Entrevista com Ricardo Beliel

Entrevista com Ricardo Beliel

Ricardo Beliel é graduado em Jornalismo (FACHA) e pós-graduado - - em Fotografia nas Ciências Sociais (UCAM), em Comunicação e Políti- cas Públicas (UFRJ) e em Teoria e Prática da Educação de Nível Supe rior (ESPM). Foi professor na Escola Superior de Propaganda e Mar keting (ESPM), na Universidade Estácio de Sá e no Ateliê da Imagem. Também foi jurado do Prêmio PETROBRAS de Jornalismo, em 2018. Ricardo Beliel iniciou seu interesse pelas artes quando foi aluno do curso de Gravura, ministrado por Fayga Ostrower, Ana Letycia e Ruddy Pozzati, no MAM do e no Centro de Estudos de Arte Ivan- Serpa. Em 1973 começa a fotografar, trabalhando com músicos como- , , e O Terço. Em 1976, en tra para o jornalismo como fotógrafo contratado do jornal O Globo, pas sando depois pela Manchete, Placar, Fatos e Fotos, Veja, Isto É, agência- F-4, Manchete Esportiva, Jornal do Brasil, Greenpeace e O Estado de São Paulo. Foi editor de Fotografia da revista Manchete e subeditor no jor- nal Lance, do qual participou da equipe fundadora. Durante seis anos, fez parte da agência GLMR & Saga Associés em Paris, produzindo re- portagens fotográficas na América Latina e na África. Como jornalista e fotógrafo independente tem trabalhos publicados em Grands Reporta ges, Figaro Magazine, Time, National Geographic, Victory, San Francisco Chronicle, Houston Chronicle, Colors, Geo, La Vanguardia, Los Tiempos, Ícaro, Terra, Próxima Viagem, Marie Claire, Época, Vice, Nova Escola,- Placar, Angola Hoje, entre outras revistas e jornais. - Recebeu da Organização Internacional de Jornalistas o prêmio Inter PressPhoto e da Confederação de Jornalistas da União Soviética o prê mio Alexander Rodchenko, ambos em 1991. Foi finalista cinco vezes do- Prêmio Abril de Jornalismo, sendo vencedor em três anos consecutivos. Em 1997, foi finalista no Prêmio Esso de Jornalismo, com uma repor tagem sobre a expedição da Funai para estabelecer o primeiro contato pacífico com os índios Korubo, na floresta amazônica. Participou de 99- exposições em locais como Kunsthaus, em Zurique; Museo Carillo Gill, na cidade do México; Museo de Bellas Artes, em Caracas; Centro Cul tural Banco do Brasil, Centro Cultural Telemar, Museu de Arte do Rio/ MAR e Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro; e Museu de Arte de São Paulo. Beliel tem obras nos acervos do Museu de Arte do Rio/MAR, do Museu Afro Brasil / SP e da Biblioteca Nacional. A entrevista com Ricardo Beliel ocorreu num momento em que o Brasil vem sofrendo fortes pressões internacionais por conta da sua atual política ambiental. 216 Revista Tabuleiro de Letras, v. 14, n. 01, p. 216-223, jan./jun. 2020 Ricardo Beliel

