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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016

A Personagem Negra Na Brasileira: “” e a Primeira Protagonista Negra No Horário Nobre da Globo1

Samara Araújo da Silva2 Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG

Resumo

A telenovela é um agente de construção da memória social e identidade cultural de um país. É de extrema relevância o fato da ficção seriada das novelas influenciar nas concepções sociais, atingindo diretamente a visão de si e também do outro. Questiona-se até que ponto a escolha de uma atriz negra como protagonista em horário nobre na Globo tenha sido de fato uma conquista. Até que ponto a personagem teve “destaque”, se realmente teve e como foi representada. O presente trabalho tem intenção de discutir como a mulher negra é representada na teledramaturgia com foco na primeira protagonista negra em horário nobre, Taís Araújo na novela “Viver a Vida”.

Palavras-chave: Mulher negra; Racismo; Telenovela; Representação.

Introdução A representação da negritude brasileira no produto televisivo teve avanços, contudo, ainda reforça estereótipos. O negro continua no papel subalterno, realizando ofício braçal, envolto ao sexismo, reforçando a ideia de uma inferioridade intelectual o que enaltece o embranquecimento. Taís Araújo foi a escolhida pelo escritor Manoel Carlos para interpretar uma de suas “Helenas” na novela “Viver a Vida”, 2009. Torna-se necessária a discussão do racismo “embutido”, posição, intensão da emissora na representação e escolha do personagem no período em que o movimento negro lutava para a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional. Através da análise da trama e um estudo comparativo com as demais “Helenas” do autor, conclui-se que a personagem foi uma protagonista secundária e que sua representação foi inferiorizada e estereótipada.

1 Trabalho apresentado no DT 04 – Jornalismo do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 17 a 19 de junho de 2016.

2 Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Jornalismo da UFOP, email: [email protected] Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016

A mulher negra na telenovela

O negro quando representado na teledramaturgia em grande maioria é tido como apto para interpretar papéis subalternos, negativos, subordinados a pessoas brancas, empregados, com baixa renda, má índole e tendo seu corpo em destaque com aspectos de sensualidade e demais estereótipos. É notável o aumento de negros que interpretam personagens com poder aquisitivo e fora dos seguimentos citados, contudo, se comparado ao número de personagens interpretados por atores e atrizes de pele branca, ainda existe uma imensa discrepância. O escritor Joel Zito Araújo em seu livro “A negação do Brasil” realiza um estudo sobre a presença e representação do negro na trajetória da telenovela no Brasil levantando uma série de dados e depoimentos de atores que sentiram na pele o preconceito e o ideal de branqueamento.

Em poucos trabalhos identificamos atores negros nos papéis principais, de protagonistas ou antagonistas. [...] Se o personagem criado pelo autor não receber, na sinopse, referências sobre o seu pertencimento racial, o ator branco tende a ser escolhido. O afro- descendente só terá a sua oportunidade assegurada se existirem rubricas que evidenciem a necessidade de um ator negro. Se na construção do personagem for destacado um tratamento estereotipado, recorrendo aos arquétipos da subalternidade na sociedade brasileira, aumenta a possibilidade de construção para o ator negro. De um modo geral, ao ator afro-brasileiro estão reservados os personagens sem, ou quase sem, ação, os personagens passageiros, decorativos, que buscam compor o espaço da domesticidade, ou da realidade das ruas, em especial das favelas. (ARAÚJO, 2004)

A novela pode contribuir na contrução da realidade, memória e identidade social.. A mulher negra na novela é em sua maioria mostrada de maneira inferior exercendo profissões de valor social pouco reconhecido ou como símbolo de um hipersexualismo. “A exposição constante a imagens estereótipadas da realidade leva à construção de algumas representações mentais da realidade igualmente estereotipadas”. (FERRRÉS, 1998,p.140)

É possível afirmarmos que a telenovela no Brasil, ao longo de seus 50 anos de existência, conquistou reconhecimento público como produto artístico-cultural e ganhou visibilidade como agente central do debate sobre a cultura brasileira e a identidade do país. Ela também pode ser considerada um dos fenômenos mais representativos da tardia modernidade brasileira, por combinar o

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arcaico e o moderno, por fundir dispositivos narrativos anacrônicos e imaginários modernos e por ter a sua história fortemente marcada pela dialética nacionalização-comunicação de massa dentro do Brasil (IMMACOLATA, 2014, p.2).

