituindo-se em chefes de empresas. Assim, na Hungria, a reconversão da elite húngara opera-se durante a década de 80 e, “beneficiando das vantagens ligadas à sua posição e graças á técnica de apropriação empregada no decurso da transformação económica, a volta de 4/5 da elite económica e gestora do antigo regime, mantém o seu lugar até hoje” (Rominski, 2006: 276).

De igual modo, na Polónia constata-se uma reconversão das antigas elites políticas (secretários locais do partido, secretários permanentes do Partido), directores de fábricas ou directores dispensados por razões políticas ou por supressão de postos se reconvertem em empresários eficazes. Neste país, a lei não estabelece incompatibilidade entre a actividade política e a actividade empresarial e são os antigos membros da nomenklatura – os tais barões vermelhos, segundo a expressão do sociólogo húngaro Elemer Hankis – antes da mudança de regime, que se apropriam do sector produtivo do Estado, no quadro das reformas económicas introduzidas pelo general Jaruzelski nos finais dos anos 80 (Bauquet, 2006: 214).

Breve excurso sobre elites nos países africanos: uma fraca renovação das elites

Daloz e Chabal (1999) ao efectuarem o exame da composição dos parlamentos, dos governos e de entourage em vários países africanos, constataram uma notável continuidade, incluindo nos países onde se ajuizava haver uma forte renovação. Os indivíduos recrutados são, geralmente, aqueles com uma longa carreira, evidenciando também uma restrita participação de figuras inéditas.

Os jovens, contrariamente ao que acontece na Europa, amiúde considerada como tempo ideal, são apartados das principais posições de poder. A utopia deles é de aparente paciência, esperando ser mais velhos e ganhar maturidade para, segundo Augé (2006) poderem beneficiar de autoridade a nível do Estado e da sociedade. (Augé, 2006). No caso dos países africanos, Daloz e Chabal (1999) postulam que a débil institucionalização do poder estatal e a falta de uma classe política propriamente dita levam a uma ausência de espírito de solidariedade suficientemente desenvolvido no seio

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dos políticos. Eis por que os estudos das elites têm um maior potencial heurístico para a compreensão da lógica do exercício do poder do que o de classe política.

Gabão e Benin

Segundo Augé, no Gabão e, em muitos países africanos, longe de existir uma renovação das elites, elas constituem um tipo de elites reliftées e se inscrevem numa lógica de prolongamento do sistema. Elas não têm nenhuma capacidade regenerativa, uma vez que elas mesmas são originárias desse viveiro, o partido democrático gabonês. (2005: 142).

A fraca renovação das elites que resulta da própria dinâmica do sistema político que induz à reprodução dos estabelecidos. Em primeiro lugar, o enraizamento da cultura do chefe como algo estrutural na prática dos dirigentes, torna eterno o microcosmo político do poder. Trata-se, na verdade, da sacralização dos “velhos. Em segundo, um sistema de dependência da sociedade face ao Estado, entretanto, patrimonializado pelos dirigentes políticos, autênticos empresários desta macroestrutura, garante a estes uma distribuição prebendária dos recursos do Estado. Entre 1990 a 1999, duas figuras emergem: os homens políticos e os altos funcionários, sendo estes últimos os maiores provedores das elites governamentais (ibidem: 142).

Um dos elementos peculiares do caso gabonês é a rotação horizontal, e não a circulação horizontal das elites a que Augé apelida de jogos das cadeiras musicais. Ou seja,“jeu des chasse musicales dans lequel les acteurs s’éloignent temporairement pour revenir dans le jeu de façon encore plus présente, en repositionnant, parfois de manière multiple en dédoublant leurs responsabilités administratives, politiques, économique » (ibidem: 161). Esse processo de rotação horizontal das elites governamentais efectua-se segundo dois processos concomitantes : o reposicionamento e o multiposicionamento.

O processo de reposicionamento opera-se numa situação de multiposicionamento através de açambarcamento de postos nos ministérios e nas empresas para-públicas e responde à necessidade funcional do sistema político de diversificação dos espaços de acumulação. De referir que no Gabão 64% dos membros do Governo têm funções múltiplas, simultaneamente ministros e membros de Conselho de Administração ou responsável de PME-PMI (ibidem: 163).

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Em relação ao Benin, a cena política é dominada por pessoas com perfil semelhante. A renovação democrática inscreve-se na senda da continuidade do regime político precedente e que não induziram a mudanças de maior. Verifica-se uma reciclagem da elite política, com a liberalização feita por Kérokou em 1989 (Mayrargue, 1999: 35).

Segundo o autor, de entre as várias fileiras de acesso à elite, na fase inicial as Forças Armadas e o partido-Estado representaram a via privilegiada de ascensão social nesse país militaro-marxista. Já com a abertura política nos anos 90, nota-se a coexistência entre as elites antigas e as novas, uma mescla de cooptação das elites económicas, sociais e intelectuais e tradicionais na esfera política, sendo a pertença partidária um critério insofismável (ibidem: 46).

Em suma, a democratização não significou uma renovação do pessoal político, nem modificou a maneira de se fazer política no Benin. As elites parecem, finalmente, constituir, a despeito da diversificação das trajectórias e de seus percursos, um meio homogéneo nas práticas de políticas idênticas.

Guiné Bissau e Angola

A imposição do Estatuto do Indigenato, no quadro da política do Estado Novo, à maioria das populações africanas sob a dominação colonial portuguesa (exceptos Cabo Verde e São Tomé e Príncipe), ao estigmatizar boa parte dos descendentes da raça negra e seus descendentes incivilizados a ponto de lhes serem aplicados os códigos do direito civil e direito público, retardou a formação e emergência de uma elite local.

Como constata Mateus, na década de 50 a maioria dos africanos (de Angola, Moçambique e Guiné) era considerada indígena, pois de 10.388.360 habitantes desses 3 países, apenas 235629, ou seja, 2% eram considerados civilizados (1999: 22 a 23).

A presença da elite nativa angolana, moçambicana e guineense na gestão da administração resume-se a cargos subalternos e intermédios da administração local e central (idem, ibidem, p.23). Isto deve-se ao incipiente investimento feito no sistema educativo, em larga medida direccionada para os descendentes dos colonos residentes nos centos urbanos de Luanda, Lourenço Marques (Maputo) e Bissau, vedando a população autóctone de quaisquer veleidades de participar na gestão da governação.

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Guiné-Bissau

Na Guiné-Bissau, a constituição da moderna elite guineense data-se dos finais do século XIX, com a consolidação do Estado colonial que estende a sua administração para os demais espaços do território guineense. Entre finais do século XIX a até os anos 50 do século XX, como alude Cardoso, nota-se a emergência de uma elite local intermédia escolarizada, descendentes de cabo-verdianos e portugueses que ali residiam: Com efeito, segundo esse autor,

“a consolidação da estrutura administrativa colonial de 1920 a 1950 reforçou a proeminência política de um pequeno número de africanos relativamente privilegiados. Esta elite era largamente constituída por cabo-verdianos obrigados a emigrar para a Guiné, descendentes destes e mestiços e, progressivamente, passou a envolver alguns destacados elementos da comunidade local. Assim, alguns guineenses de “cor escura” também faziam parte desta elite” (2002: 17) .

Essa elite intermédia que surge com a nova política ultramarina constitui base de onde o PAIGC recruta parte dos militantes para a causa da luta de libertação. Como constata Cardoso não há uma linha de continuidade entre essa elite intermédia nascente (famílias Cabral, Almada, Pereira, Lacerda, Barbosa, Turpin, Fortes) e a velha elite guineense do fim do século XIX, remanescente da elite luso-cabo-verdiana que dominou a Guiné durante longos séculos – Pereira, Carvalho, Alvarenga, etc (ibidem: 18).

Com a independência, consagra-se a elite dirigente do PAIGC integrada por uma classe média urbana que, por imperativos de legitimação política, abre novas oportunidades aos militantes descendentes de larga franja do campesinato que vê na participação das estruturas do partido uma oportunidade de ascensão social (ibidem: 200; Coutinho: 2004). Aliás, no dealbar da independência parte importante dos militares ocupa os postos de administração deixados pela elite intermédia em fuga para metrópole receando as investidas do PAIGC.

Com a realização das eleições em 1999, numa alternância do poder, abriu-se a possibilidade de um certo rejuvenescimento da elite política, nomeadamente através da consolidação do papel dos partidos políticos na cena política e através das eleições competitivas. Entretanto, a abertura política é precedida por uma abertura económica largamente dominada pela antiga elite político-burocrática que também se assenhora do aparelho produtivo, entretanto, como demonstra Fernandes, largamente dependente das

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 relações com o Estado – ainda um grande empregador e consumidor dos bens e serviços (Fernandes apud Cardoso, 2003: 22).

O processo de mudança política dos finais dos anos 90 patenteia mais para uma recomposição e readaptação das velhas elites e cooptação dos novos quadros do que para uma renovação política. Como alude Cardoso, “a recomposição dos actores políticos e a diversificação das trajectórias seguidas não provocaram uma verdadeira renovação da elite, nem na sua composição social, nem no seu comportamento” (ibidem: 26). A base social de recrutamento do PAIGC mantinha-se ainda largamente dominada pelos sectores urbanos, com uma forte presente de quadros qualificados com formação média e superior.

Angola

Conforme foi mencionado anteriormente, a imposição do estatuto de indigenato à população angolana, retardou em grande medida o investimento no sistema de ensino e no alargamento das oportunidades de escolarização que viriam a acontecer nas décadas 50 e 60, no quadro da nova política ultramarina, sob a batuta de Adriano Moreira. Como constata Mateus, em Angola, no ano de 1948, nos dois liceus existentes em Luanda e Lubango, não se encontravam mais de cinco estudantes negros matriculados (1999: 30).

Os nativos que conseguiam aceder à escolarização provinham de famílias mestiças tradicionais que, por laços de casamento com os colonos, acabaram por adquirir um capital simbólico, cultural e económico que lhes permitiam educar os seus filhos nas instituições na capital do país ou da metrópole. Trata-se, no caso angolano, de uma minúscula aristocracia de cerca de uma dúzia de famílias fortemente implantadas, os mais poderosos de que são exemplo Matoso de Andrade, Pinheiro Falcão, Velasco Galiano ou Van Dunen. Estas famílias, como ocorrera em Cabo Verde, intentavam através do matrimónio manter-se tão brancas quanto possível, casando as suas filhas com oficiais de alta patente da marinha e do exército, reforçando assim os seus laços com estes países (ibidem: 46).

Com a independência, são os dirigentes políticos oriundos da pequena burguesia urbana escolarizada no exterior que frequentaram os círculos estudantis em Portugal,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 nomeadamente a Casa dos Estudantes do Império, que lideram o movimento de luta de libertação nacional e acederam à cúpula das esferas política e administrativa. Esse processo abriu oportunidades aos antigos funcionários nativos subalternos e jovens quadros, agora militantes do MPLA, a galgarem postos importantes da administração central e nas províncias.

À guisa de conclusão, os processos de configuração das elites, como analisámos de decurso deste capítulo, resultam de dimensões histórico-políticas específicas que matizam formação de cada sociedade. Constatámos que na Europa ocidental e nos EUA em geral, as elites político-administrativas, do ponto de vista de sua origem social, são recrutadas no seio dos estratos sociais mais favorecidos em razão do longo processo de afirmação das famílias como espaço decisivo de reprodução social como demonstrara Bourdieu (2004) nos seus estudos sobre a reconversão e reprodução das elites.

No que diz respeito à antiga União Soviética e aos países do leste europeu, o partido e o Estado cumpriram um papel crucial na formação das suas elites. As mudanças revolucionárias engendraram um elevado processo de mobilidade social dos descendentes do campesinato que beneficiaram da massificação do ensino superior, quer nas escolas do partido quer nas instituições públicas. Os indivíduos das famílias aristocráticas que acederam aos altos cargos passaram por um processo de reconversão ideológica sem a qual dificilmente poderiam almejar postos de cúpula no parelho partidário, na administração e no aparelho produtivo. Todavia, a grande mobilidade social verificada nas primeiras décadas pós-revolução veio a alterar-se completamente com a expansão acelerada de uma classe média urbana altamente qualificada de onde passou a ser recrutada essa nova elite, conduzindo assim a um contínuo processo de reprodução.

Outrossim, além do processo de reprodução da elite político-administrativa, com a reconversão da economia estatal para uma economia de mercado, verifica-se também uma reconversão da elite-político-administrativa (antigos gestores das empresas estatais) em elites empresariais, que passam a beneficiar de dupla oportunidade – política e económica.

Nos países da África sub-sahariana, o processo que conduziu à independências das antigas colónias permitiu também que os partidos forjados no processo de luta de libertação tivessem um papel crucial na formação das novas elites. Estes possuíam um

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 capital político elevado que lhes permitiam assenhorear-se do Estado e, por essa via, beneficiarem das melhores oportunidades de acumulação de capital económico, simbólico e cultural.

Entretanto, os ventos de renovação do sistema político dos finais do anos 80 e início dos anos 90, não se traduziram pela renovação das elites. Antes pelo contrário, na maioria dos casos serviram para arregimentar o poder das velhas elites que, entretanto, recicladas ao novo quadro político, mantiveram as rédeas do controlo do Estado e das oportunidades a ele vinculadas. Os jovens quadros provenientes dos mais diversos estratos sociais, salvo aqueles que passavam pelo filtro político do partido dominante, poucas oportunidades tiveram de aceder a cargos importantes da esfera estatal.

Contudo, o debate teórico em torno do processo de reprodução e transformação das elites não tem sido pacífico. Vários estudos nas últimas décadas vem relativizando e regatando a natureza dessas dinâmicas de configuração das elites.

1.2. Dinâmica de reprodução e transformação social das elites

Uma primeira aproximação a partir da teoria do espaço social de Pierre Bourdieu

A proposta teórica de Bourdieu filia-se à filosofia de acção a que ele designa de disposicional “qui prend acte des potentialités inscrites dans le corps des agents et dans la structure des situations où ils agissent ou, plus exactement, dans leur relation” em contraposição a uma filosofia de consciência cujo leit motiv é um sujeito da razão, sob vários aspectos a-social (Bourdieu, 1994: 9). Para a operacionalização de uma filosofia de acção, o autor propõe algumas categorias analíticas como o espaço social, o campo e o habitus, que possibilitam apreender a lógica mais profunda do mundo social e da relação empreendida entre os agentes que interagem nesse espaço.

A teoria de Bourdieu sobre a configuração do espaço social, enquanto espaço assimétrico de poder, é largamente utlizada para explicar o processo de dominação de classes sociais em resultado da apropriação desigual das diferentes espécies de capital – económico, cultural, simbólico, social, político, informacional.

Para Bourdieu, como sublinha Campenhoudt, as diferentes espécies de capital não têm a mesma importância, o mesmo poder e prestígio. Actualmente, o capital económico é, certamente, decisivo, pela capacidade de mobilizar outras espécies de capital

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(Campenhoudt, 2007: 131; Cf. Durant et Weil, 2006). Assim, a preponderância de uma determinada espécie de capital depende das condições específicas vigentes num determinado espaço social e da forma como dela se apropriam os agentes em luta na arena social.

Esse autor define o espaço social como um espaço multidimensional “construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição construídos pelo conjunto de propriedades que actuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir ao seu detentor força ou poder neste universo. Os agentes e grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas neste espaço (Bourdieu, 2001: 133 a 134; idem, 1994: 20). Consequentemente, as classes sociais, no sentido lógico do termo, nada mais são do que “conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posição semelhantes” (ibidem: 136).

No interior de um determinado espaço social proliferam diferentes campos enquanto “espaços multidimensionais de posições, com hierarquias e regras próprias tal que qualquer posição pode ser definida em função quer do volume global de capital dos agentes, quer pelo peso relativo das diferentes espécies de capital no conjunto de suas posses” (Bourdieu, 2001: 135). Assim, a posição dos agentes num determinado campo evolui segundo três dimensões importantes: «dans la première dimension, les agents se distribuent selon le volume global du capital, toutes espèces confondues, qu’ils possèdent ; dans deuxième, selon la structure de ce capital, c’est-à-dire selon le poids relatif du capital économique et du capital culturel dans l’ensemble de leur patrimoine ; dans la troisième, selon évolution dans le temps du volume et de la structure de leur capital » (1994 : 32).

Uma das contribuições essenciais da teoria de Bourdieu prende-se com o facto de explicitar como a posse de determinadas espécies de capital condiciona a posição dos agentes no espaço social e, consequentemente, a sua trajectória no decurso de gerações. É que a posição social dos agentes no espaço social está indissociavelmente ligada à aquisição de um determinado habitus, enquanto “sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como esquemas geradoras de estratégias que podem estar objectivamente em conformidade com os interesses dos

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 seus actores sem ter sido expressamente concebido para o efeito” (1980: 19:). O habitus torna-se expressão da socialização (interiorização das condições objectivas) a que estão submetidos os agentes sociais em resultado da sua posição social.

Nesse sentido, o habitus, como observa Duru-Bellat e Zanten, permite aos agentes “aprenderem a antecipar seu futuro conforme sua experiência do presente e, então, a não desejar o que, no seu grupo, aparece como eminentemente pouco provável. (1999: 75). Em geral, as teorias de reprodução enfatizam a correlação entre a origem social e a trajectória escolar dos indivíduos (Baudelot et Establet, 1986) obliterando a importância da singularidade, como o fazem Dubet Charlot (Dubet: 1998; Charlot:1992: 121; idem, 1998; Forquin, 1990; Duru-Bellat, 1999).

Bourdieu, todavia, intenta uma resposta a esse respeito através do conceito de habitus, mostrando como as práticas aparentemente individuais, livres, produzem efeitos que transparecem nos estudos estatísticos. É que para Bourdieu apud Charlot, « les pratiques individuelles portent la marque de l'origine sociale en tant qu'elles sont organisées par un habitus qui est lui-même structuré par les conditions sociales d'existence » (Bourdieu apud Charlot, 1992: 121). Entretanto, como adverte Barthez, o habitus é um termo explicativo sob a condição de que ele mesmo seja explicado. (Barthez apud Charlot, 1992: 121).

Bourdieu e Passeron, na obra Les Héritiers, postulam que as camadas mais favorecidas são aquelas que melhor desempenho logram no decurso de sua trajectória escolar. Asseveram, referindo-se às evidências estatísticas, que “le système scolaire opère, objectivement, une élimination d’autant plus totale que l’on va vers les classes les plus défavorisées”, sendo a origem social de entre outras determinantes aquela com maior influência em todos os níveis de experiência social” (1985: 11 a 23).

Num outro estudo conjunto sobre o sistema escolar, Bourdieu e Passeron consideram que

“todo sistema de ensino institucionalizado deve as características específicas de sua estrutura e do seu funcionamento ao facto de que precisa produzir e reproduzir, pelos meios próprios, as condições institucionais cuja existência e persistência (auto- reprodução da instituição) são necessárias tanto ao exercício da sua função própria de inculcação como à realização da sua função de reprodução dum arbitrário cultural de que ele não é produtor (reprodução cultural) e cuja reprodução contribui para a reprodução das relações entre os grupos ou as classes sociais” (1970: 81).

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A abordagem destes dois autores intenta demonstrar, de um lado, como o sistema de ensino constitui, do ponto de vista institucional, um aparelho de imposição simbólica da cultura burguesa legitimando a reprodução das desigualdades sociais. Do outro, numa perspectiva individual, como o habitus de classe incorporado no decurso do processo de socialização assegura a reprodução legítima das posições de origem (Dubar, 2000).

Os aportes teóricos de Bourdeiu e Passeron a respeito do processo de reprodução social através da educação conheceram uma larga utilização na Europa (Charles, 2006) e, especialmente, nos países sub-desenvolvidos onde as desigualdades sociais, em razão das fragilidades de Estado social, ganharam enorme proporções.

Suas contribuições, ainda que tenham revelado profundas desigualdades de oportunidades de aquisição de capital escolar decorrente do processo de reprodução cultural vigente no sistema educativo francês, são insatisfatórias para explicar como os próprios agentes, no decurso da sua trajectória social, conseguem romper com as amarras vinculadas à sua posição no espaço social.

Conforme afirma Dubar, a abordagem de Bourdieu dá conta “de uma forma de socialização que permanece sem dúvida maioritária – a de reprodução de posições relativas e as disposições ligadas a essas posições. Ela privilegia a continuidade em relação às rupturas, a coerência em relação às contradições. Ela permite explicar a reprodução da ordem social, mas responde mal à produção de mudanças” (2000: 80).

Críticas à perspectiva de Bourdieu a respeito do processo de reprodução social

Para o Charlot, Bourdieu, sob certos aspectos, filia-se na mesma tradição que Durkheim ao construir uma sociologia assente num sujeito aprisionado. Assim, o agente social de que fala Bourdieu não é um indivíduo autónomo, consciente de suas motivações, cuja consciência intencional visaria os fins explícitos. Na verdade, Bourdieu ao criticar o sujeito da filosofia clássica, livre e racional, envolve-se na redoma de apresentar uma saída epistemológica que implica uma quase anulação do sujeito. O sujeito bourdieusiano é um ser social, entretanto, refém dos mecanismos de socialização a que está submetido (Cahrlot, 1992: 37).

Nesse sentido, Bourdieu ao introduzir na sua teoria um lugar para o psiquismo, este não é pensado em referência a um sujeito, mas a um psiquismo de posição, negligenciando o facto de que “ le psychique, la subjectivité, a des lois propres d’organisation et de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 fonctionnement, irrécdutibles à celles de «‘l’esxterieur» du social, d’un espace de positions. Lorsque l’exterieur devient intérieur, il ne change seulement de place mais aussi de logique”. Na verdade, o indivíduo não interioriza o mundo, ele se apropria dele na lógica do sujeito – o que é totalmente diferente (Charlot, 2005: 38).

Todavia, as teorias de reprodução de que Bourdieu é um dos melhores expoentes não conseguem explicar os casos marginais. Por exemplo, como é que uma parcela das crianças das famílias desfavorecidas alcança sucesso nas escolas e uma fracção das camadas favorecidas não a obtém (Charlot, 1992: 20).

Para o autor, a força da sociologia de Bourdieu é de “relembrar incansavelmente contra a filosofia de consciência que o sujeito é social, mesmo que pareça ser o mais íntimo. Entretanto, esta sociologia exclui o sujeito da psicologia”. Se é verdade que todo o sujeito pertence a um grupo social, ele não se reduz a esse pertencimento. Ele interpreta essa posição, faz o juízo do mundo, age sobre ele, e é confrontado com a necessidade de aprender diversas formas de saber – e sua relação com o saber é o efeito desses múltiplos processos (Charlot, 2005: 39 a 41).

Para Charlot, a abordagem de Bourdieu comporta em si várias limitações. Primeiro, o facto de decalcar a posição social das famílias das categorias socioprofissionais gera alguma imprecisão. Como demonstra Laurens (1992), “la position sociale des grands- parents pouvait avoir un effet sur la position scolaire des enfants, notamment en cas de contre-mobilité (le fils rejoint une position qui était celle du grand-père et avait perdue par le père” (Laurens apud Charlot, 2005).

A segunda limitação prende-se com o facto de a homologia ser uma relação matemática e não um princípio de efectividade. O problema reside em como se processa a reprodução, pois a posição de uma criança não é uma herança que passaria de uma geração à outra pela vontade testamentária, ela se produz por um conjunto de práticas familiares. O sucesso escolar não é apenas uma questão de capital, mas de trabalho, mais precisamente de actividades, de práticas. Ademais, a prática religiosa e o militantismo podem, em contextos específicos, ter um efeito sobre o desempenho escolar das crianças (ibidem: 22 a 23).

Nesse sentido, Duru-Bellat adverte que no caso francês os dados de 1998 apontavam que “a origem social não determinava incondicionalmente a carreira escolar, pois entre

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 os adultos de 25-34 anos, 25% das crianças de filhos de operários têm diploma superior e 18% das crianças filhos de famílias favorecidas não têm nem sequer o baccalaureat.” (Duru-bellat e Zanten, 2000: 231).

Relembra esta autora, citando o estudo de Heyneman, em 1986, a fraca influência do meio social nas carreiras escolares registadas nos países mais pobres (Heynement apud Duru-Bellat, 1999: 97). Essa constatação resulta dos extensos estudos realizados pelas organizações internacionais sobre os efeitos da desigualdade social sobre o processo de escolarização, tendo os mesmos indicado que os resultados escolares dependiam mais das variações dos contextos de aprendizagem escolares e das estratégias familiares de escolarização do que das discrepâncias sociais (Carron et Chau, 1998).

Entretanto, é preciso relativizar essas conclusões, uma vez que o impacto do meio social sobre o desempenho escolar em sociedades onde a estratificação social ainda não se encontra estável não será, certamente, o mesmo que em países cujas estruturas sociais se acham há pelo menos um século relativamente cristalizadas.

A reconstrução do papel do sujeito na definição da sua trajectória social e escolar a partir das contribuições de François Dubet e Bernard Charlot

A abordagem de François Dubet pretende escapar ao determinismo social inerente a uma abordagem sistémica da sociedade na qual o indivíduo subsume-se, através da socialização, aos imperativos do mundo social. Ele funda a sua teoria sobre a experiência social a partir da reconstrução da sociologia compreensiva de Max Weber, que assenta no sentido que os indivíduos imputam às suas acções (Dubet, 1996; Weber, 1991: 3 a 35).

A sociologia da experiência social proposta por Dubet visa definir a experiência como uma combinação de lógicas de acção, lógicas essas que ligam o actor a cada uma das dimensões de um sistema social, obrigando-o a engendrar estratégias diversas. Segundo o autor, a experiência não tem nenhum sentido e utilidade se a acção não for redutível à versão subjectiva do sistema, se o actor não for totalmente socializado. Com efeito, existe na experiência social alguma coisa de inalcançável e de opaco, uma vez que não há uma adequação absoluta da subjectividade do actor e a objectividade do sistema. Ao jeito de Simmel, Dubet diz que é necessário recusar a ideia de uma socialização total. A

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 maneira como um indivíduo é socializado depende também da maneira como ele não o é” (Simmel apud Dubet: 93 a105).

Para Dubet, cada experiência social resulta da articulação de três lógicas de acção: a integração, a estratégia e a subjectivação. Assim, na lógica de integração, o actor se define pelo seu pertencimento, tendo em vista a manter ou reforçar no seio de uma sociedade considerada enquanto um sistema de integração. Na lógica de estratégia, o actor busca realizar a concepção que ele faz dos seus interesses numa sociedade concebida como mercado. No registo de subjectivação social, o actor se representa como um sujeito crítico confrontado a uma sociedade definida como um sistema de produção e de dominação” (1996: 111; Cf. Duru-Bellat, 2002).

Para esse autor, “ o indivíduo torna-se um sujeito autónomo na dissidência e no conflito, na distância através da crítica, da capacidade de análise e de explicação mobilizado pelos actores que recusam ser reduzidos às categorias da integração” (Dubet, 1996: .255; Cf. Touraine: 1995: 31).

Bernard de Charlot, na esteira de Dubet, considera que

“um sujeito é um ser humano, aberto que não se reduz ao aqui e agora, portador de desejo e influenciado por esses desejos, em interacção com os outros seres humanos, que são também sujeitos. É um ser social que nasce e cresce numa família (ou um substituto de família) que ocupa uma posição no espaço social, que se insere nas relações sociais; um ser singular que tem uma história, interpreta o mundo, reflecte sobre esse mundo, da posição que ocupa, de suas relações com os outros, de sua própria história e de sua singularidade. Este sujeito age sobre o mundo, se produz ele mesmo e é produto desse mundo” (Charlot, 1999: 35). A relação do sujeito com o mundo, consigo mesmo e com os outros é uma relação de saber (rapport au savoir), uma relação prenhe de significados a partir dos quais o indivíduo vislumbra um horizonte de actividades. Assim, a relação ao saber é o sujeito ele próprio, enquanto alguém que aprende e se apropria do mundo, construindo-se nessa dinâmica (ibidem: 90 a 95).

1.4. Conceitos operacionais A dinâmica de formação das elites resulta das condições socioeconómicas e político- institucionais históricas que podem favorecer e/ou obstaculizar que os indivíduos de diferentes grupos sociais acedam a posições de relevo numa determinada sociedade. Independentemente das clivagens entre as abordagens dominantes no campo sociologia das elites de cunho neomarxista (Mills: 1969; Giddens, 1975) ou de índole mais liberal

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

(Aron: 1988 e Dahl: 1975) a respeito da velha questão de quem domina e governa nas sociedades democráticas, convém notar que existe um mínimo comum entre essas perspectivas antagónicas que reside em considerar a importância funcional e as oportunidades de diferenciação que essa posição de elite oferece em relação ao conjunto da sociedade.

Assim, para a compreensão do processo de configuração da elite político-administrativa cabo-verdiana recorremos à proposta de Giddens segundo o qual o conceito funcional de elite “designa todos os indivíduos que ocupam posições de autoridade formal definidas na cúpula de uma organização social ou institucional”. (Giddens, 1975; Cf. também Genieys, 2006).

No que concerne à expressão “elite político-administrativa”, utilizámo-la para designar os indivíduos que ocupam posições no topo da administração do Estado, cuja nomeação é, entretanto, permeada por relações de índole política (Chevalier, 1997; Suleiman, 2005).

No capítulo que se segue, analisaremos algumas dimensões históricas que têm a ver com evolução socioeconómica e político-institucional do arquipélago no esforço de fixar algumas balizas a partir das quais emergem a moderna sociedade e estado cabo- verdianos, bem como como a velha elite crioula da segunda metade do século XVII.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Capítulo 2: Notas sobre a formação da sociedade e da edificação do Estado moderno cabo-verdianos

Este capítulo propõe-se empreender uma releitura longitudinal sobre a génese e formação da sociedade cabo-verdiana, realçando dinâmicas decisivas no processo de formação de um grupo social específico, objecto da nossa investigação – a elite político- administrativa. A formação e o desenvolvimento desse tipo elite, como aludimos no capítulo primeiro, estão inexoravelmente vinculados a dinâmicas de estratificação social, a oportunidades de escolarização e às condições estruturais do funcionamento do sistema político num determinado espaço social.

Nesse olhar retrospectivo sobre a sociedade cabo-verdiana, a nossa perspectiva de análise orienta-se no sentido de considerar que cada sociedade engendra e inventa, em função dos seus recursos simbólicos e materiais disponíveis, dinâmicas específicas de configuração social postas em marcha por indivíduos e grupos sociais em luta num determinado espaço social.

Este viés epistemológico inaugurado por Max Weber (1974) foi largamente desenvolvido por Norbert Elias (1993) no esforço compreensivo e explicativo para delinear os contornos da singularidade do processo de modernização ocidental. Nesta mesma esteira, Jessé de Sousa, numa releitura original do processo de modernização do Brasil a partir de aportes de Weber, Elias e Habermas argumenta que a singularidade do processo de modernização brasileira reside especialmente naquilo que muitos a recusam: “uma ambiguidade cultural a partir do embate entre a tradição patriarcal e o processo de ocidentalização, a partir da influência da Europa burguesa” (Souza, 2001: 213). Essa ambiguidade foi muitas vezes considerada inautêntica. Ou seja, um tipo Brasil para inglês ver, fruto do iberismo, do patrimonialismo e do personalismo2. Segundo esse autor, o elemento central do processo de modernização do Brasil não pode ser decalcado de um prolongamento de uma certa maldição originária ibérica, nem de um virtuosismo da vaga modernizadora da emigração europeia nos finais do século XIX, mas, acima de tudo, como um processo complexo contraditório e contínuo de europeização, que faz conviver a ordem liberal com uma sociedade de base escravista em decomposição (ibidem: 213- 250).

2 No Brasil, a partir da segunda metade do século XX, estabeleceu-se um acérrimo debate entre historiadores, sociólogos, antropólogos e filósofos a respeito do processo de modernização da sociedade brasileira e a sua dificuldade em transitar de uma sociedade tradicional-escravista para uma sociedade moderna, liberal-democrática. Entre os apologistas da inautenticidade a que se refere Sousa figuram entre os mais relevantes (Holanda, 2004; Carvalho, 1980, 1987; Faoro: 1989; Da Matta, 1985). 62

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Na primeira parte deste capítulo, apontaremos, resumidamente, de forma descritiva e compreensiva, alguns aspectos históricos que têm a ver com o achamento, o povoamento, a economia, a estrutura social e as instituições político-administrativas. Na segunda, debruçar-nos-emos de forma específica à génese da moderna sociedade cabo-verdiana, incidindo sobre a reconversão de sua estrutura socioeconómica, político-administrativa e cultural com a estabilização do projecto liberal a partir do primeiro quartel do século XIX.

2.1. Achamento, Povoamento, Economia e Estrutura Social

Postadas defronte ao Cabo Verde da costa do Senegal de onde lhe adveio o nome, as ilhas de Cabo Verde situam-se a 455 Km da costa ocidental africana entre as latitudes de 14º23’ e 17º 12’ Norte. e as longitudes de 22º 40’ e 25º 22 Oeste (Amaral, 2001: 2). Composto por 10 ilhas e 2 ilhéus, reza a historiografia oficial que o achamento do arquipélago tenha ocorrido no segundo quartel do século XV, no momento em que a corte portuguesa buscava de novas oportunidades mercantis e de evangelização do novo mundo (Carreira, 1983a; Andrade, 1996; Albuquerque, 2001).

Os portugueses arrogam-se da paternidade do achamento das várias ilhas3 de Cabo Verde em 1460 às quais foram cognominando consoante os santos que abençoavam os feitos dos navegadores (Carreira,1983a; Barcelos, 2003a).

3 Não é consensual entre os historiadores que os descobridores portugueses e genoveses (Cadamosto Diogo Gomes, António da Noli) tenham sido os primeiros a aportar as ilhas de Cabo Verde. Sendo tão próximos do continente, não havia razões substantivas para que outros navegadores árabes e africanos não tivessem aqui chegado em tempos mais remotos. Independentemente da justeza de uma provável imprecisão quanto à autenticidade da versão oficial, é consensual que o povoamento das ilhas tenha sido operado a partir da segunda metade do século XV (Cf. Carreira, 1984; Andrade, 1996; Albuquerque: 2001; Barcelos: 2003a; Correia e Silva: 1996). 63

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Figura 1 -Localização do arquipélago de Cabo Verde

Fonte: http://www.africa-turismo.com/mapas/cabo-verde.htm.

A versão oficial reza ainda que durante a vida do Infante D. Henrique, aclama-se o achamento das primeiras ilhas orientais de Cabo Verde (Sal, Maio, Boa Vista, Santiago e Fogo,) em 1460. Todavia, com o perecimento desse monarca, o Rei D. Afonso V doou por carta régia de forma perpétua estas ilhas ao seu irmão Infante D. Fernando, em 1462, bem como as demais ilhas descobertas entre 1460-62 (Brava, São Nicolau, São Vicente, Santo Antão, Santa Luzia e ilhéus Branco e Raso) (Albuquerque, 2001; Carreira,1983a: 28; Barcelos, 2003a; Andrade, 1996).

A ilha de Santiago foi a primeira a ser povoada, tendo sido ali instituído duas capitanias: uma, a Sul, com sede na Ribeira Grande e a outra a do Norte, em Alcatrazes, sendo responsáveis dois homens de confiança da Casa Real Portuguesa: o genovês António da Noli – servidor do infante D. Henrique e presumível descobridor de algumas das ilhas do arquipélago, a quem foi atribuída a tarefa de proceder ao povoamento de Santiago – e Diogo Afonso, contador da ilha da Madeira e escudeiro do Infante (Domingues, 2001: 47 a 49). Como acontecera com Santiago e Fogo, as demais ilhas foram também doadas, como recompensa, às grandes famílias, com o fito de as povoar e comerciar.

O prelúdio do povoamento do arquipélago nos primeiros anos da década de sessenta quinhentista tornou-se problemática em razão da sua distância do reino e de ser desabitada, não oferecendo oportunidades para o estabelecimento do comércio fácil como era o desiderato dos navegadores (Correia e Silva, 1996; Amaral, 2001).

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O processo de povoamento granjeia novos contornos mediante a outorga por parte da Coroa aos capitães-donatários e aos moradores de Santiago de um conjunto de prerrogativas para povoar e comerciar no arquipélago e na Costa da Guiné. Por ser a colonização portuguesas um empreendimento essencialmente estatal, pois não tendo uma classe média comercial, diferentemente do que ocorrera com Veneza, Génova ou Holanda) a corte portuguesa lançava mão da estratégia de arredamento de privilégios às famílias aristocráticas da confiança do Rei (Almeida, 2004: 4).

Assim, como alude Correia e Silva,

“a despenalização do acesso aos mercados africanos e europeus, a instituição de isenções fiscais são as novas condições que vão permitir a recontextualização e a reclassificação da identidade geográfica de Santiago. A localização da ilha, anteriormente demasiado a sul e a oeste dos mercados altamente apetecidos dos Rios da Guiné, vai tornar-se num valor geo-estratégico a partir de 1466. Além dos privilégios outorgados, a própria localização passa a ser um factor de reforço da atractividade da ilha. Pela impossibilidade de os portugueses se fixarem surplace nos mercados entre o Rio Senegal e a Serra Leoa, devido a razões de climática e sanitária, mas as também de segurança, convinha-lhes um lugar que fosse, simultaneamente, o mais próximo possível dos rios e que contudo não tivesse as desvantagens de uma fixação na terra-firme. A ilha de Santiago era suficientemente longe do continente para ser por si só uma barreira contra as acções ofensiva dos poderes africanos, mas, por um lado, próxima o bastante para se constituir numa base avançada de rápidas e seguras incursões comerciais à costa fronteira. O morador-mercador acumula em relação á sua congénere reinol mais esta vantagem, a localização (…)” (1996: 23). A revalorização geoestratégica de Cabo Verde e da ilha de Santiago, que no contexto arquipelágico era menos desfavorecida em comparação com as demais ilhas em termos de água, terras férteis e logradouro para o ancoramento da navegação, confere-lhe, a partir de 1466, maior centralidade no processo de acolhimento dos primeiros colonos, predominantemente portugueses, e alguns genoveses e espanhóis, bem como uma população africana da Costa da Guiné que aqui aportara na condição de escravo para serem ladinizados e comerciados no mercado internacional (Carreira, 1983a; Baleno, 2001).

A capitania de Ribeira Grande Santiago floresce como cidade porto ancoradouro de negócios com a Costa de Guiné4, o que obrigou a Coroa a provê-la com infra-estruturas e administração para a fiscalização e colecta de impostos resultantes do rápido crescimento do comércio empreendido nessa região oeste africana. A dinâmica

4 A antiga Senegâmbia e Rios da Guiné comportam hoje o Senegal, a Gâmbia, a Serra Leoa e a Guiné-Bissau (Cf. Carreira: 1983, Pelessier: 2003).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 económica e populacional da Ribeira Grande impulsiona o desabrochamento de uma vida social minimamente organizada e das primeiras instituições de governança (Domingues, 2001: 62; Baleno, 2001: 136).

A contínua expansão da economia cabo-verdiana no século XVI, centrada nas grandes donatarias das ilhas de Santiago e do Fogo propicia o surgimento de uma economia geneticamente internacionalizada, baseada no tráfico de escravos, na produção agro- pecuária e no experimento das plantações a serem introduzidas nas Américas.

A economia cabo-verdiana que se estrutura e se desenvolveu ao longo dos séculos XV e XVI estriba-se na exploração de propriedades agrícolas abastecedoras do mercado interno e do comércio internacional de escravos à qual se encontra estruturalmente vinculado, tendo os grandes proprietários rurais e os altos funcionários do reino os grandes mercadores dos tratos de negócios com a Costa da Guiné (Carreira, 1983; Baleno, 2001: 330).

Assim, no segundo quartel do século XVI, a Câmara de Ribeira Grande ganha maior desenvolvimento a ponto de ser elevada à categoria de cidade, tornando-se capital administrativa, militar e sede do Bispado do arquipélago e dos rios da Guiné, um ponto avançado da pretensões portugueses na costa africana.

Evolução da estrutura social No que concerne à dinâmica da estrutura social, os grupos sociais que resultam da primeira fase do povoamento do arquipélago eram integrados por brancos do reino e pela grande massa de escravos utilizada nos afazeres domésticos, nas actividades agro- pastoris e na exportação, enquanto força de trabalho.

Assim, numa primeira aproximação, a estratificação que resulta dessa primeira fase do povoamento é praticamente binária. De um lado, os brancos de que faziam parte armadores-proprietários, funcionários (almoxarifes, contadores, feitores, vedores da Fazenda, ouvidores, etc) e missionários que monopolizavam as oportunidades económicas, autoridade político-administrativa e religiosa, e, de outro, a massa de homens e mulheres escravizados.

A fraca presença feminina europeia no arquipélago fez com que, como relembra Baleno, “ a mulher negra tornasse a parceira sexual dos residentes nas ilhas, quer em encontros fortuitos, quer para o estabelecimento de laços mais profundos”. (…)e em muitos casos

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 não se coibiam de estabelecer relações extra-conjugais de que resultavam descendentes mestiços legítimo e ilegítimos” (Baleno, 2001: 153; vide também Carreira: 1977b).

Com efeito, com a emergência de uma população crioula descendente do cruzamento de pequena população europeia com a africana e desta entre si configura-se uma estratificação social mais complexa, com a emergência de um grupo intermédio. Trata- se de uma estrutura social de natureza piramidal, integrada por brancos no topo, pretos livres e forros5, no intermédio, e escravos na base (Cf. Baleno, 2001: 157; Carreira, 1983; Andrade, 1996).

2.2. As primeiras instituições político-administrativas

A par da expansão da economia de base escravista e dos negócios a ela conexa, desenvolvia-se, desde o início da colonização, as primeiras instituições políticas necessárias ao controlo do negócio e da governação da comunidade emergente. Assim, em 1497, foram instituídas duas organizações: “o capitão-donatário genericamente designado por capitão6 e uma outra representativa da capacidade de participação e da actividade regulamentadora dos moradores na vida da comunidade – a câmara (Domingues, 2001: 59).

A rápida expansão da economia local ditou desde os primórdios do povoamento a montagem de uma engenharia institucional que assegurasse, por parte da Coroa, a supervisão dos negócios feitos pelos moradores de Santiago com a costa africana. Como é evidente, a distância que separa o arquipélago do reino e as deficientes condições de comunicação exigiam da corte a montagem de um sistema capaz de carrear para a metrópole os proventos dos negócios feitos além-mar e inibisse práticas ilícitas por parte dos moradores e dos próprios funcionários.

Nesta perspectiva, ao lado da edificação das estruturas político-administrativas representativas do poder local (o capitão e a câmara), foram erguidas organizações representativas da Coroa (o almoxarifado, a contadoria, a fazenda real, a feitoria, a

5 Forros: grupo de escravos a quem era concedida a liberdade e os nascidos na condição de livres por que os pais já se encontravam nessa situação (Baleno, 2001). 6O exercício do cargo de capitão das donatarias era hereditário e submetido aos princípios da indivisibilidade, progenitura e masculinidade, pese embora esses princípios tenham sido algumas vezes subvertidos (Domingues, 2001).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 corregedoria, etc), tendo em vista o estabelecimento de um duplo controlo sobre os negócios empreendidos pelos moradores. Assim, se por um lado aos funcionários régios cabia a observância das regras estatuídas – cobrança e o controlo das taxas devidas pelos moradores – por outro, a vigilância sobre aqueles era feita pelos moradores que podiam lavrar os seus protestos junto das autoridades competentes sempre que julgassem ter sido subtraídos os seus direitos. Em decorrência disso, tanto o Capitão, a Câmara, os funcionários régios e moradores viam as suas acções vigiadas, o que gerava conflitos frequentes no seio das instituições locais e entre elas e os serviços centrais da Coroa (Domingues: 2001; Santos e Cabral, 2001).

A dominação portuguesa que se desenvolve em Cabo Verde com uma fraca presença dos naturais da metrópole irá definir a lógica de estruturação da administração em Cabo Verde, marcada pela busca de um tenso equilíbrio entre os interesses dos homens do reino, que tencionam direccionar para a coroa o grosso das rendas cobradas, se possível com pouco investimento e alto retorno, e os dos moradores e dos funcionários régios que intentavam uma rápida acumulação sem causar grandes encómios à Coroa.

Assim, o deficiente controlo do reino sobre os seus funcionários abria brechas para que os mesmos (almoxarife, escrivão, feitor, corregedor, etc.), em conluio com os moradores locais, transgredissem constantemente as regras impostas pela Coroa, comercializando lugares em mercados interditos e subtraindo, muitas vezes, à metrópole o pagamento de taxas e impostos devidos. Como observam Santos e Cabral vários almoxarifes, escrivães e feitores das ilhas tornaram, enquanto oficiais régios, armadores, mercadores de mercadorias resgatadas na Costa da Guiné e proprietários rurais e urbanos (…) A título de exemplo, Álvaro Rodrigues, escudeiro da Casa Real, serviu no começo do século XVI de escrivão do almoxarifado de Ribeira Grande e de almoxarife” (2001: 390-391, vide também, Domingues, 2001: 98).

São esses grandes proprietários, herdeiros das primeiras gerações, que controlam quer os negócios feitos no arquipélago, quer as primeiras instituições de índole político- administrativa, consolidando, deste modo, a sua autonomia e o seu poder de barganha face às restrições impostas pela Coroa nas suas ambições de amealhar lucro fácil num mercado em expansão.

Quando no decurso do século XVII os brancos deixam de aportar as ilhas por estas não constituírem um negócio rentável que justificasse a sua presença nessa região africana,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 as primeiras gerações de mestiços e de negros libertos já haviam começado a lobrigar legalmente, desde o século XVI nas actividades do comércio com a Costa da Guiné. De igual modo, começam a co-participar nas instituições de governança local, como relembra Cohen, com a flexibilização dos critérios rácicos, adaptando o funcionalismo local às necessidades de controlo político-burocrático da sociedade emergente (Cohen, 2005:148).

2.3. Decomposição, recomposição da sociedade cabo-verdiana e a emergência de uma elite nativa No dealbar do século XVII as bases sobre as quais assentam a economia arquipelágica encontra-se profundamente solapadas. Desde logo, a emergência de outras potências europeias (Holanda, Inglaterra, França) a concorrer na Costa da Guiné provoca avultados prejuízos à Coroa portuguesa e aos moradores de Santiago até então os maiores benificiários do comércio negreiro nessa região. Nessas condições de dependência estrutural da economia arquipelágica ao mercado internacional, a economia local fragiliza-se e soçobra-se rapidamente com a alteração da rota do comércio de escravos.

A própria Coroa vê as suas veleidades de controlo do comércio internacional substancialmente reduzidas com a sua subjugação à Casa Real espanhola entre (1580 a 1640), ficando os seus interesses no mercado mundial condicionados às estratégias da dinastia filipina. Outrossim, segue-se nos finais desse século uma vaga de saques protagonizadas por piratas ingleses e holandeses, delapidando os poucos recursos que ainda possuía a decadente Ribeira Grande (Carreira, 1983a; Cerrone, 1983). A perda da função geoestratégica de Cabo Verde no concerto da economia-mundo evidencia as suas fraquezas estruturais, entretanto, já apontadas pelos primeiros moradores (a distância da metrópole, aridez para prática agrícola, fraco potencial em recursos naturais), aquando da reivindicação ao reino de condições privilegiadas para a sua fixação no arquipélago.

O colapso das condições de acumulação mercantil leva a que muitos proprietários rurais e mercadores7 “deixassem para trás, nas mãos de procuradores ou de feitores, os seus

7Segundo Carreira, “por diversas razões, no século XVII (e parte do século XVIII) houve um verdadeiro êxodo de homens brancos. Nesse período há mais homens de posses (ou de terras) que de qualidade, para os rios de Guiné, fugindo ao cerco económico imposto pela série de leis restritivas das actividades mercantis, chegando a população de Santiago a ficar reduzido a pouco mais de 20 homens brancos tão 69

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 patrimónios, vendendo a desbarato os seus escravos, e à deserção de muitos negros para a Costa da Guiné ou para as Antilhas (Carreira: 1983a).

Assim, chega ao fim o primeiro ciclo áureo da economia de Santiago e Fogo cujos efeitos imediatos evidenciam-se na redução drástica na importação de escravos, levando ao seu encarecimento no processo de reexportação a partir de Ribeira Grande, e ao surto regular de grandes fomes, a partir do terceiro quartel do século XVII (Carreira, 1977b).

A nova elite cabo-verdiana que emerge desse processo da perda da função estratégica de Ribeira Grande de Santiago como plataforma de comércio internacional de escravos e produtos agro-pastoris, como observa Cabral,

“recorre à sua capacidade de contactos e de experiência adquirida no comércio de produtos africanos, tornando-se representante nas ilhas e na Costa da Guiné dos contratadores e dos grandes comerciantes reinóis e castelhanos. É ela também que ocupa quase todos os cargos do funcionalismo régio (muitas vezes apenas com a serventia), já que os poucos reinóis não se aventuravam, a partir da segunda década do século XVII, a ir servir numas ilhas longínquas, de clima doentio, sem nenhuma contrapartida de lucro fácil quando tinham outras opções (2001: 262). Assim, como aponta Iva Cabral no estudo sobre natureza dessa elite nos primeiros três séculos de “colonização”, o isolamento a que foi votado o arquipélago potenciou nessa elite local emergente, os filhos da terra, uma capacidade de resistência e de readaptação à nova situação. Segundo Cabral,

“das famílias da elite local o primeiro que chama a atenção é, evidentemente, o mulato André Álvares de Almada”, único cavaleiro da Ordem de Cristo do Senado da Câmara em 1648, homem de governança, grande proprietário rural e, principalmente, profundo sabedor da Costa da Guiné. (…) O segundo, o capitão João de Barros Bezerra, foi juntamente com seu pai, o capitão mor António de Barros Bezerra”, um dos fundadores da Companhia de Cacheu e Rios da Guiné (1617). Fez parte dessa família, também, João Pereira de Carvalho, que foi feito cavaleiro da ordem de Cristo em 1747” (ibidem: 238). Como alude ainda Cabral, a “cristalização de uma elite nacional, juntamente com os homens forros e livres e com o trabalho dos escravos, permitiu a construção de uma sociedade nova, crioula, completamente diferente daquela que, durante os primeiros dois séculos, existia nas ilhas”. Com efeito, é esta nova elite local que “apoderou-se não só das três vertentes principais do poder local, ou seja, de elitização, as Câmaras, a

pobres e miseráveis que mal podem sustentar as pessoas no serviço de V Majestade”. (Carreira, 1983a: 299 a 300)

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Milícia e a Santa Casa de Misericórdia, mas também dos ofícios, da alfândega e da justiça” (ibidem: 262.).

O pouco interesse que o arquipélago passou a despertar para a elite metropolitana, envolta numa guerra de sucessão com a Espanha, levara-a a afrouxar o controlo sobre as suas possessões em África, favorecendo um reposicionamento da elite local, que passa a assumir as rédeas do controlo das câmaras e gozar de uma ampla cultura de autonomia (Cabral, 2001). Todavia, a afirmação dessa elite local opera-se num quadro de profunda desarticulação da economia local estribada na cidade-porto de Ribeira Grande da economia internacional de que dependia, provocando um acelerado processo de ruralização8 e interiorização dos grandes armadores e proprietários (Correia e Silva 2001b; Andrade, 1996).

Em decorrência da ruína da economia de Santiago e do Fogo, as únicas ilhas povoadas até o século XVI, germina-se um novo ciclo de povoamento das outras ilhas numa base dominantemente agrária. Assim, as ilhas montanhosas como Brava, São Nicolau e Santo Antão começam a despertar atenção pelas suas potencialidades agrícolas, entretanto, instituídas em novas bases. Um dos aspectos ressaltados por diversos historiadores é que o regime de aforamento instituído nas ilhas do Norte e na Brava, ao conferir maior autonomia aos seus cultivadores, irá representar um processo de diferenciação dessas sociedades agrárias em relação aos bastiões da escravidão: Santiago e Fogo (Carreira,1983a; Correia e Silva, 2001b).

O aceleramento da degradação do processo de acumulação escravista obriga os grandes proprietários a lobrigar outras estratégias de sobrevivência, ou seja, outras formas de articulação com o campesinato, “fragmentando as suas explorações, dando-as em arrendamento a muitos forros, com fome de terra e zelosos em garantir as condições de auto-sustento” (Correia e Silva, 2001b: 19).

A gradativa dispersão da população residente, outrora concentrada quase que exclusivamente em Santiago e Fogo, dá nascença a um longo processo de povoamento e

8Segundo, Correia e Silva, “os dados induzem para uma persistente transferência da população da cidade para o interior. Entre 1582 a 1731 a população da Ribeira Grande reduz de 6208 habitantes para 1733, uma diminuição de 72% de sua população. A Vila da Praia, no mesmo período, vê a sua população diminuída de 1200 para 726, uma redução de 39%. Em contrapartida, o interior vê a sua população aumentar de 6000 para 15.000, um acréscimo de 250% (2001b: 25).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 redinamização da economia cabo-verdiana nos moldes diferentes dos estabelecidos em Santiago. Os dados do último grande recenseamento populacional feito pelo Bispo D. Fr. Joseph de Santa Maria de Jesus, em 1731, apontam que, no prelúdio do século XVIII, Santiago detinha 59% da população, seguida de Santo Antão (14%), tornando-se no segundo aglomerado populacional, Fogo (12%), e São Nicolau (9%), como se denota na tabela infra.

Tabela 2 - Distribuição da população de Cabo Verde (excluindo Cacheu na Guiné) em 1731 segundo o censo realizado pelo Bispo de Cabo Verde

Ilha População % Santiago 18083 59 Fogo 3766 12 Brava 787 3 Maio 366 1 Santo Antão 4311 14 São Nicolau 2657 9 Boa Vista 443 1 Total 30413 100 Fonte: Cota: AHU, Cabo Verde, Papéis Avulsos, cx. 14, Doc. 33

No referente à estrutura dessa população, nota-se que a uma centúria das primeiras iniciativas de Sá da Bandeira em prol da abolição da escravatura, a população cabo- verdiana comportava uma proporção ínfima de brancos (3%), reduzida de escravos (18%) e de 14% mestiços e 65% de forros e cativos, dominantemente negros (pretos), como denota o gráfico nº1.

Gráfico 1- População de Cabo Verde segundo traço fenótipo e estatuto jurídico em 1731

Brancos Mestiços Forros Cativos (escravos)

80% 65% 60% 40% 14% 18% 20% 3% 0% Brancos Mestiços Forros Cativos (escravos)

Fonte: Cota: AHU, Cabo Verde, Papeis Avulsos, cx. 14, Doc. 33

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Em suma, no período de um século e meio, dois processos concomitantes operam-se em Cabo Verde: a redução abrupta do escravo9, e a crescente ruralização da população, transformando o crioulizado arquipélago numa sociedade dominantemente camponesa.

Nesse processo de desagregação e recomposição da sociedade cabo-verdiana no século XVIII, ocorriam situações atípicas em que escravos exerciam actividades próprias de homens livres. Assim, reporta o ouvidor-geral, Xavier de Araújo que em Santo Antão os escravos “se achavam habilitados pelo seu senhor a commerciar, possuir casas como se fossem livres, taes se deviam reputar nas suas heranças, diferindo-se estas a seus filhos, a seus pães e na falta d’estes a seus parentes mais próximos” (ibidem: 5).

Pode-se depreender do exposto que os escravos gozavam, na prática, de direitos de propriedade e de transmissão, equivalentes aos desfrutados pelos forros, reforçando a ideia segundo a qual a lógica escravocrata que presidiu os primeiritos séculos encontrava-se substancialmente subvertida. O testemunho inequívoco do Governador Luís da Cunha d’Eça feito a respeito da fome de 1748 a 1750 “quem tinha escravos, os dava de graça pelos não ver morrer a todos de fome como sucedeu a muitos, fazendo com as secas tornassem a mais poderosa fonte de criação de libertos em Cabo Verde.” (ibidem: 48 a 49).

Ao longo do século XVIII, a situação socioeconómica no arquipélago encontra-se totalmente subvertida, as secas tornam-se endémicas e um flagelo regular para os pobres e um sobrecusto para os proprietários. Assim, a sociedade cabo-verdiana que intenta reerguer-se, ao longo século XVIII, ainda saudoso dos faustos tempos do lucrativo comércio de escravos, já não tem pernas para suportar uma vida farta aos escassos brancos do reino, entretanto, decadentes, e aos emergentes brancos da terra, mestiços e pretos endinheirados, e muito menos alguma garantia de sobrevivência à grande massa da população escrava liberta, sedenta de liberdade e de criação de condições de auto- sustento.

O arquipélago que ressurge no século XVIII encontra-se em franco processo de ruralização mediante a reconversão das grandes propriedades em pequenas parcelas

9A contínua redução da população escrava resulta combinação de múltiplos factores. Desde logo, as secas prolongadas que impelia a alforria e a fuga em massa da população escrava, ante as tentativas de reescravização imposta pelos grandes proprietários, a manumissão dos escravos (pretos e mestiços) muitos deles filhos ilegítimos, entretanto, recompensados com a liberdade pelos seus progenitores numa estratégia de garantir a redenção na hora da morte (Carreira, 1983a; Correia e Silva:2001b; Andrade, 1996). 73

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 arrendadas aos rendeiros, especialmente em Santiago e no Fogo, e o aforamento das terras pertencentes ao Estado, revertidas à coroa com o fim das donatárias, aos camponeses libertos, nas ilhas do norte do arquipélago. O espaço litorâneo outrora centro gravitacional do comércio perde a sua função económica, sendo utilizada marginalmente para a exportação de alguns produtos agro-pecuários, amiúde, em regime de contrabando (Correia e Silva, 2001b).

A par desse processo de ruralização, as ilhas orientais da Boa Vista e do Maio, através dos seus portos de escala, ganham alguma vitalidade económica enquanto espaços de fornecimento do sal e de produtos agro-pecuário aos barcos estrangeiros que no arquipélago aportavam para reabastecimento. Tal foi incremento desses negócios que a ilha da Boa Vista transformou-se nos finais do século XVIII e nos dois primeiros quartéis num dos principais centros de negócios da combalida economia do arquipélago.

Desse processo de desagregação e decadência da economia arquipelágica ao longo dos sáculos XVII e XVIII, com consequências directas nas receitas da Coroa, esta empreende uma ofensiva económica importante nas ilhas com a institucionalização da Companhia Grão Pará e Maranhão, que passará a centralizar todo o comércio realizado no arquipélago, enfraquecendo sobremaneira os grandes proprietários e comerciantes nacionais (Carreira, 1983a; Barcelos, 2003b).

Esse novo quadro de ajustamento da dominação colonial obriga, por um lado, os grandes proprietários/comerciantes rurais, senhores da administração local, a empreender novas estratégias para garantir a reprodução da acumulação agrária, intensificando a exploração dos libertos, numa tentativa de os “reescravizar”. Por outro, a grande massa da população negra e mestiça, entretanto, liberta, vivendo em condições miseráveis e exposta às fomes cíclicas que a dizimava aos milhares, forja vias de se livrar das penosas condições de sobrevivência que lhe eram impostas, criando comunidades isoladas em locais de difícil acesso para se proteger das ofensivas urdidas pela oligarquia agrária.

A crescente decadência das ilhas abandonadas aos seus frágeis e insustentáveis recursos naturais é acompanhada por um longo processo de desgovernação, tendo o arquipélago permanecido algumas vezes sem governador, permitindo a elite crioula, que controlava a economia local e as instituições de governança, experimentar momentos de grande

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 autonomia. Como assegura Cabral até ouvidores interinos eles chegaram a ser, como foi o caso de António de Barros Bezerra de Oliveira (2001: 275).

Assim, ao longo do século XVIII floresce uma elite nativa que começa a incomodar os homens da Metrópole, atrevendo-se a peitar e desfeitear os representantes do reino, tendo essa postura culminado com o assassinato, em 1761, do ouvidor-geral Carlos José de Sousa e Matos. Com efeito, o arquipélago permaneceu sem governador e sem ouvidor durante sete meses, com a ilha de Santiago a mercê da sua poderosa oligarquia local (ibidem: 311).

Esse facto despoletou uma reacção contundente da corte que manda deslocar ao arquipélago uma armada para decapitar os principais cabecilhas da elite local através da provisão de 23 de Junho de 1770, pondo cobro às pretensões da elite local. A par dessa forte repressão das forças do Estado, a companhia de Grão Pará, ao monopolizar todos os negócios do arquipélago com o exterior, aniquila de vez as veleidades económicas dos poderosos de Santiago (Carreira, 1983b: 47; Andrade, 1996; Barcelos, 2003c).

Essa profunda investida da coroa no arquipélago, sob o comando do ministro da Diplomacia e da Guerra, Marquês de Pombal, marca de vez a decadência terratenência crioula. Como assegura Correia e Silva:

“atacada pelo topo (Coroa e companhia) e pela base (forros e escravos fugidos) que resistia às tentativas de assalariamento, a classe terratenente santiaguense de entre os quais figuram o coronel João Freire Andrade, o sargento-mor João de Spínola e Cândido de Almeida, herdeiros dos grandes patrimónios fundiários, não tem condições de se erguer após a seca de 1773 a 1776 e da dívida contraída junto à Santa Casa de Misericórdia ( 2001b: 64). Assim, nos finais do século XVIII e dealbar do conturbado século XIX, a decadência socioeconómica e a degradação das instituições político-administrativas e instituições religiosas10, como revelam os relatos dos mais altos representantes da Coroa, eram por demais evidentes, especialmente em Santiago, onde vicejavam enormes tensões sociais entre os grandes proprietários e rendeiros, todos expostos aos problemas estruturais de uma economia exangue e há muito estagnada.

Desse processo de recomposição socioeconómica emerge, no prelúdio do século XIX, uma estrutura social com alguma diferenciação em relação àquela que se fecundou no

10 A degradação socioeconómica do arquipélago deixa sequelas no funcionamento do Bispado, dependente do soldo que recebia do erário público, leva a que estruturas eclesiásticas vissem diminuir o número de padres, sem contar com a ausência frequente do próprio Bispo (Cerrone, 1983). 75

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 século XVII, caracterizada pelo crescimento de um estrato intermédio, especialmente nas ilhas de São Nicolau, Santo Antão, Boa Vista e Brava e, em menor dimensão, em Santiago e Fogo, englobando pequenos proprietários rurais, rendeiros, parceiros, profissionais de ofícios, pequenos comerciantes.

Do estrato mais alto da sociedade crioula continuavam a fazer parte os grandes os proprietários e comerciantes, entretanto, relativamente descapitalizados, militares de alta patente, funcionários civis e o clero – grupo que se auto-intitulava de brancos da terra. Por último, a maioria da população composta por escassos cativos (escravos) e a maioria dos libertos, despossuídos de meios próprios de sobrevivência (Carreira:1983b: 48 a 49; Andrade, 1996).

A invasão de Portugal pelas forças napoleónicas em 1808 a que se seguiu a fuga da corte para o Rio de Janeiro, lançara a metrópole numa enorme instabilidade política e uma acentuada crise socioeconómica. A vitória da resistência portuguesa sobre as forças de ocupação estrangeira sob a liderança de militares e políticos comprometidos em destituir a velha ordem absolutista marca o advento de uma nova ordem mais condizente com o movimento da ilustração que assolava a Europa desde finais do século XVIII.

2.4. A Revolução liberal de 1822 e suas implicações no arquipélago

Com a instauração da Monarquia Constitucional, em 1822, um conjunto de reformas são introduzidas tendo em vista a reorganização do Estado, cujas acções de mando e subordinação procuram observar, agora, os ditames de uma nova ordem liberal, estribada na “universalização” dos direitos em que o status libertatis, civitatis, familiae cede lugar ao status natarulis que passa a ser atribuído a novos sujeitos de direito. (Habermas, 1984: 94). Todavia, esses novos direitos lavrados na nova carta constitucional comportam nuances importantes no que tange à extensão dos direitos civis e políticos a todos os indivíduos, especialmente no ultramar, onde, de jure, as relações de dominação escravistas não haviam sido abolidas11. Contudo, o processo de

11 Segundo Silva, o referente social a que correspondia a expressão “cidadãos do ultramar”, na verdade, não dizia respeito ao conjunto da população nativa, mas tinha como referente certo os colonos luso- descendentes, sobretudo no caso inicial da América. Em relação dos territórios africanos e asiáticos, a cidadania era aplicada a um grupo (muito restrito) de elites de origem nativa, miscigenada ou não, em princípio cristianizada. Todavia, a delimitação deste grupo de cidadãos do ultramar era incerta e ambígua nos seus critérios. De referir que segundo esta autora, fora do grupo de cidadãos estavam as populações 76

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 institucionalização do liberalismo engendrou lutas viscerais entre absolutistas e liberais cujo desenlace, numa primeira fase, pendeu a favor dos primeiros em razão das fragilidades políticas dos revolucionários e à tibieza de uma burguesia mercantil que não lhes pôde suster, postergando a consolidação do projecto liberal para o segundo quartel do século XIX (Torgal e Vargues, 1998: 52 a 65).

Essa instabilidade socioeconómica e política que se agudiza na Metrópole faz com que esta secundarize os problemas crónicos por que passava o arquipélago, onde os rendeiros (foros libertos) urdiam estratégias diversas para não se sujeitarem a “reescravização” intentada pela oligarquia local, que controlava toda a cadeia produtiva e as principais instâncias político-administrativas a nível das câmaras e juntas de paróquia.

Crentes de que o ideário emancipatório plasmado na nova constituição de 1822 poderia servir-lhes de referências simbólicas para despoletar uma mudança do sistema económico e político vigente, os rendeiros influenciados por padres franciscanos e encorajados pelos liberais exaltados (radicais), recusam-se a pagar as rendas aos morgados sob a alegação de que à luz da nova ordem liberal a terra pertence agora a quem a trabalha (Pereira, 2010). As revoltas campesinas dos Engenhos, em 182212, e de Achada Falcão, em 1841, ambos no concelho de Santa Catarina (ilha de Santiago), levadas a cabo por um conjunto de rendeiros inconformados com o poder arbitrário dos morgados expunham as fracturas sociais de uma sociedade completamente desarticulada. Ambas as revoltas foram reprimidas pelas autoridades governamentais sem deixarem de constituir, entretanto, uma chamada de atenção do Governo central pelo esgotamento desse sistema de exploração socioeconómica baseado amiúde na transgressão e no arbítrio das oligarquias locais, a quem os representantes do governo admoestavam os excessos praticados, mas de quem dependiam para garantir uma dominação sólida nas ilhas.

Esse tenso equilíbrio que se estabelece no arquipélago, especialmente em Santiago, em resultado dos conflitos permanentes nas esferas socioeconómica, política e religiosa irá ditar a reorganização político-administrativa, a única possível nas condições económicas como os índios e os escravos, bem como os libertos, embora situadas numa zona intermédia. (Cf. Silva, 2009: 430). 12 A primeira manifestação colectiva dos rendeiros dá-se em 1811, quando cerca de 3.000 rendeiros deslocam-se à vila da Praia para manifestar o seu descontentamento em relação ao imposto introduzido pelo Governo que visava instituir um imposto para cobrir as despesas com a infantaria (Cf. Pereira, 2011). 77

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 precárias em que se encontrava a Coroa portuguesa, para distender os conflitos sociais e racionalizar a governança em Cabo Verde. Nesta perspectiva, nos dois primeiros quartéis do século XIX assiste-se à publicação de um conjunto de medidas legislativas que visa projectar uma nova organização político-administrativa (Cf. Alexandre e Dias, 1998).

É no bojo de um novo reposicionamento de Portugal, enfraquecido pelos constantes solavancos políticos a que a institucionalização do liberalismo impunha e uma grave crise económica resultante da reconversão da economia escravista e da cisão do Brasil em 1822, que um contínuo processo de racionalização das estruturas político- administrativas, económicas e culturais tomam corpo em Cabo Verde.

2.4.1. Reforma político-administrativa, económica e social

Com a vitória dos liberais, outorga-se a Carta Constitucional de 1822, consagrando o ideário da Nação Una e Indivisa, um antídoto às derivas de desintegração do Império abertas com a independência do Brasil, e sinaliza para um projecto assimilacionista que integrava aparentemente todos os cidadãos do império do continente e do ultramar (Miranda, 1976; Silva, 2009).

Neste contexto, é promulgado um conjunto de legislações que muda a natureza instituições político-burocráticas, com o fito de impor a autoridade pública e, ao mesmo tempo, regular uma esfera social resultante da falência das estruturas de produção escravistas. De referir o famoso Código Administrativo de Mouzinho da Silveira, de Maio 1832, inspirado na legislação francesa, que revogou as Ordenações Filipinas e introduziu, no Ultramar, uma nova regulamentação da formação, composição e competência dos órgãos administrativos (Correia, 1994). Este código institui, segundo Lopes (1996) novos princípios da separação dos poderes, administrativo, civil e judicial.

Portanto, o espírito que preside a reforma administrativa de 1832 implementada no Reino e também nas províncias visava racionalizar a organização da esfera estatal, delimitando as fronteiras entre os diversos poderes até então entrelaçados, impedindo os diferentes sujeitos político-administrativos de usurparem, na prática, poderes pertencentes as outros corpos sociais. Daí o esforço do referido código em delimitar as esferas de competência específicas dos diversos corpos administrativos, de modo a garantir a racionalizando do funcionamento das estruturas do Estado.

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De acordo com referido código, os territórios ultramarinos passam a ser integrados por províncias, sob a direcção de um prefeito com autoridade sobre as ilhas e suas dependências (Costa da Guiné), divididas em duas comarcas, comandadas por sub- prefeitos, e em concelhos sob a gestão dos provedores (Andrade, 1996: 170; Correia, 1994: 37).

Com a consolidação da vitória dos liberais sobre os absolutistas a partir de 1834 e da ascensão ao poder dos setembristas em 1936 outorga-se um novo código administrativo, que visa agora colmatar os inconvenientes encontrados na aplicação do código anterior e introduzir um sistema de organização que conciliava os interesses locais com os dos serviços centrais. O novo código administrativo de inspiração liberal propunha-se combinar dois aspectos importantes do ideário liberal: o princípio da autonomia do poder local através das câmaras, observando o princípio da democraticidade, e o da heteronomia mediante a sua subordinação às leis outorgadas pelo reino sob o controlo dos serviços centrais enquanto garantes do interesse da nação.

Nesta perspectiva, à luz do Código Administrativo de 1842, o arquipélago foi classificado como distrito, dividido em concelhos e estes em freguesas. O distrito era dirigido por um Governador-geral, nomeado por Decreto do Rei, prestando juramento nas mãos do Ministro dos Negócios do Reino. Cabe ao Governador a autoridade sobre todo o território do referido distrito. O concelho ficava sob a direcção de um magistrado, denominado administrador nomeado por Decreto do Rei e prestando juramento nas mãos do Governador. Por sua vez, a freguesia é conduzida por um regedor, nomeado pelo Governador Civil, sob proposta do administrador do concelho, sendo os seus actos sujeitos à ratificação do Administrador do Concelho.

O referido código dispõe ainda que, junto a cada um dos Magistrados Administrativos, e segundo a ordem de sua hierarquia, há um corpo de Cidadãos eleitos pelos povos, designadamente a Junta Geral, junto ao Governador Civil do Districto, Câmara Municipal, junto do Administrativo do Concelho e a Junta da Paróquia junto de cada freguesia.

As câmaras são eleitas pela Assembleia dos Eleitores Municipais em cada dois anos, sendo o Presidente o vereador que na eleição tiver obtido maior número de votos. O procurador fiscal é escolhido pela Câmara de entre os Vereadores e amovível à vontade della. A Câmara tem um escrivão e um Thesoureiro do concelho nomeados pela

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Câmara. De referir que o escrivão tinha serventia vitalícia, sendo a sua nomeação dependente da confirmação régia e só podendo ser demitido pelo Governo. Junto da Câmara há um Conselho Municipal composto por tantos vogais quantos forem os vereadores da câmara.

Em cada freguesia funcionava uma Junta de Paróquia composta pelo pároco vogal nato e Presidente e de vogais eleitos directamente pelos eleitores da Paróquia. Junto de cada Paróquia são nomeados um Escrivão e um Thesoureiro para gestão corrente, cabendo ao Governador Civil, sob proposta do Administrador do Concelho, nomear o Regedor da Parochia para supervisionar o funcionamento dessa freguesia (Cf. Código Administrativo de 1842).

Esse código administrativo representa uma tentativa do Reino de modernizar e estender a sua capacidade de controlo político-administrativo sobre todo o território, cuja soberania política, como adverte Valentim Alexandre, era mais nominal do que real, tendo os governos locais estado a mercê das elites locais (2004: 960).

Além do código de 1842, segundo Correia, no período de 1850 a 1870, “ergue-se um complexo edifício jurídico-administrativo que legitima e regula a organização das colónias ultramarinas de acordo com os objectivos políticos da Metrópole, culminando, no caso, de Cabo Verde, com a publicação da sua Carta Orgânica em 1869 (Correia,1994: 40; Cf. Alexandre e Dias, 1998).

Entrementes, a Carta Orgânica de 1869, apesar de manter os principais aspectos inscritos no código administrativo de 1842, introduziu maior descentralização, na senda do espírito que preside a regeneração liberal, entretanto, sob as contingências da crise que assolava a Metrópole (Alexandre, 2008: 17). Neste quadro, o governo central promove nas colónias uma gestão que garanta maior eficácia na gestão dos parcos recursos em prol do desenvolvimento económico local. Como assegura Morais

“o Governo da Metrópole, começou a preocupar-se com o estabelecimento de uma administração sólida e produtiva nas colónias, determinando que em cada um dos governos das províncias ultramarinas houvesse um governador-geral a quem ficariam sujeitos todas as autoridades ali estabelecidas e de qualquer denominação que fossem, e que a escolha para o cargo deveria recair sempre em indivíduo que tivesse experiência de negócios por prática adquirida em alguma das carreiras da Administração Pública” (1969: 73).

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Todavia, a aplicação de um novo modelo de organização inscrito no Código Administrativo resultou em dificuldades de monta. Desde logo, os baixos salários praticados e os atrasos sucessivos no seu pagamento descredibilizaram a Administração Pública, especialmente a concelhia, tornando-a largamente caudatária da boa vontade das oligarquias locais que, face à tibieza do Estado relativamente à essa matéria, faziam da patronagem e do nepotismo práticas legítimas de governação.

Ademais, os funcionários, na sua maioria analfabeta ou com baixo nível de instrução, jamais estudavam o Código ou, de modo geral, quaisquer outras normas escritas dimanadas do Governo-geral, ficando a sua aplicação ao sabor do desconhecimento e/ou interpretação dos mesmos segundo os seus interesses.

Segundo Rodrigues, as práticas de corrupção eram fenómenos tão correntes a ponto de os moradores de Santa Catarina terem de:

“ ir buscar à vila da Praia todo o papel selado, ou o selarem em verba todos os documentos legais, por não existir naquele concelho pessoa idónea que pudesse servir de tesoureiro geral”. De entre as medidas implementadas para pôr cobro a essa situação, tornou-se obrigatório a tomada de posse mediante o juramento aos Santos Evangélicos, fidelidade à Rainha e a obediência à Carta Constitucional e às leis do Reino, sendo o auto registado em livros com folhas numeradas e rubricadas para o efeito, como condição para o exercício do cargo na administração.” (1998: 257 a 261). O grau de degradação do funcionamento das câmaras municipais era tal que o Governador Fortunato Barradas, no relatório enviado ao ministro do ultramar confidencia-lhe, sem pejo, o seguinte:

“está ella (a câmara) em notável estado de atrazo, e comquanto seja uma proposta que se afasta completamente de todos os princípios liberaes, eu não hesito em fazê-lo, porque a verdade é que o povo aqui ainda não está educado para gosar de todas as franquias políticas e administrativas. Nas circunstâncias actuaes d’esta provincia, o que mais conviria para o andamento regular dos negócios municipaes, conservando-se unicamente a câmara na capital da província, aonde o maior grau de ilustração permite essa garantia” (In Relatório das Províncias Ultramarinas: Estado de Administração nas Mesmas Províncias (Cabo Verde), referente ao anno de 1872). Nos finais dos anos 80 do século XIX, promulgou-se, novamente, um conjunto leis que pretendia aperfeiçoar a organização administrativa no arquipélago, revogando o código de 1842, tornando-a mais eficaz e eficiente. Por decreto de 1892, a Guiné passava a constituir uma Província com governo independente e outorga-se uma nova organização administrativa da Província de Cabo Verde, publicada no suplemento nº 4 do Boletim Oficial de Cabo Verde de 1 de Fevereiro de 1893.

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No preâmbulo dessa nova organização administrativa de Cabo Verde, o legislador apesar de exaltar o estado de civilização de Cabo Verde, considera que a reivindicação do estatuto semelhante ao dos arquipélagos de Madeira e Açores – de adjacência e de autonomia – não é exequível, uma vez que nem as receitas geradas cobriam as despesas que tal empreendimento requeria, nem sequer existiam na província elementos de educação científica para dar concretização a um projecto dessa envergadura.

Entretanto, reconhece que as ilhas reuniam condições para desfrutar de maior grau de descentralização, razão pela qual o governo passa a assumir inteira responsabilidade “pelos actos de sua administração e fornece-lhe meios os meios de poder exercer a sua acção dirigente, auxiliada pela intervenção dos elementos de eleição popular, da qual derivam os interesses da população” (Cf. Suplemento ao Nº4 do BO da Província de Cabo Verde de 1/02/1893; vide Lopes, 1996: 89). Convém realçar, todavia, que o princípio de descentralização preconizada para Cabo Verde e para as possessões portuguesas em África representava também uma estratégia de contenção de despesas por parte da Metrópole, ela própria enredada em endividamentos para modernizar a sua infra-estrutura económica (Alexandre, 2008).

No que concerne à organização administrativa, a província de Cabo Verde fica dividida em concelhos de primeira e de segunda classes em função de sua importância socioeconómica e política no conjunto do arquipélago. Assim, integram o estatuto de primeira classe os concelhos de Ribeira Grande, São Vicente, São Nicolau, Praia, Santa Catharina e Fogo; de segunda classe, Boa Vista, Sal e Brava, com as correspondes freguesias que os integram (Cf. Anexo 1: Divisão administrativa de Cabo Verde).

Deste modo, nos finais do século XIX, quando Portugal irá despertar para a ocupação efectiva de suas possessões em África, o Estado cabo-verdiano já comporta uma burocracia relativamente estruturada nos seus principais centros populacionais, estando a população local sob o controlo dos agentes da administração e dos eleitos locais.

Tentativas de regeneração da economia da economia cabo-verdiana O tenso processo de institucionalização do liberalismo em Portugal começa a dar os sinais mais consistentes de estabilização com a vitória dos liberais sobre os miguelistas a que se segue o longo processo de regeneração liberal a partir do segundo quartel do século XIX. O projecto de reconversão da estagnada e decadente economia cabo- verdiana, no dealbar do século XIX, deve ser compreendido no quadro global da

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 política da metrópole que visa readequar a estrutura produtiva das suas possessões ultramarinas à nova situação económica do Império, entretanto, abalada com a independência do Brasil.

As possibilidades de o governo português reconverter a economia do arquipélago esbarrava-se em dificuldades estruturais de monta. De um lado, os seus bastiões de acumulação rentista de então (Santiago e Fogo) encontravam-se exauridos devido aos custos socioeconómicos elevados de acumulação – escassez de mão-de-obra escrava e a eminência de sublevação dos rendeiros. Do outro lado, com a independência do Brasil, a metrópole vê as suas receitas resultantes da reexportação de produtos de sua maior possessão decaírem abruptamente com consequências desastrosas sobre a sua balança de pagamentos, debilitando a sua capacidade de auto-financiamento de sua estrutura produtiva. Assim, as bases sobre as quais assentava a acumulação rentista da Coroa encontram-se profundamente abaladas, com consequências económicas e sociais profundas na metrópole e severas para um arquipélago cronicamente vulnerável desde a perda da sua função estratégica como plataforma de reexportação de escravos para a costa da Guiné.