Ricardo Freitas (RF): - - Olá, Beliel. O que Gol em Marabá, no estado do Pará, e percor motivou em mim o desejo de entrevistá-lo remos o trecho que vai dessa cidade a Itai foi o momento em que me deparei em seu tuba, já quase no estado do Amazonas, indo- e vindo, buscando histórias, personagens, perfil numa rede social com fotos feitas por- ambientes que estavam passando por mu você na floresta amazônica na década de- 1990. Além do impacto estético, me encan danças – comunidades tradicionais, grupos tei com o texto por você enviado a cada co indígenas, assentamentos de colonos legais mentário de pessoas que se identificavam e ilegais, projetos do governo que deram- com as fotos, com os lugares retratados, com certo ou que se atolaram em erros etc. De as pessoas retratadas e viam ali um retorno Marabá a Itaituba são cerca de mil quilôme- tros. Portanto, calculo que nos dois meses às suas histórias, às suas origens, aos seus- passados. Você dizia àquelas pessoas do seu em que nos dedicamos a esse trabalho deve desejo de reunir as suas histórias em um li mos ter feito cerca de dois mil quilômetros, vro, de juntar nesse livro, além das imagens, indo de um lado a outro. - a história de cada uma daquelas fotos e das Nesse conjunto de fotos que publiquei pessoas que chegaram nos anos de 1980 e no Facebook há também algumas, em me 1990 na Amazônia. Achei esse projeto lindo nor número, que foram feitas em outros- e acho que podemos começar daqui. momentos e para outras reportagens, como- Conta pra gente o que foi esse projeto, quando trabalhei com o Greenpeace, no iní Ricardo Beliel (RB): Quando iniciei esse porque essas fotos existiram e existem. - cio dos anos 2000, e quando fui a Serra Pe- - lada pela primeira vez. projeto em 1991 eu já tinha visitado a Ama O conjunto de fotografias que tenho e de- zônia diversas vezes, sempre como jorna sejo usar na edição de um livro é bem maior lista, fazendo reportagens sobre questões- do que as que usei no Facebook. A vanta indígenas, disputas fundiárias, garimpos, gem de coloca-las numa rede social foi ter meio ambiente, entre tantos outros assun despertado o interesse e as manifestações tos. Em 1991, junto com a jornalista Beatriz- de pessoas que, hoje, moram nessa região. Assim, pude trocar com elas informações e Cardoso, apresentamos ao jornal O Estado RF: de São Paulo um projeto de um caderno so interesses em comum. Quais as dificuldades encontradas bre meio ambiente, prevendo a realização- RB: da conferência ECO-92, no ano seguinte, para fazer essas fotos? - no Rio de Janeiro. Seria o primeiro suple No início dos anos de 1990, a região- mento dedicado ao meio ambiente e com- estava sendo ocupada por levas de imigran esse formato no jornalismo diário no Brasil. tes, grande parte de nordestinos (sobretu Nós dois trabalhávamos na revista Manche do, maranhenses) e alguns gaúchos. Isso te e nos demitimos para assumir a direção provocava muitas tensões e conflitos entre desse projeto no Estadão. Infelizmente, o- indivíduos e grupos, como, por exemplo, o caderno nunca foi publicado, mas fizemos que aconteceu em Eldorado dos Carajás. A várias matérias que acabaram sendo usa grilagem de terras públicas, a pistolagem ao das em outras editorias no próprio Estadão.- estilo “velho oeste”, doenças, muitas delas- Uma dessas grandes reportagens foi sobre desconhecidas dos novos ocupantes, pois as questões socioambientais ao longo da ro tinham suas origens na selva tropical, estra dovia Transamazônica. Alugamos um velhoRevista Tabuleirodas intransitáveis de Letras, v. 14, n. em01, p. vários216-223, jan./jun. trechos, 2020 com

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riscos de acidentes ou lamaçais intranspo Acho difícil que uma sociedade com esses níveis, com o risco de ficar atolado por mais- valores dê certo. Mesmo assim, podemos de um dia. Em Serra Pelada, ainda nos anos encontrarRF: pessoas especiais e histórias- 80, assisti a muita violência, como esfa fortes que nos comovem. queamento e brigas, com mortos e feridos. Seria legal se nos dissesse o que en Nessa reportagem sobre a Transamazônica tende acerca da possibilidade da imagem, da acompanhamos grupos de índios Parakanã,- fotografia, trazer à tona lembranças de um- na selva, para atacar de surpresa invasores passado, da foto servindo de instrumento à de suas terras que estavam cortando madei produção de fatos históricos – e, não somen ra ilegalmente. Quando saímos da reserva, te, àRB: apreensão e registro de um momento,- passando por Novo Repartimento, fomos sempre, histórico. - ameaçados por “empresários”, donos de- Fotografia é a apreensão de um mo- madeireiras, pelo fato de nos identificarem mento fugaz, efêmero, que poderia se dissi como “os amigos dos índios que atrapalha- par por esquecimentos, por negação da rea- vam seus negócios”. O mesmo aconteceu na lidade ou por outras versões que defendam- reserva dos índios Arara, que tinham o pre interesses contrários aos fatos reais. Traba- feito de Uruará como mentor das invasões lhar com fotografias, seja fotografando, co de suas terras. Em Tucuruí, o prefeito, ao lecionando, editando, expondo ou comparti nos receber em seu gabinete, mandou um lhando em redes sociais, é uma forma muito- assessor colocar no meio da sala um balde eficiente de preservar e/ou compreender abarrotado de esterco e nos disse que dois- a História. Acredito ser esse o papel do fo jornalistas, como nós, vindos do sul do país, tógrafo e do jornalista, entre tantos outros “não eram pouca merda, como naquele bal- usos que se possa fazer com a fotografia. Por de”, mas que poderíamos, igualmente, ser isso, me motivei a recolocar essas fotos em- jogados na mesma vala. Ou seja, foram ape espaços públicos – nesse caso, aproveitando RF: - - nas alguns riscos... o alcance de uma rede social –, me aproxi Caso tenha havido dificuldades, es mar dos personagens dessas histórias e as- sas dificuldades, hoje, seriam as mesmas ou sim, quem sabe, poder contar junto com eles- você acredita que o Brasil contemporâneo as suas experiências de vida e as de seus vi RB: - te faria encontrar outros obstáculos? Quais? zinhos e parentes e, até mesmo, seus desa - RF: Eu não voltei a essa região nos úl fetos. Há histórias e eu gostaria de contá-las. timos dez anos. Não posso falar com se O que acha que seria a história desses- gurança sobre como andam as coisas por- povoados, vilarejos e, hoje, cidades se não lá. Mas o modelo de ocupação social desse- houvesse o registro de imagens em fotogra lugar, que no passado o presidente gene fia ou vídeo – como é o caso do seu trabalho.- ral Médici apontou como sendo “uma ter Você acha que haveria uma outra história? ra sem homens, para homens sem terra”, Caso afirmativo, qual seria essa outra histó RB: é equivalente à conquista do velho oeste- ria? Caso negativo, por que nada mudaria? norte-americano, com matanças de índios, No Brasil, há um péssimo hábito de lutas por terras, destruição do meio am- deixar a História pra lá. Infelizmente, esse- biente, avanço da agropecuária, garimpos é um comportamento que se percebe em ilegais, trabalho escravo nas fazendas, pis todas as classes sociais, econômicas e cul toleiros, polícias corruptas e violentas etc. turais. Passam tratores, tanques, cavalos, Revista Tabuleiro de Letras, v. 14, n. 01, p. 216-223, jan./jun. 2020

