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Comunicação e Consumo: A Representação Da Favela Nas Brasileiras Como Um Novo Espaço De Práticas De Consumo 1

Virgínia PATROCINIO 2 PPGCom - ESPM, SP

Resumo Aqui discutimos a representação da favela nas novelas brasileiras como um novo espaço de práticas de consumo. O objeto empírico são as novelas exibidas pela Rede Globo nos últimos 20 anos que tiveram favelas em suas tramas. O objetivo é identificar como se deu a construção identitária destes espaços na ficção televisiva. Entendendo que a teledramaturgia se vale da representação do real para estabelecer um vínculo com seus públicos, até mesmo orientando uma agenda social, verificamos as características físicas das favelas ficcionalmente representadas e, a partir dos espaços (comerciais) aí existentes, identificamos quais práticas de consumo são priorizadas. Para tanto, partimos de um mapeamento das novelas, observando aspectos como a abordagem temática e a ambientação utilizada. O objetivo geral é refletir sobre como são representadas midiaticamente as relações identitárias e sociais entre os moradores de favela, esta incorporada ao ambiente social urbano, e a sociedade como um todo.

Palavras-chave: Comunicação e consumo; favela; identidade; ; representação.

Um Breve Panorama Sobre A Telenovela No Brasil A contemporaneidade assumiu uma dinâmica social própria a partir da consolidação dos meios de comunicação nas relações cotidianas dos indivíduos, funcionando como mediadores culturais e identitários importantes na percepção do indivíduo como membro da sociedade em que está inserido e na sua compreensão de pertencimento no mundo. Tal centralidade dos meios de comunicação nas relações sociais na atualidade nos remete ao pensamento de Marshall McLuhan que defendia a

1 Trabalho apresentado no GT-02: Comunicação, Consumo e Identidade: materialidades, atribuição de sentidos e representações midiáticas, do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2Mestranda do PPGCom-ESPM, email: [email protected].

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) influência dos meios de comunicação na maneira como percebemos nossa experiência no mundo (CASTRO, 2014). Desde que a televisão chegou ao Brasil, no início da década de 1950, passou de artigo de luxo para item essencial ao ambiente doméstico, ganhando cada vez mais destaque na casa da maioria dos brasileiros. Destaque este incentivado, entre as décadas de 1970-1980, pela ampliação da área de cobertura das emissoras de televisão, num plano de integração nacional que uniu interesses econômicos e políticos entre as emissoras e o Governo (CUNHA; TONDATO e CASTILHO, 2013). Neste contexto, o meio televisivo chega em 2014 presente na quase totalidade dos lares do país. Segundo matéria do jornal Estadão3, “atualmente, 97% da população tem uma TV, média acima da mundial, de 72%” (Estadão, 24 de abril de 2014). Enquanto produto midiático televisivo, a telenovela também assume posição de destaque no Brasil por suas características técnicas, que colaboraram para promover o hábito de “ver novela”, sendo assim definida: a telenovela (ou novela) tal como a conhecemos hoje, enquanto formato da ficção televisiva, surgiu em 1963, podendo ser definida como uma narrativa ficcional de serialidade longa, exibida diariamente e que termina por volta de 200 capítulos, ou seja, é levada ao ar seis dias por semana e tem uma duração média de oito meses”. (LOPES, 2009, p.22) Nesse panorama geral, a Rede Globo de Televisão, com uma ampla cobertura do território nacional, desponta como a principal emissora do país. De acordo com o anuário Obitel 2014 (LOPES e OROZCO GÓMEZ, 2014), a Rede Globo, mesmo com queda de audiência de 5% em relação a 2012 e atuais dificuldades em se manter na preferência do público, ainda mantém a liderança da TV aberta, com 38,7% da audiência no ano de 2013. Diversos aspectos convergem para o reconhecimento da Rede Globo como melhor produtora de telenovelas no Brasil, dentre eles o elevado padrão de qualidade por ela perseguido, a formação de um elenco que reúne os melhores profissionais em teledramaturgia do país e a solidez e homogeneidade da grade de programação da emissora, inclusive incluindo chamadas nos intervalos comerciais para todos os seus

