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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS JORNALISMO

A RETRATAÇÃO DA CIDADE DO RIO NA

AMANDA BASTOS LAZARONI

RIO DE JANEIRO 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS JORNALISMO

A RETRATAÇÃO DA CIDADE DO RIO NA TELENOVELA LADO A LADO

Monografia submetida à Banca de Graduação como requisito para obtenção do diploma de Comunicação Social/Jornalismo.

AMANDA BASTOS LAZARONI Orientador: Prof. Dr. Muniz Sodré de Araújo Cabral

RIO DE JANEIRO 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

TERMO DE APROVAÇÃO

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia A Retratação da Cidade do Rio na Telenovela Lado a Lado, elaborada por Amanda Bastos Lazaroni.

Monografia examinada: Rio de Janeiro, no dia ...... /...... /......

Comissão Examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Muniz Sodré de Araújo Cabral Doutor em Letras pela Faculdade de Letras – UFRJ Departamento de Comunicação – UFRJ

Prof. Fernando Antonio Mansur Barbosa Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação – UFRJ Departamento de Comunicação – UFRJ

Prof. Eduardo Granja Coutinho Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação – UFRJ Departamento de Comunicação – UFRJ

RIO DE JANEIRO 2014

FICHA CATALOGRÁFICA

LAZARONI, Amanda Bastos. A Retratação da Cidade do Rio na Telenovela Lado a Lado. Rio de Janeiro, 2014.

Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação – ECO.

Orientador: Muniz Sodré de Araújo Cabral

LAZARONI, Amanda Bastos. A Retratação da Cidade do Rio na Telenovela Lado a Lado. Orientador: Muniz Sodré de Araújo Cabral. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo.

RESUMO

A monografia trata da constituição da cidade do Rio de Janeiro na novela Lado a Lado, escrita por Claudia Lage e João Ximenes Braga, exibida pela Rede Globo de setembro de 2012 a março de 2013, no horário das 18h. A retratação do período histórico da belle époque carioca na mídia é compatível com a função pedagógica e social assumida pela telenovela no Brasil, que é ressaltada no trabalho. O período histórico e o pensamento da elite na virada do século XIX para o XX, que consumia e copiava as culturas britânica e francesa de forma acrítica, são discutidos. Após contextualizar o momento verdadeiro da história, os pontos cruciais do folhetim são analisados: a retratação da mulher e do negro e os elementos brasileiros inseridos na narrativa para que o brasileiro se sinta parte de uma identidade nacional. Lado a Lado foi diferente de outras de época, e é isso que este trabalho pretende analisar.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que me criou e foi criativo nesta tarefa; Agradeço aos meus pais, José Alexandre e Carla, que me apoiam em tudo com vigilância preocupada; Ao meu irmão, Guilherme, que tanto pedi para ter; Aos avós, Domingos (que foi o primeiro a dizer: “minha filha, escolha a UFRJ”), Maria Helena, Paulo e Maria Eleonora, que fizeram o que puderam por mim – morando perto ou longe; Aos professores que tive, geniais e incansáveis; À prima Caroline, que me ajudou a concluir a monografia; E às amigas, que enalteceram minhas qualidades e aguentaram meus defeitos. Esta e todas as minhas demais conquistas são dedicadas a vocês.

Índice

1. INTRODUÇÃO ...... 1

2. A RELAÇÃO DO BRASILEIRO COM A TELENOVELA ...... 5

2.1. Origens ...... 5

2.2. A construção da identidade nacional ...... 8

3. A BELLE ÉPOQUE CARIOCA ...... 13

3.1. O pensamento da elite cultural ...... 13

3.2. Os socialmente excluídos ...... 17

4. OS PERSONAGENS DA TELENOVELA LADO A LADO ...... 22

4.1. A representação da mulher...... 22

4.2. A representação do negro ...... 26

5. OS ELEMENTOS BRASILEIROS NA TELENOVELA LADO A LADO ...... 31

5.1. O candomblé ...... 31

5.2. O samba ...... 35

5.3. O futebol ...... 37

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 41

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 44

1

1. INTRODUÇÃO

A telenovela Lado a Lado, escrita por Claudia Lage e João Ximenes Braga, foi exibida pela TV Globo de 9 de setembro de 2012 a 8 de março de 2013, no horário das 18h. O folhetim, que ganhou o Emmy Internacional de melhor telenovela em 2013, conta a história de duas mulheres, Laura e Isabel, que buscam conciliar amor e liberdade na conservadora sociedade carioca do início do século XX. Laura é filha de uma ex- baronesa e deseja trabalhar como professora; Isabel, por sua vez, é filha de um ex- escravo e trabalha como empregada doméstica desde os 14 anos. O Rio de Janeiro da belle époque carioca era o centro heterogêneo e segregador de um Brasil que tentava se reinventar como República. A elite carioca passou por um processo de colonização cultural, reproduzindo de maneira acrítica valores e ideais ingleses e franceses. Embora se modernizasse, o país continuava vivendo os aspectos dominadores do Segundo Reinado, como mostra Jeffrey D. Needell: “[...] a elite carioca reconciliou mudança onipresente com a manutenção de uma hierarquia social. O resultado foi uma evolução sob os auspícios da elite: mudança contida pela, e reforçando a, hierarquia.” (1998, p. 371). Needell (1998) explica que a administração de Campos Sales como presidente (1898 – 1902) enfatizou a estabilidade econômica através de um conservadorismo financeiro e fortes relações de crédito estrangeiro. Sales assegurou que os estados apoiariam o Governo Federal em troca de políticas que beneficiavam várias elites localmente estabelecidas:

O consenso da elite era de que a base natural agrária do país estava irresponsavelmente abalada, empobrecida por uma intervenção econômica do Estado corrupta e não natural, e ameaçada por feias lutas civis. Era tempo de estabilizar a economia e a política de um modo laissez-faire econômico, autoridade presidencial aceitável e reestabelecimento da hegemonia da elite. (NEEDELL, 1987, p. 17).

Com a elite do Brasil Império reestabelecida na República e as fortes relações econômicas firmadas com outros países, os âmbitos cultural e ideológico seguiram a tendência europeia. Segundo Muniz Sodré, “a ‘europeização’ – absorção de aparências de cultura europeia – dava status, compensava handicaps raciais, como pele não perfeitamente clara, mulatice etc. e criava distâncias, ao nível do espaço real, em face da 2 população negra.” (2002, p. 36). A burguesia urbana estava de acordo com esses pensamentos elitistas em particular, como ressalta Teresa Meade:

Mas as aspirações da última por civilização geralmente paravam na instituição de melhorias materiais reais nas vidas da classe trabalhadora e pobre. Eles copiavam a moda europeia, adotavam seus padrões de alta cultura e focavam sua atenção no que podia ser feito para tornar as cidades brasileiras, especialmente a capital, mais parecidas com as grandes cidades da Europa. (MEADE, 1997, p. 19).

Essa diferenciação social e territorial se deu de forma destacada no Rio de Janeiro, então capital da República.O trabalho de conclusão de curso pretende expor a constituição desse Rio inserido na novela Lado a Lado, ressaltando sua importância, compatível com a função pedagógica e social assumida pela telenovela na América Latina. Segundo Sodré (1988), o pedagogismo, intenção clara de se ensinar alguma coisa, é característico dos best-sellers, literatura de mercado da qual o folhetim é parte:

Através daí vislumbra-se a ideologia do autor, que é a de um socialdemocrata com pendores esquerdistas, preocupado com a fraternidade entre as classes sociais e convencido de que uma mudança de atitudes dos ricos ajudaria a combater efetivamente a miséria. O pedagogismo é uma tentativa de resposta a questões reais (a cidade e suas injustiças) levantadas pelo romancista. (SODRÉ, 1988, p. 8 – 9).

A partir dos anos 1980 e 1990, as telenovelas começaram a abordar temáticas sociais, políticas e a liberação de costumes. A função social veio através da tentativa de conscientização das pessoas a respeito de temas como cidadania e a situação política e econômica do país. Jesús Martín-Barbero diz que, “antes de ser um meio de propaganda, o melodrama será o espelho de uma consciência coletiva.” (1997, p. 170). Há um reconhecimento de identidade por parte dos brasileiros ao assistir às tramas, sentimento esse que transcende classes sociais, constituindo um só público. Segundo Sodré (1988), a telenovela constituiu-se como único grande produto da narrativa de massa brasileira por consequência de uma deficiência do setor impresso. Essa deficiência estaria diretamente relacionada às dificuldades que a indústria nacional do livro precisou enfrentar desde o princípio, como o reduzido público leitor do país e a sufocação do produto nacional pelas multinacionais da editoração.

Textos de massa são predominantemente épicos, apresentando padrões e arquétipos – como o herói, descendente de um rei ou um de deus, que precisa passar por 3 determinadas provações para conquistar a mulher amada (SODRÉ, 1988). O personagem Zé Maria, interpretado por Lázaro Ramos, passa por essa iniciação heroica, mas quebra o paradigma do herói que vem da elite: Zé Maria é negro, mora no Morro da Providência, luta capoeira e trabalha em uma barbearia no centro da cidade. Ele se destaca em seu grupo social como uma individualidade solidária, redentora, exatamente como Sodré (1988) define os heróis dos best-sellers. Lado a Lado retratou a discriminação racial, religiosa e social presente na sociedade brasileira da virada do século XIX para o XX (que permanece). As críticas, porém, aparecem na telenovela da mesma forma que o fazem em outros best-sellers: como um “discurso da história [grifo do autor], isto é, como algo externo à ficção, que penetra no texto com foros de informação verdadeira.” (SODRÉ, 1988, p. 16). Considerando-se a relação do brasileiro com a telenovela e o fácil acesso que o povo tem à televisão, é importante que haja informação verdadeira em meio às tramas – e, no caso de Lado a Lado, trata-se de informação sobre a história do Brasil. Muito da sociedade que somos hoje é consequência da passagem de Império para República, e, em um período de descontentamento geral com a política e a desigualdade, é válido que se conheça um pouco de sua própria história. Para João Ximenes Braga, Lado a Lado se diferencia das demais novelas de época por causa dos eventos históricos retratados ao longo dela. “A maioria das novelas de época retrata o comportamento da época, sem atingir, a não ser de leve, os fatos históricos. Nossa preocupação era com a dramaturgia. Retratamos a Revolta da Chibata porque aquilo deu todo um manancial de boas cenas e estofo psicológico para o protagonista Zé Maria. Essa ideia não é nova, porém, Hollywood faz muito isso. Como a Guerra Civil em E o Vento Levou. Não era um filme sobre a Guerra Civil, mas sobre uma mulher que tinha sua vida alterada pela Guerra Civil”, explicou o autor.1 Além disso, o folhetim trouxe como poucos anteriores as perspectivas diferentes destes acontecimentos históricos. Vemos os eventos se passando nas vidas de Laura e Isabel, as protagonistas, com pesos diferentes, e percebemos a influência da classe, raça e credo na vida das pessoas – algo pouco comentado em telenovelas que não sejam ambientadas exclusivamente na época da escravidão. Elementos afro-brasileiros são destacados desde o primeiro capítulo da novela, como o samba, o candomblé e a culinária baiana.

1 Entrevista concedida à autora por e-mail em 14/10/2014. 4

A última cena da novela, de Zé Maria e Isabel se casando no candomblé, enfatizou de forma única a religião africana. Ainda que outras telenovelas, retratadas na Bahia e baseadas em Jorge Amado, tenham representado bem a religião, encerrar uma novela com o ritual de união tem uma ênfase grande. João Ximenes Braga contou que, em termos de pioneirismo, o folhetim foi o primeiro a iniciar os créditos com o nome de um casal de protagonistas negros2 (verdadeiro avanço para a televisão brasileira, que, como será visto ao longo do trabalho de conclusão de curso, muito pecou e ainda peca em termos de representatividade). Apesar do clima de reconciliação entre os personagens e das lições devidamente aprendidas pelos vilões, Lado a Lado sugeriu, ao mostrar o Rio de Janeiro ao fim da novela, que as disparidades não terminaram. Aliás, pelo contrário: ainda há muito que podemos aprender sobre nossa realidade, conforme dito anteriormente, estudando essa época da história do Brasil. Para realizar este trabalho, que é expositivo, foram feitas pesquisas sobre o período histórico real e o ficcional, representado na telenovela, ressaltando os pontos cruciais de ambos. Foi feita uma comparação entre o retrato dos negros em Lado a Lado e em outras telenovelas de época, explicando o motivo de esse folhetim ter sido diferente dos demais. O autor da novela foi ouvido e explicou um pouco sobre a pesquisa realizada pela equipe e sobre os índices de audiência. O objetivo do trabalho não é discorrer sobre todos os eventos que se passaram no Brasil durante o início da República e da belle époque carioca, mas sim sobre a retratação dessa época na mídia.

2 Entrevista concedida à autora por e-mail em 14/10/2014. 5

2. A RELAÇÃO DO BRASILEIRO COM A TELENOVELA

Há uma literatura que, segundo Martín-Barbero (1997), tornou possível para as classes populares a passagem da narrativa oral para a escrita, na qual há transformação do folclórico em uma “indústria” de narrativas e imagens. Essa literatura, chamada de cordel na Espanha e colportage na França, inaugurou outra função para a linguagem: “a daqueles que sem saber escrever sabem contudo ler. Escritura portanto paradoxal, escritura com estrutura oral.” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 143). Esse processo de “enculturação” foi colocado em marcha no século XVII.