A mulher negra sofre uma espécie de rejeição, ela raramente é vista em representações midiáticas, revistas, novelas, comerciais que quase sempre são estampados por mulheres loiras, brancas nos “padrões” sociais mais aceitos dentro da cultura do embranquecimento. Seu corpo possui uma carga histórica da escravidão que ainda prevalece. O corpo negro é tido como exótico, pecaminoso, “”, diferente, ligado ao sexo e ao racismo que as classifica como proibidas para monogamia ou matrimônio.

No último Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, dados sobre a mulher negra brasileira chamaram a atenção. O levantamento apontava que, à época, mais da metade delas – 52,52% – não vivia em união, independentemente do estado civil.

E ainda que o ideal de branqueamento articulado em fins do século XIX e no principio do século XX como proposta concreta para o desenvolvimento da nação e constituição de sua identidade nacional tenha fracassado como projeto – uma vez que os negros não desapareceram nem estão em vias de; seu ideal permanece fortemente arraigado na cultura brasileira, dificultando a formação de identidades coletivas baseadas na negritude e na mestiçagem (MUNANGA, 1999, p.50).

O autor Manoel Carlos é um importante escritor de novelas e minisséries da Rede Globo de televisão. No inicio de sua carreira, atuou na teledramartugia nacional e consequentemente seguiu dirigindo e produzindo programas televisivos de entretenimento, shows de humor e de cunho musical. Sua estréia nas veio por meio da trama “Maria Maria” em 1978, teve parte de sua carreira percorrida na Rede Bandeirantes e Manchete. Posterior a esse período, Manoel adquire uma particularidade muito questionada ao autor.

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Suas novelas trouxeram uma protagonista mulher que curiosamente recebia o nome de “Helena”. As Helenas que receberam esse nome segundo o autor por referência a Helena de Tróia. Suas protagonistas possuem perfis parecidos, sempre destemidas, lindas, capazes de tudo pelo amor, fortes e donas de suas histórias.

O autor reunirá em diversas crônicas a cotidianeidade das mulheres contemporâneas, retratando seus diversos conflitos e tensões sociais. Irá discutir as relações humanas a partir do terreno da afetividade que se desenvolve em uma metrópole contemporânea, o Rio de Janeiro, privilegiando as questões do amor, da família, da paixão e da sexualidade. [...] Manoel Carlos tratou o texto de suas telenovelas de forma cada vez mais centralizada na perspectiva feminina. [...] Os homens aparecem mais frágeis dependentes das mulheres, experimentam uma incompletude diante da vida, principalmente nos personagens protagonistas. Todos procuram por um amor ideal e nenhum se satisfaz, no final se confrontam com a possibilidade de uma mulher com defeitos, ambiguidades morais e capazes de atitudes cruéis e egoístas, mesmo evocando um altruísmo e renúncia. (SANTOS, 2008)

Os homens exercem um papel secundário nas tramas. Além dos nomes que se repetem as obras de Manoel Carlos possuem outra particularidade que é de se passarem no , Rio de Janeiro. Interpretadas em sua maioria por famosos atores consagrados que se repetem durante suas obras.

A primeira Protagonista negra no horário nobre e a Helena de “Viver a Vida”.

A novela “Viver a Vida” de Manoel Carlos foi produzida pela Rede Globo e foi ao ar no horário das 21 horas no período 14 de setembro de 2009 ao dia 14 de maio do ano de 2010. Fora dos padrões onde os negros são sempre representados de forma subalterna ou marginalizada, a novela Viver a Vida poderia ter sido um presente para os movimentos raciais que discutiam no congresso a aprovação do estatuto de igualdade racial e também todos que criaram esperanças com o anúncio da primeira protagonista negra em horário nobre. A escolhida para interpretar a primeira protagonista negra em horário nobre e consequentemente uma das Helenas de Manoel Carlos foi a atriz Taís Araújo. Taís Bianca Gama de Araújo Ramos, se faz presente na telinha desde muito cedo. Protagonizou com

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apenas dezessete anos em 1996 a novela “Xica da Silva” escrita por Walcyr Carrasco, na Rede Manchete de televisão. Após sete anos novamente protagonizou a novela “Da cor do Pecado” na rede globo, interpretando a personagem “Preta”. Na novela “Cobras e Lagartos”, recebeu o personagem da vilã “Ellen” e posteriormente o papel de “Helena” em Viver a vida. Tanto a novela “Da cor do Pecado” quanto a novela “Viver a vida” receberam fortes críticas por não terem utilizado da presença de uma mulher negra em papel de destaque para ajudar a reverter a visão estereotipada e inferiorizada que as mulheres negras sofrem.