3 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tera-em-2014-uma-televisao-por-habitante-diz- fgv,182825e. Acesso em: 12 de julho de 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) programas em exibição (TEMER e TONDATO, 2009). Fatores esses que somados contribuem para uma ritualidade, fidelizando a audiência e configurando o gênero “novela” como parte da vida cotidiana dos brasileiros. Tendo em vista a temática de interesse deste artigo, a representação da favela nas telenovelas brasileiras nos anos mais recentes, é importante, ainda, compreender a relevância da telenovela como “espaço público de debates de temas representativos da modernidade”, denominada por Lopes (2009) como sendo um “recurso comunicativo”, extrapolando a ideia de novela como entretenimento e dando a ela um considerável destaque ao trazer debates e questionamentos que envolvem os contextos sociais do país e suas representações no momento de sua transmissão.

A relevância da telenovela nas relações sociais contemporâneas Partindo da premissa de que a telenovela hoje apresenta a favela como um espaço de convívio social aceitável, ou seja, lugar de moradia, (con)vivência e práticas cotidianas regulares, bem diferente dos estereótipos de “lugar violento”, de “exclusão”, faz-se necessário, inicialmente, abordar as características mais marcantes da telenovela enquanto “produto estético e cultural, convertendo-se em figura central da cultura e da identidade do país” (LOPES, 2009, p. 22). Nesse sentido, trazemos Tondato quando diz que: no cenário da comunicação latino-americana, pensar a comunicação significa incluir a televisão e, mais especificamente, a ficção, que cada vez mais é veículo de tradução de questões sociais, públicas, além dos aspectos da vida privada, já amplamente abordados em estudos sobre a temática. (2011, p.12) Tal perspectiva coloca a telenovela como elemento de organização social, dando “visibilidade a certos assuntos, comportamento, produtos e não a outros; ela define uma certa pauta que regula as interseções entre a vida pública e a vida privada” (LOPES, 2009, p. 23). Nesse aspecto, a autora relaciona a telenovela à ideia de agenda setting4, aproximando-se da ideia da telenovela como orientadora de uma agenda social.

4 O termo agenda setting foi introduzido na teoria da comunicação em 1972 por Maxwell McCombs e Donald Shaw para designar a determinação dos assuntos em destaque na mídia nas discussões cotidianas do público.

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O consumo brasileiro da telenovela, portanto, presente há mais de 50 anos no cotidiano de sua audiência, seis dias por semana, a partir de três narrativas diferentes: a novela das seis, das sete e das nove (em se tratando da grade proposta pela Rede Globo), constitui um ritual compartilhado, capaz de familiarizar aqueles que a seguem com seus recursos narrativos, tendo reflexos nos comportamentos sociais e, de nosso interesse, no consumo, constituindo-se como uma “narrativa da nação e um novo espaço público de debate da realidade do país” (LOPES, 2009). Pensando nesta questão da ritualidade e do agendamento inerente às temáticas propostas pela novela, é possível destacar, com isso, a importância da telenovela na construção identitária da cultura brasileira, a partir de suas representações sociais e na formação de um imaginário coletivo, aqui pensado a partir da representação da favela.

A Representação Da Favela Como Espaço Social Possível Entendendo o espaço da favela como local possível de socialização nos termos da sociedade de consumo, compreendemos a presença de tal cenário na trama como uma estratégia de identificação com um público cada vez mais presente no discurso midiático na atualidade: o da classe C. A sociedade de consumo aqui abordada segue o pensamento de Baccega (2013, p.13) ao identificá-la como sendo uma característica da contemporaneidade na qual consumo e comunicação são faces da mesma moeda, são interdependentes. Nesta sociedade de consumo, que teve a duração substituída pela transitoriedade, o durável pela permanente novidade, o estar em movimento é mais importante que adquirir e possuir bens. Eliminá-los, substituindo-os, é imprescindível a esta sociedade que transforma tudo em mercadoria – até o próprio sujeito. Hoje, o consumo se coloca como um dos fatores classificatórios e definidores do modo de vida e constitui-se num dos padrões das relações entre os homens. (BACCEGA, 2013, p.18) Tendo a televisão posição de destaque nas práticas de consumo midiático, como já especificado, é natural que, a partir desse entendimento do consumo como característica própria da sociedade atual, possamos refletir sobre a dinâmica do consumo em geral – material e simbólico – dentro da trama ficcional. A ficção opera, portanto, no sentido de atender a demanda de seu público “consumidor”, impetrando uma identificação entre o conteúdo transmitido e sua

