Música e Músicos no Paraná sociedade, estéticas e memória v. I

Organização: Elisabeth Seraphim Prosser

Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia Linha de Pesquisa: Música Paranaense CNPq, Unespar/Embap

Curitiba, 2014

Música e Músicos no Paraná sociedade, estéticas e memória v. I

Organização: Elisabeth Seraphim Prosser

Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia Linha de Pesquisa: Música no Paraná CNPq, Unespar/Embap

Curitiba, 2014

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ Escola de Música e Belas Artes do Paraná Editora ArtEMBAP Rua Comendador Macedo, nº 254 – CEP 80.060-030, Curitiba, PR www.embap.pr.gov.br

MÚSICA E MÚSICOS NO PARANÁ sociedade, estéticas e memória, v. 1 Uma produção do Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia Linha de Pesquisa: Música Paranaense Líder do Grupo: Elisabeth Seraphim Prosser Capa: Sérgio Kirdziej - Parque Barigui, óleo s/tela, 40 cm x 30 cm, 1997, detalhe

Governador Beto Richa Secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior João Carlos Gomes Reitor da Unespar Antonio Carlos Aleixo Vice Reitor da Unespar Antonio Rodrigues Varella Neto Diretora da Embap Maria José Justino Vice Diretora da Embap Anna Maria Lacombe Feijó Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Fabio Poletto Editor Responsável pela Editora ArtEmbap José Eliezer Mikosz Organização e Coordenação Editorial Elisabeth Seraphim Prosser

CONSELHO EDITORIAL Dra. Amparo Carvas (Univ. de Coimbra) Dr. Paulo Castagna (Unesp) Dr. Carlos Yansen (Unespar/Embap) Dr. Orlando Fraga (Unespar/Embap)

Ficha Catalogação na publicação elaborada por Mauro Cândido dos Santos – CRB 1416-9ª Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M987 Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória / Organizado por Elisabeth Seraphim Prosser. Curitiba : ArtEmbap; 2014. v. 1. 168 p.

ISBN:

1. Música. 2. Música - Paraná. 3. Músicos – memória. I. Prosser, Elisabeth Seraphim. II. Escola de Música e Belas Artes do Paraná. III. Título.

CDU: 78.073

Os trabalhos apresentados são produção do Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia / Linha de Pesquisa: Música Paranaense, CNPq / Universidade Estadual do Paraná / Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Os textos são de inteira responsabilidade dos seus autores.

CDD CDU

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...... 4 Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER

PARTE I PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO PARANAENSE...... 7 Dranda. Beatriz Helena FURLANETTO

DAS IMAGENS, DOS SONS E DA MEMÓRIA HISTÓRICA: ASPECTOS DO JAZZ NO PARANÁ... 23 Me. Marilia GILLER; Mdo.Tiago Portella OTTO

BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSITOR, REGENTE, PROFESSOR...... 36 Esp. Angela Cristina LORENZZONI

INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM E A PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA...... 49 Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER

PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ...... 75 Dra. Ingrid BARANCOSKI

PENALVA, UM PÓS-MODERNISTA NA MÚSICA POPULAR: ANÁLISE DO ARRANJO DA CANÇÃO CARINHOSO...... 96 Me. Eduardo Fabrício FRIGATTI

SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: CONSIDERAÇÕES ANALÍTICO- INTERPRETATIVAS...... 113 Me. Alexandre GONÇALVES

PARTE II O IV FESTIVAL PENALVA E A III MOSTRA DE MÚSICA PARANAENSE Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012...... 147 Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER

DA MINHA ALDEIA...... 154 Dra. Maria José JUSTINO

DEZ ANOS SEM JOSÉ DE ALMEIDA PENALVA, CMF (1924-2002)...... 155 Dr. Pe. Jaime Sánchez BOSCH, cmf

INAMI CUSTÓDIO PINTO: PRÊMIO PENALVA 2012...... 156 Dr. Edwin Pitre VÁSQUEZ

PROGRAMAÇÃO GERAL DO IV FP & III MMP...... 157

QUADRO DA PROGRAMAÇÃO GERAL DO IV FP & III MMP...... 168

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APRESENTAÇÃO

Há algumas décadas, nota-se um crescente impulso quanto à pesquisa sobre a história da arte local, tanto no Paraná quanto em outros Estados brasileiros, com o objetivo de se escrever uma nova história da música e da arte brasileiras. De fato, somente se terá uma imagem do todo, se for possível conhecer as partes. Assim, no Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia, Linha de Pesquisa Música Paranaense, reuniram-se professores, estudantes e pesquisadores cujo interesse comum é o levantamento, o registro e a difusão do que se fez (faz) na música neste Estado, buscando aprofundar as investigações e alargar o seu leque. Este primeiro volume da série Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória, é uma pequena mostra da grande diversidade de temas a investigar. Alguns dos artigos foram apresentados nas mesas-redondas que compuseram o IV Festival Penalva e III Mostra de Música Paranaense, realizado em outubro de 2012, outros foram adicionados posteriormente por diferentes integrantes do Grupo de Pesquisa mencionado. A primeira parte do livro contém artigos que abrangem desde a música de tradição oral, com texto de Beatriz Furlanetto sobre o Boi de Mamão; e a música popular, com o trabalho de Marilia Giller e Thiago Portella Otto sobre o jazz no Paraná na primeira metade do século XX; até a história e a atuação de compositores e músicos que transformaram o seu contexto, como o intelectual e compositor Benedito Nicolau dos Santos, por Angela Lorenzonni, e a musicista e organizadora cultural Ingrid Müller Seraphim, por Elisabeth Seraphim Prosser. Os três trabalhos seguintes abordaram os aspectos didáticos da obra pianística de Henrique de Curitiba, por Ingrid Barancoski; e o estudo analítico de obras específicas de José Penalva, Carinhoso e as Sonatas para piano, por Eduardo Frigatti e Alexandre Gonçalves, respectivamente. Já a segunda parte do livro contém um breve relato sobre a composição no Paraná, dentro do contexto do IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense, além dos textos que compuseram o libreto com sua programação. O Festival/Mostra 5

está intimamente ligado ao Grupo de Pesquisa, que o realiza. Este, por sua vez, se retroalimenta com a performance da música que estuda, com os debates que ocorrem e com a apresentação e de várias pesquisas. Almeja-se, com esta publicação, socializar as investigações realizadas e documentar o Festival/Mostra, contribuindo para que se conheça cada vez mais a música e os músicos que constroem nossa história. Tanto o Festival/Mostra quanto este livro possibilitam um relance para o passado e para o presente, na multiplicidade de tendências e estilos, revelando diferentes momentos da realidade local e da nossa sociedade. Trata-se de um relance apenas, porque mostram uma parte ínfima de um grande mosaico, construído paulatinamente a cada nova pesquisa.

Profa. Dra. Elisabeth Seraphim Prosser Coordenadora Geral dos Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense e Organizadora da série Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória

Parte I Música e Músicos no Paraná, v. 1 Curitiba: Ed. ArtEmbap, 2014

PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO PARANAENSE

Dranda. Beatriz Helena Furlanetto1 Universidade Estadual do Paraná Campus I – Escola de Belas Artes do Paraná [email protected]

Resumo O texto apresenta as principais tendências sobre as pesquisas geográficas em música e paisagem sonora. Na perspectiva da geografia cultural, a paisagem reflete a dimensão simbólica das construções socioespaciais e pode ser apreendida como um texto cultural. Nesse sentido, a paisagem sonora do Boi-de-mamão expressa os atributos culturais de determinadas comunidades do litoral paranaense, contribui no processo de construção identitária, promove a integração social e consolida os vínculos de pertencimento ao lugar.

Palavras-chave: Geografia cultural; Paisagem; Música; Festa brasileira; Boi-de-mamão.

SOUND LANDSCAPE OF PARANÁ’S BOI-DE-MAMÃO, A “PAPAYA-OX” FESTIVAL

Abstract The text presents key trends on geographical research in music and soundscape. From the perspective of cultural geography, the landscape reflects the symbolic dimension of socio- spatial constructions and may be perceived as a cultural text. In this sense, the soundscape of the Papaya-ox expresses the cultural attributes of given communities of Paraná’s coast, contributes to the process of identity construction, promotes social integration and strengthens place belonging bonds.

Keywords: Cultural geography; Landscape; Music; Brazilian party; Papaya-ox.

1 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (Brasil). Professora da Universidade Estadual do Paraná, Campus Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Bolsista da CAPES (processo 5617138) na Università di Urbino Carlo Bo. 7

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O BOI-DE-MAMÃO NO LITORAL DO PARANÁ

O boi-de-mamão2 é uma das mais ricas manifestações do folclore brasileiro, na qual o boi é a principal figura de representação. Surgido no Nordeste do Brasil no século XVIII, ao espalhar- se pelo país recebeu diferentes denominações, narrativas, formas de apresentação, indumentárias, personagens3, ritmos e instrumentos musicais. Assim, o folguedo se chama Bumba-meu-boi nos estados do Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí; Boi-bumbá no Pará, Rondônia e Amazonas; Boi-de-mamão no Paraná e em Santa Catarina, entre outras denominações regionais. O espetáculo é uma espécie de ópera popular que reúne música, dança e teatro, mesclando elementos das culturas europeia, africana e indígena. Os atores populares ou brincantes encenam, na maioria das apresentações, o mito da morte e ressurreição do boi, resgatando elementos da vida cotidiana do Nordeste brasileiro, durante o período colonial. Àquela época, séculos XVI ao XIX, as relações econômicas e sociais eram marcadas pela plantation, criação extensiva de gado e pelo trabalho escravo. É este cenário que se projeta na narrativa tradicional, na qual o boi de estimação de um rico fazendeiro (elemento branco) é roubado pelo escravo Pai Francisco (elemento negro), que mata o animal para satisfazer a vontade de sua esposa grávida, Mãe Catirina, desejosa em comer a língua do boi. Pajés e curandeiros (elemento ameríndio) são convocados para reanimar o animal e, quando o boi ressuscita, os brincantes cantam e dançam em uma grande festa para comemorar o milagre.

2 O Boi-de-mamão ou Bumba-meu-boi é uma dança dramática, segundo Andrade (1959), ou um folguedo popular, de acordo com Meyer (1993) e Câmara Cascudo (1967). Folguedos são festas populares de espírito lúdico que se realizam anualmente, em datas determinadas, em diversas regiões do Brasil. Bumba pode se referir ao instrumento zabumba ou a uma pancada; bumba-meu-boi significa bate ou chifra meu boi. 3 Os personagens principais são: o Boi, corpo feito de arcabouço de madeira recoberto de pano, dentro do qual um homem faz o animal mover-se; o Dono do boi, também denominado Capitão, Cavalo-marinho, Amo ou Fazendeiro; o Pai Francisco e sua esposa Catirina; o Vaqueiro Mateus; o Pajé, às vezes representado por um Médico, Benzedeiro ou Doutor. Ao lado desses, em cada região aparecem diferentes personagens secundários que, segundo Alvarenga (1982), podem ser classificados em três tipos: humanos (como a Velha, a Rosa, a Sinh’Aninha, o Fiscal, os Galantes e as Damas); animais (entre eles o Urubu, a Ema, a Burrinha, a Cobra Verde); fantásticos (como a Caipora, o Gigante, o Diabo, o Morto-e-vivo, a Bernúncia). 8

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Quanto à manifestação no litoral do Estado do Paraná, região Sul do Brasil, há quatro grupos de boi-de-mamão: o Boi do Norte e o Boi Barroso, no município de Antonina; o Boi Mandicuera, na Ilha dos Valadares, em Paranaguá; o Boi-de-mamão, do Grupo Folclórico de Guaratuba. Aparentemente, o Boi-de-mamão é uma tradição açoriana cultivada pelos migrantes do Estado de Santa Catarina que fixaram residência no litoral paranaense e, nesses dois Estados, é comum acrescentar a Dança da Balainha4 e a Dança do Pau-de-fita5 ao folguedo. Os grupos paranaenses têm um caráter acentuadamente lúdico, mas apresentam distintos personagens, narrativas e músicas que dão vida ao boi bailante, elemento recorrente em todas as modalidades do folguedo, em torno do qual se agregam os brincantes. É interessante destacar que o grupo Boi do Norte remonta ao início do século XX, revelando quão forte é sua tradição. Apesar disso, o Boi-de-mamão é um festejar com pouca visibilidade no Paraná: apenas uma pequena parte da população mantém viva essa manifestação cultural. Na perspectiva da geografia cultural, a paisagem é entendida como um produto da transformação do ambiente em cultura e reflete a dimensão simbólica das construções socioespaciais, revelando a maneira como o homem se relaciona com o seu meio e o sentido a ele atribuído. Cosgrove (1998) considera a paisagem como um texto cultural, que apresenta a possibilidade de muitas leituras diferentes e simultâneas, e defende a ideia de aplicar à paisagem humana algumas das habilidades interpretativas de que dispomos ao estudar um romance, um poema ou um quadro, de tratá-la como uma expressão humana intencional composta de muitas camadas de significados. Assim, na área da ciência geográfica, é possível investigar a paisagem da festa do Boi-de- mamão, considerando-a uma criação coletiva capaz de revelar as representações e os valores sociais que um determinado grupo atribui ao seu espaço. A investigação é orientada pela

4 A Balainha, também denominada Arcos Floridos ou Jardineira, é uma dança introduzida no Brasil pelos portugueses, a qual se desenvolve com os pares de dançantes, cada um deles sustentando um arco florido. 5 A Dança do Pau-de-fita é popular em Portugal e na Espanha, a coreografia se desenvolve em torno de um mastro no qual se prendem várias fitas no topo, cada figurante segura a extremidade de uma das fitas e o grupo evolui, trançando-as.

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abordagem fenomenológica, fundamentada na análise documental, bibliográfica e na pesquisa de campo.

AS INVESTIGAÇÕES GEOGRÁFICAS EM MÚSICA E A PAISAGEM SONORA

Os geógrafos investigam os sons, os ruídos e a música em sua dimensão espacial há quase um século, mas apenas no final do século XX percebe-se o crescimento das produções acadêmicas nesta área. Guiu (2006) e Panitz (2012) apresentam uma síntese das pesquisas em geografia e música e atestam uma gradual consolidação deste campo investigativo, apontando os Estados Unidos, a Inglaterra e a França como centros de discussão avançada. A revisão dos estudos que envolvem geografia e música mostra uma variedade de abordagens e objetos, e reflete as diferentes orientações da disciplina geográfica contemporânea como um todo. Segundo Panitz (2012), nos países anglo-saxões percebem-se dois momentos distintos das pesquisas geográficas em música: a abordagem difusionista da escola saueriana e a renovação crítica, inspirada nos estudos culturais. Na França predomina um ponto de vista territorial, que investiga a música na construção e na afirmação da identidade territorial e a produção de políticas territoriais voltadas à música, entre outros. O autor ressalta a pluralidade de abordagens e tratamentos metodológicos das pesquisas em geografia e música no Brasil, que destacam a “diversidade musical do país e suas relações com as identidades regionais e nacionais, a construção de territorialidades e de discursos geográficos e as transformações do espaço urbano” (PANITZ, 2012, p. 7). Para Guiu (2006), os trabalhos recentes revelam uma orientação privilegiada em direção a uma análise segundo critérios múltiplos: há uma pluralidade de abordagens, mas de perspectivas convergentes. Os atores, os agentes de distribuição e os eventos musicais são objetos geográficos mapeáveis. As práticas e os comportamentos musicais – como os eventos, o consumo e a produção musical – podem ser medidos e avaliados na perspectiva da espacialidade, em diferentes escalas, considerando-se o contexto social, cultural e mesmo 10

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econômico. O fato musical promove a divulgação e a disseminação de ideias e gêneros musicais, e pode ser considerado um geoindicador dos sentimentos de pertença, mobilidades, valores e comportamentos sociais. Nos estudos geográficos, a música pode refletir o sentido dos lugares, das representações territoriais, das identidades regionais, da paisagem cultural ou dos traços culturais. O elemento musical também é um produtor de territórios e está presente nos processos que envolvem a definição de identidades. Ao discutir os trabalhos na interface entre a geografia cultural e a música, Castro (2009) apresenta as contribuições de George Carney e Lily Kong e as análises que esses geógrafos realizaram sobre as diferentes linhas de pesquisa na área. Kong (2009) enumera cinco tendências para os estudos geográficos sobre música: a distribuição espacial de formas musicais, atividades, artistas e personalidades; os locais de origem musical e a sua difusão; a delimitação de áreas que partilham certos traços musicais; o caráter e a identidade dos lugares a partir das letras das canções; a relação da identidade dos compositores com o seu espaço e a visão de mundo transmitida pela música. A autora aponta, ainda, novas possibilidades de abordagens, entre elas, a análise dos significados e o papel simbólico da música na vida social; a música enquanto comunicação cultural; as políticas culturais e os aspectos econômicos referentes à música; o papel da música na construção e desconstrução de identidades. Carney (2007) apresenta algumas taxonomias para as pesquisas geográficas referentes à música, como a relação da música com o meio ambiente; o lugar de origem e a difusão dos fenômenos musicais; o efeito da música na paisagem cultural; os gostos musicais das pessoas em diferentes lugares; os elementos psicológicos e simbólicos da música, relevantes na modelagem do caráter de um lugar; a evolução de um estilo, gênero ou música específica de um lugar. Para o autor, os sons musicais podem evocar um sentimento de lugar, ajudando o homem a criar uma ligação emotiva com o lar, a cidade, o estado, a região ou a nação. Diante do exposto, percebem-se as inúmeras possibilidades de abordagem para as pesquisas geográficas em música e a abrangência deste campo investigativo.

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Entre as pesquisas transdisciplinares sobre a paisagem sonora6 e os ruídos, destaca-se, na década de 1970, o projeto acústico (World Soundscape Project) do compositor canadense Robert Murray Schafer, uma iniciativa de inventário, de arquivo sonoro com uma abordagem acústica, ecológica, simbólica, estética e musical. O autor percebe o mundo como uma grande composição musical que se desdobra à nossa volta, preocupa-se com a crescente poluição sonora e propõe a preservação e reconstrução dos ambientes acústicos, por meio de uma reeducação da escuta para o desenvolvimento de um ouvinte que ouve e pensa o seu entorno sonoro. Considerando os sons como indicadores de época que revelam acontecimentos sociais e políticos, Schafer (1991, 2001) apresenta as peculiaridades das paisagens sonoras de diferentes lugares, suas transformações no decorrer da história da sociedade ocidental e como essas mudanças afetaram o comportamento humano. Para o autor, os sons afetam os indivíduos de modo diferente e um único som pode estimular uma variedade de reações. Ele considera que diferentes grupos culturais têm atitudes variadas perante os sons ambientais. Depreende-se que o objeto sonoro possui um contexto social, cultural e auditivo e que a paisagem sonora pode ser entendida como o ambiente sonoro da humanidade, um conjunto sempre presente de sons que estão constantemente em mutação: sons naturais provenientes da natureza, sons mecânicos produzidos por máquinas, sons agradáveis e desagradáveis, fortes e fracos, ouvidos ou ignorados, com os quais os homens convivem. Na área da música, as composições do tipo Paisagem Sonora7, que se caracterizam pelo uso explícito do som ambiental como material constituinte da composição, têm gerado discussões em relação ao fazer musical e à atividade compositiva e perceptual.