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3 botinas, indiferença, descaso etc. por cima se em um moleque feio. Era eu. Kkk” (sic) ; de qualquer vestígio histórico. Cidades são “Os meninos são o Fogoió, filho do Geraldo, destruídas, livros de História jogados no- o Maninho, filho do Seu , e o moreno4 lixo, ambientes importantes para as culturas é o filho do Bigodinho Sapateiro e o outro- tradicionais são profanados, sítios arqueo- é filho do Ronaldo Chapéu de Couro” (sic) -; lógicos adulterados, personagens ricos em- “Meu Deus. Que emoção ver minha5 vozi vivências históricas esquecidos e abandona- nha. Obrigada de coração por essa lembran- dos (João Cândido, o líder da Revolta da Chi ça. Vou guardar pra sempre” (sic) ; “Hoje só- bata, é um exemplo) etc. No caso da Amazô saudades nossa vizinha dona Zenaide. Vie nia, em especial nessa região do sul do Pará, mos na mesma carrada, éramos oito famí- a cada geração, são novas levas e mais levas lias. Até hoje o lembrar tudo o que passamos de colonos a ocupar essas terras. São como parece mentira, meu querido pai6 que tam camadas geológicas que se sobrepõe umas bém não está mais entre nós e muitos que sobre as outras. Muita coisa se perde nesse - já se foram. Meu Deus!!!” (sic) ; “Verdade- processo. Havia muitos analfabetos quando Magna Paixão, esse velhinho era osso duro eu estive lá... Poucas escolas... E hoje, acredi- de roer, mais essa foto me deixou emociona to, que mesmo as tradições orais já não têm da muito linda, viajei ao passado quando ele mais a força que tinham para seus antepas- esteve os últimos dias de vida ao nosso lado. sados. A cultura televisiva e, agora com mais- Meu avô foi meu Herói. Grata a vc Ricardo força, dos celulares tem influência desagre Beliel pela foto ficou7 linda e me trouxe belas gadora desses vínculos com as origens e ex recordações” (sic) ; “Essas pessoas da foto periências vividas por essa nova sociedade são meus avós, meus tio quando criança e que ali se estabeleceu a partir dos anos de - meu primo, minha avó de blusa lilás, minha- 1970.tas que me emocionaram e estimularam a tia ao lado dela e meu avô sentado com meu Através do Facebook obtive respos tio e primo... recebi essa foto hoje, emocio nada de ver essa imagem, minha avó já não- transformar esse conjunto de fotografias em - está mais conosco... muita saudade. Nossa,- um livro junto com depoimentos,1 mesmo bons tempos esses, tempos que eramos8 fe que pequenos, dessas pessoas. Entre tan lizes com pouco que tinhamos” (sic) ; “Nos- tos outros, separei alguns : “Verdade! Esse- sa... lembranças boas e ruins. Nossa quase loirinho do lado do Sr. Geraldo é o filho do- morria nesta ladeira da velha grávida o car Ronaldo Chapéu2 de Couro. Fotografia na es ro desceu nossa foi um susto muito grande.- quina, no Açougue do Sr. Geraldo! Bons tem- Que custou a vida do meu filho. Morava em pos!” (sic) ; “Esse de chapéu é o seu Geraldo Pacaja aonde fui criada. Estava indo pra Tu do Açougue. Até hoje ele mata porco e o mo - curuí. Nossa lembranças9 parece que estou leque de short azul é o Jocivan e o outro do- vivendo este momento” ; “Meu avô tombou lado é o Fogoió, filho do Seu Geraldo. Eu te um caminhão nessa ladeira quase matou a nho uma foto minha neste mesmo local. Pen - 3 Depoimento de Jocimar Oliveira. - 4 Depoimento de Dernival Da Silva Lima Lima. 1 Os depoimentos aqui apresentados são posta 5 Depoimento de Teresinha Martins. gens feitas por amigos e familiares dos retrata 6 Depoimento de Gildean Melo. dos nas fotografias compartilhadas no perfil do 7 Depoimento de Jane Gleide. fotógrafo na rede social, em 2020. 8 Depoimento de Jaqueline Rodrigues. 2 Depoimento de Glauciane Lobo Zaidan. Revista Tabuleiro9 Depoimento de Letras, v. de 14, Dalva n. 01, Santt'os.p. 216-223, jan./jun. 2020

