CADERNO DE RESUMOS SAPUERJ 2019

Mesa 1 – O Insólito ficcional e suas vertentes Debatedor: Marina Sena (UERJ)

O EMARANHADO MÍSTICO-CIENTÍFICO EM CAMA DE GATO, DE KURT VONNEGUT

Guilherme de Figueiredo Preger (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O objeto desta comunicação é uma leitura do romance Cama de Gato (Cat’s cradle), de Kurt Vonnegut (Editora Aleph, 2017), publicado originalmente em 1962. É um romance distópico e escatológico, narrado em primeira pessoa por um personagem que se autodenomina Jonah ou John. Ele conta retrospectivamente sua pretensão de escrever um livro chamado O dia em que o mundo acabou, que seria a narrativa da vida de um cientista, Felix Hoenikker, suposto participante do projeto Manhattan que criou a bomba atômica. Tal livro ficcional descreveria as atividades do cientista, então falecido, no dia em que a bomba explodiu em Hiroshima. O narrador John sai à procura dos herdeiros desse personagem ficcional, seus três filhos, para obter testemunhos sobre a vida do pai. Essa procura o levará a fictícia ilha caribenha de San Lorenzo, uma típica ditadura colonizada e sanguinária, cujo ditador paranoico é fiel aos Estados Unidos. Lá o narrador conhece a seita mística “bokononista” que, embora oficialmente proibida, é seguida clandestinamente por quase todos os habitantes da ilha. Essa seita segue os ditames do Livro de Bokonon, escrito por um personagem folclórico, líder místico que, apesar de perseguido e desaparecido, é o grande sábio da ilha. O narrador também descobre que o cientista Hoennikker, além da bomba atômica, teria desenvolvido uma terrível arma química chamada Gelo 9 (Ice 9) que é capaz de solidificar a água em poucos segundos. Apesar de ser um fracassado segredo militar, os três perturbados filhos do cientista manteriam amostras dessa arma capaz de causar um cataclismo mundial. O romance também é um relato autobiográfico da transformação espiritual do narrador, de jornalista de bigrafias em seguidor da seita bokononista. Este presente estudo faz parte do projeto de doutorado Fábulas da Ciência que visa estudar as relações entre ciência e literatura, especialmente em função do discurso narrativo. O estudo utiliza o conceito de fabulação especulativa, que é diferente do conceito de ficção científica, pois abrange o estudo das interferências entre os discursos científico e ficcional. O conceito de “cama de gato”, que dá título ao romance, se refere a uma brincadeira com os dedos que produz um nó de um barbante, e serve como metáfora do emaranhado entre o discurso racionalista da ciência e o discurso místico de uma seita religiosa. É também uma metáfora do absoluto vazio da pretensão de verdade desses discursos. E, igualmente, uma referência ao conceito de “emaranhado quântico” (quantum entanglement), fundamental noção da mecânica quântica, cujos avanços produziram a bomba atômica. A epígrafe do romance, “nada neste livro é verdadeiro”, é um signo paradoxal de sua característica de jogo ficcional: ao assumir sua não verdade, torna a ficção o elemento mais verdadeiro da narrativa. Esse paradoxo, próprio à narrativa ficcional, foi formulado pela primeira vez por Luciano de Samósata, escritor latino do segundo século da era cristã em sua obra Das Narrativas verdadeiras. O romance de Vonnegut trabalha, portanto, com as questões da distopia escatológica de fim do mundo, do autoritarismo militar e colonialista, da vã pretensão de verdade dos discursos científico e religioso, da relação próxima entre racionalidade e loucura, e, sobretudo, da capacidade do jogo narrativo ficcional de emaranhar os imaginários racionalista e místico.

Palavras-chave: Kurt Vonnegut. Distopia. Fabulação especulativa. Emaranhado quântico.

CORPOREIDADES INSÓLITAS COMO TESTEMUNHOS DE GUERRA NA OBRA REALISTA-MARAVILHOSA DE SYLVIE GERMAIN

Isabelle Godinho Weber (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Em nossa comunicação, pretendemos analisar a iconografia insólita do corpo na obra de Sylvie Germain, autora francesa da segunda metade do século cujos romances narram a trajetória de personagens que vivenciam situações-limite durante contextos de guerra, o que provoca, em seus corpos, uma variedade de reações insólitas. Em romances como Le Livre des Nuits (1985) e Nuit-d’Ambre (1987), a autora poetiza toda a dimensão humana e dolorosa dos eventos que compuseram a história do Ocidente, a partir de um repertório diversificado de corporeidades insólitas, testemunhos carnais das experiências de guerra dos personagens. Concentraremos nossos esforços em examinar os procedimentos textuais que orientam a composição das imagens insólitas do corpo nas narrativas da autora. Como verificaremos, em suas produções literárias, as figurações insólitas são naturalizadas como parte integrante do universo ficcional. Isso se dá a partir de uma ampliação da concepção de realidade dentro de tais narrativas, que permite uma junção de elementos contrários como parte de uma mesma imagem do mundo. As reações insólitas que se desenrolam no corpo dos personagens são validadas pela voz narrativa, que as caracteriza como expressões subjetivas corporificadas. A enunciação naturalizada da tessitura insólita das figuras de ficção dá-se mediante a construção de uma causalidade mágica, processo que instaura um protocolo de leitura alheio à problematização dos fenômenos fisicamente impossíveis que permeiam o universo ficcional. A inclusão não- problemática de personagens dotados de características sobrenaturais no seio de um mundo marcado pela referencialidade histórica produz um efeito de leitura diferente daquele que podemos verificar em outras vertentes do insólito ficcional. Ao leitor, não cabe a tarefa de questionar o fundamento dos eventos narrados, situando-se no limbo da ausência de explicações definitivas; diferentemente, ele é convidado a adentrar sem hesitação no universo prodigioso dos personagens. Interessa-nos examinar a obra de Sylvie Germain à luz das estratégias narrativas de inserção do elemento insólito provenientes da literatura realista-maravilhosa, expoente literário surgido no seio das literaturas hispano-americanas, do qual a autora faz-se uma importante representante no cenário literário francês contemporâneo. A poética realista-maravilhosa caracteriza- se pela articulação não conflituosa entre os códigos realista e insólito. Tal integração harmoniosa entre elementos pertencentes aos domínios da natureza e da sobrenatureza pode ser observada na obra de Sylvie Germain, na qual a inserção do referente extratextual funde-se à caracterização mágica do real diegético. Nas narrativas da autora, os fenômenos insólitos não apenas coexistem com os eventos sólitos, mas são ficcionalizados como parte indissociável da realidade histórica do leitor, estratégia textual que proporciona um novo olhar sobre os principais acontecimentos ocorridos no território francês nos séculos XIX e XX, como a Guerra Franco-Prussiana e as Guerras Mundiais. Todas as situações ocorridas nos períodos de guerra são narradas pelo viés de um realismo brutal, o que não impede que coexistam com fenômenos insólitos dos mais variados, que irrompem do corpo dos personagens como efeitos de tais experiências traumáticas, cuja carga dolorosa ultrapassa as fronteiras do sólito.

Palavras-chave: Sylvie Germain. Realismo Maravilhoso. Literatura Francesa. Insólito Ficcional.

RESSONÂNCIAS DO ABSURDO: INFLUÊNCIAS DE ESPERANDO GODOT, DE SAMUEL BECKETT, EM UM ROMANCE DE GERAÇÃO, DE SÉRGIO SANT’ANNA

Janda Montenegro de Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ)

A obra de Sérgio Sant’Anna dialoga abertamente com outras manifestações culturais, especialmente com o teatro, as artes plásticas e outras literaturas. Em um estudo aprofundado da novela Um romance de geração, do escritor brasileiro, faremos um recorte sobre a ótica do Teatro do Absurdo – corrente representada por Eugène Ionesco, Arthur Adamov, Jean Genet, Samuel Beckett e Fernando Arrabal –, cuja temática é levar a proposta do absurdo ao extremo. Em nosso estudo traçaremos um diálogo com a forma narrativa exposta na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, e seu reflexo espelhado em Um romance de geração. Para tal, jogaremos luz sobre seus personagens principais, os diálogos espiralados e as divagações dentro da narrativa como técnica de distração do leitor-espectador, dentre outros artifícios literários elegidos por ambos os autores. Na peça de Beckett, todos os dias, em uma estrada isolada, debaixo de uma árvore que um dia está sem folhagem e no dia seguinte está repleta, dois desocupados, Vladimir e Estragon, esperam a chegada de Godot. Este, entretanto, nunca chega, e tampouco é descrito fisicamente – seria Godot uma representação do divino? Uma pessoa? Uma metáfora? –, o que suscita o questionamento quanto à sua existência. Nada disso, porém, importa, exceto que os dois personagens aguardam sua chegada, o que não ocorrere. Para ocupar as horas de aguardo e o tédio que o ato de esperar traz em si, Vladimir e Estragon conversam o tempo todo, travando diálogos irrelevantes sobre assuntos aleatórios e desimportantes. Toda a peça é a trajetória da espera, e não a conclusão da tarefa. É como se, aos olhos de Beckett, o caminho da ação fosse mais importante que a ação em si. De maneira similar, em Um romance de geração encontramos dois personagens – a princípio não nomeados –, um escritor e uma jornalista, que têm por objetivo realizar uma entrevista, porém, ao longo de todo o romance, os dois personagens discutem diversos temas sociais, sem nunca conseguir concluir a referida entrevista. Através dos desvios narrativos, Sérgio Sant’Anna utiliza a metalinguagem para falar sobre o ato da escrita e as condições que o escritor profissional sobrevive em nosso país – realidade ficcional que se aproxima bastante daquela vivida pelo próprio autor. Fazendo uso de diálogos vertiginosos e sem fundamentação, os personagens discutem a criação literária encenando suas respostas a supostos espectadores, que, no ato da leitura, se fundem ao próprio leitor. Como embasamento para nosso estudo, faremos uso dos levantamentos de Civita (1976), acerca do Teatro do Absurdo e da obra de Samuel Beckett; de Walter Benjamin (2000), sobre os princícios jornalísticos; de Anthony Giddens (2002), e o efeito de colagem dentro do texto; Otávio Rangel (1949) e os elementos do teatro; e dos especialistas David de Sousa Alves Raposo (2014) e Flávia Danielle Rodrigues Silva (2017), para citar alguns, sobre o uso do humor e outros elementos no trabalho de Sant’Anna; dentre outros estudiosos, fundamentais para nossa pesquisa.

Palavras-chave: Sérgio Sant’Anna. Samuel Beckett. Teatro do Absurdo. Experimentalismo.

O INSÓLITO E O REALISMO ANIMISTA NOS CONTOS “A LUAVEZINHA” E “GOVERNADO PELOS MORTOS” DE MIA COUTO

Renata Martuchelli Tavela (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este artigo tem como objetivo analisar os contos “A luavezinha” e “Governado pelos mortos”, pertencentes ao Contos do nascer da Terra, do escritor moçambicano Mia Couto, através do Insólito e do Realismo Animista. Mia Couto presenteia o leitor através do Realismo Animista, pertencente ao Insólito como macro-gênero, em duas narrativas repletas de crendices, histórias fantásticas/maravilhosas, de um Moçambique ainda mergulhado nas consequências da guerra colonial e da guerra civil, mas que ainda há espaço para a utopia, para uma nação sem mais miséria e guerras. Cabe ressaltar, que nesses dois contos de Mia Couto se redescobre um Moçambique repleto de cultura e misticismo, com a presença de um povo confiante em seu futuro, apesar da falta de descaso da terra moçambicana, mas que por estes “causos” recontados busca reafirmar sua africanidade e ter esperanças. Isto se confirma, porque em “A luavezinha” o narrador nos apresenta uma história que ele inventou para sua filha que tinha dificuldades para dormir por ela gostar da lua, ou seja, do luar, da noite (assim como grande parte dos moçambicanos que cita a lua em diversas expressões do seu dia a dia), história esta, permeada nas crenças animistas africanas. E em “Governado pelos mortos” em que o narrador e outro personagem, um ex-camponês, que lhe conta sobre sua solidão diante de uma terra destruída pela guerra e pela miséria, ao ponto dele não ser mais um camponês, de uma árvore sagrada nem ter mais nome, e que segundo esse personagem, o “ex-camponês), foi um castigo dos mortos, pois a maioria do povo moçambicano, devido aos longos anos de colonização portuguesa, deixou de acreditar nessas crenças ancestrais, em prol da cultura do seu colonizador. Assim como, podemos observar que Mia Couto utiliza a língua portuguesa de uma maneira africanizada, ou seja, com diversas expressões das línguas de origem africanas também faladas em Moçambique, que permitem um novo ritmo e até a construção de neologismos em sua narrativa, semelhante ao que vemos na linguagem do escritor brasileiro Guimarães Rosa. E para a elaboração deste artigo sobre o Insólito e o Realismo Animista nos dois contos, foi realizada uma leitura dos estudos de Flávio Garcia (2007) e Carlos Reis (2001) sobre o Insólito e o conceito de mundos possíveis. Sobre o Fantástico as considerações de Felipe Furtado (1980) e Tzvetan Todorov (2008) e sobre o Realismo Maravilhoso e Animista, as exposições de Regina Costa da Silveira & Jurema Oliveira (2015), Bella Jussef (2006), Ana Maria Baranchena (1972). E a respeito da memória na literatura, os estudos de Henri Bergson (1999), Walter Benjamin (1997) e Marcel Proust (1991). Assim como, as considerações do teórico das grandes questões da história e da política africana, nome de referência nos estudos do pós-colonialismo, Achille Mbembe (2013) e o conceito de afrocentricidade que foi cunhado por Molefi Kete Asante (1980) professor e filósofo afro- americano.

Palavras-chave: Insólito. Realismo Animista. Mia Couto. Memória. Moçambique.

Mesa 2 – Ensino de Língua Portuguesa Debatedora: Elza Mello (UERJ)

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROCESSO DE HIPOSSEGMENTAÇÃO NA ESCRITA INICIAL: PROPOSTAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA

Alex Jefferson Medeiros Fernandes da Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ)

Esta pesquisa focaliza na investigação do fenômeno de hipossegmentação, que consiste na representação não convencional de palavras, na escrita, através da supressão de fronteira gráfica – espaço em branco entre palavras – ou aproximação de vocábulos, formando, assim, um só vocábulo (ex.: “aspessoas”, “muitobonita”, “oque”). Trata-se, portanto, de um desvio do que é previsto pela convenção ortográfica da Língua Portuguesa. Os estudos demonstram que o conceito de palavra e a escrita mostram-se ainda muito complexos para o aprendiz nos primeiros estágios de alfabetização, uma vez que a escrita é convencionada, ao passo que a oralidade é inata (CHOMSKY, 1978). Os dados encontrados em produções de crianças nos primeiros estágios de aprendizagem da escrita têm evidenciado que, ao hipossegmentar, elas lançam mão de um conhecimento fonológico internalizado num momento anterior, e este é utilizado em suas hipóteses acerca do que é a escrita (SOARES, 2016) – o que demonstra que a ocorrência do fenômeno (hipossegmentação) é parte do processo de aprendizagem. O objetivo do trabalho é analisar a produtividade da escrita dos aprendizes, a fim de observar as ocorrências da hipossegmentação à luz das teorias fonológicas, que explicam as motivações do fenômeno a condicionamentos de ordem estrutural. Além disso, pretende- se, a partir dos resultados obtidos na pesquisa, elaborar material didático que oriente o processo de aprendizagem do ler e escrever, com propostas de atividades de reflexão fonológica e lexical, a serem aplicadas de acordo com a etapa de desenvolvimento em que o aprendiz se encontra, e, dessa forma, vincular a pesquisa científica ao ensino formal da Língua Portuguesa nas séries iniciais. Parte-se da hipótese de que o processo de hipossegmentação está relacionado ao conhecimento fonológico internalizado pelo falante, às hipóteses de como se representam as palavras, a partir dos conhecimentos recrutados em outros componentes da gramática. Esta pesquisa fundamenta-se nos estudos de Teoria da Aquisição da Linguagem, teorias fonológicas de base gerativa e Fonologia Prosódica. O corpus utilizado nesta análise conta com 695 produções escritas de alunos, que cursavam, à época, entre o segundo e o sexto anos do Ensino Fundamental de escolas municipais do Estado do Rio de Janeiro. Controlam-se na coleta dos dados a relação entre níveis escolares (anos) e a ocorrência/frequência de hipossegmentação; a relação entre o número de sílabas do vocábulo e o fenômeno; os tipos de combinação – palavra gramatical e palavra lexical. Até o momento, resultados parciais indicam que a hipossegmentação é mais frequente entre palavra gramatical e palavra lexical, mas também é comum entre duas palavras gramaticais, com a junção de dois clíticos. A partir dos resultados já obtidos, conclui-se que, nos primeiros anos de escolarização, ainda é arbitrária para a criança a noção de palavra, e a incidência do fenômeno se sistematizará ao longo do processo de aprendizagem da língua escrita, com o desenvolvimento da consciência fonológica e lexical dos aprendizes.

Palavras-chave: Hipossegmentação. Escrita. Aprendizagem. Fonologia.

REDUÇÃO DO DITONGO [EJ]: UM REFLEXO DA FALA NA ESCRITA DE ALUNOS DO 1º AO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Izabella Domingues Machado (Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ)

O trabalho focaliza a análise da monotongação do ditongo [ej] (pexe, lixera) na produção escrita de crianças do Ensino Fundamental, à luz de alguns princípios da Fonologia de base Gerativa, uma vez que se observam regularidades nos erros ortográficos, bem como a obediência às regras fonológicas internalizadas pelos falantes no processo de aquisição da linguagem. Para a análise do fenômeno, pretende-se verificar: i) a atuação de princípios fonológicos sobre o fenômeno; ii) a relação entre o processo de aquisição da linguagem e as etapas de aquisição da escrita; iii) a influência da fala na escrita; e iv) os possíveis condicionamentos estruturais e sociais para a redução do ditongo. A abordagem teórico-metodológica desse estudo se baseia: i) nos princípios norteadores da Aquisição da Linguagem (CHOMSKY, 1978), visto que a regularidade dos erros de escrita infantil fundamenta a existência de um órgão mental destinado à aquisição e produção da linguagem; ii) nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista (WEIREICH, LABOV, HERZOG, 1968 [2006]), que pressupõe que a variação é inerente às línguas, bem como parte da ideia de que a variação é condicionada por fatores internos e externos à língua; iii) nos estudos da Teoria da Sílaba (BISOL 1989, COLLISCHONN 2005), principalmente no que diz respeito aos tipos de ditongo (fonético e fonológico), e de seus Princípios Organizacionais: Escala de Sonoridade (CLEMENTS, 1990; BISOL, 1999), em que o elemento mais sonoro (vogal) sempre ocupará o núcleo da sílaba e os menos sonoros (consoantes), por sua vez, ocuparão as margens; e o Princípio do Contorno Obrigatório (LEBEN, 1973; MATZENAUER, 1999), que proíbe a adjacência de dois traços ou segmentos idênticos; e iv) na Teoria da Robustez (CLEMENTS, 2009; LAZZAROTTO- VOLCÃO, 2010), que se baseia na existência de uma hierarquia universal entre os traços (ou de oposições por eles determinadas) respeitada pelas línguas na constituição de seus inventários fonológicos. A utilização de aportes teóricos diversos se deve ao fato de que há muitas contribuições advindas dessas áreas de conhecimento, mas pouca repercussão se observa nos materiais didáticos destinados à formação tanto de professores quanto de aprendizes, estes que se deparam com a modalidade escrita da língua. Os dados que serviram de base para a análise foram extraídos de 1080 produções escritas por crianças do 1º ao 6º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas do estado do Rio de Janeiro. A análise das grafias que contêm o ditongo [ej] em foco revela a complexidade da aprendizagem desses segmentos e mostra que, entre realização ou não do ditongo, se pode observar por meio das produções que a criança constrói hipóteses com base no seu conhecimento fonológico internalizado. Parte-se das hipóteses de que i) a redução do ditongo [ej] seria mais produtiva, em decorrência da influência da oralidade; ii) os ditongos fonológicos tendem a ser mantidos mais do que os fonéticos; iii) a manutenção do ditongo é sensível ao contexto adjacente, e iv) as “falhas” na representação do ditongo diminuem com os anos de escolaridade. A pesquisa encontrou os seguintes resultados: i) há maior frequência de ditongação; ii) a monotongação pode se concretizar diante de consoantes simples (/t/ e /g/) e complexas (/ʃ/ e /ʒ/); iii) ao avançar dos anos de escolaridade, a criança tende a estabilizar a realização do ditongo, e iv) a criança se utiliza de seu conhecimento fonológico para representar o ditongo. O presente trabalho também almeja elaborar propostas de atividades que facilitem o processo de aprendizagem da escrita, permitindo à criança analisar e refletir, de forma consciente, sobre a estrutura da língua, levando em conta as etapas de aquisição fonológica.

Palavras-chave: Variação. Aquisição. Escrita inicial.

LENDO E ESCREVENDO MICROCONTOS NA ESCOLA

Luciane de Assis Almeida Programa de Pós-graduação de Ensino em Educação Básica – UERJ

Os microcontos representam uma modalidade do gênero narrativo. Em termos composicionais, são marcados pela brevidade e condensação de palavras. Estilisticamente, possuem nuances contemporâneas e são capazes de capturar cenas cotidianas com concisão. Muitos textos do gênero são compostos por ingredientes de nosso tempo, como a vida agitada nas cidades, a velocidade das transformações sociais e a fluidez das relações humanas. O desenvolvimento do enredo pode se construir em comunhão entre autores e leitores, já que em várias ocorrências os microcontos parecem abrir “janelas narrativas”, em vez de simplesmente tratar de previsibilidades. O que se torna fundamental, no reconhecimento do gênero, é compreender a presença do motor narrativo sob as histórias. Os argentinos Jorge Luís Borges e Júlio Cortázar e o brasileiro Dalton Trevisan são expoentes no cenário das micronarrativas, que podem se apresentar também como nanocontos e minicontos (além da nomenclatura que utilizamos neste documento), variados de acordo com o número de caracteres. O currículo da educação básica privilegia, desde os Parâmetros Curriculares Nacionais, o trabalho com textos na escola. O atual documento curricular da educação brasileira, a BNCC, mantém essa proposição, pois compreende que o ensino da língua deve valorizar diferentes modalidades discursivas, considerando inclusive novas práticas sociais de ler e escrever, sob a perspectiva dos multiletramentos, propiciada, sobretudo, pelos avanços tecnológicos. Na atualidade, ler e escrever na rede são ações frequentes, contexto favorecido por cerca de 126 milhões de usuários de Internet em nosso país. Cada vez mais as publicações digitais ganham força e as redes sociais abrem espaço para uma nova cultura escrita digital. Deste modo, textos como microcontos podem ser facilmente produzidos e difundidos no (e pelo) ciberespaço, encontrando em microblogs, como o Twitter, ou aplicativos para compartilhamento de mensagens, como o Whatsapp, uma nova plataforma. Textos escritos em suportes como os mencionados podem dinamizar a leitura em meio eletrônico e ensejar a produção de conteúdo criativo e autoral. As premissas elencadas nos enunciados anteriores suscitaram, junto a outras emanações, a investigação que culminou com a dissertação “A escrita de microcontos dos alunos no Twitter: análise dos contextos de produção”, defendida em maio de 2019 junto ao PPGEB- CApUERJ. Fez-se pesquisa sobre as condições em que estudantes de 7º ano de uma escola municipal do Rio de Janeiro escreveram microcontos, usando como suporte para escrita o Twitter. Neste trabalho, apresentaremos um recorte da investigação, no qual especificaremos que: a metodologia deu-se sob os auspícios da pesquisa-ação; desenvolveu-se sequência didática, que privilegiou atividades sistemáticas de leitura de narrativas (tanto clássicas quanto contemporâneas) e micronarrativas, seguidas de experimentações escritas do gênero microconto, em suporte digital. O principal objetivo foi refletir sobre o processo de produção escrita dos alunos. Propusemos que o trabalho de escritura se relizasse de modo colaborativo, no qual os estudantes se reuniram em duplas, alternando-se entre as tarefas de escrita, leitura, revisão e reescrita. Na análise de dados, percebemos resultados consideráveis no que se refere à apropriação do gênero pelos estudantes, em relação a aspectos composicionais, estilísticos e lexicais.

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Escola. Microcontos.

ENTONAÇÃO PARA COMPREENSÃO: UM ESTUDO DE CAMPO A PARTIR DA OBRA FAZENDO ANA PAZ

Luisa Gonçalves Barreto1 (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O cotidiano de muitos professores de Língua Portuguesa é constituído, entre outros, por barreiras que precisam ser transpostas constantemente. Quando se fala em

1 Graduada em Licenciatura em Letras: Português e Literaturas, pelo Instituto Federal Fluminense (IFFluminense). Mestranda em Língua Portuguesa, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. leitura especialmente, os desafios mostram-se maiores, uma vez que são os professores dessa área, de acordo com pesquisas, que ocupam um dos primeiros lugares no que diz respeito ao incentivo à prática leitora. Com a diversidade de gêneros textuais emergindo na atualidade, a prática leitora está mais presente no dia a dia do público infantojuvenil do que muitas vezes se percebe. Considerando as vivências de leitura de cada aluno- leitor, a realização dessa prática pode sofrer constantes mutações. O presente trabalho fundamenta-se, entre outros, em autores como Cunha e Cintra e Terra e Nicola ao abordar o aspecto da pontuação, bem como Suzana Vargas e Daniel Pennac no âmbito da leitura, e visa refletir sobre a influência da entonação na compreensão do que se lê, quando a pontuação se torna um recurso estilístico para conferir também tom de oralidade aos escritos. Para tanto, constitui-se como corpus o livro Fazendo Ana Paz, da escritora brasileira Lygia Bojunga, no qual a autora traz uma perspectiva bastante diferente sobre a autonomia de sua escrita, uma vez que, ao longo da história, a personagem Ana Paz aparece três vezes em épocas distintas de sua existência, conquistando por si própria uma vida que, ao final do livro, pode provocar no leitor uma sensação de que é real. Na obra em questão, fragmentos de Ana Paz-menina, de Ana Paz-moça e de Ana Paz-velha – como a autora se refere a elas – aparecem e desaparecem, encontram-se e desencontram- se, até que, em um determinado momento da narrativa, reúnem-se todas em um só lugar, a casa onde Ana Paz viveu sua infância. A reflexão sobre a temática proposta será feita a partir de resultados obtidos em pesquisa de campo realizada em uma escola privada do município de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II. Para a discussão neste estudo realizada, leva-se em consideração o fato de que diversos autores apresentam conceituações e formas de se utilizar os sinais de pontuação, porém tais abordagens estão quase sempre ligadas a práticas normativas, deixando em segundo plano as possibilidades de uso da pontuação como aspecto estilístico do texto escrito, por exemplo. Quando se estuda a língua falada, percebe-se uma diversidade de fatores que favorecem a expressão, como a entonação, a fluidez, as pausas, entre outros. A escrita, por sua vez, tem a pontuação como o recurso de representação de características prosódicas. A metodologia de caráter quali-quanti, portanto, norteia este estudo, uma vez que serão realizadas pesquisas bibliográficas e de campo, englobando aplicação de questionários para conhecimento dos atores do processo de leitura, como também encontros com os alunos após o término da leitura do livro. Aponta-se ainda a necessidade de conferir maior atenção à pontuação para além de um mero processo de memorização de regras, mas como um recurso também relacionado à entonação e ao ritmo, fundamentais para a compreensão da leitura. Logo uma reavaliação e ampliação dos livros didáticos também se revela importante e necessária, na medida em que é com base nesses materiais, fornecidos majoritariamente pela própria instituição de ensino ou pelo governo, que os professores organizam e planejam suas aulas.

Palavras-chave: Entonação. Leitura. Pontuação.

Mesa 3 – Descrição e prática linguística Debatedora: Ivana de Oliveira Souza (UERJ)

ENCAPSULAMENTOS ANAFÓRICOS EM ENTREVISTAS DE REVISTAS IMPRESSAS

Dennis Castanheira (Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas — UFRJ)

Esta comunicação tem como objetivo geral discutir os usos de estratégias de referenciação em entrevistas impressas publicadas em 2018 e 2019 em duas revistas impressas brasileiras, a saber: Exame e Veja. Destacamos, dentro do “quadro” da referenciação, especificamente, as estratégias de encapsulamento anafórico (FRANCIS, 1994; CONTE, 1996). Um exemplo é: “Até que ponto é legítimo as empresas pagarem pela influência de um político ou ex-ministro para abrir portas?/ Na verdade, isso não é um problema. Pode ser um problema se esses processos forem sem transparência”. Nesse caso, o termo “isso” retoma o que fora dito, exercendo um papel resumitivo.” Segundo Conte (1996), a anáfora encapsuladora é um recurso de coesão que, morfossintaticamente, ocorre por meio de Sintagmas Nominais (SNs), funcionando como uma paráfrase resumitiva de um seguimento textual com extensão e complexidade variada. Ou seja, uma anáfora encapsuladora pode resumir uma sentença, um trecho, um parágrafo ou tudo que foi/ será dito a partir de um “jogo” de implícitos (cf. BORREGUERO, 2006; PECORARI, 2014). Dessa forma, elas são diferentes das demais anáforas, pois constituem entidades discursivas ou atos enunciativos e não apresentam um referente claramente delimitável no texto, devendo, inclusive, ser (re)construído no processo interacional de leitura. Para que possamos analisá-las, recorremos aos pressupostos teóricos da Linguística do Texto e do Funcionalismo Norte-americano. Essa perspectiva de interface, ainda pouco explorada nos estudos linguísticos, é pautada em um olhar baseado no uso e centrado em aspectos pragmáticos. Sob um olhar sociocognitivo e interacional, nesta pesquisa, consideramos que os sentidos são co-construídos e, consequentemente, os referentes são negociados no momento da interação, pois a referenciação envolve um complexo processo de ativação e reativação de objetos de discurso em que estão presentes elementos linguísticos, visuais, cognitivos e sociais. Assim, consideramos aspectos, como informatividade (PRINCE, 1981; GIVÓN, 1995), subjetividade (TRAUGOTT; DASHER, 2005), categorização (BYBEE, 2010), iconicidade (GIVÓN, 1990; 1995) e marcação (GIVÓN, 1990; 1995). Como grupos de fatores, pretendemos observar a relação entre os encapsulamentos e os graus de subjetividade, o tamanho do Sintagma Nominal, o grau de novidade do referente, bem como a relação entre o uso das anáforas encapsuladoras e os temas das entrevistas analisadas e as sequências textuais em que eles ocorrem. A escolha do gênero textual está relacionada ao fato de não existirem muitos trabalhos sobre referenciação nesse gênero. Segundo Santos, Cruz e Antunes (2017), as entrevistas são de difícil definição, pois apresentam diferentes possibilidades de realização, incluindo diferentes modalidades e variados subtipos (cf. HOFFNAGEL, 2002). Essenfelder (2005) defende a heterogeneidade das entrevistas, ressaltando que, em alguma medida, elas ocorrem com todos em situações corriqueiras, como pedir uma informação sobre um produto em uma loja ou ser sabatinado ao pleitear uma vaga num emprego. Esta apresentação, então, visa a mostrar o uso das anáforas encapsuladoras a partir de aspectos discursivos, ressaltando seu papel na co-construção dos sentidos do texto.

Palavras-chave: Anáforas encapsuladoras. Entrevistas. Linguística Textual. Funcionalismo.

ESTRUTURAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO E SEU IMPACTO NA ESCRITA DOS ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)

Raiane Q. Armando Goulart (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Esta pesquisa pretende analisar a modalidade escrita do PB em comparação com dados de fala em contexto escolar EJA (Educação de Jovens e Adultos). De modo específico, este trabalho propõe um questionamento sobre a gramática com que um indivíduo chega à escola e a gramática da modalidade escrita-padrão, atentando para a investigação do processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Como arcabouço teórico, esta pesquisa se baseia na teoria gerativa (Chomsky, 1957 e posteriores) e na concepção de que todo falante tem uma gramática internalizada, a qual se conforma por princípios universais das línguas naturais humanas (universalmente válidos) e parâmetros linguísticos fixados de acordo com a gramática da língua de exposição. Nesse sentido, um indivíduo chega ao ambiente escolar brasileiro, com os parâmetros já fixados. No que diz respeito ao PB (Português Brasileiro), Kato (2005) reflete que há uma distância expressiva entre a gramática da fala e a gramática da escrita, diferentemente do que ocorre no PE (Português Europeu). No que se refere ao ambiente escolar brasileiro, Corrêa (1998) observa que as relações que envolvem a fala e a escrita perpassam pelo que se usa e pelo que se recomenda pela Gramática Tradicional. Dessa forma, de acordo com Kato (2005), quando se trata de elementos que não são adquiridos naturalmente, a escola tenta dar conta da “perda linguística”, já que as inovações são mais aceitas na fala, não na escrita. Diante dessa questão, tendo em vista o corpus observado em Armando (2018), pretende-se ampliar, neste novo estudo, os aspectos analisados no que se refere ao que é prescrito pelas Gramáticas Tradicionais para a escrita e ao que se encontra no ambiente linguístico do qual a criança dependerá para desenvolver linguagem, denominado Língua-E. Assim, analisam-se as estratégias de relativização padrão e a não- padrão, uso de sujeito pronominal preenchido ou nulo, concordância verbo-nominal, particularmente com sujeito posposto na Educação de Jovens e Adultos. Esta pesquisa se pauta em dados de produção e de compreensão, a partir do método experimental Produção Eliciada (Thornton, 1998) e julgamento de aceitabilidade a partir de questionário. Ademais, este estudo tem como teste para obtenção dos dados, gravações de relatos espontâneos narrados pelos falantes sobre sequência de vídeo sem áudio. Esta mesma atividade (narração do que foi visto) é executada na modalidade escrita para a comparação com dados de fala espontânea. É importante ressaltar a aplicação de questionário com informações socioculturais, a fim de verificar se aspectos extralinguísticos poderiam condicionar as escolhas das variantes de cada indivíduo (Kato, 2005). Os dados obtidos serão tratados tanto quantitativamente, por meio de análises estatísticas (como Anova ou modelos de regressão mistos), bem como qualitativamente. Dessa forma, esta pesquisa visa ampliar a análise sobre a EJA, a fim de preencher esta lacuna, já que muitas pesquisas não se voltam a este segmento. Além disso, pretende-se traçar uma comparação desta população com o Grupo Controle da escola regular, trazendo possibilidade de comparar se o conteúdo condensado do primeiro grupo impacta no aprendizado das normas da língua escrita, no contexto do maior afastamento escolar que essa população apresenta. Acredita-se que a partir deste estudo sobre a língua escrita e oral do PB em contexto escolar, este trabalho poderá embasar as ações didáticas e servir de material de apoio pedagógico para o corpo docente de Língua Portuguesa, já que há uma comparação explícita sobre a linguagem com que o aluno chega à escola com as regras estipuladas pela Gramática Tradicional para a língua culta.

Palavras-chave: Relativas. Concordância verbal. Preenchimento de sujeito.

RELATIVAS DE OBJETO: UM CONTRASTE ENTRE PRONOMES E DPS

Thainá Amador de Lira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este trabalho visa a desenvolver uma pesquisa na área de aquisição da linguagem sobre a aquisição e processamento de relativas de objeto direto. Juntamente com passivas e interrogativas –QU, são estruturas tidas na literatura como complexas, aparecendo mais tardiamente durante a fase de aquisição da linguagem. No entanto, pesquisas mais recentes tem revelado uma diferença percentual significativa no que diz respeito à facilidade no processo de aquisição de relativas de sujeito em relação às de objeto, sendo essas adquiridas com muito mais dificuldade, o que demonstra que são estruturas mais complexas. A origem dessa complexidade é atribuída por Friedman, Belletti e Rizzi (2009) ao fato de o sujeito e o objeto serem elementos de mesma natureza, ou seja, que compartilham os mesmos traços formais, constituirno um “elemento interveniente” que impossibilitaria a associação entre a posição de origem do DP objeto e o núcleo da relativa. Foi constatado que relativas de objeto em que o constituinte movido é um operador QU (pronome), por exemplo: “Mostre-me quem o menino molha”, apresentaram maiores índices de compreensão adequada do que relativas com sintagmas nominais plenos. Gennari e MacDonald (2008) postularam que relativas de objeto com núcleos animados são mais difíceis, uma vez que é esperado que o sujeito apresente traço animado, já que geralmente esse sujeito é o autor ativo de uma ação. Uma vez que o objeto possui traço [+animado], é gerada uma ambiguidade, pois ele se torna um bom candidato a sujeito sintático, havendo a necessidade de uma reanalise para que se desfaça a expectativa, tornando o processo mais lento. Pretende-se dar continuidade a pesquisa de Friedman, Belletti e Rizzi (2009) contrastando DPs plenos e pronomes na compreensão e produção de crianças, manipulando, assim, elementos de naturezas distintas, utilizando relativas de objeto com núcleo animado, configuração que traz maior complexidade à estrutura. Pretende-se ainda contrastar diferentes pronomes (eu x você x ele/ela) evidenciando se o tipo de pronome traz maior efeito facilitador. O corpus é proveniente de experimentos com crianças entre 4,2 e 6,5 anos de idade e adultos entre 19 e 33 anos, com nível superior concluído ou em andamento. Estratégias de esquiva são esperadas na produção linguística infantil uma vez que elas tendem a fazer uso de outros recursos para evitar o uso da estrutura mais complexa da qual estamos falando. No entanto, esperamos que esse comportamento não seja exclusivo das crianças, mas também de adultos, considerando natural evitar um uso mais custoso para o falante. Dessa forma, queremos observar as diferenças quantitativas e qualitativas em ambas as produções. Alguns testes já foram aplicados no grupo controle e em parte as crianças, sendo possível analisar o comportamento linguístico do adulto frente a essa estrutura e em que contextos elas são utilizadas. Até o presente momento, foram feitos três testes de produção eliciada, o que permite ao pesquisador detectar o significado que se está dando à sentença e que ele constate se a ausência da estrutura na fala infantil espontânea configura falta de conhecimento linguístico ou se tem origem em outra causa que deve ser analisada, como explica Grolla (2000).

Palavras-chave: relativas de objeto, aquisição da linguística, processamento linguístico, pronomes.

Mesa 4 – Texto, discurso e descrição da Língua Portuguesa Debatedora: Suellen Moutinho da Silva de Oliveira (UERJ)

A INTERTEXTUALIDADE COMO (NÃO) FATOR DE COMPREENSÃO TEXTUAL

Jéssica Couto Da Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho pretende fazer uma análise de textos midiáticos que utilizam a intertextualidade como recurso para impactar seu público-alvo. Considerando o texto como “lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos” (Koch e Elias, 2006: 7), observa-se que o sentido do texto se constrói em sua interação com o sujeito leitor. As autoras destacam, portanto, a grande importância do papel do leitor como produtor de sentido no texto, à medida que fazem uso de estratégias linguísticas e sócio-cognitivas de seleção, antecipação, inferência e verificação. Deste modo, ativam seu conhecimento de mundo na construção das possíveis leituras. Essa “bagagem” cultural é responsável pela compreensão dos sentidos criados por meio da relação entre discursos presente em diversos textos midiáticos. Os resultados gerados pela leitura intertextual presentes em alguns textos midiáticos são diversos e não estão desprendidos de um contexto para a produção de sentido pelo leitor. Desta forma, esta pesquisa tem o objetivo geral de propor uma análise dos efeitos causados por textos verbais e não verbais que fazem uso da intertextualidade para definirem seu público-alvo e impactarem esses leitores, criando uma afinidade entre eles, à medida que se realiza, a partir dessa compreensão, o objetivo pretendido pelo autor. E ainda, promover o estudo dos procedimentos linguísticos empregados para tal feito e as aplicações pedagógicas dos textos que circulam na mídia. Os objetivos específicos que se pretende alcançar são: a. Analisar textos midiáticos construídos a partir da intertextualidade e aqueles aos quais se referem. b. Identificar os efeitos gerados no leitor a partir da intertextualidade e interdiscursividade presentes nessas obras que contribuam para sua compreensão. c. Compreender de que forma a intertextualidade atua como fator de coerência e interfere na compreensão desses novos textos que se criaram a partir de outros. Em uma era altamente desenvolvida quanto à tecnologia na qual estamos inseridos, os alunos do ensino básico pouco têm acesso a grandes obras artísticas e literárias se não for através da escola. Estão imersos ao mundo virtual a maior parte do seu tempo, consumindo apenas o que se destaca nas redes sociais. Destarte, o texto midiático, há muito, é utilizado como fonte de estudo para diversos pesquisadores da área de língua portuguesa, pois se apresenta com uma linguagem cada vez mais rica e expressiva, no intuito de impactar significativamente os leitores, embora acessíveis no que concerne ao nível da linguagem. Marcuschi (2005) ressalta que a tecnologia propicia também o surgimento de novos gêneros, entretanto, que muitos deles sofrem apenas adaptações por influência da denominada cultura eletrônica que vivenciamos atualmente. Com essa revolução digital e o acesso à informação cada vez mais facilitado, não é raro encontrarmos na mídia textos criados a partir da intertextualidade e/ ou interdiscursividade com grandes obras em jornais, revistas, propagandas, tirinhas, charges etc. Marcuschi (2005) define os gêneros como “eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Destaca que surgem a partir das necessidades comunicativas, inovações tecnológicas e atividades sócio-culturais. O autor explica também que se originam e integram-se ao meio social em que se desenvolvem. Na mesma obra, o autor também aborda o conceito de “transmutação” proposto por Bakhtin, onde um gênero é assimilado por outro, formando novos. Desta forma, torna-se claro compreender por que Marcuschi (2005) ressalta que a produção e interpretação de textos não é uma tarefa simples, já que se trata de “um processo de codificação e decodificação de atividades inferenciais.” Antunes (2005) destaca, no entanto, que, apesar dessa dificuldade em decodificar e compreender textos verbais e não verbais, algumas pesquisas demonstram a irregularidade de atividades de leitura no ensino de Língua Portuguesa em algumas escolas. Assim, com a obrigatoriedade de seguir com os conteúdos e não poder “atrasar” o programa, professores abrem mão dos textos e de trabalhar com a língua em uso. Essa postura das escolas, segundo a autora, tende a deixar para os alunos o desinteresse pela leitura, a falta de tempo para ela em sua rotina, assim como é na escola, e a ausência de condições para que se desenvolvam tais competências. Essa falta de hábito de leitura na rotina dos alunos ocasiona, dentre outros problemas, um acervo cultural bastante reduzido, o que afetará sua relação com outros textos. Segundo Antunes (2005), “escrever é uma atividade que retoma outros textos, isto é, que remonta a outros dizeres. Ou seja, no ato de escrever e de compreender um texto, os leitores reconhecem características de outro, utilizado como fonte. Essa relação de sentidos que se estabelece entre os enunciados, intitulada por Bakhtin (1992) de dialogismo, foi posteriormente denominada intertextualidade. Por meio da análise de alguns textos midiáticos e de uma pesquisa a ser desenvolvida com alunos dos anos finais do Ensino Médio, este trabalho pretende comprovar que, devido ao pouco hábito de uma leitura consistente, há ruído na comunicação e não compreensão plena da intertextualidade e polissemia presente nos textos a serem analisados. De acordo com a teoria da comunicação em Jakobson (1973), qualquer ato de comunicação depende de seis fatores: emissor, receptor, código, mensagem, contexto e canal. Segundo o autor, denomina-se ruído de quando interferências de qualquer ordem prejudiquem a transmissão da mensagem. É essencial para que a comunicação aconteça que o enunciador e receptor da mensagem estão cientes de seu papel no contexto comunicativo. Segundo Beaugrande/ Dressler e Maria da Graça Costa Val, a intertextualidade é um dos sete princípios ou fatores de textualidade, que, segundo Costa Val, “é um conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto e não apenas uma sequência de frases.” Costa Val apud Valente (2002) aponta que, para um texto ser bem compreendido, é necessário que se considerem três aspectos : o pragmático, que se refere ao seu funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa; o semântico-conceitual, de que depende sua coerência; e o formal, relativo à sua coesão. A autora desta ainda que a coerência é um fator fundamental da textualidade, uma vez que é responsável pelo sentido do texto e envolve não só aspectos lógicos e semânticos, como também cognitivos uma vez que depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Neste trabalho, pretende-se demonstrar que a intertextualidade, além de ser um princípio da textualidade, é também um fator de coerência, uma vez que quem o desconhece, encontra obstáculos para a compreensão do textos. Laurent Jenny apud Valente (2002) ressalta: (...) a intertextualidade designa não uma soma confusa e misteriosa de influências, mas o trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido. (L.Jenny, 1979:14 apud A.Valente, 2002:181) Segundo Valente (2002), a intertextualidade constitui fator importante para coerência do texto, porque se o leitor não possuir as referências, ou não identificar as citações, poderá encontrar dificuldades para a decodificação da mensagem. Por meio da análise de alguns textos midiáticos e de uma pesquisa a ser desenvolvida com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, este trabalho pretende comprovar que, devido ao acervo reduzido, há ruído na comunicação e não compreensão plena da intertextualidade presente nas obras a serem analisadas, por invocarem o conhecimento de textos fontes que os estudantes desconhecem. A pesquisa está sendo desenvolvida com alunos de 9º ano em duas escolas, uma da rede pública e outra da rede particular. Os alunos devem fazer exercícios de compreensão a partir dos textos apresentados.

Palavras-chave: Intertextualidade. Interdiscursividade. Dialogismo. Intertexto. Interdiscurso.

MONTEIRO LOBATO E A LÍNGUA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DO CONTO “O COLOCADOR DE PRONOMES”

Mariana Oliveira Manhães (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise da questão da colocação pronominal presente no conto "O Colocador de Pronomes" de Monteiro Lobato. Com a intenção de apresentar a utilização dos pronomes na língua portuguesa e mostrar as principais diferenças do português de para o português do Brasil, fez-se necessário um estudo focado em bibliografia de estudiosos sobre a língua portuguesa e Monteiro Lobato. Compreende-se que o conto sugere questões complexas quanto ao uso da língua portuguesa, pois foi possível perceber que Aldrovando, o protagonista do conto, importava-se com a fala e escrita segundo os preceitos da norma- padrão da língua, defendendo fielmente a unidade linguística. Embora discordasse de alguns pontos do movimento modernista, no que tange a construção de uma identidade nacional brasileira, os ideais de Lobato alinhavam-se ao movimento. Em "O colocador de Pronomes", conto publicado em 1924 e parte integrante do livro Negrinha, Monteiro ridiculariza Aldrovando, o personagem principal. Aldrovando é extremamente fixado na escrita correta da gramática, usando sempre uma linguagem muito refinada, muitas vezes incompreensível para algumas pessoas. Percebe-se na obra uma forte crítica ao purismo. Elia (1975, p. 75) afirma que “era natural que a linguagem de tom “purista” fosse aos poucos identificada com o “português de Portugal” do qual nos haveríamos de libertar em nome de uma suspirada"língua brasileira”.” Desta forma, é possível perceber no conto a crítica sobre ouso da Língua Portuguesa entre a norma padrão e a não padrão. Nesse sentido, Elia (1975, p. 74) explica que “a língua falada foi erguida ao posto de norma padrão da consciência linguística nacional e o desrecalque gramatical se alastrou feliz por toda a extensão do subcontinente brasílico.” Percebe-se na obra uma forte crítica ao purismo. Como um bom pré-modernista e crítico, pode-se afirmar que Monteiro era defensor da nacionalização por meio da expressão literária. Há de se ter em mente que o autor defendia a independência linguística, destacando neologismos, pronomes e a ortografia como principais pontos de diferenciação entre a língua brasileira e a europeia.É possível perceber que, ao desenvolver o personagem, Lobato pretende explorar no texto tópicos sobre as questões gramaticais e sintáticas da língua portuguesa. Lobato preocupava-se com o uso da língua, por isso o conto apresenta diversas críticas de maneira cômica. Ao longo do texto, percebe-se que o autor aborda a questão da utilização linguística de diversas formas. É possível perceber que o personagem Aldrovando apresenta uma fixação pela gramática, transmitindo ao conto um ar irônico e cômico sobre o fato. Além disso, nota-se ao longo do texto a questão separatista entre as diferenças linguísticas do português, havendo embates relativos à cerca do português brasileiro para o português europeu. Portanto, quando em seu conto Lobato discute a questão pronominal, está trazendo a posição legitimista e a separatista por meio de um embate entre os personagens. Desta forma, ele lutava pela construção de uma identidade brasileira.

Palavras-chave: Monteiro Lobato. Colocação pronominal. O colocador de pronomes.

O ARRANJO DISCURSIVO NA INSTÂNCIA PREFACIAL

Tânia Regina dos Santos Fernandes (Programa de Pós-graduação em Letras da UERJ)

Este estudo tem como intuito apresentar uma proposta que favoreça um diálogo capaz de conjugar vertentes em prol de um desenvolvimento prático, que priorize a eficiência do trabalho da linguagem, em função de seu uso em Língua Portuguesa. Buscando com isso, inserir-se nos campos de estudos, que partem, prioritariamente, de um contexto textual visando estabelecê-lo como parâmetro discursivo do qual seja possível extrair proposições que ilustrem a relação entre língua e linguagem, propondo investigá-la por intermédio dos próprios recursos linguísticos configurados e apresentados textualmente. O que, neste estudo, é considerado também sob o aspecto sociocultural, visando pôr em prática algumas orientações que vêm ao longo do tempo, sendo discutidas em função do reconhecimento da cultura afro-brasileira, na intenção de promover uma educação menos excludente no que se refere às relações étnico-raciais, visando assim contribuir com reflexões didático-pedagógicos que, neste caso, partirá de uma publicação de Maria Firmino dos Reis, escritora do século XIX, que se utilizou de elementos da língua para a configuração de estratégias discursivas tanto para a elaboração de um sentido denotativo como para um sentido conotativo, muito próximo do campo literário. Uma elaboração, cuja expressividade híbrida elaborada com recursos linguísticos, poderia ser um fator desencadeante de níveis diversos de compreensão, no que se refere à eficiência de sua receptividade. Verifica-se, contudo, que os mesmos elementos linguísticos atuantes na organização textual, além de servirem à elaboração discursiva constroem a temática que, no texto em questão, é apresentada em um arranjo de configuração híbrida da linguagem, a partir da qual, serão considerados os estudos da área da linguagem, não só aqueles voltados para a estruturação da função linear dos elementos da língua, como também estudos que colaborem para esclarecer fenômenos em seu nível discursivo. Com a intenção de explorar a estruturação linear da língua, como também de apurá-la em seu nível mais profundo, analisando como os discursos podem ser textualizados ou até mesmo categorizados conforme suas características constitutivas mais profundas. Visto que, sob esse aspecto, é identificada, portanto, uma convergência entre o nível textual e o nível discursivo, a partir da qual é possível considerar a instauração de uma instância discursiva que pode servir a uma finalidade comunicativa. Sendo assim, propor um detalhamento discursivo a partir de um texto elaborado no século XIX, pode vir a ser um meio de verificar a historicidade de uma temática discursiva quanto a sua própria finalidade, reconhecendo sua aplicabilidade como um texto cuja instância funcional possa ser caracterizada pelos próprios elementos construtores e mantenedores da unidade temática, que a depender da intenção de quem anuncia, para quem, e como se anuncia, passa a criar condições situacionais ou intertextuais que colaboram para que a enunciação discursiva inscrita em uma época, possa estabelecer-se discursivamente em função de sua própria textualidade e, em prol de um determinado campo discursivo. Com isso, a concepção de diversidade concebida pelos vários tipos de gêneros discursivos, prioritariamente coloca o texto como objeto de estudo, a fim de proporcionar uma eficácia no detalhamento feito a partir de relações coesivas na verificação da coerência. Estabelecendo, portanto, sua funcionalidade em âmbito sociocultural, ou até mesmo em função da própria publicação, quando o contexto se limita à configuração dos elementos que constituem, por exemplo, o entorno de um romance.

Palavras-chave: Coerência. Heterogeneidade. Instância Prefacial. Textualidade.