6 O termo Soundscape (paisagem sonora), em analogia à palavra Landscape (paisagem), foi criado por Schafer (2001, p. 23): “a paisagem sonora é qualquer campo de estudo acústico. Podemos referir-nos a uma composição musical, a um programa de rádio ou mesmo a um ambiente acústico como paisagens sonoras”. A obra teórica e artística desse compositor é ampla e complexa. Importa ressaltar que, para tentar humanizar a paisagem sonora mundial, Schafer propõe um projeto cujo modelo acústico é subjetivo, o ouvinte é o centro do processo, o qual se fundamenta no relacionamento entre ouvinte e paisagem sonora. O modelo acústico tradicional é objetivo, considera o som como o centro do sistema no ato de ouvir. 7 Toffolo (2004), com base na classificação de José Iges, apresenta três tendências em composições do tipo Paisagem Sonora produzidas em meios eletroacústicos: composições baseadas na noção de reeducação da escuta, decorrente dos estudos realizados por R. M. Schafer; composições que utilizam gravações ambientais sem processos de alteração de sinal sonoro, privilegiando a referencialidade auditiva; composições elaboradas com a 12

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No campo da etnomusicologia, perceber e pensar a produção sonora musical como parte de uma paisagem sonora mais abrangente é um assunto relativamente novo, conforme Pinto (2001). O autor distingue a soundscape natural, que envolve as sonoridades dos fenômenos naturais, da soundscape cultural, que resulta das atividades humanas e marca o potencial comunicativo, emocional e expressivo do som. A música faz parte da paisagem sonora e “tem a propriedade de influenciar e mesmo de caracterizar paisagens sonoras. Uma paisagem sonora é tão diversificada quanto são diversos os ambientes que a produzem”, afirma Pinto (2001, p. 24). Percebe-se que a paisagem sonora tem sido investigada por diferentes áreas do conhecimento, evidenciando a diversidade e a amplitude das perspectivas de escuta dos sons produzidos pelo homem e pelo meio ambiente. A diversidade e a complexidade da paisagem sonora se evidenciam no Boi-de-mamão paranaense: a música se mostra como o fio condutor das apresentações, mas, apesar da proximidade geográfica, os grupos brincam embalados por diferentes toadas e cantorias (composições musicais que apresentam os personagens e cenas do folguedo), instrumentos e narrativas (texto falado), despertando múltiplas possibilidades de escuta. Na perspectiva da geografia cultural, a paisagem sonora do Boi-de-mamão contempla a dimensão material e simbólica das relações espaciais.

A PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO

Os sons marcam diferentes tempos e lugares: vozes, sotaques, ruídos e músicas de determinados lugares fazem parte das sensações ali experimentadas, das percepções ali adquiridas. Mediante a música e a linguagem a comunicação se estabelece, os valores culturais são construídos e repassados. Portanto, a paisagem sonora é cultural.

captação de sons ambientais que utilizam processos eletroacústicos para eliminação de qualquer traço de referencialidade à fonte sonora. 13

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“Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem” (COSGROVE, 1998, p. 108). O simbólico referencia a cultura do grupo ao qual o indivíduo pertence e cada sociedade tem uma maneira muito particular de interpretar o espaço geográfico. Portanto, a paisagem não se restringe ao meio, mas expande-se em significados, fala do homem e manifesta seu ser. Segundo Berque (1998), a paisagem exprime o sentido que uma sociedade dá à sua relação com o espaço e com a natureza: a paisagem é, simultaneamente, marca e matriz da cultura, pois expressa uma civilização e transmite usos e significações de uma geração à outra. Percebe-se que a paisagem emerge segundo as experiências de cada indivíduo e daqueles que o precederam. Ao envolver aspectos objetivos e subjetivos do mundo vivido, a paisagem reflete a identidade dos grupos culturais. Os grupos paranaenses de Boi-de-mamão revelam identidades singulares e se apresentam de forma livre e variada em festas carnavalescas e religiosas e em eventos públicos diversos. O Boi do Norte e o Boi Barroso constituem-se como blocos folclóricos que, no carnaval, desfilam nas ruas conduzidos por mais de duzentos participantes. Nos demais eventos, os grupos reúnem cerca de trinta brincantes: o Boi do Norte encena o mito da morte e ressurreição e o Boi Barroso realiza a Dança da Balainha. Na cidade de Guaratuba, no Paraná, apesar da falta de apoio local e das dificuldades financeiras, um pequeno grupo familiar mantém viva a tradição do Boi-de- mamão e a Dança do Pau-de-fita. O Boi Mandicuera é composto por jovens e faz parte da Associação de Cultura Popular Mandicuera que, com o apoio do Ministério da Cultura, busca a formação de novos fandangueiros e a preservação da cultura caiçara. O Boi-de-mamão é uma tradição repassada por meio da oralidade – os artistas populares aprendem a cantar, dançar e tocar os instrumentos musicais por imitação. Assim, os elementos míticos e mágicos se mantêm presentes no imaginário popular e revitalizam o fazer poético, legitimando o folguedo como referência cultural local. Cada lugar tem uma identidade sonora, afirma Roulier (1999), e há uma variação de sons entre um lugar e outro, bem como entre os tempos e as culturas. O autor discute as diferentes possibilidades de estudo da paisagem sonora, como as variações dos ruídos, a poluição sonora, 14

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as heterotopias sonoras (as diferenças entre os lugares, a partir da análise dos sons) e a topofilia sonora (sentimento de pertencimento a um lugar com relação à sua sonoridade). O sentimento de pertencimento que liga uma pessoa a um lugar resulta de uma história, um vínculo construído a partir das relações que se estabelecem com o agrupamento humano e com o espaço por ele ocupado. A música é um poderoso instrumento para estabelecer um sentido de conexão e solidariedade entre as pessoas. No Boi-de-mamão, a música se destaca como fio condutor do espetáculo: as letras das toadas e cantorias veiculam os valores e hábitos compartilhados em cada comunidade, promovendo a integração social e consolidando os vínculos de pertencimento ao lugar. No Paraná, os grupos apresentam distintas formações instrumentais, desenhos rítmicos e toadas, entre as quais se ouvem melodias do folclore nacional. Cantores e instrumentistas acompanham os grupos e, em geral, não participam da encenação. No grupo de Guaratuba, a cantoria é acompanhada por violão, rabeca e tambor. No Boi Mandicuera, o ritmo musical parece referenciar o fandango8, com rabeca, violão, pandeiro, alfaia, tambor, caixa e triângulo. Nas toadas do Boi do Norte ouvem-se vozes, violão, viola, tambor, caixa, surdo, repique, chocalho e reco-reco. No Boi Barroso, melodias folclóricas embalam a Dança da Balainha. Para Kong (2009), a música pode veicular as imagens de um lugar e servir como fonte primária para a compreensão da natureza e da identidade dos lugares. Enquanto uma forma de comunicação cultural, a música pode ser um meio pelo qual as identidades são (des)construídas, como aparentemente se verifica em Paranaguá. Ao revitalizar as manifestações culturais tradicionais – como o Fandango, a Dança do Pau- de-fita, o Boi-de-mamão, o Terço Cantado e a Romaria do Divino Espírito Santo – nas quais a música se destaca, o Grupo Mandicuera resgata valores que permanecem na imaginação coletiva da comunidade, atribuindo significados à cultura popular caiçara. Portanto, a música parece contribuir no processo de construção identitária. A representação da identidade ocorre na intersecção que se estabelece na condição de homem, entre sua posição de ser produtor e ser produzido em uma realidade social. Para Persi

8 Para esclarecimentos sobre o fandango e a paisagem sonora da Ilha dos Valadares, ver Torres (2009). 15

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(2006), a paisagem e a identidade são conquistas humanas diárias, processos em construção, desconstrução e reconstrução no tempo e no espaço. A tradição do Boi-de-mamão é concebida na experiência dos artistas populares e seu repasse se dá por meio da memória e da história oral. Enquanto manifestação popular, o folguedo encontra-se entre as forças da preservação e da mudança, refletindo o dinamismo cultural. O Boi Mandicuera faz constantes releituras do folguedo, com o objetivo de manter a tradição viva, próxima dos jovens participantes, os quais recriam continuamente as apresentações. Seus dirigentes reconhecem que a cultura possui uma dinâmica própria, e que as transformações fazem parte de todas as manifestações tradicionais. Já o Boi de Guaratuba e o Boi do Norte apostam na tradição como um valor que legitima o Boi-de-mamão, efetuando poucas mudanças ao longo dos anos. O Boi do Norte tenta preservar elementos criados na fundação do grupo, em 1922, como sua narrativa, a bateria formada por crianças e adolescentes que vestem camisa xadrez e chapéu de palha e a toada principal que embala os brincantes. O Boi Barroso constituiu-se recentemente e busca inspiração no folclore nacional para as suas apresentações, cujo foco principal é o desfile carnavalesco. Abordando a geopoética das paisagens, Kozel (2012, p. 67) destaca a essência do ser humano e as relações que estabelece com o mundo por meio de sua cultura, sentimentos e valores, entendendo a paisagem como “o resultado da contemplação, primeiramente no sentido ótico e em seguida espiritual da natureza, correlacionando os diversos objetos e a imaginação subjetiva dos mesmos”. Andreotti (2010, 2012) e Persi (2006, 2010) acentuam a perspectiva emocional da geografia cultural e a complexidade acerca da definição da paisagem, do seu ser, do seu devir e da sua essência como relação entre o homem e o espaço. Para Andreotti (2012), a paisagem não pode ser separada do homem, do seu espírito, da sua imaginação e percepção. A paisagem marca o homem e é por ele marcada, reflete o homem e a sua história, e cada comunidade inscreve na paisagem sua própria ética e estética. Cada 16

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cultura se expressa segundo uma ética, um patrimônio dos costumes e valores tradicionais, que estabelecem códigos de comportamento e padrões de escolha desenvolvidos dentro dessa mesma cultura. Tais padrões delineiam a fisionomia dos lugares, a sua estética. Portanto, a invisibilidade, que é a ética da paisagem, gera o seu visível, a sua estética. Assim, de acordo com a autora, a paisagem cultural é histórica, geográfica, filosófica, religiosa, artística, ética e estética. A paisagem é alma, é psique, é uma construção humana que provém de longa data, da integração de almas para almas, é um diálogo entre o passado e o presente, entre a natureza e o espírito, a paisagem é “tudo que está dentro de nós: é uma emoção, um estado de espírito” (ANDREOTTI, 2010, p. 275). Persi (2010) destaca a profunda ligação que os homens estabelecem com os lugares e seus patrimônios culturais, reconhecendo o valor que os lugares e as situações vividas têm sobre as emoções e os sentimentos que integram a experiência humana do mundo. Segundo o autor, os lugares estão impregnados de vida e de paixões e sob essa luz devem ser compreendidos, analisados e planejados: “Il paesaggio è emblema di umanità, della fervida genialità e apassionata creatività, ma anche della fragilità e contradizione della condizione umana: è creatura dell’uomo, che dialoga con l’universo e dell’uomo como condiziona l’esistenza” (PERSI, 2006, p. 25). Depreende-se que a paisagem é emocional porque exprime o homem e ao mesmo tempo faz o homem, é parte integrante da história cultural de um determinado lugar, dotada de valores espirituais. A paisagem emocional é criada pelo próprio observador, carregada de sentido, investida de afetividade e envolve todas as complexidades da alma humana. As narrativas, os personagens e as músicas de cada grupo de Boi-de-mamão tecem paisagens emocionais ímpares, que expressam os valores e as histórias de vida dos brincantes. O Boi de Guaratuba é muito semelhante aos grupos do Estado de Santa Catarina, com os personagens do Boi, Cavalo-marinho, Barão, Catirina, Onça, Doutor e Bernúncia. O dirigente do grupo é filho de um migrante catarinense e a brincadeira faz parte da sua infância e das suas memórias, o que confere originalidade às apresentações do folguedo. 17

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No município de Paranaguá, não é o Boi mas o Vaqueiro Mateus que morre ao levar uma chifrada do animal e depois é reavivado pelo Doutor Girão. Além desses personagens, há o Delegado, a Vaca, o Cavalinho, a Bernúncia e a Mariola (ou Maricota), uma armação de madeira com uns três metros de altura e fisionomia de mulher. No Boi-de-mamão, as tradições culturais locais se evidenciam na roupa de tecido colorido, geralmente chitão, na cara preta tisnada de carvão, na narrativa e nos personagens que mesclam o folguedo aos valores do espaço vivido. Os grupos de Antonina compartilham o mesmo espaço geográfico, mas são bastante distintos. Nos desfiles carnavalescos, ambos agregam elementos do imaginário popular às apresentações, usando adereços diferenciados: no Boi do Norte predominam os materias recicláveis e no Boi Barroso destacam-se fitas, flores e lantejoulas coloridas. No folguedo, o Boi do Norte brinca com o Boi Xodó, o Dono do boi, o Médico, a Enfermeira, a Rainha, o Palhaço, o Fazendeiro, o Toureiro, a Porta-estandarte e o Nanico, uma espécie de pássaro. Na narrativa, o boi morre (Fig. 1) porque estava comendo a plantação de um fazendeiro e ressuscita (Fig. 2) pelo poder da música, evidenciando o valor artístico que o grupo atribui à música. A maioria dos participantes tem poucos recursos financeiros e o boi-de- mamão estreita os laços afetivos e solidários entre eles.

Fig. 1 - O Boi morto na apresentação do grupo Boi do Norte Fig. 2 - O Boi ressurreto na apresentação do grupo Fonte: Beatriz H. Furlanetto, 2013 Boi do Norte Fonte: Beatriz H. Furlanetto, 2013 18

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No Boi Barroso, o escravo negro mata o boi para satisfazer o desejo da sua esposa de comer a língua do animal, que depois ressuscita, e os personagens são: Boi, Toureiro, Cavalinho, Pai Francisco, Sinhazinha, Catirina, Pajé, Bernúncia, Palhaço, Rei e Rainha. Os grupos paranaenses têm um caráter acentuadamente lúdico e o riso se mostra como elemento de coesão social: as peripécias dos personagens despertam muitas risadas, promovendo uma interação festiva e jocosa entre os atores e o público em geral. Mas o riso é ambivalente, esconde e revela ao mesmo tempo, e “pode ser associado a uma multidão de elementos positivos e negativos” (MINOIS, 2003, p. 612). Nesse sentido, o riso se mostra multifacetado no Boi-de-mamão e, se visivelmente revela a alegria, a beleza e a união entre os brincantes, pode ocultar a tristeza, a luta, a denúncia, a religiosidade, a possibilidade de libertação. No Paraná, a comicidade do Boi-de-mamão parece ocultar os aspectos religiosos do folguedo, que se mostram diluídos nas apresentações. O tema da morte e ressurreição revela, por si só, uma dimensão simbólica do sagrado, representa o ciclo da continuidade e cria uma circularidade na qual vida e morte se encontram no milagre da ressurreição. As diferentes formas de brincar com o Boi-de-mamão demonstram a diversidade e a riqueza artística dos grupos paranaenses, expressam os atributos culturais de cada comunidade e as variações locais dessa manifestação popular.

OS SONS ECOAM NA PAISAGEM

Na perspectiva da geografia cultural, os estudos sobre a paisagem podem contribuir para a compreensão dos significados que os homens atribuem aos espaços. A paisagem pode ser entendida, poeticamente, como uma polifonia modulante: entre os tons e os sons da razão e da emoção, o homem se relaciona com seu mundo, modelando-o e sendo por ele modelado. A paisagem sonora do Boi-de-mamão revela a identidade singular dos grupos paranaenses, os valores do espaço vivido e as visões de mundo presentes em cada comunidade, bem como as 19

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transformações que o tempo e o espaço imprimem às manifestações populares. A transmissão oral dos ideais e significados do Boi-de-mamão parece revitalizar essa tradição popular, legitimando-a enquanto elemento de ligação afetiva com o lugar e como referência no processo de construção identitária. Os participantes do folguedo trabalham voluntariamente para realizar um espetáculo cheio de beleza. A confecção das fantasias, o compartilhamento dos sentimentos e dos conhecimentos comunitários, os ensaios coletivos e as apresentações públicas transformam o ritmo de vida dos brincantes, reafirmando laços de solidariedade e consolidando os vínculos de pertencimento ao lugar. A paisagem sonora do Boi-de-mamão é impregnada de sonhos e esperanças, tecida pelas histórias de vida de homens e mulheres que agem e interagem no espaço litorâneo paranaense, modelando-o em conformidade aos seus valores e práticas socioculturais. O mito da morte e ressurreição, tema original do folguedo, é uma forma simbólica de celebrar a vida. O Boi-de- mamão é arte, uma festa em determinados contextos sociais e espaciais nos quais a vida se desenvolve e cujas sonoridades, plenas de múltiplos simbolismos, ecoam na paisagem.

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DAS IMAGENS, DOS SONS E DA MEMÓRIA HISTÓRICA: ASPECTOS DO JAZZ NO PARANÁ

Me. Marilia Giller1 Universidade Estadual do Paraná Campus II – Faculdade de Artes do Paraná [email protected]

Mdo. Tiago Portella Otto2 Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]

Resumo O artigo apresenta relatos de um estudo histórico e sociocultural sobre o Jazz no Paraná, nas décadas de 1920 a 1940, com ênfase nas práticas realizadas por grupos de amadores e profissionais da música. A pesquisa consolidou-se a partir de três eixos: a observação de documentos e da memória social com base na historiografia da música paranaense; a música na sociedade como geradora de processos de representação simbólica; e o levantamento de partituras, arranjos e repertórios.

Palavras-chave: Memória; Música; Identidade; Jazz no Paraná (Brazil).

IMAGES, SOUNDS AND HISTORICAL MEMORY: ASPECTS OF JAZZ IN PARANÁ (BRAZIL)

Abstract This article presents information about a historical and socio-cultural study on the Jazz in Paraná, in the decades from 1920 to 1940, with emphasis on the practices performed by groups of amateur and professional musicians. The research was consolidated from three approaches: observing documents and social memory based on the Paraná music historiography, music in society as a generator process of symbolic representation, and a survey of scores, arrangements and repertoire.

Keywords: Memory; Music; Identity; Jazz in Paraná (Brazil).