Coube ao Visconde Sá de Bandeira, como assevera Valentim Alexandre, na qualidade de presidente do Conselho de Ultramar de 1851 a 1859 relançar os pilares do novo projecto imperial, como estratégia para a regeneração nacional que, no geral, pretendia pôr fim ao tráfico de escravo remanescente, modernizar o aparelho estatal, consolidar os domínio territorial de forma mais efectiva. Essas medidas segundo o seu proponente trariam vantagens económicas acrescidas a Portugal, garantindo acesso a mercados e reduzindo a sua dependência das potências estrangeiras (2008: 16 a 17).

Portugal depara-se, na verdade, com um terrível dilema. Precisa, simultaneamente, de recursos financeiros importantes para reorganizar a sua estrutura produtiva interna, entretanto, descompassada em relação ao capitalismo industrial florescente e, ao mesmo tempo, de reconverter as suas velhas feitorias em África pouco industriosas e rentáveis devido ao bloqueio da armada inglesa ao comércio de escravos.

Todavia, não dispondo a metrópole de poupança financeira interna para a modernização de sua infra-estrutura económica e muito menos avultados recursos para um empreendimento no ultramar, despoleta-se ao longo do século XIX um caloroso debate

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 entre os propugnadores da construção de um eldorado africano para compensar os efeitos económicos da independência do Brasil e os defensores de uma estratégia mais prudente que privilegia o investimento interno, com recurso ao endividamento externo, para preparar o país para os novos desafios que se impunham (Lains, 1998; Alexandre, 2004: 978).

Consequentemente, a possibilidade de uma importante investida no ultramar estava ensombrada não só pela incapacidade financeira do tesouro público, mas também porque o reino não dispunha de uma burguesia empreendedora capaz de assumir os riscos que um investimento produtivo poderia comportar. Antes pelo contrário, parte importante da burguesia nacional compunha-se de funcionários reconvertidos à actividade económica, armadores da velha economia escravista e profissionais liberais, habituados ao lucro fácil, que não visualizavam o continente africano – terra de degredo – um mercado seguro para uma fácil exploração (Cf. Vaquinhas e Cascão, 1998:382).

Assim, o plano concebido por Sá da Bandeira fracassou completamente, pois não conseguira atrair uma proporção suficiente da população branca portuguesa para povoar as suas possessões em África que, entretanto, desloca-se em grande massa para o Brasil, conhecendo, paradoxalmente, o domínio português, um processo de alguma retracção (Alexandre, 2004: 967).

Em Cabo Verde, os grandes morgados (proprietários/comerciantes) de Santiago e do Fogo, debilitados no decurso do século XVIII e ameaçados pelos tensos conflitos laborais com os rendeiros13, não comportam potencial de integração no novo projecto de sociedade que o ministro do Ultramar Sá de Bandeira e o seu colaborador Pereira Marinho, Governador de Cabo Verde, preconizam para o arquipélago, no quadro de sua política global para os seus territórios africanos.

A abolição do tráfico de escravos decretado por Sá de Bandeira a partir de 1836 em todas as possessões portuguesas, pese embora comportasse nuances que permitissem a

13 Os conflitos nas sociedades escravistas desembocaram já nos finais do século XVIII, em resultado da influência das revoluções americana e francesa, em sublevação dos escravos contra os senhores. A revolta dos escravos contra os senhores despoleta-se no Haiti em 1791, provocando um grande temor no seio dos escravocratas do atlântico. Assiste-se nesse período revoltas dos escravos no Barbado (1808), Guina Inglesa, Jamaica (1835), o que de certo modo contribuiu para acelerar a vaga abolicionista e a reconversão das decadentes feitorais escravistas. (Cf. Correia e Silva, 2005: 67; Andrade, 1996) 84

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 continuação do negócio escravo de que dependia parte dos comerciantes locais14 até finais da década de 70, e a abolição formal do sistema de morgadio em 1864, sinalizam que efectivamente a Coroa pretendia instituir mudanças estruturais no sistema económico até então vigente no arquipélago.

Entrementes, nem a abolição formal da escravidão nem a do sistema de morgadio constituíram de facto profundas alterações nas relações de propriedade no campo, onde concentrava a maioria da população, tendo sido os libertos transformados em rendeiros e parceiros, o que não se traduziu na melhoria da sua situação social dos mesmos. (Furtado, 1993: 185).

O visconde de Sá da Bandeira e o Governador de Cabo Verde Pereira Marinho gizam uma nova centralidade para o arquipélago a partir da fundação de Mindelo, projectando o arquipélago como gat away do negócio transatlântico impulsionado pelas grandes potências industriais dominantes (Correia e Silva, 2005). Mindelo – nome que simboliza a vitória dos liberais sobre a velha ordem absolutista – representa uma oportunidade para a nova ordem liberal desembaraçar-se dos conflitos sanguinários que caracterizavam a sociedade agrária/escravista do sul do arquipélago (Santiago/Fogo).

Segundo Correia e Silva (2005), Pereira Marinho sabia que a importância de uma ilha estéril e de um arquipélago pobre assenta, sobretudo, no seu valor relacional, isto é, na sua capacidade de viabilizar correntes de tráfego entre as grandes economias.Essa nova vaga de acumulação capitalista de base comercial e rentista criada em São Vicente atrai para ali as famílias influentes das ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Fogo, Brava, Boa Vista, de entre os quais figura uma punhado de judeus vindos do norte da África que beneficiam de direitos e privilégios de negócios como cidadãos estrangeiros (especialmente britânicos), no quadro dos tratados celebrados entre Portugal e Inglaterra (Correia, 2005).

14 Na verdade, o decreto que determina a abolição do tráfico comportava uma excepção que permitia aos colonos que se deslocavam de uma colónia a outra a importação e exportação de escravos, desde de que munidos da devida autorização. Em Cabo Verde, a abolição da escravatura data de 1858 a que se segue um período de transição de duas décadas, para em 1878 se efectivar a abolição definitiva”(Andrade, 1996: 120 a125). 85

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Assim, o empreendimento gizado por Marinho e Sá de Bandeira dá seus primeiros passos não em função de um investimento público metropolitano pelas razões acima expendidas mas em resultado do investimento de comerciante inglês que entrevê no porto de Mindelo oportunidade de negócios como entreposto de escala da navegação inglesa para o atlântico sul. A exploração do Porto Grande do Mindelo pelos ingleses como ponto de escala para a navegação transatlântica faz de São Vicente o centro gravitacional da economia cabo-verdiana para onde confluem parte importante da elite económica cabo-verdiana.

Como conta Correia e Silva, no retrato que traça da saga de Mindelo nos áureos tempos de Porto Grande, esta novel cidade emergiu através de

“ um depósito de armazenamento de carvão, uma ponte de madeira, um plano inclinado e pouco mais. É o começo da saga de porto do Mindelo. Meses antes do súbdito britânico John Rendall obtivera do governo a autorização para construir um depósito carvoeiro no referido porto, seguido posteriormente pela Royal Mail Steam Packet, uma das mais importantes companhias de paquetes do mundo, que, na mira de viabilizar a sua recém lança-carreira Londres-Rio de Janeiro, vai estender os seus investimentos ao sector de abastecimento de carvão nos portos intermediários (2005: 103). À cidade, chegam os proprietários e comerciantes das ilhas da Boa Vista, Brava, Santo Antão, São Nicolau e Santiago, onde fixam os seus negócios, dando um tom mais dinâmico à economia arquipelágica ainda meio combalida e há muito encalhada, atraindo uma massa campesina das ilhas do Norte, de Boa Vista e Sal que aflui à ilha de Porto Grande à cata de novas oportunidades. Eis por que, a ilha de São Vicente é, no contexto arquipelágico, aquela que mais cresce no decurso do século XIX, transformando-se, na virada do século, no principal centro urbano do arquipélago.

Tabela 3 - Evolução da população de Cabo Verde de 1832 a 1900

Ilhas 1832 1861 1867 1874 1879 1885 1890 1895 1900 TCMA * IC ** S. Thiago 20000 40852 25628 39609 41076 45488 56920 60767 64943 1,7 324,7 Fogo 4000 14341 7441 11788 12221 16004 16843 20009 17620 2,2 440,5 Brava 2000 6557 5874 6584 8158 9013 9494 9842 9223 2,3 461,2 Maio 2500 1863 955 1265 1600 1837 1695 1813 1916 -0,4 76,6 Santo Antão 18000 14643 17403 18785 20507 20261 22165 23735 29888 0,7 166 São Vicente 300 1141 1690 2436 3297 5432 6881 6211 8780 5,1 2926,7 SãoNicolau 10000 6372 5522 7079 8733 8815 9874 12003 11958 0,3 119,6 Sal 894 814 827 1082 990 564 550 483 -1,6 54 Boa Vista 3200 2647 2030 2337 2643 3086 2957 3776 2613 -0,3 81,7 Total 60000 89310 67357 90710 99317 110926 127393 138706 147424 1,3 245,7 Fonte: Secção de esttistica da Secretaria Geral do governo, Praia, 28 de Agosto de 1901. AHU * TCMA: Taxe de crescimento médio anual ** IC: Índice de crescimento

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Com efeito, a ilha de São Vicente eleva exponencialmente a sua população, passando das 300 almas, em 1832, para 8780, em 1900, um crescimento a uma taxa média de 5% ao ano, 4 vezes superior à média nacional. Num Cabo Verde enleado em dificuldades económicas, Mindelo desponta como um ponto para onde convergem as elites económicas locais, algumas com traquejo no negócio marítimo como Boavista e Maio, cujos portos haviam sido importantes entrepostos de negócios com os ingleses e americanos, e outros tantos grandes proprietários e comerciantes de Santo Antão, São Nicolau, Sal e Brava. Outrossim, essa intensificação do fluxo marítimo torna a cidade atractiva a ponto de, em 1875, se constituir no maior porto da Macaronésia no tráfego que conecta a Europa ao Atlântico sul. Mindelo torna-se apetecível para as firmas inglesas, italianas, alemães e portuguesas, bem como uma franja importante de judeus oriundos do norte da África15 (ibidem: 122 a 123).

Entretanto, no dealbar da década de 90 do século XIX, o porto de Mindelo começa a ressentir os efeitos da concorrência dos portos vizinhos, nomeadamente do das Canárias, que apostam na modernização de suas estruturas portuárias e na redução dos custos. Contrariamente, durante os áureos quatro décadas (1851-1890) do Porto do Mindelo, principal chamariz da economia nacional, as autoridades portuguesas não fizeram outra coisa senão apropriar-se das receitas cobradas, na sua clássica atitude rentista, muito pouco fazendo para melhorar os níveis de competitividade desse porto. Ante a redução do fluxo dos navios que ali aportavam, as autoridades portuguesas apostam no encarecimento dos custos da transacção portuária, provocando a sua decadência que seria selada com a emergência do vizinho porto de Dakar (Lobo: 1969; Correia e Silva, 2005).

Os anos dourados da nova economia gizada pelos liberais a partir de Porto Grande se, por um lado, traduziram num aumento significativo das receitas do tesouro público do arquipélago, entretanto, sobrecarregadas com as despesas militares na Guiné, sob a sua dependência, por outro, pouco impacto tiveram na melhoria das condições de vida da maioria das populações rurais, expostas às secas crónicas que provocavam grandes mortandades de que Carreira traça um inventário sombrio.

15 Correia e Silva assinala que Mindelo chegam famílias tradicionais da Boa Vista (Évora, Martins) e Livramento, do Sal (Augusto Vera Cruz, António de Sousa Machado, etc, de São Nicolau, os Leite, Bento de Oliveira, Soares, de Santo Antão os Ferreira Nobre, Duarte e Silva, Gomes da Fonseca, Lima, etc. Em relação às famílias judaicas constam Isaac Wahnon, Issac Benrós, Issac Gabay, Zafranny, Issac Pinto, Moisés Zagury, Edward Morbey, Abraham Brigham entre outros ( 2005: 122 a123). 87

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As secas endémicas, as fomes e mortandades e o surto das vagas de emigração

A incapacidade da estrutura produtiva e a indiferença das autoridades coloniais em mitigar os efeitos das cíclicas das secas provocavam regularmente grandes mortandades, o que desequilibrava a estrutura demográfica e desarticulava a frágil economia local. Assim, entre 1830 a 1833, segundo dados estimados por Barcelos, contabilizaram-se cerca de 30.000 mortos, o que representaria uma proporção expressiva da população estimada em 1832 em 60.000 pessoas. Seguiram-se outras situações de fome como as de 1845-1846, 1850-1860. À semelhança da do dealbar da década de 30, a estiagem severa entre 1862 a 1865 dizimou outros 30.000 indivíduos, tendo as ilhas de Santiago e do Fogo perdido quase metade de sua população, como se denota no quadro supra sobre a evolução demográfica do século XIX (Carreira, 1983a: 20; 212 a 216).

Segundo Carreira, o ciclo das secas, das formes e das mortandades delas decorrentes continuaram ao longo do século XIX,16 tendo perdido intensidade a partir da década de 50 do século XX, quando o governo colonial adoptou uma série de medidas para mitigar os terríveis efeitos da seca, num contexto de pressão do movimento de libertação nacional e das organizações das Nações Unidas.

Apesar das intenções modernizadoras inscritas no projecto regenerador colonial, a estrutura produtiva no arquipélago continuava incapaz de gerar a reprodução das condições elementares de sobrevivência de suas gentes. Essa situação socioeconómica atingia, severamente, quer os grandes proprietários que visualizaram no endividamento junto ao Banco Nacional Ultramarino, criado em 1869, para incentivar o crédito à fragilizada economia do império, uma forma de acomodar e conservar o seu modus vivendi, quer a grande massa população mais pobre e os estratos médios, entretanto, pauperizados, que entreviam na emigração uma saída para auto-sustento.

Embora a emigração seja um fenómeno inerente à sociedade desde o século XVI quando os lançados se fixavam na Costa da Guiné para ali empreender um negócio à margem da lei, as primeiras vagas de emigração, no seu sentido mais estrito, toma corpo nos finais do século XVII e início do século XVIII, dirigida essencialmente para os EUA – região da nova Inglaterra. A pesca da baleia da qual se extraía óleo utilizado

16Ainda nos finais do século XIX, Carreira aponta para as fomes de 1875-76, 1883-1886, 1889-1890) e no século XX, as de 1902-1903; 1921-1922; 1930-1931; 1934-1935; 1940-1942; 1946-1948; 1958-1959 e 1969-1970. (Cf. Carreira: 1977b; idem: 1983a). 88

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 como combustível, incrementou um intenso contacto entre os armadores americanos e a população ilhéu, especialmente a da Brava (Carreira 1983b; Andrade, 1996).

A par da emigração para os EUA, uma proporção importante de cabo-verdianos oriundos das ilhas de Santiago, Brava, Maio, Santo Antão emigram para a Guiné-Bissau onde se estabelecem nas feitorias então criadas para incrementar a produção agrícola, visando minorar o impacto da abolição do comércio escravo. De igual modo, como observa Andrade (1996), no mesmo período, opera-se uma corrente migratória da população ilhoa para o Senegal, onde empreendia actividades ligadas ao comércio.

Outras vezes, forçavam-se contingentes importantes da população campesina, completamente expostos às vicissitudes climatéricas e da aridez do solo, à emigração como forma de mitigar os efeitos das secas e ao mesmo tempo favorecer a mão-de-obra barata para a produção agrícola nos empreendimentos coloniais. Assim, aquando da grande fome de 1863-1866, o governador de Cabo Verde em articulação com os responsáveis metropolitanos, impôs a deslocação de cabo-verdianos (especialmente de Santiago) para São Tomé e Príncipe para trabalharem como serviçais nas roças de café (Carreira, 1983b: 152 a153).

Em suma, essa emigração mais vetusta direcciona-se principalmente para a América do Norte, a Guiné-Bissau, o arquipélago de São Tomé e Príncipe e Senegal, constituindo os primeiros espaços do longo processo de diasporização da população crioula cabo- verdiana, que, como analisaremos no capítulo seguinte, terá um grande impacto não só na distensão dos crónicos problemas da fome no arquipélago, mas também na recapitalização económica de muitas famílias com impacto diferenciado conforme os estratos sociais.

Reforma educativa

A par das medidas de reorganização administrativa e de reconversão da economia, o novo regime liberal entrevia na difusão da educação um dos pilares para a integração da nação sob novos valores da ilustração e um factor impulsionador do progresso a que a evolução da ciência abria promissores caminhos.

Embora as primeiras iniciativas de difusão do ensino Cabo Verde remontem os primórdios da colonização, tendo o clero católico desde o século XVI desempenhado

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 um papel de relevo na formação dos primeiros prelados e na difusão do ensino 17, a criação das escolas primárias formais data do início do século XIX. Assim, em 1817, foi instituída a primeira escola primária na vila da Praia, entretanto, encerrada devido ao assassinato do professor a ela afecta e às dificuldades em garantir a remuneração do padre/ professor (Pereira, 2010: 64).

A regularização da instrução pública toma efectivamente alguma dimensão com a reforma introduzida pelo então ministro do Ultramar José Falcão, definindo, em 1845, as bases sobre as quais assentam o funcionamento do ensino primário nas províncias portuguesas. Com essa reforma efectua-se um novo impulso ao desenvolvimento da instrução primária no arquipélago até então a funcionar em condições extremamente precárias, especialmente devido às dificuldades em mobilizar o soldo a atribuir aos professores.

À luz dessa reforma educativa, a gestão do sistema de ensino ficava a cargo do Governador Civil e das estruturas burocráticas sob a sua dependência, cabendo-lhe administrar e supervisionar a cabal realização dos objectivos cometidos ao sistema de ensino. O currículo da instrução primária comportava sete disciplinas: Leitura, Escrita, Princípios gerais de Religião e Moral, Exercícios gramaticais, Princípios de Geografia, História sagrada do antigo e novo testamento e História portuguesa (Pereira, 2010).

A par da escola primária, foi instituída a Escola Principal, um tipo de escola pós- primária que, além das disciplinas acima referidas, continha outras como “Gramática portuguesa, Desenho Linear, Noções de Geometria, Notícias de produtos naturais da província ou nela fabricados, Comércio e Economia doméstica, Noções de Física aplicada à indústria e á economia doméstica”, instalada primeiro na Brava, em 1848, onde residia o Governador e uma importante comunidade portuguesa, sendo depois transferida para a Praia, em 1856, com fixação do Governador nessa vila (Pereira, 2010; Carvalho, 2011).

17 A premente necessidade de formar clérigos, visando dotar a igreja de condições para o cumprimento da sua missão evangelizadora no além mar concorreu para que desde 1555 fossem tomadas medidas para a implementação do ensino da Moral e da Gramática na Ribeira Grande de Santiago, então sede do Bispado de Cabo Verde e da África sub-sahariana segundo a Bula Pro Excelenti” de 1533. Essa iniciativa ganhou novos contornos ao longo dos séculos XVII e XVIII mediante o envio de mestres de ensino de latim e da moral. Entretanto, a partir do século XVIII são postas em marcha algumas iniciativas para a promoção do ensino voltadas para a população que, entretanto, ficavam adstritas ao círculos restritos dos estratos sociais à época dominantes (Cf. Carreira, 1983a; Pereira, 2010: 64 a65; Cerrone,1983). 90

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A partir dos finais da década de 60, são promulgadas novas medidas educativas, visando a racionalização do sistema de ensino e sua expansão nas principais sedes dos concelhos, onde residiam as camadas mais favorecidas que pleiteavam por serviços da educação. Assim, à luz das novas disposições regulamentares de 1869, o sistema de ensino passa a comportar o ensino primário elementar e a instrução secundária, sendo o ensino primário de carácter obrigatório para as crianças de 9 a 12 anos. Todavia, tendo em conta as condições sociais extremamente precárias de sobrevivência a que estava submetida a maioria da população campesina, a escolarização ficava praticamente adstrita às camadas intermédia e alta da sociedade cabo-verdiana.

De referir ainda que em alguns concelhos (Praia, Santo Antão e Boa Vista) começou-se a ministrar, além do ensino para os rapazes, o ensino para as raparigas, passando o embrionário sistema educativo no arquipélago a incluir gradativamente as raparigas ao processo de escolarização formal (Pereira, 2010: 74 a 75).

O sistema do ensino primário que se desenvolve ao longo do século XIX integra as escolas oficiais, que abrangiam as escolas régias e as pertencentes aos municípios, e as escolas particulares18, funcionando amiúde em casas de particulares. Contudo, o maior controlo do sistema de ensino pelas autoridades públicas não impedia a igreja, segundo Pereira, de manter ainda sob a sua gestão algumas escolas (ibidem: p76).

Uma análise dos dados da tabela nº 4 aponta para 3164 crianças a frequentar as escolas oficiais e particulares, representando pouco mais de 2% da população, o que denota o carácter extremamente selectivo do sistema escolar, apesar da sua contínua expansão ao longo do século XIX. Os dados coligidos por Pereira relativo ao ano de 1890 indicam ser essa população dominantemente masculina (87%) e, do ponto de vista “racial”, integrada maioritariamente por mestiços (56%), pretos (39%) e brancos (5%) (ibidem: 80).

18 As escolas particulares foram enquadradas legalmente em 1872, sendo a autorização para o seu funcionamento a cargo da inspecção da instrução primária a quem cabe apreciar as habilitações literárias, o bom comportamento moral, civil e religioso, a idade dos proponentes. (Pereira, 2010: 69).

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Tabela 4 - Movimento dos alunos das escolas oficiais e particulares no ano lectivo de 1889-90

Quadro nº 4: Movimento dos alumnos das escolas officiaes, municipaes e particulares no ano lectivo 1889-1890 Racio Esc. Oficiais/Particula Ilhas Concelho Alunos Esc.officiaes% Municipaes res Particulares Sub-total % Matriculas%Pop Santo Antão 695 30% 36 913 29% 17% Ribeira Grande 479 21% 182 28% Paúl 216 9% S. Vicente 74 3% 184 71% 258 8% 5% S. Nicolau 258 11% 258 8% 8% Sal 58 3% 58 2% 0,4% Boa Vista 205 9% 71 28% 276 9% 2% Maio 24 1% 24 1% 1% Santiago 571 25% 45% Praia 366 16% 62 24% 428 14% 25% Santa Catarina 205 9% 56 22% 44 305 10% 20% Fogo 222 10% 34 13% 256 8% 13% Brava 186 8% 77 30% 125 388 12% 7% Total 2293 100% 666 205 3164 100% 100%

Fonte: Dados adaptados da Estatística de instrução pública publicados no B.O. do Governo-Geral da Província de Cabo Verde. Imprensa Nacional, 1891.

A primeira dimensão a ressaltar do quadro supramencionado é a geografia da oferta de escolarização, tendo as ilhas de Santo Antão, especialmente o concelho de Ribeira Grande, Boa Vista e Brava uma proporção de crianças escolarizadas muito superior ao seu peso demográfico. A ilha da Boa Vista é aquela cuja proporção de alunos matriculados nas escolas oficiais é 4,5 vezes superior à sua demografia, seguido das ilhas de Santo Antão e São Vicente com 13 e 4 pontos percentuais acima do seu peso demográfico. Numa situação oposta, encontram-se as ilhas de Santiago e Fogo cujas populações escolares no ensino público são 22 e 6 pontos percentuais, respectivamente, abaixo do seu peso na participação no conjunto populacional.

O segundo aspecto a destacar-se é a importância que as escolas municipais cumprem no conjunto da oferta formativa. Assim, em São Vicente, 71% da oferta pública de ensino é de natureza municipal, na Brava atinge os 29%, na Ribeira Grande 28%, na Boa Vista 26%, apontando, provavelmente, para um engajamento significativo das elites locais em prol do investimento na educação. Situação diversa apresentam os concelhos da S. Nicolau, Praia, Fogo e Paul onde esse tipo de oferta é residual.

No geral, as ilhas do Barlavento (Santo Antão, São Nicolau, São Vicente, Sal e Boa Vista) representavam, no final do século XIX, cerca de 59% da oferta pública de ensino,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 quando toda essa região representava nada mais do que 1/3 da população do arquipélago.

Institucionalização do ensino secundário

Em relação ao ensino secundário, nos finais do século XIX, irá prevalecer a mesma tendência que se verifica em relação ao ensino primário. Entretanto, as primeiras iniciativas de oferta do ensino pós-primário (escola primária principal) desenvolvem-se na Brava. De referir que esta ilha torna-se, no segundo quartel do século XIX, num espaço atractivo para o acolhimento da elite eclesiástica que, alegando o clima doentio da Praia e de Ribeira Grande, permanece ali durante as épocas das “as-águas”19 (Neves, 1998: 99). A referida escola passa a ficar sedeada na vila da Praia, onde, posteriormente, em 1860, institui-se o primeiro “Lyceo Nacional da Província de Cabo Verde”, instituição de pouca dura, tendo sido encerrado alegadamente por falta de soldo para o pagamento e recrutamento de professores (Cf. Moniz, 2009; Pereira, 2010; Carvalho, 2011).

Contudo, a radicalização política de sectores do movimento liberal, portadores de algum sentimento anti-clerical, e a situação degradante em que se encontrava a maioria do prelado católico em Santiago, parte dele em conluio com a oligarquia local e, amiúde, com os rendeiros (Pereira, 2010: 113), impulsiona a cúpula da igreja católica a redefinir a sua posição no arquipélago mediante a criação de um seminário-lyceu em São Nicolau em 186620. Como adverte Neves, com a regeneração liberal a partir dos anos 50 do século XIX “apesar da crispação entre o Estado e a Igreja, devido ao clima anticlerical vivido no período da ‘Regeneração’ instaurado em Portugal, nessa época, não deixa de ser interessante constatar que, por todo o lado, existia esse cuidado de mandar fundar seminários para a formação do clero” (2009: 105).

As dificuldades para a instalação do referido seminário não tardaram a surgir, com o regresso do Bispo a Lisboa, em 1867, por razões de saúde, fragilizando a consolidação da novel instituição. Não fosse o Dr. Júlio Dias, reputado médico natural de São

19 As-águas é um termo utilizado em Cabo Verde para caracterizar o período das chuvas. 20A transferência da Sé Catedral da Ribeira Grande para São Nicolau efectiva-se em 1786 com anuência da Rainha D. Maria I à Carta do Bispo D. Frei Cristóvão de S. Boaventura, que residia nessa ilha. Todavia, proposta de ali instalar um seminário não se efectiva (Neves, 2008: 92; Lopes, 1996). Em 1845, uma nova proposta do Bispo sugeria a criação de um seminário na Brava alegadamente por ser o local que reunia melhores condições, onde residia o Governador. Entretanto, o seminário seria instituído em São Nicolau por decreto de 3 de Setembro de 1866 (Pereira, 2010).

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Nicolau, a ceder os seus aposentos na vila da Ribeira Brava para a instalação do referido seminário, esse projecto poderia conhecer os impasses habituais. Aliás, a cedência de espaço por parte de particulares para o arranque das iniciativas públicas de escolarização será uma constante na história do ensino secundário no arquipélago21.

Inicialmente funcionando apenas para a formação eclesiástica, o seminário inaugura a formação para estudantes da via civil no ano lectivo 1873-187422, numa estratégia do clero católico de abocanhar uma maior fatia do financiamento do estatal. A partir deste período até o seu enceramento pelos republicanos, anti-clericais, em 1917, o seminário- liceu torna-se o principal centro académico e cultural do país, contribuindo decisivamente para o aumento do prelado para o arquipélago e outras colónias e bem assim de indivíduos que, após a conclusão do curso preparatório (3 anos), concorriam para o exercício de funções intermédias na administração pública, na docência e/ou no labor das actividades de económico-empresarias (Neves, 2008: 131: Lopes,1996: 221).

As oportunidades que se inauguravam com o desenvolvimento do seminário-liceu são aproveitadas de forma distinta pelos diferentes estratos sociais em Cabo Verde. Assim, são as famílias dos estratos médio e alto de São Nicolau que se apropriam maioritariamente da abertura do seminário-liceu, pese embora haja registos de que os estudantes de meios familiares pobres – provavelmente originários de São Nicolau – tenham beneficiado de bolsas de estudo para frequentar a referida instituição.

Os dados coligidos por Neves em relação à proveniência dos alunos indicam que metade dos matriculados nessa instituição entre 1890 a 1918 era oriunda de São Nicolau (52%), seguido de Santiago (16%), Santo Antão (15%), denotando uma enorme sobre- representação da ilha de São Nicolau, cuja proporção de alunos matriculados era 7 vezes superior ao seu peso demográfico (8%).

21 De referir que o liceu nacional Infante D. Henrique instituído no Mindelo em 1917 dá os seus primeiros passos graças a acção do Senador Augusto Vera-Cruz que empenhou politicamente na luta pela educação em Cabo Verde, tendo cedido a sua residência para a instalação do referido liceu. De igual modo, quatro décadas mais tarde, o abastado comerciante Serbam (António Sérgio Barbosa Mendes), natural da ilha do Fogo, cede os seus aposentos na Praia para ser instalado em 1956, a secção do liceu Gil Eanes.

22 Os curricula de formação seminarista comportavam o Curso Preparatório que se subdividia em instrução primária e secundário. O primeiro abarca a fase elementar e o segundo a complementar. A fase complementar efectiva-se me 6 anos, abrangendo 16 cadeiras em áreas como as línguas, literatura clássica, filosofia racional, direito, economia, política, ciências físico-químicas e matemática. (Lopes, 1996: 221). 94

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 5 - Alunos do Seminário-lyceu de São Nicolau entre 1866-1918

Ilhas Fr % % População São Nicolau 1698 52 8 São Antão 480 15 20 São Vicente 179 6 5 Boa Vista 143 4 2 Sal 55 2 1 Santiago 511 16 42 Fogo 169 5 13 Total 3235 100 - Fonte: Dados adaptados da dissertação de Neves, 2010 (Tabela IA.)

Mas, a que se deverá essa enorme assimetria escolar entre o norte e o sul do arquipélago, quer a nível do ensino primário quer da instrução secundária no decurso do século XIX? Não é uma questão fácil de responder, como soa parecer. Somente a realização de uma investigação aturada a respeito das políticas das autoridades públicas e eclesiásticas e das estratégias empreendidas pelas elites locais na luta pelo processo de escolarização poderá oferecer pistas mais conclusivas. Entretanto, isso não nos desobriga de, à luz de informações históricas existentes, explorar algumas hipóteses.

2.5. Fundamentos de uma regeneração de Cabo Verde a partir de novas centralidades a Norte do arquipélago

As razões para a invenção de um Cabo Verde moderno a norte a um tempo com centralidade, em São Nicolau e Santo Antão, e, posteriormente, em São Vicente, são de natureza vária, algumas delas mais explícitas, outras nem tanto, entretanto, não menos relevantes.

Em primeiro lugar, uma nova centralidade a Norte criaria, por um lado, condições para a reconversão da economia do arquipélago há muito estagnada e ainda refém da exploração fundiária arcaica, prenhe de conflitos e descompassada com os novos ritmos que a metrópole queria imprimir à economia ultramarina. Por outro, permitia distender os efeitos sociais e políticos das revoltas em Santiago de 1822 e 1841 e das perturbações políticas decorrentes das perigosas alianças entre facções do movimento liberal e soldados insurgentes que representavam uma ameaça constante à frágil dominação colonial apesar da fidelidade que a elite local lhe jurava.

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Em segundo, a possibilidade de a elite governante residir numa ilha mais amena e de clima sadio reduzia os riscos de doenças frequentes numa Praia sazonalmente insalubre.23 Todavia, não seria de todo descabido indagar, o inter-dito, se essa mudança não seria mais profícua para a construção de um “clima étnico” mais favorável ao branqueamento da nova elite emergente até então em contínuo processo de mestiçamento e, por que não dizê-lo, de “empretecimento,” deixando entrever aos olhos desses liberais um futuro incerto para quem sonhava com recomposição racial24 capaz de rebranquear a sociedade e nela infundir maior grau de aportuguesamento.

Contudo, essa proposta de carácter racialista que se assoma no discurso de Marinho não é de todo muito distinta daquela que se preconiza para diversos outros destinos no ultramar. Em Angola, as tentativas de construção de uma consistente comunidade branca na nova Luanda esbatia-se em enormes dificuldades devido à escassez da população branca portuguesa que, entretanto, prefere instalar-se em massa no Brasil (Alexandre, 2004; Mourão, 2006).

23 O projecto de uma nova capital arquitectada por Marinho e endossada pelo responsável da pasta do ultramar Sá da Bandeira culminou com a decretação da mudança de capital da então vila da Praia, em 1837, para Mindelo. Entretanto, esta iniciativa não logrou êxito, uma vez que as autoridades governamentais não dispunham de meios financeiros para edificar de raiz os edifícios previstos na nova cidade. A isso soma-se a forte oposição das elites de Santiago, em particular, e das outras ilhas, designadamente da Boa Vista, Santo Antão e São Nicolau que utilizavam a ilha de São Vicente como espaço de pastagem. As duas décadas seguintes à decretação da mudança formal da capital da Praia para Mindelo foram marcadas por alguma instabilidade política, tendo o governador fixado a sua residência ora na Brava, ora em São Nicolau e outras vezes na Boa Vista (Cf. Barcelos, 2003c).

24 A abolição da escravidão por razões de índole mais económica colocava os colonizadores ante o desafio de justificar a sua diferenciação natural em relação aos libertos, outrora, considerados meros objectos de trabalho e comércio, entretanto, sujeitos de direito no bojo do projecto emancipador da ilustração liberal. O racismo científico do século XIX irá a suportar o ideário de uma sociedade de homens livres, porém desiguais em termos de capacidade alegadamente em razão da sua diferença civilizacional (Cf. Matos, 2006).

A carta endereçada por Pereira Marinho à sua Majestade expõe desabridamente as suas intenções. Diz ele: “julgando eu que Governo de Sua Majestade deve empregar todos os meios para que n’esta Província se reduzão o número d’escravos ao menos possível para que se aumente a força dos brancos em proporção aos pretos, e para que os habitantes d’esta Província se tornem mais perfeitamente Portuguezes, e semelhantes, ou iguaes em cor, tenho a honra de propor a Vossa Excelência as medidas seguintes:” (Marinho apud Pereira, 2010: 39). De entre um conjunto de medidas propostas por Pereira Marinho figuram: (i) as filhas de escravas que não sejam criadas pelos seus senhores seriam criadas pelas mães às expensas do primeiro, (ii) as mulheres mulatas que tiverem um filho ou filha preta deveria ter penas fortes, único meio que julgo capaz de as suster de se amigarem com pretos. Estas providências evitará que as famílias de retrogradem para Raça Africana, como tem acontecido ao maior número das famílias da mesma Província. Conclui Marinho afirmando sem pejo: “parece-me que posso assegurar, que empregando-se esta medida ou outra equivalente em cincoenta anos a totalidade dos habitantes da província será perfeitamente branca, por que n’este clima os filhos dos brancos com as mulatas, ficão geralmente brancos, sem signal algum de raça africana” (ibidem: 39 a 40).

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Segundo Matos,

“na primeira década do século XIX, alguns portugueses do abolicionismo começam a fomentar a emigração europeia no Brasil, em vez do tráfico de escravas, pois em causa estava o facto de a “cor” dos negros ser considerada um obstáculo para a sua assimilação. (…). Estes abolicionistas defendiam que a emigração de homens brancos representava uma forma de uniformização da estirpe racial mediante a miscigenação entre os colonos ali residentes e a vaga de emigrantes europeus, diluindo, deste modo, os caracteres negróides em poucas gerações” (Matos, 2006: 44). Na verdade, o arquipélago durante os séculos XVIII e XIX pouca importância tinha na contabilidade colonial, mesmo quando Portugal decide virar-se para o eldorado africano – especialmente Angola e Moçambique – não se constituindo o arquipélago num paradeiro atractivo para a população portuguesa que buscava outras oportunidades de melhoria das condições de vida e de enriquecimento.

A inexpressiva população branca fixada no arquipélago, aliada ao insignificante fluxo migratório português para Cabo Verde, inviabilizaram quaisquer tentativas de construção de um projecto de branqueamento da sociedade cabo-verdiana, como preconizara Artur Pereira Marinho. A pequena vaga de brancos que aportavam resumia- se a uma porção de militares, muitos deles, transferidos para Guiné e Angola, onde participavam nas campanhas de pacificação, os degredados25 e algum fluxo de judeus provenientes do norte da África (Marrocos) tinham pouca expressão para garantir de forma duradoura algum mecanismo de branqueamento. Como adverte Lavradio, “se exceptuarmos alguns oficiais de terra e mar, alguns magistrados que iam procurar mais rápido acesso nas carreiras, só seguiam geralmente para o Ultramar aventureiros, homens de finanças avariadas, degredados, gente sem educação nem preparação para poder desempenhar capazmente qualquer missão civilizadora” (Lavradio, 1933: 32).

Todavia, essa impossibilidade de renovação racial não autoriza considerar que por causa disso se terá operado uma mestiçagem em larga escala no seio da sociedade cabo- verdiana a ponto de as barreiras simbólicas associadas aos traços fenotípicos tenham sido diluídas, como deixa entrever a narrativa de Gabriel Mariano sobre a ascensão do mulato e do mundo que criou (Mariano, 1991).

25 Segundo Carreira, num período de oito décadas, foram deportados para Cabo Verde cerca de 2500 degredados que por terem cometidos crimes de natureza diversa - dissidência política, infracção de normas religiosas, outros por homicídio, falsificação de documentos, assaltos, etc. (CARREIRA: 1983, p.51, CERRONE: 1983). A maioria desses degredados fixou-se nas ilhas de Santiago, São Nicolau, Santo Antão, Brava, tendo alguns deles integrados nos serviços da administração.

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Um estudo sobre a genealogia das famílias dos estratos alto e médio da sociedade ilhoa poderia oferecer pistas importantes para a compreensão das linhagens que brotam do século XIX e da sua evolução no tempo. Entretanto, o levantamento genealógico de algumas famílias tradicionais em Santo Antão a propósito das linhagens da família Melo Lima, Gomes Fonseca, Duarte e Silva e Chantre feitas por Lima aponta, claramente, para o casamento entre os brancos da terra (mestiços claros) e as poucas famílias brancas que por aqui aportavam, sendo, na verdade, o mulato um intruso no seio desse grupo dominante (Lima, 2011).

Em suma, numa leitura longitudinal dos factores que impulsionaram a modernização da sociedade cabo-verdiana no século XIX, destacaremos alguns factores macroestruturais determinantes. Primeiro, a edificação do sistema colonial, entretanto, posto em marcha sob o espectro da dissolução do II império com perda do eldorado brasileiro, que permite a organização administrativa em Cabo Verde no sentido moderno do termo. Segundo, a abolição do morgadio e do sistema escravocrata, criando as condições para o solapar o modo de produção escravista e fazer emergir um sistema produtivo assente no trabalho livre. Terceiro, o surto de uma emigração para os EUA e para o continente africano, mitigando os desequilíbrios entre a demografia e a produção gerada pela débil agricultura cabo-verdiana.

Entretanto, convém realçar que fora a emigração para a América que maior efeito produziu, não só a nível económico mas também na apropriação de novos aportes culturais, com efeitos sobre a escolarização (Cf. Alexandre, 1998: 185 a 203). Em quarto lugar, a criação do Seminário-liceu, no quadro da estratégia da Igreja no processo de renovação da formação de padres e, posteriormente, de indivíduos para outros ramos da vida social (Administração, Comércio e outras actividades económicas), contribuiu para aceleração, no seio das camadas mais favorecidas, do processo de reconversão tanto do capital económico em capital escolar.

Esse longo processo da reestruturação da sociedade cabo-verdiana leva a que, no final do século XIX, emirja uma estrutura social com características um pouco diferenciadas em relação àquela do dealbar oitocentista. Assim, no topo dessa estrutura social, surge uma aristocracia fundiária, uma burguesia comercial e altos funcionários integrados dominantemente por brancos e um número muito limitado de mestiços. De permeio, uma pequena burguesia (classe média) em crescendo composta por mestiços e negros

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 livres em geral, pequenos proprietários, funcionários intermédios, brancos desclassificados. Por último, a grande massa do povo constituída por camponeses sem terra, rendeiros (Cf. Lessourd, 1995: 47 a 49; Andrade, 1996).

O contexto da génese da moderna elite administrativa cabo-verdiana resulta das alterações macroestruturais que têm a ver com a racionalização e extensão das estruturas da esfera estatal, na reconversão da estrutura produtiva e na edificação de um sistema de ensino. Assim, a nosso ver, é na dinâmica de articulação desses pilares estruturantes, caldeados em função dos interesses das forças políticas e sociais dominantes, que poderemos apreender as características matriciais da elite administrativa cabo-verdiana de que passaremos a situar e caracterizar de modo mais específico no capítulo seguinte.

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Capítulo 3: Génese e formação da moderna elite administrativa cabo-verdiana

Este capítulo visa lançar um olhar sobre os principais fundamentos subjacentes à génese e formação da moderna elite administrativa cabo-verdiana que emerge do processo conturbado de institucionalização do liberalismo tardio português e do seu reposicionamento em África em resultado da independência do Brasil e das disputas territoriais consensualizadas na Conferência de Berlim (1885). De igual modo, aborda ainda algumas dimensões que têm a ver com o perfil social dessa elite e as condições de sua reprodução e/ou de transformação.

Assim, aquando da reorganização administrativa de Cabo Verde de 1869 e de 1893 que redesenham a estrutura do Estado provincial cabo-verdiano, consolidando o controlo dos serviços centrais sobre as autoridades locais, uma elite intermédia administrativa se encontra polvilhada em toda a administração local e central. Do levantamento realizado no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) de Portugal, compilámos aleatoriamente informações relativas à trajectória de 88 funcionários entre 1830 a 1892. Embora os dados coligidos não podem ser considerados de todo representativos, uma vez que não foi possível computar, nesse período, o número global de funcionários colocados nos postos considerados relevantes à luz do código administrativo de 1842, afigura-se-nos que os mesmos revelam alguma tendência importante para a compreensão do perfil social e regional dessa elite intermédia.

3.1. Relendo algumas trajectórias profissionais de funcionários cabo- verdianos entre 1830 a 1892

No que à participação dos cabo-verdianos na gestão da organização administrativa diz respeito, constatámos uma notável presença dos mesmos no leme das principais estruturas administrativas dos serviços centrais do Estado, nas câmaras, na administração de concelhos e nas freguesias através das paróquias.

Nos processos individuais dos funcionários da então província de Cabo Verde, denotámos uma proporção importante de funcionários naturais de Cabo Verde alçados nos cargos de director de serviço, administrador de concelho, escrivão, tesoureiro, amanuense, delegado, sub-delegado, juiz da paz, o que reforça a tendência segundo a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 qual o domínio dos naturais de Cabo Verde na administração se faz na razão directa da expansão daquela e na razão inversa da presença dos homens do reino.

Com a reorganização dos serviços aduaneiros em 1851 em que foram criados os serviços das alfândegas em todas as ilhas com o propósito de melhorar o controlo fiscal sobre as transacções comerciais e, ao mesmo tempo, proteger os negócios do reino (Alexandre e Dias, 1998), verificámos que todas as direcções dessas repartições se encontravam sob a liderança de naturais de Cabo Verde como se denota na tabela infra.

Tabela 6 - Directores das repartições das alfândegas: 1854-1892

Nome Data Data Naturalidade Cargo Informações Inf. Nascimento sobre instrução Antonio Roberto da Silva 1854 1807 São Nicolau Director da S/R (Sem Alfândega de S. Referência) Nicolau Sebastião José Barboza 1872 1842 Fogo Director Alfândega S/R do Fogo

António da Silva Gonçalves 1873 1836 Santiago Director da S/R Alfândega do Sal João Araujo Ribeiro 1873 1817 Santiago Director Alfândega Escollas em de Santiago Portugal e Fogo Adolpho Joaquim Vieira 1877 1850 Brava Director da S/R Alfândega de Cacheu Francisco Mendes Cunha 1877 1830 Maio Director Alfândega S/R de Bolama Luis António Alfama 1882 1822 Brava Director Alfândega S/R da Brava José da Costa Lejo 1884 1855 Santo Antão Director da Instrução Alfândega de S. primária e Nicolau secundária. Approvação com distinção na escola primaria de Santo Antão. Aurélio Antonio Martins 1886 1852 Brava Director da Instrução Alfândega de Santo Primária Antão José Alexandre Pinto Júnior 1887 1857 Boa Vista Director da Instrução Alfândega da Boa primária, Vista algumas disciplinas do curso superior. Alfredo de Sousa Pinto 1892 1854 Sal Director da Tem alguns Alfândega do Sal estudos de instrução primária e secundária. Fonte: AHU-ACL-SEMU-DGU-RC,Cxs. 236 a 238.

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A maioria destes funcionários alçada nos lugares cimeiros da administração alfandegária26 era habilitada com a instrução primária – o único nível à época vigente no arquipélago - e com uma carreira diversa na administração local e central. Senão vejamos:

Antonio Roberto da Silva: desde Março de 1833 em que provisoriamente serviu de escrivão eclesiástico do vigário. Em 1834 passou a escrivão do juiz da paz por nomeação do respectivo juiz até 1842, data em que foi transferido para escrivão da Alfandega, por diploma do mesmo Governador da Província de 14 de Abril de 1853. Foi nomeado Director da Alfândega e recebedor particular, em que foi confirmado por Sua Magestade por Decreto de 3 de outubro do dito anno e Carta Regia de 3 de Maio de 1854 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238)

Sebastião José Barboza: desde de 15 de janeiro de 1831 em que foi nomeado praticante da Contadoria, por Portaria da Junta da Fazenda da mesma data. 3º Escripturario por provimento de 26 de novembro de 1833; 3º Amanuense da Secretaria Geral da Prefeitura por portaria do Prefeito de 1 de Março de 1834. 1º Amanuense archivista da mesma por portaria desde 1 de Agosto de 1834. Official da Secretaria geral do governo por portaria de 2 de Maio d 1837. Escrivão da Alfândega da ilha de São Thiago por decreto de 30 de Agosto de 1838. Escrivão e Director interino da alfândega de Bissau por Decreto de 17 de Janeiro de 1844. Novamente nomeado escrivão da alfândega da villa da Praia pelo Governo-geral em Portaria de 2 de março de 1847 e confirmado por Carta Regia de 13 de Abril de 1852 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238).

Adolpho Joaquim Vieira: desde de 1875 que tomou posse do lugar de escrivão da alfândega de Bolama para que foi nomeado por officio da secretaria de governo geral de junho do mesmo anno. Foi nomeado director interino d'alfândega de Cacheu por portaria do governo da Guiné nº12 de 3 de junho de 1876 e confirmado no dito lugar por Portaria do Governo geral nº198 de 2 de outubro do dito anno (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238).

Outras vezes, além dos serviços das alfândegas, identificámos alguns cabo-verdianos na direcção dos correios e da imprensa nacional.

Roberto Duarte e Silva: natural de Santo Antão, nasceu em 1860. Desde 4 de Fevereiro de 1878. Amanuense da conservatória de Comarca de Barlavento por portaria de Governo Geralnnº32 de 25/01/1878. Escrivão da administração do concelho da Vila da Ribeira Grande de Santo Antão por portaria nº240 de 12 de

26 A reforma administrativa de 1869 estipula a possibilidade de integração da população local na função pública sem a necessidade de autorização régia, desde que a remuneração anual não ultrapassasse trezentos mil reis (Alexandre e Dias : 1998: 200). Entretanto, no caso cabo-verdiano em que a presença dos naturais na administração há muito já era prática corrente, essa medida serve apenas para tornar mais célere esse processo de nomeação.

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Setembro de 1879. Director dos Correios de S-Vicente por Decreto de 11 de Dezembro de 1884, administrador dos correios da província de Cabo Verde - artº30 do decreto com força de lei de 20 de Agosto de 1892 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238). Arthur Pedro Quental: natural de Santiago, tendo nascido em 1862. Desde 16 de Fevereiro de 1884 como director do correio da cidade da Praia, cargo em que foi confirmado por decreto de 8 de Julho de 1886. Em 1 de Fevereiro de 1888, por portaria provincial foi, provisoriamente, nomeado administrador dos correios. Foi amanuense do correio em 1883 até fevereiro de 1884 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238).

João José Tavares: natural de Santiago, Desde 1 de dezembro de 1874 como aprendiz e compositor da imprensa nacional, em 1881 e 1885. Director e compositor da imprensa nacional da província da Guiné Portuguesa - Portaria provincial nº 124 de 1881, decreto de 21 de junho de 1883, d'onde foi transferido para igual cargo na província de Cabo Verde - Decreto de 23 de janeiro de 1885 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236 a 238).

Da análise do perfil global dos funcionários intermédios e, em alguns casos, de cúpula da administração, resultam algumas características relevantes a saber: primeiro, do ponto de vista de sua origem social, denotamos que provêm de famílias tradicionais, geralmente, descendentes de proprietários/comerciantes, funcionários civis e militares de Santiago (Alvarenga, Quental, Medina, Hopffer Almada), Santo Antão (Nobre, Duarte e Silva, Fonseca), Brava (Dantas, Arrobas, Gamboa), Fogo (Barbosa e Barbosa Vicente), São Nicolau (Lopes da Silva), de entre outros como Cunha, no Maio.

A descrição acima reforça a ideia segundo a qual o apartamento dos homens do reino no arquipélago há muito deixara espaço vazio na gestão do país, constituindo essa ausência numa oportunidade para a contínua afirmação dos naturais de Cabo Verde. Estes passam a povoar toda a administração intermédia na província e na Guiné, país sob a dependência do Governo da Província de Cabo Verde até finais do século XIX (Andrade, 1996; Pelessier, 2003).

Segundo, escrutinando o perfil dessa elite intermédia do ponto de vista de sua origem regional, verificamos que a maioria provém das ilhas de Santiago (30%), com destaque para a Praia, seguido da Brava (17%,) Fogo, (16%) Santo Antão (Ribeira Grande) (13%), Boa Vista (6%) e São Nicolau (5%), conforme a tabela nº7.

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- Tabela 7 - Local de nascimento de funcionários: 1820-1892

Ilhas Fr % Santiago 26 30 Fogo 14 16 Brava 15 17 Maio 3 3 Santo Antão 11 13 São Nicolau 4 5 São Vicente 2 2 Sal 2 2 Boa Vista 5 6 Guiné-Bissau 1 1 Cabo Verde * (sem especificação do local) 5 6 Total Geral 88 100 Fonte: AHU-ACL-SEMU-DGU-RC Cxs: 233, 234, 235, 236, 237,238. Os dados acima referidos apontam que praticamente 2/3 dos funcionários que desempenham funções relevantes na administração provêm das ilhas do sul, predominância que resulta de factores de natureza diversa. As ilhas de Santiago, Fogo e Brava concentravam, no decurso dos primeiros quartéis do século XIX, a maior parte da escassa população branca de origem portuguesa e dos brancos da terra que detinham importante capital económico, social e cultural, constituindo autênticas famílias de onde eram recrutados os notáveis do arquipélago com forte influência sobre a economia e a política local.

De referir que a Brava, em razão do seu clima mais ameno e saudável – e, por que não melhor “clima étnico”, uma vez que concentrava uma significativa comunidade branca - transforma-se num lugar onde as elites, política (governador e altos funcionários) e religiosa, (Bispo) fixavam-se, regularmente, nos ditos períodos de clima insalubre na vila da Praia27.

As ilhas de Boa Vista, São Nicolau e Santo Antão tornam-se também locais preferenciais de fixação da elite política e religiosa, cumprindo a norte a função alternativa à capital que a Brava representava a sul.

27 Neste sentido, não é de todo aleatório que a ilha Brava tenha sido bafejada com as primeiras instituições de ensino primário e pós-primário (escola principal superior) de que já mencionámos no capítulo anterior. 104

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Uma terceira característica desse universo de funcionários é a sua multi-proveniência familiar. Estes, amiúde, nascem não no local de origem dos seus ascendentes, mas onde os seus progenitores, a uma data altura da trajectória profissional, desempenhavam alguma função na administração ou empreendiam negócios diversos. A título de exemplo, Luiz Loff Vasconcelos, cujos familiares são oriundos da Brava, nasce, entretanto, no Maio (Cf. AHU-ACL-SEMU-DGU-RC, Cx.236). De igual modo, Raul Barbosa, natural da Boa Vista, tendo sido armador da marinha mercante e desempenhado funções administrativas no concelho da Praia, era filho de Sebastião José Barbosa, natural, entretanto, da ilha do Fogo28 (Oliveira, 1998).

Essa nova elite que emerge nas primeiras décadas do século XIX parece ser fruto de contactos dos funcionários que se deslocam a diferentes ilhas para o exercício de funções administrativas e de proprietários/comerciantes em busca de novas oportunidades de negócios que surgiam nesses locais. Neste sentido, a instabilidade política, económica, religiosa que caracteriza o arquipélago nos dois primeiros quartéis do século XIX, provocando a instalação sazonal do Governador e do Bispo nas ilhas Boa Vista, Brava e São Nicolau contribui para uma grande circulação espacial da elite nativa.

Em suma, uma das marcas dessa elite da administração intermédia que assoma é sua multi-proveniência, situação totalmente diversa daquela a que estava submetida a velha elite local dos finais do século XVIII ilhada e acantonada na sua localidade cuja reprodução dependia quase exclusivamente das redes locais e das relações havidas com raros brancos do reino que aqui aportavam para o desempenho de funções civis e militares.

28 Escrutinando a trajectória profissional de Sebastião José Barbosa, verificamos que desde de 15 de janeiro de 1831 foi nomeado praticante da Contadoria por portaria da junta da fazenda da mesma data. 3º escripturário por provimento de 26 de novembro de 1833. 3º Amanuense da Secretaria-geral da prefeitura por portaria do Prefeito de 1 de Março de 1834. 1º amanuense archivista da mesma por portaria de 1 de Agosto de 1834. Official da secretaria geral do governo por portaria de 2 de Maio d 1837. Escrivão da Alfândega da ilha de São Thiago por decreto de 30 de Agosto de 1838. Esccrivão e Director interino da alfândega de Bissau por Decreto de 17 de Janeiro de 1844. Demittido a requerimento seu por um decreto de 1845, do qual não tem conhecimento. Novamente nomeado escrivão da âlfândega da villa da Praia pelo Governo-geral em Portaria de 2 de março de 1847 e confirmado por Carta Regia de 13 de Abril de 1852 (Fonte: AHU: Secretaria de Estado da Marinha: Direcção Geral do Ultramar, Cx 236). 105

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Uma outra característica que se nos afigura relevante reside no facto de, estando a educação no dealbar do século XIX ainda a cargo das famílias e da acção do clero católico, a aquisição do capital cultural exigida para o acesso à administração do Estado depender quase exclusivamente das condições de reprodução das famílias. Estas, detentoras do capital fundiário que lhes garantia o monopólio sobre os cargos político- administrativos, devido ao sistema censitário vigente, tinham no seu modo de reprodução familiar e nas suas redes sociais uma estratégia subtil controlo dos principais cargos públicos. Esse era o modelo sobre o qual assentava a reprodução das importantes famílias locais que, sendo detentoras dos principais recursos económicos e políticos faziam da auto-reprodução familiar um marco decisivo no processo de acesso aos cargos na administração.

Como reporta Charles (1987) no seu estudo sobre a elite francesa, no século XIX, o modelo de reprodução dos notáveis, assente na posse assaz desigual de capitais económico, político e social, enfraqueceu-se à medida que a posse do capital escolar deixou de ser um exclusivo da própria família. Em outros termos, isto quer dizer que a posse do capital escolar por ser individual, ainda que condicionada por recursos familiares, não assegura, a priori, por si só a reprodução de índole colectiva que a família garantia a todos os seus membros.

É esse contínuo processo de deslizamento no processo de reprodução familiar com o surto da escolarização – criado por factores exógenos à determinação familiar – que debruçaremos um olhar mais incisivo no decurso deste capítulo.

3.2. Reposicionamento do Estado português em África no final do século XIX A independência do Brasil provocara nas hostes políticas portuguesas um sentimento de indignação, obrigando a sua classe política dominante a olhar para as suas dispersas possessões em África uma alternativa para refundar o antigo império soçobrado.

Assim, o projecto de edificação do III império visa acomodar o impacto económico e simbólico da perda do eldorado brasileiro (Alexandre, 2000: 181). Entretanto, a revalorização do continente africano por parte de Portugal ocorre numa altura em que os

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 apetites de outras potências coloniais começam a aguçar-se, em resultado das necessidades do crescente processo de industrialização.

As notícias de viagens enviadas pelos exploradores como Stanley e Cameron e também pela Associação Internacional Africana financiadas pelo rei Leopoldo “tocavam os interesses portugueses na África central”, a que Portugal alegava possuir direitos históricos (Alexandre, 2004: 968). Em reacção a essa investida de outras potências, Portugal cria a Sociedade de Geografia de Lisboa em 1875, com o fito de contribuir para a definição de uma política colonial estribada em bases científicas e não apenas nos saudosos tempos do domínio histórico sobre o além-mar.

Como relembra Marquês do Lavradio, referindo-se ao domínio português, tratava-se de domínio fictício “(..) quando em 1851 se deu o movimento político que ficou conhecido como “Regeneração”, Portugal era ainda senhor, especialmente, no continente africano, de um vasto império colonial. Os nossos direitos, salvaguardados na Carta Constitucional, haviam-nos sido reconhecidos por vários tratados, mas a nossa soberania era muito problemática, o nosso domínio muito fictício e a ocupação muito limitada” (Lavradio, 1933: 5).

Ameaçado pelas grandes potências em franco processo de industrialização (Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica) que reconheciam a legitimidade colonial apenas a quem ocupava efectivamente os territórios, Portugal viu-se embaraçado em justificar o direito a vastas possessões quando, na verdade, a sua presença estava adstrita às zonas litorâneas. Acrescenta Wesseling que “a presença portuguesa na África durante a década de 1880 era extremamente restrita. Havia mesmo apelos para uma retirada completa do interior, onde tentativas de ampliar o poder económico tinham tido resultados modestos. Em Moçambique, fora Lourenço Marques na costa, os portugueses podiam vangloriar-se apenas de algumas colónias povoadas por um punhado de soldados e pequenos comerciantes. Em Angola, as actividades portuguesas restringiam-se a poucas cidades: Ambriz e Luanda, a capital de Angola, vivia de sua antiga reputação de ser a mais bela cidade da costa ocidental da África, mas sua antiga prosperidade, baseada no tráfico de escravos, deixara de existir e suas perspectivas económicas eram sombrias. Daí que, não importa quão terríveis fossem as condições em seu próprio país, dificilmente um português ia voluntariamente para as possessões africanas, e a maior parte dos mil habitantes brancos de Luanda eram, na realidade, criminosos” (2008: 133 a 134; Cf. também Anderson, 1963).

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Na Guiné não fosse a enérgica liderança de Honório Pereira Barreto que combatia as constantes ameaças franco-britânicas, agravadas com constantes revoltas internas, há muito essa possessão haveria soçobrado (Pelessier, 2003; Trajano, 2003).

Segundo Marquês de Lavradio, a Conferência de Berlim de 1885 e o Ultimatum de 1890 obrigaram Portugal a olhar com mais atenção para os seus domínios africanos; compreendeu-se, finalmente, que a época dos direitos históricos havia passado” (1933: 175). Esse Ultimatum despertara Portugal para a nova realidade internacional colocando a nu as suas fraquezas e o seu relativo atraso económico, o que irá obrigá-lo a acelerar a redefinição de uma estratégia de colonização do Ultramar (Anderson, 1963: 37 a 39; Alexandre, 2000).

A nova política colonial caldeada a partir dos finais dos anos 90 do século XIX com condimentos de ressentimento e humilhação leva Portugal a empreender decisivamente uma política de ocupação das colónias sob novas bases. Desde logo, a assunção do direito natural de colonizar e civilizar os “povos indígenas” considerados ainda em fase rudimentar de evolução.

Tal intento requeria, por um lado, uma presença mais significativa de colonos e, por outro, uma administração disseminada de forma capilar nas localidades das províncias capaz de garantir um domínio efectivo sobre as comunidades locais. Assim, a partir de finais do século XIX, o Governo empreende um vasto programa de povoamento dos territórios ultramarinos, favorecendo a deslocação de milhares de portugueses, especialmente para Angola e Moçambique, onde a extracção da riqueza era de longe mais rentável. Cabo Verde, entretanto, há muito deixara de ser um território de acumulação importante para o Reino e fora por longos séculos, como dizia, Lavradio, “o mais pobre e miserável de todas as possessões portuguesas” (Lavradio, 1933: 18).

Os dados compulsados por Ferreira a partir dos dados de Clarence-Smith apontam para o crescimento exponencial do fluxo migratório para essas colónias, centro gravitacional, da exploração colonial (Ferreira, 2011; Cf. também Anderson, 1963: 64). No caso de Angola, os efectivos estrangeiros, em sua maioria esmagadora portugueses, passa de 12.000 em 1910, com a República, para 280101, em 1970. Em relação a Moçambique a tendência é a mesma, de 11.000 para 161967, na década de 1970.

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Gráfico 2 - Evolução da população estrangeira para Angola e Moçambique entre 1900- 1970

300000 Angola Moçambique 280101

250000

200000 172529 162967 150000 97255 100000 78826 44083 48213 50000 20700 30000 27438 9198 12000 2064 11000 0 0 0 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970

Fonte: Dados adaptados a partir da tese de doutoramento de Ferreira, 2011

Contudo, a corrida portuguesa à ocupação de seus territórios requeria a existência de militares e funcionários civis intermédios, aptos a assegurar a gestão desse vasto território, para onde os funcionários metropolitanos, por falta de incentivos financeiros e por causa da moléstia tropical a que estavam sujeitos, não se aventuravam a deslocar.

Essa alteração estrutural da política ultramarina em relação às suas possessões constitui para os cabo-verdianos cristãos e detentores de uma relativa escolarização uma oportunidade para assumir as rédeas de gestão intermédia e, amiúde, de cúpula da administração, sobretudo na Guiné, em Angola e em menor grau em Moçambique e São Tomé, Macau e Goa (Lessourd, 1995; Andrade, 1996).

Quando Portugal desperta para uma colonização efectiva do continente africano, a nova elite pequeno-burguesa crioula emergente da lenta reestruturação da economia escravista e da gradativa expansão da administração, no século XIX, encontra-se relativamente escolarizada, aproveitando das poucas escolas que se foram criando no quadro da reforma educativa instituída com o advento do liberalismo e do reposicionamento da Igreja com a institucionalização do seminário-liceu na segunda metade do século XIX.

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Como observa Anjos, “os cabo-verdianos, pelo seu desenvolvimento intelectual e pela pureza dos seus costumes, estariam acima dos povos das demais colónias portuguesas. Nasce, aí, a posição clássica na localização cultural de Cabo Verde: abaixo de Portugal e acima dos demais países africanos em termos civilizacionais” (Anjos: 2002: 71).

Assim, o reposicionamento de Portugal em direcção às suas possessões continentais abre chances para uma segunda etapa da afirmação da elite administrativa nativa crioula que entrevia nas reformas liberais uma ampla possibilidade de beneficiar com a universalização dos direitos de cidadania.

O Estado português, compreendendo que os ventos da mudança no final do século não compadeciam com uma gestão assente no romantismo e nos supostos direitos históricos, lançou-se numa empreitada para elevar o patamar científico de formação dos seus dirigentes como já vinham fazendo as outras grandes potências. Assim, a Sociedade de Geografia de Lisboa, inspirado no Civil Service britânico e nas demais escolas europeias de formação da elite colonial giza, em 1888, um projecto de uma “Escola de Disciplinas relativas à Terra e à Gente e às Línguas do Ultramar Português”. Embora os aspectos embrionários para edificação de uma escola de formação estivessem delineados nos finais do século XIX, a criação efectiva da Escola Colonial ocorre em Janeiro de 1906 (Cf. Anuário da Escola Colonial: 1920).

Com a reforma encetada pelo então ministro das colónias João Belo, em 1926, a escola colonial foi elevada a instituição de nível superior destinada à formação da elite administrativa colonial. Ministrava-se nessa escola dois tipos de curso: (i) curso geral, com a duração de 4 anos, para funcionários civis e militares das colónias, e (ii) Curso para os colonos de 2 anos, direccionado a empregados no comércio e, em geral, a todos os que se proponham exercer a sua actividade nas colónias (Cf. Decreto nº14.317, de 24 de Setembro de 1927).

O curso de índole superior professado nessa escola incidia sobre duas grandes áreas: ciência administrativa e comércio, versando, o curso geral colonial, as seguintes cadeiras (disciplinas): 1º anno Geografia colonial e meteorologia, Noções práticas de topografia e cartografia, colonização, Ethnologia e ethnografia coloniais, Quimbundo (Angola); 2º anno - Administração civil e legislação colonial, Regime económico das colónias (produções e mercados), Hygiene colonial (educação physica, noções de epizootias e zootecnia) e Roga (Moçambique; 3ºanno: Direito aduaneiro e colonial,

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Estatística e informações coloniais, Política indígena e Conani (Índia); 4º anno: Direito Internacional público e privado (prática judiciária e notariado), História das colónias portuguesas, Noções de construção civil (construções coloniais, carreteiras) (ibidem: 20; vide também Graça, 2009).

A conclusão do curso colonial conferia importantes vantagens no acesso e desenvolvimento na carreira do funcionalismo ultramarino. Assim, os cargos de inspectores e administradores de circunscrição, de chefe de posto, de administrador de concelho, de secretários de circunscrição, e outras categorias equivalentes só poderiam ser providos (a partir de 1930) por diplomados do curso geral colonial (Cf. Reforma Administrativa Ultramarina Decreto-lei nº23:229).

De referir, entretanto, que quando Portugal institui essa escola especializada, visando a melhoria da qualificação dos seus funcionários para densificar a malha administrativa no ultramar, a elite cabo-verdiana gozava de alguma vantagem em termos de acesso à educação em comparação com as demais colónias ultramarinas. Senão vejamos:

No início do século XX, a rede escolar existente no arquipélago contava com 50 escolas primárias, um seminário-lyceu, enquanto na Guiné havia apenas 13 escolas primárias e nenhuma escola secundária; em São Tomé, 16 escolas primárias e uma escola principal; em Angola, 68 escolas primárias e um seminário-lyceu e, finalmente, em Moçambique 64 escolas primárias, uma escola de artes e ofícios e uma escola principal (Cf. Negreiro apud Malta, 2006: 4).

A ter em conta o maior peso demográfico de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, os naturais do arquipélago desfrutavam de uma enorme vantagem. Além disso, essa supremacia é tanto mais expressiva se se levar em consideração que enquanto nessas colónias as escolas destinavam-se especialmente aos filhos dos colonos que ali residiam, em Cabo Verde, onde a presença daqueles há séculos perdera relevância, as escolas ficavam a mercê dos naturais, especialmente os das famílias mais possidentes.

De realçar ainda que uma década após a criação da Escola Colonial, os dados coligidos nos arquivos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política apontam para a presença de naturais de Cabo Verde inscritos nessa escola especializada de formação da

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 elite administrativa colonial.29 Embora essa presença seja inexpressiva do ponto de vista quantitativo, ela denota um investimento qualitativo das elites cabo-verdianas no processo de escolarização dos seus descendentes.

A elevação do nível de instrução da elite cabo-verdiana dotou-a de novos recursos simbólicos para pleitear junto das autoridades públicas um posicionamento mais igualitário e convergente com os direitos de cidadania inscritos na carta constitucional. Não é por acaso que um dos expoentes do nativismo cabo-verdiano Luís Loff Vasconcelos, a despeito das discriminações de que padeciam os cabo-verdianos na administração, vociferava nestes termos: “não achamos justo é que sistematicamente se arredem os filhos os filhos de Cabo Verde dos melhores lugares públicos, para neles se investirem alguns de fora que reconhecidamente valem muito menos do que eles” (Loff apud Anjos, 2002: 66).

Segundo Anjos, “o que está em jogo, até as primeiras décadas deste século é, sobretudo, a faculdade de disputar as coisas públicas. Toda essa escrita cabo-verdiana do início do século não busca senão tornar o espaço público em espaço de negociação. Mais ainda definem-se as fronteiras do espaço exterior à administração como um espaço nosso, o espaço mestiço, por contraposição ao espaço branco da administração”(ibidem: 69).

Assim, no momento em que eclode a deposição da monarquia e a institucionalização da República, a elite letrada que emerge nos finais do século XIX é detentora de recursos simbólicos para intermediar junto da metrópole, em nome da cidadania e dos interesses da sociedade cabo-verdiana, a aplicação efectiva dos direitos formalmente consagrados na lei. A aquisição dessa consciência de direitos resulta da emergência embrionária de uma esfera pública, jornalística e literária, no sentido que lhe empresta Habermas (1984), que viceja no país com elevação do nível de instrução – com a consolidação do seminário-liceu – e a instalação da imprensa nacional no segundo quartel do século XIX, de que nos dá conta Oliveira (Cf. Oliveira: 1998; Brito-Semedo, 2006: 168 a171).

29 De entre os primeiros estudantes cabo-verdianos da Antiga Escola Colonial figuram: Nuno Catharino Cardoso, natural de Santo Antão, nascido em 1888, inscrito no curso colonial em 1913 cujo pai era um funcionário público; António Corsino Lopes da Silva, natural de São Nicolau, matriculado no curso Superior do Comércio, em 1914-15; Leão Gomes de Pina, nascido em 1899, natural da ilha do Fogo, descendente de grandes proprietários; António Crawford de Freitas Ferraz, natural de Cabo Verde, matriculado em 1915 (Cf. Boletins de Matrícula dos estudantes da Escola Superior Colonial no actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas).

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3.3. O advento da República e o reforço do projecto colonial Os novos ventos que sopram no arquipélago com o advento da República em 1910, traduzem-se na introdução de um conjunto de reformas a nível económico, político e cultural visualizado pela elite local como uma nova esperança para a redenção da colónia enleada, entretanto, em dificuldades socioeconómicas de monta

De entre as várias reformas preconizadas em diversos sectores, a que incidiu sobre a educação é a que maior impacto teve no arquipélago. Fala-se aqui das novas reformas educacionais empreendidas no quadro dessa nova saga emancipatória republicana com a edificação do primeiro liceu laico na ilha de São Vicente, em 1917, e do encerramento do seminário-lyceu na mesma data, devido ao sentimento anti-clerical de segmentos dominantes do movimento republicano.

Entretanto, convém pontuar que a edificação do liceu só foi possível graças à influência da elite local cabo-verdiana sob a liderança do senador Augusto Vera-Cruz, que pleiteou no Parlamento Nacional (Moniz, 2010: 230) para que em Cabo Verde fosse instituído uma instituição secundária laica no quadro da política de expansão deste nível de ensino na metrópole. Essa reivindicação encontra, entretanto, eco junto das forças progressistas do partido republicano, tornando possível um dos feitos decisivos no processo de afirmação de uma elite intelectual autóctone. Não fosse esse período revolucionário republicano propício à experimentação de novos ideais e do engajamento de uma elite local, Cabo Verde só teria, provavelmente, o seu liceu laico na fase mais tardia com a adopção da nova política ultramarina nas décadas de 50 e 60 como acontecera com outras possessões portuguesas no continente.

O liceu Infante Dom Henrique (posteriormente Gil Eanes) veio a funcionar de forma ininterrupta ao longo do século XX, pesem embora algumas tentativas para o seu enceramento, que mereceram uma enérgica contestação da elite local. Esta tinha consciência da importância decisiva dessa instituição no processo de modernização da sociedade cabo-verdiana (Carvalho, 2011).

Todavia, as crises que seguiram à institucionalização da I República por causa dos efeitos socioeconómicos nefastos da Primeira Grande Guerra concorreram para a degradação das condições de vida da grande massa da população pobre. Com efeito, gerou-se um quadro de instabilidade política no seio das principais forças políticas que contribuíram para fragilizar as bases de legitimação política sobre as quais soerguia o

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 ideário republicano. A agudização de tal situação, especialmente com boatos em torno da emergência de um movimento separatista em Angola, levou a que as forças políticas conservadoras, receando a fragilização do sistema imperial – projecto que unia as elites portuguesas desde o final do século XIX – pusessem fim à jovem república, através de uma intentona em Maio de 1926 (Rosas, 1998; Alexandre, 2008).

Segundo Alexandre, a ditadura militar que dá corpo a

“essa reacção nacionalista e centralizadora, no domínio da política imperial, promulga um conjunto de leis estruturantes que visam dar maior consistência ao aparelho do Estado colonial e uma maior eficácia à sua acção. Tal é a função, em primeiro lugar, das novas Bases Orgânicas da Administração Colonial, que limitavam a autonomia dos governos coloniais, reforçando a superintendência e fiscalização do poder central” ( 2008: 187). Sob os auspícios do Estado novo a partir dos anos 30 são postas em marcha um conjunto de mudanças estruturais que vão marcar de forma indelével a história do Portugal contemporâneo e de suas colónias nas cinco décadas subsequentes. A missão histórica que a elite dominante portuguesa cometia ao Império luso encontra-se consagrada no artigo 2º do Título I do Acto Colonial de 1933. Este dispositivo considera ser “da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente” (Tomé, 1945).

A publicação do Acto Colonial, com força constitucional para o Ultramar, gerou um enorme descontentamento no seio da elite mestiça cabo-verdiana que entrevia nesse novo dispositivo constitucional uma ofensa à sua condição de cidadão do império. Paradoxalmente, quando Portugal assume a sua função civilizadora em relação às colónias nas primeiras décadas do século XX, o reino estava polvilhado de analfabetos, cerca de 75% em 1911, quando em Cabo Verde era de 88%, ou seja, apenas 13 pontos percentuais acima do score da metrópole. Entretanto, o projecto civilizacional português em África não era uma questão de instrução, mas acima de tudo de cultura. (Marques, 1991: 519; Cf. Ferreira: 2011).

A cristalização do Estado Novo e a missão que cometia a si próprio na tarefa de reconstrução económica, política e social do império engendrará mudanças estruturais na metrópole. A expansão das estruturas do Estado iniciada na década de 20 traduz-se no aumento de forma significativa de direcções gerais e de funcionários. Com a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 institucionalização do Estado Novo opera-se, segundo Carmo “uma profunda reforma do aparelho de Estado quer no interior dos ministérios, quer na complexificação das suas funções”. Assim, de 1926 a 1969, passa-se de 10 a 14 ministérios e a evolução dos efectivos da Administração Pública conhece um aumento exponencial, passando de 25.558 efectivos em 1935 para 196.755 em 1968, o que representa praticamente uma multiplicação por 8 de num período de 3 décadas (Carmo, 1985: 73 a 74, 88; Cf. Marques, 1991: 291).

Trata-se efectivamente do período áureo da expansão da administração pública portuguesa que resulta não só da necessidade de responder às demandas internas derivadas das transformações socioeconómicas mas também à gestão de recursos careados das colónias para a metrópole.

Ao longo das primeiras décadas do século XX, algumas mudanças estruturais operaram na sociedade cabo-verdiana com impacto decisivo na estrutura das oportunidades que serão apropriadas de forma distintas por diferentes grupos sociais. A primeira mudança prende-se com a expansão da burocracia estatal, em decorrência das políticas de centralização e do reforço do alargamento da administração a todos os espaços do território. A segunda tem a ver como processo de escolarização, especialmente a secundária, que permitia aos diplomados o acesso a cargos de alguma relevância na administração, e a terceira com recrudescimento do fenómeno da emigração.

À semelhança da expansão dos serviços do Estado metropolitano, em Cabo Verde, de acordo com a Carta Orgânica e da Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), nos finais dos anos 20, opera-se uma reorganização administrativa, passando os serviços governamentais a ser distribuídos em Repartições Centrais (Correia, 2006).

Nos termos da Carta Orgânica e da Reforma Administrativa Ultramarina, os serviços de natureza administrativa geral da colónia passavam a ser distribuídos por repartições centrais, Repartições Técnicas de Serviço e Organismos Militares, a saber: Repartição Central dos Serviços de Administração Civil ; Repartição central dos Serviços da Fazenda, Repartição Central dos Serviços Aduaneiros, Repartição Central dos serviços de Instrução, Repartição Técnica dos Serviços da Saúde, Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agricultura e Cadastro, Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas, Florestais e Pecuários, Repartição Militar, Capitania dos Portos, (ibidem:

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17). Essa nova reorganização requeria uma maior proporção de funcionários em geral e em particular a nível de chefias de topo e intermédias30.

No tangente ainda a essa reforma, o legislador ciente de que essa maior complexidade exigida poderia ser de difícil aplicação, especialmente nas colónias onde havia carência de pessoal qualificado, este regulamento dispõe que o cargo de Chefe dos Serviços passava a ser exercido em comissão por dois anos renováveis ou por contrato, por indivíduos de comprovada competência técnica e critérios demonstrados no exercício de cargos públicos de idêntica natureza na metrópole e nas colónias, quando possuíssem necessária preparação técnica e oficial e que conviesse ao serviço público (Correia, 1998: 47).

Essa maior flexibilidade no processo de recrutamento mereceu forte oposição de sectores mais qualificados da administração cabo-verdiana que considerava esse dispositivo e outros da RAU mais aplicável a países com menor grau de civilização que Cabo Verde. De todo modo, essa maior flexibilização permitiu a muitos cabo-verdianos, com muita tarimba na administração, ocuparem cargos de chefias em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Em segundo, as oportunidades de escolarização secundária no arquipélago conhecem um novo alento com a gradativa expansão dos alunos do liceu nacional de Cabo Verde, cujos efectivos passam de 227 no ano lectivo 1927/28, para 664 no de 1954/55. O crescimento de alunos na segunda metade da década de 50 deve-se à entrada em funcionamento da secção do liceu Gil Eanes na Praia e à institucionalização do liceu na capital, em 1960, o que contribuiu para uma expansão mais acentuada dos inscritos no ensino secundário, conforme o gráfico nº3.

30 Infelizmente não nos foi possível computar dados sobre a evolução dos funcionários no arquipélago, o que poderia revelar em que termos essa reorganização administrativa traduziu ou não num aumento dos efectivos do funcionalismo.

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Gráfico 3 - Evolução dos alunos no liceu Gil Eanes e Secção/liceu da Praia: 1917-1965

1400 1228 1200 930 1000

800 667 520 600 373 317 400 227 200 42 0 1917/18 1927/28 1937/38 1947/48 1951/52 1954/55 1956/57 1965/66 * *

Fonte: Adaptado do relatório dos reitores e anuários, in: Carvalho, 2012

Sopesando os dossiers de matrícula dos inscritos no então liceu nacional de Cabo Verde, é possível reconstituir algumas dimensões do perfil desses alunos nesse primeiro ciclo de expansão entre 1922 a 1942. Dos 129 estudantes matriculados no 7º ano, escrutinados aleatoriamente, traçamos o seu perfil com base em 3 critérios: sexo, origem regional e perfil social – este último assente nas informações sobre a profissão dos pais.

Em termos de género, verifica-se a presença dominante de rapazes (78%), contra a 22% de meninas. Embora a escolarização feminina em Cabo Verde date do século XIX, a sua presença mais expressiva no ensino secundário conhecerá maior expressão a partir de finais da década de 50 do século XX com efeitos mais consistentes da expansão do ensino primário. Outrossim, a maioria das raparigas que frequentava o ensino secundário a sua trajectória escolar ficava adstrita aos 1º e 2º ciclos dos estudos liceais, sendo estas posteriormente direccionadas para as diversas formações de índole profissional. Até então, as oportunidades de escolarização vigente são aproveitadas pelas raparigas oriundas dos estratos sociais médio e alto dos centros urbanos onde, efectivamente, concentrava a rede de ensino.

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Tabela 8 - Distribuição dos alunos do 7º ano por sexo

Sexo 1932-1946 % F 28 22 M 101 78 Total 129 100 Fonte: Arquivo do liceu Ludgero Lima (antigo liceu Gil Eanes)

No que à proveniência regional dos estudantes do liceu diz respeito, verifica-se a predominância de alunos originários de São Vicente (37%), Santo Antão (20%), Santiago (16%), São Nicolau (9%), Fogo e Brava 4% ex-equo.

Tabela 9 - Distribuição alunos do 7º ano segundo local de residência

Ilha 1932-1946 % Santo Antão 27 21 São Vicente 48 37 São Nicolau 12 9 Boa Vista 1 1 Sal 1 1 Santiago 20 16 Maio Brava 5 4 Fogo 5 4 Angola 1 1 Guiné-Bissau 2 2 Portugal 5 4 Total Geral 129 100 Fonte: Arquivo do liceu Ludgero Lima (antigo liceu Gil Eanes)

A localização do liceu no Mindelo define uma estrutura de oportunidades escolares mais favoráveis à população residente nessa cidade e à da ilha vizinha – Santo Antão - representando as duas ilhas mais da metade (57%) dos estudantes inscritos, quando o seu peso demográfico, em 1940, não ultrapassava os 30% da população global do arquipélago. Como analisaremos de forma mais detalhada no capítulo seguinte, essa diferenciação de oportunidades irá reflectir-se na composição regional das elites político-administrativas.