O ENCAMINHAMENTO DA LEITURA PELAS ESTRATÉGIAS DE REFERENCIAÇÃO

Yasmin Cibelle Soares da Silva Alves (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Neste trabalho, busca-se analisar como ocorre o processo da leitura, uma atividade essencialmente cognitiva que compreende a depreensão de sentidos por meio da lingua(gem). Tal depreensão, configurada de forma complexa, muitas vezes, foge do alcance de nossa consciência, uma vez que se demanda a mobilização de conhecimentos de dimensões variadas que interagem entre si, tais como, o conhecimento linguístico, o conhecimento de mundo e o conhecimento de texto (KLEIMAN, 1989). Em meio a esses conhecimentos, visa-se salientar um específico cuja existência se figura como o ponto de convergência, o ponto propulsor de todas as atividades envolvidas no ato de ler: o conhecimento linguístico. Em razão disso, parte-se do pressuposto de que a concepção da leitura se realiza na interação do texto com o leitor, não se findando a simples decodificação. Logo, essa relação implica entender o texto como um processo que materializa índices que deflagram o encaminhamento da construção de sentido. Dessa forma, para se aclarar o desenvolvimento da construção de sentido não se pode desvencilhar do uso do conhecimento linguístico, da materialidade linguística no texto, sobretudo do ato de referenciar, inextricável à língua e à mente humana, já que sempre se fala de algo em um conjunto de referências. Todavia, as referências não são estabelecidas em uma relação de espelhamento da realidade, na designação de objetos de mundo, mas na designação de objetos que se erigem no discurso e são pertencentes a ele. Tal concepção parte dos estudos da Referenciação, notórios na Linguística de Texto, nos quais se assume que toda representação construída por um sujeito se apresenta de maneira intersubjetiva de perceber e conhecer o mundo. Esse processo de significação, portanto, coincide não somente com uma percepção individual, mas também com uma percepção geral, isto é, uma “cognição social” (DIJK, 2012), sendo importante observar que o conhecimento de mundo e o conhecimento prévio propiciam a construção de um mundo representável, ou seja, com sentido. Dentro da perspectiva da referenciação, a representação se corporifica no e pelo ato de referenciar as entidades, dadas como objetos, referentes de discurso que, na dinâmica discursiva, vão sendo retomados e (re)construídos a fim de se permitir estabelecer o entendimento. Sendo assim, no texto, as estratégias de reconstrução do referente desencadeiam uma processualidade, perfazendo a progressão referencial, a progressão temática e a manutenção tópica. Com isso, o fenômeno discursivo em destaque tem a condição e servir como uma das grandes âncoras tanto para a produção, a progressão e a organização do discurso quanto para a compreensão dele na interação, tornando-se, por esse motivo, um dos cernes das pistas linguísticas para se entender a configuração do sentido. Dito isso, a referenciação apresenta-se como fenômeno substancial para a constituição da unidade significação e, tendo em vista que ler é produzir sentidos, justifica-se a inclinação para as estratégias de referenciação que, consequentemente, ancoram e acionam as estratégias cognitivas envolvidas na leitura. Convém expor que não se licencia a leitura estritamente pelo texto, deve-se, porém, compreender que este toma forma mediante as práticas sociais e as práticas discursivas que se materializam graças ao texto. Nesse sentido, analisar a superfície linguística, especialmente pelas estratégias de referenciação proporciona demonstrar que o texto não é um produto, mas sim um processo acionado em cada ato de leitura e em cada leitor. Em razão disso, a proposta de análise incide sobre um artigo no qual são descritas as estratégias de referenciação no texto que estão a serviço tanto da coerência local quanto da global no texto de modo que seja depreendido o projeto de dizer do texto. Para tanto, então, tem-se como referencial teórico, no que tange à leitura, Kleiman (1989) e Koch (2015), Marcuschi (2006) e Tedesco (2015) no que concerne a abordagem da referenciação textual.

Palavras-chave: leitura. conhecimento linguístico. referenciação.

Mesa 5 – Das margens ao centro da discussão literária Debatedora: Priscilla Figueiredo (UERJ)

VENCIDOS E DEGENERADOS: DAS MARGENS PARA O CENTRO DA DISCUSSÃO

Cristiane Vieira da Graça Cardaretti (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

No século XIX a lógica racional das relações entre dominadores e dominados, entre a Civilização e a Barbárie, originava-se das considerações e teorizações raciais de uma Europa que reorganizava o mundo através da imposição da noção da superioridade da raça branca e tornava-se fundamento do poder instituído. Um dos inúmeros instrumentos de repressão e discriminação ao serviço de interesses dominantes, que foram disseminados com o propósito da manutenção do poder branco, foi o cânone literário das grandes obras e seus autores. Ademais, o cânone foi reconhecido como uma forma de sustentação de uma ideologia de contornos patriarcais, racistas e imperialistas. A menos radical das reivindicações surge, então, sob a forma de revisão e abertura do cânone a textos representativos de saberes, classes e minorias, tradicionalmente excluídos. Com o propósito de buscar, fora do cânone, obras em que possamos perceber o uso da literatura como espaço efetivo de criação, de esperança e empoderamento da raça negra, bem como a busca por uma literatura que nos permita novas leituras do passado com a finalidade de vislumbrarmos novas possibilidades para o futuro, o presente artigo traz das margens para o centro a militância literária e política contidas na obra Vencidos e Degenerados, do afrodescendente José Nascimento Moraes. Ademais, tem-se como objetivo enfatizar a importância e a relevância de uma tradição negra, ainda pouco explorada na literatura brasileira, e que segundo o professor e pesquisador Eduardo de Assis Duarte, a literatura afro-brasileira é ainda um “conceito em construção”. Apesar de muitos ainda questionarem a existência de tal literatura, pesquisas e descobertas apontam para o valor e relevância dessa escrita. A escolha pela obra de José Nascimento Moraes se deu pela leitura de uma entrevista do professor Eduardo de Assis Duarte ao jornal O Globo. Com o intento de trazer a literatura afro- brasileira para o centro da discussão em mente, fui à busca do livro Vencidos e Degenerados. Ao iniciar minha pesquisa, me deparei com um grande desafio: encontrar o livro que fora publicado em 1915 e reeditado em 1982. Sem sucesso, percorri sebos, grandes e pequenas livrarias, bibliotecas públicas, a biblioteca da UERJ, inclusive. Entrei em contato com a editora que havia reeditado o livro em 1982, mas após um mês do envio da mensagem, me responderam que o livro havia esgotado. Portanto, fica claro que o “apagamento” dos negros na literatura é, sim, um fato. Através da leitura da obra de José Nascimento Moraes, podemos repensar e concluir que a literatura pode ser também uma forma de contar a História, principalmente a história dos oprimidos, dos marginalizados, dos silenciados, ou seja, a história do “Outro”. Cabe ainda ressaltar que trazermos tal obra à luz serve não apenas para colocá-la ao alcance do leitor contemporâneo após anos esquecida e condenada ao silêncio, ao apagamento; bem como fazê-la com que habite bibliotecas, salas de aula e infinitos espaços de aprendizado e debate. E como o pesquisador e professor Eduardo de Assis Duarte menciona em seu texto Entre Orfeu e Exu, a Afordescendência Toma a Palavra, “E, sobretudo, penetrar nos corações e mente daqueles que, desde sempre, foram a causa dos anseios de tantos que pegaram a palavra com as mãos para dela fazer o canto dos oprimidos”.

Palavras-chave: Literatura Afro-Brasileira. Apagamento. José Nascimento Moraes. História.

FRANTZ FANON, GAYATRI SPIVAK E LIMA BARRETO: UMA INQUIETAÇÃO PÓS- COLONIAL

Gabriel das Chagas Alves Pereira de Souza (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

Por intermédio da lógica pós-colonial, a literatura brasileira pode receber novos olhares. Sob esse prisma, apoiado, principalmente, em textos da crítica indiana Gayatri Spivak e do filósofo martiniquense Frantz Fanon, o presente trabalho almeja investigar o romance Clara dos Anjos, do carioca Lima Barreto, como metáfora da questão racial brasileira. Para ler a protagonista barretiana, partimos do princípio de que o processo inaugurado pela modernidade no mundo ocidental fez com que a mulher desaparecesse em um “violento arremesso” (SPIVAK, 2010), resultado do patriarcado e do imperialismo. Sendo assim, com a visionária militância que lhe era peculiar, pretendemos demonstrar que Lima Barreto criou uma protagonista transgressora e revolucionária para seu tempo histórico, o que nos leva também à noção de gênero e raça como “marcador social da diferença”, ideia desenvolvida pela antropóloga Lilia Schwarcz como ferramenta “hierárquica e comparativa.” (SCHWARCZ, 2017) Nesse cenário, através de uma pesquisa bibliográfica e da leitura detalhada de fragmentos do romance, a presente pesquisa almeja mostrar as reações de Clara dos Anjos contra o destino a ela imposto. Com isso, objetiva-se problematizar a crítica até então desenvolvida em torno da obra, visto que a personagem pode ser interpretada como aquela que desafiou os limites atribuídos a uma mulher negra e suburbana nas primeiras décadas no século XX. Dessa maneira, um aspecto que nos interessa nessa discussão é a busca da jovem por uma linguagem que lhe fosse própria, uma possibilidade de renovação que, embora surja na narrativa, tem sido ignorada pelos estudos da ficção barretiana. Assim, ecoando Frantz Fanon, pretendemos demonstrar que a posse da linguagem é uma “extraordinária potência” (FANON, 2008), delineando lentes contemporâneas para ler Lima Barreto. Sob esse ponto de vista, recorremos também aos textos do intelectual e ativista Abdias Nascimento no intuito de questionar a falaciosa noção de democracia racial, apontando, assim, os ares de violência e genocídio presentes na miscigenação brasileira. No caso do romance, o encontro entre Clara dos Anjos e Cassi Jones pode funcionar como relação simbólica da formação nacional, encontro tenso, no qual, no entanto, a mulher sobrevive. Essa chave de leitura desenvolverá, portanto, o aspecto de resistência presente na narrativa de Lima Barreto, a fim de enfatizar a sobrevivência como ferramenta de transgressão, movimento condizente com o papel militante que a literatura deveria possuir, segundo o próprio autor. Logo, estabelecendo um arsenal teórico alicerçado, sobretudo, nos escritos de Gayatri Spivak e Frantz Fanon, objetiva-se um amplo diálogo que também recorrerá ao pensamento das filósofas norte-americanas Angela Davis e Judith Butler no que tange à complexa relação entre raça e gênero, fundamental na ficção de Lima Barreto. Por fim, como pressuposto teórico das questões diaspóricas, basear- nos-emos também nos apontamentos do filósofo camaronês Achille Mbembe e do ensaísta martiniquense Aimé Césaire. Com isso, pretendemos não apenas atualizar a crítica tradicional em torno dessa obra, mas também avançar com os estudos que entrelaçam literatura afro-brasileira e decolonialidade.

Palavras-chave: Lima Barreto. Literatura afro-brasileira. Teoria pós-colonial.

BRASIL, O FUTURO EM UM PAÍS

Marcella Mesquita Granatiere (Programa de Pós-Graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio)

Essa comunicação tem por objetivo analisar a imagem da ‘harmonia’ racial brasileira concebida no livro Brasil, um país do futuro (1941) de Stefan Zweig, em paralelo, a questão racial, a mestiçagem e as relações raciais no pensamento social e nas políticas públicas modernas brasileiras. Revisitar tal narrativa que contribui para a construção, no país e no exterior, da imagem de identidade nacional brasileira baseada em uma população e cultura mestiças, enfatizando uma consciência de nacionalidade única. Permite olhar criticamente para o passado e perceber elementos que de alguma maneira ainda alimentam o imaginário social brasileiro. Este é o caso do livro: Brasil, um país do futuro (1941), escrito pelo escritor, dramaturgo, biógrafo, pacifista austríaco de origem judaica, Stefan Zweig; após sua primeira visita ao Brasil em 1936. Suscita questões sobre a imagem construída de um país cordial e livre de preconceitos raciais. A obra Brasil, um país do futuro abarca História, economia e cultura brasileira; descreve a natureza e as cidades do Rio de Janeiro, na época capital federal, São Paulo, as cidades Históricas em Minas Gerais, Salvador e Recife; percorre uma fazenda de café no estado de São Paulo e plantações de açúcar, tabaco e cacau no Estado da Bahia, por fim sobrevoa a Amazônia. Porém, o olhar do pacifista observa com atenção especial a convivência entre as diversas raças que compõem a população brasileira. Ao longo do texto são usadas expressões como: ‘experimento Brasil’; ‘projeto Brasil’; ‘construção pacífica’; ‘ civilização futura’ e ‘harmonia’ racial, construindo um discurso político centrado na possibilidade de uma civilização livre de preconceitos baseados na religião e na cor da pele, mas sem falar da situação política do país. Para Zweig o valor do país do futuro está na “ausência” de atitudes racistas, na ‘mistura’ racial e na convivência pacifica entre as múltiplas etnias, no ‘paraíso ’racial. Todavia, raça nunca foi um conceito neutro no Brasil. No final do século XIX e na primeira metade do século XX a questão racial é debatida pelos intelectuais brasileiros. Tais como: Silvio Romero e Oliveira Viana que veem no mestiço, descendente da mescla das três raças (branca, índia, negra) formadoras da população brasileira, o caminho para dissolução da diversidade racial e desaparecimento do elemento não branco. As ideias racistas de Oliveira Viana de raças inferiores e superiores, são criticadas por Gilberto Freyre em Casa-grande senzala, (1933). O autor desloca as discussões raciais da questão biológica para o conceito de cultura. Aqui a mestiçagem obtém valor positivo. Na política, a década de 1930 foi marcada pelo complexo regime Vargas. Suas propostas de políticas sociais carregam o discurso da unidade nacional, da mescla racial e cultural, a mestiçagem vira ‘nacional’. Elementos culturais, como: a feijoada, o samba e a capoeira saem da marginalização e passam a símbolo nacional, cultura ‘tipicamente’ brasileira. Esses contrastes apresentados enquanto arte em Brasil, um país do futuro, tende a suavizar o quadro de exclusão social, a violência do racismo e a simplificar o conceito de mestiçagem que está saturado de ideologia. Pois, a mestiçagem na literatura brasileira seja na literatura estrangeira sobre o Brasil era ora defendida como símbolo da identidade nacional, ora vista como um problema de saúde pública.

Palavra-chave: Stefan Zweig. Racialismo. ‘Paraíso’ Racial. Futuro. Identidade nacional.

UM ESTUDO SOBRE A JORNADA DE MEMÓRIA E RESISTÊNCIA DE MAYA ANGELOU EM I KNOW WHY THE CAGED BIRD SINGS

Marcelli Claudinni Teixeira Osorio (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Maya Angelou, nascida Marguerite Ann Johnson, foi uma artista, poeta e escritora norte-americana (1928-2014). O Concise Oxford Companion to African American Literature (2001), no artigo biográfico dedicado a Angelou, destaca que sua autobiografia em série entrelaça de maneira harmoniosa suas experiências individuais com a história social coletiva dos afro-americanos (LIONNET, 2001, p. 8-9). As experiências de Angelou são representativas das mudanças que ocorreram na América desde o século XX. Seus trabalhos continuam a capacitar e dar voz àqueles que foram silenciados. O presente trabalho pretende estudar alguns aspectos de como Maya Angelou moldou seus escritos em I Know Why the Caged Bird Sings [Eu sei por que o pássaro canta na gaiola] (1969), sua primeira autobiografia, não apenas para contar sua história de vida, mas também para retratar o desenvolvimento da protagonista do desamparo à resistência contra o racismo e a segregação através da sua narrativa autobiográfica. Para tal estudo, utilizamos como base teórica os estudos de Sidonie Smith e Julia Watson (2001) sobre autobiografia e memória. Os escritos de Astrid Erll (2011) contribuem para um aprofundamento sobre as memórias individuais e coletivas como um ato de reconstrução. Os ensaios produzidos por Suzette A. Henke (2009), James Robert Saunders (2009) e Pierre A. Walker (2009) colaboram para a discussão sobre a forma escolhida por Angelou para apresentar suas memórias. Podemos entender que em sua primeira autobiografia, Angelou usa suas memórias e organiza sua narrativa de vida desde seus primeiros anos até a idade de dezessete anos. Como Smith e Watson notaram, a autora organiza os fragmentos da memória e reinterpreta o passado no momento da escrita (SMITH; WATSON, 2001, p. 16). Como resultado, a realidade do passado de Angelou é acessível através de suas escolhas sobre como organizar suas memórias na autobiografia acima mencionada (ERLL, 2011, p. 114-115). Pierre A. Walker enfatiza como a obra de Angelou demonstra unidade literária. O teórico também ressalta que Angelou moldou o material de sua história de infância e adolescência para apresentar um processo progressivo de afirmação da identidade, aprendendo sobre o poder das palavras e resistindo ao racismo (WALKER, 2009, p. 19). Smith e Watson destacam ainda que os atos autobiográficos podem funcionar como intervenção terapêutica (SMITH; WATSON, 2001, p. 22-23). Do mesmo modo, Suzette Henke concorda com as estudiosas ao afirmar que a história do trauma se torma um testemunho que promove a reintegração física ao ser transformada e reencenada como narrativa (HENKE, 2009, p. 113). Logo, Maya enfrenta desafios e se transforma em uma mulher forte. Portanto, é possível ver uma sequência de eventos na obra de Angelou que retrata a jornada de Maya Angelou de uma criança indefesa para alguém que começa a resistir de maneira sutil à segregação e ao racismo. No fim de sua primeira autobiografia, assume o controle de sua vida, luta para trabalhar, por seu filho e por um futuro brilhante. Assim, sugere-se que Maya Angelou constrói sua narrativa autobiográfica como um testemunho coerente, de maneira a demonstrar como superou um passado de impotência, sentimento de inferioridade e trauma, alcançando um senso de respeito próprio, sabendo como resistir ao racismo e à segregação com dignidade.

Palavras-chave: Autobiografia. Memória. Resistência. Maya Angelou. I Know Why the Caged Bird Sings.

Mesa 6 – Ensino de línguas: teorias e práticas (I) Debatedor: Paulo Parq (UERJ)

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO ATRAVÉS DO PDPI-2019 NA GEORGIA STATE UNIVERSITY

Débora Ferreira; Fernanda Pegurier; Sonja Voitovitch (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente projeto de comunicação tem como objetivo explanar como programas de formação de professores da educação básica, especificamente o PDPI – CAPES/Fulbright (Programa de Desenvolvimento de Professores de Inglês), contribuem para o aprimoramento pedagógico de professores de Inglês da rede pública municipal e, consequentemente, em um aumento na qualidade do ensino público. Além disso, o trabalho visa mostrar detalhes do programa mencionado, que é patrocinado pela CAPES em parceria com a Fulbright, e também de quais formas o incentivo contribuiu para a formação e aprimoramento pedagógico de três professoras de Inglês da rede pública municipal do Rio de Janeiro através da exposição de atividades e projetos desenvolvidos durante o curso de seis semanas proposto pela Georgia State University (GSU) nos Estados Unidos. Este projeto está dividido em três etapas distintas: apresentação, etapas e seleção do PDPI-2019; curso, aulas e projetos, e planejamento de aulas de inglês na Georgia State University; projeto CAPSTONE desenvolvido na GSU a ser implementado nas escolas públicas da rede municipal do Rio de Janeiro. Com o intuito de melhor ilustrar o passo a passo do trabalho, pode-se observar que a primeira etapa trata de um panorama geral do PDPI-2019 apresentando os principais objetivos do programa, elegibilidade de candidatos, etapas de seleção, categorias de classificação e como a CAPES e Fulbright estão para o incentivo. Em um segundo momento, é mostrado os elementos que compõem o curso de seis semanas nos Estados Unidos, exclusivamente das aulas estudadas na GSU e os planos de aula pautados em task-based learning desenvolvidos pelas três professoras de Inglês da Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro na mesma universidade. Ademais, explana como os eventos culturais propostos pela GSU abraçam os planos de aula construídos pelas professoras durante o curso. Na terceira etapa, as profissionais participantes do programa explanam sobre o projeto CAPSTONE, que é um conjunto de quatro planos de aula focado em task-based learning, desenvolvido durante o curso de seis semanas na GSU. O CAPSTONE explora aspectos linguísticos do Inglês utilizando a cultura estadunidense como pano de fundo com o intuito de ensinar língua e cultura entrelaçadamente. O objetivo geral deste trabalho é discutir como a formação contínua do professor de Inglês da educação básica pública é possível através de incentivos governamentais e, além disto, enaltecer como a implementação continuada de tais projetos pode contribuir para o aprimoramento do estudo de línguas adicionais aos estudantes da rede pública municipal do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Formação. Professor. Inglês.

A TEORIA DA COMPLEXIDADE APLICADA AO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS: CAMINHOS POSSÍVEIS

Marissol Rodrigues Mendonça da Fonseca (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Durante uma pesquisa em linguística aplicada, em meio a complicações inesperadas no curso da investigação, a teoria da complexidade surgiu como aporte teórico capaz de auxiliar na interpretação dos dados coletados e na compreensão do problema de pesquisa. Uma possível rejeição à disciplina de língua inglesa em um colégio público federal foi o fenômeno que buscamos elucidar, e a teoria do caos e da complexidade foi determinante para a compreensão global do evento investigado. A primeira autora a traçar paralelos entre a teoria do caos e da complexidade e o processo de aquisição de uma segunda língua foi Larsen-Freeman (1997). Inicialmente, a teoria se aplicava apenas às ciências da natureza e era utilizada para entender como os sistemas naturais se comportavam. Em suma, segundo essa tese, “existe uma ordem subjacente à aparente desordem” (PAIVA, 2014, p. 141) nos sistemas da natureza, que são complexos, dinâmicos e só existem em decorrência dos fluxos que o alimentam e na interação entre as coisas (KRAMSCH, 2011). Mais que um mero conjunto de estruturas gramaticais, a linguagem é um dos sistemas naturais e envolve múltiplas dimensões. Assim sendo, assumimos que a linguagem também se configura como um sistema complexo e dinâmico, dentre todos os outros que compõem a natureza. Há inúmeros níveis envolvidos nesse sistema: conexões neurais, aparelho fonador, indivíduos e suas idiossincrasias, comunidades, sociedade, história, cultura. E há também os subsistemas, que são interdependentes: “fonológico, morfológico, lexical, sintático, semântico e pragmático” (PAIVA, 2014, p. 144). Dessa maneira, não é mais possível conceber as línguas como sistemas fixos e fechados quando há tantos fatores interagentes envolvidos. A história das pesquisas no campo de aquisição de segunda língua (ASL) é marcada pela busca de uma explicação definitiva para esse processo. No entanto, até hoje não se chegou a um consenso. Existem também inúmeras teorias e modelos que pretendem dar conta do processo de ASL: behaviorismo, método direto, hipótese do input, sociointeracionismo e muitas outras. Elas falham em responder globalmente à questão da aquisição justamente porque tentam explicar esse processo por intermédio de suas partes e subsistemas, e não a partir do todo. Tais modelos apresentam visões fragmentadas de um mesmo sistema, pois desconsideram todos os outros fatores que influenciam na aquisição de uma língua. Sendo a aprendizagem um sistema complexo e adaptativo (devido à dificuldade de descrevê-la e à sua capacidade de adaptação às condições do ambiente), não é possível explicá-la com base em leis causais. Ela se configura como um sistema ativo, em constante movimento e que nunca chega ao equilíbrio (PAIVA, 2009). Nesse sentido, a teoria do caos e da complexidade traz novas possibilidades, conceitos e paradigmas para as ciências. No campo da Linguística especificamente, ela possibilita a conciliação de todas as teorias e modelos sobre aquisição de línguas, pois os conecta na medida em que cada um deles se propõe a explicar um fragmento do complexo fenômeno da aprendizagem. Enquanto os métodos de ensino e modelos de aquisição prévios se propunham a fornecer explicações objetivas e lineares, ignorando o papel do aprendiz, a teoria do caos reconhece que o conjunto de todas as variáveis do sistema (do indivíduo e do ambiente) e suas interações afetam imprevisivelmente o processo de aprendizagem de uma língua. Foi essa visão que nos possibilitou compreender que não era possível determinar com exatidão as causas do fenômeno estudado e nos libertou de uma ótica reducionista e determinista.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de línguas adicionais. Teoria do caos e da complexidade.

OS SINAIS METÓDICOS E A NOÇÃO DE TEMPORALIDADE NO COMPENDIO PARA O ENSINO DOS SURDOS-MUDOS

Priscila Costa Lemos Barbosa (ILE – Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Embora os estudos linguísticos sobre as línguas de sinais sejam ainda muito recentes em nosso cenário mundial, quando comparados às línguas orais, a discussão, investigação e metodologias sobre como ensinar surdos datam do século XVII e, ainda que os registros aos quais temos acesso não tenham sua origem na França, consideramos essa nação como primordial para o processo de gramatização das línguas de sinais no mundo, pelo fato de ter sido nela que se deu o desenvolvimento de uma metodologia estruturada, além de ter havido, por parte do criador do método, a preocupação com a valorização dos sinais como base para o ensino de pessoas surdas. Entendemos, assim, que será a partir dessa sistematização dos sinais que as línguas de sinais encontrarão sua própria ordem de formulação, adquirindo suas identidades próprias, porém com uma origem em comum com esse método. A história da língua de sinais brasileira compartilha de uma memória linguística da história da língua de sinais francesa, uma vez que será por meio dos sinais metódicos criados pelo abade de L’Epée, no século XVIII, que se dará a sistematização da língua de sinais francesa, espalhando-se para o restante do mundo, inclusive para o Brasil, ganhando, então, novos contornos. Ao chegar aqui, tal metodologia encontra uma realidade diferente: um país sem escolarização, com uma língua oral ainda em vias de identificação e nacionalização, além de um povo que começa a se reconhecer como independente; como brasileiro. Essa língua de sinais de historicidade europeia assume, assim, um papel de coadjuvante no ensino de alunos surdos brasileiros no primeiro instituto educacional de surdos no Brasil – o Imperial Instituto de Surdos Mudos, fundado pelo surdo francês E. Huet. Os sinais da língua francesa atuarão, pois, como um dos métodos de apoio, observados na obra Compendio para o Ensino dos Surdos-Mudos (1881), utilizado com vistas ao ensino da língua falada e escrita no Brasil pelo seu autor: Tobias Rabello Leite, diretor do Instituto nos séculos XIX e XX. Esse trabalho apresenta, pois, como objetivo, traçar um paralelo entre a estrutura dos sinais metódicos, desenvolvida no século XVIII pelo Abade Charles Michel de L’Epée, especificamente em relação ao aspecto sobre temporalidade contido na obra Institution de Sourds et muets par la voie des signes méthodiques (1776), comparando o ponto de vista de L’Epée ao que se encontra inscrito na obra Compendio para o Ensino dos Surdos-Mudos, da autoria de Tobias Rabello Leite (1881), diretor do Instituto. Para nossas análises, tomaremos como base o escopo teórico da História das Ideias Linguísticas (HIL), desenvolvida por Auroux (1992), na observação do processo de gramatização e institucionalização das línguas de sinais – Langue de Signes Française (LSF) e Língua Brasileira de Sinais (Libras). Sabendo que ambas as línguas apresentam filiação teórica dos sinais metódicos de L’Epée, estabeleceremos uma comparação entre elas em relação ao aspecto da temporalidade, observando como se deu o processo de reorganização do saber linguístico ocorrido na Libras, no deslocamento de uma língua para outra.

Palavras-chave: História das Ideias Linguísticas. Língua de sinais. Sinais Metódicos. Surdo. Temporalidade.

Mesa 7 – Linguagem e cognição Debatedora: Brizzida Caldeira (UERJ)

O QUE FAZER DEPOIS DO BRAINSTORMING? O USO DE MAPAS MENTAIS COMO ESTRATÉGIA METAVISUAL

Caio Mieiro Mendonça (Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da UFRJ)

Este trabalho propõe-se a discutir os resultados do uso de mapas mentais como recurso de organização das informações produzidas em sessões de brainstorming realizadas em grupo, nas turmas dos cursos de Redação do Projeto de Extensão Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC UFRJ), em que o autor atua como monitor/professor. Esta proposta de apresentação é um dos recortes de uma pesquisa de Mestrado em andamento que investiga, em linhas gerais, os efeitos da utilização do procedimento do brainstorming como estratégia de ensino de planejamento de textos argumentativos (em especial, artigos de opinião). Busca-se dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos anteriormente, que apresentaram, nesta ordem, a metodologia didática desenvolvida para o ensino do planejamento e a recorrência semântica das informações nas sessões de brainstorming e as funções do mediador na realização das sessões, a saber, Mendonça e Batista da Silveira (2018) e Gerhardt, Mendonça e Batista da Silveira (2019) e Gerhardt, Mendonça e Batista da Silveira (no prelo). O corpus de análise da presente pesquisa foi coletado em quatro sessões de brainstorming, com dois temas diferentes, realizadas em três turmas distintas do curso referido. As hipóteses defendidas aqui são que i) o uso de mapas mentais em sala de aula pode auxiliar na (re)interpretação dos temas propostos – mais do que recursos gráficos de organização de informações, mapas mentais operam na representação de grupos de informações que explicitam relações significativas de articulação de ideias (GERHARDT, MENDONÇA E BATISTA DA SILVEIRA, 2019) –, e ii) a sua utilização opera para o desenvolvimento dos conhecimentos metacognitivos e metavisuais dos alunos – sendo a metacognição definida como a tomada de consciência dos processos e das competências necessárias para a realização de determinada tarefa, o que requer tornar-se capaz de avaliar a sua execução e ainda de eleger estratégias de operação, de modo a assumir controle da atividade cognitiva (RIBEIRO, 2003); já a metavisualização refere-se a pensar sobre a visualização, que é um processo cognitivo de articulação entre imagens do mundo (visualização externa) e conhecimentos arquivados na memória, gerando imagens mentais (visualização interna) (LOCATELLI, 2014). Para isso, busca-se analisar o processo do brainstorming pela lente dos Estudos em Metacognição, especificamente, com base nos trabalhos de Almeida (2017), Locatelli (2014), Moreira (2010), Portilho (2011) e Ribeiro (2003); apresentar os conceitos manifestados nas sessões de brainstorming, e ainda demonstrar o passo a passo da elaboração dos mapas mentais utilizados em aula. Observou-se que o uso dos mapas mentais é capaz de esclarecer os caminhos interpretativos que se apresentam no procedimento do brainstorming, atuando, assim, na decodificação das informações produzidas nas sessões (por meio do desenvolvimento da metavisualização) e, com isso, colaborando no desenvolvimento dos conhecimentos procedimentais para a organização de ideias (logo, metacognitivos). Defende-se, portanto, a denominação dos mapas utilizados como “estratégia metavisual”, tendo e vista que sua aplicação como recurso didático estimula a metavisualização dos conceitos produzidos nas sessões. Objetiva-se, com este trabalho, conscientizar professores sobre a necessidade da aplicação de metodologias de ensino que apresentem conhecimentos procedimentais e foquem no desenvolvimento de saberes estruturais.

Palavras-chave: Mapas mentais. Brainstorming. Metacognição. Metavisualização.

INTERFACES POSSÍVEIS ENTRE LINGUÍSTICA COGNITIVA E FEMINISMO

Patrícia Oliveira de Freitas (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ) Sob os vieses cognitivista e feminista, propõe-se uma análise da conceptualização de nomes alternativos e jocosos para o órgão sexual feminino. Como princípio estruturante, admite-se que as restrições linguísticas em relação às partes erógenas do corpo humano são passíveis de serem contornadas por meio da mesclagem conceptual, um processamento cognitivo que viabiliza a diminuição da tensão provocada pela projeção preconceituosa direcionada à mulher, embora, em muitos casos, reafirme a sua condição de sujeição de maneira inusitada. A utilização do arcabouço teórico proposto pela Linguística Cognitiva (LC) para respaldar esta pesquisa justifica-se pelo entrelaçamento de três fatores estruturantes da construção de significação: o sistema cognitivo, a linguagem e a cultura. Sem desconsiderar o corpo nesse processo, já que se preconiza uma cognição corporificada, o entrecruzamento desses conceitos situa-se no próprio significado que, como salienta Kövecses (2006, p.3), “em suas diferentes facetas, é um aspecto crucial da mente, da linguagem e da cultura”. Assim, atrelar a empreitada da LC ao postulado do feminismo legitima-se, principalmente, pela junção corpo/mente, sem sobreposições de uma ou outra entidade. Acredita-se que a natureza dos corpos humanos seja o fator mediador entre a conceptualização e a realidade, isto é, o conceito do que é verdade é relativizado em função das experiências do corpo no mundo. Scholnick e Miller (2008, p. 249), ao questionarem a ausência do corpo nas constantes elevações da mente humana, ressaltam que o corpo que se deve buscar é o corpo vivido em particular, o corpo que é visto e que é a fonte de emoções e ações humanas. Em suma, é o corpo que serve como fundamento para colocar os indivíduos em categorias sociais propulsoras de uma autoidentidade, sendo “o corpo que forma uma ponte entre a mente e o mundo social” (idem). E argumentam que as pesquisas feministas podem encontrar esse corpo velado, já que priorizam as críticas ao pensamento dualístico que separa os pares masculino/feminino e mente/corpo, produzindo estereótipos que alinham a mente ao homem e o corpo à mulher. Assim, o movimento feminista questiona tais pares, abordando a questão da corporificação a partir da seguinte pergunta: “O que significa viver com um tipo particular de corpo em um mundo estruturado para categorizar e posicionar corpos?” (SCHOLNICK; MILLER, p. 250). Do ponto de vista linguístico, a epistemologia feminista assume uma perspectiva que se destoa da neutralidade. A assunção teórica fundamenta-se, dentre outros vislumbres, nas reflexões em torno das formas discriminatórias baseadas em gênero, quase sempre minimizando a condição feminina. A não neutralidade, portanto, é cunhada no domínio fonte de guerra, em que a linguagem é “como um local de luta sobre a palavra-significado” (MILLS, 2008, p.2). Isto posto, ratifica-se a proposta de análise de uma lista de nomes para a vulva, disponibilizada pelo site Desciclopédia, cujo repertório expressa um quantitativo elevado de designações para a vulva. Para tanto, incluem-se reflexões da Linguística Cognitiva e do postulado do feminismo sobre a construção de gênero, levando-se em consideração os valores culturais e experienciais que subjazem a tais denominações metonímico- metafóricas e de valor depreciativo.

Palavras-chave: Feminismo. Integração Conceptual. Linguística Cognitiva. Metáfora e Metonímia Conceptuais. Órgãos Sexuais.

A SÍNDROME DE WILLIAMS E AS RELAÇÕES ENTRE OS DOMÍNIOS COGNITIVO VISUO-ESPACIAL E LINGUÍSTICO: A INFLUÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO

Renata Martins de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A Síndrome de Williams-Beuren (SW), uma condição geneticamente determinada considerada rara (1:7500 a 1:25000) (HANNEKAM, 2010; UDWIN, 1990 STROMME, 2002) constitui uma condição genética particular: uma microdelação cromossômica que compromete uma região específica do cromossomo 7 (7q11.23). Para esta pesquisa, destaca-se a deleção de um gene específico, o LINK1, que é comumente relacionado às habilidades visuo-espaciais, e parece indicar relações possíveis entre sua deleção e o desempenho de indivíduos com SW em tarefas linguísticas que adicionam custos do domínio cognitivo visuo-espacial. De maneira a ampliar a investigação linguística iniciada por Oliveira (2016), a presente pesquisa avalia a performance dessa população nos denominados verbos de movimento e propõe a observação de quatro subtipos de verbos: (a) verbos de movimento e modo (A bola flutuou na piscina); (b) verbos de movimento e trajetória (A menina entrou no quarto); (c) verbos de movimento, modo e trajetória (A menina correu para a cozinha); e ainda os (d) verbos de movimento, modo e trajetória demarcada (A menina escorregou da cama até o chão). Esses quatro tipos de verbos de movimento serão utilizados em três tarefas cujo obtivo foi avaliar a compreensão e produção de indivíduos com SW em atividades linguísticas com demandas visuo- espaciais. No Teste de Compreensão de relações espaciais: verbos de movimento, os participantes são expostos a vídeos e frases selecionadas e a relação entre os mesmos foi analisada a partir de uma tarefa de julgamento de verificação de compatibilidade entre codificação linguística e eventos ocorridos; Já na Tarefa de Compreensão para derivar ações próprias (Seu mestre mandou), que em muitos aspectos se assemelha a uma Tarefa de Manipulação de objetos teve como objetivo principal analisar a compreensão de comandos que contenham informações relacionadas ao domínio cognitivo visuo-espacial bem como a transposição desta compreensão para a realização de movimentos. Por último, no Teste de eliciação de narrativas, os participantes devem, a partir de estímulos visuais, construir uma narrativa que contemple todas as ações expostas nos pequenos vídeos. O estudo encontra-se em andamento com a participação de quatro grupos formados por 15 crianças com SW, 15 adultos com SW, 15 crianças com desenvolvimento típico e 15 adultos com desenvolvimento típico. Todos os participantes foram também submetidos a uma avaliação linguística sem demandas visuo-espaciais, o MABILIN (Corrêa, 2012), com o objetivo de avaliar o domínio pleno de estruturas complexas da língua. Até o presente momento reportamos os resultados obtidos pelos grupos controle no teste de compreensão de relações espaciais que indicam efeitos de grupo e tipo de verbo. Nestes resultados, as crianças têm menos respostas-alvo que os adultos em todos os tipos de verbos, com exceção do tipo (a), sendo o tipo (d) o que apresenta maior dificuldade às crianças. Reportamos ainda o resultado obtido por um participante com SW que também sugere uma dificuldade maior na compreensão de verbos de movimento, modo e trajetória demarcada assim como observado nas crianças com desenvolvimento típico de 7 anos. Esse tipo de resultado destaca a maior facilidade com os verbos de movimento sem translação e a influência que o número de argumentos na codificação da trajetória traz para o custo na interpretação do evento linguisticamente codificado e a avaliação de sua compatibilidade com o evento efetivamente apresentado para as crianças. A partir desses resultados, a pesquisa segue a coleta de dados de maneira a avaliar se esse tipo de dificuldade também será encontrado nos demais instrumentos de avaliação e se esse resultado reforçaria a hipótese de que o domínio linguístico nesta população estaria intacto, havendo somente comprometimento do domínio cognitivo visuo-espacial que impacta indiretamente sua performance linguística.

Palavras-chave: Verbos de Movimento. Complexidade estrutural. Domínio visuo- espacial. Síndrome de Williams.

CONSTRUÇÃO CORRELATA ADITIVA: COGNIÇÃO E USO

Tharlles Lopes Gervasio (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Na trajetória dos estudos da gramática, podemos observar que, dentre muitas outras, a temática da dependência e independência de cláusulas constitui ainda algo movediço na área em que se insere. Alguns gramáticos apoiam suas análises sobre os mais diversos critérios disponíveis na língua: ora classificam-nas, dicotomicamente, como sintáticos ou semânticos, ora como discursivo-pragmáticos; outros, ao fazerem uso de linhas mais recentes de estudo, optam por mesclar tais critérios. Uma constatação bastante contundente de nossa afirmação, por exemplo, está no modo como é abordada a correlação pelos estudos gramaticais vigentes. Grande parte dos estudiosos tradicionais – possivelmente influenciados pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) – sequer a incluiu em seus compêndios. Assim, em determinado momento, ao consultarmos alguns desses textos como ferramentas de estudo, observamos que a nomenclatura e a classificação da correlação aditiva do tipo “não só... mas também”, por exemplo, se alteram de obra para obra. Isso ocorre principalmente quando levam em consideração os contextos exteriores ao texto – oral ou escrito. Posto isso, o presente trabalho tem como objetivo a investigação das características da construção correlata do padrão “não só... mas também”, aplicada ao discurso como correlatores (ROSÁRIO, 2012; 2018), com sentido aditivo, amalgamado a uma nuance de quebra de expectativa. A construção correlata aditiva em questão tem seu emprego bastante frequente em porções textuais de caráter expositivo-argumentativo (GERVASIO, 2016b). Com base nos conceitos teóricos apresentados pela Linguística Cognitiva, sobretudo a Gramática Cognitiva (LANGACKER, 1987; 1991; 1999; 2008), a Estrutura Informacional (LAMBRECHT, 1994) e a Pressuposição (FAUCONNIER, 1994, 1997; MARMARIDOU, 2000), intenta-se, também, examinar o contexto e a situação comunicativa em que a expressão se insere. Busca-se, ainda, no desenvolvimento desta pesquisa de caráter, predominantemente, qualitativo, observar os impactos sintático-semânticos, bem como os traços discursivo- pragmáticos evidenciados pelo emprego da construção em pauta e as mudanças de postura em relação a seus interlocutores mediante esse uso. O trabalho será desenvolvido a partir de registros escritos do Português do Brasil em uso, retirados dos editoriais da página virtual da Revista Veja. Nos editoriais, argumentos que fundamentam a ideia principal do texto são dispostos de modo a convencer o interlocutor acerca do posicionamento defendido por seu autor. Pretende-se confirmar, com essa pesquisa, a hipótese de que a construção correlata aditiva seria um processo e/ou mecanismo que, além de diferir dos processos canônicos de coordenação e subordinação, refletiria, na prática discursiva, um modo especial de processamento, em termos cognitivos, do entrecruzamento de informações distribuídas entre as partes dessa construção.

Palavras-chave: Correlação. Combinação de Cláusulas. Conectores. Linguística Cognitiva.

Mesa 8 – Ensino de inglês como língua estrangeiras Debatedora: Priscilla Figueiredo (UERJ)

MATERIAL DIDÁTICO DE INGLÊS NO CURSO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS APLICADAS ÀS NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA NOVA PROPOSTA

Alessandra Cristina Bittencourt Alcântara (UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras /CEFET-RJ)

O ensino de inglês em um curso de graduação é voltado para atender às necessidades dos alunos e do curso. A partir do processo de análise de necessidades, fundamental aos conceitos de Línguas para Fins Específicos, LinFE, este trabalho propõe- se a apresentar um projeto de língua inglesa sobre adaptação e elaboração de material didático baseada nos estudos de gênero (Swales, 1990; Bhatia, 2001; Ramos, 2005) e nas metodologias ativas (Moran, 2015) visando trabalhar a autonomia do aluno no curso de graduação LEANI, Línguas Estrangeiras Aplicadas à Negociações Internacionais, de uma instituição tecnológica do Rio de Janeiro. O curso LEANI visa desenvolver o conhecimento de três línguas estrangeiras: inglês, espanhol e francês e de diferentes áreas: Administração, Direito e Relações Internacionais. Por ter uma formação multidisciplinar, o curso demanda uma abordagem que não valorize apenas negócios mas também flexibilize tópicos abordados nas áreas mencionadas. Na verdade, não há registro em livros ou apostilas em inglês disponibilizadas à respeito de uma área tão diversificada. O material em inglês mais próximo da necessidade do curso LEANI está relacionado à área de Negócios, Business English, porém, este não satisfaz o curso em questão. Assim, o trabalho se justifica pela ausência de material em inglês que contemple um curso tão abrangente atendendo as necessidades do curso, dos alunos e da situação alvo. Tendo em vista que a proposta do curso LEANI objetiva a formação de um profissional dialógico que se diferencia da formação tradicional em línguas, deste modo, é fundamental um novo olhar para construir um material didático. Para Cope e Kalantzis (2016) há o entendimento que o mundo está em constante mudança assim como a elaboração de sentidos e representações do mundo do trabalho demanda reconsiderar novas abordagens do ensino-aprendizagem. O desejo é que os discentes deste curso possam se apropriar das línguas e com autonomia e criticidade possam agir socialmente em diversos contextos como negócios, ONGS, tradução, organização de eventos, revisão de textos, mediação de conflitos. Neste trabalho, busca-se o design de novos materiais, além da apresentação uma nova proposta pedagógica para o ensino de língua inglesa no curso LEANI. Entende-se que as línguas estrangeiras estão para além de seu caráter instrumental, pois ao atentar para o locus formativo (STREET, 2014) destes futuros profissionais e as múltiplas interações de seu caráter internacionalista ou de consultores linguísticos nos deparamos com a urgente necessidade de romper com as práticas tradicionais em ensino e aprendizagem de línguas. No entanto, a elaboração deste novo panorama demanda um enorme desafio também propõe a pesquisa e constante ressignificação de nossas percepções e reformulação de propostas.

Palavras-chave: Material didático. Inglês. LEANI.

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS EM PROPAGANDAS DE CURSOS DE INGLÊS

Anna Flávia da Silva Freire Renata Luz da Silva Leal (Programa de Pós-graduação em Letras da UERJ)

Este trabalho propõe-se a investigar a representação dos atores sociais em quatro peças de propagandas de cursos livres de inglês no Brasil. Pretende-se analisar de que maneira professores e alunos são representados verbalmente e visualmente nessas propagandas, bem como que tipo de relação há entre os atores sociais representados e o leitor/observador e que efeito(s) essas escolhas causam no leitor/observador. Tal análise terá como arcabouço teórico a teoria da representação dos atores sociais do linguista Theo Van Leeuwen, com o objetivo de analisar a maneira como certas ideologias são organizadas no discurso, bem como possivelmente revelar eventuais significados escondidos ou implícitos no discurso de textos e imagens. A investigação de tais propagandas sob a ótica da análise do discurso pode revelar o conceito que as escolas de inglês analisadas têm sobre os professores e sobre o ensino de língua inglesa, e consequentemente, as expectativas de tais escolas em torno dos professores. Pretende- se confirmar ou refutar a hipótese de que o professor de língua inglesa é visto como entertainer, cuja função seria de manter os alunos entretidos com aulas divertidas em lugar de atuar de fato como professor de língua inglesa e educador. No que diz respeito às fotos, foram analisados aspectos circunstanciais, como a escolha do ângulo, e sociais, como a representação dos estudantes e professores ou monitores. Em relação ao texto, foram analisadas a inclusão ou exclusão de professores ou monitores e alunos, bem como a escolha de palavras utilizada para representar os atores sociais. Considerou-se ainda, de que forma as imagens e os textos se relacionam. Dessa forma, pretendeu-se estudar os efeitos que essa representação de alunos e professores provocam no leitor/observador e as possíveis ideologias escondidas em tais representações. O corpus da análise consiste em duas peças de propaganda do curso de idiomas Fisk e duas do curso de inglês Cultura Inglesa (Rio de Janeiro), retiradas da página oficial das empresas no Facebook, no período de abril a junho de 2019. Foram analisadas as fotos e o texto que as acompanha em posts feitos pelas empresas no Facebook. O propósito comunicativo dos textos multimodais selecionados é atrair novos estudantes para os cursos de inglês. A análise do corpus demonstrou que as propagandas das escolas em questão retratam os alunos se divertindo e o professor como mediador de atividades divertidas, dinâmicas e tecnológicas. A análise apontou ainda, que não se faz menção a estudar inglês como uma atividade sistemática ou ao esforço individual que se espera que seja feito pelo estudante. Similarmente, a análise demonstrou que por duas vezes a figura do professor é excluída da representação visual, dando-se destaque à experiência de diversão do estudante. A interpretação dos dados indicou que essas empresas promovem para o público o curso de inglês como um ambiente de descontração no qual o aluno terá momentos de diversão e o professor será o mediador dessas atividades. Concluiu-se que é de suma importância que o professor de inglês esteja atento às representações dos atores sociais propagadas por cursos de idiomas, visto que dessa forma, o professor saberá o que essas empresas esperam do seu trabalho e terá uma visão mais clara da filosofia de ensino de tais instituições, estando então apto a se posicionar contra ou a favor de tais ideologias.

Palavras-chave: Atores sociais. Representação. Professores de inglês. Língua estrangeira.

MESCLAGEM CONCEPTUAL, MULTIMODALIDADE E ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM NA AQUISIÇÃO LEXICAL EM INGLÊS ATRAVÉS DE JOGOS DE VIDEOGAME DE RPG

Luciana Braga Carneiro Leão Junqueira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A presente comunicação apresenta os resultados obtidos na pesquisa que resultou em minha tese de doutorado. Tal pesquisa foi desenvolvida a partir da introspecção dos participantes e seu objetivo foi o de analisar o conhecimento lexical em inglês como língua adicional adquirido através da formação e expansão de modelos cognitivos idealizados e frames na mente de jogadores durante a leitura extensiva propiciada por jogos de videogame de RPG, gênero esse rico em insumo multimodal. Para tal, a introspecção por parte dos participantes durante o jogo foi a principal fonte de coleta de dados, triangulada com dados provenientes de entrevistas semiestruturadas e testes lexicais. Os participantes da pesquisa são aprendizes de inglês como língua adicional em nível iniciante. Como resultados, são apresentadas propostas de representação dos modelos cognitivos idealizados e frames (FAUCONNIER, 1994) desenvolvidos pelos participantes durante o processamento cognitivo do vocabulário em inglês apresentado durante a fase jogada, bem como discussões sobre os processos que levaram aos seus desenvolvimentos, que apontaram para o uso de estratégias de aprendizagem por parte desses jogadores. Dessa forma, pretende-se compreender como os modelos cognitivos idealizados e frames em inglês como língua adicional dos aprendizes se formam e expandem durante o ato de jogar videogames de RPG. Nesse intuito, foram analisados os processamentos cognitivos de inglês como língua adicional desencadeados pelo jogo de videogame de RPG, as estratégias de aprendizagem (OXFORD, 1999; 2017; CARDOSO, 2016) empregadas pelos participantes, a mesclagem conceptual (FAUCONNIER, 1997) entre modelos cognitivos idealizados em língua materna e em inglês como língua adicional durante o jogo, e o grau de contribuição da multimodalidade (KREES; VAN LEEUWEN, 1996; HEMAIS, 2015) na mesclagem conceptual desses modelos cognitivos idealizados. A premissa da presente pesquisa era a de que a redundância de informações provida pela multimodalidade presente nos jogos de videogame de RPG permitiria a formulação de hipóteses de modelos cognitivos idealizados na língua adicional a partir de modelos já existentes em língua materna, e que essas informações multimodais eram observadas e raciocinadas pelos jogadores através do uso de estratégias de aprendizagem. Tal premissa foi corroborada pelos dados analisados, através dos quais foi possível concluir que as hipóteses elaboradas pelos aprendizes são levantadas através de estratégias de aprendizagem relacionadas ao uso da multimodalidade, testadas pelos mesmos através do processo de mesclagem conceptual e, consequentemente, comprovadas ou reformuladas, desencadeando o aprendizado de inglês como língua adicional. Este estudo está baseado nos preceitos da Linguística Cognitiva e, em especial, a teoria dos espaços mentais e o processo de mesclagem conceptual, bem como no estado da arte em aquisição incidental de léxico (MONTEIRO, 2015; MONTEIRO, 2010; SOUZA, 2007; BASSO, 2007; KRASHEN, 2004; LEFFA, 2000), multimodalidade, ensino- aprendizagem na cibercultura e tecnologias digitais (ZACHARIAS, 2016; CARDOSO, 2015; CARDOSO, 2013; SANTAELLA, 2013; BRAGA, 2013; RABELLO, 2012; DEMO, 2012; SILVA, 2011; PRENSKY, 2007), estratégias de aprendizagem e jogos de videogames de RPG (WIELEWICKI, 2017; THABET, 2017; LEÃO JUNQUEIRA, 2016; MAGNANI, 2015; LEÃO, 2014; LEMOS e DÁLVI, 2013; ADAMS, 2013; SOARES, 2012; KAPP, 2012; FIGUEIREDO, 2011; COSTA, 2010; GOMES, 2009; SANTAELLA e FEITOZA, 2009; SANTAELLA, 2009; SHUM, 2009; POLTRONIERI, 2009; KOSTER, 2005 ; JUUL, 2004; GEE, 2003; ADAMS e ROLLINGS, 2003).

Palavras-chave: Mesclagem conceptual. Multimodalidade. Estratégias de aprendizagem. Aquisição lexical em inglês. Videogames de RPG.

DISCUTINDO A QUESTÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM UMA ATIVIDADE COM MÚSICA NO ENSINO DE INGLÊS: UMA ABORDAGEM INTERCULTURAL

Paulo Roberto Parq Alves Pedreira (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Desde o ano de 2001, a Organização Mundial de Saúde caracteriza a dependência química como um transtorno psiquiátrico, ou seja, como uma doença. Contudo, dada a ligação da doença com questões socioculturais, muitas parcelas de nossa sociedade a encaram como um problema meramente comportamental, fomentando a pavimentação de práticas e políticas públicas excludentes e caracterizando o dependente químico como um simples criminoso. Tendo em vista a complexidade do tema, o qual não deve ser tratado como tabu, pode-se afirmar que é responsabilidade, não somente dos profissionais da área da saúde, como também de profissionais da educação, combater preconceitos e conscientizar a população sobre tal questão. Ademais, diante do contexto de extrema dicotomia sócio-política pela qual o Brasil passa nos últimos anos, a diversidade cultural precisa ser defendida e preservada, estando diretamente ligada ao desenvolvimento de empatia – que pode acontecer concomitantemente com o desenvolvimento da competência intercultural, principal objetivo da abordagem comunicativa intercultural para ensino de idiomas. Com o surgimento e estabelecimento do processo de globalização, pessoas oriundas de diferentes regiões, inseridas em diversas culturas, passaram a interagir entre si, e, por questões políticas e econômicas, a Língua Inglesa acabou se tornando o principal meio de comunicação nesse cenário, unindo falantes não nativos de diferentes nacionalidades. Sendo assim, para que essa comunicação se dê de forma efetiva, não basta apenas que as pessoas aprendam a falar em inglês, mas que compreendam como e com quem elas utilizam o idioma. Para tanto, faz-se necessário o desenvolvimento da competência intercultural dos indivíduos e ser competente por essa perspectiva não é somente saber se comunicar com pessoas de outras nacionalidades – indivíduos precisam aprender a se relacionar com pessoas de outros grupos que não necessariamente estejam relacionados a uma identidade nacional, mas sim inseridos em distintas culturas. Podemos apontar tal disparidade dentro da mesma cidade, por exemplo: pessoas oriundas de diferentes bairros e regiões podem apresentar distintos valores e costumes e precisam conviver e se comunicar da forma mais efetiva possível. Além disso, é parte do senso comum o papel desempenhado pela música no ensino de línguas, por seus aspectos poético, metafórico e motivacional, além de difusora de opiniões. A música pode ser utilizada como meio para ampliar o conhecimento dos alunos além de tópicos linguísticos, especialmente considerando-se que seu uso é uma prática amplamente difundida entre professores do idioma, especialmente no ensino de inglês como língua adicional, geralmente como atividades extras, buscando lapidar a compreensão oral e ampliar o vocabulário dos alunos de forma lúdica. A proposta do presente trabalho é demonstrar como podemos desenvolver competência intercultural de forma leve e divertida, por meio de uma atividade produzida e aplicada com alunos adultos, de nível intermediário a avançado, aprendendo inglês como língua adicional, utilizando as letras das músicas Chandelier, composta e interpretada pela cantora Sia e Rehab, composta e interpretada pela cantora Amy Winehouse.