1Mestre em Musicologia Histórica/Etnomusicologia (UFPR, 2013), possui Especialização em Música Popular Brasileira (FAP, 2005), Bacharelado em Música Popular (FAP-2007) e Bacharelado em Belas Artes-Pintura (EMBAP, 1984). É professora do Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes do Paraná - FAP/ UNESPAR (2009). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em música popular, atuando principalmente nos temas: piano popular, música popular, século XX, jazz, performance, história da música do Paraná. 2Mestrando em Musicologia - História e Documentação da Música Brasileira e Ibero-Americana (UFRJ, 2014). Possui experiência na área de Artes, com ênfase em música popular, desenvolvendo pesquisas nas seguintes áreas e temas: musicologia histórica, memória cultural, práticas interpretativas, produção fonográfica, arranjo musical, choro brasileiro e edição de partituras. É pesquisador do Grupo Música, História e Política da Faculdade de Artes do Paraná. 23

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Este artigo é parte de um estudo histórico e sociocultural sobre o Jazz no Paraná, estado da Região Sul do Brasil, entre as décadas de 1920 e 19403. O objetivo principal foi observar o Jazz na cultura paranaense produzida neste período. Os dados históricos e sociais foram localizados em arquivos e acervos musicais particulares e institucionais, levantados em acervos encontrados entre 2002 e 2012. Foram enfatizadas a observação e a interpretação dos dados identificados em práticas realizadas pelos agrupamentos de amadores e profissionais da música, incluindo a descrição e a análise de suas características. Durante a pesquisa, procurou-se detectar particularidades culturais locais e os processos socioculturais por meio de observações realizadas em imagens do passado sonoro-cultural paranaense. Estes referenciais deram suporte para entender o jazz produzido e praticado no Paraná durante o século XX. A pesquisa foi desenvolvida a partir de três perspectivas: a primeira tratou de questões que adentraram o campo da observação documental e da memória social, tendo como enfoque a historiografia da música paranaense. O segundo olhar foi para a representação da música na sociedade em um contexto gerador de representações simbólicas partilhadas através de processos mediadores4. Outro aspecto da pesquisa foi o laboratório sonoro, que incluiu a análise de algumas partituras, compreendendo o estudo de arranjos e repertórios. Esse enfoque estabeleceu semelhanças e diferenças estruturais entre obras analisadas. Buscou-se com isso legitimar a sonoridade local e compreender os diálogos ocorridos entre elementos musicais como: harmonia, melodia, gênero, forma, arranjo, instrumentação e estilo. Sobretudo a partir da emancipação política do estado do Paraná em 1853, constataram-se reflexos de processos interculturais no ambiente artístico da capital,

3GILLER, Marilia. O Jazz no Paraná entre 1920 a 1940: um estudo da obra O sabiá, foxtrot shimmy de José da Cruz. (Dissertação, Mestrado em Música) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2013, 212 f. 4O termo mediação “designa o lugar de interrogação, apontando como problemática a articulação entre [...] duas maneiras duais de interrogar o mundo social”. Para o autor, a atribuição das causas é o trabalho prático constante dos atores que ele observa, e é preciso fazer dessas atribuições o próprio objeto da pesquisa (HENNION, 1993, p. 224-225). O caso da música é exemplar para um projeto como este, devido tanto à variedade de seus gêneros (músicas populares, orais, cultas, eletrônicas, comerciais etc.) quanto ao desenrolar de suas práticas sobre um contínuo de mediações: instrumentos, partituras, repertórios, intérpretes, palcos, mídias, suportes etc. Apoiando-se sobre a análise dessas mediações, é possível escapar da oposição estéril entre saberes musicais e análises sociais que caracterizou os estudos clássicos sobre a música (HENNION, 2011, p. 253). 24

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Curitiba. O fluxo migratório passou a definir o ambiente urbano, tornando a cidade um local ideal para uma grande maioria de instrumentistas e cantores integrantes de bandas militares, trupes circenses, conjuntos e orquestras de câmara, orquestras para cassinos e cinemas, conjuntos de choro e jazz bands. Para entender esse processo, estudamos o conceito de campus e habitus de Pierre Bourdieu. Este conceito observa a dinâmica intrínseca a um campo, envolvendo questões relativas à organização social, esquemas individuais e disposições estruturadas socialmente nas sociedades em formação. Durante esse processo, os sujeitos passam a partilhar experiências práticas, geralmente em condições sociais específicas de existência e em um determinado espaço e tempo, ou seja, “um conjunto de esquemas de percepção, apropriação e ação que é experimentado e posto em prática, tendo em vista que as conjunturas de um campo o estimulam” (BOURDIEU, 2003, p. 76). O conceito de tradução de Stuart Hall (2006, p. 88) serviu de apoio na pesquisa e explicou o movimento ocorrido na formação da sociedade curitibana, marcada principalmente pela presença de imigrantes europeus. O conceito descreve “as formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”, mas essas pessoas “são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades”. Para o autor, estes sujeitos carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas, são pessoas pertencentes a culturas híbridas (HALL, 2006, p. 88). A noção de fluxos culturais observada por Acácio Piedade (2010, p. 112) nos permitiu entender que a cultura é um fluxo e “seu aspecto estável decorre da necessidade de criação de tradições e territórios particulares com os quais um grupo se identifica: é a necessidade humana de pertencimento a um grupo limitado, contrastivo em relação a outros que cria a cultura”. Estes fluxos culturais, gerados entre os povos distintos, criam possibilidades de desenvolver identidades partilhadas, e este é um processo inato na música, no qual as músicas “também são fluxos, tramados ao calor da história. Gêneros, estilos, motivos, frases, harmonias que se atravessam formando novas combinações” (PIEDADE, 2010, p. 12).

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As fontes primárias utilizadas nesta pesquisa foram recolhidas em arquivos que apresentaram relações com músicos e grupos musicais, constituídas de fotografias, partituras, documentos, livros, notícias em periódicos e revistas. Estas fontes formaram um registro descritivo da vida de músicos e grupos musicais. Foi necessário aplicar um estudo amplo em materiais de natureza: a) textual - manuscritos ou impressos; b) musical - partituras, arranjos e laboratório musical; d) material - instrumentos musicais e objetos; c) imagético - fotografias e iconografia contida nos anúncios, programas, jornais, revistas e nas partituras. Portanto, optou-se pela preparação de uma metodologia particular, seguindo-se uma série de procedimentos de observação e descrição como o levantamento de: a) nomes de compositores e instrumentistas; b) repertório e gêneros musicais; c) composições paranaenses; d) lojas de música; e) datas; f) locais; g) nomes de copistas e editoras; h) locais de atuação; i) dedicatórias e personagens; j) instrumentação; k) relações sociais. Alguns dados foram analisados considerando as transformações ocorridas nos grupos musicais, o tipo de instrumentação, o figurino e espaços cotidianos em seus diferentes contextos históricos e socioculturais. Os dados foram levantados identificados em documentos, fotografias e partituras, localizados em cidades do Paraná, tanto na capital Curitiba quanto em Ponta Grossa, Paranaguá, Morretes, Castro, Rio Negro e União da Vitória. Pela diversidade dos materiais, o tratamento dado às fontes se desenvolveu de forma não linear. Procurou-se deixar emergirem ao máximo os fragmentos históricos e musicais daquele tempo. Por exemplo, a análise comparativa das fotografias permitiu entender os tipos de instrumentação nos diferentes períodos, dados que foram relevantes para observar características instrumentais dos grupos e as transformações no comportamento desses conjuntos, assim como o tipo de figurino, os espaços e ambientes de atuação. A partir de estudos das partituras e dos documentos, analisaram-se algumas composições e arranjos, dando procedimento ao levantamento de nomes de músicos,

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grupos, gêneros, repertório e composições paranaenses, ainda em andamento. Até o momento, coletamos os seguintes dados: a) houve um número considerável de músicos e compositores, com relação a grupos regionais e jazz bands; b) existem composições paranaenses em vários estilos: schottisch, polca, valsa, cateretê, fox-trot, one-step, schimmy, choro, maxixe, samba, entre outros gêneros em voga no período; c) foram encontrados arranjos para formação jazz band, incluindo instrumentos como a bateria e o banjo. Os dados encontrados apontaram para uma produção paranaense, não apenas musical, mas das artes em geral, quando artistas, escultores, literatos, bailarinos e atores acompanharam as atualidades de seu tempo, inclusive, contribuindo para o movimento paranista nas artes, cujo principal anseio foi construir uma identidade cultural regional e que contava com a adesão de intelectuais, artistas, literatos.

DA MEMÓRIA HISTÓRICA AO SOM IMAGINADO

O interesse em pesquisar a música do Paraná deste período, partiu da investigação e observação de acervos de música contendo objetos, partituras, documentos e fotografias, identificados a partir de 2002. Os primeiros itens catalogados foram os da Tupynambá Jazz Band, contendo uma foto, um violino com arco e estojo, uma estante de partitura, um flautim de ébano, um trompete, um violão e oito álbuns de partituras manuscritas para violino e trombone5. Na observação detalhada da imagem fotográfica desta jazz band do ano de 1931, reconheceu- se primeiramente um dos músicos, o violinista Estefano João Giller (1903-1993). Ao seu lado, outros músicos com calças brancas, sapatos envernizados, paletós pretos e gravatas borboleta. Todos posam com seus instrumentos em um ambiente que destaca a natureza como plano de fundo. Aliás, a opção natural além de ser economicamente mais viável em relação aos importantes laboratórios fotográficos já instalados nesse tempo, associa-se à ideia de exaltação ao nativismo, pois, de fato, a busca

5Também faziam parte deste conjunto alguns objetos secundários, como um prendedor de partitura para instrumento de sopro, partituras para violino de vários compositores clássicos, partituras para coral e marchinhas de carnaval correspondentes ao ano de 1953. 27

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da identidade musical paranaense esteve marcada pela utilização dos elementos sonoros e simbólicos da cultura tradicional, rural, tribal, campestre ou sertaneja. A formação jazz band6 está configurada com saxofone, flauta transversal, trombone, trompete, banjo e bateria. O desenho do indígena em perfil, anunciando o nome do grupo, revela o realce dado às matrizes culturais dessa região, com o objetivo maior de destacar os elementos simbólicos locais.

Ilustração 1 - Tupynambá Jazz Band - Ponta Grossa (PR), 1931. Músicos: 1. Estefano João Giller (violino), 2. Pedrinho Arruez (trompete), 3. Índio Jandito (banjo), 4. Francisco Pavelec (trombone), 5. não identificado (flauta), 6. não identificado (saxofone), 7. Jacob Schoemberger (bateria). Fonte: Família Giller

A pesquisa ganhou reforço quando examinamos os arquivos fotográficos e as informações sobre o grupo Regional dos Irmãos Otto, liderado por Stacho Otto7. Este grupo apresentava-se periodicamente na rádio PRB-2 nos anos de 1937 e 1938. Constituíam o cast artístico desta emissora, juntamente com outros músicos e grupos, entre eles, a Orquestra

6Jazz band: conjunto de jazz, surgido nas décadas de 1920, constituído de instrumentos de sopro como saxofones, clarinetas, trombones e trompetes, e de base rítmica, formada basicamente por piano, contrabaixo e bateria. 7 OTTO T. José da Cruz e os Irmãos Otto - a música popular urbana em Curitiba na primeira metade do séc. XX. In: 2º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes da FAP, 2009, Curitiba. Anais 2º ENCONTRO DO GRUPO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM ARTES DA FAP. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2009. v. 1. p. 101-

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Jazz Manon, dirigida por Gerdal do Rozário e o pianista Armin Otto Habith, o conhecido maestro Pirulito, fundador da Orquestra Trianon e da Jazz B2, na década de 1940. A descrição das formações instrumentais dos grupos de música que foram estudados serviu para a compreensão de particularidades e análise das suas características tímbricas.

Ilustração 2 - Regional dos Irmãos Otto - 1937 - Curitiba (PR) Músicos: da esquerda para a direita: 1. João Alberto Otto (cavaquinho), 2. Bronislau Otto (bandolim), 3. Stacho Otto (violão e diretor musical), 4. Nei Lopes (vocal). Fonte: Família Otto.

Nos concentramos na observação das transformações ocorridas na formação instrumental de diferentes grupos, pois foi necessário observar que no ambiente urbano os grupos denominados regionais ou conjuntos de chorões não deixaram de existir, mesmo com a efervescência das jazz bands. Nos programas de rádio, concertos e situações mais intimistas, estes agrupamentos também colaboraram para o desenvolvimento e a preservação das sonoridades tradicionais brasileiras. Vinci de Moraes (2000) explica que, a partir dos anos 1930, os chorões, nome popular dos músicos que tocam choro, se deslocaram das salas de cinema, teatros, circo para atividades mais profissionais nas gravadoras e orquestras de rádio. Foi quando se formaram os grupos que acompanhariam os intérpretes famosos, conjuntos mais tarde conhecidos como "regionais". Isso produziu músicos “que se constituíram autênticos intermediários entre o universo da cultura da elite e da popular 29

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urbana, entre o formal e o informal e entre o espaço público e o privado” (MORAES, 2000, p. 252). Em 2008, ampliaram-se os estudos com a análise do acervo do professor e maestro Antônio Melillo, depositado na Biblioteca da Faculdade de Artes do Paraná8. Ali foram organizados materiais como composições, partituras, fotos e livros pertencentes ao maestro, seus amigos e alunos. Com esses materiais, foi possível estudar características da Academia Paranaense de Música, fundada em 1916 por Léo Kessler, assim como os concertos e apresentações dos alunos da academia, além de localizar clubes e teatros da primeira metade do século XX. Paralelamente a esses estudos, encontrou-se em 2008 o acervo do maestro José da Cruz constituído por cerca de 3.000 manuscritos produzidos de próprio punho entre as décadas de 1910 e 19409. Após o período de catalogação e digitalização do material, iniciou- se o levantamento de dados neste conjunto documental e, desde o encontro de sua família em maio de 2010, vem sendo possível reorganizar o arquivo do compositor que se encontrava disperso desde seu falecimento no ano de 195210. Outros materiais foram encontrados em 2010, entre eles o do Maestro Luiz Eulógio Zilli, que contém manuscritos, arranjos para coral e composições populares para coro e orquestra. Neste arquivo ainda foram encontradas algumas fotografias: Curytiba Jazz Band (1923), Regional dos Irmãos Todeschini (1905), Orchestra Elite e Os Piriricas Jazz Band.

8 Desenvolvido no projeto A Música em Curitiba – Fragmentos Musicais no Século XX - Compilação de dados Sobre a Música de Antônio Melillo (1899-1966). TIDE/PESQUISA 2019/2010 – Biblioteca Octacílio Souza Braga (BOSB) da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Curitiba II – UNESPAR/FAP. 9 “A (re)descoberta da obra do músico José da Cruz ocorreu durante o segundo semestre do ano 2008, em uma usina de reciclagem. Antes que grande parte da produção manuscrita pelo compositor pudesse ser triturada pelas máquinas desta indústria, a sensibilidade de um agente salvou cerca de 600 manuscritos produzidos em Curitiba nas décadas de [19]10, 20 30 e 40. Composições, orquestrações, correspondências, cadernos e dedicatórias, livres de mais uma desaparição documental. Este acervo, após cinquenta e nove anos intacto em uma caixa, chegou às minhas mãos no dia 12 de fevereiro de 2009, os manuscritos do músico Paranaense José da Cruz - O sabiá” (OTTO, 2011, p. 8). 10OTTO, Tiago. José da Cruz (1897-1952) - a vida, a obra e o acervo. (Monografia de Especialização) Faculdade de Artes do Paraná (FAP) - orientador: André Egg – Coorientadora: Marília Giller. Curitiba, 2011. 30

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Ilustração 3 - Salão Orchestra Elite - Curitiba (PR). Músicos em pé: 1. Prof. Appel (piano); 2. Grunewalder (pistão); 3. não identificado (clarinete); Músicos sentados: 4. Luis E. Zilli (violino); 5. Sr. Zawadski; 6. Guilm Tiepelmann; 7. Francisco Kuerbel (flauta); 8. Max Tiepelmann (Banjo). Fonte: Família Zilli.

Em agosto de 2010, as famílias Deslandes e Vesguerau cederam a fotografia da Oriente Jazz Band, da década de 193011. Em 2011, analisou-se uma fotografia do grupo Os Velhos Camaradas da cidade de Ponta Grossa, pertencente à família Pavelec.

Ilustração 4 - Velhos Camaradas Jazz Band - 1930 - Ponta Grossa (PR) Músicos: 1. não identificado (clarinete), 2. Pedrinho Arruez (trombone de pisto tenor), 3. Francisco Pavelec (trombone de pisto baixo), 4. Jacob Schoemberger (bateria). 5. não identificado (bombardino), 6. não identificado (trompete), 7. não identificado (clarinete). Fonte: Família Pavelec.

11 Fotografia cedida pelo Professor Sérgio Luiz Deslandes de Souza e Lourival Vesgerau. 31

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Em março de 2012, o material do músico João Bientinez chegou em mãos, sendo um violão e duas fotografias. Uma das imagens é de um grupo organizado como uma pequena orquestra; a outra, uma imagem da Record Jazz Band, que atuava nas salas de cinema da cidade de Curitiba. E por último, o material pertencente ao compositor e professor Eugênio do Rozário (1882) que consiste em 30 composições manuscritas, 8 compilações de tratados e 2 dicionários, todos eles coordenados e manuscritos pelo músico. Este material ainda está em processo inicial de estudo.

ENTRE O VISUAL E O SOCIAL: O SOM

Durante a pesquisa, foram discutidos fatores contribuintes para o movimento cultural dos habitantes do Paraná, pois entende-se que o fluxo migratório definiu o ambiente sociocultural urbano de algumas cidades do estado, tanto na capital Curitiba como em cidades geograficamente próximas como Ponta Grossa, Castro, Rio Negro, União da Vitória e região litorânea. No Paraná dos anos de 1920, as formações Jazz band começam a aparecer com maior frequência em bailes nos salões das sociedades e clubes, como também nos teatros e cinemas. Das leituras feitas observando as fotografias, detectou-se que os músicos procuravam estar vestidos de maneira idêntica, basicamente seguindo o padrão: terno escuro, camisa branca e gravata borboleta. A presença do saxofone, tanto o soprano, o alto como o tenor, a bateria e os banjos. Observou-se que esses instrumentos, contracenaram com o pandeiro, o acordeão, o violão, o cavaquinho e a flauta12, formando em alguns casos, um conjunto híbrido entre regional e jazz band. A produção de gêneros estrangeiros, como o fox-trot e seus derivados, aparece em uma quantidade moderada, demostrando que o fox-trot no Paraná foi assimilado e

12 OTTO, Tiago. GILLER, Marília. VERZONI, Marcelo. Acervo do músico paranaense José da Cruz - identificação das formações instrumentais realizadas entre 1917 e 1950. Congresso e Anais da ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA – ANPPOM – Natal/RN – 2013 - ISSN 1983-5973. 32

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contracenou com gêneros como a valsa, em maior escala, o tango, o choro, o samba e, entre outros, o oberek13.

