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Vale a Pena Ver de Novo?: um panorama temático1

FERNANDES, Julio Cesar (mestrando)2 GONÇALVES, Erica (doutoranda)3 Universidade Metodista de São Paulo

Resumo: Este trabalho tem como objetivo resgatar brevemente a história da brasileira e contextualizar o aparecimento de um novo horário para este formato: as tardes de segunda a sexta-feira. A faixa de reprises “Vale a Pena Ver de Novo” foi fixada em 1980, pela Rede Globo, como forma de reapresentar antigas da emissora. Neste trabalho também é apresentada uma compilação das obras já reprisadas e uma categorização dos autores mais escolhidos para a faixa vespertina, que completa 33 anos no ar este ano. Além da coleta de dados sobre as obras reprisadas e os autores mais vezes escolhidos, analisamos ainda qual das outras faixas de teledramaturgia da Rede Globo, a saber 18h, 19h e 21h, foram mais reprisadas.

Palavras-chave: novela; reprise; teledramaturgia; história, Vale a Pena Ver de Novo.

Introdução

Este artigo tem como objeto de estudo a faixa vespertina “Vale a Pena Ver de Novo”, que foi criada em 1980 pela TV Globo com o intuito de reprisar as novelas do arquivo da emissora. Primeiramente, é feito um panorama geral da telenovela no Brasil, com os principais períodos e obras, além de um breve histórico de sua origem. Depois, são listadas todas as novelas reprisadas na faixa do “Vale a Pena Ver de Novo” com observações sobre audiência e edição de capítulos, por conta de estratégias de programação ou classificação indicativa. Por fim, é feito uma análise de alguns dados obtidos em relação às novelas

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Área de Concentração: Processos Comunicacionais - Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e-mail: [email protected] 3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Área de Concentração: Processos Comunicacionais - Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e-mail: [email protected] reprisadas, como faixas de horários e autores mais frequentes.

História das telenovelas no Brasil

No Brasil, a teledramaturgia chegou um ano após a televisão, em 1951. A primeira novela, ainda não diária, transmitida pela TV brasileira foi “Sua Vida Me Pertence”, apresentada em 15 capítulos, de vinte minutos cada, a partir de 21 de dezembro de 1951. A telenovela era transmitida pela TV Tupi de São Paulo, às terças e quintas-feiras às 20h. O formato da telenovela brasileira, hoje reconhecida no mundo todo como um formato único, exportado para vários países, foi se adequando à realidade da população. No início, segundo Mauro Alencar (2004, p.17), o modelo usado no Brasil era importado de Cuba, que por sua vez havia trazido o formato de história em pedaços dos Estados Unidos com algumas modificações. Em tempo, a estrutura da história em pedaços que hoje conhecemos como telenovela teve início no rádio. Na década de 1930, nasceram nos EUA as primeiras radionovelas. Por serem patrocinadas pelas fábricas de sabão, receberam o nome de soap opera. O modelo logo foi empregado também em Cuba, porém com a inspiração nos folhetins e, ao contrário do modelo americano que privilegiava as tramas sem fim (destaque para “Days of Our Lives” que comemorou 31 anos e 8 mil capítulos em 1997), as novelas cubanas eram de menor duração, com histórias contadas com começo, meio e fim. E justamente este modelo que é trazido para o Brasil. Já no Brasil, a radionovela surge em 1941 no e em São Paulo, até por causa do atraso que o rádio sofreu em se tornar comercial, e já com algumas regras impostas por ser um produto importado: os dramas para fazer sucesso e sempre voltados para o público feminino. O sucesso veio rápido e em apenas dois anos já haviam sido produzidas mais de 100 radionovelas no País, porém com seus enredos importados. Na década de 1950, com a chegada da TV, surgem as telenovelas, que no início eram ao vivo e não-diárias. Os profissionais da época, incluindo produtores, atores e equipe técnica enfrentaram algumas dificuldades em se adaptar, já que a maioria vinha do rádio. Segundo Ismael Fernandes (1997, p.35) “o que os homens de tevê daquela época não sabiam é que estavam lançando a maior produção de arte popular da nossa televisão. É o grande fenômeno depois do futebol.” Os folhetins televisivos agradavam ao público nacional, porém, a necessidade de mais verossimilhança com a vida do espectador ficava cada vez mais evidente. A aproximação da telenovela com a vida real começou a acontecer a partir de 1969, inaugurado pela trama “Véu de Noiva”, de Janete Clair. Teve início, então, o estilo “novela verdade”, usando toques de realidade na vida do faz-de-conta. Nesta época, apesar da rígida censura, a telenovela já estava consagrada e fazia parte do cotidiano nacional. A partir de 1969, com “Véu de Noiva” a „novela verdade‟ como dizia a publicidade -, às 20 horas, as histórias começaram a incorporar a realidade: o automobilismo era utilizado como pano de fundo com o personagem de Cláudio Marzo – ao lado de , Myrian Pérsia, Geraldo Del Rey, Glauce Rocha e outros - ligado à figura de Emerson Fittipaldi, então nosso principal piloto (ALENCAR, 2004 p. 25).