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- 10 - familia inteira” (sic) ; “Já passei uma sema- abaixo das postagens (e vi que todas as fotos- na dormindo numa rede atada atrás da car têm comentários de familiares e/ou amigos roceria do caminhão do meu pai, que que dos retratados) nos encontramos ali, naque

brou11 no pé dessa ladeira. Em 1997. Famosa las fotos, por conta do advento da Internet. (sic) RB: - Ladeira da Velha. Muita história. Fantástico” Fale mais disso. - ; “Escolinhas feita pelos moradores A internet tem uma força de comu ajudamos embarriar a nossa no Km 320 nicação que me impressiona. Quando colo

nossos pais no mutirão para fazer12 a escola e quei as fotos no Facebook, imaginava que os filhos ajudando. Depois vinha os politicos iria atingir apenas a minha rede de amigos pedir voto sem nada fazer” (sic) ; “Eu mim- ou, talvez, um pouco mais de pessoas que reconheço em todas essas fotos minha vida- também têm interesse nesse tema. Mas, minha história embora não estou em ne- nem pensava em alcançar os moradores de- nhuma mais mim orgulho de um dia 13ter vivi lá. Quando notei que vários comentários e- do um pouco de cada imagem” (sic) ; “Ape curtidas eram feitos por gente da região, pa sar de ter passado vários anos mais alguns rentes e até mesmo quem eu havia fotogra

conflitos permanecem14 tais como: conflitos fado, percebi que tinha aberto um canal de agrários, falta de compromisso dos nossos- comunicação com eles e poderia interagir,- governantes” (sic) ; “Eu nasci nessa região sugerir coisas e, principalmente, devolver a na Transamazônica lá em Uruará. São ter eles essas imagens. Quando eu fiz essas fo- ras boas muito produtivas cacau, castanha tografias, não havia internet e muitas dessas

do Pará, cupuaçu pimenta do reino, 15só que comunidades nem correio tinham por per são um povo muito sofrido nos tempos de to. Será muito bom se eu conseguir provocar- chuvas Muito muitos atoleiros” (sic) ; “São essas reminiscências, emoções, articulações lindas as imagens, mas causa16 tristeza, tem- sobre suas histórias e se, juntos, construir- aspecto de sofrimento, em saber que muitos mos um trabalho de preservação de tudo

ainda vivem assim...” (sic) ; “Quanta17 pure isso. Estimulei ao máximo que me envias za no ser humano. A época” (sic) ; “Beliel sem informações, escrevessem sobre eles e- vc dá aulas todo dia. Sem atacar ninguém. seus parentes e me identificassem algumas Sem se defender. Imagens descrevem tantas- das fotos. Alguns responderam, deram in coisas... assim como palavras que ninguém formações, mas de forma geral percebo que