CONCLUSÃO

A complementação informacional entre os diferentes arquivos foram essenciais para se perceberem as relações ocorridas na música popular no Paraná, assim como as formas de produção, difusão e circulação da música paranaense. A organização social e os detalhes históricos da sociedade naquele tempo revelaram o desenvolvimento artístico do período, a relação com a sociedade, a receptividade dos grupos nacionais ou estrangeiros, o fluxo de companhias teatrais visitantes, observando-se os espaços de sociabilidades e de interação social da plateia curitibana e da intelectualidade local. Concorda-se que a cultura é um fluxo, pois a interculturalidade desenvolvida no Paraná dependeu de diversos fatores que foram compartilhados por hierarquias sociais de polaridades desiguais. Dos resultados obtidos até o momento, realizamos cinco versões da exposição Dos

Regionais as Jazz bands: Curitiba e música popular na primeira metade do século XX14, e sete versões15 do concerto musical com a Regional Jazz Band16, grupo montado para apresentar ao

13O Oberek, uma das cinco danças folclóricas polonesas, foi trazido pelos imigrantes quando chegaram às Américas, principalmente no final do século XIX e meados do século XX. Oberek, Kujawiak, Krakowiak, Mazur e Polonaise eram dançadas em toda a Polônia, originadas em antigas festividades e caracterizam-se, em geral, por formações circulares. Depois da Polca, o Oberek foi a dança mais popular da música polaco-americana. Nota-se que, mesmo tendo sua origem folclórica na Polônia, ao chegar às Américas tanto do Norte como do Sul, e massivamente no sul do Brasil e Argentina, tornou-se uma dança social bailada nos salões das sociedades (ALL DANCE INFOK, 2011, p. 5). 14 Realizada em cinco versões: Curadoria, Marilia Giller e Tiago Portella Otto: 1) Museu Paranaense (Curitiba, PR) entre os dias 6 de novembro de 2010 e 15 de fevereiro de 2011; 2) Casa da Cultura Polônia Brasil (Curitiba, PR) 12 a 30 de setembro de 2011, com apoio do Consulado Geral da República da Polônia em Curitiba, na Sociedade Tadeusz Kociuszko; 3) Hall de exposições da Faculdade de Artes do Paraná (Curitiba, PR) de 3 a 10 de dezembro de 2011; 4) Hall do Canal da Música (Curitiba, PR), entre os dias 21 de abril e 25 de maio de 2012; 5) Hall do SESC Água Verde - Projeto Conexão Musical 2012, (Curitiba, PR), entre 9 de outubro e 11 de dezembro de 2012. 15 Direção de Tiago Portella Otto e Marília Giller: 1) Museu Paranaense (Curitiba, PR), 6 de novembro de 2010; 2) Museu Paranaense (Curitiba, PR), 11 de novembro de 2010; 3) Oficina de Música de Curitiba - SESC (Curitiba, PR), 26 de janeiro de 2011; 4) Casa da Cultura Polônia Brasil (Curitiba, PR), 12 de setembro de 2011 - pocket show; 5) VIII Festival de Choro de Paris - Clube de Choro (Paris, França), 30 de março de 2012. 26/11/2012 “Sabiá Paranaense - A Obra de José da Cruz” - SESC água Verde / Projeto Conexões Musicais, (Curitiba, PR). 16Composta pelos músicos: Marilia Giller (piano e direção artística), Tiago Portella (cavaquinho e direção musical), Clayton Silva (flauta transversal e flautim), Gustavo Bonin (clarinete), Cássio Menin (violão sete 33

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público, repertório paranaense produzido neste período. Com as averiguações e análises em andamento, procura-se compreender com maior riqueza de detalhes as características que legitimam a sonoridade da música popular paranaense e distinguir e quantificar com maior precisão quem são os músicos e grupos atuantes durante os séculos XIX e XX, buscando identificar as bases e compreender as particularidades do jazz produzido no Paraná.

REFERÊNCIAS

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2009, Curitiba. Anais 2º ENCONTRO DO GRUPO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM ARTES DA FAP. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2009. PIEDADE, Acácio. Música instrumental brasileira e fricção de musicalidades. Antropologia em Primeira Mão, v. 21, PPGAS/UFSC, Florianópolis, 1997. ______. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. Opus, Florianópolis, v. 11, 2005, p. 113-123. TROTTA, Felipe. Gêneros musicais e sonoridade: construindo uma ferramenta de análise. Ícone, Pernambuco, UFPE, v. 10, n. 2, 2008.

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BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSITOR, REGENTE, PROFESSOR

Esp. Angela Cristina Lorenzzoni1 [email protected]

Resumo Nascido em Curitiba, Paraná, Benedito Nicolau dos Santos foi um intelectual que atuou principalmente em sua cidade natal e em Paranaguá, no final do século XIX e na primeira metade do século XX. Compositor, regente, escritor, crítico de arte, teatrólogo, professor e membro de diversas associações artístico-culturais. Apresentamos o resultado parcial do trabalho que tem como objetivos agrupar e acrescentar novos dados à sua biografia e catalogar sua obra. O presente artigo é uma compilação dos dados esparsos existentes em várias fontes e de depoimentos, buscando sistematizá-los.

Palavras-chave: Benedito Nicolau dos Santos; Compositores do Paraná; Música em Curitiba; Música em Paranaguá.

BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSER, CONDUCTOR, PROFESSOR

Abstract Born in Curitiba, Paraná, Brazil, Benedito Nicolau dos Santos was an intellectual who worked mainly in his hometown and in Paranaguá, in the late nineteenth century and the first half of the twentieth century. He acted as composer, conductor, writer, art critic, playwriter, teacher and was member of various artistic and cultural associations. We present article is the result of the partial work that aims to group and add new data to his biography as well as to catalog his works. It is a systematization of sparse existing dada, found in various bibliographical sources and interviews.

Keywords: Benedito Nicolau dos Santos; Composers of Paraná; Music in Curitiba; Music in Paranaguá.

1 Licenciada em Música pela Universidade Estadual do Paraná/Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Unespar/ Embap), integra o Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia, da Unespar/Embap, atuando na linha de pesquisa em Música Paranaense. 36

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INTRODUÇÃO

Segundo as biografias escritas por Maria Nicolas (1969, p. 174-176) e Marisa Ferraro Sampaio (1980, p. 141-144), Benedito Nicolau dos Santos nasceu em Curitiba, Paraná, a 10 de setembro de 1878, e faleceu na mesma cidade no dia 9 de julho de 1956. Filho de Manoel Gonçalves dos Santos e Benedicta da Trindade Ribas, casou-se em 1906 com Maria Luiza Curial Pelissare, com quem teve dez filhos. Nenhum deles dedicou-se à música, embora entre eles haja importantes intelectuais2. Era funcionário da Fazenda Federal, ocupação que exerceu até a aposentadoria e que o levou a residir temporariamente em Foz do Iguaçu, no Rio de Janeiro e em Paranaguá. Entretanto, foi principalmente em sua cidade natal, Curitiba, e também em Paranaguá, que atuou como compositor, regente, escritor, crítico de arte, teatrólogo e professor, ligado a diversas associações artístico-culturais e educacionais. Fez o curso primário na escola fundada e dirigida pelo Prof. José Cleto da Silva3. Transferiu-se para o Ginásio Paranaense, mas não concluiu o curso por motivos de saúde4. Foi também aluno da Escola Normal e da Escola de Artes e Ofícios do Paraná. De acordo com depoimento de Maria Antônia dos Santos Paula (1995), sobrinha e afilhada de Benedito Nicolau dos Santos, este começou a interessar-se pela música quando

2 Benedito Nicolau dos Santos Filho (Curitiba, 1914-1987) formou-se em Direito na Universidade do Paraná. Lecionou em vários educandários e, como professor universitário, a cadeira de português do Curso de Jornalismo nas Faculdades de Filosofia da Universidade Federal e da Universidade Católica. Membro do Centro de Letras do Paraná, foi seu presidente no biênio 1972-1974 e vice-presidente nos dois anos seguintes. Foi Secretário-geral do Conselho Diretor do Círculo de Estudos Bandeirantes e sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Pesquisador do folclore paranaense, é autor de vários livros sobre o tema. Também contista, foi farta sua colaboração em jornais e revistas paranaenses. Tomou posse na Academia Paranaense de Letras em 1975, como 3º ocupante da Cadeira nº 16 (Dados Disponíveis na Página Eletrônica da Academia Paranaense de Letras ; verbete intitulado José Nicolau dos Santos, Professor Emérito e Reitor da Universidade Federal do Paraná. Acesso em: jul. 2014). 3O Professor José Cleto da Silva (Paranaguá, 24 out. 1843-25 fev. 1912) desempenhou no estado do Paraná os cargos de Delegado de Polícia, Administrador Geral dos Correios, Inspetor do Tesouro do Estado, Secretário de Finanças do Estado e Deputado da Assembléia Provincial, além de exercer o magistério por 45 anos. O Grupo Escolar Professor Cleto fundiu-se ao Ginásio Estadual Emiliano Perneta, ambos de 1º. Grau, originado o Colégio Estadual Professor Cleto, situado na região central de Curitiba, que funciona ininterruptamente desde 1912 até os dias atuais. (Dados disponíveis na página eletrônica do Colégio Estadual Professor Cleto – Histórico, em . Acesso em: jul. 2014). 4 Esta informação é fornecida por Marisa F. Sampaio (1980, p. 142), que não especifica qual o problema de saúde que impediu Benedito Nicolau dos Santos a concluir o curso em questão. 37

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acompanhava as aulas de piano da única irmã, Carolina. O professor, cujo nome ainda não foi possível saber, ia até a casa da família para as aulas e, conforme o costume da época, a moça não podia ficar a sós com o mestre. Era então Benedito quem permanecia na sala durante todo o tempo da aula. Assim que Carolina deixava o piano, ele praticava com afinco os ensinamentos do professor. Sua formação musical formal deu-se em caráter particular com o Prof. Joaquim Fernandes da Silva, com quem teve aulas de piano, violino e solfejo. Estudou violoncelo com o maestro italiano Adolfo Corradi5 e harmonia e composição com Francisco Rodrigues Maiquez6, maestro espanhol, ambos estabelecidos em Curitiba. Na orquestra do maestro Francisco Rodrigues Maiquez, tocou violoncelo. Durante sua estada na cidade do Rio de Janeiro, Benedito Nicolau dos Santos frequentou o Conservatório Livre do maestro Cavalier Darbilly7. Retornando a Curitiba, aprimorou-se por meio de estudos e pesquisas sobre música (SAMPAIO, 1980, p. 142). Neste trabalho, em desenvolvimento junto ao Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia, linha de pesquisa em Música Paranaense da Unespar/Embap, ao CNPq, sob a orientação da Profa. Dra. Elisabeth Seraphim Prosser, pretende-se sistematizar e enriquecer a biografia de Bendito Nicolau dos Santos, bem como catalogar sua obra, visando também editá-la. O texto aqui apresentado consiste no resultado parcial dessa pesquisa e está dividido em pequenas seções com o intuito de organizar a multiplicidade de atuação do biografado.

5 Segundo Marisa F. Sampaio (1980, p. 159 e 167), “o maestro Adolfo Corradi, italiano de nascimento, chegou em Curitiba lá pelos fins do século XIX. Músico completo, dedicou-se ao ensino e à regência. Seu instrumento era o violoncelo.” Foi um dos principais professores da Escola de Belas Artes e Indústria do Paraná, criada em 1886 por iniciativa de Antônio Mariano de Lima. 6 O espanhol Francisco Rodrigues Maiquez era “compositor e regente da orquestra da Companhia de Zarzuelas ‘Maria Alonso’. Radicou-se em Curitiba lecionando piano e teoria, e partiturando músicas para duas bandas militares” (SAMPAIO, 1980, p. 142). 7 O músico brasileiro Carlos S. Cavalier Darbilly (Rio de Janeiro, 1846 - São Paulo, 1918), estudou na França com patrocínio do Imperador D. Pedro II. Retornou ao Rio de Janeiro em 1871, passando a atuar como professor de piano no Conservatório, depois Instituto Nacional de Música. Ministrou, também, aulas de matérias teóricas e composição no Liceu de Artes e Ofícios. Fundou o Conservatório Livre de Música em 1890. Como compositor, criou obras para canto, “operetas e música para o teatro de revista na sua fase inicial. (...) O nome de Cavalier, como compositor e regente, surge juntamente com outros nomes da história da música ligeira e popular da época, entre eles o de Chiquinha Gonzaga (1847-1935)” (BISPO, 2009). 38

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COMPOSITOR

A produção composicional de Benedito Nicolau dos Santos contabiliza cerca de duzentas obras: hinos, canções, valsas, polcas, tangos, schottisch, peças de cunho religioso e quatro operetas, entre outras. Datam de 1906-1907 suas primeiras composições, quando frequentava o Conservatório Livre Darbilly, no Rio de Janeiro e, posteriormente, em Paranaguá. Nessa cidade, manteve uma pequena orquestra e escrevia seu repertório, que era executado no cinema mudo e nas funções religiosas (SAMPAIO, 1980, 141-144). Localizamos parte do acervo musical de Benedito Nicolau dos Santos no Museu da Imagem e do Som (MIS) em Curitiba, onde há um álbum com cerca de cento e vinte partituras manuscritas assinadas pelo compositor. Em grande parte das músicas consta a indicação ‘Repertório Cine Paranaguá – 1908’. Algumas partituras deste mesmo álbum estão inacabadas ou trazem o nome de outros compositores. No MIS encontramos também os originais orquestrados da opereta Marumby, de Benedito Nicolau dos Santos, e sua redução para piano. Acreditamos que este acervo não contempla a totalidade da sua obra, pois coincide apenas parcialmente com a relação de composições listadas por seu filho, Benedito Nicolau dos Santos Filho (Rumo Paranaense, s.d., p. 17-18), e pela pesquisadora Marisa Ferraro Sampaio (1980, p. 141-142). Entretanto, pretendemos futuramente localizar, catalogar e, principalmente, editar todo o material referente ao compositor. A temática das operetas, as letras das composições populares e a própria música de Benedito Nicolau dos Santos estão repletas de referências paranistas8. É possível observar a

8 “Desencadeado, inicialmente, na literatura, por Romário Martins, na virada para o século XX, o Paranismo consistia na valorização do genuinamente paranaense, especialmente do índio, do pinheiro e do pinhão. Por parte de alguns, como Romário Martins, tratava-se de um movimento ‘visceral’, constituindo o ‘único caminho possível’. Por parte de outros artistas, traduzia-se na utilização de temas locais como motivo e/ou inspiração em suas obras. A concluir por escritos dos intelectuais da época, era fruto, também, de uma espécie de reação contra a cultura estrangeira vigente, bem como contra os “estrangeirismos” dos diversos grupos de imigrantes e seus descendentes. Nas artes plásticas, seus maiores representantes foram Ghelfi, João Turin e Lange de Morretes. Além deles, músicos como Benedito Nicolau dos Santos, Bento Mossurunga e Antonio Melillo, e empresários como João Groff, da revista Illustração Paranaense, lutaram por essa ideologia e por esse “estilo”. Ressalte-se a presença, no movimento, de imigrantes e de descendentes de imigrantes já residentes na região havia algum tempo. Enquanto Romário Martins valorizava as lendas indígenas paranaenses, como o mito do 39

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existência de especificidades regionais, como citações de canções folclóricas, contextos sociais locais, imigranteS italianos, alemães e poloneses, neve em Curitiba, as araucárias, o pico do Marumby, além de danças como a quadrilha e o fandango. Tiago Portella (2012, p. 17-18) destaca que o “interesse dos artistas pelas características da cultura dita popular” intensificou-se a partir da emancipação do estado do Paraná, em 1853. Refere-se a Benedito e a outros compositores que “produziram expressivas obras da música popular na capital paranaense”. Ressalta a importância do recente mercado editorial da época, que proporcionou a divulgação de muitos desses compositores. Novamente menciona o compositor, afirmando que “A primeira partitura tipografada no Paraná, em 1898, foi a polca Novo mundo, do flautista, violonista e já citado compositor Benedito Nicolau dos Santos, considerado gênio em seu tempo por sua significativa contribuição para as artes”. Benedito Nicolau dos Santos desempenhou importante papel na história do gênero musical Choro no Paraná. Como o choro era um dos gêneros mais frequentes no repertório de pianistas e orquestras que tocavam em salas de cinema no Brasil, várias obras compostas por ele para o repertório de sua orquestra, que tocava no Cine Paranaguá, pertencem a esse gênero. Quanto às suas operetas, A Vovozinha, com libreto de Emiliano Perneta9, foi estreada

Guairacá, a pinha, o pinhão e o pinheiro tornaram-se símbolos, aparecendo, a partir de então, nas calçadas da cidade, nos quadros, nas molduras, em móveis, em adornos arquitetônicos e em paredes. Inserindo elementos singulares na arquitetura e nas artes, legitimava-as como paranaenses. Motivos musicais baseados em canções tradicionais ou em gêneros populares, textos exaltando fatos, impressões e situações locais eram utilizados na composição. [...] Esse movimento coincide temporalmente com o movimento modernista e com o período de impacto da Semana de Arte Moderna. Sob este aspecto, pode ser encarado, ainda, de um lado, como uma reação local a um modernismo essencialmente paulistano pelo qual não queria deixar-se engolfar. De outro, inspira-se nas teorias e nos ideais de regionalidade presentes nele” (PROSSER, 2004, p. 153-155). 9Emiliano David Pernetta (Pinhais, 1866 - Curitiba, 1921) FOI um dos fundadores da Academia Paranaense de Letras (19/12/1912) e Patrono da sua cadeira de nº 30. Depois de formado na Faculdade de Direito de São Paulo, foi para o Rio de Janeiro, lançando-se no jornalismo ao lado de Bilac, Pardal Mallet, Murat e outros. Mas foi o encontro com Cruz de Sousa que alterou profundamente o rumo de sua poesia. Em teve curta carreira na Magistratura. Seriamente doente, retornou ao Paraná em 1896 e conquistou a cadeira de Português do Ginásio Paranaense. Recebeu a consagração popular com a publicação de Ilusão. Em 20 de agosto de 1911, no Passeio Público, foi coroado Príncipe dos Poetas Paranaenses (Dados disponíveis na página eletrônica da Academia Paranaense de Letras . Acesso em: jul. 2014. Verbete Emiliano David Pernetta)

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no dia 13 de maio de 1913 no Clube Literário de Paranaguá. Posteriormente, em 1921, foi apresentada em Curitiba e Ponta Grossa. Em 1928 estreou, no Teatro Guaíra em Curitiba, Marumby, opereta em três atos cujo enredo versa sobre costumes paranaenses, tendo sua letra sido escrita pelo próprio compositor. Há poucas referências sobre as outras duas operetas: Pequena cantora, em três atos, sobre texto de Leôncio Correia10, e Rosa vermelha, em apenas um ato, com letra do poeta simbolista José Gelbck (SAMPAIO, 1980, p. 142). Acerca das dificuldades de se escrever e montar uma opereta na Curitiba do início do século XX, são reveladoras as palavras do próprio Benedito Nicolau dos Santos, que transcrevemos a seguir. Pela temática e pela citação de alguns personagens, acredita-se tratar-se de Marumby:

Contento-me, porém, a crêr eu só no que digo. Dizendo o mais, também se vai ao menos. Agora êste “menos” para dizer em música, na terra onde se é preciso, antes de tudo, consultar o chefe de partido, o delegado de policia e a boa disposição dos colegas, preferivel é passa-lo de menos a mínimo. […] Outra vez, instigado, arrisquei-me a fazer aquele mínimo por encomenda. Digo por encomenda porque já me contava incapaz de produzir algo por conta própria. Saiu uma como operêta regional de cousas e costumes da terra. Resultado: - A policia depois de lêr e autorisar a representação visitou-me quatro vezes, à casa. Denuncias haviam surgido. Os consules reclamavam contra a inclusão de súditos, na peça. E para evitar conflitos e complicações internacionais, cortou a policia um alemão, um polaco e um italiano que haviam sido, à ultima hora, cunhados a conta dos que faziam de personagens. Houve antes disso muito bate-boca, brigas, expulsão da troupe que andou de Herodes para Pilatos, sem casa ou teatro para os ensaios, além de exigências de pagamento adiantado disto e daquilo. A peça, porém, foi empurrada e obteve brilhante sucesso de estreia na aldeia (SANTOS, 1936, v. 4, Prefácio).