Palavras-chave: Ensino de Inglês como Língua Adicional. Letras de Música. Competência Intercultural.

Mesa 9 – Camilo Castelo Branco: criador e personagem / O Feminino na literatura Debatedor: Felipe Lima da Silva (UERJ)

A SEXUALIDADE NO ROMANTISMO PORTUGUÊS DE CAMILO CASTELO BRANCO

Amanda de Carvalho Ferreira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O século XIX pode ser tratado como um momento de evolução e mudanças no pensamento e convívio social em Portugal e no resto do mundo. Em meados desse tempo, novos hábitos e costumes se popularizavam, e a mentalidade e convenções sociais mudavam significativamente. Com a expansão da vida noturna incentivada pela iluminação pública, os serões de piano, bailes e teatros eram aos poucos incorporados à vida social portuguesa, possibilitando uma pequena abertura nessa sociedade e, consequentemente, um segundo fenômeno: a mulher portuguesa permeando o entrelugar entre a esfera pública e a privada ao fazer parte dessa nova sociabilidade burguesa, como pontua Vaquinhas (2005). A cultura romântica tem papel também importante nos modelos de erotismo construído de maneira sublimada, como na literatura de começos do século XIX. Pode-se concluir de tal observação que a literatura foi um forte pilar dessa sexualidade e dos novos costumes que entravam em voga. Numa visão dinâmica e geral da representação literária se constata que os romances românticos mostram essa nova liberdade, ao passo em que também se ancoram em falseamentos. Quando se pensa sobre a sexualidade, entretanto, o que se tem na literatura romântica é um terreno de difícil análise e pouco estudado nos tempos atuais. Para fins de comparação e melhor compreensão do elemento da sexualidade, é de relevância afirmar que atualmente as temáticas acerca da literatura pornográfica e licenciosa têm ganhado destaque no âmbito dos estudos literários. Posta tal constatação, é preciso ressaltar que a temática da sexualidade se fez presente não só de forma mais escancarada e aberta, como nos livros libertinos e pornográficos; a literatura romântica perpassa por essas questões e muito pouco se discute sobre isso, e acerca da forma alusiva com que esse estilo literário trata de um tema de tamanha complexidade. O discurso sobre a sexualidade presente no romantismo é inserido de maneira velada, e, por isso, muitas vezes ignorado ou tratado erroneamente como ultrarromântico. O que se pode perceber, após estudos e análises, é que o véu das convenções sociais e a adequação do texto ao público, em grande parte formado por mulheres, explicam a forma peculiar de se tratar sobre essa temática no cânone romântico lusitano. Para se observar a forma como a sexualidade aparecia na literatura romântica, foram selecionados dois romances de Camilo Castelo Branco: Livro de consolação e A doida do Candal. É de extrema importância marcar que a sexualidade nesse tipo de literatura aparece quase sempre sob o signo da alusão, isto é, de uma maneira bastante sublimada e por meio de sugestões e comparações, preservando o véu das convenções sociais que ainda não tinha sido completamente retirado, como ressalta David (2012). É preciso também que se considere que o leitor do século XIX estava familiarizado, de certa forma, com a maneira de se abordar o tema da sexualidade na literatura romântica. O domínio dos códigos utilizados nessa literatura era algo comum, o que requer treino e algum esforço do leitor do XXI, além de consciência e pleno domínio dos códigos sociais vigentes no tempo da literatura romântica para enxergar a sexualidade e suas nuances retratadas ao modelo do romantismo, de forma a desmitificar a ideia do senso comum, que vê essa literatura como sentimentaloide e morna. Alguns exemplos comuns de códigos sociais para a sexualidade encontrados em Camilo Castelo Branco e em outros autores do romantismo português são: o fato de o adultério ser em certa medida tolerado se fosse realizado de forma sigilosa, a importância da virgindade feminina, o sentimentalismo como expressão do desejo sexual, os dotes para se arranjar um bom casamento e os limites que eram permitidos às mulheres.

Palavras-chave: Camilo Castelo Branco. Sexualidade. Romantismo português.

DESVIO DOS ESTEREÓTIPOS DE FEMINILIDADE: UMA LEITURA SOBRE TRÊS PERSONAGENS CAMILIANAS

Amanda Regina dos Santos Lourenço (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O século XIX representa um período de intensas transformações sociais, ocasionadas pelos desdobramentos da Revolução Francesa, ocorrida no século anterior. Dentre os principais vestígios deixados pelo movimento revolucionário francês, com os quais as sociedades europeias passaram a se reestruturar, ressalta-se a reorganização dos papeis de gêneros. Em linhas gerais, o patriarcado oitocentista exigia do sexo feminino uma postura passiva e dominada pelo sujeito masculino. Além disso, há que se observar que nesse período, as mulheres vivenciaram um maior cerceamento da sua circulação social, fato de menor ocorrência nos momentos anteriores. No entanto, nota- se que, apesar dessa imposição patriarcal, havia movimentos de resistência das mulheres como, por exemplo, as lutas em prol do sufrágio universal. Com base nessas informações, é interessante observar como essas tensões sociais apareceram na literatura portuguesa produzida no período, já que as obras literárias podem, dentre outras possibilidades, fornecer-nos um panorama acerca de um momento histórico. Para esta análise de convergência entre literatura e sociedade, a obra do autor Camilo Castelo Branco demonstra ser relevante. Castelo Branco foi um dos poucos escritores portugueses profissionais do século XIX e, por essa razão, precisava estar atento às transformações sociais e às expectativas do seu heterogênico público leitor, tal necessidade estava associada à fidelização e à angariação de novos leitores. No que tange as questões de gênero, a obra camiliana também se revela pertinente para esta investigação, especialmente, porque suas personagens, principalmente as femininas, são permeadas de camadas que inviabilizam uma única perspectiva analítica. Por isso, pode-se observar o modo como Camilo Castelo Branco criou personagens dúbias, na medida em que oscilam entre posturas desviantes e o atendimento aos estereótipos patriarcais pré- estabelecidos. Neste último caso, fica evidente na obra do autor que, se ao homem cabia à racionalidade, a energia e a força, às mulheres cabiam a emoção, a debilidade e a vulnerabilidade; qualquer comportamento feminino que fugisse dos papeis impostos pela masculinidade, estava caracterizado como um desvio que seria refreado pela estrutura patriarcal. Para ilustrar esse ponto de vista, destacam-se três personagens femininas do romancista, que compõe o objeto de investigação deste trabalho, a saber: Albertina, de A Filha do Doutor Negro, e Mariana e Teresa, de Amor de Perdição. Albertina é uma das poucas protagonistas negras da literatura portuguesa, rompendo com o ideal de feminilidade romântica que atribuía, costumeiramente, a beleza e o protagonismo para mulheres brancas. O protagonismo da personagem é emblemático, devido ao período em que a obra foi publicada: época em que diversas teorias raciais segregacionistas circulavam pela ciência e pela cultura europeia. Além das questões raciais incidirem fortemente sobre a sua trajetória, Albertina também passa a maior parte da narrativa resistindo contra o patriarcado em busca da sua realização amorosa. Teresa e Mariana, por outro lado, se enquadravam no padrão estético da branquitude oitocentista, mas não no padrão comportamental. As duas personagens subvertem o patriarcado em prol das suas realizações amorosas, ainda que no caso de Teresa essa subversão ocorra de modo mais restrito se compararmos a sua trajetória com a das duas outras personagens. Portanto, este trabalho tem por finalidade partir dessas personagens para estabelecer uma reflexão sobre o que faz com que elas se distanciem dos estereótipos de feminilidade. Para isso, serão observadas questões relacionadas à estética feminina do século XIX, às relações de obediência e desobediência, aos padrões comportamentais e seus desvios, além de refletir sobre como a emancipação feminina, ainda que restrita, é sinônimo de perdição para os personagens masculinos das obras supracitadas.

Palavras-chave: Camilo Castelo Branco; subversão feminina; século XIX; Amor de Perdição; A Filha do Doutor Negro.

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM CAMILO CASTELO BRANCO EM FANNY OWEN, DE AGUSTINA BESSA-LUÍS

Fabiana de Paula Lessa Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Temas pertinentes à cultura portuguesa tiveram um olhar atencioso, por que não, amoroso de Agustina Bessa-Luís, como se percebe na obra em estudo e em tantas outras. Lembrando Barthes (2013), cada uma tem um sabor da terra, especialmente, nortenha construído pelas palavras às vezes doces, outras amargas, de fina ironia. A escritora baseia-se numa história real transcorrida em meados do século XIX no Norte de Portugal para construir seu romance histórico Fanny Owen (1979). Apropria-se das histórias contadas sobre o episódio por Camilo Castelo Branco e relatadas nos diários íntimos de Fanny Owen e José Augusto Pinto de Magalhães. Inova ao trazer o próprio Camilo/escritor para o espaço ficcional como personagem. Apesar do título centrar-se na figura de Fanny Owen, observa-se que, ao longo do romance, é a conflituosa amizade entre José Augusto e Camilo Castelo Branco que ganha destaque. Todavia, é inegável a importância da jovem, já que se encontra no centro das discussões entre eles. Fanny Owen conta uma história de amor que deve a sua singularidade à mistura de vários ingredientes: por um lado, o uso da língua, caracterizado por um tom intimista, byroniano, bem ao estilo romântico que vai ambientar a narrativa. Por outro lado, a representação da sociedade da época (em transformação) com seus velhos e novos hábitos, costumes. E sem deixar de observar a essência humana, nas suas expressões mais sublimes e mais desventuradas. Baseia-se em fatos ocorridos no século XIX, no meio da juventude boêmia, mas intelectual, do Porto, da qual fazia parte os escritores Camilo Castelo Branco, José Augusto, José Vieira de Castro. Além de narrar a vida da jovem romântica, filha do oficial inglês Hugo Owen, “conselheiro de D. Pedro”, que se deixara envolver pelo amor, um amor intenso que a leva a um fim trágico. A proposta deste trabalho é refletir sobre a construção do personagem Camilo Castelo Branco no romance Fanny Owen de Agustina Bessa-Luís. A escritora portuguesa tece o jovem Camilo em busca de seu espaço no meio intelectual português que não se dará de maneira simples, sem intensos conflitos. Não é considerado um bom poeta e, como folhetinista, já traz a acidez nas palavras, provocando grandes dissabores. Além da própria vida pessoal tecida fio a fio por polêmicas diversas. E a aproximação com seu amigo também poeta José Augusto se dará, inicialmente, por não serem bem aceitos socialmente. A autora revisita o século XIX para contar a trágica história do suposto triângulo amoroso protagonizado por personagens inspirados em pessoais reais: a jovem inglesa Fanny Owen, o morgado de Lodeiro José Augusto Pinto de Magalhães e o jovem Camilo Castelo Branco. É baseada em fatos reais, passa-se na metade do século XIX, mais precisamente no Norte de Portugal, embora as personagens se desloquem entre Lisboa, Porto e Coimbra, concentrando-se no Porto, trazendo à luz a vida social do país.

Palavras-chave: Agustina Bessa-Luís. Romance. Personagem. Camilo Castelo Branco. Século XIX.

A NOTÁVEL VOZ FEMININA NEGRA QUE ECOA EM O CRIME DO CAIS DO VALONGO DE ELIANA ALVES CRUZ

Danielle da Silva Leal (Programa de Pós Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho analisa a narrativa e trajetória de Muana, narradora- personagem, bem como as questões que envolvem o corpo negro feminino na obra O crime do Cais do Valongo (2018) de Eliana Alves Cruz. O estudo centra-se em torno das personagens escravizadas, dentre elas a protagonista Muana, jovem de aproximadamente 20 anos que revela sua experiência de vida e aproxima o leitor por meio do esfacelamento vivido por ela. Nesse sentido, a temática da escravidão sob a ótica de uma mulher que vivenciou essa barbárie - ela aprendeu sozinha uma língua diferente da sua para sobreviver, é inteligente e “preta de confiança” de seu “sinhô” – que resiste, apesar de tudo e sobretudo. Além disso, o olhar sobre os costumes, rituais e crenças também é forte ao longo da narrativa, que evidencia e denuncia a imposição sofrida por aqueles que foram tirados de seus territórios à força. A opressão que os africanos suportaram é um fator que leva à reflexão sobre esse período histórico que silenciou milhares de vozes durante 300 anos de tortura, apagamento e negligenciamento desse povo, ao serem trazidos para o nosso país. Esse processo foi violento, doloroso e penoso para aqueles que tiveram suas famílias separadas, seus territórios invadidos e, principalmente, seus corpos violados. A apropriação do corpo negro tem consequências desastrosas para a sociedade atual. Todas as questões referentes a esse período não foram resolvidas e as cicatrizes assombram a todos. O que foi subtraído dos negros escravizados é apontado na narrativa de Eliana Cruz: território, família, práticas religiosas, crenças, dignidade, humanidade e vida. O enfoque dado neste trabalho é sobre a não identificação da personagem em uma cidade estranha para ela, com uma nova vida marcada pela objetificação de seu corpo. A narradora-personagem Muana era mais uma negra, considerada mercadoria aos olhos alheios, porém não se mostrava indiferente ao processo de seu corpo ser “avaliado” como objeto; ela se questionava acerca de tudo o que estava vivenciando: “eu faço parte da paisagem dos que provocam medo nas pessoas e não o contrário. Eu ri gostosamente quando me dei conta disto.” (grifo meu, 2018, p.77). O reconhecimento identitário de Muana, enquanto integrante daquela população negra marginalizada e subjugada se (re)afirma conforme sua história nos é contada, sem deixar de lado sua origem que se ressignifca quando rememora suas crenças. Nesse contexto, pensar na naturalização do pertencimento como ponto de reflexão para o processo de construção de identidade da personagem, o qual percorre por seu corpo-negro-objetificado. Os corpos de muitos outros milhares de negros e da jovem recém-chegada ao Rio de Janeiro refletem as cicatrizes escravocratas, marcadas, sobretudo, em suas peles. O tom mais retitnto de sua cor é passível de identificação e ratifica o triplo estigma sofrido pela mulher negra: de ordem social, de gênero e de raça. Tendo como base sua história de vida e, considerando que a personagem mantém viva na memória sua origem e tudo o que representa sua vida em África, há um distanciamento do que era esperado para ela: apagamento de sua voz. Portanto, o caminho encontrado para inverter essa lógica é por meio da narrativa de sua trajetória de empoderamento. É latente a potência da escrita feminina negra no contexto de consternação apresentado ao leitor. As marcas permanecem e a importância da narrativa faz-se urgente como possibilidade de resgate e persistência da nossa história em nossa memória.

Palavras-chave: Corpo negro feminino. Pertencimento. Identidade. Resistência. Literatura negro-brasileira.

Mesa 10 – Língua Espanhola: discursos e ensino Debatedor: Tharlles Lopes Gervasio (UERJ)

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NAS AULAS DE E/LE PARA UMA EDUCAÇÃO SIGNIFICATIVA: UM COMPARATIVO ENTRE DIFERENTES ESCOLAS ESTADUAIS DO RIO DE JANEIRO

Lidnes da Silva Barreto Freixieiro do Couto (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira (1998) apontam a inviabilidade para o ensino das quatro habilidades comunicativas (ler, escrever, falar e ouvir), nas escolas brasileiras pela sua realidade atual e sugerem o ensino de Língua Estrangeira com o foco na compreensão leitora, justificando que esta habilidade está presente nos exames vestibulares e nos principais concursos. De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), a disciplina de Língua Estrangeira na escola deve ensinar a língua e, ao mesmo tempo, levar “à compreensão do conceito de cidadania enfatizando-o” (OCEM, 2006, p. 91) Para construir um ensino pautado na leitura é necessário construir práticas de ensino coerentes, voltadas para a cidadania e o conhecimento de mundo do aluno. Na rede de Educação do Estado do Rio de Janeiro, existem três tipos de escolas de Ensino Médio que ensinam Espanhol: as escolas que têm o Espanhol como disciplina optativa (Língua Estrangeira Optativa), nestas a disciplina só tem um tempo de aula semanal; as escolas que têm o espanhol como disciplina obrigatória (Língua Estrangeira Obrigatória), nestas a disciplina têm dois tempos de aula semanal e o Colégio Estadual Hispano Brasileiro João Cabral de Mello Neto - Escola de Ensino Médio bilíngue, Intercultural Brasil- Espanha, que, além da aprendizagem da língua espanhola, possibilita aos alunos ampliação dos conhecimentos de diversas áreas de estudo, como Sociologia, Filosofia, História e Geografia espanholas e hispano-americanas, Língua e Literatura espanholas e hispano-americanas. Este trabalho busca analisar as visões sobre o aprendizado de leitura nas aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (doravante E/LE) do Ensino Médio, nas diferentes realidades de ensino de Espanhol da Rede Estadual do Rio de Janeiro. Para tanto, buscou-se apuração de dados quali-quantitativos junto a professores e alunos de Espanhol de determinadas realidades de ensino, partindo da compreensão de que a escola envolve sujeitos com diferentes práticas sociais de uso da leitura e que, consequentemente, constroem distintos significados nas atividades de leitura nas aulas de E/LE. Por meio da comparação de como é trabalhada a leitura nas referidas escolas, a presente pesquisa se volta para o material de leitura elaborado pelos professores entrevistados na intenção de verificar que concepção de leitura fundamenta o seu trabalho e analisa os fatores que implicam no processo ensino-aprendizagem com o foco na leitura. O referencial teórico que fundamenta o trabalho pauta-se nos estudos sobre o processo de leitura nas aulas de espanhol, definições de leitura e sua importância, as concepções e estratégias leitoras, a importância dos gêneros textuais no processo de ensino– aprendizagem de E/LE de acordo com Solé (1998), Leffa (1989), Kleiman (/1997), Bakhtin (2000) e Marcuschi (2006). Esta pesquisa defende, diante das diferentes perspectivas de processamento de informações do texto, o modelo interativo, pois ele contribui para a formação do aluno não como decodificador linguista, mas como um sujeito leitor e crítico sendo um produtor do sentido do texto juntamente com o autor, o texto e o contexto. Esta pesquisa defende, diante das diferentes perspectivas de processamento de informações do texto, o modelo interativo, pois ele contribui para a formação do aluno não como decodificador linguista, mas como um sujeito leitor e crítico, sendo um produtor do sentido do texto juntamente com o autor, o texto e o contexto.

Palavras-chave: Ensino de leitura nas aulas de E/LE. Formação de professores. Material didático. Modelo Interativo.

AMÉRICA LATINA E ESPANHA... IRMÃS? : ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRÓLOGOS DAS GRAMÁTICAS DE ESPANHOL DE 1847 E 2009

Lisiane Masson Bastos (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este trabalho tem como objetivo verificar a manutenção da imagem de irmandade entre as nações que falam espanhol na América e a Espanha nos prólogos da Gramática de la lengua castellana destinada al uso de los americanos, de Andrés de Bello (1847) e da Nueva Gramática de la lengua española, da Real Academia Española e Asociación de Academias de la Lengua Española (2009). As gramáticas são instrumentos linguísticos (AUROUX, 1992) ainda muito utilizadas como forma de ensino, escritas segundo determinada imagem de língua e em seus prólogos podemos compreender o contexto sócio-histórico em que foram elaboradas, pois, segundo Orlandi (1990), o prólogo “contextualiza-a [a obra], por meio de suas condições de produção, inserindo-a em um processo discursivo.” Considerando isso, poderemos fazer uma análise dos prólogos das gramáticas, buscando seus efeitos de sentido com relação à imagem de irmandade que pressupõem, e sua relação com a questão das variantes linguísticas, uma vez que o sentido é histórico, logo, ideologicamente determinado. Para isso, utilizamos como aporte teórico as contribuições da Análise do Discurso de linha francesa no Brasil (ORLANDI, 1997) e da História das Ideias Linguísticas (AUROUX, 1992). No âmbito hispânico, a Espanha manteve, e podemos dizer que ainda mantém, uma tradição na elaboração e publicação de instrumentos linguísticos que foram considerados, e muitas vezes ainda são, os “oficiais” para o ensino e aprendizagem da língua espanhola, inclusive nos países da América Latina. Houve, nos séculos XIX e XXI, períodos dos prólogos das gramáticas aqui analisadas, dois acontecimentos importantes para a relação desses países entre si e deles com a língua espanhola: a independendência da maior parte das ex-colônias da Espanha e a consideração do conceito de panhispánico na elaboração de uma gramática académica, respectivamente. Com a independência, a relação entre a Espanha e os países da América Hispânica, depois de um tempo, procurou ser mais harmoniosa, pois com a independência os países poderiam “fragmentar” o espanhol, algo que a Espanha não queria que acontecesse. Dessa forma, no prólogo da gramática de 1847, de Andrés Bello, diferentemente de prólogos anteriores, a relação imaginária que se constrói entre as diversas nações é a da irmandade. Constrói-se uma imagem de família, de relação fraternal entre as nações, embora a Espanha continue aparecendo com uma imagem paternal, assim como sua variedade linguística é considerada como o modelo a ser seguido. É interessante perceber que essa imagem de fraternidade é retomada, explicitamente, no prólogo da gramática de 2009, elaborada pela Real Academia Española (RAE) e Asociación de Academias de la Lengua Española (ASALE). Nota-se o que Auroux (1992) diz com relação a que o saber não destrói seu passsado, mas sim o organiza, o escolhe, o esquece, o imagina. É retomado nesta gramática considerada “oficial” e, assim como na de Andrés Bello, nessa relação imaginária de irmandade na verdade prevalece a Espanha e sua variedade linguística, pois, por exemplo, percebe-se que durante o processo a RAE teve mais funções e destaques na elaboração da gramática e, inclusive, como escrevemos acima, diversas vezes a RAE se colocou, na escrita, separadamente da ASALE, sendo que a RAE faz parte da ASALE. Com isso podemos perceber que, apesar dos anos, na relação entre a Espanha e os países da América Hispânica, no que diz respeito à língua espanhola, à autoridade sobre a língua, ainda prevalece a Espanha.

Palavras-chave: Prólogo. Espanhol. Irmandade. Análise do discurso.

A PRÁTICA DE SELECIONAR DOCENTES EFETIVOS E SUBSTITUTOS DE LÍNGUA PORTUGUESA / ESPANHOLA PARA A REDE FEDERAL DE ENSINO: UM ESTUDO DISCURSIVO

Thaís Vale Rosa Pereira (Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFF)

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as produções discursivas e, em consequência, lançar um novo olhar sobre as redes discursivas que permeiam os gêneros de discurso que constituem a prática da seleção de docentes efetivos e substitutos para o exercício da carreira do Magistério Federal do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) na área de Língua Portuguesa / Espanhola. O corpus de análise contempla dois editais, um de Processo Seletivo Simplificado para a contratação de Professor Substituto (edital nº 001/2017, de 09 de janeiro de 2017) e outro de Concurso Público para provimento em caráter efetivo para o Quadro Permanente (edital nº 02/2019, de 04 de janeiro de 2019), incluindo as leis que os regem, seus anexos, formulários e conteúdos programáticos que permitem a realização de tais práticas de seleção para preenchimento da vaga em um mesmo campus, localizado no Rio de Janeiro, unidade federativa onde a disciplina Língua Espanhola é oferecida há mais tempo no país. Desta forma, a metodologia engloba a pesquisa bibliográfica e documental. Para a análise de tais práticas sociais que possibilitam a admissão do professor candidato à docência no funcionalismo público, seguiremos a fundamentação teórica advinda da Análise do Discurso de base enunciativa (MAINGUENEAU, 1997, 2005) com apoio da Ergologia (SCHWARTZ, 2000), considerando que a proposta referida direciona-se para a análise de discursos que circulam sobre o trabalho (ROCHA, DAHER, SANT´ANNA, 2002) através da língua em uso. Essa escolha temática justifica-se pela necessidade de discussão de um processo complexo e, ao mesmo tempo, pouco explorado na produção científica brasileira, porém também encontra motivação pessoal. Como linguista, professora da referida área na rede pública, pesquisadora e candidata dos concursos mencionados, acreditamos ser de fundamental importância que o processo de seleção considere o que o docente deve saber para exercer tal função. Ao observar essa relação poder-saber proposta por Foucault (2012), esperamos identificar a permanência de vozes, interditos e silenciamentos, de modo a contribuir para uma maior aproximação entre os campos da formação acadêmica e da atuação profissional com suas respectivas atividades no ensino básico. Na comunicação, apresentaremos apontamentos preliminares da pesquisa em desenvolvimento, que possui como objetivos específicos: a) efetuar um levantamento histórico sobre a instituição dos concursos públicos e dos processos seletivos no Brasil, especialmente para professores; b) reunir e dar visibilidade as redes discursivas que sustentam o corpus; c) reconhecer gêneros do discurso presentes nas duas práticas de seleção para analisá-los com o aporte teórico advindo da Análise do discurso; d) observar as competências, os conhecimentos, os conteúdos e os saberes que são privilegiados em cada prática de seleção; e) identificar o perfil de docente requerido por cada edital; f) refletir sobre a adequação de cada prática de seleção para o exercício do trabalho docente EBTT de Língua Portuguesa/ Espanhola nos dias atuais. Preliminarmente, cremos, em nossa análise, identificar variados critérios de seleção para o exercício de uma mesma função, comprovando nesse contexto do CEFET/RJ o que tem apontado artigos científicos sobre o tema, como o de Daher (2011). Ao concluir a pesquisa, esperamos que “avaliar a avaliação” propicie desdobramentos de estudos futuros que contemplem as práticas de seleção para que não sejam apenas reproduções sem reflexão.

Palavras-chave: Análise do discurso. Docência. Ensino básico. Rede federal. Espanhol.

Mesa 11 – Do Naturalismo à Decadência literária Debatedora: Marina Sena (UERJ)

“JUDAS-ASHVERUS”, UMA NARRATIVA DECADENTISTA

Cláudia de Socorro Simas Ramos (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A literatura, há muito tempo já sabemos, é um campo fértil para o conhecimento de si, de um lugar, de um momento ou época, porque é ambiente de elaboração. É também o que permite que nós visitemos outras épocas, outros momentos, conheçamos situações que não constam na história oficial do país, mas que nos ajudam a nos entendermos dentro da nação. Dito isto, este estudo pretende abordar o decadentismo presente na narrativa literária de “Judas-Ashverus”, de Euclides da Cunha, no livro À margem da História, que teve sua primeira edição em 1909. Nosso objetivo é analisar a noção de decadência na escrita do conto narrativo, na ascensão do ciclo da borracha na Amazônia, a partir deste autor que nos legou o documento-obra literária Os sertões, em 1902. O Brasil, tendo sido a única colônia portuguesa das Américas, e cercado por países de língua espanhola, tem, por diversos motivos, uma história muito particular. Muito da nossa diversidade vem se dando a conhecer através da nossa literatura, tanto quando pensamos em quem narra, quanto por quem passou a escrever e no início do século XX vimos nascer uma obra significativa, com Euclides da Cunha. Naquele momento, a fase da economia gomífera aconteceu décadas após a Independência, perpassando o Império, indo até a primeira República, entre 1880 e 1913, período áureo dessa atividade. Tantos nordestinos como estrangeiros de diversos países são atraídos à Amazônia pela falsa expectativa de enriquecimento rápido no trabalho de extração da borracha, gerada por difusões de “boatos” e também pela vinda de investidores externos, que se fixaram nas duas principais cidades da região, Belém (PA) e Manaus (AM). As primeiras explorações do látex deram-se nas proximidades de Belém e na região das ilhas, Marajó, Rio Xingu e Jari, no Pará. As populações tapuia e passaram a se dedicar inteiramente ao trabalho de produção da borracha, abandonando a agricultura e, mais tarde, tentaram aumentar a produção da borracha, devido a maiores demandas de exportações para Europa e Estados Unidos. Para aumentar a produção utilizaram uma técnica chamada de arrocho, que extrai de forma mais rápida a borracha, determinando também o aumento da mão de obra para o seringal, trazendo uma população maior de famélicos de origem nordestina, expulsos pela seca da sua região. A técnica de arrocho causava a morte de grande quantidade de árvores, fazendo com que muitos seringueiros fossem obrigados a avançar cada vez mais para o interior das florestas, atrás de novas seringueiras. Dessa forma, muitos seringueiros avançaram para as áreas dos rios Tapajós, Madeira, Purus e Juruá, chegando até o atual Estado do Acre que, à época, não tinha esse nome e pertencia à Bolívia, o que gerou conflitos entre o Brasil e a Bolívia e culminou com o tratado de Petrópolis, feito pelo Barão de Rio Branco. É nesse contexto que Euclides da Cunha se desloca à Amazônia, como funcionário do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com intuito de demarcar o rio Purus e contribuir para as definições de fronteiras do país com o e Bolívia. E, de acordo com Euclides da Cunha (1905) foi morosa, “Não podíamos avançar aferradamente”; nota-se que Euclides desejava atingir o objetivo, isto é, as cabeceiras do Purus e, é através dessas missões que Euclides descreve as peculiaridades de sua viagem: “Estamos agora em regiões povoadas por peruanos, mas sentir-me fora de casa tenho novo alento, maior entusiasmo e segura resolução de seguir.” E continua: “Partimos de Curanja a 5 de julho. Íamos para o misterioso. Não pode negar-se que até aquela data existia entre nós e as nascentes do Purus, descido, um desmensurado telão, nô-las escondendo.” (CUNHA,1905). Ao retornar para Manaus, ele retoma os estudos e pesquisas na Biblioteca, e no Arquivo Estadual acessa os conhecimentos necessários para escrever o relatório para o Barão de Rio Branco, como também elabora as primeiras páginas do livro “vingador”: Um Paraíso Perdido. À Margem da História. Nesta obra ele denuncia o coronel da borracha, o seringalista, que era o patrão da monocultura, o dono e senhor absoluto dos seus domínios, chamando a atenção para que não esquecessem o que havia do outro lado de tanta riqueza, o seringueiro explorado, o nordestino pobre retirante que fugia da seca, da miséria. Nesta obra o autor denuncia que a escravidão é materializada pelo endividamento, assim, o conto intitulado Judas Ashverus relata os sentimentos dos nordestinos diante dessa dura realidade e este estudo trata do decadentismo presente na narrativa literária de “Judas-Ashverus”, de Euclides da Cunha, no livro À margem da História, que teve sua primeira edição em 1909.

Palavras-chave: Ciclo da borracha. Judas-Ashverus. Decadentismo.

A RECEPÇÃO CRÍTICA DA DECADÊNCIA LITERÁRIA EM PERIÓDICOS BRASILEIROS (1880-1920)

Daniel Augusto P. Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CAPES2)

O objetivo deste trabalho é verificar como se estabeleceu a recepção crítica da decadência literária em periódicos brasileiros entre as décadas de 1880 e 1920. Pretendemos apresentar um panorama das principais tendências dos juízos intelectuais sobre a a arte decadente no Brasil. Partimos da hipótese de que os artistas nacionais dialogaram com a Decadência literária de forma ativa, com a produção de críticas de obras literárias, notícias sobre publicações no exterior e resenhas sobre revistas decadentes. Com essa linha argumentativa, rejeitamos as ideias segundo as quais essa poética não teria prosperado na prosa ficcional do país nem recebido significativa atenção dos escritores oitocentistas. Como pretendemos demonstrar, as letras brasileiras não estavam em atraso em relação às querelas e aos debates artísticos europeus sobre a Decadência. Corroboram essa afirmação as contínuas referências a periódicos franceses como Le Décadent (1886-1889) e a romances de autores como Joris-Karl Huysmans, Jean Lorrain e Oscar Wilde. Sustentaremos, ainda que a leitura das obras decadentes e as discussões sobre ela ocorreram não apenas no Rio de Janeiro, como também se espalharam por outros centros literários. Nesse sentido, trata-se de uma recepção mais ampla e complexa que a normalmente apontada pela historiografia literária tradicional. Observamos, igualmente, que as trocas intelectuais entre o Brasil e, em especial, a França não se pautaram por uma relação de mera cópia de modelos literários pré-estabelecidos, mas sim por uma reflexão analítica sobre as bases da arte decadente. Compõem nosso corpus de investigação periódicos de diferentes localidades e regiões como Tribuna Liberal (MA), Correio Paulistano (SP), O Paiz (RJ), Club Curitibano (PR) e Evolução (CE), apenas para mencionar alguns exemplos. Neles, é possível encontrar comentários produzidos tanto por críticos consagrados, como José Veríssimo, quanto por nomes ainda pouco conhecidos das nossas letras, como Gama Rosa. Tais dados foram recolhidos e analisados a partir da base de periódicos disponíveis online na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Neste momento da pesquisa, interessam-nos, sobretudo, o aspecto quantitativo e a distribuição geográfica das menções feitas à ficção decadente. Exporemos, sobretudo, como a Decadência não se constituiu em um movimento literário

2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. coeso, com declarações de princípios artísticos ou estabelecimentos de grupos bem definidos. Prova desse contexto é a grande instabilidade terminológica e conceitual, identificada já no século XIX, para fazer referência a essa literatura. De forma praticamente intercambiável, uma pluralidade de nomeações foi empregada nas críticas estudadas para qualificar a produção decadente, tais como “decadismo”, “decadentismo”, “nefelibatismo”, “simbolismo” e “novismo”. Como base bibliográfica para avaliarmos a circulação de tal ideal artístico no país, utilizaremos os estudos de Andrade Muricy [1951], Brito Broca [1991], Cassiana Carollo [1980], Marcelo Fernandes [2014], Marcus Salgado [2006] e Massaud Moisés [1973]. Para avaliarmos o sentido das trocas culturais da Decadência, serão essenciais as publicações de Jean Pierrot [1977], Pascale Casanova [1999] e Jean de Palacio [2011].

Palavras-chave: Decadência literária. Ficção decadente. Crítica literária. Horror. Periódicos oitocentistas.

O FEMINISMO, O ANTIPATRIARCALISMO E AS MANIFESTAÇÕES DA “MULHER VIRIL” NO NATURALISMO NO SÉCULO XIX

Marina Pozes Pereira Santos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

No final do século XIX, era comum o uso do termo “mulher viril” para descrever as mulheres que reivindicavam atuar em papéis e espaços considerados então exclusivamente masculinos. Em voga no Brasil devido à explosão da “primeira onda” do feminismo na Europa, o termo era utilizado para se referir às mulheres que recusavam a passividade imposta pela sociedade. Neste período, com a virada do século XIX para o XX, assinalou-se no Brasil a marcha das mulheres para conquistar a sua emancipação (SOIHET, 2004). Resultado da explosão da primeira “onda de feminismo” europeu, o feminismo no país neste momento ainda não se configurava como um movimento propriamente dito, mas sim como vozes espalhadas pela nação, com dificuldades de comunicação (OLIVEIRA, 2015). Ao contrário das feministas americanas, inglesas e francesas, as brasileiras não se reuniam em associações para estudar e divulgar as suas causas, devido às resistências dos setores conservadores da sociedade. Ainda havia resquícios da severidade imposta pela Igreja para regular o corpo feminino, os quais se opunham às ideias de emancipação do prazer da mulher, dando-lhes liberdade para usar o corpo como o homem (OLIVEIRA, 2015). Neste sentido, as mulheres eram alvo de descrédito em suas lutas pela emancipação, visto que a emancipação feminina era vista pelos diversos setores sociais como uma ameaça à ordem estabelecida (SOIHET, 2004). A situação da mulher e sua reivindicação por maior participação na sociedade sofriam até mesmo tratamento caricato na imprensa. A emancipação era considerada como um grave risco ao sistema patriarcal, cujo predomínio masculino encontrava legitimidade até nos pensamentos filosófico e médico da época (SOIHET, 2004). O primeiro considerava que a inferioridade da razão entre as mulheres era um fato incontestável, “cabendo a elas apenas cultivá-la na medida necessária ao cumprimento de seus deveres naturais: obedecer ao marido e cuidar dos filhos” (SOIHET, 2004, p. 15). Já a medicina garantia “que a fragilidade, o recato e o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais eram características biologicamente femininas, assim como a subordinação da sexualidade ao instinto maternal” (SOIHET, 2004, p. 15). Em contraste, o homem “somaria à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios” (SOIHET, 2004, p. 15). Neste contexto, os romances naturalistas A carne (1888), de Júlio Ribeiro (1845-1890), O aborto (1893), de Figueiredo Pimentel (1869-1914), Livro de uma sogra (1895), de Aluísio Azevedo (1857-1913), e Turbilhão (1906), de Coelho Neto (1864-1934), colocavam em cena personagens femininas paradigmáticas que desafiavam as expectativas que se tinham até então das mulheres no século XIX. Deste modo, insatisfeitas com os papéis atribuídos às mulheres, as personagens femininas Lenita, de A Carne, Maricota, d’ O Aborto, Olímpia, do Livro de uma sogra, e Violante, de Turbilhão, lutavam por espaços de autonomia dentro da rígida sociedade patriarcal, apresentando- se como personagens fortes, ambiciosas e aventureiras. Seus atos e suas atitudes, seguindo a esteira de Emma Bovary, do romance francês Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert (1821-1880), colocavam em xeque os princípios e os fundamentos do patriarcado, como o casamento e a maternidade. Contudo, assim como ocorreu no cenário francês, os romances naturalistas e suas temáticas femininas libertadoras não foram bem aceitos na época e até hoje encontram resistências na historiografia tradicional.

Palavras-chave: Naturalismo. Feminismo. Antipatriarcalismo. Mulher viril.

O POLÍGRAFO PEDRO RABELO

Riane Avelino Dias (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este trabalho propõe a divulgação do escritor carioca Pedro Rabelo (1868-1905), fundador da cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras, e das suas contribuições para o fazer literário e jornalístico brasileiro do século XIX. Ele fez carreira no funcionalismo público, chegando a chefe na Secretaria do Conselho da Intendência Municipal; também foi secretário e publicou sete obras de estilos distintos: Ópera lírica (1894), com versos parnasianos, o livro de contos A alma alheia (1895) que foi apontada como aquela que garantiu seu ingresso para a ABL, os romances folhetim Coração sem alma e A Cabeça que fala (MACHADO, 2009.), em colaboração com Olavo Bilac (1864-1918) e Guimarães Passos (1867-1909), e alguns livros de literatura licenciosa publicados originalmente na imprensa periódica, reunidos em volume sob o pseudônimo de Pierrot e denominados como Filhotadas: Casos d’O Filhote (1897), Casos com pimenta: Histórias para Velhos (1902) e Casos alegres: histórias para sorumbáticos (1905). Em sua bibliografia a que mais recebeu atenção dos críticos foi A alma alheia (1895), que pode ser lido como uma obra naturalista de desilusão, ou seja, um texto literário melancólico, agnóstico e com o enredo centrado no não acontecer. O autor compunha junto a amigos célebres como Pardal Mallet (1864-1894), Paula Nei (1858-1897), Olavo Bilac, Aluísio Azevedo (1857-1913), Coelho Netto (1864-19134) e Guimarães Passos, a primeira geração de literatos brasileiros a viver profissionalmente da escrita (OLIVEIRA, 2008; PEREIRA, 1994), sendo ela literária ou não. Tinha idade, ideais e cultura semelhantes ao grupo de jovens escritores republicanos e abolicionistas, e enquanto viveu atuou em diversos projetos em parceria com esses escritores famosos. Em Reminiscências: a alegre roda da Colombo e algumas figuras do tempo de antigamente (1992), Manoel Bastos Tigre (1882-1957) escreve que Pedro Rabelo compunha o “Estado Maior” dos literatos, cuja liderança provinha de Olavo Bilac. Foi atuante na cena jornalística carioca e colaborava com vários periódicos, alguns jornais para os quais contribuiu foram o Correio do Povo (órgão do Partido Republicano), O Paiz, como redator, Diário Oficial como repórter dos debates parlamentares, os periódicos Diário de Notícias e Diário do Commercio, a revista A Estação, o vespertino A Notícia, em que assinava o folhetim “Garatujas” com P.R., a revista ilustrada A Cigarra, que dirigiu ao lado de Bilac, o substituindo quando este se retirou. O diário A Capital, de Niterói (atuando como jornalista) e a Gazeta de Notícias, onde assinava ao lado de Olavo Bilac e Coelho Neto as colunas satíricas “Filhotadas” e “Casa de Doidos”, com o pseudônimo de Pierrot. Também foi colunista de vulgarização científica na coluna “Notas Científicas”, na Gazeta de Notícias, mas não a assinava, nem mesmo com um pseudônimo, só sendo possível determinar a relação do escritor com a coluna através do obituário do jornal O Paiz. No ano de sua morte, contribuiu para a revista Anais: Semanário de Literatura, Arte, Ciência e Indústria. No período em que o escritor viveu, a imprensa se destacava como um grande meio de comunicação, capaz de construir e disseminar a opinião pública, e se tornava um dos principais meios de visibilizar os ideais abolicionistas e republicanos crescentes no período. Os jornais, revistas, livros, panfletos e opúsculos são apontados como alguns dos principais métodos de divulgação científica e literária para o público letrado, “mas as conversas de rua e nas confeitarias, os clubes, as conferências, os rumores, a leitura dos jornais em voz alta, as ilustrações [os blocos de Carnaval] faziam chegar os debates ao homem comum e aos ágrafos.” (MELLO, 2007 p. 13). Para isto recorreremos à pesquisa de fontes primárias na Hemeroteca Digital Brasileira (Biblioteca Nacional) na qual podemos encontrar nuances acerca da biografia do autor e grande parte de sua produção jornalística e literária.

Palavras-chave: Belle Époque. Pedro Rabelo. Literatura Brasileira.

Mesa 12 – Ficção, memória e resistência em África Debatedor: Denis Augusto Sousa da Silva (UERJ)

ESPINHOS COLONIAIS E FANTASIAS CONTEMPORÂNEAS: APONTAMENTOS DE LEITURA EM GRADA KILOMBA E DANIELA THOMAS

Bárbara Danielle Morais Vieira (Programa de Pós-Graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio)

A presente pesquisa problematiza as representações da história colonial, as feridas, os traumas e as violências fixadas pelo racismo em manifestações artísticas contemporâneas. Para tal, analisaremos duas obras divergentes e que estabelecem entre si pontos de confronto para mostrar como as cicatrizes da violência colonial na contemporaneidade são estruturadas pelas categorias de racialidade e gênero. Analisarei o livro “Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano”, escrito pela artista interdisciplinar portuguesa negra, com origens em e São Tomé e Príncipe, Grada Kilomba, em diálogo com o referencial teórico ligado à psicanálise e ao feminismo negro mobilizado pela autora (bell hooks, Frantz Fanon, Philomena Essed), assim como a contribuição de feministas negras brasileiras, para mapear as mudanças discursivas no debate sobre racismo, violência de gênero e necropolítica na atualidade. Esta obra, que foi originalmente escrita em inglês (Plantation memories: episodes of everyday racism) e publicada em Berlim em 2008, este ano foi publicada sua tradução para a língua portuguesa, tanto no Brasil como em Portugal, sendo o livro mais vendido durante a prestigiada FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). Kilomba nos ajuda a investigar as estruturas de poder da sociedade contemporânea (narcísica, branca, misógina e patriarcal), assim como a realizar uma crítica à construção de conhecimento a partir da branquitude. O recorte a partir do qual analisarei o livro visa compreender o conceito de trauma colonial e racial, as complexidades das manifestações e encenações do racismo contemporâneo e como o imaginário branco é formado por fantasias e projeções pautadas por uma moldura escravista. Em paralelo, analisaremos o filme “Vazante”, lançado em 2017 e dirigido pela cineasta brasileira branca Daniela Thomas, assim como sua recepção e repercussão crítica. Realizada em uma coprodução com Portugal, a narrativa desenvolvida no filme de Thomas apresenta uma construção da história colonial brasileira a partir do ponto de vista/lugar de fala daqueles que descendem da casa grande. O filme se passa no interior das Minas Gerais em 1821, durante uma fase de decadência econômica após o ciclo de exploração dos diamantes ter acabado. Os protagonistas são Antônio, o colonizador português (proprietário de terras e de pessoas escravizadas) que tem em torno de quarenta anos de idade e Beatriz, menina branca, que é negociada por conta de uma dívida familiar para se casar com ele, antes mesmo de menstruar. São deles os pontos de vista principais no filme. No decorrer da história Beatriz se envolve romanticamente com Virgílio, menino negro escravizado da sua faixa etária, que por sua vez é filho de Feliciana, mulher negra escravizada que é estuprada sistematicamente por Antônio. O filme expõe a brutalidade da violência patriarcal colonial e extrativista branca como estruturante de todas as relações sociais e aborda a violência sexual sobre mulheres brancas e negras. Analisarei as performances da branquitude, violência de gênero, molduras de representação de si e do outro para problematizar as representações e imaginários criados na contemporaneidade sobre o passado escravista, o patriarcalismo branco e as complexas e hierárquicas relações de gênero. Com estes dois objetos de estudo distintos em muitos aspectos, desde as abordagens, suportes e estratégicas de realização, contextos, lugares de enunciação e argumentos motores, realizados por duas mulheres artistas, proponho criar uma equação analítica através do confronto e contraposição para pensarmos sobre as questões relativas aos lugares de fala/lugares de escuta e perlaboração do trauma colonial.

Palavra chave: Branquitude. Trauma colonial. Vazante. Memórias da plantação.

A NARRATIVA COMO PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DO ESPACO COLONIAL EM PEPETELA

João Victor Sanches da Matta Machado (Universidade Federal do Rio de Janeiro – CAPES)

Tratar de forma breve um romance denso como A Geração da Utopia, do escritor angolano Pepetela, é uma tarefa quase impossível. Mesmo consciente dessa impossibilidade, proponho, nesse trabalho, que nos voltemos ao primeiro capítulo do romance, inserido na seção intitulada “A casa”, em que se coloca em cena o espaço da cidade de Lisboa, e, a partir dele, a possibilidade de um segundo espaço – ainda que projetado como vontade coletiva – da nação de Angola. Dentro do já rico debate crítico sobre a potência do olhar de Pepetela sobre a história e a formação nacional de Angola, esse trabalho pretende apontar como o espaço da metrópole pode proporcionar uma abertura da retórica imperial. O objetivo é pensar que A Casa dos Estudantes do Império metaforiza a possibilidade de se imaginar um espaço nacional angolano dentro do próprio espaço imperial. O romance A Geração da Utopia, de Pepetela, publicado pela primeira vez em 1992, nos apresenta três décadas da história de Angola. Pepetela retrata a vida de jovens angolanos entre os anos de 1961 e 1991, atravessando os diversos espaços entre Portugal e Angola. O romance lança um olhar crítico sobre a luta anticolonial, e o processo de formação de Angola. Iniciando em 1961, o primeiro capítulo toma a capital da metrópole imperial – Lisboa aparece como espaço inaugural do enredo – como lugar de fundação de um discurso utópico para libertação de Angola. A Geração da Utopia parece partir dessa aparente contradição inerente ao processo histórico da luta anticolonial angolana – a nação imaginada no coração do império –, para já colocar em cena as contradições que marcam o processo revolucionário. Os romances de Pepetela são exemplos de um olhar atento à pluralidade de questões que surgem a partir da luta anticolonial e do tempo pós-independência. O romance A Geração da Utopia assume um aspecto de pensamento de fronteira ao trabalhar a perspectiva de suas personagens como sujeitos presentes na luta por independência e, posteriormente, figuras atuantes ou críticas ao governo do país. A obra de Pepetela estaria inserida no que seria, segundo Frantz Fanon, o terceiro momento literário dos povos colonizados, quando passam de uma postura distanciada para uma crítica que parte do espaço marginal. O romance de Pepetela assume, assim, uma função dupla em seu papel como pensamento de fronteira. No âmbito nacional, se articula como crítica tanto aos aspectos herdados da política colonial quanto às políticas realizadas no pós-independência, enquanto que no plano epistêmico repensa a posição dos sujeitos subalternos frente ao discurso universal, seja ele referente ao poder colonial ou ao movimento revolucionário. Em outras palavras, as personagens de Pepetela figuram como sujeitos da enunciação, inseridos no movimento de “performance” que Homi Bhabha, atribui ao povo, para colocar em tensão as questões políticas de caráter coletivo. Sendo assim, para nossa leitura, levaremos em consideração o caráter pedagógico que a Casa dos Estudantes do Império assume enquanto aparato do poder colonial, e sua função na narrativa de Pepetela como espaço contra hegemônico desse próprio aparato colonial. De forma mais clara percebemos como a narrativa articula minunciosamente os espaços narrados e as reflexões das personagens para romper uma perspectiva uniforme sobre a realidade histórica. Podemos apontar os aspectos performáticos pelos quais Pepetela trabalha a espacialidade e o tempo da narrativa de forma a propiciar uma apreensão diversificada da cultura nacional. Angola surge, então, como imagem construída pela memória coletiva dos africanos que moravam na Casa dos Estudantes do Império.

Palavras-chave: Pepetela. A Geração da Utopia. Literatura e Espaço. Casa dos Estudantes do Império

ENTRE ESPAÇOS DE EXCEÇÃO, DE ESQUECIMENTO E MEMÓRIA NO ROMANCE ENTRE AS MEMÓRIAS SILENCIADAS, DE UNGULANI BA KA KHOSA

Mariana Silva de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da UFF)

No romance Entre as memórias silenciadas, o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa discorre sobre temas em geral silenciados pelo discurso historiográfico oficial e alça à categoria de protagonistas personagens marginalizados do corpo social. Como boa parte dos escritores de sua geração (a chamada geração Charrua), suas narrativas partem das relações de poder na sociedade Moçambicana, subvertendo ordens discursivas dominantes. No enredo de Entre as memórias silenciadas são apresentados espaços e tempos diversos, que abrigam personagens cuja posição social, visão de mundo e pontos de vista ideológicos são igualmente múltiplos, tecendo uma narrativa polifônica. O leitor transita pela zona rural de Moçambique, terra caracterizada por uma intemporalidade mítica e pela ancestralidade, além de representar um espaço de esquecimento. É o lugar de origem do clã dos Chibindzi, cujos membros transitarão pelos demais espaços da narrativa, em diferentes tempos. O ambiente urbano é primeiramente representado pela cidade de Lourenço Marques, como era chamada a capital de Moçambique até 1976, pela migração do personagem Lotasse da terra dos Chibindzi para a capital à época da colonização, no início do século XX. Posteriormente, Lourenço Marques é apresentada como Maputo, no período após a independência de Moçambique, como espaço onde uma juventude instruída e urbana trava discussões calorosas acerca do rumo tomado pelo país após o fim do colonialismo, demonstrando as divergências e convergências dos pontos de vista ideológicos e políticos marcantes deste período. No pós-independência, também surgem os campos de reeducação, espaço central de Entre as memórias silenciadas e foco deste trabalho. Nos campos de reeducação, algumas vezes referido como “gulags tropicais” na literatura, confinavam-se os considerados “inimigos internos” da nação a ser construída segundo as diretrizes do governo da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), partido autodenominado marxista-leninista vigente a partir da independência de Moçambique. Segundo o historiador Omar Ribeiro Thomaz, para estes campos eram enviados atores sociais de alguma forma associados à tradição (autoridades tradicionais, feiticeiros, etc.), ao colonialismo capitalista e uma massa da população considerada improdutiva ou contra os preceitos morais e ideológicos delineados pela Frelimo (como padres, prostitutas, vadios, para citar alguns exemplos do romance.) Lá passariam por um processo de “purificação”. Tratava-se de uma das medidas governamentais de assepsia e controle do corpo social, bem como da própria memória coletiva do país, uma vez que uma parte da memória nacional, “indesejada” pelo partido, permanecia restrita aos limites dos campos e submetidas a um processo de ressignificação (ou à eliminação). No campos de reeducação de Niassa retratado no romance de Ba Ka Khosa, os personagens representantes dos “inimigos da nação” vivem encarcerados, excluídos do corpo social, e tecem uma narrativa dialógica na qual a história da nação é revisitada por vozes tradicionalmente silenciadas pela historiografia oficial moçambicana. Este trabalho pretende analisar os espaços sociais representados em Entre as memórias silenciadas, sobretudo o espaço do campo de reeducação de Niassa, assim como os personagens representantes dos “inimigos do povo” condenados ao banimento neste campo. O foco principal é discorrer sobre a representação ficcional deste espaço como local de exceção, utilizando como respaldo teórico o conceito de estado de exceção desenvolvido pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, a teoria foucaultiana da biopolítica e o conceito de necropolítica de Achille Mbembe.

Palavras-chave: Literatura moçambicana. Ungulani Ba Ka Khosa. Espaços. Estado de exceção.

