ISSN 2307-3918 Artigo original

ORDENAMENTO LINGUÍSTICO E CONCEPÇÃO DE CATEGORIAS LINGUÍSTICAS: o caso das línguas bantu no sul de Moçambique

Gregório Firmino

Faculdade de Letras e Ciências Sociais, Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Moçambique

RESUMO: A conquista e administração de territórios coloniais, na sequência da Conferência de Berlim, impôs necessidades de gestão, o que pressupôs o estabelecimento de uma certa ordem e consequente concepção de categorias para a apreensão da realidade dos referidos espaços territoriais. Neste sentido, diversos actores coloniais (missionários, administradores, exploradores, aventureiros, etc.) procuraram apreender a realidade social dos territórios coloniais, projectando uma ordem social, através da qual se dava uma configuração aos espaços coloniais. Um exemplo disso é a ordem social criada com a definição de categorias (etno)-linguísticas. O artigo tem o objectivo de rever o processo de ordenamento linguístico em Moçambique, tendo em conta a (re)criação de categorias (etno)-linguísticas, com especial incidência na região sul do país. Para o efeito, recorre-se a uma junção de pesquisas documental e bibliográfica. Partindo de abordagens percursoras de missionários e académicos, ou apelando a trabalhos recentes de estudiosos nacionais, serão apresentados elementos que revelam o processo de mapeamento das línguas autóctones, comummente reconhecidas no sul do país. Este processo começa pelas caracterizações e classificações iniciais, feitas pelos primeiros colonizadores europeus, principalmente missionários, que identificaram e configuraram línguas para uso no processo de evangelização. Com a ocupação colonial e sofisticação do instrumentário epistemológico, a que se associa o proselitismo religioso, intensificou-se o trabalho de categorização e mapeamento linguístico, a medida que as categorias linguísicas, como representações da paisagem linguística, foram concebidas e consolidadas. No artigo aponta-se que estas construções linguísticas ainda têm impacto no ordenamento das sociedades actuais, como se demonstra com o caso do sul de Moçambique. Palavras-chave: Categorização, ordenamento, línguas, Moçambique.

LINGUISTIC ORDERING AND THE CONCEPTION OF LANGUAGE CATEGORIES: the case of in southern

ABSTRACT: The conquest and administration of colonial territories, in the aftermath of the Berlin Conference, imposed management needs, which implied the establishment of a certain order and the consequent making up of categories to capture their realities. In this regard, different colonial agents (missionaries, administrators, explorers, adventurers, etc.) sought to apprehend the social realities of the colonial territories by projecting a certain social order, through which a profile was given to the colonial space. An example is the social ordering created by the definition of ethnolinguistic categories. The objective of this article is to revisit the process of linguistic ordering in Mozambique, taking into account the (re)creation of (ethno)linguistic categories, focusing on the southern region of the country. For this purpose, the study resorted to documentary and bibliographic research. Starting from pioneering approaches from missionaries and academics, or resorting to more recent work by national scholars, the article will present an overview of the mapping process of autochthonous languages, usually recognized in the south of the country. The process starts with the initial descriptions and classifications, undertaken by the first European colonizers, mainly missionaries, who identified and concocted languages for evangelization. With colonial occupation and sophistication of epistemological tools and religious proselytism, work on language categorization and mapping intensified, and language categories as representations of the language landscape were devised and consolidated. It is argued that these language constructions still have an impact on the ordering of current societies, as shown by the case of southern Mozambique. Keywords: Categorization, ordering, languages, Mozambique. ______Correspondência para: (correspondence to:) [email protected]

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 59

Ordenamento linguístico e concepção de categorias linguísticas: o caso das línguas bantu no sul de Moçambique

INTRODUÇÃO estratégias para a interpretação da situação colonial, de que resultaram processos de Reconhece-se que África é um continente categorização e hierarquização dentro da com uma diversidade de línguas, relação entre colonizadores e colonizados. geralmente agrupadas em várias categorias, Uma das estratégias fundamentais foi o nomeadamente, afro-asiáticas (corno de estabelecimento de uma ordem linguística a África e norte de África), nigero- que estavam subjacentes representações congolesas, que inclui o grupo das línguas linguísticas (GILMOUR, 2006, p. 2-3) que bantu (quase toda a África sub-sahariana), impuseram ideologias linguísticas (ou seja, khoisan (sudoeste de África) e nilo- atitudes e opiniões sobre as línguas e seus saharianas (entre Tanzânia e Sudão e entre falantes, hierarquização social, bem como Chade e Mali), austronésias (Madagáscar), sobre formas de falar adequadamente, indo-europeias (Afrikaans, no sul de África, incentivando-se certas práticas crioulo, e línguas ex-coloniais) (cf. HEINE; linguísticas). Estudos coloniais, efectuados NURSE, 2000, p. 1). por viajantes, exploradores, marinheiros, As línguas bantu cobrem quase toda a autoridades coloniais, etnógrafos, África sub-sahariana, incluindo antropólogos, filólogos, etc. produziram Moçambique, onde todas as línguas estas representações linguísticas, através de consideradas autóctones, pertencem a este gramáticas, dicionários, listas de palavras, grupo. Apesar da sua similaridade, estas livros de leitura, tratados filológicos, línguas apresentam peculiaridades literatura litúrgica, etc. que legitimaram a distintivas, que, muitas vezes, se conceptualização e categorização das correlacionam com distinções sociais, ou formas linguísticas presentes no espaço seja, o que se pode designar por grupos colonial. Ou seja, as representações étnicos. De facto, como acontece muitas linguísticas foram uma forma de dar vezes, estas línguas, na forma como são sentido, sob um olhar europeu, a realidade concebidas, acabam tendo influência na encontrada em África, com construção, invenção e criação de criação/invenção de categorias linguísticas, identidades étnicas, que, actualmente, têm seguindo uma visão epistémica ocidental. É implicações na imaginação e vivência das assim que se pode argumentar que: “… o nações-estado em África, já que muitos estudo de línguas e a perseguição da países africanos, tal como Moçambique, são classificação de línguas eram parte e parcela caracterizados por uma diversidade de tentativas de ‘dar sentido’ a África, etnolinguística (LYNCH, 2018). através do mapeamento de categorias A enumeração destas línguas que compõem homogéneas no que parecia aos Ocidentais ser realidades africanas confusamente o mosaico linguístico que caracteriza os 1 vários países africanos, bem como, heterogéneas” (GILMOUR, 2006, p. 12, sobretudo, a conceptualização e o tradução para português do autor). reconhecimento da sua existência, levantam Esta prática de recurso a uma visão questões relevantes sobre a natureza desta epistémica ocidental para interpretar a diversidade (etno)linguística (Quais são? realidade colonial foi comum em diversos Como são? Como são nomeadas? Por quem contextos de colonização. Severo (2016, p. são nomeadas? Como e por quem são 11-12), descreve uma situação similar, ao descritas, com que olhar?). De facto, estas apontar que também houve um processo de questões estão no cerne da imposição do discursivização das línguas americanas, poder colonial, com repercussões no partindo-se de uma matriz de poder central período pós-colonial, uma vez que no seu na lógica da modernidade/colonialidade, de esforço de controlar os territórios que resultou o enquadramento dos povos e colonizados, os ocidentais desenvolveram línguas numa chave de interpretação

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 60

G Firmino

colonial, cujos efeitos ainda perduram na e primordialista das categorias sociais (cf. actualidade. Trata-se de um argumento que GEERTZ, 1973, p. 259; VITALI, 2019, p. caracteriza um aspecto central da crítica à 151), procurar-se-á evidenciar o carácter chamada Linguística Colonial historicamente contingencial das (ERRINGTON, 2001; GILMOUR, 2006; concepções das unidades linguísticas IRVINE, 2008), que defende que línguas e (correlativamente, das unidades povos coloniais não foram descobertos, mas etnolinguísticas), que têm a sua génese inventados (SEVERO, 2016, p. 11). numa visão epistémica eurocêntrica. Makoni e Pennycook (2007, p. 9) ilustra Mostrar-se-á também que estas categorias esta situação, com o trabalho de Sir George acabam sendo naturalizadas, ao ponto de Abraham Grierson, no âmbito de uma serem um elemento estruturante das pesquisa linguística na Índia colonial: sociedades sob colonização, com Um problema central de Grierson, repercussões no contexto pós-colonial. como para tantos outros linguistas, Tendo em conta o seu objectivo, depois da era decidir sobre fronteiras que definem línguas e dialectos. Os apresentação da abordagem metodológica, dialectos tendiam a ser considerados que assenta na pesquisa documental e como formas faladas e as línguas bibliográfica, o artigo procura mostrar recebiam um status especial de como se produziu o conhecimento das acordo com outros critérios como línguas bantu por estudiosos e curiosos similaridades regionais, famílias linguísticas ou formas literárias. Um europeus, ao que se seguirá uma discussão dos problemas disto é que enquanto do caso de Moçambique, focalizando nos as pessoas tinham termos para os seus grupos etnolinguísticos que têm sido “dialectos” ou pelo menos termos reconhecidos, bem como no impacto da para designar os dialectos de outras etnicidade no momento actual. O foco da pessoas (sendo que os seus próprios seriam apenas considerados em discussão será a zona sul de Moçambique. relação à forma como falavam) – eles O artigo encerra com notas conclusivas, que não tinham termos para as sumarizam a discussão nele desenvolvida. construções mais amplas, as “línguas”2 (MAKONI e METODOLOGIA PENNYCOOK, 2007, p. 9, tradução para português do autor) Metodologicamente, o estudo resulta de uma combinação de pesquisas documental Deste modo, pode-se aventar que a e bibliográfico (cf. GIL, 2008, p. 50-51; configuração da diversidade etnolinguística FORTIN, 2009, p. 85-111). Assim, o artigo nos países africanos (assim como em outras é uma reflexão baseada em dados situações de (pós-)colonização), resulta da recolhidos em material documental que influência de uma visão epistémica colonial atesta o trabalho de descrição do panorama do Norte. Neste âmbito, este artigo procura linguístico africano, realizado desde os descrever o processo histórico de primórdios da presença europeia em África, representação de línguas em Moçambique, no século XV. Parte substancial dos dados de que resultou a construção de categorias foi recolhida em Herbert (1993), que junta linguísticas em Moçambique vários artigos seminais de estudiosos (correlativamente, categorias clássicos (por exemplo, C. M. Doke ou D. etnolinguísticas). T. Cole), com informação referente às Por categorização linguística entender-se-á descrições e ontologização de categorias não só a conceptualização e/ou designação linguísticas e ao consequente ordenamento da unidade linguística, mas também a linguístico. Para o entendimento da situação identificação e/ou reconhecimento social do etnolinguística de Moçambique foram papel que lhe é socialmente atribuído. igualmente consultados vários estudos (cf. Descartando uma perspectiva essencialista FIRMINO, 2002, p. 77-114; HARRIES, Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 61