10 Leôncio Correia (Paranaguá, 1865 - Rio de Janeiro, 1950), considerado poeta pela crítica, foi também expressivo cronista, legando à posteridade fontes importantíssimas de memória. O livro Meu Paraná é um retrato notável de locais e situações. Abolicionista e republicano, começou a atuar em Paranaguá. Envolveu-se na Revolução Federalista ao lado dos legalistas, coincidindo a época com o mandato de deputado estadual que exercia. Sempre ligado ao Paraná, especialmente a Curitiba e a Paranaguá, morou durante cinquenta anos no Rio de Janeiro, onde exerceu funções de alta projeção: diretor do Ginásio Nacional (Colégio de D. Pedro II), diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro e diretor da Imprensa Nacional e do Diário Oficial. Além da Academia Paranaense de Letras, na qual foi fundador da Cadeira nº 9, pertenceu à Academia Carioca de Letras. (Dados disponíveis na página eletrônica da Academia Paranaense de Letras . Acesso em: jul. 2014. Verbete, Leôncio Correia). 41

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Em 1966 a Universidade Federal do Paraná promoveu a apresentação da opereta A Vovozinha, em homenagem ao centenário de nascimento do poeta Emiliano Perneta. As récitas aconteceram nos dias 7 e 9 de outubro no Auditório da Reitoria, com a participação da Orquestra Juvenil da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Paraná sob a regência do maestro Gedeão Martins, do Coral Martinus sob a regência da maestrina Hildegard Soboll Martins e do Ballet do Clube Concórdia, coreografado pela Professora Mary Alice B. Schlogel. Estas informações constam no programa da apresentação encontrado no acervo da Biblioteca Pública do Paraná, editado pela Imprensa da Universidade Federal do Paraná (PERNETA; SANTOS, 1966). Recentemente uma nova montagem, bem mais simples, desta mesma opereta foi realizada na Capela Santa Maria Espaço Cultural, entre os dias 21 e 23 de setembro de 2012. Com direção musical da cantora Denise Sartori e a regência do compositor e maestro Jaime Zenamon, contou com a presença de solistas, coro e, ao piano, Ben Hur Cionek. A Vovozinha é considerada uma opereta infantil, aspecto controverso que ainda merece um estudo detalhado. Também no ano de 2012 temos a publicação do Songbook do Choro curitibano que inclui quatro peças de Benedito Nicolau dos Santos: as polcas Luizinha e Não venhas, a habanera composta em parceria com Corrêa Junior Mimosa morena e a valsa Vision d’amour.

MAESTRO

Benedito Nicolau dos Santos residiu em Paranaguá durante alguns anos11, a partir de 1907, trabalhando como Primeiro Escriturário da Alfândega. Todavia manteve suas atividades relacionadas à música: “Naquela cidade portuária dirigiu uma pequena orquestra, escrevendo para ela músicas próprias para o cinema mudo e para as funções religiosas.

11 Até o momento, não há como precisar o tempo que Benedito Nicolau dos Santos permaneceu em Paranaguá. Entretanto nesta cidade estreiou sua opereta A Vovozinha, em 1913. 42

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Nessa pequena orquestra tocou Villa-Lobos, que por lá se encontrava” (SAMPAIO, 1980, p. 142). As operetas compostas por Benedito Nicolau dos Santos eram apresentadas sob sua regência. “Precisamente no dia 19 de dezembro de 1928, data comemorativa à Emancipação Política do Paraná, aconteceu no Teatro Guaíra a estreia da opereta Marumby [...], sob o patrocínio da Sociedade Teatral Renascença”. Desta mesma Sociedade originava-se o elenco, formado por artistas amadores. “A orquestra, com vinte e oito integrantes, todos professores, foi dirigida pelo próprio autor, secundado por Ludovico Seyer e Wenceslau Schwansee”. Há registros nos jornais da época sobre as oito consecutivas apresentações da opereta. (SAMPAIO, 1980, p. 141).

PROFESSOR

O nome de Benedito Nicolau dos Santos é mencionado no primeiro livro de Atas das reuniões da Congregação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), que abrange o período de 1948 a 1988, como seu fundador e como docente da disciplina de Noções de Ciências Físicas e Biológicas Aplicadas (PROSSER, 2004, p. 262-264). No já citado acervo do MIS, encontramos quatro pequenas cadernetas com listas de chamada de alunos e outras anotações pertinentes à disciplina que ministrava na Embap. Nas etiquetas há claras referências à Escola e constam as datas de 1950, 1951, 1951 segundo semestre e 1952. Além da Embap, segundo Sampaio (1980, p. 143), lecionou Português e outras disciplinas, no Colégio Paroquial de Paranaguá, matérias do Curso Básico e relacionadas às Finanças na Academia Paranaense de Comércio e na Faculdade de Ciências Econômicas.

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INTELECTUAL

Benedito Nicolau dos Santos escreveu também, obras de musicologia: Tertúlias musicais (quatro fascículos, 1953); Sonometria e Música (quatro volumes, entre 1931 e 1935); A pauta sinfônica e A pauta sintética (inéditas), além de Cantigas da infância (livro didático com letra do poeta Francisco Leite, 1921) (SAMPAIO, 1980, p. 142). Verificou-se, no acervo do MIS, a existência de aproximadamente trinta cadernos com rascunhos de textos que contém seus trabalhos teóricos, preparação de aulas e anotações sobre temas diversos. Por Sonometria e Música, obteve grande reconhecimento, como ressalta Ivan Aguilar Fernandes (2000, p. 19): “Benedito Nicolau dos Santos, autor de Sonometria e música, [foi] apontado por Francisco Curt Lange12 como um dos maiores nomes em musicologia latino- americana”. Leôncio Correia, convidado para prefaciar a obra, resume o conteúdo dos quatro volumes:

Sonometria e Música – foi o título escolhido pelo autor do presente livro. O título condiz com o assumpto geral da obra, porque, de facto, é do “som”, considerado como individualidade physica, geometrica e numericamente determinado, que parte o autor para o campo de suas investigações á ordem scientifica da musica. [...] A parte histórica, que nos conta ter a musica evoluido penosamente do canto monodico dos Gregos e do antiphonario ecclesiastico, tacteando pelo “discantus”, pelo “falso-bordão”, do '”punctum contra punctum” dos primeiros divisadores da polyphonia moderna, possui um alto interesse nas investigações do autor aos equivocos e deslocamentos, que affirma permanecer em o actual systema de temperamento. […] A parte esthetica, que se poderia denominar ontologica, contêm grande cópia de dados scientificos concernentes a essa nova parte da philosofia e da critica de arte, além de muitas idéas originaes sobre os grandes problemas que afligem o pensamento antigo e contemporaneo (CORREIA. In: SANTOS, 1933, v. 1, p. I-II).

Dentre as muitas críticas elogiosas a esta obra (Rumo Paranaense, s.d., p. 12-16),

12 Francisco Curt Lange (1903-1997), musicólogo alemão radicado no Uruguai, desenvolveu as primeiras pesquisas sobre a música colonial hispano-americana e brasileira. Em 1935 iniciou a publicação do Boletín Latino-Americano de Música e, em 1938, fundou o Instituto Interamericano de Musicologia, em Montevideo (SADIE, 2001, p. 239). Suas iniciativas pioneiras tiveram ampla influência sobre as pesquisas musicológicas no continente. 44

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Silveira Neto (Morretes, 1872 - Rio de Janeiro, 1942) importante poeta simbolista, afirmou ao jornal Diário da Tarde, do Rio de Janeiro, em 30 de novembro de1935:

O autor de Sonometria e Música e de tantas laudas musicais, do acervo artístico do Paraná, realiza, com talento e admirável extensão de conhecimentos, dentro e fora do assunto de sua especialidade, este vitorioso conjunto da inteligência. A sua obra, de renovamento da Ciência Musical, põe-no em plano arrojado e culminante entre os teoristas da grande Arte, no presente brasileiro. (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 15).

Oswaldo Piloto, destacado intelectual da época, transcreveu em nota à Gazeta do Povo de 10 de novembro de 1933 a carta de Mário de Andrade a Benedito Nicolau dos Santos sobre Sonometria e Música:

Só depois desse trabalho, tão penoso quanto a doença, é que de volta a São Paulo, pude entregar-me à leitura do seu livro e fazer inteira justiça ao seu esforço admirável de enriquecer a musicologia nacional, com um trabalho de valor. O seu trabalho, na sua concepção arrojada, na sinceridade do artista que o produziu, na erudição de que esse artista procura cercar-se, causa-me a admiração mais sincera. Pode ter a certeza que hoje, cerco o seu nome do mais profundo respeito e que passei a contá-lo entre os raros homens, da nossa terra, para os quais a Música vai além duma simplória execução instrumental (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 12-13).

Newton Sampaio (Tomazina, 1913 – Lapa, 1938), um dos mais importantes contistas paranaenses, escrevendo para o jornal curitibano O Dia, em 4 de setembro de1939, faz sua crítica sobre Sonometria e Música: “Nicolau dos Santos está realizando, sobre música, uma obra de tal vulto, que poucas pessoas, no Brasil, o podem suficientemente, compreender” (Rumo Paranaense, s.d., p. 13). Benedito Nicolau dos Santos foi considerado uma das “personalidades significantes que ministraram palestras em Curitiba entre os anos de 1945 a 1959” (CARLINI, 2005, p. 143), promovidas pela SCABI - Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê. Conforme Maria Nicolas (1969, p. 175), também realizou conferências no Instituto Nacional de Música acerca da simplificação do sistema gráfico musical, tema este contemplado em suas obras teóricas.

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Como “poeta, prosador, ensaísta, teatrólogo”, assim definido por Maria Nicolas (1969, p. 175), Benedito Nicolau dos Santos foi ativo colaborador das revistas simbolistas O Sapo e Azul, no início do século XX. Colaborava também com as revistas O Itararé, Prata da Casa, Véritas, Correio dos Ferroviários e Marinha, esta última de Paranaguá, e com o Boletim Latino Americano de Música, criado pelo já citado musicólogo uruguaio Francisco Curt Lange. Foi fundador dos periódicos de orientação católica O Vigilante, em Paranaguá, e O Cruzeiro, em Curitiba. Nos jornais curitibanos O Dia, Gazeta do Povo e Diário da Tarde, escrevia sobre assuntos diversos e atuava como crítico musical, sob o pseudônimo de Jack Lino (SAMPAIO, 1980, p. 143). Sobre suas peças para teatro existem poucas informações disponíveis, mas podem-se citar as comédias Erros do coração, O homem de saias e Lição de amor (NICOLAS, 1969, p. 175). Publicou também Normas e fatos, em dois volumes, que datam de 1948 e 1949. Em nota preliminar o autor comenta: “Os conceitos e normas aqui coletados ilustram fatos ocorridos durante os anos da guerra e foram, em maioria, comentados em aulas na Faculdade de Ciências Econômicas da Academia Paranaense de Comércio” (SANTOS, 1948, p. 3). Membro de diversas associações artístico-culturais, “pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes, na qualidade de fundador” (NICOLAS, 1969, p. 175). Foi também um dos fundadores da Sociedade de Socorro aos Necessitados. Participava da Academia Paranaense de Letras (cadeira nº 16), do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Paraná, do Centro de Letras do Paraná, do Instituto de Musicologia de Montevidéu e da Academia José de Alencar (SAMPAIO, 1980, p. 143). “Recebeu título de Doutor Honoris causa de Universidades estrangeiras” (NICOLAS, 1969, p. 175). Fundador da cadeira de nº 19 da Academia Brasileira de Música, cujo patrono é Brasílio Itiberê.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto pode-se inferir que Benedito Nicolau dos Santos foi um homem extremamente ativo e respeitado tanto como compositor e regente, quanto como professor 46

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e intelectual, conforme os depoimentos de importantes personalidades da sua época. Sua produção musical, teatral, literária, jornalística e científica merece não apenas uma compilação, mas um estudo aprofundado, especialmente o livro Sonometria e Música (em quatro volumes), não apenas como obras em si, mas também como reveladoras do pensamento e do contexto social e cultural da sua época. Com grande repercussão, referendada pelos inúmeros comentários publicados na imprensa de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, , Belo Horizonte e Montevidéu, considerada inovadora e relevante, Sonometria e Música instiga a curiosidade, tanto pelas inúmeras críticas positivas que recebeu quanto pelo seu conteúdo. Investigando a pluralidade de atividades Benedito Nicolau dos Santos, acreditamos colaborar para a preservação da cultura paranaense e brasileira e para a instigação do interesse por pesquisas sobre deste intelectual nas diversas áreas em que atuou.

REFERÊNCIAS

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COLÉGIO Estadual Professor Cleto – Histórico. Professor José Cleto da Silva. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. CORREIA, Leoncio. Prefácio. In: SANTOS, Benedito Nicolau dos Santos. Sonometria e Musica. v. 1. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1933. FERNANDES, Ivan Aguilar. Apontamentos sobre a Sociedade de Cultura Brasílio Itiberê (SCABI) In: III JORNADA DE INICIAÇÃO À PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE (Curitiba, 1998). Anais. Curitiba: ArtEMBAP, 2000. p. 13-25. NICOLAS, Maria. Almas das Ruas – Cidade de Curitiba. v. 1. Curitiba: Imprensa Oficial, 1969. PAULA, Maria Antônia dos Santos. Depoimento a Angela Cristina Lorenzzoni. Curitiba, 1995. PERNETTA, Emiliano; [SANTOS, Benedito Nicolau dos]. Vovozinha, opereta em três atos. Curitiba: Imprensa da Universidade Federal do Paraná, 1966. (Programa de concerto) PORTELLA, Tiago (org.). Songbook do Choro Curitibano. v. 1. Curitiba: Otto Produções Artísticas, 2012. PROSSER, Elisabeth Seraphim. Cem anos de sociedade, arte e educação em Curitiba: 1853 – 1953. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004. PILOTO, Oswaldo. Carta de Mário de Andrade a Benedito Nicolau dos Santos. Gazeta do Povo, 10 nov., 1933. In: Rumo Paranaense, Curitiba, Gráfica Vicentina, ano 1, n. 10, p. 12-13, s.d. SADIE, Stanley (Ed.). The New Grove: Dictionary of Music and Musicians. Francisco Curt Lange. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. v. 14, p. 239. (Verbete) SAMPAIO, Marisa Ferraro. Quatro Compositores. Referência em Planejamento: Artes no Paraná II, v. 3, n. 13, p. 139-148, Curitiba, 1980. SANTOS, Benedito Nicolau dos. Normas e Fatos. v. 1. Curitiba: Gráfica Mundial, 1948. _____. Sonometria e Musica. v. 1. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1933. _____. Sonometria e Musica. v. 4. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1936.

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INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM E A PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA1

Dra. Elisabeth SeraphimProsser2 Universidade Estadual do Paraná / Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Brasil [email protected]

Resumo Ingrid Haydée Müller Seraphim, no decorrer da sua trajetória, dedicou-se ora ao piano, ora ao cravo e, mais recentemente, ao órgão, além de desempenhar importante papel como organizadora cultural. Professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), hoje Universidade Estadual do Paraná, lecionou piano, cravo e música barroca, deflagrando o movimento de música antiga no Estado. Atuou intensamente em concertos, gravações e na organização de cursos e festivais reconhecidos nacional e internacionalmente. Entre as suas mais importantes ações estão a criação e a coordenação da Camerata Antiqua (1974-2001), da Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba (1985-2001) e das Oficinas de Música de Curitiba (1983-2001), grupos de ação ininterrupta até a atualidade. Como pianista, especializou-se em Debussy; como cravista e organista, dedica-se especialmente a Rameau, Bach e Händel. Esta investigação baseou-se essencialmente em documentos inéditos e entrevistas.

Palavras-chave: Ingrid Müller Seraphim; Camerata Antiqua de Curitiba; Orquestra de Câmara de Curitiba; Oficinas de Música de Curitiba; Hausmusik.

INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM AND MUSICAL PRACTICE IN CURITIBA (BRAZIL)

Abstract Ingrid Haydée Müller Seraphim devoted herself, in the course of her career, first to the piano, than to the harpsichord, and lately to the organ. As a Professor at the School of Music and Fine Arts of Paraná, Brazil (Embap), today State University of Paraná, she taught piano, harpsichord and baroque music, triggering the early music movement in the state. She worked extensively with concerts and recordings, as well as organizing nationally and internationally recognized courses and festivals. Among her most important achievements are the creation and coordination of the Camerata Antiqua (1974-2001), the Chamber Orchestra of de City of Curitiba (1985-2001) and the Oficina de Música de Curitiba (1983-2001), which became nonstop action groups to the present, with great prominence. As a pianist, she specialized in Debussy; and as harpsichordist and organist, she devotes special attention to Rameau, Bach and Händel. This research was based mostly on inedited documents and interviews.

Keywords: Ingrid Haydée Müller Seraphim; Camerata Antiqua de Curitiba; Orquestra de Câmara de Curitiba; Oficinas de Música de Curitiba; Hausmusik.

1 Este artigo é a síntese do livro homônimo e ilustrado, em fase de preparação para edição. 2Professora de História da Música daUnespar/Embap. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR), Mestre em Educação (PUCPR), Especialista em História da Música (Embap). É editora, organizadora cultural, curadora e historiadora social da arte paranaense. 49

INTRODUÇÃO

A trajetória de Ingrid Haydée Müller Seraphim (*Curitiba, Brasil, 1930) além de revelar a sua caminhada pessoal, remete a um conjunto de pessoas e de procedimentos característicos de tempo e lugar, contribuindo para que se conheçam novos aspectos da história social da música local e nacional. Musicista, concertista e professora de piano e cravo, organista, organizadora cultural, dedicou sua vida à música e a abrir caminhos para profissionais dessa arte mediante grupos e cursos que criou e organizou por várias décadas. Especialista em música impressionista francesa, ao piano, e em música barroca, ao cravo e ao órgão, atuou como professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (1954- 1986), onde, com Henriqueta Garcez Duarte, José Penalva, Henrique de Curitiba e Neyde Thomas, ajudou a moldar os rumos da música e da cultura local na segunda metade do século XX. Foi de sua iniciativa a criação, entre outros grupos e eventos, da Camerata Antiqua de Curitiba (1974), da Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba (1985) e das Oficinas de Música de Curitiba (1983), dos quais foi a principal coordenadora e diretora artística até 2001. Tanto esses grupos quanto as Oficinas, ainda hoje, têm grande destaque e relevância no cenário musical nacional e internacional. Foi, ainda, mentora da criação e cravista do Grupo Renascentista, cujo primeiro concerto ocorreu em 10 de junho de 1981. Este conjunto se dedicaria especificamente à música deste período, primeiramente no âmbito da Camerata e, depois, de modo independente. Ao discorrer sobre a artista, Álvaro Collaço (2011) afirma: “Foi o dramaturgo alemão Bertold Brecht quem disse que são imprescindíveis aqueles que lutam por toda a vida. Esta frase é adequada para se referir à cravista e pianista Ingrid Müller Seraphim. Por toda a sua vida, ela buscou difundir a música erudita em Curitiba e no Brasil”. Na trajetória da artista, podem-se observar quatro momentos. O primeiro, de 1930 a 1952, abrange a sua infância – quando iniciou seu aprendizado musical com o Pastor Frank –, até o período em que, após vencer em Curitiba um concurso para jovens instrumentistas realizado pela Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (a SCABI), radicou-se no Rio de Janeiro, para estudar com Guilherme Fontainha, Villa-Lobos e José Vieira Brandão.

