CADERNO DE RESUMOS SAPUERJ 2019 Mesa 1 – O Insólito Ficcional E
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CADERNO DE RESUMOS SAPUERJ 2019 Mesa 1 – O Insólito ficcional e suas vertentes Debatedor: Marina Sena (UERJ) O EMARANHADO MÍSTICO-CIENTÍFICO EM CAMA DE GATO, DE KURT VONNEGUT Guilherme de Figueiredo Preger (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ) O objeto desta comunicação é uma leitura do romance Cama de Gato (Cat’s cradle), de Kurt Vonnegut (Editora Aleph, 2017), publicado originalmente em 1962. É um romance distópico e escatológico, narrado em primeira pessoa por um personagem que se autodenomina Jonah ou John. Ele conta retrospectivamente sua pretensão de escrever um livro chamado O dia em que o mundo acabou, que seria a narrativa da vida de um cientista, Felix Hoenikker, suposto participante do projeto Manhattan que criou a bomba atômica. Tal livro ficcional descreveria as atividades do cientista, então falecido, no dia em que a bomba explodiu em Hiroshima. O narrador John sai à procura dos herdeiros desse personagem ficcional, seus três filhos, para obter testemunhos sobre a vida do pai. Essa procura o levará a fictícia ilha caribenha de San Lorenzo, uma típica ditadura colonizada e sanguinária, cujo ditador paranoico é fiel aos Estados Unidos. Lá o narrador conhece a seita mística “bokononista” que, embora oficialmente proibida, é seguida clandestinamente por quase todos os habitantes da ilha. Essa seita segue os ditames do Livro de Bokonon, escrito por um personagem folclórico, líder místico que, apesar de perseguido e desaparecido, é o grande sábio da ilha. O narrador também descobre que o cientista Hoennikker, além da bomba atômica, teria desenvolvido uma terrível arma química chamada Gelo 9 (Ice 9) que é capaz de solidificar a água em poucos segundos. Apesar de ser um fracassado segredo militar, os três perturbados filhos do cientista manteriam amostras dessa arma capaz de causar um cataclismo mundial. O romance também é um relato autobiográfico da transformação espiritual do narrador, de jornalista de bigrafias em seguidor da seita bokononista. Este presente estudo faz parte do projeto de doutorado Fábulas da Ciência que visa estudar as relações entre ciência e literatura, especialmente em função do discurso narrativo. O estudo utiliza o conceito de fabulação especulativa, que é diferente do conceito de ficção científica, pois abrange o estudo das interferências entre os discursos científico e ficcional. O conceito de “cama de gato”, que dá título ao romance, se refere a uma brincadeira com os dedos que produz um nó de um barbante, e serve como metáfora do emaranhado entre o discurso racionalista da ciência e o discurso místico de uma seita religiosa. É também uma metáfora do absoluto vazio da pretensão de verdade desses discursos. E, igualmente, uma referência ao conceito de “emaranhado quântico” (quantum entanglement), fundamental noção da mecânica quântica, cujos avanços produziram a bomba atômica. A epígrafe do romance, “nada neste livro é verdadeiro”, é um signo paradoxal de sua característica de jogo ficcional: ao assumir sua não verdade, torna a ficção o elemento mais verdadeiro da narrativa. Esse paradoxo, próprio à narrativa ficcional, foi formulado pela primeira vez por Luciano de Samósata, escritor latino do segundo século da era cristã em sua obra Das Narrativas verdadeiras. O romance de Vonnegut trabalha, portanto, com as questões da distopia escatológica de fim do mundo, do autoritarismo militar e colonialista, da vã pretensão de verdade dos discursos científico e religioso, da relação próxima entre racionalidade e loucura, e, sobretudo, da capacidade do jogo narrativo ficcional de emaranhar os imaginários racionalista e místico. Palavras-chave: Kurt Vonnegut. Distopia. Fabulação especulativa. Emaranhado quântico. CORPOREIDADES INSÓLITAS COMO TESTEMUNHOS DE GUERRA NA OBRA REALISTA-MARAVILHOSA DE SYLVIE GERMAIN Isabelle Godinho Weber (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ) Em nossa comunicação, pretendemos analisar a iconografia insólita do corpo na obra de Sylvie Germain, autora francesa da segunda metade do século cujos romances narram a trajetória de personagens que vivenciam situações-limite durante contextos de guerra, o que provoca, em seus corpos, uma variedade de reações insólitas. Em romances como Le Livre des Nuits (1985) e Nuit-d’Ambre (1987), a autora poetiza toda a dimensão humana e dolorosa dos eventos que compuseram a história do Ocidente, a partir de um repertório diversificado de corporeidades insólitas, testemunhos carnais das experiências de guerra dos personagens. Concentraremos nossos esforços em examinar os procedimentos textuais que orientam a composição das imagens insólitas do corpo nas narrativas da autora. Como verificaremos, em suas produções literárias, as figurações insólitas são