Em relação ao perfil social dos estudantes, com base em informações sobre a profissão dos pais, constata-se que a grande maioria era descendente de estratos sociais médio/altos da sociedade cabo-verdiana, com realce para funcionários públicos (31%), comerciantes (19%), proprietários de terra (12%), profissionais liberais (5%) de entre

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 outros. O peso relativo de filhos de funcionários públicos reflecte, provavelmente, em grande parte, o contínuo processo de reconversão das famílias dos antigos proprietários e comerciantes para a administração do Estado em expansão desde segundo quartel do século XIX.

Tabela 10 - Profissão dos pais dos alunos do 7º ano

Profissão 1932-1946 % Funcionário Público 40 31 Proprietário comercial/industrial 25 19 Proprietário de terra 15 12 Trabalhador 6 5 Doméstica 12 9 Empregado de Comércio 4 3 Dentista 2 2 Gerente Comercial 1 1 Médico/engenheiro 4 3 Militar 2 2 Oficial da Marinha Mercante 2 2 Serralheiro 1 1 Bancário 2 2 S/R 13 10 Total Geral 129 100 Fonte: Liceu Ludgero Lima (São Vicente), caixas avulsas

Entretanto, convém realçar uma presença não desprezível de estudantes cujas mães eram domésticas (9%), trabalhador/serralheiro (6%), o que revela que a barreira ao sistema de ensino não era de todo intransponível a alguns estudantes provavelmente de famílias mais humildes que, entretanto, engenham estratégias múltiplas para garantir a escolarização dos seus filhos.

Ao longo das primeiras cinco décadas do século XX, as vias de ascensão social resumiam-se praticamente às oportunidades abertas com a extensão dos serviços governamentais e os poucos empregos criados pelo sector privado dominado pelo comércio a grosso e retalhista, pequenas indústrias e negócios conexos. Assim, são os efeitos combinados da expansão do Estado e da escolarização que produzem algum efeito no lento alargamento da classe média urbana que, não podendo ser absorvida pelas poucas vagas disponíveis no quadro privativo da administração no arquipélago, busca nas outras colónias ultramarinas oportunidades de emprego.

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Numa rápida apreciação do quadro de antiguidade dos funcionários do quadro privativo em Cabo Verde, nota-se a predominância de funcionários cabo-verdianos nos principais cargos importantes como o de primeiro-oficial da administração central (repartição da fazenda, administração civil) a seguir aos directores de serviço, geralmente portugueses, por razões de ordem de confiança política que o cargo requeria (Cf. Anexo 2: Relação parcial de funcionários cabo-verdianos na Administração do Estado provincial: 1930- 1966).

Tabela 11 - Relação nominal de alguns funcionários colocados no topo do funcionalismo público cabo-verdiano

Nome Ilha Categoria Data Nasc. Data 1ª posse Repartição João Henriques de Repartição dos serviços de Almeida Cardoso Santiago 1º oficial 07.06.1900 01.02.1919 fazenda e contabilidade Repartição dos serviços de João Modesto Santo Antão 1º oficial 22.07-1912 28.05.1938 fazenda e contabilidade Repartição dos serviços de Félix António Monteiro São Vicente 1º oficial S/R 15.08.1935 fazenda e contabilidade João de Azevedo Repartição dos serviços de Camacho Santiago 1º oficial S/R 20.08.1924 fazenda e contabilidade Director de Repartição provincial dos José António Monteiro de 3ª classe serviços dos correios, Macedo Fogo (Grupo I) 24.08.1919 04.01.1955 telégrafos e telefones José St´Aubyn Mascarenhas São Nicolau 1º oficial S/R 20.07.1930 Repartição dos serviços de Armando Crispim Barreto Santiago 1º oficial S/R fazenda e contabilidade Direcção Geral de Administração Política e Manuel Luiz Fontes Fogo 1º oficial 21.06.1910 20.05.1935 Civil

Fonte: Dados adaptados a partir dos boletins oficiais da província de Cabo Verde entre 1910 a 1960.31

O perfil social desses funcionários alçados nos cargos importantes da Administração Pública é provavelmente similar àquele que caracteriza os alunos que escrutinamos no liceu nacional entre 1932 a 1942, integrado dominantemente por estudantes provindos dos estratos médio e alto da sociedade cabo-verdiana.

Contudo, se é verdade que permanece a tendência de reprodução dos estratos sociais de onde são recrutados esses funcionários intermédios e de cúpula, convém precisar que

31 As informações relativas ao local de nascimento foram reconstituídas a partir das seguintes fontes. João Henrique Cardoso. (Fonte IAHN. Registo de bilhete de identidade funcionários residentes na Praia, IAHN. RPSAC: SC:G\SR:A\Cx408) João Modesto (IAHN. RPSAC: SC:C\SR:A\Cx375); Félix Monteiro; João Azevedo Camacho, José António Macedo, José Saint Aubyn Mascarenhas, Armando Crispim Barreto e Manuel Luiz Fontes com recurso a entrevista a antigos funcionários da repartição da fazenda e da administração civil 120

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 essa reprodução não incide sobre as mesmas famílias a ter em conta os apelidos desses funcionários em relação àquelas que ocupavam importantes cargos no terceiro quartel do século XIX.

Com o aumento contínuo dos diplomados do liceu nacional de Cabo Verde que, entretanto, não eram absorvidos pelo mercado interno, regista-se uma vaga de emigração de jovens quadros para outras colónias, nomeadamente Angola, Guiné- Bissau, Moçambique onde ocorria uma acelerada expansão dos serviços do Estado no quadro da intensificação da política de colonização preconizada pelo Estado Novo. Trata-se, evidentemente, de uma emigração que toca especialmente os estratos sociais intermédios da sociedade cabo-verdiana.

A via da emigração comum ao alcance da maioria da população conhece, todavia, entre os anos 20 a 40 um grande revés. As medidas restritivas de combate à emigração impostas quer pelo governo português, quer pelas autoridades públicas americanas através da Imigration Acts 1924-1929 impedem-na de cumprir a função de mitigação dos efeitos nefastos das secas e das fomes (Furtado, 1993).

3.4. Fundamentos da nova política colonial pós-Segunda Guerra Mundial A partir dos anos 50, o Governo colonial giza uma nova ideologia de integração e põe em marcha um conjunto de políticas para as suas possessões, visando distender os efeitos das pressões internacionais pela descolonização que sobre ele recaía, quer por parte das Nações Unidas quer dos movimentos em prol da auto-determinação dos povos subjugados. Nesse ínterim, em 1951 a Constituição Portuguesa foi alterada, tendo sido retomada a designação de Província, procurando esfumar no tempo o sentido colonial da dominação até então vigente, entretanto, outrora reivindicado como legítima (Cf. Andrade, 1996; Correia, 1998; Alexandre, 2008).

Nesse novo quadro de ameaça de desintegração das suas colónias, como acontecera com a separação do Brasil em 1822, o reforço do imaginário da integração do Império impunha-se como imperativo de sobrevivência. Assim, no decurso das décadas de 50 e 60 refunda-se o sentido de cidadania imperial, revogando o estatuto de indigenato, reinventando um sentido mais humanista e pluri-racial da dominação colonial (Barata: 1961) mediante a apropriação oficial da ideologia luso-tropical reconstituída por Gilberto Freire (Alexandre, 2008).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Com efeito, giza-se um conjunto medidas de índole económica, social e culturais conducentes a reforçar a coesão e a integração de suas possessões no todo nacional, distendendo os efeitos da pressão internacional e dos movimentos políticos embrionários, configurando aquilo a que Correia e Silva (2001c) denominou de Estado tardo-colonial.

Do ponto de vista económico, no quadro dos planos de fomento implementam-se uma série de medidas, essencialmente, nos domínios do “Aproveitamento de Recursos e Comunicações e Transportes”, criando postos de trabalho e oportunidades sazonal de emprego aos trabalhadores rurais, melhorando as suas condições de sobrevivência. Dadas as condições precárias de sobrevivência em que se encontrava aprisionada a população do campo, esses programas transformavam-se, na prática, em autênticos planos de apoio às populações. Senão, vejamos o que diz no relatório do plano de fomento de 1960:

“(…) Foi precisamente na vigência deste sexénio que se deu o início à execução do plano rodoviário no arquipélago, construindo-se estradas com classificação de expressão técnica. Porém, finda a elaboração do projecto, cuja execução interessava na 1ª fase a um desenvolvimento de 350 km, uma crise tremenda assolou as ilhas, forçando a dispersão de atenção do objectivo principal para outros trabalhos de emergência, alterando profundamente o programa estabelecido. Como se sabe estas crises de seca são cíclicas no arquipélago. Com efeito, para empregar a mão-de-obra disponível nos meios rurais e atenuar a situação aflitiva das populações foram levados a efeito diversos trabalhos públicos, alguns dos quais dentro dos próprios centros urbanos, o que necessariamente se reflectiu na execução do plano rodoviário, prejudicando o ritmo de progressão e de continuidade para dar lugar a abertura de múltiplas frentes de trabalho, correspondendo à construção de vários troços do mesmo traçado, junto dos aglomerados habitacionais” (Cf. Relatório do Plano de Fomento, 1960: 691). No tangente ao sistema de ensino, são tomadas algumas medidas conducentes ao alargamento da escolaridade primária (1ª a 4ª classe), tornando-a obrigatória a partir de 1968. De igual modo, extinguiu-se o exame de admissão aos liceus, um filtro ao acesso ao ensino secundário, sendo em seu lugar fixada a idade máxima de 14 anos para o ingresso no 1º ano do liceu. Ademais, a introdução do ensino básico complementar (5º e 6ª classes correspondente ao antigo ciclo preparatório), em 1972, deu uma nova dinâmica ao sistema educativo cabo-verdiano nas vésperas da independência (Afonso: 2002; Moniz, 2009).

No concernente ao ensino secundário, verifica-se uma expansão desse nível de ensino com a criação da secção liceu Gil Eanes na capital, em 1956, e a abertura do liceu na capital em 1960, resultado de uma longa reivindicação da classe média urbana praiense

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 que, entretanto, encontra repercussão junto das autoridades portuguesas porque estas já tinham alterado os fundamentos de sua legitimação política no arquipélago.

A lenta alteração do perfil social dos estudantes do ensino secundário iniciada a partir da segunda metade da década de 60 resulta do aumento dos efectivos do ensino primário, em grande parte devido às acções das congregações religiosas católicas e, em menor dimensão das dos protestantes (nazarena e adventista) e da nova política educativa para o ultramar. Assim, opera-se, ao nível do ensino primário elementar, um aumento exponencial do número de matriculados entre 1958 a 1975, passando de 7531 para 64.794, uma multiplicação por 9 o número de crianças inscritos nesse subsistema.

Assim, quando nos referimos à expansão do ensino primário, embora feita de forma precária, como observam Afonso (2002) e Moniz (2009), a sua periodização é anterior ao advento do Estado nacional em 1975, conforme o gráfico nº4:

Gráfico 4 - Evolução dos efectivos dos ensinos primário (incluindo o pré-primário) e secundário entre 1958 a 1975/76

70000 64794 60000 50000 42691 40000 30000 20000 7531 10000 954 799 2614 0 1958/59 1969/70 1975/76 Ensino Primário Ensino secundário

Fonte: Adaptação dos dados do ME coligidos por AFonso (2002) e Moniz (2009)

A um ritmo menos acelerado, mas não menos importante, regista-se um aumento significativo dos efectivos do ensino secundário, passando, no mesmo período, de 954 para 2614 estudantes, triplicando os efectivos do ensino liceal.

Nesta perspectiva, quando no início da década de 70 Portugal opera o sprint final para consolidar a sua legitimação política nas províncias, expandindo e repolitizando as funções de suas estruturas político-burocráticas, os cabo-verdianos, especialmente os

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 estratos alto e médio, haviam já alcançado um elevado nível de escolarização em comparação com as demais possessões ultramarinas.

Calculando o rácio resultante do quociente do número de alunos pela população do país, nota-se que Cabo Verde detinha vantagens importantes sobre as duas províncias para onde foram carreados os seus quadros, nomeadamente Guiné e Angola e, em menor grau, Moçambique e São Tomé, como denota a tabela infra.

Tabela 12 - Evolução das matrículas nas colónias/províncias de Portugal entre 1938- 1967

1958 1967 Províncias de Portugal Ens. PrimárioEns. SecundárioPop-1960 Racio Ens. Primário Ens. Secundário Pop-1967 Racio Cabo Verde 7119 974 199661 4,05% 20342 1612 237800 9,2% Guiné-Bissau 873 243 521336 0,21% 7233 446 528200 1,5% São Tomé e Principe 2214 119 64149 3,64% 6223 385 63000 10,5% Angola 83060 4705 4840719 1,81% 254836 16700 5292800 5,1% Moçambique 371525 2040 6603653 5,66% 458983 9512 7100000 6,6% Estado da Índia (Goa) Macau 45057 6802 169299 30,63% 28198 7763 268300 13,4% Timor 6830 109 517079 1,34% 20534 883 571700 3,7% Fonte: IAHN - Anuários Estatísticos do Ultramar Português (1953-1960). INE: Lisboa.

Assim, na segunda metade da década de 60, o rácio da população escolarizada em Cabo Verde (9,2%) era seis vezes superior ao da Guiné (1,5%) e quase o dobro do de Angola (5,1%), o que indica as razões relativamente às quais os cabo-verdianos gozavam de vantagens comparativas em relação às populações da maioria dos demais países africanos sob a dominação portuguesa.

Estudantes cabo-verdianos na antiga Escola Superior Colonial

Os dados coligidos nos arquivos da Escola Superior Colonial dão-nos conta de uma presença não desprezível de estudantes cabo-verdianos, seja em regime de formação inicial, seja no de aperfeiçoamento profissional, o que demonstra o elevado investimento das famílias mais favorecidas no processo de escolarização superior. Num universo de 94 estudantes entre 1913 a 1970, verifica-se que o fluxo dos estudantes matriculados nessa escola cresce especialmente a partir dos anos 60, período que concentra ¾ dos formandos, conforme a tabela infra.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 13 - Estudantes cabo-verdianos matriculados na Escola Superior Colonial segundo período de estudo

Ano Fr % 1913-1959 24 26 1960-1970 69 73 S/R 1 1 Total 94 100% Fonte: Arquivo do ISCSP (ex-Escola Superior Colonial)

Esse crescimento deve-se, provavelmente, por um lado, aos efeitos combinados da expansão do sistema de ensino secundário no arquipélago e, por outro, às vantagens conferidas aos diplomados na ocupação de cargos de direcção na burocracia estatal ultramarina, numa fase em que as vagas no quadro privativo no país eram limitadas e o sistema de desenvolvimento profissional na carreira extremamente rígido.

Por outro lado, constámos, igualmente, que o perfil regional dos estudantes é praticamente similar àquele que escrutinámos em relação aos alunos do antigo liceu Gil Eanes, o que reforça, de alguma forma, a consistência e a coerência dos dados. Assim, 60% dos estudantes provêm das ilhas do norte do arquipélago, com realce para São Vicente (32%), Santo Antão (23%), tendo, a sul, a ilha de Santiago a maior proporção de estudantes (28%) (Cf. Anexo 3: Relação nominal dos antigos estudantes do ISCSPU).

Tabela 14 - Distribuição dos estudantes cabo-verdianos na Escola Superior Colonial segundo local de nascimento: 1913-1974.

Ilha/País Fr. % São Vicente 30 32 Santo Antão 22 23 São Nicolau 5 5 Boa Vista 1 1 Santiago 26 28 Maio 1 1 Fogo 5 5 Brava 3 3 Cabo Verde 1 1 Total Geral 94 100 Fonte: Arquivo do ISCSP (ex-Escola Superior Colonial)

No que tange ao perfil social desses estudantes, afigura-se-nos que ele não difere daquele que constatámos nos liceus de Cabo Verde nessa altura. Ou seja, composta por famílias provenientes de uma classe média urbana e rural, de que faziam parte

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 proprietários de terra, comerciantes, funcionários públicos (civis e militares) e profissionais liberais que vislumbravam na escolarização a via mais credível de ascensão social.

À véspera da independência nacional, os postos cimeiros da Administração Pública cabo-verdiana eram quase todos ocupados por cabo-verdianos de entre os quais destacam-se o último governador do Estado provincial, Sérgio Duarte Fonseca (Lopes, 1998: 378), com carreira feita em Cabo Verde e Angola, nomeado agora pelo governo português para o cargo de Governador, numa estratégia de oferecer à sociedade cabo- verdiana o projecto de adjacência sob a liderança de um cabo-verdiano, em alternativa à independência para a qual se batia o PAIGC (ibidem: 42). Ademais, na cúpula do funcionalismo público encontravam-se funcionários com longa carreira desenvolvida na administração. São eles Bento Benoliel Levy, director da Imprensa Nacional, Pedro de Sousa Lobo, director das Alfândegas, Manuel Fontes, na Administração Civil, Arnaldo França, na Fazenda Pública, Antero Barros, na Educação, de entre outros32

Se é verdade que se verifica a partir do segundo quartel do século XX, uma significativa expansão e diversificação das estruturas da administração do Estado provincial, afigura- se-nos que não é factível que o perfil social dos altos dirigentes se tenha alterado. Antes pelo contrário, mantém-se praticamente similar àquela que temos constatado nas décadas anteriores, com predominância de indivíduos dos estratos médio e alto da sociedade. Outrossim, seria pouco provável uma alteração significativa desse perfil social, se se tiver em conta a acentuada selectividade, especialmente do sistema de ensino secundário e superior.

32 Bento Benoliel Levy nasceu na Praia, ilha de Santiago, em 1911, é descendente de uma família abastada de comerciantes. Licenciou-se em Direito, em Portugal, tendo desempenhado importantes funções de chefia na administração e na política como represente de Cabo Verde nos órgãos de soberania em Portugal (Fonte: IAHN: SC:C\SR:A\Cx379, SC\:C\SR:A\Cx379)). Pedro de Sousa Lobo, natural do Sal, nasceu em 1915. Proveniente de uma família de comerciantes, concluiu os estudos secundários no antigo liceu Gil Eanes, tendo licenciado em administração ultramarina pelo Instituto Superior de Ciência Sociais e Políticas Ultramarinas, antiga escola superior colonial. Fez a sua carreira na repartição das alfândegas, onde aposenta-se como Director (Fonte: dossier de matrícula ISCSP, entrevista a informante). Arnaldo França, natural do concelho da Praia, nasceu em 1925. O pai, de origem portuguesa, era também funcionário da alfândega. Realizou a sua formação secundária também no liceu nacional em São Vicente e formou-se em administração ultramarina na antiga escola superior colonia (Fonte: inquérito e entrevista). Antero João de Barros, natural de São Vicente, fez os estudos secundários no liceu Gil Eanes, em São Vicente, e a formação superior em Portugal. Foi director dos serviços da educação no período que antecede à independência (Fonte: entrevista a informante). 126

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

3.5. Independência: a refundação do Estado e as novas utopias emancipatórias A refundação do Estado provincial em Estado nacional foi caldeada a partir da ideologia revolucionária do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). A constituição de 1980 que, entretanto, substitui a Lei de Organização Política do Estado (LOPE), de 1975, define a I República como sendo um “Estado de democracia nacional revolucionária orientado para a construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem” (Art.º 4º Constituição de 1980, in SILVA: 2010, p.47). Neste sentido, o objectivo maior era forjar um Homem Novo, livre das amarras psicológicas da subjugação colonial, capaz de incorporar novos valores decorrentes das conquistas do humanismo e do progresso científico-técnico (Cabral, 1975: 13).

Entretanto, o empreendimento desse projecto transformacional, preconizado no programa político do PAIGC, tinha como pano de fundo uma situação socioeconómica herdada extremamente difícil, caracterizada por uma infra-estrutura produtiva débil, incapaz de induzir por si próprio qualquer projecto credível de desenvolvimento. Como traça Furtado na sua radiografia da situação pós-independência, “a falta de infra- estruturas básicas, reduzido investimento na educação e formação profissional, um sector agrícola que, embora, absorvesse a maioria da mão-de-obra, não consegue cobrir sequer 15% das necessidades alimentares, secas persistentes”, sem contar com sector privado incipiente” (Furtado, 1997: 139; Cf. Andrade, 1996: 256 a 257).

Para fazer face a esses enormes desafios, o Estado, com os fundos da ajuda pública ao desenvolvimento, giza um ambicioso programa de reconstrução nacional que se traduziu no aumento vertiginoso do investimento público que, em 1976, situava-se na ordem dos 300.000 contos aumentando para 1.600.000 contos, em 1980, um crescimento de 533% (Andrade, 1996).

No plano quinquenal (1982-1985), fixa-se como uma das metas prioritárias a melhoria de condições da população, sendo os investimentos concentrados, essencialmente, nos domínios de desenvolvimento rural e transporte e comunicações, com 27% e 24%, respectivamente, correspondendo esses dois sectores a mais da metade do investimento público global (Furtado,1997).

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A maioria dos investimentos canalizados para o sector de desenvolvimento rural, um financiamento com recurso à ajuda pública externa, é carreada para o programa de Alta Intensidade de Mão-de-Obra (AIMO), um programa que tinha em vista debelar o desemprego e aumentar o rendimento das famílias de modo a dinamizar a economia local. (Couto, 2001: 187 a 188; Lessourd, 1995).

A assunção dessa política de cariz socioeconómica permite, por um lado, o processo de reconversão do campesinato em trabalhador assalariado do Estado e, por outro, um incremento da classe média urbana, entretanto, recrutada em larga escala pelos serviços da administração, em resultado das novas funções assumidas pelo Estado nacional.

As mudanças empreendidas na estrutura económica provocam a alteração da estrutura social que apresenta duas tendências importantes. Primeiro, o aumento dos trabalhadores não qualificados do Estado, resultante da reconversão de parte do campesinato em trabalhadores assalariados daquele, o aumento dos pequenos proprietários agrícolas, um crescimento do operariado no meio rural e, sobretudo, no espaço urbano onde se localizavam as principais indústrias. Outrossim, o aumento de trabalhadores ligados ao sector dos serviços, especialmente do comércio, decorrente da expansão do consumo público em acelerado processo de crescimento (Afonso, 2002: 116).

Em segundo, as funções políticas que o novel Estado nacional cometia a si próprio requeria a expansão dos serviços governamentais e, consequentemente, um amplo processo de recrutamento de funcionários públicos33. Esse processo contribui sobremaneira para a expansão de uma classe média urbana empregada pelo Estado e, ao mesmo tempo, provedora de serviços demandados pelo novo Estado.

Associado a esse processo transformacional despoletado pelo Estado desenvolvimentista, associa-se um fenómeno decisivo na reconfiguração da configuração social cabo-verdiana pós-independência – a remessa dos rendimentos oriundos da emigração.

33 Segundo o estudo realizado pela Secretaria de Estado da Administração Pública, o número de funcionários públicos que às vésperas da independência (1974) era de apenas 1970 passou, em 1991, para 10051, traduzindo a forte expansão das estruturas do Estado. (SEAP- Secretaria de Estado da Administração Pública, 2007). 128

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A segunda grande vaga de emigração cabo-verdiana no século XX ocorre essencialmente a partir dos finais dos anos 40 em resultado da situação de miséria a que estava sujeita a maioria da população do arquipélago e da necessidade de mão-de-obra nos países europeus empenhados num processo de reconstrução de suas infra-estruturas económicas, entretanto, aniquiladas durante a Segunda Grande Guerra mundial.

Assim, de 1950 às vésperas da independência, o fluxo migratório para as Américas, África e, especialmente, em direcção ao continente europeu (com realce para Portugal, Holanda, França, Luxemburgo) conhece um aumento exponencial. Furtado, a partir dos dados de Carreira, estima que entre de 1950 a 1973, emigraram mais de 138 mil cabo- verdianos, quando a população do arquipélago em 1970 não ultrapassava 273 mil habitantes (Furtado, 1993: 72).

Tabela 15 - Evolução da população emigrada entre 1950 a 1973

Anos População emigrada 1950 23.131 1960 54.479 1970 11.802 1971 13.726 1972 18.016 1973 17.029 Total 138.183 Fonte: Dados adaptados a partir de FURTADO, 199334

Esse considerável fluxo migratório além de distender os efeitos do desequilíbrio entre a demografia e oferta alimentar resultante das secas crónicas surge como grande catalisador da economia cabo-verdiana pós-independente. As remessas dos emigrantes constituíram um activo importante para equilibrar a balança de comercial e para os investimentos públicos. A título ilustrativo, como refere Furtado (1993), as exportações do arquipélago representavam em 1976 cerca de 2 milhões de dólares contra 17,5 milhões enviados pelos emigrantes (Cf. também Lessourd, 1995: 276 a 281).

34 Os dados de 1950 e 1960 se referem à variação população emigrada em cada década, enquanto os seguintes por ano civi.l.

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Nesta perspectiva, nas décadas subsequentes à independência os pilares do funcionamento da economia do arquipélago encontram-se profundamente alterados em comparação com aqueles sobre os quais se susteve no passado. Uma “MIRAB economy”, para usar a expressão de Lessourd, que assenta na reciclagem da remessa de emigração e na gestão pela burocracia estatal da ajuda pública multilateral cumpre um papel decisivo na mobilidade social ascendente, especialmente das famílias populares, outrora, extremamente expostas às aleatoriedades da estrutura produtiva (ibidem: 367 a 371).

Concomitantemente ao processo de reconversão da economia cabo-verdiana, impulsionada por um crescimento médio anual na ordem dos 7% ao longo da primeira década e do impacto da emigração na estrutura do investimento do Estado e no acesso a rendimentos e bens a muitas famílias, opera-se uma notável transformação do sistema de ensino.

Lembre-se que o acesso ao ensino básico elementar, que já havia conhecido um notável crescimento na década que antecede a independência nacional, prosseguia em ritmo lento nas primeiras décadas após á independência, devido à falta de salas de aula e de professores qualificados. Estes constrangimentos induziram a tomada de medidas conjunturais, designadamente a suspensão do ensino pré-primário entre 1975 a 1980, com consequências na redução de efectivos (Afonso, 2002; Moniz, 2009).

Tabela 16 - Evolução dos efectivos e das taxas de escolarização dos ensinos básico e secundário entre 1975/76 a 2005

Ano Efectivos Taxa Efectivos Taxa Ensino Básico Escolarização Ensino Escolarização secundário 1975 61000 17 - - 1980 57008 46,5 3594 20,3 1990 69823 71,5 9766 20,5

1995 87069 88,2 19575 27,4 2000 90640 95,5 44748 54,6

2005 81162 94,9 52968 58

Fonte: Dados adaptados por Marques a partir de informações do GEP- Ministério da Educação; Documento: Cap vert, Enseignment e Formation, Unesco,1986, Relatório: Desenvolvimento da Educação na década de 1980, Relatório: Projecto; NLTPS-Estudo Nacional de Perspectiva a longo prazo,1996 No concernente ao ensino básico complementar (5º e 6ª classes), cuja demanda aumentara em razão do crescimento do ensino básico elementar e da sua

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 obrigatoriedade, conhece, na verdade, um lento aumento no decurso dos anos 80. Assim, se considerarmos os dois ciclos do ensino básico no seu conjunto, a taxa de escolarização situava-se na ordem dos 20%, o que demonstra que esta fase terminal do ensino mantinha-se ainda extremamente selectiva. Somente a partir da década de 80, com o alargamento continuado do ensino básico complementar é que, efectivamente, a taxa escolaridade do ensino básico em geral atinge uma rota de crescimento mais significativa a ponto de alcançar a universalização nos finais da década de 90.

No tangente ao nível do ensino secundário, a taxa de escolarização mantém-se estagnada no decurso da década de 80 para, nos anos 90, conhecer um crescimento mais expressivo, passando dos 21%, em 1990, para 55% em 2000. Esse crescimento exponencial dos estudantes do ensino secundário catapulta a demanda pelo ensino superior, entretanto, absorvida em grande parte pela formação no exterior com recurso às bolsas atribuídas pelo Estado.

Com base no número de bolsas de ensino superior concedidas em 1980, Furtado estima que entre 1976 a 1989 o número global de beneficiários tenha elevado a 1440, o que evidencia uma mudança substancial em relação a este tipo de apoio atribuído – muito pouco – no período que antecede à independência (1997: 166). A dinâmica de concessão de bolsas conhecerá um ritmo mais celerado no decurso dos anos 90 em resultado do crescimento exponencial dos diplomados do ensino secundário, o que obriga o Governo a alterar a sua política de financiamento do ensino superior mediante a institucionalização de bolsas reembolsáveis35.

Os efeitos coincididos das políticas socioeconómicas implementadas pelo Estado nacional e do impacto das remessas dos emigrantes concorrem para a alteração da estrutura social. Esta caracteriza-se cada vez mais pela contínua ampliação da classe média e reconversão dos camponeses em trabalhadores semi e não qualificados do Estado, favorecendo, na década de 80, uma maior fluidez entre os estratos baixos e médio da sociedade cabo-verdiana).

35 Estima-se que entre 1993 a 2008 tenha sido concedido mais de 7 mil bolsas de estudos reembolsáveis, representando para o erário público um cisto anual de 500.000 contos (4,5 milhões de euros). Entretanto, recentemente essas bolsáveis não foram ressarcidas, como fora prevista na legislação, por supostamente constituírem encargos incomportáveis para os jovens recém formados (Cf. Comunicado do Conselho de Ministro de 13 de Outubro de 2010; Cf. Decreto-Lei nº49/2010 de 8 d Novembro, BO Nº43, I Série de 8 de Novembro de 2010).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

3.6. Pistas conclusivas Ao longo deste capítulo, procurámos realçar que a génese da moderna elite cabo- verdiana que desponta a partir da segunda metade do século XIX decorre de um contínuo processo de edificação do Estado moderno cabo-verdiano e do advento do sistema de ensino, cabendo à Igreja um papel de relevo na escolarização das elites.

As mudanças estruturais que se operam com a expansão do Estado e do sistema de ensino permitem uma contínua reconversão da velha oligarquia fundiária e comercial que visualizava no funcionalismo público uma via segura de ascensão social e de reforço do seu capital político, económico, social e cultural. Assim, numa primeira fase da edificação do Estado moderno cabo-verdiano, a partir da segunda metade do século XIX, os cabo-verdianos alçados na cúpula da administração local e dos serviços governamentais são dominantemente oriundos das grandes famílias de proprietários de terra, comerciantes, altas patentes militares e civis, originários predominantemente de Santiago, Fogo, Brava e Santo Antão. Neste caso, são as oportunidades existentes no interior de cada família que ditam a trajectória individual, tornando a reprodução familiar um elemento decisivo da sua reprodução.

A reinvenção de um Cabo Verde moderno, ao longo do conturbado século XIX, que tem no norte do arquipélago seu principal centro gravitacional, marca de vez uma nova dinâmica em termos do perfil social e regional das novas elites.

Em primeiro lugar, o facto de as novas vias sobre as quais as famílias mais favorecidas da sociedade cabo-verdiana assentam a sua reprodução social – o acesso aos cargos públicos e à escolarização – depender de injunções outras que escapam ao seu controlo concorrem para a configuração de novas dinâmicas de mobilidade social.

Assim, se é evidente que, numa primeira fase, são os descendentes das grandes famílias que se apropriam em larga medida das novas centralidades que surgem com a gradativa expansão do Estado e da escolarização, não se deve descurar, entretanto, que essas vias de mobilidade tornam-se vitais para a sobrevivência de uma pequena burguesia (classe média) em crescendo desde finais do século XIX.

Em segundo, essa pequena burguesia urbana e rural que emerge dominantemente nas ilhas do Norte, de povoamento mais tardio, constitui a primeira etapa do alargamento da base social de onde são recrutados os indivíduos que integram a elite administrativa

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 cabo-verdiana. A par dos estratos mais favorecidos da sociedade cabo-verdiana, essa pequena burguesia beneficia das melhores oportunidades de instrução em resultado do acesso privilegiado à escolarização, como demonstrámos ao longo deste capítulo. Em suma, a afirmação dessa classe media cabo-verdiana emergente tem na apropriação do capital escolar o móbil de sua existência e reprodução.

Esta tendência consolida-se no decurso do século XX, conhecendo, todavia, algumas alterações a partir dos finais dos anos 60 em resultado dos efeitos integrados do reposicionamento da Igreja, da repolitização do Estado tardo-colonial, da refundação do Estado nacional e dos efeitos da emigração.

Na sequência do Acordo Missionário e da Concordata celebrados com o Estado português, a Igreja Católica, a partir dos anos 40, empreende um conjunto de acções no meio rural, favorecendo a inclusão no processo de escolarização de muitas famílias pobres campesinas. Essa dinâmica de inclusão dos estratos mais desfavorecidos ganha novos contornos com a repolitização das funções do Estado tardo-colonial em consequência da pressão do movimento político-militar de libertação nacional e das organizações internacionais. Assim, os estratos mais pobres tornam-se também alvos das políticas assistenciais do Estado, quer a nível do emprego nas frentes de trabalho quer no aceso à escolarização.

Entrementes, é com a transformação do Estado provincial em Estado nacional que as grandes transformações socioeconómicas consolidam de vez essa tendência de alargamento da base social de recrutamento da nova elite, fazendo com que a presença de indivíduos de origem social mais humilde não se tornasse um epifenómeno, como o fora ao longo do século XIX, prolongando-se até ao segundo quartel do século XX.

No capítulo seguinte, traçaremos, de forma mais exaustiva, uma radiografia da elite político-administrativa cabo-verdiana pós-independência que emerge desse novo contexto socioeconómico, político e cultural, dando conta da dinâmica de sua composição.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

PARTE 2 - Configuração e Trajectórias das Elites Político- administrativas Pós-independência

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Capítulo 4: Composição e formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Este capítulo tem em vista traçar, por um lado, uma radiografia detalhada da composição da elite político-administrativa no período que se estende de 1975 a 2008, explicitando as suas principais características em termos de perfil socioeconómico, trajectória profissional, político e auto-imagem como elite. Por outro, explicitar os critérios de recrutamento dessa mesma elite alçada na cúpula da Administração Pública, incluindo a pertencente aos institutos públicos e empresas de capital público sob a dependência directa ou indirecta do Estado.

4.1. Campo e abrangência do estudo

A primeira etapa do trabalho de terreno consistiu na construção de uma base de informações sobre a nomeação dos dirigentes político-administrativos, entre 1975 a 2008. Todavia, antes de se proceder ao levantamento do universo dos dirigentes tornou-se necessário definir critérios para a escolha das instituições que integrariam a amostra nos seguintes termos: (i) a importância estratégica no processo decisório e na governação; (ii) o peso relativo na estrutura do orçamento do Estado (funcionamento e de investimento); (iii) a proporção de funcionários que emprega; (iv) a importância na alocação e mobilização de recursos públicos; (v) antiguidade enquanto instituição burocrática (vi); categorias profissionais socialmente valorizadas.

Da combinação desses critérios, seleccionámos as instituições e os ministérios (incluindo os institutos) sob a sua tutela, a saber:

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Tabela 17 - Ministérios/Instituições abrangidos

Instituições Institutos Critérios de escolha Presidência da República e - Por serem os mais altos cargos da Gabinete do Primeiro-ministro República e pela importância estratégica que desempenham no processo de governação Ministério da Economia - Pela importância na mobilização de recursos públicos; Ministério das Finanças -INE – Instituto Por ser uma das instituições mais Nacional de antigas do Estado e pelo papel que Estatísticas desempenha na arbitragem dos recursos do Estado

Ministério da Educação e Cultura IP: Instituto Pelo número de funcionários que Pedagógico emprega e pela função que cumpre IIPC: Instituto de na política de formação quadros Investigação e Património Cultural IAHN: Instituto do Arquivo Histórico Nacional Ministérios da Saúde e da Justiça - Pelo facto dos seus profissionais, médicos e advogados/juristas, constituírem categorias profissionais, historicamente, muito valorizadas Ministério das Infra-estruturas Pela importância que tem na execução das grandes obras do Estado e pelo volume de investimentos que mobiliza Ministério da Agricultura INIDA: Instituto Pela importância que teve no nacional de passado recente em termos de Desenvolvimento empregabilidade e de mobilização Agrário. de recursos

INGRH: Instituto Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos

INERF: Instituto Nacional de Engenharia Rural e Florestas.

INDP: Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas Ministério dos Negócios Por ser uma das mais vetustas Estrangeiros instituições do Estado e pela sua capacidade em mobilizar recursos internacionais Fonte: BOs 1975-2008

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Em relação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, executivo do Estado que contempla inúmeras representações diplomáticas no estrangeiro, seleccionámos apenas as embaixadas em Portugal, França, Alemanha e EUA (Washington e Nova Iorque) em função das respectivas importâncias estratégicas individuais em termos de cooperação e por estes países acolherem importantes comunidades cabo-verdianas emigradas.

Contudo, no decurso do levantamento, deparámos com algumas situações em que os ministérios apareciam, ora isolados ora associados a outros ministérios, entretanto, reconfigurados. Por exemplo, o Ministério da Cultura surge regularmente associado ao Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho outras vezes ao da Saúde e da Justiça. Nestas situações, optamos pela integração dos dirigentes afectos a estas instituições aos referidos ministérios. Por outro lado, os ministérios e as secretarias de Estado nem sempre preservaram ao longo de sua trajectória institucional a mesma denominação. Antes pelo contrário, em função das orientações político-institucionais dos sucessivos governos, constatamos alterações significativas, quer em termos de denominação quer em termos de estrutura organizacional.

A título de exemplo, só o departamento governamental responsável pela educação teve as seguintes denominações: Ministério da Educação e Cultura; Educação e Desporto; Educação, Ciência e Cultura; Educação, Cultura e Desportos; Educação, Juventude, Cultura e Desporto; Educação, Ciência e Cultura; Educação e Valorização dos Recursos Humanos, Educação e Ensino Superior, recentemente, Educação e Desportos e, finalmente, Ensino Superior, Ciência e Inovação. Face a essa constante metamorfose institucional, resolvemos, para efeitos de tratamento das informações, preservar apenas a denominação nuclear do ministério em referência.

A par desses ministérios, o estudo abrange algumas empresas públicas do Estado quer pela a sua importância estratégica no processo de desenvolvimento do país, quer pela atractividade do salário que proporciona aos seus dirigentes. Em relação às empresas públicas, definimos os seguintes critérios de selecção: a) importância estratégica; b) volume de capital; c) número de trabalhadores, d) localização geográfica.

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Da combinação desses critérios, optamos pela escolha das seguintes empresas:

Tabela 18 - Empresas públicas abrangidas no estudo

Empresas Públicas Localização da Sede

BCV/BCA: Banco de Cabo Verde e, posteriormente, Praia - Santiago Banco Comercial do Atlântico

CTT/CV-TELECOM: Correios, Telégrafos de Cabo Verde Praia - Santiago e Empresa Nacional de Telecomunicações

TACV: Transportes Aéreos de Cabo Verde Praia - Santiago

EMPA: Empresa Pública de Abastecimento Praia - Santiago

CABNAVE: Empresa Nacional de Reparação Naval Mindelo – São Vicente

ENAPOR: Empresa Nacional de Administração dos Mindelo – São Vicente Postos

ELECTRA: Empresa Nacional de Energia e Água Mindelo – São Vicente

ENACOL: Empresa Nacional de Combustíveis e Mindelo – São Vicente Lubrificantes

ASA: Empresa Nacional de Segurança Aeroportuária Espargos - Sal

Fonte: BOs 1975-2008

Critérios de constituição

Foram considerados os altos dirigentes: Presidência da República, Primeiro-ministro, Ministro, Director-geral, Director de gabinete, Assessor, Conselheiro, Presidente de Institutos e de Empresas Estatais, nomeados entre 1975 e o primeiro semestre de 2008. De, referir, entretanto, que de entre os órgãos de soberania, optámos por não incluir a presidência da Assembleia Nacional e seu staff dirigente pelo seu papel pouco relevante na conformação do funcionamento da Administração Pública e na construção do processo decisório governamental. Além disso, supomos que o perfil social dos dirigentes que integram esse importante órgão de soberania não será muito diferente daquele que resultará do universo da Administração Pública.

Recolha das nomeações dos dirigentes político-administrativos

Em Cabo Verde, não é prática corrente na Administração Pública a catalogação num único documento e/ou documentos complementares (tipo anuários) as nomeações dos altos dirigentes da Administração Pública e, muito menos, o registo biográfico dos

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 mesmos. Geralmente, as informações sobre o processo de nomeação dos dirigentes encontram-se de forma dispersa na Secretaria-geral do Governo, na Direcção-geral de Administração ou nos gabinetes das chefias de serviços de onde são exarados os respectivos despachos de nomeação. Face a esses constrangimentos, optámos pelo levantamento exaustivo das nomeações insertas nos boletins oficiais, documento para onde confluem todos os processos de nomeação.

Em relação ao processo de sistematização de informações sobre as nomeações dos dirigentes das empresas do Estado, deparamos com algumas dificuldades na sistematização dos registos de nomeação, pois, muitos passaram a não ser publicados, por imperativos estatutários, nos boletins oficiais. Para colmatar essa lacuna, optámos pela recolha de informações através de entrevistas a pessoas chave, reconstituindo parte significativa da composição dos conselhos de administração dessas empresas.

Do universo da amostra A primeira etapa do trabalho consistiu na consulta de todos os boletins oficias publicados entre Dezembro de 1974, com a preparação do processo de transição do Estado provincial para o Estado nacional, a Julho de 2008. Desse levantamento foi possível sistematizar mil e quarenta e seis (1046) nomeações, abrangendo 502 dirigentes, incluindo os embaixadores em alguns países, dirigentes de institutos e de conselhos de administração de empresas públicas. Desse universo, verificámos que 48 estavam ausentes do país por haverem fixado residência no estrangeiro ou então por terem falecido, conforme o quadro infra

Tabela 19 - Distribuição inicial do universo da amostra

Descrição Nº

Universo de dirigentes político-administrativos 502

Dirigentes ausentes do país e/ou falecidos 48

Dirigentes a inquirir 454

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1ª Opção de definição da amostra: amostra exaustiva ou por saturação

O facto de o universo da amostra não ser extenso e porque conhecíamos grande parte desses dirigentes, decidimos, numa primeira fase, proceder a uma amostra exaustiva (por saturação), em que todos seriam objecto da aplicação do inquérito. Iniciámos a recolha mediante a realização de entrevista directa aos dirigentes, com o apoio de estudantes36, entretanto, formados para o efeito. Nesta fase, realizámos 41 entrevistas.

Dadas as dificuldades em as agendar e a complexidade do inquérito que demandava entre 45 a 60 minutos para o seu preenchimento, optámos por os enviar ao público-alvo para o seu auto-preenchimento, com as respectivas orientações para o efeito. De referir que 36 questionários foram prescindidos, uma vez que os dirigentes alvo encontravam- se ausentes do país em missão de trabalho ou em gozo de férias ou por razões ponderosas, nomeadamente, doença ou falecimento de familiares, conforme a tabela infra.

Tabela 20 - Universo real da amostra (população)

Descrição Nº

Universo real da amostra (população) 454

Questionários não enviados 36

Questionários enviados para auto-preenchimento 377

Dos dirigentes inquiridos por entrevista directa e dos que procederam ao seu auto- preenchimento, totalizaram 180 inquiridos, o que representa uma taxa de resposta de 37%. Tendo em conta as respostas obtidas, com base no padrão de estimação da amostra representativa, a margem de erro é de 6% de acordo com a fórmula infra:

36 Participaram na aplicação dos questionários 6 estudantes da Uni-CV matriculados no 3º ano do curso de ciência sociais - percurso ciência política. Todos eram detentores de noções básicas de estatística descritiva e de metodologia de investigação. 140

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(z2 *P*(1-p)* N) n = ______(z2 *P*(1-p)+d2* N)

n : Amostra z: Intervalo de confiança p: Probabilidade N: população d: Precisão absoluta Da aplicação desse padrão de estimação, temos o seguinte padrão da amostra. Tabela 21 - Padrão da estimação da amostra

Parâmetros Amostra

N: População 454 d (precisão absoluta) 0,06 z (95% de confiança) 1,96 P (probabilidade) 0,5 n (dimensão da amostra) 180

Calendarização da recolha de dados

O inquérito piloto decorreu de 14 a 16 de Setembro de 2009. Após a sua aplicação, constatámos algumas imprecisões no questionário, obrigando, assim, a sua correcção e melhoria. Concluída a versão final, elaborámos um guião de orientações para os inquiridores, tendo a primeira fase do inquérito directo decorrido de 19 de Setembro a 2 de Outubro de 2009. Esta fase saldou na realização de 41 entrevistas.

Numa segunda fase, optou-se pela recolha através do sistema de auto-preenchimento, tendo sido elaborado um formulário com orientações básicas. Foram remetidos 377 questionários para os locais de trabalho ou de residência dos inquiridos, abarcando as ilhas de Santiago, São Vicente, Sal, Boavista e Santo Antão.

O prazo inicial para o auto-preenchimento era de 3 dias e depois, a pedido de vários inquiridos, foi alargado para 7. Todavia, raras foram as pessoas que o realizaram neste prazo, alargando a duração média para 14 dias.

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Tratamento dos dados e programa de digitação

A sistematização das informações sobre as nomeações dos dirigentes foi feita com recurso ao Excel Office 2007. Entretanto, os dados resultantes da aplicação do inquérito aos dirigentes foram introduzidos numa base de dados mediante a utilização do software Spring Plus, sendo esta base, posteriormente, exportada para o SPSS 16 para a produção dos principais indicadores. Todo o processo de digitação foi realizado em simultâneo com a aplicação do questionário, tendo o mesmo decorrido de 16 de Novembro a 18 de Dezembro de 2009.

Da estrutura do questionário

O questionário é composto por quatro grandes componentes. A primeira, cobre as questões essenciais sobre o Perfil Social do inquirido e dos seus familiares, abarcando questões de identificação (sexo, idade e estado civil) origem geográfica (local de nascimento e de residência), situação face à emigração, nível de instrução, local de estudos e modalidade de financiamento, englobando perguntas P1 a P52 e P148,149.

A segunda componente comporta aspectos relacionados com o perfil socioeconómico do respondente, englobando perguntas sobre a profissão, situação patrimonial dos ascendentes, trajectória na Administração Pública e no sector privado, abrangendo perguntas P53 a P98 e P137 a P141.

A terceira abrange uma gama de perguntas relativas à afinidade e participação políticas, englobando dimensões como a simpatia e a militância políticas, cargos políticos exercidos, abarcando perguntas de P99 a P135.

Finalmente, a quarta componente diz respeito às questões ligadas aos critérios de nomeação e auto-representação como elite, abarcando as perguntas sobre critérios de nomeação, auto-representação como elite, integrando de P136 e 142 a P147 (Cf. Anexo 4: Questionário estruturado aplicado aos dirigentes da Administração Pública).

Constrangimentos e reorientações

Na sistematização final dos dados, deparamos com algumas distorções que se prendem com a elevada taxa de não respostas por parte de algumas categorias dirigentes da magistratura, directores de gabinete, dirigentes das empresas públicas e embaixadores, o que, de certa forma, era expectável dado à discrição inerente à actividade e conduta desses profissionais.

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A obtenção de 180 respostas dificulta qualquer possibilidade de desagregar os resultados deste inquérito por tipo de categorias de dirigentes (ministros, assessores, conselheiros, directores-gerais, presidentes de institutos etc.) durante o período preconizado – 1975 a 2008. Todavia, essa limitação não reduz a representatividade da amostra se a tomarmos como figurativa da totalidade dos dirigentes e não de forma isolada.

Neste sentido, a nossa reorientação consiste em considerar todas essas categorias, enquanto expressão de uma totalidade – a que denominámos altos dirigentes da Administração Pública latu sensu. Poderíamos argumentar que o facto de uma proporção significativa desses dirigentes ocupar, no decurso de sua trajectória, vários cargos dirigentes, tenderia a minorar o efeito da sub-representação por categoria. Entretanto, incorríamos no risco de algumas categorias ficarem, certamente, sub- representadas.

Em relação aos dirigentes das empresas públicas, com base nas informações recolhidas em entrevistas com informantes e pessoas-chaves e documentos dispersos, fizemos o esforço de reconstituir a composição dessas empresas, sendo possível coligir informações genéricas sobre o seu perfil em termos de género, local de nascimento, origem social e afinidade política.

4.2. Uma radiografia da elite político-administrativa

O recurso a uma sociografia quantitativa possibilita a reconstrução de elementos importantes para caracterizar as particularidades da trajectória individual e colectiva dessa elite, aferindo, a partir de indicadores, a sua continuidade e descontinuidade ao longo de determinado período histórico (Heinz, 2006).

A presente radiografia da elite político-administrativa visa captar a natureza e o grau de homogeneidade e/ou heterogeneidade dos grupos sociais que acedem à cúpula da administração, bem como os fundamentos dos critérios que estão na base do seu recrutamento. De referir ainda que as informações coligidas permitem aquilatar a abertura e/ou fechamento da cúpula da administração aos diferentes grupos sociais.

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4.2.1 Perfil social da elite político-administrativa

Género: uma presença dominante de homens

A primeira marca distintiva do perfil da elite político-administrativa é a predominância de homens na cúpula da administração do Estado, aliás como ocorre na maioria dos países da Europa ocidental (Adebarch et al, 1999: 49 a 50) e do continente africano. Assim, 3 em cada 4 dirigentes pertencentes à alta administração são do sexo masculino, o que demonstra a exclusão de mulheres dos postos de decisão na governação. Se a política se faz no masculino, como observara Monteiro (2007) no seu estudo sobre a participação política das mulheres em Cabo Verde, essa tendência repete-se em relação aos altos cargos da Administração, entretanto, eles próprios entrelaçados com a esfera política, como teremos oportunidade de analisar ao longo deste capítulo.

Tabela 22 - Distribuição dos dirigentes da Administração Pública segundo sexo

Fr Sexo Fr 1975-1990 Fr 1991-2008 Geral 1975-2008

F 9 13% 50 29% 59 25% M 58 87% 122 71% 180 75%

Total geral 67 100,00% 172 100% 239 100%

Fonte: Dados do Inquérito e base de dados da Administração Pública: 2009

Importa realçar, entretanto, o notável crescimento da participação feminina na direcção da burocracia estatal nas últimas duas décadas, aumentando em mais do dobro – de 13%, entre 1975-1990, para 29%, no período 1991-2008. No seio dos ministros e secretários de Estado, a participação é ainda mais residual, quase nula, entre 1975-1990 (3%), chegando a 21% com a abertura política a partir de 1991.

Numa análise mais detalhada do score feminino que acedeu à cúpula de administração na primeira fase, entre 1975-1990, constatamos que mais de metade é oriunda de São Vicente, ilha onde se localizava o único liceu do país até 1960. A partir dos anos 90, verificamos uma maior participação de mulheres de outras ilhas, nomeadamente, de Santiago, Santo Antão e São Nicolau e da diáspora cabo-verdiana, proveniente sobretudo da Guiné-Bissau.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Não obstante o domínio dos homens na alta esfera da administração, seria equivocado deduzir que tal situação se deva à fraca presença feminina no sistema escolar. Antes pelo contrário, os dados coligidos a partir da matrícula dos alunos do antigo liceu Gil Eanes (actual Ludgero Lima), indiciam uma presença feminina, embora inferior ao seu peso demográfico, relativamente significativa, atingindo quase a paridade entre as décadas de 50 a 80 do século XX. Estamos em crer que a importante presença feminina resulta do facto de as estudantes serem originárias predominantemente dos estratos médios da sociedade cabo-verdiana, onde o capital escolar comporta alguma valorização.

Tabela 23 - Distribuição dos alunos do Liceu Gil Eanes (Ludgero Lima) segundo sexo : 1922-1982

Sexo Período Período % Total % 1922- % 1951- Geral 1951 1982 F 83 27% 149 48% 232 37%

M 229 73% 162 52% 391 63%

Total 312 100% 311 100% 623 100% Geral

Fonte: Dados recolhidos do arquivo do liceu Ludgero Lima (ex-liceu Gil Eanes):

Entretanto, numa apreciação mais minuciosa sobre os estudantes matriculados, nesse período, no último ano do ensino secundário, verificámos que mais de 2/3 são do sexo masculino. Essa disparidade a favor dos rapazes não é tanto de acesso, mas de permanência e deve-se, em parte, ao facto de muitas raparigas serem obrigadas pelos pais a abandonarem, precocemente, o sistema de ensino em favor de uma formação profissional, visando a sua inserção no mercado de trabalho.

Local de nascimento: dominância das elites do norte nas primeiras décadas pós- independência

Num país arquipelágico, caracterizado pela pequena dimensão e dispersão de sua população, as clivagens regionais colocam-se certamente como uma variável não desprezível na análise da composição das elites dirigentes. Numa primeira leitura, patenteia-se que 3 em cada 4 dirigentes provêm, obviamente, das 3 ilhas com maior densidade demográfica, sendo Santiago com 45%, São Vicente, 18%, e Santo Antão 12%, seguidos de Fogo e São Nicolau 6% ex-aequo. De realçar, ainda, que uma parcela

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 importante (5%) dos altos dirigentes é oriunda das ex-colónias portuguesas em África, com realce para a Guiné-Bissau, país onde existia inúmeros funcionários cabo- verdianos e uma comunidade emigrada importante.

Tabela 24 - Distribuição dos dirigentes segundo local de nascimento entre 1975-2008

Ilha/Países 1975-1990 % 1991-2008 % Total Geral % Santo Antão 7 11 20 12 27 12 São Vicente 16 25 25 15 41 18 São Nicolau 6 9 8 5 14 6 Sal 0 5 3 5 2 Boa Vista 4 6 2 1 6 3 Maio 0 2 1 2 1 Santiago 24 38 81 49 105 45 Fogo 3 5 10 6 13 6 Brava 2 3 0 2 1 Guiné-Bissau 1 2 6 4 7 3 Moçambique 0 1 1 1 0 Senegal 1 2 2 1 3 1 Angola 0 1 1 1 0 São Tomé 0 3 2 3 1 Portugal 0 1 1 1 0 Total Geral 64 100 167 100 231 100 Fonte: Dados do inquérito e Base de dados da Administração Pública

Analisando a dinâmica regional de composição dos dirigentes entre dois grandes períodos – 1975-1990 e 1991-2008, nota-se que, no primeiro período, metade dos dirigentes provinha das ilhas de Barlavento (Santo Antão São Vicente, São Nicolau e Boavista. Estas ilhas comportavam muito acima do seu peso demográficos que, em conjunto, correspondia a 1/3 da população nacional. Por seu lado, as ilhas do sul (Santiago, Brava, Fogo e Maio), que representam 2/3 da população, oferecem apenas 45% dos dirigentes.

Essa assimetria regional é mais acentuada no seio da alta esfera dirigente da administração do Estado, nomeadamente entre os ministros e secretários de Estado. Assim, no período entre 1975-1990, praticamente, 2/3 dos ministros/secretários de Estado eram provenientes das ilhas de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, quando essa região representava apenas 1/3 da demografia nacional. Uma situação que se inverteu a partir de 1991, com Santiago a crescer 10 pontos percentuais e a ilha do Fogo a triplicar a sua representação a nível governamental, subindo de 3% para 9%.

Mas a que se deve, inicialmente, essa representação regional assimétrica? A primeira vaga de escolarização ao longo da segunda metade do século XIX e ao longo do

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 segundo quartel do século XX beneficiou, essencialmente, as ilhas de São Nicolau, à época sede do bispado e do primeiro seminário-liceu, Santo Antão, onde haviam sido criadas inúmeras escolas primárias, e São Vicente, com a instalação do liceu nacional, facto que conferiu a estas ilhas vantagem na apropriação de um capital escolar e cultural decisivos para o acesso aos altos cargos dirigentes do Estado.

Tabela 25 - Distribuição dos Ministros e Secretários de Estado segundo local de nascimento: 1975-2008

Ilhas/País 1975-1990 % 1991-2008 % Total Geral Total Boa Vista 2 5 4 4 6 4 Brava 0 1 1 1 1 Fogo 1 3 9 9 10 7 Guiné-Bissau 0 3 3 3 2 Portugal 1 3 0 1 1 Sal 1 3 7 7 8 6 Santiago 11 29 39 39 50 36 Santo Antão 7 19 15 15 22 16 São Nicolau 5 13 6 6 11 8 São Tomé e Príncipe 0 2 2 2 1 São Vicente 8 21 14 14 22 16 Senegal 2 5 1 1 3 2 Total Geral 38 100 101 100 139 100 Fonte: Dados do Inquérito e Base de dados da Administração Pública

A partir de 1991, denota-se uma clara redução dessa assimetria em termos de representação regional dos ministros e secretários de Estado devido, em parte, a duas razões fundamentais. Primeira, pela expansão da escolarização secundária em Santiago, especialmente com a instalação do ensino secundário na Praia, alargando as oportunidades de acesso à educação à classe média urbana e rural e, bem assim, a franjas importantes das camadas populares. Segunda, com o advento do regime democrático e a consequente alteração do processo de legitimação política, o recrutamento dos dirigentes passa a estar submetido às necessidades de veredicto eleitoral a nível local, contribuindo para a diversificação dos espaços de recrutamento dos altos dirigentes (Anexo 5: Relação Nominal dos Ministros e Secretários de Estado).

Nacionalidade dos dirigentes: cabo-verdianos e cabo-verdianos-portugueses

O facto de Cabo Verde ser uma nação com significativa diáspora cuja população equivale em termos numéricos aos residentes no país, a Constituição da República

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 consagra o direito à nacionalidade de origem como uma das garantias fundamentais dos cidadãos (Cf. Artº 37º da Constituição, In Silva, 2010: 151).

A quase totalidade dos dirigentes político-administrativos (99%) é detentora de nacionalidade cabo-verdiana, cabendo aos estrangeiros uma ínfima parcela. Entretanto, uma análise minuciosa da nacionalidade indica que a proporção dos que têm apenas nacionalidade cabo-verdiana diminui 20 pontos percentuais (78%), sendo os demais em sua larga maioria cabo-verdiano-portugueses (20%).

Gráfico 5 - Distribuição dos dirigentes segundo nacionalidade

90% 77% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 20% 10% 2% 1%

0%

Exclusivamente verdiana/Portugu e Cabo-verdiana Portuguesa

Cabo-verdiana

outras

Cabo- esa

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Tal situação deve-se em parte ao facto de alguns dos dirigentes terem alguma ascendência portuguesa na linha dos avôs paternos (7%). Resta, contudo, saber por que razão uma outra parcela, diga-se mais expressiva, que não tendo direito por “jus sanguinis ou jus solis”, adquire a dupla nacionalidade. Se é evidente que alguns obtêm a dupla nacionalidade em função de situações pontuais, nomeadamente a residência em Portugal como estudante ou por relações matrimoniais, não é de se obliterar que ela represente também uma estratégia de ampliar a capacidade de circulação e de escape face a incertezas de um país vulnerável como Cabo Verde.

Local de nascimento dos ascendentes

Numa primeira apreciação sobre a origem geográfica dos ascendentes dos inquiridos, notamos que o matrimónio dos pais e dos avôs dos inquiridos ocorria entre famílias

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 oriundas da mesma ilha. Esse facto explica-se, provavelmente, pelo défice de comunicação entre as ilhas e pela falta de integração do mercado nacional, o que induzia ao acantonamento das famílias nos seus locais de origem

A maioria dos pais dos inquiridos (66,2%) é oriunda das ilhas de Santiago, São Vicente e Santo Antão, que, entretanto, concentravam quase 70% da população global de Cabo Verde, seguido das ilhas de São Nicolau e Fogo 6% ex-áqueo. Numa análise inter- geracional, a dimensão mais relevante a destacar-se reside no facto de a proporção dos ascendentes de dirigentes de Santiago, S. Vicente e Sal ter sofrido uma redução significativa no decurso de duas gerações, sendo que, na proporção inversa, aumenta, de forma expressiva, o peso dos ascendentes oriundos de Santo Antão, São Nicolau e Fogo, conforme a tabela infra:

Tabela 26 - Distribuição dos inquiridos segundo local de nascimento

Inquirido Pai Mãe Avôs paternos Avôs Maternos Ilhas/País Pai-do Mãe Pai da Mãe da Pai do Pai Mãe Mãe Santo Antão 12% 15 16,6 17,2 17,8 16,1 20,6 São Vicente 18% 9,4 11,7 2,8 5 4,4 5 São Nicolau 6% 10,6 8,3 11,7 12,8 13,4 11,7 Sal 2% 1,1 1,1 1,1 1,1 1,1 0,6 Boa Vista 3% 3,3 2,2 5,6 4,4 3,3 2,8 Maio 1% 0,6 1,1 0,6 1,1 2,2 1,1 Santiago 45% 40,6 39,5 31,7 33,9 32,3 32,8 Fogo 6% 7,2 8,3 9,4 10,6 8,3 9,4 Brava 1% 2,8 1,1 2,2 1,7 1,1 2,2 Guiné-Bissau 3% 2,2 2,8 0 0 0 0,6 Portugal 0% 2,8 0,6 7,2 1,7 3,9 1,7 Outros 2% 1,2 0,6 0,6 1,2 1,8 0,6 S/R 3,2 6,1 9,9 8,7 12,1 10,9 Total 100% 100 100 100 100 100 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

O peso importante dos ascendentes de São Antão e São Nicolau deve-se à relevância histórica dessas duas ilhas na formação da população de São Vicente, para onde, desde a segunda metade do século XIX, começaram a fixar residência, a só tempo, para empreender negócios, com valorização geoestratégia de Porto Grande e para assegurar a escolarização dos filhos, com a institucionalização do liceu nos meados do século XX.

De igual modo, a redução tendencial de ascendentes de Santiago a favor dos das ilhas do Fogo e da Brava se deve também às razões históricas que ligam a ilha de Santiago a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 essas duas ilhas. De se destacar também uma proporção dos pais dos inquiridos (5%) que nasceram fora de Cabo Verde, o que indicia o regresso ao país de quadros filhos de antigos funcionários que desempenharam funções na administração colonial, nomeadamente na Guiné- Bissau.

Local de nascimento do cônjuge

Quanto à relação entre o local de nascimento dos inquiridos e o dos seus cônjuges, a existência de uma proporção importante de não- resposta não permite captar de forma rigorosa essas flutuações. De referir, entretanto, que as diferenças mais acentuadas ocorrem em Santo Antão cuja proporção é 3 vezes inferior ao do local de nascimento do inquirido, Santiago, 9 pontos percentuais, São Vicente e São Nicolau, 4 pontos ex-ae- quo.

Tabela 27 - Distribuição segundo local de nascimento do inquirido e do cônjuge

Ilha/País Inquirido Cônjuge Santo Antão 12% 3,9 São Vicente 18% 14,4 São Nicolau 6% 2,8 Sal 2% 2,2 Boa Vista 3% 1,7 Maio 1% Santiago 45% 36,7 Fogo 6% 5 Brava 1% 1,1 Guiné-Bissau 3% 1,1 Portugal 0% 1,7 Outros 2% 5,8 S/R 23,6 Total 100% 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre as razões para essa maior diferenciação entre a proveniência do dirigente e a do seu cônjuge figuram, provavelmente: (i) a centralização da Administração Pública na capital do país, favorecendo o contacto de dirigentes oriundos de diferentes ilhas do arquipélago; (ii) a política de formação de quadros no exterior, promovendo maior contacto entre jovens estudantes originários de diversas ilhas e a contínua integração do mercado nacional.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Idade e primeira nomeação a altos cargos na casa dos 30 anos

A idade média dos inquiridos é de 52 anos, sendo que a grande maioria (68%) tem idade compreendida entre 45 a 65 anos. Apenas 2 inquiridos em cada 10 situam-se na faixa etária entre 24 a 44 anos. A elevada idade média dos inquiridos resulta do facto de este estudo abranger as últimas três décadas, incorporando um número significativo de funcionários em fim de carreira e de uma parcela de aposentados.

Tabela 28 - Distribuição dos inquiridos por tranche de idade

Tranche Fr %

24 a 34 anos 7 3,9 35 a 44 anos 30 16,7 45 a 54 anos 78 43,3 54 a 65 anos 45 25,0 > 65 anos 20 11,1 Total 180 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Todavia, a idade média de acesso ao primeiro cargo dirigente situa-se na casa dos 34 anos, o que evidencia a juventude com que, tendencialmente, os dirigentes ascendem à cúpula do Estado. Razões de índole vária explicam este fenómeno. Em primeiro lugar, a estrutura demográfica cabo-verdiana é composta maioritariamente por jovens entre os 18 e os 34 anos, representando 53% da população (Censo:2010); em segundo, é nessa franja etária jovem que se concentra a maior proporção de diplomados do ensino superior, requisito de base de acesso a cargos dirigentes; em terceiro, a pertença e o desenvolvimento na carreira na Administração Pública que, tendencialmente, poderiam concorrer para elevar a idade média dos dirigentes, não se perfilam como exigências determinantes, no caso cabo-verdiano, para o recrutamento para altos cargos.

Dimensão da família (número de irmãos): famílias numerosas

Os inquiridos têm em média 6,7 irmãos, sendo que 74% têm mais de 5. Apenas 10% têm 2 irmãos, o que revela uma proporção elevada de número de prole por família (Cf. também Coutinho, 2010: 35) Todavia, seria incorrecto associar o número de irmãos com o número de pessoas por agregado familiar, pois a vigência secular na sociedade

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 cabo-verdiana de um certo tipo de “poligamia informal”37 faz com que a paternidade e a maternidade dos irmãos/filhos não sejam coincidentes, contrariamente ao que ocorre nas sociedades ocidentais onde predomina a família monogâmica e nuclear estabelecida.

Tabela 29 - Distribuição segundo número de irmãos dos inquiridos

Nº de irmãos Fr % 1 a 2 18 10,0

3 a 4 29 16,1

5 a 6 50 27,8

7 e mais 83 46,1

Total 180 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Uma análise comparativa do número de irmãos dos dirigentes com número de seus descendentes directos (filhos) oferece-nos pistas interessantes para compreender as mudanças geracionais significativas. Assim, enquanto a média de irmãos situa-se nos 6,7, a dos filhos reduz mais de duas vezes e meio no decurso de uma geração, pontuando-se em 2,6.

Deste modo, a maioria dos dirigentes (52%) tem até dois filhos, quando apenas 10% dos mesmos tinham somente dois irmãos. De igual modo, menos de 10% de dirigentes têm mais de 7 filhos, enquanto 46% têm mais de 7 irmãos. Trata-se, efectivamente, de uma mudança que singulariza esse grupo no conjunto da sociedade cabo-verdiana e o aproxima da média que ocorre nos países desenvolvidos com elevados padrões de bem- estar.

37 Utilizamos a expressão poligamia informal para caracterizar uma prática corrente na sociedade cabo- verdiana que consiste no facto de historicamente homens terem simultaneamente duas ou mais mulheres com quem vivem permanentemente ou sazonalmente. Ela é informal, uma vez que apesar de não encontrar guarida nem no nosso ordenamento jurídico nem ser moralmente professada pela religião católica de que a maioria da polução é devota, é aceite como prática cultural legítima. 152

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Gráfico 6 - Distribuição comparativa do número de irmãos e de filhos dos inquiridos

Irmãos Filhos 60% 52% 50% 46%

40% 32% 28% 30%

20% 16% 10% 9% 10% 6%

0% 1 a 2 3 a 4 5 a 6 7 e +

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Posição no seio da família em termos de ordem de descendência

A maioria dos dirigentes (55%) figura entre os quatro primeiros filhos, o que demonstra que o posicionamento no seio da família pode ter alguma relevância na definição da trajectória dos descendentes, como denota o gráfico infra.

Gráfico 7 - Distribuição do inquirido segundo posição no seio da família

25% 19% 20% 16% 15% 13% 10% 10% 10% 10% 8% 5% 5% 4% 1% 1% 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 e +

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Geralmente, numa sociedade marcadamente rural, como o fora a cabo-verdiana até os anos 90, onde prevalecia um número elevado de filhos por família, os primeiros rebentos tendiam a beneficiar de melhores oportunidades socioeconómicas que os demais.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Local de residência e estado civil

Apesar da relativa dispersão da origem dos dirigentes, convém referir que 9 em cada 10 dirigentes residem na Praia há pelo menos mais uma década, o que significa que a esmagadora maioria fixa a sua residência na capital, mesmo após a cessação de funções na alta esfera da Administração. Quanto ao estado civil, é de se registar que praticamente 7 em cada 10 dirigentes são casados, uma proporção muito superior à média nacional registada nos estudos cuja taxa situa-se nos 60% (Cf. MTFS: 2006).

Tabela 30 - Distribuição dos dirigentes segundo estado civil

Estado civil Fr. %

Solteiro (a) 14 7,8 Casado (a)/união de facto 126 70,0 Separado(a)/Divorciado(a) 28 15,6 Viúvo(a) 4 2,2 N/R 8 4,4 Total 180 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Nível de Instrução: uma elite com elevado nível de instrução

A escolarização dos dirigentes da administração em Cabo Verde, à semelhança do que ocorre nos países ocidentais, é relativamente elevada. Praticamente, 9 em cada 10 têm formação superior, sendo que 1/3 com formação pós-graduada a nível de mestrado e doutoramento. Apenas uma proporção ínfima (2,8%) era detentora de formação de nível secundário que representava, entretanto, à época, uma população relativamente escolarizada num país onde grassava o analfabetismo.

Tabela 31 - Distribuição dos dirigentes segundo nível de instrução

Nível de Instrução Fr % 2. 3º Ano do Curso Geral (ex- 3 1,7 5ºAno) 3. Ensino Secundário (completo) 2 1,1 4. Ensino Médio 2 1,1 5. Bacharelato 4 2,2 6. Licenciatura 101 56,4 7. Mestrado 52 29,1 8. Doutoramento 9 5,0 9. Outro (especificar) 6 3,4 Total 179 100,0 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Comparando o perfil desses dirigentes com o da média da população cabo-verdiana, tendo em conta os dados do recenseamento de 2000, constata-se, efectivamente, que se trata de um grupo selectivo. Assim, enquanto entre os altos dirigentes da Administração Pública a proporção dos que são portadores de uma formação média ou superior atinge os 93,4%, entre a população em geral situa-se nos 2,5%.

Gráfico 8 - Distribuição comparativa do nível de instrução do inquirido, cônjuge e população em geral

Inquirido Cônjuge População em 2000

93,9% 100 77,8% 80 60 50,1% 40 23,5% 19,6% 15,4 20 4,2% 4,7% 2,8% 2,5% 3,3%2%

0

Outro

Ensino

Ensino

instrução

Secundário

(especificar)

Sem nível de

Alfabetização

antigo/EBI médio/superior EnsinoPrimário

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Uma outra dimensão a destacar é que o nível de instrução do cônjuge aproxima-se, em larga medida, do inquirido. Ou seja, 78% dos cônjuges têm formação média ou superior, contra 94% do seu companheiro, o que indicia que a relação conjugal opera-se entre pessoas de referencial escolar próximo e, provavelmente, do mesmo segmento social.

A exigência de formação superior como requisito para o acesso a altos cargos na administração não é um requisito recente na história da Administração Pública cabo- verdiana, pois, durante a vigência do Estado colonial esse credencial era exigido. Em Cabo Verde, onde existia uma elite relativamente escolarizada, muitos não eram alçados nos cargos de direcção por razões de desconfiança política. Entretanto, já na fase tardia do colonialismo português em que se aligeira a discriminação dos naturais do arquipélago, a presença da elite nativa é, como vimos no capítulo anterior, mais acentuada.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

A contínua expansão e complexidade dos serviços da Administração Pública (central e desconcentrada) para fazer face aos desafios da reconversão da economia e dos sectores sociais requeria, entretanto, um perfil mais exigente dos seus recursos humanos, como garantia de uma gestão mais eficiente e eficaz dos recursos públicos.

Contudo, os jovens, cientes de suas qualificações técnicas adquiridas com a formação superior no exterior e do seu peso crescente no interior das estruturas da administração demandavam ao Governo maior selectividade no processo de recrutamento do pessoal dirigente. Assim, o executivo do Estado, no quadro da reforma da Administração Pública, instituiu em 1989 um novo estatuto de pessoal dirigente, consagrando a formação superior como requisito de acesso aos cargos de direcção.

Deste modo, à luz desse novo estatuto “os dirigentes de nível I e II são nomeados de entre indivíduos de comprovada idoneidade profissional e cívica, diplomados com um curso superior que confira grau de licenciatura ou, não sendo licenciados, de entre funcionários públicos cuja categoria corresponda, pelo menos, à letra D da tabela classificativa da Função Pública” (Artº2 do Decreto-Lei nº31/89, Suplemento ao BO nº22 de 3 de Junho).

Ao aprovar uma legislação que consagra a exigência de formação superior como credencial de base de acesso à cúpula da Função Pública, os quadros ganham contornos claros de um grupo coeso e de pressão sobre o Estado, procurando diluir seus interesses específicos em interesse global do Estado, como reporta Boltanski (1982).

Instrução dos ascendentes (pais e avôs)

Ao analisar de forma inter-geracional o nível de instrução de três gerações – avôs, pais e filhos (inquiridos) – constatam-se alterações profundas do perfil de escolarização dos descendentes. Comparando os níveis de instrução dos inquiridos com os dos pais (pai), nota-se mudanças substanciais em termos de perfil de escolarização, quer do lado paterno quer do materno. Assim, dos inquiridos com nível de licenciatura, 11% são filhos de pais sem nível de instrução, 38%, com ensino primário, 20% com ensino secundário. Do lado materno, o nível de habilitação escolar é inferior ao do pai, pois 25% são analfabetos e mais da metade possui apenas o ensino primário.

Em relação aos avôs paterno e materno, mais de metade eram habilitados com o ensino primário e uma fracção importante (15%) concluiu os estudos secundários. As avós

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

(materna e paterna) eram em sua maioria analfabetas, o que revela que o capital escolar concentrava-se, especialmente, no lado paterno, o que, à época, era o mais previsível, dado a acentuada exclusão da mulher do processo de escolarização.

Tabela 32 - Distribuição do nível instrução do inquirido, cônjuge e ascendentes

Pai-do Mãe do Mãe da Nível de Instrução Inquirido Cônjuge Pai Mãe Pai da Mãe Pai Pai Mãe Sem nível de instrução 11,2 25,1 26,2 60,4 24,3 54,9 Ensino Primário antigo 2,7 44,9 52 62,4 37,5 56,3 40,3 Ensino Básico completo ou 2 6,2 8,8 1,3 0,7 1,4 1,4 equivalente 3º Ano do Curso Geral 1,7 6 16,3 3,5 3,4 0,7 6,3 0,7 Ensino Secundário 1,1 9,4 10,7 4,7 3,4 6,9 0,7 (Completo) Ensino Médio 1,1 11,4 1,7 2,9 2 2,1 0,7 Bacharelato 2,2 6 1,7 0,6 Licenciatura 56,4 47 5,1 1,2 2,1 Mestrado 29,1 11,4 Doutoramento 5 2 Outro (especificar) 3,4 2 2,2 1,2 1,3 0,7 0,7 1,4 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes Se se comparar o nível de instrução entre as duas gerações, a saber, a dos avôs e dos inquiridos, verificam-se diferenças significativas, pois enquanto os primeiros concentram-se nos primeiros níveis (primário), os segundos, nos últimos (graduação e pós-graduação). Todavia, essa comparação deve ser relativizada, se tomarmos em conta a evolução do processo de escolarização em Cabo Verde. Na verdade, os avôs dos inquiridos são relativamente escolarizados se estimarmos que nos finais do século XIX e/ou início do século XX - mais de 80% da população cabo-verdiana era analfabeta. Ademais, na maioria das ilhas do arquipélago o ensino primário era o nível mais elevado de instrução a que a população poderia aceder, salvo uma pequena franja da população que dispunha de meios para se deslocar a um tempo ao liceu-seminário em São Nicolau, no século XIX, ou ao liceu nacional em São Vicente a partir da década de 20 do século XX para concluir os estudos secundários.

De registar, ainda, que de uma geração a outra – a avôs a pais – embora o nível de escolaridade dos primeiros se concentre a nível do primário, verifica-se uma alteração importante do perfil educativo dos segundos, pois quase 20% destes são detentores de formação secundária, média ou superior. Com efeito, do lado materno, o nível de analfabetismo reduz para mais da metade e do lado paterno a proporção de pais com

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 estudos secundários quadruplica no decurso de apenas uma geração, passando de 6,8% para 27%. De referir ainda que 7% dos pais são portadores de um diploma superior.

Nível de instrução dos irmãos e dos descendentes do inquirido

O perfil escolar dos altos dirigentes da burocracia estatal é relativamente superior à dos seus irmãos. Assim, enquanto quase a metade (48%) dos irmãos encontra-se habilitada a nível dos estudos secundários, os inquiridos portadores de formação superior atingem o dobro dessa cifra (96%), o que revela uma discrepância acentuada. Entretanto, convém realçar que uma parte importante dos dirigentes figura entre os primeiros filhos, o que pode significar alguma vantagem na apropriação dos benefícios familiares, diga-se, entretanto, numerosas.

Gráfico 9 - Distribuição do nível de instrução do inquirido, irmãos e filhos

Inquirido Irmão 70,0% 59,4%58% 60,0% 50,0% 40,0% 27% 30,0% 25% 20,0% 13% 11% 11% 12,2% 6,6% 10% 7,2%9% 6% 6% 7,1% 8% 10,0% 3% 0,5% 2% 1,0%1% 1% 5,1%4%2% 1% 3%

0,0%

Bacharelato Sem nível de nível Sem Primário Ensino Básico Ensino Curso do 3º Ano Secundário Ensino Médio Ensino Licenciatura Mestrado Doutoramento (especificar) estudar A

completo ou… completo

instrução

Outro

(Completo)

antigo Geral

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A dimensão relevante dessa comparação reside essencialmente no facto de o nível de instrução dos filhos ser tendencialmente próximo ao dos seus pais. Estes apresentam uma taxa de escolarização um pouco superior a dos filhos, visto que a maioria destes encontra-se, ainda, em fase de escolarização. Assim, ambos são em sua larga maioria detentores de diploma de estudos superiores, o que aponta para uma clara tendência à reprodução familiar, como vaticinou Bourdieu, nos seus extensos trabalhos sobre reprodução escolar (Bourdieu et Passeron,1985). Com uma família nuclear relativamente estabelecida e um número de filhos 2,5 vezes inferior ao dos seus

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 antepassados, os dirigentes revelam-se detentores de maior capital económico e cultural para investirem nos seus descendentes.

Local de instrução liceal:

A formação liceal da elite administrativa cabo-verdiana ocorreu dominantemente em duas escolas tradicionais – o liceu Gil Eanes (de que é herdeira a escola secundária Ludgero Lima), no Mindelo, e o antigo liceu Adriano Moreira (actualmente Liceu e Domingos Ramos), absorvendo 80% dos estudantes, incluindo os que ali concluíram os estudos em regime de exame na qualidade de alunos externos. Convém precisar, entretanto, que outras vias se abriam, especialmente para os estudantes dos estratos sociais mais desfavorecidos ou mesmo dos estratos médios, quando o liceu se localizava fora do local de sua residência habitual. Analisaremos este aspecto de forma mais detalhada no capítulo seguinte relativo às trajectórias individuais de escolarização.

Pessoas e instituições importantes na trajectória escolar

De entre as pessoas e personalidades que influíram de forma decisiva a escolarização dos inquiridos destacam-se a figura paterna, o professor(a), seguida de perto pela figura materna. Como mencionámos anteriormente, o capital escolar e cultural familiar estão intimamente associados à figura paterna, historicamente mais escolarizada que a materna.

Uma outra influência importante é a figura do professor que, pelo seu nível intelectual e cultural cumpre a função de orientação de alunos cujo primeiro contacto com a cultura escolar é feita nessa instituição. Dadas as condições sociais particularmente severas em que se vivia em Cabo Verde, muitos professores em gesto de solidariedade ajudavam os alunos no pagamento de taxas, na aquisição de materiais escolares e, acima de tudo, na orientação escolar. De entre os professores, Baltazar Lopes da Silva é um dos mais referenciados por vários inquiridos.