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O segundo, de 1953 a 1973, começa com o seu retorno a Curitiba, quando passou a integrar o corpo docente da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. A partir de então, construiu sua carreira como concertista e professora, convidada de inúmeros cursos de férias em todo o Brasil, solista de várias orquestras e grupos de câmara nas principais salas de concerto do país. O terceiro, entre 1974 e 2001, se inicia quando criou, ao lado do regente e cravista Roberto de Regina, a Camerata Antiqua de Curitiba e, mais tarde, com o violinista Paulo Bosísio, a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba e as Oficinas de Música. Com integrantes da Camerata e convidados, inspirou a criação, também, do Grupo Renascentista, liderado inicialmente por Eunice Brandão e, depois, por Flávio Stein e Plínio da Silva. Durante estes quase trinta anos, dedicou-se a estes grupos e a dar oportunidade profissional aos jovens músicos da cidade, muitos deles, hoje, com trajetória internacional. E o quarto, de 2001 à atualidade, em que se dedica à Hausmusik3, ao repertório de obras solísticas do barroco francês e alemão e do impressionismo francês e em que atua como organista na mesma igreja que o Pastor Frank dirigiu e que frequentava quando da sua infância e adolescência. Ali continua a incentivar a prática de música de câmara.

FORMAÇÃO: INFÂNCIA E JUVENTUDE (1930-1952)

Ingrid nasceu em Curitiba, em 1930. Sua mãe, a musicista e pintora Elza Weimar Müller (1907-2000), nasceu na Alemanha e veio aos cinco anos de idade para Curitiba com seus pais – ele, Reinhold [Reinoldo] Weimar, o primeiro agrimensor contratado pelo governo do Paraná e autor dos mais antigos mapas do litoral e do interior do Estado. O pai de Ingrid, o industrial Julio Rodolfo Müller (1893-1952), era filho de Rudolf e Friedericke Müller, vindos de Arau, Suíça, nas décadas de 1850 e 1860, respectivamente. Fundou a Laminadora Müller, que

3 Hausmusik: prática de música em grupo realizada no âmbito privado. Não oficial, espontânea, reune familiares e amigos pelo prazer de se fazer música em conjunto. É também um momento de convívio social e de aprendizado musical informal. Foi muito cultivada na Renascença e no Barroco, com seu auge em Viena, no início do século XVIII. Continua presente até a atualidade, especialmente na Europa e na América do Norte. No Brasil, foi cultivada especialmente por imigrantes e seus descendentes. 51

tinha, entre seus clientes, a Fábrica de Pianos Essenfelder4, para a qual fornecia lâminas de madeira para o acabamento de pianos. O casal teve participação ativa na vida social e cultural de Curitiba na primeira metade do século XX, especialmente entre os imigrantes alemães. Ingrid (2010b), a segunda dos cinco filhos, lembra da presença da música na casa em que a família morava, nas mais variadas horas do dia:

A música esteve sempre presente na minha vida. Minha mãe tocava piano, cantava... Lembro que quando eu tinha meus 5, 6 anos, eu acordava com minha mãe cantando Lieder de Schubert, acompanhando a si mesma ao piano. Por isso, até hoje, eu tenho um carinho muito especial por Schubert, por esses Lieder, pois me trazem recordações muito boas.

Também a prática da Hausmusik fazia parte do cotidiano da família:

Quando crianças, nos reuníamos em volta do piano à noite. Minha mãe tocava ao piano músicas do folclore brasileiro, alemão e italiano e nós todos cantávamos. O meu pai adorava. Ele ficava na poltrona lendo o jornal ou a Bíblia. Éramos cinco filhos, quatro irmãs e um irmão, ao redor do piano. Maravilhoso! Isto está tudo no meu ouvido até hoje! (SERAPHIM, 2010a).

A família frequentava a pequena Igreja Evangélica Luterana, da Rua Inácio Lustosa, em Curitiba, a Christus Kirche. Foi lá que Ingrid foi batizada, foi ao Jardim da Infância e teve sua formação musical inicial, com o pianista e regente Pastor Karl Frank que, “além de grande erudito e teólogo era um excelente músico e professor” (SERAPHIM, 2011b). Desde a sua chegada, em 1910, até finais da década de 1960, o Pastor Frank5 foi um dos principais regentes e professores de piano e de história da arte da cidade. “Em sua

4 A Fábrica de Pianos Essenfelder funcionou em Curitiba por mais de cem anos (1890-1996). Foi fundada em 1890, pelo alemão Florian Essenfelder, que havia sido técnico da Fábrica de Pianos Bechstein, em Berlim, marca considerada então uma das melhores do mundo. Ele “foi um grande técnico. Migrou para a América do Sul por causa do medo da guerra na Europa”, conta a pianista Henriqueta G. Duarte. Essenfelder se estabeleceu inicialmente em Buenos Aires. Mas as madeiras disponíveis no país para a fabricação de pianos não o agradaram e ele se transferiu para Curitiba (RUPP, 2011). 5 Pastor Karl Frank (Hamburg, 1886 - Curitiba, 1969). Formado na Alemanha em teologia e música (órgão e piano), foi enviado ao Brasil em 1908 pela Igreja Luterana, radicando-se em Curitiba. Nessa época, os luteranos tradicionais e os liberais romperam, na capital paranaense, em razão da abolição ou não do estudo de religião na Deutsche Schule (Escola Alemã, mais tarde, Escola Progresso). Os dissidentes mais tradicionais (os Müller, Mehl, Ernlund, Graeml, Gaertner, Wendler e outros) passaram a se reunir nas suas casas, até que, em 11 de agosto de 1912, liderados pelo Pastor Frank, iniciaram a construção de um pequeno templo à Rua Inácio Lustosa, n. 309, inaugurado seis meses depois e hoje conhecido como “Igrejinha”. O Pastor Frank permaneceu à frente da comunidade por mais de quarenta e cinco anos (FERNANDES, 2010). Durante esse período, além da sua atividade pastoral, foi o líder intelectual e artístico de grande parte da comunidade germânica da cidade. 52

Igreja, organizou e desenvolveu atividades musicais com membros da comunidade local, composta principalmente de alemães e seus descendentes” (SERAPHIM, 2003). Além de atuar como professor de piano, regia o coro da igreja, que cantava durante os cultos e outras festividades e em concertos que ele próprio organizava. “Foi um amante da música, criou um círculo musical em Curitiba e abriu a porta do universo da música para muitos músicos, hoje profissionais” (AUGUSTIN, 1999, p. 85). Aos doze anos, Ingrid integrava o coro do Pastor Frank com sua mãe, irmãs e amigos. “Como nessa época eu já ia muito bem no piano, eu acompanhava o coro, que cantava obras importantes da literatura musical”. Assim, “foi sob a batuta do pastor/músico que Ingrid fez parte ativa, nos anos 1940, das estreias brasileiras de partes de obras significativas do repertório musical, como o Réquiem de Brahms, o Réquiem de Mozart, A criação de Haydn, extratos de obras de Händel e Cantatas, Motetos e Corais de Bach”. Ela afirma: “Essas obras magistrais marcaram minha vida”. Ainda adolescente, “muitas vezes, deixava de estar com meus amigos para ler as Sonatas de Beethoven, as obras de Schumann, Schubert, Brahms e outros” (AUGUSTIN, 1999, p. 85; SERAPHIM, 2010a; 2010b; 2011b). Era comum, entre os imigrantes alemães e seus descendentes, famílias e amigos reunirem-se para fazer música, como atividade social de lazer. Ingrid (2011a) conta sobre as muitas ocasiões das quais participava:

Fazíamos muita Hausmusik na casa da Tia Emma Jucksch, irmã do meu pai. A casa dela era ao lado da Igreja. Nessa época, minhas irmãs e eu frequentávamos regularmente esses encontros, assim como o Rudi [Rudolf] Jucksch (violinista), filho da Tia Emma, o Henrique Hübert (violoncelista) e outros. Com o tempo, também a filha do Pastor Frank, a Ester (pianista) e o Ludwig Seyer (o filho - violinista) passaram a participar conosco.

Ao considerar suas atividades musicais, a artista destaca mais uma vez os anos de estudos com o pastor/músico, permitindo entrever a sua metodologia de ensino:

Toda essa vivência me orientou para a música. As aulas do Pastor Frank me entusiasmavam, pois ele conhecia todo o repertório, tocava à primeira vista as

Esteve à frente de inúmeras atividades musicais destinadas tanto aos cultos quanto aos concertos que organizava e regia. A partir dos anos 1940, suas filhas Ella Frank [Grube], Ester Frank [Graf] e Ruth Frank o auxiliariam como instrumentistas. Ester assumiria, mais tarde, a regência do coro da igreja e do grupo instrumental que era formado, ocasionalmente, para certos concertos (SERAPHIM, 2014). 53

músicas que eu ia estudar. Tocávamos muito piano a quatro mãos. Nos meus treze ou catorze anos eu já tocava as Sonatas de Beethoven. A cada quarta-feira ele pedia um novo movimento de uma Sonata e, assim, eu ia conhecendo todas e desenvolvendo também minha leitura. E uma delas eu estudava bem, para tocar em concertos e audições. Nessa época, eu também tocava algumas Mazurkas e Polonaises de Chopin, obras de Schubert, Bach e Schumann. Tocava também a Sertaneja, de Brasílio Itiberê, e muitas obras de Villa-Lobos. Minha mãe tinha todas essas partituras e eu era muito curiosa, queria conhecer tudo. Assim, todos os dias quando eu voltava do colégio, a primeira coisa que fazia era ler ou estudar esse repertório. Eu também acompanhava o meu primo, Rudi (Rudolf Jucksch), em peças de compositores como Sarazate, Massenet, Kreisler... (SERAPHIM, 2011a).

Assim, como aluna do Pastor Frank, Ingrid teve um aprendizado musical consistente e de qualidade. Participava como pianista acompanhadora do coro e da orquestra regidos por ele, nas apresentações que promovia na sua Igreja. Além disso, ainda adolescente, tocava em vários concertos ao lado de músicos de destaque da época, como o pianista austríaco e químico radicado em Curitiba, Dr. João Poeck, a regente, pianista, violoncelista e flautista Ester Frank [Graf], o maestro Ludwig Seyer (pai), que, por sua vez, regia a Orquestra do Clube Concórdia e a Orquestra da SCABI (da Sociedade Cultural e Artística Brasílio Itiberê). Em algumas ocasiões, era convidada pelo maestro Seyer (pai) para participar de noites de Hausmusik, na casa dele. Recorda de uma vez em que estavam lá o Dr. Poeck e sua esposa (cantora), os violinistas Ludwig Seyer (filho) e Rudi Jucksch, multiinstrumentista Ester Frank [Graf] e o pianista, compositor e regente Alceo Bocchino. Em outras ocasiões as reuniões eram na casa dos Jucksch ou na sua. Ela comenta que tocar com o Dr. Poeck, grande pianista, foi uma experiência marcante para ela, ainda adolescente:

Ele era um excelente músico. Conhecia todo o repertório, tinha uma leitura à primeira vista perfeita. Quando vinham músicos estrangeiros, era ele que os acompanhava ao piano, de maneira soberba. Com o Dr. Poeck toquei muita música a dois pianos, pois tínhamos dois e até três pianos na casa dos meus pais. Toquei também em concertos com ele. Em alguns concertos organizados pelo Pastor Frank, tocamos várias vezes em dois pianos, principalmente concertos de Bach, em que um de nós fazia a parte do solista e o outro a redução da orquestra. Tocamos em Curitiba e também em Ponta Grossa (SERAPHIM, 2011b).

Ingrid (2011a) continua a relatar sua trajetória: “A partir dos meus quinze anos, por cerca de um ano, estudei com Renée Devraine Frank, pianista francesa radicada em Curitiba. Com ela fiz muito mecanismo, escalas e teoria da música”.

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Foi em 1947, aos dezesseis anos, que obteve o primeiro lugar no Concurso de Solistas para a Orquestra Sinfônica da Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê6, cujo prêmio era solar com esta orquestra. Na ocasião, tocou o Concerto nº 2, para piano e orquestra, de Beethoven, sob a regência do maestro Ludwig Seyer (o pai). Guilherme Fontainha7, um dos mais importantes professores de piano da época, membro da banca, convidou-a então para estudar com ele, no Rio de Janeiro. Foi assim que, em 1947, ela recebeu uma bolsa de estudos e radicou-se por cinco anos no Rio de Janeiro, continuando sua formação com este grande pianista. Em 1951, participou de outro concurso, desta vez o de Solistas da Orquestra Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro. Obteve também o primeiro lugar, apresentando-se como solista dessa orquestra, com o Concerto nº 5, para piano e orquestra, de Beethoven, sob a batuta do maestro italiano Lamberto Bardi. Além dos seus estudos em piano na Escola Nacional de Música, graduou-se no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, hoje Conservatório Nacional Villa-Lobos. Lá foi aluna de Villa-Lobos, José Vieira Brandão, professor de regência, e Iberê Gomes Grosso, violoncelista que dava aula de rítmica, entre outros. Permaneceu no Rio de Janeiro de início de 1947 a finais de 1952. Sobre Villa-Lobos, comenta:

Era uma pessoa muito marcante, um homem de personalidade e que chamava a atenção. Quando ele não estava em tournée pela Europa ou nos EUA, ele dava aula no Conservatório. Fui da classe dele, cantei muitas obras sob sua regência e, assim, conheci um novo repertório. Em um desses concertos, no Teatro Municipal, cantamos o seu O Descobrimento do Brasil, sob sua regência. Lembro que fiquei maravilhada com a composição: uma obra grandiosa, cheia de surpresas. A gente

6 A Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (SCABI) foi fundada em Curitiba em 1944 por Fernando Corrêa de Azevedo e um grupo de intelectuais e músicos da cidade. Mantida pelas mensalidades pagas pelos seus sócios, pretendia incentivar o desenvolvimento da cultura musical em Curitiba e Ponta Grossa (PR), realizando regularmente concertos, concursos e palestras, já que, então, as atividades culturais dependiam da iniciativa privada. A SCABI mantinha, também, uma orquestra e, além de concertos de gala, realizava concertos didáticos para crianças e operários. 7Guilherme Fontainha (1887-1970) estudou piano com Viana da Motta, Ferdinand Motte Lacroix e outros, na Europa, onde deu muitos concertos, com grande sucesso. De volta ao Brasil, assumiu em 1916 a direção artística do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre. Participou da criação de escolas de música em várias cidades do . Em 1931, já no Rio de Janeiro, passou a dirigir o Instituto Nacional de Música, onde lançou em 1934 a Revista Brasileira de Música, a primeira revista de musicologia do país. Reformou o Instituto a fim de integrá-lo à Universidade do Brasil, o que ocorreu em 1937. Ao longo dos anos 1930 a 1950 foi reconhecido como grande pedagogo e pianista. Escreveu o livro O Ensino do Piano, além de vários artigos de musicologia. Dentre seus alunos destacam-se Ingrid Müller Seraphim, Laís de Souza Brasil, Eudóxia de Barros, Ricardo Tacuchian, Luci Salles e Radamés Gnattali. 55

sentia o ambiente selvagem e a vegetação exuberante da floresta. E, no meio de tudo isso, os indígenas (SERAPHIM, 2010a; 2011b).

Quando relembra do dia a dia no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, que nessa época ainda era na Urca, observa, sorrindo: “A gente sempre sabia quando o maestro estava de volta de uma tournée ou de uma viagem, pois o cheiro dos charutos que ele fumava se espalhava por todos os cantos. Todos comentavam, pelos corredores, entusiasmados: ‘O maestro chegou!’”. E continua: “Quando Villa-Lobos dava palestras, ele era tão genial como nas suas composições. Transmitia alegria intensa, outras vezes ele fazia a gente quase chorar, assim como na sua música” (SERAPHIM, 2011b). Já nesse período, mostravam-se a preocupação de Ingrid com a difusão do conhecimento e o seu talento como organizadora cultural. Ainda estudante, quando vinha passar férias ou feriados em Curitiba, organizava vindas do Professor Fontainha e reunia um grupo de jovens músicos da cidade para master-classes, que ocorriam no Solar da família. Entre os mais assíduos frequentadores estavam Henrique [de Curitiba] Morozowicz, Liane Essenfelder [Frank], Aristides Athayde, Maria Leonor Mello e Cláudio Alfredo D’Almeida, que mais tarde viriam a se destacar no cenário cultural da cidade: Henrique, como compositor e concertista; Liane e Maria Leonor, como pianistas; Aristides, como diretor da Sociedade Pró- Música de Curitiba; Cláudio, como folclorista; e quase todos, como professores da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Após cinco anos de estudos no Rio de Janeiro, a capital política e cultural do país, retornou a Curitiba, aos 22 anos. Sua estada no Rio lhe proporcionou não apenas os estudos com músicos de grande projeção, mas uma intensa vivência musical de concertos e a oportunidade ser aluna de Villa-Lobos e de participar de importantes eventos sob sua regência.

O RETORNO A CURITIBA, A FAMÍLIA E A EMBAP (1952-1973)

O ano de 1952 marcou a volta definitiva de Ingrid a Curitiba. Em 1953, participou de mais um concurso, desta vez o Concurso da Juventude Musical Brasileira do Paraná, sendo novamente premiada com o primeiro lugar.