2.1. Origens

No período do Romantismo, foi construído pela primeira vez um imaginário que elevava o que vinha do povo ao status de cultura (MARTÍN-BARBERO, 1997). Isso aconteceu devido aos ideais nacionalistas dos românticos, que desprezavam o utilitarismo burguês, valorizavam a ideia de coletividade e do herói que “se levanta e faz frente ao mal” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 26). Antes dessa “descoberta do povo”, o que era popular tinha conotação negativa: “que sintetiza para os ilustrados tudo o que estes quiseram ver superado, tudo o que vem varrer a razão: superstição, ignorância e desordem.” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 24). A burguesia teria sido legitimada através da exclusão da participação do povo no campo da cultura, separando os cultos dos incultos. “Voltaire o dirá sem evasivas: são outros os prazeres - diferentes daqueles do saber - e ‘mais adequados a seu caráter’ os que o governo deve buscar para o povo.” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 25). Em 1836, dois jornais parisienses, La Presse e Le Siécle, começaram a publicar narrativas escritas por novelistas da moda. O folhetim francês passou por três fases: a primeira, de romantismo social; a segunda, de aventura e intriga; e a terceira, reacionária, traduzindo o pânico da sociedade diante de acontecimentos da comuna (MARTÍN-BARBERO, 1997). Esse novo modo de leitura rompeu com o isolamento do escritor, pois, por ser um trabalho contínuo, o novelista conseguia identificar se estava agradando ou não ao público com sua história. Há uma obra, segundo Sodré (1988), que é considerada o texto modelar da literatura de massa: Os mistérios de Paris, de Eugène Sue, publicado a partir de 1842 no Le Journal des Débats. A novela conta a história de Rodolfo de Gerolstein, um príncipe 6 alemão rico, justo e bom, que enfrenta provações em sua vida particular (um amor infeliz e a suposta morte da criança nascida desse amor). A história se passa na Paris da primeira metade do século XIX, expondo as mazelas sociais e injustiças na cidade.

É o tipo de matéria narrativa capaz de encantar um público burguês sequioso de entretenimento e emoções fáceis. Isto efetivamente acontece. Mas, à medida que avança a narrativa, o próprio proletariado acaba se reconhecendo nas descrições feitas por Sue, identificando-se com os personagens e ampliando o raio de alcance social da novela. A revelação de que o crime e a miséria são gerados por condições injustas, os discursos em prol da salvação coletiva através da fraternidade cristã, as ideias de reforma penal e outras tomadas de posição fizeram com que a narrativa exercesse uma poderosa influência sobre as classes populares francesas, a ponto de se dizer que Os mistérios de Paris é uma das causas prováveis da insurreição de 1848 na França. (SODRÉ, 1988, p. 7 – 8).

O efeito da literatura de massa no imaginário da sociedade permaneceu: ela mobiliza pessoas de diferentes classes sociais conforme a narrativa é construída (efeito este que foi herdado pela telenovela). Ainda segundo Sodré (1988), quatro aspectos da novela de Sue merecem destaque: o mítico, referente aos arquétipos dos personagens; a atualidade informativo-jornalística, que põe o leitor a par dos grandes acontecimentos e discussões do momento; o pedagogismo, caracterizado por uma tentativa de ensinar alguma coisa; e a retórica culta ou consagrada, isto é, a forma de escrever tradicional, em que não há inovação para a língua nacional. A estrutura “tensão/afrouxamento, nova tensão/novo afrouxamento, etc.” (SODRÉ, 1988, p. 9) é utilizada para prolongar um romance que está sendo bem sucedido com o público. Em relação aos arquétipos utilizados na narrativa, Martín-Barbero (1997) resgata alguns do teatro melodramático de 1800 (que influenciam as narrativas folhetinescas até hoje). São eles: o traidor, personificação do mal e da sedução; a vítima, que representa a virtude; o justiceiro, personagem que salva a vítima; e o bobo, responsável pela parte cômica e leve da história (desde sempre popular). Martín-Barbero (1997) diz que em países da América Central e do Sul, onde ocorreram diversas lutas de libertação e migração de políticos, houve não só mestiçagem racial como também cultural. Por “mestiçagem cultural” entende-se a trama descontínua de “memórias e imaginários que misturam o indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore com o popular e o popular com o de massivo.” (MARTÍN- BARBERO, 1997, p. 16). 7

Lopes (2002) explica que a influência do folhetim na sociedade brasileira está diretamente relacionada ao bem sucedido repertório comum presente nas tramas, por meio do qual pessoas de classes sociais, sexo, gerações e regiões distintas se reconhecem (em concordância com a ideia de mestiçagem cultural de Martín-Barbero). Esse reconhecimento, essa ideia de ser parte de um todo (o país), é reforçada nos chamados romances de época, como é o caso da telenovela Lado a Lado. O Romantismo na América Latina se utilizava dessa literatura para criar uma identidade nacional, incorporando nela os ideais revolucionários burgueses da época:

[...] a finalidade da maioria destes novelistas foi contribuir para a criação de uma consciência nacional, familiarizando seus leitores com os personagens e sucessos do passado; e respaldar a causa política dos liberais contra os conservadores, que se identificavam com as instituições políticas, econômicas e religiosas do período colonial. (MENTON, apud SILVEIRA, 2008, p. 160).

Sodré (1988) diz que o folhetim não pode ser dissociado da história da grande literatura romanesca do século XIX. Sue, Alexandre Dumas, Paul de Kock, Charles Dickens e Walter Scott, por exemplo, eram todos folhetinistas. Essa forma de escrever foi importada e adaptada pela literatura brasileira: é o caso dos romances de Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, José de Alencar, Visconde de Taunay e outros. Segundo Martín-Barbero (1997), as condições estabelecidas pelo folhetim erguem entre escritor e texto uma mediação institucional com o mercado, que reorienta e rearticula a intencionalidade artística do escrito. Sodré diz que, com a literatura de massa, não está em primeiro plano a questão da língua nem da técnica romancesca, mas sim os conteúdos fabulativos: “[...] é o mercado, e não a escola, que preside às condições de produção do texto.” (1988, p. 15). Isso quer dizer que o trabalho do escritor está, no folhetim, condicionado ao mercado e ao interesse do público.

É importante ter em mente o seguinte: o circuito ideológico de uma obra não se perfaz apenas em sua produção, mas inclui necessariamente o consumo. Em outras palavras, para ser “artística”, ou “culta”, ou “elevada”, uma obra deve também ser reconhecida como tal. Os textos que estamos habituados a considerar como cultos ou de grande alcance simbólico assim são institucionalmente reconhecidos (por escolas ou quaisquer outros mecanismos institucionais), e os efeitos desse reconhecimento realimentam a produção. A literatura de massa, ao contrário, não tem nenhum suporte escolar ou acadêmico: seus estímulos de produção e consumo 8

partem do jogo econômico da oferta e procura, isto é, do próprio mercado. (SODRÉ, 1988, p. 6).

A relação forte do brasileiro com o jornal e a falta de um mercado editorial de massa significativo (SODRÉ, 1988) criaram as condições ideais para o estabelecimento do folhetim no país.

2.2. A construção da identidade nacional

A primeira radionovela transmitida no país, que foi ao ar no dia 1º de junho de 1940, foi escrita pelo cubano Leandro Bianco e se chamava Em Busca da . A história era baseada em um triângulo amoroso, e seu sucesso foi tamanho que as ruas ficavam vazias no horário de transmissão (REBOUÇAS, 2009). Nos anos 50, quando a televisão ainda “engatinhava” no Brasil (REBOUÇAS, 2009, p. 4), o folhetim foi adaptado para a televisão, seguindo a forma e o conteúdo utilizado no rádio.

Quando foi ao ar Sua Vida Me Pertence, em 1951 (Tupi), teve início o protótipo da novela atual, mas com apenas dois capítulos exibidos por semana. Por isso, o título oficial de ‘primeira novela brasileira’ ficou sendo de 2-5499 Ocupado, de 1963 (Tupi), esta sim veiculada diariamente. As produções latinas (mexicanas, argentinas e cubanas) eram as principais referências, com muitas adaptações recheadas de histórias e personagens exóticos, além do alto teor melodramático como adaptações de obras literárias, como Os Miseráveis, de Victor Hugo. O primeiro grande sucesso de audiência veio com O Direito de Nascer (1965), apresentada pela TV Tupi, que marcou definitivamente a ascensão do gênero. A telenovela tornou-se então uma inconfessável paixão nacional, quase uma mania. (REBOUÇAS, 2009, p. 5).

Apesar de todos os folhetins terem características comuns, como citado no subcapítulo anterior, faz sucesso aqui no Brasil o teledrama que nacionaliza conteúdos significativos (SODRÉ, 1988). Segundo Motter, “Ao trabalhar com os discursos presentes no amplo universo social, marca-se sintonia, simultaneidade, cumplicidade no compartilhamento de referenciais capazes de assegurar a interação entre os sujeitos da comunicação, situados em diferentes lugares sociais.” (2000, p. 78). O espectador se identifica com personagens que têm uma realidade socioeconômica parecida com a sua, e é aí que se encontra a importância do merchandising na narrativa: na identificação do público com as roupas que aquele personagem usa ou banco onde guarda seu dinheiro, por exemplo (SODRÉ, 1988). 9

Assim, os lugares nobres da produção editorial de caráter informativo, onde tradicionalmente o estilo mais próximo do literário se exercia buscando preservar a prática de uma retórica ligada à chamada alta cultura, sem concessões ao massivo (Martín-Barbero), voltam-se, paulatina- mente, para a comunicação ao entender que seu universo de leitores é ou deve ser maior que uma reduzida elite. Ao trabalhar com os discursos presentes no amplo universo social, marca-se sintonia, simultaneidade, cumplicidade no compartilhamento de referenciais capazes de assegurar a interação entre os sujeitos da comunicação, situados em diferentes lugares sociais. Longe de menosprezar a antiga cultura, ou cultura clássica, queremos apontar a vantagem de colocá-la em diálogo com a cultura massiva do presente, ampliando as possibilidades de acesso e de compreensão daquela num processo de legitimação e de rompimento dos muros que isolam em diferentes espaços diferentes expressões da cultura produzida por homens genericamente iguais e desigualmente estratificados socialmente. Incluídos e excluídos na produção/distribuição do capital cultural acumulado no processo histórico de desenvolvimento humano. (MOTTER, 2000, p. 78).

É por isso, segundo Sodré (1988), que histórias de famílias riquíssimas em busca de poder, como na série norte-americana Dallas, não comovem o público brasileiro. Nem sempre, porém, a nacionalização dos conteúdos foi valorizada. A telenovela brasileira era o resultado óbvio da combinação de “[...] conteúdos cubano-argentinos com elementos do soap opera (dramalhão) norte-americano.” (SODRÉ, 1988, p. 67). Janete Clair, a mais importante autora de telenovelas do país, foi quem começou a nacionalizar os folhetins com seu primeiro sucesso: Irmãos Coragem (1970). Ela combinou elementos do folhetim à maneira de Eugène Sue e da fase cubana com outros, mais novos, “instaurando uma linha definida por uma visão atenta da classe média, do sujeito urbano que enfrenta a voragem do progresso ou do lucro. A ideologia do Sudeste brasileiro penetrava, assim, na trama folhetinesca.” (SODRÉ, 1988, p. 68). De fato, desde os anos 70 e 80 até o presente momento (2014), os estados do Rio de Janeiro e São Paulo continuam sendo os principais cenários urbanos das narrativas folhetinescas – que é o caso inclusive da telenovela Lado a Lado, objeto de estudo deste trabalho, mas por questões mais históricas que ideológicas. A temática exclusivamente em torno da elite, porém, começará aos poucos a mudar:

A partir dos anos 1980 e 1990, as telenovelas começaram a abordar as temáticas sociais, políticas e a liberação dos costumes. Elas foram cada vez mais ganhando uma função social, educativa e informativa, fundamental para as mudanças necessárias ao país, e para a conscientização a respeito de temas como cidadania, a situação 10

política e econômica de regiões distantes. A novela apresenta ainda uma identidade híbrida, onde as pessoas transitam entre as diferentes culturas, com referente universal que retrata e determina comportamento, seja escrita em ‘narrativa ficcional’, ou seja, baseada na ficção. (REBOUÇAS, 2009, p. 7).

Não é possível falar de identidade sem ressaltar o papel da memória coletiva na cultura de massa. Por ter como base da narrativa o presente e, frequentemente, resgatar o passado, a telenovela é lugar de recuperação, reconstrução, produção, atualização, irradiação e manutenção de memória (MOTTER, 2000). Há um compartilhamento de saberes com o público, e o telespectador registrará isso de algum modo: “Ao lado de uma história da ciência, temos uma história vivida que constitui a memória coletiva, sujeita a deformações, mitificações e anacronismos. Ela é ao mesmo tempo um dos objetos da história e um nível elementar de elaboração histórica.” (MOTTER, apud MOTTER, 2000, p. 77).