Em dezembro de 2003, criou-se um furor na mídia, em torno do fato de que a novela das 7 da noite teria sua primeira protagonista negra, Taís Araújo. Porém, simultaneamente, um duro golpe foi desferido nas esperanças de que a personagem trouxesse alguma redenção para a já dilapidada imagem das mulheres negras na televisão brasileira: o título da novela, A Cor do Pecado. A trilha sonora trazia a canção homônima, cuja letra discorre sobre a traiçoeira irresistibilidade da cor e do sabor da pele morena. Salta aos olhos, portanto, as óbvias e aflitivamente problemáticas implicações da associação direta da raça negra e a pele não branca com o pecaminoso ou a transgressão de preceitos cristãos. E a trama... Trazia mais uma vez, uma mulher negra pobre que encanta um branco rico com o seu charme e simplicidade, e que inexplicavelmente não consegue resistir aos encantos de sua pele, da “cor do pecado”. [...] Preta, assim como Xica e atualmente Helena, incorporam o pensamento hegemônico sobre raça e miscigenação, e sobre relações raciais e de gênero no país. Essas personagens possibilitam uma reiteração contemporânea das narrativas fantasiosas de Gilberto Freyre sobre o processo de colonização do Brasil, e, por conseguinte, do mito da democracia racial. Concomitantemente, as mesmas incorporam e se encontram inseridas em tramas que evidenciam as profundas contradições desses mitos fundadores e narrativas tradicionais. (SOUZA, 2010)

A televisão é um dos produtos culturais de maior consumo e ela pode e deve ser usada para interferir, modificar e criar visões sobre as mais diferentes situações. O mínimo que se esperava de tais obras é que existisse um diálogo com a situação dos negros no país, que as mulheres fossem representadas de maneira positiva, autêntica e que seu corpo não fosse vítima mais uma vez de uma hipersexualidade comum nos corpos negros. Ambas reforçaram ainda mais um estereotipo e receberam inúmeras críticas pela representação e o que poderiam ter sido. E, finalmente, a televisão pode contribuir para a identidade nacional, não tanto porque narra conteúdos, constrói tempos sociais ou cria sentidos de pertencimento, mas

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principalmente porque dá espaço para representações, constituindo-se em um fórum eletrônico (NEWCOMB, 1999) Viver a Vida teve início em setembor de 2009. Desde os anos 2000, existia uma forte discussão no país sobre a lei que seria capaz de garantir um dos maiores avançoes sociais e politicos no que se refere a direitos e igualdade racial. O Estatuto de Igualdade Racial foi sancionado pelo presidente em vigor Luís Inácio Lula da Silva no ano de 2010 no mês de julho. Contudo, ao longo desses anos de intensas batalhas e reinvindicações o estatuto passou por uma série de modificações que alteraram diretamente seu sentido final. Sua aprovação se deu entre um acordo entre governo e a oposição que não concordava com algumas das exigências do projeto. A regularização de terras quilombolas, uma espécie de “cotas” “percentual” obrigatório de atores negros e figurantes em novelas e programas de TV, foram retirados das reinvindicações. Apesar dessas limitações e recortes o Estatuto de Igualdade Racial foi visto como uma grande conquista e um passo dentro do longo caminho na busca de um país mais justo.

Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística (ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, 2010)

O Estatuto da Igualdade Racial com o texto final sancionado pelo presidente Lula após quase um ano de sua aprovação no Congresso, exclui qualquer tipo de cotas, o que para especialistas era parte fundamental, que realmente garantia a igualdade entre negros e brancos. Mas muitos consideram que a aprovação do estatuto já é uma vitória, pois mostra que o Brasil reconhece que o preconceito e a desigualdade estão presentes na sociedade como destacou o antropólogo Kabengele Munanga (2010).