A NAÇÃO QUE SE QUER VISÍVEL, A LEGIÃO QUE SE FAZ LEGÍVEL: CONSIDERAÇÕES SOBRE UM FILME MOÇAMBICANO

Marlon Augusto Barbosa (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

Segundo o antropólogo francês David Le Breton, a anatomia é uma ciência do corte: ela estabelece e identifica as articulações, os órgãos e as suas posições no interior de um corpo, seja ele qual for, que se apresenta visivelmente como uno. É a partir dessa perspectiva sobre a anatomia que podemos pensar que algumas obras literárias ou alguns filmes operam através de um procedimento de corte. O filme moçambicano A virgem Margarida (2012), de Licínio Azevedo, por exemplo, opera justamente através desse procedimento. Ao cortar o corpo / conceito de nação que se deseja uno – um corpo nacional –, Licínio Azevedo, com seu filme, estabelece e identifica as contradições do movimento de pós-independência de Moçambique: por um lado a ideologia do movimento nacional socialista liberta o povo da colonização, mas, por outro, institui campos de reeducação para “libertar” a mente colonizada. O projeto político implantado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), após o fim do regime colonial, tinha como proposta de governo a construção de uma nova sociedade socialista pautada, sobretudo, pela ideia da formação do “homem novo” e da “mulher nova”, isto é, o governo que assumia o poder buscava implantar um projeto de nação em que fossem apagados todos os resquícios de tribalismos, ritos, obscurantismos, e regionalismos. O projeto de nação da pós-independência se baseava na ideia de um corpo uno, indivisível. Pensava- se na construção de uma nova nação em que todas as diferenças fossem apagadas. Seria preciso descolonizar, segundo os governates, as mentes colonizadas. É nesse sentido que surgiram os campos de reeducação. O filme de Licínio Azevedo se desenvolve em torno das mulheres, prostitutas que são enviadas para esses campos. As mulheres são levadas das ruas ou de suas próprias casas e enviadas para o norte de Moçambique sem que seus familiares ou amigos soubessem de seus destinos. Nos campos, não havia abrigo e nem comida, as mulheres eram forçadas a trabalhar na construção de pequenas comunidades e estradas, plantar, colher e fazer sua própria comida. O trabalho dignificava a “nova mulher”. A divisão da pouca comida servia para os ensinamentos contra o individualismo. O movimento nacionalista deseja tornar visível um corpo único, mas, para isso, torna invisível uma série de outros corpos legíveis que compõe a “nação”. O filme, que é atravessado pelo drama vivido pelas mulheres no período da pós-independência, gira em torno da história de uma menina virgem levada para um campo de reeducação – o campo de reeducação é um lugar destinado à classe das prostitutas e dos curandeiros que crescem nas cidades, segundo os seus governantes, “como ervas daninhas” –, e retrata justamente os impasses da política de criação do “novo homem” e da “nova mulher” socialista. O objetivo desta breve apresentação é pensar que, no filme de Licínio, as mulheres enviadas para esses campos lançam uma questão sobre a contingência e o destino tanto no exercício da liberdade quanto em sua suposta ou possível ausência e estabelecem a partir de seus próprios corpos, nomes e vidas um corte (uma crítica) a um projeto nacionalista.

Palavras-chave: Lícinio Azevedo. A virgem Margarida. Cinema. Moçambique.

Mesa 13 – Discurso, ideologia e política (I) Debatedor: Dennis Castanheira (UERJ)

É PRECISO “SABER SOBRE O FEMINISMO”?

Layse Henriques da Costa Kitagawa (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho é parte da pesquisa intitulada Empoderamento feminino em uma Webquest no ensino/aprendizagem de inglês como língua adicional em andamento no programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do Mestrado na área de Estudos da Língua, especialidade Linguística, linha de pesquisa: Descrição linguística e cognição: modelos de uso, aquisição e leitura. Tem- se por objetivo analisar as crenças de alunos do sexto ao nono ano do ensino fundamental de uma escola pública localizada no segundo distrito de Duque de Caxias sobre o conceito que têm de feminismo. Tal pesquisa foi desenvolvida sob a perspectiva da Linguística Aplicada Crítica (PENNYCOOK, 2001) e Análise do Discurso sob a ótica dos conceitos de etos, polifonia, polêmica, designações e competências presentes na obra Análise de textos de comunicação (Maingueneau, 2013), entendendo que o discurso constrói e reconstrói o sentido no meio social através das interações que se dão num interdiscurso, em que as falas dos sujeitos não partem exclusivamente de sua individualidade, sendo construídas a partir do todo proferido em seu meio de convivências (idem, 2015). O córpus foi formado a partir de uma pergunta: “O que é feminismo?”, que foi respondida por escrito pelos alunos da referida escola. Não houve estudo a respeito do tema, ou discussão preliminar justamente para fazer uma diagnose a respeito da competência enciclopédica detida pelos adolescentes naquele momento, primeiro semestre do ano corrente. As respostas no geral não foram longas, porém o somatório chegou a cento e quarenta e nove. Esse montante foi estudado e chegou-se a um recorte analisado da seguinte forma: duas falas serão estudadas a partir dos conceitos de etos, polifonia e polêmica. Outras seis respostas, segundo a noção de designações. As respostas que apresentaram conceitos discrepantes em relação ao esperado, serão estudadas à luz da competência enciclopédica, a fim traçar um perfil da quantidade de alunos que necessitam apreender o tema, apesar do governo atual reforçar a ideia de que tal ação não é necessária. As falas de pessoas ligadas ao governo na atualidade vem sendo povoadas por concepções imbuídas numa cruzada moralista que visa um retrocesso diante de muitas conquistas alcançadas pela humanidade. Um filho do presidente do Brasil chegou a sugerir que o tema do feminismo, bem como outros assuntos com uma visão “conforme a esquerda” não deveriam ser estudados nas escolas, que, segundo ele, agem como doutrinadoras dos discentes. Além da preocupação com com a questão feminina num panorama macro, apresentado no Brasil, há que se focalizar, também, nas necessidades apresentadas na localidade específica da escola e do município em que ela se encontra. Os prejuízos pela falta de políticas públicas e uma cultura com raízes profundas no patriarcado são comprovados tanto por dados oferecidos por diferentes órgãos oficiais, quanto pelas vivências relatadas por alunos e alunas em seus cotidianos. O município de Duque de Caxias, onde se localiza a escola municipal na qual esta pesquisa será realizada, bateu o recorde de ocorrências de violência doméstica no estado, conforme pesquisa feita pelo Tribunal de Justiça. Os dados por fornecidos realçam que a cidade da baixada contabilizou um mil e setenta e três registros de agressão contra mulheres feitos em delegacias apenas no mês de janeiro de 2019. Diante desses números, será que os alunos da educação básica da rede pública não precisam saber sobre o feminismo?

Palavras-chave: Feminismo. Educação básica. Linguística Aplicada. Análise do discurso.

A REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS CONTRA E A FAVOR DO PORTE DE ARMAS NOS ESTADOS UNIDOS

Roberto Dias Barbosa (Programa de Pós-Graduação lato sensu em Letras da UERJ)

Nos últimos anos, o debate sobre o porte de armas voltou às manchetes dos jornais e páginas de notícias na internet, não só nos Estados Unidos, país onde foram produzidas as campanhas publicitárias que compõem o corpus deste trabalho, mas também em outros países. No Brasil, a relevância desse tema pôde ser percebida durante a eleição presidencial de 2018, quando a legalização do porte de armas assumiu um papel de destaque na campanha de um dos candidatos. Diante de tal cenário, este estudo propõe a análise da representação dos atores sociais em duas campanhas publicitárias sobre o porte de armas nos Estados Unidos. Para tanto, doze anúncios (seis contra o porte de armas e seis a favor) foram selecionados para formar o nosso corpus. A primeira campanha foi elaborada para a organização Moms Demand Action (Mães Exigem Ação, tradução nossa), uma organização sem fins lucrativos que defende o controle de armas. A segunda campanha foi elaborada para a organização National Rifle Association (Associação Nacional do Rifle, tradução nossa), uma organização sem fins lucrativos que defende o livre porte de armas. Nossa investigação foi conduzida sob uma perspectiva sistêmico-funcional da linguagem (HALLIDAY, 1985), pois compreendemos a linguagem como uma atividade social, organizada por um sistema de significados sociais que pertence a uma determinada cultura, ao invés de um grupo estático de estruturas e regras gramaticais. Uma vez que o corpus deste trabalho é composto por um conjunto de textos multimodais, verificou-se a necessidade do uso de ferramentas teóricas e metodológicas que permitissem um estudo detalhado desse tipo de texto e possibilitassem a análise da construção da representação dos atores sociais. Assim sendo, utilizamos o inventário sociossemântico da Representação dos Atores Sociais (RAS) proposto por van Leeuwen (1997) para a análise textual dos anúncios selecionados, equanto que empregamos a Rede de Representação Visual dos Atores Sociais (RVAS), também de van Leeuwen (2008), juntamente com algumas categorias da Gramática do Design Visual (GDV), de Kress e van Leeuwen (2006), na descrição e estudo das imagens. Procuramos, através da interpretação dos dados gerados pela análise do corpus deste trabalho, responder às seguintes perguntas de pesquisa: a) como os atores sociais são representados em seis anúncios contra o porte de armas nos Estados Unidos; b) como os atores sociais são representados em seis anúncios a favor do porte de armas nos Estados Unidos e c) como a representação dos atores sociais contribui ou não para que a campanha publicitária da qual eles participam atinja o seu objetivo. Os resultados demonstraram que a representação dos atores sociais dos anúncios estudados foi cuidadosamente construída para reforçar e validar a mensagem a ser veiculada por suas respectivas campanhas publicitárias. Percebe-se ainda que as imagens corroboram as mensagens presentes nos textos, validando os argumentos de cada lado da discussão do porte de armas, que é uma questão complexa, polêmica e que envolve inúmeros fatores sociais, políticos, culturais e, até mesmo, financeiros. Dessa forma, estamos cientes de que os resultados de nossa pesquisa apontam para um pequeno recorte de um contexto específico, sendo necessário o desenvolvimento de mais pesquisas na área para que uma compreensão maior sobre o tema seja estabelecida.

Palavras-chave: Linguística Sistêmico-Funcional. Representação dos Atores Sociais. Representação Visual dos Atores Sociais. Gramática do Design Visual.

O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O IMPEACHMENT/GOLPE: BELICISMO E(M) DISPUTA

Rudá da Costa Perini (Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem – UFF)

A presente comunicação visa expor uma síntese do trabalho desenvolvido em minha pesquisa de mestrado. Na dissertação, busquei compreender o funcionamento do discurso jornalístico ao produzir/fazer circular discursos sobre o processo de impedimento movido contra Dilma Rousseff em 2016, dando enfoque à votação de abertura do processo na Câmara dos Deputados. Investiguei, especificamente, o processo de significação desse acontecimento político-institucional em um corpus que construí a partir dos jornais O Globo e Brasil de Fato, nas edições publicadas no dia 18/04/2016 – dia que sucede a data do acontecimento –, e capas da revista Época publicadas em diferentes momentos. Dois movimentos de sentidos me interessaram sobremaneira: 1) o comparecimento de um léxico, que materializa sentidos bélicos, constituindo o gesto de interpretação dos jornais ao produzir discurso sobre a votação na Câmara; 2) a materialização da disputa de sentidos em processos discursivos. O dispositivo teórico e analítico no qual esta pesquisa está ancorada é a Análise do Discurso (AD) pecheuxtiana, tal como postulada por Michel Pêcheux na França, e reterritorializada por Eni Orlandi no Brasil. A AD pecheuxtiana, oriunda do enlace entre materialismo histórico, linguística saussureana, teoria do discurso e psicanálise, toma como conceitos fundamentais: ideologia (mecanismo ahistórico produtor de evidências), língua (sistema linguístico- social fluido que, sempre afetado pela luta de classes e pela ideologia, constitui o sujeito enquanto sujeito da/à língua; além disso, a língua é tomada ainda como base material dos processos discursivos), discurso (efeito de sentidos; objeto teórico e prática social) e sujeito (uma posição necessária que se ocupa para dizer, constitui-se, portanto, como sujeito da/à língua, da/à ideologia, do/ao inconsciente). A partir desta perspectiva teórica, o engajamento da pesquisa em tela se deu com a identificação de uma regularidade lexical que nos levou à configuração do que indicamos como um sítio de significância, isto é, uma rede lexical materializando sentidos que se conectam entre si e a um sentido central – o sentido de guerra –, atualizando uma memória discursiva belicosa. A seleção dos jornais que nos serviram de base para construção do corpus discursivo se deu a partir de três principais critérios: tratarem-se de edições que noticiassem o acontecimento tomado como ponto central de nossa investigação; serem jornais que produzissem uma autoimagem de que tem posicionamento político oposto; e pertencerem a esferas midiáticas distintas (o primeiro, O Globo, é considerado um veículo da chamada grande mídia e o segundo, Brasil de Fato, é considerado como mídia alternativa). Portanto, para compreender o discurso jornalístico, encontramos na noção de discurso sobre um ponto de partida teórico o qual nos leva a refletir sobre o lugar de onde os jornais produzem discurso ao falar sobre o acontecimento. Nessa visada, a votação do processo de impedimento contra Dilma é entendida aqui como acontecimento histórico e acontecimento jornalístico cujo movimento de significação se dá nos/pelos gestos de interpretação, de modo dividido, dando a ver tensões entre formações discursivas antagônicas. Por esse motivo, adotei neste trabalho a denominação impeachment/golpe. A denominação impeachment/golpe sinaliza o modo dividido como se constrói o referente discursivo no discurso jornalístico através do jogo (tenso) de denominações, paráfrase e polissemia. Em suma, buscou-se compreender os processos discursivos que se instauram no discurso jornalístico sobre política significando-a como guerra.

Palavras-chave: Discurso jornalístico. Sítio de significância. Política. Guerra.

CRIADORES E CRIAS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: (DES)AUTORIDADES CHAMADAS A FALAR SOBRE EDUCAÇÃO

Shayane França Lopes (Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFF)

Esta comunicação tem como objetivo propor algumas reflexões acerca da presença de grupos da iniciativa privada, em forma de patrocinadores de fundações e organizações não governamentais, na educação pública brasileira. A formação discursiva característica do mercado globalizado que está presente na convocação de vozes que são chamadas como autoridades a falar sobre o cenário da educação, em práticas em que se mostra a (ir)relevância de sua presença na área educacional mas, ao mesmo tempo, a sua afirmação como autoridade financeira e política no ensino público brasileiro. Cesar Calligari, Lauri Cericcato, Patrícia Diaz, Mozart Ramos, Priscila Cruz, Maria Helena Guimarães de Castro, Claudia Costin, entre outros representantes do Todos pela Educação, da Fundação Itaú Social, do Instituto Ayrton Senna e da Fundação Lemann. Quando esses nomes são convocados pela mídia como autoridades a falar, por exemplo, sobre o cenário em que a educação brasileira se encontra, é possível supor que o foco não está na educação em si, já que nenhuma delas tem propriedade sobre essa questão, mas, sim, em uma perspectiva mercadológica de educação. Trata-se de práticas em que se mostra a inexperiência profissional na área da educação, e, ao mesmo tempo, a sua autoafirmação como autoridade financeira e política no contexto do ensino público brasileiro. São pessoas consideradas especialistas em educação enquanto, na verdade, não têm sequer formação acadêmica nessa área e que jamais passaram por salas de aula do ensino básico privado ou público. Pela análise dos dados disponibilizados no Portal da Transparência, vê-se que não há investimento das instituições citadas em serviços ou melhorias educacionais. O que ocorre é dinheiro público proveniente sobretudo do MEC sendo enxertado no Instituto Ayrton Senna e na Fundação Lemann (entre outras instituições/fundações), seja em forma de convênios ou em forma de viagens e encontros para promover tanto o Instituto quanto a Fundação. A Fundação Lemann, com participação ativa na Base Nacional Comum Curricular, tem acesso a políticas públicas por meio de troca de favores proporcionada por uma extensa agenda de contatos. De acordo com a perspectiva teórica de Dominique Maingueneau (2008, 2014), definimos discurso, intertextualidade e interdiscurso, e, a partir daí, traçamos as relações entre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, a Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) e as pessoas chamadas a falar sobre educação em programas de televisão, rádio e internet. A partir daí, aprofundamos a relação entre a Reforma do Ensino Médio e a Base, traçando uma linha que liga o interesse pelo controle do ensino público brasileiro aos idealizadores da BNCC, passando pela secretaria executiva do Ministério da Educação, pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed, pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime e pelo Movimento pela Base, que foi retirado da BNCC em sua versão definitiva. Como ponto comum a todas essas entidades, órgãos e Movimento está a Fundação Lemann. Ilustramos de que maneira as estratégias das organizações, institutos e fundações se concretizam nas salas de aula dos colégios estaduais do Rio de Janeiro. O Ensino Médio é formalizado com a matriz curricular (Resolução SEEDUC Nº 5.597 de 04 de janeiro de 2018), fixando componentes curriculares do chamado Núcleo Articulador, atendendo ao estabelecido na Reforma em conjunto com a BNCC, tornando obrigatórios os componentes curriculares em parceria com o IAS e com o Sebrae. É preciso desnaturalizar um cenário que se constitui discursivamente como transformador. Dar visibilidade a suas inúmeras incoerências, encontrar formas de desarticular a força de um discurso mercadológico e fazer ouvir aqueles que compartilham a sala de aula, os efetivamente envolvidos na Educação: alunos e professores. É preciso expor o caminho pelo qual a educação está sendo carregada no Brasil: um caminho feito por estradas de despublicização do ensino gratuito brasileiro.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular Despublicização. Educação pública brasileira. Iniciativa privada. Reforma do Ensino Médio.

Mesa 14 – Machado de Assis Debatedora: Riane Avelino Dias (UERJ)

A MATERNIDADE DESDOBRADA EM ESAÚ E JACÓ, DE MACHADO DE ASSIS

Fernanda de Aquino Araújo Monteiro (Ciência da Literatura – UFRJ/Bolsista CNPq)

O presente trabalho pretende lançar um olhar diferenciado para tentar averiguar como a personagem-mãe Natividade, em particular, comporta-se na narrativa Esaú e Jacó, de Machado de Assis, visto que procuramos investigar a rasura do modelo sagrado de maternidade imposto ao feminino e da sua representação no seio do lar burguês, para tentar mostrar as múltiplas facetas da personagem-mãe na literatura oitocentista brasileira. É inegável para qualquer estudioso de Literatura Brasileira a importância que Machado de Assis tem para nossa cultura, já que o “Bruxo do Cosme Velho”, apelido do autor, foi fundador da Academia Brasileira de Letras, produziu inúmeros romances, contos, novelas, crônicas, peças de teatro e poesia, traduzidos para diversas línguas ao redor do mundo. A obra Dom Casmurro, publicada em 1889, foi bem recebida pela crítica da época, pois aproximava o romance machadiano com a obra O primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, e Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert, os quais tratam da temática do adultério feminino. O escritor Graça Aranha, amigo de Assis, defendeu que a personagem Capitu era "casada, [e] teve por amante o maior amigo do marido." (apud CALLADO, 1997, p.257), não restando dúvidas, portanto, da traição da personagem. Muitas outras figuras importantes dos séculos XIX e XX avaliaram Capitu como traidora, confiando nas palavras do narrador-personagem Bento Santiago, tais como José Veríssimo e Lúcia Miguel Pereira. Todavia, foi necessário que uma autora americana, em 1960, chamada Helen Caldwell, pudesse reavaliar a imagem de Capitu e alterar categoricamente a visão que boa parte da crítica tinha acerca da ficção. Já a obra Esaú e Jacó, corpus de análise do nosso estudo, publicada em 1904, penúltima narrativa de Machado de Assis, embora tenha em seu título dois nomes masculinos que nos levam aos personagens bíblicos do Antigo Testamento, são Pedro e Paulo os personagens principais do romance, os quais apresentam uma posição de evidência no discurso ficcional. Ora, é bem verdade que o século XIX é marcado pelo poder masculino, em que foi possível notar as quedas de impérios até então influentes no mundo europeu (como no caso francês), alçada de países até então esquecidos por muitos (como os territórios chinês e americano), além de diversas disputas militares e exploração de terras. No entanto, a História Nova contribuiu para tentar recuperar as vozes e os trajetos femininos que foram silenciados e apagados pelo poder patriarcal, já que a terceira geração da renomada Escola dos Annales, a partir de 1968, após críticas severas das estudiosas feministas, decidiu incluir as mulheres como agentes históricos, nas diversas posições nas camadas sociais, na história social, em que os nomes de Georges Duby e Michele Perrot ganharam notoriedade. Por conseguinte, é inegável a importância que Natividade e Flora apresentam para o arcabouço crítico sobre as mulheres de Machado de Assis, já que uma gerou em seu ventre gêmeos brigados antes mesmo do nascimento e a outra carregou o peso da decisão em escolher um dos dois, respectivamente. Natividade, por exemplo, é lida por muitos estudiosos como uma personagem feminina que sofre a “santificação da mulher como mãe, através do sofrimento” (apud PRIORE, 2017, p. 237). Contudo, nosso projeto planeja seguir por outro viés, examinando as minúcias do discurso ficcional machadiano, tentando mostrar que, na verdade, talvez a personagem seja uma grande articuladora do romance. Nos limites impostos a um trabalho como este, projetamos lançar um olhar diferenciado para tentar averiguar como a personagem-mãe Natividade, em particular, comporta-se na narrativa Esaú e Jacó, de Machado de Assis, visto que procuramos investigar a rasura do modelo sagrado de maternidade imposto ao feminino e da sua representação no seio do lar burguês, para tentar mostrar as múltiplas facetas da personagem-mãe na literatura oitocentista brasileira.

Palavras-chave: Machado de Assis. Maternidade. personagens femininas. Natividade.

O KITSCH NOS CONTOS “TEORIA DO MEDALHÃO” E “O ESPELHO” DE MACHADO DE ASSIS

Gabriela Ribeiro Nunes (Programa de Pós-graduação em Letras da UERJ/FAPERJ)

Machado de Assis é, segundo Antonio Candido (2000, p. 104), “o escritor mais brasileiro que jamais houve”, apesar de, diferentemente dos românticos, não tratar em seus romances de temas nacionalistas fundamentais para a sua época, como o indianismo e o uso exclusivo da cor local (observada em suas narrativas mais como ambientação de suas histórias do que como criação de um passado brasileiro). Priorizando a análise de caracteres em suas obras, o escritor abordou questões relacionadas à psiquê humana, “sempre como um brasileiro de sua época” (SCHWARZ, 2008, p. 9). Apresentando narrativas que “pelo seu mero movimento constituem espetáculo histórico-social complexo” (SCHWARZ, 2008, p. 9), Machado retratou os costumes da sociedade oitocentista fluminense que importava, paradoxalmente, atitudes de um capitalismo europeu em uma realidade escravocrata. Essa coabitação de elementos opostos, característica do Brasil, possibilitou ao escritor um tipo de narração em que a ambiguidade fosse naturalizada como parte não só da natureza dúbia do ser humano, como do próprio meio que o autor estava retratando, já que “o espírito burguês é parte constituinte da volubilidade machadiana, cujas manifestações dependem dele até o detalhe” (SCHWARZ, 2008, p. 30-31). Sendo um homem de seu tempo, Machado tomou na figura do burguês um de seus caracteres de maior análise, já que era a imagem mais proeminente e contraditória da época, sendo passível, então, de um olhar afiado do autor. É possível perceber, com isso, que um dos constituintes para a caracterização das personagens por ele está na presença do kitsch – substantivo de origem alemã, usado para descrever alguma coisa de mau gosto artístico ou estético. Na falta de um vocábulo próprio que o designasse nas línguas latinas, manteve-se o termo para representar um sistema estético de comunicação de massa. O estilo kitsch é marcado, socioculturalmente, pela ausência de estilo e pode ser traduzido como reles, cafona, brega. Está presente tanto entre os pobres quanto em camadas sociais mais privilegiadas, já que, de acordo com Abraham Moles, um objeto não é essencialmente kitsch, mas se torna a partir de como o homem se relaciona com ele. O kitsch, além disso, “constitui um estado de espírito que, eventualmente, se cristaliza nos objetos” (MOLES, 1972, p. 11), ou seja, qualquer relação entre o homem e a coisa que desvirtua seu uso ou propósito original em nome de um falso sentido pode ser chamado de kitsch. Esse falso sentido pode estar associado a um pseudo- bom gosto, uma pseudo-erudição que não tem nada a ver com o objeto em si, mas com o que ele pode vir a representar aos olhos do outro. Essa atitude pode ser observada tanto na camada burguesa, quanto na nobreza, que também adotava maneiras de ostentação, ou como forma de distinção da própria burguesia, ou como um estilo de vida de gastos. Ainda assim, foi com o triunfo da burguesia que seu apogeu se deu, já que é ela quem escancara ainda mais um tipo de relação com as coisas ao seu redor, que preza somente e simplesmente pela aparência e afirmação perante os seus e os outro. A partir dessas discussões, serão analisados os contos “Teoria do medalhão” e “O espelho”, a fim de mostrar como este fenômeno é um instrumento que ajuda a marcar o humor e a ironia do escritor, desmascarando, de maneira subentendida, a hipocrisia dessa classe social no século XIX com seus jogos de aparências, enfatizando o contraste entre a dicotomia aparência e essência.

Palavras-chave: Kitsch. Burguesia. Machado de Assis.

A FIGURA FEMININA AFRODESCENDENTE NA CONSTRUÇÃO DO CONTO MACHADIANO

Rebeca Cristina da Silva Souza (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A escravidão, até os dias atuais, é um assunto de extrema relevância, pois marcou uma considerável camada populacional que sofreu durante um extenso período em busca de liberdade. Machado de Assis é um escritor que denunciou a violência sofrida pelos negros durante esse período. O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da figura feminina na perspectiva de Machado de Assis. Dessa maneira, consiste em observar a mulher afrodescendente sob a ótica machadiana. Durante a segunda fase de Machado, isto é, fase ficcional é a mulher branca que prevalece em seus textos como Capitu, Marcela, Sofia e tantas outras. Todavia, nos contos, principalmente, o autor tem uma interessante ótica afrodescendente sobre a mulher negra e a opressão que ela sofre no período escravocrata. Nesta estética afrodescendente, Machado de Assis utiliza o jornal, as crônicas, os contos e os veículos de comunicação para retratar a questão do negro, dos escravos e o paternalismo da época. Através da “estratégia de caramujo”, ou seja, de forma velada e escrevendo nas entrelinhas como um caramujo, o escritor revelava nos seus textos os graves problemas pelos quais passavam os escravos do Brasil. É nesse percurso, que Machado de Assis escreve sobre a temática feminina afrodescendente. Assim, utilizando de suas personagens para trazer uma crítica a sociedade da época. As protagonistas Lucrécia, Arminda, Mariana e Elisa narram a realidade de uma sociedade que não respeita os direitos ao indivíduo. Por meio da construção desses contos machadianos percebemos um período escravista, o qual foi dominante no Brasil ao longo do período imperial. Com isso, as personagens são privadas da liberdade e sofrem as agruras e opressões da escravidão. Desse modo, percebemos na construção dos contos ‘‘Mariana’’, ‘‘Virginius’’, ‘‘Pai contra mãe’’ e ‘‘O caso da vara’’ a presença de uma sociedade escravocrata e patriarcal, o qual o exímio escritor rompe os paradigmas e dogmas da época ao relatar o que realmente acontecia com as mulheres negras durante a escravidão. Em contrapartida, o escritor traçava críticas as mulheres brancas na composição desses contos, isto é, Machado mostrava as senhoras da época e as negras escravas. Os contos afrodescendentes de Machado de Assis relatavam de maneira realista como acontecia os sofrimentos dos negros. Essa evidência é comprovada no conto ‘‘Pai contra mãe’’, o qual Arminda sucumbe ao perder seu filho devido aos intensos castigos sofridos na luta corporal em busca de liberdade. E no conto ‘‘O caso da vara’’ Lucrécia sofre com as varas de sua senhora. Além do conto, ‘‘Mariana’’, o qual a escrava ‘‘quase senhora’’, que como Arminda opta pela fuga da casa de seus senhores por saber da impossibilidade de ser correspondida pelo seu grande amor. Ela é levada à situação de prisioneira e sofre com grandes castigos e acaba optando pelo suicídio. Sendo assim, o nosso objetivo principal é perceber os recursos do autor ao compor suas obras na perspectiva afrodescendente, além de observar o contexto histórico, político, social e afrodescendente de Machado de Assis. Outro fator a ser analisado é a comparação da mulher negra com a branca vista sob a ótica machadiana. Com isso, esse trabalho busca observar a estrutura das obras, suas personagens e as violências sofridas durante o período escravocrata como o estupro e os açoites, que levaram por diversas vezes ao suicídio. Neste sentido, o presente estudo tem como intenção analisar a violência contra a mulher a partir das obras machadianas.

Palavras-chave: Machado de Assis. Afrodescendência. Escravidão. Figura feminina.

O GÓTICO-NATURALISTA MACHADIANO: UMA ANÁLISE QUANTO À RELAÇÃO DOS ASPECTOS ESTRUTURAIS E TEMÁTICOS DO CONTO “A CAUSA SECRETA”, DE MACHADO DE ASSIS

Raphael José Raggio Fernandes (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O escritor carioca Machado de Assis é considerado uma das maiores personalidades da literatura brasileira. Não apenas por sua versatilidade na escrita, destacando-se em diversos gêneros, mas também como consolidador do conto na literatura brasileira. Dentre sua extensa obra, destaca-se o conto A causa secreta, no qual são encontrados elementos vinculados aos movimentos gótico e naturalista. Voltando-se ao conto A causa secreta, ao analisar seu processo narrativo, é visível a importância do efeito estético do medo. Dessa forma, encontra-se um importante componente dessa arquitetação de medo, um tipo de personagem que faz parte da construção de uma Literatura de Medo: o monstro. Apesar de todas as características que tornam o monstro repulsivo, ele também seduz: As mesmas criaturas que aterrorizam e interditam podem evocar fortes fantasias escapistas; a ligação da monstruosidade com o proibido torna o monstro ainda mais atraente como uma fuga temporária da imposição (COHEN, 2000, p. 48). Essa característica é visível na narrativa em questão: na obra de Machado, Garcia é atraído de maneira involuntária por Fortunado graças aos seus gestos e atitudes peculiares, com intenções científicas, já que a personagem em questão é aspirante a médico, estando à beira de ser graduar. “Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860, estando ainda na Escola (...)” (ASSIS, 2007, p. 368). Além do viés gótico, toda a construção narrativa também se vincula a outro esquema literário pertencente ao período de escrita do conto machadiano: o naturalismo. Se analisado de maneira atenta, o conto traz consigo diversos elementos comuns ao imaginário naturalista, como o cientificismo e o vislumbre do patológico. Voltando-se à personagem Garcia, torna-se perceptível o sentimento motivacional, o qual é movido pelo que se torna a peça chave da trama: a curiosidade. Logo ao início, durante a apresentação das personagens Garcia e Fortunato, que apesar de se encontrarem casualmente em diversos momentos, o interesse de um pelo outro só é formado no teatro de São Januário onde começa a observá-lo atentamente. Em um primeiro momento, durante a peça e, sucessivamente, ao caminho de casa. Assim, a partir dessas duas situações, Garcia assume o papel de Observador, dirigindo toda sua atenção às atitudes e reações de Fortunato, que assume o papel de Agente, ao longo da narrativa. Esses papéis são enfatizados com maior vigor no terceiro encontro, quando Fortunato socorre um homem, Gouveia, com a ajuda de Garcia que fica estupefato com a reação daquele ao longo dos cuidados necessários. Apesar de todo o estranhamento de Garcia, tal entra em um dilema de repulsa e curiosidade por Fortunato. Seu papel é reforçado com o pressuposto de seus estudos universitários analíticos ao ser humano. Dessa forma, Fortunato se torna para Garcia um espécime em estudo analítico, ou seja, a curiosidade por aquele fora criada a partir de sua natureza médica. Essa figura médica é bastante usual e demarca grande importância dentro de uma estrutura naturalista, como traz na obra O Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro, de Émile Zola. Nela, o autor traz noções configuradas da obra Introdução ao Estudo da Medicina Experimental, do médico Claude Bernard, as quais serão aplicadas no seu método chamado romance experimental. Dessa forma, o trabalho em questão propõe estabelecer uma leitura do conto A causa secreta, de Machado de Assis, dando luz aos elementos góticos e naturalistas, enfatizando as construções de suas respectivas personagens, o processo de monstruosidade e o sadismo.

Palavras-chave: Machado de Assis. A causa secreta. Gótico. Naturalismo.

Mesa 15 – Lírica brasileira Debatedor: Maycon da Silva Tannis (PUC-Rio)

REPRESENTAÇÃO DA UTOPIA: CONTEMPLAÇÃO, CONVITE E ENCANTAMENTO NO POEMA RITO DO IRMÃO PEQUENO DE MÁRIO DE ANDRADE

Adriane Lima Pinho (Programa de Pós Graduação em Letras da UERJ)

Os estudos literários no Brasil forneceram muitas leituras acerca de uma estética até então nova e que revolucionou o olhar para as artes durante o século xx. O chamado Modernismo marcou não apenas por sua proposta inovadora como também pelo desejo de romper com o que se considerava valorizado pelos excessos do tradicionalismo infecundo de certa moral parnasiana ainda presente nesse contexto artístico das primeiras décadas do século passado. Dentre os diferentes autores presentes na efervescência desse movimento, podemos destacar um nome de fundamental importância nesse cenário. Neste caso, falamos do poeta, prosador e intelectual Mário de Andrade. Este intelectual enveredou no caminho da pesquisa logo cedo. Seus gostos iam desde teoria musical, passando pelo estudo de grandes músicos, até o recolhimento de objetos populares e, claro, a literatura. Nesta última segue a atenção deste trabalho. Que caminhos o teriam levado até a confecção do Livro Azul, produção que pretendemos tratar? Para postular esse questionamento basta dizer que tal escrito é uma obra que destoa das inúmeras outras produzidas pelo autor. Com o objetivo de situar o presente estudo de acordo com as referências dispostas, efetuou-se então a divisão do trabalho em partes. A primeira diz respeito ao Modernismo, a contribuição biográfica do autor na participação de seu legado artístico para a renovação do lirismo brasileiro. Chamando a atenção para sua figura intelectual e o valor artístico de sua produção, procurar-se-á articular os caminhos trilhados pelo poeta até o avanço de sua produção poética. A segunda parte, tratará do Livro Azul, objeto central desse estudo. Obra composta por apenas três poemas, Livro azul carrega em sua linguagem um curioso processo de camuflagem da voz lírica, demonstrando uma nova perspectiva da aspiração poética conduzida por Mário. Apresentar-se-á uma análise da presença de um imaginário utópico na construção do poema “Rito do irmão pequeno”, que traz em seu enunciado um novo tópos onde se resgata o conceito de uma esfera não afetada pelo progresso. Buscaremos então demonstrar tal construção utópica particular do poeta, levando em conta sua vontade de experimentar um novo espaço que lhe possibilitasse a desejada paz a seu tempo e o mergulho no azul de si. Propõe-se analisar o impulso utópico específico do momento em que Mário escreveu o “Rito do irmão pequeno”, onde deu-se a presença do caráter de repouso, assegurado através do contato com a natureza primitiva e do distanciamento das urbes modernas. Esse impulso utópico quando tratado no suporte da linguagem foi capaz de construir um imaginário que integrou em si uma rede de signos alegóricos ao longo dos versos líricos do poema. As tendências estéticas do poeta detalharam todo o esboço pensado de acordo com sua sinceridade de artista. A sobreelevação das sensações, a maleita e o repouso justificam uma categoria cosmogônica que despejou em certa regressão singular um imaginário utópico, um desejo de utopia que tomaria como símbolo fundamental a matriz Amazônica. Portanto, estudaremos a partir dos textos abordados o caminho do imaginário utópico produzido por Mário, na busca de tatear as possibilidades que as imagens do poema Rito do irmão pequeno sugerem. Nesse sentido, o presente trabalho visa examinar as estruturas de criação apresentadas no Livro azul, recorrendo para isto a estudos já realizados por teóricos que se debruçaram sobre a obra do poeta modernista.

Palavras-chaves: Mário de Andrade. Livro Azul. Poesia. Utopia.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO: ESCRITA SEM FALA

Carlos Eduardo Ferreira de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho tem por finalidade pensar a flutuação entre a voz e a escrita em alguns poemas de João Cabral de Melo Neto. A gradação entre a voz alta e o sussurro, o balbucio e o rumor e entre o silêncio e o ruído. Como objetivo ainda, situar a voz como materialidade reflexiva da escrita e algumas implicações dentro do contexto da poesia. Através de poemas endereçados ou relacionados a alguns personagens do universo do poeta caracterizar seus procedimentos e suas notas críticas. A busca da desvinculação do autor a partir de procedimentos de controle da enunciação, imprimindo um tom neutro, substantivo, concreto, que mantém determinada distância da função emotiva da linguagem. As reflexões buscam evidenciar a percepção e a importância dada ao registro da voz como camada expressiva do poema. Instrumental teórico colhido na fortuna crítica do poeta, notas de teóricos da literatura e, principalmente, os próprios poemas delimitarão o corpus deste estudo. Mediante aproximações, ora em poemas, ora em relatos extraídos de entrevistas, correspondências e estudos críticos, este estudo buscará construir uma hipótese para o posicionamento da voz em algumas passagens na obra de João Cabral de Melo Neto. Tal operação ainda verificará, nestas ocorrências, aspectos que possam estar relacionados com a vocalização e a oralidade na poética em questão. O objetivo principal deste estudo é estabelecer novas possibilidades exploratórias acerca das categorias de performatividade e enunciação na obra de João Cabral e com isso propor procedimentos para poemas em voz alta, ligados à representação teatral, e poemas que se consumam na leitura reflexiva, seja pelo caráter imagístico, seja pela elaboração estética. Apontando o momento em que a voz anima o poema e o que distingue a inscrição gráfica da expressão sonora, vocal/oral, consumada em performance. O poeta crítico que se impôs na poesia de João Cabral se nota nas demandas apontadas pela crítica desde então. A tensão referida nas diversas escolas e fases da poesia brasileira foi anotada com pertinência em seus ensaios críticos; a sua metapoesia encontra relevância ainda hoje nas implicações entre poeta, publico e a tradição. Utilizando como fundamentação algumas referências teóricas de circulação consistente, a pesquisa aproxima à poética cabralina dos elementos destacados na cena poética atual. Cumpre pontuar que tal abordagem tem a finalidade de abrir novos procedimentos de leitura visando cobrir camadas latentes, discretas ou mesmo inaparentes na obra do pernambucano. Assim, convocando outras categorias e referenciais, estabelecer novos horizontes de leitura para um poeta crítico. Questões como série, oralidade, vocalização são examinadas em cotejo com alguns poemas. Há, notadamente, aproximações e transversalidades que se localizam no fazer de João Cabral, cumpre, portanto, no itinerário proposto por este estudo, abrir espaço de questionamento para ler Cabral com o aparato do século XXI. Passado vinte anos de sua morte, contando quase cem anos de seu nascimento, fica a questão: como ecoa a poesia das coisas de João Cabral de Melo Neto hoje?

Palavras-chave: Voz. Escrita. Vocalização. Oralidade. Dicção. Zumthor. Fala.

AS CANÇÕES DE VINICIUS DE MORAES COMO CRÔNICAS SONORAS

Hilda dos Santos Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Vinicius de Moraes foi o homem das mudanças. Tanto em sua vida pessoal quanto profissional. Foi diplomata, poeta, músico, cronista, autor de peças de teatro, crítico de cinema e de música. Um homem que fez com que a música popular se expandisse e entrasse dentro das casas nobres, o que antes era visto como algo inferior. Podemos ver ainda em suas crônicas o quanto ele estava atento às mudanças que aconteceram no país e no mundo, em especial, no Rio de janeiro. Com o processo de urbanização que a cidade sofreu e que modificou a vida das pessoas, retirando-as de seus habitats, coube ao cronista Vinicius esclarecer alguns assuntos, principalmente no que diz respeito ao surgimento do samba, suas raízes, seus principais nomes. Este trabalho se propôs a fazer uma análise das crônicas de Vinicius de Moraes para mostrar como elas foram importantes para a música popular e ainda buscamos verificar que algumas de suas músicas e poemas podem ser entendidas como crônicas sonoras, pois o mesmo diz não fazer uma distinção entre poesia e música. Para o presente estudo foram escolhidas duas crônicas musicais onde ele fala sobre o samba. Mostramos seu surgimento, seus fundadores, suas principais características e apresentamos o desenvolvimento do samba e seus desdobramentos: blocos de carnaval, escolas de samba. Além das crônicas foram escolhidos os poemas “Azul e branco” e “Rosa de Hiroshima”. O primeiro é de um poema que é uma homenagem à construção do edifício Gustavo Capanema, que foi o marco da arquitetura moderna. E o segundo foi um poema musicado pela banda Secos & Molhados que fala sobre os efeitos da guerra. Em ambos buscamos revelar como o fazer cronístico vai além da crônica propriamente dita. Alcança sua música e poesia. A crônica passa por um processo de evolução ao longo da história, deixando de ser uma coletânea de acontecimentos, para se tornar, no século XX, um dos gêneros literários mais populares e acessíveis a toda a população de maneira geral. A crônica brasileira se divide em antes e depois de Rubem Braga e de como o seu papel foi importante para a valorização da crônica como gênero literário. Após o Modernismo, outros grandes nomes também começaram a valorizar a crônica: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes entre outros. Das crônicas antigas ao que temos hoje, existe uma mudança de perspectiva, pois aquelas eram longas e objetivavam a transmissão de notícias; este era o papel do folhetinista até o início do século XX. Nas atuais, a diferença visível é a extensão e a maneira mais despojada de escrever. Existe uma variedade de crônicas escritas por Vinicius de Moraes com temas dos mais variados, mas um dos papéis mais significativos do fazer cronístico do poeta, principalmente nas crônicas que falam sobre a música, é enaltecer um grupo que jamais foi respeitado na sociedade: os negros. A valorização da cultura afro que tanto influenciou a música popular e a sociedade em geral, é abordada. Nos poemas selecionados apresentamos que o fazer crônica ultrapassa os moldes tradicionais. Mostrando o quanto o poeta soube adentrar na crônica sem deixar para trás suas características de poeta e compositor. Possibilitando novas leituras com o passar dos tempos. Dando à sua canção-crônica uma maior durabilidade temporal. Neste trabalho faremos um percurso pelas crônicas, poemas e canções de Vinicius de Moraes com o intuito de mostrar que a escrita viniciana, em muitos momentos, tem o caráter cronístico. Porém, ora seguindo o modelo de crônica, ora fugindo deste e dando-lhe uma outra roupagem em seus poemas e canções.

Palavras-chave: Vinicius de Moraes, crônica, canção, crítica.

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM NOS SONETOS DE JOAQUIM CARDOZO

Vinicius Esteves Ramos (Programa de Pós-Graduação em Letras – UERJ)

A obra poética de Joaquim Cardozo apresenta uma pluralidade de temas e formas. Seja sobre a cidade natal do poeta Recife, seja o próprio fazer poético, no que se refere a forma, Cardozo produziu de sonetos, poemas em versos livres até poesia caligráfica ao longo de sua obra. Escolhemos a forma fixa dos sonetos coligidos em sua segunda publicação Signo Estrelado (1960) para tentar compreender o processo de construção das imagens na poesia do poeta pernambucano que se dá através da utilização peculiar de substantivos e advérbios como adjetivos, da utilização da oposição de ideias entre outros recursos. Para isso acionaremos textos críticos como Signos em Rotação (1995), de Octavio Paz e Humildade, paixão e morte na Poesia de Manuel Bandeira (1990), de Davi Arrigucci Junior. Além de tentar compreender como a forma fixa do soneto interfere na construção dos significados criados pelo poeta, utilizando manuais de versificação como Versificação Portuguesa (1999) de Said Ali e O estudo Analítico do Poema (2006), de Antonio Candido. Assim, tentar compreender como a forma e o conteúdo contribuem para a expressão individual no processo de construção das imagens na poesia de Joaquim Cardozo.

Palavras-chave: Joaquim Cardozo. Sonetos. Literatura Brasileira.

Mesa 16 - Reflexões a partir da prosa portuguesa Debatedor: Marlon Augusto Barbosa (UFRJ)

COORDENADAS DA PROSA HUMORÍSTICA DE EÇA DE QUEIRÓS

Carolina Lopes Batista (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Após as conturbadas Conferências do Casino de 1871, Antero de Quental teria “encomendado” a Eça de Queirós um texto que transformasse seu ensaio político em ficção, para que fosse publicado em uma coluna da Revista Ocidental. Esse texto, depois de alguns anos e vários ajustes, tomou corpo sob o título de O crime do Padre Amaro. Apesar da história narrar a vida de um padre que na Leiria oitocentista se envolve com uma devota e a engravida, essa obra vai muito além da chocante premissa. Os principais problemas que Eça de Queirós observava em seu Portugal contemporâneo – resumidamente: instituições corrompidas por pessoas corrompidas em uma pequena e simplória cidade composta majoritariamente de pequenos burgueses, que estão presos a esse sistema corrupto e repressor que a religião sustém – são pontuados no romance de Eça através de uma escrita de humor ácido e sarcástico. É possível perceber tal “riso enviesado” tanto nas muitas situações criadas pela narrativa quanto nas palavras escolhidas cuidadosamente para descrever as cenas e os personagens. Segundo Georges Minois (2003), o cômico foi uma “arma” bastante eficiente ao longo da história humana, usada na luta contra os que detinham o poder, especialmente na Europa oitocentista. A nosso ver, essa foi uma importante ferramenta escolhida por Eça para representar aqueles a quem chamava de “patriotinheiros”, ou seja, cidadãos que se consideravam patriotas por idolatrar glórias passadas, mas que não só fechavam os olhos para os problemas de seus contemporâneos como também asseguravam a condição de atraso português em relação ao restante da Europa, vista como uma espécie de modelo pelos ainda jovens intelectuais que formaram a conhecida Geração de 70. Por essa razão, buscamos o riso dentro da narrativa – aquele que envolve as descrições de cenas, situações e personagens criados por Eça –, por acreditar que foi através dele que a ficção queirosiana melhor recriou criticamente a sociedade de seu país, estruturada a partir de um tacanho modelo burguês. Dessa forma, este trabalho tem o propósito de apontar alguns dos métodos usados por Eça de Queirós para construir a sua crítica em forma de humor. Para tal, alguns autores – críticos e teóricos – serão de extrema importância para a análise: Ernesto Guerra da Cal, com seu importante livro para os estudos eciana Língua e estilo de Eça de Queiroz; os diversos textos de Monica do Nascimento Figueiredo e Carlos Reis sobre o grande autor português e O crime do Padre Amaro; Isabel Pires de Lima e sua explicação sobre a miséria em Portugal no século XIX em O complexo ideológico da “miséria portuguesa” em Eça; Manuel de Paiva Boléo, em O realismo de Eça de Queirós e a sua expressão artística; e os grandes nomes na análise do riso ao longo da história humana, tais como Mikhail Bakhtin – A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais e Questões de literatura e de estética (a teoria do romance) –; Wolfgang Kayser – O grotesco: configuração na pintura e na literatura –; Henri Bergson – O riso –; além de alguns importantes filósofos da Antiga Grécia, como Cícero e Aristóteles; entre outros.

Palavras-chave: O crime do Padre Amaro. Eça de Queirós. Riso. Humor.

CRÔNICAS DE DEFESA DAS EXPANSÕES MUÇULMANAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO FUNDAMENTAL DO RIO DE JANEIRO

Robson Rafael de Oliveira Nascimento (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Com base numa análise em nove livros didáticos de História direcionados ao 7º ano da rede municipal do Rio de Janeiro, intentamos fazer um paralelo com algumas crônicas medievais portuguesas. As obras de Fernão Lopes, Gomes Eannes de Zurara e de outros importantes escritores do Medievo revelam uma exaltação dos feitos cavaleirescos em nome da fé cristã, ao passo que nota-se uma releitura das expansões muçulmanas dos séculos VII e VIII inclinada a favorecer o lado mouro naqueles grandiosos conflitos por posse de território. Propõe-se, portanto, nesta pesquisa mostrar as estratégias argumentativas dos livros didáticos selecionados com vistas ao enaltecimento das dominações islâmicas e suas contribuições. As crônicas cristãs medievais enaltecem as pelejas em nome do Deus católico como gesto de virtude cavaleiresca para tomar posse de territórios ou defendê-lo de invasões ganham particular engrandecimento sem panoramicamente mostrar as consequências dessas guerras no que foi derrotado. Lemos, desse modo, o ressurgimento de tal cronística unilateral na pós-modernidade em livros didáticos direcionados ao 7º ano do Ensino Fundamental. Seria uma mudança na narrativa, um ponto de vista que enaltece os feitos dos muçulmanos em sua expansão dos séculos VII ao IX, como “conquistadores”, “não escravizadores dos povos dominados” e “tolerantes com a religião alheia”, tópicos que elucidaremos nesta comunicação. As crônicas portuguesas a serem trabalhadas exaltam a guerra por motivação religiosa para subjugo dos considerados infiéis e gentios. Já as “crônicas” pós-modernas verificadas nos livros didáticos, buscam, em oposição à visão cristã dos escritos de Fernão Lopes, Zurara e de outros, criar uma outra narrativa sob a ótica dos invasores islâmicos. Desse modo, temos como objetivo mostrar certas estratégias linguístico-argumentativas, tanto pelo texto quanto por suas omissões no ensino dessa matéria que fazem crer na criação de um novo relato acerca das expansões muçulmanas. Vale a pena ressaltar, no entanto, que ocorrem diversas leituras nos livros didáticos do 7º ano direcionados a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro no que diz respeito a dominação islâmica, que pretendemos abordar, uma vez que notamos nesta pesquisa significativas diferenças entre eles. Não há, portanto, unanimidade entre os livros didáticos quanto ao assunto, a ótica de maneira geral é direcionada pela questão econômica, pela brevidade do relato de guerra e (o mais grave) por grandes omissões em relação às mazelas causadas pela dominação maometana. Por essa razão, concluímos que há o surgimento de novas crônicas desejosas de dar um enfoque diferenciado a estes importantes acontecimentos da segunda metade do primeiro milênio tendo como alvo altear as campanhas belicosas dos muçulmanos bem como o legado cultural deixado por aqueles exércitos.

Palavras-chave: Cavalaria. Cristã. Guerra. Islã. Muçulmanos.

A OBRA DE ADELINA LOPES VIEIRA

Sérgio Abreu (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

A presente pesquisa pretende lançar luz acerca da produção literária de Adelina Lopes Vieira. A autora nasceu em Portugal em 1854 e veio para o Brasil com a família aos seis anos de idade. Filha de um médico, seu pai veio residir com a família em Campinas. Encontramos diversos textos, sobretudo poemas, da autora em jornais brasileiros e portugueses. Sua qualidade como escritora foi aclamada no eixo luso-brasileiro tendo tido grande destaque em sua época aparecendo na imprensa aclamada por vezes juntamente com seu célebre coetâneo Machado de Assis. Porém, para a posteridade, sua história e obra caíram em um silêncio pouco compreendido. Curiosamente, a irmã caçula de Adelina, Julia Lopes de Almeida, vem nos últimos anos sendo um nome célebre nos estudos literários que discutem questões femininas e de autoria de mulheres na literatura brasileira. Entretanto, sobre Adelina Lopes Vieira ainda existem lacunas buscamos completar. Foram publicados por Adelina três livros: Contos infantis (1876) – parceria coma irmã Julia Lopes de Almeida Margaritas (1879) – poesia; Destinos (1890) – contos; além de uma vasta produção de textos para a imprensa periódica. A autora tratava em geral de temas ligados ao feminino e é nesta temática que pautamos nosso trabalho. Os textos publicados pelas mulheres por muitas vezes reforçam os estereótipos e pensamentos de sua época, pois qualquer coisa que fugisse muito daqueles padrões seria uma voz rapidamente abafada. Dessa maneira, o que nos importa são as lacunas que essas autoras conseguiram preencher apenas pelo fato de escreverem. Elas conseguiram consolidar um tipo de imprensa voltada ao público feminino e, mesmo que com mais dificuldade, publicar obras em volumes. Uma mulher não tinha acesso a dinheiro mesmo que rica e publicar livros era algo caro que o marido deveria permitir e pagar por aquilo. Tirando os casos de heranças dadas às mulheres solteiras e viúvas as quais conseguiam ter mais controle sobre suas vidas financeiras era preciso de uma autorização masculina para a impressão. Seus livros vinham sempre prefaciados por homens como uma forma de aval para leitura da obra e que algumas vezes podemos supor que não haviam lido. A partir de um levantamento na hemeroteca digital brasileira para conseguirmos seus traços da biografia de Adelina Lopes Vieira, conseguimos reunir uma série de textos publicados nos jornais, (como uma coluna semanal intitulada Palestras Femininas), a participação em eventos literários e beneficentes e anúncios da venda dos livros que publicou. A partir da leitura de sua obra e de seus textos publicados na imprensa, buscamos questões da condição feminina da época com o intuito de entender como a autora a compreendia. O trabalho visa, sobretudo, tirar do esquecimento a obra de Adelina Lopes Vieira e contribuir para o estudo da escrita de autoria feminina eixo luso- brasileiro dos oitocentos.

Palavras Chave: Mulheres. Adelina. Luso-brasileiro. Feminino. Imprensa.