A década de 1990 foi marcada pela guerra de audiência. Se o telespectador trocasse de canal por não gostar de uma trama, ajustava-se a obra ao seu gosto. Foi assim com , de , em 1991, e Torre de Babel, de Silvio de Abreu, em 1998. O SBT, apesar de continuar importando dramalhões latinos, chegou a investir em alguns títulos com requintada produção, como o remake de Éramos Seis, de Silvio de Abreu e Rúbens Ewald Filho, em 1994. Uma novela produzida pela Manchete conseguiu abalar a audiência da Globo: Pantanal, de Benedito Ruy Barbosa, em 1990. A Globo recusara a sinopse e Benedito apresentou-a então à Manchete. A novela foi um sucesso absoluto, e fez com que o autor tivesse seu talento reconhecido. De volta à Globo, Benedito ganhou status e regalias de um autor de horário nobre, e escreveu alguns dos maiores êxitos da década, como (1993) e (1996). A chegada do novo século mostrou que a telenovela evoluiu desde o seu surgimento. Mudou na maneira de se fazer, de se produzir. Virou uma indústria, que forma profissionais e que precisa dar lucro. A guerra da audiência continua e agora mais do que nunca. Mas a telenovela ainda está calcada no melodrama folhetinesco, pois sua estrutura é a mesma das antigas radio novelas. O maior exemplo disso é “” (2000 – Globo), de Glória Perez, um sucesso arrebatador, um “novelão assumido”. (REBOUÇAS, 2009, p. 7 – 8).

Segundo Lopes, a novela produz uma espécie de fórum de debates sobre o país, “pois capta e expressa a opinião pública sobre padrões legítimos e ilegítimos de comportamento privado e público” (2002, p. 12). Segundo Sodré (1988), a telenovela supre a inexistência de uma literatura de massa vasta no Brasil, assumindo, como único 11 grande produto de massa, as características típicas dessa literatura (com destaque para os debates sociais, que formam a opinião pública de que fala Lopes).

A abertura do folhetim para o real-histórico (para a ideologia) permite a incorporação de informações sobre a dinâmica modernizadora da sociedade urbana nacional e relança continuamente ao nível das famílias (grupos receptores nacionais da telenovela) doutrinas e ideias correntes (liberação sexual, novas formas de relacionamento amoroso, novos regimes de casamento), assim como “ensina” a consumir. (SODRÉ, 1988, p. 66).

É criado um laço social que pressupõe um telespectador ativo, não mais passivo: a construção da identidade do sujeito seria feita “[...] a partir de suas relações com outros indivíduos e com a sociedade na qual se inserem. E hoje essa relação é mediada também pelos meios de comunicação.” (MARTINS, 2008, p. 2). Por criar identidades individuais e coletivas, a televisão é vista, hoje, como forma de cultura – e com importante papel didático, por veicular informação de fácil acesso a pessoas de diferentes classes sociais. “Para haver comunicação, é ‘preciso que haja identidade construída, uma vontade de intercâmbio, uma interação, uma linguagem e valores comuns’.” (WOLTON, apud MARTINS, 2008, p. 3).

[...] a novela pedagógica não seria outra coisa que um instrumento poeticamente sofisticado para persuadir ou convencer o leitor da verdade de alguma coisa e, se essa verdade for do tipo moral, para exortá-lo a atuar de determinada maneira. Por outro lado, a novela seria basicamente comunicativa, no sentido de que a relação entre o autor e o leitor seria similar à que existe entre um professor e seu aluno, um pregador e sua audiência ou um orador e seu público. O emissor teria um projeto explícito sobre o destinatário e tentaria assegurar-se da eficácia da transmissão, isto é, da realização sem desvios de seu projeto. (LAROSSA, 1999, apud MOTTER e JAKUBASZKO, 2007).

Quando o autor/roteirista insere na trama assuntos polêmicos, germina inquietação e debates no ambiente social, oferecendo uma experiência viva de movimentos que ainda estão em andamento (MOTTER & JAKUBASZKO, 2007). Para atender o gosto de todos, a telenovela se torna homogênea (MARTINS, 2008), ou seja, ela recorta a realidade e trabalha com problemas universais (MOTTER, 2000). Ao inserir no folhetim debates intensos, cria-se tematização ou denúncia. Na primeira, a telenovela abordará a questão social de forma frontal, fazendo dela o centro da 12 narrativa; na segunda, a questão será abordada de forma mais lateral e não roubará tanto a cena (MOTTER & JAKUBASZKO, 2007). A maior parte dos debates e focalização de temas sobre a realidade brasileira poderia ser encontrada, portanto, na programação da TV Globo. A hegemonia da Rede Globo, fundada pelo empresário Roberto Marinho em 1965, permite que se perceba a influência da televisão na sociedade brasileira. Quando alguém não assiste a uma novela de TV, essa pessoa é excluída de determinadas conversas sociais por não poder manifestar opinião sobre a trama: é a função de agenda setting (MARTINS, 2008). Em suma:

Falar em televisão no Brasil hoje só é possível se também discutirmos o papel da Rede Globo de Televisão na construção de uma identidade nacional. A emissora, que produz a maior parte de sua programação em seus estúdios no Rio de Janeiro e em São Paulo, transmite um sinal de TV de qualidade e veicula imagens plasticamente bem produzidas e editadas, seguindo o Padrão Globo de Qualidade, o que se reflete em toda a sua programação. A TV Globo também orienta os telespectadores quanto ao conteúdo de suas produções, influenciando normas e padrões de consumo. (REBOUÇAS, 2009, p. 4).

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3. A BELLE ÉPOQUE CARIOCA

Antes de comentar sobre os pontos cruciais encenados na telenovela Lado a Lado, é necessário explicar alguns pontos sobre a realidade da época. Em 1898, quando Campos Sales assumiu o poder, começaram a ser feitas reformas urbanas no Rio de Janeiro. Para a elite da cidade, os dias de revolução, que marcaram a passagem de Império para República, estavam terminados: “O tempo de estabilidade e uma vida urbana de elegância estava ao alcance da mão novamente.” (NEEDELL, 1987, p. 19).3

3.1. O pensamento da elite cultural

O período de 1880 a 1897 foi marcado pela emergência e derrota do reformismo e revolução urbanos, que falharam na tentativa de mudar a orientação tradicional elitista de governo. As mudanças realizadas foram suficientes para afetar o curso da República sem destruir o poder da elite agrária e seus aliados (Needell, 1987). Após o governo dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, Campos Sales administrou a República (1898 – 1902), estabelecendo o poder da oligarquia cafeeira através da Política dos Governadores (ou seja, estabilizando o domínio das elites).

A modernidade, a qual tanto se aspirava, se materializava na tentativa de eliminação dos costumes tradicionais, os quais estavam associados aos tempos coloniais, bem como havia um esforço político em se construir uma imagem de uma cidade moderna. Por esse motivo, eram combatidas e perseguidas as práticas ligadas aos costumes populares, com a proibição de animais no perímetro urbano, a proibição às festas tradicionais populares e a demolição de cortiços, considerados insalubres. Tudo isso, ao lado da construção de grandes avenidas, teatros, cafés, cinemas e confeitarias, faziam com que as nossas cidades tomassem ares de embelezamento, ainda que a modernidade e o progresso tivessem sido implantados de cima para baixo e destinada somente às camadas mais privilegiadas. Havia uma forte apologia ao refinamento, o que era expresso na elegância das lojas da Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, nos automóveis em circulação na Avenida Central, na indumentária dos homens e mulheres das classes mais abastadas e, sobretudo, na adoção da língua francesa como signo de requinte e modernidade. (NASCIMENTO, 2012, p. 2).

Rodrigues Alves, que governou o país de 1902 a 1906, se considerava o representante das antigas e novas forças: homem de estado conservador e Conselheiro

3 Tradução da autora. “The time for stability and an urbane life of elegance was at hand again.” 14 durante o Império, governou posteriormente São Paulo, onde combateu epidemias por meio de reformas modernas. Ao apontar Pereira Passos como prefeito da cidade, Rodrigues Alves abriu caminho para a “francificação” do Rio (NEEDELL, 1987, p. 33). O sanitarista Oswaldo Cruz foi escolhido para livrar o Rio da praga, febre amarela e varíola. O combate à insalubridade surge como uma exigência de banqueiros e industriais, mas também como “ressonância ideológica” de doutrinas europeias (SODRÉ, 2002, p. 41). A população atingida pelo bota-abaixo de Pereira Passos teve que ir para os morros adjacentes, Cidade Nova e subúrbios da Central. “Nessa percepção, é possível entender um dos temas centrais da elite cultural do século XIX – negação e evasão. Pois, nas mudanças da belle époque, a elite celebrou não só o que foi feito, mas o que foi desfeito.” (NEEDELL, 1987, p. 45).4 Para a elite do Rio, tudo que vinha da França e da Inglaterra era civilizado: segundo Needell (1987), os brasileiros seguiram o exemplo português ao olhar para ambos os países como referências de tudo o que havia de melhor. O engenheiro Paulo de Frontin se assegurou de que a Avenida Central fosse um “showcase” dessa civilização, estipulando a altura e largura de cada fachada e submetendo os projetos dos arquitetos envolvidos a um júri. É preciso notar, porém, que essa influência francesa foi uma adaptação: embora os grandes prédios públicos do governo e da igreja fossem construções integrais, a maior parte das construções da Avenida foi reformada apenas na fachada (NEEDELL, 1987). Essa ideia está em concordância com o que Sodré (2002) chama de trompe-l’oeil (“engana-olho”), que não quer representar, quer ser – é uma simulação do real, e não sua representação: “Buscava-se a todo custo uma aparência de território metropolitano e de tal intensidade ilusória que produzisse a convicção de ‘ser’.” (SODRÉ, 2002, p. 36). O mesmo trompe-l’oeil se deu no desenvolvimento ideológico brasileiro: além das reformas urbanas, Passos atacou também antigos costumes cariocas que já não tinham mais lugar na capital do Brasil.

Ele proibiu jogar comida na rua, cuspir no chão do bonde, vender leite de vacas levadas de porta em porta, criar porcos dentro dos limites da cidade, expor carne na entrada dos açougues, permitir que cães de rua andassem soltos, deixar fachadas de edifícios sem pintar, continuar os

4 Tradução da autora. “In this perception, one picks up one of the central themes of nineteenth-century elite culture – denial and evasion. For, in the changes of the belle époque, the elite celebrated not only what was done, but what was undone.” 15

entrudos (travessuras) e cordões (turbulentas procissões populares) de carnaval e outros costumes “bárbaros”, “incivilizados”. (NEEDELL, 1987, p. 35 – 36).5

A elite acreditava que imitar a cultura europeia “dava status, compensava handicaps raciais, como pele não perfeitamente clara, mulatice etc. e criava distâncias, ao nível do espaço real, em face da população negra.” (SODRÉ, 2002, p. 36). Os aspectos “bárbaros” do carnaval condenados por Pereira eram associados a uma cultura afro-brasileira da qual a elite tinha vergonha. A antiga predisposição colonial para assimilar tudo que era europeu (tecnologia, costumes e aparências) se mostrava mais forte ainda nesse momento.

Mas essas crenças e fantasias sobre civilização, o meio ideológico das reformas, tinha um elemento negativo essencial em seu significado. Pois, se as reformas significavam que os cariocas estavam atingindo a civilização se tornando mais europeus, elas também significavam, necessariamente, uma negação, um fim, de tudo que era de fato bem brasileiro. (NEEDELL, 1987, p. 48).6

Essa predisposição estava enraizada nas instituições formais da elite. Os meninos da alta sociedade eram educados por seus pais ou tutores (majoritariamente europeus) até terem idade para frequentar um colégio. Como explica Needell (1987), a educação secundária era algo caro, considerado próprio para pessoas ricas, e tinha características específicas desde o Segundo Reinado: era urbanizadora, pois os alunos precisavam ir estudar nas grandes cidades; e eurocêntrica, pois os professores eram quase sempre do “Velho Mundo”. As meninas, por sua vez, estudavam em colégios de freiras ou eram levadas para a Europa com os pais, onde seriam educadas em conventos franceses. Concluída a etapa do colégio, os homens obtinham bacharelado, frequentemente em direito; para as mulheres, porém, não havia necessidade de bacharelado, pois não administrariam negócios e nem ingressariam na carreira política.