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) audiência. Nesse aspecto, a classe C 5 é identificada como sendo o público-alvo principal do meio por ser o grupo consumidor de televisão, uma vez que as pessoas de maior poder aquisitivo têm mais opção de lazer, cultura e informação e as de menor poder nem sempre têm acesso, ou mesmo motivação, pois não se sentem representadas nos conteúdos, seja pelo realismo, seja pelo sonho. (CUNHA; TONDATO e CASTILHO, 2013, p. 49) No cenário atual, devido à implantação por parte do Governo de programas de incentivo econômico e de facilitação de crédito, além de um aumento do emprego formal, houve um incremento substancial da classe C, já que tais incentivos contribuíram para a mudança no padrão de consumo da classe D, resultando no que se tem amplamente chamado de “nova classe média”. Em matéria publicada em agosto de 2008, intitulada “A nova classe média do Brasil”, a revista Época6 traçou um panorama sobre essa mobilização de classes sociais pela qual o país estava vivenciando naquele momento. A matéria apresenta uma manicure, moradora da favela da Rocinha no , com rendimentos financeiros entre R$ 1.500,00 e R$ 2.000,00 mensais. Ela e os dois filhos pequenos vivem numa casinha de 35 metros quadrados. Lá dentro, ela tem uma televisão de tela plana de 29 polegadas, nova, equipada com serviço de TV por assinatura e DVD. Fãs de Cartoon Network e Discovery Kids, as crianças assistem à televisão sentados nas cadeiras de uma pequena mesa de jantar, porque na sala apertada não cabe um sofá. O fogão de quatro bocas é antigo, mas o freezer e a geladeira Josineide acaba de comprar. Na laje, um extenso varal com roupas da moda e uma lavadora de última geração. “Compro tudo em parcelas a perder de vista”, diz ela. (Revista Época, 8 de agosto de 2008) Porém, tal ascensão econômica vivenciada por essa nova classe média não significou necessariamente uma mudança no perfil identitário desse grupo social. De acordo com Tondato (2014), o maior acesso das classes populares ao consumo, não

5 Para a FGV, uma família é considerada de classe média (classe C) quando tem renda mensal entre R$ 1.064 e R$ 4.591. A elite econômica (classes A e B) tem renda superior a R$ 4.591, enquanto a classe D (classificada como remediados) ganha entre R$ 768 e R$ 1.064. A classe E (pobres), por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$ 768. Fonte: http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/209-nova-classe-media acesso em: 14 de julho de 2015. 6 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10074-15204,00- A+NOVA+CLASSE+MEDIA+DO+BRASIL.html acesso em 15 de julho de 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) alterou os aspectos socioculturais desses indivíduos, nem mesmo a maneira como são percebidos pela sociedade e pelos meios de comunicação. Pensando mais diretamente na relação entre telenovela e consumo, a percepção de que aquela está presente nas relações cotidianas e no consumo material da população, é identificada por Tondato, Abrão e Macedo. As autoras declaram que o consumo, intrínseco à sociedade contemporânea, entra na trama ficcional para identificar personagens, situá-los socialmente, sendo os objetos com os quais eles se relacionam parte da sua representação, “apresentando, no processo, bens materiais revestidos de carga simbólica” (TONDATO; ABRÃO e MACEDO, 2013, p. 154). A novela atua, portanto, a partir desse panorama constituído por um discurso muito mais relacionado a aspectos econômicos, com objetivos comerciais, reafirmando certos estereótipos, do que propriamente reconhecendo e representando suas reais particularidades. Assim, a favela é apresentada como espaço social relevante, reproduzindo o discurso mercadológico e midiatizado. Desse modo, o que antes era representado como restrito ao espaço da periferia, caracterizado como de “exclusão”, esquecido e marginalizado, associado à violência, drogas e miséria no discurso do telejornalismo, por exemplo, assume característica de celebração, de valorização do ambiente como espaço social de produção de identidades coletivas, ou seja, um novo espaço de práticas de consumo através de uma identidade construída midiaticamente, como defende Barros, ao analisar a novela (Manoel Carlos, 2009) a partir da representação da periferia urbana: nesta direção, constata-se que os meios de comunicação, no caso em questão a televisão, funcionam como agentes significantes, produtores de sentido que não produzem a realidade, mas sim a definem. A violência exibida pela novela, com ares cinematográficos, pode resultar na glamourização da criminalidade. (BARROS, 2013, p. 5-6)