Com a evolução da teledramaturgia, culminando na telenovela atual, vários autores reconhecem e atestam a importância social que estes programas têm em relação aos espectadores, reforçando a imagem da televisão como principal meio de comunicação de massa e de amplificação de valores e ideias socialmente aceitos. Com a consolidação dos textos e das produções, começaram a surgir críticas em torno da telenovela, já que alguns diziam que não era legítimo fixar horários para a programação, fazendo as famílias mudarem seus hábitos para prestigiarem os programas, o que muitos já chamavam de epidemia, como afirma Ortiz (1991). Porém, como foi citado anteriormente, Fernandes aponta o hábito como a grande revolução na televisão, pois afirma que o público precisa disso. Na década de 1970, a Rede Globo padronizou horários e temas de suas telenovelas, bem como número de capítulos das tramas. Sendo assim, a telenovela começava a ser tratada de acordo com seu público-alvo, ou seja, cada horário era destinado a um público. O horário das 18 horas foi caracterizado pelas adaptações de obras literárias: O horário das 18 horas que, inicialmente, seguia uma linha pedagógica, mas sem muita audiência, deu lugar a desenhos animados e seriados americanos. Sua grande guinada ocorreu, porém, pelas mãos do diretor Herval Rossano que, a partir 1975, passou a encenar adaptações de obras literárias para a TV, que se tornariam mais tarde fonte de grande prestígio para a Rede Globo e para a televisão brasileira (ALENCAR, 2004, p. 28).

Já o horário das 19 horas se estabeleceu como o horário das comédias de costume, voltadas para o público jovem, com histórias leves e românticas. Os outros dois horários de exibição de telenovelas eram as 20 e às 22 horas: O horário das 20 horas abordava temas rurais e urbanos, além de discussões sobre acontecimentos do dia-a-dia. E o horário das 22 horas, já não tão vigiado pela censura, exibia tramas adultas. A audiência dispara (ALENCAR, 2004, p. 31).

A última novela do horário das 22 horas foi “Sinal de Alerta”, de , exibida entre 1978 e 1979. O horário passou então a ser ocupado por teledramaturgia de menor duração. Segundo Alencar (2004, p. 32), o público deste horário sinalizava um interesse por histórias com menos capítulos e com mais análise e críticas sociais, e neste contexto a TV Globo decidiu iniciar a produção de programas em formato de seriados e minisséries. A telenovela conseguiu atingir altos índices de audiência no decorrer dos anos, se tornando uma “programação obrigatória, elemento fundamental na distribuição dos horários e dos custos” (ORTIZ & BORELLI, 1991, p. 63), tornando-se responsável pela elevação de aceitação da televisão e do aumento da audiência. Renata Pallottini (1998, p.201) afirma que a televisão acaba sendo o meio de maior penetração, principalmente nas classes baixas, o que cria um tipo de hipnose ruim. Porém, a pesquisadora vê na telenovela uma saída para mostrar os problemas da sociedade, pois “a ficção televisiva não é criada por robôs, mas sim por seres humanos, por escritores especializados, por técnicos, atores e autores que pensam e evoluem”. Em contrapartida, Ismael Fernandes (1997) acredita que a telenovela se tornou uma instituição nacional, respeitável e uma forma de arte brasileira assim como o Carnaval. Esther Hamburger (1998) diz que ao longo do tempo e da evolução do gênero, as telenovelas se tornaram grandes termômetros da vida cotidiana e dos costumes da sociedade, mostrando a vida privada para o grande público. O espectador se vê nos personagens e se identifica com as situações. Com narrativa personalizada e pouco difundida em termos ideológicos e políticos, as novelas passaram a mostrar as angústias e descontentamentos do povo com o Estado, a ética e outros temas por meio de seus personagens que representam toda uma classe, seja o povo, seja empresarial ou outras categorias. Hamburger (1998, p. 475) fala sobre a fidelidade do público com as novelas: E talvez o fascínio e a repercussão pública das novelas estejam relacionados a essas ousadias na abordagem dos dramas privados de todo dia; e o quanto a moral final corresponde a modelos convencionais ou liberalizantes com freqüência tem a ver com uma negociação imaginária indireta e cheia de medições que envolvem autores, produtores, pesquisadores de mercado, instituições como a censura, a Igreja e o público.