5 Tradução da autora. “He prohibited Hawking food on the streets, spitting on the streetcar floors, selling milk from cows trotted door to door, raising pigs within city limits, exposing meato n butchershop entrances, allowing stray dogs to run loose, leaving building façades unpainted, continuing with the entrudo (wild pranks) and uregulated cordões (boisterous popular processions) of Carnaval, and a host of other ‘barbaric’, ‘uncivilized’ customs.” 6 Tradução da autora. “But these beliefs and fantasies concerning Civilization, the ideological milieu of the reforms, had a negative element essential to their meaning. For, if the reforms meant that Cariocas were achieving Civilization by becoming more European, they also meant, necessarily, a negation, an ending, of much that was very Brazilian indeed.” 16

Além dos colégios, eram instituições formais da elite o Cassino Fluminense, o Club dos Diários, o Jockey Club e o Teatro Lírico. Segundo Needell (1987), o Jockey era financeiramente um negócio precário, mas sobreviveu porque era um entretenimento caro e aristocrático. Os membros do clube provavelmente não estavam lá porque gostavam de cavalos, mas sim porque era uma instituição de prestígio. O Teatro Lírico, que existiu até 1934, era um edifício simples, mas gozava de imenso prestígio social: era onde havia ópera, “[...] e ópera, central para a sociedade da Europa, era crucial para a elite carioca também.” (NEEDELL, 1987, p. 77).7 Nos salões da belle époque, onde integrantes do alto mundo se encontravam para ouvir música, conversar e ler, também era nítida a influência francesa, tanto no estilo pessoal de se vestir e comportar quanto nas poesias recitadas. O eurocentrismo estava presente tanto nas instituições formais, citadas acima, quanto nas domésticas, como família e matrimônio. “As possibilidades de alguém na vida estavam circunscritas pela posição desse alguém em uma família, a posição dessa família na hierarquia político-econômica da região e na posição da região vis-à-vis a economia brasileira e atlântica.” (NEEDELL, 1987, p. 116).8 Para a maior parte da elite, com exceção dos poucos que tinham salões e faziam bailes, a convivência social se resumia aos ciclos estabelecidos por sangue, casamento ou amizade longa. Em se tratando de descendentes ilegítimos, o esquema de “patronagem” contornava o problema. Embora não pudesse ser reconhecido, o filho ou filha podia receber educação e afeição na família do seu mestre. Segundo Needell (1987, p. 130), “[...] a patronagem é invocada para manter uma certa ordem hierárquica, elevando dependentes da elite a um status socioeconômico sobre o qual eles clamam algum direito dentro da ordem em questão.”9 Há um bom exemplo dessa relação na telenovela Lado a Lado, em que a aristocrata Constância provém os meios para que seu neto ilegítimo e mestiço, filho de Albertinho com Isabel, seja bem criado durante a infância. Havia, porém, a limitação da raça: Constância gostava de ver que o neto, Elias, estava crescendo e se desenvolvendo,

7 Tradução da autora. “(...) and opera, central to Society in Europe, was crucial to the Carioca elite, too.” 8 Tradução da autora. “One’s possibilities in life were circumscribed by one’s position in a Family, by that family’s position in the region’s politico-economic hierarchy, and by the region’s position vis-à-vis the Brazilian and Atlantic economies.” 9 Tradução da autora. “[...] patronage is invoked to maintain a certain hierarchical order by raising dependants of the elite to a socio-economic status to which they claim some right within the order in question.” 17 mas queria mantê-lo em segredo pois o menino era mulato. A relação amigável entre os dois não dura muito: Elias percebe que a avó é racista e trata mal as pessoas com quem ele convive (particularmente seu irmão de criação, Olavo).

3.2. Os socialmente excluídos

A proliferação dos cortiços no Rio de Janeiro se deu a partir de 1850, ligada ao aumento do fluxo de imigrantes portugueses e ao crescimento do número de alforrias concedidas aos escravos. Chalhoub (1996) explica que, se as autoridades e os proprietários não podiam mais acorrentar o produtor ao seu local de trabalho, era preciso criar formas de coesão que fizessem com que eles permanecessem trabalhando. Há uma repressão contínua à ociosidade, diretamente relacionada à “teoria da suspeição generalizada”: as classes pobres seriam perigosas se não trabalhassem, pois buscariam a obtenção de dinheiro através de furtos e atividades ilícitas (CHALHOUB, 1996). Segundo a autoridade policial, o problema do controle social na cidade se gravava pelo número de escravos libertos, ou com direito de viver "sobre si", como se dizia na época (CHALHOUB, 1996). A prática de escravos que viviam longe de seus senhores estava tornando-se comum na época. A alternativa viável de moradia, tanto para ex-escravos quanto para cativos, era o cortiço. Uma carta do chefe de polícia da Corte, endereçada aos vereadores da Câmara Municipal e datada de 19 de março de 1860, diz:

Os males resultantes de uma tal prática [autorizar cativos a viverem “sobre si”] são notórios, ninguém ignorando que essas casas, além de serem o valhacouto de escravos fugidos e malfeitores, e mesmo de ratoneiros livres, tornam-se verdadeiras espeluncas, onde predominam o vício, e a imoralidade baixo (sic) de mil formas diferentes. (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 1860, apud CHALHOUB, 1996, p. 27).

A solidariedade entre escravos e libertos era forte nessas comunidades: segundo Chalhoub (1996), muitos escravos eram ajudados por outros moradores a pagar pela alforria. Quando, em 1893, Barata Ribeiro (apadrinhado por Floriano Peixoto) começou a derrubar cortiços, é possível que ele tivesse em mente mais do que simplesmente livrar a cidade da “sujeira” e das “classes perigosas”:

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E é preciso ao menos mencionar um outro motivo para a truculência contra os cortiços neste contexto: tais habitações foram um importante cenário da luta dos negros da Corte contra a escravidão nas últimas décadas do século XIX. Em outras palavras, a decisão política de expulsar as classes populares das áreas centrais da cidade podia estar associada a uma tentativa de desarticulação da memória recente dos movimentos sociais urbanos. (CHALHOUB, 1996, p. 25 – 26).

O Rio, segundo Sodré (2002), sempre fora território favorável de disseminação de ideias antiescravagistas. Isso influenciou na migração de trabalhadores livres negros para a cidade, buscando oportunidades (ainda que estas surgissem apenas no âmbito dos subempregos, como comércio ambulante e trabalho doméstico). Havia mais chances de que conseguissem um emprego na capital do que em São Paulo, onde havia mais competição com estrangeiros. A facilitação da entrada de imigrantes foi desencadeada pelo senador Vergueiro, de 1891 a 1900 (SODRÉ, 2002).

Tabela 1 – o aumento da população do Rio

Fonte: CHALHOUB, 1996, p. 17

A imigração para o Rio no início da República, tanto de outros estados quanto do exterior, alimentava o proletariado e as ocupações informais (CHALHOUB, 1996). Era grande também o número de pessoas sem ocupação, que foram atraídas pelo polo comercial em expansão:

Eram ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bonde, engraxantes, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes (a palavra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira, cuja fama já se espalhara por todo o país e cujo número foi calculado em torno de 20 mil às vésperas da República. Morando, agindo e trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente as referentes às 19

contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez, jogo. (CHALHOUB, 1996, p. 18).

Em 1892, a falta de casas foi salientada pela Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, mas nada foi feito (CARVALHO, 1987). Sem muitas opções viáveis de moradia, os trabalhadores instalaram-se nos cortiços; o bota-abaixo de 1893, porém, fez com que precisassem subir os morros adjacentes, fossem viver na Cidade Nova ou em subúrbios da Central (CARVALHO, 1987). Segundo Sodré (2002), a situação da territorialização no Rio merece destaque em relação a de outras cidades do Brasil, pois gerou formas de vida comunitária e autônoma em face das regulamentações rígidas do Estado. A história de uma cidade, segundo Sodré (2002), é a maneira como seus habitantes nela se ordenam: “a ideia de território coloca de fato a questão da identidade, por referir-se à demarcação de um espaço na diferença com outros.” (SODRÉ, 2002, p. 23). Nessas formas de vida comunitária, estava incluído o espírito associativo, que se manifestava em sociedades religiosas e de auxílio mútuo. As associações religiosas eram formadas em irmandades e paróquias; as estrangeiras, em grupos étnicos; e as organizações operárias tinham suas bases em fábricas e empresas (Carvalho, 1987). Quanto à adesão popular,

O número e a dimensão dessas sociedades são surpreendentes. Segundo levantamento encomendado pela prefeitura, havia na cidade, em janeiro de 1912, 438 associações de auxílio mútuo, cobrindo uma população de 282 937 associados. Isto representava, aproximadamente, 50% da população de mais de 21 anos, um número impressionante. (CARVALHO, 1987, p. 143).

O abismo entre o povo e o novo regime não se dava apenas em termos de trabalho e moradia. Sua participação nas decisões políticas e o exercício de sua cidadania ficavam próximos de zero, como explica Carvalho (1987). A exclusão dos analfabetos do direito ao voto, prevista na Constituição de 1891, era discriminatória, pois a mesma Constituição retirava do Governo a obrigação de fornecer educação primária. Assim como no Império, foram excluídos os pobres (por questões de renda ou alfabetização), os mendigos, as mulheres, os membros de ordens religiosas, os menores de idade e praças de pré: “Sendo função social antes de direito, o voto era concedido àqueles a quem a sociedade julgava poder confiar sua preservação.” (CARVALHO, 1987, p. 44). 20

A popularidade que a monarquia tinha entre o povo, principalmente entre pobres e negros (devido à abolição da escravatura), fez com que os republicanos não conseguissem a adesão dessas camadas ao movimento (CARVALHO, 1987). Com o novo regime instaurado, porém, surgiram expectativas dos setores populares em relação a seus direitos políticos. A propaganda republicana prometera mais do que cumprira:

Se a mudança de regime político despertava em vários setores da população a expectativa de expansão dos direitos políticos, de redefinição de seu papel na sociedade política, razões ideológicas e as próprias condições sociais do país fizeram com que as expectativas se orientassem em direções distintas e afinal se frustrassem. (CARVALHO, 1987, p. 64).

A classe trabalhadora, os pobres e a pequena classe média se opunham aos planos da burguesia doméstica e internacional para a cidade, mas não eram poderosos o suficiente para lutar contra um programa de governo que priorizava o mesmo que os investidores estrangeiros e a elite agrária (MEADE, 1997). O autoritarismo do Brasil da Primeira República e a exclusão das camadas populares das decisões políticas foram responsáveis por essa aparente inércia do povo:

A desconfiança das elites republicanas em permitir uma participação efetiva dos cidadãos brasileiros acarretou numa ausência identitária dos segmentos menos favorecidos com o novo regime, engessando possibilidades representativas na construção de uma nova ordem política e social para o país. (GOMES, 2011, p. 1).

Os intelectuais republicanos, porém, diziam simplesmente que o povo não se interessava por política. Conforme demonstra Carvalho (1987), é preciso ter cautela ao fazer tal afirmação (que é repetida até hoje). A burguesia intelectual queria um povo politicamente ativo ao estilo europeu, mas essa nunca foi a realidade brasileira: as revoltas populares eram de aspecto defensivo, desorganizado e fragmentado, caracterizando-se frequentemente como reação de consumidores de serviços públicos (CARVALHO, 1987). O cidadão se via como súdito, e não como alguém que tinha influência em questões governamentais. Para o terror dos comunistas e anarquistas, “Não se negava o estado, não se reivindicava participação nas decisões do governo; defendiam-se valores e direitos considerados acima da esfera de intervenção do Estado, ou protestava-se contra o que era visto como distorção ou abuso.” (CARVALHO, 1987, p. 145 – 146). 21

A Revolta da Vacina, em novembro de 1904, é um exemplo desse comportamento. Embora os protestos fossem contra a vacinação obrigatória de Oswaldo Cruz, Meade (1997) diz que a raiva da população era direcionada principalmente à renovação e ao embelezamento da cidade. “A ira que se poderia esperar focada no departamento de saúde pública foi, ao invés disso, liberada nos empreiteiros de renovação urbana.” (MEADE, 1997, p. 104)10, como pode ser atestado pelos alvos escolhidos pelos revoltosos (bondes, geradores elétricos e postes, por exemplo). Se esse era ou não o intuito dos precursores da revolta, que se intitulavam a Liga Contra Vacinação Obrigatória (MEADE, 1997), o descontentamento da multidão em relação às prioridades distorcidas da prefeitura, que deixavam de lado suas necessidades, é claro. A vacina foi o motivo para convocação do movimento, mas o povo atacou aquilo que representava o progresso:

No centro da cidade, as luzes estavam apagadas nas ruas do Ouvidor, Quitanda, Gonçalves Dias, Uruguaiana, Carioca e Sete de Setembro. Centenas de manifestantes se convergiam em grupos na área do Centro próxima ao Gasômetro Frei Caneca, a principal estação geradora de gás do Rio, e tentaram atacar as obras, mas foram reprimidos por unidades de cavalaria. Não confinados apenas ao centro industrial, os manifestantes cortaram linhas telefônicas, vandalizaram e incendiaram bondes e quebraram postes de luz no Catete, Botafogo e Gávea, zonas que faziam fronteira com o sul do Centro. (MEADE, 1997, p. 105).11

10 Tradução da autora. “Wrath that one might have expected to be focused on the public health department was instead inleashed on the urban renewal contractors.” 11 Tradução da autora. “In the center city lights were out in Ouvidor, Quitanda, Gonçalves Dias, Uruguaiana, Carioca, and Sete de Setembro Streets. Hundreds of demonstrators converged in groups on the downtown area near the Frei Caneca Gazometro, Rio’s central gas generator station, and attempted an assault on the utility works but were repelled by cavalry units. Not confined to the donwtown business district alone, protesters cut telefone wires, vandalized and set ablaze streetcars, and broke streetlapms in Catete, Botafogo, and Gávea, zones bordering the center city on the south.” 22

4. OS PERSONAGENS DA TELENOVELA LADO A LADO

É notório, para quem assistiu Lado a Lado, que as duas grandes discussões abordadas pelos autores durante a telenovela foram a emancipação feminina e o racismo no início do século XX. Como dito anteriormente, a novela é lugar de memória popular, e o discurso histórico se faz especialmente importante nessa forma de literatura de massa. Conforme explica Silveira, “A força impositiva do peso do discurso histórico é uma marca da importância, do valor do passado, na hora de se definir as relações entre as pessoas e o mundo.” (2008, p. 157).