G Firmino

2007, p. 175-204; RITA-FERREIRA, 1959; proporcionaram uma visão comparativa, RITA-FERREIRA, 1973; RITA- por incidirem em outras regiões, mas com FERREIRA, 1975) e documentos, como os uma abordagem similar, como por exemplo, relatórios dos recenseamentos (cf. Severo (2016), com foco no Brasil, ou FIRMINO, 2000; CHIMBUTANE, 2007; Errington (2007), com foco na Indonésia. INE, 2019), relatórios dos seminários sobre a padronização da ortografia das línguas RESULTADOS moçambicanas (cf. NELIMO, 1989; SITOE Conhecimento das Línguas Bantu no e NGUNGA, 2000; NGUNGA e FAQUIR, Mundo Europeu 2012), ou atlas linguísticos (DIRECÇÃO DO SERVIÇOS DE AGRIMENSURA, Os primeiros estudos significativos das 1960, p. 26; NELIMO, 1989, p. 8), que línguas bantu realizados por europeus forneceram dados sobre ordenamento ocorrem a partir do século XVII e terão sido linguístico e concepção de categorias efectuados por missionários, na sequência linguísticas no país. das suas missões de evangelização (DOKE, 1993). De facto, assiste-se à publicação de A motivação do estudo adveio da nossa várias obras em/ou sobre as línguas bantu, familiarização com um discurso de que incluem literatura religiosa e trabalhos desconstrução das perspectivas de descrição linguística, como é o caso da gnosiológicas, epistemológicas e tradução para “kongo” da Doutrina hermenêuticas eurocêntricas que Christãa, um catecismo para uso de idealizaram o Sul/Outro, representado por crianças, impresso em Lisboa, em 1624, ou estudos influentes como Mudimbe (1988) da obra Gentio de Angola, um livro de ou Said (1990), que criticam, catecismo em ndongo ou , respectivamente, as imagens de África e do publicado em Lisboa, em 1643. Durante Oriente construídas por europeus. Esta este período, destaca-se o trabalho do Frei corrente de pensamento foi influente nas Giacinto Brusciotto de Vetralla, que ciências sociais e humanidades, incluindo a produziu muitas obras, entre gramáticas e Linguística, o que levou ao surgimento, dicionários, para além de material religioso. dentro desta área de conhecimento, de Deve-se a Brusciotto, a primeira gramática contribuições que alertaram para o trabalho de uma língua bantu, escrita em latim, o de representação linguística realizado no Regulae quaedam pro dificillimi contexto colonial, de que resultou a congensium idiomatis faciliori captu ad legitimação do poder colonial e a grammaticae norma redactae [Regras para manufacturação de identidades de povos a mais fácil inteligência do difficil idioma sob ou em oposição aos poderes coloniais. do Congo, reduzidas à forma de grammatica Dada a relevância teórico-conceptual desta por Fr. Jacintho Brusciotto]. linha de contribuições, na preparação deste artigo foi empreendida uma pesquisa No este de África, ou seja, em partes do bibliográfica que permitiu a consulta de actual território de Moçambique, também livros e artigos científicos, com foco na houve um trabalho pioneiro de descrição crítica à chamada Linguística Colonial das línguas locais, nas regiões onde os (ERRINGTON, 2001), de onde foi possível portugueses se tinham estabelecido, como recolher subsídios para dar o devido indica a seguinte citação: “ por volta do enquadramento teórico à análise dos dados. terceiro quarto do século XVII, já tinha Neste âmbito, foram considerados com começado o trabalho sobre os vernáculos do particular atenção alguns estudos com foco Baixo Zambeze, onde os Portugueses se na África Austral, como são os casos de tinham estabelecido por um período Harries (1988), Harries (2007) e Gilmour considerável. Os assentamentos de Sena e (2006), assim como outros que Tete sobre o rio, […] exigiam a presença de

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 62

G Firmino

um padre para sua pregação e, por passa a ter um cunho mais científico, necessidade, dirigiram a sua atenção para as contando já com investigadores associados línguas bantu lá existentes”3 (DOKE, 1993, a centros académicos, embora muitos p. 119, tradução para português do autor). proviessem de instituições religiosas. Há um clima propício para esta abordagem com Nas obras produzidas neste período, nota-se o surgimento, sob a influência de estudiosos já um trabalho de ordenamento, quer pela tentativa de nomeação individualizadora como William Jones, Friedrich von (por exemplo, uso de nomes Schlegel ou August Von Schleicher, de uma individualizantes como ndongo, kimbundu, perspectiva comparativa nos estudos língua bunda, língua do Kongo, sena)4 ou linguísticos europeus (MOUNIN, 1970), principalmente na Alemanha e Inglaterra, e ainda pela hierarquização no seu uso com a consolidação da ocupação colonial (claramente, as línguas africanas são em África, o que exigia o conhecimento dos subsidiárias e subalternas em relação a uma territórios e dos povos dominados. Assim, língua europeia -português ou latim -, como há o registo de vários estudos efectuados se pode deduzir do facto de serem usadas como tradução a partir de português ou nas regiões onde as potências imperialistas latim ou de serem analisadas a partir de mantinham interesses ocupacionais. São estudos que, transpondo para realidade modelos europeus classicistas, centrados no linguística de África procedimentos grego ou latim). heurísticos desenhados para tratar das As várias publicações eram motivadas pelo línguas europeias, buscavam, propósito de evangelização, que requeria o essencialmente, detectar semelhanças e recurso às línguas dos grupos-alvo, para diferenças entre diferentes formas facilitar o trabalho missionário. Contudo, linguísticas, de modo a se individualizar no processo de preparação de material unidades linguísticas e, consequentemente, litúrgico acabava-se legitimando uma certa proceder-se à sua classificação. Referindo- configuração linguística, na qual algumas se à zona da África Austral, onde várias línguas ganhavam proeminência e se potências coloniais se digladiavam, em comparavam a línguas exógenas coloniais, 1808, Heinrich Lichtenstein no seu artigo mas numa posição de subalternidade, como intitulado “Bemerkungen uber die Sprachen já foi referido anteriormente. As outras der Sudafricanischen wilden Volkerstamme línguas, aquelas que não ganhavam [Observações sobre as línguas dos povos proeminência para o trabalho missionário, nativos da África Austral]” apontava que eram invisíveis ao olhar europeu, não “os habitantes da África Austral podem ser sendo, portanto, objecto de tratamento. As divididos em duas raças principais viz. Os línguas que ganhavam proeminência, como Hotentotes e os Kaffirs”5 e que “todos os o caso de “kimbundu”, “kongo”, “sena” ou tipos linguísticos dos aborígenes da África “nyungwe”, sob a manipulação de Austral devem ser classificados como missionários, eram objecto de descrição dialectos de uma ou outra destas duas gramatical, ortografização, dicionarização, classes principais”6 (DOKE, 1993, p. 72, para além de adquirir o estatuto de veículos tradução para português do autor). de conteúdos religiosos. Assim, as línguas que, por factores contingenciais, ficaram na Numa outra publicação Travels in Southern rota da acção missionária (que muitas Africa [Viagens pela África Austral], vezes, coincidia com os interesses Heinrich Lichtenstein postulava que línguas económicos), acabavam por se distinguir desta região eram dialectos de uma mesma das demais. língua (DOKE, 1993, p. 72). De facto, todos os renomados estudiosos da época A partir do século XIX, há uma nova chegaram a conclusões similares, que abordagem no estudo das línguas bantu, que apontavam para similaridades entre línguas