O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE PORTUGUESA OITOCENTISTA E ALGUMAS RELAÇÕES COM O CONTO “AMOR DE FILHA”, DE GUIOMAR TORRESÃO

Tamara Roza Campos Amaral (Programa de Pós-Graduação latu sensu em Letras da UERJ)

Restringida às atividades de serviço doméstico, a mulher do séc. XIX não era vista com muita credibilidade social, sua imagem era apenas complementar ao seio familiar. Seu papel na sociedade era ter obediência ao pai e ao marido, procriar e cuidar do lar, sem tirar a autonomia do homem como o “chefe de família”. É perceptível que a sociedade já havia estabelecido há muito tempo um “molde” no qual a mulher deveria se encaixar: ser dona de casa, cuidar do marido, educar os filhos, e viver sempre na guarda de um homem, sem a capacidade de sobreviver por conta própria. O que ocorre é que nem todas se conformavam a esse papel. Não raro, estas mulheres, como se não fosse o bastante escrever, algumas ainda publicavam e obtinham lucro financeiro com as publicações. Guiomar Delfina de Noronha Torresão (Lisboa, 1844-1898) foi uma escritora portuguesa que viveu financeiramente de sua escrita. Colaborou com periódicos em Portugal e no Brasil, como Diário de Notícia, Diário ilustrado, Artes e Letras, Ilustração Portuguesa e A Leitura, mas tornou-se mais popular com sua participação no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro e chegou a editar o seu próprio, o Almanaque das Senhoras. Guiomar foi ficcionista, ensaísta, poetisa e dramaturga. Algumas de suas obras são: Uma Alma de Mulher (1868), A Voz Feminina (1869), Rosas Pálidas (1873), A Família Albergaria (1874), Meteoros (1875), No teatro e na Sala (1881), prefaciado por Camilo Castelo Branco, e Diário de uma Complicada (1894). Nunca casou nem teve filhos, tendo vivido até a data de sua morte com sua irmã, Maria Felismina de Noronha Torresão. Podemos dizer que Guiomar Torresão faz parte de um coletivo de escritoras portuguesas de seu tempo. Antecedida por Marquesa de Alorna, Maria José da Silva Canuto, Antónia Gertrudes Pusich, Maria Peregrina de Sousa, entrando no campo literário do qual também faziam parte Ana Plácido e Maria Amália Vaz de Carvalho, sucedida por Ana de Castro Osório, Virgínia Victorino, Florbela Espanca, e a lista escritoras portuguesas contemporâneas entre si ainda poderia se estender. Sua presença no meio intelectual mostra que mesmo com todas as dificuldades, algumas escritoras continuavam a lutar por um lugar. Todas elas fugiram do padrão feminino de sua época, dotadas de uma educação excepcional. Algumas frequentavam ou organizavam salões literários, como o criado e mantido por Maria Amália Vaz de Carvalho; o mesmo no qual, também era frequente a elite intelectual portuguesa composta por Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Contudo, estas participações sociais tão singulares ganhavam espaço também na ficção de autoria feminina, representando a sociedade como elas a viam ou como gostariam que fosse. Assim, a personagem Luísa do conto “Amor de Filha”, publicado em Rosas Pálidas (1873), exprime-se no que já havia de mais antagônico – e natural – na mulher da sociedade oitocentista portuguesa: se de um lado Luísa integrava os grandes salões e relutava ao casamento arranjado pelo desejo em se casar por amor; de outro lado, nunca havia cogitado fugir para vivê-lo. Assim, o objetivo deste trabalho é relacionar algumas temáticas relacionadas à vivência feminina naquela sociedade presentes no conto “Amor de filha”, de Guiomar Torresão, como: a castidade, a administração do dote, o casamento, o amor e a honra, para fazer um contorno da situação das mulheres e escritoras no Portugal do século XIX.

Palavras-chave: Século XIX. Mulheres. Sociedade. Literatura. Guiomar Torresão.

Mesa 17 – Discurso, ideologia e política (II) Debatedor: Marcelo Leal Lima (UFRJ/UNIR)

NARRATIVAS ORGANIZACIONAIS E AS ORDENS CONTEMPORÂNEAS DO DISCURSO: O ESTUDO DE CASO HINODE

Allan da Silva Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UERJ)

Este trabalho tematiza o uso de narrativas como estratégia de discurso organizacional, a partir dos critérios da Análise do Discurso Crítica (ADC). Segundo Fairclough (1996), as ordens contemporâneas do discurso se caracterizam por uma padronização discursiva que acaba refletindo no discurso das organizações, tendo como consequência a falta de autenticidade que é manifestada em enunciados institucionais. A essa padronização é dada o nome tecnologização do discurso, teoria que servirá de base para a análise dos dados gerados. As narrativas, de acordo com Linde (2001), são um importante instrumento de aprendizagem de um conhecimento tácito que diz respeito à identidade de um grupo: o que representa ser um membro e como ele deve ser. Segundo Brown & Thompson (2013) as organizações são uma densa rede de histórias identitárias que estão fortemente implicadas na construção das identidades individuais e coletivas. Trata-se, para Linde (2001), de um processo no qual os membros de determinada instituição são motivados e capacitados a aprender a contar a histórias por eles mesmos, ponto de vista que corrobora com o ponto de vista de Boje (1991), autor que entende as organizações como sistemas de contação de histórias em um meio que permite unir memórias institucionais e pessoais. Autores provenientes da área de estudos organizacionais, como Cogo e Nassar (2001) entendem que o bom uso das narrativas podem trazer resultados positivos dentro de uma cultura organizacional. Gabriel (2001) defende que elas, por serem memoráveis e capazes cativar a atenção dos ouvintes, são importantes para a assimilação de conhecimento dentro das organizações. A natureza dessa ferramenta institucional leva ao questionamento central que motiva este trabalho: podem essas narrativas ser um instrumento da tecnologização do discurso? Os dados deste trabalho são provenientes da análise de palestras e treinamentos da empresa Hinode, uma empresa que se caracteriza, principalmente, pela venda de cosméticos e por sua estratégia comercial, baseada em uma atividade em rede conhecida como marketing multinível, (ou marketing de rede) um modelo de remuneração em rede no qual profissionais independentes, sem o uso de um estabelecimento comercial, vendem produtos, bens ou serviços, recebendo comissões, bônus ou prêmios para cada negócio bem sucedido. O diferencial desse modelo é a linha patrocinadora, a pessoa que recruta o futuro membro, apresentando a oportunidade de negócio e ensinando esse novo entrante a desenvolvê-lo, recebendo posteriormente gratificações pelas vendas desse membro recrutado (Roveri, 2003). A natureza desse modelo de negócio levanta questionamentos concernentes à ética, sendo muito parecido com os esquemas de pirâmide, embora não sejam ilegais, devido a existência de um produto a ser vendido. Entretanto, o mais relevante, para esta pesquisa, sobre o marketing de conteúdo é a importância do constante recrutamento, o que torna o uso das narrativas uma fundamental estratégia de divulgação da marca. Visando facilitar a chegada de novos membros e treinar os já existentes, alguns dos mais bem sucedidos representantes de empresas que adotam esse modelo recorrem constantemente a esse recurso discursivo, como no caso de Evandro Vianna, o mais bem sucedido representante da Hinode. Evandro constantemente recorre a narrativas de experiência nas palestras e treinamentos dados em nome da empresa, sendo alguns deles divulgados em canais do Youtube, de onde são extraídos os dados a serem gerados. O enfoque das análises desses dados estará nas origens das estratégias discursivas presentes nas enunciações, além das implicações éticas concernentes aos valores que são transmitidos nessas palestras e treinamentos.

Palavras-chave: Narrativas. Análise crítica do discurso. Marketing multinível. Discurso organizacional.

“EM BRIGA DE MARIDO E MULHER, QUEM METE A COLHER?” – ANÁLISE DE POSTAGENS NO FACEBOOK SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Ana Cecília Trindade Rebelo (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CAPES)

A rede social Facebook, assim como outros espaços do mundo digital, pode ser considerada como um palco de embate entre discursos antagônicos, no qual se poderia observar uma disputa de sentidos acerca de questões que circulam na sociedade em nossos dias. Um exemplo de tais movimentos pode ser observado em postagens e seus respectivos comentários que narram situações de violência contra o corpo feminino, especificamente em casos de violência doméstica. Em tais narrativas, é possível perceber tanto o embate sobre o que poderia ser considerado ou não como um ato de violência e sobre como é construída a imagem do sujeito que passa por tais situações (se é tratado como vítima do ato, como de certa forma responsável pelo que lhe aconteceu por não se portar e/ou vestir de uma determinada maneira que seria a considerada correta ou ideal no imaginário de uma sociedade, como sujeito que teria direito à voz e à contestação do que lhe acontece, podendo clamar por ações da Justiça contra aqueles que lhe ameaçam ou causam qualquer tipo de dano, ou como somente um corpo que é constituído, validado e regrado por seu exterior, sem voz e sem dizeres sobre o que vivencia em sociedade), quanto a quais redes de sentidos os diferentes dizeres se encontram entrelaçados (e aí teríamos diferentes e numerosas redes de sentidos que poderíamos denominar como conservadoras, tradicionais, cristãs, patriarcais, machistas, capitalistas, etc., e os deslocamentos, falhas, e rupturas nessas redes que poderiam apontar para sentidos outros). Para observar tais movimentos, utiliza-se como ponto de partida para a pesquisa e constituição do corpus as hashtags utilizadas nas postagens e respectivos comentários que serão posteriormente selecionados e recortados. Hashtags são utilizadas na internet, em redes sociais como o Facebook, para identificar mensagens e/ou fotos relacionadas a um tópico específico, sendo compostas pela palavra-chave do assunto antecedida pelo símbolo cerquilha (#). Elas funcionam como indexadores para facilitar buscas por uma informação específica dentro da internet. Nos últimos anos, é possível observar uma intensificação de movimentos de utilização de tais indexadores para, entre outros motivos e propósitos, trazer a uma esfera de discussão pública produções de efeitos de sentidos sobre o que poderia ser considerado como uma busca por conscientização sobre diferentes problema sociais, como em nosso caso específico o de violência contra mulheres (seja da forma que for, moral, sexual, física, patrimonial, psicológica...) a partir de narrativas normalmente mantidas na esfera privada, postagens essa que se utilizam de chamadas como #violenciadomestica, entre outras hashtags. Para o presente trabalho recortamos uma postagem no Facebook que se utiliza da hashtag mencionada, assim como seus comentários em resposta, todos postados no ano de 2016, para compor nosso corpus de análise. A partir da base teórica da Análise do Discurso Materialista (de acordo com Pêcheux e Orlandi, principalmente), observamos os movimentos de disputa de sentidos sobre as imagens de mulher e de violência doméstica. Propomos assim uma reflexão sobre as condições de existência de um sujeito mulher em nossa sociedade atual, considerando as forças em disputas e alianças que atuam sobre tal sujeito.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Mídias Digitais. Violência contra a mulher.

DIREÇÃO DISCURSIVA: FORÇA E MOVIMENTO NO ENCONTRO ENTRE POSIÇÕES ENUNCIATIVAS DIVERGENTES

Estêvão de Carvalho Freixo (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

É consabido que a política brasileira vem atravessando considerável agravamento da tensão entre seus polos ideológicos desde as manifestações espontâneas do povo nas ruas durante o ano de 2013, o que se fez registrar na narrativa histórica mais recente como as "jornadas de junho". Dividida em evidente e marcada oposição, a população tem se organizado de modo a pressupor o antagonismo de seus posicionamentos. Assumindo uma atitude de enfrentamento direto, que toma a posição adversária como situada além das margens do campo do dizível, cada um dos polos em jogo se orienta por mecanismos discursivos que cuidam de interditar a palavra do outro. Admitindo o estatuto que Maingueneau atribui à polêmica, quando a define como fenômeno constitutivo das formações discursivas, nos aplicamos neste trabalho ao exame das formas pelas quais os polos antagônicos do espectro político brasileiro se afastam e se repelem mutuamente. Nessa direção, discutimos os procedimentos de exclusão adotados pelas formações discursivas e seus efeitos de interincompreensão durante a interação semântica das posições enunciativas divergentes. Como estratégia metodológica, nos apropriamos de dois instrumentos. De um lado, fizemos uso da semântica estrutural de A. J. Greimas, por meio da qual localizamos em cada um dos sistemas discursivos determinadas estruturas elementares que se mostraram constitutivas de seu funcionamento próprio, de sua lógica discursiva imanente. De outro, aproveitamos a avaliação que Jacques Moeschler realiza acerca dos atos de refutação em seu trabalho intitulado Dire et Contredire. Em particular, fizemos uso da tipologia das refutações que o autor propõe, na qual discrimina o enunciado negativo em três tipos especiais: retificação, refutação proposicional e refutação pressuposicional. Na produção de nosso córpus, selecionamos duas colunas redigidas para o jornal Folha de São Paulo, cujos textos se inscrevem em posições discursivas adversárias situadas em cada um dos polos da polarização política brasileira. Dos textos adotados, a primeira coluna foi produzida pelo então deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, em 26/07/2016, momento em que lançava sua candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro; e a segunda, publicada em 11/12/2017, é de autoria de João Amoedo, empresário e cofundador do Partido Novo, que participou da disputa pela Presidência da República durante as eleições de 2018 no Brasil. Neste material, procedemos ao exame dos mecanismos por meio dos quais uma das posições procurava afastar-se de sua opositora, marcando no discurso as unidades de sentido que deveriam ser rejeitadas, ao mesmo tempo em que a elas contrapunha os valores que deveriam em seu lugar ser validados e admitidos. Como resultado, pudemos verificar, em decorrência do nosso exercício de análise, a necessidade da posição polemizadora de tomar a palavra de seu outro, para afirmar a sua própria no mesmo passo em que recusa a de seu oponente. A não equivalência entre os funcionamentos discursivos apareceu especialmente na forma como o lexema "igualdade", quando contestado pela segunda posição analisada, precisou situar-se no interior de uma nova grade semântica, engendrando consequências bem diversas daquelas existentes no sistema anterior. Assim, pudemos perceber que, no funcionamento discursivo de cada uma das posições em exame, o processo dedutivo que as estruturas elementares suscitam segue um caminho que é particular e constitutivo do sistema ao qual elas estão integradas.

Palavras-chave: interincompreensão. procedimentos de exclusão. polarização política.

ÀS MULHERES, FLORES!: ANÁLISE DOS ATORES SOCIAIS NO DISCURSO MINISTERIAL

Rayanne Cholbi de Assis (Programa de Pós-Graduação lato sensu em Letras da UERJ)

As mulheres e tudo o que foi relacionado ao universo feminino durante milênios foram desprestigiados em relação ao padrão de patriarcado vigente na sociedade ocidental. Fatores diversos contribuíram para a dominação de gênero tanto no espaço privado quanto no espaço público. No Brasil, o número de casos de violência contra a mulher são altos e têm crescido nos últimos anos. Portanto, o presente trabalho busca analisar como a atual ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2019) representa os atores sociais em seu discurso oficial no lançamento de uma campanha de combate a esse tipo de violência que seu ministério visa diminuir. Para tanto, serão utilizadas como referencial teórico as categorias de representação verbal dos atores sociais do linguista Theo van Leeuven (2008). O extrato que será analisado foi retirado de um pronunciamento oficial publicado pelo jornal O Globo em março de 2019. Serão analisados apenas os atores sociais inseridos no discurso da ministra em relação a como mulheres devem ser vistas e tratadas pelos homens, segundo seu pronunciamento. Uma leitura simples de um texto, às vezes, não está atenta ao conteúdo que ele deseja compartilhar; por meio da análise dos atores sociais presentes em um texto é possível encontrar mais informações que agreguem concordância com o que está sendo dito, ou, ao contrário, revelem um ponto de vista contrário ao que está sendo afirmado. O linguista Theo van Leeuwen (1997, p.187) explica que o objetivo desse estudo se baseia em “[...] investigar que opções são feitas em que contextos institucionais e sociais, e por que é que estas escolhas são feitas, que interesses é que as servem, e que propósitos são alcançados.” Em seu livro Discourse and Practice (2008), van Leeuwn elaborou algumas categorias para tentar entender quais ideias autores de discursos, sejam eles orais ou escritos desejam compartilhar com seus ouvintes ou leitores; como eles desejam representar as pessoas sobre as quais eles discursam. No pronunciamento da ministra Damares Alves há um caso de supressão com o uso do “se” apassivador e a exclusão do agente da ação: “[...] como se pregou no passado algumas ideologias, 'já que a menina é igual, ela aguenta apanhar'.” No trecho seguinte, é possível encontrar dois atores sociais ativos e dois passivos. O ator social “nós” é o agente que executa a ação de ensinar e “meninos” a ação de levar; “meninos” é também passivo em relação a ação de ser ensinado, e “meninas” passivo a ação de levar/receber. “Nós vamos ensinar nossos meninos nas escolas a levar flores para as meninas” No mesmo exemplo anterior da fala da ministra há dois casos de genericização em “meninos” e “meninas”, que não se referem a ninguém específico, mas faz uso da forma plural sem artigo para mencionar dois grupos genéricos de pessoas: crianças do sexo masculino e crianças do sexo feminino que frequentam escolas. Quando é desejado explicitar a diferença entre duas pessoas ou dois grupos, a diferenciação é usada para expressar o contraste entre o ‘eu’ e o ‘você’ ou o ‘nós’ e o ‘eles’. Como é o caso do trecho abaixo, em que a ministra diferencia a ideologia pregada pelo governo anterior (eles) e a do governo vigente do qual faz parte (nós). “Enquanto meninos acharem que são igual [sic.] a meninas, como se pregou no passado algumas ideologias, 'já que a menina é igual, ela aguenta apanhar'. Nós vamos dizer para meninos que meninas são iguais em oportunidades e direitos [...]” No caso a seguir, a duas identificações, que são realizadas por classificadores de gênero e idade, “menino” e “menina”. “Enquanto meninos acharem que são igual [sic.] a meninas [...]” Espera-se, futuramente, continuar essa pesquisa analisando mais atores sociais e aprofundando a base teórica pautada na Análise Crítica do Discurso para estudar outras perspectivas acerca do discurso verbal.

Palavras-chave: Atores sociais. Análise do discurso. Mulher. Discurso ministerial.

Mesa 18 - Literatura e outras linguagens Debatedor: João Victor Sanches da Matta Machado (UFRJ)

TEORIA DO CINEMA EM “TRÍPTICO NA MORTE DE SERGEI MIKHAILOVITCH EISENSTEIN”

Bruno Araujo Salgueiro (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Ao dominar diversas técnicas de composição poética, como soneto, balada, ode, elegias, verso livre, entre outros, Vinicius de Moraes foi um dos poetas mais versáteis e completos do Brasil. Além disso, colaborou com o enriquecimento da cultura nacional de maneira notável, seu envolvimento com os campos da crítica cinematográfica, dramaturgia e elaboração de roteiros para filmes comprovam essa tese. No entanto, Vinicius de Moraes é conhecido principalmente como músico e compositor, bem como um dos fundadores do movimento Bossa Nova, tal fato restringe, evidentemente, seu trabalho como colaborador em diversas outras áreas da cultura geral. Para contribuir com a elucidação da universalidade artística de Vinicius de Moraes, a relação de sua poesia com a arte cinematográfica será contemplada como evidencia da versatilidade do poeta brasileiro. Vinicius de Moraes percebia o cinema de maneira muito particular. Para ele, o cinema, como arte, deveria ser completamente mudo e preto e branco. Além disso, o cineasta precisaria participar de toda produção do filme, desde a decupagem até a montagem, o que não é comum nos filmes atuais. A fim de explicitar de que maneira essa visão de cinema se fez presente na obra de Vinicius de Moraes, o cineasta russo Serguei Eisenstein foi escolhido para dialogar com a obra do poeta, tal escolha se justifica porque Vinicius enxergava no cineasta um modelo ideal na criação de cinema. Além disso, Serguei Eisenstein foi importante para o desenvolvimento da arte cinematográfica, pois muitas de suas teorias influenciaram gerações posteriores que colaboraram para a consolidação do cinema como arte, como Orson Welles, que o considerava um verdadeiro mestre da montagem; John Ford, Akira Kurosawa, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Andrei Tarkovski, entre outros. Portanto, assim como é importante exaltar o legado da poesia de Vinicius de Moraes, da mesma forma, se faz necessário recuperar a presença de Eisenstein no cenário atual, já que suas teorias da montagem (como a montagem de atrações) se tornaram essenciais para o cinema. Nesse sentido, o presente artigo vislumbra analisar algumas das técnicas mais importantes do cineasta russo à luz da poética de Vinicius de Moraes. Para tanto, o poema “Tríptico da morte de Sergei Mikhailovitch Eisenstein”, do poeta brasileiro, será utilizado como suporte dessa análise. Essa escolha se deu pela forma como o poeta engloba, de certa maneira, toda a filmografia e as técnicas do cineasta na composição de seu poema. Além disso, parte da biografia do cineasta será contemplada para melhor apreciação do avanço e uso das técnicas artísticas de Eisenstein na composição de seus filmes. Dessa forma, pretende-se destacar o domínio da técnica de poesia na obra do modernista brasileiro. Isso se evidencia na maneira como o poeta faz uso de formas fixas tradicionais, como o soneto, de uma maneira muito particular, sobretudo ao transpor, ou mesmo reproduzir, a maneira como Eisenstein pensava as técnicas do cinema para seu tríptico poético. Sendo assim, espera-se que o presente estudo contribua para a pesquisa em poesia e em arte, bem como a recuperação do legado desses dois grandes artistas de alcance universal.

Palavras-chave: Vinicius de Moraes. Sergei Eisenstein. Poesia. Cinema. Arte. Crítica.

A MARCA DE SHAKESPEARE

Heloísa Dias Queiroz (Mestrado em Literaturas de Língua Inglesa – UERJ)

Adaptações estão por toda parte: seja na natureza, com a transformação e evolução das espécies, seja na comunicação e na literatura, com o ajuste que realizamos na linguagem e na forma com que contamos histórias, alterando-as de acordo com o público-alvo da mensagem. Muitos estudiosos como Walter Benjamin e Roland Barthes já dedicaram seu tempo a entender como se dá o processo de contar histórias, focando principalmente em como novas histórias são derivadas de outras. Após milhares de anos de produção de arte, é mais do que natural que obras artísticas pré-existentes, ao alcançarem um determinado status e popularidade, se tornem fonte de inspiração para a produção de novo material. Atualmente, grande parte dos filmes cinematográficos assim como muitas das séries de TV mais populares consistem em adaptações de outras obras, principalmente obras literárias de autores consagrados. Como exemplos, podemos citar a série “O Conto da Aia”, baseado no livro de mesmo nome de Margaret Atwood e o filme “It: A coisa”, de 2017, baseado também na obra homônima de terror de Stephen King. Considerando o universo das adaptações, um nome claramente se destaca: William Shakespeare. O dramaturgo não somente pode ser considerado um grande adaptador teatral, sendo o responsável pela popularização e imortalização de diversas histórias, como também pode ser considerado como o autor que mais vezes serviu de fonte de inspiração para adaptações em diversas mídias, sendo um dos autores adaptados mais conhecidos de todos os tempos. Seu nome alcançou tal status dentro e fora da literatura que não é exagero dizer que se tornou uma marca. Com a afirmação “O que é que há em um nome?”, que aparece na peça Romeu e Julieta (II. 2, 46) como pergunta-chave, meu projeto de pesquisa visa analisar a trajetória da canonização de Shakespeare e como tanto seu nome como o de suas peças funcionam como marcas próprias para adaptações cinematográficas modernas, que, ao atribuírem características específicas a esses novos produtos culturais, tendem a aumentar seu reconhecimento e, consequentemente, o seu desejo de consumo para um público específico. O corpus da minha pesquisa se debruça sobre as peças Romeu e Julieta (1623) e A Megera Domada (1623) e os filmes “10 coisas que odeio em você”(1999), “Era uma vez” (2008) e “ Romeo+Juliet” (1996), visando entender como operam as diferenças nas adaptações de tragédias e comédias dentro do nicho cinematográfico de filmes para adolescentes e como isso se reflete na imagem de marca de Shakespeare. Meu aporte teórico conta com Michael Dobson (1992) e Marjorie Garber (2008) para entender como se deu a canonização de Shakespeare, assim como Linda Hutcheon (2006) e Julie Sanders (2006) para entender as adaptações como obras com valor próprio e uma arte que consiste em algo mais do que simplesmente reproduzir o que já foi feito. Além disso, serão usados os pensamentos de Rothwell (1999), Russel (1999) para entender como se deram as as adaptações cinematográficas da obra de Shakespeare, bem como os entendimentos de Desmet e Sawyer (2007) sobre outros tipos de apropriações de Shakespeare. Finalmente, porém não menos importante, será considerado o modelo de construção de marca proposto por David Aaker para discutir o valor da marca de Shakespeare e a Teoria da Recepção, assim como seus estudiosos Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, fornecerão as ferramentas necessárias para investigar como essas adaptações são percebidas de maneira positiva ou não por seus espectadores.

Palavras-chave: William Shakespeare. Estudos da Adaptação. Adaptação Cinematográfica. Branding.

'CÍRCULOS DE FRAGMENTOS’: UMA LEITURA DA POESIA INTERMIDIÁTICA DE ANA MARTINS MARQUES

Juliana dos Santos Gelmini (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este artigo analisa os efeitos de sentidos construídos pelas práticas intermidiáticas na poesia brasileira contemporânea de Ana Martins Marques (Belo Horizonte, 1977). Segundo Clüver, o conceito de intermidialidade “implica todos os tipos de interelação e interação entre as mídias; uma metáfora frequentemente aplicada a esses processos fala de ‘cruzar as fronteiras’ que separam as mídias” (2011, p.9). A partir dessa convergência de discursos, Irina Rajewsky (2012) apresenta três subcategorias de práticas intermidiáticas: (1) a transposição midiática, a exemplos de adaptações fílmicas de textos literários, novelizações, entre outros; (2) a combinações de mídias, manifestações como óperas, filme, teatro, performance, manuscritos com iluminuras, história em quadrinhos, instalações computadorizadas, entre outras; (3) as referências intermidiáticas, referências, em um texto literário, a outras mídias, como a um filme ou/e a certas técnicas cinematográficas (edição de montagem, tomadas em zoom, por exemplo), “também a musicalização da literatura, a transposition d’art, a écfrase, referências em filmes a pinturas ou em pinturas à fotografia e assim por diante” (apud NUNES; RIBAS,2016, p.495). Nosso modo de operar volta-se a terceira das subcategorias de intermidialidade: as referências intermidiáticas, tomando por base, principalmente, o exercício de transcriação da écfrase (ekphrasis). A presente abordagem lida, portanto, com a relação entre a mídia poema (texto literário) e as referências aos aspectos de mídias visuais. E lida também com a tessitura da memória. Para tanto, neste estudo, busca-se realizar uma leitura semântica formal dos poemas selecionados: “Copa”, “Cozinha”, “Sala”, “Cortina”, alocados na seção “Arquitetura dos Interiores”, de A vida submarina (2009); e “Fruteira” e “Cortina”, alocados na seção “Interiores”, de Da Arte das Armadilhas (2011). Os poemas referidos nos dão a ver imagens dos interiores da casa, sendo a casa uma das paisagens privilegiadas na composição poética de Ana Martins Marques. Tratam-se de um inventário poético marcado pela subjetividade dos nossos gestos cotidianos, sendo atravessado pelos valores de morte, solidão, tempo, identidade, por exemplo. Em sua poesia pictórica, busca-se analisar o hibridismo entre o poema e o quadro denominado “Vanitas”, um dos temas do gênero de natureza-morta, como também o hibridismo entre o poema e a fotografia. Assim, nessa sequência tramada fio a fio, busca-se investigar a tessitura entre o todo e suas partes nas referidas paisagens dos interiores da casa. Nesse “círculo de fragmentos”, as fronteiras permeáveis entre as mídias configuram uma poesia visual entrelaçada à reflexiva, propondo, por meio desse inventário poético, um gesto de recriar a sobrevivência de nossas memórias diante da transitoriedade da vida. Nesse sentido, busca-se observar também de que modos os objetos e cômodos retratados se afastam da lógica funcional para responder a uma ordem afetiva de testemunho, lembrança, nostalgia, sendo tomados como superfícies de memórias, como testemunhas que perduram nossa breve passagem no mundo.

Palavras-chave: Intermidialidades. Poesia e artes visuais. Poesia brasileira contemporânea. Ana Martins Marques.

O CASTELO DA ILUMIARA: UMA REFLEXÃO MÍTICO-SIMBÓLICA SOBRE TEXTO E IMAGEM EM DOM PANTERO NO PALCO DOS PECADORES

Thaísa Menezes de Assis (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Ariano Suassuna costumava expor em suas entrevistas que, quando jovem, a literatura era a sua arte e a ela queria dedicar-se, ainda que não exclusivamente. Foi, portanto, no ano de 1946, aos dezenove anos, ao ingressar na Faculdade de Direito de Recife, que o autor fez sólidas amizades e pôde desenvolver-se intelectualmente através das experiências da época de estudante. Também neste período, o autor dá início, em periódicos e suplementos de jornais da capital pernambucana, à publicação dos seus principais poemas ligados ao romanceiro popular e nordestino. Além disso, para compreendermos os valores que permeiam a construção do imaginário de Suassuna, faz- se necessário lembrarmos de sua notável presença no Movimento Armorial, pois foi durante esta “idealização” transformada em movimento que se torna explícita a busca por uma arte efetivamente nacional. Diante das intensas mudanças sociais e culturais pelas quais o país atravessava desde a década de 1950, Suassuna idealiza um grupo que, formado por outros artistas, tinha por objetivo cultivar uma arte legitimamente brasileira através do resgate de formas tradicionais, carregada de influências ibéricas, sem deixar de destacar a base da cultura popular nordestina, enaltecendo os traços do imaginário desse povo. A iniciação artística através do Armorial levou-o a se tornar conhecido principalmente como dramaturgo, embora ele também tenha produzido como romancista, artista plástico, poeta, entre outras atividades (dentre as quais as de professor universitário e teórico da literatura). Destaca-se, em sua produção, a articulação entre cultura erudita e popular, evidente em sua obra teatral, como um traço que estará presente também em toda a sua produção intelectual. Através dos romances, autos populares e folhetos da literatura de cordel, Suassuna recria um imaginário nordestino ligado aos traços ibéricos e medievais encetados pela estética armorial − construindo cenários, enredos e personagens − capazes de manter relações com o espírito mágico e emblemático do barroco brasileiro. Além disso, Suassuna desenvolveu- se como artista plástico, ofício que compõe um diversificado conjunto de obras − desenhos, gravuras, esculturas, pintura − que ultrapassam as famosas e admiráveis iluminogravuras e, integrando-se ao texto, consolidam de forma direta e profunda o seu trabalho de escritor. Dessa maneira, a partir da leitura das obras O Jumento Sedutor e O Palhaço Tetrafônico que compõem o romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2017), obra póstuma de Ariano Suassuna, que amalgama os vários gêneros praticados pelo menestrel artista que ele foi ao longo de sua vida, objetivamos analisar a fusão de formas textuais e paratextuais presente nestas obras, com o intuito de demonstrar como o processo de criação romanesca do autor assimila e interage com outros tipos de produção artística. Para fundamentar essa relação intrínseca entre os signos verbais e não-verbais, tomaremos, como suporte teórico, nomes como: Arbex (2006), Barthes (1990), Buoro (2002), Clüver (2011), Eco (2012), Gonçalves (1994), Mangel (2009), Paz (1996), Simões (2017), contando, ainda, com a fortuna crítica do autor. Sendo assim, ao analisar a obra Dom Pantero no Palco do Pecadores (2017), esperamos, sem esgotar as possibilidades de interpretações, entender como se articula a relação entre as artes visuais e verbais na obra suassuniana, uma vez que, ultrapassando o campo literário [arte temporal] para abranger o das artes plásticas e o das artes de síntese, especialmente o teatro, elas acabam empregando a visão do autor acerca da cultura brasileira, fazendo com que a sua obra póstuma represente a súmula de sua produção como artista e como pensador.

Palavras-chave: Ariano Suassuna. Artes. Cultura Popular. Intermidialidade. Literatura.

Mesa 19 – O feminino e a literatura (I) Debatedora: Mariana Sousa Dias (UFF)

DA GÊNESE DOS CADERNOS ÀS INTERVENÇÕES NO QUARTO DE DESPEJO

Fabiana Julião de Souza Lapa (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho tem como objetivo analisar o percurso editorial da primeira obra de Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, do momento em que o jornalista Audálio Dantas teve acesso aos seus escritos em cadernos recolhidos nos lixos, utilizados como diários, até o lançamento do livro, marcante para sua difusão nos dias atuais. Não apenas na edição inicial, como nas seguintes, há lacunas sobre a fidelidade das transcrições, anunciadas no prefácio da edição de 1960. Mesmo afirmando que respeitou a grafia e a narrativa do manuscrito “sem alterar uma palavra para compor o livro”, há material comprobatório sobre intervenções significativas, como supressão de termos do conteúdo original, alterando a semântica, correções ortográficas que se distanciam da proposta de manutenção da originalidade da obra, produzida por uma favelada que teve acesso à educação escolar por dois anos. O levantamento reforçou a hipótese do protagonismo do jornalista e também editor nesse processo, influenciando a narrativa do diário. Analisando o contexto favorável à obra, desde a esfera política, até a literária, incluindo as intervenções feitas para a publicação do livro, o resultado é uma escrita direcionada, propositalmente destinada à venda e a leituras rápidas. Quarto de Despejo (1960) é um retrato literário que cumpre perfeitamente essa função política conveniente por tratar-se de uma escrita testemunhal sobre o cotidiano de Carolina e dos moradores da Favela do Canindé, espaço da narrativa, assim como o de muitos trabalhadores que tentavam uma vida melhor, oriundos de outras regiões do país.

Palavras-chave: Carolina Maria de Jesus. Narrativa testemunhal. Intervenção editorial.

O FEMININO NOS PRIMÓRDIOS DA BURGUESIA: AS VOZES DE CAROLINE VON WOLZOGEN E MARIA BENEDICTA BORMANN/DÉLIA

Juliana Oliveira do Couto (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ3)

A escrita de Caroline von Wolzogen encontra-se afastada da produção de Maria Benedicta Bormann por praticamente um século, mas, ao atentar-se às circunstâncias sociais às quais ambas as escritoras estavam atreladas, a fronteira cronológica sofre um considerável apagamento. A autora alemã presenciou a ascensão da burguesia e a alteração nos valores vigentes no século XVIII, ao passo que a brasileira vivenciou esta reconfiguração social no século XIX. Nesta nova estrutura social, a mulher torna-se um ser circunscrito ao lar, cujos passos são rigorosamente vigiados. Sua castidade, valiosa moeda de troca no mercado dos bons casamentos, é lançada ao posto de bem precioso, que deve ser preservado a todo o custo, afinal, o título de mulher virtuosa apresenta-se como fundamental nesta sociedade pautada na dominação masculina. Neste contexto, portanto, veda-se à mulher todo papel social de destaque desempenhado além das fronteiras domésticas. Tornar-se escritora, como Caroline e Maria Benedicta o fizeram, transgredia, portanto, todas as normas de decência impostas às mulheres de seu tempo, afinal, o estímulo ao intelecto deveria se restringir às figuras masculinas, estas sim, responsáveis pelo desempenho de funções “sérias” e públicas na sociedade concebida e comandada pelos homens. Esta profunda alteração na estrutura social encontrou reflexos na literatura de Caroline von Wolzogen e Délia, seja apenas retratando, seja opondo-se ferozmente ao novo conceito de moral. O presente trabalho destina-se, portanto, a

3 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 observar o papel da mulher conforme representado nos romances Agnes von Lilien (1798), de Caroline von Wolzogen, e Lésbia (1890), de Délia, atentando à sua função em uma sociedade que negligenciava a sua voz. Ambas as escritoras cometeram a ousadia de empunhar suas penas em pleno império da opressão exercida pelo sexo masculino sobre o feminino e marcaram, assim, a literatura, cedendo à posteridade significativos documentos de suas épocas. A distinção de tom entre as obras – a atmosfera de Agnes aproxima-se da sensibilidade, ao passo que Lésbia apresenta uma do amargor e da acidez, no que se refere às figuras das protagonistas – configura-se como um fator essencial ao presente trabalho: a observação do discurso feminino em suas diversas nuances. Cabe frisar, por fim, que apesar de haver uma considerável distância entre as produções das escritoras em questão e o presente século, a análise de seus escritos se apresenta como um fator relevante em um cenário no qual as pautas femininas se afirmam. Lançar um olhar para o passado torna-se, por conseguinte, não somente um modo de afirmar o discurso de nossas predecessoras, mas uma forma de compreender o presente e vislumbrar um futuro no qual a escrita de autoria feminina se encontre liberada de pré-julgamentos.

Palavras-chave: Caroline von Wolzogen. Délia. Literatura feminina.

A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E O DEVIR-MULHER: INTERSEÇÕES ENTRE FEMININO, FALAR DE SI E PRÁTICA LITERÁRIA

Luisa Benevides Valle (Mestre em Filosofia pela Université Toulouse – Jean Jaurès)

Temos assistido recentemente a um grande número de livros escritos por mulheres ganhando espaço em livrarias e em eventos literários. Diversos são os temas abordados pelas autoras, assim como os gêneros literários em que seus textos se enquadram. Entretanto, por mais variada e rica que seja tal produção, comumente ela é atravessada por questões relacionadas ao feminino e ao que significa ser mulher. O filósofo francês Gilles Deleuze nos fala que não há devir-homem. Enquanto forma de expressão dominante e normativa, o homem não precisa tornar-se homem, ele simplesmente é. Já a mulher necessita fazer um movimento de devir-mulher. Tal como é, ela não está pronta para o social: seu corpo, sua profissão, sua vida sexual e amorosa passam necessariamente por processos de conquistas. Não se nasce mulher; em alguns momentos, para algumas de nós, torna-se. Na literatura, enquanto personagens homens encontram-se às voltas com reflexões sobre a vida e o humano, personagens mulheres, ao se debruçarem sobre tais questões, trazem consigo problemáticas relacionadas ao feminino. Para tais personagens, seriam então reflexões sobre a vida inseparáveis de reflexões sobre o que é ser mulher? Isabela Figueiredo, professora e escritora moçambicana, em seu livro “A gorda”, se vê às voltas com o adiamento de uma identidade que por ora ainda não conquistou: para ser “o que veio cá ser”, ela necessita ganhar espaços dentro e fora de si. Ela precisa tornar-se. Meu intento no presente trabalho é, portanto, pensar em que medida a literatura contemporânea escrita por mulheres pode criar condições para um devir-mulher. Para além de um eixo teórico de estudos, a pesquisa também contará com um eixo prático, através da criação de uma oficina de escrita de mulheres. A partir da leitura literária de autoras mulheres e de propostas de exercícios de escrita, o objetivo da oficina será discutir temas relacionados ao feminino, tendo como horizonte a possibilidade de experimentar o devir-mulher através da literatura. Acredito que a relevância deste tema, entre outros aspectos, está na possibilidade de enxergar a academia também como um espaço para falar de si. Sou graduada em psicologia e atuo na área; a articulação entre clínica e literatura me é, portanto, de grande interesse. Grada Kilomba, escritora e psicóloga portuguesa com raízes em Angola e São Tomé e Príncipe, ao falar sobre o modo de fazer academia das intelectuais negras, afirma que elas criam um novo discurso com uma nova linguagem. Elas se nomeiam, fazem teoria ao falarem de si. Uma epistemologia inteiramente oposta ao academicismo tradicional, supostamente neutro e universal. Isabela Figueiredo também fala de si em seus livros. Ao afirmar que as personagens de sua narrativa são “mera ficção e pura realidade”, estaria ela criando uma gramática de si mesma? Uma gramática de si: será que a literatura escrita por mulheres teria as condições necessárias para atingir um devir-mulher, possibilitando a autoras e leitoras a criação de novas narrativas próprias? Em “Cadernos de memórias coloniais”, Isabela Figueiredo nos diz precisar de uma identidade e de uma gramática, ou melhor, de poder mostrá-las sem medo. Através do estudo teórico e da criação da oficina, pretendo, portanto, analisar as possíveis convergências entre o falar de si, a prática literária e o devir-mulher.

Palavras-chave: devir-mulher. falar de si. clínica. oficina de escrita.

TRADUZINDO A NEGRITUDE, (BIO)NECROPOLÍTICAS E A REPRESENTAÇÃO DO TRAUMA/FERIDA COLONIAL EM PONCIÁ VICÊNCIO, DE CONCEIÇÃO EVARISTO E KINDRED: LAÇOS DE SANGUE, DE OCTAVIA BUTLER

Valeria Silva de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A presente comunicação objetiva refletir brevemente sobre a tradução cultural da negritude em Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo e Kindred: Laços de sangue, de Octavia Butler. Embora as referidas obras de origem afro – mais especificamente afro- brasileira e afro-americana, respectivamente - traduzam uma experiência negra específica localizada em diferentes contextos e espaços geográficos, o presente estudo busca compreender os processos de ressignificação do ser negro representado nas referidas obras, tendo em vista os pontos de reflexão que se apresentam, seja pela interseção, seja pelo distanciamento. Conforme sugere Maria Aparecida Andrade Salgueiro (2011), “dentro das paisagens culturais do presente, marcadas por contradições e conflitos, faz-se urgente a presença incisiva das reflexões oriundas do campo das Humanidades e, em especial, a produção de novos saberes comparatistas [...]” (SALGUEIRO, 2011, p. 73). Nesse sentido, as representações das formas de controle e aniquilação do Outro serão analisadas a luz do conceito entendido como intercessor de ‘necropolítica’ (MBEMBE, 2018a; 2018b) e/ou ‘bio-necropolítica’ (LIMA, 2018). Homem coisa. Homem objeto. Homem mercadoria. Para que essas concepções de homem moderno tenham servido de fundação para uma estrutura hierarquizada das relações de poder por tantos anos, quiçá séculos, as fabulações e as práticas cotidianas de subjugação do Outro tem se solidificado e se fortalecido mutuamente diariamente. É justamente por meio do estabelecimento de uma relação hegemônica, brutal e aniquiladora entre uma narrativa inventada e a práticas diárias, que colonizador se sente autorizado a pensar no Outro como inumano desde os primórdios das grandes navegações. As consequências dessa forma de pensar são inúmeras e extremamente nocivas. É a partir desse contexto que Achille Mbembe propõe o termo Necropolítica para conceptualizar “a expressão máxima da soberania” a qual consiste na capacidade de “controle sobre a mortalidade” do Outro (MBEMBE, 2018a). Ao pensar especificamente as representações literárias em contexto estadunidense e, principalmente, afro-brasileiro, Fátima Lima propõe o termo bio-necropolítica (2018) para traduzir não só o controle sobre a mortalidade, mas também sobre a vida do ser negro. Além dos mecanismos de controle e opressão do colonizador, as obras também encenam como a dor e sofrimento físico e psíquico se instalam e encontram formas de expressão através das personagens que constituem as referidas obras primárias e que são marcadas pela ferida colonial. Dessa forma, a raça enquanto ficção materializada no corpo e a violência que toma forma por meio de práticas racistas resultam na produção de um sofrimento psíquico que é traduzido na concepção de Grada Kilomba (2016) e Jota Mombaça (2017) como trauma e toma forma e expressão na contemporaneidade principalmente por meio de obras literárias afroidentificadas. Finalmente, cabe destacar a importância das escritas ficcionais de autoria feminina as quais tratam a presente comunicação no contexto de rasura e disputas de narrativas e ressignificação de vivências afroidentificadas. Segundo Mombaça, se o mundo é meu trauma, é preciso ser maior: “porque se o mundo, que é meu trauma, não para nunca de fazer seu trabalho, então ser maior que o mundo é meu contratrabalho” (MOMBAÇA, 2017). Nesse sentido, entende-se as referidas obras literárias como a materialização do incessante e profícuo contratrabalho de Conceição Evaristo e Octavia Butler.

Palavras-chave: Tradução cultural. Traduzindo a negritude. Trauma. Ferida colonial. (Bio)necropolítica.

Mesa 20 – Literatura infantojuvenil, quadrinhos e ilustrações Debatedor: Jhonatan Rodrigues Peixoto da Silva (UERJ)

REPRESENTAÇÕES DE MEDO E PERIGO EM ILUSTRAÇÕES: ERA UMA VEZ UM BALÃO E NUMA NOITE MUITO, MUITO ESCURA

Felipe Ribeiro Campos (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Em Era uma vez um balão, livro escrito por Júlio Emílio Braz e ilustrado por Jean-Claude R. Alphen, um balão fica imóvel no canto seguro de uma sala enquanto vê a vida passar através de uma janela aberta, onde ele acompanha o movimento, o ir e vir de pessoas e carros e se questiona o porquê de estar preso à ideia de segurança acomodado no cômodo enquanto perde a oportunidade de explorar o mundo que está além do que ele conhece, mesmo estando tão próximo, até finalmente criar coragem e flutuar livre e sem limite. Por outro lado, Numa noite muito, muito escura, livro escrito e ilustrado por Simon Prescott, um ratinho sai da floresta onde vive e atravessa a cidade em uma jornada noturna solitária cheia de adversidades e sob olhares de predadores, onde sombras escondem diferentes contratempos. Enquanto no primeiro as cores azul e amarelo representam os ambientes interno e externo, a calmaria da zona de conforto em contraste com as inúmeras possibilidades e novidades que o balão veria, escuridão – como se quisesse ficar escondido – e luz – para se mostrar na decisão do enfrentamento –, tristeza e ânimo e a diferença entre inércia e impulso; o segundo é colorido em tons terrosos - se distanciando assim do comum azul escuro da noite – valoriza silhuetas para aumentar o grau de tensão, coloca elementos que não estão no texto e segue o rato como se fosse uma câmera em um filme mudando constantemente o ângulo para dar a impressão de que o animal é muito pequeno em cenários que facilmente o subjulgariam. Segundo a pesquisadora Nelly Novaes Coelho, “o ponto de apoio para a ação das personagens é o espaço (ambiente, cenário, cena, mundo exterior). Ele determina as circunstâncias locais, espaciais ou concretas, que dão realidade e verossimilhança aos sucessos narrados. Sua importância na efabulação é idêntica àquela que o mundo real adquire em nossa vida cotidiana”, e tais características são facilmente encontradas nos dois livros usados como objetos, mesmo que um seja sobre medo de se aventurar e fique dividido entre dois espaços enquanto o outro sai de locais abertos até se encaminhar para lugares fechados que mesmo assim ainda passam a sensação de que são enormes. Ainda usando Coelho como referência, podemos dizer que “a atmosfera criada pelo espaço pode transmitir sensações de calor, frio, luminosidade, escuridão, opressão, transparência, bem-estar, fatalidade, leveza, colorido, opacidade, etc.” e podemos entender quando Alphen utiliza o recurso das cores para o jogo de dentro/fora e Prescott com diversos pontos de vista. Especificamente sobre histórias de medo, o roteirista Scott Snyder escreveu em um de seus depoimentos que “o terror de qualidade pega aquilo em que a gente encontra segurança e transforma em ameaça”, então a cidade movimentada durante um dia iluminado ou uma rua deserta à noite são possíveis cenários de histórias assustadoras dependendo de como as histórias serão contadas. Importante apontar mais uma diferença entre as duas obras analisadas: a primeira foi feita a quatro mãos, parceria entre escritor e ilustrador, enquanto no segundo o autor é escritor e ilustrador, o que nos faz pensar também na questão da autoria do criador de texto e também no criador de imagens, como esses dois trabalhos se unem e também pensar qual seria a diferença de um autor que tem apenas uma função e precisa de outro e aquele que acumula as duas. A apresentação tem o objetivo de mostrar a ilustração como ferramenta importante para trazer informações que não estão no texto, criando desta forma, além da atmosfera necessária, uma segunda narrativa que é lida junto com o que está escrito.

Palavras-chave: Ilustração. Medo. Livro ilustrado. Livro infantil.

IDENTIDADES E IDENTIFICAÇÕES NOS QUADRINHOS

Gabriel Braga Ferreira de Melo (Doutorado em Estudos da Literatura – UERJ)

Os personagens das histórias em quadrinhos – que não se restringem exclusivamente a super-heróis – tomaram o nosso mundo atual. Cinema, televisão, até mesmo livros, todas as mídias se renderam aos personagens que tiveram sua origem na celulose das revistas em quadrinhos e, hoje, você pode encontrar tais figuras praticamente em qualquer lugar para onde você dirija seu olhar. Mesmo com essa multiplicidade de mídias disponíveis para os personagens de histórias em quadrinhos, são as páginas do formato em que eles são publicados mensalmente desde o final da década de 1930 – em especial quando falamos dos super-heróis – que ainda guardam uma grande importância para que entendamos tanto a influência que esses personagens possuem no nosso mundo quanto a que eles sofrem da nossa realidade. Existem inúmeras características da mídia dos quadrinhos que contribuem para tal importância se manter mesmo com a expansão para outras mídias, entretanto, o caráter mensal das publicações das revistas e a liberdade de possibilidades infinitas de criação em páginas que não precisam se preocupar com orçamentos de CGI, limitações físicas ou salários bilionários que pesam na viabilidade do produto são, talvez, os dois fatores mais importantes. Enquanto cinema e televisão são limitados por tempo de duração e horários de exibição, os quadrinhos são muito mais livres. Com uma liberdade maior para se aprofundar em certos questionamentos e com a velocidade/necessidade de se adaptar às mudanças do mundo a cada novo mês, as histórias em quadrinhos, além de entreter, nos trazem um retrato da sociedade que nos cerca e problematizam seus costumes. Tendo em mente essa característica dos quadrinhos de crítica social que molda e é moldada pela realidade da sociedade em que é publicada, este projeto visa analisar como se dá a discussão e a problematização das questões culturais de identidade e de pertencimento nos quadrinhos tanto em seu formato mainstream quanto no seu formato de graphic novel e quais os pontos de contato e de diferenciação entre as abordagens e representações em cada um dos dois formatos de quadrinhos analisado. Para alcançar tais objetivos, utilizo os suportes teóricos de autores como Eco (2011 [1964]) e Bauman (2013 [2011]) na discussão do papel dos quadrinhos como um veículo de cultura. A questão do hibridismo em García Canclini (2008), da tradução em Hall (2005) e Spivak (2010), e da caracterização do sujeito que vem de fora e o relacionamento entre ele e o que o recebe presentes em Landowski (2002) também serão abordadas. Resgato ainda, uma vez mais, Bauman (2001 [2000]) e Hall (2009 [2003]), o primeiro para abordar as questões da modernidade líquida e o segundo para melhor compreender as diásporas. Ao longo de todo o projeto, serão empregadas reflexões de diversos teóricos de quadrinhos como Santiago García (2012), Knowles (2008), Dittmer (2013) e Dalton (2011) para costurar a relação entre os quadrinhos e as questões da Literatura e Estudos Culturais. Pretende-se verificar, assim, que, no atual momento, conforme novas identidades vão assumindo protagonismo nos quadrinhos e fazendo suas vozes serem ouvidas, cada vez mais o multiculturalismo é abraçado pelas histórias em quadrinhos e, assim, acabam apresentando novas formas de identidades em maior consonância com os tempos atuais e que visam contemplar a diversidade cultural dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Quadrinhos. Comics. Identidade. Deslocamentos.

A EMBRIAGUEZ E A PRODUÇÃO DE NOVOS SENTIDOS: UMA LEITURA DE CONTRADANÇA, DE ROGER MELLO

Luciana Borges Conti Tavares (Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio)

Sombras, indefinições, insinuações. Assim, apostando em uma zona de embriaguez em que imagem e reflexo se misturam, o autor e ilustrador brasileiro Roger Mello, ganhador do Prêmio Hans Christian Andersen, cria Contradança, o livro ilustrado em que conta a história do encontro entre uma pequena bailarina e um macaco, na loja de espelhos do pai da menina. Em um cenário de inúmeras possibilidades dadas pelos espelhos, as personagens da narrativa encenam uma espécie de contradança com seus corpos e imagens, em diálogo com o texto, criando um jogo que amplia a própria palavra que dá título à obra, ressaltando nela seu sentido menos usual que se refere a uma situação instável. É esse lugar movediço que interessa a esse trabalho, que pretende explorar, em diálogo com os escritos sobre a embriaguez do filósofo Walter Benjamin, o espaço criado pelo artista entre o corpo das personagens e a imagem, como que se instalasse nesse intervalo uma zona de instabilidade menos perigosa do que promissora de novos sentidos. Para isso, é necessário analisar a construção das imagens da obra - fotografias que exploram diferentes volumes, a luz e a sombra para criar novas possibilidades aos corpos das personagens e, assim, contribuir para o borramento das fronteiras entre o real e o imaginário – e o diálogo delas com o texto da narrativa, que vai colocar em tensão, segundo a hipótese desse trabalho, papéis tão claramente marcados no imaginário da literatura para crianças, como os da bailarina e do macaco, sem explicitar, em momento algum do texto, essa intenção. Uma tensão gerada no diálogo entre a escrita textual e imagética do autor na obra, como se dá nas imagens dialéticas, no sentido dado por Walter Benjamin. As fotografias de Roger Mello dialogam, na obra, com desenhos e textos, abrindo novos sentidos e, assim, permitindo ao leitor/expectador a experiência de novas tempos e diferentes ordens na narrativa. O texto, nessa obra, está sempre a reboque da imagem, servindo como legenda para a cena exposta pelo autor nas fotomontagens do encontro entre a menina e o macaco. Uma legenda, no entanto, que não entrega uma história fechada para seu leitor/expectador, mas abre novas perspectivas para as cenas compostas por elementos distintos, que não guardam nenhum parentesco. É nesse espaço ilusório que a imagem de Roger Mello ganha potência. É nele que o autor monta a cena em que se dá o diálogo entre a menina e o macaco e é, também, nele que esse trabalho vai transitar em busca das artimanhas textuais e imagéticas da narrativa de Contradança. Artimanhas que permitiriam ao leitor experimentar o imaginário infantil, que, segundo a hipótese desse trabalho, se situa nesse lugar de possibilidades em que as fronteiras que separam o real e o imaginário estão borradas, permitindo à criança transitar entre natureza e cultura. Uma criança sempre atenta às coisas do mundo, mas que ainda não as têm catalogadas e classificadas, e que, por isso, está aberta a ver nelas sentidos que a linguagem excluiu. Contradança, nessa perspectiva, é uma obra que nos aproxima da experiência da infância, vivida, segundo o filósofo Giorgio Agamben, na linguagem, por nos colocar diante de uma narrativa que aposta na embriaguez, na indefinição e na incompletude que há na linguagem, para criar novos sentidos na literatura infantil contemporânea.