O documento foi praticamente desfigurado. O fato de reconhecerem que há preconceito no Brasil e que algo precisa ser feito já é alguma coisa. Mas o texto não contempla a expectativa da população negra, porque um dos problemas do Brasil – a ausência de igualdade – foi removido. (MUNANGA, 2010)

A escolha de uma protagonista negra para o horário nobre no momento em que tanto se discutia o estatuto e a possibilidade de se implantar um percentual obrigatório de

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negros na TV, foi visto como uma espécie de jogada da Rede Globo de televisão. O intuito de tal atitude seria demonstrar de maneira assistida que não existia a necessidade de tal lei, uma vez que enfim a televisão brasileira teria pela primeira vez em sua história uma protagonista negra. Logo, não precisa de tais exigências e consequentemente dessas “cotas”. Isso foi passado de maneira bem natural e estratégica e ajudou a suprir a inquietação e o temor em que a oposição se encontrava em pensar na possível possibilidade de se verem obrigados a ceder o mínimo de direitos e igualdade racial para a população negra. A novela em estudo teve um grande número de críticas por parte de telespectadores e movimentos raciais que não se sentiram contemplados e se incomodaram com o desfecho da personagem. Cenas provocativas e ofensivas foram ao ar. É a partir das causas desse incômodo e a rejeição provocada que essa pesquisa se faz. Analisando como o desempenho e papel exercido pela personagem pode ter influenciado na receptividade do público e por qual motivo a esperança de uma representatividade negra como agente de transformação e informação foi frustrada. A metodologia utilizada nessa pesquisa é baseada na análise das últimas tramas de Manoel e como as suas protagonistas foram representadas e as construções de identidades das mesmas. A partir disso, será realizada uma comparação com a novela Viver a Vida como maneira de esclarecer os questionamentos colocados anteriormente. As Helenas de Manoel Carlos seguem um perfil bem parecido em suas obras. Em geral são mulheres autênticas, dentro do perfil estético aceito na sociedade, donas de si, fazem tudo por suas felicidades ou de seus familiares, possuem grande extinto maternal, são mulheres lindas, inteligentes, independentes e mais velhas. A Helena de “Viver a Vida” foi uma Helena Jovem, no ápice de sua carreira de modelo. Essa particularidade será levada em conta pelo fato de ter menos idade que as demais Helenas de Manoel e isso afetar diretamente nos problemas vividos pela personagem. As novelas que serão analisadas e suas respectivas atrizes, protagonistas chamadas de “Helenas” serão: A novela “Laços de Família” com Vera Fisher. “” por Christiane Torloni (Já foi “Helena” mais de uma vez). “Páginas da Vida” por Regina Duarte e “Viver a Vida” pela atriz Taís Araújo. Estão sendo levadas em consideração somente as novelas mais recentes, dos anos 2000 em diante. A novela Laços de Família foi baseada em uma história real de uma mãe dos Estados Unidos que viveu a dor de ter uma filha com a doença de Leucemia. Transmitida