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 63

G Firmino

faladas desde África Austral até o Congo ou disso, a postulação de famílias de línguas as Ilhas Comores (DOKE, 1993, p. 73-75). (filos), com origens linguísticas comuns, as proto-línguas. As proto-línguas A multiplicação de estudos e a consolidação possibilitavam uma base para o trabalho do método histórico-comparativo, que linguístico comparativo. Esta perspectiva passa a ser dominante na Linguística científica foi replicada em África, tal como Europeia e é adoptado por muitos demonstra o trabalho de Carl Meinhof, que africanistas europeus, trouxe um novo em Grundriss einer lautlehre der ímpeto aos estudos linguísticos sobre bantusprachen [Fundamentos da fonética África, que se traduziu numa visão mais das línguas bantu], de 1899, reconstruiu o ampla da situação das línguas africanas, ur-bantu, uma hipotética língua ancestral, cujo impacto ainda é notório actualmente. de onde as línguas bantu teriam originado. Tal é o caso de trabalhos de W. H. I. Bleek, O título Comparative bantu: An ilustrado pela sua magnum opus, A introduction to the comparative linguistics comparative grammar of South African and prehistory of the Bantu languages languages [Gramática comparativa das (GUTHRIE, 1967-71), deve ser a obra mais línguas da África Austral], publicada conhecida que apresenta uma análise inicialmente em 1862, em que esboça uma histórico-comparativa das línguas bantu. classificação das línguas da Africa Austral Para além de descrever o proto-bantu, em dois tipos (“South African division of the através de hipotéticos radicais de palavras sex-denoting languages” vs. “South african na suposta língua ancestral, empreende uma division of the Bantu family”), e faz uma classificação das línguas bantu, que tem descrição gramatical das línguas bantu, sido assumida como padrão de referência compondo as classes nominais em 18 nos meios científicos, ou seja, a matriz em categorias, separando o singular do plural, que se ordena a diversidade linguística em analisando aspectos fonológicos e África e, consequentemente, se postulam as propondo uma etimologia bantu. A categorias linguísticas. Trata-se da cunhagem e uso do termo bantu deve-se a expressão de uma visão ética em que as W. Bleek, que, assim, contribui para a línguas são criadas com base em critérios naturalização de uma categoria linguística científicos que subvalorizam perspectivas e, por extensão, uma categoria social, locais, émicas. Como exemplo, veja-se as construída por estudiosos de origem categorias postuladas por Guthrie (1967- europeia, para fazer referência a um 71) para a região de Moçambique: conjunto de línguas (e povos), que, na perspectiva epistemológica europeia, i. ZONA G:8, com o grupo apresentavam semelhanças que linguístico G. 40, composto pelo legitimavam o seu agrupamento. Como, swahili9; certamente, esta conceptualização era ii. ZONA P, com os grupos P.20 exógena e, por isso, não havia uma palavra (Yao), composto pelas línguas local para fazer referência a esta realidade yao (P. 21), makonde (P. 23)10, concebida pelos estudiosos europeus, mabiha/mavia (P. 25) e o grupo “inventou-se” a palavra bantu, a partir da linguístico P. 30 (makua), com as constatação de que todas as línguas do línguas makua (P. 31), lomwe (P. grupo continham uma palavra similar para 32), ngulu/ W. makua (P33) designar pessoas7 . cuabo/ cuambo (P. 34); A linguística histórica-comparativa, tal iii. ZONA N, com o grupo linguístico como era concebida na Europa, propunha a N. 30 ( Nyanja), com as línguas comparação de línguas, tendo como nyanja (N. 31a), cewa (N. 31 b), objectivo a descoberta de afinidades nas mananja (N. 31c) e o grupo estruturas linguísticas e lexicais e, por via Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 64

G Firmino

linguístico N. 40 (Senga-Sena), linguístico-genética, como as de composto pelas línguas nsenga Tervuren ou SIL, ou qualquer actualização referencial, como a que é (N. 41)11 kunda (N. 42), aqui proposta, muito certamente será nyungwe (N. 43), sena (N. 44), revista ou actualizada no futuro13 ruwe (N. 45), podzo (N. 46); (MAHO, 2001, p. 47 - tradução para português do autor). iv. ZONA S, com o grupo linguístico S. 10 ( Família Shona), com as Quer parecer que a “imperfeição” das línguas korekore (S. 11), zezuru classificações não é consequência da (S. 12)12, manyika (S. 13a), tebe ausência de dados, mas de factores (S. 13b), ndau (S. 15), o grupo histórico- contingenciais que vão linguístico S. 50 (Tswa-Ronga), orientando a invenção das línguas. Por com as línguas tswa (S. 51), exemplo, a crença na ideia de que a palavra gwamba (S. 52), tsonga (S. 53), do Evangelho deve ser conhecida na língua ronga (S. 54) e o grupo linguístico que cada um fala, leva, certamente, a S. 60 (Chopi), de que fazem parte multiplicação de línguas, à medida que as línguas chopi/lenge (S. 61) e dialectos são inventados, identificados e tonga/shengwe (S. 62). reconhecidos. Portanto, a listagem das línguas não pode ser definitiva. O caso do Apesar do notório eurocentrismo nos Ethnologue (GRIMES, 1996), da SIL, que é estudos sobre as línguas, o intenso trabalho revisto periodicamente, é esclarecedor. de investigação realizado na África Austral permitiu o desenvolvimento de novas Caso de Moçambique abordagens que se adaptavam às Grupos etnolinguísticos peculiaridades das línguas bantu. Por exemplo, o chamado “dokean model” é um Tal como em outras regiões de África, as padrão de análise destas línguas, proposto descrições das línguas de Moçambique por Clement M. Doke, em resultado da decorrem da penetração europeia e dos seus constatação de que as suas estruturas interesses político-económicos e religiosos. gramaticais eram diferentes, relativamente Como foi referido anteriormente, já no às das línguas europeias. De facto, o uso do século XVII há registos de estudos de método histórico-comparativo conduziu ao línguas nas regiões onde os portugueses desenvolvimento de técnicas específicas de mantinham presença, ou seja, no Baixo análise e descrição das línguas bantu, como Zambeze. Mas terá sido depois da partilha forma de fazer face às peculiaridades destas de África, em Berlim, e da imposição da línguas (COLE, 1960, p. 228). ordem colonial que há um incremento assinalável de estudos linguísticos, A herança classificatória oriunda do método principalmente sob a responsabilidade de histórico-comparativo ainda perdura, missionários, empenhados no proselitismo sendo, talvez, dominante a proposta de M. religioso. GUTHRIE, apesar de algumas contestações ou ajustamentos (cf. MAHO, 2001; Depois da conferência de Berlim onde se GREENBERG, 1966). Contudo, Maho definiram as regras da repartição dos (2001, p. 47) avisa que territórios coloniais, Portugal enceta acções de ocupação e exploração das colónias, com Qualquer actualização da as quais, gradualmente, se foi fixando a classificação de Guthrie arrisca-se a ser um trabalho meio-terminado. Há configuração actual do território de muitas regiões da área Bantu onde os Moçambique. A zona sul, dada a dados ainda estão em falta para se ter proximidade com a África do Sul, afirmações apropriadas sobre a desenvolve uma intensa relação económica demografia linguística, de tal modo com este território, reforçada pela ligação que qualquer revisão com validade ferroviária e pela decisão colonial de se Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 65

G Firmino

tornar a referida zona sul num reservatório Ngungunhane ou das guerras de ocupação) de mão-de-obra para as minas da África do ou imperativos de gestão administrativa Sul (MALYN, 2018, p. 121-146). Por isso, colonial (por exemplo, a instalação da também a capital da colónia de capital em Lourenço Marques ou definição Moçambique é transferida da Ilha de de políticas de gestão do cidadão autóctone) Moçambique para a cidade de Lourenço foram ditando o mapeamento Marques, em 1898. O facto de o sul de etnolinguístico. Assim, na sequência do Moçambique ter sido constituído em trabalho de “missionários-linguistas”, reservatório de mão-de-obra, significou a grupos etnolinguísticos são “identificados” integração desta região numa zona de e as respectivas línguas codificadas e economia capitalista, que deveria ser padronizadas, como é o caso de15: servida por recursos humanos devidamente i. ronga/sironga/xironga (JUNOD, condicionados. Nesse sentido, os 1896; BERTHOUD, 1920; missionários desempenharam um papel JUNOD, 1903); relevante, participando na transformação do cidadão autóctone num cidadão às ordens ii. tsonga/xichangana (JUNOD, 1907; do poder colonial, ou seja, “civilizado” e JUNOD, 1929; BERTHOUD, evangelizado14. 1908); Não é, portanto, surpreendente que o iii. tswa/xitswa (PERSSON, 1928; território de Moçambique tenha despertado PERSSON, 1932); o interesse de missionários, baseados na iv. tchopi/chopi/chope (JUNOD, África do Sul, e será na zona sul onde a sua 1927: JUNOD, 1931); actividade se intensificará, muitas vezes, através de mineiros que trabalhavam na v. valenge/xilenge/tchopi/tsopi/chopi/ África do Sul. Consequentemente, grande chope (SMYTH, 1902; EARTHY, parte dos estudos sobre comunidades de 1923; JUNOD, 1927; EARTHY, Moçambique se concentram na região sul e 1953); foram realizados por missionários vi. gitonga (LANHAM, 1955; protestantes. Os resultados do seu trabalho SMYTH, 1913; van WARMELO, são similares aos obtidos em outras regiões. 1931); Familiarizados e/ou treinados com os pressupostos epistemológicos que vii. ndau/vandau (EARTHY, 1930; orientavam estudos linguísticos na época, JUNOD H. P., 1936; EARTHY, nomeadamente, o método histórico- 1931); comparativo, caracterizaram o ambiente viii. tonga (JUNOD, 1936); linguístico no qual tinham que actuar, ix. tavara (JUNOD, 1936); acabando criando categorias linguísticas, que, eventualmente, se naturalizaram e x. sena (MOREIRA, 1924; ainda hoje têm repercussões na imaginação TORREND, 1900; JUNOD, 1936); da diversidade etnolinguística de xi. podzo (JUNOD, 1936); Moçambique. De facto, embora dominassem procedimentos científicos xii. chi-nyungwe/tettense/chi-nyai decorrentes do método histórico- (COURTOIS, 1900; von der comparativo, interesses locais, relacionados MOHL, 1904); com proselitismo religioso (por exemplo, a xiii. nyanja (KAMTEDZA, et al., 1964; competição por almas a salvar), MISSIONÁRIOS DA contingências histórico-sociais (por COMPANHIA DE JESUS, 1964); exemplo, a movimentação de pessoas em função do domínio de Sochangane e

