Sociologia Da Cultura
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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS) Grupo de Trabalho: Sociologia da Cultura Coqueiro, brisa, fala nordestina e faróis: sobre o movimento tropicalista e as redes de relações desenhadas no contexto cultural da cidade de Salvador no início da década de 1960 Pérola Virgínia de Clemente Mathias – Doutoranda, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Foi pensando a cidade de Salvador da Bahia que pude encontrar um dos embriões da intensidade cultural atribuída à década de 1960 no Brasil e daquilo que formaria o “movimento tropicalista”. Entender o movimento tropicalista olhando para um momento anterior ao de sua eclosão, em que encontro grupos de pessoas interessadas em cultura e artes na Bahia da década de 1960, é o objetivo deste trabalho. Busco identificar quem eram os jovens estudantes que estavam envolvidos com atividades culturais e artísticas num cenário específico - político, econômico e social - se articulando e formando círculos sociais que atuariam de forma profícua na produção artística de Salvador na década de 1960. A Tropicália foi um fenômeno artístico e cultural ocorrido em fins da década de 1960. É considerada um dos movimentos de vanguarda da arte brasileira (Napolitano; Villaça, 1998) que, além da produção coletiva e da força do sentido de grupo em seu seio, se configurou reivindicando a construção de uma nova imagem do Brasil a partir da criação de uma forma experimental e inovadora para as diferentes linguagens artísticas. Utilizou-se de recursos estéticos alegóricos, pastiches e vanguardismos (Naves, 2012). O que chamamos hoje de “movimento tropicalista” buscou se fixar no contexto artístico brasileiro construindo um diálogo com questões que refletiam sobre a condição política ditatorial do país e a desigualdade social que caracterizava a forma de organização social, questionando o nacionalismo e as formas de arte engajadas. No período em que o tropicalismo se consolida como um movimento, havia no cenário musical uma disputa estética e ideológica entre os compositores populares, especialmente movidos pelas apresentações dos Festivais musicais televisivos, iniciados com o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior em 1965. E o tropicalismo musical foi iniciado pelos músicos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, num primeiro momento, e vai englobando os demais músicos e compositores como Tom Zé, Gal Costa, Os Mutantes e o maestro Rogério Duprat. As apresentações do III Festival de Música Brasileira da TV Record em 1967 são consideradas inaugurais deste movimento. No entanto, o grupo musical tropicalista mais amplo que vai além de Caetano Veloso e Gilberto Gil aparece consolidado quando da gravação do disco-manifesto “Tropicalia ou Panis et circencis”, de 1968. A expressão musical da tropicália é, até hoje, o lado mais destacado do movimento. E por isso tem sido amplamente discutido pelos pesquisadores a necessidade de se diferenciar a movimentação musical de toda a restante movimentação artística e cultural que a Tropicália engloba. Para Fred Coelho, O tropicalismo seria a proposição de inovações estéticas especificamente no campo musical, marcado pela movimentação e associação dos músicos baianos, principalmente Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé, e os poetas concretos de São Paulo, Augusto, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Já a Tropicália representa ações culturais distintas e foi fruto de uma reflexão longa e profunda quanto aos limites da forma artística, iniciada com os neoconcretistas no Rio de Janeiro, nomes ligados ao cinema novo e ao cinema marginal, bem como os escritos de José Agrippino de Paula e Waly Salomão. “Tropicália” e “tropicalismo musical” seriam, neste sentido, processos convergentes, mas não homogêneos, que representam momentos distintos de organização do movimento (Coelho, F., 2010). Considera-se que obras diversas representam o movimento: a obra- ambiente de Hélio Oiticica que deu nome ao movimento, “Tropicália” (1966/67); o filme “Terra em Transe” de Glauber Rocha, estreado em 1967; a peça “O rei da vela”, texto de Oswald de Andrade escrito em 1933 e encenado pelo teatro Oficina, sob direção de José Celso Martinez Corrêa, em 1967; o romance “Pan América” de Agrippino de Paula (1967); e o disco “Tropicália ou Panis et circencis” (1968), assinado pelos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, José Carlos Capinan, o piauiense Torquato Neto, a carioca Nara Leão, os paulistas d’Os Mutantes e Rogério Duprat. Estas obras não vieram a público ao mesmo tempo, suas datas ficam entre 1966 e 1968 – ano que marca a “explosão” do Tropicalismo. Sobre a tropicália e a Bahia Nos trabalhos acadêmicos consultados1, assim como nos livros publicados sobre o movimento, que se situam em áreas de conhecimento diversas, muito se fala dos “baianos”, mas pouco foi encontrado de substancial que discuta a relação entre a Bahia e a Tropicália. “Avant-garde na Bahia” (Risério, 1995) é um dos poucos estudos que desenham