4.1. A representação da mulher

As duas personagens principais da trama, Laura e Isabel (interpretadas por e Camila Pintanga, respectivamente), lutam de formas diferentes pela sua liberdade. Laura é filha de uma ex-baronesa, integrante da alta classe carioca, e acredita que o casamento é um empecilho ao seu sonho de ser professora; Isabel, filha de um ex-escravo, deseja se casar com seu noivo (Zé Maria, interpretado por Lázaro Ramos) e construir uma vida com ele; as ambições da moça, porém, mudam conforme a personagem se desenvolve. Seus casamentos são marcados para o mesmo dia e as duas se conhecem na igreja. A ausência de Zé Maria e a espera de Isabel fazem com que o casamento de Laura com Edgar () se atrase. Needell (1987) explica que a vida doméstica delimitava quase sempre as fronteiras da vida das mulheres da elite. Sua subordinação aos maridos e pais, porém, não significava pouca importância: as alianças familiares e os filhos, que garantiam a continuidade do nome, eram ambos “[...] ‘trabalho de mulher’, embora submetidos ao desejo e ambição do homem.” (NEEDELL, 1987, p. 131).12 Foi justamente assim que começou a história de Laura: com uma aliança entre sua família e a do senador Bonifácio Vieira (vivido por Cassio Gabus Mendes), estabelecendo seu casamento com o filho do político, Edgar Vieira. Os dois lados sairiam ganhando com o acordo, pois a família de Laura tinha o peso e o status da antiga elite; a família de Edgar, por outro lado, contava com a posição política estratégica de seu pai no novo regime e consideráveis bens financeiros. Needell

12 Tradução da autora. “[...] ‘women’s work’, however subject to men’s ambition and desire.” 23

(1987) explica que muitas alianças de matrimônio eram feitas para assegurar o futuro de uma linhagem ou salvá-la da ruína, o que era precisamente o caso da família de Laura, que tentava se adaptar à República. A jovem, porém, estava interessada em trabalhar, o que era inconcebível para sua mãe, Constância (interpretada por Patrícia Pillar). Para a ex-baronesa, os estudos da filha eram apenas uma distração, que deveria ser esquecida assim que seu noivo voltasse de Portugal. A belle époque não havia rompido com antigos preconceitos; ela apenas os modificou para modernizar a vida carioca (NEEDELL, 1987). Júlia Lopes de Almeida, filha do Visconde de São Valentim, era uma abolicionista e escritora brasileira que defendia a instrução feminina; seu principal argumento para isso, porém, era de que o conhecimento da esposa beneficiaria a educação dos filhos. Júlia Lopes também condenava mulheres que levavam os luxos da época, como a moda e as joias, mais a sério do que sua vida doméstica (NEEDELL, 1987). Apesar dos passeios à Rua do Ouvidor, das variedades da moda e do aumento da participação da mulher na vida social do Rio (por causa dos salões, dos clubes e colégios para moças), as jovens brasileiras de famílias ricas eram tão restringidas de outras liberdades quanto as de famílias francesas e inglesas. O casamento arranjado, a infância e adolescência protegidas e o valor da virgindade eram tão valorizados na Europa quanto no Brasil.

Pode-se concluir que as mulheres da elite do Brasil, na belle époque, não estavam sofrendo os efeitos do ‘subdesenvolvimento’, mas sim os de um desenvolvimento de fato bem sucedido, pois o transplante das formas europeias, ao menos nessa área, parece ter se estabelecido sem grande impedimento. As mulheres cariocas haviam emergido de sua tradição particular colonial para um conjunto de restrições mais rico, definido por rituais e preconceitos mais universais. (NEEDELL, 1987, p. 137).13

A personagem de Lado a Lado que melhor representou esse “conjunto de restrições” foi Alice (interpretada por Juliane Araújo), prima de primeiro grau de Laura. A jovem era proibida de sair de casa desacompanhada e era trancada no quarto se olhasse por muito tempo para um mesmo homem. A mãe de Alice, Carlota (Christiana

13 Tradução da autora. “One concludes that Brazil’s elite women, by the belle époque, weren’t suffering the effects of ‘underdevelopment’, so much as those of a very successful development indeed, for the transplantation of European forms, in this area at least, would seem to have taken place without much of a hitch. Carioca women had emerged from their particular colonial tradition into a comparatively richer set of restrictions, defined by more universal rituals and prejudices.” 24

Guinle) era extremamente rígida com a criação da filha, que só encontrava compreensão na tia mais nova, Celinha (Isabela Garcia). Em inúmeras cenas durante a novela, Celinha, que também era solteira, acompanhava Alice à Rua do Ouvidor. Segundo Needell (1987), com exceção desses passeios diurnos à Rua do Ouvidor e de visitas a outras senhoras respeitáveis, as mulheres eram mantidas em casa; apenas homens saíam à noite. Laura e Alice eram ambas moças de elite, mas se comportavam de formas diferentes. Laura dizia o que pensava e buscava se libertar das convenções em que era obrigada a viver, trabalhando durante a trama como professora, lojista e escrevendo matérias para jornais com pseudônimo masculino (uma delas sobre a cultura negra, após conversar sobre o assunto com tia Jurema). Para desespero de Constância, ela também se divorciou de Edgar ao refletir sobre o tempo que ele passava na casa de Catarina (), mãe de sua filha ilegítima. Alice, por outro lado, era uma moça recatada e doce, até se rebelar e se casar com um jornalista, ao fim da novela. O assédio sexual no trabalho também foi tema tratado em Lado a Lado. Depois que seu divórcio foi tornado público, Laura foi expulsa de duas escolas em que lecionava – no romance pós-moderno, questões históricas são abordadas do ponto de vista atual, preenchendo lacunas deixadas pelo discurso oficial e abordando questões sociais (SILVEIRA, 2008) – e começou a trabalhar em uma sapataria na Rua do Ouvidor. Constância, que achava o emprego na sapataria uma humilhação, convenceu o lojista a demitir sua filha, alegando que Laura era louca. Sem alternativas, a professora aceitou trabalhar como secretária para o amigo de seu pai, o senador Laranjeiras (Dudu Sandroni), que acreditou que ela cederia aos seus avanços simplesmente por ser uma mulher divorciada. Laura faz um escândalo na Confeitaria Colonial, lugar frequentado pela elite, dizendo que foi atacada pelo patrão. A família da bibliotecária Teresa (Suzana Ribeiro) e do delegado Praxedes (Guilherme Piva), que não eram personagens ricos em Lado a Lado, também representou na novela o “problema” da mulher que trabalha fora. Sogra de Teresa, Dona Eulália (Débora Duarte) implicava com o emprego da nora e com os estudos da neta Sandra (Priscila Sol), que queria ser professora. Teresa fazia questão de ser bibliotecária e dona de casa ao mesmo tempo. Ela amparou Sandra quando a filha engravidou de um professor, criando o neto como se fosse seu próprio filho e escondendo a verdade de todos (inclusive de Praxedes, que pensava ser pai do menino). Se Sandra assumisse 25 publicamente o filho, nenhum jovem solteiro iria querer se casar com ela – e casamento era tudo que Eulália sonhava para sua neta. Constância, por sua vez, retratou bem o desejo por estabilidade social e a importância das alianças entre famílias para atingir esse objetivo. Para se adaptar ao novo regime, a ex-baronesa estava disposta a tudo, inclusive dormir com Bonifácio Vieira, pai de Edgar, para garantir a seu marido o posto de secretário de saúde. A vilã também exerceu a patronagem de que fala Needell (1987) ao cuidar para que o neto bastardo, mulato, filho de Albertinho (Rafael Cardoso) e Isabel, fosse criado em segurança e com saúde. Posteriormente, ela tentaria levar o neto para sua casa, para que ele pudesse usufruir de seus direitos, ainda que não diretamente; ou seja, não como neto legítimo, mas como um protegido, exatamente como Needell (1987) explica que era feito. Isabel, melhor amiga de Laura, retrata a moça simples, descendente de escravos, tentando reconstruir sua vida com o noivo no Morro da Providência (após a derrubada dos cortiços). As duas se conhecem na igreja, no dia em que ambas vão se casar. Laura se casa com Edgar contra a sua vontade; Isabel, que sonhava em se casar, acredita ter sido deixada no altar por Zé Maria. Após uma série de desventuras, Isabel vira camareira da bailarina francesa Dorleac (Maria Fernanda Candido), que pede para conhecer o samba do morro. Quando Dorleac vê Isabel dançando, se oferece para levá- la à França; ela, que trabalhou como doméstica na casa de uma senhora francesa e dominava o idioma, aceita a proposta. Isabel retornará ao Brasil como uma dançarina famosa e rica. As mulheres francesas que integravam o mundo artístico, segundo Needell, eram vistas como produto para os homens da elite: “Como uma atriz, artista de café ou uma cocotte [prostituta] mais óbvia, elas escolhiam os locais e estilos que capitalizavam as estabelecidas fantasias que as tornavam tão atraentes em primeiro lugar.” (1987, p. 172 - 173).14 Por causa desse “fetiche” (NEEDELL, 1987), a companhia dessas mulheres era frequentemente “comprada” por seus admiradores. Essa conhecida realidade fez com que o pai de Isabel, Afonso (Milton Gonçalves), renegasse a filha em seu retorno ao Brasil – embora Isabel nunca tenha se prostituído. Dançar para o público era sua

14 Tradução da autora. “As an actress, café entertainer, or a more obvious cocotte, they chose those locales and styles that capitalized on the established fantasies that made them so attractive in the first place.” 26 profissão: é uma emancipação feminina presente no romance histórico, talvez precoce para a época, mas permitida na literatura (conforme visto anteriormente). Assim como no Rio, em São Paulo a prostituição também estava ligada ao conceito de modernidade:

Sobre a cortesã europeia, especialmente a “francesa”, lançavam-se adjetivações amedrontadas, olhares curiosos, gritos de alerta, pois aparecia como muito mais sedutora e experiente do que qualquer outra. Percebida como alguém proveniente de uma sociedade mais avançada, onde imperavam hábitos totalmente desregrados tornava-se temível e desconhecida aos olhos deslumbrados dos paulistas provincianos. (RAGO, apud NASCIMENTO, 2012, p. 3).

Jurema (Zezeh Barbosa), tia de Isabel, é a única no morro que compreende de imediato a nova realidade da sobrinha. Personagem secundária, Jurema ganhou mais destaque quando foi levada para a delegacia, a pedido do Padre Olegário, por praticar o candomblé. Através da personagem, Lado a Lado abordou a discriminação racial e religiosa, que será mais comentada a seguir.