De Um Estereótipo Negativo Para Uma Favela Realista Como já exposto, analisamos o conjunto das telenovelas exibidas pela Rede Globo que apresentaram em suas tramas principais ou paralelas contextos sociais de favelas ao longo dos últimos 20 anos, a fim de identificar como se deu historicamente a representação destes espaços. Segundo Barros (2013, p. 1), “conteúdos baseados no

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) cotidiano das periferias urbanas” tem se tornado mais frequente a partir de 1995, abordagem impulsionada pela Retomada do Cinema Brasileiro. Desde então a favela vem sendo tratada como lugar representativo de exclusão. O que foi evidenciado pelo longa-metragem Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, que alcançou grande sucesso de público e crítica, agora é banalizado pela televisão, que cede o seu horário nobre para tratar do assunto. (BARROS, 2013, p.1) No levantamento realizado, destacamos 29 telenovelas (três delas exibidas no horário das 18 horas, oito no horário das 19 horas e 18 no horário das 21 horas), categorizadas conforme segue:  Abordagem temática – humor, conflitos de classes, preconceito racial e denúncia social;  Ambientação – ambiente único, ambientes plurais, favela realista.

Cabe aqui definirmos com mais clareza o que chamamos de favela realista. Dentro da perspectiva de que a produção ficcional de telenovelas na atualidade busca estabelecer uma relação entre o gênero televisivo e o cotidiano do público, podemos creditar tal aspecto ao surgimento das chamadas telenovelas realistas, em contraposição às telenovelas literárias (ou “de época”) e à telenovela comédia (TONDATO; ABRÃO e MACEDO, 2013), subgêneros que, apesar de suas diferentes especificidades, ainda convivem no espaço televisivo atual.

O subgênero das telenovelas realistas ganhou certo destaque ao aproximar-se do cotidiano do público, incorporando temas regionais, personagens de diferentes nacionalidades e raças, além da associação de datas comemorativas presentes no momento em que a novela se passa, como natal, réveillon etc. (TONDATO; ABRÃO e MACEDO, 2013). Esta definição nos levou a caracterizar o que entendemos como uma representação da favela mais próxima do cotidiano como favela realista, aspecto aqui problematizado na perspectiva de que agora é construído com vistas à identificação com um público, que pela primeira vez, vislumbra possibilidades de mobilidade social, ainda que a partir somente do acesso ao consumo material.

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Mapeando Os Cenários De Favela Nas Telenovelas A princípio, cabe destacar a maneira como organizamos os dados coletados no processo de mapeamento das telenovelas com temática de favela. Após a categorização já apresentada no tópico anterior entre abordagem temática e ambientação, segmentamos as novelas a partir de seus horários de exibição e apresentamos em tabelas assim definidas: panorama das novelas das 21 horas (tabela 1), das novelas das 18 horas (tabela 2) e das 19 horas (tabela 3). Numa primeira análise, destacamos que o aspecto mais presente nas tramas mapeadas se refere aos conflitos de classes, presente em 20 das 29 telenovelas analisadas. Tal constância nos faz percebê-lo como sendo inerente à trama ficcional televisiva. Os melodramas são constantemente associados à busca pela ascensão social ou a amores proibidos devido a diferenças entre classes. Conforme afirma Tufte (2004, p. 301), “uma parte significativa da popularidade das telenovelas está em fazer o sonho de ascensão social se tornar verdade: uma narrativa dramática com conflito social muito frequente leva a personagem principal a uma mobilidade social”. Analisando de maneira geral a tabela 1, é possível perceber a ênfase dada ao tema nas tramas das 21 horas, sendo enumeradas 18 das 29 tramas aqui analisadas. Como parte do horário nobre7 da programação da Rede Globo, traz temas mais adultos, contemporâneos e de merchandising social (introduzido principalmente por ). Fica mais evidente aqui a proliferação da temática de periferia que aponta que 10 das 19 novelas apresentam ambientes plurais de favela e seis delas representam a favela realista, sendo mais presente a partir de 2007.