A presença da mãe na escolarização dos filhos é também mencionada por vários dirigentes, pois ela assume-se como chefe de família devido à ausência da figura paterna em razão da poligamia informal e da emigração masculina, dando a estrutura familiar um cunho monoparental.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

De entre as instituições determinantes na trajectória escolar dos inquiridos destacam-se, obviamente, o liceu Gil Eanes/Ludgero Lima, Adriano Moreira/Domingos Ramos, as duas instituições mais vetustas de ensino liceal, seguindo-se-lhes o Seminário de São José que teve um papel no alargamento das oportunidades de escolarização da maioria dos jovens do interior de Santiago e outras ilhas.

Formação superior: uma elite formada no exterior

Um dos traços distintivos da elite administrativa cabo-verdiana é o seu perfil internacional de formação. Mais de duas dezenas de países concorreram para a qualificação dos altos dirigentes da administração com realce para a antiga metrópole que absorve 1/3 do universo desses dirigentes. . Na segunda posição seguem o Brasil e a ex-União Soviética, (7,2%) ex-aequo e depois os EUA (5,4%), Cuba e França com 4,2% cada. Tabela 33 - Distribuição dos inquiridos segundo país de formação

País % Portugal 32,9 Brasil 7,2 Ex-U.R.S.S/Rússia 7,2 EUA 5,4 Cabo Verde 4,2 Cuba 4,2 França 4,2 Bélgica 1,8 Angola 1,2 Cabo Verde e Portugal 2,4 Outros * (valor para cada país inferior a 1%) 29,3 Total 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A predominância de Portugal (33%) como país de destino de formação da elite cabo- verdiana prende-se com razões históricas que ligam a elite cabo-verdiana à sua metrópole – língua oficial e afinidades culturais – e pelo facto de esse país, no período pós-colonial, apoiar Cabo Verde na sua estratégia de formação intensiva de quadros mediante a concessão de inúmeras vagas e bolsas de estudo. Ademais, tratava-se

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 também de uma estratégia do Governo de Portugal de manter a sua posição de liderança enquanto espaço de formação da elite cabo-verdiana.

A par de Portugal, o Brasil (7,2%), a partir de finais dos anos 70, desponta como um dos principais parceiros de Cabo Verde no processo de alargamento das oportunidades de formação superior. De realçar, ainda, os países integrantes da antiga União Soviética e de outros sob a sua esfera de influência político-ideológica que acolheram um contingente expressivo de jovens estudantes cabo-verdianos (11,6%). Uma parcela (6%) de quadros dirigentes foi formada na antiga instituição destinada à formação de professores do ensino secundário (EFPES, ex-ISE). Outros países do Ocidente, com destaque para os EUA (5,4%) e França (4%), formaram parte importante de quadros cabo-verdianos. Essa pluralidade de espaços de formação de quadros cabo-verdianos no exterior aponta para uma clara diversidade da elite político-administrativa, do ponto de vista do saber fazer, com implicações importantes no modus operandi dos mesmos no seio das diversas esferas do Estado e na sociedade cabo-verdiana em geral.

Áreas de Formação

Uma apreciação sobre os cursos concluídos pelos dirigentes da administração, verificamos que a maioria é diplomada em direito (15,7), economia (14%), engenharia (12%), gestão e contabilidade (7%), educação (9,2), sociologia (4,2) de entre uma variedade de outros cursos. No que concerne às grandes áreas de formação, predominam as de ciências sociais e humanas (29,1%), seguida de ciências económicas e empresariais (20,9%), ciências e engenharias e tecnologias (19,2%) e ciências jurídicas (15,7%).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 34 - Distribuição dos inquiridos segundo área de formação

Grandes Áreas % Ciências Sociais e Humanas 50 29,1 Ciências Económicas e Empresariais 36 20,9 Ciências, Engenharias e Tecnologias 33 19,2 Direito 27 15,7 Arquitectura/Geografia/Ordenamento 7 4,1 Ciências Biológicas e da Saúde 6 3,5 Outros 13 7,6 Total 172 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De referir, entretanto, que uma proporção significativa dos altos dirigentes (40%) formou-se nas áreas de ciências, engenharias, tecnologias, ciências biológicas e ciências jurídicas, áreas essas integradas por cursos cujos acessos foram, historicamente, os de maior selectividade escolar e social.

Modalidade de financiamento: uma elite formada pelo Estado

Uma das características matriciais de auto-afirmação de uma elite é a sua capacidade de distinção através do seu capital cultural – especialmente o escolar - dos demais grupos sociais em competição no espaço social , como largamente demonstraram Bourdieu e Saint Martin (Bourdieu, 1981; Saint-Martin, 1998).

O financiamento da formação superior através de bolsas de estudo vigorou durante o período colonial, tendo tido algum desenvolvimento nas décadas de 50 e 60, no quadro de uma política social tardo-colonial. Todavia, os dispositivos de financiamento do ensino superior conheceram o seu desenvolvimento após a independência, em 1975, período em que foram gizados programas ambiciosos de formação de quadros para sustentar o projecto de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, responder ao desafio, como observa Coutinho (2004) de formar um novo homem como preconizava o projecto político do PAIGC.

O Estado de Cabo Verde assume em larga escala a formação de técnicos, como denota o quadro infra. De realçar que 7 em cada 10 dirigentes foram qualificados com recurso a bolsas de estudo não reembolsáveis nas suas mais diversas modalidades, o que

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 evidencia que o Estado cumpriu um papel crucial nessa primeira vaga de elitização pós- independência.

Tabela 35 - Distribuição dos inquiridos segundo modalidade de financiamento dos estudos

Tipo de financiamento %

Bolsas do Estado de Cabo Verde não 70,3 reembolsável (inclui bolsa de cooperação) Bolsa de estudo reembolsável 2,8 Conta própria com recurso a poupança 15,9 familiar Conta própria com recurso a crédito 2,8 bancário Outra (especificar) 7,6 NS/NR 0,7 Total 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A política de formação de quadros implementada nas primeiras décadas da independência e prosseguida nas subsequentes constitui um factor nivelador das oportunidades de escolarização superior, contribuindo para dar um cunho mais heterogéneo ao perfil dos dirigentes. Analisaremos esta questão de forma mais detalhada no capítulo seguinte ao escrutinarmos as trajectórias de escolarização dos dirigentes dos diferentes estratos sociais.

Na verdade, o relevante papel desempenhado pelo Estado na formação dos quadros induz-nos a considerar que se trata de uma elite administrativa criada, em grande parte, pelo próprio Estado, situação de resto similar àquela que Farmer (1999) analisara em relação à ex-União Soviética.

Uma parte importante da elite administrativa forma-se com recursos próprios, especialmente durante o período colonial, ou seja, às expensas dos rendimentos da família, o que demonstra alguma capacidade de auto-financiamento dos estudos.

4.3. Perfil socioeconómico

A profissão é um dos indicadores importantes para aferir o perfil socioeconómico das famílias, uma vez que a partir dela se poderá inferir pela maior ou menor probabilidade de as pessoas e grupos sociais apropriarem-se da riqueza produzida numa sociedade. Ademais, a descrição dos níveis profissionais permite retractar dimensões da estrutura

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 social e, consequentemente, traços que podem indiciar linhas de mobilidade social ascendente e descendente numa perspectiva inter-geracional.

Entretanto, convém precisar que numa sociedade com uma fraca base produtiva e, historicamente, dependente da economia informal, como foi e é o caso de Cabo Verde, o recurso ao critério profissão strictu sensu não permite captar todas dimensões da dinâmica da estratificação social. Ciente das limitações que o recurso à profissão comporta para a classificação do perfil socioeconómico e na inexistência de algum outro critério imune às dificuldades de sua aplicação prática à realidade cabo-verdiana, explicitaremos as profissões dos inquiridos e, de forma comparativa, com a de seus cônjuges e ascendentes.

Os dirigentes da alta burocracia estatal são maioritariamente docentes (14,4%), advogados/juristas (11,4%), economistas (11,3%), engenheiros (9,1%), gestores/administradores (8,8%), funcionários públicos (8,6%), consultores (4,4%), de entre outras diversas profissões cujo peso estatístico afigura-se pouco relevante.

Tabela 36 - Distribuição da profissão do inquirido e cônjuge

Profissão Inquirido Cônjuge Professor(a) 14,4 11,1 Economista 11,3 Engenheiro(a)/Arquitecto 9,1 5,5 Gestor/Administrador 8,8 8,5 Advogado/Jurista 11,4 3,4 Consultor(a) 4,4 Diplomata 3,9 2,8 Funcionário(a) Público(a) 8,6 7,6 Médico(a) 1,3 6,7 Secretária 3,1 Comerciante Agricultor(a)/lavrador(a) Marítimo Pedreiro/Carpinteiro Domestica Costureira Proprietário Carpinteiro Padre NR/NS 4,4 20,6 Outras Profissões 22,6 30,7 Total 100,2 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Em comparação com o perfil profissional do cônjuge, constata-se que não há variações substanciais, uma vez que, como aludimos no item sobre o perfil de instrução, o nível de habilitações académicas dos cônjuges aproxima-se do dos seus pares, o que repercute na profissão. No seio dos cônjuges, nota-se uma proporção importante de professores (11,1%), gestores/administradores (8,5%), funcionários públicos (7,6%), médicos (6,7%), engenheiros/arquitectos (5,5%) de entre outras profissões.

A vizinhança do campo profissional entre os dirigentes e os seus cônjuges endossa a suposição de que a relação matrimonial ocorre no seio dos grupos sociais mais próximos.

Visualizando o perfil profissional dos ascendentes, verificámos que os pais são/eram na sua maioria funcionários públicos (23,7%), comerciantes (13,9%), agricultores (8,4), professores (5,6%), sendo as mães na sua globalidade domésticas (64,4%) e comerciantes (9,4%). Trata-se de um perfil profissional relativamente distinto no decurso de uma geração.

Se atentarmos para o perfil profissional dos avôs paternos e maternos, as diferenciações são ainda mais significativas. Os avôs paternos e maternos são em larga medida agricultores, comerciantes, proprietários e em menor proporção funcionários públicos. Um dado curioso reside no facto de se constatar a existência de avôs cuja profissão era sacerdote, constituindo essa categoria, no caso cabo-verdiano, uma via de mobilidade se se considerar o status, a propriedade fundiária e escolar de que era portadora essa categoria social. As avós paternas e maternas eram, sobretudo, domésticas.

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Tabela 37 - Distribuição comparativa da profissão do inquirido, cônjuge e ascendentes

Quadro : Profissão do inquirido, cônjuge e dos ascendentes Pais Avôs paternos Avôs Maternos Mãe do Mãe da Profissão Inquirido Cônjuge Pai Mãe Pai-do Pai Pai Pai da Mãe Mãe Professor(a) 14,4 11,1 5,6 2,5 1,1 Economista 11,3 Engenheiro(a)/Arquitecto 9,1 5,5 Gestor/Administrador 8,8 8,5 Advogado/Jurísta 11,4 3,4 Consultor(a) 4,4 Diplomata 3,9 2,8 Funcionário(a) Público(a) 8,6 7,6 23,7 6,1 7,9 13,1 Médico(a) 1,3 6,7 1,1 Secretária 3,1 Comerciante 13,9 9,4 13,9 1,7 15,0 1,7 Agricultor(a)/lavrador 8,4 26,6 5,0 20,0 5 Maritimo 2,2 Pedreiro/Carpinteiro 4,5 1,7 Domestica 64,4 69,4 69,4 Costureira Proprietário 6,7 7,8 Carpinteiro 2,5 Padre 2,2 NR/NS 4,4 20,6 5,6 5,6 25,0 18,9 20,6 18,9 Outras Profissões 22,6 30,7 35,0 12,0 17,1 5 18,8 5 Total 100,2 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Em suma, os dados do quadro supra apontam, de novo, para uma mudança importante do perfil de profissão no decurso de três gerações, evidenciando uma reconversão importante das velhas famílias proprietárias de terra e ligadas às actividades comerciais para o funcionalismo público, consolidando uma tendência já sinalizada no decurso do século XIX, com a expansão dos serviços governamentais. Esse processo de reconversão resulta de estratégias que as famílias e os indivíduos engenham, com vista a garantir uma posição mais vantajosa na estrutura social.

Situação patrimonial dos dirigentes: diversificação de fontes de rendimento

A aferição do património dos dirigentes é uma tarefa um quanto complexa e de difícil sistematização, porquanto muitas informações são de natureza pessoal e como tal enredada em algum secretismo. Na tentativa de estimarmos alguns indicadores que pudessem caracterizar o perfil patrimonial desses dirigentes, recorremos a algumas informações, a saber: a posse de habitação própria e sua modalidade de financiamento, seu valor pecuniário de construção, a posse de propriedade e de participação em acções de empresas de natureza diversa.

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Em relação à situação posse de residência, verifica-se que a maioria (84%) é proprietária de sua residência, o que denota um importante investimento na aquisição da habitação própria e na edificação de um património familiar. Apenas 14% dos respondentes asseguram ser ainda inquilinos de sua residência.

Tabela 38 - Distribuição dos dirigentes segundo inquilino ou proprietária de residência

Descrição Fr % 1. Inquilino 24 14,4

2. Proprietário 140 83,8

9. NS/NR 3 1,8

Total 167 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Quando instados a responder a modalidade de financiamento da sua residência, quase metade (46%) assegura que o património habitacional foi adquirido com recurso exclusivamente a crédito bancário. De realçar, entretanto, que 41% adquiriu a sua habitação numa mescla de crédito bancário e poupança própria, situação que evidencia alguma capacidade de auto-investimento, especialmente se tomarmos em linha de conta valores pecuniários estimados para esses imóveis.

Tabela 39 - Distribuição segundo fonte de financiamento

Fonte de financiamento Fr % 1 Crédito bancário 66 45,5 2. Poupança própria 16 11,0 3. Crédito e poupança 59 40,7 própria 9. NS/NR 2 1,4 4. Outro 2 1,4 Total 145 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

O património habitacional revela-se num dos grandes investimentos dos inquiridos se se considerar que quase 7 em cada 10 confidenciaram que o seu valor oscila entre 11.000 a 16.000 contos e mais (equivalente a 100.000 a 150.000 euros), conforme consta na tabela infra.

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Tabela 40 - Distribuição da estimativa do imóvel

Montante Fr % 1. Menor ou igual a 5.000 contos 9 6,1 2. 6 a 10.000 contos 36 24,5 3. 11 a 15000 contos 45 30,6 4. Mais de 16000 contos 56 38,1 9. NS/NR 1 0,7 Total 147 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Esses valores estimados para o património habitacional dos dirigentes são, com , muito superiores ao valor médio da habitação da população cabo-verdiana em geral. É difícil estabelecer um padrão preciso de comparação, pois os dados do recenseamento relativos à habitação não são disponibilizados de forma quantitativa e, por isso, não constitui uma base satisfatória de comparação.

De todo modo, para termos um parâmetro mínimo de comparação, tomemos como referência o valor da habitação no montante de 4950 contos (45.000 euros) previsto no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social para o estrato social com o rendimento bruto do agregado corresponde a 180 contos38. (Cf. Decreto-Regulamentar nº 10/2010). Com efeito, o valor do património habitacional de 7 em cada 10 dirigentes é, no mínimo, 3 vezes superior ao padrão de habitação estimado para os estratos da classe média, o que evidencia uma elevadíssima expectativa de bem-estar.

A posse de outras propriedades ou de acções em empresas representa um indicador importante de estimativa do nível patrimonial desses dirigentes. Assim, quando indagados no sentido de se apurar quantos deles são proprietários de terra, empresa de serviço, indústria ou comércio, constata-se que 25% estão nesta condição, o que indicia que a posse de propriedade não se configura em património relevante no seio da elite administrativa.

38 De referir que menos de 20% dos agregados familiares em Cabo Verde detêm um rendimento bruto mensal superior a 180 contos mensais, o que evidencia que essa elite administrativa possui um património habitacional privilegiado. 168

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Deste universo, mais de metade (56%) concentra os seus investimentos na posse de terras e 24% em negócios relacionados com empresas/serviços em geral de pequeno e médio portes (85%). Essa nova modalidade de capitalização do património individual, associada à posse de terras, aponta para alguma diversificação de fontes de acumulação para além da remuneração na Administração Pública.

Tabela 41 - Distribuição segundo tipo de propriedade

Propriedade Fr % Terra 25 56% Empresa/Serviço 11 24% Industria 5 11% Comercio 4 9% Total 45 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Situação patrimonial dos ascendentes

A maioria dos pais dos inquiridos (57%) é proprietária, sendo que desse universo a grande maioria (78%) é detentora de pequenas propriedades de terra e 19% com actividades ligadas ao comércio.

Tabela 42 - Distribuição segundo tipo de actividades dos pais

Actividade Fr % Comércio 19 19% Proprietário terra 78 76%

Proprietário Industrial 5 5%

Total 102 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A posse dessa pequena propriedade destina-se, em geral, à produção agrícola para a subsistência familiar e abrange especialmente dirigentes originários das famílias campesinas. Ao indagarmos a respeito da proporção de pais que acumulam mais de um tipo de propriedade, verificamos que apenas um em cada quatro dirigentes é, efectivamente, é proprietário/comerciante de terra, sendo que a grande maioria (48%) é apenas detentora de propriedade fundiária.

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Tabela 43 - Distribuição de tipos de propriedade em regime de simples e acumulado

Actividade Fr % Comercio 19 19% Comércio/Proprietário de 25% terra 25 Comércio./Propriedade 4 4% Industrial Propriedade industrial 5 5% Propriedade de terra 49 48% Total 102 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Todavia, o busílis da questão reside em compreender se existe alguma relação entre a posse de uma única ou múltiplas fontes de rendimentos e o processo de escolarização, enquanto credencial para galgar importantes cargos da administração. Comparando a taxa de escolarização da média dos dirigentes e dos descendentes dos proprietários denotamos que as variações são, no geral, pouco expressivas.

Tabela 44 - Distribuição de nível de instrução dos inquiridos segundo tipo de propriedade dos pais

Comercio Com/prop.TerraCom/Prop/Ind. Prop. Indist Prop.Terra Pop.Ind. Média

Nível de Instrução % % % % % % % 3º Ano do Curso Geral (ex-5ºAno) 5 0 0 4 0 1,7 Ensino secundário (completo) 5 4 0 0 0 0 1,1 Ensino Médio 0 0 0 0 2 0 1,1 Bacharelato 0 0 0 0 0 0 2,2 Licenciatura 53 44 100 50 69 100 56,4 Mestrado 37 44 0 50 16 0 29,1 Doutoramento 0 0 4 0 0 4 5 Outro (especificar) 0 4 0 0 4 0 3,4 Total 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Assim, todos os altos dirigentes filhos de pais proprietários industriais e comerciantes e industriais são, simultaneamente, portadores de formação superior. Mas, trata-se de uma proporção reduzida de inquiridos (8). A proporção de pós-graduados, filhos de comerciantes/proprietários de terra, é elevada (48%), ou seja, catorze pontos percentuais acima da média (44%). Já os descendentes de proprietários de terra apresentam uma elevada taxa de licenciados (69%), doze pontos acima da média, ficando, entretanto, a nível de mestrado, bem abaixo da média.

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A fraca diferenciação do nível de instrução em função da posse de meios económicos pode ser explicada, por um lado, pelo papel que o Estado desempenhou, no período pós- independência, ao igualizar as oportunidades de formação superior através de um amplo programa de concessão de bolsas de estudos, nivelando as oportunidades para jovens provenientes de famílias com recursos materiais e simbólicos distintos. Por outro, é provável que as diferenciações socioeconómicas entre estudantes não impliquem, necessariamente, a reconversão do capital económico em capital cultural a ponto de determinar a trajectória escolar. Retomaremos essa questão na análise das trajectórias de escolarização no capítulo seguinte.

Emigração: direccionada para a Europa e África

Em relação à emigração, constata-se que 38% dos inquiridos são descendentes de familiares que são ou já foram emigrantes.

Tabela 45 - Distribuição dos dirigentes segundo situação face à emigração dos pais

Descrição Fr % Emigrante 68 38,0

Não Emigrante 111 62,0

Total 179 100,0 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre os países de acolhimento de maior expressão constam Portugal (45%), Holanda (21%), EUA e Guiné-Bissau ex-equo (6,5%), sendo que mais de ¾ residem ou residiram nesses países há mais de 10 anos. Embora os EUA sejam um dos primeiros países a colher a grande vaga de emigração cabo-verdiana até o início do século XX, nota-se 2/3 dos ascendentes dos dirigentes são oriundos de países europeus cuja vaga de emigração ocorre essencialmente após a Segunda Guerra Mundial.

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Gráfico 10 - Distribuição do nível de instrução do inquirido, irmãos e filhos

45,0 41,2% 40,0 35,0 30,0 25,0 22,1% 20,0 15,0 13,2% 10,0 4,4% 5,9% 5,9% 5,9% 5,0 1,5% 0,0 Portugal Holanda França EUA Angola Senegal Guine outros Bissau

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre o grupo de emigrantes, convém assinalar uma parcela composta por antigos funcionários cabo-verdianos do quadro comum do ultramar, colocados na administração colonial, especialmente na Guiné-Bissau e em Angola, cujos filhos regressam a Cabo Verde com a descolonização na década de 70. Estes, beneficiando de oportunidades económicas e culturais privilegiadas, face à população nativa, encontram-se bem situados para o reposicionamento na sociedade cabo-verdiana. No caso da Guiné- Bissau, cuja presença cabo-verdiana é secular em resultado desta ter sido uma espécie de dependência do arquipélago até os finais do século XIX, o impacto dos descendentes dos emigrantes é, obviamente, maior.

Estratificação do grupo dirigente: uma presença dominante de grupos intermédios

A desagregação dos dirigentes em sub-grupos (estratos) permite apreender, com algum nível de detalhe, a dinâmica interna de composição dessa elite, possibilitando a apreensão de características específicas de cada estrato social, bem como algum exercício de comparação com a estrutura social do país.

Para efeitos de caracterização do perfil socioeconómico dos altos dirigentes, recorremos à integração de 3 critérios (indicadores) operacionais: a posse de propriedade, a profissão e o nível de instrução dos pais. Assim, a posse de propriedade expressa o acesso privilegiado a rendimentos económicos, a profissão indica as

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 oportunidades de acesso ao rendimento, a autoridade e o prestígio social e, finalmente, a instrução abre caminho ao acesso aos bens culturais. Esses três critérios não devem ser tomados de forma isolada, antes pelo contrário, estão inter-relacionados. Por exemplo, a profissão e a instrução estão indissoluvelmente entrelaçadas, sendo a primeira em vários aspectos resultante da segunda. De igual modo, o exercício de determinadas profissões, ao possibilitar o acesso a rendimentos vantajosos, pode constituir oportunidades de capitalização na aquisição de terras ou no empreendimento de negócios.

Contudo, esse tipo de classificação não está isento de problemas operacionais. Por exemplo, ser proprietário de terras não é, em si, um critério de diferenciação se essa propriedade não for produtiva e geradora de rendimentos. Nesta linha de ideias, em Cabo Verde, onde a seca é regular e estrutural, a valorização da terra dependerá da sazonalidade das boas “as águas”, razão pela qual a posse de extensas terras poderá, em determinados períodos, ter pouca valia como variável para a demarcação de fronteiras entre os grupos sociais

Assim, no esforço de caracterização do perfil social de elite político-administrativa e da aplicação dos critérios acima referenciados resultaram três grandes estratos:

Desde logo, um primeiro grupo a que denominamos estrato social alto de que fazem parte dirigentes descendentes de grandes proprietários de terra, médios e grandes comérciantes, indústriais, altos funcionários do Estado, profissionais com elevado nível de instrução (advogados, arquitectos, engenheiros, médicos). Um segundo grupo médio constituído por proprietários de pequeno e médio porte de terra, comerciantes, funcionários públicos intermédios, empregados de comércio. Finalmente, um terceiro grupo, baixo, composto por trabalhadores do campo, trabalhadores não qualificados do Estado, pedreiros, carpinteiros, padeiros, domésticas, etc.

Assim, da aplicação desses critérios resulta que apenas 19% dos inquiridos são oriundos dos estratos sociais mais altos da sociedade cabo-verdiana, enquanto a larga maioria (59%) provém de estratos intermédios. Finalmente, os dirigentes originários dos estratos mais baixos representam pouco mais de 22%.

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Tabela 46 - Distribuição dos dirigentes segundo estrato social a que pertencem

Estratos sociais Nº %

Alto 35 19 Médio 107 59 Baixo 38 22 Total 180 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Manuela Afonso, num esforço para explicitar as relações entre as classes sociais e o acesso à educação em Cabo Verde na década de 90, ao analisar a estrutura de profissão, segundo os dados dos recenseamentos de 1980 e 1990, constata que, na década de 80, ¾ da população activa era constituída de trabalhadores agrícolas e pescadores, operários e trabalhadores industriais, profissões não determinadas (Afonso, 2002: 97).

A partir desses dados, a autora, com recurso às contribuições teóricas do neo-marxista Olin Wrigth, apresenta a seguinte estrutura de classes na sociedade cabo-verdiana em 1990: uma burguesia integrando 1,1%, uma pequena burguesia (proprietária, dirigente e técnica, executante e auxiliar), 46,6%, e, finalmente, as camadas populares integradas por campesinato, 18,7%, operariado industrial (19,5%) e operário rural e pesca, 13,4%. (idem, ibidem: p.116).

Sem querer entrar no debate em torno do potencial heurístico do conceito de classe cuja aplicação se ajusta melhor às sociedades onde a estrutura produtiva encontra-se desenvolvida com uma burguesia e um proletariado urbanos enraizados e conscientes de seus interesses, que parece não ser o caso de Cabo Verde. De todo modo, o recurso aos dados referenciados pela autora constitui uma base importante para se estimar algum nível de comparação entre a estrutura socioprofissional e os estratos sociais de onde são repescados os dirigentes que integram a elite político-administrativa.

Numa primeira leitura, denotamos, claramente, que os grupos alto e médio que não retratam nem a metade da estrutura socioprofissional da população, representam, praticamente, ¾ das famílias de onde são recrutados os altos dirigentes da administração, o que de facto constitui uma inversão da pirâmide socioprofissional e uma indicação de que os estratos minoritários conseguem apropriar de forma vantajosa as melhores oportunidades sociais. Todavia, há uma presença relevante (22%) de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dirigentes de meios sociais mais desfavorecidos, ao contrário do que acontece nos países ocidentais (França, Inglaterra, Alemanha, EUA, etc.), onde a estrutura de classe se encontra há muito consolidada e a elite dirigente é recrutada quase exclusivamente nos estratos altos dessas sociedades.

Em Cabo Verde, até finais dos anos 80, as linhas de fronteira entre grupos sociais são passíveis de interpenetrações, permitindo as famílias situadas no perímetro de fronteiras dos diferentes estratos sociais de beneficiarem de oportunidades que, em princípio, não são próprias de sua condição social.

Além disso, os grupos sociais mais favorecidos ao longo do século XIX repousam a sua diferenciação social em parte sobre os recursos fundiários incertos e, acima de tudo, sobre as oportunidades criadas pelo e com a expansão do Estado, cujas necessidades de legitimação extravasam os interesses específicos desses grupos, incapazes de criarem espaços próprios de diferenciação. A título ilustrativo, o acesso à escolarização, um factor chave na dinâmica de diferenciação dos grupos sociais, ainda que tenha beneficiado as famílias mais possidentes, não constituiu, historicamente, um factor em si de exclusão de outros grupos sociais, uma vez que não tinham elas próprias capacidade de auto-financiamento.

A emigração em épocas e em ritmos diferenciados teve um impacto importante sobre a dinâmica da estrutura social cabo-verdiana. Assim, por um lado, a diasporização continuada das camadas intermédias da sociedade cabo-verdiana, nomeadamente a dos funcionários e proprietários de terra e do comércio, abriam brechas permanentes para a emergência de novos estratos sociais -, especialmente os situados nas fronteiras desses grupos. Trata-se de uma estrutura que não se arregimenta, antes pelo contrário, ela é disruptiva, abrindo espaços para novos movimentos.

Por outro, muitos emigrantes ao retornarem ao arquipélago recapitalizavam a extensa rede familiar, impulsionando uma mobilidade ascendente de franjas importantes do mundo agrário e de trabalhadores urbanos não qualificados, coisa que, de resto a própria estrutura produtiva por si só não responde (Furtado: 1993; Afonso, 2002). Eis por que a compreensão da dinâmica da estrutura social cabo-verdiana e do seu efeito na trajectória das pessoas não pode ser deduzida das fórmulas tradicionais como aquelas que definiram as classes sociais com base na posição no processo produtivo.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Debruçaremos sobre esta questão de forma mais incisiva no capítulo seguinte relativo às diferentes trajectórias de escolarização, apontando como diferentes estratégias familiares e individuais de escolarização engendram formas diversas de reposicionamento na estrutura social.

4.4. Trajectória na Administração Pública e critérios de recrutamento

Primeiro emprego na Administração Pública

Os altos dirigentes da administração pública iniciaram a sua primeira actividade profissional quase que exclusivamente na Administração Pública, exercendo predominantemente funções de técnicos (36%) e professores (27%). De referir ainda que uma proporção importante (20%) inicia o seu baptismo profissional desempenhando funções de chefia e assessoria a alto nível. Estes dados indicam que as instituições do Estado absorviam a maioria dos quadros qualificados, por ser espaço que oferecia melhores oportunidades salariais e status aos seus ocupantes.

Tabela 47 - Distribuição dos dirigentes segundo a primeira função exercida na AP ou no sector privado

Primeiro emprego Fr %

Técnico(a) da Administração 59 36 Pública

Professor(a) 43 27

Director/Presidente de Instituto 20 12

Assessor/Conselheiro 10 6

Chefe de 3 2 divisão/Secção/Departamento

Magistrado 5 3

Outros 22 14

Total 162 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Nas primeiras décadas pós-independência, a rápida expansão das estruturas do Estado e o incipiente tecido empresarial impeliam os quadros a ingressarem na Administração, tornando-a quase que uma via obrigatória de primeira profissionalização.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Nota-se também que uma franja importante de quadros exerce a sua primeira actividade profissional enquanto dirigentes e assessores, o que à primeira vista revela-se surpreendente. É provável que essa situação se explique, por um lado, pelo descompasso, nas primeiras décadas de afirmação e expansão do Estado nacional, entre as necessidades de crescimento da burocracia estatal e a existência de quadros qualificados. Por outro, por serem cargos de direcção e assessoria de confiança política é provável que os jovens dirigentes tenham sido recrutados de entre os militantes do partido, numa lógica de retribuição ao capital político investido (Gaxie, 1977: 129)

Recrutamento no seio da Administração Pública

A maioria expressiva dos dirigentes político-administrativos é recrutada de entre os profissionais de carreira no interior da Administração Pública (78%), como retrata o gráfico infra.

Gráfico 11 - Distribuição dos dirigentes segundo situação face ao quadro da Administração Pública.

Não: 21,6%

Sim: 78,4%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes Esses altos dirigentes apresentam uma relativa longevidade na administração do Estado, pois 85% pertencem a seu quadro de origem há mais de uma década.

Tabela 48 - Distribuição dos dirigentes segundo tempo de serviço na AP

Tempo Fr % 1. Menos de 1 ano 2 1,5 2. De 1 a 4 anos 6 4,4 3. De 5 a 9 anos 13 9,6 4. De 10 a 14 anos 19 14,1 5. 15 anos e mais 95 70,4 Total 135 100,0 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Instituição de pertença

A maioria dos dirigentes inquiridos pertence ao quadro do Ministério da Educação (21%), que tem um peso relativamente importante no cômputo geral dos quadros da Administração Pública. Segue-se o Ministério das Finanças (11,6%), que inclui instituições sob a sua tutela como as alfândegas, o INE, os ministérios da Agricultura e da Economia, com 9,4% ex-aequo o e o da Justiça com 8,7%.

Tabela 49 - Distribuição dos dirigentes segundo quadro de origem

Quadro de origem Fr %

Banco de Cabo Verde 4 2,9 Câmara Municipal 4 2,9 A Secretaria da Administração Pública/Chefia 7 5,1 Governo Ministério do Trabalho 3 2,2 Ministério da Agricultura 13 9,4 Ministério da Cultura 6 4,3 Ministério da Economia 13 9,4 Ministério da Educação e Desporto 29 21,0 Ministério da Justiça 12 8,7 Ministério da Saúde 7 5,1 Ministério das Finanças/INE 16 11,6 Ministério das Infra-estruturas 7 5,1 Ministério dos Negócios Estrangeiros 7 5,1 Presidência da República 3 2,2 Universidade de Cabo Verde 7 5,1 Total 138 100,0 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Um dos aspectos marcantes do recrutamento dos dirigentes da Administração cabo- verdiana é a relativa mobilidade dos seus quadros de uma instituição para a outra. Com efeito, os quadros alçados à cúpula de um ministério não são necessariamente originários dessa organização. Este fenómeno resulta provavelmente da combinação de duas questões essenciais. Primeiro, o recrutamento para o cargo de direcção, na administração cabo-verdiana, não está condicionado ao desenvolvimento na carreira. Eis por que e à laia de exemplo encontramos técnicos de câmaras municipais a exercer funções de chefia na administração pública central e vice-versa.

Em segundo lugar, numa primeira fase, a escassez de quadros especializados pode ter concorrido para que a cooptação de quadros para as funções dirigentes fosse o mais diversificado possível, quebrando as barreiras endógenas institucionais de recrutamento-

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Desempenho de cargos de chefia

De realçar ainda que 9 em cada 10 dirigentes asseguram já ter desempenhado funções de chefia, o que demonstra que o recrutamento para o topo da administração se faz ainda no interior da própria administração e que o percurso na carreira pode ter tido um papel relevante na escolha dos dirigentes.

Tabela 50 - Distribuição segundo desempenho de outros cargos de chefia na AP

Resposta Fr %

Sim 141 91,6 Não 13 8,4 Total 154 100,0

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

4.5. Circulação para os sectores privado, para-público e organizações internacionais

Um outro resultado que merece algum destaque prende-se com o facto de mais de metade (53,4%) dos dirigentes da Administração Pública desempenharem actividades profissionais no sector privado, para-público e organizações internacionais, o que revela um importante fenómeno de circulação em direcção a outros sectores, especialmente para o mercado.

Tabela 51 - Distribuição segundo desempenho de cargos em instituições privadas

Resposta Fr % Sim 74 53,6

Não 64 46,4

Total 138 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Os cargos exercidos nessas instituições prendem-se em grande parte (46%) com os altos cargos de direcção e de chefias intermédias, denotando um reposicionamento para um lugar de status e de usufruto de proventos com uma relativa proximidade horizontal ao cargo exercido anteriormente. De referir ainda que uma parcela relevante exerce funções de consultoria (12,3%), de docência nas instituições privadas (10,8%) e cargos nas organizações não-governamentais.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 52 - Distribuição segundo cargos exercidos nos sectores privado, para-público e outras organizações

Cargos Fr % Administrador de Empresa/Conselho Empresa do Estado 16 21,6 Advocacia/jurista 3 4,1 Consultor 9 12,2 Director/Gerente/Chefe serviço 18 24,3 empresa Docente ensino superior (Privado 8 10,8 Organizações internacionais/ONGs 7 9,5

Técnico de empresas 8 10,8 Outros 5 6,8 Total 74 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre os dirigentes que desempenharam outras funções nas instituições privadas, 73% asseguram ser militantes de partidos, evidenciando um importante entrelaçamento entre administração-política-mercado.

Tabela 53 - Distribuição de cargos no sector privado e militância política

Resposta Fr % Sim 49 73,1 Não 17 25,4

NS/NR 1 1,5

Total 67 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De igual modo, 54,9% confirmam ter sido nomeados ou eleitos para cargos políticos, revelando também que a aquisição do capital político representa uma variável importante nesse processo de circulação.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 54 - Desempenho de cargos no sector privado e nomeação/eleição para cargos políticos

Resposta Fr % Sim 39 54,9 Não 31 43,7

NS/NR 1 1,4

Total 71 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Quanto aos dirigentes que desempenharam funções de chefia na Administração Pública, verifica-se que 54,4% exerceram funções no sector privado.

Tabela 55 - Desempenho de cargos chefia na AP e exercício de funções no privado

Resposta Fr %

Sim 62 54,4

Não 52 45,0

Total 114 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De ressaltar, entretanto, que os que ocuparam funções no sector privado, 90% desempenharam cargos de chefia no sector público.

Tabela 56 - Desempenho de cargos no privado e exercício de outros cargos de chefia na AP

Resposta Fr %

Sim 62 89,9

Não 7 10,1

Total 69 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Aparentemente, essa circulação para os sectores privado, para-público e outras organizações se deve em grande parte a dois fenómenos concomitantes. Primeiro, tendo em conta o elevado nível de interpenetração entre a administração e a militância

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 político-partidária, a alternância na governação do país constitui oportunidades para a entrada de novos dirigentes, num spoil system à cabo-verdiana.

O leit motiv desse entrelaçamento é a retribuição de cargos aos militantes do partido em jeito de retribuição do capital político investido durante a “sementeira política”, destronando os antigos e impelindo-os a buscarem outras oportunidades no mercado privado, sob pena de penitenciarem e de mofarem na prateleira dos serviços subalternos da burocracia. Conforme observa Suleiman ao referir-se à politização da administração nos EUA, “la tendance à la politisation, qui ne vient pas seulement du besoin d’exercer son autorité, mais aussi celui de récompenser les fidèles du parti et les rouages du parti qui ont rendu possible la conquête du pouvoir » (2005: 280 ; vide também Gaxie, 1977).

Segundo, o incremento do sector privado com o processo de liberalização da economia a partir dos anos 90, num país onde os recursos especializados eram/são relativamente escassos, abriu novas oportunidades para a reconversão de agentes da administração para o mercado privado.

Essa rotação das elites político-administrativas resulta da acumulação de diversas espécies de capital, nomeadamente a social, a informacional e a política ao longo da sua trajectória profissional, favorecendo, sazonalmente, a ocupação de múltiplas posições, diversificando, assim, as suas fontes de acumulação de bens materiais e simbólicos. Trata-se, como adverte Augé, de um jogo das cadeiras musicais “ dans lequel les acteurs s’éloignent temporairement pour revenir dans le jeu de façon encore plus présente, en repositionnant, parfois de manière multiple en dédoublant leurs responsabilités administratives, politiques, économiques » ( 2005 : 161).

Esse processo de desaparecimento e reaparecimento sazonal dos dirigentes em função das “azáguas políticas”, ocupando cargos, ora na política ora na administração, ora no sector privado, responde, assim, às necessidades funcionais de diversificação de espaços de acumulação, de forma a garantir a sustentabilidade do estilo de vida e do status sociopolítico, entretanto, adquiridos durante o exercício do poder político- administrativo. De referir que na última década, os novos nichos de acumulação e, certamente, mais atractivos, têm a ver com a rápida expansão do sector turístico, e em

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 menor grau, o financeiro, onde mais de duas dezenas de ex-altos dirigentes político- administrativos posicionam-se como empresários, gestores, lobistas, etc39.

A tendência de reconversão de ex-dirigentes da alta administração para o sector privado opera-se num quadro em que a regulação ainda é incipiente. A legislação em matéria de incompatibilidades dispõe que “os titulares de altos cargos40 estão impedidos, durante o exercício de funções e até um ano após a sua cessação, de servir de árbitro ou perito em qualquer processo em que seja parte o Estado ou outra pessoa colectiva publica” (Cf. Artigo 34º do Decreto-Legislativo n.º 2/95, de 20 de Junho ). Mas qual é o espírito desse diploma? Ao delimitar a incompatibilidade dos dirigentes apenas às questões atinentes à arbitragem e peritagem, na verdade, o não dito, aduzido da leitura das entrelinhas dessa norma, é que tudo mais é permissível, ficando a mercê de cada dirigente o juízo ético- moral sobre as suas opções após o exercício da função dirigente.

Vários países de democracia consolidada definem dispositivos de controlo do exercício de actividades pós-desempenho de altos cargos na Administração. Segundo Nunes, “na França, por exemplo, nenhum indivíduo que tenha exercido um cargo no Senior Public

39 De entre vários nomes sonantes ligados a esse nicho emergente figuram: António Gualberto do Rosário, ex-ministro da economia, ex-presidente do MpD, candidato a Primeiro-ministro derrotado nas eleições de 2001, actualmente empresário do sector imobiliário e presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde, Jorge Spencer Lima, ex-Secretário de Estado das Pescas, ex-tesoureiro de campanha do PAICV, ex-candidato derrotado às eleições à Câmara Municipal do Sal, em 2008, actualmente um dos maiores operadores do sector imobiliário; Olavo Correia, ex-Secretário de Estado das Finanças, ex- Governador do Banco Central, administrador do Grupo Tecnicil e presidente da Promitur; Amaro da Luz (ex-ministro da economia na I República), com importantes empreendimentos no sector turístico; João Pereira Silva, ex-ministro do desenvolvimento rural e, recentemente, da economia, gestor e consultor de empresas do sector turístico; Eugénio Inocência, ex-embaixador em Portugal, actualmente promotor do empreendimento Santiago Golf Resort; Silvino da Luz, ex-ministro dos negócios estrangeiros, actualmente representante de interesses ligados ao investimento de empresários angolanos; Victor Fidalgo, ex-embaixador e ex-presidente da Cabo Verde Investimentos, actualmente empresário e intermediário de empreendimentos turísticos, José António Pinto Monteiro, ex-Ministro da Agruicultura, gestor de empreendimentos turísticos, José Luís Fernandes, ex-Secretário de Estado e ex-presidente da PROMEX, gestor e lobista, de entre outros.

40 O artigo 32º do referido decreto determina que são altos cargos públicos: Governador e vice- governador e os administradores do Banco de Cabo verde, a alta autoridade contra corrupção, Chefe da casa civil da presidência da república, o Embaixador, Conselheiro do presidente da república, do presidente da assembleia Nacional e do Primeiro Ministro, Secretário Geral Assembleia Nacional , da Presidência do Conselho de Ministro ou Ministério, Presidente de Instituto publico, fundação publica ou qualquer outra forma de serviço personalizado, Gestor público e membro da administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos designado por entidade publica desde que exerça funções executivas em regime de permanência a tempo inteiro, Director Geral ou equiparado, outros cuja nomeação, assente no princípio da livre designação pelo Governo, se fundamenta, por lei, em razões de especial confiança, o membro em regime de permanência e a tempo inteiro, de entidade independente prevista na Constituição ou na lei (Decreto-Legislativo nº 2/95 de 20 de Junho).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Service e, em face disso, tenha participado na supervisão ou controlo de empresas ou tenha relações governamentais ligadas à empresa, poderá, num período de cinco anos subsequentes, exercer qualquer actividade nessa empresa ou sector”. Mesmo em Portugal, país a partir de cujos dispositivos legais se adapta parte importante da legislação cabo-verdiana, o sistema jurídico comporta dispositivos que fixam o período de “três anos de separação entre o exercício de alto cargo público ou político e o exercício de função e eventual cargo em empresas privadas cujas actividades foram por ele directamente tuteladas” (Nunes, 2006: 220).

Assim, a inexistência de um sistema idêntico em Cabo Verde resulta, provavelmente, do facto de as elites dirigentes não estarem dispostas a regular um sistema que, no fundo, limita o âmbito do seu processo de acumulação. De referir, todavia, que no que tange às agências de regulação recentemente criadas, as disposições relativas à incompatibilidades são mais precisas e verificáveis (Cf. Lei nº 20/VI/2003, BO Nº 13, I Série, de 21/04/03 que define o Regime Jurídico das Agencias Reguladoras Independentes).

4.6. Presença de ascendentes na Administração

A presença ou não dos ascendentes dos inquiridos na Administração Pública é uma variável importante a se ter em conta na análise dos processos de reprodução ou de transformação da trajectória colectiva dos dirigentes.

Os dados demonstram, claramente, que a presença dos ascendentes na administração ganha maior expressão em relação aos pais (no sentido de pai) dos dirigentes, com 47,9%. De realçar, ainda, que 2/3 dos dirigentes referenciam que seus irmãos fizeram percurso na administração, enquanto em relação aos filhos, apenas 19% asseveram ter filhos com percurso na administração.

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Tabela 57 - Trajectória de inquiridos, irmãos, filhos e ascendentes na AP

Administração

Ascendentes Sim Não NS/NR Sub-Total

Inquirido 78,4% 21,6% 100%

Irmãos 64,5% 34,2% 1,3% 100%

Filhos 19,1 80,9 100%

Pai 47,9% 51,5% 0,6% 100%

Mãe 12,8% 87,2% 100%

Avô paterno (Pai-do Pai) 11,9% 84,8% 3,3% 100%

Avó paterna (Mãe do Pai) 1,3% 94,9% 3,8% 100%

Pai da Mãe (Avô materno) 17,1% 77,2% 5,7% 100%

Avó materna (Mãe da Mãe) 1,9% 94,3% 3,8% 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A presença das mães e das avós materna e paterna é pouco significativa, 12,8% e 1,3%, respectivamente, em resultado do baixo nível de instrução das mesmas, situação que as aparta do acesso à burocracia estatal. Em relação aos avôs paterno e materno, a participação no seio da Administração do Estado ganha alguma relevância, alcançando os 12% e 17%, respectivamente.

Cargos de chefia: uma circulação horizontal importante

A esmagadora maioria (92%) dos dirigentes já desempenhou outras funções de chefia no decurso de sua trajectória profissional na Administração, o que revela uma importante mobilidade horizontal a nível de cargos de direcção, como consta no gráfico nº9.

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Gráfico 12 - Cargos de chefia na Administração Pública

Sim Não NS/NR

91,6% 93,1% 94,9% 95,30% 80,7% 75,8% 67,6%

51,1% 44,4% 31,0%

16,4% 8,4% 11,0%8,3% 4,5% 6,9% 7,8% 1,4% 1,3% 3,8% 1% 3,70%

Inquirido Irmãos Pai Mãe Pai-do Pai Mãe do Pai da Mãe da Pai Mãe Mãe

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De referir ainda que de entre os irmãos, quase metade (44%) exerceu já cargos de chefia e que de entre os filhos apenas 17%. A fraca presença dos filhos na administração deve- se a dois fundamentos importantes. Em primeiro, com a diversificação da economia cabo-verdiana, boa parte desloca-se para o sector privado em franco crescimento onde as oportunidades de acumulação são, amiúde, mais vantajosas. Em segundo, uma proporção importante dos descendentes dos dirigentes encontra-se em fase de realização de estudos.

Numa perspectiva inter-geracional denota-se que, na verdade, o exercício de cargos de direcção na Administração resume-se à participação do pai e do avô materno, com 31% e 16% respectivamente. A presença feminina tanto do lado paterno como do materno nos postos de mando da administração é praticamente inexpressiva.

Todavia, o facto de a presença dos ascendentes nas funções de direcção na Administração Pública ganhar alguma relevância na geração do pai, seria erróneo deduzir a inexistência de relação entre a trajectória dos mesmos e a dos dirigentes.

Assim, a metade dos dirigentes do quadro definitivo da Administração é descendente de pais que pertenceram ao funcionalismo público, proporção quase 4 vezes superior à

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 frequência da figura materna (13,1%). Em relação aos avôs, verifica-se alguma presença relevante em relação aos avôs paterno e materno, com 13% e 18,4%, respectivamente.

Tabela 58 - Pertencimento ao quadro definitivo da AP e ascendentes na Função Pública

Ascendentes Sim Não NS/NR Total

Pai 50% 49,2% 0,8% 100%

Mãe 13,1% 86,9% 100%

Avô paterno (pai do pai) 13,3% 83,3% 3,3% 100%

Avô materno (pai da mãe) 18,4% 75,2% 6,4% 100%

Avó paterna (mãe do pai ) 0,8% 94,3% 4,9% 100%

Avó materna (mãe da mãe) 2,4% 92,8% 4,8% 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Ascendentes reproduzem seus descendentes nos cargos de chefia

Apreciando o grau de reprodução dos ascendentes na Administração, denota-se que os filhos de mais de 80% dos pais que são ou foram funcionários públicos pertenceram ao quadro definitivo da Administração Pública. No que tange aos avôs paterno e materno, a tendência é a mesma.

Tabela 59 - Relação entre ascendentes no funcionalismo público e dirigentes do quadro definitivo da AP

Ascendentes Sim Não Total

Pai 83,5% 16,5% 100% Mãe 80,0% 20,0% 100% Avô paterno (pai do pai) 88,9% 11,1% 100% Avô materno (pai da mãe) 85,2% 14,8% 100% Avó paterna (mãe do pai ) 50,0% 50,0% 100%

Avó materna (mãe da mãe) 100,0% 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Em relação à figura materna, nota-se quase a mesma tendência, mas dada a sua presença pouco significativa na administração pública a comparação torna-se irrelevante. Essa leitura cruzada dos dados, numa perspectiva longitudinal, indicia existir uma forte reprodução inter-geracional no percurso na burocracia estatal

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Cargos de chefia

No que tange aos dirigentes da Administração que exerceram outros cargos de chefia, 33,6% são descendentes de pais que ocuparam cargos de direcção na burocracia. As mães tiveram uma presença pouco significativa, 13,7%. No concernente aos avôs, é de se registar apenas uma participação importante do avô paterno, na ordem dos 18,3%.

Tabela 60 - Inquiridos em cargos de chefia e ascendentes que exerceram cargos de chefia na AP

Ascendentes Sim Não NS/NR Total

Pai 33,6% 64,7% 1,7% 100% Mãe 13,7% 86,3% 100%

Avô paterno (pai do pai) 13,0% 83,7% 3,3% 100%

Avó paterna (mãe do pai ) 1,6% 95,2% 3,2% 100%

Avô materno (pai da mãe) 18,3% 77,0% 4,8% 100% Avó materna (mãe da 1,1% 95,4% 3,4% 100% mãe) Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Entretanto, convém realçar que dos ascendentes que exerceram cargos de funções de chefia, constatámos que, em média, mais de 90% reproduziram-se nas lides de chefia da administração, conforme o quadro.

Tabela 61 - Ascendentes que desempenham funções de chefia e descendentes na AP

Ascendentes Sim Não Total Pai 97,6% 2,4% 100% Mãe 94,4% 5,6% 100%

Avô paterno (pai do pai) 94,1% 5,9% 100%

Avó paterna (mãe do pai ) 100,0% 100%

Avô materno (pai da mãe) 92,0% 8,0% 100%

Avó materna (mãe da mãe) 100,0% 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

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Em suma, os dirigentes que pertencem ao quadro definitivo da Administração e que exerceram cargos de chefia na alta administração do Estado não são maioritariamente descendentes de funcionários públicos, o que indicia um importante processo de reconversão de outras categorias socioprofissionais (proprietários de terra, comerciantes, etc.) para as fileiras da burocracia em razão do rendimento certo e status que confere aos seus membros.

4.7. Capital político e Administração Pública

A grande maioria dos inquiridos (79%) assevera ter simpatia político-partidária, especialmente para um ou outro dos dois maiores partidos do país, numa taxa de resposta de 93%, o que demonstra não haver reservas quanto à manifestação simpatia política.

Tabela 62 - Distribuição da simpatia política dos dirigentes

Resposta % %

Sim 132 79,0

Não 35 21,0

Total 167 100

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre os respondentes, a maioria (68,6%) manifesta ter ou já ter tido simpatia política pelo PAIGC/CV e 18,2% pelo MpD. Uma parcela diz ter tido maior simpatia política pelo PAIGC no quadro do processo da luta pela libertação. A simpatia pelos demais pequenos partidos é inferior a 5%, o que reforça o princípio da bipolarização política em Cabo Verde.

Tabela 63 - Simpatia em relação aos partidos políticos

Quadro nº 63: Simpatia política dos dirigentes Fr % MPD 22 18,2 PAICV 83 68,6 PAIGC 11 9,1 PCD 1 0,8 PRD 4 3,3 Total 121 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Indagados a respeito de sua militância política, a maioria (60,6%) assegura ser ou ter sido militante de algum partido político. Essa manifestação em termos de militância política, como era previsível, é inferior à simpatia política, como se denota na tabela infra.

Tabela 64 - Militância política dos dirigentes

Militância Fr % Sim 97 60,6 Não 61 38,1 NS/NR 2 1,3 Total 160 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Quando sondados a respeito da explicitação da militância política, a taxa de “não resposta” diminui drasticamente e situa-se em 52%, o que demonstra uma grande reserva dos dirigentes em expor a sua cor partidária. À semelhança da simpatia política, a maioria dos inquiridos assegura ser ou ter sido maioritariamente militante do PAICV (72%), seguido do MpD, com 24,5%, o que evidencia que o bipartidarismo político se reflecte também ao nível da composição alta burocracia.

Tabela 65 - Militância em partidos políticos

Partidos Fr % MPD 23 24,5 PAICV 68 72,3 PAIGC, MPD, PRD, 3 3,2 PCD Total 94 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Ainda quando inquiridos se alguma vez chegaram a ser eleitos para cargos políticos, quase metade (46,1%) assevera ter exercido cargos políticos importantes a nível do Estado e nas estruturas dos partidos.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 66 - Distribuição segundo nomeação/eleição para cargos políticos

Resposta Fr % Sim 77 46,1 Não 89 53,3 NS/NR 1 0,6 Total 167 100 Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

4.7.1. Interpenetração entre a Administração e a Política:

A relação entre a administração e a política nas sociedades contemporâneas longe de sinalizar para uma separação, como preconizara Weber (2000) no seu célebre estudo sobre racionalização do Estado moderno, caminha na verdade por um complexo entrelaçamento. Contrariamente ao que previa esse sociólogo alemão, as instituições burocráticas politizaram-se e, como tal, são cada vez mais dirigidas por homens da política.

De igual modo, as instituições sob a alçada dos homens da política (Parlamento, Governo, os Partidos) burocratizaram-se e as decisões delas dimanadas dependem em larga medida do suporte técnico conferido pelos funcionários especializados. Assim, uma pretensa dissociação entre essas duas dimensões por terem lógicas de acção profundamente distintas – quiçá antinómicas – tem pouco potencial explicativo nas sociedades contemporâneas.

A natureza e o grau de entrelaçamento e/ou de separação entre essas duas esferas que materializam parte importante do funcionamento das sociedades contemporâneas dependem de experiências históricas específicas de cada sociedade e, consequentemente, do sentido que imprime ao processo de dominação política. Assim, nos EUA onde o fortalecimento das instituições políticas antecedeu o processo de centralização e burocratização, o sentido que os americanos atribuem ao papel da burocracia ganha alguma singularidade no contexto ocidental.

Em Cabo Verde, as modalidades de separação e entrelaçamento entre os campos político e administrativo tomam o seu contorno específico em resultado da forma como o sistema político cabo-verdiano se desenvolveu ao longo do século XX, com particular incidência com advento do Estado nacional pós-independência.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

A prática política após a independência é marcada, indubitavelmente, pela emergência na arena política do PAIGC como protagonista que mobiliza a maioria dos políticos nacionais, no bojo do processo de afirmação de um Estado independente livre do jugo colonial português, como se dizia à época. (Cardoso, 1993; Furtado, 1997; Lopes, 2002). A vitória conseguida por esse partido numa eleição sem concorrentes, no final do primeiro lustro da década de 70, permitiu-lhe auto-referenciar-se numa suposta transcendência face a outras forças políticas embrionárias - UCID, UDC, UPICV (Cf. Koudawo, 2001; Évora, 2004).

É este viés teleológico que permite ao partido arrogar-se como força política dirigente da sociedade cabo-verdiana, fazendo da sua imanência uma transcendência específica, numa tentativa de representar ad aeternum os superiores interesses da Nação (Cf. LOPE: artº1º, in Silva, 2010: 407).

A implantação do sistema político consagrado na LOPE, traduz ipsis litteris este postulado, criando condições para a instalação de uma ditadura mobilizadora (Bobbio, 1997), intensiva e extensiva, em que o partido demiurgo apodera-se do Estado e tutela a sociedade civil, com vista a supostamente salvaguardar o progresso de todos (Kriegel; 1984; Fetjo, 1993).

Neste caso, o que importa realçar para se compreender a lógica de estruturação do regime mono-partidário mobilizador em Cabo Verde é a emergência de uma cultura política do uno, do indivisível, enquanto forma de legitimação política ancorada na necessidade de salvaguardar a legitimidade histórica, a unidade nacional e os superiores interesses da nação cabo-verdiana. A lógica subjacente ao novo Estado independente, , não constitui uma ruptura com o modelo integralista do Estado-novo instituído no período colonial, cuja ideologia prima pela anulação da alteridade e não reconhecimento da legitimidade de interesses distintos daqueles definidos pelo Partido/Estado.

O que ganha novos contornos com a independência nacional são, por um lado, a preponderância do partido sobre o Estado (Fonseca, 1990) e a dominação tentacular através das organizações de massa (OMCV, JAACV, OPAD-CV) que, num contexto de micro-sociedade tende a tomar contornos de uma dominação total.

A institucionalização do sistema de partido único na senda das chamadas democracias populares em que o partido atribui a si próprio prerrogativas de constituir-se como força

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dirigente do Estado e da sociedade, a interpenetração entre o partido, o Estado e a administração é geneticamente estrutural. No dealbar da independência na sanha de garantir o controlo sobre a administração, o Governo obriga a que os funcionários jurem no acto da tomada de posse a fidelidade ao povo e ao partido. Assim, reza o texto legal de 1976:

“ No acto o empossado deverá prestar o seguinte juramento: “juro, por minha honra, dedicar a minha inteligência e as minhas energias ao serviço do povo de Cabo Verde, cumprindo com lealdade os deveres da função para que fui nomeado, com fidelidade total aos objectivos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde” (Cf. nº2 do artigo 7º do Decreto nº 4/76 de 10 de Janeiro) Além desse ritual de baptismo burocrático partidário na Administração Pública, o próprio partido tem a necessidade de ampliar a sua burocracia interna para poder fazer face às necessidades de legitimação política ampliada. Como observara Gramsci uma dominação duradoura requer além do controlo dos instrumentos de coerção política, a construção de um consentimento activo dos dominados – a hegemonia (Gramsci, 1988).

Os imperativos da consolidação da legitimidade política do partido em razão da função histórica que cometeu a si próprio conduzem-no a um rápido processo de burocratização. É nesse contexto de acomodação das estruturas do partido ao desenvolvimento do país que este cria o seu próprio quadro privativo, com uma dotação orçamental fixada por Portaria conjunta dos ministros da Economia, das Finanças e do Primeiro-ministro. Integram a burocracia partidária uma parte dos funcionários da Administração e militantes, entretanto, absorvidos pela Função Pública (Cf. Decreto-lei nº73/84 de 23 de Julho).

Já nos finais dos anos 90, com a introdução das primeiras medidas conducentes à adaptação do sistema político vigente a um novo quadro político mais competitivo, decreta-se o fim do corpo privativo dos funcionários do PAICV, tendo os referidos funcionários colocados à disposição da Direcção-Geral da Administração Pública. Assim a Lei nº96/III/90 dimanada do Parlamento estipulava, no essencial o seguinte:

1) Os funcionários que se encontram na situação de disponibilidade prevista na presente lei, enquanto aguardam colocação nos serviços e organismos da Administração Pública prestam serviço onde for determinado pelo Secretário de Estado da Administração Pública, ouvidos os departamentos públicos interessados (nº1 do artigo 4º).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

2) A colocação dos demais funcionários contratados e assalariado pelo PAICV a que se refere o artigo antecedente nos serviços e organismos do Estado, efectuar-se-á de harmonia com as habilitações literárias e profissionais, experiência e tempo de serviço anteriormente prestado e de acordo com as disponibilidades financeiras e necessidades em recursos humanos” (nº1 do artigo 6º).

Com a abertura política a partir de 1990 e a realização das eleições livres e plurais em meados de 1991, de que resultou a vitória do Movimento para a Democracia, foram introduzidas mudanças profundas no sistema político. De entre as bandeiras do novel partido vincava-se a despartidarização da Administração Pública, princípio de facto consagrado na Constituição ao estipular que: 1) “o acesso e o desenvolvimento profissional na função pública baseiam-se no mérito e na capacidade dos candidatos demonstrados, em regra, através de concurso público e 2) os trabalhadores da Administração Pública e os demais agentes do Estado e outras entidades públicas não podem ser beneficiados ou prejudicados em virtude de suas opções político-partidárias ou do exercício dos seus direitos estabelecidos na constituição e na lei” (Cf. nºs 1 e 4 do artigo 263 da Constituição de 1992, in Silva, 2010: 224).

Entretanto, a desconstitucionalização da partidarização do Estado e da Administração Pública não é em si, como explicitaremos seguidamente, garantia de despartidarização, da burocracia estatal, pelo menos no que aos cargos de direcção diz respeito. Na verdade, o grande desafio do novo partido que moldou em grande parte a II República era o de manter-se fiel ao ideário de instituir um novo regime político e, ao mesmo tempo, consolidar a sua legitimação política.

Legitimado por duas vitórias estrondosas na década de 9041, o MpD, ancorado num discurso mobilizador de missão – sob o signo da Liberdade e Competência – enquanto slogan para a Mudança, dá o tom à dinâmica de configuração do novo sistema instituído (Cf. Documento político, 1990).

Em vez de um sistema de partido único, que vigorou durante a primeira década e meia pós-independência, agora, um único partido, secundado por uma maioria parlamentar qualificada, detém poderes consideráveis para orientar o Estado e a sociedade à luz dos seus novos ideais. O espectro do único, exorcizado da sala de visita do antigo regime é

41 Nas eleições legislativas de 1991 e 1995 o Movimento para a democracia obteve uma maioria qualificada de deputados (mais de 2/3 dos deputados), o que lhe conferiu poderes consideráveis para conformar a governação e o novel sistema político. 194

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 retornado agora, sob novas vestes, pelas traseiras do novo edifício. Com efeito, o novo quadro multipartidário desenvolve-se em torno de uma polarização maniqueísta, em que os Novos do pólo dominante (os do Bem: libertadores e competentes) exorcizam os Velhos do pólo dominado (os do Mal – opressores e incompetentes).

Um dos dilemas do MpD, nos primórdios do seu mandato, residia em instituir um novo regime de feição liberal-democrática (um governo de regime como se dizia na época) e, ao mesmo tempo, adoptar estratégias e dispositivos que garantissem a sua contínua legitimação política. A gestão desse tenso equilíbrio impeliu o partido a encetar profundas reformas nos subsistemas político, judiciário, económico, administrativo e, ao mesmo tempo, manter sob o seu controlo, através de dispositivos normativos, o processo de nomeação da cúpula da Administração Pública (serviços centrais e desconcentrados), bem como das empresas estatais e, por via indirecta, de parte do sistema judiciário, nomeadamente através de mecanismos de escolha dos juízes do

Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Presidente do Tribunal de Contas (TC).

O processo de recrutamento dos dirigentes da Administração Pública, historicamente, tem sido feito através do processo de nomeação. A diferença entre o sistema vigente durante o período colonial e o pós-independência reside no facto de a escolha dos dirigentes, no período colonial, recair, em regra, sobre os funcionários de carreira, enquanto, no período pós-independência, verifica-se um aligeiramento desse requisito.

No período pós-independência e em momentos distintos dos regimes políticos instituídos as modificações introduzidas no processo de recrutamento dos dirigentes visam reforçar o poder discricionário da entidade de tutela, salvaguardando, de forma flexível, os requisitos académicos (Cf. Decreto nº 14/77 de 5 de Março; Decreto-Lei nº152/79 de 31 de Dezembro; Decreto-Lei 9/81 de 11 de Fevereiro; Decreto-Lei nº31/89 de 3 de Junho; Decreto-Lei nº15-B/90, de 30 de Março; Decreto-Lei nº 10/93 de 8 de Março; Decreto-Legislativo nº13/97 de 1 de Julho; Decreto-Legislativo nº4/98 de 19 de Outubro).

Na verdade, o que de facto ocorreu é a “desconstitucionalização” da dependência da Administração do partido, tendo os princípios de recrutamento e nomeação permanecido, no essencial, inalterados em relação à legislação de 1989. Mas, não se tratava de facto de uma questão jurídica, mas, acima de tudo, de uma lógica política de controlo estreito dos partidos sobre a administração, que prevalece ao longo do período

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 democrático. Nesse sentido, as linhas de continuidade são mais vincadas do que as de descontinuidade.

Alguns excertos de narrativas, a partir de entrevistas aprofundadas, de personalidades que exerceram altos cargos de governação em várias instituições chave apontam no sentido de que efectivamente o que esteve e está em jogo é o controlo político sobre a administração como garantia de controlo político dos partidos dominantes sobre as estruturas decisivas da esfera estatal. Assim se refere um dos nossos entrevistados (Cf. Anexo 6: Guião de entrevista aprofunda).

“(…)Em 1979, fez-se um primeiro nível do PCCS (Plano de Cargos, Carreiras e Salários), ali delineou-se o impacto da escolha já que era livre, mas dentro de certas categorias. Mas caiu em 1981 por causa de uma situação específica de alguém que era de uma organização de massa do partido foi levado para um dos Ministérios. Esse homem fazia frequência de um curso superior e seria nomeado assessor. Mas não podia ser mero assessor porque para ser assessor teria que ser da letra C e ademais ele não era funcionário. E porque quiseram inseri-lo, revogaram o normativo de 152/1979 pelo Decreto-Lei de 1981. A partir dessa altura, ficou aberto, até hoje.” (Entrevistado 1) O teor da alteração a que se refere o entrevistado reza o seguinte: “ o pessoal do quadro especial é provido em comissão de serviço, por livre escolha da entidade de que depende e é feita por despacho e não carece do visto do Tribunal de Contas” (Cf. artigo 1º do Decreto-Lei nº 9/81,de 11 de Fevereiro).

O Governo, sob a batuta do partido, pretendia ter mãos livres em relação ao processo de provimento do pessoal dirigente do quadro especial, uma forma de determinadas decisões políticas não serem obstaculizadas, nem pela administração nem pelo tribunal de Contas enquanto entidade fiscalizadora. Durante a vigência do regime do partido único, a intenção do Governo em dispor de um poder discricionário no processo de recrutamento da alta administração teve, sob vários aspectos, pontos de fricção com os jovens quadros que laboraram na concepção e formulação da Reforma Administrativa. Estes intentavam reservar ao capital escolar e à carreira profissional um papel importante no provimento dos altos funcionários, o que de facto veio a acontecer com a aprovação do estatuto do pessoal dirigente nos finais dos anos 80. Assim, o referido estatuto estabelece que “os dirigentes de nível I e II são nomeados de entre indivíduos de comprovada idoneidade profissional e cívica, diplomados com um curso superior que confira grau de licenciatura ou, não sendo licenciados, de entre funcionários públicos cuja categoria corresponda, pelo menos, à letra D da tabela classificativa da Função

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Pública” (Cf. artigo 3º do Decreto-Lei nº31/89 de 3 de Junho, Suplemento ao Boletim Oficial de Cabo Verde nº22).

Se é verdade que esta norma limitava o acesso cargos de direcção aos detentores de formação superior ao nível de licenciatura, ela abria, subtilmente, margens para a nomeação de funcionários de carreira não licenciados, o que criava brechas para alguma discricionariedade por parte de quem nomeava. Ao confrontarmos alguns dos antigos dirigentes de cúpula da Administração e com longa experiência na execução e feitura das leis a respeito da evolução dos critérios de recrutamento no decurso do sistema mono e pluripartidários, pronunciaram-se nestes termos:

“(…) Eu para ser franco não vejo ainda hoje uma mudança substancial nos critérios de nomeação para além daqueles requisitos objectivos. A questão do mérito só em situações marginais tem um peso. Ainda continuamos a vigorar como antes também vigorava. (…) Muitas vezes não apenas por confiança política, mas confiança na pessoa. Eu conheço várias situações em que a confiança pessoal prevalece, pois apesar de não estar muito sintonizado com o pensamento político do regime, mas tendo plena confiança de que oferece garantias de lealdade e a confiança pessoal a pessoa é escolhida. De uma forma geral, a confiança política continuam a ser dominantes tanto na governação do MPD, como na do PAICV? (Entrevistado 2:) Essa mesma percepção nos foi expendida por um outro ex-governante com trajectória diversa na burocracia estatal. A esse respeito ele afirma categoricamente o seguinte:

“(…) Qualquer governo, quer dizer, tem a pretensão de continuar no poder. E pensa que nomeando pessoas, adoptando unicamente o critério de competência ele pode ser destabilizado. Portanto, pode ter uma quinta coluna na função pública. Estás a ver? Portanto, procura é estar em lidar com pessoas de confiança. E há um outro aspecto também. Por vezes, há aquilo em que se chama em Portugal Job for de boys. As vezes, compensa-se o bom militante, ou o fulano que me ajudou na campanha, ou o irmão do dirigente. Portanto, é confiança política, misturada um pouco com um certo nepotismo. É evidente que o irmão do ministro que é nomeado director geral, é claro que ele é também de confiança política. É homem de confiança. Mas as duas coisas então, estás a ver, a parede a meias. Porque, o motivo de nomear pessoas, portanto de confiança, é esse. Quer dizer, o governo quer é uma rodear-se de pessoas que de facto vão garantir a sua perenidade. Portanto, querem estar no poder o mais tempo possível e acha que é preciso colocar no não digo peões, mas pelo menos esteiros. Essa que é a lógica do sistema de confiança (Entrevistado 3). Parece ser consensual entre os altos dirigentes entrevistados que de facto o condimento político pesa decisivamente na escolha dos dirigentes, não obstante as orientações objectivas em termos de exigência de um perfil académico. Como confidencia um outro entrevistado:

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“(…) Os directores gerais sempre foram políticos em Cabo Verde. Eu aliás, sou uma das poucas pessoas que não brigo isto, porque faz parte do ADN do Estado de Cabo Verde. (…) Portanto, os primeiros-ministros que dizem não, é para inglês ver” (Entrevistado 4) Na verdade, de entre os critérios de recrutamento, a confiança política a que referem os entrevistados nada mais é do que um processo de retribuição de cargos aos militantes e amigos pelo capital político investido nos embates político-eleitorais que antecede a constituição dos governos.

Trajectória política familiar: uma presença pouco significativa dos ascendentes

A participação das elites na vida política, no sentido moderno do termo, não é um fenómeno recente na história cabo-verdiana. A sua génese, como aludimos no Capítulo III, data das profundas reformas políticas implementadas com a revolução liberal de 1820 que permitiram, entre 1840 a 1926, às elites locais concorrerem aos pleitos eleitorais, quer para as câmaras municipais quer para os órgãos de representação da nação portuguesa (Cf. Correia e Silva, 2004: 57 a 64).

Após a instauração do Estado novo, este assume-se através de suas instâncias corporativas como entidade que regula todos os conflitos sociais, inibindo, deste modo, a participação livre dos cidadãos, e consequentemente, a organização livre das associações políticas, especialmente nas colónias.

Nesse sentido, a participação activa dos cabo-verdianos nas organizações partidárias de massa data do período pós-independência. Daí que as taxas de participação política dos pais e dos ascendentes devem ser analisadas nesse contexto.

No tangente à militância político-partidária dos familiares dos dirigentes da Administração Pública, nota-se, desde logo, que enquanto 61% dos dirigentes dizem ser ou terem sido militantes de partidos políticos, essa proporção reduz quase 3 vezes em relação ao cônjuge (23,3%), cinco vezes em relação à figura paterna (12,1%) e 7 vezes em relação à mãe (8,1%), o que revela uma exclusão dos ascendentes da vida política. De referir, entretanto, que quase 1/3 dos inquiridos afiança ter ou ter tido irmãos cuja vivência cursa a militância político-partidária, como denota o gráfico.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Gráfico 13 - Trajectória familiar segundo militância política do inquirido, cônjuge, irmãos e pais

Sim Não NR/NS

100,0% 84,8% 88,8% 80,0% 74,0% 60,6% 61,6% 60,0% 38,1% 40,0% 31,4% 23,3% 20,0% 12,1% 6,9% 8,1% 1,3% 2,7% 3% 3,1% 0,0% Inquirido Cônjuge Irmãos Pai Mãe

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A participação política efectiva em cargos políticos resume-se praticamente à geração dos dirigentes e não abarca os seus cônjuges cuja participação é de 8%. Em todo o caso, 16% declaram ter tido irmãos que foram escolhidos ou designados para cargos políticos. Por seu lado, os pais estão, por razões óbvias, quase que excluídos da participação política activa pela própria natureza do regime político no período colonial.

Tabela 67 - Trajectória familiar segundo nomeação ou eleição para cargos políticos

Resposta Sim Não NR/NS Total Inquirido 46,1% 53,3% 0,6% 100,% Cônjuge 8,3 88,7% 3% 100% Irmãos 16,4% 79,7% 3,9% 100% Pai 4,5% 91,7% 3,8% 100% Mãe 1,5% 97,1% 1,4% 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Recrutamento dos dirigentes da Administração: os militantes na cúpula da administração

No caso cabo-verdiano, um dado revelador do entrelaçamento entre a administração e a política reside no facto de 60% dos dirigentes assumirem ser ou ter sido militante e quase metade ter sido nomeada ou eleita para cargos políticos.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

De entre os dirigentes de nomeação definitiva do quadro da administração, verifica-se que a maioria, 57,7%, afirma ser ou ter sido militante de partidos políticos, proporção ligeiramente inferior à percentagem dos dirigentes que em geral declaram ser militantes.

Tabela 68 - Pertencimento ao quadro definitivo da Administração Pública e militância em partidos políticos

Inquirido/Ascendentes Sim Não NS/NR Total Inquirido 57,7% 40,7% 1,6% 100% Pai 21,3% 74,7% 4,0% 100% Mãe 21,1% 78,9% 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Em relação à militância política, nota-se que uma franja não desprezível dos pais (pai e mãe) (21%) atesta ter filiação partidária, o que denota que se trata, eventualmente, de casais com algum grau de politização, pois a taxa de participação revela-se similar.

De entre os dirigentes que confidenciam ser ou ter sido militantes, ¾ dos mesmos pertencem ao quadro definitivo da Administração Pública. No que tange aos ascendentes, a proporção ainda é maior em relação ao pai com 80%. Em relação às mães, apenas 1/3 dos que foram militantes estiveram nas lides do funcionalismo.

Tabela 69 - Militância partidária e pertencimento ao quadro definitivo da AP

Inquirido/Ascendentes Sim Não NS/NR Total

Inquirido 74% 26% 100%

Pai 80% 20% 100%

Mãe 33,3% 66,7% 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

Cargos de chefia e Militância Política

De entre os dirigentes que desempenharam outras funções de chefia no topo da administração, cerca de 6 em cada 10 são militantes. No que aos pais diz respeito, essa cifra atinge 23,8% e em relação às mães é praticamente o dobro, 42,9%, o que deixa

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 entrever, de alguma forma, que a aquisição do capital político da mulher representa um critério importante para o ingresso nas altas funções.

Tabela 70 - Desempenho de cargo de chefia e é militância política do inquirido e pais

Inquirido/Ascendentes Sim Não NS/NR Total

Inquirido 59,% 39,4% 1,6% 100% Pai 23,8% 73,8% 2,4% 100% Mãe 42,9% 57,1% 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De realçar que de entre os militantes, constata-se que 9 em cada 10 ocuparam cargos de chefia, sendo que esse peso reduz para metade em relação aos pais e para 1/3 no concernente às mães.

Tabela 71 - Militância e desempenho de cargos de chefia

Inquirido/Ascendentes Sim Não NS/NR Total

Inquirido 90,4% 9,6% 100% Pai 55,6% 44,4% 100% Mãe 30,0% 70,0% 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A mesma tendência revela-se, em geral, em relação aos eleitos ou nomeados para os cargos políticos. Assim, quase 5 em cada 10 dirigentes que desempenham ou já desempenharam outras funções dirigentes foram nomeados ou eleitos para cargos políticos. Ademais, de entre aqueles que exerceram cargos políticos, 94% desempenharam outras funções, o que demonstra que a probabilidade de exercício de outras funções directivas aumenta com o capital político.

4.8. Percepção sobre os critérios de nomeação: auto-representação de competência técnica como critério determinante

Indagados para indicarem dois critérios mais relevantes para a sua nomeação para cúpula da Administração, 2/3 dos dirigentes apontam a competência técnica como o critério determinante. Apenas 13,5% afirmam ser o capital político o mais relevante e igual proporção declara ser o capital de confiança pessoal com o ministro de tutela.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Gráfico 14 - Percepção sobre critérios de nomeação

70,0% 66,5% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 13,5% 13,5% 4,4% 10,0% ,4% 1,6%

,0%

Competência técnica Competência político Capital deconfiança Relações regional 4. Origem NS/NR (especificar) Outro

com o ministro de ministro o com tutela

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

A afirmação segundo a qual a qualificação técnica constitui o critério determinante para o acesso aos altos cargos não deve ser dissociada de uma estratégia de auto-valorização do capital escolar do dirigente. Capital esse conseguido, amiúde, graças a um enorme esforço individual e familiar, num país em que, nos primórdios da independência, os quadros técnicos rareavam face a um Estado em expansão acelerada e, com tal, “demandador” de recursos humanos qualificados.

Se é verdade que o elevado nível de qualificação de que esse grupo era portador e que o distinguia, nitidamente, da grande maioria da população, seria uma grande omissão obnubilar uma outra realidade – a do elevado capital político que a maioria dos dirigentes era detentora, garantindo-lhe um multiposionamento e uma interface importante entre as esferas política, e administrativa e económica.

Auto-representação como elite

A auto-imagem e o sentimento de pertença desenvolvidos pelos grupos representam uma dimensão importante para a sua definição enquanto elite (Suleiman, 1979). Inquiridos a respeito da auto-representação como elite, 71% dos dirigentes da cúpula consideram-se integrantes da elite cabo-verdiana, como denota o gráficonº12.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Gráfico 15 - Auto-representação como elite administrativa

NS/NR 5%

Não 24%

Sim 71%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

De entre as razões expendidas para se auto definirem como elite, destacam-se: a formação académica e a competência técnica (32%), a ocupação de postos importantes na Administração (18%) e a participação no processo decisório (15%) surgem como factores decisivos no processo de construção da auto-imagem do inquirido.

Tabela 72 - Razões da auto-representação como elite

Respostas Fr % Formação académica e competência profissional 39 32%

Ocupação de postos de enorme responsabilidade na Administração Pública 22 18% Desempenha importante papel no processo das decisões políticas 18 15%

Desemepnho de altos cargos no estrangeiro e de reputação internacional 12 10% Participação nos momentos decisivo da independência de Cabo Verde 9 7% Participação na concepção das principais estruturas da Administração Pública 6 5% Exercício de cargos importantes na Administração e na vida político- partidária do país 5 4% Desempenho de cargos no topo da Admnistração Pública que permite influenciar a vida ads pessoas 4 3% Aufirir um rendimento muito superior à média nacional e origem social 3 2% outras razões 4 3% Total 122 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes

É de referir que a origem social é raras vezes mencionada como uma variável importante na construção da representação como elite que esses dirigentes fazem de si

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 próprios. Entretanto, que 1 em cada 4 dirigentes não considera que o exercício de cargos na cúpula da burocracia o faz integrar a elite administrativa. De entre os motivos apresentados destacam-se as seguintes:

 Cargo que desempenha pode ser assumido por outros colegas com mesmo perfil de formação, razão pela qual não se diferencia dos demais colegas de trabalho;  A maioria dos cabo-verdianos é oriunda família humilde;  Inexistência de critérios transparentes na Administração Pública para aferir o mérito dos dirigentes;  Todos são importantes para fazer o Estado cumprir a sua missão;  Recrutamento do pessoal dirigente tem sido feito com base em critérios políticos e de amizade;  O país é relativamente jovem para produzir uma elite.

No rol das razões invocadas pelos dirigentes , realça-se a ideia da não diferenciação em termos de formação e de origem social. Geralmente, um dos traços típicos da elite é a sua marca social e a posse de uma credencial escolar que a diferencia dos demais grupos sociais.