Palavras-chave: Literatura infantil. Roger Mello. Walter Benjamin. Embriaguez. Fotografia.

LITERATURA INFANTOJUVENIL: SINGULAR OU PLURAL

Nayana Ferraz da Fonseca (Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Letras da UFF)

Este resumo visa a propor a apresentação oral de um artigo que questione a nomenclatura “infantojuvenil” enquanto termo híbrido e singular de um gênero que atende a gostos, necessidades e competências literárias muito distintos. O gênero literatura infantojuvenil carrega, em si, dois conceitos: o de “literatura” e o de “infantojuvenil”, sendo este igualmente binomial – além de arbitrário. A literatura não esgota suas possibilidades de definição, posto que se trata de uma forma de expressão artística, por isso muda conforme mudam suas percepções, isto é, conforme a época, cultura, representação e produção. Nesse sentido, a literatura pode ser contemplada a partir de uma perspectiva histórica ou estética – enquanto teoria das qualidades do sentir –, tornando-se um substantivo ao qual se sobrepõem, muitas vezes, os adjetivos. O conceito de “infantojuvenil”, portanto, traz essa adjetivação sobreposta, uma vez que salta aos olhos a fixação dos destinatários, como se determinada obra de literatura servisse para os públicos infantil e juvenil, e somente para estes. A infância e a juventude são fases tão distintas quanto o são seus protagonistas: de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. A diferença ultrapassa os limites etários, posto que ambas as noções são constructos sociais. A emergência da noção de “infância” é localizada no século XVIII “com o triunfo do individualismo burguês no Ocidente e de seus ideais de e emancipação” (GAGNEBIN, 2005, p. 167). A partir de então, o infante passou a ser reconhecido como um sujeito, e então suas demandas particulares passaram a ser reconhecidas. A despeito do caráter capitalista dessa separação, impressiona que a literatura de tradição oral – que não previa destinação ou finalidade para a circulação de sua cultura –, direcionada às crianças por uma reivindicação delas próprias, que elegeram esses textos como seus, tenha se somado aos textos “para jovens”, como se não houvesse distinção entre eles. De outra parte, a literatura é atemporal, por isso serve a jovens como a crianças – ou a crianças como a jovens –, desde que sejam respeitadas as competências literárias de tais públicos, e não apenas sua faixa etária. Nesse sentido, como esse texto pode servir a públicos tão heterogêneos e não servir aos adultos simultaneamente? Ana Margarida Ramos (2017) chama de “transversal” a literatura que se dirige a públicos muito díspares, de modo que não cabe uma fixação de destinatários. Se considerarmos que infantes e jovens têm demandas específicas, não deveríamos falar em uma literatura infantojuvenil, também em uma literatura “infantil e juvenil” ou em uma literatura “para crianças e jovens”, mas em literaturas, no plural: infantil e juvenil. É nesse sentido que a proposta deste artigo vem a questionar o termo vigente, sugerindo que a academia repense sua aplicação.

Palavras-chave: Literatura infantojuvenil. Literatura infantil. Literatura juvenil. Infância.

Mesa 21 – Literatura, história e memória: diálogos possíveis Debatedor: Daniel Augusto P. Silva (UERJ)

ENTRE ESCOMBROS, RUÍNAS E PALAVRAS: A POESIA DO ESTADO ISLÂMICO

Ana Beatriz Costa da Silva de Castro (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

Em 2015, o jornal americano The New Yorker publicou um artigo intitulado: “Battle lines, want to understand the jihadis? Read their poetry”, assinado pelos pesquisadores e professores do departamento de Literatura Comparada da Universidade de Yale, Robyn Creswell e Bernard Haykel. O curioso título, para dizer o mínimo, nos alerta para o ainda mais curioso conteúdo: a poesia feita pelos combatentes do Estado Islâmico e da al-Qaida. Os autores, então, mostram que a poesia ocupa lugar central no conflito, servindo como impulso espiritual para os combatentes, como socialização e também como meio difusor da propaganda dos movimentos. No mesmo ano, os autores publicaram artigo sobre o mesmo assunto no livro Jihadi culture: the art and social practices of militant islamists, organizado por Thomas Hegghammer, referência nos estudos sobre jihadismo. O livro reúne artigos acadêmicos de diferentes pesquisadores sobre as práticas culturais desses combatentes, com o intuito de mostrar o universo estético do jihadismo. Além da poesia, os autores-combatentes possuem forte relação com música, iconografia, cinematografia, interpretação de sonhos e martirologia. Ainda assim, o recurso predominante como voz no conflito é a poesia. Em “Jihadist Propaganda and its Exploitation of the Arab Poetic Tradition”, na coletânea de ensaios, Reclaiming Islamic Tradition: Modern Interpretations of the Classical Heritage, a professora de Oxford, Elisabeth Kendall, faz uma pergunta, ao mesmo tempo importante e de difícil resposta: “por que um terrorista perseguido ocupa seu tempo com poesia quando poderia estar treinando?” (Kendall e Khan: 2016, 223). Simultaneamente, é possível completar o questionamento de Kendall com uma constatação de Robyn Creswell e Bernard Haykel, que diz: “[...] não é só que eles fazem isso [i.e. poesia] - eles fazem muito, o que sugere que é significativo para todo o empreendimento” (Hegghammer: 2017, 4). Em grupos como a al-Qaeda e o Estado Islâmico, é interessante se pensar que não existe a separação entre aqueles que lutam com palavras e aqueles que lutam com armas, os poetas são os próprios combatentes, o movimento de poesia é também o movimento de batalha. Nesse sentido, nos interessa que a poeta mais prestigiada do EI seja uma mulher, Ahlam al-Nasr, e que seu primeiro livro de poemas, A chama da verdade, tenha viralizado entre os combatentes que declamam seus versos à capela em reuniões, vídeos e áudios. De seus versos lemos: “Suas balas despedaçaram nossos cérebros como um/ terremoto, /até mesmo ossos fortes racharam e depois quebraram. /Eles furaram nossas gargantas e espalharam/nossos membros-/foi como uma aula de anatomia/Eles lavaram as ruas enquanto o sangue ainda escorria/Como correntes caindo das nuvens.” (em tradução livre). Em outro poema, lemos: “Pergunte a Mosul, cidade do Islã, sobre os leões -/ Que com sua luta feroz/ trouxe a libertação./E a terra de glória experimentou sua humilhação e/derrota/Para depois se vestir em trajes de/ esplendor.” O objetivo dessa pesquisa é estabelecer as relações entre esse tipo de poesia e a guerra civil na Síria.

Palavras-chave: Poesia Árabe. Estado Islâmico. Jihadismo. Literatura de Combate.

A MULHER POTOMITAN E O GRIOT ANTILHANO: O RESGATE MEMORIALÍSTICO NAS OBRAS DE SIMONE SCHWARZ-BART E JOSEPH ZOBEL

Marina Brito de Mello (Programa de Pós-Graduação em Literaturas Francófonas da UFF)

A análise consiste na representação e no resgate memorial através da figura feminina metafórica do Potomitan e do griot africano, ambos presentes no universo antilhano com a responsabilidade de narrar o passado de seus ancestrais escravizados. O Potomitan pode ser caracterizado como um poste feito a partir do tronco de uma palmeira que centraliza o teto em torno de si mesmo, usado em rituais vodus muito presentes na região do Caribe francês. Sua metáfora faz referência às personagens de Rainha sem nome e Mãe Cia, presentes no romance Pluie et vent sur Télumée Miracle, de Simone Schwarz-Bart, traduzido no Brasil como A ilha da chuva e do vento. As duas narram suas trajetórias e ensinam a menina Télumée Miracle a sobrevivência nas plantações de cana e nos territórios dos békés descendentes do homem branco. A presença feminina sustenta a história do passado, além de rememorar as tradições e as origens de seus ascendentes desenraizados do continente africano e emudecidos ao longo do caminho. Rainha sem nome e Mãe Cia são pilares que firmam o compromisso de refundar a ascendência negra do povo guadalupense. Podem ser caracterizadas como memórias vivas que expõem suas vozes matriarcais ao rememorarem o passado escravocrata, além de denunciarem nas entrelinhas, a perpetuação do tratamento herdado pelos colonizadores europeus. Assim como a referência ao Potomitan, o estudo acerca do griot também será evidenciado a partir do olhar de M. Médouze na obra La rue Cases-Nègres de Joseph Zobel. O griot ou a griotte são africanos contadores de histórias responsáveis pela difusão oral das lendas e dos mitos deixados como herança ao imaginário negro. O homem griot caracterizado por M. Médouze é transposto para a obra de Zobel com o objetivo da recordação e da afirmação de uma identidade única, diferente da imposta pelos colonizadores brancos. É através de sua voz que o protagonista José desvenda a relação entre o colonizado e os brancos colonizadores de outrora que ainda refutam, mesmo após a abolição, a presença do negro em suas propriedades. A denúncia feita pelas personagens de Schwarz-Bart e Zobel permite a revalorização da Guadalupe e da Martinica - as Pequenas Antilhas - e contribui para a restauração de uma identidade própria, advinda das raízes africanas escravizadas e silenciadas pelo navio negreiro. A importância de nomear e caracterizar o migrante nu, como classifica Glissant, evidencia o homem e a mulher desenraizados da pátria-mãe, sem língua e sem memória, impedidos de relatar suas histórias e origens de uma saudosa África, representada também por M. Médouze e pelas personagens presentes em A ilha da chuva e do vento. Obras teóricas como Mémoires des esclaves, Le discours antillais e Introdução a uma poética da diversidade, de Édouard Glissant; Peau noire, masques blancs, de Frantz Fanon; ou Éloge de la créolité, de Jean Bernabé, Patrick Chamoiseau e Raphaël Confiant, complementam o estudo e contribuem para o reconhecimento do escravo negro, muitas vezes ignorados pela história oficial. A necessidade de identificar e narrar as lembranças presentes na memória da população antilhana são deveres aceitos tanto por Simone Schwarz-Bart quanto por Joseph Zobel e ressaltam a importância das heranças deixadas pelos ancestrais do povo negro e herdadas para assim reascenderem o passado histórico.

Palavras-chave: Memória. Antilhas francesas. Simone Schwarz-Bart. Joseph Zobel.

1929. (SUR)REALISMO INFORME: A REVISTA DOCUMENTS

Sergio Alexandre Novo Silva (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

Pensar o surrealismo para além do nome André Breton talvez seja sempre falar de um “surrealismo dividido” - como nomeou uma vez o teórico da arte italiano Angelo Trimarco. Bem logo/ Imediatamente após o seu manifesto de 1924, o movimento surrealista estaria imbuído a se confrontar com o momento e o movimento que o escritor alemão Walter Benjamin, em seu famoso ensaio de 1929 sobre o surrealismo, já indicara: num “momento de transformação” [Transformationsphase], em que a “onda inspiradora de sonhos” [inspirierenden Traumwelle] e a capacidade de interpenetração do sono e da vigília que caracterizaram a primeira fase do movimento já não bastam para “associar a revolta à revolução”, o surrealismo deve encarar uma “luta material e profana pelo [seu] poder e pela [sua] hegemonia”. A publicação contemporânea ao ensaio de Benjamin de uma revista como a Documents (1929-1930), cujos textos selecionados foram recentemente traduzidos no Brasil,] insufla a querela surrealista e pluraliza ainda mais a divisão sofrida pelo movimento no final dos anos 20. Para se ter uma ideia da dimensão de tal cisão e da crise do surrealismo, basta identificar nos textos ali publicados um número considerável de autores críticos ao movimento, ou mesmo de ex-surrealistas - “surrealistas heréticos”, como já foram chamados para ressaltar o caráter religioso com o qual o surrealismo por vezes foi referido. Os escritos de autores como, por exemplo, Georges Bataille (1897-1962) e Carl Einstein (1885-1940), que, tal como Benjamin, guardaram desde o início certa distância crítica ao movimento surrealista, organizam uma outra forma de se encarar a arte no entreguerras europeu que não fosse de maneira idealista. Isto é, tais textos não tentaram constituir um movimento cujas definições fossem por princípio determinadas e que, depois de longamente latentes, manifestas e imprescindíveis para a revolução; mas que fossem plurais e heterogêneas, reunidas e apresentadas num único e explosivo suporte de publicação. Documents tentou, desse modo, pensar uma nova abordagem que parte do surrealismo, mas não se atém às suas diretrizes mais dogmáticas; e por isso, talvez, tenha proposto também uma maneira de ir além do automatismo da escrita e aquém de uma realidade que já se mostra por si só estranha e inquietante. A presente comunicação integra a pesquisa de dissertação de mestrado focada tanto na escrita do autor francês Georges Bataille quanto na do historiador da arte e escritor alemão Carl Einstein em seus anos de contemporaneidade criativa na direção da revista Documents. Busca-se identificar nos seus respectivos discursos maneiras críticas de desenvolver o campo da arte do seu tempo. Será importante, portanto, ressaltar as semelhanças e dessemelhanças entre as diferentes abordagens criativas dos autores no projeto da revista na qual os seus escritos se reúnem.

Palavras-chave: Surrealismo. 1929. Manifesto. Breton. Informe.

FACE À MORTE, A ESCRITA: O LUGAR APESAR DE TUDO DE MARGUERITE DURAS

Tatiane França Rangel (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ)

“Escrever quer dizer também isso: ou a morte, ou o livro”. Essa frase presente no ensaio Escrever de Marguerite Duras é tão curta quanto impactante, na medida que traduz em poucos vocábulos uma necessidade visceral imposta pela escrita: ou se escreve, ou não se sobrevive. Assim, a criação literária é, para Marguerite, um imperativo, algo que a convoca a dizer, a criar, a narrar, para assim conseguir seja suportar, seja atravessar a existência. Sabe-se bem que Marguerite Duras, impulsionada por esse chamado, escreveu até o fim de sua vida, de romances a peças e roteiros de cinema. No entanto, uma obra destaca-se do conjunto maior de suas publicações. Em 1944, Marguerite, também na época Madame Antelme, escreve um conjunto de cadernos que reúnem notas de um agonizante período de espera. A espera do retorno – incerto – de seu marido Robert Antelme, membro da resistência preso e deportado pelos alemães que, naquele momento, ocupavam Paris. A reunião dessas notas seriam publicadas apenas em 1985, sob o título A Dor. Eis então A Dor, uma das coisas mais importantes de sua vida, segundo a própria autora. É perante o medo e o horror impostos pela guerra, sob a tensão contínua da possibilidade da morte de Antelme e no vértice de uma dor quase insuportável, que Marguerite escreve. Em contraste com o estado caótico em que vive, sua letra calma e organizada é a matéria com a qual ela cria um lugar para respirar apesar da barbárie. Ou ainda, como conceitualiza Didi-Huberman em seu livro Essayer Voir, um “lugar apesar de tudo: uma passagem inventada, uma brecha praticada nos impasses que os lugares totalitários querem construir” (DIDI-HUBERMAN, 2014:20). Destacarei, então, para este trabalho, trechos do primeiro caderno, também ele intitulado A dor, para identificar, na escrita durassiana, os processos de representação da experiência vivida pela autora no período da Segunda Guerra. Desse modo, as questões sobre a representação da memória e sobre a relação entre barbárie, testemunho e representação nortearão meu trabalho, levando em conta dois pontos principais: a relação entre os corpos de Marguerite e Robert e o enlace da tragédia individual com a tragédia coletiva. Apoio-me em críticos essenciais seja para a leitura da obra de Duras seja para a análise de literatura de teor testemunhal (conto, por exemplo, com Selligman-Silva, Didi-Huberman, Béatrice Bonhomme e Laure Adler). Pretendo perceber, com minha análise, os movimentos de escrita de Marguerite que a possibilitam fincar no solo sua âncora, feita de letra, e, assim, resistir à submersão, concebendo um livro que lança na história os ecos de seu sofrimento e também daqueles a quem não foi dada uma chance semelhante.

Palavras-chave: Escrita. Memória. Representação. Sobrevivência.

Mesa 22 – O feminino e a literatura (II) Debatedor: Ricardo Freitas (UERJ)

“A COMPANHIA DOS LOBOS”, DE ANGELA CARTER, UMA LEITURA POSSÍVEL

Glauce Viviane Rocha (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Nascidas em épocas muito distantes, os contos ancestrais foram disseminados por meio da oralidade, o que lhes acabaria por conferir múltiplas versões. A partir dos primeiros registros oficiais dessas narrativas, torna-se possível verificar aspectos e contrastes entre os povos, sua cultura, língua e contexto histórico. Construída a partir de uma narrativa publicada há quase quatro séculos, “A companhia dos lobos”, de Angela Carter, conversa com o leitor, que, já ciente de sua versão original, segue as pistas deixadas pelo narrador, construindo as imagens e os discursos textuais. “Le Petit Chaperon Rouge”, no original, em língua francesa, ou “Chapeuzinho Vermelho”, em língua portuguesa, publicado pelo poeta francês Charles Perrault, em 1967, tem sido revisitado ao longo dos tempos. O conto original, que se desenvolve em torno de uma menina, provavelmente em sua fase de transição, da idade infantil à adulta, culmina em um trágico desfecho. Recurso literário utilizado para revitalizar uma obra, a intertextualidade caracteriza-se pelo diálogo entre textos. Conforme sugere o crítico Terry Eagleton (1977), os textos literários são configurados tendo por base textos literários que lhes são anteriores, não no sentido de apresentação de traços ou influências, mas, como defende o estudioso, no sentido mais estrito da palavra, da frase ou mesmo de um segmento. Desse modo, a personagem Chapeuzinho Vermelho tem sido recriada, por meio de processos literários intertextuais que revitalizam a personagem, concedendo-lhe uma sobrevida. Carlos Reis (2018) esclarece-nos sobre esse mecanismo textual, apontando que a sobrevida da personagem reporta-se ao prolongamento das suas propriedades, como figura ficcional, através de refigurações que atestam a sua respectiva autonomia, em termos transficcionais. O teórico enfatiza, ainda, que a força de uma personagem literária tem a capacidade de transpor-se a outras linguagens, tais como adaptações cinematográficas, televisivas, publicitárias, reformulando-se entre os mais variados gêneros textuais. Assim, conferimos que o próprio conto analisado neste trabalho, já foi levado às telas do cinema. A ambiguidade da personagem do texto de Carter tem sido motivo de controvérsias: seria a menina da narrativa uma representação do modelo patriarcal, seduzida aos apelos sadomasoquistas do jovem caçador ou estaria ela apenas reagindo ao seu próprio desejo? Na primeira hipótese, cairíamos no contexto dos estereótipos que, segundo Daniel-Henri Pageaux (2004), são uma espécie de síntese, de resumo, uma expressão emblemática de uma cultura. Na segunda hipótese, no entanto, abraçaríamos a ideia de Antonio Candido (2014) que sugere que estabeleçamos uma espécie de lógica da personagem. O crítico brasileiro assegura que, no romance, podemos variar relativamente a interpretação da personagem, mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência fixada para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza do seu modo de ser. Desse modo, este trabalho tem como finalidade analisar o novo perfil das personagens femininas presente no conto em pauta. Angela Carter, autora inglesa que ficou conhecida por sua literatura feminista, traz em “A companhia dos lobos”, texto que faz parte da obra O quarto do Barba Azul (2000), uma releitura inquietante de um dos mais clássicos contos de fadas, transgredindo e subvertendo o arquétipo de menina ingênua, caracterizada desta forma em seus textos antecessores, publicados por Perrault e, anos mais tarde, pelos irmãos Grimm.

Palavras-chave: Personagens femininas. Intertextualidade. A companhia dos lobos.

JUDITH SHAKESPEARE COMO PARADIGMA PARA A ÉCRITURE FÉMININE

Mariana Muniz Pivanti (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O presente trabalho pretende articular as presenças femininas em A Room of One’s Own (1929), especialmente a figura de Judith Shakespeare, com a noção de écriture féminine desenvolvida pela filósofa Hélène Cixous através do método paradigmático de Giorgio Agamben (2009). Para tanto, leva-se em conta algumas noções fundamentais para a écriture féminine, como por exemplo, a diferença entre as linguagens masculina e feminina. Enquanto a primeira se caracterizaria pela dominância do mundo público, pelas instituições e pela violência, a segunda se torna um epíteto do privado e da reflexão. Sendo assim, a escrita feminina não participaria da lógica falologocêntrica de agressão e possessão do outro, na qual se baseia a linguagem dominante marcada pelo proeminente ego masculino (CIXOUS, 1994). Além disso, a noção de História para Walter Benjamin também será levada em conta. Tanto para o autor quanto para Woolf, a história tem sido narrada a partir do ponto de vista dos vencedores, deixando todos os outros à margem, oprimidos. Para Woolf e Cixous, o vencedor domina a narrativa histórica através da linguagem masculina, oprimindo assim, a linguagem feminina. Portanto, a sentença feminina configura tanto no âmbito linguístico quanto na performance a marca da escrita feminina (WOOLF, 1929). As autoras também concordam que essa sentença é caracterizada pela noção de resto, isto é, pelo que sobra na escrita. Para Woolf e Cixous, há fragmentos e restos em tudo aquilo que a escrita feminina produz, enquanto a escrita masculina se constrói de maneira objetiva e direta, sem espaço para reflexão e divagações. Portanto, por estar afastada do ego centralizador masculino, a escrita feminina possuiria mais possibilidades de devir segundo os moldes de Deleuze. Dessa forma, será importante ressaltar que a escrita feminina não se concretizaria através da linguagem predominante, mas sim de uma linguagem capaz de revolucionar e subverter os moldes da sociedade baseada no pensamento falocêntrico (CIXOUS, 1974). Em seu ensaio, Woolf apresenta Judith Shakespeare como uma escritora tão talentosa como seu célebre irmão, mas que diferentemente dele, não consegue materializar sua escrita por ser mulher. Assim como a écriture féminine, Judith se vê impossibilitada de concretizar sua escrita em uma sociedade falologocêntrica. Nesse sentido, considera-se, então, que Judith Shakespeare seria uma figura paradigmática uma vez que, ao levar-se em conta o método paradigmático de Agamben (2009), ela se estabeleceria como um caso singular capaz de dar conta de um contexto mais amplo. Isso porque, Judith representaria não só seu caso individual, mas também toda a impossibilidade de concretização da escrita feminina em uma sociedade dominada pela linguagem e pensamento masculino. Dessa forma, tenta-se demonstrar que através de Judith Shakespeare, Woolf estaria estabelecendo uma tradição silenciosa de escrita à medida que adia sua chegada. Judith assumiria, assim, um caráter messiânico uma vez que marca e se insere em uma tradição existente ao mesmo tempo em que prevê a sua chegada em um momento futuro (GOLDMAN, 2004). Procura-se, assim, demonstrar que a figura de Judith Shakespeare se configuraria em um paradigma para o conceito de écriture féminine uma vez que esta abarca toda uma tradição de escrita feminina calcada na esperança de seu futuro.

Palavras-chave: Écriture Féminine. Sentença feminina. Judith Shakespeare. Paradigma.

A AUTORA JESSICA VALENTI E O FEMINISMO CONTEMPORÂNEO EM OBJETO SEXUAL (2016)

Priscilla Pellegrino de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

No início do século XXI, com a popularização da internet e o surgimento das redes sociais e blogs, discussões e textos acerca de temas como assédio sexual e estupro passaram a ser divulgados de forma mais abrangente e rápida. Ameaças de estupro, piadas misóginas e abusos se tornaram visualmente explícitos, assim como a revolta contra esse tipo de atitude “normalizada” em nossa sociedade e aceita ou entendida como meras “cantadas”. Outro assunto que entra no debate feminista com mais afinco é o combate à culpabilização da vítima em casos de assédio e estupro, devido a seu comportamento e vestimentas. Estudar o feminismo sob o ponto de vista literário na atualidade é lidar com as discussões relativas a diferenças e semelhanças entre as mulheres, além de todas as possíveis situações de opressão que experienciam no campo da ficção e das produções textuais não ficcionais, tais como ensaios, memórias e autobiografias. Nesse contexto, surge a literatura feminista da quarta onda, com escritoras engajadas em movimentos online em forma de blogs e páginas destinadas ao feminismo. O relato pessoal em forma de texto é a nova tendência da produção literária dentro do feminismo contemporâneo. A obra Sex Object: a memoir (2016) (Objeto Sexual), da escritora norte-americana Jessica Valenti, é um livro de memórias focado em sua trajetória como mulher e feminista, no qual relata como o assédio sexual é considerado normal pela sociedade em que vivemos. Com notas narrativas autobiográficas, a autora relata acontecimentos que a marcaram da adolescência aos dias de hoje, revelando como sua autoimagem sexual e psicológica foi afetada na construção de sua identidade em consequência desses acontecimentos. Assim, a autora narra episódios relacionados a assédios, abusos e humilhações praticados contra ela por homens que fizeram parte de sua vida ou por anônimos nas ruas das cidades onde viveu – Nova Iorque e seus arredores. Passando pelo histórico familiar, ela relata como sua avó e sua mãe passaram por situações parecidas de abuso e opressão, demonstrando que a visão da mulher enquanto objeto é um continuum que ultrapassa gerações. O livro é dividido em tópicos nos quais a autora relata tanto acontecimentos passados distantes como mais próximos, de uma maneira não exatamente linear. Porém, de modo geral, o livro é uma narrativa em ordem cronológica. Além disso, a escritora norte-americana Jessica Valenti vem escrevendo para diversos sites e através de livros impressos sobre os assuntos que dizem respeito à vida da mulher contemporânea, levando em consideração assuntos como aborto, assédio, abusos sexuais e violência física e psicológica. Em um artigo de opinião ao The Guardian, Jessica Valenti discute o que realmente significa ser feminista atualmente e se as pessoas sabem o que o termo significa além de reproduzir falas ou ideias de terceiros. Ela expressa a opinião de que ser feminista é, além de carregar um rótulo, uma prática e uma lente pela qual se enxerga o mundo. E conclui ao afirmar que “o feminismo é um movimento pela justiça de gênero – pela igualdade social, econômica e política de todas as mulheres – e algo que reconhece a complexidade das identidades das mulheres e a interseção de opressões. Não pode ser negociado de outra forma” (VALENTI, 2014). Desse modo, a escritora se expressa de uma maneira popular e que atinge a geração mais jovem, já engajada no mundo digital e em assuntos políticos que acontecem nesse meio. No entanto, não deixa de publicar livros impressos, pois o mercado editorial também (ou ainda) é um aliado na divulgação de estudos nas mais diversas áreas.

Palavras-chave: Feminismo contemporâneo. Jessica Velenti. Literatura norte- americana.

Mesa 23 – Outros olhares para a literatura brasileira Debatedora: Gabriela Ribeiro Nunes (UERJ)

RETÓRICA DOS CONCEITOS: LEITURAS DO BARROCO E DE OUTRAS RUÍNAS

Felipe Lima da Silva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Esta comunicação tem como proposta repensar o lugar das letras coloniais no cenário da formação de leitores e de especialistas em literatura. Apoiando-se nas querelas sobre a escassez de leituras do que se convencionou chamar de “Barroco”, este trabalho tentará reposicionar certas concepções importantes que pouco são discutidas quando se realizam exames de crítica literária. Reavendo o lugar da retórica nos estudos literários brasileiros, buscaremos refletir, sobretudo no campo da formação em Letras da UERJ, a posição em que se encontra – dentre esses 10 anos de SAPUERJ – a reduzida abordagem das práticas letradas dos séculos XVII e XVIII. Para tanto, procuraremos estabelecer um diálogo com importantes nomes da crítica cujos trabalhos já apontam para uma necessidade da revisão dessa matéria. Iniciando pela canônica leitura da Formação da literatura, empreendida por Antônio Candido, intencionamos demonstrar o contraponto crítico de Haroldo de Campos em seu polêmico O Sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira a fim de expor como os mencionados críticos estabeleceram seus pontos de vista sobre as letras seiscentistas, formando escola e seguidores assíduos de suas concepções. Na via oposta dessas considerações, assinalemos o trabalho com as representações luso-brasileiras do século XVII pela ótica histórica, evitando invariantes transistóricas que fazem encontrar o Mesmo de um modelo ou parâmetro teórico em todos os tempos. É em função disso que este trabalho tenta operar, quando possível, uma reconstrução de caráter arqueológico, enfatizada por João Adolfo Hansen. Em outras palavras, uma operação de reconstituição que torne possível estudar a particularidade da representação colonial sem tomá-la como mera atividade antiquária, mas a identificando como fonte de materiais elementares para a adoção de certa perspectiva que ignore os universalismos que tendem a descartar a historicidade de um período. Identificadas como práticas datadas – não naturalizadas por apropriações dedutivas, mas pertencentes a um presente de operação, isto é, sendo compreendidas como resultado verossímil de uma prática particular revestida de regramentos –, é possível observar que nas representações coloniais ocorre uma naturalização de efeitos que reproduzem a hierarquia de seu tempo. Essas representações, como explica Adolfo Hansen em seus mais distintos trabalhos, constituem seus públicos retoricamente como tipos hierárquicos que devem ser persuadidos acerca do que é figurado nelas. Já que só é possível persuadir e ser persuadido a respeito daquilo de que se tem conhecimento, elas evidenciam-se como discursos que reproduzem padrões fixados no plano social objetivo, encenando modelos institucionais que regulam as experiências coletivas partilhadas. Muitos desses modelos podem ser, por exemplo, notadamente identificados na poesia da época em questão atribuída a Gregório de Matos, conforme registrou João Adolfo Hansen em sua tese de doutoramento A sátira e o engenho. Em amplo sentido, esses paradigmas ou modelos encenam uma situação particular a partir de sua ocorrência por meio de uma jurisprudência de signos dispostos no coletivo social como memória comum. Logo, já podemos afirmar aqui que não se trata de qualquer manifestação que demanda autonomia autoral, sequer estética e política, noções muito caras às letras românticas que dominaram a cena artística d´século XIX no Brasil.

Palavras-chave: Barroco. Retórica. Crítica. Século XVII.

ALENCAR: AUTOR DE A DAMA DAS CAMÉLIAS

Karoline dos Santos Silva (Programa de Ciência da Literatura — UFRJ)

A presente comunicação tem como objetivo analisar a influência do romance francês A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, no panorama da criação de uma literatura nacional. Propomos uma análise comparatista do romance de José de Alencar e o de Dumas Filho. É a partir da presença de uma cena no capítulo XV de Lucíola, que nos permite trabalhar sob o viés comparatista, estabelecendo uma intertextualidade direta e explícita com o romance de Alexandre Dumas Filho, A dama das Camélias. Nossa pesquisa visa trabalhar fora do sistema de fontes e influências da Escola Francesa, em que, na maioria das vezes, o viés comparatista era pautado apenas na análise das similaridades. E também, fora do sistema em que a fonte é privilegiada e sempre lembrada como obra originária, ao passo que a influência é tratada uma mera cópia ou imitação. Nosso objetivo aqui é, primeiramente, discutir o panorama da formação da literatura brasileira, para então analisarmos a posição de Lucíola, como um romance importante que revela as características da sociedade brasileira da época com relação ao tema da cortesã. E, também, afastar Lucíola da alcunha de mera cópia de A dama das Camélias. O romance brasileiro, na posição de obra segunda, é complexo, subverte e rompe com o modelo francês. Faremos nossa análise baseado no ensaio de Silviano Santiago, “Eça, o autor de Madame Bovary”, em que Silviano atribuí ao romance de Eça de Queiroz maior complexidade, por conta, principalmente, da construção mise en abyme presente no romance, que permite que os personagens tenham um momento de reflexão sobre a própria situação em que estão circunscritos. No Romantismo, período conhecido por conferir características mais brasileiras à nossa literatura e contribuir com uma literatura que exalte a identidade nacional, temos um romance de costumes e acima de tudo sentimental como Lucíola. O projeto ambicioso de Alencar e dos românticos em criar uma literatura independente estava historicamente pautado no momento de independência do Brasil (1822). Era preciso que houvesse uma distinção entre literatura portuguesa e brasileira. Os textos fundadores da literatura brasileira, assim como os textos das literaturas hispano-americanas, são basicamente relatos da chegada dos portugueses e espanhóis que descrevem a terra, sua fauna e flora e seus habitantes, principalmente. Com o passar do tempo e o nascimento de uma identidade brasileira, e consequentemente, uma preocupação maior com as questões daqui, houve o surgimento de temáticas propriamente brasileiras nos movimentos literários, como, por exemplo, a poesia satírica de Gregório de Matos, que criticava os governadores da Bahia, diferentemente dos textos do Quinhentismo nos quais havia a predominância descritiva através da perspectiva do colonizador. É com a declaração de Independência do Brasil que surge a oportunidade de criar verdadeiramente um projeto nacional que consolide o Estado brasileiro, essa jovem Nação. Mas como criar uma literatura propriamente brasileira quando não existia uma tradição literária autóctone consolidada? Os movimentos literários que se sucederam eram majoritariamente marcados pela presença de elementos europeus que eram assimilados pela cultura brasileira, sem qualquer crítica ou reflexão. Então, a apropriação do modelo europeu aparece como uma solução para contribuir na formação da nossa literatura.

Palavras-chave: Literatura Brasileira. Alencar. Modelos. Lucíola.

CARVALHO JÚNIOR E A NOVA GERAÇÃO

Thales Sant’Ana Ferreira Mendes (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Francisco Antônio de Carvalho Júnior, Carvalho Júnior para o vulgo, era já um nome conhecido nas letras brasileiras quando, em maio de 1879, veio a lume a reunião póstuma de sua produção literária e crítica, Parisina. Apesar desse reconhecimento anterior, somente após essa data uma explosão de artigos críticos e homenagens irromperia em diversos periódicos cariocas e paulistas. O alvo principal das críticas recairia na peça que dá nome (injustamente, para alguns) ao volume póstumo, mas a parte de poemas também seria estudada. Figuras de peso da época assinariam os textos: Arthur Azevedo, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça, Luiz Delfino, Fontoura Xavier, Guiomar Torrezão, dentre outros, dedicaram-lhe escritos. Chama atenção nessa fortuna crítica o quanto a morte de Carvalho Júnior pôde engendrar uma gama de epítetos afetuosos. É difícil ler os artigos escritos por esta ocasião sem deixar de perceber a recorrência de alguns lugares-comuns, como os lamentos pelo fato de o autor ser tão jovem e não ter podido dar continuidade a uma obra promissora. Múcio Teixeira chamou Carvalho Júnior “malogrado poeta” e “desventurado moço”, Aluísio Azevedo, “chorado poeta”, e Arthur Azevedo, “desgraçado poeta”. Guiomar Torrezão prefere “malogrado escritor” (que é a expressão adotada pela Gazeta de Noticias nos anúncios de Parisina) e “pobre moço”, e Filinto D’Almeida, “moço poeta”. É como se esses articulistas tivessem em mente a figura de um poeta romântico, arrebatado de seus “verdes anos”. Porém, não foi só a ideia de um “Álvares de Azevedo tardio” que se refletiu na fortuna crítica de Carvalho Júnior: não faltou também quem louvasse (não raro com descomedimento) a excelência “realista” de sua obra. Para A. Gil, os sonetos carvalhinos eram “[...] vazados nos moldes da escola moderna”, ou, nas palavras de Franck, eram “todos moldados pela escola realista”. “Parisina”, na mesma esteira, era, para Guiomar Torrezão, drama “[...] vazado nos moldes do realismo e delineado conforme os processos modernos”. Semelhantes apontamentos não eram sem razão: já em 1877, Carvalho Júnior divulgava sua peça “Parisina”, em cujo prefácio exaltava os rumos do Realismo e afirmava ter tentado criar um “drama de tese”, no qual analisava um caso de adultério e incesto. Sabe- se que o período de declínio do Romantismo se caracterizou, no âmbito das letras brasileiras, por uma atabalhoada reação à estética literária. Se a afirmação soa óbvia, é preciso considerar que tal reação, em seu conjunto, não foi planejada ou homogênea, e que, em muitos casos, nem mesmo chegou a se afirmar como tal, não raro em razão de uma equivocada tentativa de oposição que, no fundo, ainda era romântica. Machado de Assis foi, nesse sentido, o primeiro – ou ao menos o de maior influxo – a notar que alguns dos poetas da “nova geração” ainda cheiravam ao “puro leite romântico”. Não é por outra razão que Aderaldo Castello denomina o período “falsa ruptura”, e Stegagno-Picchio, “realismo romântico”. É a partir desse panorama do que foram as décadas de 1870 e 1880 que se pode compreender o posicionamento da fortuna crítica dedicada a Carvalho Júnior, que lamenta a morte do “malogrado poeta”, mas também reconhece em seus escritos os “moldes do realismo”. Pois, se, por um lado, muitos escritores dessa geração continuaram vinculados ao Romantismo (mesmo sem consciência disso), houve também os que, em contrapartida, delegaram resultados mais concretos à busca de uma nova expressão poética. Ambas as situações conviveram nessas décadas, sem que uma contradissesse a outra. Assim, partindo do caso de Carvalho Júnior e de sua fortuna crítica, pretendemos fazer uma leitura não só da obra do autor, mas de sua geração, expondo alguns dos rumos percorridos por estes, principalmente no que diz respeito à confluência de estéticas literárias. Tomamos, como se perceberá, a noção de “geração” a partir de Machado (1879), que enxergou em diferentes poetas um fio condutor de suas produções.

Palavras-chave: Francisco Antônio de Carvalho Júnior. Parisina. Realismo Poético. Nova geração.

Mesa 24 – Modernidade, pós-modernidade e literatura contemporânea Debatedora: Naiara Martins Barrozo (UERJ)

AUTOFICÇÃO E AUTORIA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA

Anderson Guerreiro (Universidade Federal Fluminense)

A alta exposição de si próprio e a cultura de observação do outro são dois particulares fenômenos do comportamento social visíveis em nossa sociedade atual. Nesse contexto, tem-se o advento de blogs, fotoblogs e de programas televisivos em que são mostradas a intimidade e a rotina de pessoas, além do cotidiano desvelado nas redes sociais de modo instantâneo e temporário. Relacionando tais comportamentos ao âmbito literário, presenciamos a proliferações de textos denominados “escritas do eu”, tais como os diários, as autobiografias e as confissões, assim como as entrevistas e talks show com autores, as feiras literárias e as curiosidades em volta dos criadores de obras literárias. Nessas escritas do eu, uma nos chama atenção: a autoficção, porque relaciona e mistura dois elementos de suma importância na literatura contemporânea: a ficção e a realidade. No gênero da autoficção, o sujeito autor está no centro da trama e, mesmo de maneira fictícia, fala de si, mantendo um aspecto altamente confessional, com experiências pessoais e até traumática. Numa perspectiva histórica, desde meados da década de 1980, observa-se uma certa tendência à exposição do “eu” autoral, por meio inicialmente dos “pequenos relatos”, conforme percebe Leonor Arfuch (2010). Para ela, “narravam-se não só identidades e histórias locais, regionalismos, línguas vernáculas, mas também o mundo da vida, da privacidade e da afeição”. O retorno do ‘sujeito’ aparecia exaltado, positiva e negativamente, como correlato da morte anunciada [...]” (p. 18). Esta “morte anunciada” usada pela autora fazia referencia à teoria desenvolvida pouco antes pelos formalistas russos que desconsideravam totalmente a figura pessoal do autor, que este não era levado em consideração às analises e interpretações dos textos. Mais recentemente, o termo “retorno do autor” passou a ser constante nos textos relativos à crítica literária. Resulta-se principalmente pela considerável preferência, interesse e exposição do autor em suas narrativas, como as autobiografias e as autoficções, por exemplo. Ao analisar a cena literária contemporânea, observa-se uma perspectiva totalmente inidônea à realidade pregada na década de 1960, e o autor, antes morto, agora ressurge, volta à cena. É perceptível que, doravante ao que foi descrito até aqui, têm ocorrido diversas mudanças operadas no campo da autoria literária, apresentando novos significados. À vista disso, entende-se que os novos conceitos e fenômenos suscitados na contemporaneidade merecem ser revisitados. Para tento, o objetivo deste trabalho é problematizar a maneira como a figura do autor se comporta nas narrativas autofictícias contemporâneas e analisar como a noção de autoria é alterada a partir do advento de tais fenômenos. Para tanto, usaremos como ilustração às análises os livros “Antiterapias” e “Brochadas – confissões sexuais de um jovem escrito”, de Jacques Fux e “História da chuva”, de Carlos Henrique Schroeder. Além disso, como aporte teórico, teremos embasamentos nas obras de Sibilia (2008), Arfuch (2010), Jaguaribe (2007), Sennett (1988) Laddaga (2007) e Noronha (2014). A ideia aqui defendida é a de que a autoficção é uma estratégia à espetacularização da figura do autor, como se fosse uma máscara autoral, pois, ao mesmo tempo que é impulsionado ao desejo de falar de si, mantém o desejo de preservar-se e, de certa forma, de se esconder.

Palavras-chave: Autoficção. Autoria. Literatura contemporânea.

CARTAS PARA QUANDO NÃO ESTIVERMOS MAIS AQUI

Brayan de Carvalho Bastos (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Na abertura de seu ensaio “Regras para o parque humano”, Peter Sloterdijk defende que a experiência humana se dá em uma fricção entre duas tendências latentes, sendo elas a bestialização e a domesticação do homem. Nessa tensão, que se estende por todo o horizonte ocidental, a cultura escrita se tornou um dos principais vetores do empreendimento conhecido como humanismo, sendo a filosofia o gênero literário responsável pelo estabelecimento de amizades a distância, atravessando séculos e estabelecendo elos com amigos do futuro. Sloterdijk produz um diagnóstico provocativo, em que as amizades de longa distância, reforçadas principalmente pela filosofia como gênero literário, estariam perdendo sua eficácia de domesticação do humano, em um contexto cultural marcado pelo acirramento das tendências bestializadoras e domesticadoras em um cenário atravessado pelo desenvolvimento de antropotecnologias que se apresentam como mais verdadeiramente domesticadoras do que a decifração das cartas de outrora, deixadas por nossos pretensos amigos do passado. Ocorre que as preocupações do filósofo alemão colidem com os mais recentes prognósticos acerca do futuro da própria humanidade enquanto espécie vivente, o que compromete a possibilidade mesma de produzir algum conhecimento comunicável ao povo por vir, que talvez nunca venha. O impasse do antropoceno, a rigor, é colocar toda a comunidade humana diante da possibilidade concreta de não existir outro passo a dar, já que, conforme anuncia Davi Kopenawa, há uma iminente queda do céu sobre nossas existências. Como, então, dar significado às cartas que escrevemos, sabendo que podem nunca encontrar seus destinatários e, portanto, nunca serem plasmadas em cartas efetivamente? Na tentativa de responder a essa questão que combate a golpes de martelo – ou serra elétrica – os ídolos do humanismo, novos marcos epistemológicos precisam ser estabelecidos como estratégia ética, estética e política na consolidação de alguma viabilidade no endereçamento de missivas, colocando também o próprio regime discursivo ocidental no centro do problema. Ao afirmar as chamadas epistemologias do Sul, Boaventura de Sousa Santos conjura uma alternativa epistemológica ao eurocentrismo dominante e opressivo, ao passo que Eduardo Viveiros de Castro contribui para uma virada etnográfico-metafísica excepcional ao propor o perspectivismo ameríndio, que opera na descaracterização profunda dos signos mais caros ao mundo Branco e estabelece diagnósticos condenatórios do narcisismo fundante da própria ideia de humanismo ocidental. Nesse sentido, a insistência na produção de conhecimento em plena catástrofe ambiental de proporções globais pode significar ao menos quatro posturas distintas: uma resposta cínica diante do abismo a nos engolir progressivamente; uma confiança ‘fukuyânima’ no fim de algum regime humano determinado sem implicar o fim de todos os regimes vitais do planeta, especialmente o humano em sua plenitude; uma impossibilidade de abandonar as prerrogativas ocidentais de apropriação do mundo pela via da ficcionalização absoluta da interação humana com o Sistema Terra – nos termos utilizados por José Eli da Veiga, a partir da Hipótese Gaia de Lovelock; por fim, o endereçamento de novas cartas para quando não estivermos mais aqui pode ser a abertura necessária para que diferentes metafísicas, cosmologias e epistemologias sejam urgentemente anunciadas em um último esforço de revisão profunda dos pressupostos teóricos que fizeram do pensamento ocidental mais um colaborador do que um verdadeiro crítico do senso comum predatório, extrativista e irresponsável com a dinâmica da vida no planeta.

Palavras-chave: Humanismo. Antropoceno. Epistemologias do Sul. Perspectivismo ameríndio.

REFLEXÕES SOBRE CONTEMPORANEIDADE E LITERATURA: LES FLEURS DU MAL, UMA LITERATURA DO CONTEMPORÂNEO?

Jefferson de Morais Lima (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Este trabalho, compreendendo a rica contribuição que a filosofia pode oferecer para os estudos de literatura, tem por objetivo inicial realizar uma breve análise da ideia de contemporaneidade formulada e apresentada por Giorgio Agamben, observando também algumas das ideias que lhe são subjacentes — tais como progresso, luz, escuridão, não contemporaneidade, etc. —, para com isso observar e melhor compreender as características daquilo que o filósofo italiano denomina (indivíduo) contemporâneo — alguém que, paradoxalmente, apresenta-se como inatual, descolado, anacrônico e que, precisamente em razão dessas características, por tomar o distanciamento necessário a uma observação mais profunda e eficaz, é capaz de perceber o próprio tempo mais e melhor do que os demais indivíduos da mesma época. Para entender com maior profundidade essa ideia, o presente trabalho estabelece diálogos com alguns dos textos fundamentais de Platão, Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin, os quais notoriamente exerceram forte influência sobre o pensamento agambeniano em relação ao tema. Por meio desses diálogos, visando sempre a uma melhor compreensão da ideia que aqui serve como ponto de partida, busca enxergar semelhanças ou conexões possíveis entre o homem da caverna de Platão, o anjo da história de Benjamin, o homem supra-histórico de Nietzsche e o sujeito contemporâneo de Agamben. Considerando as análises de Benjamin em Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, bem como trechos da análise que o crítico de arte francês faz de Constantin Guys e sua obra em O pintor da vida moderna, abre espaço para a reflexão sobre a figura de Baudelaire como um poeta contemporâneo e, a partir daí, sempre tratando a literatura como uma ideia — abordagem que vai ao encontro do que Benjamin esclarece a respeito da diferença entre ideia e conceito na introdução de Origem do drama barroco alemão —, busca estabelecer diálogos entre esta e a ideia de contemporaneidade proposta por Agamben, a fim de pensar sobre a possibilidade de uma literatura do contemporâneo — expressão utilizada para ressaltar a diferença entre essa forma de literatura e a chamada “literatura contemporêna”, termo amplamente utilizado para se referir a um conjunto de obras que tenham sido produzidas e publicadas em tempos mais recentes. Nesse contexto, ainda com o auxílio de Benjamin, este trabalho realiza uma brevíssima análise de alguns versos da obra-prima do poeta francês: Les fleurs du mal. Para isso, considerando a relação que existe entre contemporaneidade e progresso e partindo do pressuposto de que momentos marcados por grandes avanços são mais propícios ao estudo da contemporaneidade como habilidade peculiar de percepção, apresenta um brevíssimo resumo dos diversos “progressos” que a cidade de Paris experimentara à época em que Baudelaire escrevia seus versos, com vistas a refletir sobre as possíveis relações que sua obra estabeleceu com aquele tempo, ainda que de forma autônoma, artisticamente, e compreender melhor os fatores que cooperaram para a recepção negativa essa obra inicialmente teve. Por fim, com apoio teórico em Theodor Adorno, observando trechos da Teoria estética e da Filosofia da nova música, reflete sobre quais seriam os prováveis traços dessa forma de literatura, verificando sua presença na obra de Baudelaire e refletindo sobre a importância que essa forma de literatura teria para os dias de hoje, especialmente para os tempos de autoverdade em que nós, brasileiros, vivemos.

Palavras-chave: Contemporaneidade. Literatura do contemporâneo. Charles Baudelaire. Les fleurs du mal.

AUXILIO LACOUTURE, O ANJO DA HISTÓRIA LATINO-AMERICANA

Vitor Felix do Vale (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O romance Amuleto publicado em 1999 pelo autor Roberto Bolaño apresenta uma perspectiva distinta sobre do incidente conhecido como Massacre de Tlatelolco, ocorrido em 1968 na Cidade do México, capital do país. Auxilio Lacouture, personagem principal e narradora do romance é uma testemunha ocular do que acontece na invasão dos granadeiros, polícia especial mexicana, à universidade em que trabalhava. A mulher presencia tudo e sobrevive a um dos atentados do Massacre porque lia poemas em uma latrina do banheiro da Faculdade de Filosofia e Letras durante a invasão. A partir das Teses sobre o conceito de história do filósofo Walter Benjamin, o trabalho se propõe a explorar em que medida o autor do romance se apoia nas ideias sobre a história desenvolvidas ao longo do romance. Auxilio Lacouture não é apenas uma testemunha de um ato que marca profundamente a história do México, ela se propõe a levar adiante a narrativa de tudo o que presenciou no tempo em que permaneceu oculta no banheiro da universidade. A narradora acessa diversos momentos da história recente da América Latina, criando contatos com outros tempos e retirando ideias aprofundadas deles. Outro de texto de Benjamin nos ajuda a ler os motivos pelos quais a personagem decide contar a história daquilo que viveu, pois o filósofo nos apresenta em A arte de contar histórias as diversas características que os narradores marcantes possuem, dentre elas a capacidade de criar por meio de uma história uma experiência. Autodenominada “mãe da poesia e dos poetas mexicanos”, a mulher se sente obrigada a narrar a história do terror que presenciou e sentiu, a fim de que as gerações posteriores a elas saibam como a história se faz a partir de diversas perspectivas. Auxilio Lacouture cria um relato baseada em sua experiência e termina por criar uma narrativa que contempla a visão dos que vivem na América Latina nos bastidores da chamada cultura erudita, do grande poder, mas que também a observam atentamente e pensam sobre suas transformações. A poesia aparece como um elemento essencial na obra de Bolaño, e Amuleto é uma expressão evidente do apreço do autor pela história da poesia no continente, que entende esse gênero da literatura como uma forma de apreensão do mundo. A narradora constrói seu relato de forma poética, ao observar as atitudes de outros personagens com o olhar de um eu- poético, e tomar os atos históricos que aparecem no romance como imagens carregadas de sua própria subjetividade. Todas as experiências colocadas no livro passam pela pessoa de Auxilio Lacouture. Assim, o trabalho propõe uma leitura da personagem como metáfora do anjo da história, conceito retirado de uma das teses sobre a história escritas por Benjamin, que definiu um caráter sobre essa figura, a partir da pintura Angelus Novus, de Paul Klee. O anjo da história é um ser que têm os olhos arregalados para todo o horror dos tempos, e pode também acessar todo o curso da história (presente, passado e futuro), porque não está relacionado à ideia de progresso. Auxilio Lacouture, portanto, aparece no romance como corporificação do anjo benjaminiano, porque observa o passado, marca o presente e constrói leituras para um futuro possível na América Latina.

Palavras-chave: história; narradora; anjo da história; romance; experiência

Mesa 25 – Poesia em língua portuguesa: Portugal-Brasil Debatedora: Marina Sena (UERJ)

POESIA NA RUA: DESMISTIFICAÇÃO E POPULARIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO DOS ANOS 1980

Marcelo José Ribeiro Vieira (Programa de Pós-graduação em Letras da UERJ)

A presente pesquisa pretende pensar as várias relações existentes entre as manifestações e textos poéticos dos anos 80 e o limiar do processo de redemocratização brasileira, que se dá já em fins dos anos 1970 do século passado. Um momento em que, com o fim do regime autoritário, a busca pela ampliação da participação política popular se refletiu nas manifestações artísticas, principalmente nos chamados saraus de rua, eventos e mecanismos que foram criados visando à ampliação das vozes artísticas e cidadãs, em especial, as provenientes das áreas consideradas periféricas do Rio de Janeiro, ou seja, as zonas Norte e Oeste. A ditadura militar, como ficou mais comumente conhecido o período de 1964-1985, não acabou de um dia para o outro; até chegarmos à anistia e às “diretas já” houve um longo, progressivo e paulatino processo de reorganização da sociedade civil, em todos os setores. Aos poucos, porém, a sociedade civil começou a repensar o seu papel dentro da tarefa de redemocratização do país. Sobre esta inquietante transição, há farta publicação referente aos movimentos sociopolíticos; no entanto, o material torna-se bastante escasso quando se trata de abordar o papel das manifestações artísticas nesta “distensão lenta, gradual e segura”, e rareia ainda mais no que tange ao papel da poesia brasileira dentro deste contexto de redemocratização. Minha pesquisa procura suprir esta lacuna existente com mais informações. Na busca por tal objetivo, focalizaremos dois grupos cariocas da época que faziam eventos artísticos nos espaços públicos do Rio de Janeiro: o grupo Poça d’água, responsável pelo sarau itinerante “Passa na praça que a poesia te abraça”, que ia de praça em praça levando teatro, música e poesia aos mais diferentes públicos, e o coletivo artístico produtor do evento político-poético “Feira de Poesia Independente”, que acontecia em todas as sextas-feiras, às 19 horas, bem na Cinelândia, tradicional palco de manifestações políticas do Rio de Janeiro, principalmente em tempos de redemocratização. A propósito, é bom que se diga que esta foi uma época bastante conturbada e agitada e a nossa intenção é que este clima transpareça, a fim de que fique ilustrada, contundentemente, a ligação da poesia com a política, dentro da dimensão do cenário carioca em tempos de redemocratização, sublinhando-se a efervescência e o ritmo elétrico-eletrizante vivenciado pelos dois grupos escolhidos por nós. Ao resgatarmos as trajetórias desses grupos e de seus respectivos projetos artístico-culturais, foi possível enfatizarmos as suas concepções da relação entre intervenção poética e intervenção política. Nesse processo, se mostrou importante a análise da produção textual desses coletivos artísticos e como essa mesma produção refletia os seus pensamentos e atos, tanto artísticos quanto políticos. Tudo isto nos faz crer que haja um caráter pioneiro neste trabalho, pois ele toca em certos temas e fomenta determinadas discussões ainda não inseridos anteriormente dentro do universo acadêmico. Por outro lado, igualmente podemos afirmar que essa pesquisa intenta ser iniciadora de uma literatura crítica acerca de grupos e movimentos artísticos nunca antes sequer mencionados dentro dos muros universitários, mas que foram de grande importância no cenário da vida literária carioca e nacional dos anos 80.