4.2. A representação do negro

Grijó e Sousa (2012) explicam que, de modo geral, os negros continuam com papéis de pouco destaque nas narrativas televisivas: são personagens secundárias, que servem de “escada” para que outras personagens apareçam – personagens que comandam a ação e mobilizam a audiência, geralmente brancas. O aproveitamento do ator negro está condicionado a três situações definidas: em tramas que se desenrolam em cenário histórico-escravocrata, em tramas que precisam de personagens com posições subalternas ou marginais e, em menor escala, em tramas que se desenvolvem em fase pós-escravocrata e se propõem a discutir questões raciais (ANDRADE, 2008). Lado a Lado se encaixa na terceira situação, pois uma de suas principais propostas é mostrar o preconceito racial presente no Rio de Janeiro da belle époque (e, de forma mais abrangente, no Brasil da República Velha). Segundo Grijó e Sousa (2012), as personagens negras avançaram recentemente em três categorias: negros como protagonistas, núcleos negros e negros como vilões. Lado a Lado nos fornece exemplos dos três casos: Isabel e Zé Maria são protagonistas; a família de Isabel e a de Zenaide 27

(Ana Carbatti) são núcleos da trama; e Caniço (Marcello Mello) e Berenice (Sheron Menezes) são vilões. No capítulo que foi ao ar dia 10 de setembro de 2012, Zé Maria, que trabalhava como barbeiro com o pai de Isabel, convidou a moça para ir à Confeitaria Colonial. Apesar de ser fictícia, a confeitaria retratou a realidade da elite da época: era um lugar luxuoso, reservado a um púbico seleto, assim como os cafés e restaurantes franceses – parte do fetiche de consumo carioca, como explica Needell (1987). Ao entrar no estabelecimento, o casal é encarado pelos outros clientes. Isabel se sente desconfortável e diz a Zé Maria que os dois podem ir a outro lugar, mas Zé faz questão de ficar ali. Quando o maître vai atendê-los, afirma que a mesa está reservada. Zé Maria responde: “Já estamos no século XX, caso o senhor não tenha percebido. Uma garrafa de vinho tinto português e os cardápios, por favor.”. Impressionada, Isabel beija Zé Maria. Nesse momento, a cena não trata apenas de discriminação racial, mas também comportamental, pois a moralidade e a preocupação com os bons costumes no Rio da época eram vigentes. Não por verdadeira preocupação com os bons costumes, como opina Needell (1987), mas porque os franceses e ingleses se importavam muito com a etiqueta. Novelas de época com cenas assim são importantes, pois é frequente, em telenovelas contemporâneas, que o negro seja retratado como indivíduo que não é alvo de preconceitos, “[...] numa produção de sentido que esconde as questões étnicas, criando um ‘consenso’ da democracia racial brasileira.” (GRIJÓ & SOUSA, 2012). Zé Maria foi o herói da telenovela inteira – que passa pelas peripécias e conquista sempre a amada, como coloca Sodré (1988) –, participando ativamente de acontecimentos históricos como a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata. Durante o primeiro evento, em que seria aplicada na população a vacina contra a varíola, o barbeiro desconfia das intenções do governo: “É extermínio o nome disso. Querem matar os pretos e os pobres, pro Rio de Janeiro ficar igualzinho a Paris.”15. O procedimento de vacinação era pouco conhecido e, por isso, quando Zé Maria ouviu que o próprio vírus seria injetado nas pessoas, se envolveu nos protestos de rua para defender sua comunidade. Na Revolta da Chibata, Zé foi colocado na posição de líder de um dos navios em que os marinheiros se revoltaram contra os maus tratos sofridos. O

15 Fonte: globotv.globo.com/rede-globo/lado-a-lado. Acesso em: 26/10/2014. 28 movimento geral de 1910 foi liderado, tanto na telenovela quanto na realidade, por João Cândido. Zé Maria só difere do herói tradicional descrito por Sodré (1988) no que diz respeito à ascendência: ele não é filho de reis ou deuses, mas sim descendente de escravos. Além de herói, Zé é capoeira, o que entra em conflito com o discurso histórico oficial, no qual capoeiras são retratados como malandros e arruaceiros. Essa é mais uma característica do romance histórico: “O foco tomado como base para ser distorcido é o discurso histórico oficial.” (MENTON, apud SILVEIRA, 2008, p. 162). Por outro lado, sabe-se que a polícia e os políticos contratavam capoeiras como provocadores de tumultos ou informantes (CARVALHO, 1987), o que também foi mostrado em Lado a Lado: é o caso do personagem Caniço, que fazia qualquer coisa por dinheiro. Pago pelo senador Bonifácio Vieira para causar tumultos durante a Revolta da Vacina, Caniço foi desmascarado por Zé Maria, o que pôs um fim na amizade dos dois. Tia Jurema começou sua participação em Lado a Lado como uma personagem secundária, mas ganhou destaque na trama ao problematizar a questão do preconceito religioso. Incitado por Constância, o Padre Olegário exige ao delegado Praxedes que Jurema seja presa por praticar o candomblé. De acordo com o Código Penal de 1890, artigo 157, “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias” era mesmo crime, punido com prisão de seis meses e multa de 500 mil réis (GOMES, 2011, p. 4). É necessário que se fale um pouco sobre a representação dos negros em outras telenovelas. A primeira telenovela com um personagem principal negro foi A Cabana do Pai Tomás (1969). Tomás, porém, foi interpretado por um ator branco, Sérgio Cardoso, seguindo exigências do patrocinador Colgate-Palmolive (DICIONÁRIO TV GLOBO, apud ANDRADE, 2008).

Para que Sérgio Cardoso pudesse convencer na pele de um escravo norte-americano era preciso tingir todo o seu corpo, usar peruca, rolhas no nariz e atrás dos lábios para aparentar uma pessoa negra de nariz largo e lábios fartos. Tal recurso, conhecido como blackface, foi amplamente utilizado no início do cinema norte-americano, porém, em terras brasileiras, o fato acabou desencadeando um movimento de protesto por parte de alguns artistas que não concordavam com a escalação de um branco para interpretar uma personagem negra. A novela, como muitas outras daquele período, trazia um texto distante da realidade social do País, não atingindo o sucesso esperado. Entrementes, o que se destacou em “A cabana do Pai Tomás” foi a 29

dificuldade da televisão brasileira em criar personagens negras para grupos étnicos não-brancos. (ANDRADE, 2008, p. 2 - 3).

Como escalar atores brancos para interpretar personagens negros não deu certo no Brasil, as telenovelas histórico-escravocratas precisavam contabilizar o maior número de negros possível. Eles ficaram, portanto, restringidos às senzalas fictícias (ANDRADE, 2008). Se a compararmos com Escrava Isaura (1976), por exemplo, perceberemos que a postura dos personagens negros foi diferente:

O pesquisador Joel Zito Araújo observou que os negros da trama [Escrava Isaura] não tinham orgulho de sua raça e mostravam-se inferiores aos seus senhores. Uma possível exceção era a vilã Rosa, que tinha consciência de sua condição escrava e por isso fazia de tudo para fugir do tronco, ou seja, dormia com todos os homens (do sinhozinho ao capataz) e infernizava a vida de Isaura. Chega um dia em que Álvaro, na condição de senhor, resolve libertar todos os escravos e propõe que eles continuem em sua fazenda, com remuneração e direito a um pedaço de terra. [...] Também não se discutiu a resistência à escravidão e a abolição foi narrada, mais uma vez, como uma luta dos brancos "bondosos". (FERNANDES, 2013).16

Como em Escrava Isaura, também em Sinhazinha Flô (1977) e Sinhá Moça (1986) a abolição é retratada como conquista do homem branco bondoso (FERNANDES, 2013). Em Sinhazinha Flô, houve avanço no sentido de retratar o negro como sujeito com consciência social: era o caso de Juca (José Maria Monteiro), que incentiva a criação de uma associação para a emancipação dos escravos em Campos17. Como em muitas tramas das 18h, havia um triângulo amoroso central, formado por Flor (Bete Mendes), Arnaldo (Eduardo Tornaghi) e Jorge (Márcio de Lucca), todos vividos por atores brancos. Sinhá Moça não foi diferente: os principais personagens eram brancos, inclusive o “herói do quilombo”, que libertava escravos das senzalas das fazendas na calada da noite (e por quem Sinhá Moça se apaixona). Em comemoração aos cem anos da abolição da escravatura, a Rede Globo produziu Pacto de Sangue (1989). Havia na trama um grupo de heroínas negras, reunidas no Quilombo Loana, chefiado pela babalorixá Mãe Quitina (Ruth de Souza). O idioma iorubá foi utilizado pelos atores quando estavam no terreiro de Mãe Quitina (FERNANDES, 2013). Apesar na mudança de postura dos personagens – que

16 Fonte: arquivo.geledes.org.br/em-debate/colunistas/17792-lado-a-lado-os-negros-nas-telenovelas. Acesso em: 15/11/2014 17 Fonte: memoriaglobo.globo.com. Acesso em: 26/10/2014. 30 mostravam orgulho de seu povo – em relação às outras telenovelas citadas anteriormente, o romance principal também era protagonizado por atores brancos: Queirós Antunes (Carlos Vereza), um juiz que muda sua postura pró-escravidão, e Aymée (Carla Camurati), uma professora envolvida com o movimento abolicionista. Apesar de não se passar no período da escravidão, Lado a Lado remeteu muito a ele através dos personagens Afonso e Jurema. Isabel conversava com os parentes sobre a época em que eles viviam como cativos, mostrando-se sempre orgulhosa de suas raízes. O folhetim retratou negros ativos e conscientes em relação à sua condição no Brasil da Primeira República, um país que sonhava com a modernização e tentava apagar as lembranças de um passado recente e desumano. Elementos como o samba, a gastronomia e a capoeira foram enfatizados durante a trama – inclusive na abertura do folhetim, em que tocava o samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, campeã do carnaval de 1989, "Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós" (na época comemorando o centenário da abolição). Esses elementos serão mais explorados no capítulo seguinte.

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5. OS ELEMENTOS BRASILEIROS NA TELENOVELA LADO A LADO

As propostas governamentais da República tinham caráter progressista e modernizador. Para que a modernização se tornasse realidade, era preciso importar a “racionalidade científica dos europeus e seus projetos de cunho eugênico” (GOMES, 2011, p. 1). A preocupação com a saúde pública foi a justificativa dada para a criminalização do espiritismo na Primeira República, através do Código Penal de 1890. As penalidades eram analisadas por dois critérios básicos: a existência de substâncias prescritas ou manejadas por curandeiros e a invocação de “poderes sobrenaturais” (GOMES, 2011, p. 6).

5.1. O candomblé

O legado das religiões afro no Brasil possibilitou a difusão do espiritismo codificado por Allan Kardec na Corte (GOMES, 2011). A liberdade religiosa obtida pelos brasileiros a partir da proclamação da república era paradoxal, pois havia criminalização da fé de certos grupos religiosos. No Código Penal então vigente, eram três os artigos que tratavam da punição a quem praticasse “curandeirismo”:

Art. 156 – Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte dentária ou a farmácia; praticar a homeopatia, a desometria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos. Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000. (...) Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública: Penas – de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000. (...) Art. 158 – Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo, para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo ou exercendo assim, o ofício do denominado curandeirismo. Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000. (CÓDIGO PENAL, 1890, apud GOMES, 2011, p. 4).

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Por serem considerados crimes contra a saúde pública, a prática do espiritismo e do “baixo espiritismo” (forma pejorativa de se referir aos cultos afro-brasileiros) era passível de punição e perseguição pelo Estado (GOMES, 2011). Na tentativa de descriminalizar a prática, os fiéis do primeiro grupo sinalizaram ao governo que o espiritismo era uma ciência nascida na Europa, e que proibi-la seria um choque à civilização: “Condenar o espiritismo seria ‘marcar limites ao progresso humano’.” (GOMES, 2011, p. 5). Os protestos, porém, foram em vão. O autor da lei, João Batista Pereira, fez uma notificação pública em que esclarecia que não era a prática do espiritismo que estava sendo condenada pelo código, mas sim suas práticas experimentais ou clínicas (GOMES, 2011). Na realidade, os kardecistas continuaram a ser perseguidos, mas tinham os privilégios da condição social e da pele clara. Para os praticantes do candomblé, a situação era ainda pior. Os agentes criadores dessa religião no Brasil eram escravos, não tinham status jurídico de cidadãos e eram considerados mercadorias, apenas. Para poderem exercer sua fé, precisaram travesti-la em católica. O sacrifício animal, prática inerente ao candomblé, era visto (e ainda é) simplesmente como sujeira e primitivismo – quando, na realidade, o sangue é associado à renovação da vida (SOBENES, 2013). Sodré (2002) explica que não se pode falar em sincretismo religioso no Brasil, pois isso implicaria modificações litúrgicas. O que ocorreu foi uma analogia de símbolos e funções, necessária para que os cultos afro- brasileiros resistissem. Desde que chegaram ao Rio, os negros baianos (como a tia Jurema de Lado a Lado), geralmente de origem iorubá, tentaram manter sua cultura religiosa. O cosmo iorubá tem duas esferas: Ayê, o mundo dos sentidos, e Orun, habitado por orixás, ancestrais e espíritos. Esse legado escravo não estava nos planos da República, que pretendia “escamotear um passado recente da História do país”. (GOMES, 2011, p. 6). Na novela, Constância se aproveita dessa perseguição para se vingar de tia Jurema, que contara à Isabel que seu filho estava vivo. Levada para a delegacia por causa de uma acusação do Padre Olegário, Jurema tenta explicar que não fez nada de errado. Isabel diz ao padre que o que Jurema faz no terreiro não é diferente do que o que ele faz na igreja: curar pessoas através da fé e ajudá-las como for possível. Jurema representou na novela as famosas tias baianas, que agiam como conselheiras, curandeiras, mediadoras de conflitos e administradoras dos recursos financeiros. “Para o negro do Brasil, com suas organizações sociais desfeitas pelo 33 sistema escravagista, reconstruir as linhagens era um ato político de repatrimonialização.” (SODRÉ, 2002, p. 75). Na favela cenográfica de Lado a Lado, a casa de tia Jurema se destaca como o coração do morro. Seu quintal é uma referência ao terreiro de Tia Ciata, cozinheira e mãe de santo que abriu sua casa para as primeiras rodas de samba do Rio de Janeiro.18

Era natural, portanto, que as pessoas de cor no Rio de Janeiro reforçassem as suas próprias formas de sociabilidade e os padrões culturais transmitidos principalmente pelas instituições religiosas negras, que atravessaram incólumes séculos de escravatura. As festas ou reuniões familiares, onde se entrecruzavam bailes e temas religiosos, institucionalizavam formas novas de sociabilidade no interior do grupo (diversões, namoros, casamentos) e ritos de contato interétnico, já que também brancos eram permitidos nas casas. Estas pertenciam majoritariamente a famílias baianas [...] Naquela região, famosos chefes de cultos (ialorixás, babalorixás, babalôs), conhecidos como tios e tias, promoviam encontros de dança (samba), à parte dos rituais religiosos (candomblés). (SODRÉ, 1998, p. 14).