O fato das telenovelas levarem para a TV a realidade nacional contribui para que o telespectador se veja refletido na obra e se reconheça como parte dela, tendo sua identidade reforçada. As mudanças econômica e sociais pelas quais o Brasil vem passando, estão diretamente refletidas nos temas abordados pelas telenovelas atuais. A mudança do poder de consumo para a chamada nova classe C, traz às telas novos protagonistas. As tramas que estavam focadas na zona sul do Rio de Janeiro, migram para o Divino, bairro da periferia carioca, que foi retratado na novela “Avenida Brasil” de João Emanuel Carneiro, em 2012, não mais como um espaço secundário para um núcleo pobre figurante, mas sim como local de destaque, onde vivem os protagonistas da trama.

Vale a Pena Ver de Novo

A faixa de horário “Vale a Pena Ver de Novo” foi criada em maio de 1980 pela TV Globo com o objetivo de reprisar telenovelas de seu arquivo. Antes disso, a emissora já reprisava algumas de suas obras, mas sem uma faixa exclusiva para isso. A primeira novela reprisada foi “Dona Xepa”. Atualmente, a faixa já apresentou 77 títulos diferentes em 33 anos de existência. Uma reapresentação que foge do padrão das novelas na faixa de horário do “Vale a Pena” foi a do programa “Você Decide”, que era um programa interativo, em que o público decidia o final de uma determinada trama. Durante três semanas de 2001, o formato foi testado com a apresentação de Susana Werner e com uma novidade em relação à versão original: a possibilidade de assistir a opção não escolhida pela internet. Abaixo segue a lista completa de novelas reprisadas na faixa em ordem cronológica de reprises, com as respectivas datas de exibição, autores e horário e ano de exibição original.