Em Cabo Verde, o papel desempenhado pelo Estado na equalização das oportunidades de formação superior no exterior contribuiu para que os “desiguais”, ao nível local, vivenciassem no estrangeiro uma aparente situação de igualdade, dada a sua condição de estudante bolseiro. Nesse sentido, é provável que essa situação específica tenha contribuído para encurtar a percepção sobre distanciamento social entre os diferentes grupos sociais, entretanto, nivelados pela posse do diploma e da condição de Dr. (doutor) na sociedade cabo-verdiana.

4.9. Considerações preliminares sobre o perfil dos dirigentes das empresas públicas e/ou com participação do Estado

Como referimos inicialmente, a elevada taxa de não respostas dos dirigentes (gestores) das empresas públicas do Estado impossibilita-nos uma apreciação mais fina a respeito da natureza da composição desses dirigentes. Todavia, a não resposta é, na verdade, uma resposta, qual seja – o silêncio. Na sina de querer compreender e explicitar esse silenciamento, reconstituímos, com recurso a informações prestadas junto de algumas pessoas-chave, com vasta experiência na administração de empresas públicas e no

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 funcionalismo em geral, aspectos relativos ao perfil dos directores gerais e/ou presidentes de conselhos de administração das empresas públicas, com base nas seguintes variáveis: sexo, local de nascimento, origem social e afinidade política. Esta caracterização preliminar tem em vista tão-somente apreender pistas indicativas de algumas tendências da configuração de empresas públicas que, entretanto, dada a sua complexidade, devem merecer um estudo mais abrangente e aprofundado (Anexo 7: Relação das empresas públicas e os respectivos DG e PCAs).

Género: uma exclusão das mulheres

No universo das empresas analisadas (ASA, ENAPOR, ENACOL, CABNAVE, ELECTRA, BCV/BCA, CTT/TELECOM, TACV, EMPA, IFH), a figura feminina constitui-se numa “intrusa”, num meio quase exclusivamente masculino (98%). A proporção de mulheres na cúpula da gestão das empresas é provavelmente 13 vezes inferior ao score alcançado no cômputo geral dos altos cargos nos serviços centrais e institutos que se situa na ordem dos 25%.

Origem geográfica

Numa apreciação global do local de origem dos altos dirigentes dessas empresas, constatámos a seguinte distribuição. A maioria dos dirigentes provém de quatro ilhas: Santiago (25%), Santo Antão (22%), São Vicente (14%) e São Nicolau 12%.

Tabela 73 - Distribuição dos dirigentes das empresas públicas segundo local de nascimento.

Ilha/País Fr. % Santiago 15 25% Santo Antão 14 24% São Vicente 8 14% São Nicolau 7 12% Sal 4 7% Brava 1 2% Maio 1 2% Fogo 1 2% Guiné-Bissau 2 3% Senegal 2 3% Angola 1 2% Portugal 2 3% Canadá 1 2% Total Geral 59 100%

Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes e informantes

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Entretanto, ao analisarmos a proveniência regional dos dirigentes segundo a localização da sede da empresa, constatámos algumas clivagens importantes. Nas empresas sedeadas na capital (CTT/TELECOM, BCA/BCV, TACV, EMPA, IFH), verifica-se uma multi-proveniência dos seus dirigentes. A título de exemplo na CTT/CVTELECOM, 2/3 dos seus altos dirigentes são/foram de Santo Antão e os demais de São Vicente/Senegal, no BCV/BCA, 29% são ou foram de São Vicente e os demais repartidos pelas ilhas de Santiago, Brava, São Nicolau e Maio. Somente na EMPA e nos TACV é que se verifica uma presença maioritária de dirigentes oriundos de Santiago, 50% e 56%, respectivamente.

Nas empresas sedeadas em São Vicente os directores-gerais e/ou presidentes de conselho de administração são maioritariamente de Santo Antão, São Vicente, ou São Nicolau. Na CABNAVE, 66% são/foram de São Vicente e os demais de Santo Antão. A mesma tendência prevalece nas demais empresas, excepto ENAPOR e ELECTRA, onde a proveniência é mais diversa. De realçar que a ASA, empresa sedeada no Sal, a tendência é similar àquela verificada em São Vicente (50%), com predominância dos dirigentes originários dessa ilha no topo da administração.

Subsiste a questão de saber por que razão as empresas sedeadas na Praia apresentam um perfil, em termos de proveniência regional, mais heterogéneo e as em São Vicente e Sal mais homogéneo? Pode-se conjecturar algumas suposições para explicar a natureza dessa diferenciação. Em primeiro lugar, é plausível que um perfil regional mais heterogéneo na Praia se justifique pelo facto de a cidade albergar quadros provenientes de todas as ilhas, de onde são recrutados os putativos aos altos cargos das empresas. Isto significa que a maior homogeneidade em São Vicente e no Sal dever-se-á à menor diversidade de quadros das outras ilhas ali residentes. Em segundo lugar, é provável que a escolha dos dirigentes para as empresas localizadas fora do perímetro da capital precisasse responder a alguma necessidade de legitimação sociopolítica local, dando, desde modo, prioridade aos originários destas ilhas por nascença ou por afectividade manifesta.

Perfil social dos dirigentes das empresas

No que concerne à origem social, os dirigentes das empresas públicas são recrutados predominantemente no seio dos estratos sociais médio e alto da sociedade cabo- verdiana, abrangendo quase 9 em cada 10 dirigentes.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Tabela 74 - Estrato social a que pertencem os dirigentes das empresas públicas

Estrato Fr % Alto 5 8% Baixo 5 8% Médio 45 76% N/S 4 7% Total geral 59 100% Fonte: Inquérito aplicado aos dirigentes e informantes

Assim, o recrutamento no grupo das camadas mais desfavorecidas, que, entretanto, tivera alguma relevância no seio da cúpula da Administração Pública (19%), apresenta uma tendência declinante. Por outras palavras, isto quererá dizer que em relação ao recrutamento para as empresas públicas – um nicho mais atractivo pela remuneração e status que confere aos seus ocupantes – evidenciam-se alguns sinais de reprodução dos segmentos médio e alto da sociedade cabo-verdiana.

Militância política determinante

Uma outra característica relevante dos dirigentes dessas empresas públicas dirigentes é, certamente, a sua filiação político-partidária. Embora não tenhamos dados mais consistentes para a aferição rigorosa dessa militância político-partidária, uma apreciação da trajectória política desses dirigentes indicia uma presença expressiva de militantes, provavelmente superior àquela que se verifica na Administração Pública comum. Neste caso, tendo em conta que estão em jogo o cumprimento dos objectivos estratégicos da empresa de cujo impacto socioeconómico depende a legitimação política do governo, é muito mais provável ainda que a militância política e a lealdade pessoal do nomeado para com o representante da tutela governamental sejam critérios determinantes.

Em suma, os dados preliminares em relação ao recrutamento dos altos dirigentes das empresas públicas apontam para a existência de alguma diferenciação do perfil de recrutamento em relação à Administração Pública. Assim, é bem provável que o recrutamento para a cúpula do sector empresarial exclui em geral as mulheres, uma vez que elas, historicamente, dispõem de menor volume de capital político; os indivíduos dos estratos sociais mais desfavorecidos por deterem menor capital social para circularem nas redes sociais de maior influência e os não militantes que não oferecem garantias previsíveis de lealdade e de retorno político em relação ao investimento

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 político-partidário inicial. Todavia, essas pistas preliminares demandam um estudo específico para a sua confirmação e/ou refutação.

4.10. Pistas conclusivas

Os dados coligidos com base no inquérito estruturado a partir dos quais traçámos uma radiografia da elite político-administrativa revelaram algumas características e tendências relevantes, a saber:

Lento aumento da participação feminina no topo da administração

Se é verdade que a participação feminina nos altos cargos da Administração Pública conheceu um relativo aumento a partir dos anos 90 do século passado, esse aumento está, entretanto, muito aquém dos ganhos da paridade em termos de acesso e desempenho escolares conseguidos pelas mulheres cabo-verdianas nas duas décadas subsequentes à independência.

Assim, a disparidade verificada em desfavor das mulheres é, na realidade, um efeito directo do elevado grau de politização do processo de recrutamento dos altos dirigentes, uma vez que as mesmas são detentoras de menor capital político nas estruturas importantes de governança intra-partidária. Essa tendência evidenciada por Furtado no seu estudo sobre a participação política das mulheres em Cabo Verde (FURTADO 2010) ganha, entretanto, proporções mais extremas no acesso à cúpula das empresas públicas, onde os requisitos políticos são ainda mais exigentes. A alta administração ainda se faz, predominantemente, no masculino, sendo a disparidade mais acentuada no seio dos ministros do que no dos demais altos dirigentes.

Alteração do perfil regional de recrutamento

O perfil geográfico de recrutamento das elites político-administrativas apresenta uma evolução em função das oportunidA ades de escolarização. Como analisámos no Capítulo III, a existência, por largas décadas, de uma única instituição pública de ensino secundário na ilha de São Vicente beneficiou sobremaneira os estudantes provenientes dessa ilha e das outras vizinhas (São Antão, São Nicolau). Contudo, as reformas educativas verificadas no período tardio do colonialismo português, na década de 60, e em maior extensão, com o advento do Estado nacional a partir de 1975 expandiram as

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 oportunidades de formação secundária e superior, com impacto decisivo no alargamento do perfil regional de recrutamento.

Uma elite com elevado perfil de escolarização

Um outro traço distintivo da elite dirigente cabo-verdiana é o seu elevado grau de instrução. A estigmatização negativa dos altos dirigentes pós-75, “como homens do mato” (combatentes) não traduz de facto a sua verdadeira natureza. Efectivamente, a composição do primeiro governo revela uma elite ministerial cujos padrões de qualificação aproximam-se da dos países ocidentais, ou seja, com forte presença de dirigentes com formação superior. Aqueles que eram habilitados com formação secundária constituíam, na verdade, casos excepcionais e representavam, entretanto, um grupo relativamente instruído se se comparar com uma população cabo-verdiana que, no dealbar da independência, era maioritariamente iletrada.

O elevado padrão de escolarização dos altos dirigentes resulta, de um lado, do facto de estes, numa primeira fase, serem recrutados maioritariamente dos estratos médio e alto da sociedade cabo-verdiana e, do outro lado, da política de formação e de concessão de bolsas de estudo que ampliaram exponencialmente as oportunidades de formação superior. Sem a forte intervenção do Estado pós-independência, as vias para a aquisição de uma formação superior seriam extremamente limitadas e não abarcariam mais do que 30% a 40% do universo dos dirigentes que dispunham de condições de autofinanciamento de uma formação no exterior.

Entretanto, convém referir que seria um pouco reducionista decalcar o processo de elitização exclusivamente da concessão de bolsas de estudo para a formação superior, quando esta etapa constituía, na verdade, não um ponto de partida, mas de chegada para a maioria das famílias que teria de superar as barreiras do ensino secundário.

O esforço individual e familiar que a conclusão dos estudos secundário e superior requeria reflecte-se, de alguma forma, na auto-imagem como elite que a maioria dos dirigentes faz de sua posição no conjunto da sociedade cabo-verdiana.

Uma lenta renovação do perfil social

A maioria dessa elite descende dos funcionários públicos, pequenos e médios comerciantes e proprietários de terra, entretanto decadentes, que são mobilizados para a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 causa da independência cuja adesão se deve não só à crença que devotavam na utopia independentista encarnada pelo PAIGC/CV, mas também porque visualizam nessa luta oportunidades de mobilidade e de reposicionamento no espaço social cabo-verdiano, possibilidade essa, de resto, largamente bloqueada durante o regime colonial.

A existência de uma importante renovação dos dirigentes nas esferas política e administrativa no decurso das três décadas pós-independência não nos deve induzir a uma leitura apressada a respeito da uma modificação substancial do estrato social de onde essa elite é recrutada. Uma análise ao pormenor do perfil social desse grupo aponta para uma lenta alteração desse perfil, com o ingresso mais incisivo de pessoas oriundas de famílias pobres a partir finais da I República, o que evidencia alguma circulação, no sentido que lhe empresta Pareto.

A mudança desse perfil social é acompanhada também pela alteração do perfil regional de recrutamento, com uma presença crescente, a partir dos anos 90, de dirigentes originários de Santiago e do Fogo, ilhas onde a expansão das oportunidades de escolarização e os imperativos de legitimação política, no novo quadro democrático, têm os seus efeitos mais contundentes sobre o alargamento da base social de recrutamento.

Administração Pública que se renova, mas um recrutamento semi-fechado entre os militantes

Numa primeira leitura, o recrutamento dos dirigentes para os cargos da administração é feito de entre funcionários que pertencem ao quadro definitivo do funcionalismo e que fizeram o seu baptismo profissional na burocracia estatal. Entretanto, o seu traço distintivo é a sua circulação no interior da administração e fora dela quer para o sector empresarial do Estado e para as instituições privadas, quer para outras organizações não-governamentais. Os ocupantes dos altos cargos da Administração Pública renovam- se quase completamente com a mudança da cor política do partido vencedor das eleições, numa espécie de spoil system à cabo-verdiana.

Trata-se de uma elite administrativa constituída em larga medida por homens da política e de profissionais da administração, entretanto, politizados que, por isso mesmo, adquirem uma enorme plasticidade e capacidade de reposicionamento e

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 multiposionamento em função das necessidades de governação e de acumulação pessoal.

Na verdade, a desconstitucionalização do aparelhamento do Estado pelo partido com o advento da II República não significou uma ruptura com a lógica do partido-Estado, pelo menos no que diz respeito à colonização das altas esferas da burocracia. Essa importante interpenetração entre a administração e a política coloca em causa um dos pilares do ideário do Estado liberal-democrático, a saber, a autonomia da administração face às outras esferas, como garante de controlo do poder e de sua neutralidade face aos interesses específicos dos partidos e dos seus militantes (Cf. Suleiman, 2005). Contrariamente, o que se evidencia, efectivamente, é um imbricamento entre as duas esferas, sendo a esfera política a que se sobrepõe à Administração.

Em suma, analisando os dois grandes momentos que matizaram a história política recente do país – o do regime de partido único (1975-1990) e o multipartidário a partir de 1991 – ressaltam algumas questões importantes para a uma primeira definição da natureza dessa elite.

A primeira vaga de dirigentes pós-independência, tendo em conta o seu elevado grau de integração, quer em termos da socialização política (militância nas fileiras do PAIGC/CV), quer do ponto de vista escolar (escolarizados, predominantemente, nos liceus Gil Eanes e Adriano Moreira na Praia) e de recrutamento semi-aberto (composta predominantemente por segmentos das camadas alta e média da sociedade cabo- verdiana) aproxima-me muito do que Giddens (1975) apelidou de uma elite solidária. Outrossim, trata-se de uma elite cuja trajectória no partido constitui uma dimensão importante para acesso a posições de elite, comportando alguma dimensão de artificialidade na sua constituição, como adverte Farmer (1999).

A segunda vaga de dirigentes, com a abertura política em 1991, embora apresente um perfil de recrutamento mais aberto em razão da presença importante de pessoas oriundas dos meios sociais desfavorecidos e um nível de integração mais baixo quer do ponto de vista de sua socialização política, quer da socialização escolar e origem geográfica, comporta, todavia, um algum grau de solidariedade caldeada pela militância político- partidária.

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Em ambos os ciclos políticos, o “Partido” (PAICV ou MpD) configura-se como se fosse um “Big man”, não um super-homem42 que converte os seus recursos económicos em recursos políticos, segundo a clássica análise de Marshall Sahalins (1966) – mas um uma organização que não chefia directamente o Estado, mas o dirige “invisivelmente visível”, distribuindo cargos e prebendas aos militantes.

Se é verdade que a aquisição do capital escolar e do capital político revelam-se como variáveis decisivas no processo de acesso à cúpula da administração e, portanto, de elitização, no período pós-independência, convém, entretanto, ter em conta que as formas de sua apropriação podem diferenciar-se conforme os estratos sociais de onde são originários os integrantes dessa elite político-administrativa. Assim, intentaremos, no capítulo seguinte, através da recuperação das trajectórias individuais, resgatar de forma detalhada os contornos desse processo de elitização.

42 Em Cabo Verde, por razões históricas que se prendem com a dinâmica da configuração da sua estrutura socio-económica, a maioria dos grandes homens e das famílias sucumbiram, no decurso da decadência e decomposição do sistema escravista. (Coreria e Silva, 1996, 2001b; Cabral, 2001), As classes sociais mais favorecidas que dela resultaram têm nas relações que estabelecem com o Estado o seu ancoradouro estável e seguro para reproduzir as condições de sua existência. Eis por que, em nosso entender, a supersonalização no processo de dominação política e burocrática não se afirmou em Cabo Verde, pelo menos no seio de sua elite. Esse sentimento cabo-verdiano avesso à “super-personalização” é nos relatado pelo Governador de Cabo Verde Carlos Alves Roçadas. Diz ele no Relatório anual enviado ao Ministério do Ultramar: “(…) é certo que os administradores de carreira, feito em África continental, não deram aqui boas provas, por vierem eivados de um certo complexo de superioridade, que não se coaduna com as maneiras de ser das gentes dessa terra – bem entendido as elites locais que eram seus interlocutores. (Cf. AHU. Carlos Alves Roçadas. Relatório do ano de 1950, p.355).

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Capítulo 5: Trajectórias das elites político-administrativas

No capítulo anterior, com base nas informações resultantes do inquérito estruturado aplicado a uma amostra de altos dirigentes do Estado, apresentámos uma radiografia da composição da elite político-administrativa cabo-verdiana em termos do seu perfil socioeconómico, político e trajectória profissional na Administração Pública.

No esforço de apreender, com algum nível de detalhamento o perfil social dessa elite, descompomo-lo em três grandes estratos sociais, a saber, alto, médio e baixo, com o fito de explicitar, de forma minuciosa, as estratégias familiares e individuais que influenciam a configuração de determinadas trajectórias.

O objectivo deste capítulo é justamente o de explicitar, através da reconstrução de trajectória de diferentes indivíduos, oriundos de estratos sociais distintos e provenientes de localidades às vezes mais recônditas de uma nação arquipelágica e diaspórica, os mecanismos e as estratégias individuais e familiares que lhes permitiram ocupar posições de destaque na cúpula da Administração Pública.

De uma forma geral, convém indagar, por um lado, quais são os factores e os processos que possibilitam o acesso e a permanência de indivíduos de determinados estratos sociais a cargos importantes na esfera político-administrativa e, por outro, por que motivos sucumbem abrindo brechas para a emergência de novos actores.

Para a compreensão desse complexo processo de reprodução e de transformação sociais, afigura-se-nos que o recurso à reconstrução das trajectórias constitui uma ferramenta metodológica importante para alargar a compreensão “do campo das possibilidades” em que os indivíduos e famílias empreendem as suas estratégias.

Deste modo, a recuperação dessa memória individual e colectiva permite-nos aceder a um manancial de informações e de dados de índole diversa, o que nos coloca ante o desafio de desconstrução e reconstrução das representações, das miragens subjacentes ao conteúdo de cada narrador. Todavia, o que narrar quer dizer, como indaga Bourdieu, senão um processo de enunciação discursivo cujos limites são inerentes ao próprio processo de enunciação. A liberdade do narrador não é total, antes pelo contrário encontra-se aprisionada pelo contexto histórico específico que a sitia (Bourdieu, 1998; Castoriadis, 2000).

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As narrativas devem ser entendidas como registos pessoais de vivências recordáveis e, como tais, enquanto memórias selectivas que não podem em absoluto ser dissociadas de um processo auto-explicativo do falante. Nesse sentido, toda narrativa é um relato situado em condições específicas de produção discursiva. Um relato feito do fim para o começo, comportando risco de sequenciar de forma lógica factos que são apresentados como causas, quando não são, amiúde, mais do que reconstruções post factum, como observara Aron (1986).

Assim, as narrativas devem ser analisadas, relativizando as condições a partir dos quais os falantes elaboram os seus discursos, o que implica ir para além da posição em que se encontra o narrador, integrando outras fontes de informação e uma reflexão crítica sobre o que subjaz nas suas entrelinhas, nos não-ditos.

Como aludimos no capítulo antecedente, a ascensão à cúpula da Administração Pública está associada à combinação da posse de várias credenciais, designadamente escolar, político e social, tendo nessa trilogia o credencial escolar um papel crucial. As demais variáveis (político e social) tomadas isoladamente ou em conjunto não determinam o processo de acesso a altos cargos se não estiverem associadas à posse do capital escolar. Eis por que a escolarização torna-se, nesse caso específico, uma invariante à qual se acrescentam outros atributos (Cf. Aderbach et al. 1981; Bourdieu, 1989; Saint-Martin, 1993).

Quando falamos do processo de escolarização, referimo-nos às suas distintas etapas, desde a escolarização primária até ao superior, comportando cada uma dessas etapas lógicas de acessibilidade e temporalidade próprias, bem como a exigência de estratégias múltiplas em função dos grupos sociais que a acede.

Nesta perspectiva, a demarcação dos ensinos secundário e superior, cuja expansão ocorre em grande escala, especialmente, no período pós-independência, como divisa explicativa do processo de elitização, exclui outra etapa importante do processo de escolarização – a educação primária.

A existência de enormes assimetrias em termos de acesso à escolarização primária entre a reduzida população urbana e a grande massa da população rural, pulverizada e acantonada nas suas localidades, requer uma abordagem diferenciada em relação àqueles que envidam enormes esforços para concluir essa etapa de formação e que,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 posteriormente, ocupam postos no topo da Administração Pública. Nestes termos, a obtenção do diploma do ensino superior não é senão um ponto de chegada que só pode ser elucidado em toda sua dimensão, explicitando as etapas que a precederam – os ensinos primário e secundário.

A recuperação das trajectórias das elites político-administrativas requer, necessariamente, a compreensão do processo de apropriação de um dos seus requisitos fundamentais - a credenciação escolar, o diploma escolar, como um acto de consagração que permite a diferenciação dos dirigentes dos demais membros da sociedade (Bourdieu: 1981; Farmer, 1999; Pinçon e Pinçon-Carlot, 2002).

5.1. Relendo trajectórias de escolarização da elite político-administrativa no período pós-independência

Para a compreensão da trajectória de escolarização, recorremos ao conceito de carreira proposto por Becker cuja perspectiva teórica articula as várias dimensões de análise, tradicionalmente feitas de forma desarticulada ou então quando muito ligando apenas as dimensões, macro e micro, excluindo a dimensão intermediária no processo da mediação da construção da carreira individual. (Martinielo et al., 2010: 9).

Segundo Becker a carreira constitui um processo de mudança de status ou posição que deve ser analisada não como uma sucessão lógica de etapas, mas antes pelo contrário, como um processo de mudanças possíveis condicionadas por uma série de factores. Assim, a configuração de uma carreira resulta da combinação de múltiplas dimensões, a saber: (i) a objectiva que resulta de factos e fenómenos da estrutura social, (ii) a subjectiva, isto é, as motivações e os desejos que presidem as acções dos indivíduos, (ii) a do sucesso que se refere à intenção traduzida em projectos e as estratégias dos individuais, (iv) a identitária que se prende com a relação entre a mudança de posição social e a mudança identitária que resulta dessa interacção, (v) a que diz respeito à ocupação de diferentes status, fazendo com que o individuo ao mudar de status possa redefinir em parte sua identidade e em consequência a orientação de sua carreira e (vi) a temporal, no sentido de que uma carreira está sujeita ao tempo, tornando vital em diferentes períodos e em determinadas carreiras (Becker apud Martiniello, 2010: 12 a 13).

Assim, segundo Martiniello o conceito de carreira operacionalizado por Becker para explicar o processo de mobilidade social centra-se no pressuposto de que a acção

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 individual resulta da interacção social mediada por factores condicionadas a diferentes níveis, a saber: macro, micro e intermédio.

Nível macro: estruturas das oportunidades e constrangimentos

A nível macro, as estruturas das oportunidades e dos constrangimentos presentes numa determinada estrutura social constituem os factores objectivos que condicionam o processo de construção da carreira individual. Assim, as grandes mudanças económicas, jurídico- organizacionais, sociais, culturais e políticas condicionam largamente o processo de construção social da carreira individual (ibidem: 15).

Nível micro: estratégias individuais

Contudo, as oportunidades e os constrangimentos estruturais a nível macro-estrutural, não são as únicas condicionantes do processo de construção de uma carreira. Esta é influenciada a nível micro em função das motivações, desejos de cada actor. Dito de outro modo, em função dos projectos individuais. (ibidem: 16). Nesta perspectiva, uma abordagem mais compreensiva poderá ser mais útil para apreender como determinados fenómenos estruturais são percebidos e apreendidos de forma diferenciada por indivíduos situados aparentemente num mesmo contexto social, como revelam os estudos de Dubet e Charlot.

Nível intermédio: a mobilização dos recursos, redes e capital social

Finalmente, a construção da carreira não se resulta apenas das características individuais e da estrutura das oportunidades e constrangimentos, mas depende acima de tudo da interacção entre essas duas dimensões. Rosenfield (1992), reapropriando das contribuições de Sorensen (1979), considera que os indivíduos inserem-se na dinâmica de oportunidades com os recursos de que dispõem (Rosenfielde Sorensen apud Martiniello, 2010: 17).

Segundo Martiniello, existe entre os níveis estrutural e individual, um nível intermédio que corresponde à de mobilização de recursos mediante a qual o indivíduo apropria melhor as oportunidades da estrutura (ibidem: 17). Assim, como asseveram Emirbayer et Godwuin, au “niveau intermédiaire peut donc être appréhendé à travers le réseau relationnel que l’acteur peut mobiliser afin d’optimiser les ressources qu’il a à sa disposition ». (Emirbayer et Goodwin apud Martiniello, 2010: 18).

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Segundo Martiniello, existe entre os níveis estrutural e individual, um nível intermédio que corresponde à de mobilização de recursos através do qual o indivíduo apropria melhor das oportunidades da estrutura (idem, ibidem: p.17). Assim, como asseveram Emirbayer et Godwuin, au “niveau intermédiaire peut donc être appréhendé à travers le réseau relationnel que l’acteur peut mobiliser afin d’optimiser les ressources qu’il a à sa disposition. (ibidem: 18).

Antes de explicitarmos as diversas carreiras de escolarização das elites político- administrativas cabo-verdianas, afigura-se-nos importante caracterizar as suas diversas situações de pertença familiar, enquanto factor essencial que permite situar os contextos em a partir dos quais se define as estratégias individuais e colectivas.

5.2. Famílias: situações de pertenças diferenciadas

O processo de aquisição do capital escolar faz-se em situações de pertença social múltiplas e com recurso a estratégias individuais e familiares diversas. Escrutinar essa dinâmica, amiúde, porosa do processo de configuração das trajectórias individuais e colectivas requer a adopção de uma abordagem teórica que permite articular diversas dimensões da vida social que concorrem para influenciar e condicionar as acções individuais e colectivas.

As diversas pertenças familiares representam um dos traços típicos que caracterizam o grupo que veio a constituir-se em elite político-administrativa cabo-verdiana. A família é um termo polissémico e como tal comporta significados e processos distintos de configuração consoante as práticas sociais inerentes a cada organização social. Murdock, nos finais da década de 40, ao analisar mais de 500 sociedades, define a família como “um grupo social caracterizado pela residência e cooperação económica e a reprodução, incluindo adultos de ambos os sexos, pelo menos dois dos quais mantêm um relacionamento sexual socialmente aprovado, com um ou mais filhos próprios ou adoptivos (Murdock apud Outhwaite e Bottomore, 1996: 297).

Essa definição com pretensão universal e largamente utilizada nas décadas de 50 e 60, foi contestada a partir de resultados de inúmeros estudos etnográficos nos países ocidentais e em muitos países subdesenvolvidos. Por exemplo, Stack, tendo como referência um estudo numa grande cidade americana, propôs a definição de família “como a menor rede organizada durável de parentes e não-parentes que interagem

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 diariamente, provendo as necessidades domésticas dos filhos e garantindo-lhes sobrevivência. A rede familiar difunde-se por vários lares com base no parentesco, tornando a família uma rede local – não um lar (ibidem: 298).

Assim, na prática existem múltiplas configurações de famílias, cada uma com a sua lógica própria de pertença e vínculos que se estabelecem entre os seus membros. Quando nos referimos à família, ou melhor, às famílias cabo-verdianas, do que estaremos a falar propriamente dito?

No caso cabo-verdiano, a pertença a uma família extensiva cuja presença paterna é sazonal e mutante em resultado da poligamia informal, pelo menos no seio de grande parte das famílias, confere à estrutura familiar alguma especificidade. Como assevera Carreira referindo-se à estrutura da família cabo-verdiana, o facto de o homem possuir uma mulher: aquela com quem casou (ou não) e com quem coabita normalmente, “não o inibe, porém, de ter uma outra (ou outras) no próprio povoado ou sítio onde reside ou em outro diferente. Os filhos havidos de mulher com quem habitualmente vive e os das outras concubinas, seus filhos são” (1977b: 30).

No seu estudo sobre a formação da ilha de São Nicolau, João Lopes Filho reportando-se ao processo de estruturação das famílias nessa ilha, cujas tipologias podem ser generalizáveis ao arquipélago, aponta para existência de duas formas de família. As plurais que são geralmente mais alargadas ou extensas e as simples que são de natureza mais restrita e, amiúde, monoparental e incompleta. Entretanto, poderá existir também formas intermédias resultantes da imbricação destes dois tipos supramencionado, como o caso da família tronco (ligado ao antigo sistema do morgadio) e família doméstica (Lopes: 1996b).

A família extensa ou alargada que predomina na sociedade cabo-verdiana, especialmente no seio das camadas populares e no meio rural comporta características complexas que se traduzem na convivência num mesmo agregado familiar de indivíduos com diversos graus de parentesco – pai, mãe, filho, tios, avôs, primos, afilhados, etc. Por seu lado, a família restrita, podendo ser a nuclear que resulta da “convivência matrimonial entre homem e a mulher com a sua descendência, podendo em alguns casos viver com eles outras pessoas” (Konig apud Lopes, 1996: 92 a 93). A família restrita inclui também as famílias monoparentais em que o agregado é constituído pela presença apenas da mãe ou do pai. No caso cabo-verdiano, este tipo de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 família ganha alguma dimensão em resultado da poligamia informal e ao fenómeno da emigração.

Contudo, um dos traços comuns das famílias cabo-verdianas, independentemente da natureza de sua configuração, como observaremos mais adiante, é o tamanho da prole em média superior a 6 membros por agregado familiar. Entretanto, no decurso das últimas décadas, verifica-se uma redução significativa do número da prole por mulher, passando 6, em 1990, para 4,1 em 2000. Essa diminuição tem sido mais acentuada no seio dos estratos sociais mais escolarizados, tendo as mulheres com nível de instrução igual ou superior ao secundário com uma média de 2 filhos (Cf. MTFS, 2004: 13).

Multiplicidade de pertenças familiares

Com efeito, ser irmão e pertencer à mesma família não são, necessariamente, processos associados, o que requer um olhar mais atento, tendo em vista a compreensão de sua complexidade. Na realidade, a estrutura familiar comporta um processo intrincado de vínculos e de identificações que não se limitam à descendência directa das figuras paterna e materna. Em geral, o núcleo familiar gira em torno da figura materna e da sua rede de parentesco que a auxilia no processo de “criação”, quer dizer, no sustento e educação dos filhos. Portanto, aperceber-se dessa complexa teia de relações que caracteriza a dinâmica de construção das famílias cabo-verdianas ajuda-nos a visualizar de forma mais alargada a questão da posição social e das suas implicações na apropriação de recursos valorizáveis num determinado período histórico. Nascer no seio de uma família e ser educado (criado, no jargão popular) por alguém comporta sentidos diferenciados.

Vejamos o relato de um entrevistado proveniente de uma família campesina do interior de Santiago:

“(…)Nasci numa família de sete irmãos do lado materno e perdi a conta do lado paterno. Se não me engano mais de vinte e tal irmãos. Do lado materno, somos 7 irmãos, dois rapazes e cinco meninas. Eu fui criado pelo meu tio. A minha mãe não podia criar a todos. E o meu tio ofereceu-se para me criar. (…). Ele era solteiro e, por isso, tratava-me como um príncipe. Ele podia não ter muita coisa. Eu lembro-me, por exemplo, nós tínhamos parentes no estrangeiro, mandavam-nos calças, camisas, sapatos, e ele dava-me tudo (…).” (Entrevistado 4).

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O facto de ter sido criado por um tio solteiro oferecia-lhe oportunidades diferenciadas em relação aos demais irmãos. Essa primeira diferenciação demonstra à partida um processo de segmentação “intra-família” com implicações no processo de apropriação de recursos económicos e culturais que podem condicionar a forma como cada um dos membros constrói a sua identidade familiar. Um entrevistado, relata-nos a sua trajectória familiar nestes moldes

“(…) Eu passei a minha infância num lugar onde não me faltou o essencial, num certo sentido numa condição privilegiada. Mas depois, quando a minha avó de criação, mãe também de criação veio a falecer e eu tive que vir para São Vicente, ficar com a minha mãe (...).” (Entrevistado 5). A família de pertença era a avó identificada simultaneamente nas funções de avó e mãe de criação cuja condição socioeconómica propiciava melhores recursos aos filhos/netos. Com o seu perecimento a situação se degrada e a emigração para São Vicente torna-se uma alternativa para o sustento da família. Trata-se de um caso típico que aponta para as dificuldades de se situar a posição social de um indivíduo pela mera associação e vinculação à profissão dos pais, quando as melhores oportunidades são adstritas à sua avó. Uma situação de contra mobilidade que dificilmente pode ser apreendida pela mera taxonomia de estratificação social estribada na profissão dos pais. A lógica de apropriação de recursos por parte dos filhos está envolta em dinâmicas mais complexas, não dedutíveis de descendência biológica directa, mas sim do processo de pertencimento efectivo.

Ser filho biológico de alguém que detém determinados recursos económicos e culturais não significa que beneficia automaticamente desses recursos. São os contornos de criação que realmente definem os recursos passíveis de serem apropriados pelo indivíduo. Atentemos para a narrativa de um informante a respeito da trajectória de um ex-dirigente da administração:

“(…) Ele é filho de uma pessoa que tinha boas condições de vida. Mas ele não foi registado pelo pai. Então foi a sua mãe quem o criou e lhe fez ser homem. Ela trabalhava em casa de uma pessoa importante e ganhava alguma coisa que dava para sobreviver. Mas foi uma amiga dela que vendia bolos e outras coisas, quem a ajudava a criar os filhos, levava uma vida dura. Ela fazia de tudo para que o menino estudasse. Pois, como sabe, a escola em Cabo Verde era tudo. (…). Foi assim que ele conseguiu estudar e hoje ele é uma pessoa importante graças à sua mãe, ah.. à amiga dela (…)”. (Entrevistado 6). A lógica de apropriação de oportunidades aos filhos está enredada, às vezes, em dinâmicas muito complexas que não podem ser derivadas pela mera descendência

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 biológica de um dos progenitores, mas sim do processo de pertencimento efectivo a uma rede de relações sociais, de parentesco e de afinidades. Assim, nalgumas situações são as mães solteiras/separadas que se fazem à vida para propiciar a sobrevivência à sua prole. Paradoxalmente, é justamente porque a mãe vivencia uma situação particularmente difícil que envida estratégias diversas para recusar ao seu filho um destino social similar ao seu. Assim, o presente vivido sob os imperativos da sobrevivência é costurado sob os valores de um futuro imaginado – dar melhor educação possível ao seu filho, como forma de romper a barreira social, numa postura de dissidência, como postula Dubet (1996), e de recusa de sua própria condição. É bem provável que situações do género não constituem epifenómenos na sociedade cabo- verdiana se tivermos em linha de conta informações prestadas por diversos entrevistados e pelos dados dos registos de matrícula dos alunos do antigo liceu Gil Eanes entre 1922-1946.

Constatámos que praticamente 10% dos alunos inscritos no 7º ano (ano terminal do ensino o secundário) tinham como encarregados de educação as respectivas mães, cuja profissão vinha inscrito como sendo doméstica, embora o boletim de matrícula fosse concebido para nele constar apenas a profissão do pai.

Ora, em regra o processo de matrícula era dominantemente feito pelos pais, na qualidade de encarregados de educação. Raras vezes eram efectuadas pelas mães, pois a chefia de família cabia ao pai por ser, geralmente, mais instruído e com maior traquejo nas lides administrativas. Somente nos casos em que as mães constituíam, de facto, responsáveis pelo agregado familiar é que seus nomes figuravam no referido boletim, conforme a figura nº 2.

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Figura 2 - Boletim de matrícula do antigo liceu Infante D. Henrique

Fonte: Arquivo do liceu Ludgero Lima A trajectória de escolarização secundária de Amílcar Cabral43 exemplifica de certo modo o papel amiúde decisivo que as mães desempenhavam no processo de escolarização dos seus filhos. Amílcar Cabral após a conclusão dos estudos primários na Praia em 1934 com a honrosa menção distinto na Escola Central da Praia, conforme a declaração dos serviços de educação, confirmando a principal hipótese defendida por Julião Sousa na sua recente obra sobre Amílcar Cabral, segue para São Vivente, visando a realização dos estudos secundários, tendo-se matriculado no 1º ano do liceu aos 13 anos (Cf. Anexo 8: Boletins de Matrícula e Certificado de conclusão do 2º grau do ensino primário).

Nos diversos boletins de matrícula por nós escrutinados, constatámos que o nome de Juvenal Cabral não aparece como encarregado de educação de Amílcar Cabral, mas sim de Manuel Ribeiro Almeida, nos primeiros anos. A partir do 4º ano do liceu, Iva Pinhal Évora, mãe do Amílcar, surge como encarregada de educação com maior regularidade. Na verdade, a prossecução dos estudos secundários em São Vicente deve-se a muita labuta diária de sua mãe, que trabalha arduamente como costureira, do irmão mais velho

43 Amílcar Lopes Cabral nasceu em 1924, em Bolama (Guiné-Bissau) descendente de pais cabo- verdianos. Foi um dos mais brilhantes estudantes do liceu Gil Eanes, no Mindelo, tendo, por isso mesmo, beneficiado de uma bolsa de mérito. Realizou os estudos superiores na área de Agronomia em Portugal. Neste país, desenvolve uma intensa actividade política juntamente com outros estudantes africanos, na Casa dos Estudantes do Império. Posteriormente desloca-se a Guiné-Bissau onde exerce a sua actividade profissional e mobiliza um grupo de guineenses e cabo-verdianos na estruturação do PAIGC e na condução da luta de libertação da Guiné e de Cabo Verde. Viria a ser assassinado a 20 de Janeiro de 1973, facto que não impediu que as suas contribuições teóricas e ideológicas constituíssem numa das principais referências no movimento pan-africanista.

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(Ivo Carvalho Silva) e do próprio Amílcar, que empreendiam estratégias diversas para custear os elevados custos de estadia em São Vicente (Sousa, 2011: 92).

Situações há em que crianças descendentes de famílias pobres, cujas mães eram empregadas domésticas de pessoas importantes, um professor, um profissional liberal, um alto funcionário do Estado, etc. acediam a bens e a uma ampla rede social de contactos para a apropriação de oportunidades que não são específicas, em princípio, às suas condições sociais.

“(…) A mãe de José era uma empregada doméstica em casa de um professor importante, muito conhecido na cidade. Foi ele quem o adoptou e deu-lhe oportunidade de estudar e concluir o 7º ano. (…) Mas ele foi muito empenhado e aproveitou essa oportunidade e conseguiu ser o que é, hoje, … Uma pessoa bem formada! (...). (Entrevistado 5). Essa descrição espelha, praticamente, uma situação em que se verifica uma adopção informal de um indivíduo de uma família desfavorecida cujas oportunidades de escolarização ampliam-se por causa das melhores oportunidades no seio de uma família de facto adoptiva. Independentemente das condições mais favoráveis de que beneficia em casa onde foi adoptado, é preciso não desvalorizar a acção empreendida por esse indivíduo na reconstrução da sua trajectória que não pode ser decalcada apenas dessa nova situação social.

Outras vezes, é em torno da figura paterna que se efectua a centralidade familiar, cabendo-lhe prover a família de recursos para o sustento e educação dos filhos, que são afastados, amiúde, de forma consentida, das suas mães por estas não disporem de recursos económicos para lhes oferecer uma vida mais condigna. Eis o que nos reza um entrevistado.

“(…) Em casa eramos 22 irmãos, sendo 9 irmãos de mãe e pai. Todos os filhos foram criados pelo pai que assumiu sempre a educação e o sustento de todos. Éramos uma família numerosa. (…) Meu pai possuía o primário (antigo 2º grau) de que muito se orgulhava. Ele era uma pessoa que valorizava muito o conhecimento. Tanto é assim que ele assistia regularmente às sessões de julgamentos nos tribunais. (…) Ele foi funcionário da Marconi e ganhava um salário razoável (…)” (Entrevistado 8) Neste caso, trata-se de uma família alargada com duas dezenas de crianças todas elas dependentes dos proventos do pai que assume a responsabilidade de as educar. Como veremos mais adiante, a dimensão da prole, no seio das famílias dos estratos médio baixo e baixo, reduz a capacidade de investimento familiar na educação dos filhos, especialmente no que tange à prossecução dos estudos pós-primários, que requeria,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 entretanto, a mobilização de importantes recursos quer para inscrição nos curso de explicação, quer para a deslocação a São Vicente.

Outros casos há em que as instituições filantrópicas transformavam-se em autênticas famílias de crianças de meios sociais desfavorecidos, a quem eram disponibilizados espaços de acolhimento e educação no quadro da acção social da Igreja e, excepcionalmente, do Estado. O trecho infra versa o relato de um interno de uma instituição em São Vicente.

“(…) Sou de uma família muito humilde. Fiz os meus estudos primários em Santo Antão e depois fui para São Vicente. As condições de vida em São Vicente não eram fáceis. Fui admitido num albergue, aldeia juvenil. Como interno, passei lá toda minha adolescência e fiz os estudos no liceu … Onde fiz as minhas amizades (…)” (Entrevistado 5). A vulnerabilidade da família coloca a sua prole submetida a muitas vicissitudes e a situações de construção de pertenças variadas e complexas. Quando nos referimos às famílias cabo-verdianas sem esmiuçar o microcosmo familiar, as formas de pertencimento que engendram nos seus membros, não conseguiremos captar a complexidade da trajectória de cada indivíduo.

Numa sociedade de pequena dimensão permeada por teias de relações informais entre indivíduos de famílias e estratos sociais distintos – como é o caso cabo-verdiano – não se nos afigura de todo consistente decalcar as trajectórias individuais exclusivamente a partir de estrato social enquanto uma unidade fixa e cristalizada na estrutura social global.

Descendentes de padres – uma linhagem difusa e complexa

A dinâmica de estrutura familiar é subvertida, às vezes, pelos seus próprios guardiões. Nos arquivos do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, demos conta desse testamento do padre António Innocencio dos Santos, padre da freguesia de São João Baptista, concelho da Praia, feito em 1906, no qual perfilha uma mão cheia e tanto de descendentes, tornando-os legítimos herdeiros.

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Transcrição Testamento publico que faz o Rdo Pe António Innocencio dos Santos, da freguezia de São João Baptista. Saibam quantos este publico instrumento de testamento publico virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e quatro, aos vinte e cinco de Maio do dito anno, n’esta cidade da Praia e hospital civil militar, quarto onde se acha em tratamento o reverendo Padre Antonio Innocencio dos Santos, onde eu tabellião a seu chamado vim aqui foi o mesmo Padre Antonio dos Santos prezente doente de molestia que Deus lhe deu, que é meu conhecido e dos cinco testemunhas idonêas ao diante nomeadas e no fim asignadas e estas tambem de mim de que dou fé tanto eu como ellas nos certificamos de que está em seu perfeito juizo de livre de toda e qualquer coacção. (…)Que deixa a sua sobrinha Maria Adelaide Teixeira dos Santos, solteira de dezoito annos d’idade pouco mais ou menos, e que actualmente está vivendo com elle testador em sua caza em São João Baptista, filha legitima da sua irmã Dª Leopoldina dos Santos e de João Antonio do Amparo Teixeira, já fallecidos, a quantia de duzentos mil reis, no cazo que sobreviver a elle testador, de contrario passa pª os seus herdºs que de relações havidas de differentes mulheres solteiras, houveram os seguintes filhos – Matheus, solteiro, Joaquim, cazado, Arsenio, solteiro, Annibal, solteiro, Honorata, cazada, Margarida, cazada, Izabel, cazada todos de maioridade – Luiz, Pedro, Paulo, Amelia, João, Alvaro, Fausta, Alexandre, solteiros menores e Catharina, cazada – partes baptizados na freguesia de Santa Catharina e partes na de São João Baptista d’esta ilha aos quaes reconhece como seus filhos afim de gozarem de todos os direitos que as leis do reino concedem aos filhos perfilhados – Que estes seus filhos foram baptizados como filhos de pai incognito, e todos elles viveram em sua companhia e ainda vivem os solteiros. Que institue pois os ditos seus filhos como unicos e seus universaes herdeiros de todos os seus bens, depois de pagos os legados. Que revogam qualquer outro testamento que anteriormente haja feito e quer que só este valha. Que para seu testamenteiro para o fiel cumprimento destas suas disposições nomeia em primeiro lugar a Raphael Nunes de Carvalho, cazado, proprietário, actualmente morador em Chão de Tanque da freguesia de Santa Catharina, e em segundo logar ao filho ora reconhecido Matheus aos quaes pede acceitem este encargo. (…)

Fonte: IAHN. Testamento de translados. Tribunal da Praia: inventário.

Na sociedade cabo-verdiana até a implementação dos mecanismos mais rigorosos do controlo do celibato a partir dos anos 40 do século findo, vários padres deixavam uma larga prole escolarizada e herdeira de terras, constituindo a descendência do prelado uma via importante de ingresso no seio dos estratos privilegiados. Não é de se estranhar que uma parcela dos dirigentes pós-75 seja descendente de padres, de entre os quais destacam-se, no século XX, Abílio Duarte, membro da cúpula do PAIGC, ex-presidente da Assembleia Nacional e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Manuel Duarte, alto magistrado, ambos filhos do padre Francisco de Deus Duarte, Aristides Pereira, um dos fundadores do PAIGC e primeiro presidente da República, filho do padre Porfírio Pereira Tavares de entre outros 44.

44 Aristides Pereira no seu último testemunho concedido ao jornalista e escritor José Vicente Lopes realça que era comum os padres terem filhos em Cabo Verde. Além dos padres supracitados, ele refere-se aos padres Joaquim, em Santa Catarina, Cónego Bouças, pai da avó de Dulce Almada. Recorda Pereira que “ o bispo fazia uma correição (visita às paróquias), anualmente a todas as ilhas. Ele ia à Boa Vista, ficava em casa e via os filhos do padre, falava com eles sem problema nenhum. A situação começou a 225

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Outras vezes, são os filhos naturais de gentes originárias de famílias tradicionais (“filhos de fora e/ou anteriores ao casamento), como se diz no jargão popular, como aponta Carreira, nos seus estudos sobre a família cabo-verdiana, que beneficiavam de boas oportunidades de escolarização. A laia de exemplo, se atentarmos aos dados sobre a origem dos alunos do seminário-liceu de São Nicolau segundo a sua legitimação social entre finais do século do século XIX ao fim da segunda década do século XX, verifica-se uma presença importante dos filhos naturais, nomeadamente de Santiago (48%), São Nicolau (25%), Fogo, (24%) e São Vicente (20%) e em menor proporção a na Brava (11%) e Santo Antão (14%).

Tabela 75 - Origem dos alunos do seminário-liceu de São Nicolau segundo a sua legitimação social: 1890 -1918

Ilhas Legítimos Naturais Total % Naturais São Nicolau 764 254 1018 25% Santiago 167 156 323 48% São Antão 242 40 282 14% Fogo 58 18 76 24% Brava 86 11 97 11% São Vicente 101 26 127 20% Outras Ilhas 87 26 113 23% sub-total 1505 531 2036 26% Fonte: Reconstrução a partir da Tabela IIIA in Neves, 2009

Em Santiago, 48% dos filhos encaminhados para os estudos em São Nicolau entre 1890 e 1918 eram filhos naturais, sendo, certamente, alguns descendentes de padres, como era prática vulgar no seio do prelado católico. As ilhas da Brava e Santo Antão apresentam uma proporção de filhos naturais relativamente baixa, provavelmente, em razão do controlo sobre o matrimónio ter sido mais rigoroso, constituindo os últimos bastiões de uma reprodução tardia de uma pequena porção dos brancos da terra.

endurecer, principalmente, com a concordata. E, por causa disso, o meu pai teve dificuldades enormes no fim da vida. Quando morre, nos anos quarenta, em São Vicente, o padre que lá estava recusou-se a fazer o enterro dele. (…) E assim, não houve serviço religioso para ele. (…) “ (Lopes, 2012: 25-26)

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Auto-retrato da família da classe média urbana

Um outro registo é-nos dado por uma entrevistada oriunda da classe média urbana de São Vicente. Vejamos a auto-descrição de sua família.

“(…) Sou de uma família humilde. Meu pai era funcionário da câmara municipal, mas não era um alto funcionário. Ele era chefe de secretaria. Portanto não tinha um grande vencimento. A minha mãe só cuidava de nós em casa. Ela tinha pouca escolaridade, tinha o primário. Era uma mulher prendada, como se dizia antigamente. A mulher prendada em Cabo Verde é aquela que ficava em casa a cuidar dos filhos e vai suprindo as suas necessidades (…) Nós éramos nove irmãos, uma escadinha, um atrás do outro. (…). (Entrevistado 9). A narradora induz-nos a crer que a sua situação social não era, no contexto cabo- verdiano, de desafogo. Entretanto, assegura ser o seu pai responsável por um serviço ao nível da Câmara Municipal, auferindo um salário que, na verdade, o colocava muito acima da média do rendimento que detinha um cidadão comum. A referência à situação de vida humilde deixa entrever uma auto-imagem fragilizada de sua própria condição, como alude Trajano Filho (2003), um auto-retrato de debilidade, fraqueza e humildade, que matiza o imaginário luso cabo-verdiano.

A família, a que se refere a entrevistada, é aquela típica família pequeno-burguesa urbana composta por um casal que guarda sob a sua protecção os seus descendentes a quem provê de meios de sobrevivência e educação. O pai, chefe de família, exerce uma actividade profissional e a esposa, dona de casa, “prendada” cujo tempo é dedicado aos afazeres domésticos e à educação dos filhos. Uma outra dimensão é o tamanho da prole, 9 irmãos, separados por uma diferença mínima de idade, mas que vivem num mesmo habitat e que beneficiam das mesmas oportunidades culturais e materiais.

Esse é o protótipo da família a que pertence a maioria (72%) dos dirigentes da Administração Pública descendente de pequenos e médios comerciantes, proprietários de terra e funcionários públicos com uma prole relativamente extensa, mas abrigada sob o mesmo tecto.

Como enunciámos acima, denotámos a existência de famílias compostas por pais/filhos - o comum no imaginário cristão e normativo cabo-verdiano, mas não o mais regular - tio/sobrinho, mãe/filhos, avó/filhos, filho/instituição filantrópica, entre outras situações que historicamente caracterizaram a sociedade cabo-verdiana, gerando construções identitárias familiares diversas.

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As diferentes modalidades de pertença familiar a que fizemos referência não autorizam do ponto de vista empírico a decalcar a trajectória escolar indivíduo pela simples ascendência familiar sem escrutinar uma teia complexa de relações de pertença a partir da qual os indivíduos laboram as suas trajectórias.

Brito-Semedo no seu livro a Construção da Identidade Nacional assevera que a ideia de reprodução pode ser confirmada em Cabo Verde rastreando as principais famílias no decurso de quatro ou mais gerações. É assim que, por exemplo, todos os Lopes da Silva, os Vera-Cruz, os Monteiro, os Mello, foram avós, pais, tios, irmãos ou primos entre si. Outros exemplos, são os de Amílcar Cabral filho de Juvenal Cabral (Brito-Semedo, 2006).

Todavia, uma análise mais acurada dos mecanismos de reprodução não nos autoriza a buscar uma sequência post factum para fundamentar de forma linear a reprodução familiar. A suposta ideia de que Amílcar Cabral tenha feito a brilhante trajectória académica em razão da sua ascendência paterna carece de algum fundamento empírico a que já fizemos referência. Em suma, quando referimos às famílias cabo-verdianas in abstracto sem esmiuçar as diversas situações de pertença que engendra e a mobilização de estratégias diversas que requer dos seus partícipes, estamos a falar de quê?

5.3. Processos de escolarização sob o signo de assimetria e temporalidade dissonantes

Parte importante da nossa literatura sobre a frequência ao sistema de ensino propende a considerar o acesso ao ensino primário como um facto consumado dada a sua institucionalização e expansão contínua desde a segunda metade do século XIX, no quadro das amplas reformas liberais (Brito-Semedo, 2006; Ramos, 2008; Pereira, 2010). Eis por que as assimetrias regionais são, geralmente, focalizadas em termos de acesso no ensino secundário, em razão da existência de apenas um único liceu até a década de sessenta do século XX.

5.3.1. Acessibilidades e temporalidades no acesso à escolaridade primária

O facto de o acesso ao ensino secundário ser extremamente selectivo e excludente não é de todo justificável que se obnubile as enormes dificuldades com que a maioria da população rural se deparava para aceder às primeiras letras. Neste aspecto, é preciso

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 explicitar que as temporalidades regionais em termos de oportunidades escolares não são as mesmas.

Quando nos aludimos ao acesso ao ensino primário nos centros urbanos do Mindelo, da Praia, da Nova Sintra, da Ribeira Brava, da Povoação em Ribeira Grande, etc., não estamos a falar, certamente, da mesma temporalidade que no interior de Santa Catarina, São Filipe, Ribeira Grande. Para quem pertencia a segmentos da classe média urbana mindelense, o processo de escolarização era mais facilitado, como nos relata a nossa entrevistada aquando do seu baptismo no pré-escolar, nos finais dos anos 50:

“(…) Comecei a aprender as primeiras letras em casa e familiarizei-me logo com o alfabeto, os números etc. Depois, eu estive durante um ano numa espécie de pré- escolar, que era nessa altura se chamava explicação para crianças, não é. Essa era uma senhora que se dedicava a escolarizar… a alfabetizar as crianças, através do brincar aprendendo. (…) Então, frequentei aos 5 anos de idade essa escolinha. Isso quer dizer que, quando eu tinha seis anos, a senhora considerou que eu tinha capacidade para ingressar no primário. Fui submetida a essa operação para ver como era o meu raciocínio, se eu podia fazer cálculos mentais. Ele submeteu-me a um testezinho. (…) Umas contas para ver por exemplo, aquelas continhas fáceis de rebuçados. Depois, deu- me a ler um documento dele para que eu lesse. Ah, nessa altura foi… lembro que foi o Dr. Morais é que deu o nome agora ao hospital de Santo Antão (…)” (Entrevistado 9). As condições de acesso à escolarização são factores que diferenciam largamente as famílias dos estratos médios urbanos das do meio rural. Os rudimentos da escolarização adquiridos precocemente na explicação pré-escolar denotam vantagens marcantes na aquisição das competências escolares, o que contrasta com as dificuldades que a maioria da população rural cabo-verdiana enfrentava para aceder às primeiras letras. O contacto com um médico para a realização de testes psicotécnicos, visando o ingresso precoce no sistema de ensino já de si indica um ambiente social selectivo onde interage essa família e as estratégias que põe em marcha conducentes à obtenção de vantagens no processo escolarização dos filhos.

Um outro registo importante é-nos fornecido por um estudante oriundo do estrato social médio do meio urbano da Brava, no qual descreve o seu processo de escolarização primária e a deslocação a São Vicente para o prosseguimento de estudos:

“(…) Entrei no primário com 7 anos, isto é, em 1950. A minha professora era D. Matilde, portuguesa, esposa do Sr. José Pedro Godinho Gomes, Administrador da Brava. Estudei na Escola primária central Sena Barcelos na vila de Nova Sintra. Fui a São Vicente com 12 anos para fazer a preparação para a admissão ao liceu. (…) Depois ali fiz toda a minha formação secundária”(...). (Entrevistado 10).

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Um aspecto de realce são as personagens que integram o seu ambiente escolar de aprendizagem. Desde logo, a professora, uma portuguesa, D. Matilde, esposa da mais alta autoridade local – administrador da Brava – que o introduz no mundo da aprendizagem numa escola central sita na vila de Nova Sintra, um dos centros urbanos com uma vetusta tradição escolar em Cabo Verde.

A deslocação a São Vicente no dealbar da adolescência para a realização dos estudos secundários, cujos custos de estadia e alimentação eram exorbitantes, demonstra que enquanto para uns a escolarização fluía de forma regular e contínua, para a larga maioria da população rural cabo-verdiana era, ao contrário, descontínua e descompassada. Trazemos, à laia de exemplo, algumas narrativas que espelham vivências de alguns dirigentes, situados no mesmo tempo cronológico, mas com acessibilidade à escola primária dessincronizados:

“(…) Eu morava em Achada Gomes. Fui a escola em Achada Galego, fui ao Engenhos, depois fui ao Gil Bispo. Tudo a pé. Estudar não era coisa fácil, era preciso ter muita vontade, muita gana para andar meio mundo para chegar a escola e voltar a casa e fazer os trabalhos domésticos. (…) Entrei na escola oficial com 9 anos por que o meu pai não encontrara vaga para me acolher em Assomada, pois as pessoas que residiam na vila tinham mais chances de matricularem os seus filhos. Iniciei as primeiras letras na escola dos padres, mas não me serviu de muita coisa porque reprovei-me logo na 1ª classe na escola oficial (…) (Entrevistado 11). Um outro entrevistado, reza-nos os seus primeiros passos de escolarização nestes termos:

“ (…) Fiz o primário no ensino particular. O meu professor, chamo com muito carinho, era senhor Dionísio Garcia, foi morar nos Órgãos neste tempo. Foi a pessoa que me marcou de forma decisiva. Quando fui à escola aprender o A B C, tinha 10 anos. Ele tinha uma oficina de carpintaria, uma sala de aula ao lado mercearia. Marcou-me porque ele era uma pessoa muito atenta aos alunos. Na mesma sala conviviam crianças de diferentes níveis (turma composta). (…) Fiz a cartilha e depois passei para a 1ª classe. Ele dava castigos horríveis! No ano seguinte, fui matriculado na escola oficial em 1960. Poucas crianças iam à escola nessa época, pois a maioria dos pais era analfabeta e às vezes não via na escola muita utilidade. A vida era trabalhar para sobreviver e por isso os filhos ajudavam nos trabalhos de agrícolas (…) (Entrevistado 12). Ambas as situações revelam que para uma franja da população rural o acesso ao ensino primário não se inicia pela via tradicional de escolarização através das instituições oficiais – as antigas escolas centrais ou do rei - cravadas nos centros urbanos das vilas e cidades. As escolas, paroquial e particular, formavam vias de acesso privilegiadas para este universo populacional, cujas famílias tinham de conciliar os afazeres domésticos para garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, entrever na escolarização outras oportunidades. O ingresso tardio no ensino primário resulta da incipiente cobertura da

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 rede escolar no meio rural (Afonso: 2002), da situação económica precária em que vivem as famílias colocadas sob os imperativos da luta pela sobrevivência e do baixo capital cultural, tornando a escolarização mais distante dos seus horizontes.

Em relação aos concelhos do interior de Santiago, as iniciativas importantes de escolarização e consciencialização das famílias das localidades encravadas devem-se às acções de importantes figuras religiosas. Em Santa Catarina foi a acção do padre Louis Allaz45, nos finais da década de 50, que impulsionou uma grande vaga de escolarização a que um dos seus mais dilectos colaboradores no ministério de ensinar relata-nos nos termos seguintes:

“(…) Naquela altura, nos anos 50, ele teve a possibilidade de contactar a população, para descobrir os problemas existentes. A localidade com maior número de analfabetos; maior número de não religiosos, pessoas que apesar de religiosos não seguiam para a escola por habitarem numa zona distante. Então, durante o período de 1951 a 1953 ele preocupou-se em conhecer as zonas e as localidades. Ele passou a celebrar as missas em diversas localidades, principalmente nas zonas mais encravadas. (….) Ele criou escola paroquial (estão todas oficializadas) na zona de Palha Carga de Engenhos, Entre Picos de Reda, Librão de Engenhos, João Bernardo, Rincão, Achada Leite, Saco, Porto Ribeira da Barca, Figueira das Naus, Achada Lém, ainda no fundo da Achada Além, em João Dias, Furna, Saltos da Cima; Assomada, Boa-Entrada, Boa-Entradinha, Poilão, etc (…)”(Entrevistado 13) As informações estatísticas enviadas pela Diocese de Cabo Verde aos serviços da educação, em 1956, apontam para um fluxo importante de alunos nas escolas sob a gestão da paróquia, sendo a freguesia de Santa Catarina aquela que absorvia a maior proporção de crianças inscritas nessas escolas, o que evidencia o seu peso no conjunto das actividades da igreja em Cabo Verde.

45 Louis Allaz nasceu na Suíça a 1 de Março de 1915 em Sulz-kinten Argoveia. Filho de Louis Allaz e Anna Suter. Frequentou o seminário dos missionários do Espírito Santo em Setembro de 1925, na Suíça. Concluiu a profissão religiosa na consagração na congregação do Espírito Santo em 8/9/1936, tendo sido ordenado padre missionário em 6/7/1941, na Suíça. Fez a sua consagração ao apostolado a 8 de Julho de 1941 e a primeira colação entre 1941-1946 no cantão Bouvert. Chegou a Cabo Verde em 1947, tendo sido vigário da paróquia de Santa Catarina. Na freguesia de São Miguel, à época pertencente ao concelho do Tarrafal, as iniciativas escolares ficaram a cargo, sobretudo, do Padre Cyr Crettaz. Este era natural de Ayer na Suíça, filho de Cjrien Crettaz e Maria Saber. Frequentou o seminário em 5 de Outubro de 1930. Efectuou a sua profissão religiosa a 8 de Setembro de 1935 em Orly- França. Ordenou-se padre na Suíça em 3 de Novembro de 1935. Consagrou-se em Julho de 1941 em Cellule e a sua colação em Bouvert entre 1941-1943. Chegou a Cabo Verde em 1946 e permaneceu até 1989, tendo sido sepultado em frente á Paróquia de São Miguel Arcanjo. Trabalhou na Praia como superior principal. Foi Pároco na cidade Velha, mas permaneceu todo o seu ministério no concelho de São Miguel, onde viria a falecer e ser sepultado na igreja central em 27 de Novembro de 1989. Fonte: Entrevista com Padre João da Congregação dos Espírito Santo. Os s dados constam de um caderno de registo dessa congregação.

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Dos 2354 alunos inscritos nas escolas paroquiais, a maioria dos alunos provinha das freguesias de Santa Catarina (27%), São Lourenço no Fogo (19%) e Nossa Senhora da Graça (18%), totalizando praticamente 2/3 de todas matrículas nas escolas religiosas, conforme a tabela infra.

Tabela 76 - Mapa do movimento escolar da Diocese de Cabo Verde em 31.12.1956

Freguesia Ilha M F Total % % Ilha Nossa Sra da Graça 223 195 418 18 54 São João Baptista Santiago 18 17 35 1

Santa Catarina 506 138 644 27

São Miguel Arcanjo 25 18 43 2 Santo Amaro Abade 74 56 130 6

São João Baptista Brava 59 57 116 5 12 Nossa Sra. do Monte 91 80 171 7 São Lourenço Fogo 301 148 449 19 28 Santa Catarina Fogo 87 30 117 5 Nossa Sra. da Ajuda 80 20 100 4 São João Baptista (Porto Novo) Santo Antão 22 9 31 1 1 Nossa Sra. do Rosário São Nicolau 100 100 4 4 Total 1486 868 2354 100 100 Fonte: IAHN: RPSAC: SC:J\SR:F\Cx234

De acordo com o nosso informante, as estratégias adoptadas pelo referido vigário para alargar o processo de escolarização à população campesina eram diversas. Desde a sensibilização das famílias mais pobres para inscrição das crianças nas escolas, especialmente das meninas até então excluídas do sistema, até à mobilização das mesmas para a co-participação no processo de financiamento da expansão do ensino. Nessa missão, ele contava com o apoio dos serviços da educação no pagamento do salário dos professores. Todavia, como nos confidencia um entrevistado, ele tinha uma estratégia própria, que fazia toda diferença e consistia no seguinte:

“(…) Através de muita inteligência, porque a paróquia não tinha dinheiro. Ele entrava em negociação com o Estado, que dava-lhe um subsídio de 300$00 (trezentos escudos) para cada professor. Ele dividia os 300$00 (trezentos escudos) até aonde sabia que seria possível. Então, ele dividia-os por três professores. Eu era um daqueles que ele dava 100$00 (cem escudos). Então, dos 300$00 (trezentos escudos) mensais, ele dividia por três pessoas, e dizia: “os pais vão pagar”. Isso é para completar com aquilo que os pais pagam. (…) Agora, para as pessoas que leccionavam nas zonas mais encravadas como a Figueira das Naus, onde existia poucos alunos, e onde os pais não poderiam pagar o suficiente, ele dava 300$00 (trezentos escudos) para esses professores. Mas nas localidades onde existia um maior número de alunos e onde os pais tinham maiores possibilidades, ele dava 100$00 (cem escudos) (…)”. (…)”(Entrevistado 13)

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O processo de alargamento da escolarização primária através da criação das escolas paroquiais requeria, entretanto, uma participação das famílias nos custos do seu funcionamento. Como refere o padre Louis Allaz, eles pagavam esse tanto e os pais ajudam com a outra parte. Esta prática informal amiúde obliterada nos registos oficiais, revela que o sistema de ensino não era de todo gratuito para alguns nichos do meio rural cujos primeiros contactos com a escolarização estabelece-se um século após a sua regularização no arquipélago a partir de segundo quartel do século XIX.

Um dos nossos informantes, actualmente docente do ensino superior, e antigo aluno da escola paroquial em Saltos-Abaixo, concelho de São Miguel, da ilha de Santiago conta- nos que durante o seu processo de escolarização primária, em 1959, as famílias comparticipavam com o que apelidavam de “real de sabro” (real de sábado). Não descortinamos o significado preciso dessa expressão, mas indicia que a palavra real simbolize, provavelmente, um valor com que as pessoas contribuíam aos sábados.

Na verdade, tratava-se de uma contribuição em géneros que cada família atribuía ao professor em compensação pelo ensino ministrado. Cada professor acordava com os familiares a contribuição a ser feita, sendo que aqueles que não dispunham de condições não o faziam, o que, entretanto, não era habitual. Todavia, praticamente todos procuravam co-participar com uma oferenda ao professor, nomeadamente em géneros alimentícios, desde ovos, milho, feijão, papaia, banana e até feixe de lenha e o apoio no cultivo.

Normalmente, quando se retrata o processo de escolarização tende-se a homogeneizar as oportunidades de acesso, em geral, mais facilitado no espaço urbano, onde se localizava a maioria das escolas, apesar de albergar uma menor demografia, quando, na verdade, existiam disparidades acentuadas e estratégias familiares distintas para a viabilização do ensino. Nesta perspectiva, ao referirmos ao processo de escolarização no campo é preciso atentar para outros aspectos, cuja memória não é de todo traduzida nos boletins oficiais ou nos documentos de divulgação do Estado

Para largas franjas da população rural cabo-verdiana, a escola primária era até finais dos anos 60 ainda um espaço distante do seu habitat. Quem era oriundo do interior de Santiago, Santo Antão, Fogo, apenas para citar as maiores demografias, a frequência à escola requeria um esforço familiar e individual hercúleo.

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Mesmo num espaço urbano como a cidade a Praia, capital de Cabo Verde, até finais dos anos 40, existia, na sua malha urbana apenas uma escola central localizada no platô, como nos relata um outro entrevistado.

“ (…) Fiz os meus estudos primários no posto escolar na Achada Santo António (ASA). O primeiro posto criado fora da escola central da Praia, perto da casa de Nhô Honório. Ali percorri os meus primeiros estudos, a partir de 1946, numa turma composta por crianças de várias idades. (…) O posto escolar funcionava numa casa alugada, pertencente a Quinha, uma mulher do Fogo, que comprou essa casa e ali fazia os seus negócios (…). (Entrevistado 8) Só no decurso da segunda metade da década de 40 é que se veio a instituir postos escolares, primeiramente, na Achada de Santo António e, depois na – no Bairro Craveiro Lopes – na década de 50.

Em relação ao interior de Santiago, salvo os seus principais núcleos urbanos, o processo de alargamento das oportunidades educativas despoleta-se com as actividades de escolarização promovidas pelos padres e instituições religiosas. Já na década de 60, no quadro de um amplo programa de expansão do ensino primário, em virtude das pressões das Nações Unidas a favor da universalização do ensino primário (Moniz, 2009) e do PAIGC que denunciava as condições precárias em que se desenvolvia a educação em Cabo Verde, todas as iniciativas encetadas pelas instituições religiosas, católicas, protestantes e adventistas, foram no geral absorvidas pelo Estado provincial.

Na ilha do Fogo, verifica-se um processo similar. Os relatos dos nossos informantes mostram ser os padres capuchinos, provenientes da Itália, os principais impulsionadores do processo de alargamento da educação primária às camadas desfavorecidas de São Filipe. Numa primeira fase, as acções empreendidas pelo padre Conrado resultou na edificação da Casa Santa Filomena de que a professora Narina Correia Barbosa, antiga professora primária, nascida na década de 20, colaboradora dos padres Conrado e Camilo Torrassa, relata-nos a génese dessa escolarização nesses termos:

“(…) O padre Conrado lutou na Segunda Guerra Mundial. Era capelão, tinha algum dinheiro. Ele veio aqui em contacto com as pessoas do subúrbio, constatou que existiam muitas famílias carenciadas. Por isso, fizeram uma escola na vila e deram-no o nome de Casa Santa Filomena. Nessa casa eu ajudava o padre Conrado no ensino dos adultos e a Lídia Galvão ensinava as crianças no período da manhã (Entrevistado 14) Todavia, foi graças ao padre Camilo Torrassa que se edificou, nos anos 60, em São Filipe, a Casa Materna, a mais emblemática instituição escolar que veio a estender as

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 oportunidades escolares aos nichos mais pobres do Fogo, como nos conta uma das irmãs e educadora dessa instituição:

“(…) As primeiras actividades foram desenvolvidas na casa do Padre Camilo, que funcionava na Bila Baixo perto da Igreja (...) Algumas voluntárias trabalhavam com o Padre Camilo. Frequentavam esse espaço as crianças mais desprovidas e que viviam praticamente na pobreza extrema. Eram crianças que usavam quase pouco traje, uma camisa desgastada e rota, uma calça aos buracos, as pernas e os pés cobertos de feridas. Na Escola materna, as crianças recebiam uma educação integral, (instrução, educação cívica, cuidados de saúde, alimentação - 3 vezes ao dia - roupas e calçados, material escolar, etc.,. (…)” (Entrevistado 15). Com a edificação de boa parte da construção na segunda metade da década de 60, a casa materna passou a acolher, em regime de desdobramento, mais 300 alunos de diferentes classes, proporção esta provavelmente superior à que era acolhida na escola central. A maioria dos estudantes que por ali passara emigrara para os EUA. Apenas uma parcela permaneceu em Cabo Verde, tendo alguns ocupados cargos intermédios e de direcção na administração do Estado.

Na Casa Materna funcionaram, no início dos anos 70, as primeiras turmas do ciclo preparatório, já no quadro da política de expansão do ensino primário do governo tardo- colonial, entretanto, absorvidas e expandidas com a reforma educativa após a independência.

A par das acções da igreja católica, outras instituições religiosas, nazarena e adventista, empreenderam actividades de escolarização, entretanto, pouco conhecidas, em prol do alargamento da escolarização primária. A penetração dessas confissões religiosas na sociedade cabo-verdiana alcança paulatinamente algum realce com a separação formal do Estado da Igreja, com o advento da I República portuguesa, e a presença dos emigrantes vindos dos EUA. Contudo, as suas acções esbatiam-se nas muitas resistências locais, especialmente no meio rural, onde a igreja católica há séculos havia consolidado a sua posição dominante a coberto da protecção do Estado (Ferreira, 1972). Por isso, a implantação dessas confissões ganha maior peso nos centros populacionais como Brava, Praia, Mindelo, onde atingiam uma franja importante das classes média alta e baixa urbana. Os registos estatísticos oficiais apontam para uma frequência não desprezível de 172 alunos, em 1957, nas escolas primárias adventistas em diversas em ilhas (Cf. IAHU: RPSAC.SC: J\SR:F\Cx 234).

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Em suma, o acesso e a conclusão dos estudos primários mantiveram-se até aos anos 60 extremamente selectivos, beneficiando especialmente os estratos médio e alto dos centros urbanos, onde existia, na sede dos concelhos, pelo menos uma escola central e, nalguns casos, postos escolares nos bairros periféricos. O alargamento das oportunidades de acesso à escolarização primária, no meio rural, a partir dos anos 50 deve-se, numa primeira fase, às acções de padres e congregações religiosas, em maior expressão católicas, que pretendiam elevar o nível educacional e cultural das populações no quadro da renovação das acções da diocese de Cabo Verde.

Com a nomeação do bispo Dom Faustino Moreira dos Santos, da Congregação dos Missionários dos Espírito Santo (Espiritanos), anteriormente apostólico no Congo, inicia-se em, 1941, um processo de renovação na Igreja Católica cabo-verdiana, encontrada numa situação de degradação espiritual. Isto porque havia um deficiente controlo do bispado, cuja sede localizava-se em São Nicolau, sobre o prelado, residente, maioritariamente, em Santiago, favorecendo alguma permissividade a ponto de parte daquele não respeitar o princípio do celibato. A isto tudo, somava-se o facto de a população praticar certos ritos ditos não condizentes com a doutrina oficial (Cf. Cerrone: 1983; Ascher: 2011).

Perante esse quadro de deficiente funcionamento do bispado, o novo bispo socorre-se da vinda de missionários, tendo chegado, em 1942, o primeiro contingente de padres espiritanos, destinado às ilhas de Santiago e Maio, e de salesianos para São Nicolau e, posteriormente, para São Vicente. Em 1947, veio uma segunda vaga de padres capuchinhos, originários da Itália, para as ilhas do Fogo e da Brava (Cf. Cerrone, 1983: 52 a 53).

Assim, o processo de “regeneração” da diocese cabo-verdiana, com a transferência do bispado para a capital em 1943, (Lopes, 1996) tinha em vista a mudança profunda de certas práticas no seio do prelado e dos devotos da religião católica, antecede, ao menos uma década e meia, as políticas educativas mais abrangentes do governo colonial. A convergência das acções do Estado com as da Igreja46 ocorre numa fase em que a

46 Formalmente, a convergência entre acções do Estado e as da Santa Sé em matéria da difusão da fé cristã e da educação encontra-se estipulada na Concordata celebrada em 1940. O objectivo do governo colonial era o de utilizar os agentes da Igreja na consolidação do seu projecto imperial sob a capa da dita missão civilizadora. A respeito do papel desempenhado pela Igreja na legitimação do Estado novo (Cf. Moniz: 2009, pp226-227; Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa (Cf. Lei nº1894, in Tomé,1945: 83-98). 236

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 expansão das escolas religiosas, feita de forma precária, comportava custos impossíveis de serem suportados pela própria Igreja que vê, entretanto, no Estado, um parceiro capaz de garantir a sustentabilidade do pagamento de salários dos professores. Assim, o Estado colonial, pressionado por organizações internacionais, giza uma nova política social convergente, por razões distintas, com a das congregações religiosas que haviam empreendido uma dinâmica de alargamento da escolaridade primária, com maior incidência no meio rural.

Entretanto, ainda que a aliança entre o Estado fascista português e a igreja católica tenha contribuído para arregimentação do projecto imperialista português (Moniz: 2009), é preciso apreender a nível micro os efeitos contraditórios dessa aliança que, entretanto, do ponto de vista da escolarização, constituía uma nesga de oportunidade de escolarização para muitas famílias pobres do meio rural até então excluídas do sistema educativo.

Uma leitura minuciosa do processo de escolarização da elite político-administrativa indica, claramente, que as variáveis que condicionam as trajectórias escolares dos estudantes variam conforme a temporalidade, o meio geográfico e os estratos sociais de onde os mesmos são provenientes. Deste modo, para os estratos alto e médio do espaço urbano, a escolarização primária encontrava-se mais facilitada devido à existência de uma rede pública de ensino, ainda que reduzida. Já para os mais pobres, a acção da Igreja e a rede social familiar cumprem um papel de relevo na extensão de oportunidades de aquisição da instrução primária.

Tabela 77 - Matriz de variáveis no processo de acesso à escolarização primário no período que antecede a independência

Estrato social Meio Alto (mais favorecidos ) Médio (modestos) Baixo (pobres)

Urbano Família e Estado Família e Estado Estado e Igreja

Rural Família e Estado Família, Estado e Igreja e rede Igreja social

No meio rural, se as famílias mais favorecidas detinham alguma capacidade de escolarização, o mesmo não se pode dizer em relação aos estratos mais modestos e mais

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 pobres que devido à incipiente rede escolar ficavam à mercê das iniciativas das Igrejas e de suas redes sociais de apoio. Em suma, nos espaços rurais do interior de Santiago, a assimetria de oportunidades demandava a adopção de estratégias múltiplas, inclusive a de co-financiamento do processo de escolarização.

5.3.2. Ensino secundário: disparidades acentuadas e estratégias diversas de mobilização

A realização dos estudos secundários em São Vicente era, em geral, uma regalia ao alcance de poucos, mesmo para aqueles que residiam nessa ilha. O grosso dos estudantes que para ali se deslocava provinha de meios sociais favorecidos, nomeadamente filhos de grandes e médios proprietários, comerciantes e funcionários públicos. Vejamos o que nos narra um estudante oriundo da Brava que se desloca a São Vicente no início da década de 60:

“ (…) O meu pai era da família aristocrática da Brava e emigrou muito cedo. Trabalhava como piloto num barco cujo capitão era irmão do Dr. Baltasar. Quando o vi, estava no 3º ano do curso geral. (…) Depois de ter concluído o primário, tive de estudar mais um ano em São Vicente para fazer a admissão. (…) A despesa com o aluguer de casa era de 500$00 (quinhentos escudos) e no 6º e 7º anos passou para 700$00 (setecentos escudos) (…) O acesso ao liceu era pouco comum. (…) Sentia-me como representante de toda a ilha”(Entrevistado 10). A estadia em São Vicente só poderia ser suportada pelas famílias com relativa folga financeira. Para termos uma noção da dimensão do esforço financeiro que representava o aluguer de um aposento, este equivalia, nos anos 50, ao salário que auferia um funcionário administrativo. Esse relato patenteia alguma capacidade financeira dessa família, o que demonstra que as distâncias físicas podiam ser encurtadas por meios económicos de que dispunham pequenas franjas da população cabo-verdiana. Evidencia também algum efeito do rendimento do emigrante proveniente dos EUA que visualiza na educação uma aposta com forte potencial de retorno pelas oportunidades de emprego que abria na administração do Estado e na incipiente estrutura produtiva.