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 66

G Firmino

xiv. makua/chi-makua (MAPLES, apoia em C. Doke para efectuar os 1879; MAUGHAM, 1909; agrupamentos etnolinguísticos de WOODWARD, 1923-1916); Moçambique. Algumas vezes, estes estudiosos portugueses apresentavam xv. yao (HETHERWICK, 1902); pensamentos retrógrados, chegando a xvi. mawiha (HARRIES, 1940). postulações que, na época, noutros Munidos do seu saber científico, estes quadrantes, estavam completamente “missionários-linguistas” sentiam-se ultrapassados. Por exemplo, quando já se habilitados para fazer o tratamento das tinha conjecturado o chamado “dokean línguas, às vezes com a pretensão de serem model”, para melhor descrição das línguas eles próprios os que faziam com que os bantu, afastando-as de modelos das línguas falantes nativos as descobrissem, como se europeias, um estudioso português, Rodrigo pode notar na seguinte afirmação de A. A. de Sá Nogueira, ainda insistia na suposta Jaques, num estudo sobre ideofones em origem indo-europeia, tal como as línguas tsonga: “a maioria dos seguintes ideofones europeias, das línguas bantu (NOGUEIRA, foram colectados na Instituição de 1958, p. 6). Formaçao de Lemana por estudantes Em muitos casos, estes estudos são a génese tsongas do terceiro ano, em 1939. A base do mosaico linguístico, tal como é deste trabalho deve-se, portanto, ao esforço concebido actualmente. Casos ilustrativos colectivo de homens e mulheres jovens são os estudos de Henri Berthoud, que nativos que, pela primeira vez, descobriram evangelizou imigrantes refugiados na com interesse e surpresa algo da riqueza da região de Spelonken (actual Hlanganani, na sua própria língua”16 (JAQUES, 1941, p. província de Limpopo, África do Sul), 205, tradução para português do autor)17. oriundos da zona costeira, a quem imputou Nos estudos da época sobre as línguas que falavam uma língua que designou por bantu, a maior contribuição foi de gwamba /shigwamba, uma das várias estudiosos alemães e ingleses, devido aos designações com que localmente se fazia seus interesses nesta região. A contribuição referência a este grupo de refugiados. de outras potências coloniais, como a Conforme afirma P. Harries: França, é escassa (HASHA, 1985). Muito A população de Spelonken era posteriormente, também houve o composta por refugiados ou envolvimento de estudiosos portugueses, imigrantes empurrados para a região vindos por toda a zona sul de muitos associados a instituições religiosas, Moçambique. Gwamba, portanto, como, por exemplo, (RIBEIRO, 1965), tornou-se uma língua veicular para (SANTOS L. F., 1941), (PRATA, 1960), pessoas cujas diferenças linguísticas (BALACÓ, 1906), (MARTINS, 1991), ou reflectiam as suas origens, como (JESUS, 1963) ou organismos Henri Berthoud salientou ‘todas as partes de Gaza e do sul’. Ele governamentais, como, por exemplo, descreveu Gwamba como uma salada (RITA-FERREIRA, 1959), (RITA- de frutas de hlengwes, djongas, FERREIRA, 1973), (RITA-FERREIRA, boeres, ingleses, nwaloungous, 1975), (QUINTÃO, 1951), ou hlavis, vendas, sothos'. Muitas das (KAMTEDZA, 1964). Note-se, porém, que formas de fala habituais entre os refugiados em Spelonken eram muito muitos destes estudiosos deram pouco mutuamente compreensíveis18 continuidade ao trabalho inicial descrito (HARRIES, 1988, p. 33, tradução anteriormente e apoiaram-se nos alicerces para português do autor) estabelecidos nos estudos dos A heterogeneidade do shigwamba, que, de “missionários-linguistas” e dos linguistas facto, era uma junção de dialectos, que não anglófonos histórico-comparativistas, como eram necessariamente mutuamente foi o caso de Rita-Ferreira (1958), que se Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 67

G Firmino

inteligíveis, conduzia a dificuldades no único exemplar de literatura processo de evangelização, uma vez que, vernacular, o buku tinha uma grande procura por parte das pessoas que para além de ser uma designação conhecida tinham adquirido, e desejavam apenas na zona de Spelonken, na vasta manter, um bocadinho de literacia19 região de evangelização, que era a zona sul (HARRIES, 1988, p. 42, tradução para de Moçambique, se falava uma língua com português do autor). características distintas, a que se designou Por via do impacto social do buku, que até por tonga, thonga ou tsonga. Assim, a se torna um símbolo de ascensão social, e designação da língua shigwamba, por das habilidades que lhe eram associadas, a decisão de Henri Berthoud, passou a ser escrita e leitura (HARRIES 1988, p. 45)20, tonga ou tsonga, por ser a mais comum há uma consolidação do tsonga, na versão nesta região. codificada pelos missionários. As estações missionárias estabelecidas pela Consequentemente, esta versão de tsonga é Missão Suiça (hoje Igreja Presbiteriana) difundida pela região missionária, mesmo tinham uma influência sobre uma região onde a variante quotidiana comum não era que cobria um território dos tsongas, aquela em que se baseava o material cobrindo o sul de Moçambique, sudeste do litúrgico, surgindo, daí, um potencial de Zimbabwe e este do então Transvaal conflito, que poderia conduzir a (actuais províncias de Gauteng, Limpopo e reformulação das representações Mpumalanga, na República da África do linguísticas. Por exemplo, para além do Rio Sul). Supunha-se que esta região era um Limpopo, há uma unidade linguística, campo linguístico tsonga, na sequência da inicialmente designada por hlengwe e renomeação de uma categoria linguística posteriormente reclassificada como tswa inicialmente designada por gwamba ou (HARRIES 1988, p. 35), que se torna uma shigwamba, pelo que as respectivas entidade autónoma. Curiosamente, é a populações poderiam, na óptica dos variante que é adoptada pela Igreja missionários, ser evangelizadas usando-se o Episcopal (mais tarde Igreja Metodista mesmo material litúrgico. Assim, Unida). Mais a sul, com o estabelecimento missionários da Missão Suiça, como Henri de novas estações missionárias de Khovo Berthoud, empenharam-se na codificação e (em Lourenço Marques, hoje ) e de padronizada do tsonga, incluindo a Rikatla (na região de Marracuene), em elaboração de materiais litúrgicos baseados 1887-8, o uso de material baseado no tsonga nesta categoria linguística, como o buku é questionado, mesmo no seio da Missão (bíblia e colectânea de hinos). A difusão do Suiça. Com efeito, Henri Junod, buku, associada à evangelização, obrigou a missionário estacionado em Lourenço introdução de habilidades ligadas à Marques e Rikatla, chega a alegar literacia, nomeadamente, à escrita e à dificuldades para continuar a evangelizar leitura, que se tornaram um bem simbólico com material baseado em tsonga, porque as importante, tal como a própria populações com que lidava falavam uma cristianização. Como afirma Harries língua distinta, o ronga: (1988), Não penso que seja possível nem […] o buku era um poderoso desejável prosseguir com um único instrumento de evangelização. As livro, isto é, esse de shigwamba. Os pessoas ficavam impressionadas pela dois dialectos são essencialmente leitura como meio de comunicação, diferentes que sou de opinião que a particularmente quando era num nossa missão no país dos rongas não idioma com o qual tinham certa se poderá desenvolver de uma familiaridade. As leituras da Bíblia maneira normal até que possua os seus próprios livros, livros em resultavam imediatamente em 21 conversões para o Cristianismo. Como shironga (citado em HARRIES