7 “O prime time, ou ‘horário nobre’ das televisões, é o período de tempo, normalmente três horas, em que a programação atinge os maiores índices de audiência. Este horário tem uma correspondência direta com os ritmos cotidianos das populações – horário de final de dia de chegada a casa, jantar e lazer antes de dormir – e é, potencialmente, o horário de maior audiência”. (CUNHA; TONDATO e CASTILHO, 2013, p.37)

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Tabela 1 - Panorama das novelas das 21 horas Abordagem Temática Ambientação Conflitos entre Denúncia Ambiente Ambientes Favela Humor classes sociais Social Único Plurais Realista Explode Coração 1995 x x 1996 x x Por Amor 1997 x x 2001 x 2001 x x x 2003 2003 x x 2004 x América 2005 x 2007 x x x x Caminho das Índias 2009 x x x Viver a Vida 2009 x x x 2011 x x Avenida Brasil 2012 x x x x 2012 x x x x x Amor à Vida 2013 x x x Império 2014 x x x Babilônia 2015 x x x Até o ano de 2006, as representações da periferia figuravam majoritariamente núcleos familiares únicos, em abordagens pontuais, fazendo parte de sub-tramas e trazendo personagens caracterizados pelo humor e pela denúncia social. Apresentava- se apenas a ideia de subúrbio, de vida simples, como espaço de (con)vivência de um núcleo familiar restrito, sem ênfase em uma eventual representação intencional de identificação ou problematização de favela. Isso percebemos em Explode Coração (Glória Perez, 1995), (Miguel Falabella e Maria Carmen Barbosa, 1996), O Clone (Glória Perez, 2001) e Celebridade (, 2003), ou quanto muito realizou-se movimentos de denúncia social através do recurso de merchandising social8, como no caso de Por Amor (Manoel Carlos, 1997), Vila Madalena (Walter

8 “O merchandising social tem por objetivos: difundir conhecimentos; promover valores e princípios éticos e universais. Ex: defesa dos direitos humanos, voto consciente etc.; estimular a mudança de atitudes e a adoção de novos comportamentos (inovações sociais) frente a assuntos de interesse

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Negrão, 1999), Mulheres Apaixonadas (Manoel Carlos, 2003) e Senhora do Destino (Agnaldo Silva, 2004). Foi somente a partir da novela Duas Caras (Agnaldo Silva, 2007) que a favela foi representada com destaque cenográfico e dramatúrgico9, na perspectiva do realismo comentado anteriormente, inaugurando um novo olhar para a representação da periferia na telenovela, ainda que sem problematização da convivência com a violência e a criminalidade a que estão sujeitos seus moradores cotidianamente, enfatizando apenas seus aspectos de honestidade e caráter de batalha por uma vida melhor. A partir desta trama até 2015, tal representação figurou mais sete novelas, dentre elas Caminho das Índias (Glória Perez, 2009), Viver a Vida (2009), Avenida Brasil (João Emanuel Carneiro, 2012), (Claudia Lage e João Ximenes Braga, 2012), Salve Jorge (Gloria Perez, 2012), I Love Paraisópolis (Alcides Nogueira e Mario Teixeira, 2015) e Babilônia (Gilberto Braga, João Ximenes Braga e Ricardo Linhares, 2015). Destaca-se a novela Viver a Vida (2009) por abordar a violência na favela e o romance entre uma menina “normal” e um bandido perigoso da favela. Sandrinha (Aparecida Petrowki), irmã da protagonista Helena (Taís Araújo) apaixona-se por Benê (Marcello Melo Jr.) e corre sérios riscos ao decidir morar na favela para viver esse amor. A trama tenta representar a favela a partir do que se espera que seja a sua realidade, incorporando a violência, o crime, a vida conflituosa dos bandidos e a possível relação entre indivíduos de diferentes contextos sociais. Em novembro de 2010, a polícia do Rio de Janeiro, a partir do plano de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas da cidade dominadas pelo tráfico de drogas, ocupou as favelas do Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro10, “com o objetivo de retomar o controle armado desses territórios e ‘civilizar’