Original nº Telenovela Início Término Autor Horário/ano

1 Dona Xepa 05/05/1980 14/11/1980 18h 1977

2 A Sucessora 17/11/1980 08/05/1981 Manoel Carlos 18h 1978

3 Te Contei? 11/05/1981 06/11/1981 Cassiano Gabus Mendes 19h 1978

4 09/11/1981 19/03/1982 Benedito Ruy Barbosa 18h 1979

5 Marron Glacê 22/03/1982 06/08/1982 Cassiano Gabus Mendes 19h 1979

6 As Três Marias 09/08/1982 01/10/1982 Wilson Rocha e Walther 18h 1980

Negrão 7 A Moreninha 04/10/1982 31/12/1982 Marcos Rey 18h 1975

8 Plumas e Paetês 03/01/1983 02/09/1983 C. G. Mendes e S. de Abreu 19h 1980

9 05/09/1983 10/02/1984 Sílvio de Abreu 19h 1978

10 Água Viva 13/02/1984 31/08/1984 Gilberto Braga e Manoel Carlos 20h 1980

11 Final Feliz 03/09/1984 08/02/1985 Ivani Ribeiro 18h 1982

12 11/02/1985 05/07/ 198 Cassiano Gabus Mendes 19h 1982

13 Jogo da Vida 08/07/1985 03/01/19865 Sílvio de Abreu 19h 1981

14 Feijão Maravilha 06/01/1986 04/04/1986 Bráulio Pedroso 19h 1979

15 Paraíso 07/04/1986 10/10/1986 Benedito Ruy Barbosa 18h 1982

16 Livre para Voar 13/10/1986 24/04/1987 Walther Negrão 18h 1984

17 27/04/1987 23/10/1987 Carlos Lombardi 19h 1984

18 26/10/1987 01/04/1988 Ivani Ribeiro 18h 1984

19 Ti Ti Ti 04/04/1988 21/10/1988 Cassiano Gabus Mendes 19h 1985

20 Gabriela 24/10/1988 24/02/1989 Walter George Durst 22h 1975

21 A Gata Comeu 27/02/1989 28/07/1989 Ivani Ribeiro 18h 1985

22 Brega & Chique 31/07/1989 19/01/1990 Cassiano Gabus Mendes 19h 1987

23 Pão Pão, Beijo Beijo 22/01/1990 18/05/1990 Walther Negrão 18h 1983

24 21/05/1990 06/07/1990 Lauro César Muniz 20h 1986

25 Sassaricando 09/07/1990 11/01/1991 Sílvio de Abreu 19h 1987

26 Top Model 14/01/1991 05/07/1991 W. Negrão e Antonio Calmon 19h 1989

27 Cambalacho 08/07/1991 13/12/1991 Sílvio de Abreu 19h 1986

28 Fera Radical 16/12/1991 08/05/1992 Walther Negrão 18h 1988

29 Vale Tudo 11/05/1992 06/11/1992 Gilberto Braga e Aguinaldo 20h 1988

30 Bebê a Bordo 09/11/1992 12/03/1993 CarlosSilva Lombardi 19h 1988

31 Sinhá Moça 15/03/1993 02/07/ 199 Benedito Ruy Barbosa 18h 1986

32 05/07/1993 05/11/19933 18h 1990

33 08/11/1993 25/02/1994 Walther Negrão 18h 1987

34 28/02/1994 16/09/1994 Sílvio de Abreu 20h 1990

35 Tieta 19/09/1994 07/04/1995 e R. Linhares 20h 1989

36 10/04/1995 11/08/1995 Aguinaldo Silva e R.Linhares 20h 1992

37 14/08/1995 01/03/1996 Benedito Ruy Barbosa 20h 1993

38 04/03/1996 09/08/1996 Walther Negrão 18h 1992

39 Meu Bem, Meu Mal 12/08/1996 22/11/1996 Cassiano Gabus Mendes 20h 1990

40 25/11/1996 25/04/1997 Ivani Ribeiro 18h 1993

41 28/04/1997 12/09/1997 Ivani Ribeiro 19h 1994

42 15/09/1997 06/02/1998 Aguinaldo Silva e R. Linhares 20h 1993

43 09/02/1998 24/04/1998 Manoel Carlos 18h 1991

44 O Salvador da Pátria 27/04/1998 28/08/1998 Lauro César Muniz 20h 1989

45 31/08/1998 12/03/1999 Carlos Lombardi 19h 1994

46 15/03/1999 13/08/1999 Benedito Ruy Barbosa 20h 1996

- 47 16/08/1999 17/03/2000 Aguinaldo Silva e R. Linhares 20h 1997 199 7 Original nº Telenovela Início Término Autor Horário/ano

48 20/03/2000 07/07/2000 Walther Negrão 18h 1994

49 A Próxima Vítima 10/07/2000 08/12/2000 Sílvio de Abreu 20h 1995

50 11/12/2000 29/06/2001 Dias Gomes e Aguinaldo Silva 20h 1985

51 Você Decide 02/07/2001 20/07/2001 Paulo José 20h vários

52 A Gata Comeu 23/07/2001 07/12/2001 Ivani Ribeiro 18h 1985

53 História de Amor 10/12/2001 28/06/2002 Manoel Carlos 18h 1995

54 Por Amor 01/07/2002 10/01/2003 Manoel Carlos 20h 1997

55 13/01/2003 01/08/2003 18h 2000

56 Anjo Mau 04/08/2003 09/01/2004 18h 1997

57 12/01/2004 04/06/2004 Antonio Calmon 19h 1998 - 199 58 Terra Nostra 07/06/2004 05/11/2004 Benedito Ruy Barbosa 20h 1999 8 59 Deus Nos Acuda 08/11/2004 25/02/2005 Sílvio de Abreu 19h 1992