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 68

G Firmino

1988, p. 47 - tradução para português territorial, inclusão de “novas” línguas, do autor) novas descrições linguísticas, novos Após um intenso debate entre os materiais de padronização e codificação missionários suíços, acabou por se produzir (gramáticas, dicionários, ortografias, etc.), material litúrgico em ronga, promovendo-se apresentação de uma nova perspectiva da uma cisão linguística de que resultou a relação inter-linguística ou inter-dialectal, emergência e legitimação de duas variantes, ou mesmo da proposta de uma padronização denominadas ronga e tsonga. Contudo, quer na designação das diferentes línguas. Tal se parecer que o problema não estava apenas pode notar na tabela de correspondência das na diferença linguística em si, mas na unidades linguísticas que têm sido competição que se desenvolveu com outras propostas para o caso das línguas bantu do denominações religiosas. Na região de sul de Moçambique, seguidamente Lourenço Marques, a Igreja Wesleyana apresentada. professava em ronga e, por causa disso, A Tabela 1 mostra que, embora a conquistava mais crentes, em desfavor da caracterização linguística do território Missão Suiça, que usava material em apresente modificações e visões tsonga, na variante shigwamba, concebida diferenciadas, a matriz inicial, tal como pelos missionários. Como os crentes “construída” pelos percursores, continua estranhavam este material em tsonga, visível. De facto, o que se observa é uma preferiam aderir à Igreja Wesleyana. Com listagem em que se mantêm as categorias poucos crentes, Junod não poderia mostrar originalmente postuladas (mesmo que o trabalho comparável aos colegas em nome sofra modificações), num Spelonken (cf. HARRIES 1988, p. 48). Daí ordenamento que acaba projectando cinco o interesse de Junod em promover o ronga unidades linguísticas, que se subdividirão e em ter material nesta variante linguística em dois blocos, nomeadamente, (também numa forma codificada pelos xitswa/xichangana/xironga e missionários). gitonga/cicopi, como é notório, por Como se pode notar, o processo de criação exemplo, na clássica classificação de línguas não decorria meramente dos apresentada em Guthrie (1967-71). O procedimentos científicos, que até eram primeiro bloco é reconhecido desde os dominados pelos missionários-linguistas, estudos seminais como um continuum mas, sobretudo, de contingências (etno)linguístico (JUNOD, 1996, p. 33-53), extralinguísticas, ligadas aos interesses embora, socialmente, sob o ponto de vista estratégicos em jogo. As línguas ganhavam émico, tal continuidade e similaridade não visibilidade não através de processos seja um dado adquirido. Vicissitudes linguísticos, mas como objectos de históricas, que associaram o xichangana ao manipulação, de acordo com os objectivos Império de Gaza, fundado por Sochangane estratégicos, neste caso, relacionados com o (daí o etnónimo vachangana), que dominou proselitismo religioso. pelo saque, pilhagem e tributação forçada a zona sul do actual Moçambique, Sistematizações posteriores ocasionaram conflitos que causaram Classificações posteriores recriam as animosidade entre os vachanganas e os categorias etnolinguísticas, cuja génese está povos rongas e tswas, assim como, e na postulação iniciada pelos “missionários- principalmente, com os povos chope e linguistas” dos séculos XIX-XX. Estas tonga. Por outro lado, na região sul de classificações dão continuidade às Moçambique nunca houve uma noção de classificações iniciais, ao mesmo tempo que uma nação unitária, o que também vão reconfigurando a sua versão inicial, propiciava um sentido de independência através, inter alia, da (re-)delimitação nos diferentes agrupamentos clânicos. Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 69

G Firmino

Deste modo, nota-se que a ideia de uma integração num mesmo grupo, uma vez que nação ronga, ou nação tsonga, ou ainda tanto na estrutura das línguas como em nação tswa, não era prevalecente (cf. aspectos sócio-culturais apresentam JUNOD, 1996, p. 34). Eventualmente, consideráveis diferenças entre si. Assim, poderia apenas haver alianças político- apesar de os estudiosos reconhecerem à militares de acordo com interesses proximidade classificatória entre gitonga e conjunturais dos diferentes agrupamentos. cicopi, como é, por exemplo, o caso de O segundo bloco é composto por unidades Guthrie (1967-71), supor um continuum linguísticas refractárias à integração no linguístico parece problemático, primeiro, dada a especificidade estrutural contrariamente ao caso de xitswa, do gitonga e do cicopi, comparativamente xichangana e xironga. Portanto, a ao xitswa, xichangana e xironga. O facto de proximidade classificatória entre gitonga e as duas unidades (etno)linguísticas se cicopi, ou seja, o ordenamento linguístico afastarem do grupo linguístico tsonga (isto daí decorrente, é uma mera conjectura é, o continuum xitswa/xichangana/xironga), iniciada pelos estudiosos, que foi sendo deve ser a condição que levou à sua amplamente adoptada.

TABELA 1 - Correspondências das unidades linguísticas do sul de Moçambique22

Atlas de SITOE & Estudos GUTHRIE Mondlane RGPH- NELIMO RGPH Região onde Moçambique NGUNGA Seminais23 (1967-71) (1967)25 (1997)26 (1989) (2017)27 se fala (1960)24 (2000) Tswa/Xitswa Tswa Tswa Tswa Xitshwa Citshwa Xitshwa Inhambane

Guamba, Gwamba - - - Transvaal Shigwamba

Thonga (Tsonga, Bila, Tsonga- Shangaan, Xitsonga/ Tsonga Djonga, Vatswa- Tsonga Xichangana Xichangana Gaza, Maputo Thonga, Tsonga Xichangana Thonga, Ronga Hlamganou)

Sironga/Ronga Ronga Ronga Ronga Xironga Xirhonga Xirhonga Maputo

Lenge, Xilenge, Kilenge, Gaza Valenge, Tʃopi

Tchopi, Chopi, Copi Txitxopi/Cico Inhambane, Xope Chope Cicopi Chichopi Chope, Tʃopi (Lenge) pi Gaza

Tonga Gitonga Tonga Bitonga Gitonga Gitonga Bitonga Inhambane (Shengwe)

De facto, as designações até podem sofrer interesses conjunturais que guiavam o seu alterações, mas as categorias permanecem trabalho. Tão fixas que o seu efeito perdura intactas e o caso do continuum linguístico na actualidade. Por exemplo, quando se tsonga é paradigmático. Este continuum tem toma em atenção actividades nacionais sido visto como tripartido (xironga, realizadas em diferentes sectores, nota-se xitsonga/xichangana e xitswa). Por que um ordenamento linguístico que é reflexo razão o continuum é repartido exactamete de categorias linguísticas concebidas em três sub-categorias (e não em duas, inicialmente pelos “missionários- cinco, sete, ou oito, por exemplo)? As três linguistas”, caracterizado pela emergência categorias são construções já “fixadas”, que no sul de Moçambique de cinco unidades derivam do trabalho de H. Junod e seus linguísticas, nomeadamente, xironga, pares ( os “missionários-linguistas”), sob a xichangana, xitswa, cicopi, gitonga. Como influência de ferramentas epistemológicas e evidência, tenha-se em conta as emissoões Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 70

G Firmino

radiofónicas da RM. Que linguas são Etnicidade e a construção da nação- usadas? Considere-se o ensino bilingue. estado em Moçambique Que línguas são previstas? Consulte-se os O nacionalismo moçambicano assume uma relatórios dos seminários sobre a dimensão decisiva com a acção da padronização das ortografias? Que línguas FRELIMO (Frente de Libertação de são consideradas? Veja-se os relatórios dos Moçambique), criada em 1962, que censos populacionais. Que línguas são organiza uma insurreição armada contra a incluidas? As bíblias, em que línguas estão colonização portuguesa. Em 1975, traduzidas? Quando os cidadãos do sul de Moçambique obtém a sua independência, Moçambique se identificam, a que grupos sob a liderança da FRELIMO. Desde a sua etnolinguísticos se associam? Para todas criação, a unidade nacional, significando a estas questões a resposta é: xironga, coexistência e entendimento dos diferentes xichangana, xitswa, cicopi, ou gitonga. Isso elementos pertencentes a diferentes grupos se nota também no trabalho dos linguistas. étnicos, regionais e raciais, foi considerada Um exemplo disso é a organização do um imperativo para a conquista da vitória trabalho durante os seminários de sobre o colonialismo. De facto, a própria padronização das ortografias das línguas constituição da FRELIMO foi uma moçambicanas, em que inicialmente, em representação deste imperativo, como é 1988, se postulou um grupo que integrava testemunhado pelo epíteto que é associado xitswa, xichangana e xironga e outro ao primeiro líder do movimento, Eduardo composto por cicopi e gitonga. Houve uma Mondlane: “arquitecto da unidade necessidade de reformulação dos grupos, nacional”. Apesar de o movimento incluir face às discrepâncias entre a visão dos elementos que se distinguiam também pela utentes, conforme opinião dos seus raça, idade, género, etc., a referência à representantes no seminário, e os unidade nacional era basicamente o apelo a pressupostos dos estudiosos. Por causa união de pessoas cujo perfil étnico-regional disso, ultimamente, nos seminários espelhava as categorias etnolinguísticas recentes, há uma individualização destas projectadas pelos estudos anteriormente línguas, embora se continue a se assumir as referidos, em conjugação com as políticas mesmas unidades linguísticas, as mesmas coloniais de organização do território categorias, o mesmo ordenamento moçambicano e consequente linguístico, ou seja, xironga, xichangana, estabelecimento da administração colonial. xitswa, cicopi e gitonga. Por exemplo, a FRELIMO considerava que De certa forma, o ordenamento territorial no seio da população moçambicana, só na também é um reflexo da caracterização base linguística, sem ter em conta os tripartida do grupo tsonga. Com efeito, por dialectos, poder-se-ia identificar os que razão a região sul é composta seguintes grupos etnolinguísticos ou tribais precisamente por três províncias (e não 4 ou (MONDLANE, 1975, p. 74): 5, por exemplo?) com um traçado territorial i. Nyanja (nas margens oriental e sul do bastante irregular? Parece lógico assumir Lago Niassa); que será uma consequência de se fazer um acompanhamento ao complexo ii. Macua e seus dialectos (nas etnolinguístico tripartido construido pelos províncias de Moçambique, actual estudiosos, já que, nas três províncias, há Nampula, e parte de Zambézia, uma maioritariamemte ronga (Maputo), Niassa e Cabo Delgado); outra maioritariamente changana (Gaza) e iii. Yau, ou ajaua, (na maior parte da ainda outra maioritariamente tswa província de Niassa); (Inhambane).