público, por exemplo, aleitamento materno, uso do preservativo, quebra de preconceitos etc.; promover a crítica social e pautar questões de relevância social, incentivando o debate pela sociedade, por exemplo, desarmamento, educação inclusiva etc.”. (LOPES, 2009, p.38) 9 Inclusive a própria vinheta de abertura desta novela trazia a representação de uma favela, através de uma maquete construída com sucata e material de reciclagem. 10 http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/ocupacao-do-alemao/invasao-e- pacificacao.htm visto em: 28 de junho de 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) seus moradores como condição para a integração desses territórios à cidade” (LEITE, 2012, p.364). O assunto foi amplamente discutido e relatado na mídia, recebendo inclusive um bloco jornalístico na Rede Globo intitulado Rio Contra o Crime, inserido ao longo da programação e dentro dos telejornais da emissora, auferindo notoriedade até internacional, no período de cobertura do acontecimento. A partir de um amplo agendamento por parte da mídia sobre a questão da pacificação das favelas do Rio de Janeiro, intencionando a constituição de um imaginário de segurança, já que a cidade iria ser sede de uma Copa do Mundo no ano de 2014 e a questão da segurança seria um item fundamental para a sua realização, a favela entrou na agenda social dos brasileiros e refletiu na temática das novelas em 2012, ano em que três novelas trouxeram a favela como cenário da trama e espaço de convivência cotidiana: Lado a Lado, Salve Jorge e Avenida Brasil. Tal fato confirma a ideia já discutida aqui da telenovela como “recurso comunicativo” trazida por Lopes, na qual ela entende a trama “como narrativa na qual se conjugam ações pedagógicas tanto implícitas quanto deliberadas que passam a institucionalizar-se em políticas de comunicação e cultura no país” (2009, p. 32). Em Lado a Lado (2012), a única produção aqui comentada exibida no horário das 18 horas, o enfoque dado foi o momento do nascimento das favelas do Rio de Janeiro, a partir de uma perspectiva histórica. Com o fim da escravidão, sem ter para onde ir, os escravos libertos aglutinam-se em cortiços próximos ao centro da cidade. Entretanto, com a necessidade política e ideológica de modernização, os mesmos são derrubados, obrigando seus moradores a se refugiarem no morro da Providência, constituindo a partir disso a primeira favela da cidade. Em Salve Jorge (2012), o Complexo do Alemão foi o cenário de desenvolvimento de um dos principais núcleos da trama, no exato período de sua pacificação. Além da protagonista Morena (Nanda Costa) ser moradora da favela, diversos outros personagens figuram esse espaço, fazendo parte de tramas variadas. Cabe aqui destacar o romance entre Morena (Nanda Costa) e Theo (). Ele, um oficial da cavalaria do Exército; ela, moradora da comunidade do Complexo do Alemão. O casal figurou a trama central da novela, trazendo um elemento forte e