A menção feita pelo nosso entrevistado, a respeito de sua condição de representante da Brava, deve ser entendida no sentido de que poucos dos que acediam à escolaridade primária na Brava deslocavam-se a São Vicente para a prossecução dos estudos e não na perspectiva de que poucas pessoas da elite bravense fixavam-se nessa ilha. Antes pelo contrário, parte dessa elite estabelece-se no Mindelo onde empreende os seus negócios e

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 proporciona melhores oportunidades de educação aos seus filhos47. O acesso ao liceu em São Vicente não era oneroso apenas para aqueles que provinham de outras ilhas mais distantes, especialmente as do Sul, mas também para os estudantes vindos da vizinha ilha de Santo Antão. Assim, conta-nos um estudante oriundo de Ribeira Grande que desloca-se a São Vicente no início dos anos 50:

“(…)As dificuldades de se manter em São Vicente para uma pessoa de São Antão não era muito diferente da de uma pessoa que vinha de Santiago. Eu só fui estudar ao liceu aos 18 anos. O meu pai casou-se aos 61 anos e minha mãe tinha 22 anos e tiveram 7 filhos O meu pai era um proprietário médio alto. (…) A vida era difícil, tínhamos uma produção em casa, mas não circulava o dinheiro. A nossa mãe era ambiciosa com os filhos e por isso as coisas começaram a melhorar com a exportação de produtos agrícolas e a venda de grogue. Estes recursos serviram a mãe para formar 4 filhos, 2 engenheiros civis, 1 agrónomo e 1 na administração. Lembro-me que ela pagava 500$00 (quinhentos escudos) de aluguer em casa de Sr. Miranda. Com os outros irmãos a beirar os 18 anos, alugámos uma casa em São Vicente onde os demais ficavam alojados. (…) Fiz o curso superior de engenharia em Portugal. Durante a minha formação no Porto, ela mandava-me 1000$00 (mil escudos) mensais. Todas as despesas somavam 900$00 (novecentos escudos) e sobravam 100$00 (cem escudos) para outras despesas (…)” (Entrevistado 16). As cifras enviadas ao filho para estudar em São Vicente e em Portugal nos finais da década de 50 reforçam a ideia de que muitas famílias mais abastadas do meio rural dispensavam avultados investimentos na formação dos filhos. Mas não é só o facto de dispor de capital económico, pois alguns o detinham, nem por isso investiam na escolarização dos seus filhos. É preciso que o capital económico seja percebido como um recurso reconvertível e com retorno a prazo para os beneficiários directos e para a família em geral.

As distâncias que permitiam as pessoas deslocarem-se a São Vicente não eram tanto de índole física, mas sim de natureza económica. Numa época em que as vias de comunicação intra e inter ilhas eram extremamente deficitárias e, quando feitas, onerosas em termos de tempo e recursos, a circulação das pessoas requeria alguma disponibilidade financeira.

Um outro entrevistado, bancário aposentado e residente em Lisboa, filho de antigo funcionário público e ex-aluno do liceu-seminário de São Nicolau, que no passado

47 Desde os primórdios do liceu Gil Eanes constam registos de estudantes oriundos de famílias tradicionais da Brava, a saber, Feijóo, Macedo, Leitão, etc. Assim, dos registos de matrícula de entre dezenas de outros alunos constam Ulisses Feijóo de Sousa, em 1931, Ildo Maria Feijóo, 1932, Humberto Maria Feijóo, 1933, Rogério Feijóo de Jesus Leitão, 1950. Fonte: Lista de antigos alunos do liceu Gil Eanes. Relação de alunos cedida por Ângela Coutinho.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 desempenhara a função de autoridade marítima - Patrão Mor - em São Filipe, relata-nos os investimentos feitos pelos pais no processo de escolarização dos filhos:

“(…) Naquela época, estudávamos no Fogo até 4ª classe e depois ia-se fazer exames de admissão no liceu Gil Eanes. A maioria dos meus irmãos estudou o 1º e 2ºanos do liceu como alunos da escola particular no Fogo e faziam exames como alunos externos no liceu. (…) Deslocava-se a São Vicente para fazer os exames. E depois agora, aqueles que fizeram 6º e 7º anos, já foram como alunos internos no Liceu (…). (Entrevistado 17). A localização do liceu em São Vicente obrigava as famílias possidentes das outras ilhas a adoptar estratégias diversas de escolarização. Os primeiros anos do ensino secundário efectuavam-se, geralmente, em escolas particulares locais e eram ministrados por explicadores que, em alguns casos, eram os próprios irmãos mais velhos que preparavam os mais novos para os exames. Em São Filipe, Gilda Barbosa, antiga aluna e professora no antigo liceu Adriano Moreira, na Praia, licenciada em matemática, assevera que a sua mãe, Irene Noémia de Vasconcelos Barbosa Vicente, detinha um alvará que a autorizava a leccionar até o 2º ano do liceu. As actividades funcionavam num dos aposentos da referida casa.

Diz esta antiga professora que a D. Irene, como era conhecida, “foi a primeira pessoa a começar as aulas do ensino secundário, no Fogo, tendo passado por essa escola os filhos mais velhos do Sr. Azevedo, do Sr. António do Rosário, do Sr. Alberto Galvão e de outros” (Gilda: 2007).

Dos irmãos da família Azevedo48, sete completaram o 5º ou o 7º anos no liceu Gil Eanes, sendo que a maioria concluiu a formação médio/superior em Portugal, onde fixou residência. São eles: Napoleão Bonaparte Deodato Teixeira de Azevedo, que consta na lista dos alunos do liceu Gil Eanes em 1949, tendo sido administrador de concelho e juiz; Agílio José Teixeira de Azevedo, aluno do referido liceu em 1951, foi funcionário da alfândega em Cabo Verde e depois de reformado instala-se em Lisboa, onde conclui o curso de direito. António Azevedo se formou em engenharia civil no Instituto Superior Técnico; João Azevedo fez formação militar, chegando ao cargo de coronel do exército; Adriano Azevedo, nosso entrevistado, é bancário aposentado, frequentou o 3º ano do curso de medicina; Lígia Azevedo, que fez o curso de enfermagem; e Herminalda Azevedo, a única que não completou o liceu.

48 A linhagem do lado paterno da família Azevedo é, na verdade, segundo informações do entrevistado, uma emanação da família tradicional Lopes da Silva de São Nicolau, que, a partir da geração do avô, por quezílias familiares, adopta o apelido Azevedo. 240

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Apenas 2 irmãos, ambos falecidos, fincaram a sua residência em Cabo Verde, onde fizeram a sua trajectória profissional. Ramiro Azevedo, o mais velho, foi aluno no liceu Gil Eanes em 1937, formou-se como regente agrícola. José Azevedo foi eleito, em 1991, presidente da Câmara Municipal do Sal.

Figura 3 - Família Azevedo

Por ordem de descendência de cima para baixo e de esquerda para a direita: Ramiro, Lígia, Herminalda, Napoleão, Agílio, António, João, Sebastião, José, Adriano, Ana. Fonte: Facebook. Adriano Azevedo

Os investimentos financeiros colossais dispensados na escolarização dos filhos indiciam quão a aquisição do capital escolar se afigurava vital para esses segmentos médio e alto da sociedade cabo-verdiana cujas alternativas de inserção no mercado iam para além dos horizontes locais e regionais.

Todavia, resta saber por que meios e estratégias estudantes de famílias humildes conseguem superar esses obstáculos, aparentemente, intransponíveis. Vejamos a trajectória escolar de um estudante natural da Praia, pertencente a uma família numerosa de duas dezenas de irmãos que, após a conclusão do ensino primário, chega a Mindelo nos finais dos anos 50 para completar o ensino secundário.

“(…) Terminei a 4ª classe e fiquei 3 anos sem estudar. O meu pai não tinha condições para mandar-me estudar em São Vicente, onde existia um único liceu, a menos que sacrificasse a família mexendo com a barriga de todos (…) (Entrevistado 8).

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Tendo concluído o ensino primário (4ª classe), o grande desafio do entrevistado era prosseguir o ensino pós-primário, pois, o pai, mesmo sendo funcionário da empresa Marconi, não dispunha de rendimentos para o encaminhar a São Vicente. Como a situação se resolve? Prossegue o entrevistado: “felizmente apareceu o Sr. Tonas49 que, um dia ao visitar o meu pai, olhou-me e repentinamente interrogou-me, num tom eivado de curiosidade adulta: ‘rapazinho, estás a estudar?’” Ao que respondi, “estou a estudar, sim senhor”. E ele retrucou, “estás a estudar pra quê? Ao que retorqui prontamente, “estou a estudar para mim, pois, não tenho como continuar os estudos”. O Tonas olhou intrigado para o pai que lhe confirmou o que eu havia dito, reafirmando a impossibilidade de arcar com os custos dos estudos. Então o Tonas olhou de soslaio para o pai e proferiu o seguinte: “se ele realmente quiser estudar, ele estudará, certamente! E exclamou bem alto: “rapazinho, amanhã, vá ter comigo lá em casa”. A partir deste momento, o entrevistado começou a explicação para a admissão ao liceu com o Sr. Tonas, tendo sido um dos seus melhores alunos. Consegue concluir o 3º ano do curso geral na antiga secção do liceu Gil Eanes na Praia.

Após o término do 2º ciclo do secundário na secção do liceu Gil Eanes na Praia, o fantasma de exclusão retorna sob novas formas, pois naquela altura o 6º e o 7º anos eram ministrados apenas na sede do liceu em São Vicente. Face a essa situação, o mesmo endereça um pedido de apoio ao responsável da Marconi na Praia e em Lisboa, e essa instituição, tendo em conta os bons serviços que o pai prestara à empresa, logra beneficiá-lo com um apoio mensal de 500$00 (quinhentos escudos) para suportar os custos de estadia em São Vicente.50 Lembro-me, diz o entrevistado, no Mindelo “vivia

49 Antónia de Pádua Macedo, natural da ilha do Fogo (São Filipe). Fez os estudos secundários no liceu Gil Eanes, tendo sido empregue depois na Caixa de Aposentações na Praia. Após a sua saída dessa instituição, decide criar, no início da década de 50, (provavelmente em 1953) uma escola destinada à preparação dos candidatos ao exame de admissão, bem como o 1º e 2º anos do ensino liceal. Conta um dos nossos informantes que as primeiras instalações destinadas à explicação funcionavam numa casa em Monte Agarro, pertencente ao seu primo Edgar Barbosa, funcionário das alfândegas.

50 Recorda-se dos colegas de turma na Praia que o acompanharam a São Vicente, em 1959, de entre os quais João Henrique Oliveira Barros cujo pai era funcionário da Imprensa Nacional; Arménio Vieira, descendente de um despachante da Alfândega, escritor; Fátima Dupret, o pai era director dos Correios, Lucília Antunes, filha de um funcionário das Alfândegas, hoje, médica aposentada e residente em Portugal; Óscar Ribeiro, pai era professor primário e proprietário; Jeremias, o pai era agricultor e mestre de obra em São Domingos; João José Santa Rita, filho do Dr. Santa Rita Vieira, etc. Este é o primeiro núcleo de estudantes que inicia os estudos secundários na secção do liceu Gil Eanes e completa-os na sede no Mindelo, onde era ministrado o 3º ciclo liceal. Trata-se de um grupo integrado dominantemente por filhos de funcionários públicos.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 numa casa do Hugo dos Reis Borges”, adquirida para alojar os filhos que ali estudavam, onde moravam também o Ramiro, o Francisco e Graciano Cohen. Graças a essa bolsa e às aulas de explicação que ministrava no Mindelo, em parte devido à experiência adquirida na Praia, auxiliando e substituindo o Sr. Tonas, conseguiu amealhar algum dinheiro que lhe possibilitou suportar de melhor forma os estudos em São Vicente.

A trajectória do nosso entrevistado aponta para alguns elementos importantes. O descompasso no processo de escolarização – 3 anos à espera de alguma oportunidade para continuidade dos estudos. Este fenómeno abrangia também parte importante dos estudantes dos estratos mais baixos da classe média urbana, ela mesma exposta à selectividade do sistema de ensino. O facto de o pai ser um empregado de uma empresa importante e residir num tecido urbano como a Praia, colocava-o perto das redes sociais e institucionais a qual poderia interconectar-se e beneficiar de algumas oportunidades.

De referir, todavia, que as fraquezas vividas no espaço urbano por indivíduos de estratos médio-baixo e baixo representavam uma situação relativamente favorável em comparação com aquela por que passava a grande parte dos estudantes pobres do meio rural, excluídos do sistema de ensino pós-primário e desconectados das redes sociais das famílias influentes do meio urbano e dos apoios de empresas privadas ou públicas.

Para as famílias pobres da periferia do Mindelo, Santo Antão e São Nicolau a frequência ao ensino secundário requeria a existência de redes de apoio familiares, religiosas ou mesmo estatais, sem as quais o acesso e a permanência nesse nível de ensino seriam praticamente impossíveis.

Em relação às famílias mais pobres de São Vicente os obstáculos à frequência do liceu não se colocavam em termos de distância física, mas acima de tido de meios económicos para sustentar quer os custos burocráticos de escolarização (taxas de frequência e de documentação), quer a indumentária escolar (roupas e calçados) que se exigia aos seus postulantes. Conta-nos um antigo contínuo do liceu Gil Eanes nos anos 60 que algumas vezes os estudantes mais pobres conseguiam frequentar o liceu porque eram muito empenhados e recebiam apoios do vizinho, de alguns professores e do próprio liceu que solicitava à câmara municipal o financiamento das propinas. Diz ele, “o liceu valorizava os alunos inteligentes e dedicados. (…) Os alunos muito pobres eram poucos. (…) Eles não tinham muitas condições (…). Olha, você sabe quanto a companhia Miller pagava aos trabalhadores? (…) 12$00 (doze escudos) por dia de trabalho, aquilo não dava para encher a barriga dos pobres e ainda coloca-los no

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liceu. . (…) São Vicente, era vapor na baía. (…) Quando o barco demorava a chegar a situação dos pobres ficava muito difícil …” (Relato informante, ex-contínuo do liceu Gil Eanes)

Vejamos o que nos relata um estudante proveniente de uma família humilde de Santo Antão:

“(…) Eu vim começar a estudar primária novamente em São Vicente porque eu não consegui reconhecimento do que tinha feito em Santo Antão. Então, eu me lembro que houve…a minha professora Albertina depois propôs que, digamos, eu avançasse mais rapidamente. Quer dizer, ao invés de eu fazer 2ª, a 3ª e a 4ª que eu desse um salto. Então, eu terminei. Fiz 4ª classe ali e depois, entretanto há independência. E depois aquela questão social. Porque entretanto… quer dizer, eu vim ter com a minha mãe em São Vicente, depois ela emigrou para Portugal. A minha mãe era costureira num lar interno. Então, quando a minha mãe foi, eu fiquei no lar, a Aldeia juvenil. E foi ali que eu estudei, que eu fiz 4ª classe. E então, portanto fiz a quarta classe, depois veio a independência e eu fui fazer o secundário no liceu (…) (Entrevistado 5). Como havíamos mencionado num trecho anterior, a sua família de criação, a avó, em vida, propiciara ao entrevistado algumas condições de sobrevivência que se esvaíram com o seu perecimento, expondo-o às incertezas da vida. Ao seguir para São Vicente para se juntar à mãe, fica, com a emigração desta para Portugal, de novo exposto à aleatoriedade. O lar (Aldeia Juvenil) surge neste contexto como uma âncora que garante um acolhimento estável e condições para a realização dos estudos. Como analisaremos mais adiante o lar não era apenas um espaço de acolhimento das crianças mais pobres em situação de risco social, mas uma instituição de formação pessoal para a vida, com implicações na trajectória escolar e profissional dos estudantes.

A escolarização primária obtida no meio rural de Santo Antão retoma o ritmo normal graças ao esforço do próprio aluno e da professora que reconhece no primeiro capacidades para a realização de exames comprobatórios de sua competência escolar.

No caso de São Vicente, havia instituições destinadas ao acolhimento dos pobres. Nas décadas de 30 ou 40 existia um albergue sediado na zona ribeirinha de areia branca, financiado pelo Estado e que acolhia crianças desfavorecidas dos mais diversos bairros da cidade do Mindelo. Este albergue, financiado pelo Estado, funcionou até os anos 70, tendo sido depois baptizado com o nome de “Lar Nhô Djunga, João Cleofas Martins, um tributo a um civil empregado pelo Estado responsável (tutor) para dirigir esse internato.

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Figura 4 - Internos da Aldeia Juvenil (Lar Nho Djunga) feita nos anos 60

Fonte: internet. http://www.buala.org/pt/a-ler/figuras-dmindel-djunga- fotografo. Foto dos anos 60, gentilmente cedida por Jorge Martins. Nhô Djunga, no Albergue, com as crianças

Posteriormente, outras duas instituições de cariz religiosas foram erguidas para o desenvolvimento de acções sociais e comunitárias - O orfanato e o albergue, ambos pertencentes à igreja católica. A primeira, dirigida por irmãs, dedicava-se ao acolhimento das meninas a quem era ministrada uma educação religiosa, cívica e profissional, tendo em vista a sua inserção no mercado de trabalho. A segunda, gerida pelos padres da congregação salesiana destinava-se à formação integral das crianças e jovens, ministrando o ensino primário a meninos e meninas, os primeiros em regime de internato.

De entre essas instituições, o empreendimento feito pelos salesianos, congregação que tem na educação o seu principal eixo de intervenção, é a que teve maior impacto social no alargamento das oportunidades de estudos secundários no seio das crianças e adolescentes das famílias dos estratos baixos e médio-baixo que estudavam no liceu Gil Eanes51.

51 Conseguimos identificar, através de relatos de pessoas chaves que na década de 60, por ali passaram estudantes como António Gualberto do Rosário, economista, natural de São Nicolau, ex-primeiro Ministro, actualmente um empresário do sector turístico; Jorge Spencer Lima, natural do Sal, ex- secretário de Estado do Comércio e do Turismo e grande empresário do sector imobiliário; Victor Manuel Borges, psicólogo, natural de Santiago, ex-Ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiro; José António Pinto Monteiro, veterinário, natural de Santiago, ex-Ministro da Agricultura, actualmente gestor de empreendimentos turísticos; Ernesto Rocha, médico, natural de Santo Antão; João José Lima Faria, natural de São Vicente, formado em mecânica e ex-presidente da Câmara Municipal de São Vicente.

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Até a década de 70 poucos estudantes das famílias muito pobres das outras ilhas acediam ao liceu em São Vicente. O alargamento das oportunidades ocorre em resultado dos efeitos das políticas sociais da congregações religiosas, do Estado tardo colonial, com a institucionalização do ciclo preparatório e fim dos exames de admissão ao liceu (Afonso: 2002; Moniz, 2009; Carvalho, 2011), e das remessas dos emigrantes que tornam o rendimento familiar mais estável e seguro e capaz de propiciar alguma mobilidade espacial. Vejamos o que nos diz um entrevistado que percorre o processo de escolarização já nos finais dos anos 70:

“( …) Nasci em São Antão. A minha mãe era analfabeta, mas tinha consciência da importância da escola. Fiz os estudos primários e o ciclo preparatório na povoação. Deslocava mais de 30 minutos para chegar à escola. De regresso à casa, como era comum no meio rural fazia aqueles trabalhos domésticos. Em Santo Antão a nossa sobrevivência dependia dos produtos agrícolas que plantávamos e sobretudo da pensão de aposentação do meu pai que foi emigrante. Aliás, graças ao dinheiro que enviava tínhamos algum rendimento certo em casa. A minha mãe entendeu que deveria deslocar a S. Vicente para estudar, por forma a não seguir os demais irmãos que haviam completado apenas os estudos primários. (…) Depois, fui estudar em São Vicente, em 1985, e lá fiquei em casa de familiares. Em São Vicente era extremamente difícil. Era igual ao que acontecia com o pessoal do interior de Santiago que deslocava a Praia para continuar os estudos. Os meus pais enviavam géneros alimentícios para suprir as necessidades com a alimentação e o resto era comercializado. (…) Mas algumas vezes, passei por circunstâncias muito difíceis, muito difíceis de alimentação (…)” (Entrevistado 18). Para as famílias pobres do interior de Santo Antão, a continuidade do ciclo de escolarização em São Vicente dependia essencialmente da existência de redes familiares e de parentesco capazes de proporcionar-lhes a estadia e alimentação, ainda que esta seja feita de forma compartilhada através do envio de géneros alimentícios e outros bens. O facto de ser oriundo de uma família humilde, cujos irmãos não ultrapassaram as barreiras do primário, o futuro se lhe apresenta não como uma repetição do passado, mas como algo a ser construído e redireccionado. Diz ele:

“(…) No liceu Ludgero Lima era um aluno mui empenhado, pois sabia o que os meus pais esperavam de mim. Eles faziam muito esforço para me manter em São Vicente. Eu guardava a imagem dos meus irmãos que haviam concluído apenas o primário. (…). Após a conclusão do liceu, ganhei do Governo e uma bolsa e fiz a minha formação superior (…)”(Entrevistado 18). Para as camadas sociais mais desfavorecidas do interior de Santiago, o acesso ao ensino secundário torna-se possível e de algum modo previsível, com a instalação de uma secção do liceu Gil Eanes na Praia, em 1956, no antigo edifício da Serbam, no Platô, e

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 com criação do liceu Adriano Moreira em 1960, uma centúria após o primeiro ensaio em 1860.

Entretanto, a institucionalização de um liceu na Praia não significava que o ingresso tornava-se automaticamente facilitado para essa franja mais pobre da população do interior de Santiago e até mesmo do meio urbano. Quando se pôs a secção do liceu Gil Eanes a funcionar na cidade da Praia, em 1956, a primeira vaga de alunos compunha-se dominantemente de filhos de funcionários públicos, comerciantes e proprietários de terra, tendo a maioria fixado residência em Portugal após a conclusão dos estudos como denota a tabela nº78.

Tabela 78 - Trajectória dos colegas de turma de Óscar Ribeiro, diplomado do liceu Adriano Moreira, ano lectivo 1960/1961

Nome Local de Perfil social Área de Local de Nascimento (Profissão do pai) Formação Residência Óscar Ribeiro Praia Professor primário Engenharia Praia proprietário de terra civil Francisco Fragoso Praia Empregado da Medicina Portugal Marconi Esmeraldo Azevedo Praia S/I Militar Portugal Arménio Vieira Praia Funcionário público Poeta Praia João Henrique Oliveira Praia Funcionário público Direito Praia Barros Daniel Fernandes de Praia Sapateiro História Portugal Aguiar Fátima Dupret Praia Funcionário público Matemática Praia Carlos Almeida Soares Praia Funcionário público Direito Portugal de Brito ex-presidente da Câmara da Praia Jeremias Semedo São Domingos, Pedreiro (mestre de Militar Angola Moniz obra) e lavrador José Maria Tavares Praia Funcionário público Direito Portugal Sousa Helena Santa Rita Santa Catarina Médico Bióloga Praia Vieira Lucília Maria Antunes Praia Funcionário público Medicina Portugal Edith de Pina Monteiro Fogo Comerciante - Portugal Fonte: Óscar Ribeiro, antigo estudante da Secção Gil Eanes na Praia

Ainda no decurso da década de 60, mantém-se a tendência de fuga de quadros cabo- verdianos para o espaço europeu, especialmente para Portugal, onde o próprio mercado interno necessitava de recursos humanos qualificados para dar resposta à modernização de sua economia.

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Estando na Praia, o acesso ao liceu não era de todo um processo automático, como de resto ocorria em São Vicente, obrigando os estudantes das famílias humildes a adoptar muitas vezes estratégias diversas. Vejamos o que nos conta uma estudante:

“(…) Eu nasci na cidade da Praia, na Fazenda e aos 5 anos, mudamos para o Platô. Sou a filha mais nova, num grupo de oito irmãos. Os meus pais eram analfabetos. Eu venho de uma família muito humilde, o meu pai era chefe dos cozinheiros do palácio. Eu era a mais nova e tive sorte porque os meus irmãos trabalhavam e já contribuíam um pouco em casa (Entrevistada 19). No seio dessas famílias mais pobres, os filhos posicionados no fim de linha de descendência familiar obtêm alguma vantagem em termos de escolarização, uma vez que beneficiam da recomposição do rendimento familiar em resultado da inserção na vida profissional dos irmãos mais velhos. A maioria dos dirigentes oriundos desses estratos posiciona-se do meio para o fim da linha da descendência e, geralmente, figura entre os mais escolarizados, como teremos oportunidade de observar seguidamente na recuperação de algumas trajectórias na parte final deste capítulo. Esse fenómeno abrangia também parte das famílias dos estratos médio e médio-baixo urbanos quando se tratava de enveredar pela formação superior no exterior.

O processo de mobilidade espacial – mudança da Fazenda para o Platô – coloca essa estudante no seio de uma rede social de que fazem parte funcionários públicos, comerciantes, proprietários, profissionais liberais. No seio dessa rede, a referida estudante pode beneficiar de recursos até então proibitivos para a sua situação familiar. Diz ela:

“ (…) A minha trajectória de formação deve-se, sobretudo, a duas professoras que tiveram impacto fundamental na minha vida. Uma, a esposa do Reitor do Liceu, antes de terminarmos a 4ª classe ofereceu-se para nos dar aulas grátis, tendo em vista a preparação para o exame de admissão. (…) Então essa professora disse-me que se quiséssemos íamos aos sábados e ela dava uma 4ª classe reforçada para recuperar para exame. Eu, como os outros, também fui. Na altura, era preciso fazer inscrições para o exame, tirar bilhete de identidade e os demais documentos. O meu pai disse-me que não ia investir naquilo porque era um exame muito difícil. Uma prima minha, com 14 anos, tinha tentado quatro vezes não conseguira e, por isso, eu não ia conseguir. (…) Então, disse isso à professora e ela mesma falou com o papai. Ela mesma é quem foi tratar dos documentos e fui fazer o exame de admissão, tendo sido aprovada. Depois, ela conseguiu-me a isenção de propinas e, seguidamente, ofereceu-me os livros da filha que tinha concluído o segundo ano. Assim com propinas pagas e materiais garantidos então consegui fazer o segundo ano. A segunda professora é a Dra. “Louise Blanqui” que também me ofereceu livros da filha”(…). (Entrevistada 19).

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O término do ensino primário ocorre com relativa facilidade, pois o problema de acesso não se colocava nesse nível. No entanto, estando o liceu mesmo perto de sua casa, requeria, todavia, outras condições materiais e simbólicas. Desde logo, os custos burocráticos com a matrícula e a experiência negativa da sobrinha impeliam o pai que, vivendo sob o stress da sobrevivência, tinha uma baixa expectativa em relação à perspectiva de escolarização da filha. Soma-se a isto tudo, o preconceito, de resto comum em relação às mulheres de quem se esperava uma saída precoce do sistema de ensino e a consequente inserção no mercado de trabalho.

Contudo, o liceu não é apenas um lugar onde as pessoas seguem para a realização dos seus estudos, ele emerge também como um espaço de contacto, de interacção entre semelhantes e dissemelhantes (Dubet, 1996). Da interacção com duas professoras, uma, esposa do reitor, e a outra, uma professora helvética, surgem nesgas de oportunidades que são aproveitadas por quem nelas revêm ensejo de mudança, de reconstrução de sua trajectória de vida.

No entanto, é preciso ter em conta que as dificuldades vivenciadas no espaço urbano por estudantes dos estratos populares constituíam uma situação vantajosa em comparação com os estudantes dos estratos pobres do meio rural, descapitalizados e desligados das redes influentes do meio urbano. Esses ficam à mercê das suas próprias redes familiares de solidariedade e das acções dos padres e de suas redes religiosas,

Senão vejamos:

Para o grosso da população com fracos recursos, instalar-se na capital configurava-se numa pretensão inimaginável não só pela distância física, mas acima de tudo económica. Atentemos para a afirmação de um antigo estudante cuja família dispunha de recursos financeiros consideráveis:

“(…) Um indivíduo do interior, tendo um tio aqui podia vir. O tio lá desenrascava-se. Eu por acaso não tinha. Tive que pagar. Portanto, já no 6º e 7º ano paguei 500$00 (quinhentos escudos). Agora, para um indivíduo que esta aí no interior a viver, que está a se sustentar, que tem mais filhos, ficava complicado, muito difícil mesmo. (Entrevistado 3). As vias de comunicação eram deficitárias e não abundavam veículos de transporte interurbano. Citamos um entrevistado de Santa Catarina que narra nesses termos a sua vinda a Praia no início da década de 60:

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“(…) Santa Catarina para Praia era mais longe de que ir a Lisboa, hoje. Havia um autocarro de Chão de Vaca, eu levantava as quatro horas da madrugada para ir ficar na bicha para conseguir um lugar. Mas nem sempre conseguia. Não conseguia lugar, havia dois ou três carros de caixa aberta. (…) Você sai de Santa Catarina, mas você não sabe quando é que chega a Praia. Porque o condutor (ele era importante), tinha amante nos Picos, portanto, chegava aos Picos, ele ia dar a sua satisfação, você tinha que esperar, e você nem pode reclamar. Porque se reclamar punham no chão. (…) Depois chega ao Órgãos desenrasca, depois chega ao São Domingos desenrasca, e a Praia você não sabe quando é que chega. Você sai e não sabe quando é que chega. (…) Então você só podia voltar à Santa Catarina à tarde, e só no autocarro João de Fábrica, encontrando lugar. Mas às vezes você tinha que ficar na bicha logo depois do meio-dia, para você poder encontrar lugar as seis horas da tarde (...).”(Entrevistado 11). Esse retrato pitoresco da realidade vivida por muitos que não dispunham de condições para residir na Praia, demonstra os diversos mundos que integravam a ilha de Santiago a uma década da independência nacional em1975. As vias de acesso à escolarização dependiam de dois factores importantes: as redes de afinidades familiares e as religiosas de educação e formação que, à época, resumiam-se à congregação dos espiritanos e ao Seminário de São José. Observemos alguns relatos que em tempos distintos retratam as redes sociais, enquanto pontes que interligavam esses estudantes às oportunidades abertas na Praia.

“(…) Depois de concluir o ciclo em Assomada, vim estudar na Praia. …) Aqui eu residia, inicialmente, com o marido da minha prima e, depois, com a minha irmã na Achadinha. Para o meu sustento na Praia, não só a família da minha prima me ajudava, mas também vinha muita coisa do interior. (…) O meu tio fazia questão de mandar, semanalmente, galinhas, feijão, tudo que o se produzia no interior” (…) (Entrevistado 4). O acesso ao ensino secundário torna-se facilitado pelo acolhimento em casa de parentes que garantiam condições de sustento, com a ajuda dos “mantimentos” que provinham da produção agrícola familiar no campo. Mas a vida na cidade comportava os seus custos, pois o novo ambiente gerava outras necessidades de consumo. Assim, relata-nos o seguinte:

“(…)Eu fiz o 7º ano como aluno externo. Isto porque estando na Praia naquele ambiente, comecei a sentir algumas necessidades que os meus pais já não podiam dar. Por isso, fui admitido e trabalhei por uns tempos na alfândega. (…) Depois, terminei o 7º ano, candidatei-me para uma bolsa de estudos. Não me deram a bolsa de estudos para o curso a que me candidatei. (…) Cheguei lá, na embaixada em Portugal, com o apoio de um diplomata, que era amigo do meu tio, um militante do partido então no poder, consegui mudar de curso e fazer a formação a que me propus inicialmente (…) (Entrevistado 4). A mobilidade espacial do interior para o espaço urbano insere o entrevistado num novo ambiente. O emprego numa das instituições importantes da administração catapulta-o

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 para um novo patamar, dando-lhe capacidade de reconstrução identitária e de sua própria trajectória escolar. A atribuição de bolsas de estudo do Governo e as redes de relações sociais de amizade do seu tio viabilizam a sua inscrição no curso de direito, cuja diplomação, garante a ocupação de cargos na magistratura judicial. A concessão de bolsas de estudo para a formação superior no exterior pelo Governo52 faz dele um dos elementos do grupo selecto de cabo-verdianos com oportunidades de obtenção de formação superior e, portanto, nessa altura, início dos anos 80, com fortes probabilidades de se credenciar para outros voos.

Outros relatos de vários entrevistados oriundos de São Miguel e Tarrafal apontam para situações similares que se prendem, essencialmente, com o facto de a deslocação à Praia para a efectivação de estudos secundários ser facilitada pelo acolhimento nos subúrbios da capital pela rede de parentes (afilhados, primos, tios, padrinhos) mostrando a extensão dessa rede de solidariedade das famílias mais pobres que abrem novas janelas de oportunidades.

Para quem residia nos Órgãos, pertencente à época ao concelho da Praia, o exame de 4ª classe era feito na sede do concelho, bem como o exame de admissão ao liceu, conforme manda a lei, para garantir a lisura e o controlo desse processo de selecção. Assim, revela-nos um dos nossos entrevistados:

“(…) Sou de uma família humilde. Meus pais eram camponeses analfabetos. Vivíamos do que plantávamos. (…) Somos oito irmãos, sete rapazes e uma menina. Alguns eram analfabetos, outros fizeram até o primário. Só a minha irmã, a mais nova fez até o 5º Ano, mas isso já é outros tempos. (…) Fiz os exames de admissão em 1965, tinha 14 anos. Foi um grande choque o contacto com essa nova realidade. Fui reprovado no exame de admissão no oral. Por isso, disse para comigo: não vou estudar nunca mais. Primeira vez que calcei um sapato de plástico foi nesse dia, pois era proibido entrar no liceu de pé descalço. (…) Fiquei alguns anos sem estudar, mas depois por influência de um familiar matriculei-me na escola agrícola em São Jorge. (…) Depois, por considerar que o ambiente que se vivia em São Jorge em alguns aspectos era contrária ao que aprendia na acção católica, o padre aconselhou-me continuar os estudos na Praia, como seminarista da congregação e fiz o 1º ano do liceu na escola de explicação do Sr. Tonas. (…) Depois concluí o 5º ano como aluno externo e segui para Portugal onde completei

52 Alguns entrevistados consideram que a uma dada altura do regime do partido único, os estudantes filiados à JAACV (Juventude Africana Amílcar Cabral) beneficiavam de vantagens no processo de obtenção das bolsas em relação aos demais candidatos. Invocam o facto de um grupo de estudantes ( de entre os quais figuravam Arnaldo Silva, Daniel Nunes Lobo ter uma suposta ligação às facções dissidentes do partido ser preterido a favor de outros candidatos, denominados meninos do partido. Ora se é verdade que houve práticas discriminatórias num período de crise interna do partido elas não podem ser generalizadas ao conjunto do programa e nem se pode descurar que de entre vários militantes da JAACV alguns foram preteridos no processo de selecção em função do seu défice de capital social em relação a outros estudantes dos estratos médios urbanos, entretanto, bem relacionados historicamente na cúpula do Estado. 251

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o 7ºano. Em Portugal, por razões diversas abandonei a formação sacerdotal e prossegui a formação numa outra área (…)” (Entrevistado 9). Para os estudantes de famílias desfavorecidas do interior a passagem do ensino primário para o secundário implicava trilhar sinuosos caminhos cujo desenlace era, muitas vezes, incerto. A reprovação frequente no seio desses estudantes constituía um factor de desalento que tornava a conclusão do ciclo de escolarização cada vez mais distante dos seus horizontes. A retomada dos estudos, como denota a narrativa, opera-se pela influência de um familiar que o incentiva a encaminhar-se para uma formação profissional. Outrossim, por ser fiel devoto de uma associação religiosa local insere-se na extensa rede de apoio da igreja para prosseguir os estudos na Praia.

Na capital, o acesso à escolarização opera-se pela via do ensino particular, da explicação no Sr. Tonas, uma vez que o ingresso no sistema oficial lhe estava vedado por ultrapassar a idade mínima de ingresso no ensino secundário – que correspondia a 14 anos para o 1º ano do ensino liceal. Na verdade, para segmentos do meio rural cuja entrada no primário fazia-se de forma tardia, devido à incipiente rede escolar e às elevadas taxas de reprovação, a “explicação” constituía-se, via de regra, em “opção possível” de escolarização. Assim, também nos relata um outro entrevistado do interior que, após longo período a tentar concluir a 4ª classe, chega a Praia à procura o Sr. Tonas para iniciar os estudos pós-primário. Diz ele:

“(…) O Tonas recebeu-me uma semana, depois eu não sei se surgiu (sic) outras pessoas, próximas daqui da Praia, e então ele decidiu que não tinha lugar para mim. Eu fiquei cerca de duas semanas a bater na porta a ver se eu conseguia uma vaga. Então fui ter com uma pessoa de São Miguel, que já tinha estudado aqui na Praia e que foi lá ter com o Sr. Julinho. (…) Então ela disse-me que ele cobrava 150$00 (cento e cinquenta escudos) mensais, 50$00 (cinquenta escudos) superior ao montante cobrado pelo Sr. Tonas, pois era professor oficial. (…) E assim comecei a explicação com o Sr. Julinho” (…).(Entrevistado 20).”

A vinda à Praia, à procura de novas oportunidades de escolarização, era suportada com os meios próprios de que dispunha o pai, pois este emigrara duas vezes para os EUA, onde continuara os estudos pós-primários, tendo no regresso adquirido mais terras e alguns prédios rústicos. Os rendimentos advenientes desses bens permitiram-lhe suportar a deslocação do filho à capital para o prosseguimento dos estudos. Vejamos que estamos a referir ao custeio de estadia e pagamento de uma propina mensal superior ao salário que auferia segmentos importantes dos trabalhadores não qualificados no Estado.

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Neste caso específico, as vias de escolarização resultam de um investimento familiar, especialmente do pai, cuja trajectória na emigração (EUA), permite uma recapitalização económica e cultural, que entrevê na escolarização uma forma de reconversão do capital económico.

Contudo, com a abertura nos finais dos anos 60 do curso de monitores, destinado à formação intensiva de professores para suprir as necessidades de expansão do ensino primário, a trajectória do nosso entrevistado segue um curso diferente. A realização desse curso habilita-o a leccionar no primário e, posteriormente, a prosseguir a formação ao nível do magistério primário e, na sequência deste, outras formações, nomeadamente a de índole superior, já no quadro do amplo programa de reforma do sistema educativo pós-independência.

Na verdade, a necessidade de expansão do ensino primário, no âmbito de um programa de reforma do sistema educativo, nos anos 60, pelas autoridades do Governo colonial, abriu novas brechas de oportunidade de formação para um número significativo de jovens habilitados com o ensino primário ou então o ex-ciclo preparatório, constituindo essa profissionalização uma via importante para muitos jovens prosseguirem os seus estudos e concluírem a formação superior, com o advento do Estado nacional. 53

A opção pela vida religiosa oferecia também vias de escolarização aos estudantes das famílias mais pobres do meio rural, impossíveis de serem alcançados por meios próprios. Um dos nossos entrevistados narra-nos a sua vinda ao Seminário São José:

“(…) Bom, eu nasci numa família de gente com pouco escolaridade. A minha mãe era letrada, o meu pai tinha terceira classe, o que na altura se dizia primeiro grau, mas tinha um pai que tinha uma vontade enorme de conhecimento.. Mas não havia fonte onde beber. Você já sabe é preciso ter fonte para beber. Se você não tiver fonte a coisa não vai. É preciso haver água para beber. A única água que o meu pai tinha era a Igreja (…). O meu pai nunca teve a coragem de me aliciar a ir para seminário, embora ele sempre queria que o filho fosse padre. Ele não queria colocar-me no seminário porque na altura, ainda, quer dizer havia aquela mentalidade de que o padre era branco. Ele começou a tratar dos papéis para pôr-me na escola de regente agrícola nos Órgãos.(…) Então, comecei a tratar do problema para entrar no seminário. Como já lhe disse, o padre era

53 De entre os antigos estudantes da escola de Variante, onde se procedeu à primeira formação, figuram dirigentes que cursaram trajectória importante a nível de cúpula do Ministério da Educação como Bartolomeu Varela, licenciado em Direito, ex-secretário-geral do Ministério da Educação e ex- administrador da Uni-CV; Octávio Ramos Tavares, licenciado em matemática, ex-Ministro da Educação, Belmiro Furtado, licenciado em educação, ex-inspector-geral da educação; Clara Marques, ex-directora de gabinete da ministra da Justiça; Teresa Borges, actual presidente do Instituto Pedagógico, de entre outros.

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uma referência importante na altura. E eu fui falar com o padre Louis Allaz e disse-lhe que queria ser padre. E era fácil, porque o meu pai era muito religioso, então, vinha de uma família muito religiosa portanto, ele nem sequer duvidou. Então nós começamos e preparar os papéis, a fazer os preparativos, mas sem dizer a minha mãe e o meu pai. (…) No dia em que eu disse ao meu pai, nós estávamos na horta dele, estávamos a tirar palhas para animal, então eu disse-lhe que iria para o seminário. O meu pai ficou tão contente, que deu um salto de um rego para o outro, quebrou uma coisa de cana e disse: “Deus já ouviu a minha oração” (…) (Entrevistado 11). Nessa narrativa, o entrevistado remete-nos para o seu ambiente cultural que se resumia à vivência religiosa da sua família. O mundo cultural a que reporta para reconstrução do seu imaginário era dominado por uma cosmovisão religiosa católica, que tinha na figura paterna um devoto e exímio difusor em casa. O capital cultural se edifica em torno dos ensinamentos litúrgicos e o padre emerge, nesse contexto, como o principal agenciador de suas referências culturais. As diversas narrativas dos entrevistados do interior de Santiago focalizam a importância da cultura religiosa católica no seu processo de socialização, figurando-se como fonte dominante de acesso às informações.

Trata-se de uma situação completamente diferente da vivência de parcela importante dos estudantes dos centros urbanos, onde o acesso ao conhecimento operava-se através dos centros de difusão cultural, nomeadamente as escolas – com uma rede de ensino vetusta e há muito consolidada - clubes, associações e de organizações produtoras publicações em jornais, livros, folhetim. Por exemplo, em São Vicente, o então liceu Gil Eanes era não só um espaço de transmissão de conhecimento à comunidade estudantil, mas também um pólo importante de produção e difusão culturais da ilha e do país (Oliveira, 1998; Carvalho, 2006).

A vinda ao seminário54 de muitos estudantes do interior de Santiago, em alguns casos da Praia, e das outras ilhas do sul do arquipélago, não se devia necessariamente à suposta vocação dos mesmos para a vida religiosa, antes pelo contrário revelava-se como única oportunidade de essas famílias desprovidas de redes familiares de apoio na Praia acederem à escolarização secundária. Afirma o nosso entrevistado o seguinte:

54 O Seminário São José, sita na Ponta Temerosa, cidade da Praia, integra inicialmente, alguns edifícios cedidos pelo Governador de Cabo Verde, tendo sido inaugurado em 1957. Conta o padre Caetano Pimenta Pereira que nesse primeiro ano a instituição funcionou com apenas 9 alunos. (Cf- nº72, Nov-2005). De entre os alunos a que a se refere o padre Pimenta figuram: David Hoppfer Cordeiro Almada, Belmiro Manuel Ramos, Euclides Abreu Gomes de Pina, João de Deus Furtado Faria, Manuel António Osório Galvão, Octávio Carlos Barros Gomes, Vicente Osvaldo Martins Duarte, Viriato Gonçalves (Dados de matrícula dos alunos do Seminário São José, cedidos por Ângela Coutinho).

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“ (…) Meus pais fazem parte de uma família religiosa. Fiz o primário na escola paroquial e depois consegui entrar no seminário para estudar. (…) Era a única hipótese que eu tinha, pois sendo do Tarrafal e vir ao colocava o problema de onde ficar? As outras opções eram muito caras (…). (…)`(Entrevistado 21). Nessa altura, 1973, diz o nosso entrevistado, houve uma vaga importante de estudantes desse concelho para o seminário São José, como via regular de acesso ao liceu da Praia. Esse fluxo conhece uma evolução em função da própria expansão da rede escolar do ensino primário elementar e complementar nos diferentes concelhos do interior de Santiago e do Fogo. Assim, por ali passaram em primeiro lugar estudantes de Santa Catarina e só mais tarde de Santa Cruz e do Tarrafal.55

Convém referir, entretanto, que uma franja importante de famílias dos estratos médios do interior de Santiago inscrevia os seus filhos no Seminário porque este representava uma via segura de reduzir os custos com a estadia e alimentação, que se afiguravam muito dispendiosos. Ademais, o Seminário representava um prolongamento das práticas religiosas aprendidas em casa e, ao mesmo tempo, um espaço seguro para proteger esses novatos dos comportamentos desviantes típicos do espaço urbano.

Como nos relata alguns dos nossos informantes muitos padres, através da rede de informação que possuíam a nível do funcionamento das paróquias, pressentiam que vários estudantes encaminhados como potenciais candidatos à vida sacerdotal poderiam não suportar as duras exigências a que ascese religiosa impunha como modus vivendi.

55 De entre antigos seminaristas figuram David Hoppfer Almada (1957-58), natural de Santa Catarina, jurista e escritor, ex-ministro durante a I República, deputado da nação, Eutrópio Lima da Cruz (1960-61) escritor, natural de Boa Vista, ex-secretário geral da Assembleia Nacional e deputado nacional, Manuel Veiga, natural de Santa Catarina, linguista, ex-ministro da Cultura, André Lopes Afonso, (1964-65), natural de Santa Catarina, jurista, ex-deputado nacional, Aristides Raymundo Lima (1965.-66), natural de Boa Vista, Jurista, ex-presidente da Assembleia Nacional e deputado da nação, Armindo Cipriano Maurício, (1965-66) natural Santo Antão, jurista, ex-ministro, deputado e actual Secretário-geral do PAICV, Filomeno Ortet Tavares (1965-66), professor do ensino secundário ex-deputado, Alfredo Monteiro Carvalho, (1969-70), gestor, natural de Santa Catarina, ex-director geral dos TACV e PCA do grupo Tecnicil, João Baptista Freire Andrade (1969-70), engenheiro, natural de Santa Catarina, ex- presidente da câmara municipal de Santa Catarina, ex-director geral de agricultura, Manuel António Frederico (1972-73), economista, natural de São domingos, ex-secretário de Estado das Finanças, José Manuel Gomes Andrade, natural de Santa Cruz, jurista, ex-ministro da justiça e actual líder parlamentar do PAICV, José Maria Coelho Carvalho (1972-73), natural de São Miguel, sociólogo, ex-presidente da Câmara de São Miguel, Simão Gomes Monteiro, natural de Santa Catarina, jurista, ex-ministro da justiça e ex-deputado da nação, Elísio Pereira Semedo, (1973-74),natural de São Miguel, sociólogo, ex-director geral dos serviços prisionais Emanuel Antero Garcia da Veiga (1973-74), natural de São Lourenço dos Órgãos, gestor, ex-director de gabinete da presidência da República, Florêncio Mendes Varela (1973- 1974), natural de Tarrafal, pedagogo, director-geral de Alfabetização e Educação de Adultos, José Maria Semedo (1973-1974), natural de São Domingos, geógrafo, docente universitário.

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Todavia, por terem muita sensibilidade social, estavam cientes de que as outras alternativas à vida sacerdotal representariam uma oportunidade de ascensão social, coisa de resto inatingível se permanecessem nos seus locais de origem.

Á guisa de conclusão, as variáveis que condicionam o acesso ao ensino secundário são de índole diversa em função dos estratos sociais e do local de residência. Neste sentido, para as famílias urbanas mais favorecidas onde se localizavam os liceus o acesso ao ensino secundário não oferecia obstáculos de relevo. As distâncias físicas de localização, no período em que havia um único liceu, eram mitigadas com recursos económicos.

Para as famílias dos estratos altos do meio rural apesar de disporem de recursos económicas para minorar os efeitos da distância em relação à sede dos liceus, recorrem às suas redes sociais familiares para amenizar os custos elevados de estadia na Praia e/ou no Mindelo.

Em relação aos estratos sociais médios urbanos e rural, a situação é diversa. Nas situações em que o estabelecimento do ensino secundário localizava-se no local de residência, os recursos familiares eram no geral auto-suficientes para garantir o aceso. Entretanto, nos casos em que o liceu ficava fora do local de residência, o acesso dependia da mobilização das redes sociais familiares e do acesso ás redes de educação religiosa.

Para as famílias de origem pobre urbana, a escolarização secundária requeria a mobilização de múltiplas estratégias, desde a inserção em redes sociais mais favorecidos, ao apoio da igreja. No que às famílias pobres do meio rural diz respeito, o ingresso no ensino secundária era praticamente impossível sem as redes familiares e o apoio decisivo das congregações religiosas. A tabela 79 sintetiza essas principais variáveis.

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Tabela 79 - Matriz de influência de variáveis no processo de acesso à escolarização secundária antes da independência e da massificação do ensino

Estrato social

Meio Alto (mais Médio (modestos) Baixo (pobres) favorecidos

Urbano Família e Estado Família, Estado, rede Igreja, rede social social (profissional (empregador, professor, liberal, professor, etc) etc), partido e Igreja

Rural Família Família, rede social Igreja, rede social (tios, (tios, padrinhos, etc) padrinhos, etc), instituições filantrópicas, partido

5.3.3. Ensino superior: do gargalo estreito ao alargamento pós-independência

Até às vésperas da independência, como referimos ao longo deste capítulo, não existia um sistema organizado de financiamento de bolsas de estudo. Havia, isto sim, iniciativas dispersas de instituições públicas (governo central e câmaras municipais) e organizações não-governamentais que colocavam um punhado de bolsas de mérito à disposição dos candidatos da província.

Para uma parcela importante dos estudantes provenientes das famílias dos estratos alto e médio urbano, as dificuldades não se colocavam tanto em termos da continuidade dos estudos a nível dos ensinos primário e secundário, mas, acima de tudo, na prossecução da formação superior, dado os elevados custos que acarretava.

No período que antecede a independência, as bolsas de estudo ainda rareavam na província. Estas limitavam-se a algumas bolsas de mérito do Governo central, das câmaras municipais, da Fundação Calouste Gulbenkian e do próprio fundo pedagógico do liceu Gil Eanes, embora este último não se destinasse exclusivamente ao financiamento dos estudos superiores. Baltasar Lopes da Silva, então reitor do liceu Gil Eanes empreendia diversas estratégias para apoiar os melhores estudantes, especialmente, os das famílias mais humildes, a lograrem uma formação superior nas universidades portuguesas (Lopes: 2010).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Em relação às bolsas de estudo concedidas pelas câmaras, uma entrevistada de origem social humilde residente no meio urbano reporta-nos o seguinte:

“(…) Quando terminei o 7º ano, candidatei-me a uma bolsa da câmara da Praia e obtive uma bolsa grátis e, no decurso do 3º ano do curso, resolveram transformá-la numa bolsa empréstimo. (…) E eu até queria abandonar o curso porque não tinha sido esse o trato com o ministério. Mas pronto! Consegui terminar o curso e ainda paguei a bolsa durante alguns anos (…).” (Entrevistado 19). Com a atribuição de uma bolsa de estudo da Câmara Municipal da Praia, a entrevistada segue para Lisboa onde conclui a sua formação superior, tornando-se na única dos 8 irmãos a findar os estudos superiores. Posteriormente, no decurso da sua trajectória profissional, ela veio a ser nomeada para ocupar um cargo de direcção no Ministério da Educação.

Não obstante a inexistência de um sistema estruturado de atribuição de bolsas destinadas aos estudantes do ultramar, o Governo colonial dispunha, entretanto, de um mecanismo para apoiar os diplomados do ensino secundário a prosseguirem os estudos em Portugal através do custeio das primeiras passagens, por via marítima. No caso de Cabo Verde, essa passagem importava, em 1956, 2020$00 (dois mil e vinte escudos) - montante equivalente, na década de 50 ao salário mensal auferido por um alto funcionário da administração do Estado.

O dispositivo legal que regulava o financiamento dessas passagens estipulava que “no caso de a competente dotação não comportar a concessão de todas as passagens requeridas, serão os pretendentes graduados em escalões segundo as seguintes valorizações finais: o primeiro 18 a 20 valores, o segundo 14 a 17 e o terceiro 10 a 13”. Reza ainda o referido diploma que “dentro de cada escalão serão preferidos os candidatos segundo as necessidades económicas das respectivas famílias e em circunstâncias destas pela ordem numérica de valorizações. Curiosamente, em relação ao segundo e terceiro escalões, este dispositivo determinava que os pretendentes do sexo masculino gozam de preferência sobre os do sexo feminino nos cursos que não se destinem expressamente a carreiras exclusivamente desempenhadas por mulheres (Cf. Regulamento a que se e refere o artigo 6º do Decreto nº39297, de 29 de Julho de 1953)56.

56 De entre os 38 estudantes que deveriam beneficiar das primeiras passagens para a Metrópole em 1953, figuram indivíduos que chegaram a ocupar importantes cargos na chefia do Estado de Cabo Verde ou em 258

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

De uma forma geral, nesse regulamento subjaz alguma preocupação social, pois os estudantes mais desfavorecidos são preferencialmente seleccionados, claro, desde que apresentem um desempenho escolar igual ou superior aos demais candidatos. Ao mesmo tempo, preconiza a selecção preferencial de rapazes, sendo preteridos apenas nas áreas de formação ditas “genuinamente femininas”, o que constituía uma discriminação negativa das raparigas.

Numa apreciação minuciosa do perfil social desses candidatos às primeiras passagens, de acordo com as informações sobre as profissões dos pais ou encarregados de educação insertas no processo de candidatura, evidencia-se que se trata de um estrato alto e médio da sociedade cabo-verdiana, pois 2/3 eram filhos de funcionários públicos, proprietários de terra, comerciantes e pequenos industriais. No seio desse grupo, encontramos também candidatos cujos pais eram pescadores, domésticas, trabalhadoras, o que denota, como temos referido ao longo deste capítulo, a presença, ainda que tímida, de estudantes de camadas sociais mais desfavorecidas.

sectores importantes da sociedade cabo-verdiana, a saber: Pedro Verona Pires, ex-primeiro ministro durante a I República (1975-1991), e posteriormente, presidente da República, entre 2001 a 2011, Teófilo Figueiredo Almeida Soares, ex-ministro das infra-estruturas; Jorge Maria Ferreira Querido, uma das figuras históricas do PAIGC, ex-deputado e alto dirigente da Administração Pública; Horácio Constantino da Silva Soares, ex-director geral do ministério da agricultura e ex-presidente do INIDA; João Manuel Varela (falecido), médico e investigador na área da neurociência, poeta e escritor, de entre outras pessoas. De referir ainda que na lista dos candidatos às primeiras passagens consta uma proporção importante de mulheres seleccionadas para o curso de magistério primário.

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Tabela 80 - Profissão dos pais dos estudantes candidatos às primeiras passagens para a metrópole, 1956.

Profissão Fr % Comerciante 4 11 Doméstica 1 3 Empregada Particular 1 3 Falecido 1 3 Fe rreiro 1 3 Funcionário Público 12 32 Industrial 1 3 Marítimo 1 3 Pastor de Igreja 1 3 Pescador 1 3 Proprietário(a) 6 16 Trabalhadora 1 3 S/R 7 18 Total Geral 38 100

Fonte: IAHN, RPSAC: SC:J\SR:G\Cx241

Num país onde as famílias possidentes não estavam imunes às dificuldades sazonais de uma sociedade historicamente vulnerável, não faltavam responsáveis familiares a rogar preces ao Governador solicitando, ao abrigo do referido regulamento, o custeio da deslocação à metrópole para a formação dos filhos. Vejamos as declarações de Jonas Wahnon e Leão David Cohen endereçadas aos serviços de Administração nas quais expendem as razões por que solicitam o financiamento da passagem:

Declaração a que se refere o Decreto nº 39.362, de 16 de Setembro de 1953

Jonas Wahnon, casado, industrial, residente nesta cidade do Mindelo, declara que não tem ordenado nem rendimento fixo. Possue o prédio onde mora e vive do dia a dia, cada vez mais incerto, da sua modesta indústria de padaria, pela qual paga de contribuição e licença, anualmente, a quantia de Esc.3.366$00. Os respectivos lucros, devido à crescente diminuição das vendas dos produtos que manufactura, mal cobrem, presentemente, as próprias despesas da laboração. Possue sete filhos a seu cargo, quatro dos quais a estudar. S. Vicente, 15 de Outubro de 1956 Fonte: IAHN: SC:J\SR:G\Cx235

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Declaração Eu, abaixo assinado, Leão David Cohen, casado, comerciante, natural da ilha de Santo Antão e residente em São Vicente, declaro sob minha palavra de honra, para efeitos do disposto no Regulamento aprovado pelo decreto Nº. 29.362, de 16 de Setembro de 1953, que tenho a meu cargo 2 filhos legítimos, sendo I filha em idade de estudos, e que as ultimas contribuições pagas ao Estado pela minha atividade comercial do ano de 1955 foram de Esc.2.396.00 a licença camarária de Esc.726.00, - a contribuição predial urbana de Esc.1.167.00, e a rústica de Esc.158$00,- sendo de esclarecer que os prédios urbanos são utilisados para moradia própria e estabelecimento comercial, - tendo sido aproximadamente absorvido pelas despesas os lucros da minha actividade comercial. Mindelo em S. Vicente 15 de Outubro de 1956

Fonte: IAHN: SC:J\SR:G\Cx235

Essas declarações reforçam a nossa observação inicial segundo a qual muitas famílias, que se situavam, em termos de rendimentos, muito acima da média nacional, não estavam elas próprias imunes às precariedades estruturais de uma estrutura produtiva exangue e requeria do Estado algum apoio para financiar os custos de formação dos filhos.

De acordo com os dados relativos aos candidatos seleccionados para beneficiarem das primeiras passagens, verifica-se que a maioria dos escolhidos é originária dos estratos mais baixos da sociedade, o que de certo modo indicia os efeitos da política social do Estado colonial. Outrossim, evidencia os excelentes resultados alcançados por estudantes de origem social mais humilde, seleccionados para a frequência a cursos nas áreas da engenharia, medicina e direito em prestigiadas instituições de formação na metrópole. Tabela 81 - Lista graduada dos estudantes que deverão beneficiar da primeira passagem para a Metrópole, nos termos do Decreto Nº 39 294, de 29 de Abril de 1953, em 1956

Nome Estudante Nota Final Profissão Curso Instituição 7º Ano Pai/Encarregado(a) Educação António Mendes 16 Trabalhadora Direito Lisboa Cardoso José Vicente Pinto 15 Ferreiro Medicina Coimbra Leonel Barbosa 15 Falecido Engenharia Coimbra José da Paz Monteiro 15 Marítimo Engenharia Coimbra Pedro Verona Rodrigues 15 Proprietário e Físico- Coimbra Pires Comerciante químicas Aleides Ades d’Ávila - - - - dos Santos Fialho Fonte: IAHN: RPSAC: SC:J\SR:G\Cx235.

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No período que antecede à estruturação do sistema de atribuição de bolsa de estudos, os estudantes oriundos de estratos baixo e médio cujos pais não podiam suportar o financiamento dos estudos eram absorvidos pelo mercado de trabalho na Administração Pública (Ramos, 2008; Ferreira, 2011) ou no débil sector privado. Assim, fala-nos uma estudante mindelense da trajectória das irmãs e do seu imaginário formativo:

“ (…) As minhas irmãs estudaram em Portugal, uma fez medicina e a outra engenharia. A mais velha, a que fez medicina estudou com a bolsa da Câmara Municipal de São Vicente. Era uma bolsa reembolsável. (…) Quando regressou da formação, pagámos tintin por tintin. A outra irmã sempre quis estudar matemática, mas não tínhamos condições de mandá-la estudar em Portugal. Mas aconteceu uma coisa curiosa. (…) Um dia ela encontrou o Dr. Aníbal, que morreu recentemente e este lhe perguntara “ tu já tens bolsa? Ela disse não. E pelos vistos vou ter que trabalhar porque o meu pai não vai poder mandar-me estudar. Não, não pode ser! Uma aluna como tu não pode ficar aqui. Tu farias engenharia geográfica? Porque havia só uma pessoa, o Roberto Duarte Silva, que tinha tirado o mesmo curso. Ela responde: “Sim, mas eu nunca pensei ser engenheira. Mas e se eu te arranjasse uma bolsa?” A vontade de estudar era tanta, ela, então, aceitou. Realmente, o Dr. Aníbal conseguiu-lhe uma bolsa da Gulbenkian, pois ela tinha uma média de 18 valores nessa altura”. (…) (Entrevistado 9). A primeira irmã acede ao ensino superior devido à bolsa reembolsável concedida pela Câmara Municipal, instituição onde o pai ocupava um cargo na direcção. A segunda beneficia da influência pessoal do Dr. Aníbal e de suas redes de relações, que intercede a seu favor para a obtenção de uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Apesar do mérito individual das referidas estudantes ao concluírem o secundário com elevado aproveitamento, o capital social do pai e sua extensa rede social cumprem papel de relevo na apropriação de oportunidades inalcançáveis para a esmagadora maioria dos estudantes cabo-verdianos.

Apesar das circunstâncias de escolarização da família da nossa entrevistada serem relativamente boas, no conjunto da sociedade cabo-verdiana, ela se afigurava insuficiente para proporcionar um ciclo contínuo de oportunidades de formação superior no estrangeiro. A nossa entrevistada foi obrigada a fazer um compasso de espera, pois os recursos de que dispunha a família revelaram-se insuficientes para suportar custos com o ensino superior de forma sequenciada a um número elevado de irmãos, capacidade de resto a mercê de apenas um punhado de grandes proprietários, comerciantes e altos funcionários. Vejamos o que nos confidencia a nossa entrevistada.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

“(…) No meu imaginário eu seria advogada. Quando que deixei de ser advogada? Terminei ainda o 7º ano sendo advogada. Tendo duas irmãs a estudar no exterior, não havia como prosseguir os estudos também. Tive de esperar um ano para ter a idade laboral. (…) Depois, comecei a trabalhar aqui como professora do ciclo preparatório, como professora de português. No ano seguinte, começou a ter a “chuva de bolsas”, não é?! Eu resolvi arriscar a minha sorte a ver se eu podia continuar os estudos e consegui, realmente, uma bolsa para o Brasil”. (Entrevistado 9). Neste caso, é o advento das bolsas de estudo concedidas em larga escala (chuva de bolsas) pelo Estado nacional que alarga as oportunidades de escolarização superior da classe média urbana e rural, ela mesma incapaz de se reproduzir autonomamente, e inclui de modo extensivo os estudantes das famílias mais pobres.

Em suma, a maioria dos diplomados do ensino secundário por ser proveniente dominantemente dos estratos médio e alto da sociedade cabo-verdiana conseguia arcar com as despesas de formação dos seus filhos no exterior, embora não escusando solicitar, ao abrigo da legislação existente, o financiamento das primeiras passagens. Mesmo no seio desses estratos, cuja prole era geralmente elevada, impunha-se alguma cadência na gestão dos postulantes ao ensino superior, obrigando-os a optarem pela inserção na vida profissional como forma de apoiar as despesas familiares.

Com o advento do Estado pós-independência, no quadro de um projecto político ambicioso de transformação social, com vista a forjar um homem novo, livre das amarras do colonialismo – como postulava Cabral – edifica-se um amplo programa de formação de quadros no exterior, cuja natureza e extensão não se alteraram até meados dos anos 200057. Assim, o programa de bolsas de estudo consolida as oportunidades de formação superior dos estratos altos, amplia as dos estratos médios, outrora, obrigados a fazer um compasso de espera incerto no seu processo formativo. De igual modo, inclui a maioria dos estudantes originários dos estratos sociais baixos, em grande medida excluída desse nível de ensino (Cf. Anexo 9: Relação nominal dos bolseiros Cabo- verdianos entre 1979, 1980 e 1981).

Em relação aos diplomados dos segmentos médio urbano, a capacidade das famílias suportar os custos de formação era limitada – em geral adstrita ao primeiro filho diplomado - beneficiando geralmente da rede social a que estavam inseridas e do apoio

57 Com o crescimento acentuado dos estabelecimentos de ensino superior (Uni-Piaget, IESIG, ISCSJ, ÚNICA e Uni-Santiago) alargam-se as possibilidades de formação superior no país, contribuindo para um contínuo processo de inversão do local de formação, especialmente para as camadas mais pobres da sociedade cabo-verdiana. 263

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 do Estado (bolsas das câmaras e ao pagamento das passagens por parte do Governo central).

O mesmo fenómeno acontecia com os alunos dos estratos médios do meio rural, tendo a Igreja desempenhado o papel que a rede social cumpria no espaço urbano. No concernente aos candidatos ao ensino superior originários das camadas pobres, expostas a duras condições de sobrevivência, o financiamento desse nível de ensino era praticamente uma quimera. Em geral, o acesso ao ensino superior tornou-se possível garças o apoio do Estado e de rede social, no meio urbano, e da Igreja, no meio rural.

Tabela 82 - Matriz de influência de variáveis no processo de escolarização superior

Estrato social

Meio Alto (mais favorecido) Médio (modesto) Baixo (pobres)

Urbano Família e rede social Família, rede social Estado, rede social, (pais, irmãos, amigos, (funcionários, prof. partido etc) liberal), Estado

Rural Família e rede social Igreja, Estado e Igreja, Estado, rede rede social social (familiares na (familiares na emigração) emigração)

5.3.4. Outras vias se abriam para os antigos funcionários e seus filhos na província e na diáspora africana

Outras vezes, a inserção na carreira administrativa constituía ela própria uma via de acesso ao ensino superior através dos cursos superiores strictu e latu sensu feitos no Instituto Superior de Ciências Sociais Políticas Ultramarinas, em Portugal.58

Entretanto, com o eclodir do movimento de libertação nacional na década de 60, surgem algumas oportunidades de formação superior através das organizações internacionais, nomeadamente a UNESCO. Um dos estudantes cabo-verdianos em Coimbra, em vias de ser recrutado para exército, assevera ter fugido para o Brasil onde beneficia da bolsa da referida instituição.

58 À laia de exemplo, podemos citar os casos de Tiago Estrela (Santo Antão), Arnaldo França (Santiago) Aquilino Camacho (Santiago), Francisco Manuel dos Reis (São Nicolau), Manuel Chantre (Santo Antão) de outros.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Como constatamos no capítulo anterior, uma proporção não desprezível dos dirigentes da administração cursa uma trajectória familiar nas antigas colónias portuguesas em África, especialmente na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, para onde seus ascendentes desempenharam funções no aparato administrativo colonial ou então empreendiam negócios. Atentemos ao que nos relata a nossa entrevistada:

“(…) Nasci na Guiné e sai de lá logo depois da independência, em 1976. O meu pai é de S. Vicente e foi para a Guiné, acho eu, nos anos 40 como funcionário público. Ele e a minha mãe conhecerem-se na Guiné e casaram-se lá. Ele tinha o antigo 7º ano na altura feito no liceu Gil Eanes. (…) A minha mãe nasceu na Guiné, mas os pais eram cabo- verdianos. O meu pai foi director no Ministério da Fazenda e a minha mãe trabalhava nas alfândegas A minha avó materna é de São Vicente e o avô materno de Santa Catarina (Santiago). O pai da minha mãe era muito conhecido, acho que foi administrador de Bafatá”. (…) (Entrevistado 22). Esse relato assinala para uma presença familiar dos ancestrais cabo-verdianos na Guiné- Bissau para onde muitas famílias empreendiam negócios e ocupavam posições importantes na cúpula da administração. A elevada escolarização dos cabo-verdianos em comparação com a população local e a escassez de gente da metrópole para deslocar ao ultramar, colocava-os numa posição vantajosa a ponto de quase monopolizarem os cargos intermédios e, em alguns casos, de cúpula da administração colonial. Continua a entrevistada:

“(…) Com a independência fomos para Portugal, eu, os meus pais e os meus irmãos. Saímos porque o meu pai achou que houve modificações no sistema, começaram a colocar pessoas sem formação a dirigir a administração e tudo indicava que o sistema de ensino iria diminuir de qualidade, com os professores sem formação a dar aulas. Tudo isso, fez com que o meu pai estivesse motivado a ir para Portugal. (…) Em Portugal ele já era reformado, pois já tinha trabalhado muito tempo para o governo português. (…) Na altura até tinham-lhe feito uma proposta para trabalhar em Cabo Verde, mas ele não aceitou porque disse que Cabo Verde deveria estar igual a Guiné em termos de administração, nunca voltou para Cabo Verde, viveu 30 e tal anos na Guine e depois foi para Portugal e não se aventurou a vir para Cabo Verde(…)” (Entrevistado 22) Em Portugal prossegue os estudos secundários às expensas do ordenado de aposentação de que o pai beneficiara na qualidade de antigo funcionário da administração ultramarina, como nos relata nestes termos:

“(…) Quando cheguei a Portugal já estava no 5º ano do liceu e fui logo para o liceu (…) e foi lá que completei o secundário. Na Universidade no primeiro ano durante a licenciatura tive que custear o curso sozinha e depois pedi a bolsa na Gulbenkian como guineense em Portugal e continuei o curso a partir do segundo ano com bolsa (…)” (Entrevistado 22). Todavia, o prosseguimento dos estudos a nível superior por conta própria se afigurava um pouco dispendioso para a família, razão pela qual a entrevistada beneficia, na

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 qualidade de guineense, de uma bolsa para conclusão dos estudos. Após o término da formação superior, decide, por razões pessoais, conhecer a terra dos seus pais onde ocupa alguns cargos importantes no topo da Administração.

O processo de descolonização revelou-se traumático para segmentos da classe média cabo-verdiana estabelecida, especialmente na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, pois viram os seus privilégios ameaçados e não vislumbraram garantias de manter os seus bons salários e condições seguras de boa educação para os seus filhos. Diz-nos uma antiga funcionária cabo-verdiana que residia em Angola o seguinte:

“ (…) Fui a Angola no início dos anos 60. Lá eu trabalhava nos transportes aéreos e o meu marido nas finanças. Em 1974, regressámos a Portugal devido a muita confusão com a independência. (…) Foi muito triste, pois muitos foram ameaçados e maltratados. Então, muitos cabo-verdianos foram vítimas de violência e logo deram os passos necessários para ir a Portugal, onde puderam sentir mais seguros e ver melhores dias para os seus filhos. Aquilo não tinha rei nem Roque (…). (Entrevistado 23). Vejamos o que nos relata uma outra funcionária que se deslocara a Angola no início dos anos 60.

“(…) Chegou a uma determinada altura que as pessoas começaram a sentir-se incomodadas, não assim porque nunca ninguém me incomodou assim aquele incómodo que a pessoa possa sentir, mas para os miúdos da escola por exemplo já sentiam incomodados. Dizem por exemplo vai para tua terra. (…) É isso, e quando a pessoa se sente que está a mais num determinado sítio. (…) E foi por eles que viemos. (…) Mas o ensino lá estava um bocado decaído e as crianças perdiam-se naquilo, a escola estava em baixo e então porque queríamos que eles se formassem e tivessem uma formação como deve ser e resolvemos vir, e fizemos bem porque estão todos licenciados e preparados para o futuro (…)” (Entrevistado 23). A insegurança a que se refere a entrevistada constitui um dos traços matriciais da classe média cabo-verdiana, que desde muito cedo adquire alguma consciência de que a aposta na escolarização dos filhos constituía o melhor antídoto para enfrentar as incertezas do futuro.

Um dos aspectos lacunares da nossa história recente é o relativo desconhecimento da trama de relações político-culturais estabelecidas por esse segmento cabo-verdiano com a população nativa dessas colónias. Em relação a uma franja de cabo-verdianos que fixa a sua residência em Portugal, Luís Batalha (2004) apresenta um retrato de como reinventa a sua dupla identidade luso-cabo-verdiana, realçando como “os órfãos do império”, expressão nossa, rememoram as suas vivências arquipelágicas através da organização regular de actividades de cariz sociocultural em Lisboa.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Ao reconstituirmos a trajectória dos diplomados do ensino secundário com recurso aos dados dos arquivos dos liceus e das informações prestadas por colegas de turma, verificamos que a grande maioria dos estudantes cabo-verdianos diplomados nos liceus Gil Eanes, no Mindelo, e Adriano Moreira, na Praia, pertencente aos estratos médio e alto da sociedade cabo-verdiana, faz a sua trajectória formativa e profissional na diáspora. Essa diasporização dos diplomados rumo à metrópole e em menor dimensão a outros países da Europa e das Américas conhece um fluxo importante desde das últimas décadas do século XIX até finais dos anos 60 do século XX, apresentando uma clara tendência de inversão a partir dos meados da década 70, com o avizinhar da independência.59

A pujante presença dessa importante diáspora de funcionários e de quadros cabo- verdianos faz-se sentir nas associações criadas durante o regime colonial e após a descolonização 60. Recentemente, foi criada, no Mindelo, a Fundação dos antigos alunos do liceu Gil Eanes, com o fito de reavivar a importância desse espaço formativo na formação da elite cabo-verdiana. Essas organizações são expressão desse longo processo de mobilidade de diplomados dos liceus de Cabo Verde para a ex-metrópole e demais países da Europa, EUA e África.

59 Adriano de Oliveira Lima, antigo aluno do liceu Gil Eanes, recorda-se de que dos 15 diplomados no ano lectivo 1953/54, 11 fixaram a sua residência em Portugal, após o término dos estudos superiores. De igual modo, Cândida Gonçalves finalista do liceu Adriano Moreira na Praia, ano escolar 1963/64, lembra- se de que dos 17 colegas, 8 estabeleceram a sua residência em Lisboa. Um outro ex-aluno do liceu Gil Eanes, Luís Alves, tendo concluído os estudos liceais no ano lectivo 1968/69, afirma que dos 20 diplomados a metade reside em Portugal, António Ludgero Correia aponta que dos 29 colegas diplomados do liceu da Praia, no ano lectivo 1972/73, 17 (59%) regressaram a Cabo Verde, Óscar Melício, recuperando a trajectória dos companheiros de turma diplomados no liceu Ludgero Lima (ex-Gil Eanes) regista que dos 23 estudantes do 7º ano, 16 (70%) retornaram ao país após a formação. De igual modo, António Gomes lembra-nos que 25 dos 29 colegas (86%) diplomados no liceu Domingos Ramos (ex-Adriano Moreira) no ano lectivo 1978/79 residem em Cabo Verde. Estes dados apontam para uma acentuada inversão do local de residência dos diplomados dos liceus de Cabo Verde, situação que se consolida ao longo dos anos 80 (Fonte: entrevistas a antigos alunos dos liceus do Mindelo e da Praia).

60 De entre as organizações criadas convém realçar: a Liga dos Amigos de Cabo Verde, instituída em Angola em 1965, impulsionada pelos irmãos Mário e Avelino Barreto, Sérgio e Humberto Duarte Fonseca; a Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde (AAAESCV), instituída em 1987, tendo como sócios fundadores João de Meneses Marques, Gumercindo Chantre, José Alves Brito e Osvaldo Soares; a Associação de Quadros da Diáspora, que congrega cabo-verdianos residentes em todos os continentes, especialmente na Europa e nos EUA (Cf. Liga dos Amigos de Cabo Verde, Suplemento ao Boletim Cultural, 1966, Boletim Cultural nº2, Ano II, Novembro, 1968; Brochura comemorativa dos 75º Aniversário da Criação do Liceu de Cabo Verde, 1992, vide o site http://aaaescv.blogs.sapo.cv/).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

À semelhança do que ocorre com o acesso ao ensino secundário, o ingresso no sistema de ensino superior era ainda mais restritivo e as variáveis que o condicionavam variam consoante os estratos sociais e as regiões de onde provêm os estudantes. No que se refere aos alunos dos estratos sociais altos residentes no meio urbano e rural, o acesso e a permanência no ensino superior no exterior dependia largamente das condições económicas das famílias e de suas redes sociais em Portugal, onde, amiúde, residia algum familiar.

5.4. Estratégias de escolarização: práticas individuais e familiares

Manuela Afonso, no seu estudo sobre educação e classes sociais em Cabo Verde ao comparar a estrutura de classes com a origem social dos alunos, constata que a pequena burguesia dirigente e técnica e a pequena burguesia executante, estão sempre sobre representadas. Alega, ainda, que a reduzida presença do campesinato resulta da penalização do meio rural na configuração da rede escolar. Entretanto, Afonso atenta para uma presença não desprezível do operariado (15%) e do campesinato (5%), o que indicia que na escola secundária passam algumas trajectórias de mobilidade social ascendente (Afonso, 2002: 194).

Se é verdade que as posições sociais das famílias condicionam as oportunidades de escolarização, como sugerem os trabalhos consistentes realizados por Bourdieu (1989) e sua equipa de pesquisa (Charle, 2006), é preciso não obliterar que no interior de uma posição social muitas famílias conseguem resultados escolares diferenciados. Outras vezes indivíduos oriundos de famílias em posições sociais inferiores alcançam melhores resultados que aqueles que teoricamente estão numa posição social superior. Como adverte Charlot, não se deve “ter em conta apenas as posições familiares, mas interessar-se pelas práticas educativas familiares, ou seja, as atitudes em relação à escola mais do que a própria posição de classe” (Charlot,1997; Ogbu apud Charlot, 1992).

5.4.1. Os explicadores: uma estratégia de suprir as insuficiências do sistema formal de ensino

Num país arquipelágico, a localização de um bem raro – como as estruturas escolares – numa determinada ilha gera automaticamente assimetrias de oportunidades não só entre os estratos sociais mais favorecidos e desfavorecidos, mas também no seio dos primeiros residentes nas periferias dos centros escolares. Esta disparidade estrutural

268

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 impelia também as famílias das camadas possidentes a empreender estratégias diversas de escolarização.

Uma delas é a prática de explicação, cujas experiências pioneiras datam, provavelmente, da segunda metade do século XIX se tivermos em conta que a metade dos estudantes do seminário-liceu entre 1890 a 1918 provinha de outras ilhas, com destaque para Santo Antão, Santiago, Brava, Fogo e São Vicente, o que requeria alguma preparação antes do ingresso nessa instituição. (Neves, 2009: 262). Todavia, essa prática ganha maiores proporções e vulgariza-se, no decurso do século XX, com aumento do fluxo dos diplomados do seminário-liceu e do liceu nacional que se dedicam de forma integral ou complementar à actividade docente.

No Fogo, uma das explicadoras mais conhecidas era a D. Irene Barbosa, mãe de Gilda Barbosa, ex-aluna do liceu Gil Eanes e antiga professora no liceu Adriano Moreira, licenciada em matemática, afirma ter sido sua avó materna, Aninhas, uma das professoras em São Filipe por volta de 1900. A D. Irene Barbosa, após ter concluído os estudos primários, não tendo escola por perto por onde prosseguir os estudos dedicava- se ao autodidactismo. Segundo ela, a sede de saber era tanta que “procurava-se todos os meios disponíveis, na família e fora dela, para continuar a estudar” (Barbosa, 2007).

Em São Vicente, relatam-nos vários entrevistados que os antigos alunos e, posteriormente, professores do liceu ministravam aulas de explicação preparando os jovens para os exames de admissão e de fim-de-ano. De entre eles figuram Olavo Moniz, Guilherme Chantre, Augusto Pirico.

Em Santiago, nomeadamente nos centros urbanos dos concelhos da Praia e Santa Catarina, o ensino particular e/ou explicação eram actividades regulares de professores como Leão Gomes de Pina61, Hugo dos Reis Borges, Augusto Barreto, ambos ex- seminaristas. Esse processo granjeia nova dinâmica na cidade da Praia, a partir das décadas de 40, com o regresso de alunos formados no liceu Gil Eanes, como Alfredo Veiga, Filinto Correia e Silva, Júlio Teixeira, Orlando Mascarenhas, de entre outros.

Conta-nos Filinto Correia e Silva que após a conclusão do 5º ano do liceu em São Vicente, em 1958, promoveu aulas de explicação aos colegas postulantes aos cargos na

61 Leão Gomes de Pina, um dos grandes activistas da institucionalização do ensino secundário na capital, tendo edificado uma escola particular, nos anos 50, que, entretanto, teve pouca longevidade (Cf. CARVALHO: 2010). 269

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Administração Pública, de entre os quais destacam-se Francisco Évora, Orlando Mascarenhas, estes dois foram funcionários em Moçambique e na Guiné, respectivamente, Alcides Barros, de entre outros. Muitos desses alunos reciclados na explicação replicaram, posteriormente, essa actividade instruindo uma nova vaga de alunos. Eis o que nos relata uma entrevistada:

“(…) Os meus 4 irmãos mais velhos o Orlando, César, Daniel, Hermengarda foram para São Vicente fazer o exame porque não havia liceu aqui na Praia. Quem lhes dava explicação era o Sr. Orlando Mascarenhas. No final do ano tinha-se de preparar os filhos e arranjar a casa em S. Vicente e eles iam de barco para fazer o exame em S. Vicente até o 5º ano e o 7º ano (…)” (Entrevistado 24). A explicação e o autodidactismo constituíam, historicamente, estratégias vigentes no seio das famílias dos estratos médio e baixo da sociedade cabo-verdiana para minimizar os elevados custos que a frequência dos estudos em São Vicente comportava. A escola do Sr. Tonas foi aquela que ganhou maior dimensão na década de 50 na Praia, funcionando a todo o vapor das 7 horas da manhã às 20, albergando quase 200 alunos.