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Graduada como professora pelo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, foi aprovada em concurso para o ensino da música em escolas públicas estaduais. Logo, a convite do Professor Fernando Corrêa de Azevedo, fundador e primeiro diretor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap)8, passou a integrar o corpo docente desta instituição, lecionando piano e, mais tarde, também cravo e música barroca, até 1986. Foi em 1954 que se casou com o Engenheiro Civil e Professor Paulo Seraphim, um homem de visão e desprendimento, que muito apoiou e incentivou a sua carreira, em uma época em que isso era incomum9. Nos anos seguintes, nasceram as três filhas: Elisabeth, Eliane e Astir, que tiveram desde cedo uma vivência musical e de Hausmusik10. No decorrer dos anos 60 e 70, Ingrid se dividia entre a família, sua intensa atividade concertística (solo e câmera), a docência na Embap, a Hausmusik com famílias amigas e o acompanhamento ao órgão dos cultos dominicais nas Igrejas Luterana e Presbiteriana. Seu espírito agregador a fez formar inúmeros grupos para ocasiões específicas em todos esses ambientes. Além de participar, ela própria, de grupos de câmara, organizava concertos de câmara de seus alunos, na Embap e nos cursos de férias; de membros das igrejas que frequentava, para participação nos seus cultos e eventos sociais/culturais; e de amigos e familiares, para as horas de convivência musical e social da vida familiar. Junto à sua atuação docente, desenvolveu intensa atividade em âmbito nacional como concertista, tanto em apresentações de recitais solo quanto em grupos de câmara. Como camerista, atuou ao lado de músicos como Carmela Saghy (Israel), Jean Jacques Pagnot (França), Ludmila Jesova (Polônia), Paulo Bosísio, David Chew, Fátima Alegria, Perez

8 A Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Embap, foi fundada em 1948, por um grupo liderado pelo Professor Fernando Corrêa de Azevedo, seu diretor de 1948 a 1950 e de 1953 a 1964 (SAMPAIO, 1989). Hoje, constitui o campus I da Universidade Estadual do Paraná. 9 Formou-se em Engenharia em 1950 e logo passou a trabalhar no Departamento de Estradas e Rodagem (DER). Integrou o corpo docente da Escola de Oficiais Especialistas de Infantaria e de Guarda, da Aeronáutica (EOEIG), do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET – hoje Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi Delegado do CREA em cidades do Norte do Paraná e prestou serviços à Prefeitura, à Caixa Econômica Federal e à Construtora Heinz Zulauf, em São Bento do Sul, SC. No governo Paulo Pimentel, foi Diretor de Planejamento do Desenvolvimento Econômico e Social do Paraná (Pladep). Pelos seus destacados serviços prestados à Aeronáutica Brasileira, recebeu em 1980, a Comenda do Mérito Santos Dumont, do Ministério da Aeronáutica. Em 1988, foi agraciado com o título de Cidadão Honorário da cidade de Ibaití, no Norte do Paraná – fora ele o principal responsável pela criação do Distrito Rodoviário daquele município, além de outras ações relevantes em favor da cidade. Devido à sua paixão pela agropecuária, atividade à qual também se dedicou, ficou conhecido como “professor boiadeiro”. 10 Das três filhas do casal, apenas a primeira abraçaria a carreira artística, como concertista, musicóloga, organizadora cultural e historiadora social da arte no Paraná. 57

Dworecki, Maria Alice Brandão, Maria Esther Brandão (Brasil) e tantos outros. Dentre os maestros com os quais atuou destacam-se Lamberto Baldi, Howard Mitchell (EUA), Lutero Rodrigues, Isaac Karabchewsky, Roberto Schnorrenberg, Oscar Zander, Roberto de Regina, José Penalva, Osvaldo Colarusso e outros, à frente de orquestras como a Orquestra Sinfônica Brasileira, a Orquestra Filarmônica Porto-Alegrense, a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba, a Camerata Antiqua de Curitiba e a Orquestra Sinfônica do Paraná. Ainda nas décadas de 60 e 70, sua atividade docente estendeu-se do âmbito da Embap para cursos internacionais de férias. Foi professora e artista convidada dos II a IX Cursos Internacionais de Música e Festivais de Música de Curitiba (1966-1977), dos III e IV Festivais de Música de Londrina (1981 e 1984) e do V Seminário Catarinense de Música, em Blumenau (1973), entre outros, ministrando cursos e master-classes para piano e cravo, especialmente sobre música impressionista francesa e música barroca. Sobre o seu envolvimento mais específico com o cravo, ela conta:

O Professor Fernando Corrêa de Azevedo, ainda Diretor da SCABI e da Embap na primeira metade dos anos 60, escreveu para o Consulado da Alemanha, pedindo a doação de um cravo para a SCABI. Como o governo alemão não podia doar o instrumento à SCABI, por ela não ser uma entidade pública, conseguiu que a doação fosse feita à Embap. Como sempre gostei muito de música barroca, principalmente de Bach, sempre me interessei pelo órgão e pelo cravo. Isso logo me fez me envolver com o instrumento e chamar os alunos para fazer música barroca comigo (SERAPHIM, 2011a).

Era um pequeno cravo de um teclado, da marca Wittmeyer, em torno do qual Ingrid organizou grupos de câmera com alunos e outros instrumentistas e cantores da cidade. Logo depois, em 1965, aconteceram os Cursos/Festivais Internacionais de Música do Paraná dirigidos pelo Maestro Schnorrenberg. “Vinham grandes professores da França, dos Estados Unidos, da Inglaterra e de todo o Brasil” (Seraphim, 2009). Assim, mesmo sendo professora convidada desses festivais, teve aulas de cravo com Marilyn Mason (EUA) e Roberto de Regina (Brasil) e de música francesa com Jacques Klein (Brasil) e Michel Beroff (França) e outros. Sabedor da sua paixão pelos compositores barrocos e do seu envolvimento com o cravo, o novo Diretor da Embap, Orlando da Silveira, a encarregou do seu ensino. Assim, ao mesmo tempo que passou a tocar o repertório barroco ao cravo, criou turmas de música de

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câmara barroca, que envolviam canto, flauta doce, violino, violoncelo, cravo e outros instrumentos, abrindo um novo horizonte aos estudantes da instituição. Adquirir seu próprio cravo foi um passo natural para a artista e lhe trouxe novas perspectivas, que culminariam mais tarde, na criação da Camerata Antiqua de Curitiba:

Quando meu marido comprou para mim um cravo, em 1967, a primeira coisa em que pensei foi: ‘vou reunir um grupo para fazer aquele tipo de música que a gente fazia no tempo do Pastor Frank’. Nessa época eu já era professora de Belas Artes havia muito tempo, já tinha alunos, foi fácil envolvê-los na prática da música de câmara do barroco (SERAPHIM, 2010a).

Procurou então jovens músicos de Curitiba para refazer aquelas obras de Bach, Händel, Haydn e outros, que cantou e tocou quando adolescente, sob a direção do Pastor Frank. Em torno dela passaram a reunir-se, também, outros amantes do barroco, realizando inúmeros concertos. Desse modo, incentivando a participação e agregando as pessoas em torno da performance da música principalmente barroca, Ingrid tornou-se a principal responsável pelo surgimento do movimento de música antiga em Curitiba. Foi dentro desse espírito que surgiu, alguns anos depois, a Camerata Antiqua de Curitiba, que fundou e coordenou por vinte e seis anos (de 1974 a 2001) e que continua ativa. O crescimento da atividade em torno da música barroca na Embap ocasionou, ainda em inícios dos anos 70, a pedido seu, a doação pelo governo da Alemanha de outro cravo para a instituição, desta vez um de dois teclados, da mesma marca. Na Embap, entre seus muitos alunos, destacam-se Leilah Paiva, Ingrid Barancoski, Ulrike Graf, Urânia Vallada, Cloris Roehrig, Anna Maria Lacombe Feijó, Helma Haller, Fernando Melara, Rúbia Lohmann, Edite de Burgo, Maria Augusta Camargo, Elizabeth Benghi, Cloris Ferreira, Miriam Zacharias, Waltraut Froese, Jorge Hartke, Vânia D’Aquino Pinho, Renato Brandão, Ingo Hübert, Miguel Sampoul, Luiz Fernando Azevedo e tantos outros.

CAMERATA, ORQUESTRA DE CÂMARA E OFICINAS (1974-2001)

Como mencionado, Ingrid sempre congregava pessoas em torno de si para fazerem música. Isso também ocorria na Embap, onde reunia vários instrumentistas no âmbito das 59

aulas de cravo que ministrava, nas igrejas que frequentava, assim como entre amigos e familiares. A Hausmusik, tradição na vida musical entre os imigrantes alemães de Curitiba, era uma atividade intensa entre as famílias Müller Seraphim, Jucksch, Frank, Graf, Seyer, Poeck, Soboll, Hübert e outras. Ingrid não apenas participava, mas organizava e incentivava esses grupos. Foi nesse espírito que, no VII Curso e Festival Internacional de Música de Curitiba (1974), relata (2010a), “além dos alunos do Festival, convidei alguns músicos talentosos de Curitiba para fazer dois concertos de música antiga. Queria reunir um pequeno coro e um conjunto de câmara para o maestro Roberto de Regina reger em dois concertos”. Entre os convidados estavam Maria Alice e Maria Esther Brandão, Elisabeth Seraphim [Prosser], Walter Hoerner, Roseli Schünemann e Asta e Ilse Scheidt. Kristina Augustin (1999, p. 85) comenta que “sem saber, Dona Ingrid, como é carinhosamente chamada, estava criando o núcleo do que viria a ser a Camerata Antiqua de Curitiba e consolidando o início do movimento de Música Antiga do Paraná”. Os dois concertos alcançaram grande sucesso. Integrantes do grupo, entre eles as irmãs Asta e Ilse Scheidt, procuraram Ingrid, sugerindo trazerem Roberto mais vezes, para continuarem a ensaiar e para programarem futuras apresentações. Ingrid conta:

E foi assim que eu tive a ideia de criar um grupo estável, cujos ensaios eu poderia dirigir, mas que seria regido nos concertos pelo maestro. Fomos à Fundação Cultural de Curitiba. O diretor era o arquiteto Alfredo Willer, que concordou em dar continuidade ao trabalho. Foi ele, inclusive, que sugeriu o nome de Camerata Antiqua de Curitiba (SERAPHIM, 2010a).

A partir daí, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) arcaria com as despesas de viagem de Roberto, com a produção e a divulgação dos concertos, a impressão de programas e fotocópias de partituras. O grupo composto por dezesseis pessoas continuou os ensaios que, durante o primeiro ano, eram realizados aos sábados, na própria residência de Ingrid e, vez ou outra, na Embap ou na casa dos Brandão, sempre acompanhados de um lanche e de momentos de agradável convívio social. A criação desse conjunto foi voltada, inicialmente, para a execução de música renascentista e barroca, a exemplo de grupos existentes na Europa e nos Estados Unidos. Dadas as circunstâncias do mercado de trabalho na época, optou-se pelo uso de 60

instrumentos modernos, como muitos ensembles de então. “O grupo, fundado oficialmente em março de 1974, tornar-se-ia um dos mais fortes e marcantes símbolos da nossa cidade” (CAMERATA, 1997). O concerto de estreia da Camerata

foi realizado em uma noite chuvosa e fria de junho do ano de 1974 no Teatro do Paiol, reunindo pais, filhos e irmãos, numa faixa que variava dos 14 aos 45 anos: Ingrid e Elisabeth Müller Seraphim [Prosser] e Elsa Müller; Ruth, Thomas e Bettina Jucksch; Carlos e Flávia Dreher; Luiz Felipe e Alexandre Klein; Ilse e Asta Scheidt; Maria Esther, Maria Luiza e Maria Alice Brandão, sob a regência de Roberto de Regina. […] Os sobrenomes, quase todos europeus, ilustram essa tradição germânica da prática da música no ambiente familiar. Isso talvez explique o entrosamento e a coesão tão elogiados pelos críticos da época (AUGUSTIN, 1999, p. 86).

O grupo era regido por Roberto de Regina e a parte organizacional contava com a liderança persistente de Ingrid Seraphim, que conseguiu, em 1982, junto ao então Diretor Cultural da FCC, Ernani Buchmann, salas para os ensaios, no Solar do Barão. Certa vez, Ingrid respondeu a um repórter, que lhe perguntou por que fazer música antiga: “a Camerata nasceu e se criou à sombra dos mestres antigos. Hoje em dia, a Música Antiga não é mais um luxo, uma atitude artística. Ao contrário, é gramática, disciplina, escola, iniciação de plateias e, sobretudo, base sólida sobre a qual se formam culturas. […] Acho a especialização válida e posso mesmo dizer que se impõe. Cada um na sua especialidade dará fontes mais perfeitas e o público terá mais o que ver e ouvir” (GAZETA DO POVO, 1980, p. 27). Em outra matéria jornalística, Roberto de Regina complementa: “um conjunto que se especializa num determinado período da música representa uma positiva e fundamental contribuição para a formação cultural de um povo. E acho mesmo que não haverá boa música contemporânea sem um perfeito conhecimento da antiga, como não há bom pintor moderno que não saiba desenho” (FOLHA DE LONDRINA, 1984, cad. 2, p. 17). Com o passar dos anos e com seu crescimento técnico e musical, o Coro e a Orquestra, passaram a atuar ora em conjunto, ora de forma independente. Surgiram assim, ao lado da Camerata Antiqua de Curitiba, o Coro da Camerata, que continuou dedicando-se à Renascença e ao Barroco; e a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba que optou por ampliar seu repertório do Barroco ao Contemporâneo, com ênfase em compositores brasileiros.

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Na década de 1980, Roberto permanecia como regente titular e regia os concertos do Coro e da Camerata em sua forma integral. Já a Orquestra, quando atuava sozinha, era regida por Paulo Bosísio (1983-1985) e, depois, por Lutero Rodrigues, que a regeu de 1986 a 1998. Essa flexibilidade na formação e na escolha do repertório permitiu a ambos, Coro e Orquestra, ampliarem sua experiência musical, possibilitando a execução de obras inéditas de compositores brasileiros e estrangeiros e a atuação sob a regência de outros maestros. Foi em 1988 ou 1989 (as fontes se contradizem), que a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba recebeu esse nome oficialmente (PROGRAMAS DE CONCERTO). Na década de 1990, a Orquestra dedicou-se à pesquisa e à divulgação da música brasileira, desde a colonial até a contemporânea. Registrou em CDs várias obras de compositores brasileiros, como Edino Krieger, Villa Lobos, Brasílio Itiberê, Camargo Guarnieri, Guerra Peixe, José Penalva e Henrique de Curitiba, entre outros. O Coro, por sua vez, sob a direção de Roberto de Regina, logo se destacou, como era consenso da crítica da época, pela originalidade e leveza de interpretação da música renascentista e barroca. Além disso, cantava obras do repertório brasileiro e dedicava-se também à interpretação cênica. Uma de suas principais gravações é a versão integral do Cancionero de Uppsala, indicada para o prêmio Sharp, 1997. Gravou também grandes obras vocais, com a orquestra, como Oratórios, Paixões, Cantatas e os Motetos, de Bach, obras como Anthems, Dixit Dominus e Te Deum, de Häendel, e o Te Deum Laudamus do compositor brasileiro Luís Álvares Pinto. Ingrid era firme, ao querer oportunizar aprendizado e espaço como solistas aos próprios integrantes do conjunto. Dizia: “temos que dar oportunidades para os nossos solarem. Porque chamar sempre solistas de fora? Precisamos formar os nossos, trazer professores e preparadores vocais, fazer com que eles tenham papéis de maior responsabilidade para que possam crescer” (SERAPHIM, 2003). Foi assim que cantores como Ademir Maurício, Fátima Castilho, Sílvia Suss Marq ues, Rosemara Ribeiro, Elizabeth Campos, Simone Foltran e tantos outros tiveram um impulso inicial em suas carreiras. Nesse sentido, foi decisiva a atuação de Neyde Thomas, preparadora vocal do grupo desde a década de 1990, cuja vinda a Curitiba deve-se a um convite de Ingrid e Bosísio para lecionar em uma das Oficinas de Música e que acabou por trazê-la em definitivo para a

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cidade. Desse modo, em seus hoje mais de trinta anos de existência, a Camerata tornou-se não somente um importante grupo musical de prestígio nacional, mas uma verdadeira escola. Muitos dos que a integraram, atualmente desenvolvem carreira solo ou foram premiados em concursos realizados dentro e fora do país. Entre eles, Walter Silva, Carlos Harmuch, Eunice Brandão, Gustavo Surgik, Maurício Aguiar e Alex Klein. A partir da Camerata, surgiram outros grupos. Pouco antes de radicar-se no Canadá, Elisabeth Seraphim Prosser convidara Eunice Brandão, Rúbia Lohmann, Edite de Burgo, Maria Tereza Trevisan e Ieda Camargo de Moura para realizarem um concerto de música renascentista, com flautas doces e percussão. Como afirma Augustin, “mais uma vez, o dedo mágico de Dona Ingrid apontava a direção”. Com orientação de Roberto de Regina e “sob as asas” da Camerata, este tornou-se o embrião do que viria a ser o Grupo Renascentista, que seria liderado inicialmente por Ingrid e Eunice e logo por Flávio Stein e Plínio da Silva. Mais tarde, esse conjunto adotaria o nome de Studium Musicae. Da Camerata surgiram, ainda, o Quarteto Angra, o Quarteto de Cordas Araucária, o Duo Seraphim e outros. De modo geral, nos seus primeiros quase trinta anos de existência, período em que Ingrid esteve à frente da Camerata Antiqua de Curitiba, do Coro da Camerata e da Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba, esses grupos realizaram mais de mil concertos no Brasil e no exterior e gravaram oito elepês e seis CDs, nos quais executam obras desde a música antiga até a música contemporânea, estrangeira e brasileira. Além das suas inúmeras apresentações em salas de concertos, teatros, embaixadas e catedrais, das tournées na Europa (Itália, Dinamarca, Alemanha) e na América Latina (México, Paraguai) e das realizadas anualmente pelo Brasil, se apresentaram em muitos concertos didáticos nas escolas, igrejas, universidades, asilos, creches, hospitais, educandários, indústrias, parques e Ruas da Cidadania11. Apresentaram-se em programas televisivos e percorreram fábricas da Cidade Industrial de Curitiba, levando mensagens natalinas ou alusivas ao Dia do Trabalho aos funcionários dessas empresas.

11 “As Ruas da Cidadania funcionam como braço da Prefeitura nos bairros, oferecendo à população dos bairros serviços municipais, além de serviços das esferas estadual e federal e pontos de comércio e lazer, [com auditórios em que são oferecidos concertos, shows e espetáculos]. São sedes das Administrações Regionais, que coordenam a atuação de secretarias e outros órgãos municipais nos bairros, incentivando o desenvolvimento de parcerias entre a comunidade e o poder público” (Ruas da Cidadania. 2014).

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O trabalho de Ingrid e sua atuação como agregadora de pessoas em torno da música, bem como a sua visão de investimento nos talentos locais, garantiram aos três grupos uma trajetória de aprimoramento, continuidade e realização. De outro lado, o brilho inventivo e bem humorado de Roberto de Regina, na sua releitura dos madrigais e das chansons, bem como a dramaticidade da sua interpretação das obras mais significativas, como as Paixões Segundo São Mateus e São João, de Bach, e do Dixit Domino e do Messias, de Händel, cativaram um público fiel. O trabalho do grupo obteve reconhecimento tanto do público quanto da crítica desde o seu início, adquirindo cada vez maior projeção nacional e internacional:

São extremamente sérios esses moços descobertos e comandados por este apóstolo da música antiga que é Roberto de Regina. Mais uma semente germinada nos férteis Festivais e Cursos Internacionais de Música do Paraná, a Camerata Antiqua de Curitiba (KRIEGER, 1976). Este trabalho coloca o Brasil pela primeira vez ao nível dos grandes centros (TINHORÃO, 1979). Hoje, a Camerata já se firmou no nosso cenário artístico. […] Vozes e instrumentos passeiam com delicadeza, sob a regência de Roberto de Regina. […] concepção dinâmica e criativa (MIRANDA, 1981). É um trabalho que merece atenção […]. Muita clareza, definição e separação das vozes, acompanhamento instrumental bastante rigoroso e bem fraseado; pairando acima do harmonioso conjunto, senso esplêndido de andamento, vívido com generoso impulso (BAPTISTA FILHO, 1982). De imediato, o que causou forte impressão foi o rapport entre o regente e seus cantores e músicos, evoluindo sem dúvida através de um trabalho conjunto de muitos anos. Tanto os cantores quanto as cordas conseguiram contrastes verdadeiramente admiráveis (MITCHELL, 1990). A Camerata consegue o que há de mais transcendente na representação musical: a predominância do ânimo sonoro não registrado nas partituras, mas do qual depende a mensagem do compositor (GIUDICE, 1996).