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pela rede globo e vendida para mais de 65 países. Foi ao ar em 05 de junho de 2000 a 02 de fevereiro de 2001. Possuiu grande repercussão por abordar temas como a doação de medula óssea e a prostituição. Foi utilizada em campanhas e mobilizações em prol de tentar melhorar a realidade das poucas doações de medula no país. O extremo sofrimento da personagem portadora da doença “Camila” (interpretada pela atriz ) filha de “Helena” (interpretada por Vera Fisher) trouxe uma comoção muito grande o que efetivamente proporcionou o aumento de doações no país. A cena mais famosa da trama que alcançou um elevadíssimo pico de audiência foi a que Camila teve seu cabelo raspado. A Helena de Laços de família era viúva, avó, mãe de Camila e Fred (Luigi Baricelli). Seu perfil é de uma mulher loira, madura, querida pelos amigos, bela, madura, bem resolvida financeiramente e capaz de tudo pelos filhos. Até abrir mão de seu romance com o médico “Edu” () pela filha Camila que ao retornar do Japão onde morava veio a se apaixonar por ele. Posteriormente, Helena se apaixona novamente por “Miguel” (Tony Ramos) e deixa de viver novamente sua história de amor ao descobrir a doença da filha. Abandona Miguel e procura o pai de Camila para terem um bebê que mais tarde cura Camila através das células do cordão umbilical. Nasceu “Vitória”. Helena é uma protagonista que está em primeiro plano em toda a obra. Demonstra- se uma mulher guerreira, capaz de tudo pelo amor a filha, abandonar amores, ter um bebê, abrir mão de sua pela família. Helena é tida como Heroína ao salvar a vida da filha. A novela explora muito o sentimento e através disso conseguiu imensa comoção nacional e internacional. A doença se tornou mais discutida e vários debates foram desencadeados a partir da mesma. A novela “Mulheres Apaixonadas” também teve grande interação com o público e discutiu temas de grande relevância como o desarmamento que resultou em um grande recolhimento de armas, discutiu o tratamento de idosos, violência doméstica, alcoolismo e homossexualidade entre tantos outros. Foi ao ar pela Rede Globo entre 17 de fevereiro e 11 de Outubro de 2003. Característica forte de Manoel, tinha as mulheres e seus amores como principal abordagem, núcleo feminino sempre em destaque aproximando os dramas vividos na tela com seu público. Obteve uma margem alta de audiência. A Helena de Cristiane Torloni não tinha filhos biológicos, mas era mãe do “Lucas” (Vitor Hugo) que adotou com seu marido Téo (Tony Ramos). Helena era de classe média alta, branca, fina, bela e possuía uma vida estável até reencontrar um grande amor que com o casamento já abalado se torna mais um motivo para

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o divórcio. Helena está em busca de sua felicidade, possui confiança, mas ainda se sente culpada por deixar aquele ideal de casamento perfeito o que logo muda quando descobre que Lucas na verdade é filho biológico de seu marido com uma ex-prostituta. Helena está participando ativamente de todo enredo, sempre ligada e fazendo parte das situações do seu círculo. É uma mulher solidária, inteligente, bela, recatada mas autentica. Uma personagem capaz de tudo para viver seus desejos, seu amor e felicidade. A novela “Páginas da Vida” teve grande comoção nacional ao abordar a história de uma mãe adotiva a médica Helena (Regina Duarte) que luta para que sua filha com Síndrome de Down possa estudar em uma escola com ensino regular. A novela foi ao ar pela Rede Globo de 10 de julho de 2006 a 02 de março de 2007. Discutiu temas como sexualidade alcoolismo, superficialmente o racismo e o HIV de maneira muito falha e criticada. A helena de Regina é uma mulher branca, carismática, bondosa, carinhosa, justa, honesta, determinada, solidaria, bonita, elegante, simples e bem sucedida. Tinha um filho negro adotado, “Salvador” (Jorge de Sá) era casada e quando traída se permitiu reatar com um antigo amor o também medico “Diogo” interpretado pelo ator (Marcos Paulo). Ao adotar Clara é claramente mostrado na trama o despreparo das escolas em lidar com crianças com a Síndrome de Down. Helena perdeu uma filha no passado e teve muito medo de perder Clara quando o pai biológico da menina reapareceu reivindicando seus direitos paternos. Em diversas cenas a personalidade de Helena foi apresentada, ela sempre se mostrou uma mulher muito justa, que não tolerava a forma que Clara era tratada e sempre se opunha em favor da filha. Helena não admitia preconceitos, era uma mulher extremamente correta e apaixonada pela filha. Uma mulher que sofreu muito com os desafios de ser mãe de uma criança com Síndrome de Down em um país onde escolas não possuem qualquer preparo para receber tais. O assunto foi muito discutido durante e após término da novela. A novela “Viver a Vida” também trouxe importantes temas como alcoolismo, deficiência física, distúrbios alimentares, infidelidade e câncer entre outros. Foi ao ar pela Rede Globo no período de 14 de setembro de 2009 a 14 de maio de 2010. Foi a primeira novela a trazer uma protagonista negra em horário nobre. Foi considerada o maior fracasso as década de vinte com índice muito baixo de audiência comparado com as demais novelas do Manoel Carlos. Foi intensamente criticada da sua produção ao destaque e representação dada à protagonista negra (Taís Araújo).