A narrativa que se segue descreve o processo de escolarização de um indivíduo que, sendo filho natural, vivencia enormes adversidades na reconstrução de seu percurso familiar, mas que dispensa uma enorme importância ao processo de escolarização dos filhos. Atentamos para o que nos relata uma entrevistada a respeito do percurso do pai:

“ (…) Meu pai perdeu uma perna ainda quando criança. Quem cuidou dele foi uma enfermeira portuguesa. Foi ela que lhe deu todo o apoio, ensinou-lhe a andar com a muleta depois de ter a perna cortada e quando ele já estava pronto para sair do hospital, depois de quase dois anos internado, essa enfermeira deu-lhe uma cartilha, um caderno e disse. Vais estudar todos os dias ou todas as semanas, tu vens para aqui para te ensinar a escrever. (…) Então dois anos depois ele já sabia ler, escrever. A enfermeira dava lhe livros. Então ele dizia que quando tinha 10 anos, com o apoio da enfermeira, conseguiu fazer a 2ª classe, mas sabia muita coisa. (..) Havia um sistema em que os alunos podiam passar no meio do ano se tivesse demonstrado aquela capacidade. Então ele costumava sempre dizer que em dois anos conseguiu fazer o primário. Depois, concorreu para leccionar como professor, mas não foi aceite porque tinha uma perna amputada. (…) Então, ele foi trabalhar numa sapataria com um português que lhe ensinou. Ele dedicou a vida toda à profissão de sapataria (…)”.(Entrevistado 24). A escolarização é conseguida graças ao apoio da enfermeira, que lhe ensina as primeiras letras, e ao esforço próprio em alfabetizar-se. A partir dessa vivência que comporta traumas e nesgas de esperanças, ele recompõe o seu percurso em que o presente é visualizado como o que pode ser imaginado, redefinido pelo desejo de vencer e de mudar do próprio sujeito. A sua situação social anterior é percebida não como uma

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 fatalidade, mas como um passado que pode ser recusado como algo insuportável e passível de ser superado na labuta diária.

A interacção social, num meio urbano, colocava-o ante outras personagens e algumas redes sociais a que podia atrelar a sua vontade e enlaçar nós por onde procura recompor a sua trajectória imaginada, esta diferente daquela para onde sinalizava a vivência inicial. A forma como constrói o seu percurso reflecte-se em grande parte na atitude como educa e aposta na formação dos filhos. Atentamos para o que nos diz a filha:

“(…) Então eu acho que nós, os meus irmãos, porque o meu pai ele trabalhava ali, mas tinha de ter o horário de todos os filhos, ele controlava os estudos, se nós tivéssemos dificuldades ele chamava uma pessoa para tirar aquela dificuldade caso ele não conseguisse esclarecer. (…) Lembro-me, que advertia ao nosso irmão, mais velho, que ele tinha obrigação de ensinar os mais novos. (…) Então todo o mundo trazia as notas e ele anotava na sua agenda e ia lá no liceu. (…) Ele mandava comprar os livros em Portugal, mas estes eram mui bem conservados para serem reutilizados por todos nós quando chegasse a nossa vez de manusear o livro” (Entrevistado 24). A gestão do processo de ensino a que submetia cada um dos filhos, através de estratégias diversas quer dos irmãos mais velhos e mais escolarizados que exerciam tutoria em relação aos menores, quer os investimentos em recursos pedagógicos (livros, dicionários, gramática) adquiridos em Portugal, comportava um sentido de disciplina e de exigência em relação aos resultados escolares.

A combinação dessas duas estratégias favorecia a emergência, em casa, sob a liderança do pai, de um ambiente de aprendizagem que induzia o desempenho escolar dos filhos. Dos 12 filhos, a grande maioria completou formação superior nas áreas do Direito, Ciências sociais, Matemática, Física, Medicina, Arquitectura e Educação e desempenhado cargos de topo nas instituições públicas e privadas, no período pós- independência.

Um outro relato a respeito do controlo do processo de aprendizagem em casa nos é oferecido por uma estudante de Mindelo que nos relata nestes moldes de sua experiência:

“ (…) O meu pai, como tinha mais formação, o 5º ano do liceu, ele cuidava do outro lado que era da nossa formação. (…) Então, ao mesmo tempo que ele trabalhava, quando ele chegava em casa, perguntava pelas lições, corrigia os trabalhos para ver, ele tinha muito cuidado em ver-nos o português por exemplo, em ver se nós tínhamos os trabalhos como deve ser, punha-nos na linha, não é? Porque ditava as regras do jogo em casa (…)” (Entrevistado 9)

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

O pai assumia as rédeas do processo de escolarização através da vigilância das lições, especialmente do domínio da língua portuguesa, enquanto língua veicular do conhecimento, e da disciplina necessária aos estudos.

Outras vezes não eram apenas estratégias familiares de construção de um ambiente caseiro mais propício à escolarização, como referimos acima, mas subterfúgios individuais para aceder a recursos importantes no processo de escolarização. Diz-nos uma outra entrevistada o seguinte:

“(…) Os livros de línguas eram muito caros e o meu pai, como aposentado, auferia um salário muito baixo. E, então, o que eu fazia. Estudava com os colegas, o Tony, (António Mascarenhas - ex-presidente da República), a Esther Melo, a Iolanda, o Valdir da casa Firestone. (…) Eles tinham livros. Com eles, partilhava os trabalhos e assim consegui fazer os meus estudos com bom desempenho (…). (Entrevistado 19) Esse registo patenteia que a inserção numa rede social mais favorecida permite-lhe aceder a um recurso escasso – os livros – coisa de resto distante das suas reais possibilidades materiais, mas não simbólicas. Ela põe em marcha estratégias pessoais, atrelando-se a uma rede social para dela tirar maior benefício necessário à realização do seu desiderato.

Em suma, o ensino secundário em Cabo Verde nasce sob o signo da selectividade e da disparidade regional, excluindo a maioria da população em idade escolar residente bem distante das sedes dos liceus a um tempo em São Nicolau, depois no Mindelo e, posteriormente, na Praia. Numa primeira fase até os anos 60, o universo dos diplomados do ensino secundário (1º, 2º e 3º ciclos) compunha-se de estudantes originários de famílias possidentes dos meios urbano e rural que tinham condições de suportar os elevados custos de acesso e permanência ao liceu, encurtando as distâncias físicas através dos recursos económicos. As famílias mais abastadas que residiam nas ilhas periféricas ao liceu adoptavam estratégias tendentes a minorar os custos da deslocação, inscrevendo os seus filhos nas escolas particulares (explicação) locais, enviando-os, no final do ano lectivo, para a realização dos exames como alunos externos.

A presença de estudantes originários dos estratos sociais mais desfavorecidos era pouco frequente e resumia-se, numa primeira etapa, aos estudantes residentes nos centros urbanos onde localizavam esses liceus. Estes estudantes beneficiavam de acções de solidariedade por parte de famílias, professores, instituições caritativas e do próprio liceu que os isentava do pagamento das propinas. Todavia, convém precisar que nem a

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 proximidade nem a isenção das taxas escolares garantiam automaticamente a frequência dos pobres nos liceus, pois outros requisitos como a indumentária escolar - vestuário e calçado – e os materiais didácticos importavam montantes aquém de suas reias possibilidades económicas.

A lenta alteração do perfil social dos estudantes do ensino secundário iniciada a partir da segunda metade da década de 60 resulta do aumento dos efectivos do ensino primário, em grande parte devido às acções das congregações religiosas católicas e, em menor dimensão, as protestantes (nazarena e adventista) e a nova política educativa para o ultramar com o movimento da descolonização pós II Guerra Mundial.

5.4.2. Militância partidária, escolarização e mobilidade social ascendente

A importância do poder e da autoridade política como critério de estratificação social foi largamente desenvolvida por Max Weber (1966) no debate que estabeleceu com o Marx a respeito dos fundamentos da dominação, demonstrando que esta não se subsume nas variáveis de natureza económica.

Caudatário de uma perspectiva dessacralizadora da dominação política tematizada por Weber, Bourdieu assevera que a lógica de legitimação política concorrencial faz com que o campo político funcione na lógica da oferta e da procura. Assente numa “desigual distribuição dos instrumentos de produção de uma representação do mundo social explicitamente formulada”, essa desigualdade concorre para “uma maior concentração do capital político nas mãos dos que dominam o partido cujos interesses estão ligados com a existência e a persistência dessa instituição e com os ganhos específicos que ela assegura” (2001: 164 a 168).

Neste sentido, o campo político-partidário constitui um espaço importante de apropriação do capital político que, associado a outras credenciais, acaba por influenciar o processo de mobilidade social dos indivíduos cuja natureza e extensão dependem de contextos históricos específicos.

À laia de exemplo, na Rússia pós-revolução e nos países do leste europeu – ditas de democracias populares (Kriegel: 1984; Fetjo, 1992), os partidos comunistas transformam-se, na fase inicial, numa via importante de mobilidade social ascendente ao permitir o acesso ao aparelho do Estado de segmentos relevantes do campesinato e do operariado urbano, outrora excluídos. Todavia, essa tendência de mobilidade

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 ascendente revela-se circunscrita à primeira geração de descendentes de trabalhadores não-qualificados, propendendo a declinar-se no decurso de gerações seguintes (Cf. Giddens, 1975: 289; vide Bauquet, 2006: 50; Kott, 2006: 157).

Em Cabo Verde, raros são os estudos que focalizam a sua análise sobre o papel dos partidos de massa, designadamente o PAIGC/CV e o MpD, no processo de mobilidade social. A investigação realizada por Coutinho sobre a trajectória dos dirigentes do PAIGC aponta para uma presença significativa dos indivíduos provenientes das camadas alta e média, entretanto, decadente da sociedade cabo-verdiana (Coutinho, 2004: 137). Cláudio Furtado, ao abordar a génese e a reprodução da classe dirigente cabo-verdiana, adverte que a nova vaga de militantes e dirigentes do Movimento para a Democracia, é repescada em parte no interior da Administração Pública, onde já se fazia sentir uma presença importante de jovens provenientes dos estratos médio e populares da sociedade cabo-verdiana (1997: 167). Esse processo indicia para mobilidade social ascendente como um dos efeitos das políticas sociais pós-independência.

Mas não é só no seio da burocracia que já se evidencia um contínuo processo de mobilidade social ascendente, mas também no interior dos partidos. Neste sentido, é preciso ter em conta que mesmo durante a vigência do partido único, o PAIGC/CV, por imperativos de consolidação de sua hegemonia política a nível nacional, necessita de incorporar nas suas fileiras uma proporção importante de jovens militantes que cumprem a função de mediadores da ideologia do partido junto às massas e, consequentemente, alarga a base social de recrutamento dos seus membros.

Contudo, os novos aderentes à causa da consolidação do partido como força dominante na sociedade cabo-verdiana não detinham, entretanto, um elevado nível escolar, o que levou a cúpula do PAIGC/CV a tomar medidas conducentes à elevação da sua preparação técnica. Assim, foi posto em marcha um Curso de Formação e Superação de Quadros, em Setembro de 1979, com o fito de conferir qualificações académicas – nomeadamente o Ensino Básico Complementar e do Curso Geral dos Liceus – e uma componente de superação relativa à elevação dos conhecimentos e capacidades de carácter político, ideológico e de cultura geral” (Cf. Decreto 63/84 de 30 de Junho, Suplemento ao Boletim Oficial nº26 de 30 de Junho de 1984).

O curso com a duração e 2 semestres estipulava dois perfis de saída: um equivalente ao do Ensino Básico e Complementar (1º Ciclo) e do Curso Geral dos Liceus (2º Ciclo),

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 findo o qual poderiam prosseguir os estudos nos estabelecimentos de ensino secundário ou integrar a Administração 62.

Uma proporção importante de finalistas desse curso de superação prosseguiam formação no Instituto Amílcar Cabral (IAC), criado, em 1985, com o objectivo de consolidar o programa de formação técnica e ideológica dos militantes do PAICV. Nesse novel instituto desenvolvem-se dois tipos de formação: (i) Curso básico de ciências sociais – com a duração e 2 anos, equivalendo ao 2º ano do curso complementar, favorecendo duas saídas: uma para a continuação de estudos e a outra para a inserção profissional na Administração Pública – e curso superior à distância nas áreas do Direito e Economia, no âmbito do protocolo de cooperação com a Universidade de Havana. De entre esses militantes, figuram indivíduos provenientes das camadas populares que visualizam nas actividades de mobilização política do partido oportunidades de escolarização e de formação (nas escolas do Partido e nas suas redes de parcerias internacionais) e de acesso a postos na burocracia intrapartidária e da Administração Pública, entretanto, entrelaçadas 63.

Se o crescimento da legitimidade do partido a nível nacional e na diáspora servia para consolidar e perenizar a reprodução do pessoal dirigente (lê-se ex-combatentes) no interior da estrutura do partido, com reflexos no sistema político em geral, ele também abria portas para o reposicionamento desses novos militantes no interior das estruturas intermédias do partido. E são esses jovens, com relativo capital político junto das estruturas de base do partido que, ante uma velha guarda partidária estigmatizada e descredibilizada aos olhos da população em resultado da derrota nos pleitos eleitorais de 1991, reposiciona-se para a renovação da cúpula do partido.

Seguidamente, analisaremos 12 trajectórias-tipo das elites político-administrativas cabo- verdianas, oriundas dos 3 grandes grupos sociais – alto, médio e baixo - que integram o nosso universo de estudo, com o propósito de explicitar, com algum nível de detalhamento, factores que potenciam a sua configuração. Este exercício permitir-nos-á, por um lado, aduzir as razões mais substantivas que concorrem para que a minoria da

62 De entre os formandos do curso de superação figuram: Duete Alcides Alfama (foi delegado do Governo Santa Catarina), André Rodrigues Pires, com uma importante trajectória dirigente nos ministérios da educação e das finanças. 63 De entre os formandos na área do direito figuram dirigentes que desempenharam elevadas funções na Administração Pública como Bartolomeu Varela (Secretário-geral da Educação), Octávio Ramos Tavares (ex-Ministro da Educação) de entre outros. 275

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 população proveniente dos estratos mais favorecidos chegasse em maioria à cúpula da administração. Por outro, compreender como a grande maioria da população chega em minoria, embora em proporção cada vez mais crescente.

Para efeitos analíticos, caracterizaremos essas trajectórias em dois grandes conjuntos. Um de reprodução, que por sua vez se subdivide em dois subtipos - auto-reprodução e reprodução restrita e dependente - e o outro de transformação.

Neste caso, não consideramos as trajectórias descendentes, uma vez que não nos parece crível que a obtenção de uma formação superior – que conferia oportunidades económicas e de status aos seus portadores no contexto cabo-verdiano – por parte da esmagadora maioria dos altos dirigentes possa ser considerada uma despromoção individual ou familiar (Costa e al, 1990: 201).

5.5. Recuperando algumas trajectórias das elites político-administrativas 5.5.1.Trajectórias de reprodução - uma reprodução autónoma

O tipo ideal, no sentido weberiano do termo (Weber, 2001), da trajectória de auto- reprodução caracteriza-se pelo facto de os seus membros serem detentores de recursos que garantem a reprodução social sem o auxílio de outras entidades externas à família. Em outros termos, isto quer dizer que uma trajectória aproximar-se-ia das do tipo ideal de auto-reprodução quando a família em apreço dispõe de recursos para a escolarização dos seus membros em todos os níveis de escolaridade, não estando essa possibilidade condicionada por nenhum factor exterior às próprias condições internas da família.

A descrição das trajectórias obedece à seguinte grelha de análise, a saber: em primeiro lugar, identificação do entrevistado (ano de nascimento, local e posição na ordem de descendência) e ascendência (local de nascimento, nível de instrução e profissão dos pais); em segundo a sua trajectória escolar e a dos irmãos, sempre que possível; em terceiro, a sua trajectória profissional, dos irmãos e dos filhos e, finalmente, em quarto a trajectória político-partidária.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Trajectória 1: Oliveira

Identificação e ascendentes

Oliveira nasceu na década de 40 e é o mais novo dos 8 irmãos. Descendente de uma família tradicional de Ribeira Grande de Santo Antão cujas raízes estão bem vincadas, no decurso do século XIX, como aponta a descrição genealógica reconstituída por Silvino Lima (2010) das linhagens do núcleo familiar Martinho de Lima e Mello e Aniceta Gomes da Fonseca, num livro dado à estampa recentemente.

Os pais e os ascendentes do lado paterno e materno são todos de Santo Antão. Os avôs, habilitados com a instrução primária, eram, de modo geral, proprietários de terra de médio porte, sendo os avôs maternos comerciantes.

Trajectória escolar

Os estudos primários foram efectivados na Ribeira Grande e os secundários nos liceus Gil Eanes, no Mindelo, e Adriano Moreira, na Praia. A formação superior desenvolve-se em Portugal na área de engenharia, com os recursos próprios da família. De entre os 7 irmãos, 5 rapazes e duas meninas, os primeiros atingiram elevados patamares de formação superior e as raparigas não foram além do primário e do 1º ciclo do secundário. No seio dos rapazes sobre quem recaiam maiores investimentos escolares, 3 diplomaram-se, com recursos próprios, nas áreas das engenharias e de administração, nas instituições à época de referência na metrópole - universidades do Porto, Técnica de Lisboa e Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Trajectória profissional

A trajectória profissional do entrevistado é recheada de exercício de cargos importantes na cúpula do Estado. No período colonial desempenha funções de chefe de divisão, assim como um dos irmãos, e, com a independência, os de director de produção agrícola, director-geral de agricultura, silvicultura e pesca e de Secretário de Estado das Pescas, entre 1983-1990. Num curto interregno, administrador do BCV (Banco de Cabo Verde). Após a abertura política e com a derrota do partido de que era militante, torna- se representante da FAO em Angola. Dos 3 irmãos, 2 exerceram cargos ministeriais nas áreas das obras públicas e todos exerceram diversos cargos a nível de direcção geral da Administração Pública.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Uma breve apreciação sobre os percursos dos filhos do inquirido, denota-se que dos 3 rebentos do entrevistado, duas meninas e um rapaz, todos completaram a formação superior, sendo que ambos os rapazes desempenham funções de chefia na Administração Pública. De igual modo, se atentarmos para 3 sobrinhos, filhos de um dos seus irmãos, verifica-se que todos concluíram a formação superior nas áreas de ciências/engenharia, tendo 2 desempenhado altas funções de direcção.

Trajectória Política

De referir, ainda que o entrevistado foi militante do PAIGC, tendo sido membro da comissão política do partido. Os demais irmãos foram militantes do ex-PAIGC, tendo um deles pertencido à comissão política do partido, no bojo do amplo movimento político de reconstrução nacional pós-75.

Em suma, o percurso individual e familiar desse alto dirigente evidencia a estratégia familiar de reconversão do capital económico em escolar, no decurso de 2 gerações, garantindo a reprodução dos descendentes com presença importante na cúpula da Administração do Estado. O processo de elitização se opera graças aos recursos próprios de que dispõe a família e o capital político adquirido, com a independência nacional, reforça e consolida a posição social já existente.

Trajectória 2: Monteiro

Identificação e ascendentes

Monteiro nasceu na primeira metade da década de 40 em Santa Catarina, ilha de Santiago e é o primogénito dos 4 irmãos. Os pais e avôs são todos naturais de Santiago. Os primeiros eram proprietários e comerciantes de médio porte em Santa Catarina, sendo os avôs paternos e maternos grandes proprietários de terra. Os avôs eram habilitados com o ciclo primário concluídos em Santa Catarina.

Trajectória Escolar

Os estudos primários foram realizados em Assomada e os secundários na Praia, primeiro na secção do liceu Gil Eanes e depois no antigo liceu Adriano Moreira, erguido em 1960. Com os recursos da família deslocou-se a Portugal onde inicia formação em Direito, entretanto, concluída na Bélgica. Dos 4 irmãos, 3 raparigas e 1 rapaz, todos completaram a formação superior.

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Trajectória profissional

Ao regressar ao país exerce o cargo de Secretário-Geral da Assembleia e depois altos cargos na magistratura judicial, nomeadamente o de Juiz do Supremo Tribunal de Justiça. No que concerne aos irmãos, as irmãs dedicam-se à docência e o irmão à gestão, tendo os mesmos desempenhados cargos de direcção na Administração Pública. Dos seus 3 filhos, todos concluíram formação superior nas áreas de medicina, educação e economia.

Com a abertura política em 1990, gozando da notoriedade no seio do Movimento para a Democracia (MpD) e da população em geral, secundado pelo MpD, concorre, como candidato independente à Presidência da República, tendo sido eleito presidente por dois mandados consecutivos.

Na trajectória em apreço, evidencia-se uma estratégia familiar em dispensar avultados investimentos pecuniários na escolarização dos filhos, cientes de que esta era uma forma de perenizar o capital económico acumulado. Como nos relata um entrevistado filho de comerciante de médio porte de São Nicolau: “ o pai nos dizia que a instrução era a melhor herança que podia deixar porque sabia que ninguém dela podia desbaratar a seu desprazer”, imaterializando-a”.

Trajectória 3: Ribeiro Identificação e ascendentes

Ribeiro nasceu na cidade do Mindelo na segunda metade da década de 30 e é antepenúltima em termos de descendência de entre 8 irmãos. Os pais eram naturais de São Vicente e os avôs paternos de Santo Antão e São Vicente. O avô materno é oriundo de São Vicente e avó materna de Portugal. Estes eram grandes proprietários de terra em Santo Antão.

Os progenitores eram habilitados com o curso geral dos liceus, sendo o pai bancário e a mãe doméstica. O avô paterno concluiu o ensino médio, tendo desempenhado as funções de director dos correios. Do lado materno, os avôs completaram o ensino secundário e dispunham de grandes extensões de terra.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Trajectória escolar

A entrevistada realizou os estudos, primário e secundário, em São Vicente, e segue para Portugal onde conclui a formação superior na área de geografia. Dos 8 irmãos, 7 raparigas e 1 rapaz, 4 completaram a formação superior e os restantes cursos médios, o que denota um investimento significativo dos pais no processo de escolarização dos filhos, especialmente das raparigas.

O percurso profissional da entrevistada segue inicialmente um trajecto similar ao dos irmãos, que se fixaram maioritariamente em Portugal e Moçambique, com a diferença de ela ter regressado ao país onde desenvolve a sua actividade profissional após a independência. De realçar ainda que durante o período colonial foi vice-reitora do liceu Adriano Moreira, bem como professora do ensino secundário em Angola.

Em Cabo Verde, desenvolve uma longa carreira no Ministério da Educação, participando nos momentos decisivos da reforma de educação. Exerce ainda cargos de direcção no Ministério dos Negócios Estrangeiros e preside o Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade. Torna-se conselheira do Primeiro-ministro e embaixadora de Cabo Verde em França

Em relação aos irmãos, a primeira irmã foi tesoureira da Câmara da Praia, o segundo, o único irmão, formou-se em direito e foi delegado e procurador em Cabo Verde, tendo sido transferido pela Coroa para Angola onde foi director geral da polícia e depois procurador-geral da República em Moçambique. Seguidamente, fez concurso para magistratura em Portugal para onde foi residir definitivamente. A terceira foi Ministra da Educação, a quarta foi funcionária pública, ambas em Moçambique, a quinta, farmacêutica, a sexta funcionária em Cabo Verde e a sétima historiadora.

Uma das características marcantes desse percurso individual e familiar da entrevistada reside no colossal investimento dos pais na educação das filhas, numa época em que não era mui frequente as mulheres acederem a uma formação superior. Assim, é provável que no seio das famílias possidentes e com elevado capital económico e cultural, a discriminação da mulher em termos de escolarização tem sido menos acentuado, aliás como denota a participação relevante das estudantes durante a vigência do liceu Gil Eanes. Um outro aspecto a ressaltar é a forte mobilidade dos irmãos no seio da

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 administração ultramarina, tendo os mesmos desempenhado cargos de cúpula, o que revela um processo de elitização que antecede a independência.

Trajectória 4: Coutinho

Coutinho nasceu na década de 60 na Guiné-Bissau e é a filha do meio das três irmãs. O pai é natural de Santo Antão e a mãe guineense. O avô paterno é natural de Portugal e a avó paterna de Santo Antão. O avô materno é natural da Boavista e a avó materna de Santo Antão.

De referir que o avô paterno fora, em Cabo Verde, professor primário e ocupou cargos importantes como administrador de concelho. Das informações recolhidas, sabe-se que o pai realizara os estudos superiores no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinos (ISCSPU), tendo desempenhado na Guiné o cargo de director do Banco Nacional Ultramarino. A mãe, habilitada com o 3º do curso geral, feito na Guiné, trabalhava também na Administração Pública.

O pai concluiu os estudos secundários no liceu Gil Eanes, nos idos anos de 195464, e deslocara a Portugal para a realização do curso de medicina. Tendo desistido dos estudos, é colocado na Guiné para prestar serviços militares onde desposa a futura mãe da entrevistada.

Trajectória escolar

A entrevistada, embora tenha nascido na Guiné, desde muito cedo fora encaminhada para Braga, Portugal, onde se junta aos avôs paternos, que ali residiam após a aposentação, para realizar estudos a todos os níveis. Eis porque considera ser os avôs paternos as figuras determinantes na sua trajectória escolar. De realçar que as duas irmãs residentes em Portugal concluíram a formação superior e ali prosseguiram a sua trajectória profissional.

Trajectória Profissional

De regresso a Cabo Verde, exerce, inicialmente, cargos numa instituição privada e nas Nações Unidas, seguidamente é recrutada para funções de assessoria e de direcção na Administração Pública.

64 Eduardo Ascensão Rocheteau Gomes e o irmão Armando Anselmo Rocheteau figuram no livro de termo dos alunos que completaram o ensino secundário no liceu Gil Eanes nos anos lectivos 1954/55 e 19955/56, respectivamente. Cf. Livro de Termo da Secretaria do Liceu Ludgero Lima, 2009. 281

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

O primeiro aspecto a ressaltar nessa trajectória é a multi-proveniência dos ascendentes: Cabo Verde (Santo Antão e Boa Vista), Guiné e Portugal. A mãe era guineense, descendente de gentes do arquipélago que se fixam na Guiné no quadro do funcionalismo colonial e das actividades de negócios que ali empreendiam. Nesta trajectória, denota-se uma presença familiar em altos cargos da administração há pelo menos três gerações (avô, pai e filha), em resultado da reconversão do capital económico em escolar desde finais do século XIX.

5.5.2. Uma re-produção restrita e dependente

As características que prefiguram o tipo ideal de uma reprodução restrita e dependente prendem-se com o facto de a família não dispor de recursos suficientes para garantir a reprodução ampliada a todos os seus membros. Com efeito, parte das condições de reprodução dos integrantes da família depende de condições externas à própria família em função dos níveis de escolarização almejados (secundário e superior).

As possibilidades de reprodução social das famílias provenientes dos estratos médio e médio-baixo da sociedade cabo-verdiana, geralmente filhos de pequenos e médios comerciantes, proprietários de terra e funcionários públicos, eram, algumas vezes possíveis, mas também prenhes de incertezas. Vejamos algumas trajectórias

Trajectória 5: Ramos Ramos nasceu em São Vicente na década de 50, sendo a 3ª posição na ordem de descendência familiar. O pai era também natural de São Vicente e a mãe de Santo Antão, sendo o primeiro habilitado com o 3º ano do curso geral dos liceus e a segunda com o primário. O pai desempenhara as funções de chefe de secretaria da Câmara Municipal de São Vicente. Os demais ascendentes do lado materno e paterno são todos de Santo Antão e haviam frequentado o ensino primário. O avô paterno era agricultor e o materno guarda prisional, sendo ambos proprietários de terra. As avós do lado materno e paterno eram ambas domésticas.

Trajectória escolar

A entrevistada realizou a escolarização primária e secundária nos estabelecimentos de ensino em São Vicente, sendo uma das primeiras beneficiárias do programa de bolsas de estudo do Governo pós-independência. Entretanto, após a conclusão dos estudos liceais

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é obrigada a fazer um interregno, uma vez que as outras irmãs mais velhas encontravam-se em formação superior.

Dos 8 irmãos, 3 rapazes e 5 raparigas, 7 completaram a formação superior nas áreas de medicina, engenharias, farmácia e apenas um ficou pelo secundário, ingressando na administração pública, como era habitual. De realçar, entretanto, que todas as irmãs concluíram o ensino superior graças às bolsas reembolsáveis da câmara de São Vicente e de mérito da Fundação Calouste Gulbenkian, esta última a pedido de uma personalidade importante do meio social mindelense.

Trajectória profissional

Ao retornar ao país, depois da conclusão da formação superior, exerce altos cargos de direcção na área de educação, a saber, director de escola técnica, directora-geral do ensino, presidente de comissão de equivalências. De igual modo, a maioria dos irmãos desempenhou funções de direcção em diversos ministérios, tendo alguns uma trajectória político-partidária.

O percurso acima transcrito realça situações típicas que matizam as trajectórias dos dirigentes dos estratos médios urbanos que, apesar de possuírem um capital económico e cultural muito superior ao da média da população, se vêm envoltos em dificuldades de índole vária para conseguir uma auto-reprodução alargada. Por isso mesmo, dependem das relações privilegiadas com personalidades influentes e/ou do apoio governamental para concretizar os seus objectivos. Neste caso, é o início do programa de bolsas de estudo posto em prática pelo Estado nacional que amplia as oportunidades de formação ao conjunto da família.

Trajectória 6: Rocha Identificação e ascendentes Rocha nasceu em São Vicente nos finais, sendo o 3º filho por ordem de descendência de 7 rebentos. O pai era natural de Santo Antão e a mãe de São Nicolau, sendo os ascendentes do lado paterno de São Antão e do lado materno de São Nicolau.

Os pais eram pequenos comerciantes e ambos frequentaram o ensino primário. Os avôs paternos lavradores de pequenas propriedades agrícolas e os maternos de terras de

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 médio porte. Os primeiros eram iletrados e os segundos habilitados com a instrução primária.

Trajectória escolar

O entrevistado completou os ensinos primário e secundário no antigo liceu Gil Eanes após o que seguiu para o exterior onde se licenciou em Administração na Universidade de Louvain, na Bélgica, por conta própria (estudante-trabalhador). Dos 5 irmãos, 3 rapazes e 2 meninas, os primeiros fizeram formação média/superior nas áreas de Gestão, Saúde e Engenharia Civil. Por seu lado, as irmãs concluíram o ensino primário e o ensino secundário. Uns dedicam-se à actividade empresarial, seguindo as pegadas do pai, outros exercem actividades profissionais na função pública e no sector privado. A sua única filha é graduada e trabalha no sector bancário.

Trajectória profissional

Ao regressar ao país exerce os cargos de director-geral da cooperação, secretário de Estado e ministro de indústria e energia e recentemente o de conselheiro do Primeiro- ministro. Enfim, uma carreira notável na cúpula do Estado.

Trajectória política

A sua trajectória política é marcada pela integração no movimento de luta libertação nacional, participando na extensa rede clandestina do PAIGC na Europa. Na década de 80, integra a direcção nacional de partido e nos anos 90 a comissão política, entre 1993 a 1996. Dois aspectos relevantes evidenciam-se nesta trajectória. Primeiro, a reconversão do capital económico em capital escolar que se traduz no forte investimento escolar dos filhos, todos eles com formação média/superior. Segundo, o importante capital social e político adquirido durante a participação na rede política do partido na diáspora.

Trajectória 7 - Herbert

Identificação e ascendentes Nascida em 1959, Herbert é natural da Guiné e é 3ª na ordem de descendência dos irmãos. O pai é natural da Guiné-Bissau, a mãe originária de São Vicente e os avôs paternos são todos de São Nicolau. Do lado materno, o avô é natural da França e a avó de Santo Antão. O pai concluiu os estudos primários na Guiné e era funcionário

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 público. Por sua vez, o avô paterno era capitão do navio Miller e o materno era gerente comercial, sendo as avós domésticas.

Trajectória escolar A entrevistada fez os estudos secundários no Liceu Kwame Nkrumah em Bissau e os superiores no Brasil na área do direito, com o recurso à bolsa do governo da Guiné. Dos 5 irmãos, 3 raparigas e 2 rapazes, todos lograram concluir a formação superior em diversas áreas. Dos 3 filhos, dois já concluíram a formação média/superior e um encontra-se em fase de escolarização.

Trajectória profissional

Em Cabo Verde, desde 1990 a esta parte, exerce altos cargos na Administração Pública, nomeadamente a de directora-geral, directora de gabinete e secretária geral do Governo.

Trajectória 8: António Pinto Identificação e ascendentes António Pinto nasceu no concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, no dealbar da década de 50 e ocupa a penúltima posição na ordem de descendência dos 5 irmãos. Os pais, a avó paterna e avó materna são todos naturais de Santiago, enquanto os avôs paterno e materno são oriundos do Fogo e de Portugal. O pai era funcionário público e dedicava-se juntamente com a esposa ao pequeno comércio. O primeiro era habilitado com o primeiro ciclo do ensino secundário e a mãe com o primário. O avô paterno, habilitado com o ensino primário, era também proprietário de terras e o avô materno era padre e como tal habilitado com formação superior.

Trajectória escolar

O entrevistado realizou os estudos primários em Santa Catarina e o secundário no antigo liceu Gil Eanes, tendo residido no lar dos Salesianos, e completou o 7º ano no liceu da Praia, Adriano Moreira. Os estudos superiores foram realizados em Cuba, no quadro do programa de bolsas de estudo. Dos quatro irmãos, três são licenciados com uma formação superior e um com a formação média. A maioria beneficiou de bolsas de estudo da Câmara Municipal e do Estado pós-independência. Os seus descendentes bem como os dos demais irmãos são todos habilitados com formação superior.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Trajectória profissional

De retorno ao país com a conclusão da formação em Medicina Veterinária, o inquirido ocupa altos cargos no ministério da agricultura, nomeadamente o de director de serviço, director-geral, presidente do fundo de desenvolvimento agrícola (FDA) e de ministro da agricultura. Dois dos quatro irmãos desempenharam elevados cargos governamentais, como os de secretário de Estado, assessor, conselheiro e de director-geral.

Trajectória política

A carreira na administração do Estado é acompanhada de uma importante carreira política, como deputado da nação e municipal, membro da direcção nacional e da comissão política do partido. De referir ainda que os demais irmãos comportam uma participação activa nos dois maiores partidos com vocação governamental.

A trajectória supra denota algumas características dos dirigentes provindos dos estratos médios do meio rural. O facto de o estabelecimento do ensino secundário ser distante do local de residência, a maioria dos recursos económicos da família é absorvido na escolarização secundária na Praia e no Mindelo. Assim, é a concessão de bolsa de estudos por parte do Estado nacional que torna o ensino superior alargado ao conjunto dos demais irmãos.

5.5.3.Trajectórias de mobilidade: as grandes transformações

O tipo ideal de uma trajectória de transformação (mobilidade) ascendente situa-se numa posição diametralmente oposta àquela da reprodução autónoma. Define-se pelo facto de o indivíduo ou a família não dispor autonomamente de recursos para suportar e suster um processo de transformação de sua própria condição. Neste sentido, os factores transformacionais são exógenos à própria família a que pertence o indivíduo que, entretanto, beneficia de oportunidades quer a nível macroestrutural, quer a nível intermédia para empreender mudanças na sua trajectória.

A partir da década de 70, a convergência de um conjunto de factores potencia uma das mais importantes transformações sociais ocorridas no século XX em Cabo Verde, impulsionando um extenso processo de mobilidade social com impacto determinante nas famílias dos estratos sociais populares e, também, sob vários aspectos, naquelas situadas na parte inferior dos segmentos médios da sociedade cabo-verdiana. Todavia

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 nem os factores que favorecem esse processo de mobilidade podem ser decalcados apenas das políticas pós-independência, uma vez que o Estado tardo colonial a partir de finais dos anos 60 desenvolve embrionariamente algumas políticas com impacto positivo no trajectória ascensional de muitas famílias outrora socialmente excluídas dos benefícios da expansão o Estado. Atentemos para algumas trajectórias exemplares, a saber:

Trajectória 9: Veiga Veiga nasceu em Santa Catarina, ilha de Santiago, nos primeiros anos da década de 60 e é o mais moço dos 8 irmãos. Os pais e os avôs são todos naturais de Santa Catarina e dedicavam-se à actividade agrícola como meio de vida. O pai possuía a instrução primária e a mãe iletrada. Este emigrara para Portugal e depois para a Holanda, nos anos 60, onde radica de forma mais duradoura. Com os rendimentos obtidos na emigração, os pais edificam uma casa nos arredores da Praia, onde a família passou a residir definitivamente, facilitando o acesso dos filhos ao único liceu da ilha sedeada na capital65.

Trajectória escolar

O entrevistado realizou os estudos primários em Santa Catarina e os secundários na Praia. Licenciou-se em Administração Pública no Brasil, no âmbito do programa de formação de quadros financiado pelo governo. Dos 6 irmãos, 4 completaram formação média/superior e os demais o ensino secundário e o primário. Se atentarmos para a escolarização dos descendentes de 2 irmãos, constatamos que todos os filhos ou estão em fase de escolarização ou já completaram a formação superior

Trajectória profissional

Após a formação exerceu funções de direcção no sector bancário, tendo depois desempenhado o cargo de presidente de um instituto público, seguindo a pegada dos demais irmãos que também ocuparam altos cargos na Administração, incluindo o de ministro.

65 Já nessa novel casa em Vila Nova, devido às relações de afinidade e de parentesco, vários estudantes originários de Santa Catarina foram ali acolhidos para prosseguirem os estudos liceais. De entre esses estudantes figuram José Maria Neves, licenciado em Administração Pública, no Brasil, actual Primeiro- Ministro e presidente do PAICV; Alfredo Carvalho, licenciado em Gestão nos EUA, ex-director geral dos TACV e patrão do grupo Tecnicil; Agnelo Sanches, licenciado em gestão, funcionário do BCV, ex- administrador da Garantia, actualmente consultor, Pedro Graciano Semedo, licenciado em Administração em Cuba, diplomata e ex-director de gabinete do Primeiro-ministro 287

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Trajectória política

Convém realçar, entretanto, que o entrevistado tem uma importante trajectória política, tendo sido eleito vereador e membro da comissão nacional e política do partido. De referir, ainda que a maioria dos irmãos que exerceu cargos de chefia também cursa uma importante trajectória político-partidária a alto nível do partido, designadamente, a de deputado, vereador, membro de direcção nacional e da comissão política.

Na trajectória acima descrita, três aspectos destacam-se na definição da mesma. Em primeiro lugar, os rendimentos da emigração capitalizam a família, viabilizando um processo de mobilidade espacial em direcção à capital, alargando as oportunidades de escolarização dos filhos. Segundo, o capital político resultante da militância político- partidária e, terceiro, o capital social potenciado quer durante a trajectória no ensino secundário, quer na formação superior, quer nas lides político-partidárias, constitui mais-valias no processo de nomeação para os altos cargos do Estado.

Trajectória 10: Carvalho Identificação e ascendentes Carvalho nasceu em São Domingos, ilha de Santiago, no início da década de 50, sendo o 3º dos 7 irmãos por ordem de descendência. Os ascendentes paternos e maternos são todos naturais de Santiago. O entrevistado não tem memória da profissão dos avôs, mas informa serem pequenos proprietários de terra, o que indicia serem lavradores. A avó materna era trabalhadora na área de construção.

O pai frequentou o ensino primário e emigrara para São Tomé e de lá seguiu para Portugal, onde trabalhou como operário qualificado. A mãe era iletrada e cuidava dos afazeres da casa.

Trajectória escolar

O entrevistado realizou os estudos primários, em São Domingos, e os secundários no Liceu Domingos Ramos, na Praia, como aluno externo, sob o regime de exames. Após a formação liceal, segue para Cuba, no quadro do programa de cooperação, onde se licencia em Ciências da Educação. Dos 6 irmãos, nenhum foi além da escolaridade primária, sendo que a irmã mais velha permaneceu iletrada. Contudo, dos seus três

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 filhos, todos são portadores de formação superior na área de medicina feita em Cuba, onde o pai, também, realizara os seus estudos.

Trajectória profissional

No decurso de sua trajectória profissional, ocupa cargos de direcção no Ministério da Educação, nomeadamente o de delegado de Educação, chefe de gabinete, director geral e assessor. Dos seis irmãos, dois são operários de máquinas, dois cozinheiros e outras domésticas.

Trajectória política

O entrevistado assegura que embora tenha tido uma activa participação política como militante do PAIGC/CV ao longo de décadas nunca almejara ocupar cargos relevantes de destaque, razão pela qual seu nome não consta nas listas de candidatura a cargos electivos e nas organizações políticas do partido.

A descrição supra aponta para alguns aspectos marcantes no percurso do entrevistado. Em primeiro lugar, denota-se que de entre os irmãos é o único a ultrapassar as barreiras da escolarização primária, conseguindo completar os estudos secundários, o que em termos de escolarização constitui uma ruptura de duas gerações. Em segundo lugar, o acesso à escolarização superior, a credencial de base à entrada nas altas funções no Estado, resulta da obtenção de uma vaga para a formação em Cuba, no âmbito do amplo programa de formação de quadros. Em terceiro lugar, a aquisição do capital político através da militância político-partidária introduz o entrevistado numa rede social importante, tornando-o elegível a postos importantes na administração.

Trajectória 11: Gomes

Identificação e ascendentes Gomes é o mais novo de 5 irmãos, nasceu em 1960, no concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, de onde são também originários os pais e avôs paterno e materno. Os pais e os avôs eram camponeses, lavradores de pequenas propriedades agrícolas destinadas à produção familiar. O pai fez o primeiro grau do ensino primário e a mãe iletrada, assim como os demais avôs.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Trajectória escolar

O entrevistado fez estudos primários em Santa Catarina e os secundários na Praia, sendo também o único filho a concluir o ensino secundário. Como muitos alunos provenientes das famílias pobres do meio rural, a realização dos estudos secundários torna-se possível graças às suas redes de parentesco e ao seminário São José, na Praia.

Dos 5 irmãos, 2 rapazes e 3 raparigas, a maioria não ultrapassara a escolaridade primária, sendo alguns iletrados. Em relação à escolarização dos descendentes, notamos uma mudança abismal. De entre os 3 filhos, um é diplomado do ensino superior e os demais encontraram-se, ainda, em fase de conclusão dos estudos.

Trajectória profissional

Ao retornar ao país, após a sua formação em Direito em Portugal, como estudante bolseiro do governo, exerce funções no Ministério Público, tendo sido nomeado para o cargo de ministro da Justiça e da Administração Interna. Os irmãos, alguns na emigração, são profissionais sub-qualificados em diversos ramos profissionais

Trajectória política

Importa realçar que essa trajectória na cúpula do Estado é acompanhada também de intensa actividade política a partir de 1991, como deputado municipal, deputação da nação e membro da direcção nacional e da comissão política do Movimento para a Democracia. De 2002 a 2005, torna-se presidente do PRD, um partido que emerge da cisão provocada no seio do MpD

Nessa trajectória, verificamos que o processo de mobilidade geracional decorre da combinação integrada de três factores fundamentais: a rede familiar e institucional de apoio que permite a fixação da residência na Praia, visando a realização da escolarização secundária, os efeitos do programa de bolsa de estudos, favorecendo a sua inserção na formação superior e, por fim, o capital político potenciado no bojo do amplo processo de mudança política nos anos 90.

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Trajectória 12: Reis Identificação e ascendente Reis nasceu no concelho da Ribeira Grande, nos finais da década de 60 e é o mais novo de 4 irmãos. Os avôs paterno e materno são todos naturais de Santo Antão e eram pequenos proprietários de terra de que dependia o sustento da família. Os pais são iletrados e dedicavam-se à agricultura de subsistência. O pai emigrara para Luxemburgo onde permanece por mais de 10 anos, regressando a Cabo Verde após a sua aposentação.

Trajectória escolar

O nosso entrevistado completou os estudos primários e o ciclo preparatório em Santo Antão e depois deslocou-se a São Vicente, onde conclui os estudos secundários no liceu Ludgero Lima. A estadia em São Vicente é facilitada pelo acolhimento em casa de familiares a quem os pais proviam regularmente de produtos agrícolas para consumo e comercialização.

Após a conclusão do ensino secundário, ele beneficia da bolsa do governo e licencia-se em estatística na ex-União Soviética. Dos 6 irmãos, nenhum ultrapassa as barreiras da escolarização primária. De notar, todavia, que dos 3 filhos, todos estão em fase de estudos, um a frequentar o superior, o outro no secundário e o último no ensino básico.

Trajectória profissional

De regresso ao país após a sua formação no exterior, exerce funções técnicas no Instituto Nacional de Estatísticas, consultoria e docência no ensino, tendo sido nomeado, em 2007, para o cargo dessa instituição de que quadro de nomeação definitiva.

Nesse percurso evidencia-se duas variáveis importantes: os efeitos do alargamento da escolaridade primária, com a institucionalização do ciclo preparatório, nos finais dos anos 60, das redes familiares de acolhimento em Santo Antão, da remessa da emigração, tornando o rendimento familiar estável e as bolsas de estudo do governo no pós- independência.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

5.5.4. Pistas conclusivas sobre as trajectórias

Os três tipos de trajectórias acima descritos comportam alguns traços distintivos marcantes, a saber:

(i) uma das características peculiares das trajectórias de auto-reprodução alargada reside no facto de a reprodução da posição social ser de natureza colectiva, isto é, estende-se de forma ampliada ao conjunto dos membros da família ou de pelo menos de sua grande maioria. Neste caso, as mudanças macroestruturais poucas influências comportam na dinâmica da reprodução familiar que se vale dos seus meios próprios para autonomizar o seu processo de reprodução social. Estimamos que o universo dos indivíduos que integra esse grupo não ultrapassa 1/5 do número global dos dirigentes da Administração Pública.

(ii) A marca dominante das trajectórias de auto-reprodução restrita e dependente consiste no facto de os recursos de que dispõe a família para garantir apenas a reprodução de uma parcela limitada dos seus integrantes, tornando esta reprodução de natureza individual e colectiva. Assim, o processo de reprodução estriba-se na família, nas mudanças macroestruturais e nas redes sociais a que se encontra vinculada. A título ilustrativo, no período que antecede à independência, os recursos de que dispunham uma franja das famílias dos estrados médios apenas permitiam a escolarização secundária e superior de um número restrito de filhos, ficando os outros a mercê de situações conjunturais e contingenciais. Em casos extremos, alguns dos irmãos podem até vivenciar uma situação de mobilidade social descendente em relação à posição do pai e/ou do avô paterno. Na verdade, é com a afirmação do Estado nacional e alargamento das oportunidades de escolarização secundária e superior que a reprodução ganha uma dimensão mais colectiva, abrangendo praticamente todos os membros da família.

(iii) As trajectórias de transformação, diferentemente dos dois tipos supramencionados, caracterizam-se por serem em geral provocadas por recursos exógenos ao ambiente familiar, nomeadamente as alterações macroestruturais que ampliam as oportunidades de ascensão social individual. Neste caso, a mobilidade social ascendente é de natureza mais individual que colectiva, pois nem todos os irmãos beneficiam das oportunidades de ascensão social, em função de períodos históricos concretos.

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No transcurso deste exercício compreensivo a respeito da génese e formação da elite político-administrativa cabo-verdiana, lançámos, por um lado, um olhar longitudinal sobre as condições históricas que influenciaram a emergência da moderna elite administrativa cabo-verdiana no quadro das reformas liberais gizadas a partir do primeiro quartel do século XIX. Por outro, num esforço de índole mais explicativo, analisámos o perfil da elite político-administrativa, no período pós-independência, descortinando as dinâmicas que condicionam a sua formação, reprodução e transformação. Seguidamente explicitaremos as principais conclusões que resultam desta investigação.

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Considerações finais

Desde a perda da função geoestratégica de Ribeira Grande de Santiago como plataforma internacional de comércio de escravos, no decurso do século XVII, a que se seguiu a fuga da fidalguia reinol para a Costa da Guiné, que uma elite mestiça – os brancos da terra – assume um papel preponderante na conformação da dominação portuguesa no arquipélago. A prolongada escassez dos homens do reino, no arquipélago, em resultado da pouca atractividade e rentabilidade económica de Cabo Verde para o seu processo de acumulação, cria, entretanto, um vazio no seio das camadas dominantes que passa ser continuamente preenchido pelos seus herdeiros (legítimos e ilegítimos) – os luso-cabo- verdianos.

Num contexto de agravamento da desarticulação da economia cabo-verdiana da economia internacional e das restrições impostas pelo reino através do monopólio do comércio, no decurso do século XVIII, as bases económicas sobre as quais assentam a reprodução da velha oligarquia local encontram-se completamente solapadas. Nesse contexto adverso de reprodução, a velha elite terratenente sobrevive a mercê das poucas oportunidades que a combalida economia agrária oferecia, da remuneração e do prestígio certos que os cargos político-administrativos conferiam aos seus ocupantes.

Todavia, as mudanças estruturais ocorridas na metrópole com a afirmação da nova ordem liberal, entretanto, traumatizada com a independência do Brasil – o seu principal filão de acumulação - introduzem novas variáveis na definição da política para o ultramar português. Desde logo, uma estratégia de ocupação dos territórios e a reconversão da economia local de base escravista numa nova economia de cariz mais industrial e comercial. Tal desiderato requeria a reorganização das estruturas político- administrativas e a sua disseminação em todo o território e a reconversão da economia. Esta demandava, entretanto, avultados investimentos que a metrópole não dispunha, razão pela qual a reorganização económica resumiu-se às medidas de descentralização política, tendo sido atribuído maiores poderes aos governadores para a dinamização da produção local.

A invenção de um Cabo Verde moderno, no século XIX, opera-se num contexto de descentramento de Santiago, a sua velha base económica, política e cultural,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 considerada de clima doentio e de população campesina revoltosa. À mudança da sede do bispado para São Nicolau, nos finais do século XVIII, de onde resultará a institucionalização do seminário-liceu, seguiram-se a decretação da mudança capital, de Praia para Mindelo, em 1837, da promoção desta última como espaço de uma nova economia de entreposto entre o norte e o sul do atlântico.

Nesse primeiro ciclo de refundação de um Cabo Verde moderno que se estende até os finais do século XIX, São Nicolau e São Vicente despontam como dois espaços catalisadores do novo Cabo Verde. O primeiro acolhe o seminário-liceu, a principal instituição de formação da elite cabo-verdiana, e o segundo perfila-se como principal centro económico do arquipélago para onde confluem homens de negócio de todas as ilhas, pequenos proprietários e uma massa da população pobre campesina, especialmente emigrantes das ilhas do norte.

A lenta reconversão da economia cabo-verdiana e a expansão dos serviços do Estado no decurso do século XIX contribuem para a emergência de uma pequena burguesia urbana e rural cuja capacidade de reprodução assenta especialmente no acesso aos cargos públicos. Nesse contexto, a aquisição do capital escolar torna-se vital para afirmação dessa “classe média” que mira na ocupação desses cargos uma via segura de reprodução social. Eis a tendência que resulta desta etapa de modernização de um Cabo Verde, nos finais do século XIX, em que o capital escolar afirma-se como factor importante de reprodução social dos estratos médio e alto e de mobilidade social ascendente de um punhado de famílias situado no limite superior das camadas mais pobres. Assim, é a centralidade da educação que contribui, nessa primeira fase, para o alargamento da base social de recrutamento da elite administrativa cabo-verdiana.

Entretanto, a apropriação desse capital escolar é, no contexto cabo-verdiano no século XIX, profundamente assimétrico, tendo as ilhas da Boa Vista, Santo Antão, São Nicolau e São Vicente uma oferta escolar relativamente superior à média nacional, contrastando com as ilhas de Santiago e do Fogo, onde a massa da população campesina liberta, estava completamente isolada do ambiente cultural e escolar emergente. Ademais, a distribuição privilegiada da rede escolar na região norte do arquipélago favoreceu a construção de um imaginário social que visualiza no processo de escolarização um instrumento importante de mobilidade social ascendente.

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Convém frisar, todavia, que as condições sobre as quais assentavam a reprodução escolar das famílias dos estratos médio e alto da sociedade cabo-verdiana eram extremamente vulneráveis ao reposicionamento político do Estado e da Igreja, dois pilares decisivos na configuração da dinâmica de reprodução e de mobilidade social ascendente das elites locais. Tanto é assim que a localização da escola superior primária e/ou do ensino secundário nas várias ilhas (Brava, Santiago, S. Nicolau, São Vicente) obrigava os estratos alto e médio da sociedade cabo-verdiana, residentes fora desse perímetro escolar, a uma economia doméstica exigente e a adopção de estratégias de geometria variável.

Se é crível que são os descendentes desses estratos sociais que mais beneficiam da escolarização não é de todo plausível que a reprodução social tenha incidido sobre as mesmas famílias e/ou das mesmas ilhas. Aliás, um olhar numa perspectiva de longa duração sobre perfil social dos dirigentes cabo-verdianos alçados na cúpula da administração colonial tende a apontar para uma aparente descontinuidade em termos de linhagem familiar, pese embora sejam quase todos recrutados no seio das famílias tradicionais, entretanto, decadentes e da nova classe média emergente desde finais do século XIX. Dizemos aparente porque, no caso cabo-verdiano, não ter o mesmo apelido não significa a priori uma descontinuidade familiar. Isto porque a descendência encontra-se obnubilada por conjunto de situação de não reconhecimento de paternidade. Soma-se a tudo isso, o facto de muitas crianças serem descendentes do prelado, o que torna mais complexo o processo de reconstrução genealógico das diversas descendências. Assim, se o modelo de reprodução familiar não é de todo visível, este nos autoriza a afirmar categoricamente a inexistência de uma linhagem familiar difusa.

A dinâmica de reconversão das famílias tradicionais associada à emergência de uma pequena burguesia que tem na escolarização seu modus de sobrevivência e de reprodução ganha novos contornos com a política de reposicionamento de Portugal em África. Desde de finais do século XIX, Portugal vê-se obrigado a olhar para as suas possessões ultramarinas com algum senso de realismo. A institucionalização da I República, no dealbar do século XX, a que se seguiu a edificação do Estado novo, na década de 30, representa uma resposta das elites políticas e militares ao receio da desagregação do Império, sua fonte de orgulho e de bem-estar.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Aquando dessa reorientação da política colonial portuguesa, em Cabo Verde, pululava uma proporção significativa de estudantes formados nas escolas primárias e, sobretudo, no antigo seminário-liceu que entrevê nessa mudança macroestrutural novas oportunidades de ascensão social. A edificação do liceu nacional de Cabo Verde, no Mindelo, fruto da reivindicação de uma elite nativa ciosa da importância da educação na afirmação da sociedade cabo-verdiana no contexto ultramarino, consolida de vez a função de Cabo Verde como espaço de formação da elite intermédia a nível local e para os demais territórios do ultramar português. Tanto é assim que os principais cargos intermédios e, amiúde, de cúpula (director, director-adjunto, administrador de concelho, secretário do governador, 1º e 2º oficiais) da administração eram ocupados por naturais do arquipélago até as vésperas da independência.

No tangente ao perfil dessa elite intermédia, as informações insertas nos boletins de matrícula dos estudantes diplomados do liceu nacional no Mindelo apontam para três características importantes. Primeiro, a presença dominante de alunos do sexo masculino cujo peso tende reduzir-se no decurso da década de 50. Em segundo, a predominância de estudantes oriundos dos estratos sociais médio e alto da sociedade cabo-verdiana. Em terceiro, a sua proveniência regional é maioritariamente das ilhas de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, região que, no contexto nacional, não representava mais do que 1/3 da população.

Essa tendência ainda prevalece na primeira década e meia pós-independência, embora com nuances significativos. Os processos e os critérios que concorrem para a elitização são de ordem múltipla e de periodização diversa. Quais são os critérios que pesam no processo de recrutamento das elites político-administrativa cabo-verdiana pós- independência?

A maioria dos dirigentes considera ser o seu canudo a variável decisiva para aceder a postos de elite. Se é verdade que o credencial escolar constitui uma invariante no processo de ocupação de cargos dirigentes, não é todo despiciendo considerar que este vem muitas vezes associado ao capital político e social de que são portadores os aspirantes aos altos cargos. Entretanto, outras variáveis integram o processo de recrutamento: o sexo, a idade, o local de nascimento, a emigração.

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Em primeiro lugar, no tangente ao género, o recrutamento é feito dominantemente no seio dos homens, em prejuízo das mulheres. Estas conseguem uma participação mais significativa no decurso dos anos 90, devido aos efeitos combinados do alargamento da escolarização secundária, especialmente para os estratos mais pobres, e da extensão do programa público de atribuição de bolsas de estudo. Entretanto, se a participação feminina nos altos cargos da administração pública apresenta uma tendência ascendente, embora ainda inferior ao seu peso na demografia escolar, ela mantém-se excluída do acesso aos cargos de direcção nas empresas públicas. Esta constatação aponta que, na verdade, os círculos de exclusão das mulheres alteram-se em função da importância estratégica de determinados cargos. A paridade ministerial recentemente promovida, sem desmerecer o incentivo que constitui para as postulantes a altos cargos no Estado, na verdade, representa um confete que escamoteia a segregação das mulheres nos nichos mais atractivos da Administração Pública e das empresas do Estado.

Em segundo lugar, no que se refere a idade de acesso aos cargos de direcção da Administração Pública, verifica-se que o recrutamento da elite administrativa se faz no seio de uma população jovem cuja média de idade situa-se nos 34 anos. O perfil relativamente jovem dos dirigentes cabo-verdianos deve-se em grande parte ao facto de a população cabo-verdiana jovem ser a mais escolarizada. Por outro, diferentemente de vários países da África Ocidental, onde os jovens são preteridos a favor dos velhos (Augé: 2005), em Cabo Verde não há barreiras culturais em relação ascensão dos mais novos aos cargos dirigentes.

Em terceiro lugar, no concernente à proveniência geográfica da elite administrativa cabo-verdiana ela reflecte as dinâmicas de localização de ensino, especialmente a secundária, ao longo do século XX. Assim, numa primeira fase entre 1975-1990, nota- se uma predominância dos indivíduos do norte do arquipélago (São Nicolau, Santo Antão, São Vicente e Boa Vista), reflectindo a assimetria do processo escolarização desde finais do século XIX. Uma presença mais acentuada dos indivíduos oriundos do sul do arquipélago se faz a partir dos anos 90, sob os efeitos do processo de alargamento da escolarização em curso desde a década de 60 e dos efeitos das políticas sociais do Estado pós-independência.

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Um outro traço dessa elite originária dominantemente dos estratos sociais alto e médio da sociedade cabo-verdiana é a sua origem geográfica diversa. Assim, a maioria dos ascendentes desses dirigentes (70%) é oriunda de no mínimo duas ilhas do país e, algumas vezes, de outros países, com realce para Guiné-Bissau e Portugal.

Esta característica resulta, por um lado, da situação de mobilidade dos funcionários, proprietários e comerciantes no interior do arquipélago e dos primeiros para as outras províncias do ultramar. Por outro, das estratégias postas em marcha por essas famílias, no sentido de se casarem no seio de estratos sociais próximos, numa estratagema de garantir a reprodução social ou, pelo menos, de evitar a sua descapitalização económica e simbólica. A mesma tendência parece prevalecer nos espaços de diasporização onde os cabo-verdianos reproduziam-se entre si ou mantinham então relações conjugais com os portugueses de que reclamam alguma descendência. Tal situação indicia alguma endogamia cultural e, por que não, racial, cuja tematização constitui um tabu para a nossa sociologia da mestiçagem.

Contudo, quando observamos para a origem regional dos ascendentes dos indivíduos provenientes das camadas mais pobres que atingiram o topo da administração, constatamos que 80% provêm de uma única ilha, o que revela alguma dimensão de isolamento.

Em quarto lugar, em relação à escolarização há uma certa tendência em delimitar a edificação do Estado nacional independente como divisa única e decisiva no processo de alargamento das oportunidades sociais, nomeadamente a de educação, às camadas mais pobres da sociedade cabo-verdiana. Essa demarcação, como o demonstra Correia e Silva, não é de todo sustentável, empiricamente. O Estado tardo-colonial que antecede o nacional configura-se embrionariamente como instituição assistencial, implementando dispositivos de regulação social, aperfeiçoando condições de sobrevivência da população maioritariamente pobre e, historicamente, exposta às vicissitudes de uma agricultura de subsistência (Correia e Silva, 2001c: 33). Eis por que, a partir dos anos 60, a severidade das secas não se traduziu em alguma mortandade relevante (Lopes, 1995: 57 a 58). Os relatórios de execução dos planos referem-se bastas vezes que as dotações sofriam acréscimos motivados “pela necessidade de absorção de mão-de-obra disponível – em consequência da crise resultante de insuficientes colheitas agrícolas, devido às secas” (Cf. Relatórios do Plano de Fomento: 1959-1964, 1970). Assim, os

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 planos de fomento constituíam-se, de alguma forma, almofadas que descomprimiam os desequilíbrios sociais resultantes das secas prolongadas, tendo cada vez maior impacto com a emigração massiva da população rural, especialmente para a Europa a partir da década de 50.

O Estado nacional, forjado a partir de 1975, é ele próprio refém dessa dinâmica assistencial, de apoio, como se dizia no jargão popular, que, todavia, ganha novos contornos em termos “de expansão-diferenciação do aparelho administrativo, causado tanto pelas novas funções derivadas da aquisição de soberania (impulsionado pelo ideário de criar um homem novo) como pelo aprofundamento-extensão de regulação social” (Correia e Silva, 2001: 33; Afonso, 2002: 92-93).

Se é crível que as acções do Estado tardo-colonial em matéria de educação contribuíram para a expansão da escolaridade primária e secundária nas década de 60 e 70, não é de todo consistente, do ponto de vista empírico, que essa expansão se deva exclusivamente às suas políticas. Na verdade, as acções empreendidas pelas lideranças de algumas congregações religiosas católicas, nas décadas de 50 e 60, nomeadamente os Espiritanos, em Santiago, os Salesianos, em São Vicente, e os Capuchinhos, no Fogo e na Brava e em S. Nicolau, e das organizações adventistas e nazarenas, antecedem, pelo menos, uma década às acções educativas mais vigorosas do Estado tardo-colonial.

Em Santiago, especialmente no seu interior, onde residia a maioria da população, foi a criação das escolas paroquiais, sob a liderança especialmente dos padres suíços Louis Allaz (em Santa Catarina) e Cyr Crettaz e o português João Eduardo Moniz (ambos em São Miguel), que permitiu a franjas importantes do campesinato aceder às primeiras letras e, acima de tudo, a visualizar a escolarização como uma via possível de ascensão social.

Nas ilhas de Fogo e da Brava são os capuchinos, provenientes da Itália, especialmente o padre Camilo Torassa, de cuja acção vigorosa resultou a emblemática Escola Materna de São Francisco de Assis em São Filipe, criando condições para que a população periférica à essa vila frequentasse a escolaridade básica. (Cf. Depoimento de padres, antigos professores e alunos das escolas paroquiais, em Santiago; da Escola Materna, no Fogo, e da Escola Salesiana, em São Vicente).

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Em São Vicente, onde a concentração urbana é mais intensiva e os efeitos da dispersão menos significativo, a expansão do ensino primário aos pobres se deve aos esforços combinados da acção social do Estado, da igreja através do orfanato e, posteriormente, dos salesianos, com a acção pioneira do padre Filipe, através da criação do lar de estudantes e da escola de ensino primário e de ofícios. Assim, o aumento exponencial das matrículas no ensino primário nas décadas de 60 e 70 do século XX é, em larga medida, tributário das acções desenvolvidas por instituições religiosas, a justo título, impulsionadoras no primeiro ciclo de alargamento das oportunidades de escolarização para a maioria da população,

A hipótese formulada por Correia e Silva (2001c) segundo o qual Estado tardo-colonial constitui uma divisa para o alargamento das oportunidades de escolarização primária em Cabo Verde só pode ser endossada à condição de se considerar o impacto das acções educativas e sociais empreendidas pelos padres e congregações religiosas. Estes acreditavam que suas acções no terreno podiam contribuir para mudar o curso de vida de muitas pessoas abandonadas à miséria e à incerteza. Portanto, para franjas das camadas populares, as primeiras vias de elitização preludiam com o alargamento do ensino primário e não apenas com a expansão do ensino secundário e superior, contrariamente ao que se supõe. Para as franjas dos estratos médio e alto dos centros urbanos, a escolarização primária é já um dado adquirido desde a segunda metade do século XIX, estando estes em relação àqueles, no mínimo, a uma centúria de distância.

Em relação ao ensino secundário, o ponto de inflexão para a alteração gradual do seu perfil social nos liceus do Mindelo e na Praia, resulta da combinação de vários factores, a partir dos finais dos anos 50, com impacto diferenciado em função dos estratos sociais a que pertencem os estudantes e das estratégias familiares e individuais por eles postas em marcha para o efeito.

Para os estratos médio e alto residentes fora da sede do liceu, até os anos 50, a expansão do acesso ao ensino secundário efectiva-se através das escolas particulares e/ou dos explicadores, dirigidas por antigos diplomados do seminário-liceu de São Nicolau e do liceu Gil Eanes. O impacto do fenómeno dos explicadores, por não ter sido ainda objecto de estudos aprofundados, é geralmente subestimado. Na verdade, constitui historicamente um mecanismo concomitante e paralelo ao sistema de ensino público regular que contribui significativamente para o aumento da população escolar. Assim,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 quando afirma-se que até os finais da década de 80, existiam apenas dois liceus, o que que se quer dizer efectivamente? Na verdade, se tomarmos como critério as práticas instrucionais vigentes em instituições particulares formais e informais, não se pode decalcar o universo dos estudantes tendo como base os liceus oficiais. A explicação nas duas diversas formas merece um estudo à parte para caracterizar a sua natureza e extensão.

Para os estudantes oriundos dos estratos mais baixos do interior do arquipélago, as vias de escolarização secundária ampliam-se com a edificação do seminário São José, na Praia, com a construção do albergue e lar estudantil dos salesianos no Mindelo, transformando-se em autênticas pontes de acesso aos estabelecimentos de ensino secundário

Além desses espaços institucionais, convém destacar o papal de relevo desempenhado pela extensa rede familiar e de parentesco que facilitavam o acolhimento dos estudantes das franjas pobres nos centros urbanos que adquire, entretanto, maior consistência devido aos efeitos dos rendimentos advenientes da emigração. A remessa de divisas e bens aumenta a estabilização do rendimento das famílias mais pobres, amiúde, mais expostas às vulnerabilidades da produção agrícola e do emprego sazonal nas frentes de trabalho criadas pelo Estado, melhorando as condições de custeio da escolarização que não se resumiam aos custos das propinas escolares

Em suma, se o alargamento das oportunidades de escolaridade secundária consolida-se e amplia-se para os estratos médio e alto apenas com a criação do segundo liceu na Praia, convém pontuar que para a maioria do meio rural esse alargamento se efectiva mediante as acções da igreja, das redes familiares, dos efeitos da remessa de emigração e do estado social tardo-colonial.

Com a estruturação do Estado nacional, o ensino superior, a um tempo um estreito corredor por onde passavam dominantemente os estudantes originários das camadas sociais mais avantajadas, os dos grupos mais desfavorecidos, torna-se uma avenida possível e previsível por onde os diplomados do ensino secundário dos estratos médio e baixo podiam dar vazão à sua ambição.

O programa de atribuição de bolsas de estudo a fundo perdido representou um mecanismo determinante de escolarização superior das famílias desfavorecidas, outrora,

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 praticamente, excluídas da formação superior, e alarga as oportunidades de formação às camadas médias urbana e rural, também elas dependentes do apoio estatal. De entre os altos dirigentes da administração pública, 3 em cada 4 beneficiaram desse dispositivo de financiamento.66

Os efeitos desse programa de formação superior no exterior edificado pelo Estado Nacional não se limitam apenas à obtenção do capital escolar dos diplomados. Outrossim, potencia um relevante capital social àqueles que historicamente estiveram desconectados das redes sociais mais privilegiadas vigentes nos espaços urbanos, cumprindo essa dupla função com implicações importantes na definição da trajectória profissional desses estudantes.

Em síntese, a elite político-administrativa que se estrutura no período pós- independência é em grande parte formada pelo Estado, especialmente aquela proveniente dos estratos sociais mais baixo, outrora praticamente excluída do sistema de ensino superior.

Na análise das diversas trajectórias de escolarização, um dos aspectos a ressaltar é a natureza das redes sociais mobilizadas pelos indivíduos e famílias que variam em função do nível de escolarização que estiver em jogo e dos estratos sociais a que pertencem.

Neste sentido, para as famílias mais favorecidas dos estratos alto e médio residentes nos centros, onde se localizavam os estabelecimentos do ensino secundário, as redes sociais mobilizadas visavam garantir o acesso ao ensino superior no exterior, dado os elevados custos que comportava para as famílias. O acesso mais facilitado a pessoas influentes e entidades governamentais (instituições políticas e burocráticas) constituía um factor decisivo para essas famílias dos estratos sociais alto e médio beneficiarem de oportunidades selectivas, como uma bolsa de estudos, uma vaga num estabelecimento de ensino superior, uma residência no exterior para alojamento durante a formação etc.

Outras vezes, as redes sociais mobilizadas pelos membros desses grupos mais favorecidos encontram-se na diáspora e integravam, essencialmente, os familiares (avôs

66 Estas informações foram extraídas, como referimos anteriormente, do inquérito aplicado aos dirigentes da Administração Pública. Cf. Também os boletins oficiais nº39 de 8 de Setembro de 1979 e de 27 de Setembro de 1980, nos quais constam-se um número significativo de bolseiros, que após a formação regressam ao país ocupando postos relevo na Administração do Estado. 303

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 tios, irmãos, etc,) e antigos colegas de trabalho e/ou do liceu com uma posição social favorável, em comparação com aqueles que residiam no arquipélago inseridas numa rede social local.

Para os estudantes oriundos das famílias mais desfavorecidas, os seus recursos esgotavam-se na escolarização primária, requerendo o acesso ao ensino secundário a mobilização de novos recursos e de adopção de estratégias múltiplas. As suas redes sociais reduziam-se, por um lado, aos seus familiares e parentes (tios, primos, padrinhos, etc) que, residindo nos espaços urbanos, minoravam os custos de acesso à escolarização secundária. Por outro, à inserção em redes religiosas às quais acediam através do contacto privilegiado com o pároco local e com as congregações religiosas que podiam conectá-los com as redes mais selectivas existentes nos centros urbanos.

Importa realçar que se a existência, durante largas décadas, de apenas duas escolas secundárias nos dois maiores centros urbanos (Mindelo e Praia) constituía um factor de exclusão social, não é menos verdade que o acesso a essas escolas permitia um contacto de estudantes provenientes dos mais diversos estratos sociais. Assim, o sistema de ensino excludente em termos de acesso incluía, paradoxalmente, os estudantes mais desfavorecidos em novas de redes de sociabilidade67, a que estavam desconectadas nos seus locais de origem. Neste sentido, o acesso à escola secundária por ser um espaço de interacção interclassista propiciava a inserção em novas redes sociais, com implicação no acesso a recursos pedagógicos (livros, dicionários, etc) e no processo de aprendizagem. Ademais, favorecia a aquisição de um capital social com efeitos importantes no acesso a oportunidades de emprego.

Em quinto lugar, convém referir que 4/5 dos dirigentes são recrutados dos estratos sociais mais favorecidos. Ou seja, é a minoria da população – os mais possidentes – que chega em maioria, o que em princípio revela um elevado grau de reprodução. Mas subsiste a questão de saber qual é a natureza da reprodução. Na verdade, quando nos referimos à reprodução escolar das posições sociais dos estudantes, estamos a aludir a quê propriamente? Um dos aspectos evidentes no processo da reprodução escolar é que ela resulta da repartição histórica desigual das oportunidades de acesso à escolarização

67 Em França, onde o acesso à escola pública obrigatória é um direito que remonta ao século XIX a segregação espacial das classes sociais impede que a escola seja um espaço de interacção interclassista, com consequências evidentes na inserção dos pobres nas redes sociais mais favorecidas e, portanto, na apropriação do capital social (Cf. Ponçon et Pinçon-Charlot, 2002: 12). 304

Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dos diferentes estratos sociais, que se estrutura com a edificação do sistema de ensino primário e secundário no decurso do segundo quartel do século XIX. Assim, a maioria da população estava ausente do espaço escolar em razão da deficiente rede de ensino e dos parcos recursos económicos e culturais de que dispunha para superar as barreiras que a fixação na periferia impunha.

Entretanto, na perspectiva de Bourdieu (1989, 2004), o acesso desigual à escolarização é a dimensão menos relevante no processo da reprodução escolar, pois esta decorre essencialmente da reprodução de um arbitrário cultural a que os grupos sociais mais favorecidos se apropriam de forma mais vantajosa. Nesta perspectiva, a vivência escolar é, do ponto de vista cultural, uma extensão do habitus incorporado no seio da família, sedimentado ao longo de várias gerações.

No caso cabo-verdiano, todavia, as desigualdades sociais entre os estudantes descendentes de médios e grandes comerciantes, proprietários de terra e de funcionários intermédios e os originários dos estratos desfavorecidos (filhos de pedreiro, carpinteiro, doméstica, pescador, etc) não implicavam, necessariamente, numa enorme desigualdade em termos de repertório cultural.

De referir que parte importante dessas famílias mais favorecidas não procedia à reconversão do seu capital económico num activo cultural valorizado pela escola (hábitos de leitura adquirida no espaço doméstico, visitas a museus, centros de cultura especializada, etc), uma vez esses recursos não abundavam no mercado cultural nacional e, outras vezes, nem sequer eram percepcionados como necessários para a sua auto-afirmação.

Com efeito, a relação com o saber (le rapport au savoir) não resulta de uma vivência cultural específica anterior, mas adquirida na própria experiência que cada indivíduo estabelece no espaço escolar com novos colegas, professores e em alguns casos com os próprios funcionários. Eis por que uma proporção importante de estudantes de meios sociais desfavorecidos obtém sucesso escolar, mau grado as suas condições sociais adversas. O escopo desta investigação não aborda de forma sistematizada e aprofundada a experiência escolar dos estudantes a ponto de testar o alcance dessa hipótese. De todo modo, afigura-se-nos que a transposição do modelo explicativo bourdesiano a respeito do processo de reprodução social escolar decorrente do habitus cultural sem se acautelar

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 qual é a natureza da desigualdade que está em causa na construção da trajectória escolar pode não ter um potencial explicativo que geralmente se supõe.

Como mencionámos no capítulo 4, quase 60% da elite político-administrativa figuram entre os 4 primeiros filhos, o que poderia a priori evidenciar alguma correlação positiva entre os primeiros filhos e a apropriação diferenciada das oportunidades de escolarização. Todavia, ao analisarmos de forma desagregada os 3 estratos sociais, notamos que a posição em termos de descendência varia em função dos estratos sociais e do nível de escolarização que estiver em jogo.

Assim, em relação aos estudantes dos estratos mais altos a ordem de descendência tem pouca importância no processo de escolarização primária e secundária, tendo alguma relevância na escolarização superior, por causa dos custos elevados em proporcionar a uma escolarização superior no exterior a uma extensa prole.

No que concerne aos estratos intermédios, a posição no seio da família é insignificante no processo de escolarização primária, tem algum peso na escolarização secundária, especialmente para aqueles que residem fora das sedes dos liceus, uma importância crucial no tangente à realização dos estudos superiores.

Relativamente aos estudantes de origem social mais baixa, a ordem de descendência tem em geral menor peso em relação à escolarização primária, mas um peso significativo no que tange ao ensino secundário e superior. Com efeito, são os mais novos, ou seja, os que se situam no fim de linha da ordem de descendência que beneficiam de melhores oportunidades de escolarização, como escrutinámos nas descrições das trajectórias. Nesta perspectiva, os descendentes mais moços são aqueles que beneficiam, posteriormente, nas décadas de 60 e após a independência da expansão do sistema educativo, dos rendimentos da emigração, favorecendo uma importante mobilidade espacial para os centros urbanos onde se localizam os liceus, e do extenso programa de financiamento do ensino superior implementado com a emergência do Estado independente.

Os dados coligidos no inquérito assinalam que uma parcela considerável (38%) dos pais dos dirigentes percorreu uma trajectória na emigração de modo distinto e com efeitos diferenciados em função dos estratos sociais a que pertencem.

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De um lado, a emigração dita qualificada de funcionários oriundos dos estratos médio e alto de Cabo Verde para outras províncias do ultramar representa uma via importante de reprodução dessa elite intermédia. Isto porque uma vez ali instalados em melhores condições socioeconómicas e detentores de um elevado capital cultural, em comparação com a média da população autóctone, podiam proporcionar aos seus descendentes elevados padrões de escolarização quer a nível local, quer na metrópole.

Esse elevado padrão cultural e de assimilação da “cultura lusófona” coloca os descendentes dessa elite intermédia numa posição favorável para uma nova desterritorialização quer para a metrópole, onde maioria passou a residir, quer no país de origem dos seus ascendentes, entretanto, independente, já numa fase em que viceja novas oportunidades.

Do outro, a emigração dos trabalhadores braçais para a Europa, especialmente para Portugal, Holanda e França, no decurso das décadas de 50 e 60 abre enormes perspectivas de recapitalização de largas franjas da população campesina. Assim, o envio de avultadas somas contribuiu decisivamente para melhorar as condições de custeio dos estudos a nível da instrução primária e, sobretudo, ampliando as oportunidades de escolarização secundária através de construção de novas habitações nestes centros, despoletando uma importante mobilidade espacial. Outrossim, a emigração densifica uma rede social de amparo na diáspora, com consequências importantes no apoio ao financiamento do ensino superior, especialmente em Portugal e França.

Em suma, a composição social da elite político-administrativa cabo-verdiana aponta para a existência de uma importante circulação das elites, cuja extensão não é de todo apreensível de forma mais minuciosa, visto que trabalhamos apenas com três grandes sub-grupos sociais (alto, médio e baixo), o que limita a capacidade de se perceber os movimentos intra-grupos, especialmente daqueles que se situam nas fronteias superior e inferior de cada estrato social.

Em sexto lugar, a aquisição do capital político constitui uma via importante de acesso a outros tipos de capitais que condicionam a trajectória dos indivíduos. As informações coligidas a partir da aplicação do inquérito estruturado aos altos dirigentes da administração mostram que em geral 61% asseguram já ter alguma militância política. Entretanto, uma análise por estratos sociais, notamos que entre os dirigentes originários

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 dos estratos mais baixos a proporção de militantes atinge os 73%, ou seja, 12 pontos percentuais acima da média, o que indicia que ser a aquisição do capital político um recurso importante para o acesso a altas esferas do poder, tendo um peso marcante para os indivíduos das camadas sociais mais desfavorecidas

Com a institucionalização do regime liberal-democrático, a partir de 1991, e a consequente alteração dos fundamentos de legitimação política, ambos os partidos são compelidos a seleccionar indivíduos originários dos mais diversos círculos eleitorais, com efeitos directos na ampliação da base de social de recrutamento dos novos dirigentes político-administrativos, como analisámos nos capítulos 4 e 5.

De mencionar também uma outra característica importante dessa elite político- administrativa, é a sua circulação no interior e no exterior da esfera estatal. A interpenetração entre a política e a administração, dota essa elite de um importante capital político e informacional que lhe permite circular sazonalmente ora no campo da política, ora no sector privado e nas ONGs e organizações internacionais. De referir ainda que uma proporção não desprezível de ex-dirigentes da administração vem reconvertendo em direcção aos novos nichos de acumulação – o sector do turismo e o financeiro, o que revela uma clara diversificação dos espaços de acumulação.

Finalmente, um aspecto marcante dessa elite pós-independência, é o seu estilo de vida que procurámos escrutinar através da identificação de tipos de propriedade e da natureza de habitação. Embora seja difícil aferir o estilo de vida dessa elite a partir destas informações do inquérito sem as poder cruzar com as existentes em outras fontes, cremos ser possível extrair algumas pistas. Assim, a maioria dos dirigentes (57%) revela possuir proprietária, especialmente de pequenas parcelas de terras, provenientes da herança familiar.

Todavia, o aspecto mais relevante do estilo de vida dessa elite não é a posse de propriedade mas o tipo de habitação de que é detentora, sob a forma de crédito bancário e/ou poupança própria. Com efeito, 7 em cada 10 dirigentes possuíam em 2009, um património habitacional acima de 11.000 (onze mil) contos, equivalente a 100.000 euros, a 16.000 (dezasseis mil contos) estimado a 150.000 euros, montante 3 a 5 vezes superior ao padrão de habitação estimado para a classe média, de que fazem parte os quadros com formação superior. Esse tipo de habitação revela, de alguma forma, a expectativa de acumulação e estilo de vida que essa elite projecta para si.