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 71

G Firmino

iv. Maconde (na província de Cado Rongas ou Senas e partiam como Delgado); moçambicanos”28 (HARRIES, 1998, citando Samora Machel, então Presidente v. Sena (nas províncias de Zambézia, Manica e Sofala); da FRELIMO, tradução para português do autor). Daí também a adopção do português vi. Ndau-Nyai-Shona (na província de como língua do movimento de libertação, Manica e Sofala); em prenúncio do que ocorreria depois da vii. Tsonga-Vatsua-Ronga (nas independência de Moçambique, em que o províncias de Gaza e Inhambane e na português é elevado ao estatuto de língua cidade de Lourenço Marques). oficial e símbolo da unidade nacional, superiorizando-se às demais línguas Como se pode notar, o grupo Tsonga- autóctones, conotadas com o “tribalismo”29. Vatsua-Ronga relaciona-se com o Portanto, as várias unidades linguísticas da continuum linguístico família bantu são recategorizadas num xironga/xichangana/xitswa anteriormente grande grupo, normalmente designado referido, concebido na sequência do línguas moçambicanas (e quase nunca, trabalho de ordenamento linguístico dos línguas étnicas, apesar de, de facto, o “missionários-linguistas”. Curiosamente, serem), sob um superstracto linguístico não há referência as outras duas línguas representado pela língua portuguesa, que é associadas à região sul, ou seja, cicopi e projectada como uma categoria com uma gitonga, o que é surpreendente dado o facto dimensão supra-étnica. Portanto, para o de se saber que Eduardo Mondlane, líder da projecto político de reconstrução nacional FRELIMO, nascera e crescera na zona sul concebido pela FRELIMO já não de Moçambique. Contudo, a não referência interessava a atomização étnica promovida das duas línguas poderá ser o reflexo da pelo proselitismo religioso dos predominância do continuum missionários. O cidadão da nova nação- xironga/xichangana/xitswa. Assim, estado moçambicana, o homem novo na postula-se que o gitonga e cicopi, como nova sociedade deveria comungar por línguas minoritárias, estariam na órbita valores que transcendiam afiliações étnico- deste continuum. regionais, linguisticamente representados O facto de os grupos etnolinguísticos pelo uso da língua portuguesa estarem referidos num documento (MACAGNO, 2009, p. 20). Daí a sua orientador da FRELIMO, mostra que reconstrução sócio-simbólica como constituíam elementos de (des)classificação símbolo de unidade nacional, um processo do outro, como atestam alguns conflitos de reinvenção da língua, com raízes na luta documentados que ocorreram no seio do armada, quando a língua portuguesa foi movimento (CHICHAVA, 2008; REIS e adoptada como língua do movimento, MUIUANE, 1975, p. 161-2). O conceito de conforme anteriormente referido unidade nacional foi um antídoto criado Apesar da imaginação da unidade nacional, pela FRELIMO, como estratégia para o percurso do país mostra que a diversidade enfrentar o colonialismo e criar a “nova etnolinguística também persiste e influi na sociedade” (MACAGNO, 2005; SUMICH, configuração da sociedade moçambicana e 2008), tendo como objectivo central no posicionamento dos moçambicanos no eliminar clivagens internas, incluindo acesso pelos bens políticos, económicos, tensões étnicas. Assim, a ideia era que os sociais, etc. De facto, actualmente, integrantes da FRELIMO, “chegavam ao emergiram as categorizações étnico- campo da FRELIMO em Nachingwea na regionais com influência na vida política Tanzânia como as Makondes, Makuas, (cf. FLORÊNCIO, 2002; POSSE, 2019). Nyanjas, Manikas, Changanas, Ajauas, Na vida quotidiana, também se nota o efeito

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 72

G Firmino

de categorias étnico-regionais referidos espaços territoriais. Neste sentido, (CHICHAVA, 2008; MABONGO, 2015). diversos actores coloniais (missionários, Estas categorizações têm uma relação com administradores, exploradores, o mapeamento etnolinguístico cuja gênese aventureiros, etc.) procuraram apreender a está no trabalho dos “linguistas- realidade social dos territórios coloniais, missionários” e, para o caso do sul de projectando uma ordem social, através da Moçambique, as categorias étnico- qual se dava uma configuração às regionais derivam dos cinco grupos sociedades autóctones. Um exemplo disso é etnolinguisticos anteriormente a ordem social criada com a definição de identificados, isto é, xironga, xichangana, categorias (etno)linguísticas. xitswa, cicopi e gitonga. Obviamente que Esta comunicação reviu o processo de não são as categorias em si que são fonte de ordenamento etnolinguístico em tensões, mas a forma como elas são Moçambique, mostrando o processo de manipuladas na sociedade e intermedeiam (re)criação de categorias (etno)linguísticas, as relações políticas, económicas, sociais, com especial incidência para a região sul do culturais que os cidadãos mantêm entre si. país. Partindo de abordagens pioneiras de O ordenamento social, como é evidente, missionários (por exemplo, Henri ainda continua --- de facto, nenhum poder, Berthoud, Henri Junod) e académicos (por se pode instituir sem a imposição de uma exemplo, Wilhelm Bleek, Carl Meinhof, ordem ---, agora contando com a Malcom Guthrie), ou apelando a trabalhos colaboração, para além de protagonistas recentes de estudiosos nacionais e a dados ocidentais, de actores autóctones/nacionais, oficiais, foram apresentados elementos que na sua pele de académicos, administradores, revelam o percurso histórico da nomeação e políticos, etc., com as mesmas armas mapeamento das línguas autóctones, (autoridade científica) e com os mesmos comummente reconhecidas no país. Este propósitos (proselitismo). Dão percurso começou pela caracterização e continuidade ao trabalho pioneiro dos classificação inicial feita pelos primeiros estudiosos europeus, retrabalhando as colonizadores europeus, principalmente os categorias por estes postulados e dando-lhes missionários, que identificaram línguas mais substância na sua caracterização. Isto para uso no processo de evangelização. é, os estudiosos actuais quando estudam o Com a ocupação colonial e sofisticação do gitonga, o xichangana, o xironga, etc., estão instrumentário epistemológico, a que se a recriar as categorizações feitas pelos seus associa o proselitismo religioso, intensifica- predecessores, em conformidade com os se o trabalho de tratamento linguístico e de pressupostos ideológico-científico nomeação, de que resultam representações prevalecentes no tempo actual, cuja génese linguísticas, correlacionadas com a também está no mundo ocidental (HALL e construção de categorias etnolinguísticas. TANDON, 2017; SANTOS, 2010), nos Estas categorias etnolinguísticas são quais os cientistas autóctones continuam a plásticas e vão sendo recriadas em ser treinados e a considerar como padrão de diferentes momentos históricos, desde o referência. tempo colonial até aos tempos actuais, mas sempre com pontos de convergência, em CONCLUSÃO relação ao período precursor. Portanto, a A conquista e administração de territórios comunicação procurou mostrar que a coloniais, na sequência da Conferência de (re)criação de categorias (etno)linguísticas, Berlim, impôs necessidades de gestão, o que se cristalizam e afectam a organização que pressupôs o estabelecimento de uma social no período pós-colonial, é um reflexo certa ordem e consequente concepção de de perspectivas exógenas (eurocêntricas), categorias para a apreensão da realidade dos ideologicamente determinadas, impostas Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 73

G Firmino

com um cunho de cientificidade. Como Lourenço Marques: Empresa Moderna, argumento final, a comunicação propôs que 1960. Disponível em: ainda ocorre um processo de reificação das . cientistas autóctones, com repercussões no Acesso em 07 Março 2021. posicionamento social dos cidadãos, na DOKE, C. M. The growth of comparative inclusão/exclusão social e, em última Bantu philology. In: HERBERT, R. K. instância, na definição de políticas de (ed.). Foundations in Southern African participação do cidadão na edificação da Linguistics. Johannesburg: Witwatersrand nação-estado em Moçambique. University Press, 1993. p. 71-96. REFERÊNCIAS EARTHY, E. D. Some agricultural rites practised by the Valenge and Vachopi BALACÓ, A. D. Macua: Apontamentos (Portuguese East Africa). Bantu Studies. para o estudo da língua. Lisboa: Imprensa Johannesburg, v. 2, n.1, p. 265-267, 1923. Lucas, 1996. EARTHY, E. D. Sundry notes on the BERTHOUD, H. Shangaan Grammar: Vandau of Sofala. Bantu Studies. From the manuscript of H. Berthoud of Johannesburg, v. 4, n. 1, p. 95-107, 1930. the Swiss Mission. Lausanne: Georges Bridel & Cie, 1908. EARTHY, E. D. Note on the "totemism" of the Vandau. Bantu Studies. Johannesburg, BERTHOUD, P. Elements de grammaire v.5, n.1, pp. 77-79, 1931. Ronga. Lausanne: Impremeries Reunies, 1920. EARTHY, E. D. An analysis of folktales of the lenge, Portuguese East Africa. Ethnos: CHIMBUTANE, F. Panorama linguístico Journal of Anthropology. London, v. 18, de Moçambique: análise dos dados do III n. 1-2, p. 73-85, 1953. recenseamento geral da população e habitação de 2007. Maputo: Instituto ERRINGTON, J. Colonial linguistics. Nacional de Estatística. 2012. Annual Review of Anthropology. Palo Alto, v.30, p.19-39, 2001. CHICHAVA, S. Por uma leitura sócio- histórica da etnicidade em Moçambique. ERRINGTON, J. Linguistics in a colonial Maputo: IESE, 2008. world: A story of language, meaning, and COLE, D. T. African Linguistic Studies, power. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2007. 1943-1960. African Studies. Johannesburg, v. 19, n.4, p. 219-229, 1960. FIRMINO, G. Situação linguística de Moçambique. Maputo: Instituto Nacional COURTOIS, V. J. Elementos de de Estatística, 2000. grammatica tetense: lingua chi-nyungue: idioma fallado no districto de Tete e em FIRMINO, G. A “questão linguística” na toda a vasta região do Zambeze inferior. África pós-colonial: o caso do português Coimbra: Imprensa da Universidade, 1900. e das línguas autóctones em . Maputo: Promédia, 2002. DOKE, C. M. Early Bantu literature: The Moçambique age of Brusciotto. In: Herbert, R. K. The FLORÊNCIO, F. Identidade étnica e Foundations in Southern African práticas políticas entre os vaNdau de Linguistics. Johannesburg: Witwatersrand Moçambique. Lisboa: Cadernos de University Press, p.109-127, 1993. Estudos Africanos. 2, pp. 39-63, 2002. DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FORTIN, M. Fundamentos e etapas do AGRIMENSURA. Atlas de Moçambique. processo de investigação. Loures: Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 74