60 Laços de Família 28/02/2005 23/09/2005 Manoel Carlos 20h 2000

61 Força de um Desejo 26/09/2005 10/02/2006 Gilberto Braga 18h 1999

62 A Viagem 13/02/2006 21/07/2006 Ivani Ribeiro 19h 1994

63 24/07/2006 26/01/2007 Walcyr Carrasco 18h 2003

64 Era uma Vez... 29/01/2007 04/05/2007 Walther Negrão 18h 1998 - 200 65 07/05/2007 16/11/2007 João Emanuel Carneiro 19h 2004 4 66 Coração de Estudante 19/11/2007 04/04/2008 Emanuel Jacobina 18h 2002

67 Cabocla 07/04/2008 29/08/2008 Benedito Ruy Barbosa 18h 2004

68 01/09/2008 27/02/2009 Manoel Carlos 21h 2003

69 02/03/2009 21/08/2009 Aguinaldo Silva 21h 2004

70 Alma Gêmea 24/08/2009 12/03/2010 Walcyr Carrasco 18h 2005

71 Sinhá Moça 15/03/2010 10/09/2010 Benedito Ruy Barbosa 18h 2006

72 13/09/2010 07/01/2011 Walcyr Carrasco 19h 2007

73 10/01/2011 09/09/2011 Gloria Perez 21h 2001

74 Mulheres de Areia 12/09/2011 09/03/2012 Ivani Ribeiro 18h 1993

75 Chocolate com Pimenta 12/03/2012 21/09/2012 Walcyr Carrasco 18h 2003

76 Da Cor do Pecado 24/09/2012 22/02/2013 João Emanuel Carneiro 19h 2004

77 25/02/2013 Atual Duca Rachid e Thelma Guedes 18h 2006

Segundo Elena Corrêa (2006, online), o objetivo do “Vale a Pena Ver de Novo” era de “[...] dar oportunidade de as pessoas reverem sucessos ou de assistirem, pela primeira vez, para quem não teve chance de acompanhar a novela quando foi ao ar inicialmente.” Corrêa (2006, online) ainda aponta que, de acordo com a Central Globo de Comunicação, os critérios para escolha das novelas a serem exibidas são estratégicos, levando em consideração, inclusive, a manifestação do telespectador. Outro ponto para a escolha de novelas não muito antigas é que: Há muitos fatores, alguns artísticos, outros técnicos, com impacto na qualidade visual da obra. [...] Não existe um limite de tempo para que elas sejam reapresentadas. O que importa é que seja uma boa história, de interesse do público e de boa qualidade técnica” (CORRÊA, 2006, online).

Novelas muito antigas talvez não tenham sido totalmente preservadas e também a reprise delas pode barrar em alguns problemas judiciais em relação a contrato com autor e elenco. Já Keila Jimenez (2003, p. D10) ao citar a escolha de reprise de “Anjo Mau” diz que “[...] foi baseada no passado de audiência da trama – esse é um dos critérios de escolha para o Vale a Pena [...].” Os capítulos são adaptados ao horário que é destinado a cada dia à faixa do “Vale a Pena”, assim, novelas que tinham um determinado número de capítulos na versão original podem ser exibidas em menos capítulos quando reprisadas. Outra forma de edição dos capítulos pode ocorrer como forma de “adaptação” ao horário vespertino. Um exemplo aconteceu em 2009, com a reprise de “Senhora do Destino”, Cristina Padiglione (2009, online) diz que: A consolidação da autoclassificação indicativa (que permite às emissoras determinar a adequação de seus conteúdos aos horários de exibição), trunfo da Portaria que reformulou as regras para a Classificação Indicativa dos programas de TV, aliada ao compromisso assumido pela [TV] Globo, com o Ministério da Justiça, de reeditar cenas não apropriadas para o meio da tarde, são os itens que têm permitido à emissora a reprise, no Vale a Pena Ver de Novo, de novelas originalmente feitas para as 20 h. [...] A partir da autoclassificação, o Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça tem o dever de fiscalizar se a emissora está cumprindo o combinado. Se for o caso de novos ajustes, a emissora é advertida. O setor também reencaminha à emissora eventuais queixas de telespectadores ofendidos.