Palavras-chave: Poesia. Popularização. Desmistificação. Arte coletiva. Anos 80.

DO OUTRO LADO DO MAR: IMAGENS E MIRAGENS DA TRADIÇÃO PORTUGUESA EM ANA MARTINS MARQUES

Natália Barcelos Natalino (Programa de Pós-Graduação em Letras – UERJ)

“Camões no presente”, artigo reunido no livro O Labirinto da saudade, de Eduardo Lourenço, é um grande exemplo para o início desta conversa: “Camões não pertence a ninguém, mas na medida em que emprestou forma à existência e ao ser ideal da ‘pequena casa lusitana’, e assim a subtraiu à informe existência histórica empírica, a ele pertencemos”. Em seguida, Lourenço nos alerta: “O que convém é saber como. Camões e a sua obra, em particular Os Lusíadas, não são uma realidade intemporal e de significação unívoca. Deslocá-los, arbitrariamente, da sua significação própria [...], para a falsa eternidade de um mito moral, histórico e ideológico cujas bases continuariam intocáveis, é celebrá-lo às avessas” (LOURENÇO, 1982, p. 164). Caberia a nós, leitores, tentar ler um Camões contemporâneo, com o cuidado de não “celebrá-lo às avessas”. Se pensarmos, rapidamente, como se configura, até hoje, a recepção do poema em Portugal, chegaríamos à conclusão de uma autoimagem: em Os Lusíadas, somente Baco consegue ser personagem mitológica com consciência crítica histórica, ao passo que somente Penélope, na obra de Ana Martins Marques, consegue essa consciência, ao resgatar uma “penelopeia” já instaurada – inclusive, inaugurada na “poesia de autoria feminina” por Sophia Andresen. Se Camões traz, por um lado, Baco como o principal opositor dos heróis portugueses; Ana Martins Marques, por outro lado, toma Penélope como figura não de oposição, mas que promove a atualização da tradição literária clássica e contemporânea, assim como promove uma relação com a tradição portuguesa, também refletida por Andresen no poema “Penélope”: “E cada dia me afasto e cada noite me aproximo” (ANDRESEN, 2018, p. 92) – a cada dia nos afastamos de Portugal e a cada noite nos aproximamos, poderíamos assim pensar. Partindo da célebre imagem camoniana da “pequena casa lusitana” (Os Lusíadas, VII, 14), a casa de portas abertas para o mundo, recorreremos à imagem “do outro lado do mar”, construída pela poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919–2004) na seção “Brasil ou do outro lado do mar” do livro Geografia (1967), imagem também explorada pela poeta brasileira Ana Martins Marques (1977–) em alguns de seus poemas. Pretendemos, por conseguinte, percorrer as obras de Marques procurando observar aquilo que, em sua escrita, em seu modo de ser brasileira e estar na língua portuguesa, parece abrir um diálogo com o “outro lado do mar”, isto é, com as questões que cercam a tradição da poesia de língua portuguesa, sobretudo no contexto Brasil-Portugal. Afinal, como negociar uma convivência entre a tradição brasileira e portuguesa? Propomos também pensar como a linguagem é material para questionamento da própria linguagem, a poesia questionamento para a própria poesia e ambas constroem um questionamento sobre as imagens e as miragens da – inocente e grata palavra – lusofonia e, por conseguinte, constroem uma discussão sobre a dicção poética luso-brasileira. Diante destas tantas constatações, pretendemos indicar na escrita de Ana Martins Marques certos rastros e evidências que incitam diversas reflexões sobre o lirismo contemporâneo e a cultura de língua portuguesa, pensando, ainda, em como a crítica mais recente vem defendendo que a poesia contemporânea se encontra em transição, uma vez que os valores caros ao Modernismo – o nacionalismo, por exemplo – não correspondem mais aos anseios do mundo contemporâneo. Em articulação com outros elementos narrativos, buscaremos examinar temas que transitam entre a memória, o corpo, a casa, os objetos e suas frações – construindo, assim, uma arquitetura de interiores, a julgar pelos temas-motivos que mais nos seduzem no conjunto temático presente na obra de Marques: habitar a casa; habitar a língua.

Palavras-chave: Ana Martins Marques. Poesia contemporânea. Tradição. Ruptura. Língua portuguesa.

A POÉTICA QUEER DE ANTÓNIO BOTTO: CHOQUES AFETIVOS E RESISTÊNCIA

Ricardo de Freitas Junior (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Parte significativa da crítica se dedicou a avaliar a poética de António Botto (1897- 1959) com base em parâmetros morais, religiosos e biográficos, e por isso ainda hoje é indispensável uma releitura mais atenta desse poeta. Notamos que diversas apreciações de algum modo tentam usar o teor homoerótico para condenar a lírica bottiana. Deparamo-nos com críticas que misturam papéis de gênero, sexualidade e fazer artístico; ou ainda críticas que atribuem valor à poesia de Botto quase que exclusivamente por causa de sua , dos escândalos em que se envolveu, devido à sua forte personalidade e à sua sexualidade. Tamanha ousadia de Botto de versar sobre a beleza do corpo masculino, sobre o prazer e o desejo – um desejo queer –, e representar o homoerotismo com precisão no centro do discurso poético acabou gerando, por parte dos meios jornalístico e literário, de grupos mais conservadores e inclusive do governo, reações contrárias e radicais, como a censura às Canções em 1923. Sobretudo em virtude do discurso abertamente homoerótico, as Canções de António Botto foram apreendidas por ordem do Governo Civil de Lisboa na tarde de 5 de março de 1923, como também as obras Decadência, de Judith Teixeira, e Sodoma divinizada, de Raul Leal. A dura censura foi consequência de uma campanha conservadora liderada por religiosos católicos e pela Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa contra a chamada Literatura de Sodoma. A lírica bottiana assoma assim, no início do século XX, como transgressora, sobretudo pela afirmação absoluta do homoerotismo – absoluta justamente enquanto não sujeita a qualquer tipo de parâmetro moralizante – e por ousar ultrapassar as fronteiras da heteronormatividade. Dessa forma, pretende-se, para além de entender de que maneiras a opinião pública e a crítica literária se manifestaram diante de versos sobre uma identidade gay contrária aos paradigmas tradicionalmente representados até aquele momento na sociedade e na literatura portuguesas, fazer uma leitura mais próxima do texto de António Botto sem tanto apelo à biografia do autor. Em muitos poemas de Botto, apesar de toda a coragem de cantar o amor entre homens, percebe-se a consciência de que é no corpo que agem os interditos. A noção dos impedimentos impostos pelo código de conduta moral dito natural manifesta-se enquanto desespero, em outras vezes como tédio, culpa ou parecendo miserável o desejo perante o mundo. Assim, a partir da leitura de alguns poemas das Canções, esta comunicação visa a tratar da dificuldade de o sujeito vivenciar o amor, que na poética bottiana se constitui muitas vezes efêmero ou impossível. Ressalta-se a ambientação da noite nos poemas, não porque a noite seja mais agradável para o amor, mas porque o sujeito lírico sabe que é apenas na noite que pode exercer seu desejo devido à vigilância social, ao perambular pelas ruas da cidade, pelas esquinas, praças e hospedarias. Mesmo com toda dor causada pela realidade das coisas – “Leva-me tudo o que eu tenha – / Se tanto for necessário / Para ser compreendido” –, nos poemas há questionamentos incisivos, que justamente são a transgressão deliberada dos interditos, em especial quando pensamos no contexto da civilização cristã, que valoriza o casamento monogâmico e indissolúvel e condena o desejo e o prazer, principalmente entre pessoas do mesmo sexo. Tais episódios de choques afetivos retratados, esse estado de angústia relacionado ao amor e às dificuldades de sua realização, são uma das tônicas mais marcantes na poética de Botto, que transfigurou em linguagem poética a representação de uma forma de subjetividade marginalizada na sociedade portuguesa e que se configura ainda hoje como poesia de resistência.

Palavras-chave: Poesia portuguesa. António Botto. Homoerotismo. Queer.

RISCOS DE LLANSOL: ENTRE ADÍLIA E JOÃO MIGUEL

Suelen Cristina Gomes da Silva (Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da UFF)

“O prazer do texto sim/ o frete do texto não” anuncia Adília Lopes em seu Estar em Casa (2018, p.33). Por sua vez, João Miguel Fernandes Jorge no primeiro volume de sua Obra Poética (1987, p.53), a compor versos metapoéticos, compartilha que “Era assim que o texto entrava em cena uma/ espécie de disponibilidade instável corrupta frágil/ mortal”. O que de tangível pode existir entre as dicções das obras destes autores? O trabalho que ora se apresenta se propõe a investigar como se dão (e quais são) as reflexões direcionadas à questão da arte poética presentes na obra de Adília Lopes e João Miguel Fernandes Jorge à luz das proposições de Maria Gabriela Llansol. Buscaremos as possibilidades de aproximação entre os autores dentro do recorte de perspectiva escolhido a partir de uma seleção de poemas dos livros supracitados, tendo como ponto de partida - também teórico - o livro Onde vais, Drama-Poesia? (2000) de Llansol. Pretendemos identificar para posteriormente destacar e descrever o que o texto - o poema - dos autores comunica e/ou teoriza sobre formulações e possibilidades da arte da palavra em duas instâncias diferentes, presentes na textualidade de Maria Gabriela: a impostura da língua e a potência legente/escrevente. Em sua textualidade, Maria Gabriela Llansol inscreve potencialmente, através de uma escrita de fulgor, uma constante reflexão acerca do que pode vir a ser a arte poética ou a arte literária como um todo e o que elas solicitariam de abertura ao “encontro inesperado do diverso”, propondo um trabalho que favoreça - além de diversas intervenções éticas e estruturais sobre a linguagem - a fuga da “impostura da língua” e a condição de potência legente/escrevente (tais denominações sendo reconfiguradoras por si só dos papéis tradicionalmente identificados como leitor e escritor). Sua proposta teórico-literária, ao contrário de ser a tentativa de modulação de uma verdade estática, desenvolve-se como uma incessante busca por caminhos para se adentrar em diferentes reais, tanto quanto possíveis, conforme declara em Um Falcão no Punho (1985, p. 55): “Quando se escreve só importa saber em que real se entra, e se há técnica adequada para abrir caminho a outros”. O “iam por um caminho” (2000, p. 90) de sua escrita delineia tanto uma proposição de ação à figura do legente como a si mesma. Os movimentos que se encontram por entre (e não por detrás nem à frente) o texto em seus fragmentos oferecem-se ao legente como forma de caminho: em uma textualidade de constantes desconstruções e reconstruções de sentido, esse “iam por um caminho” já se mostra como um caminho – o de deslocar-se. Nesse sentido, a poesia de João Miguel não se mostra uma poesia que nos impõe uma mensagem, uma verdade, uma certeza; pelo contrário, nos desestabiliza e nos faz retornar e avançar nas construções de sentido e repensar as próprias formas de produção de sentido. No geral, os poemas recolhidos para este trabalho de análise são curtos, somam poucos versos, às vezes em apenas uma estrofe (como em Adília). Em sua simplicidade constitutiva, parecem dar a ver o necessário: aquilo que resta após a retirada dos excessos possíveis; foto(grafam) o instante de enunciação exato pelo qual o leitor não poderá deixar de passar. É a imagem fulgurosa de Llansol de “um traço amplo e veloz a captar o poema que passa rápido” (2000, p. 17). Ademais, em busca de fios outros que ajudem a compor o tecido reflexivo e transgressor dos objetos desta análise, estarão presentes Ludwig Wittgenstein com suas Fichas (Zettel), Alberto Pimenta e Roland Barthes. Todos, por sua vez e voz, virão à cena da escrita para tratar “das rupturas vigiadas, dos conformismos falsificados e das destruições indiretas” (BARTHES, Roland. O prazer do texto. 2013, p. 15).

Palavras-chave: Maria G. Llansol. João Miguel. Adília Lopes. Impostura.

Mesa 26 – Literatura, decolonialidades e resistência Debatedora: Priscilla Figueiredo (UERJ)

TECENDO COM OS FIOS DO PASSADO – UMA ANÁLISE DE UM DEFEITO DE COR

Maria Inês Freitas de Amorim (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

No Brasil, a escravidão durou mais de três séculos e, apesar de ter terminado legalmente há 131 anos, ainda se vive num processo inconcluso de abolição. Há marcas do passado escravagista nas relações sociais opressivas que ainda não foram superadas. Se por um lado, a História Oficial tenda a silenciar os relatos dos escravizados ao longo do tempo e relegado suas narrativas e trajetórias a um papel de coadjuvante, a Literatura, por outro lado, a partir da poética da ficcionalidade, pode ser um espaço de diálogo sobre como seria a vida de milhões de africanos escravizados que tiveram sua liberdade “sequestrada” para a vida em cativeiro. A metaficção historigráfica é uma forma de narrativa na qual o passado é revisto e há a possibilidade de serem apresentadas múltiplas perspectivas ficcionais sobre acontecimentos. A Literatura, dessa forma, não busca ocupar o espaço da História ou pretente ser considerada um discurso “oficial”, mas busca elementos que possibilitem reflexões sobre outras visões e outros personagens, muitas vezes invisibilizados ou considerados “vilões”. Autoras negro-brasileiras têm desempenhado importante protagonismo ao construírem narrativas que denunciam a condição subalternizada dos negros no Brasil e evidenciam em seus escritos toda a potência de força e afirmação de vozes em luta por mais representatividade. O presente trabalho tem como objetivo analisar a representação do cotidiano do período da escravidão no Brasil a partir do romance Um defeito de cor, publicado em 2006, de autoria da escritora negro-brasileira Ana Maria Gonçalves. A obra apresenta uma carta ficcional escrita pela personagem histórica Luisa Mahin para o seu filho Luis Gama, escritor, jornalista, advogado e considerado o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. A protagonista do romance, denominada pelo seu nome iorubá Kehinde, narra sua trajetória, da sua condição de mulher escravizada para mulher liberta e sua busca pelo seu filho, vendido pelo pai branco como escravizado. Luisa Mahin é uma Heroína da Pátria, símbolo de resistência e de luta pela liberdade. Resgatar a sua história a partir da leitura do romance contribui para que haja o preenchimento das lacunas que a História Oficial deixou sobre a participação dos escravizados no combate à escravidão, sobretudo a participação das mulheres. As memórias da narradora são apresentadas como expressão do protagonismo que exerceu em sua trajetória, quando, mesmo considerada como uma mercadoria, apropriou-se de si e de sua vida na conquista de sua liberdade e dos seus amigos e familiares. A autora tece uma trama em que personagens histórios e ficcionais estão alinhados num mesmo fio condutor, formando um bordado onde realidade e ficção atuam . O romance evidencia a ancestralidade como instrumento de luta e as redes de afeto como formas de (re)existir. Refletir sobre a história da escravidão a partir de textos ficcionais é um caminho para buscar reparações de um passado invisibilizado e entender as profundas raízes da desigualdade e do racismo presentes ainda hoje e, assim, ser possível a concreta finalização do processo de abolição em nosso país. A pesquisa se baseia nos conceitos de Metaficção Historiográfica defendido por Linda Hutcheon (1991), Necropolítica elaborado por Achille Mbembe (2018) e de Epistemicídio desenvolvido por Sueli Carneiro (2018). Também se buscou as reflexões teóricas de Maria Aparecida Salgueiro (2004) e Miriam Cristina dos Santos (2019) sobre a escrita de autoras negro-brasileiras. E, a partir da leitura de Jessé de Souza (2017) e Angela Davis (2016) foi possível pensar sobre as construções sociais e o impacto da escravidão no processo civilizatório em sociedades escravagistas.

Palavras-chave: Literatura Brasileira. Escravidão. Metaficção Historiográfica.

A PERCEPÇÃO DA MARGEM SOB TRÊS OLHARES FICCIONAIS: CONFIGURAÇÕES DO DIZÍVEL E DO VISÍVEL

Samanta Samira Nogueira Rodrigues (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A recente produção literária brasileira, aqui representada pelos romances Inferno, de Patrícia Melo e Becos da Memória, de Conceição Evaristo; e pelo livro de crônicas A vida que ninguém vê, de Eliane Brum, aponta para a representação de tipos sociais cotidianos, propiciando, assim, perceber sujeitos que, diante de seus estados de precariedade forjados por suas condições diante do Estado, tendem a não ser vistos ou a serem vistos de forma automatizada, por exemplo, pelo apresentado pelos noticiários de jornal, consequentemente, na leitura que passamos a ter diante deles. Por meio da literatura, pretende-se estudar os olhares dos narradores acerca de personagens moldados à margem da sociedade; e a constituição, nas narrativas, da palavra de modo que ela não vire silêncio - ideia motivada por uma palestra do autor moçambicano Mia Couto em seu livro e se Obama fosse africano?: e outras intervenções -. Palavra, nesse sentido, sintetiza lutas, dores e precariedade. Assim, a literatura coloca-se como um meio para que tais situações sejam enunciadas. As obras propostas para estudo são formadas pelas três seguintes formas de enunciação: (i) em Inferno, a distância sobre o narrado configura a obra por meio de uma sequência de acontecimentos que, por sua composição ágil, raras vezes apresenta o que sente cada personagem ou se demora na apresentação de uma dor, mesmo sobre a principal figura, desenhada desde a infância e que chega a ser chefe do tráfico de drogas e de armas em seu morro; (ii) em Becos da memória, anunciado como romance de memórias, a declarada proximidade da autora com a narradora e com as histórias que conformam a obra através de um eixo narrativo comum, o plano de desfavelamento ao qual são submetidos os moradores de uma comunidade, destacando, dessa forma, cada uma das pequenas histórias ali contidas; e (iii) em A vida que ninguém vê, a configuração do extraordinário das vidas humanas a partir dos noticiários de jornal, num movimento de desautomatizar olhares para as mais diversas figuras humanas que perpassam nosso cotidiano. Em cada uma das histórias, os vazios sobre o outro, comum, marginalizado e até invisível, assumem a categoria de espaço a ser significado, tornando visto o que ainda não foi visto, e dizível o que não é dito, por exemplo, nas notícias de jornal que nos chegam cotidianamente. Silviano Santiago, em O cosmopolitismo do pobre: crítica literária e crítica cultural, compara nossa literatura a um rio subterrâneo “que corre da fonte à foz sem tocar nas margens que, no entanto, o conformam”. Essa imagem nos coloca, estudantes de literatura, em uma posição privilegiada de observadores. Nas três narrativas em questão, esse movimento se dá pela observação do outro e de vazios desenhados sobre si, de algo que se estrutura na falta, no espaço não ocupado pelo não dito e no espaço ocupado pelo dito e pelo implícito sobre cada enredo. A discussão proposta introduz as condições para falar sobre si e sobre o outro, ancoradas nos textos de Butler, presentes em Relatar a sim mesmo: crítica da violência ética; e de Spivak, em Pode o subalterno falar?. Ainda, defende-se aqui a percepção de vazios, do invisível, para que algo se torne visível, assim, passível de observação, troca e transformações e, para isso, aciono o estudo O visível e o invisível, de Maurice Merleau-Ponty e A partilha do sensível, de Jaques Rancière.

Palavras-chave: Percepção. Palavra. Tornar visível. Narrar.

COSMOPOLITISMOS SUBALTERNOS E PERSPECTIVAS DECOLONIAIS EM THE INHERITANCE OF LOSS, DE KIRAN DESAI E WHAT WE ALL LONG FOR, DE DIONNE BRAND

Thallita Mayra Soares Fernandes (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

The Inheritance of Loss (2007), de Kiran Desai e What we all long for, de Dionne Brand (2005) são romances que se passam entre dois locais distintos, um cosmopolita e outro, do Sul Global. As autoras lidam com uma visão do cosmopolitismo apresentada sob as lentes de imigrantes, como forma de mostrar outras perspectivas de um mesmo fenômeno, bem como seu funcionamento em dois polos distintos de poder, um rural e outro urbano. Além do deslocamento geográfico e cultural ocasionados pela mobilidade transnacional, os personagens analisados neste trabalho, Biju e Quy, são ainda mais particulares. O primeiro é um imigrante ilegal, que deixa a Índia e passa a viver e a trabalhar em Nova York, nos Estados Unidos, enquanto o outro é o filho perdido de imigrantes refugiados que vivem no Canadá. No contexto da obra de Brand (2005), o local do terceiro mundo apresentado é a Malásia. Ambos apresentam subjetividades, sonhos e objetivos de vida distintos, porém, a situação de ambos nas Cosmópolis pode ser analisada de forma similar. Isso porque a nova centralização e marginalização dos espaços gerada pelo fenômeno da globalização assumem características muito próximas, dada a transnacionalização econômica do mundo capitalista. Os espaços representados no terceiro mundo também podem ser lidos em perspectivas similares, dado que focalizam não apenas o lado humano da vida em comunidade, mas os efeitos da globalização em locais pobres, representados pela falta, pelo esquecimento governamental e pelos percalços gerados por uma modernidade ainda por vir. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar como as escritoras Kiran Desai e Dionne Brand, na condição de imigrantes em dois países distintos da América do Norte, representam personagens deslocados. Assim, busca-se pensar questões culturais e espaciais ligadas aos personagens transfronteiriços, bem como as políticas de acesso que lhe são negadas nas cidades cosmopolitas e que impossibilitam a inclusão dessas classes de imigrantes nos países de primeiro mundo, mesmo que ambas as Cosmópolis apresentem os mesmos como força de trabalho barata, cruciais para o desenvolvimento dos grandes centros de poder capitalistas. Para tal leitura serão utilizados pensadores como Sakia Sassen (1998), que compreende a importância do espaço para os circuitos econômicos da globalização e que salienta em sua obra as desvantagens do fenômeno global para as nações modernas, cujas relações de produção e sistematização jurídica são determinadas por um sistema transnacional cujas injustiças econômicas e sociais criam políticas de exclusão, em especial no que diz respeito à categorização do corpo cidadão. Renato Cordeiro Gomes (1999), quem igualmente frisa que os conglomerados urbanos não possuem doutrinas que garantam harmonia à vida urbana ou mesmo um direito igualitário à cidadania. Neste sentido, não apenas a economia, mas a distribuição desigual de capital simbólico também aumenta as contradições e desigualdades na cidade. Em um mesmo sentido, “O cosmopolitismo do Pobre” (2004; 49), de Silviano Santiago, enfatiza que na aldeia global, constituída por meio do trânsito e da economia capitalista, a democratização dos meios de transporte ampliou horizontes e possibilitou o deslocamento para grandes centros urbanos, carentes de mão de obra barata. A hipermobilidade, por outro lado, tornou mais complexa as dinâmicas socioeconômicas e a inclusão de novos grupos no corpo cidadão da nação de acolhimento. Outros fatores a serem avaliados são os imaginários geopolíticos do mundo globalizado, enraizados e dependentes das condições de colonialidade do passado histórico. Nesta direção, o trabalho englobará a leitura sobre o aporte do cosmopolitismo crítico, foco dos estudos de Walter Mignolo (2000) e que reconhece a inserção de epistemologias fronteiriças, em especial as subalternas, para que se possa analisar e negociar a diferença colonial no mundo capitalista globalizado.

Palavras-chave: Cosmopolitismo. Decolonialidade. Imigração.

A REIFICAÇÃO NA LITERATURA DECOLONIAL: A COLÔNIA E SEUS HABITANTES COMO MERCADORIAS EM A SMALL PLACE, DE JAMAICA KINCAID

Walter Cruz Caminha (Programa de Pós-Graduação Em Letras da UERJ)

As últimas décadas do século XX foram marcadas, na área da Literatura, pela emergência da produção e disseminação de obras que abordam a colonialidade e as relações de poder resultantes da mesma. A ampliação dos estudos culturais e pesquisas que abordam conceitos como identidade, diáspora, hegemonia e subalternidade possibilitou uma inserção maior no meio acadêmico de autoras e autores que escrevem sobre e a partir de colônias e ex-colônias, graças ao interesse crescente em narrativas de sujeitos antes silenciados. Além disso, o caráter interdisciplinar de tais estudos colaborou, e continua colaborando, para estabelecer pontes entre Literatura, Sociologia, Antropologia, Psicologia, História e outras áreas, traçando paralelos e cruzando informações que resultam em novos saberes que compõem o pensamento decolonial. As produções literárias decoloniais trazem em suas narrativas variadas perspectivas sobre as relações entre colonizadores e colonizados, países hegemônicos e colônias, sujeitos diaspóricos e suas situações de diáspora, entre outras. Em The Dew Breaker (2004), por exemplo, Edwidge Danticat apresenta múltiplas histórias de sujeitos afetados pelo regime dos Duvalier no Haiti, ex-colônia francesa. No romance Geographies of Home (1999), primeiro e único romance publicado por Loida Maritza Pérez, conhecemos a história de uma família que migra para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor longe do regime dos Trujillo, que dominaram a República Dominicana por trinta anos. Em ¡Yo! (1997), de Julia Alvarez, diferentes pontos de vista narram a trajetória de Yolanda, uma jovem escritora da República Dominicana cuja família está espalhada entre seu país natal e os Estados Unidos, tendo em vista que seus pais, assim como Aurelia e Papito em Geographies of Home (1999), também se mudaram com as filhas para os Estados Unidos fugindo do regime dos Trujillo. Narrativas decoloniais apresentam um lado da História que vai de encontro ao que é difundido por versões tidas como oficiais, em geral criadas e propagadas por aqueles que detinham – ou ainda detém – o controle e o poder sobre as nações colonizadas. O caráter estético da literatura permite que as histórias contadas por estas escritoras e escritores tenham ou não um tom de denúncia, a depender do que se propõe o autor em seu fazer literário. De qualquer modo, a literatura decolonial é uma forma de apresentar perspectivas diferentes daquelas impostas por grandes centros hegemônicos. Através de uma leitura cuidadosa de obras decoloniais, é possível identificar traços contundentes das relações desiguais de poder entre colonizador e colonizado, assim como as consequências dos processos de colonização que, mesmo depois da independência da colônia, ainda afetam os países subalternos. Tais narrativas deixam claro a forma como colonizado e colônia eram objetificados e tratados como mercadorias, em um total desprezo pelas vidas humanas que habitavam as regiões colonizadas – seja antes, durante ou depois dos processos de colonização. Desta forma, o objetivo deste trabalho é investigar como a reificação pode emergir em narrativas de cunho decolonial, em especial considerando como colônia e colonizados são descritos como mercadorias nestas histórias. Para tal, o conceito de reificação será abordado através das perspectivas de autores como Karl Marx, Georg Lukács e Axel Honneth, em paralelo com as reflexões de María Lugones sobre a condição de não-humano do colonizado. Para o corpus literário, foi escolhido o texto não-ficcional A Small Place (1988), de Jamaica Kincaid, como cerne para a discussão sobre reificação na literatura decolonial.

Palavras-chave: Reificação. Colonialidade. Jamaica Kincaid.

Mesa 27 - Técnicas literárias e a literatura brasileira Debatedor: Daniel Augusto P. Silva (UERJ)

LITERATURA E ESPAÇO URBANO: A CIDADE “MUSA” NAS OBRAS DE JOÃO DO RIO E RUBEM FONSECA

Camila de Souza Barros da Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O escritor carioca João Paulo Emílio Cristovão dos Santos Barreto (João do Rio, 1881-1921) foi testemunha das transformações que ocorreram no Rio de Janeiro dessa época, e trouxe para as suas crônicas as consequências da experiência urbana: a modernização, novos modos de percepção de tempo e espaço, e os efeitos causados pelo surgimento de novos inventos óticos que trazem a modernização do olhar. É através da arte de flanar que ele, ao caminhar pela cidade e apresentá-la em sua narrativa, mostra uma fisionomia da miséria, do atraso, do passado colonial, do cosmopolitismo e dos exercícios de uma nova sensibilidade. Em suas obras, o escritor revela as religiões, culturas e as diferentes realidades do Rio de Janeiro, com uma escrita marcada pelo olhar extremamente crítico com a situação da cidade naquela época. Pretende-se investigar, a relação literatura e cidade na coletânea de crônicas A Alma Encantadora das Ruas (1908) de João do Rio, e o conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro (1992) de Rubem Fonseca. O cronista também apresenta ao leitor uma escrita com a incorporação de técnicas advindas da fotografia, do panorama e do cinematógrafo, que representava um dos maiores inventos modernos naquele momento. Rubem Fonseca, importante escritor da literatura contemporânea, incorpora em sua escrita a experiência urbana, ou seja, os diversos modos de olhar a cidade e vivenciar o cotidiano em uma grande metrópole que afetam diretamente sua produção literária. Seus personagens são figuras do cotidiano urbano carioca. O autor propõe através de Augusto, personagem central do conto, fazer uma leitura dessa cidade, apreendendo seus discursos e suas histórias, é a cidade interferindo na experiência do sujeito e na sua escrita, ela se torna parte da matéria prima literária. O conto A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro se destaca por trazer uma narrativa que evidencia como o espaço urbano é importante como fonte de inspiração para a criação literária de Rubem Fonseca. O autor trabalha em seu conto uma perspectiva da cidade abordando aspectos como a degradação do espaço urbano carioca, resultado contrário aos projetos que buscavam transformar o Rio de Janeiro em um espelho de Paris no início do século. Percebe-se em sua obra uma forte relação entre seus personagens e o meio urbano, bem como a presença de uma linguagem “obscena”. Tais fatos justificam a escolha dessas obras com corpus de análise da pesquisa tendo como possibilidade a comparação delas, contemplando o tema literatura e cidade. A partir da comparação das obras dos dois autores, pretende-se verificar como para ambos, a cidade serve como “musa” e ainda, em que medida se dão as concepções de espaço, memória, tempo e sujeito. Como a mesma cidade, considerando as especificidades de seu tempo, permeia a escrita desses dois autores? Pretende-se, portanto, refletir sobre a relação entre literatura e espaço urbano considerando temas como memória, modernidade e sujeito e sua vinculação ao processo de criação literária e analisar também em que medida o olhar para a cidade instaura na escrita um processo tenso e rico de crítica e identificação.

Palavras-chave: Literatura, Cidade; Modernidade.

DA CANETA-TINTEIRO À MÁQUINA DE ESCREVER A TENSA RELAÇÃO ENTRE LITERATURA E TÉCNICA NA OBRA DE JOÃO DO RIO

Lohane Cristine de Araujo Guimarães (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Este trabalho é um pequeno recorte da pesquisa que desenvolvo no Mestrado em Teoria da Literatura/Literatura Comparada, sobre a tensa relação entre literatura e técnica, e como a partir dela o escritor profissionalizou-se transformando sua escrita em mercadoria. O contexto com o qual trabalho é a Belle Époque carioca, virada do século XIX para o XX, onde os jornais estavam cada vez mais populares e os leitores ávidos pelas novidades, possibilitando a ascensão social do literato por meio da escrita. Os jornais, principal veículo de comunicação popular desse período, palco de batalhas políticas, meio de construção discursiva da ação política e responsável por levar à população os temas discutidos na atualidade de então, esboçavam uma esfera pública de poder sob a capa da imparcialidade. E o jornalista usava deste seu lugar de destaque para introduzir hábitos e costumes modernos aos sujeitos. A crônica, gênero situado entre a literatura e o jornalismo, é um dos exemplos mais contundentes desse papel de orientador de hábitos e costumes do jornalista e também de meio onde se percebe a inovação tecnológica na escrita. Com temas que versavam sobre a vida cotidiana dos indivíduos da virada do século e incorporando características do cinematógrafo e da fotografia, João do Rio foi pioneiro nesse trabalho de mostrar a transformação da vida urbana e a alteração da escrita literária em seus volumes Cinematógrafo e A Alma Encantadora das Ruas. Escritor, jornalista, repórter, cronista, romancista e contista, o multifacetado Paulo Barreto, conhecido pelo pseudônimo de João do Rio, caminhou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro de Pereira Passos e Rodrigues Alves para buscar nas novas avenidas e nos becos mais obscuros matéria para suas crônicas. O olhar sempre atento do cronista conseguiu colher informações dos diferentes meios sociais pelos quais circulava. Enquanto repórter e cronista entendeu que não podia mais ficar à espera da notícia em uma redação de jornal e ia em busca dela, in loco. Neste momento de trabalho pretendo mostrar como não só escrita foi afetada pela inserção de novas técnicas, mas também como o jornalista sofreu o impacto dessas transformações tendo que se adaptar ao novo modo de fazer o seu trabalho. De escritor à jornalista, o homem de letras profissionalizou-se e teve que abandonar a caneta-tinteiro para adotar a máquina de escrever. Para compreender um pouco desse período de intensa transformação na história da literatura e do jornalismo, é preciso entender como a relação tensa entre literatura se deu, qual era a posição de quem nos periódicos e como o público leitor, receptor da informação veiculada pelos jornais, se insere nesse contexto. Isso porquê a tríade autor-obra-público, de acordo com o crítico Antonio Candido, nos ajuda a traçar um panorama da nossa literatura. Para a realização deste trabalho, serão feitas leituras não somente sobre a associação entre literatura e técnica, mas também a respeito de literatura, leitura e mercado e, sobretudo o diálogo entre literatura e jornalismo. Além disso, serão pesquisados os textos da recepção crítica da obra de João do Rio para entender qual a posição do escritor-jornalista nesse período de mudanças profundas.

Palavras-chave: João do Rio. Belle Époque. Crônica.

FICÇÃO E CONFISSÃO DE UMA JUVENTUDE: EU TE DAREI O CÉU DE IVANA ARRUDA LEITE

Joyce Nascimento Silva (Programa de Pós-Graduação lato sensu em Letras da UERJ)

A presente pesquisa está voltada para a obra Eu te darei o céu e outras promessas dos anos 60 de Ivana Arruda Leite, cujo escopo principal é a narradora personagem chamada Titila. Uma jovem que ao longo do livro conta as peripécias de sua vida que se passa entre as décadas de 60, 70 e o início dos anos 80, entrelaçando-se aos principais acontecimentos desses períodos onde a obra firma-se em seis pilares entre: política, cenário musical, TV, moda, insegurança quanto ao corpo e à identidade, e paixão pelo cantor Roberto Carlos. Tendo como base tais particularidades que circundam a narradora, a investigação gira em torno do jogo memorialístico dela entre aquilo que é descrito como confissão de sua juventude e que perceptivelmente transporta o leitor para uma realidade que fica tênue com o momento presente, do qual, distingue-se apenas no campo musical e das tendências (estilo de época). “A moda em São Paulo era telefone vermelho. Depois que o Kennedy instalou um telefone vermelho na Casa Branca para falar com o Kruschev, na Rússia, todo mundo queria um igual” (LEITE, 2004, p. 32). Além dos acontecimentos de que nos conta e recorda Titila – dos momentos envolto com a família e com os amigos –, aspectos políticos e sociais são trazidos através do olhar da jovem sonhadora que ama assistir TV, que depois passa amar ouvir música na rádio e nas festas e que se apaixona e entrega-se ao movimento febril produzido pelo programa da Jovem Guarda, apresentado pelo seu amado cantor Roberto Carlos, “de estilo descolado”. Da realidade para o panorama ficcional, somos direcionados para os pensamentos que a narradora expressa ao acreditar e criar em sua mente uma vida fantasiosa, falas que são frutos do imaginário juvenil: “Nada me deixava mais fascinada do que ver artistas de perto. Era como se eles pertencessem a uma categoria especial de pessoas, muito diferente da minha e de todo mundo que eu conhecia. Eu queria ser como eles.... Artistas não tinham problemas, não sofriam” (LEITE, 2004, p. 15). A partir disso, o enredo caminha-se para descobertas, sonhos, frustações e conquistas. Algo que desperta a atenção, faz parte de alguns pequenos traços de semelhança entre o que é narrado com informações da vida da escritora Ivana Arruda leite, como por exemplo, ambas morarem em Araçatuba - São Paulo. Ademais, as imagens de uma jovem lembram a Ivana, visto que, a foto das meninas na sala de aula casa com o fato narrado; e outra referente ao carnaval. A explicação para tal aproximação vem da autoficção, todavia, o foco está naquilo que é exposto e não nas comparações entre ser uma obra de cunho ficcional ou autoficcional, sendo portanto um fato a ser considerado, mas que não anula o propósito de analisar a narração em si, bem como os caminhos e objetos que a narradora utilizou para expressar suas confissões juvenis. Pensando na visão ampla da proposta que a Ivana traz ao tratar de questões importantes para nossa sociedade, vemos que são transmitidas de uma forma natural e poderíamos dizer, leve. “A escrita de Ivana não pesa. Não sufoca. Não esgota. Antes libera a tensão das pressões sociais por meio do humor. É na sátira do cotidiano, no ridículo do fracasso das relações amorosas e rindo de si mesmas que as personagens arrudianas surgem” (BARRETO, 2016, p. 36). E, assim, levantamos como proposta inicial a discussão quanto ao que é narrado como memória daquilo que é criado pelo imaginário da narradora baseado nos fatos realísticos, analisando e comparando os pontos de entrelaçamento entre si.

Palavras-chave: Confissão. Juventude. Memória. Décadas.

Mesa 28 – Ficção brasileira no século XX Debatedora: Janda Montenegro de Silva (UFRJ)

“E MESMO NAS GALERAS ÉS NOCIVO, ÉS UM ESTORVO, ÉS UM TUMOR”: A DIEGESE CÍCLICA E ONÍRICA DO NARRADOR DO ROMANCE ESTORVO, DE CHICO BUARQUE

Jhonatan Rodrigues Peixoto da Silva (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CAPES)

Estorvo é a obra literária inaugural na carreira de Chico Buarque enquanto romancista e sua primeira publicação foi em 1991, pela editora Companhia das Letras. Sendo um romance cuja existência literária já se aproxima dos 30 anos, imbuído de uma prosa de qualidade, é natural que já tenha se tornado corpus ficcional de estudos acadêmicos de naturezas variadas. A complexidade de sua estrutura, o refinamento verbal e a destreza do autor contribuíram para que o romance fosse objeto de estudos desde que fora lançado, ainda que, quando pensamos na faceta romancista de Chico Buarque, a quantidade de estudos literários ainda não seja tão profusa se cotejada às pesquisas que se debruçam ora no perfil poeta/compositor, ora em aspectos biográficos do Chico. Narrativas literárias caracterizadas pelas qualidades textuais supracitadas, geralmente, concitam estudos e análises de naturezas heterogêneas e, às vezes, antípodas, como as pesquisas de perspectivas culturalista e estruturalista. Aderindo à corrente estruturalista, analisamos Estorvo a partir da figura do narrador, componente narrativo fulcral para a intelecção do romance buarquiano e de todo o projeto estético do universo ficcional de Chico Buarque. Os objetivos tencionados, aqui, podem ser seccionados em, ao menos, dois momentos bem definidos e delimitados que serão desenvolvidos no decorrer da análise: primeiro, demonstraremos o movimento cíclico que prepondera durante toda a narrativa. Ao traçar minuciosamente o percurso aviado pelo narrador, o seu trânsito turbulento pelos espaços ficcionais do romance, elaboramos um mapa que não apenas ilustra os locais pelos quais o narrador-estorvo passou, mas também revela a circularidade estrutural da narrativa. O olho mágico, que para o romance é mais do que um trivial componente da porta, trata-se de um insigne e emblemático elemento da narrativa, surge como uma metonímia da própria obra literária do Chico, representando a sua natureza cíclica, afinal, o narrador transita pelos mesmos locais, como numa espiral caótica reveladora de sua idiossincrasia desconcertante e desnorteada, e o aspecto incerto, distorcido e onírico da narrativa de Estorvo, visto que a imagem pouco nítida e deformada do olho mágico se assemelha à própria perspectiva do narrador enquanto agente narrativo. Num segundo momento, exploraremos precisamente o conceito de narrativa onírica, propondo a taxionomia de narrador onírico para o narrador buarquiano, discernindo essa tipologia como uma das marcas mais relevantes dos romances de Chico Buarque. Embasamo-nos em nossas análises esmeradas em que pudemos perceber que o narrador expõe fatos que não ocorreram no plano pragmático das ações, realizando devaneios ou digressões que abusam de verbos no futuro do pretérito ou no futuro do presente. Devaneios e sonhos que podem ludibriar o leitor mais incauto e levá-lo a acreditar que o evento narrado está realmente sucedendo-se, enquanto que, na verdade, se trata de hipóteses e inferências construídas pela verve do narrador. Em algumas ocasiões, a estrutura diegética coaduna tão eficientemente ação e devaneio, que não se torna possível aferir objetivamente se o relato do narrador ocorrera pragmaticamente, ou se apenas era mais um de seus arroubos delirantes. A fim de atingir os objetivos expostos, demonstrando a circularidade do romance e propondo a taxionomia narrador onírico para o agente narrativo de Estorvo, lançamos mão de teóricos e estudiosos como Augusto Massi (1991), Roberto Schwarz (1991), Benedito Nunes (1991), Zygmunt Bauman (1998), Karl Erik Schøllhammer (2011), Andreia Delmaschio (2014), Gérard Genette (2017), Yves Reuter (2004) e Tânia Maria (2017).

Palavras-chave: Chico Buarque; Estorvo; Narrador; Narrativa onírica.

REPRESENTAÇÕES DO PESSIMISMO: ELEMENTOS GÓTICOS NO ROMANCE DE 30

Marina Sena (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/FAPERJ)

O “romance de 30” inicia-se com a obra A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. A origem do termo é incerta, mas é reconhecido pela crítica, de forma quase unânime, que a narrativa de Almeida inaugura um novo modo de se fazer ficção, diferente daquele que era feito pelos modernistas. Ainda que A Bagaceira seja datada de 1928, será apenas em 1930 que o novo romance irá se consolidar. Como aponta Ivan Marques (2015), tratava-se de nova fase na literatura brasileira, com autores e temas diversificados, que amadureceram as propostas dos modernistas. Tal amadurecimento e o adensamento crítico estavam ligados à percepção de que a visão do modernismo de 22 sobre os rumos do Brasil era idealizada e irreal. Assim, os escritores da geração seguinte adquiriram uma visão de mundo pós-utópica, desencantada com os rumos da modernidade e do progresso, que se consubstanciava em seus romances. Não era apenas o herói fracassado, mas a própria temática do fracasso e da decadência que se tornava recorrente em nossos romances. Para Marques (2015), no centro da questão estaria a percepção, por parte não apenas dos ficcionistas brasileiros, mas também de intelectuais – como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda –, de que ainda estávamos presos a um passado rural, não completamente superado. Apesar da grande diversidade de temas, tal como afirma Marques, é possível identificar duas vertentes principais no romance de 30: a escola realista e a escola intimista. A primeira é ligada a nomes como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. Já a segunda filia-se a Lúcio Cardoso, Octavio de Faria e Cornélio Pena. Temos a compreensão de que o romance de 30 é um determinado modo de se fazer ficção, iniciado em 1930, e que se estende até a década de 1960. Tal fato pode ser observado em escritores como Lúcio Cardoso, com sua Crônica da casa assassinada (1959), e Octavio de Faria, que publica Três novelas da Masmorra em 1968. Tanto o modo intimista de produzir literatura quanto o modo realista de se fazer ficção iniciam-se na década de 30, mas não se esgotam nela. Luís Bueno, em seu Uma história do romance de 30 (2006), afirma que o pessimismo é um dos aspectos centrais da literatura do período. Tal visão é corroborada por Marques (2015) para quem a negatividade e o desencanto são marcas dessa literatura. Por tal razão, não se mostra tarefa difícil supor que um modo literário essencialmente negativo possa ter embasado muitas das obras dos romancistas de 30: o Gótico. O objetivo deste trabalho é investigar de que modo o Gótico foi utilizado pelos romancistas de 30 para dar forma às suas obras, em três aspectos: espaço, tempo e personagem. A minha hipótese é a de que a poética gótica foi amplamente utilizada pelo romance de 30 tanto em seus primeiros anos como em seus desdobramentos nas décadas subsequentes. Essa compreensão se justificaria pela presença dos seguintes elementos nas obras: i) o passado que retorna para assombrar o presente; ii) o campo semântico ligado à morte e à degeneração física e mental; iii) uma perspectiva desiludida em relação ao mundo (seja do próprio narrador ou das personagens ficcionais). Tal utilização, suponho, não se limitou a escritores como Lúcio Cardoso e Cornélio Pena, mas estendeu-se a outros escritores católicos, como Octavio de Faria, e mesmo a autores normalmente associados à escola realista, como Erico Verissimo.

Palavras-chave: Literatura Brasileira. Romance de 30. Gótico. Pessimismo.

A TRAVESSIA DO SERTÃO MITOPOÉTICO ROSIANO

Pedro Cornelio Vieira de Castro (UFRJ – Doutorando em Literatura Brasileira)

Ao estudarmos as obras de Guimarães Rosa, nos deparamos com um universo de significados e significantes muito vasto, talvez infinito. O uso da língua e das imagens faz de seu sertão um espaço inédito na literatura, embora seja confundido muitas vezes com uma obra de caráter regionalista. Este trabalho pretende mostrar que o sertão de Grande sertão: veredas não é um simples cenário geográfico ou histórico, mas é toda uma natureza mitopoética. Com alto teor imagético, o romance carrega complexas questões envolvendo o ser humano. Essas questões se inserem a partir da narração de Riobaldo, sempre dirigida a um homem “muito culto”. Entretanto, esse homem jamais intervém na narrativa, levando a interpretação de que o diálogo travado não é com ele, mas com um tipo específico de leitor. A partir de reflexões explícitas tiradas do livro, faz-se necessário entender quem é esse leitor a quem Rosa se dirige e de que modo acontece esse diálogo. Para desvendar essa questão, utilizamos textos teóricos de Manoel Antonio de Castro, o que nos levou imediatamente à origem da palavra diálogo e sua aproximação com a palavra lógos. Essa aproximação nos leva a tempos ainda mais distantes e aos aforismos de Heráclito de Éfeso, acompanhados de estudo de seu tradutor Alexandre Costa. Aprofundando os estudos pré-socráticos, desvela-se uma visão antiga da natureza, escondida no termo physis e que se irmana da palavra lógos – a qual não nos arriscamos a traduzir literalmente. É essa natureza encontrada em Grande sertão: veredas. A natureza de brotar incessante e omniparturiente, características fundamentais dessa physis pode ser vista também em outros contos do autor. Porém, o objeto principal de estudo reside no romance de Rosa. As demais obras servem de auxílio para mostrar um projeto mitopoético rosiano e já foram dissecadas, sob esse aspecto, em tese de doutorado de Maria Lúcia Guimarães de Faria, Aletria e Hermenêutica nas estórias rosianas, e no livro A saga rosiana do sertão, de Ronaldes de Melo e Souza. O ponto de partida, que nos fez questionar esse caráter mitopoético do sertão rosiano, foi “O homem dos avessos”, ensaio de Antonio Candido, que atesta para o caráter mítico e duplo do romance narrado. As cenas protagonizadas por Diadorim, Joca Ramiro e Riobaldo possuem resquícios de tempos imaginados e também imaginantes. Torna-se necessário, portanto, recorrer ao mitólogo Eudoroso de Sousa, que desvenda as origens de mito e poesia nas civilizações pré-helênicas. A própria entrevista de Guimarães Rosa ao seu correspondente alemão, Gunther Lorenz, Diálogo com a América Latina: panorama de uma literatura do futuro, acompanha esse trajeto sertanejo a partir de uma visão divinatória de rio, que, para Rosa, é a palavra mágica que conjuga eternidade. Esse rio eterno é também narrante, como podemos observar no nome do narrador Riobaldo. De fato, as palavras correm, incessantes, sem obstáculo e terminam a travessia das palavras em um sinal de infinito – terminam?

Palavras-chave: Sertão. Mitopoético. Diálogo. Physis.

“NÃO TENHO TALENTO PARA CULTIVAR A ESCOLA QUE PREFIRO”: GRACILIANO RAMOS E A ESTÉTICA REALISTA

Thayane Verçosa (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CAPES)4

As entrevistas e as cartas de Graciliano Ramos publicadas em Cartas: Graciliano Ramos (1982), Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos: Benjamín de Garay e Raúl Navarro (2008) e Conversas (2014) constituem um corpus que permite analisar a concepção metadiscursiva do autor. Em uma entrevista de 1910, no Jornal de Alagoas, intitulada “Um inquérito”, quando lhe perguntam: “Para que ramo da beletrística ou das belas-artes propende seu espírito? Por quê?”, o autor de Vidas secas confessa:

4 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. “Repito, porém, que prefiro a prosa ao verso. Se tenho feito alguns trabalhos poéticos, esquecendo a prosa – por que não confessá-lo? – é porque não tenho talento para cultivar a escola que prefiro: a escola realista” (RAMOS, 2014, p. 53). Ainda que não surpreendente, tal confissão mostra como o projeto realista perpassa a obra de Graciliano Ramos desde os primórdios de sua carreira, e revela um jovem que duvidava de sua capacidade enquanto autor. No entanto, quase três décadas depois, em 1938, ao falar sobre Vidas secas, suas dúvidas parecem ter desaparecido: “Os sertanejos aparecem quase sempre transplantados para outro meio e nunca no seu ‘habitat’. O que procurei fazer foi mostrar o homem no seu ambiente, vivendo a sua vida e falando a sua língua. É um livro amargo, duro, ríspido, mas verdadeiro, profundamente verdadeiro...” (Ibid., p. 68-69). Por outro lado, em suas cartas, ao comentar, principalmente com Heloísa Ramos, sua esposa, sobre as obras que vinha produzindo, ele ora faz comentários depreciativos, retomando suas dúvidas da juventude – “Peça aos santos que esta encrenca termine para novembro. E peça também que não me apareçam outros orçamentos e artigos de jornal. [...]. Há de ter graça no fim, quando compreenderem que o livro não presta para nada” (RAMOS, 1982, p. 111) –, ora não contém sua empolgação diante do que está produzindo – “Vai sair uma obra-prima em língua de sertanejo, cheia de termos descabelados” (Ibid., p. 125). Enquanto a euforia, muitas vezes, vem acompanhada de afirmações sobre usos linguísticos adequados, ou seja, realistas, a disforia, longe de ser um capricho de temperamento, é uma reação negativa, quando constata que não logrou seu projeto de escrita realista. Contudo, em uma carta enviada à irmã, em 1935, ao afirmar: “Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso, não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos. Só podemos expor o que somos” (Ibid., p. 213), Graciliano reconhece a impossibilidade de representar o outro como tal; perceber que não é possível escrever para além de si mesmo é assumir que o projeto de escrita realista falhou, mas por uma impossibilidade de realização. Assim, a presente comunicação busca analisar, em ordem cronológica, no mencionado corpus, a relação complexa do autor com a estética realista ao longo da vida, de modo a compreender como essa tensão se torna constitutiva da poética graciliânica.

Palavras-chave: Estética realista. Entrevistas. Cartas. Graciliano Ramos.