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) ideológico desta nova maneira de representar a favela. Com a pacificação, diversos moradores retornam à comunidade e outros aproveitam-se do momento para conseguir retornos financeiros, explorando a favela como atração turística e como forma de melhorar seus comércios locais. Traficantes também são representados, diversificando a abordagem da favela até então apresentada em telenovelas. Conforme mostrado na tabela 1, nesta novela podemos identificar todas as categorias definidas como relevantes para o entendimento da representação social da favela (o único item não marcado foi o de “ambiente único”, já que a trama apresentou uma pluralidade de núcleos na favela). Em Avenida Brasil (2012), o cenário principal da trama é um bairro fictício localizado no subúrbio carioca, o Divino, onde é retratada a vida da nova classe média brasileira. Nessa representação, mesmo após a ascensão econômica, como no caso do personagem principal Tufão (Murilo Benício), que conquistou fama e dinheiro como jogador de futebol, os moradores permanecem no bairro, ao qual mantêm uma relação emocional. Como em Duas Caras, o subúrbio é retratado majoritariamente de maneira positiva, enfatizando a ligação afetiva com a periferia como característica da identidade de seus moradores. Na tabela 2, é possível perceber a baixa frequência do aspecto “favela” nas tramas das 18 horas. Apenas três novelas abordam o subúrbio, todas a partir do conflito entre classes sociais. Em geral, predominam novelas com temática histórica ou abordagens tratando de assuntos mais “água com açúcar” por assim dizer, por vezes até lúdicos, mais adequados à classificação horária, o que para nós justifica a distância em relação ao cotidiano da periferia, que mesmo glamourizada invariavelmente vai exigir sequências mais realistas. A exceção fica por conta de Lado a Lado, que trouxe uma significativa contribuição para essa tematização, como já mencionado, mas não deixou de abordar a questão da criminalidade com o personagem Caniço (Marcello Melo Jr.).

Tabela 2 - Panorama das novelas das 18 horas Abordagem Temática Ambientação Conflitos entre Denúncia Ambiente Ambientes Favela Humor classes sociais Social Único Plurais Realista Anjo Mau (Remake) 1997 x x 2010 x Lado a Lado 2012 x x x

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A tabela 3 traz um total de oito produções na faixa das 19 horas, ainda abordando questões pontuais. É frequente a abordagem a partir do humor, identificado em cinco das oito novelas. Três delas trazem a periferia a partir de ambientes plurais: (Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, 2012), (Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, 2013) e I Love Paraisópolis (2015). Esta última retrata a periferia de forma inédita para o horário, trazendo uma comunidade real da Zona Sul de São Paulo como cenário principal da trama. Segue-se aqui uma tendência de suavização da abordagem, assim como já relatado em Duas Caras e Avenida Brasil, todas trazendo uma representação da periferia de maneira mais idealizada.

Tabela 3 - Panorama das novelas das 19 horas Abordagem Temática Ambientação Conflitos entre Denúncia Ambiente Ambientes Favela Humor classes sociais Social Único Plurais Realista Salsa e Merengue 1996 x x Vila Madalena 1999 x x x 2004 x x Cobras e Lagartos 2006 x x Cheias de Charme 2012 x x x x Sangue Bom 2013 x x Geração Brasil 2014 x x I Love Paraisópolis 2015 x x x x

Considerações Finais Tendo em vista o importante papel da telenovela no imaginário coletivo e na formação das identidades na sociedade, devido à sua categorização como produto cultural ou até mesmo como “narrativa nacional”, como intitula Lopes (2009), consideramos que a presença cada vez mais frequente da favela como cenário social das tramas ficcionais seriadas pode repercutir na sociedade influenciando o imaginário coletivo sobre este espaço e seus moradores, até agora considerados sob uma perspectiva estereotipada sem correspondência com a realidade dos mesmos. Mesmo atendendo à lógica comercial do meio televisivo, fazendo da representação da favela mais um nicho de consumo pela importância da audiência daí originada, fica evidente que ao abordar as ocorrências cotidianas deste ambiente de uma

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) forma mais naturalizada, refletindo aspectos positivos, idealizados e até mesmo glamourizados, há um reforço da identificação com o público aí localizado. A telenovela, do ponto de vista aqui explorado, está em um processo de ressignificação do estereótipo corrente da favela, como no caso de Duas Caras, Salve Jorge, Avenida Brasil e I Love Paraisópolis, contrapondo-se com o discurso jornalístico mais voltado para destacar os aspectos da pobreza e da criminalidade. Nesse aspecto, a telenovela incorpora a periferia numa tentativa clara de apresentar a diversidade e complexidade de suas relações sociais, para além do que já se entende como inerente à sua realidade.

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