Antônio Bento E a Vanguarda Artística Brasileira No Final Da Década De 1950
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44 Antônio Bento e a vanguarda artística brasileira no final da década de 1950 Ana Paula França Carneiro da Silva Este artigo fomenta a discussão sobre as diferentes vertentes da abstração desenvolvi- das no Brasil, analisando o discurso crítico de Antônio Bento e seu empenho em defen- der a arte informal como a verdadeira vanguarda brasileira em face da arte concreta e neoconcreta. Crítica de arte, Antônio Bento, arte informal, vanguarda artística. A partir do século 19 e, mais ainda, das van- tante de sua terra natal, por meio de um guardas do século 20, uma crítica de arte já periódico sediado na cidade do Rio de Ja- não podia ser simplesmente descritiva ou neiro, que sua contribuição no certame da interpretativa. À medida que a arte perdia a crítica de arte se consolida e sua reputação nitidez de sua função sob nova constituição de defensor da tendência informal na abs- social, calcada em outros meios e modos de tração em território nacional se delineia. produção, a cisão entre o artista e a socie- O tipo de arte abstrata, denominado infor- dade tornava-se mais evidente. Essa fissura mal, expressionista abstrato ou tachista, sem foi o preço pago pela autonomia artística e, unanimidade ou precisão, defendido pelo crí- ao mesmo tempo, reforçou a necessidade tico Antônio Bento, ganha mais visibilidade de um mediador, alguém que pudesse, de através das principais exposições realizadas alguma maneira, restabelecer os laços per- nos últimos anos da década de 1950, espe- didos. É dentro desse quadro, traçado pela cialmente, da IV e V edições da Bienal Inter- modernidade, que a relevância do exercício nacional de São Paulo. Logo, enquanto al- crítico será considerada também em terri- guns profetizavam a morte da pintura, ou- tório nacional. No Brasil, reflexões sobre a tros artistas, denominados ainda pintores e natureza da crítica de arte e sobre o papel gravadores, produziam seus melhores traba- do profissional que a exerce ocuparam em lhos. Manabu Mabe, Fayga Ostrower, Frans muitas ocasiões as colunas especializadas Kracjberg, Tomie Ohtake, Tikashi Fukushima, presentes em periódicos de grande circula- Loio Pérsio, Yolanda Mohalyi, entre outros, ção. Uma dessas colunas era assinada por adentram a década de 1960 produzindo Antônio Bento (1902-1988), crítico dentro dessa tendência, largamente desen- paraibano que estudou direito e foi eleito volvida nos EUA e na Europa. Concomitan- mais de uma vez deputado estadual no Nor- temente, faz-se presente intensa discussão Antônio Bandeira crítica sobre suas produções e premiações, deste. Apesar da origem nordestina, foi na Village tranquille, 1957 alimentando a polêmica sobre a relevância Óleo sobre tela, cidade de São Paulo o início de sua estreita de suas realizações. 55 x 46cm relação com a arte e o contato íntimo com Fonte: Retrospectiva Antônio 1 Bandeira. Catálogo de exposição, o trabalho da pioneira geração de moder- Nesse sentido, a coluna Artes do jornal São Paulo: Masp, Rio de Janeiro: MAM, 1995 nistas brasileiros. Do mesmo modo, foi dis- Diário Carioca foi importante espaço de arti- A R T I G O • A N A P A U L A F R A N Ç A C A R N E I R O D A S I L V A 45 culação teórica. Com regularidade, Antônio da abstração no contexto cultural brasileiro Bento publicou nessa coluna textos que con- ganha dimensões mais definidas. Antônio templaram não só as artes visuais, mas tam- Bento não se isentou do novo desafio e as- bém música, teatro e dança, entre outras sumiu a tarefa de ensinar a compreender artes. À medida que realizava seu contínuo inclusive o tipo de arte que não recorre à exercício, o crítico esforçava-se para mos- representação de figuras do mundo visível. trar os princípios que regiam e justificavam Para a realização de seus desígnios, em nome seu espaço cativo. Levando em considera- da acessibilidade e objetividade, investe no ção essencialmente a função de restabele- desmantelamento de certos equívocos. O cer o contato estremecido entre a arte e a principal deles, segundo o crítico, seria a rela- sociedade, empenhava-se também em evi- ção ainda corrente entre Concretismo e arte denciar sua aversão à figura estereotipada de vanguarda. Em artigo homônimo, 3 publi- de crítico das “elites”. Segundo Antônio Ben- cado em inícios de 1957, ano em que a arte to, o meio de circulação determinava a ade- informal seria destaque na quarta edição da quação dos métodos aos quais o crítico de Bienal Internacional de São Paulo, sua iniciati- arte deveria recorrer e o jornal era veículo va muito provavelmente visa preparar o ter- direcionado à “massa”, portanto, o conteú- reno para a aceitação de obras abstratas mui- do do texto crítico nele impresso não po- to diferentes daquelas que receberam as deria apresentar linguagem inacessível ao maiores atenções nas primeiras