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A Helena criada por Maneco não levanta a bandeira da cultura negra e, por isso, foi criticada por interpretar “uma branca”. Esse tipo de afirmação me dá “nó na garganta” e só reforça o preconceito velado que existe em nossa sociedade. [...] Seria a hora ideal para o Maneco colocar uma Helena firme, dona de si e determinada, assim como as Helenas que foram interpretadas por Vera Ficher e Christiane Torloni. A Helena virou a “Geni” de Viver a Vida, assim como a música de Chico Buarque. Todo mundo agora quer jogar uma pedra. Assim não dá! (VERONI, 2009)

A personagem da Helena no início da trama não diferiu muito das demais analisadas. Helena se apresentou como uma mulher jovem, bem sucedida na carreira de modelo, bela, batalhadora, preocupada com a família entre tantas características positivas. A inserção da protagonista em uma profissão reconhecida e um círculo social rico aparentou um grande avanço dentro das formas de representações comuns nas novelas para as personagens negras. Contudo, isso foi feito de uma maneira que não foi positiva. O alto padrão de vida de Helena, uma certa antipatia que a personagem passava por estar em uma classe favorecia incomodou os telespectadores que esperavam uma Helena no perfil das já conhecidas anteriormente. Uma Helena sofrida, batalhadora, que vivesse isso ao longo da história do personagem e não só em curtas lembranças de sua vida difícil antes da fama que parecia já não importar tanto dentro dos padrões de vida atuais que desfrutava. Exigia-se uma personalidade mais forte na personagem pelo peso que ela carregava por ser pioneira na inserção do negro no horário nobre em papel principal.

Embora a intenção inicial do autor fosse ter pela primeira vez a Helena negra, isso não deu certo porque a Helena no início foi antipática porque era elitista, era esnobe e depois foi antipática porque era submissa. Então o sofrimento da Helena, no meu ponto de vista, na minha sensibilidade, foi rejeitado porque era um sofrimento de submissão. É diferente do sofrimento do personagem da Aline Moraes, que era um sofrimento de reerguimento, de superação. Enquanto Aline sofria para superar, a Helena sofria de submissão. Então ser boazinha neste caso pegou mal. Do mesmo jeito que pegou mal ser muito de elite. Muito acima do bem e do mal. Foi dessa forma que eu analisei a novela até onde eu vi. (ARAÚJO, 2010)

A novela foi intensamente criticada pelos movimentos raciais em especial. Ela não deu o destaque merecido à personagem e nem trouxe debates raciais em um momento em que existia uma luta constante em prol da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso. A trama não abordou a questão racial, não deu qualquer atenção ao casamento inter-racial da protagonista com “Marcos” (Jose Mayer), nem tão pouco a diferença de

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idade entre eles como componente de discussão. Helena possuía um discurso também preconceituoso e dos poucos traços que podem ser identificado como elementos que valorizaram a raça é o fato dela ter tido seu cabelo crespo mantido. Isso não foi modificado.

Os cabelos da mulher negra representam um exemplo das dificuldades de adequação a um padrão de beleza europeizado. Na realidade o cabelo é um dos principais focos de preocupação estética entre as negras, e é tópico de extensa discussão, podendo ser considerado como símbolo de uma posição política. Cabelo dos negros é, depois da cor da pele, o maior símbolo estético de estigma, sofrendo uma desvalorização evidente. (COUTINHO, 2010)