Com a reapresentação de “Senhora do Destino” no “Vale a Pena”, a TV Globo teve vários problemas em relação à classificação indicativa, que quase interrompeu a reexibição da novela no horário, pois o Ministério da Justiça não classificava a obra como livre a todos os públicos (MEPER, 2011, p. 111). Ao falar sobre a escolha, pela segunda vez para o “Vale a Pena” da novela “A Viagem”, o colunista Daniel Castro (2006, p. E12) explica que “„A Viagem‟” não era a primeira opção da [TV] Globo. Sua preferência era reprisar "" (Aguinaldo Silva, 2001), mas o Ministério da Justiça, mesmo após a análise de fitas reeditadas, não a liberou para o horário livre.” Em 2011, para a reprise de “O Clone”, mais uma polêmica; a princípio a emissora seria obrigada a reeditar grande parte do conteúdo da telenovela, tirando de cena uma das principais personagens, Mel, uma usuária de drogas, representada por Débora Falabella. Na época Padiglione (2011, p. D7) retomou a questão de “Senhora do Destino” para explicar que a TV Globo, desde então, não escolhia uma novela da faixa das 20h originalmente para o “Vale a Pena”: Desde 2009, quando Senhora do Destino rendeu advertências do Departamento de Classificação Indicativa, a Globo não escala para o Vale a Pena uma novela produzida originalmente para a faixa das 20h. Mas Nazaré (), mesmo sob camisa de força, emplacava de 25% a 29% no Ibope, e a atual reprise, Sete Pecados, esbarra em 12%.

Por fim, a novela foi adequada, muitas cenas da personagem foram cortadas, mas o tema do uso de drogas pôde ser mantido. Bruno Meiper (2011, p. 111) resumiu a mudança da personagem Mel entre a versão original (como era à noite) e como seria reapresentada no “Vale a Pena” (como será a tarde): Como era à noite: A patricinha doidona Mel (Débora Falabella) aparecia até fumando maconha na praia. Nas cenas mais impactantes, quebrava tudo na casa durante suas crises de abstinência. COMO será à tarde: O uso da droga é sugerido, nunca mostrado, e saem as sequências de quebradeira doméstica. A ênfase recai em um dos primeiros indícios do vício percebidos pela família de Mel: a moça começa a fugir do banho, tornando-se molambenta e sujismunda.

Meiper (2011, p. 111) destaca também que, por conta de sua temática e personagens, algumas telenovelas estão fora de cogitação para o horário da tarde. Como exemplo, “Paraíso Tropical”, que teve como personagem de grande sucesso a prostituta Bebel, interpretada por . Além disso, a trama era baseada em corrupção e outros temas considerados impróprios para o horário. Em 2010, de acordo com Jimenez (2010, p. D8) a novela “Alma Gêmea” na faixa do “Vale a Pena” conquistou 22 pontos de audiência: mais do que as então novelas das seis (“”) com 20 pontos e das sete (“”) com 20,6 pontos. A atual novela reapresentada, “O Profeta” vem atingindo “a mais baixa audiência da história de Vale a Pena Ver de Novo” (CASTRO, 2013, online). Um quadro que mostra que mesmo com baixo custo para a emissora, e com grande sucesso, talvez seja preciso uma modificação ou atualização no horário. Jimenez (2001, p. E7) ao falar sobre o horário vespertino, afirma que: “A audiência menor e o baixo potencial comercial do horário (os anunciantes preferem a faixa matutina e o horário nobre) são os motivos da falta de investimento na grade vespertina na TV aberta.” Dessa maneira, é preciso que se atente para esta faixa de horário na grade, que mesmo com uma tradição de reprises de novelas, talvez precise de uma reciclagem. O exemplo da tentativa de reprisar um formato diferente como o programa “Você Decide” em 2001, pode ser uma saída. Mesmo assim, Jimenez (2012, p. E14) alerta: “[...] a reprise de folhetins é líder isolada de ibope no horário, com o dobro da audiência da concorrência. A mudança [tirar “Vale a Pena Ver de Novo” da grade] pode acabar mexendo em time que está ganhando.” Mas a pergunta que fica é: um time que está ganhando até quando?