naturalizadas como parte integrante do universo ficcional. Isso se dá a partir de uma ampliação da concepção de realidade dentro de tais narrativas, que permite uma junção de elementos contrários como parte de uma mesma imagem do mundo. As reações insólitas que se desenrolam no corpo dos personagens são validadas pela voz narrativa, que as caracteriza como expressões subjetivas corporificadas. A enunciação naturalizada da tessitura insólita das figuras de ficção dá-se mediante a construção de uma causalidade mágica, processo que instaura um protocolo de leitura alheio à problematização dos fenômenos fisicamente impossíveis que permeiam o universo ficcional. A inclusão não- problemática de personagens dotados de características sobrenaturais no seio de um mundo marcado pela referencialidade histórica produz um efeito de leitura diferente daquele que podemos verificar em outras vertentes do insólito ficcional. Ao leitor, não cabe a tarefa de questionar o fundamento dos eventos narrados, situando-se no limbo da ausência de explicações definitivas; diferentemente, ele é convidado a adentrar sem hesitação no universo prodigioso dos personagens. Interessa-nos examinar a obra de Sylvie Germain à luz das estratégias narrativas de inserção do elemento insólito provenientes da literatura realista-maravilhosa, expoente literário surgido no seio das literaturas hispano-americanas, do qual a autora faz-se uma importante representante no cenário literário francês contemporâneo. A poética realista-maravilhosa caracteriza- se pela articulação não conflituosa entre os códigos realista e insólito. Tal integração harmoniosa entre elementos pertencentes aos domínios da natureza e da sobrenatureza pode ser observada na obra de Sylvie Germain, na qual a inserção do referente extratextual funde-se à caracterização mágica do real diegético. Nas narrativas da autora, os fenômenos insólitos não apenas coexistem com os eventos sólitos, mas são ficcionalizados como parte indissociável da realidade histórica do leitor, estratégia textual que proporciona um novo olhar sobre os principais acontecimentos ocorridos no território francês nos séculos XIX e XX, como a Guerra Franco-Prussiana e as Guerras Mundiais. Todas as situações ocorridas nos períodos de guerra são narradas pelo viés de um realismo brutal, o que não impede que coexistam com fenômenos insólitos dos mais variados, que irrompem do corpo dos personagens como efeitos de tais experiências traumáticas, cuja carga dolorosa ultrapassa as fronteiras do sólito. Palavras-chave: Sylvie Germain. Realismo Maravilhoso. Literatura Francesa. Insólito Ficcional. RESSONÂNCIAS DO ABSURDO: INFLUÊNCIAS DE ESPERANDO GODOT, DE SAMUEL BECKETT, EM UM ROMANCE DE GERAÇÃO, DE SÉRGIO SANT’ANNA Janda Montenegro de Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ) A obra de Sérgio Sant’Anna dialoga abertamente com outras manifestações culturais, especialmente com o teatro, as artes plásticas e outras literaturas. Em um estudo aprofundado da novela Um romance de geração, do escritor brasileiro, faremos um recorte sobre a ótica do Teatro do Absurdo – corrente representada por Eugène Ionesco, Arthur Adamov, Jean Genet, Samuel Beckett e Fernando Arrabal –, cuja temática é levar a proposta do absurdo ao extremo. Em nosso estudo traçaremos um diálogo com a forma narrativa exposta na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, e seu reflexo espelhado em Um romance de geração. Para tal, jogaremos luz sobre seus personagens principais, os diálogos espiralados e as divagações dentro da narrativa como técnica de distração do leitor-espectador, dentre outros artifícios literários elegidos por ambos os autores. Na peça de Beckett, todos os dias, em uma estrada isolada, debaixo de uma árvore que um dia está sem folhagem e no dia seguinte está repleta, dois desocupados, Vladimir e Estragon, esperam a chegada de Godot. Este, entretanto, nunca chega, e tampouco é descrito fisicamente – seria Godot uma representação do divino? Uma pessoa? Uma metáfora? –, o que suscita o questionamento quanto à sua existência. Nada disso, porém, importa, exceto que os dois personagens aguardam sua chegada, o que não ocorrere. Para ocupar as horas de aguardo e o tédio que o ato de esperar traz em si, Vladimir e Estragon conversam o tempo todo, travando diálogos irrelevantes sobre assuntos aleatórios e desimportantes. Toda a peça é a trajetória da espera, e não a conclusão da tarefa. É como se, aos olhos de Beckett, o caminho da ação fosse mais importante que a ação em si. De maneira similar, em Um romance de geração encontramos dois personagens – a princípio não nomeados –, um escritor e uma jornalista, que têm por objetivo realizar uma entrevista, porém, ao longo de todo o romance, os dois personagens discutem diversos temas sociais, sem nunca conseguir concluir a referida entrevista. Através dos desvios