o panorama cultural favorável da cidade de Salvador no período da década de 1960 e explica como dali nasceram “sublevações” como o Cinema Novo e a Tropicália. A literatura a respeito de uma rica e singular ascensão cultural e artística em Salvador nas décadas de 1950 e 1960 aparece em estudos específicos sobre a história da Universidade da Bahia; sobre os movimentos estudantis da década de 1960; ou sobre o Cinema Novo e Glauber Rocha2. Nos demais trabalhos, a Tropicália aparece como um movimento que surge em São Paulo, mas feito por músicos baianos. Como em texto escrito por Pedro Meira Monteiro, em que questionando a leitura do crítico Roberto Schwarz sobre a memória autobiográfica do livro de Caetano Veloso, “Verdade Tropical”, Monteiro reproduz a busca de existência de uma suposta consciência política ou não com relação à conduta artística de Caetano Veloso. O autor faz uma ligação superficial entre o jovem libertário de Santo Amaro, Caetano, que passa por uma Salvador em ebulição cultural e elabora questões complexas a respeito do posicionamento político teórico e prático com relação à esquerda e a um projeto estético e mercadológico do tropicalismo. A partir daí, questões complexas são desenvolvidas repetindo-se a denominação “o baiano”, mas que em nada mais se remetem ao cenário baiano, aos demais baianos ou ao porquê do uso do adjetivo ali (Monteiro, 2012). 1 Em levantamento no feito no portal de periódicos da Capes para elaboração da minha dissertação de mestrado. Ver Mathias, 2014. 2 Posso citar além da tese “Avant-garde na Bahia” (Risério, 1995) e da biografia “Verdade Tropical” (Veloso, 1997), na qual é precioso o relato de Caetano Veloso apontando como se deu seu interesse pela música, especialmente a sua percepção e a de seu círculo de amigos sobre a bossa nova no recôncavo baiano, a tese “O golpe de 1964, o movimento estudantil na UFBA e a resistência à ditadura militar (1964-1968)”, de Antônio Maurício Freitas Brito, de 2008; e o livro “A nova onda baiana: cinema na Bahia (1958/1962)”, de Maria do Socorro Silva Carvalho, de 2003. Cri que o uso da expressão “baiano” ou “baianos” para caracterizar uma parte dos tropicalistas impunha certas “condições de existência”, tais quais: 1) que ele abriga sob a homogeneidade do seu rótulo indivíduos com formações culturais distintas, vindos de regiões diferentes dentro de um estado que comporta características físicas, geográficas, sociais e econômicas diversas - o sertão, o baixo sul, o recôncavo, a capital Salvador, etc.; 2) que todos os jovens baianos que estiveram de alguma forma ligados ao movimento tropicalista passaram por um período em Salvador, onde encontraram uma cidade que vivia momentos únicos relacionados à cultura desde o início de 1950; 3) a mudança destes jovens para as duas maiores capitais do país, Rio de Janeiro e São Paulo, se deu por motivos diversos: oportunidades de trabalho, de estudo e/ou de começar uma nova vida depois da implantação do golpe militar; 4) que a bagagem cultural que os baianos traziam da Bahia, que representa a região natal de cada um e da Salvador que os agrega, é fundamental para pensar sua inserção no eixo Rio – São Paulo, tanto em termos de relação com o contexto espacial, quanto de estabelecimento de uma rede de sociabilidades específicas. Há dois depoimentos muito interessantes para pensar a relação que quero trabalhar aqui. Um é do músico Tom Zé, que elaborou a ideia de que a Tropicália nasceu do “Lixo Lógico” – apresentada no seu disco “Tropicália: lixo lógico”, de 2012 todo mundo trombeteia que o tropicalismo não existiria sem a influência do Oswald de Andrade, o poeta modernista. E do José Celso Martinez Corrêa, o diretor de teatro. E do Hélio Oiticica, o artista plástico. E do José Agrippino de Paula, o escritor. E dos Mutantes[...] Eles exerceram, claro, um papel fundamental no tropicalismo[...] Levei um tempão refletindo sobre o assunto[...] Descobri um negócio incrível: o tropicalismo – o movimento cultural que Caetano Veloso e Gilberto Gil, dois gênios da raça, capitanearam em 1967, 68 e 69 – nasceu do lixo lógico! Oswald, Zé Celso, Oiticica, Agrippino, Mutantes e o rock internacional desempenharam somente a função de gatilho disparador[...] o tropicalismo botou guitarra na música brasileira e a fez dialogar com o que havia de mais revolucionário fora do país – com os Beatles, os Rolling Stones, o cinema francês, a cultura pop [...] por causa do tropicalismo, Gil e Caetano contribuíram para modernizar o país, mesmo nadando contra a corrente das esquerdas, que desejavam um Brasil eternamente bucólico[...] Ocorre que nem Gil nem Caetano agiram sozinhos. Eu, Gal Costa, os poetas Torquato Neto e José Carlos Capinam, o artista gráfico Rogério Duarte e, de certa maneira, o Glauber Rocha aderimos às ideias dos dois e também participamos do movimento[...] Em 1959, arranjei emprego num jornal de Salvador, imagine. À época, vivia com meu tio Fernando Santana, um comunista roxo – ou melhor, vermelho, vermelhíssimo! [...] Eu morava na capital da Bahia porque em minha cidadezinha, Irará, não havia ginásio.