Helena não tinha boa relação com sua enteada “Luciana” (Aline Moraes). Elas tiveram muitas cenas de intrigas, era vítima da inveja e insatisfação do casamento com Marcos. Em uma das viagens de trabalho, Helena fica exausta com as ofensas de Luciana e bate em seu rosto com bofetadas. Como castigo ela faz sua enteada retornar em um veículo que se acidenta e a deixa tetraplégica. A partir desse momento, Helena passa a carregar uma culpa por tal acontecido, seu papel de protagonista se torna secundário uma vez que Luciana que anteriormente era a megera mimada ganha o rótulo de jovem que teve sua carreira interrompida por culpa da madrasta. A cena que mais chocou e trouxe indignação em diversos veículos e produções acadêmicas é fruto desse acontecido. De joelhos, na semana de comemoração da consciência negra Helena se humilha aos pés de “Teresa” (Lilia Cabral), mãe de Luciana, para pedir perdão por um acidente que apesar de carregar a culpa toda trama ela não teve qualquer responsabilidade e é recebida por bofetadas. Além de apanhar e não receber o “perdão” da ex-mulher do marido ela ainda tem jogado na sua cara o aborto que realizou no início da carreira. Essa cena foi uma ofensa a todos os negros e negras que viram mais uma vez na TV o negro reviver cenas de humilhações e submissão. A contemporaneidade não mudou a posição do negro que é a mesma nas novelas com enredo escravocrata. A tradicional cena da senhora batendo na mucama foi repetida na semana da consciência negra em rede nacional no horário nobre. A chance foi estragada pela trama da novela e por essa falta de sensibilidade e falta de educação daqueles que produzem a telenovela para a questão racial. A elite brasileira quer ignorar a questão racial, uma vez que não quer lidar com as consequências da escravidão e com a falta de políticas sociais para a população negra pós-escravidão. A elite quer fazer de conta que nós somos um país sem o problema do racismo. Aqueles que trabalham na elite

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econômica e cultural, que estão no topo das telenovelas, têm uma certa afinidade com esse pensamento. (ARAÚJO, 2010)

O papel dessa Helena não agradou os telespectadores como as demais. Não foi só o fato de ser jovem e negra que influenciou, mas sim a ausência de protagonismo e o papel secundário e de vítima de humilhações e culpas que carregou durante toda a história. Na relação com Marcos ela foi extremamente pressionada a abandonar sua carreira uma vez que tinha um marido rico que podia dar tudo que precisasse nisso ela foi forte e resistiu, mas foi uma das coisas que custou seu casamento. Ao engravidar de Marcos Helena é extremamente ofendida pelo marido que dentro da situação de Luciana se vê no direito de sugerir o aborto, recordando-a que se realizou uma vez, poderia realizar novamente. Helena mostra ser uma mulher de fibra que prefere separar do marido ao abrir mão de seu bebê. Contudo, como se não bastasse todo sofrimento Helena é colocado numa posição como que de “castigo” e sofre um aborto espontâneo, perdendo a criança. A personagem é duramente punida e humilhada ao longo da trama.

A Helena negra é culpada por ter abortado, por ter casado com um homem branco e por não ter “cuidado” devidamente da enteada, numa relação que muito nos lembra mucama e sinhazinha. Ao que me parece, é muito difícil para a dramaturgia brasileira esconder este ranço ordinário da mentalidade escravocrata e racista. (BRITO, 2009)

Considerações finais

Através da análise das Helenas de Manoel Carlos presentes na década de 2000, é possível afirmar que a Helena de Viver a Vida ocupou o papel de uma protagonista secundária e não atendeu as expectativas. Infelizmente ela só reforçou estereótipos comuns a mulheres negras na dramaturgia e isso foi colocado de maneira “mascarada” pelo fato dela fugir à regra da negra doméstica, vista de maneira sexualizada e pobre. Ainda sendo rica e com uma carreira consolidada ela ficou em segundo plano e perdeu seu “destaque” como o almejado. O autor Manoel Carlos foi falho ao tentar ser pioneiro ao colocar uma protagonista negra em horário nobre. A ideia de não existir racismo, tentativa de demonstrar que os negros tem sim seus lugares nas novelas não foi eficaz pois diferente das demais Helenas não trouxe histórias de lutas, superações que poderiam cativar o público e atenderia tais expectativas. Pelo contrário, Helena de Tais Araújo foi martirizada toda trama,

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humilhada e vítima do julgamento do aborto realizado no passado com um acidente que ela não deveria ser culpada. Uma tentativa frustrada de protagonista e representação.

Histórias de luta, conquistas, doação, coragem e independência presentes nas vidas das Helenas em estudo não estiveram presentes de fato na Helena de Taís Araújo.

Referências bibliográficas

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COUTINHO, Lúcia Loner. Antônia sou eu, Antônia é você: Identidade de mulheres negras na televisão Brasileira. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduaçã.o PUCRS, 2008.

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