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Seguidamente, apreciaremos o alcance de algumas hipóteses formuladas na introdução desta tese que integram um conjunto de suposições preliminares sobre o processo de configuração da elite político-administrativa que resultou do processo de descolonização a partir da segunda metade dos anos 70.

Revisitando as hipóteses de investigação

A primeira hipótese por nós formulada consiste em considerar, por um lado, que o contínuo processo de diasporização dos quadros cabo-verdianos para alimentar a administração nas demais colónias do império enfraqueceu a sua capacidade de reprodução interna, limitando a possibilidade de sua arregimentação na estrutura social cabo-verdiana. Por outro lado, é provável também que uma parte desses quadros por terem adquirido uma larga experiência na administração pública ultramarina, numa situação de carência de quadros, no período pós-independência, ao regressar ao país desempenhou funções importantes na cúpula do Estado.

Sopesando as informações sobre a trajectória profissional dos antigos funcionários desde os finais do século XIX, descritas no capítulo III, dos resultados do inquérito aplicado aos dirigentes da administração, bem como os dados fornecidos por João Nobre de Oliveira sobre a imprensa cabo-verdiana à qual anexa uma biografia resumida de inúmeras personalidades cabo-verdianas do mundo literário que também cursaram uma trajectória na administração, somos inclinados a considerar que esse longo processo de mobilidade e de expatriação de quadros enfraqueceu o potencial de cristalização e de reprodução das famílias dos estratos médio e alto na estrutura social cabo-verdiana. Eis por que a elite administrativa cabo-verdiana que irrompe, em diferentes momentos no decurso do século XX, a um tempo nas posições intermédias e outras vezes no topo da administração colonial, embora seja pertencente aos estratos mais altos da sociedade cabo-verdiana, não constitui uma emanação literal das elites tradicionais locais. Cremos que um estudo sobre a trajectória dos quadros da diáspora poderia oferecer pistas importantes para confirmar ou infirmar a consistência dessa hipótese.

No sentido inverso, verificámos que uma parte dessa elite político-administrativa descende de antigos funcionários que ocuparam uma posição nas estruturas intermédias da administração ultramarina nas outras províncias. Tal situação permitiu a esses funcionários a aquisição de um importante capital social e cultural, colocando-os numa

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 posição relativamente vantajosa, com o fim do processo de descolonização, em relação à maioria da população nacional.

A segunda hipótese enunciada prende-se com a evolução do perfil geográfico da composição da elite administrativa em função das assimetrias regionais em termos de oportunidades de escolarização. Os dados sobre a origem regional dos altos dirigentes da administração mostram uma presença maioritária, numa primeira fase, (1975-1990), das elites oriundas do norte do arquipélago (São Nicolau, Santo Antão e São Vicente), apresentando uma tendência declinante a partir dos anos 90. Os resultados do alargamento da escolaridade a partir dos finais dos anos 60 e da alteração dos fundamentos da legitimação política, com a institucionalização do regime multipartidário ampliam as oportunidades de recrutamento dos indivíduos originários do sul do arquipélago, especialmente os Santiago e Fogo, confirmando a justeza da nossa hipótese.

A terceira hipótese por nós apresentada tem a ver com a expansão contínua do Estado social tardo-colonial e pós-independência com reflexo importante na ampliação da base social de recrutamento das elites político-administrativas, tornando a sua composição mais diversificada e renovada. Como analisámos ao longo dos capítulos 4 e 5, as acções empreendidas pelos estados tardo colonial e nacional potenciam de forma diferenciada o alargamento da base de recrutamento dessa elite administrativa. Assim, a primeira fase do alargamento do ensino secundário opera-se com a edificação do liceu na capital, no dealbar dos anos 60, beneficiando sobremaneira o ciclo de escolarização dos segmentos alto e médio da sociedade cabo-verdiana. Todavia, é o vasto programa de concessão de bolsas de estudo que consolida a posição desses estratos mais favorecidos e inclui os estudantes das camadas mais pobres cuja presença era inexpressiva a nível do ensino superior. Em relação aos estratos mais desfavorecidos, o processo de alargamento resulta, por um lado, dos efeitos convergentes das políticas sociais do Estado provincial e nacional, pese embora por razões distintas. Por outro, devido à entrada em cena de outros actores, a saber, as congregações religiosas, as redes familiares de solidariedade e os emigrantes com impacto decisivo no processo de mobilidade espacial para os centros urbanos onde se localizavam as melhores oportunidades de escolarização.

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A quarta hipótese relaciona-se com a posse do capital político como variável essencial no acesso a postos dirigentes da administração e de alargamento da base de recrutamento. Os dados por nós coligidos no capítulo IV denotam em geral que a maioria dos dirigentes é ou já foi militante, revelando um considerável entrelaçamento entre a política e a administração. Numa análise minuciosa da trajectória profissional dos dirigentes oriundos dos estratos mais desfavorecidos, verificámos que a maioria deles é militante e alguns percorrem uma relevante carreira político-partidário, aliás, muito acima da dos demais estratos médio e alto.

Finalmente, a quinta hipótese consiste em considerar que a imbricação entre as esferas administrativa e política favorece à elite político-administrativa a aquisição de importantes capitais político, social e informacional, com implicações no processo de circulação no interior da Administração Pública e para o sector empresarial do Estado e nas empresas privadas. Como referimos ao longo do capítulo 4 no qual traçámos uma radiografia dessa elite, constatámos que mais da metade desses altos dirigentes da Administração Pública percorre uma trajectória no sector privado, para-público e organizações não-governamentais, o que evidencia os primeiros sinais de consistência dessa hipótese. Outrossim, a tendência mais recente de circulação de uma parte dos altos dirigentes para os novos nichos mais atractivos de acumulação da economia nacional, especialmente o do turismo, onde o Estado desempenha um papel relevante como promotor e regulador, endossa essa hipótese de que o entrelaçamento entre a administração e a política constitui uma mais-valia no processo de reconversão para o sector privado.

Contudo, no decurso da análise minuciosa dos dados do terreno, especialmente no que tange ao processo de escolarização – requisito decisivo no processo de elitização, como aliás discutimos nos dois últimos capítulos - constatámos a tendência à configuração de um sistema dual de formação superior com consequências importante no processo de mobilidade social.

De um lado, o desenvolvimento de um sistema de ensino superior a nível nacional, destinado, essencialmente, aoss estudantes oriundos de uma classe média baixa e das camadas populares da sociedade cabo-verdiana, ávidos pela obtenção de um diploma que lhes garanta uma mobilidade social ascendente e alguma consagração social. Do

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008 outro, um ensino superior no exterior frequentado pelos estudantes, geralmente com melhor desempenho escolar, provindos das camadas média e alta da sociedade cabo- verdiana, em busca de uma notabilização diferencial nas instituições estrangeiras. Assim, a crescente massificação do ensino superior de cariz dualista induz-nos a formular algumas suposições:

Primeira, que a expansão do ensino superior no país ao incluir maior proporção de estudantes de estratos mais pobres poderá contribuir a curto prazo para o alargamento da base social de recrutamento das novas elites político-administrativas.

Uma segunda consiste em considerar que a consolidação de um sistema dual de formação superior ao acantonar os pobres nas instituições locais – sem que estas dêem sinais de garantia de alguma qualidade comparável à formação feita no exterior - e os mais possidentes, nas escolas de formação no exterior, poderá provocar a médio prazo a uma desclassificação do valor do diploma nacional. Esta desclassificação é tanto mais provável, uma vez que os classificadores alçados nos postos mais importantes de decisão nas organizações são geralmente aqueles cujos diplomas de consagração foram exarados das instituições de ensino superior no estrangeiro.

Nesse sentido, a inflação do diploma, como a caracterizaram Bourdieu (2004) e Kassongo (1989) poderá não conduzir, efectivamente, ao alargamento da base social de recrutamento das novas elites. Antes pelo contrário, cria um efeito ilusório do diploma no seio dos estratos desfavorecidos, que tende a esvaecer-se tão logo perceberem que o que está em jogo não é o diploma em si, mas o seu valor relativo no conjunto do mercado de emprego dos licenciados do ensino superior.

Uma terceira suposição que, no fundo, é consequência das duas premissas iniciais reside no facto de considerar que a consolidação de um sistema dual de ensino superior ao despotenciar o contacto inter-classes limita os mais pobres de se inserirem nas redes sociais dos estratos sociais mais altos da sociedade cabo-verdiana, impedindo-os, por essa via, de acumular maior capital social – requisito importante para a apropriação das oportunidades nas diversas esferas do Estado e do mercado.

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Assim, se alguma heterogeneidade do perfil da elite administrativa cabo-verdiana ainda vigora, ela resulta, essencialmente, de um amplo e acelerado processo de transformação da sociedade cabo-verdiana, impulsionado por projectos e interesses distintos das famílias, instituições religiosas, Estado-tardo-colonial e, acima de tudo, do Estado pós- independência. Este último é, em larga medida, um Estado criador, empregador e formador de parte significativa da classe média e segmentos das camadas populares.

À guisa de conclusão, afigura-se-nos a heterogeneidade da elite administrativa cabo- verdiana é ela própria tributária desse ciclo específico de transformação, como ocorreu em vários países de modernização tardia. Resta saber, entretanto, se passados os ventos da rápida mobilidade ascendente das últimas 3 décadas, o perfil dessa elite político- administrativa não propenderá a reproduzir-se no seio das famílias dos estratos alto e médio, em resultado da tendente exclusão dos pobres das melhores espaços de formação superior, especialmente no exterior, e das redes sociais a eles subjacentes.

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Processo individual de Raul Duarte. Administrador do concelho de S. Nicolau SC:C\SR:A\Cx368. Processo individual de José Vera-Cruz Martins. Administrador do concelho do Sal. SC:C\SR:A\Cx368. Processo individual de Tadeu do Carmo Monteiro. Aspirante da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil. Nicolau SC:C\SR:A\Cx368. Processo individual de José Carlos Rocheteau. Administrador do concelho de S. Nicolau SC:C\SR:A\Cx368. Processo individual de Francisco Xavier Resende. 1º oficial administrativo do concelho da Praia. SC:C\SR:A\Cx374. Processo individual de Rafael Nobre de melo. Secretário interino de administração do Concelho da Ribeira SC:C\SR:A\Cx374. Processo individual de João Modesto, tesoureiro da Comissão Municipal do Concelho da Ribeira Grande. SC:C\SR:A\Cx375. Processo individual de Simão António de Oliveira Barros, Administrador de 3ª classe do Concelho de Tarrafal. SC:C\SR:A\Cx375. Processo individual Aguinaldo de Carvalho Veiga, aspirante do quadro administrativo da colónia de Cabo Verde. SC:C\SR:A\Cx375. Processo individual de Augusto Sacramento Monteiro, Administrador de 1º classe do quadro administrativo da Guiné. SC:C\SR:A\Cx378. Processo individual de Bento Benoliel Levy. Chefe interino da Repartição dos Serviços de Administração Central. SC:C\SR:A\Cx379. Processo individual Amaro Alexandre da Luz, aspirante administrativo interino. SC:C\SR:A\Cx379. Processo individual de Manuel de Jesus Monteiro Duarte. Aspirante administrativo da colónia de Cabo Verde. SC:C\SR:A\Cx380. Processo individual de Aquilino Azevedo Camacho, aspirante interino do quadro privativo da fazenda da província de Cabo Verde. SC:C\SR:A\Cx381. Processo individual de Ildo Maria Feijó, administrador de 2ª classe. SC:C\SR:A\Cx384. Registo biográfico de Manuel Luís Fontes, 1º aspirante interino da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil. SC:C\SR:A\Cx400. 1929/05 - 1927/07. Livro de Registo de bilhetes de identidade dos funcionários da Direcção dos Serviços de Administração Civil na cidade da Praia. SC:G\SR:A\Cx.408 1929/06 - 1929/10. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes na Ribeira Grande – santo Antão. SC:G\SR:A\Cx.407. 1929/06 - 1937/05. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes na Praia. SC:G\SR:A\Cx.407.

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1929/06 - 1939/04. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes na Brava. SC:G\SR:A\Cx.408. 1929/06 - 1933/01. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes no Fogo. SC:G\SR:A\Cx.408. 1929/08 - 1931/04. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes em São Nicolau. SC:G\SR:A\Cx.408. 1929/07 - 1937/05. Cadernos de registo de bilhetes de identidade de funcionários de São Vicente. SC:G\SR:A\Cx.408. 1929/07 - 1939/09. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes no concelho de Paul. SC:G\SR:A\Cx.408. 1937/05 - 1942/04. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes no concelho da Praia. SC:G\SR:A\Cx.408. 1937/05 - 1941/05. Registo de bilhetes de identidade dos funcionários residentes no concelho de São Vicente. SC:G\SR:A\Cx.408.

Liceu Ludgero Lima (Antigo Liceu Gil Eanes) - (por ordem cronológica Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1922/1923. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1923/1924. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1924/1925. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1925/1926. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1931/1932. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1933/1934. LLL\Cx1. Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1934/1935. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1934/1935. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1935/1936. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1936/1937. LLL.Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1937/1938. LLL\Docs. Avulsos.

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Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1938/1939. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1939/1940. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1939/1940. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1939/1940. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1940/1941. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1941/1942. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1942/1943. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1943/1944. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1944/1945. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1945/1946. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1964/1965. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1965/1966. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1966/1967. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1968/1969. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1969/1970. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1970/1971. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1972/1973. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1973/1974. LLL\Docs. Avulsos.

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Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1975/1976. LLL\Docs. Avulsos. Boletim de matrícula dos estudantes do liceu Infante Dom Henrique, ano lectivo 1982/1983. LLL\Docs. Avulsos. Documuentos avulsos sobre a Secção do Liceu Gil Eanes na Praia. Relação nominal dos inscritos e dos professores, ano lectivo 1956-1957. LLL. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1955-1956. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1956-1957. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1957-1958. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1958-1959. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1959-1960. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1960-1961. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1961-1962. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1962-1963. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1963-1964. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1964-1965. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1965-1966. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1966-1967. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1967-1968. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1968-1969. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1969-1970. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1971-1972. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1972-1973. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1973-1974. Termo de matrícula e frequência dos alunos do Liceu Gil Eanes, ano lectivo 1974-1975. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) Dossier de matrícula de estudantes da Escola Superior Colonial, ano lectivo 1913-1914. ISCSP. Dossier de matrícula de estudantes da Escola Superior Colonial, ano lectivo 1914-1915. ISCSP. Dossier de matrícula de estudantes da Escola Superior Colonial, ano lectivo 1915-1916. ISCSP.

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Legislação e outros Documentos (por ordem cronológica)

Legislação

Código Administrativo (1842). In: Colecção de Leis e outros documentos oficiais. Lisboa: Imprensa nacional, 1842. Boletim Oficial do Governo geral da Província de Cabo Verde nº40. Praia: Imprensa Nacional, 1892. Suplemento ao Nº4 Boletim Oficial do Governo geral da Província de Cabo Verde. Praia: Imprensa Nacional, 1893. Colecção da Legislação do Ultramar (1895).Vol. V (1864 e 1865). 2ª Edição. Lisboa Imprensa Nacional. Boletim Oficial do Governo da Província de Cabo Verde nº47. Praia: Imprensa Nacional, 1899. Carta Orgânica do Império Colonial Português. Suplemento ao Nº50 do Boletim Oficial do Governo da Colónia de Cabo Verde de 15 de Dezembro de 1933 Constituição, Acto Colonial, Carta Orgânica e Reforma Administrativa Ultramarina in: TOMÈ, Jaime. Lisboa: Imprensa Nacional, 1945. Boletim Oficial da Província de Cabo Verde: 1926 a 1933. Praia: Imprensa Nacional Boletim Oficial da Colónia de Cabo Verde. 1933 a 1953. Praia: Imprensa Nacional Regulamento que regula o financiamento das primeiras passagens. Decreto nº39297, de 29 de Julho de 1953. BO da província de Cabo Verde nº41 de 10 de Outubro.

Estatuto do Funcionalismo Ultramarino. Publicado no BO da Província de Cabo Nº26 de 1 de Julho de 1966.

Boletim Oficial da Província de Cabo Verde 1953 a 1972. Praia: Imprensa Nacional Juramento no acto da tomada de posse. Decreto nº 4/76 de 10 de Janeiro. Publicado no BO da República de Cabo Verde. Regras sobre nomeação e demissão. Decreto 14/77 de 5 de Março. In. Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Pessoal do quadro especial. Decreto-lei nº9/81 de 11 de Fevereiro, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial nº6. Curso de Formação e Superação de Quadros. Decreto nº63/84 de 30 de Junho. Suplemento ao BO de Cabo Verde nº 26 de Junho de 1984. Corpo privativo de funcionários do PAICV. Decreto-lei nº73/84 de 23 de Julho, publicado no BO de Cabo Verde Nº30 de 28 de Junho de 1984.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Liceu de Assomada – Santa Catarina. Portaria 51/85 de 29 de Dezembro. Estatuto do pessoal dirigente. Decreto-Lei nº31/89 de 3 de Junho, Suplemento ao Boletim Oficial de Cabo Verde nº 22. Escola Secundária Suzete delgado. Portaria 51/89 de 14 de Setembro. Estatuto do Gestor Público. Decreto-Lei nº15-B/90, de 30 de Março. In: Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Extinção do corpo privativo de funcionários do PAICV. Lei nº 96/III/90, publicado Suplemento ao BO de Cabo Verde nº43 de 27 de Outubro.

Regime Juridico das Agencias Reguladoras Independentes.Lei nº 20/VI/2003, BO Nº 13, I Série, de 21/04/03.

Plano de cargos e Salários. Decreto-lei nº86/92 de 16 de Julho. In. Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Regulamento de concursos de acesso dos agentes da administração pública. Decreto-Lei nº 10/93 de 8 de Março. In. Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Pessoal do quadro especial. Decreto nº 3/95 de 20 de Junho. In: In. Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Regime geral de organização e Actividade Administrativa. Decreto-Legislativo n. º 2/95, de 20 de Junho. In: Colectânea de legislação. Praia: Ministério das Finanças e Administração Pública, 2006.

Estatuto do pessoal dirigente da função pública. Decreto-Legislativo nº13/97 de 1 de Julho. In. Legislação Administrativa cabo-verdiana. 2ª Edição. Praia: Secretaria de Estado da Administração Pública. Vol. I. 2009.

Define o regime de financiamento público ao ensino superior. Decreto-lei nº 49/2010.. BO Nçº43, I Série de 8 de Novembro. Boletins Oficiais da República de Cabo Verde. 1975 a 2008. Praia: Imprensa Nacional

Lei de Organização Política do Estado (LOPE). In: SILVA, Mário (2010). As Constituições de Cabo Verde e textos históricos de direito constitucional cabo-verdiano. 2ª Edição. Praia.

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

Documentos (por ordem cronológica)

Tabela de vencimentos dos servidores dos corpos administrativos da Província de Cabo Verde. Imprensa nacional, 1957.

Província de Cabo Verde. Lista dos Governadores que tem tido a Província. 1960: Imprensa Nacional, 1960.

Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, Vol. II. Lisboa: Imprensa nacional, 1965.

Projecto do III Plano de Fomento para 1968-1973. Vol. III. Tomo I. Lisboa: Imprensa nacional, 1967.

Boletim Informativo. Cinquentenário da Presença Salesiana em Cabo Verde. Nº Especial nº 152 (Julho-Agosto), 1994.

Movimento Para Democracia. Programa Político. São Vicente,1990

______Documentos da III Convenção Nacional. Praia: INCV.

______Moção de Estratégia e Estatuto. Praia,1997.

Ministério da Coordenação Económica (1992). Plano Nacional de Desenvolvimento 1992-1995. Praia: 1992. Ministério da Coordenação Económica (1997). Plano Nacional de Desenvolvimento 1997-2000. Praia. Ministério das Finanças e Planeamento (2002). Plano Nacional de Desenvolvimento 2002-2005. Vols. I e II. Praia. República de Cabo Verde. Instituto da Condição Feminina. Plano Nacional para a Igualdade e Equidade de Género. Instituto da Condição Feminina. Praia, 2004. Documento de Estratégia de Crescimento e Redução da Pobreza (2007) Ministério das Finanças, 2007. Gabinete do Ministério da Família, Trabalho e Solidariedade (2007). Subsídio para a Divulgação das estratégias de apoio ao desenvolvimento. Praia: Gabinete do Secretário de Estado da Admnistração Pública (2007). Perfil dos Recursos Humanos da Admnistração Pública cabo-verdiana

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Anexos

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Anexos 1: Divisão Administrativa de Cabo Verde em 1893

Ilhas Concelho Classe Freguezias

Santo Antão 1ª Classe Nossa Senhora do Rosário Santo Antão Santo Crucifixo

São Pedro Apóstolo

Santo António das Pombas São João Baptista São Vicente São Vicente 1ª Classe Nossa Senhora da Luz São Nicolau São Nicolau 1ª Classe Nossa Senhora do Rosário Nossa Senhora da Lapa S. Thiago e Maio 1ª Classe Nossa Senhora da Luz da ilha do Maio Nossa Senhora da Graça Nossa Senhora da Luz de S. Thiago

S. Nicolau Tolentino Praia S. Thiago Maior S. Lourenço dos Órgãos S. Salvador do Mundo S. João Baptista

Santíssimo Nome de Jesus Santa 1ª Classe Santa Catharina Catharina S. Miguel Santo Amaro Abade Fogo 1ª Classe Nossa Senhora da Conceição S. Lourenço Fogo Nossa Senhora da Ajuda

Santa Catharina

Sal Sal 2ª Classe Nossa Senhora da Dores Boa Vista Boa Vista 2ª Classe Santa Izabel S. João Baptista Brava 2ª Classe S. João Baptista Nossa Senhora do Monte Fonte: Suplemento ao Nº4 do Boletim Oficial de 1 de Fevereiro de 1893

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Anexo 2 : Relação parcial dos funcionários cabo-verdianos na Administração do Estado provincial: 1930-1966

N Nome Categoria Data Repartição Ano º Nasc. 1 Adalberto José Barbosa 3º oficial 25-01- Administraçã 1964 1935 o Civil 2 Alberto Baptista de Araújo 3º oficial 17-05- CTT 1933 Leite 1901 3 Alberto Ferreira Fialho 3º oficial (grupo II) 03-09- CTT 1955 1920 4 Alexandre José António de 3º oficial S/R Fazenda e 1964 Brito Contabilidade 5 Alfredo Augusto Vieira Segundo 01-01- Alfândegas 1956 Fernandes Verificador 1909 6 Alfredo José de Carvalho Terceiro 25-12- Alfândegas 1956 Veiga Verificador 1920 7 Alfredo Rosário Silva 2º oficial 10-12- Administraçã 1964 1905 o Civil 8 Anastácio Filinto Correia e 3º oficial S/R Fazenda e 1964 Silva Contabilidade 9 António da Silva Tavares 2º oficial 31-05- Administraçã 1964 1901 o Civil 10 António Evangelista Silva 2º oficial 25-04- Saúde e 1966 1920 Assistência 11 António João Lopes da 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Silva Contabilidade 12 António José Barbosa da Director adjunto S/R Fazenda e 1955 Silva Contabilidade 13 António Pelópidas Silva Terceiro 10-12- Alfândegas 1956 Almeida Verificador 1910 14 António Semedo Tavares 3º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 15 António St’Aubyn Terceiro 10-02- Alfândegas 1956 Mascarenhas Verificador 1911 16 Armando Crispim Monteiro Director de fazenda S/R Fazenda e 1964 Barreto de 3ª classe Contabilidade 17 Arnaldo Carlos de Terceiro 15-12- Alfândegas 1956 Vasconcelos França Verificador 1925 18 Arnaldo de França Castro e Terceiro 02-03- Alfândegas 1945 Moura Verificador 1891 19 Artur Levy Gomes 2º oficial 15-06- CTT 1933 1887 20 Artur Nobre Santos Administrador de 2ª 08-05- Administraçã 1964 classe 1917 o Civil 21 Augusto Barreto de 2º oficial 22-08- Administraçã 1964 Carvalho 1896 o Civil 22 Belarmino Firmino Benrós Segundo 07-09- Alfândegas 1945 Verificador 1898 23 Boaventura Ramos 3º oficial (grupo II) 14-03- CTT 1955 Celestino 1906

24 Celso Cândido da Silva 2º oficial 28-07- Administraçã 1964 Fernandes 1927 o Civil

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25 Celso Ramos Celestino 2º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 26 Cristiano Pires Ferreira 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 27 Edgar Medina Gomes 1º oficial (grupo II) 08-05- CTT 1955 Barbosa 1910 28 Emiliano Vicente Silva 3º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 29 Euclides José Barbosa 2º oficial 21-08- Administraçã 1964 1921 o Civil 30 Félix António Monteiro 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 31 Fernando da Silva 3ª oficial S/R CTT 1933 32 Firmo Lourenço Pinto 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 33 Francisco de Figueiredo 2º oficial S/R Fazenda 1931 34 Francisco José Henriques 2º oficial (grupo II) 12.05.190 CTT 1955 Dupret 2 35 Francisco Xavier Rezende Administrador do S/R Administraçã 1944 Mascarenhas concelho o Civil 36 Henrique Avelino Pires 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 37 Henrique Lopes Tavares 2º oficial S/R Fazenda 1931 38 Ildo Pinto da Costa Brito 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 39 Ildo Maria Feijóo Administrador de 1ª 03-11- Administraçã 1964 classe 1918 o Civil 40 Ildo Pereira Santos 2º oficial (grupo II) 31-03- CTT 1955 1914 41 João de Azevedo Camacho 1º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 42 João de Oliveira Silva Ferro 2º oficial 18-10- Administraçã 1964 1929 o Civil 43 João Henriques de Almeida 3º oficial S/R Fazenda 1931 Cardoso 44 João Modesto 1º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 45 Joaquim José Silva 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 46 Joaquim Lopes de Azevedo Terceiro 31-07- Alfândegas 1945 Verificador 1896 47 Jorge Vera Cruz Barbosa Terceiro 22-05- Alfândegas 1945 Verificador 1902 48 José António Andrade 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 49 José António Monteiro de Directo de 3ª classe 24-08- CTT 1955 Macedo (Grupo I) 1919 50 José Brazão de Almeida 2º oficial S/R Fazenda 1931 51 José de Sousa Santos 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 52 José Firmino Dias Correia 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade

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53 José Inocêncio Silva 3º oficial 28-07- CTT 1933 1894 54 José Joaquim Barbosa Chefe de posto S/R Administraçã 1944 Vicente o Civil 55 José Marcos Fontes 3º oficial (grupo II) 07-10- CTT 1955 1924 56 José Maria Lopes Vieira 3º verificador 06-03- Alfândegas 1958 1924 57 José Pereira de Borja Terceiro 22-12- Alfândegas 1945 Verificador 1882 58 José Sousa Santos 2º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 59 José St´Aubyn Mascarenhas 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 60 Júlio Firmino Benrós Administrador de 3ª 23-02- Administraçã 1964 classe 1896 o Civil 61 Lourenço José Vieira 1º oficial S/R Fazenda 1931 Barbosa 62 Luís António dos Santos 3º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 63 Luís Calazans Lopes da 1º oficial (grupo II) 22-10- CTT 1955 Silva 1909 64 Luís Gomes Barbosa Matos 2º verificador 05-05- Alfândegas 1958 1909 65 Luís Silva Rendall Administrador de 1ª 25-08- Administraçã 1964 classe 1916 o Civil 66 Manuel da Silva Caetano L. 2º oficial 31-03- Administraçã 1964 Dos Santos 1913 o Civil 67 Manuel Duarte Costa 2º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 68 Manuel Duarte Costa 2º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 69 Manuel Jesus da Cruz 3º oficial (grupo II) 31-10- CTT 1955 1908 70 Manuel Luíz Fontes 3º oficial S/R Administraçã 1950 o Civil 71 Manuel Vieira de Andrade, 3º oficial (grupo II) 31-07- CTT 1955 Júnior 1910 72 Mário Ivo Almeida Fonseca Terceiro 09-05- Alfândegas 1956 Verificador 1906 73 Mário Monteiro de Macedo Eng.º chefe da 02-12- CTT 1933 repartição dos 1889 telégrafos 74 Mateus Fonseca 2º oficial S/R Fazenda 1931 75 Napoleão Bonaparte 2º oficial 16-11- Administraçã 1964 Deodato T. De Azevedo 1932 o Civil 76 Orlando Barbosa Levy Segundo 25-12- Alfândegas 1956 Verificador 1915 77 Pedro de Sousa Lobo Segundo 12-06- Alfândegas 1956 Verificador 1915 78 Pedro Silva Abreu 3º oficial S/R Fazenda 1931 79 Porfírio de Figueiredo 1º oficial (grupo II) 16-02- CTT 1955 1906

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80 Rafael António Araújo 3º oficial S/R Fazenda 1931 81 Raimundo Joaquim Silva 3º oficial S/R Fazenda e 1955 Contabilidade 82 Raúl Barbosa Vicente 2º oficial S/R Fazenda e 1964 Contabilidade 83 Tadeu do Carmo Monteiro Chefe de posto S/R Administraçã 1944 o Civil 84 Torquato Gomes Fonseca 1º oficial 26-02- CTT 1933 1881 85 Valdemiro Leite Arteaga 2º oficial 30-10- Administraçã 1964 Souto Maior 1907 o Civil

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Anexo 3: Relação nominal dos antigos estudantes cabo-verdianos matriculados na Escola Superior Colonial (1914-1970), actual ISCSP da UTL Nº Nome Data Naturalidade Curso Ano de Nascimento matrícula 1 Adriano Ramos 15-10-1934 São Vicente Administração 1965 Ultramarina 2 Aguinaldo S/R Santiago Escola Superior 1942 Carvalho Veiga Colonial 3 Alberto Baptista S/R São Vicente 2º Ano curso 1936 de Araújo Leite superior colonial 4 Alcestina De 16.02.1944 São Vicente Curso 1967 Oliveira Tolentino Complementar de Serviço Social 5 Alvira Fernanda 17.01.1940 Santo Antão Serviço Social 1966 Santos Wahnon 6 Amiro Pinheiro 31.05.1941 Brava Administração 1961 Faria Ultramarina 7 Ana da Conceição 8.12.1938 Santo Antão Serviço Social 1966 Ramos 8 André Corsino 30.05.1946 Santo Antão Ciências Sociais 1966 Tolentino e Políticas Ultramarinas 9 António Corsino S/R São Nicolau Curso Colonial 1914 Lopes da Silva do Comércio 10 António Crawford S/R Cabo Verde Curso Colonial 1915 de Freitas Ferraz 11 António Ezequiel 10.04.1904 São Vicente Escola Superior 1930 de Sousa Colonial 12 António José de 27-02-1934 Santo Antão Administração 1962 Oliveira Lima Ultramarina 13 António Pelópidas 10.12.1910 Santo Antão Curso 1965 Silva Almeida complementar ultramarina 14 António Rosário S/R São Nicolau Altos Estudos 1960 Brito Ultramarinos 15 Aquilino Azevedo 26-08-1934 Santiago Administração 1964 Camacho Ultramarina 16 Armando Lopes 07-04-1909 São Nicolau Curso Superior 1932 da Silva Colonial 17 Arminda do 24.11.1940 Santo Antão Serviço Social 1967 Rosário Morais santos 18 Armindo Andrade 28.01.1934 Santiago Curso 1966 Madeira complementar ultramarina 19 Arnaldo Carlos 15.12.1925 Santiago Administração 1964 Vasconcelos Ultramarina França

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20 Augusto de 9.04.1925 São Vicente Curso 1965 Carvalho Martins complementar ultramarina 21 Augusto 10-01-1929 São Vicente Altos Estudos 1960 Guilherme Ultramarinos Mesquitela Lima 22 Augusto Marinha 28-01-1938 São Vicente Administração 1960 Silva Ultramarina 23 Áurea Ivete da 11.04.1941 Santo Antão Serviço Social 1969 Silva Rocha 24 Carlos Alberto 16-10-1922 São Vicente Altos Estudos 1960 Monteiro Leite Ultramarinos 25 Carlos Alberto 16-10-1922 São Vicente Escola Superior 1941 Monteiro Leite Colonial 26 Carlos Nunes 31-08-1946 São Vicente Administração 1964 Fernandes dos Ultramarina Reis 27 Cláudio Ramos 20-04-1942 Santo Antão Administração 1962 Duarte Ultramarina 28 Clemente 28-01-1938 Santo Antão Administração 1962 Andrade da Silva Ultramarina 29 Daniel Henrique 30.08.1942 São Vicente Administração 1963 Cardoso Mendes Ultramarina 30 Daniel R. Mendes 30.07.1940 Santiago Administração 1962 Fernandes de Ultramarina D’Aguiar 31 Eduardo Vieira 30.08.1922 Santiago Altos Estudos S/R Fontes Ultramarinos 32 Eduardo Vieira S/R Fogo Ver dados 1951 Fontes anteriores 33 Esmeraldo Rosa 5.8.1941 Santiago Curso 1966 Monteiro de complementar Azevedo ultramarina 34 Esmeraldo 5.8.1941 Santiago Completar 1969 Monteiro de estudos Azevedo ultramarinos 35 Fernando de 10.12.1930 Santiago Administração 1953 Aguiar Gomes Colonial Cruz 36 Francisco Manuel 8.05.1928 São Nicolau Altos Estudos 1959 dos Reis Ultramarinos 37 Francisco Moreira 10.10.1933 Santiago Administração 1964 Correia Ultramarina 38 Franklin Marques 25.10.1935 Santiago Administração 1960 de Abreu Ultramarina 39 Gustavo Borges 1916 Santiago Curso Colonial 1936 da Fonseca

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40 Henrique Lubrano 23.06.1913 Santiago Curso Colonial 1936 de Santa Rita Vieira 41 Hermínio 17.10.1918 São Vicente Administração 1962 Carvalho de Pina Ultramarina 42 Honorato Ferreira 22.12.1935 Santo Antão Administração 1965 Lima Benrós Ultramarina 43 Horácio José 7.09.1941 Santiago Administração 1960 Barbosa Ultramarina 44 Humberto Duque 04.08.1933 São Vicente Administração 1964 Monteiro Leite Ultramarina 45 Humberto 17.11.1941 São Vicente Administração 1962 Nascimento Ultramarina Morais 46 Ildo Maria Feijóo 3.11.1918 Brava Escola Superior 1942 Colonial 47 Isabel Maria de S/r Santiago Curso de Serviço 1969 Carvalho de Pina Social 48 Isaú Santos 1.09.1930 Maio Curso 1966 complementar ultramarina 49 João Baptista dos 4.09.1936 Santo Antão Administração 1960 Santos de Oliveira Ultramarina 50 Jorge Aguiar 11.05.1918 Santiago Curso Colonial 1936 Lisboa Santos 51 Jorge Almeida 101.021.936 São Vicente Administração 1961 Fonseca Ultramarina 52 Jorge Manuel 26.10.1936 Santiago Administração 1961 Braga Ferro Ultramarina Soares de Brito 53 Jorge Maria 20.10.1937 Santiago Curso 1968 Ferreira Querido complementar ultramarina 54 Jorge Morbey 24.11.1942 São Vicente Administração 1966 Ferro Ramos Ultramarina Pereira 55 José António 21.06.1935 Santiago Altos Estudos 1962 Medina dos Ultramarinos Santos 56 José Dias Évora 08.03.1936 Fogo Administração 1961 Ultramarina 57 José Duarte S/R São Vicente 1936 Fonseca 58 José Eduardo 4.11.1930 Santiago Altos Estudos 1961 Lima Soares de Ultramarinos Carvalhal 59 José Maria 17.01.1948 São Vicente Administração 1966 Cardoso Ultramarina

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60 José Mendes S/R Santiago Escola Superior 1942 Moreira Colonial 61 José Paulo 6.09.1944 São Vicente 1970 Valente dos Santos 62 Júlio Miguel 1.07.1907 São Vicente Escola Superior 1930 Monteiro Júnior Colonial 63 Leão Gomes de 1899 ou Fogo Curso Colonial 1916 Pina 1900 64 Lorena 5.01.1941 Santo Antão Administração 1963 Nascimento Dias Ultramarina 65 Luís Castro 24.01.1903 Santo Antão Escola Superior 1930 Almeida Norton Colonial de Mattos 66 Luís José de 20.08.1927 São Nicolau Administração 1962 Medina Gominho Ultramarina 67 Manuel Arrobas 25.04.1909 Santo Antão 1930 Ferro 68 Manuel Bonaparte 20.04.1911 São Vicente Administração 1962 Figueira Ultramarina 69 Manuel Casimiro 5.03.1930 Santo Antão Administração 1965 de Jesus Chantre Ultramarina 70 Maria de Fátima 30.06.1945 São Vicente Administração 1962 Freitas Ultramarina 71 Maria Antónia 21.9.1942 São Vicente Administração 1963 Nobre Brito Leite Ultramarina 72 Maria Cândida 3.06.1940 São Vicente Estudos 1970 Monteiro >Santos Ultramarinos da Luz 73 Maria da 7.05.1942 Santo Antão Administração 1963 Conceição de Ultramarina Aparecida Santos 74 Maria de Fátima 5.06.1941 Santiago Serviço Social 1967 Tavares Pais Varela 75 Maria do Rosário 7.11.1936 Santo Antão Ciências Sociais 1970 de Fátima Chantre e Políticas Nunes de Sousa Ultramarinas 76 Maria José Duarte 30.08.1939 Santo Antão Administração 1962 Lopes Ultramarina 77 Maria José Fortes 13.06.1943 Santo Antão Administração 1968 Rebelo Ultramarina 78 Maria Teresa de 24.12.1944 São Vicente Administração 1962 Nascimento Lima Ultramarina 79 Miguel de Mello S/R São Vicente Curso Colonial 1936 Duarte e Silva 80 Nuno Catharino 1888 Santo Antão Escola Superior 1913 Cardoso Colonial

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81 Oldegard Moisés 25.11.1939 São Vicente Administração 1965 Wahnon Ultramarina 82 Orlando Tito de 11.02.1939 Fogo Curso 1969 Vasconcelos complementar Vicente José ultramarina Barbosa 83 Osvaldo Avelino 28.11.1939 Santiago Administração 1962 Pires Ultramarina 84 Osvaldo Euclides 26.03.1942 Boa Vista Administração 1961 da Lima Pereira Ultramarina 85 Osvaldo Nobre de 22-01.1934 Santo Antão Altos Estudos 1961 Oliveira Morais Ultramarinos 86 Pedro Augusto 12.10.1945 São Vicente Administração 1966 Benros de Ultramarina Almeida Freire 87 Renato Pires Ortet 16.03.1935 Santiago Administração 1963 Ultramarina 88 Roberto Duarte e S/R São Vicente Curso Colonial 1932 Silva 89 Simão António 24.06.1909 Santiago Escola Superior 1930 Barros Colonial 90 Teodoro Monteiro 3.02.1927 Fogo Administração 1962 de Macedo Ultramarina 91 Tito Lívio Maria 19.05.1917 Brava Altos Estudos 1964 Feijóo Ultramarinos 92 Tomás Ferreira 29.12.1928 Santo Antão Administração 1964 Lima Benrós Ultramarina 93 Valdemiro Rito de 23.06.1943 São Vicente Administração 1962 Sousa Martins Ultramarina 94 Zeferino Maurício 7.8.1944 Santiago Administração 1963 Lino Pereira de Ultramarina Nascimento

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Anexo 4: Questionário estruturado aplicado aos dirigentes da Administração Pública.

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Anexo 5: Relação nominal dos Ministros e Secretários de Estado: 1975-2008

Nº Nome Dirigentes Sexo Ilha Cargo Período Ministro dos Negócios 1 Abílio Monteiro Duarte M Santiago Estrangeiros 1975-1990 São Ministro da Indústria e 2 Adão Rocha M Vicente Energia 1975-1990 Adriano de Oliveira Santo Ministro das Obras 3 Lima M Antão Públicas 1975-1990 Aguinaldo Lisboa São 4 Ramos M Nicolau Secretário de Estado 1975-1990 Alexandre Dias Ministro do Comércio, 5 Monteiro M Santiago Indústria e Energia 1991-2008 Alexandre Ramos de Secretário de Estado das 6 Pina M Santiago Pescas 1975-1990 Ministro-Adjunto para a Administração Pública e Alfredo Gonçalves os Assuntos 7 Teixeira M Fogo Parlamentares 1991-2008 Secretário de Estado das 8 Álvaro Dantas Tavares M Portugal Forças Armadas 1975-1990 Amaro Alexandre da Santo 9 Luz M Antão Ministro das Finanças 1975-1990 Américo Sabino Soares São Secretário de Estado da 10 Nascimento M Nicolau Juventude e Desporto 1991-2008 Ministro dos Negócios Amílcar Fernandes São Estrangeiros e das 11 Spencer Lopes M Nicolau Comunidades 1991-2008 São Secretário de Estado do 12 Amílcar Sousa Lima M Vicente Turismo 1991-2008 Secretaria de Estado da 13 Ana Paula Almeida F Santiago Administração Pública 1991-2008 André Corsino Santo 14 Tolentino M Antão Ministro da Educação 1975-1990 Ministro das Pescas, António Gualberto do São Agricultura e Animação 15 Rosário M Nicolau Rural 1991-2008 Ministro da Educação, António Joaquim Rocha Ciência, Juventude e 16 Fernandes M Santiago Desporto 1991-2008 Santo 17 António Jorge Delgado M Antão Ministro da Cultura 1991-2008 Ministro dos Transportes, Comércio e 18 António Omar Lima M Boa Vista Turismo 1975-1990 Secretário de Estado da António Pascoal Silva Santo Emigração e das 19 Santos M Antão Comunidades 1991-2008

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António Pedro Maurício Santo Secretário de Estado de 20 dos Santos M Antão Marinha e Portos 1991-2008 António Pedro Secretário de Estado de 21 Monteiro Lima M Senegal Negócios Estrangeiros 1975-1990 Armindo Cipriano Santo Secretário de Estado dos 22 Maurício M Antão Assuntos Parlamentares 1991-2008 Armindo Gregório Guiné- Ministro da Infra- 23 Ferreira Júnior M Bissau estruturas e Transportes 1991-2008 Ministro da Presidência Arnaldo Andrade do conselho de 24 Ramos M Boa Vista Ministros 1991-2008 Arnaldo Carlos de 25 Vasconcelos França M Santiago Ministro das Finanças 1975-1990 Secretário de Estado Arnaldo Pina Pereira da Adjunto do Primeiro 26 Silva M Fogo Ministro 1991-2008 Avelino Bonifácio Secretário de Estado da 27 Fernandes Lopes M Santiago Industria e Comercio 1991-2008 Ministro do Estado e da 28 Basílio Mosso Ramos M Sal Saúde 1991-2008 Carlos Augusto Duarte Ministro das Finanças e 29 de Burgo M Brava Planeamento 1991-2008 Carlos Nunes Fernandes São Ministro da Justiça e 30 dos Reis M Vicente Assuntos Sociais 1975-1990 Carlos Wahnon de São 31 Carvalho Veiga M Vicente Primeiro-ministro 1991-2008 César Augusto de Santo Secretário de Estado da 32 Barbosa Almeida M Antão descentralização 1991-2008 Cláudio Agui Henrique Secretário de Estado do 33 Veiga M Fogo Emprego 1991-2008 Secretário de Estado da 34 Cláudio Alves Furtado M Santiago Juventude 1975-1990 São 35 Corsino António Fortes M Vicente Ministro da Justiça 1975-1990 Ministra das Finanças e Cristina Isabel Lopes da da Administração 36 Silva Monteiro Duarte M Boa Vista Pública 1991-2008 Dario Laval Rezende 37 Dantas dos Reis M Santiago Ministro da Saúde 1991-2008 David Hopffer Cordeiro 38 Almada M Santiago Ministro 1975-1990 Domingos Dias Pereira Secretário de Estado dos 39 Mascarenhas M Santiago Negócios Estrangeiros 1991-2008 Edeltrudes Rodrigues Ministra da Reforma do 40 Pires Neves F Fogo Estado 1991-2008 Secretário de Estado da Administração Pública e Estado da 41 Eduardo Rodrigues M Santiago Administração Pública 1975-1990

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Eurico Correia São Tomé Ministro da Justiça e do 42 Monteiro M e Príncipe Trabalho 1991-2008 Eurico de Jesus Pinto Secretário de Estado de 43 Monteiro M Santiago Administração Local 1975-1990 Ministra da Economia, Fátima Maria Carvalho Crescimento e 44 Fialho F Santiago Competitividade 1991-2008 Filomena de Fátima Guiné- Ministra da Educação e 45 Ribeiro Vieira Martins F Bissau Ensino Superior 1991-2008 Secretaria de Estado Adjunto do Ministro da Filomena Maria Educação, Ciência, 46 Frederico Delgado Silva F Santiago Juventude e Desporto 1991-2008 Secretário de Estado Adjunto do Ministro das Santo Infra-estruturas e 47 Francisco Pedro Neves M Antão Habitação 1991-2008 Ministro do São Desenvolvimento Rural 48 Gualberto do Rosário M Nicolau e Pescas 1991-2008 Hélder Jorge Brito Santo Secretário de Estado de 49 Monteiro Santos M Antão Desenvolvimento Rural 1975-1990 Herculano Adelaide Ministro dos 50 Vieira M Boa Vista Transportes 1975-1990 Santo Secretário de Estado da 51 Honório Chantre Fortes M Antão Defesa 1975-1990 Humberto Nascimento São Secretário de Estado da 52 Morais M Vicente Marinha Mercante 1975-1990 Humberto Santos de Secretário de Estado da 53 Brito M Santiago Economia 1991-2008 Secretário de Estado da Ilídio Alexandre da Santo Reforma do Estado e da 54 Cruz M Antão Administração Pública 1991-2008 Irineu Fileto Brito São Ministro da Saúde e 55 Gomes M Nicolau Assuntos Sociais 1975-1990 Ministra da Presidência do Conselho do Ministro Janira Isabel Fonseca e dos Assuntos 56 Hopffer Almada F Santiago Parlamentares 1991-2008 Januária Tavares Silva 57 Moreira da Costa F Santiago Ministra da Justiça 1991-2008 João Baptista Ferreira Medina São Ministro da Saúde e 58 M Vicente Promoção Social 1991-2008 Secretário de Estado João de Deus São Adjunto do Primeiro 59 Maximiano M Nicolau Ministro 1975-1990 João Higino do Rosário São Ministro do Turismo, 60 Silva M Nicolau Indústria e Comércio 1991-2008

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Ministro da Economia, Crescimento e 61 João Pereira Silva M Boa Vista Competitividade 1975-1990 Ministro das Finanças e 62 João Pinto Coelho Serra M Santiago Administração Pública 1991-2008 Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Jorge Alberto da Silva São Economia, Crescimento 63 Borges M Vicente e Competitividade 1991-2008 Jorge Carlos Almeida São Ministro dos Negócios 64 Fonseca M Vicente Estrangeiros 1991-2008 Jorge Homero São Ministro-Adjunto e da 65 Tolentino Araújo M Vicente Cultura 1991-2008 Jorge Lima Delgado Ministro das Infra- 66 Lopes M Sal estruturas e Transportes 1991-2008 Secretário de Estado do 67 Jorge Spencer Lima M Sal Comércio e Turismo 1975-1990 José António Mendes Ministro-adjunto do 68 dos Reis M Santiago Primeiro-ministro 1991-2008 José António Pinto Secretário de Estado de 69 Monteiro M Santiago Agricultura 1991-2008 Guiné- Ministro do Turismo, 70 José Armando Duarte M Bissau Indústria e Comércio 1991-2008 Secretário de Estado de Cooperação e 71 José Brito M Senegal Planeamento 1975-1990 José Eduardo de 72 Figueira Araújo M Santiago Ministro de Educação 1975-1990 Secretário de Estado José Filomeno Carvalho Adjunto do Primeiro 73 Dias Monteiro M Santiago Ministro 1991-2008

74 José Luís Fernandes M Santiago Secretário de Estado 1975-1990 Ministro dos Negócios Santo Estrangeiros e das 75 José Luís Jesus M Antão Comunidades 1991-2008 Secretário de Estado dos José Luís Leão Negócios Estrangeiros e 76 Monteiro M Santiago da Cooperação 1991-2008 Ministro da Educação, José Luís Livramento Santo Ciência, Juventude e 77 Monteiro de Brito M Antão Desporto 1991-2008

78 José Manuel Andrade M Santiago Ministro da Justiça 1991-2008

79 José Manuel Pinto M Santiago Secretário de Estado de 1991-2008 Monteiro Negócios Estrangeiros

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Ministro do Ambiente, do Desenvolvimento José Maria Fernandes Rural e dos Recursos 80 da Veiga M Santiago Marinho 1991-2008 José Maria Pereira 81 Neves M Santiago Ministro da Defesa 1991-2008 José Tomás Wahnon de Ministro das Finanças e 82 Carvalho Veiga M Santiago do Planeamento 1991-2008 José Ulisses Correia e Secretário de Estado das 83 Silva M Santiago Finanças 1991-2008 Ministro/Secretário de São Estado da 84 Júlio César de Carvalho M Nicolau Administração Interna 1975-1990 Ministro da 85 Júlio Lopes Correia M Fogo administração Interna 1991-2008 Santo Ministro da Cultura e 86 Leão Lopes M Antão Comunicação Social 1991-2008 Secretaria de Estado Adjunto da Ministra das Santo Finanças e 87 Leonesa Lima Fortes F Antão Administração Pública 1991-2008 Ministro da 88 Lívio Fernandes Lopes M Fogo administração Interna 1991-2008 Luís de Sousa Nobre São Ministro da Saúde e 89 Leite M Vicente Promoção Social 1991-2008 Manuel Casimiro de Santo Ministro do Turismo, 90 Jesus Chantre M Antão Indústria e Comércio 1991-2008 Manuel da Paixão dos São 91 Santos Faustino M Vicente Ministro da Educação 1991-2008 Ministro dos Negócios Estrangeiros, Manuel Inocêncio São Cooperação e 92 Sousa M Vicente Comunidades 1991-2008 Manuel Monteiro da 93 Veiga M Santiago Ministro da Cultura 1991-2008 Secretário de Estado Adjunto do Ministro das 94 Manuel Pinto Frederico M Santiago Finanças e Planeamento 1991-2008 Manuel Vicente 95 Anastácio Silva M Sal Secretário de Estado 1991-2008 Manuela Teresa de Jesus Alves Silva Secretária de Estado da 96 Gomes F Santiago Promoção Social 1991-2008 Maria Cristina Lopes de Almeida Fontes

97 F Ministra da Justiça e Santiago Administração Interna 1991-2008

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Ministra dos Negócios Estrangeiros, Maria de Fátima Lima São Cooperação e 98 Veiga F Vicente Comunidades 1991-2008 Maria Helena Nobre de Morais Querido Ministro do Turismo, 99 Semedo F Santiago Transporte e Mar 1991-2008 Maria Jesus Secretária de Estado da 100 Mascarenhas F Santiago Juventude 1991-2008 Maria Madalena Brito Ministra do Ambiente e 101 Neves F Sal Agricultura 1991-2008 São Ministro da Agricultura 102 Mário Anselmo Matos M Vicente e Pescas 1991-2008 Secretário de Estado Mário Gomes Adjunto do Primeiro 103 Fernandes M Santiago Ministro 1991-2008 Mário Ramos Pereira Ministério da 104 Silva M Santiago Administração Interna 1991-2008 Marisa Helena do São 105 Nascimento Morais F Vicente Ministra da Justiça 1991-2008 Marly de Menezes Secretaria de Estado das 106 Barbosa Vicente F Santiago Comunidades 1991-2008 Santo Secretário de Estado das 107 Miguel Oliveira Lima M Antão Pescas 1975-1990 Secretário de Estado da 108 Octávio Ramos Tavares M Santiago Educação 1991-2008 Secretário de Estado Olavo Avelino Garcia Adjunto do Ministro das 109 Correia M Santiago Finanças 1991-2008 Ondina Maria Fonseca Rodrigues Ferreira Ministra da Educação e 110 F Fogo do Desporto 1991-2008 Ministra do Emprego, da Orlanda Maria Duarte Santo Formação e da 111 Santos Ferreira F Antão Integração Social 1991-2008 São Tomé Ministro da Presidência 112 Orlando Pereira Dias M e Príncipe do Conselho de Ministro 1991-2008 São 113 Osvaldo Lopes da Silva M Nicolau Ministro da Economia 1975-1990 Secretário de Estado do Osvaldo Miguel São Comercio, Turismo e 114 Sequeira M Vicente Artesanato 1975-1990 Pedro Freire de 115 Andrade M Santiago Ministro da Justiça 1991-2008 Pedro Verona Pires

116 M Fogo Primeiro-ministro 1975-1990

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Ministro da Descentralização, Habitação e Ramiro Andrade Alves Ordenamento do 117 Azevedo M Fogo Território 1991-2008 São Secretário de Estado da 118 Renato de Silo Cardoso M Vicente Administração Pública 1975-1990 Romeu Fonseca Santo Secretário de Estado da 119 Modesto M Antão Administração Pública 1991-2008 Santo Secretário de Estado da 120 Rosa Lopes Rocha F Antão Agricultura 1991-2008 Rui Alberto de São 121 Figueiredo Soares M Vicente Ministro da Saúde 1991-2008 Ministra-Adjunta do Sara Maria Duarte Primeiro-ministro e da 122 Lopes F Sal Qualificação e Emprego 1991-2008 Sérgio Augusto 123 Cardoso Centeio M Santiago Ministro 1991-2008 Sidónio Fontes Lima Ministro do Trabalho, 124 Monteiro M Fogo Família e Solidariedade 1991-2008 São Defesa e Segurança 125 Silvino Manuel da Luz M Vicente Nacional 1975-1990 Santo Ministro das Obras 126 Silvino Oliveira Lima M Antão Públicas 1975-1990 Ministro da Justiça e da 127 Simão Gomes Monteiro M Santiago Administração Interna 1991-2008 Teófilo Figueiredo São Ministro de Infra- 128 Almeida e Silva M Nicolau estruturas e Transportes 1991-2008 Tito Lívio de Oliveira Ministro da habitação e 129 Ramos M Santiago Obras Públicas 1975-1990 Úlpio Napoleão Ministro do Estado e da 130 Fernandes M Santiago Defesa Nacional 1991-2008 Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo Ministra da Educação e 131 de Pina F Sal Ensino Superior 1991-2008 Victor A. E. A. de Secretário de Estado da 132 Pinto Osório M Sal Juventude e Desportos 1991-2008 Victor Manuel Barbosa Ministro da Educação, 133 Borges M Santiago Cultura e Desportos 1991-2008 Victor Manuel Lopes Secretário de Estado da 134 Coutinho M Santiago Juventude e Desporto 1991-2008 Virgílio Alberto de Secretário de Estado do 135 Burgo Fernandes M Santiago Comercio e Turismo 1975-1990

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Anexo 6: Guião para a realização de entrevistas aprofundadas

1. Perfil Social

- Origem social: trajectória familiar - Origem regional – local de nascimento e redes de afinidades locais - Processo de escolarização, com incidência nas estratégias de escolarização primária, secundária e superior - Redes de relações: familiar escolar - Situação patrimonial individual e familiar

2. Percurso Profissional:

Primeiro emprego Nomeação na função pública Redes de afinidades (colegas e com os dirigentes) Critérios de nomeação

3. Estratégias de reconversão

Actividades realizadas após o exercício de funções na AP

Trajectória nas empresas privadas, ONG e outras organizações

4. Afinidades políticas

Socialização política individual e familiar Militância político-partidária Cargos políticos exercidos

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Anexo 7: Relação das empresas públicas e os seus respectivos DGs e PCAs

Nº Nome Ilha/País Empresa/Instituição Sede Cargo 1 Filinto Correia e Silva Santiago TACV Praia Director-geral 2 Valdemar Lobo Sal TACV Praia Director-geral 3 Terêncio Alves São Nicolau TACV Praia Director-geral 4 Daniel Livramento Santiago TACV Praia Director-geral 5 João Higino do São Nicolau TACV Praia PCA Rosário da Silva 6 Alfredo Carvalho Santiago TACV Praia Director-geral 7 João Ramos Santiago TACV Praia PCA 8 António Neves Santiago TACV Praia PCA 9 Gilles Filantreau Canadá TACV Praia PCA 10 Carlos Burgo Brava BCV Praia Governador 11 Olavo Correia Santiago BCV Praia Governador 12 Osvaldo Miguel São Vicente BCV Praia Governador Sequeira 13 Corsino Corentino São Vicente BCA(Banco Único) Praia Governador 14 Amaro da Luz Santo Antão BCA(Banco Único) Praia Governador 15 Adalberto Tavares Maio BCA(Banco Único) Praia Governador 16 João Higino do São Nicolau BCA(Banco Único) Praia Governador Rosário 17 Margarida Sagná Senegal TELECOM Praia Director geral 18 José Luís Livramento Santo Antão TELECOM Praia Director geral 19 Eugénio Inocêncio Santo Antão TELECOM Praia Director geral 20 Humberto Bettencourt Santo Antão TELECOM Praia PCA Santos 21 Margarida Sagná Senegal CTT Praia Director geral 22 Elisabeth Silva São Nicolau CTT Praia Director geral 23 Ramiro Azevedo Santiago CTT Praia PCA 24 Atelano Fonseca Fogo CTT Praia PCA 25 Jorge Maurício Santo Antão EMPA Praia Director-geral 26 Alfredo Moura Portugal EMPA Praia Director-geral 27 Orlando Mascarenhas Santiago EMPA Praia Director-geral 28 Deolinda Monteiro Santiago EMPA Praia Director-geral 29 Nasolino Santos Santiago EMPA Praia Director-geral 30 Vlademir Segredo Santo Antão EMPA Praia Director-geral 31 João Ramos Santiago IFH Praia Director geral 32 José Aureliano Ramos São Nicolau IFH Praia Director geral 33 Helder Benrós de São Vicente IFH Praia PCA Melo Araújo 34 Emanuel João Vieira Santiago IFH Praia PCA 35 Paulo Jorge Medina São Vicente IFH Praia PCA Soares 36 Ruy Spencer Guiné-Bissau ENACOL São Vicente Director geral 37 Mário Rodrigues Santo Antão ENACOL São Vicente Director geral

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38 Betencourt Angola ENACOL São Vicente PCA 39 Pitorro Soares Portugal ENACOL São Vicente PCA 40 Carlitos Fortes Santo Antão ENACOL São Vicente PCA 41 Celso Estrela Santo Antão ASA Sal Director geral 42 Jorge Lopes Sal ASA Sal Director geral 43 Valdemar Correia São Vicente ASA Sal Director geral 44 Mário Paixão Sal ASA Sal Director geral 45 Leonildo Monteiro Santo Antão CABNAVE São Vicente Director-Geral 46 Humberto Cardoso São Vicente CABNAVE São Vicente Director-Geral 47 Balthazar Ramos São Vicente CABNAVE São Vicente PCA 48 José Manuel Pires Santo Antão ENAPOR São Vicente Director geral Ferreira 49 Lucas Santos Santo Antão ENAPOR São Vicente Director geral 50 Jorge Benchimol Santiago ENAPOR São Vicente Director geral 51 Alfredo Fortes Santo Antão ENAPOR São Vicente Director geral 52 Manuel Vicente Sal ENAPOR São Vicente Director geral 53 Franklin Spencer São Nicolau ENAPOR São Vicente PCA 54 Eurico Pascoal São Nicolau ELECTRA São Vicente Director geral 55 Emanuel Miranda Santiago ELECTRA São Vicente Director geral 56 Ruy Spencer Lopes Guiné-Bissau ELECTRA São Vicente Director geral dos Santos 57 Martinho Ramos Santo Antão ELECTRA São Vicente Director geral 58 Daniel Graça São Vicente ELECTRA São Vicente Director geral 59 Antão Fortes Santiago ELECTRA São Vicente PCA

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Anexo 8: Boletins de matrícula e certificado de conclusão do 2º grau do ensino primário de Amílcar cabral

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Anexo 9 - Lista dos estudantes bolseiro de Cabo Verde para a frequência de cursos superiores e médios em Portugal no ano lectivo 1979/1980/1981. Nº Nome Data Habilitação Curso Nível Ano Lectivo Fonte Nascimento 1 José Carlos País L. Moniz 06-12-1961 7º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 2 Alfredo Simão C. dos Santos 29-08-1953 7º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 3 Félix de Jesus S. G. 18-12-1959 7º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 Monteiro de 08/09/79 4 Edna José Gonçalves 20-10-1961 7º ano Ciências Sociais Superior 1979/80 B.O nº 39 Mascarenhas de 08/09/79 5 Lucialina Vieira Alves 03-01-1960 7º ano Românticas Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 6 Vanda Maria Alves A. 18-04-1960 7º ano Finanças Superior 1979/80 B.O nº 39 Azevedo de 08/09/79 7 Amélia Maria St´A. 20-11-1961 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 Figueiredo de 08/09/79 8 Cristina Isabel M. Duarte 02-09-1962 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 9 Toedoro Manuel Évora 16-01-1952 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 10 Sebastião Pereira Pinto 27-02-1955 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 11 Maria de Lourdes P. 21-03-1961 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 Almeidas de 08/09/79 12 Eliseu João Rodrigues 10-04-1958 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79

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13 Maria Encarnação Alves 24-03-1956 7º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 14 Maria de Fátima Coronel 20-11-1959 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 15 Eurico Correia Monteiro 22-01-1955 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 16 Pedro Monteiro de Andrade 10-02-1959 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79

17 Simão Gomes Monteiro 14-03-1960 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 18 Alcides Paixão Melo 26-06-1958 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 19 Fernando Jorge Gonçalves 13-08-1957 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 Graça de 08/09/79 20 Augustin Sanha 21-11-1953 BAC Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 Passable a) de 08/09/79 21 Henrique Monteiro 11-09-1950 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 22 Edna Filomena L. N. Tomar 08-12-1958 7º ano Gestão Técnica Médio 1979/80 B.O nº 39 Hoteleira de 08/09/79 23 Vicência Sousa Delgado 02-07-1958 7º ano Gestão Técnica Médio 1979/80 B.O nº 39 Hoteleira de 08/09/79 24 José Pedro L. C. Oliveira 12-05-1953 7º ano Gestão Técnica Médio 1979/80 B.O nº 39 Hoteleira de 08/09/79 25 Edgard Lopes dos Santos 17-06-1959 7º ano Pilotagem Médio 1979/80 B.O nº 39 Marítima de 08/09/79 26 Carlos Manuel Nobre Dias 01-04-1960 7º ano Marinha Médio 1979/80 B.O nº 39 Mercante de 08/09/79

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27 Ida Maria Nobre M. 21-12-1960 7º ano Línguas e Médio 1979/80 B.O nº 39 Azevedo Administração de 08/09/79 28 Dinabela Elias C. Andrade 18-09-1958 5 de se. 7º Secretariado Médio 1979/80 B.O nº 39 ano Instituto de de 08/09/79 novas profissões 29 Joaquim dos Ângelos M. 10-11-1953 7º ano Eng.ª Téc. Médio 1979/80 B.O nº 39 Morais Agrícola de 08/09/79 30 Maria Gregória S. A. C. 04-09-1956 7º ano Técnico de Médio 1979/80 B.O nº 39 Canto Línguas e de 08/09/79 Turismo 31 Afonso Maria L. Monteiro 25-05-1959 7º ano Silvicultura Superior 1979/80 B.O nº 39 Semedo de 08/09/79 32 José Luís Hoffer Cordeiro 09-11-1960 7º ano Direito Superior 1979/80 B.O nº 39 Almada de 08/09/79 33 Rui Manuel Melo Lima 25-07-1960 6º ano Hidrologia Médio 1979/80 B.O nº 39 Évora de 08/09/79 34 António Carlos Gomes 08-11-1958 6º ano Hidrologia Médio 1979/80 B.O nº 39 de 08/09/79 35 Alexandre Mateus de 26-12-1958 7º ano Marinha Superior 1979/80 B.O nº 39 Vasconcelos Furtado Mercante de 08/09/79 36 Luís Alexandre Lima Sousa 18-11-1956 3.º ano Engenharia Superior 1979/80 B.O nº 39 Eng.ª Civil Civil de 08/09/79 37 Jorge Eduardo St. A. 29-12-1956 3º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 Figueiredo Medicina de 08/09/79 38 Maria José Andrade Correia S/R 1º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 Medicina de 08/09/79 39 José António A. Duarte S/R 2º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 Medicina de 08/09/79 40 Carlos Alberto M. 30-01-1954 1º ano Artes Artes Plásticas Superior 1979/80 B.O nº 39 Gonçalves Plásticas de 08/09/79

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

41 Jorge Manuel Benrós M. 15-08-1955 3º ano Economia Superior 1979/80 B.O nº 39 Duarte Economia de 08/09/79 42 José Luís Lopes F. Ramos S/R 3º ano Filologia Superior 1979/80 B.O nº 39 Filologia Românica de 08/09/79 43 Maria Rita Fortes L. Silva 21-05-1953 1º ano Línguas Superior 1979/80 B.O nº 39 Filologia de 08/09/79 Germânica 44 José Maria Vieira Brito 01-09-1955 Curso de Engenharia Médio 1979/80 B.O nº 39 Almeida form. eléctrica de 08/09/79 Montador electricista 45 Carlos Alberto Ramos Faria 04-01-1957 7º ano Engenharia Médio 1979/80 B.O nº 39 Civil de 08/09/79 46 Januário da Rocha 25-04-1955 7º ano Técnico de Médio 1979/80 B.O nº 39 Nascimento comercialização de 08/09/79 47 Maria Auxiliadora Santos 28-12-1958 7º ano Finanças e Médio 1979/80 B.O nº 39 contabilidade de 08/09/79 48 Maria Deolinda Jesus da L. 15-01-1960 7º no Análises Médio 1979/80 B.O nº 39 Almada biológicas de 08/09/79 49 Octávia Évora Lima 10-01-1960 7º ano Análises Médio 1979/80 B.O nº 39 biológicas de 08/09/79 50 José Maria Fernandes Veiga 27-08-1958 7º ano Engenharia Médio 1979/80 B.O nº 39 Civil de 08/09/79 51 Helena Silva Amado 14-04-1962 2º ano Secretaire Médio 1979/80 B.O nº 39 Secretaire medicale de 08/09/79 medicale 52 Américo António Santos 20-02-1957 1º ano Medicina Superior 1979/80 B.O nº 39 Medicina de 08/09/79 53 Érico Veríssimo Oliveira S/R 4º ano Arquitectura Superior 1979/80 B.O nº 39 Ramos arquitectura de 08/09/79

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

54 Ilídio Alexandre da Cruz 01-03-1959 7º ano Direito Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 55 Helena Maria Faria de Brito 07-08-1962 7º ano Direito Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 56 Benfeito Mosso Ramos 06-07-1959 7º ano Direito Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 57 Júlio Armando Nobre M. Q. 14-01-1963 7º ano Medicina Superior 1980/81 B.O nº 39 Semedo de 27/09/80 58 Verónica Lopes da Graça 14-08-1962 7º ano Medicina Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 59 Lídia Filomena S. C. Silva 08-05-1963 7º ano Medicina Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 60 Arlindo Nascimento do 09-12-1961 7º ano Medicina Superior 1980/81 B.O nº 39 Rosário de 27/09/80 61 Jaime Baptista Lima 23-06-1962 7º ano Medicina Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 62 Maria Helena Maurício 01-04-1960 7º ano Farmácia Superior 1980/81 B.O nº 39 Santos de 27/09/80 63 Maria Elisa Mendes da 25-01-1962 7º ano Farmácia Superior 1980/81 B.O nº 39 Veiga de 27/09/80 64 Júlia Adalzira de Oliveira 15-04-1949 7º ano Farmácia Superior 1980/81 B.O nº 39 Ramos de 27/09/80 65 José Henriques Moreno 03-03-1960 7º ano Psicologia Superior 1980/81 B.O nº 39 Mendes Clínica de 27/09/80 66 Fernando Euclides B. Araújo 08-09-1957 7º ano Psicologia Superior 1980/81 B.O nº 39 Clínica de 27/09/80 67 Carlos Manuel Leocádio 08-12-1960 7º ano Arquitectura Superior 1980/81 B.O nº 39 Silva Urbanista de 27/09/80 68 Nadir Vellinho Silva 20-10-1960 7º ano Arquitectura Superior 1980/81 B.O nº 39 Frederico Urbanista de 27/09/80

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

69 Ana Paula Elias Curado 25-12-1959 7º ano Sociologia Superior 1980/81 B.O nº 39 Muela de 27/09/80 70 Mário Ramos Pereira Silva 01-08-1959 7º ano Sociologia Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 71 José António Lopes Barros 26-02-1958 7º ano Sociologia Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 72 Carlos Alberto Lopes Silva 05-07-1961 7º ano Gestão Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 73 José Floresvindo P. Barbosa 07-10-1961 7º ano Gestão Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 74 Neusa da Silva Lima 05-05-1960 7º ano Administração e Médio 1980/81 B.O nº 39 contabilidade de 27/09/80 75 Adalberto Higino Tavares 07-07-1961 7º ano Administração e Médio 1980/81 B.O nº 39 Silva contabilidade de 27/09/80 76 Luís Marcos Martins da 02-12-1961 7º ano Eng.ª de Const. Superior 1980/81 B.O nº 39 Cruz Civil de 27/09/80 77 Pedro Jesus da Fonseca 31-03-1960 7º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Santos Civil de 27/09/80 78 Paulo Jorge Carneiro F. 16-01-1963 7º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Silva Civil de 27/09/80 79 João José Lopes da Silva 24-11-1955 7º ano Engenharia Médio 1980/81 B.O nº 39 Civil de 27/09/80 80 Manuel Agostinho L. 28-02-1959 7º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Melício Mecânica de 27/09/80 81 Alexandre Dias Monteiro 20-02-1962 7º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Mecânica de 27/09/80 82 Alberto Emanuel Lopes da 02-10-1959 7º ano Engenharia de Superior 1980/81 B.O nº 39 Graça Máquinas de 27/09/80 83 José Augusto Rocha M. 14-11-1962 7º ano Engenharia de Superior 1980/81 B.O nº 39 Fernandes Máquinas de 27/09/80

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

84 César Augusto Teixeira 13-11-1961 7º ano Engenharia de Médio 1980/81 B.O nº 39 Morais Máquinas de 27/09/80 85 Rui Manuel de Lima Cruz 02-05-1960 7º ano Eng.ª de Máq. Médio 1980/81 B.O nº 39 Navais de 27/09/80 86 Carlos Manuel Feijó L. Silva 30-05-1963 7º ano Eng.ª Superior 1980/81 B.O nº 39 Electrónica de 27/09/80 87 Arnaldo Emiliano dos R. 16-05-1960 7º ano Eng.ª Superior 1980/81 B.O nº 39 Tavares Electrónica de 27/09/80 88 Ernesto Rodolfo M. Barbosa 31-01-1959 7º ano Eng.ª Médio 1980/81 B.O nº 39 Electrónica de 27/09/80 89 José Maria Pereira Neves 28-03-1960 7º ano Ciências Superior 1980/81 B.O nº 39 Políticas de 27/09/80 90 Marília Maíza Salazar A. 06-02-1960 7º ano Ciências Superior 1980/81 B.O nº 39 Silva Políticas de 27/09/80 91 José Carlos Gomes Ferreira 15-12-1957 7º ano Ciências Superior 1980/81 B.O nº 39 Políticas de 27/09/80 92 Helena Maria Alves Barreto 25-08-1962 7º ano Ciências Sociais Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 93 Desidério Roque S. F. Abade 08-08-1959 7º ano Economia Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 94 Daniel Olímpio Soares 26-07-1959 7º ano Economia Superior 1980/81 B.O nº 39 Delgado de 27/09/80 95 Jorge Alberto da Silva 02-02-1960 7º ano Pilotagem Médio 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 96 João Cícero do R. Martins 01-01-1949 7º ano Oficial de Ponte Médio 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 97 Helena Maria dos S. 25-11-1959 7º ano Educação Física Superior 1980/81 B.O nº 39 Coutinho de 27/09/80 98 Edna Filomena Alves 13-09-1958 7º ano Inglês- Superior 1980/81 B.O nº 39 Barreto Português de 27/09/80

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

99 Maria Deotina Tavares 25-02-1959 7º ano Intérprete Médio 1980/81 B.O nº 39 Andrade (ISLA) de 27/09/80 100 Rolando L. F. Ramos 31-08-1959 7º ano Téc. De Ling. E Médio 1980/81 B.O nº 39 Tur. de 27/09/80 101 Lucília Maria Leite P. 30-12-1960 7º ano Secretariado Médio 1980/81 B.O nº 39 Antunes de 27/09/80 102 Manuel de Jesus Silva …. 4º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Engenharia de 27/09/80 103 António Pedro Maurício …. 3º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Engenharia de 27/09/80 104 Adriano Pedro Maurício …. 4º ano Engenharia Superior 1980/81 B.O nº 39 Engenharia de 27/09/80 105 Júlio César Machado Lopes 30-08-1955 7º ano Direito Superior 1980/81 B.O nº 39 de 27/09/80 106 Elisabeth da Luz M. B. S/R 7º ano Administração e Médio 1981 B.O nº 39 Amado contabilidade de 26/09/81 107 João Manuel Lopes Cardoso S/R 7º ano Administração e Médio 1981 B.O nº 39 contabilidade de 26/09/81 108 Maria de Fátima Neves S/R 7º ano Administração e Médio 1981 B.O nº 39 Évora contabilidade de 26/09/81 109 Maria Teresa Delgado S/R 7º ano Administração e Médio 1981 B.O nº 39 contabilidade de 26/09/81 110 Maria Júlia Varela Furtado S/R 7º ano Administração Superior 1981 B.O nº 39 pública de 26/09/81 111 Iria Mendes Neves S/R 7º ano Agro-economia Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 112 Filomena Maria D. Victória S/R 7º ano Agro-economia Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 113 Óscar Humberto Évora S/R 7º ano Agro-economia Superior 1981 B.O nº 39 Santos de 26/09/81

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

114 Maria Alice Ermezinda S/R 7º ano Agro-economia Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 115 Manuel Delgado Gomes S/R Diploma de Agro-economia Médio 1981 B.O nº 39 técnico de 26/09/81 agrário 116 José Rui Barbosa Araújo S/R Diploma de Agro-economia Médio 1981 B.O nº 39 técnico de 26/09/81 agrário 117 Helene Monteiro S/R 7º ano Antropologia Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 118 Cláudio Alves Furtado S/R 7º ano Antropologia Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 119 Adelino Ivo dos santos S/R 7º ano Belas artes Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 120 Filinto Elísio de Aguiar S/R 7º ano Biblioteconomia Superior 1981 B.O nº 39 Correia e Silva de 26/09/81 121 Teresa Paula Lopes Barros S/R 7º ano Biologia Superior 1981 B.O nº 39 marítima de 26/09/81 122 Ana Cristina Ferro Marques S/R 7º ano Biologia Superior 1981 B.O nº 39 marítima de 26/09/81 123 Maria de Conceição B. S/R 7º ano Ciências Sociais Superior 1981 B.O nº 39 Fortes de 26/09/81 124 Artemisa Maria R. Andrade S/R 7º aano Ciências Sociais Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 125 António Leão Aguiar C. C. S/R 7º ano Ciências Sociais Superior 1981 B.O nº 39 Silva de 26/09/81 126 Manuel Galvão Baptista S/R 7º ano Comunicação Superior 1981 B.O nº 39 Social de 26/09/81 127 Odete Lima Évora S/R 7º ano Comunicação Superior 1981 B.O nº 39 Social de 26/09/81

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

128 Maria Cristina Rodrigues S/R 7º ano Direito Superior 1981 B.O nº 39 Almeida Pereira de 26/09/81 129 Ernesto Jorge B. S. Alves S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Aeronáutica de 26/09/81 130 Paulo Semedo Rui Monteiro S/R Dip. Do Engª de Superior 1981 B.O nº 39 curs. Médio Construção de 26/09/81 de const. Civil Civil 131 José Manuel Borges da Silva S/R 7º ano Engª de Superior 1981 B.O nº 39 Construção de 26/09/81 Civil 132 Zacarias de Pina S/R 7º ano Engª de Médio 1981 B.O nº 39 Construção de 26/09/81 Civil 133 César Augusto M. Melício S/R 7º ano Engª de Médio 1981 B.O nº 39 Construção de 26/09/81 Civil 134 António Francisco Cruz S/R 7º ano Engenharia Médio 1981 B.O nº 39 Almeida Hidráulica de 26/09/81 135 Luís Manuel Almeida Pinto S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Hidráulica de 26/09/81 136 Carlos Alberto Gomes S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Hidráulica de 26/09/81 137 Pedro Silva S/R 7º ano Engenharia Médio 1981 B.O nº 39 Hidráulica de 26/09/81 138 Ricardo Cláudio M. S/R 7º ano Electrotecnia Superior 1981 B.O nº 39 Rodrigues de 26/09/81 139 João Alberto Martins Pereira S/R 7º ano Electrónica Superior 1981 B.O nº 39 de 26/09/81

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

140 João Tavares d Pina S/R 7º ano Electrónica Médio 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 141 Daniel António V. Dupret S/R 7º ano Electrónica Médio 1981 B.O nº 39 de 26/09/81 142 Emanuel Almeida Spencer S/R 5 disc. Do Electrotecnia Médio 1981 B.O nº 39 7º ano de 26/09/81 143 José da Conceição A. S/R 5 disc. Do Electrotecnia Médio 1981 B.O nº 39 Spencer 7º ano de 26/09/81 144 João Manuel Veríssimo S/R curso geral Electricidade. Médio 1981 B.O nº 39 Lubrano de Electrónica de 26/09/81 electricidade 145 Albertino Soares S/R 7º ano Engª electrónica Superior 1981 B.O nº 39 Nascimento e comunicação de 26/09/81 146 José Rui do Rosário S/R 7º ano Engª electrónica Superior 1981 B.O nº 39 e comunicação de 26/09/81 147 Severino Gonçalves Júnior S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 electrónica de 26/09/81 148 Emanuel Alves Teixeira S/R 7º ano Engenharia de Superior 1981 B.O nº 39 Delgado Máquinas de 26/09/81 149 Armando Henrique A. S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Magalhães mecânica de 26/09/81 150 Nominanda Isabel C. S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Delgado química de 26/09/81 151 Maria Isabel Fortes Neves S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 química de 26/09/81 152 Benilde Araújo Vieira S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Santos química de 26/09/81 153 Maria Virgínia Ramos Silva S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 química de 26/09/81

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Génese e Formação da elite político-administrativa cabo-verdiana: 1975-2008

154 Armindo Leão Martins S/R 7º ano Engenharia Médio 1981 B.O nº 39 química de 26/09/81 155 Luísa Margarida Ramos S/R 7º ano Engenharia Médio 1981 B.O nº 39 Sena Monteiro química de 26/09/81 156 João Manuel Ferro R. O. S/R 7º ano Engenharia de Médio 1981 B.O nº 39 Lima Regas de 26/09/81 157 Antero Almeida da C. de S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Pina rural de 26/09/81 158 Helena Maria do Rosário S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 Fortes rural de 26/09/81 159 João Pedro dos Santos S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 rural de 26/09/81 160 Ildo Gil Alves S/R 7º ano Engenharia Superior 1981 B.O nº 39 rural de 26/09/81 161 Eduardo Monteiro Lopes S/R 7º ano Engº Técnico Médio 1981 B.O nº 39 Construção civil de 26/09/81 162 Humberto do Rosário Lopes S/R 7º ano Engº Técnico Médio 1981 B.O nº 39 Construção civil de 26/09/81 163 Manuel Eduardo Tavares S/R 7º ano Engº Técnico Médio 1981 B.O nº 39 Almeida Construção civil de 26/09/81 164 Macário dos Santos S/R 7º ano Engº Técnico Médio 1981 B.O nº 39 Monteiro Construção civil de 26/09/81 165 Nelida Maria Lima S/R 7º ano Etnologia Superior 1981 B.O nº 39 Rodrigues de 26/09/81 166 Almerindo Aniceto S/R 7º ano Gestão Superior 1981 B.O nº 39 Fernandes administrativa de 26/09/81

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