edições des- público a que era direcionado. Em A pintura se evento. Segundo sua tese, principalmente moderna e sua crítica,2 Antônio Bento afir- depois da Segunda Guerra Mundial, ma que a “(...) crítica de arte deve ter em vista, antes de tudo, o esclarecimento do O concretismo já foi, efetivamente, ul- público, ao qual se dirige diretamente”, por- trapassado no Velho Mundo e nos Es- tanto, considera díspar a apreciação analítica tados Unidos onde a arte de vanguar- da arte feita para o público especializado e da de tipo geométrico não tem a me- aquela veiculada na imprensa. Além disso, nor cotação nos meios de vanguarda, aposta na superioridade da última sobre a embora ainda seja vendida em algumas primeira justamente por sua maior abran- galerias. gência e acessibilidade. Não afirma, contu- Esclarece, desse modo, que o ápice do do, que a primeira seja totalmente dispensá- concretismo já havia passado e que o movi- vel, mas defende que a crítica dedicada à mento chegara atrasado no Brasil, até mes- audiência de iniciados só deveria circular em mo depois de ter alcançado a Argentina. forma de livros e com tiragem limitada. Portanto, afirma que “hoje a vanguarda da abstração já não se encontra entre os Sob esses preceitos, Antônio Bento escreve concretistas e sim em seus contrários, os uma série de artigos em busca de esclarecer adeptos da arte informal ou anti-intelectual seu grande público quanto às particularida- e com os tachistas”. des da arte moderna e de suas mais autênti- cas e atuais manifestações. Sua íntima rela- Apesar do caráter categórico de sua obser- ção com os primeiros modernistas brasilei- vação, o crítico afirma não ter nada contra ros já foi mencionada; entretanto, o recorte os concretistas. “Quero apenas ser objeti- temporal que delimita o tema deste artigo vo”, explica, “ao mesmo tempo em que pre- refere-se a momento subseqüente, em que tendo situar o movimento em sua exata a situação controversa gerada pela inserção perspectiva histórica”. Enfatizando o fato de 46 não desejar tomar partido do concretismo, ções mais consistentes para sustentar os nem contra, nem a favor, reforça que sua motivos pelos quais a arte informal ocupava intenção é apenas “mostrar que esse não é o posto de vanguarda atual e, conseqüente- mais um movimento de vanguarda como mente, justificar sua superioridade. Nessa aqui se apregoa”. Nota-se como o conceito tarefa, a imparcialidade muitas vezes cede de objetividade crítica de Antônio Bento lugar ao ataque direto ao concretismo e seus constitui-se na dependência de uma postu- postulados. ra imparcial,4 e, por esse motivo, o crítico considera necessário esclarecer para seus lei- Já no momento da introdução e expansão tores e demais interessados que a resistên- do não-figurativismo no Brasil, ainda nos anos cia quanto à pretensa atualidade da arte con- 40, destaca-se a constituição de fortes rea- creta nada tem de partidário. Seu desígnio é ções e debates. Nesse momento, a atitude respeitar o desenvolvimento histórico da ofensiva diante da abstração estava atrelada, arte, e, nesse raciocínio, a arte informal seria principalmente, ao engajamento a questões necessariamente mais avançada do que aque- sociais, manifestado por artistas preocupa- la que a antecedeu. Apesar de seu critério dos em preservar o caráter realista da arte.5 parecer fundamentalmente cronológico, Nos anos seguintes, a segmentação da pro- Antônio Bento tem que recorrer a explica- posta artística abstrata em diferentes tendên- Anna Bella Geiiger Sem título, 1966 Água-tinta e relevo, 34,5 x 35cm Fonte: Coleção particular, Gravura Arte Brasileira do século XX, São Paulo: Itaú Cultural, 2000, foto de Romulo Fialdini A R T I G O • A N A P A U L A F R A N Ç A C A R N E I R O D A S I L V A 47 cias acirra-se consideravelmente, originando na do Rio de Janeiro (e apresentada por mais um importante foco de conflitos. Ape- Mário Pedrosa).8 O artigo é iniciado com a sar de a polêmica entre figurativos e abstra- seguinte pergunta: “Estará o ‘Grupo Frente’ tos manter-se acesa, a hegemonia de gran- na vanguarda artística brasileira?” Segundo o des nomes da arte nacional como Di crítico de arte, “Seus componentes acredi- Cavalcanti e Candido Portinari já havia sido tam que isso de fato se verifique, mas esta é quebrada, abrindo espaço para a legitimação uma mera suposição, sem base na realida- da arte abstrata. Diante de acontecimentos de”. Para Antônio Bento, esse tipo de enga- significativos, como as exposições de artis- no, entretanto, aconteceu seguidamente, pois tas estrangeiros, e, especialmente, das edi- muitos artistas que consideravam sua pro- ções da Bienal de São Paulo, o esgotamento dução artística a mais avançada foram des- da representação da realidade mostrou-se mascarados pela história e crítica da arte. conceito genérico demais e insuficiente para Reconheceram, em seus lugares, as obras de abordar todo tipo de realização abstrata.