O casamento de Isabel e Zé Maria recebeu destaque no final do folhetim – o mesmo destaque que geralmente é dado a casamentos cristãos no último capítulo das novelas. Algumas características típicas do casamento iorubá, como noivo e noiva de roupa branca, foram mantidas no drama. Outras, porém, tiveram que ser adaptadas, até mesmo pela diversidade dos personagens convidados pelos noivos a participar da festividade (praticamente todo o elenco, incluindo o padre Olegário). Nem todos os presentes estavam vestidos de branco, como deveria ser feito em uma cerimônia do candomblé, e não havia padrinhos propriamente ditos (embora Laura e Edgar estivessem bem próximos do casal e Laura tenha segurado o buquê de Isabel). O próprio cortejo e o ritual iorubá sofreram adaptações ao longo dos anos, variando de acordo com a região em que são realizados (IFATOSIN, 2006). O casamento iorubá antigo era tão patriarcal quanto o casamento católico. Em ambos, a união era decidida pelas famílias, de modo que a noiva não tinha propriamente o direito de opinar sobre o assunto – situação sobremodo diversa da que se deu com Isabel e Zé Maria, que passaram por diversos encontros e desencontros ao longo da trama. As tradições trazidas da África pelos escravos sofreram, como não podia deixar de ser, modificações devido à aculturação e miscigenação das raças (IFATOSIN, 2006).

18 Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/lado-a-lado/Bastidores/noticia/2012/09/morro-da-providencia- no-rio-de-janeiro-inspirou-favela-cenografica-da-novela.html. Acesso em: 04/11/2014. 34

Se um rapaz quisesse casar, procurava dentre seus vizinhos um senhor honrado, que tivesse algumas esposas. Primeiramente o jovem visitava a família, levando sempre presentes para agradar o dono da casa. Um dia pedia-lhe que, quando uma das esposas ficasse grávida, caso nascesse uma menina, lhe fosse dada como esposa. Quando uma das esposas engravidava, o rapaz passava a cuidar do casal. Se nascesse uma menina, ele assumia a responsabilidade do bebê, pois já era considerada sua esposa. Durante o crescimento da criança o rapaz devia mostrar aos pais que podia cuidar dela, e que nunca a deixaria passar fome. Quando ela ficava moça, começavam a se encontrar e conversar, e era marcada a data do casamento. A moça não tinha outra opção, e jamais poderia se separar do marido, pois os pais nunca a perdoariam. (IFATOSIN, 2006, p. 54 – 55).

Com o passar do tempo, surgiu uma forma mais moderna de encontrar uma noiva: quando um rapaz adulto tinha condições de se casar, os pais começavam a procurar uma esposa para ele sem seu conhecimento. Ele próprio também começava a observar os arredores em busca da mulher ideal, e contava com ajuda para isso:

Quando finalmente se apaixonava, contratava uma alárinà (investigadora), uma mulher cuja função era descobrir tudo sobre a moça e sua família, porque para casar precisava ter certeza de que era com a pessoa certa. Se a moça tivesse mau comportamento, ou em sua família houvesse dívidas, mendigos, leprosos, ladrões ou qualquer fato desabonador, o rapaz desistia do casamento. Se ao contrário, tudo fosse positivo, começava o trabalho de conquista. A alárinà elogiava o rapaz na frente da moça, e planejava uma forma de fazer com que se encontrassem. Caso a moça gostasse do rapaz, seguiam-se outros encontros, até resolverem casar. Só então a moça autorizava o rapaz a comunicar o namoro aos pais dela. (IFATOSIN, 2006, p. 55 – 56).

Depois de firmado o noivado, era costume que a família do rapaz oferecesse à da moça: mel, cana de açúcar e sal, para que tivessem uma vida boa; obi e orogbo, significando que eles iriam ter uma vida longa juntos; búzios, para que fossem ricos; pimenta da costa, significando fecundidade, e azeite de dendê para que o casal não tivesse dificuldades na vida (IFATOSIN, 2006). Especiarias são utilizadas no casamento de Zé Maria e Isabel, mas não como dote, e sim como parte do ritual. Finalmente, a própria percepção da mulher é, hoje, diferente do que era, tanto pela miscigenação e aculturação, como sugere Ifatosin (2006), como pelas mudanças da própria realidade global.

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Ao entrar na casa do noivo, a moça era recebida pela família e levada para um quarto, onde ficava durante três dias. No terceiro dia o marido ia dormir com ela, para saber se já havia conhecido outro homem antes dele. Se a moça não fosse mais virgem, era devolvida à família. Na manhã do quarto dia a família da noiva ia visitar o casal. Se a moça não tivesse casado virgem, a família do noivo dava-lhes de presente um jarro de vinho pela metade, significando que a mulher era usada. Ela voltava para casa dos pais, e a família ficava coberta de vergonha. Se a moça fosse virgem, no sétimo dia após o casamento as outras esposas arrumavam tudo, preparavam comida, e todos comemoravam. (IFATOSIN, 2006, p. 61 – 62).

Ao contrário do que pregava a antiga tradição iorubá, Isabel já não era mais virgem quando se casou com Zé Maria (ela já tinha, inclusive, um filho com outro homem). Como observado, não foram apenas as religiões cristãs que sofreram um processo de modernização. Embora o casamento dos dois personagens seja apenas uma representação do real, é importante compará-lo com o antigo ritual, desconhecido da maior parte dos brasileiros e pouco veiculado na mídia (consideradas todas e quaisquer formas de divulgação, ainda que breves). Apesar de terem se casado segundo o rito do candomblé, a trama deixou explícito que Zé Maria e Isabel se casariam também na igreja Católica, conforme era seu plano no início de Lado a Lado. Essa talvez não tenha sido a melhor escolha dos autores, pois, ainda que fiel à história passada do casal de protagonistas, pode ser considerada indicativa da crença na necessidade de validação da união através de outra religião que seja amplamente difundida e aceita.

5.2. O samba

Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, festa de origem portuguesa que, no Brasil colônia, eram festas populares e familiares. Como os escravos saíam pelas ruas com os rostos pintados e jogavam farinha nas pessoas, o entrudo foi considerado violento e ofensivo. Famílias da elite não participavam da brincadeira; passavam o carnaval isoladas. No século XIX, a prática do entrudo no Rio de Janeiro começou a ser criminalizada, ao passo que os bailes de carnaval da elite do Império (realizados em clubes e teatros) só faziam aumentar. Sociedades também seriam criadas pelas famílias mais ricas, como o Congresso das Sumidades Carnavalescas.19

19 Fonte: www.brasilescola.com. Acesso em: 05/11/2014. 36

As camadas populares, porém, não desistiram de comemorar. Buscando se adaptar à nova realidade, surgiram, ao fim do século XIX, os cordões e os ranchos: “Os primeiros incluíam a utilização da estética das procissões religiosas com manifestações populares, como a capoeira e os zé-pereiras, tocadores de grandes bumbos. Os ranchos eram cortejos praticados principalmente pelas pessoas de origem rural.”20 Foi assim que começou a organização das bagunças carnavalescas em categorias: as sociedades, mais sofisticadas; os ranchos, mais sociáveis, e os blocos e cordões, considerados carnaval descontrolado. Os bloco acabaram adquirindo características dos louváveis ranchos e dos temidos cordões, ambivalência que influenciou na aceitação dos grupos de samba pela sociedade no final da década de 20.21 Além do preconceito com essas manifestações, consideradas primitivas, havia a repressão real: se o bloco ou cordão não tivesse licença para desfilar, todos os participantes eram presos.22 Em Lado a Lado, há cenas de policiais batendo nos foliões que usavam fantasias mais simples, motivo automático de suspeita de incivilidade. Havia diversas danças afro-brasileiras presentes nessa época e derivadas do samba ou do batuque africano, como o maxixe e o lundu. A primeira música negra aceita pelos brancos foi a que acompanhava essa última dança, transformada em lundu- canção por Domingos Caldas Barbosa (SODRÉ, 1998).

Vários cantos e danças urbanas tiveram origem nesse ritmo [lundu], trazidos pelos escravos bantos. Ao lado da habanera e da polca (que obtiveram grande sucesso no Rio de Janeiro a partir de 1845), o lundu contribuiu - principalmente com a síncopa - para a criação do maxixe. Nos primeiros tempos da República, quando crescia grandemente a música popular no Rio, o ritmo sincopado já era produzido em toda parte - mesas de cafés, chapéus de palhinha, caixas de fósforos etc. A síncopa garantia a recriação ou reinvenção dos efeitos específicos dos instrumentos de percussão negros. (SODRÉ, 1998, p. 31).

Na novela Lado a Lado, um jornalista conservador do Correio da República, Luiz Neto, questiona a dança de Isabel no teatro (“seria maxixe ou samba?”), negando- lhe o status de arte. Por serem adeptos da cultura europeia, muitos intelectuais defendiam a exclusão da cultura popular (que consideravam primitiva, como tudo o que

20 Fonte: http://www.brasilescola.com/carnaval/historia-do-carnaval-no-brasil.htm. Acesso em: 05/11/2014. 21 Fonte: http://www.cultura.rj.gov.br/podcasts/a-historia-dos-blocos-de-carnaval-do-rio. Acesso em: 05/11/2014. 22 Fonte: gshow.globo.com/novelas/lado-a-lado. Acesso em: 05/11/2014. 37 fosse afro-brasileiro). O preconceito não era exclusivo das classes altas: Zé Maria e o pai de Isabel, Afonso, rejeitaram a ideia de assistir à apresentação, devido aos movimentos corporais, que julgavam vulgares. No folhetim, a personagem Laura confronta o jornalista e faz uma crítica positiva à dança de Isabel e às manifestações da cultura popular brasileira em geral. Sodré (1998), ao comentar a respeito das impressões dos estrangeiros sobre o batuque africano e os movimentos corporais, pode explicar também o estranhamento que Isabel despertou em algumas pessoas com sua performance:

Viajantes portugueses (por exemplo, o escultor Alfredo Sarmento) referem-se ao batuque africano como uma forma teatralizada, um jogo cênico, através do qual se narram a uma virgem "os prazeres misteriosos" do casamento. Embora se afirme que esta forma jamais foi evidente no batuque ou no samba brasileiros, a verdade é que o samba, ainda hoje dançado em festas populares ou em rodas (não- religiosas) realizadas em terreiros na Bahia, conserva traços do que poderia ser um mimodrama: gestos de mão, paradas, aceleradas, caídas bruscas, sugestivos requebrados dos quadris, constituem uma espécie de significante miméticos para um significado (já recalcado) que tanto pode ser a história de um aproximação ou um contato quanto qualquer outro fato em que o corpo seja dominante. (SODRÉ, 1998, p. 29).

É importante comentar que a trilha sonora da telenovela inclui uma versão do primeiro samba a ser gravado em disco no Brasil, em 1902: “Isto é bom” (Mariene de Castro); o samba “Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós” (Imperatriz Leopoldinense); uma versão do sucesso “A Voz do Morro” (Diogo Nogueira), clássico do compositor Zé Quetti, e “O Mundo é um Moinho (Beth Carvalho), composição de Cartola.