G Firmino

Lusodidacta, 2009. Languages: An introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 1-10. GEERTZ, C. The integrative revolution: primordial sentiments and civil politics in HERBERT, R. K. (ed.). Foundations in the new states. In: GEERTZ, C. (ed). The southern African linguistics. interpretation of cultures. New York: Johannesburg: Witwatersrand University Basic Books, 1973. p. 255–310. Press, 1993. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa HETHERWICK, A. Handbook of the Yao social. São Paulo: Atlas, 2008. language. London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1902. GILMOUR, R. Grammars of colonialism. Representing languages in colonial South INE (INSTITUTO NACIONAL DE Africa. New York: Palagrave-Macmillan, ESTATÍSTICA). IV Recenseamento geral 2006. da população-2017. Maputo: INE, 2019. Disponível em: < GREENBERG, J. The languages of http://www.ine.gov.mz/iv-rgph-2017>. Africa. Bloomington: Indiana University Acesso em: 07 Março 2021. Press, 1966. IRVINE, J. Subjected words: African GRIMES, B. Ethnologue: the languages linguistics and the colonial encounter. of the world. Dallas, Texas: SIL, 1996. Language and Communication. GUTHRIE, M. Comparative Bantu: An Kidlington, v.28, p.323–324, 2008. introduction to the comparative JAQUES, A. A. Shangana-Tsonga linguistics and prehistory of the Bantu ideophones and their tones. Bantu Studies. languages. Hants: Gregg International Johannesburg, v.15, n.1, p. 205-244, 1941. Publishers, 1967-71. JESUS, M. d. HALL, B. L.; TANDON, R. Decolonization Dicionário Português- of knowledge, epistemicide, participatory Nyanja pelos Missionários da Companhia de Jesus. Lisboa: Junta de research and higher education. Research Investigação do Ultramar, 1963. for All. Bristol, v. 1, n. 1, p. 6-19, 2017. Doi 10.18546/rfa.01.1.02. JUNOD, H. A. Bukhaneli bya sironga: HARRIES, L. An outline of Mawiha grammar of the ronga language. Lausanne: Georges Bridel & Cie, 1903. grammar. Bantu Studies. Johannesburg, v. XIV, p. 91-146, 1940. JUNOD, H. A. Elementary grammar of HARRIES, P. The roots of ethnicity: the Thonga-Shangaan language. Discourse and the politics of language Shiluvane: Swiss Mission, 1907. construction in South-East Africa. African JUNOD, H. A. Vulavuri bya sithonga Affairs, Oxford, v. 87, n. 346, p. 25-52, (Grammaire thonga en thonga). Lausanne: January 1988. Imprimeries Réunies, 1929. HARRIES, P. Junod e as sociedades JUNOD, H. A. Usos e costumes dos africanas: Impacto dos missionários Bantu. Maputo: Arquivo Histórico de suiços na África Austral. Maputo: Edições Moçambique, 1996. Paulinas, 2007. JUNOD, H. P. Grammaire Ronga suivie HASHA, P. Bantu studies: The French in d’un manuel de conversation et d’un East Africa. Cahiers d'Etudes Africaines. vocabulaire. Lausanne: Georges Bridel & Paris, v. 25, n. 98, p. 259-262, 1985. Cie, 1896. HEINE, B.; NURSE, D. Introduction. In: HEINE, B.; NURSE, D (ed.). African

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 75

G Firmino

JUNOD, H. P. Some Notes on Tʃopi MAHO, J. The Bantu area: (towards) origins. Bantu Studies. Johannesburg, v. 3, clearing the mess. Africa & Asia. n.1, p. 57-71, 1927. Göteborg, v. 1, p. 40-49, 2001. JUNOD, H. P. Elements de grammaire MAKONI, S. e PENNYCOOK, A. Tchopi (m’chopes). Lisboa: Carmona, Disinventing and reconstituting languages. 1931 In: MAKONI, S. e PENNYCOOK, A (ed). JUNOD, H. P. Notes on the ethnological Disinventing and reconstituting . Clevedon: Multilingual situation in Portuguese East Africa on the languages Matters, 2007, p. 1-41. south of the Zambesi. Bantu Studies. Johannesburg, v. 10, n. 1, p. 293-311, 1936. MALYN, N. A short history of Mozambique. Johannesburg/Cape Town: KAMTEDZA, J. D. Elementos de Jonathan Ball Publishers, 2018. gramática Cinyanja. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar, 1964. MAPLES, C. Collections for a handbook of the Makua language. London: Society LANHAM, L. W. A study of Gitonga of for Promoting Christian Knowledge, 1879. Inhambane. Johannesburg: Witwatersrand University Press, 1955. MARTINS, M. d. Elementos da língua LYNCH, G. Ethnicity in Africa. In: Nyungwe: Tete, Moçambique: ______Oxford Research Encyclopedia Gramática e dicionário (Nyngwe- Português-Nyungwe). Roma: of African History. Oxford: Oxford Missionários Combonianos, 1991. University Press, 2018. MAUGHAM, R. C. Studies in the chi- MABONGO, A. W. Diversidade étnica e Makua language. Zanzibar: Universities' exclusão social no processo da Mission Print, 1909. consolidação da unidade nacional: O caso dos vendedores e vendedoras MISSIONÁRIOS DA COMPANHIA DE informais do mercado de Estrela JESUS. Elementos de gramática Vermelha - cidade de Maputo. 2015. Cinyanja. Lisboa: Junta de Investigações 153f. Dissertação (Mestrado em Relações do Ultramar, 1964. Interculturais). Curso de Pós-Graduação em MONDLANE, E. Tribos ou grupos étnicos Relações Interculturais, Universidade moçambicanos. In: J. REIS, J.; MUIUANE, Aberta, Lisboa, 2015. A. P. (ed.). Datas e documentos da MACAGNO, L. Lendo Marx "pela segunda história da FRELIMO. Maputo: Imprensa vez": Experiência colonial e a construção da Nacional, 1975. p. 73-79. nação em Moçambique. In: IV MOREIRA, A. Practical grammatical COLÓQUIO MARX E ENGELS, notes of the Sena language. Vienna: St. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Gabriel-Modling, Anthropos, 1924. Campinas: UNICAMP, 8 a 11 de novembro de 2005. Disponível MOUNIN, Georges. História da em:. Acesso em: MUDIMBE, V. Y. The invention of 7 Março 2020. Africa: Gnosis, philosophy, and the order MACAGNO, L. Fragmentos de uma of knowledge. Bloomington: Indiana imaginação nacional. Revista Brasileira de University Press, 1988. Ciências Sociais. S. Paulo, v. 24, n. 18, p. NELIMO (NÚCLEO DE ESTUDO DE 17-35, 2009. LÍNGUAS MOÇAMBICANAS). I Seminário sobre a padronização da Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 76

G Firmino

ortografia de línguas moçambicanas. RITA-FERREIRA, A. Mozambique ethnic Maputo: Instituto Nacional de characterization and grouping. South Desenvolvimento da African Journal of Science. Pretoria, v. 55, Educação/Universidade Eduardo n. 8, p. 201-204, 1959. Mondlane, Faculdade de Letras, NELIMO, RITA-FERREIRA, A. The ethno-history 1989. and the ethnic grouping of the peoples of NGUNGA, A.; FAQUIR, O. G. Moçambique. Africa Insight. Pretoria, v. 3, Padronização da ortografia de línguas n. 1, p. 56-76, 1973. : Relatório do III moçambicanas RITA-FERREIRA, A. Povos de Seminário. Maputo: Centro de Estudos Moçambique. Porto: Afrontamento, 1975. Africanos/UEM, 2012. SAID, E. W. Orientalismo: o oriente NOGUEIRA, R. d. Da importância do como invenção do ocidente. São Paulo : estudo científico das línguas africanas. Companhia das Letras, 1990. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, Ministério do Ultramar, 1958. SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia PERSSON, J. A. English-Tswa dos saberes. In: SANTOS, B. S. e; . Cleveland (Transvaal, South dictionary MENESES, M. P. (ed.), Epistemologias do Africa): Inhambane Mission Press, 1928. sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 31-83. PERSSON, J. A. Outline of a Tswa SANTOS, L. F. Gramática da língua . grammar with practical exercises Chope. Lourenço Marques: Imprensa Cleveland (Transvaal, ): Nacional, 1941. Inhambane Mission Press, 1932. SEVERO, C. G. A invenção colonial das POSSE, L. Identidades étnicas e línguas da América. Alfa. São Paulo, v. 60, governação municipal: algumas notas para n. 1, p. 11-28, 2016. reflexão a partir do caso da Beira. In: CHICHAVA, S. Desafios para SITOE, B.; NGUNGA, A. Padronização Moçambique: Dez anos pensando no da ortografia de línguas moçambicanas: país. Maputo: IESE, Maputo, 2019, p. 111- relatório do II seminário. Maputo: 128. NELIMO, 2000. PRATA, A. P. Gramática da língua SMYTH, W. E. A vocabulary with a short macua. Cucujães: Sociedade Missionária grammar of Xilenge, the language of the Portuguesa, 1960. people commonly called Chopi, spoken on the east coast of Africa between the QUINTÃO, J. L. Dicionários Xironga- Limpopo river and Inhambane. London: Português e Português-Xironga. Lisboa: Society for Promoting Christian Agência-Geral da Colônias, 1951. Knowledge, 1902. REIS, J.; MUIUANE, A. P. (ed.). Datas e SMYTH, W. E. Vocabulary of the documentos da história da FRELIMO. Gitonga language. London: Society for Maputo: Imprensa Nacional, 1975. Promoting Christian Knowledge, 1913. RIBEIRO, A. . Gramática Changana SUMICH, J. Construir uma nação: Caniçado, Gaza: Evangelizar, 1965. Ideologias de modernidade da elite RITA-FERREIRA, A. Agrupamento e moçambicana. Análise Social. Lisboa, v. caracterização étnica dos indígenas de XLIII, n. 2, p. 319-345, 2008. Moçambique. Lisboa: Instituto de TORREND, J. Grammatica do Chisena: a Investigação Científica Tropical, 1958. grammar of the language of the lower Zambezi. Chipanga, Zambézia: Typ. da Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 77