Mesa 29 – Literaturas de língua inglesa Debatedora: Priscilla Figueiredo (UERJ)

NA ÉPOCA DOS GRIFOS E OUTRAS CRIATURAS: LENDAS EM A SCOTS QUAIR, DE LEWIS GRASSIC GIBBON

Carolina de Pinho Santoro Lopes (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A história, a memória e a ficção aproximam passado e presente, já que são formas de uma sociedade se relacionar com o seu passado. O processo de construção da memória de uma comunidade é guiado pelo papel fundamental que lembrar o passado exerce sobre a identidade de um grupo. Narrativas populares são elementos importantes desse processo e, portanto, sua análise pode contribuir para a compreensão da formação da identidade de uma comunidade. Em A Scots Quair (1932-1934), trilogia escrita pelo escocês Lewis Grassic Gibbon (pseudônimo de James Leslie Mitchell), é possível observar a presença de lendas relacionadas à região nordeste da Escócia, cenário desses romances. Cada livro de A Scots Quair se passa em uma localidade ficcional diferente e abrange uma época distinta das primeiras décadas do século XX. Sunset Song (1932) é centrado no vilarejo rural de Kinraddie, entre 1911 e 1920, sendo marcado pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial. O segundo romance, Cloud Howe (1933), tem como cenário a pequena cidade de Segget durante a década de 1920. Grey Granite (1934), por sua vez, focaliza a cidade industrial de Duncairn no começo da década de 1930, época de profunda crise econômica. Dessa forma, a sequência dos romances espelha a transição de uma comunidade rural para uma sociedade urbana e industrializada. O fio condutor da trilogia é a história de Chris Guthrie e sua família, acompanhando o crescimento da protagonista desde a adolescência até a idade adulta. As histórias tradicionais contidas em A Scots Quair podem ser categorizadas como lendas históricas, uma vez que são contadas como acontecimentos reais, fazem referências a pessoas que de fato existiram e estão associadas a uma época e a um local específicos. Três lendas serão analisadas: a da luta contra um grifo que aterrorizava o vilarejo de Kinraddie, a do assassinato do rei Kenneth II, cometido por Finella e motivado por vingança, e a da morte do xerife da região ao ser jogado por outros nobres em um caldeirão fervente. Todas essas narrativas têm laços com a tradição historiográfica e literária e também estão relacionadas a histórias conhecidas na região nordeste da Escócia, com algumas modificações feitas para adaptá- las aos locais ficcionais criados por Gibbon. Desse modo, as lendas contribuem para a construção de uma história para os cenários da trilogia, entrelaçando a identidade dos personagens com as tradições dessa região. Além disso, essas histórias tradicionais representam a Idade Média como uma época violenta e repleta de acontecimentos exóticos e extraordinários, associando a origem das comunidades a um passado mítico. Apesar desse retrato do período medieval como distante e quase lendário, é possível perceber traços de continuidade ao longo do tempo. Exemplos disso são tanto a manutenção das relações de poder na região quanto os vestígios do passado visíveis na paisagem local. A análise das lendas da trilogia também permite observar tentativas de manipulação da memória da comunidade, o que ressalta a importância do controle sobre o que é lembrado a respeito de um determinado lugar. Assim, as histórias tradicionais contidas em A Scots Quair têm um papel importante na caracterização dos cenários em que a trilogia se passa e na formação da identidade das comunidades retratadas, conectando de forma profunda passado e presente nos romances.

Palavras-chave: Memória. Folclore. Literatura escocesa.

IMAGENS ESTÉTICAS E TEMPO ÉTICO EM SOBRE A BELEZA, DE ZADIE SMITH

Samantha Toledo (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A partir da seleção de imagens estéticas da personagem Carl, este ensaio pensa a reinscrição do romance Howards End (1910), de E. M. Forster, no romance Sobre a beleza (2005), de Zadie Smith. Em linhas gerais, Sobre a beleza narra a história do conflito ideológico entre dois intelectuais ingleses e os problemas decorrentes dos cruzamentos dos destinos de suas famílias (uma negra e outra birracial). No centro, os pensamentos de Homi Bhabha e Emmanuel Levinas fornecem ossatura a uma exegese que considera essas imagens estéticas na sua virtude de instalar o tempo ético da narração. Na margem, os pensamentos de Jacques Rancière, Judith Butler, Aristóteles, Alberto Fernández Carbajal, Elaine Scarry, Platão e Diotima fornecem grãos e preenchem brancos, tonificando a exegese. Argumenta-se que a reinscrição do texto canônico tem sua expressão pós-colonial mais magnificente em Carl, que introduz uma temporalidade cultural nova exemplar na tradição forsteriana. Carl Thomas é Leonard Bast (de Howards End) escrito do além. Na exegese bhabhiana, o além começa a se esfumar na ideia levinasiana da imagem estética dotada da virtude de instalar o tempo ético da narração, e se plenifica como espaço liminar e oscilante de intervenção. Assim, se Zadie Smith reinscreve a ossatura ortodoxa de Howards End sobre a performatividade idiossincrática de personagens fronteiriças que se formam sujeitos nos entre-lugares, é porque escreve do além vaticinado por Bhabha. Na prática: em Howards End, Leonard supre carências culturais pelo ingresso em concertos baratos e a leitura de cópias humildes dos vitorianos John Ruskin e George Meredith. Em Sobre a beleza, Carl alimenta sua curiosidade com benefícios culturais geracionais oriundos de contendas populares anteriores a seu nascimento. Em Howards End, o olhar exotizante dos Schlegel adere em Leonard paráfrases desumanizadoras. Em Sobre a beleza, o olhar exotizante de Howard Belsey filia a cabeça orgulhosa de Carl à cabeça normativa de uma pintura do flamengo Rubens. Leonard se orienta para a ascensão de classe. Carl manifesta pendor pela luta contra a estigmatização social e o exclusivismo cultural. O desejo sexual de Helen Schlegel por Leonard se consuma. O de Zora por Carl nunca porque Smith não o submete ao prazer da garota superficial. Portanto, as imagens e mini-imagens estéticas de Carl instalam o tempo ético da narração na medida em que obscurecem as narrativas históricas do racismo e da classe para articular o não dito/não sentido pela família birracial Belsey. Aliás, hoje a ideia da estética como a experiência sensível que promete a comunalidade nova e ética tem reforço na filosofia de Jacques Rancière como em muitas disciplinas e discursos contemporâneos. Além do laço imagens estéticas e tempo ético, este ensaio pensa outros vincos de sentido do romance. Por exemplo, o fato de ele ser, em parte, sobre a fisicalidade sem estatuto de beleza. Nesses limites lassos, somente uma força cegante pode bloquear a visão dos corpos que sobejam carnalidade indômita desde detalhes marginais (línguas gorduchas, dentes de leite, dobras de dedos, barrigas flácidas de dar à luz muitos bebês e faces muçulmanas palpitantes sob hijabs) a performances centrais.

Palavras-chave: Imagens estéticas. Tempo ético. Zadie Smith. Homi Bhabha. Emmanuel Levinas.

NOTHING BUT A NOVELTY: A TRADIÇÃO E O EXCÊNTRICO EM THE HATHAWAYS, DE LISA KLEYPAS

Thayná Caldas Moreira (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A presente pesquisa, iniciada em março de 2019, tem como objetivo principal analisar a representação do passado sob o ponto de vista contemporâneo em romances de época (historical romance novels) no que diz respeito ao processo de naturalização e romantização de atitudes e/ou opiniões conservadoras e progressistas em meio à sociedade inglesa vitoriana. Para tanto, trabalho com duas obras da novelista estadunidense Lisa Kleypas, Mine till midnight (2007) e Seduce me at sunrise (2008), volumes iniciais da série The Hathaways, publicados entre os anos de 2007 e 2010 nos EUA. A série apresenta a família Hathaway, formada por cinco membros – Leo, Amelia, Winnifred, Poppy e Beatrix, em ordem de nascimento – cujas vidas são radicalmente alteradas após Leo receber o título de visconde e a família precisar se mudar de Londres para a propriedade rural, Ramsay House, em Hampshire. A história, que se inicia no ano de 1848, retrata a sociedade aristocrática londrina e rural sob o ponto de vista dos irmãos que, por originalmente pertencerem à classe burguesa, precisam se adaptar às tradições e normas de sua nova classe social, a aristocracia. Os volumes escolhidos para esta pesquisa trazem como foco Amelie e Winnifred Hathaway, as duas filhas mais velhas, desenvolvendo o processo de adaptação das heroínas em meio à aristocracia em paralelo às suas histórias de amor com os respectivos heróis Cam Rohan e Kev Merripen. À luz dos estudos sobre romances de época (RADWAY, 1991; REGIS, 2003; RODALE, 2015), busco compreender a importância do protagonismo feminino em tais histórias. Por consequência, analiso a representação da mulher na obra de Kleypas, não apenas através dessas heroínas como também através de outras personagens femininas, desde as irmãs caçulas Poppy e Beatrix, até a figura materna (apresentada através de lembranças que as Hathaways mais velhas guardam da mãe) ou em outras damas da alta sociedade que entram no convívio social da família. Para além de compreender sua representação, é importante observar como elas se relacionam: se há simpatia ou antagonismo entre as personagens, quais os assuntos conversados, e como as interações com outras mulheres influenciam as heroínas. Essa análise se mostra de fundamental importância quando se recorda que, de acordo com as autoras referenciais supracitadas, os romances de época devem apresentar a mulher como figura central da narrativa, e, se não for a personagem mais importante, ao menos deve compartilhar um papel de igualdade em relação ao herói, sendo esta a abordagem escolhida por Kleypas na série. Portanto, além de analisar as heroínas, focalizarei também os heróis, ambos de origem cigana, ligados ainda às tradições de seu povo. Esse traço demanda uma investigação quanto às questões raciais presentes nas obras, não apenas no que diz respeito à representação desta cultura específica como também no que se refere à visão da sociedade inglesa (principalmente da aristocracia) sobre esses personagens. Finalmente, proponho tecer uma breve análise de registros históricos sobre a era vitoriana, colocando-as em comparação e contraste com a mesma época representada por Kleypas em seus romances, buscando compreender as semelhanças e diferenças na retratação da aristocracia rural e da burguesia; dos eventos sociais; das relações entre amor e casamento; e das relações entre educação e trabalho.

Palavras-chave: Romance de época; Era Vitoriana; Ficção e História.

DA TIPOLOGIA À IMAGOLOGIA: PERSONAGENS E PONTO DE VISTA NARRATIVO EM E. M. FORSTER

Vinício Lima Berbat (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

Aclamado romancista e crítico literário, o britânico E. M. Forster é o responsável por uma das mais conhecidas tipologias sobre personagens narrativas: a da distinção entre personagens planas e redondas. Para tal, Forster separa dois capítulos de seu Aspectos do Romance (1927), compilado a partir de uma série de palestras suas na Universidade de Cambridge. Ao final do segundo desses capítulos, Forster se debruça brevemente sobre um outro elemento crucial (além das personagens) para os estudos narrativos: o ponto de vista. Para o autor, por mais que tenha sua devida relevância na composição de um romance, a questão do ponto de vista narrativo não deveria ser considerada tão central quanto a criação de bons personagens e de uma trama que consiga tocar o leitor, tratando-a como um preciosismo de críticos como Percy Lubbock. Porém, já na época de Forster e, principalmente, com o passar dos anos, o que seria considerada pelo autor a opinião de uma minoria de críticos popularizou-se mais e mais. As experimentações estéticas de alguns dos mais famosos romances modernistas implicaram uma preocupação cada vez maior com a discussão sobre ponto de vista. Conforme mais e mais autores experimentavam e inovavam com o ponto de vista em suas obras, a questão se tornava mais inevitável e, acima de tudo, apesar do desdém de Forster, central. Norman Friedman, já nos anos 50, trabalha sobre sua própria tipologia de pontos de vista com base em um grupo substancial de obras literárias e também em críticos que pensavam essa questão, em um contraponto explícito a Forster. Friedman cita exemplos de obras de Henry James e Christopher Isherwood, passando por Virginia Woolf, para trabalhar modalidades de foco narrativo como a onisciência intrusa, a onisciência seletiva, o modo câmera e outras hoje em dia consagradas nos estudos narrativos. Do auge do estruturalismo para cá, no entanto, outras contribuições críticas serviram para alargar a base de discussão sobre ponto de vista. Conceitos bakhtinianos fundamentais como dialogismo e polifonia inspiraram o trabalho de muitos outros críticos, que, assim, puderam expandir o debate e levá-lo para além apenas de tipos de narrador e categorias fechadas. Um dos pontos levantados pelo francês Alain Rabatel é o de que o processo de criação de mundos e personagens é naturalmente dialógico, pois, no que parece um avanço em relação à posição de Forster, este seria inevitavelmente tocado por posições, gostos, desgostos, opiniões que atravessam e imprimem um estilo, um tom em elementos de uma obra e, principalmente, interferem na lógica da narração (RABATEL, 2016). A partir dessas considerações, o presente trabalho visa a um questionamento do tratamento dado por E. M. Forster à questão do ponto de vista. Tendo por base noções de imaginário, dialogismo e o processo de criação de imagens, é possível tomar como objeto de análise romances do próprio Forster (Uma Passagem para a Índia e Howards End, por exemplo) como forma de explicitar a centralidade do ponto de vista na própria criação de alguns de seus personagens mais fortes, em algumas de suas obras mais aclamadas.

Palavras-chave: Ponto de vista narrativo. Imaginário. Criação de personagens.

Mesa 30 – Em torno de José Saramago Debatedor: Gabriel Fernandes de Miranda (UFF)

A ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DE A JANGADA DE PEDRA NO CONTEXTO DA CRISE DE 2008 NA EUROPA

Fernanda Gappo Lacombe (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CNPq)

Em 1986, José Saramago lança seu quinto romance, chamado A Jangada de Pedra. Após um acidente geológico de causas inexplicáveis, uma fenda surge entre a Península Ibérica e a outra Europa – mais precisamente, a França – que acaba por alastrar-se até que Espanha e Portugal se separem completamente do continente e iniciem uma navegação pelo oceano em busca de novo posicionamento. Como já foi explorado em investigações acadêmicas anteriores, o romance A Jangada de pedra apresenta como uma de suas características principais uma discussão acerca da relação da Península Ibérica com os países centrais do Europa, como França, Inglaterra e Alemanha. Trata-se, de fato, de uma discussão que não é recente na literatura portuguesa. No século XIX a intelectualidade lusitana irá perceber o abismo existente entre sua nação e demais países europeus, centros da cultura hegemônica. De Almeida Garrett a geração do Casino de Lisboa, a posição de Portugal como periferia da Europa – inclusive como algo à parte dela – se torna a preocupação central da literatura portuguesa, e permanecerá ao longo do século XX. Provavelmente motivado pela entrada de Portugal e Espanha na CEE – Comunidade Econômica Europeia, atual União Europeia (UE) – o romance de Saramago nos mostra que esta discussão permanecia, mesmo cem anos após a conferência de Antero de Quental no Casino. O que o autor talvez não previsse são os mais recentes acontecimentos que ameaçam a unidade da UE. Mais de trinta anos após a publicação do romance de Saramago, a Europa foi atingida por uma crise que afetou principalmente os seus países “periféricos”, como Grécia, Islândia e também Portugal e Espanha. Como aponta a professora Cláudia Amorim, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em seu artigo Nas fissuras da península e do sujeito: A jangada de pedra, de José Saramago, publicado em 2011, no momento em que já estava deflagrada a crise, esta se mostrou uma ameaça à hegemonia do bloco europeu. Hoje, onze anos depois, não apenas a possibilidade de uma nova crise que permanece no horizonte econômico português, como também o Brexit,a ascensão de grupos neofascistas e neonazistas, assim como as barcas lotadas de imigrantes que adentram o território europeu em busca de melhores condições de vida, fazem com que a Europa rapidamente deixe de ser o paraíso perdido e isolado de muitas mazelas que ela própria criou em outros territórios do mundo. Mesmo situados dentro do continente europeu e com um histórico de imperialismo similar às potências da região, Portugal e Espanha se encontram em uma periferia da Europa, seja por não se apresentarem como líderes econômicos, seja pelas diferenças culturais com relação à “Europa do Norte”. Talvez todos estes elementos façam com que não seja uma surpresa que, em 2008, momento de início deste processo que abalou as estruturas do bloco europeu, tenha sido realizada e lançada uma adaptação cinematográfica de A Jangada de pedra, sob título de La balsa de piedra, dirigida por George Sluizer. A escolha de adaptar uma obra como o romance de Saramago, que oferece uma discussão rica e profunda acerca do que é ser europeu e, principalmente, o que é ser ibérico, certamente é reflexo de uma Europa que mais uma vez precisa redefinir suas identidades e seu lugar no mundo. Neste artigo realizaremos não apenas a comparação do romance com sua adaptação, mas também a análise de alterações e permanências neste processo e os possíveis significados de uma produção como esta no contexto de crise econômica na Europa e, principalmente, de uma crise de um determinado modelo de Europa defendido por este bloco.

Palavras-chave: Península Ibérica. Identidade. Crise de 2008. José Saramago. A Jangada de pedra.

FACES DA VIOLÊNCIA: UMA ANÁLISE DE O HOMEM DUPLICADO, DE JOSÉ SARAMAGO

Girlane Araújo Braz da Rosa Sousa (PPLIN- UERJ/FFP)

A presente pesquisa visa abordar três manifestações da violência presentes na obra, a simbólica, a intrafamiliar e a institucional, e como são representadas na narrativa de José Saramago, principalmente através da personagem Tertuliano Máximo, protagonista e de seu antagonista António Claro no Romance de ficção O Homem duplicado (2002), obra de expressão da segunda fase romanesca de Saramago, marcada pelas tensões e reflexões sobre o homem moderno. No decorrer de sua trajetória, Saramago preocupou- se em narrar, dialogando com o contexto histórico e o social, desconstruindo imagens de heróis e figura icônicas da historiografia, para valorizar feitos populares e denunciar mazelas enfrentadas por membros das camadas menos favorecidas da sociedade. Nas narrativas da segunda fase de sua obra romanesca, iniciada com a publicação de Ensaio sobre a cegueira, em 1995, é comum encontrarmos essas denúncias de problemas que afetam a sociedade lusitana como um espelho para todo o mundo. A partir da análise das obras de Saramago, enquanto tratamos da pós modernidade, com os estudos de Baumam (1999) sobre as construções identitárias e as marcas da pós-modernidade, tão presentes no nosso objeto de pesquisa. Ao abordarmos os elementos da violência na narrativa, partiremos das pesquisas de Minayo (2009), Michel Foucault (1987) e Bourdieu (1989), para compreendermos as relações entre a violência e constituição do homem moderno. O estudo se justifica pela necessidade de abordar em uma obra da pós-modernidade lusitana traços não somente de crises identitárias causadas por diferentes violências sofridas pelo sujeito, mas também estudar os elementos da violência causadores dessas crises, concernentes à sociedade ficcional e tantas outras sociedades desse mundo globalizado atual.

Palavras-chave: Violência, Saramago, representação, contemporaneidade.

SOB A ESTÁTUA E A PEDRA

Naiara Martins Barrozo (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CNPQ)

É conhecida a conferência de encerramento do colóquio Dialogo sulla Cultura Portoghese: Letterattura – Musica – Storia, proferida por José Saramago em maio de 1998 na Universidade de Turim, materializado textualmente sob o título de Da estatua à pedra. Sua fama deve-se especialmente pelo fato de a ocasião ser o momento em que o autor apresenta uma proposta hermenêutica para organizar sua própria obra. Como deixa claro, para ele seus escritos dividem-se em duas fases. A primeira começa em Manual de Pintura e Caligrafia e termina com a publicação de O evangelho segundo Jesus Cristo. Ele a chama de fase da estátua. Nas palavras do escritor, a estátua “é a superfície da pedra, o resultado de retirar pedra da pedra. Descrever a estátua, o rosto, o gesto, as roupagens, a figura, é descrever o exterior da pedra, e essa descrição, metaforicamente, é o que encontramos nos romances a que me referi agora”. A segunda fase, por sua vez, começa em 1995, com Ensaio sobre a cegueira, e vai até o momento então atual de sua produção. Segundo o autor, neste período, o intuito era o de “entrar no interior da pedra, no mais profundo de nós mesmos, é uma tentativa de nos perguntarmos o quê e quem somos”. As características consolidam-se com Todos os nomes, publicado dois anos mais tarde. Há algumas interpretações para esta metáfora. Nesta comunicação, proponho que nos detenhamos na leitura de Fernando Gómez Aguilera, exposta em “O autor diante do reflexo de sua obra”, texto que integra a coletânea Da estátua à Pedra e Discursos de Estocolmo junto ao discurso do romancista, e na de Carlo Salzani e Kristof K. P. Vanhoutte, apresentada na introdução do livro Saramago’s Philosophical Heritage, sob o título “Introduction: Proteus the Philosopher, or a Lover of Wisdom”. Em seu texto, Aguilera assimila a distinção apresentada, mas propõe uma classificação em quatro fases: o período formativo, o primeiro ciclo literário (a estátua) constituído por 6 romances, o segundo ciclo (a pedra) também formado por 6 romances, e um último momento que ele situa como um epílogo ou coda final, formado por três obras: As pequenas memórias (2007), A viagem do elefante (2008), e Caim (2009). Irei abordar aqui apenas os comentários referentes aos períodos apresentados por Saramago. Este recorte vai possibilitar uma comparação com a leitura exposta por Salzani e Vanhoutte no texto supracitado, em que eles expõem estas duas fases a partir de uma perspectiva interessada em perceber a relação do trabalho de José Saramago com a história do pensamento filosófico. A exposição dos olhares dos referidos comentadores permitirá desenvolver os objetivos desta fala. O primeiro é o de identificar e situar dois tipos de organização de pensamento do escritor português. Este é o objetivo específico. Como ficará claro, se Saramago é reconhecido como um escritor de literatura portuguesa, muitas vezes criticado pela qualidade de sua produção literária, apesar de ter recebido o prêmio Nobel, ele também tem um pensamento teórico não-sistemático que aparece como tal em entrevistas, discursos e anotações de diários. Este pensamento perpassa toda sua produção, mas aparece de modo mais explícito na etapa da pedra. Aliás, para Salzani e Vanhoutte, está transformação de ênfase é o que, de fato, caracteriza esta segunda etapa. Seu pensamento teórico está intimamente vinculado com a tradição filosófica, sobretudo a tradição francesa. Isto nos leva ao nosso segundo objetivo, amplo, que é o de discutir a relação entre filosofia e literatura na obra do escritor.

Palavras-chave: José Saramago. Recepção. Filosofia.

Pôsteres

PODER, LINGUAGEM E ASSUJEITAMENTO DISCURSIVO: O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB A ÓTICA DA ANÁLISE DO DISCURSO

Ronald Monteiro da Silva (Instituto de Letras da UFF)

Lucas da Silva Boldrini Neves (Instituto de Letras da UFF)

É essencial ao fazer pedagógico que a escola se volte à coisa mesma, isto é, que a escola pense a própria escola, levando, assim, discentes e docentes a refletirem suas práticas no âmbito escolar. Essa práxis reflexiva se faz necessária na medida em que tomamos a educação como uma prática de liberdade, que nos permite pensar com criticidade nossas ações, histórias, nossa sociedade e nossa língua. Nesse complexo contexto, a educação está sujeita à diversas problemáticas, e dentre elas há o ensino de língua portuguesa. Como nos alerta Fiorin (2009), o ensino não pode restringir-se ao ensino de frases e, posteriormente, pedir-lhes que produzam textos como se estes fossem uma espécie de grandes frases. É impreenchível que se formule um ensino crítico sobre a língua, caso contrário, os sujeitos ficam fadados, em sua maioria, ao assujeitamento discursivo, que o induz a exprimir um discurso que não lhe cabe, sem se quer, analisar seus significados, objetivos e origens. É preciso compreender que o ensino de Língua Portuguesa não pode apenas centralizar-se ao ensino da gramática. É necessário conciliar o conhecimento linguístico ao gramatical. Nesse sentido, o trabalho em tela objetifica-se em demonstrar como a Análise do Discurso pode servir como ferramenta didática ao ensino de Língua Portuguesa na educação básica. A discussão fundamenta-se em um levantamento bibliográfico. Para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados, primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por meio de consultas à fontes direta e indiretamente relacionadas ao tema, além da análise de fichamentos de textos já desenvolvidos. Diante disso, abordamos a Análise do discurso a partir de suas concepções epistemológicas acerca do ensino de línguas. Posteriormente, tratamos do assujeitamento linguístico, expondo as falácias mais fundamentais encontradas no exercício de ensino aprendizagem e discutindo a relação entre poder, discurso e dominação ideológica. Assim, tendo realizado as devidas ponderações pomos a prática docente sob a ótica da Análise do Discurso, sendo realizada uma reflexão sobre a postura ética do professor de língua portuguesa, sua disciplina e o processo discursivo existente entre aluno e professor, como fatores responsáveis para um ensino-aprendizagem emancipante e libertador, para uma educação integral e formadora de pessoas autônomos e verdadeiramente cidadãs. Conclui-se que o ensino de Língua Portuguesa contemporâneo não corresponde às complexas exigências humanas da nova sociedade. A educação, se realizada de maneira simplória, pode acarretar nua série de problemas; é necessário que suas ações sejam observadas com criticidade e cautela. O professor deve estar prevenido quanto ao seu discurso, pois, enquanto formador de juízos, ele pode difundir preconceitos linguísticos – dentre outros aspectos– dentro da sala de aula sem ao menos tomar à consciência de tal fenômeno. Sendo assim, o uso da Análise do Discurso em sala de aula se faz de extrema importância, não apenas como auxílio, mas como uma ferramenta externa responsável pela aprendizagem e adequação do conhecimento linguístico e gramatical que é tratado e discutido nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de impedir o assujeitamento linguístico e desenvolver a capacidade crítica do estudante como sujeito autônomo, dentro e fora da escola.

Palavras-chave: Discurso. Educação. Crítica. Assujeitamento.

A PERSONAGEM FEMININA GUERREIRA, ONTEM E HOJE

Aila do Carmo Sant’Anna (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

O trabalho intitulado “A personagem feminina guerreira, ontem e hoje” integra o projeto de Iniciação Científica “Literatura Infantojuvenil, narrativas de ontem e de hoje”, da UERJ, sob a orientação de Regina Michelli. Antigamente, o papel da mulher era bastante cerceado e, por muitas vezes, elas precisaram assumir comportamento construído socialmente como masculino para conquistar espaço na sociedade. As diferenças biológicas diversas vezes foram usadas como pressuposto de definição dos papéis sociais. Apesar de o arquétipo do herói ligar-se majoritariamente à figura masculina dentro das referências históricas e literárias ocidentais, existem inúmeros relatos históricos e mitológicos de mulheres heroínas. Mesmo sendo proibidas de ir à guerra e consideradas pertencentes a um gênero mais fraco e inferior que o masculino, muitas mulheres se tornaram grandes guerreiras. As guerreiras surgem já na mitologia grega e romana, através da Deusa Palas Atena, responsável por cuidar da guerra devido a sua sabedoria, e sua equivalente romana Minerva. As Amazonas, pertencentes a base cultural ocidental, e as Valquírias da mitologia nórdica, também fazem parte dessa configuração de guerreiras. O ponto de partida da atual pesquisa é o estudo do mito da donzela guerreira, elencando personagens da História e da mitologia que exemplificam essa questão. O mito da donzela guerreira atravessa a história e a literatura e é representado por diversos traços que, descritos por Walnice Nogueira Galvão, se caracterizam pelo fato de a donzela, para que sua identidade feminina não se revele, trajar vestimentas masculinas, usar uma faixa que lhe aperte os seios, cortar seus cabelos, banhar-se às escondidas; ser destemida e demonstrar superioridade nas batalhas, e o fim que lhe aguarda é o retorno à identidade feminina, através do casamento, ou da morte. No Brasil, pode-se citar a figura histórica de Maria Quitéria para exemplificar o mito da donzela guerreira que, sob motivação patriótica, foi a primeira mulher a lutar pelo Brasil nas Forças Armadas Brasileiras, precisando portar vestimentas masculinas para se alistar. Na literatura brasileira, conhecida é a história de Diadorim de Grande sertão veredas, de Guimarães Rosa. O corpus ficcional da pesquisa, se atém aos contos da tradição portuguesa "A afilhada de Santo António", de Adolfo Coelho, e "A afilhada de São Pedro", de Consiglieri Pedroso, e a narrativa "Lenda da moça guerreira", de Ruth Rocha, história que compõe a obra Mulheres de coragem. Nas duas primeiras histórias, a protagonista assume o nome do padrinho; no tempo aprazado, ela lhe é entregue, sendo empregada como serviçal, na casa do rei, sob identidade masculina e com a recomendação de invocar seu protetor em caso de perigo. No conto de Ruth Rocha, refaz- se o tema da donzela que empunha armas para honrar o castelo paterno, assumindo a identidade de D. João. A pesquisa emprega metodologia de cunho comparativo, uma vez que se cruzam saberes oriundos de diferentes áreas do conhecimento, bem como narrativas de diferentes tempos e nacionalidades. A fundamentação teórica inicial tem por base as pesquisas de Judith Butler, Hilário Franco, Pierre Bourdier, Walnice Nogueira Galvão, Simone Fraisse, além dos estudos de Nelly Novaes Coelho, diretamente relacionados à Literatura Infantojuvenil.

Palavras-chave: Gênero. Donzela-guerreira. Narrativas da tradição. Literatura Infantojuvenil.

A ESTRUTURA NARRATIVA EM LO CUNTO DE LI CUNTI, DE GIAMBATTISTA BASILE Cláudia S. Rosa Marapodi (Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)

A pesquisa por mim desenvolvida, ligada ao projeto de Iniciação Científica “Literatura Infantojuvenil, narrativas de ontem e de hoje”, baseia-se na análise de textos de Literatura Infantojuvenil, tendo como ponto de partida os contos da tradição, narrativas fundadoras dessa literatura. O objetivo principal do projeto é analisar a origem dessa literatura e as obras de seus principais autores, como o escritor francês Charles Perrault (1628-1703) e os alemães Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786- 1859), num viés intertextual e multidisciplinar, comparando os contos tradicionais com reescrituras contemporâneas, sob o suporte teórico de diferentes áreas do conhecimento, numa metodologia comparatista. Foram lidos alguns contos de Perrault, considerado o pai da Literatura Infantil, e dos irmãos Grimm, além de obras de fundamentação teórica sobre a Literatura Infantojuvenil e sobre os autores. Nesse viés, se insere o trabalho, em fase inicial, dessa pesquisa sobre Giambattista Basile, escritor italiano falecido em 1632, anterior a Charles Perrault. Pretende-se analisar a principal obra do autor napolitano, O conto dos contos (Lo cunto de li cunti) ou Pentamerone, observando um procedimento narrativo que emerge me produções literárias anteriores à obra de Basile. Uma das primeiras observações é que O conto dos contos, de Basile apresenta um formato semelhante ao Decameron, de Boccaccio, que provavelmente escreveu suas histórias entre 1348 e 1353, e Os contos da Cantuária, de Geoffrey Chauser, cujas narrativas foram escritas a partir de 1387, ou mesmo As mil e uma noites, produção oriental anterior a todas as demais citadas e de autor desconhecido. O livro de Basile inicia-se com uma “narrativa moldura”, que explica onde e por que os outros contos se desencadeiam, formando um total de cinquenta narrativas, divididas em cinco jornadas, e justamente por isso foi relançado, acrescentando, ao título original, o termo Pentamerone. Publicado na década de 1630 – distante, portanto, quase 250 anos do processo de unificação italiana -, O Conto dos contos foi redigido em uma linguagem própria da região de Nápoles, quase erudita e usada na corte, com emprego de bastantes espanholismos, o que se explica por a região ser vice-reinado espanhol. A obra de Basile permanece praticamente desconhecida do público brasileiro: ela recebeu sua primeira tradução para a língua portuguesa no ano passado, mais precisamente em novembro de 2018, pelo Professor Francisco Degani, o que provocou a mudança no foco ficcional da pesquisa e realça a importância e o ineditismo deste trabalho. A pesquisa prosseguirá com a análise dos contos, tendo em vista a estrutura das narrativas da tradição e a presença do maravilhoso, estabelecendo-se comparações com as obras de Perrault e dos Grimm (os irmãos alemães se referem à Basile e à importância de seu trabalho). Há várias narrativas na obra do escritor napolitano que aparecem em obras de outros autores, que lhe são posteriores, como “Sole, Luna e Tália”, remetendo à história de A Bela Adormecida, de Charles Perrault e dos irmãos Grimm, o que sustenta uma abordagem comparativa da obra, cujo direcionamento apontará para a análise da estrutura narrativa e da presença do maravilhoso nos contos, além de despertar o interesse para novas pesquisas sobre a obra de Basile e assim tornar-se de real importância para os estudos de literatura italiana no Brasil.

Palavras-chave: Literatura Infantojuvenil. Giambattista Basile. Contos tradicionais. Maravilhoso.

COLEÇÃO CHARLES PERRAULT: A LITERATURA INFANTOJUVENIL E SUA RELEVÂNCIA NO MEIO ACADÊMICO

Elen Pereira de Lima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Considerada durante muito tempo como uma produção de menor importância, a Literatura Infantojuvenil tem conquistado espaço em estudos literários, psicanalíticos, pedagógicos, entre outros. Com obras voltadas para a formação de crianças e jovens, essa literatura abarca grandes nomes, como o do escritor francês Charles Perrault. Nascido em 1628, ele nos legou os Contos da Mamãe Gansa, os quais ajudaram a popularizar os contos de fadas, que até hoje são editados, traduzidos e adaptados para o mundo inteiro, ainda que inicialmente esse não tenha sido o seu objetivo – pois é a partir de sua terceira publicação de contos que “manifesta [...] intenção de reproduzir uma literatura para crianças” (COELHO, 1991, p.88). O “pai da Literatura Infantil” foi autor de grandes clássicos, como “Chapeuzinho Vermelho”, “O Pequeno Polegar” e “Barba Azul”, “Cinderela”, “A Bela Adormecida do Bosque”. Essas são algumas das obras que fundaram a Literatura Infantojuvenil (LIJ), obras que primeiro receberam essa nomenclatura e direcionaram o seu olhar para as crianças, narrativas que ainda hoje são estudadas e nos revelam o imaginário de uma época que está fora do nosso alcance temporal. O projeto “Trabalhando com a Literatura Infantojuvenil” visa, portanto, ao resgate e à valorização desses contos, apresentando ao público discente e docente, acadêmico ou não, uma edição crítica e comentada, com o conto em versão bilíngue, seleção de imagens visuais (ilustrações e pinturas) de importantes artistas, leituras críticas sobre os textos verbal e não-verbal, sugestões de aplicação em sala de aula e uma biobibliografia sobre o autor, o que resulta em um material fidedigno, gratuito e enriquecedor, que pode ser usado em sala de aula e em pesquisas acadêmicas. Nesse projeto, portanto, debatemos inicialmente a respeito da Literatura Infantojuvenil, com discussões acerca de determinados autores, metodologias, linhas teóricas, além de fazermos uma pesquisa mais direcionada sobre Charles Perrault, o contexto histórico de produção e análise crítica de suas obras. O trabalho de pesquisa, somado ao trabalho editorial de revisão e organização de cada seção, proporcionou uma vivência única para uma graduanda, apresentando um relance dos desafios e dos caminhos possíveis na Academia e nos presenteando com a Coleção Charles Perrault, fruto de toda essa movimentação. Por acreditarmos que “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (CANDIDO, 2011, p.182), buscamos, com a Coleção Charles Perrault, fomentar pesquisas e debates sobre a Literatura Infantojuvenil e incentivar a leitura literária, pensando sobre como a ficção ensina a respeito do lugar do outro, seja ele uma menina vestida com uma capa vermelha, andando em meio a uma floresta da Idade Média, ou um adolescente ouvindo música em seu smartphone, no século XXI. O presente trabalho, portanto, busca combater a desvalorização que ainda hoje é direcionada à Literatura Infantojuvenil no meio acadêmico e apresentar a Coleção Charles Perrault como uma resposta a esse imaginário depreciativo, evidenciando como é possível e necessário produzir e divulgar amplamente materiais que têm como ponto de partida essa literatura, materiais passíveis de serem usados em diversos contextos e para variados públicos.

Palavras-chave: Literatura Infantojuvenil. Charles Perrault. Contos de fada. Academia.

DESAFIOS PARA A LITERATURA HOJE: CAMÕES NO ROMANTISMO E NOS ESPAÇOS DA CONTEMPORANEIDADE

Elen Pereira de Lima Isabelle Soares S. Antonio Léa Camila de Souza Ferreira Thais da Silva Marinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

A literatura nunca é um mero texto que apenas expõe informações ou meios de agir – tais textos podem ser manuais de instruções ou jornais, mas não literatura. Essa, grande fenômeno que é intrínseco às sociedades, transmite saberes, ideologias, costumes, sentimentos etc., e sempre se transforma juntamente com a cultura na qual está inserida. Ainda assim, há obras que mesmo escritas há séculos atrás, em um mundo muito diferente do que conhecemos hoje, ainda possuem um prestígio inestimável. Nesse sentido, vemos Luís Vaz de Camões como um dos maiores talentos que nos presenteia com uma literatura desse tipo. Camões foi um gênio. Tendo escrito em uma época em que o pensamento intelectual estava passando por profundas transformações - a transição da Idade Média para a Moderna -, o autor consegue reunir o melhor dos dois “mundos” em sua obra. Na passagem entre esses dois mundos está o Renascimento, movimento artístico, cultural e científico, que buscou reformular a vida medieval, restaurando os valores clássicos gregos e latinos, e o Humanismo, movimento ligado ao Renascimento, que ampliou para o plano humano o que antes sempre esteve no religioso, ou seja, o foco estético, filosófico, moral etc agora também estava no homem, sendo Camões um representante de tais movimentos. Assim, como um dos grandes autores de todos os tempos, escritor de teatro, cartas, poesia épica e lírica – é dessa última que trataremos no presente trabalho –, tomaremos sua obra como ponto de partida, tratando do soneto “tanto de meu estado me acho incerto” para pensar contemporaneamente o que chamamos de Literatura. Sendo um legítimo viajante, Camões conheceu a cultura de várias partes do globo, o que talvez tenha influenciado na vasta gama de conhecimentos que é possível perceber em sua obra. Nota-se que a estética do tempo de Camões deixou sementes de influência em sua obra, e que essa mesma obra gerou inúmeros frutos em criações posteriores a ele, não se bastando somente a seu tempo. Ela reverberou e deixou sua influência infundida em diversas culturas que acabaram por se “alimentar” do seu trabalho e aprender com o seu talento. Nesse sentido, Teles (1980) afirma que tanto não há nenhum movimento literário brasileiro que se possa dizer vazio de influências de Camões, como tampouco poderia haver um poeta que assim também não o fosse. Tal afirmação é notável, por exemplo, em Lucíola, de José de Alencar, em que encontramos o que acreditamos ser, segundo Lourenço (2001), um exemplo do exercício dos escritores românticos que “ao invés de viajar até o passado, trazem o passado até o presente”. Muitas outras são as características e temáticas camonianas que encontramos na vasta produção romântica brasileira, sendo o amor cortês uma delas. Características como essas deixaram sua influência no Romantismo, visto que muito da escola romântica explora justamente a tentativa de compreensão de um amor que parece tirar o personagem ou eu-lírico de seu eixo e também a paradoxalidade temporal que aparece em grande parte de suas obras. Baseando-se nos registros de Teles, a qual propõe que a influência de Camões na história da literatura brasileira data-se desde o início da própria formação de cânone, passando pela formação da identidade nacional e se reverberando aos tempos atuais, e apoiados nos estudos de Hue sobre a lírica de Camões, queremos com esse trabalho estabelecer um paralelo entre a estética camoniana na poesia e a contemporaneidade, atravessando as influências deixadas no romantismo e que perpassam gerações literárias, até os dias de hoje, e, com isso, desbravar os desafios de pensar a Literatura de ontem, hoje; conscientes de que ler um texto em outro tempo é trazer este para o nosso tempo.

Palavras-chave: Camões. Romantismo. Poesia. Intertextualidade. Contemporaneidade.

CHARLES PERRAULT E OS CLÁSSICOS DA LITERATURA INFANTOJUVENIL

Vinícius Souza Figueredo (Instituto de Letras da UERJ)

A obra do escritor francês Charles Perrault (1628-1703) se tornou um marco na história da Literatura Infantojuvenil, convertendo, da tradição oral para o registro escrito, os contos populares que deram as bases aos contos de fada até hoje conhecidos, adaptados e editados em todo o mundo. “O Gato de Botas”, “O Pequeno Polegar”, “Chapeuzinho Vermelho”, “Cinderela” e “A Bela Adormecida do Bosque” são algumas das narrativas mais conhecidas do autor, que se tornou o “pai da Literatura Infantojuvenil”. Inicialmente a produção de Perrault, em versos, foi publicada em 1695, mas os contos mundialmente conhecidos foram reunidos na obra Histórias ou contos dos tempos passados, com moralidade (Histoires ou contes du temps passe, avec les moralités), publicada em 1697. Sendo assim, buscamos, em nossa pesquisa, observar a configuração das personagens, bem como a presença de elementos importantes da arquitetura narrativa que se fazem presentes na obra desse importante autor. O objetivo deste trabalho é apresentar a análise de dois contos de Perrault: “Barba Azul” e “Riquet do Topete”. No primeiro, focalizaremos a representação da monstruosidade na personagem título, tendo por fundamentação teórica os estudos de Júlio França e Jeffrey Jerome Cohen acerca da monstruosidade, tanto na narrativa, quanto nas ilustrações originais da época de sua publicação. Abordaremos, num estudo comparativo, a representação da monstruosidade nas ilustrações criadas por alguns artistas para a obra de Perrault, a exemplo de Edmund Dulac, Harry Clarke e Kay Nielsen, observando como essa reprodução imagética potencializa o efeito causado pela história no leitor, cujo personagem é marcado pela barba azul, que lhe conferira um aspecto estranho, e pelo mistério do desaparecimento de suas esposas, o que é esclarecido pela leitura do conto. A guiar a análise sobre as ilustrações, como fundamentação teórica, temos as obras de Rui de Oliveira e Luiz Carlos Rodrigues. No segundo conto, “Riquet do Topete”, investigaremos a presença do maravilhoso na constituição da narrativa, tendo o respaldo teórico do historiador Jacques Le Goff, no universo da mirabilia medieval, e do crítico Tzvetan Todorov, que teorizou sobre o gênero maravilhoso, estranho e fantástico, apontando as diferenças entre cada um. Na narrativa de Riquet, observaremos os eventos maravilhosos que permeiam a história, como a presença da fada, a transformação dos atributos das personagens (seja a beleza ou então a inteligência) e a presença do mundo subterrâneo, que emerge no contexto do casamento. Pretendemos, também, sem deixar de abordar o eixo temático relacionado ao universo maravilhoso, investigar a personagem que dá nome ao conto, tendo como respaldo teórico os trabalhos de estudioso português Carlos Reis acerca da configuração da personagem. Nesse sentido, a pesquisa tem contribuído para revelar que essas obras, dotadas de aspectos simbólicos que revestem o imaginário de uma sociedade e transcendem o tempo e o espaço (e é nisso que reside seu aspecto clássico), são muito mais complexas do que uma primeira e simples leitura pode sugerir, o que ajuda a desmistificar a equívoca perspectiva reducionista que tem cercado a Literatura Infantojuvenil. Sendo assim, esperamos contribuir para aprofundar os estudos na obra de Charles Perrault no cenário acadêmico da UERJ.

Palavras-chave: Charles Perrault, Literatura Infantojuvenil.

O USO DE DE CURTAS-METRAGENS NA AULA DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIRO

Jessica Caroline Pessoa Santos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Esta apresentação procura, em primeira instância, analisar o uso da linguagem audiovisual, mais propriamente dita, o de curta - metragem na aula de português para estrangeiros (PLE), através de experiências didáticas dadas em um curso particular de língua estrangeira. Partiu- se do pressuposto que os filmes aqui trabalhados são brasileiros, não animados e que possuem legendas em outras línguas para auxiliar alunos de níveis iniciantes: em espanhol e inglês como é o caso do curta “Meu Amigo Nietzche” e “Carnaval dos deuses”, e em francês com “Boca Fechada”. Ambos os filmes apresentam como focos principais as imagens, as cores, fatores sensoriais, possibilitando assim, uma melhor aprendizagem deste aluno quanto aos aspectos culturais, lexicais e fonéticos da língua portuguesa falada no Brasil. Portanto, aqui o aluno não é um observador passivo, pois se pretende trabalhar a indução para que haja uma compreensão global quanto a estes aspectos, Com a finalidade de possibilitar a experiência da aprendizagem da linguagem destacando a apreciação estética do gênero. E assim, proporcionar ao aluno o acesso a bens culturais produzidos na Língua Portuguesa do Brasil (ROJO, 2009) através de eventos e praticas de letramento usando a experiência estética do gênero.

Palavras-chave: Ensino. Língua Portuguesa para estrangeiros. Curta-metragem.

PODER, LINGUAGEM E ASSUJEITAMENTO DISCURSIVO: O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB A ÓTICA DA ANÁLISE DO DISCURSO

Ronald Monteiro da Silva Lucas da Silva Boldrini Neves (Instituto de Letras da UFF)

É essencial ao fazer pedagógico que a escola se volte à coisa mesma, isto é, que a escola pense a própria escola, levando, assim, discentes e docentes a refletirem suas práticas no âmbito escolar. Essa práxis reflexiva se faz necessária na medida em que tomamos a educação como uma prática de liberdade, que nos permite pensar com criticidade nossas ações, histórias, nossa sociedade e nossa língua. Nesse complexo contexto, a educação está sujeita à diversas problemáticas, e dentre elas há o ensino de língua portuguesa. Como nos alerta Fiorin (2009), o ensino não pode restringir-se ao ensino de frases e, posteriormente, pedir-lhes que produzam textos como se estes fossem uma espécie de grandes frases. É impreenchível que se formule um ensino crítico sobre a língua, caso contrário, os sujeitos ficam fadados, em sua maioria, ao assujeitamento discursivo, que o induz a exprimir um discurso que não lhe cabe, sem se quer, analisar seus significados, objetivos e origens. É preciso compreender que o ensino de Língua Portuguesa não pode apenas centralizar-se ao ensino da gramática. É necessário conciliar o conhecimento linguístico ao gramatical. Nesse sentido, o trabalho em tela objetifica-se em demonstrar como a Análise do Discurso pode servir como ferramenta didática ao ensino de Língua Portuguesa na educação básica. A discussão fundamenta-se em um levantamento bibliográfico. Para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados, primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por meio de consultas à fontes direta e indiretamente relacionadas ao tema, além da análise de fichamentos de textos já desenvolvidos. Diante disso, abordamos a Análise do discurso a partir de suas concepções epistemológicas acerca do ensino de línguas. Posteriormente, tratamos do assujeitamento linguístico, expondo as falácias mais fundamentais encontradas no exercício de ensino aprendizagem e discutindo a relação entre poder, discurso e dominação ideológica. Assim, tendo realizado as devidas ponderações pomos a prática docente sob a ótica da Análise do Discurso, sendo realizada uma reflexão sobre a postura ética do professor de língua portuguesa, sua disciplina e o processo discursivo existente entre aluno e professor, como fatores responsáveis para um ensino-aprendizagem emancipante e libertador, para uma educação integral e formadora de pessoas autônomos e verdadeiramente cidadãs. Conclui-se que o ensino de Língua Portuguesa contemporâneo não corresponde às complexas exigências humanas da nova sociedade. A educação, se realizada de maneira simplória, pode acarretar nua série de problemas; é necessário que suas ações sejam observadas com criticidade e cautela. O professor deve estar prevenido quanto ao seu discurso, pois, enquanto formador de juízos, ele pode difundir preconceitos linguísticos – dentre outros aspectos– dentro da sala de aula sem ao menos tomar à consciência de tal fenômeno. Sendo assim, o uso da Análise do Discurso em sala de aula se faz de extrema importância, não apenas como auxílio, mas como uma ferramenta externa responsável pela aprendizagem e adequação do conhecimento linguístico e gramatical que é tratado e discutido nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de impedir o assujeitamento linguístico e desenvolver a capacidade crítica do estudante como sujeito autônomo, dentro e fora da escola.

Palavras-chave: Discurso. Educação. Crítica. Assujeitamento.

CONTOS ATRAVÉS DO TEMPO: DA TRADIÇÃO ORAL À LITERATURA INFANTIL E JUVENIL

Severina Jardeleia de Amorim Silva Cima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

O projeto de pesquisa cujo o título é “Literatura Infantil e juvenil, narrativas de ontem e de hoje”, torna possível o estudo de discursos bem diversos, tendo como base central a literatura voltada para crianças e jovens. Em relação ao corpus, leva-se em consideração os contos tradicionais, bem como os do folclore nacional (contos populares), em diálogo entre textos com narrativas contemporâneas literárias, fílmicas, imagéticas. A metodologia, de base comparatista, justifica o diálogo entre textos de diferentes suportes, produzidos em épocas e nacionalidades variadas, bem como a análise fundamentada em outros âmbitos do conhecimento, além da teoria da literatura. Os contos tradicionais estão presentes em um nível global, no entanto, com a passagem do tempo, novas versões são produzidas e podem se distanciar ou manter semelhança com o texto original, sendo assim o objetivo principal da pesquisa é analisar esse processo de transição, da recolha das narrativas orais de tempos remotos para as versões que vemos hoje, e com relação aos contos do nosso folclore o quanto de herança existe de outras culturas além daquelas formadoras do povo brasileiro, a saber: a portuguesa, a africana e a indígena que aqui já se encontrava. Com base nesse estudo preliminar, foram possíveis apresentações orais, com a publicação dos resumos (aguardando-se a do artigo), no IV Congresso Internacional Vertentes do Insólito Ficcional (UERJ, 2018) e no I Encontro Nacional de Literatura Infantil/Juvenil: teorias e práticas leitoras – I ENLIJ (UERJ, 2019): no primeiro, apresentou-se a comunicação “A representação do mal nos contos dos irmãos Grimm”; no segundo, “A maldade em protagonistas de contos folclóricos nacionais – o Saci”, focalizando-se principalmente na personagem do Saci (a parte do projeto de pesquisa do nosso folclore se ajustará a outras personagens além desta), e “Branca de Neve na pena dos Grimm e Pedro Bandeira”, onde se analisou comparativamente as duas narrativas literárias, tendo em vista as mudanças referentes à figura feminina nas personagens da princesa e da mãe e/ou madrasta apresentadas nas obras. Além disso, como atividades ligadas à aquisição e circulação de conhecimento, participou-se de seminários extensionistas na qualidade de membros da equipe: Literatura Infantil e juvenil: Narrativas Contemporâneas (2018), Encontros com a Literatura Infantil e juvenil: um começo de conversa, narrativas contemporâneas (2019). Integra-se ainda o GP-CNPQ A narrativa ficcional para crianças e jovens: teorias e práticas. Devido à literatura infantil e juvenil não fazer parte das grades curriculares dos cursos de Letras de muitas faculdades do Brasil – dentre elas a UERJ, e de também ser percebida como uma literatura menor, conclui-se que projetos e pesquisas como esses são essenciais para a mudança desse quadro, e, além disso, contribuem para a formação dos alunos que pretendem ser professores e lecionar a literatura em sala de aula.

Palavras-chave: Literatura para crianças e jovens. Contos tradicionais. Narrativas contemporâneas.

ERA UMA VEZ...: DA TRADIÇÃO ORAL À LITERATURA INFANTIL E JUVENIL

Severina Jardeleia de Amorim Silva Cima Júlia Souza da Silva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

O projeto de pesquisa intitulado “Literatura Infantil e juvenil, narrativas de ontem e de hoje”, torna possível o estudo de discursos diversos, tendo como base central a literatura voltada para crianças e jovens. Em relação ao corpus, leva-se em consideração os contos tradicionais, bem como os do folclore nacional, em diálogo intertextual com narrativas contemporâneas literárias, fílmicas, imagéticas. A metodologia, de base comparatista, justifica o diálogo entre textos de diferentes suportes, produzidos em épocas e nacionalidades variadas, bem como a análise fundamentada em outros âmbitos do conhecimento, além da teoria literária. Os contos tradicionais estão presentes em um nível global, no entanto, com a passagem do tempo, novas versões são produzidas e podem se distanciar ou manter semelhança com o texto original, sendo assim o objetivo principal da pesquisa é analisar esse processo de transição, da recolha das narrativas orais para as versões que vemos hoje, e com relação aos contos do nosso folclore o quanto de herança existe de outras culturas além daquelas formadoras do povo brasileiro. Com base nesse estudo preliminar, intenta-se apresentar alguns contos os alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) Grimm, focalizando a presença do mal, narrativas em que se encontram o canibalismo, a ambição por poder e fortuna, a rejeição paterna pela não aceitação de peculiaridades do filho, a inveja materna (como se vê no conto “Branca de Neve”), malefício que também se estende a seres do maravilhoso. Os Grimm registraram as histórias recolhidas entre o povo ao longo, principalmente, do século XIX, inseridos num movimento tipicamente romântico de revalorização do espírito germânico. Publicaram a antologia de Contos de fadas para o lar e as crianças em dois volumes, respectivamente em 1812 e 1815. A última edição publicada em vida, em 1857, atingiu o total de duzentos e dez contos. Dando continuidade ao estudo do mal em contos da tradição, investiga-se se há maldade no comportamento de protagonistas de contos folclóricos nacionais, focalizando-se principalmente a personagem do Saci, questiona-se a intencionalidade de suas ações, por vezes justificáveis frente à proteção da natureza ameaçada. A pesquisa também se desenvolveu retomando o conto “Branca de Neve”, na pena dos Grimm e Pedro Bandeira, escritor brasileiro contemporâneo, analisando-se comparativamente as duas narrativas literárias, tendo em vista as mudanças referentes à figura feminina nas personagens da princesa e da mãe e/ou madrasta apresentadas nas obras. É importante destacar as personagens dos contos de fadas que aparecem protagonizando a cena em O fantástico mistério de Feiurinha, obra de Pedro Bandeira. Objetiva-se, portanto, apresentar um percurso de pesquisa desenvolvido em torno de obras da Literatura Infantojuvenil, realçando seu relevo e importância no cenário acadêmico, como obras que são, fundamentalmente, literatura. Como fundamentação teórica a orientar a pesquisa, há as obras de Nelly Novaes Coelho e Regina Zilberman, sobre a Literatura Infantojuvenil; os psicanalistas Bruno Bettelheim, Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso, além das pesquisas de Patrícia Fernandes Pereira Garcia e Karin Volobuef, sobre os Grimm, Marie-Louise Von Franz, sobre o mal nos contos de fadas.

Palavras-chave: Literatura para crianças e jovens. Contos tradicionais. Narrativas contemporâneas.