5.3. O futebol

Descendente de ingleses radicados no Rio, Oscar Cox, carioca do Largo dos Leões, no Humaitá, voltou ao Brasil em 1897 trazendo na mala uma bola de couro e as regras de um novo jogo: o “football”. Ele havia conhecido o esporte durante o período em que cursou Humanidades no Colégio La Ville, em Lausanne, na Suíça. No dia 22 de setembro de 1901, ele e os amigos jogaram uma partida em Niterói, no campo do Rio Cricket and Athletic Association (RCAA). Diante de um público de apenas 16 pessoas 38

(11 eram tenistas sócios do Rio Cricket), o time de brasileiros conseguiu empatar com o time de ingleses (1 a 1).23 Em outubro de 1901, o Rio Team (que não era um clube, mas um time de amigos) viajou para São Paulo e enfrentou o São Paulo Team (que também não era um clube), empatando duas vezes: 2 a 2 no dia 19 de outubro e 0 a 0 no dia 20 do mesmo mês. O resultado deixou Cox animado, pois os paulistas praticavam o esporte havia mais tempo. O também estudante Charles Miller, que chegou à capital paulista em 1894 com a bola e as regras do jogo, é considerado o pioneiro do esporte como competição no Brasil.24 Em 1902, Cox e seus colegas fundaram o Fluminense Football Club, primeiro clube de futebol carioca, que teve Cox como primeiro presidente. A iniciativa fez sucesso:

Com a proliferação dos clubes de futebol e o prestígio alcançado entre a população local que começava a comparecer em massa aos campos de futebol, surge a necessidade de estruturar a realização dos jogos e organizar as competições entre os clubes do Rio e Niterói, como já acontecia em São Paulo e Bahia. Assim, inicia-se uma campanha para a criação de uma liga de futebol carioca reunindo Rio Cricket and Athletic Association, Fluminense Football Club, Football Athletic Club, América Football Club, Bangu Atlético Club, Botafogo Football Club (atual Botafogo de Futebol e Regatas), Sport Club Petrópolis e Paysandu Cricket Club. O êxito da campanha resulta na fundação, em 8 de julho de 1905, às 20 horas, da LIGA METROPOLITANA DE FOOTBALL – LMF, que acabou por trocar sua denominação, em 18 de fevereiro de 1907, para LIGA METROPOLITANA DE ESPORTES TERRESTRES, que acabou por se extinguir ao final do campeonato do mesmo ano por atitudes racistas.25

Lado a Lado retratou o início elitista do futebol carioca através de Albertinho e de seus amigos, todos jogadores do Fluminense. Chico (César Mello), amigo de Zé Maria, trabalha no clube como segurança e também varre o campo. Quando Elias (Cauê Campos), filho bastardo de Isabel e Albertinho, pede a Chico que o leve para ver uma partida de futebol, o funcionário do clube aquiesce – desde que Elias e seu irmão adotivo, Olavo (Jorge Amorim), ficassem quietos e fora da vista dos jogadores. Quando a bola sai de campo, porém, Elias a pega e a devolve para Albertinho. O “janota”

23 Fonte: http://www.campeoesdofutebol.com.br/rio_janeiro_oscar_cox.html. Acesso em: 09/11/2014. 24 Fonte: http://www.campeoesdofutebol.com.br/rio_janeiro_oscar_cox.html. Acesso em: 09/11/2014. 25 Fonte: http://www.campeoesdofutebol.com.br/hist_fut_carioca.html. Acesso em: 09/11/2014. 39 mostra-se indignado com a presença dos dois meninos, chamando Chico para tirá-los dali e ameaçando informar à direção do clube que “a segurança anda péssima”. Albertinho e Elias não sabiam que eram pai e filho, e essa é a desculpa que Albertinho usará quando for confrontado sobre o incidente, mais à frente na trama. Pai ou não, o comportamento preconceituoso de Albertinho não tem perdão para Zé Maria, que fica sabendo do incidente no morro e ralha com Chico por ter levado os dois garotos lá. Ele se senta com Olavo e Elias e explica aos meninos o que é o preconceito, sabendo que os dois nunca tinham passado por uma situação como aquela antes e desejando poder prepará-los para o futuro. O principal fato sobre preconceito no futebol retratado pelo folhetim, porém, não foi esse. Na ausência do jogador Teodoro (Daniel Dalcin), Chico é pago por Albertinho para entrar em campo e salvar o time. O ex-marinheiro e funcionário do clube aceita se submeter à situação, marcando diversos gols e roubando as atenções durante a partida. Para jogar, porém, Chico precisa passar pó de arroz no rosto, nas pernas e nos braços, pois assim haveria uma chance de que se passasse por branco à distância – negros não jogavam futebol nos clubes, que, como visto, foram fundados por membros da elite carioca. Essa situação da trama foi baseada em um evento real vivido por Carlos Alberto, jogador do Fluminense nos primeiros anos do século XX.

O caso de Carlos Alberto, do Fluminense. Tinha vindo do América, com os Mendonças, Marcos e Luis. Enquanto esteve no América, jogando no segundo time, quase ninguém reparou que ele era mulato. Também Carlos Alberto, no America, não quis passar por branco. No Fluminense foi para o primeiro time, ficou logo em exposição. Tinha de entrar em campo, correr para o lugar mais cheio de moças na arquibancada, parar um instante, levantar o braço, abrir a boca num 'hip, hip, hurrah'. Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento. Não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. O cabelo de escadinha ficava mais escadinha, emoldurando o rosto, cinzento de tanto pó-de-arroz. Quando o Fluminense ia jogar com o America, a torcida de Campos Sales caia em cima de Carlos Alberto: – Pó-de-arroz! Pó-de-arroz! A torcida do Fluminense procurava esquecer-se de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino. (FILHO, 2003, p. 60).

Assim como na realidade, na novela todos perceberam que Chico não era branco. Ele começou a suar enquanto jogava, o que fez com que o pó de arroz escorresse por seu rosto. Zé Maria, indignado com a situação, entra em campo e pede à Chico que pare com a farsa e honre sua cor. Albertinho defende seu envolvimento na 40 história, explicando: “Foi a única maneira que encontrei de ele não ser expulso. Ninguém ia aceitar um negro aqui jogando futebol. Agora que todo mundo viu o talento do seu amigo, não importa mais se ele é preto ou branco.” O caso de Carlos Alberto é emblemático, mas não é o único. Outros jogadores negros tentaram se passar por brancos ao longo da história do futebol no Brasil, como Artur Friedenreich, filho de um alemão com uma mulata. Segundo Filho (2003), Friedenreich realizava um ritual complexo antes de cada partida para se passar por branco:

Friedenreich, de olhos verdes, um leve tom de azeitona no rosto moreno, podia passar se não fosse o cabelo. O cabelo farto mas duro, rebelde. Friedenreich levava, pelo menos, meia hora amansando o cabelo. Primeiro untava o cabelo de brilhantina. Depois, com o pente, puxava o cabelo para trás. O cabelo não cedendo ao pente, não se deitando na cabeça, querendo se levantar. Friedenreich tinha de puxar o pente com força, para trás, com a mão livre segurar o cabelo. Senão ele ficava colado na cabeça, como uma carapuça. O pente, a mão não bastavam.. Era preciso amarrar a cabeça com uma toalha, fazer da toalha um turbante e enterrá-lo na cabeça. E ficar esperando que o cabelo assentasse. Levava tempo. [...] O juiz impaciente, ameaçando começar o jogo sem Friedenreich, e Friedenreich lá dentro, no vestiário, a toalha amarrada na cabeça, esperando, ainda desconfiado de que não chegara a hora de tirar o turbante. Era sempre o último a entrar em campo. Quando aparecia, finalmente, a multidão batia palmas mais fortes para ele. Era sempre o jogador mais aplaudido. A vantagem de entrar por último. (FILHO, 2003, p. 60 – 61).

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A telenovela ocupa um lugar único na sociedade brasileira, sendo a mais bem- sucedida forma de literatura de massa do país – e, em muitos casos, a única forma de literatura (SODRÉ, 1988). Visto que em geral a população lê pouco, é imperativo o papel didático e representativo da teledramaturgia, que possibilita ao brasileiro uma imagem de si mesmo e da comunidade em que ele vive. Ao discutir temas polêmicos, os folhetins têm a capacidade de modificar aos poucos a opinião da sociedade; ao retratar o passado de um país, contribui para a criação da memória coletiva (eficaz especialmente para os que não têm outras fontes de informação e pesquisa). O brasileiro, muitas vezes cobrado por ser um povo sem memória, é transportado para diferentes épocas e aprende mais sobre sua história, ainda que de forma romanceada. A representação da história no teledrama jamais será completamente fiel à realidade, mas tampouco a será nos livros didáticos (AZEVEDO & ELIAS, 2013). Por meio das aventuras das personagens Laura e Isabel, que viveram em um Rio de Janeiro de constantes transformações, o público é convidado a vivenciar as dificuldades enfrentadas por mulheres em épocas não tão distantes assim, que marcaram a estruturação da nossa sociedade do século XXI. O Rio de Janeiro é a cidade que mais aparece em telenovelas. Isto pode estar relacionado:

[...] ao fato da Rede Globo, maior emissora nacional, ser carioca. Porém não o explica por si só. Ela [Stocco] acredita que isto se dê porque o telespectador aceita o Rio como possível referencial para o resto do país, cidade o que [sic] atrai os olhares, desperta temor, paixões e curiosidades. Esta vocação começa a se construir com a chegada da corte portuguesa e as transformações geradas pelo respectivo evento, se consolidando com a proclamação do Rio como capital da Reública. (STOCCO, apud AZEVEDO & ELIAS, 2013, p. 5).

Segundo Sodré (2002), o “trauma originário” da obsessão da elite com tudo o que seja francês e inglês seria consequência da Missão Francesa de embelezamento do Rio, trazida por D. João VI. Assim como Portugal fazia, o Brasil passou a olhar a França como referência de tudo o que era bom e civilizado (em especial no Rio de Janeiro). Isso explica nosso “complexo de vira-lata” em relação à Europa, muito difundido até hoje pelo povo brasileiro (que, muitas vezes, não sabe nem de onde ou como o sentimento surgiu). 42

A novela se aproxima do chamado docudrama, que costuma ter como cenário momentos históricos, “[...] tendo o melodrama como peça fundamental para a humanização dos personagens e, por consequência, da identificação do público.” (JANETE, apud AZEVEDO & ELIAS, 2013). Lado a Lado, porém, fez mais do que apenas colocar momentos históricos como pano de fundo. Conforme disse o próprio João Ximenes Braga,26 os personagens do folhetim participam ativamente dos eventos históricos, que ganharam evidência na trama, ao contrário do que acontece em outras telenovelas de época, em que os eventos são apenas citados e os romances e intrigas dos personagens principais continuam sendo o mais importante. Alguns críticos alegam que Laura e Isabel não poderiam existir de verdade no período da belle époque carioca, pois tratam com muita naturalidade temas que eram tabus para as mulheres no início do século XX, como virgindade e divórcio (AZEVEDO & ELIAS, 2013). Como já visto, porém, o romance histórico tem licença poética para adaptar as situações e tratá-las pela ótica atual,de forma a buscar uma conexão com os telespectadores contemporâneos. Mesmo com a modernização das personagens, ainda assim há quem diga que a novela pecou no didatismo, necessário, talvez, à compreensão do período histórico retratado pelo telespectador que não tenha um conhecimento histórico mais aprofundado.

Apesar de seus perfis de “mulheres à frente de seu tempo”, as heroínas Isabel e Laura ( e Marjorie Estiano) soaram modernas demais para o período da novela: pareciam mulheres de 2013 que foram catapultadas para o passado. Por um lado é bom porque intensifica o perfil das personagens. Por outro, fez – por exemplo – soar estranhos os embates entre a vilã Constância e sua filha moderninha Laura. O tom empostado dos argumentos retrógrados e preconceituosos da ex-baronesa (totalmente condizente com a personagem e sua época) fez Laura parecer um ET quando proferia o seu discurso libertário. Faltou sutileza.27

Embora haja especulação de que esses motivos tenham contribuído para a média relativamente baixa de audiência (18 pontos percentuais), o autor discorda. Segundo João Ximenes Braga: Essa é a audiência de São Paulo. A vida toda, a TV Globo dividia o Jornal Nacional em dois durante o horário político. O Bonner avisava que ia ter pausa para o horário eleitoral gratuito e que voltaria em

26 Entrevista concedida à autora por e-mail em 14/10/2014. 27 Fonte: http://nilsonxavier.blogosfera.uol.com.br/2013/03/08/faltou-coesao-a-lado-a-lado/. Acesso em: 16/11/2014. 43

seguida. Pela primeira vez, eles decidiram adiantar a programação toda. Nós fomos lançados às 17h40, e marcamos 18 pontos em SP numa faixa de horário em que a Globo costumava dar média de 14 pontos, com Malhação. Em todas as praças onde não houve segundo turno, nossas médias subiram imediatamente com o fim do horário eleitoral. Em São Paulo, teve segundo turno. Acabaram as eleições, entrou horário de verão, outro notório assassino de audiências, sobretudo para uma novela das seis. Só nas suas últimas semanas Lado a Lado passou a ir ao ar de noite em São Paulo. Quando a imprensa fala em “fracasso de audiência” sem fazer ressalva sobre essa questão do horário, está sendo incompetente e tosca. [...] Em janeiro, mesmo com o horário de verão, por fim nós conseguimos atingir a meta do horário em SP, que é de 25 pontos. Em todas as praças onde havia mais televisores ligados, íamos bem. Em Salvador, Fortaleza e Porto Alegre, tivemos 31 de média, hoje pontuação de novela das oito. Em vários lugares tínhamos mais audiência que a novela das sete, . No Rio nossa média foi de 28 pontos, Guerra dos Sexos teve 25.28

Sendo assim, a impressão de que Lado a Lado falhou na audiência pode ser falsa. Buscando outro ponto de vista, a autora solicitou à Rede Globo informações sobre o que foi dito pelos telespectadores nos grupos de discussão, que são feitos pela Globo justamente para que os autores repensem suas táticas na construção da trama. Por considerar que essas informações são de cunho estratégico, a Globo Universidade, responsável por atender os estudantes que solicitam dados para pesquisa, negou o pedido.29 Apesar disso, o objetivo do trabalho, que é mostrar a retratação da cidade do Rio na telenovela e argumentar sobre a importância desse folhetim para a televisão, não foi ferido por esse ponto. Para uma novela que primou tanto pelos eventos históricos, talvez seu fim tenha sido muito fantasioso: todos os personagens celebrando o casamento de Zé Maria e Isabel no morro, independente de raça e condição social, e todos os vilões terminando mal. Ainda assim, há de se levar em conta a licença poética da dramaturgia. Retratar os eventos históricos do Rio de Janeiro da República Velha, poucas vezes vistos na televisão, foi seu grande trunfo e triunfo.

28 Entrevista concedida à autora por e-mail em 14/10/2014. 29 Resposta concedida à autora por e-mail em 10/11/2014. 44

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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