Coleta de Dados

O autor que teve mais telenovelas reprisadas, levando em consideração coautorias, é Walther Negrão. Ele teve nove novelas na faixa do “Vale a Pena ver de Novo”, seguida por oito de Benedito Ruy Barbosa, Silvio de Abreu e também Ivani Ribeiro.

Coau- Solo Total AUTORES toria

Walther Negrão 7 2 9

Benedito Ruy Barbosa 8 8 Ivani Ribeiro 8 8

Sílvio de Abreu 7 1 8 Aguinado Silva 1 6 7 Cassiano Gabus Mendes 6 1 7

Manoel Carlos 6 1 7

Walcyr Carrasco 5 5 Gilberto Braga 2 2 4 Ricardo Linhares 4 4 Antonio Calmon 1 1 2

Gloria Perez 2 2

João Emanuel Carneiro 2 2

Lauro César Muniz 2 2 Bráulio Pedroso 1 1 Carlos Lombardi 1 1 Dias Gomes 1 1 Duca Rachid 1 1 Emanuel Jacobina 1 1

Marcos Rey 1 1

Maria Adelaide Amaral 1 1 Thelma Guedes 1 1 Thelma Guedes 1 1

Walter George Durst 1 1 Wilson Rocha 1 1

Vale lembrar que Ivani Ribeiro aparece no ranking dos autores mais reprisados, pois três das suas cinco novelas foram reprisadas duas vezes. São elas “Mulheres de Areia”, “A Viagem” e “A Gata Comeu”. Além das três novelas de Ivani, José Emanuel Carneiro emplacou uma de suas novelas duas vezes na faixa: “Da Cor do Pecado”. As telenovelas da faixa das 18 horas são as que mais foram reprisadas no “Vale a Pena”: representam 43% do total de reprises, com 33 títulos. Depois, aparecem as telenovelas da faixa das 19 horas, com 22 obras, totalizando 29%. Outros 25% são das 20 novelas das oito4. Por fim, estão 1,5% de uma novela das 22 horas (horário extinto na emissora) e mais 1,5% com o programa “Você Decide”, que apresentou quinze episódios em três semanas de exibição.

Conclusão

Ao instaurar mais um horário para as telenovelas em 1980, a Rede Globo de Televisão pôde ressaltar sua posição em padronizar os horários de seus programas a partir de 1970. Com isso, além de fidelizar o público com sua programação linear, sempre presente da forma esperada e na hora agendada com o telespectador, a emissora mostra que a padronização de temas e tramas para cada horário e público também é um dos pilares para o sucesso e da fixação do padrão Globo de qualidade. Vimos que 43% das obras reprisadas em “Vale a Pena Ver de Novo” são originárias da faixa das 18h, horário que tradicionalmente traz temas mais leves, adaptações literárias e tramas que entretém sem grandes polêmicas. As faixas das 19h, 21h e o extinto horário fixo das 22h vêm exatamente nesta mesma ordem de número de reprises. Sabendo que é uma característica das telenovelas globais a adoção de temas mais polêmicos, sociais e até mesmo com mais sexualidade, ao longo da noite, podemos então dizer que o público que assiste ao “Vale a Pena Ver de Novo” procura entretenimento e histórias simples para suas tardes. A atual classificação indicativa da TV aberta brasileira pode ser um dos fatores

4 O termo “novela das oito” engloba as novelas apresentadas após o “”, que primeiramente eram exibidas às 20 horas e gradativamente foram sendo adiadas. Hoje a “novela das oito” começa depois das 21 horas. de escolha para as telenovelas reprisadas a tarde, já que a legislação vigente prevê níveis de violência, sexo e outros temas podem ser exibidos em cada horário. Porém, os dados coletados indicam que a preferência por novelas da faixa das 18h, e portanto mais leves, já era habitual há tempos.

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