entente. Imagem é18 muda, olhos vêem e nin eles têm dificuldade em escrever, formular RF: - guém escuta” (sic) . pressioneinarrativas, com lembrar o alcance de fatos desse e material até mesmo no Quais suas considerações acerca da contar “causos”. De qualquer forma, me im- Internet servindo à reunião de pessoas, ao - compartilhamento de histórias? Tanto Eu Facebook. Houve, até o momento em que es como seus interlocutores nos comentários crevo, 8.141 compartilhamentos, 3.551 cur 11 RF: 1012 Depoimento de Ana Flavia Poubel. tidas e 311 comentários. - Depoimento de Julio Kalb. Muitas das suas fotos, nisso que vou Depoimento de Marlene Coimbra. 14 chamar de série Amazônia, falam da chega 1513 Depoimento de Katia Damasceno. - 16 Depoimento de Maria José De Souza. da do homem à floresta, do povoamento da- Depoimento de Jurandir Santos. floresta. Mas, e talvez por isso, também fa Depoimento de Angela Medeiros. 17 Depoimento de Ilmar Oliveira Chagas. lam do desmatamento, do desflorestamen to. Nesse sentido, fiz a leitura de que sua 18 RevistaDepoimento Tabuleiro de de Cristiano Letras, v. 14,Marins. n. 01, p. 216-223, jan./jun. 2020

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- arte serviu, ali, a uma causa, a uma denún- tão profundas... Não há um consenso entre cia.... Social, ambiental, política. Você acha teóricos da arte, artistas, críticos, filósofos,- que a arte tem esse papel político, militan professores, apreciadores, etc. sobre o que te, engajado? Você acredita que a arte pode é e para que serve a arte. Há opiniões total estar articulada com o ativismo político, um mente divergentes sobre isso. A arte serviu RB: tipo de artivismo? - às religiões e tem exemplos fantásticos, a Embora eu tenha participado de mais- arte foi influenciada por diversas filosofias e- de cem exposições, entre individuais e cole tem exemplos fantásticos e antagônicos em- tivas, em centros culturais, museus e gale suas visões, a arte serviu e serve para embe rias por muito tempo, não me assumi como lezar a vida, e que bom que podemos usu- artista. Por mais de quarenta anos, trabalhei fruir da beleza, a arte serviu a pensamentos como jornalista, fotografando e escrevendo, e ações políticas e que bom que pode trans e minha principal galeria eram os meios de formar o mundo, a arte serve para libertar comunicação para os quais eu trabalhava. a alma e salvar-nos do desespero. Quantos- Como jornalista acho fundamental estar loucos foram e são grandes artistas? E eles comprometido com a vida, com um esforço- nunca estiveram preocupados com a “fun- em melhorar nossas sociedades, aperfeiçoar ção da arte na sociedade”. De preferência a nossas existências, respeitando nossas fon arte deve ser livre e a liberdade é revolucio RF: - tes e nossos leitores/espectadores. Quanto nária. à arte, creio que não deve estar presa a essas Qual você acha que são as contri convenções, obrigações e amarras. A arte buições dessa série Amazônia para o Brasil RB: deve ser livre, mas o artista, como cidadão, hoje? O que mudou nessas três décadas? - com senso crítico e comprometido com uma- Eu sou pessimista em relação ao ética da felicidade democrática e plural, Brasil. Acho que estamos piorando. O avan comodeve sepessoa posicionar que se sim.preocupa Talvez com e, não o mundo obri ço da sociedade dita “civilizada” com seus gatoriamente, com sua arte, mas, sobretudo desejos de consumo desenfreado, de lucro a qualquer custo, do uso indiscriminado- em que vive. Meu trabalho é uma mistura da violência, dos preconceitos raciais e de dessas duas observações, a jornalística e a gênero, o pouco cuidado com o meio am RF: - artística. Sou uma mistura de tudo isso. biente etc. As questões, mal resolvidas, do Ainda aqui, o que acha da arte desin lixo e do saneamento básico são exemplos teressada, que não defende nenhuma outra- gritantes de quanto não melhoramos nada. causa que não seja a contemplação do belo, As instituições políticas estão dominadas propriamente? Ou seja, você acha que é pa por máfias de todos os tipos. Os defensores pel da arte falar em seus termos políticos ou da Terra e da Humanidade são assassinados a saída seria a produção de uma arte pela diariamente. E o que vemos de mudanças é, RB: arte? de forma geral, o consumismo cada vez mais A História da Arte nos responde isso.- frenético e o culto às vaidades, deslocando o Há tantas coisas belas, impactantes, eternas sentido de nossas existências para um limbo que foram feitas com propósitos tão diferen de “falsa felicidade”. Tenho saudade de um tes, opostos até, e que nos tocam de formas Brasil mais saudável.

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