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Análise – EraTransmídia

As expansões transmidiáticas de Saramandaia

Implantada nas em 2006, a transmídia

ainda é um desafio para os autores brasileiros Por Daiana Sigiliano

esde os anos 2000, a narrativa transmídia vem criou seções no site oficial da trama que ofereciam ao sendo, de fato, aplicada em diversas verten- público o acesso a cenas comentadas, envio de vídeo e tes do entretenimento norte-americano, tais conteúdos complementares. Dcomo cinema, games e TV. Porém, a televisão Em 2009 o canal começou de fato a criar ações mais tem sido o grande campo de experimentação e aplica- elaboradas e coerentes ao ecossistema transmidiá- ção das múltiplas camadas narrativas. O fenômeno foi tico. As produções Caminho das Índias e inaugurado na série Heroes, fundamentado em Lost e tiveram seus arcos narrativos aprofundados e comple- atualmente já integra várias tramas de canais abertos e mentados. A partir daí várias produções da Rede Globo pagos. A popularização da transmídia nos seriados não tiveram seções voltadas para a propagação e retroali- se deve ao acaso, a estrutura e modelo de distribuição mentação do enredo de suas telenovelas. Como, por do gênero propiciam a expansão das histórias. exemplo, Passione, Insensato Coração, Morde e Asso- Enquanto nos Estados Unidos o fenômeno já é de- pra e o remake de Ti Ti Ti . A adaptação Maria Adelaide lineado há algum tempo, no Brasil o recurso tem sido Amaral também usou a transmídia para aprofundar e aplicado de forma gradativa nas telenovelas da Rede estender os seus principais plots. Globo. Reconhecida mundialmente por suas produ- Porém, foi na trama das 19 horas, Cheias de Charme, ções, a emissora vem expandindo suas atrações desde que o fenômeno cumpriu integralmente o seu papel de 2006. A primeira ação desenvolvida foi para a teleno- oferecer ao espectador uma camada inédita do univer- vela Páginas da Vida, de Manoel Carlos. A emissora so ficcional com o clipe “Vida de Empreguete”.

76 Revista da SET | Junho 2014 Saramandaia e suas múltiplas narrativas De autoria de Ricardo Linhares o remake de Saramandaia tinha como principal arco narrativo a dis- puta de duas facções: os tradicio- nalistas, encabeçados pelo ex-pre- feito Zico Rosado (José Mayer) e os mudancistas, liderados por João Gibão (Sérgio Guizé), Pedro (André Bankoff), Zélia () e Tia- go (Pedro Tergolina). Ao contrário das demais ações transmidiáticas desenvolvidas pela Rede Globo, o enredo de Saraman- daia se expandiu em distintas lin- guagens e foi além da simbiose en- tre a TV e a Internet. Para a trama de Ricardo Linhares foram criadas quatro novas camadas narrativas: os blogs “Saramandaia Já” e “Diá- rio de Bole-Bole”, o e-book “O livro de Saramandaia”, o “Dicionário de Saramandaia” e a websérie “Sara- mandices do Corpo Humano”. Ape-

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experiência estava o avô de João, que foi vítima de uma alteração genética que unia o DNA humano com o DNA de uma ave. A avó de Gibão também participou do projeto e deu a luz a um bebê com asas. O médico afirma que ao contrário das crendices do povo de Sa- ramandaia, o transgene é determinado por um alelo recessivo. Ou seja, apenas os homens da família car- regam a alteração genética. Em todos os episódios Dr. Rocinha usa a ciência para explicar os casos. O passado dos habitantes e a história da cidade também são usados para fundamen- tar as teorias do personagem, o recurso ajuda no de- senvolvimento da transmidiação. A websérie é a aplicação nítida da transmídia, o es- pectador que se interessasse pelos mistérios por trás dos personagens da iria buscar pelos episódios. Ao iniciar esta busca por respostas, o espectador assu- sar de todas integrarem o site oficial da produção, cada me o papel de “caçador” e sai preenchendo as lacunas plataforma apresentava uma complementaridade úni- deixadas pelo autor. Assim, os sujeitos midiáticos que ca ao universo ficcional. assistirem à produção terão uma percepção sobre o en- Seguindo a linha de transmidiação presente em vá- redo diferente daqueles que só acompanharam pela TV. rias atrações da emissora, a telenovela ganhou dois No ecossistema da cultura da convergência o parti- blogs: o “Saramandaia Já” e o “Diário de Bole-Bole”. cipante é inundado por informações e tem a sua aten- Além de ampliarem o mundo imaginário criado pelo au- ção fragmentada. Por isso, as empresas tem se empe- tor, os diários virtuais possibilitavam que o público se nhado cada vez mais em criar uma nova relação com o sentisse mais próximo dos personagens e compartilhas- seu público. Na contemporaneidade é preciso que as se a mesma realidade. Os posts do “Saramandaia Já” histórias se expandam em distintas plataformas e se- cumpriram a função de retroalimentar, complementar e jam um convite à imersão. A narrativa de Saramandaia propagar a trama. Já no blog “Diário de Bole-Bole”, as precisou expandir em várias camadas para conquistar publicações tinham o objetivo dar consonância, apro- a atenção do público e despertar o seu engajamento. fundamento e complementariedade à narrativa matriz. A produção de telenovelas transmidiáticas ainda é No e-book “O livro de Saramandaia” o público teve a um desafio, ao contrário das séries de TV, o formato oportunidade de conhecer a versão literária da teleno- apresenta obstáculos que precisam ser adaptados ao vela. Ao longo de 13 páginas, o livro contava a história cenário da convergência para a eficácia das ações. Ao de Saramandaia e de seus principais moradores. E no expandir a trama para outras plataformas, os autores suporte transmidiático “Dicionário de Saramandaia”, e colaboradores enfrentam dois problemas: o perfil do era possível compreender o significado das palavras e público e a estrutura organizacional. expressões usadas pelos habitantes da cidade. Entretanto no Brasil temos uma relação única entre a TV e o espectador. Principalmente com as telenovelas, Webséries que pautam os assuntos do dia seguinte, as discussões Por fim, a última transmidiação de Saramadaia foi a na hora do cafezinho e indicam os novos parâmetros da websérie “Saramandices do Corpo Humano”. O recurso, sociedade. O espectador brasileiro se configura dian- muito comum nas séries norte-americanas, expandia a te de outro cenário midiático, por isso a transmídia no narrativa matriz através de sub-tramas focadas em per- Brasil inaugura e rompe limites na participação e na ex- sonagens e plots secundários. Composta por quatro epi- periência do sujeito midiático com o produto televisivo. sódios de dois minutos, a atração foi protagonizada por Dr. Rochinha (José Augusto Branco) e tinha o objetivo de explicar as peculiaridades de alguns personagens. Daiana Sigiliano Por exemplo, no “Ícaro de Saramandaia”, o médi- é jornalista é pesquisadora do EraTransmídia e pós co destrincha as anomalias por trás das asas de João graduanda em jornalismo Gibão (Sergio Guizé). Segundo ele, em meados da multiplataforma na UFJF. Segunda Guerra Mundial apareceu na cidade um gru- Contato: po de médicos estrangeiros destinados a criar uma [email protected] super raça de homens alados. Entre as cobaias da

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