G Firmino

Missão de Chipanga, via Chinde, Zambézia, Friedrich-Wilhelms-Universität zu 1900. Berlin. Berlin, v. 7, n.3, p. 32-85, 1904. WARMELO, N. J. van. Das Gitonga. VITALI, E. The role of language and the Zeitschrift fur eingenborenen-sprachen. significance of primordialism in Hamburg, v. 22, p. 16-46, 1931. nationalistic rhetoric. Colloquium: New MOHL, A. von der. Praktische grammatik Philologies. Klagenfurt, Áustria, v.4, p. 149- der Bantu-sprach von Tete: einem dialeky 190, 2019. des Unter-Sambesi mit varianten der Sena- WOODWARD, H. W. An Outline of sprache. Mitteilungen des Seminar fur Makua grammar. Bantu studies. Orientalische Sprachen an der Johannesburg, v. 2, n.1, p. 269-325, 1923.

1 “[…] the study of languages and the pursuit of equivalente a mu- ou ba-, dando, por exemplo, language classification were part and parcel of palavras como muthu/vathu (‘pessoa, pessoas’, em attempts to ‘make sense’ of Africa, by mapping Gitonga), ou munu/vanu (‘pessoa, pessoas’, em homogeneous categories onto what appeared to Xichangana). Westerners to be confusingly heterogeneous African 8 Na classificação de M. Guthrie, cada zona é realities]” identificada por uma letra do alfabeto. O grupo 2 “A central problem for Grierson, as with many linguístico e as línguas são identificados por other linguists, was to decide on the boundaries números que incluem as letras das suas zonas. between languages and dialects. Dialects tended to 9 Nenhuma das línguas/ variedades que M. Guthrie be considered spoken forms, while languages were inclui neste grupo é falada em Moçambique. No accorded their special status according to other entanto, existem variedades no país que têm sido criteria such as regional similarities, family trees or relacionadas com o Swahili, tais como o Mwani. literary forms. One of the problems with this, however, was that while people had terms for their 10 Apresentada como sendo falada na Tanzânia. dialects – or at least terms for other people’s dialects 11 Apresentada como sendo falada na Zâmbia. (their own being considered the way one speaks) – they did not have terms for these larger 12 Apresentada como sendo falada na Rodésia – constructions, ‘languages’” actual Zimbabwe. 3 “By the third quarter of the XVIIth century, work 13 “Any update of Guthrie’s classification is bound had begun on the vernaculars of the lower Zambezi, to remain a half-done job. There are so many regions where the Portuguese had for a considerable period in the Bantu area where data is still lacking for established themselves. Portuguese settlement at proper statements about linguistic demography, that Sena and Tette on the river, […] demanded the any linguistic-genetically validating revision, like presence of priests for their ministration, and, of those of Tervuren and SIL, or any referential update, necessity, they turned their attention to the Bantu as that proposed here, will most certainly be revised languages there” or updated again in the future”. 4 Ao longo do texto, as designações das línguas 14 Claro que os efeitos da acção missionária foram seguirão a forma usada na fonte utilizada em cada mais complexos, incluindo a subversão da própria caso. ordem colonial. 5 “[…] the inhabitants of Southern Africa may be 15 As designações das diferentes unidades divided into two principal races viz. The Hottentots linguísticas em Moçambique variam consoante as and the Kaffirs”. fontes. O artigo seguirá as fontes consultadas. Nos casos em que não se cita nenhuma fonte, procurar- 6 “[…] all linguistic types of the South African se-á usar a designação e ortografia propostas pelos aborigines must be classified as dialects of either one seminários de padronização das ortografias das or the other of these two principal classes” línguas moçambicanas. 7 Portanto, a palavra bantu é uma reconstrução do 16 protobanto, com o significado de povo ou gente. A “[…] the majority of the following ideophones palavra é formada a partir do radical -ntu referindo - were collected at the Lemana Training Institution by the Tsonga Third Year Students of 1939. The basis se a um ser humano e o prefixo ba- para indicar o of this work is thus due to the collective effort of plural, comum a muitas das línguas bantas. A young Native men and women who, for the first maioria das línguas bantu têm um equivalente ao radical -ntu, que pode levar como prefixos, o Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 78

G Firmino

22 A tabela inclui as línguas reconhecidas por cada time, discovered with interest and surprise uma das fontes como sendo faladas em something of the richness of their own language”. Moçambique. De entre as várias fontes consultadas, foram escolhidas algumas consideradas 17 Sublinhado do autor. representativas e para se evitar repetições 18 “The Spelonken population was composed of desnecessárias. refugees or immigrants drawn to the area from 23 Trata-se de uma menção, não exaustiva, de throughout southern Mozambique. Gwamba thus trabalhos a que o autor do artigo teve acesso. provided a vehicular language for people whose 24 linguistic differences reflected their origins in, as cf. DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE Henri Berthoud remarked', all parts of Gaza and the AGRIMENSURA. Atlas de Moçambique. Lourenço south'. He described Gwamba as 'a fruit-salad of Marques: Empresa Moderna, 1960. Disponível em: Hlengwe, of Djonga, of Boer, of English, of . Acesso em 07 Março the Spelonken were barely mutually 2021. comprehensible” 25 A fonte de informação é um texto de Eduardo 19 “[…] the buku, was a powerful instrument of Mondlane cuja referência é: MONDLANE, E. evangelization. People were impressed by reading as Tribos ou grupos étnicos moçambicanos. In: J. a means of communication, particularly when this REIS, J. e; MUIUANE, A. P. (ed.), Datas e was in an idiom with which they had some documentos da história da FRELIMO. Maputo: familiarity. Bible readings immediately resulted in Imprensa Nacional, 1975. p. 73-79. conversions to Christianity. As the only example of 26 Refere-se aos dados do Recenseamento Geral da vernacular literature, the buku was in great demand População e Habitação de 1997. A fonte é: by people who had acquired, and wished to maintain, FIRMINO, Gregório. Situação linguística de a modicum of literacy]” Moçambique. Maputo. Instituto Nacional de 20 É referida, a partir de uma narração de H. Junod, a Estatística, 2000. forma como a escrita na forma codificada do Tsonga 27 Refere-se aos dados contidos no Recenseamento passa a influenciar o decurso das interacções sociais: Geral da População e Habitação de 2017. A fonte é: “One day one of my neighbours INE (INSTITUTO NACIONAL DE was arrangingt o startf or Bilene to ESTATÍSTICA). IV Recenseamento geral da 'follow his goods;' he came and população-2017. Maputo: INE, 2019. Disponível requested me to give him a letter em: < http://www.ine.gov.mz/iv-rgph-2017>. "What for? Your debtors do not Acesso em: 07 Março 2021. know how to read and I do not 28 “[…] arrived at the Frelimo camp at Nachingwea know anything about your affairs". in Tanzania as Makondes, Makuas, Nyanjas, "It does not matter", said he. "The Manikas, Shangaans, Ajauas, Rongas or Senas, and important point is that I should left as Mozambicans'”. have a paper in my hand. They will be afraid. They will think that I 29 De facto, a Constituição de 1975, a primeira que come from the White people with vigorou no país, não se refere à questão das línguas. their authority. . ." I believe the A oficialização do português ficou inicialmente sight of the mysterious paper was consagrada apenas na Constituição de 1990, (Título not without influence in the I, capítulo I, artigo 5. 1), para além de declarar que o transactions that ended in the estado moçambicano valorizava as línguas nacionais recovery of his property”. (in como património cultural. A constituição aprovada HARRIES 1988, p. 45). em 2004, actualmente em vigor, reiterou a posição da língua portuguesa como língua oficial da 21 “I do not think it possible nor desirable to República de Moçambique (cf. Artigo 10 da proceed with a single book i. e. that of Constituição da República de Moçambique de shigwamba. The two dialects are so essentially 2004), ao mesmo tempo que no seu artigo 9 indica different that I am of the opinion that our que “o Estado valoriza as línguas nacionais como mission in the Ronga country will not be able to património cultural e educacional e promove o seu develop in a normal manner until it possesses its desenvolvimento e utilização crescente como own books, books in shi-ronga”. línguas veiculares da nossa identidade cultural”.

Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc.. Vol. 2, No 2, pp 59-79, 2021 79