Em 2001, depois de vinte e sete anos de atuação, Ingrid deixou a Camerata Antiqua e a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba, para que a nova geração pudesse dar continuidade ao seu trabalho. O ano de 2001 marca, também, o afastamento de Roberto como maestro titular para tornar-se maestro emérito. Atualmente, esses três grupos estão entre os principais conjuntos de música erudita do país. Constituem, ao mesmo tempo, mercado de trabalho e escola para os músicos locais e ampliação da vivência da arte para o público. O seu amadurecimento técnico e musical é demonstrado pela qualidade de suas apresentações. Está registrado nas suas gravações e

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pode ser avaliado pelas tournées realizadas no Brasil e no exterior, bem como pelos festivais de que participaram (PROSSER; SANTOS FILHO, 2004). O surgimento das Oficinas de Música de Curitiba, em 1983, está, igualmente, intimamente ligado à Camerata. Sua finalidade imediata era trazer músicos e professores de renome, para possibilitar, especialmente, aos músicos da Camerata, a oportunidade de aprimoramento técnico e interpretativo. Realizadas pela Fundação Cultural de Curitiba, as Oficinas constituíram, desde o início, uma grande oportunidade de aprendizado e troca de experiências e informações para os estudantes de música e para o público que lotava os teatros, as ruas e as salas de concerto. Desde logo, o evento teve excelente repercussão nos maiores centros do país:

A Oficina de Música de Curitiba consagrou-se como o principal encontro de música do Brasil. Não tem nenhuma badalação. Só muito suor na camisa […] O nível dos workshops é altíssimo e vem gente das três Américas para participar. […] O estrago realizado nas últimas décadas [com a falta de investimentos governamentais na música] não pode ser recuperado sem um longo trabalho de educação, cujo exemplo é a Oficina de Música de Curitiba, a melhor do Brasil (TRINDADE, 1993).

Em entrevista a Bahls, Ingrid (2010b) comenta sobre a gênese das Oficinas:

Eu lembrava muito e com saudades daqueles festivais que houve aqui. Eu sugeri para a Lúcia Camargo, quando ela era Diretora Cultural da Fundação, que a gente podia organizar um curso de música para as férias de janeiro, que viesse a atender as necessidades do pessoal da Camerata. E ela disse: “Vamos fazer um Festival de Música, mas nós não vamos chamar de festival, vamos fazer... que tal Oficina de Música?”. E aí nós duas começamos a montar a Oficina... Já era quase novembro, para fazer para janeiro.

Ingrid e Lúcia almejavam um curso que tivesse o caráter não de festival, em que concertistas renomados ocupam o palco e o centro das atenções, mas de uma oficina, de caráter marcadamente didático, em que os alunos seriam os concertistas, regentes e protagonistas de todo o trabalho, sob a orientação dos mais destacados e consagrados professores. A escolha do nome “Oficina” foi emblemática e pioneira, servindo para traduzir a concepção que se queria imprimir ao evento. Na época, os cursos de música eram chamados invariavelmente de festivais. A I Oficina contou com nove professores, duzentos alunos e nove concertos. O corpo docente e as disciplinas foram escolhidos de acordo com o interesse dos integrantes da 65

Camerata e do Grupo Renascentista. Eunice Brandão e Alexandre Klein, ainda estudantes, participaram como monitores. Entre os professores estavam Paulo Bosísio, Maria Alice Brandão, Sebastião Tapajós, Helder Parente, Roberto de Regina e Hans J. Koellreutter (PROSSER, 2004). No ano seguinte, Ingrid convidaria Paulo Bosísio para participar das Oficinas como Diretor Artístico, ficando, ela, como Coordenadora Geral. Formou-se, assim, o núcleo a partir do qual as Oficinas cresceriam em número de cursos, professores e alunos, aperfeiçoando-se em qualidade, tornando-se um exemplo de organização e alcançando projeção nacional e internacional cada vez maior. Ainda na Oficina de Música II, em 1984, Ingrid e Bosísio inovavam novamente, ao convidarem Lindolpho Gaya, para ministrar os primeiros cursos de Música Popular Brasileira no evento. Era um fato inusitado no país, pois, apesar de haver cursos de férias em outras cidades, eles eram restritos à música erudita. Desde então,

todos os anos, durante duas ou três semanas em janeiro, Curitiba é invadida por centenas de estudantes e de músicos, transformando-se num laboratório vivo de instrumentos e vozes. É a Oficina de Música, sempre com as mesmas prioridades: o ensino e o aluno. É uma ocasião de troca de vivências em que procuramos ir ao encontro das necessidades dos participantes, possibilitando aprofundamento e orientando para sua formação artística e experiências mais abrangentes na música inclusive de palco, que é o que os alunos de todo o Brasil e da América Latina vêm buscar (SERAPHIM, 2002).

Desde as primeiras Oficinas, eram realizados concertos não apenas em salas de concertos e teatros, mas também em espaços públicos. Foi, porém, a partir de 1988 que a sua realização em ruas, praças e parques se intensificou. O evento tornava-se, assim, mais próximo do transeunte e do cidadão comum (PAES, 2013). Os cursos oferecidos, desde o início, apresentavam uma espécie de espinha dorsal: enfatizava-se o ensino de cordas, de sopros, de canto e de regência, buscando criar oportunidades para a criação de novas orquestras, bandas e coros. Ao mesmo tempo, era dada atenção à música antiga e à música contemporânea, popular e erudita. Progressivamente, as Oficinas de Música se ampliaram. Assim, alguns anos depois, ofereciam cursos infantis (violino Suzuki, coro infantil) e para o aperfeiçoamento de instrumentistas (cordas, sopros, percussão), cantores (líricos e de câmara), regentes (de orquestra, coro, coro infantil e banda) e compositores. Foram criados também os encontros

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de professores (de musicalização infantil, flauta doce e piano), além de cursos de música antiga, música nova e música popular brasileira. Com o tempo, adquiriram vida própria os Cursos de Música Erudita, os Encontros de Professores de Piano, os Encontros de Música Antiga, as Oficinas de MPB, os Simpósios Latino-Americanos de Musicologia e os vários Núcleos de Ópera, de Estruturação Musical, de Didática e de Regência (PROSSER, 2000). A partir de meados dos anos 90, foram tantos os cursos, alunos e apresentações, que, a exemplo do que se fazia no Canadá e nos EUA, foi necessário dividir o evento em duas fases, pois a cidade já não o comportava. Assim, em uma delas aconteciam os cursos de instrumentos orquestrais, canto, música nova, didática, e, na outra, os Encontros de Música Antiga, a Oficina de MPB, o Simpósio Latino-Americano de Musicologia e o Encontro de Professores de Piano. Muitos alunos participavam das duas fases, tal o interesse pelos cursos. Em 1993, Bosísio (1993) reafirmaria os princípios norteadores do trabalho realizado até então e que regeriam o evento ainda por vários anos:

Aqui nos encontramos para dar encerramento a esta XI Oficina de Música, que mais uma vez demonstrou sua garra e determinação. Os mais de 50 eventos realizados, centrando neles o aluno como matéria prima de sua elaboração, foram testemunhas do nosso empenho didático. A participação atuante de todos prova o acerto de suas metas prioritárias, e no desempenho incansável e entusiasta dos professores lavramos verdade incontestável de um corpo docente exemplar e único. Onze anos não se foram sem que se consolidasse um curso com fama de honesto e sem estrelismo, pois nada mais alienado que qualquer elitismo diante da pobre e carente realidade da vida cultural brasileira. Somos oficina, não somos palco de estrelas. Onze anos não se passaram sem que nos dedicássemos a TODOS os alunos, inclusive às crianças e aos professores. Onze anos de trabalho e dedicação de nobres ideais de construção que, sem dúvida, deixam marcas no Paraná e no Brasil e frutos que não se extinguem ao término de cada evento anual, mas que abastecem durante todo o tempo nossos celeiros culturais, sobretudo na área de formação de novos músicos.

O maestro Osvaldo Colarusso, professor de Análise Musical em várias Oficinas, assim se manifestou sobre as apresentações dos alunos e da Orquestra da XIII Oficina, em 1995:

É justamente nessa parte da programação que podemos ter uma amostra do alto nível dos alunos que frequentam os cursos. Por exemplo, no último dia 14, às 21 horas, no Guairão, a Orquestra da XIII Oficina de Música executou nada mais, nada menos do que a Sinfonia em Ré Menor, de Cesar Franck. É a Sinfonia que, por sua complexa escrita, assusta muito o músico profissional. Aliás, nesses últimos anos, o

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repertório que a Orquestra de estudantes executa tem sido, sem exageros, notável. Se os alunos ficam enriquecidos com essa experiência, o mesmo podemos dizer de toda a comunidade, que acaba presenteada com uma performance de um dos mais importantes regentes brasileiros da atualidade: o maestro Roberto Duarte, à frente de uma orquestra que dura apenas alguns dias, mas cujos frutos são extremamente importantes (COLARUSSO, 1995).

A XIX Oficina, em 2001, foi o ponto culminante de toda a série dirigida por Paulo Bosísio, Ingrid Seraphim e o grupo que construíram no decorrer deste período. Dela participaram 104 professores do Brasil, Alemanha, França, Noruega, Inglaterra, Suíça, Holanda, Argentina, Uruguai, e aproximadamente 1.550 alunos vindos de todos os cantos do Brasil (de Manaus ao Chuí, do Acre ao Rio Grande do Norte) e de vários países da América do Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Colômbia), da Itália, Porto Príncipe, Portugal e Noruega, totalizando sessenta alunos estrangeiros. Os sessenta concertos contaram com a participação maciça dos alunos, que demonstraram alto nível nas apresentações e atividades, além de oito mesas-redondas, palestras e debates. Foram ofertados perto de noventa cursos de música antiga e nova, brasileira e internacional, erudita e popular. De pequena Oficina, com nove professores, duzentos alunos e realizada no Solar do Barão, transformou-se em grande evento, com projeção internacional, tomando toda a cidade em seus espaços públicos: os teatros, as escolas, as ruas, os parques, as igrejas. As Oficinas imprimiram uma característica pioneira em cursos deste gênero no Brasil, o que bem demonstra a essência do pensamento de sua idealizadora:

A Oficina é, antes de tudo, um espaço para o aluno. O aluno é o centro absoluto de todas as atividades, desde a sala de aula até a sala de concertos. É ele que vai ocupar o palco, tendo a possibilidade de tocar, reger, participar de conjuntos de câmara ou fazer solos. As Oficinas são um laboratório para o próprio aluno (SERAPHIM, 2003).

Ingrid (2010a) defende a continuidade desse evento tão importante: “neste momento, em que as orquestras estão minguando e lutam pela sua sobrevivência, e em que os patrocínios são cada vez mais difíceis, é vital que ainda possamos contar com esse curso pelo qual já passaram inúmeros talentos e que já propiciou a formação de numerosos grupos, encaminhando muitos para o profissionalismo”. Luciana Paes (2013), ao escrever sobre as Oficinas, afirma: 68

Ao promover o aperfeiçoamento de músicos e contribuir para a formação musical do cidadão por meio de cursos e apresentações públicas com profissionais e alunos de excelência, a Oficina demonstrou o poder que possui de elevar os padrões artísticos de uma cidade, bem como de projetá-la como centro cultural nacional e internacional. [...] Provando a consequência de seus objetivos e a força de seus valores, a Oficina de Música de Curitiba transformou-se em um patrimônio cultural inestimável.

A partir de 2002, as Oficinas passaram a ser dirigidas por outra equipe. Iniciou-se, assim, uma nova fase na trajetória do já consagrado evento.

ANOS 2000: COMPLETA-SE UM CÍRCULO E CONSOLIDA-SE O TRABALHO

Nos anos 2000, Ingrid Seraphim continuou a sua atuação na organização de eventos artístico-culturais, participando da Comissão Organizadora dos Festivais de Música de Câmara de Curitiba, dos Festivais de Música de Cascavel e dos Festivais Penalva – Mostras de Música Paranaense. Fraga (2011, p. 29) comenta que a “intensa e quase febril tripla atividade” de Ingrid “como professora, concertista e produtora de eventos, responsável pela criação e estabelecimento de políticas culturais voltadas à música em Curitiba, não poderia passar distraidamente, sem ser observada”. E o continua:

Um dos maiores reconhecimentos de seu trabalho veio com a Insígnia da Ordem do Rio Branco, recebida em 2000, diretamente do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Mas antes desta, ouve outras honrarias, como o Prêmio Cidade de Curitiba, outorgado pela Câmara Municipal de Curitiba, em 1989; o prêmio Pioneira Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, em 1996; a medalha de 25 Anos da Camerata Antiqua de Curitiba – Fundadores, concedida pela Fundação Cultural de Curitiba, em 2000; o Prêmio Prof. João Crisóstomo Arns, outra honraria concedida pela Câmara Municipal de Curitiba, em 2004.

Recebeu, ainda, outros prêmios, como a Homenagem Especial – Oficina de Música, outorgado pela Fundação Cultural de Curitiba, em 1993; Prêmio Honra ao Mérito, Oficina de Música de Curitiba, pela Fundação Cultural de Curitiba (2007); o Prêmio Penalva, pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná e pelo Studium Theologicum (2011); o Prêmio Mulher de

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Destaque, pelo Clube Soroptimista Internacional de Curitiba, em 1987 e outros. Em 2013, recebeu a mais alta condecoração dada pelo Governo do Estado do Paraná: a Ordem do Pinheiro, com grau de Comendador. Após tantos anos de dedicação quase que exclusiva aos seus projetos maiores e direcionados ao coletivo (a Camerata, a Orquestra de Câmara e as Oficinas), retomou seus projetos pessoais, que envolvem um CD de música francesa para piano e cravo (Rameau, Couperin, Debussy e Ravel), lançado em 2014, e de outro com obras de Bach e Händel, que será gravado ao órgão da igrejinha da Rua Inácio Lustosa, em preparação. Fiel a uma das mais interessantes tradições da cultura alemã, realiza, até a atualidade, eventos de Hausmusik, em que reúne amigos e familiares para momentos de música e confraternização, em sua casa, atividade que sempre fez parte do cotidiano da sua família, desde a sua infância e no decorrer de toda a sua vida. Percebe-se aí, mais uma vez, sua dedicação ao prazer de fazer música e de como a música, para ela, é um elo de ligação entre as pessoas. Quanto à docência, atualmente ministra aulas de cravo e piano apenas a alunos escolhidos, pela alegria de estar, compartilhar e tocar com eles. Nesses momentos, explora, entre outros, o repertório para piano a quatro mãos, prática que integrava os procedimentos pedagógicos do seu primeiro professor, o Pastor Karl Frank, e que tantos frutos tiveram na sua própria trajetória. Continua contribuindo musicalmente como organista da mesma Igreja que teve papel tão importante na sua trajetória (a igrejinha da Rua Inácio Lustosa, a Christus Kirche), dedicando-se a obras de Bach, Händel e Rameau, entre outros: “Continuo acompanhando ali os cultos em alemão e português, onde toco órgão. A igreja mantém a mesma arquitetura da época e as mesmas características de pintura. Ela foi totalmente restaurada recentemente. Tem uma história comovente” (SERAPHIM, 2010a). Ali, novamente, agrega músicos12e promove a música de câmera para ocasiões especiais: “uma Cameratinha!”, comemoram

12 Especialmente músicos, na maioria profissionais, cujas famílias fazem parte da história da Christus Kirche ou que a frequentam, como Hans, Joachim e Ulrike Graf; Roberto e Alzira Hübner; Elisabeth Seraphim Prosser; Cora D’Bruns; Bettina e Thomas Jucksch; Dalton Scheidt; Brigitte, Sibila e Anette Rauscher; e Paulo Mestre entre outros. 70

alguns. Além disso, atua intensamente como concertista na programação de concertos da série Música na Igrejinha, que apresenta concertos mensais desde o início de 2013.

PILAR FUNDAMENTAL NA HISTÓRIA RECENTE DA MÚSICA BRASILEIRA

A importância daqueles seus primeiros anos como musicista, na sua infância e adolescência, pode ser confirmada nos seus depoimentos sobre o caminho que vai das suas primeiras experiências musicais até a criação da Camerata Antiqua de Curitiba e seus desdobramentos. Quando lembra das atividades musicais que vivenciou sob a direção do Pastor Karl Frank, fica nítida essa íntima relação:

Com o Pastor Frank, nós cantamos partes do moteto Jesus bleibet meine Freude, de Bach, e de muitos outros... que depois viemos a cantar na Camerata; A Criação, de Haydn, também partes. E eu acompanhava todos estes corais ao piano, tinha lá meus 12, 13 anos. A gente cantava e executava essas obras em concertos organizados pelo Pastor. Tudo o que aconteceu naquela época foi, para mim, inspiração para a Camerata. Quando depois eu ganhei o cravo que o Paulo, meu marido, comprou, eu disse para mim mesma que era hora de reunir pessoas para fazer música como a que eu vivi naquela época. Então criei a Camerata, pensando nesse repertório, nessas obras maravilhosas de Bach, de Händel, de Haydn... de Brahms (SERAPHIM, 2010b).

De fato, ao avaliar os seus próprios caminhos, Ingrid (2010a) observa:

Hoje, ao olhar para trás, vejo quanto minha infância e minha adolescência influenciaram minha trajetória. São marcas profundas na minha lembrança a música que fazíamos em casa, em família, minha mãe ao piano e ao canto; as reuniões com outras famílias amigas para fazer Hausmusik; o repertório de cujas apresentações participei, sob a regência do Pastor Frank; as master-classes que organizei quando, adolescente e estudando no Rio de Janeiro, vinha a Curitiba e trazia o Prof. Guilherme Fontainha. Ao pensar na Camerata, na Orquestra e nas Oficinas, percebo quanto a semente desses três grandes projetos já estava presente nas primeiras décadas da minha vida.

Os frutos do seu trabalho são visíveis na trajetória de um sem número de músicos e de organizadores culturais mundo afora. Sobre isso, Ingrid comenta, demonstrando a sua generosidade, simplicidade e modéstia:

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Ah! Tenho muita satisfação de ter ajudado ou orientado muitos. E também de, por causa do convite que lhes fiz para virem para as Oficinas, ter trazido para Curitiba, definitivamente, a Neyde Thomas, o Harry Crowl e outros. Tanto a Oficina quanto a Camerata e a Orquestra de Câmara foram uma escola que impulsionou muitos para a vida profissional. Diversos músicos excelentes cresceram profissionalmente nesses grupos e na Oficina, e hoje atuam como solistas e professores na Europa e nos Estados Unidos. Vários me agradecem, por situações em que, despretensiosamente, tentei ajudar. Contam com carinho como este ou aquele momento lhes deu direção e perspectivas. Me alegro muito com isso, pois vejo que fiz muitos amigos e que pude, de alguma maneira, ajudar. Convidando-os para ministrarem cursos nas Oficinas ou para participarem da Camerata e da Orquestra eles eram valorizados profissionalmente e tinham oportunidades para crescer. Na própria Camerata, ajudei músicos que às vezes passavam por problemas. Eu conversava e ajudava a mantê-los no trabalho. Eles continuavam e hoje são músicos de destaque (SERAPHIM, 2003; 2009; 2010a).

E continua:

Outra coisa que sempre me alegrou muito foram os muitos depoimentos e críticas elogiosas que recebi no decorrer dos meus vinte e seis anos de trabalho com a Camerata e das dezenove Oficinas de Música que dirigi. O mesmo acontece nas igrejas em que acompanho os cultos ao órgão. Muitos desses depoimentos e críticas estão registrados nos arquivos da Camerata e das Oficinas e no meu acervo pessoal. Outros são falas espontâneas que volta e meia me pegam de surpresa (SERAPHIM, 2010a, 2011).

Sobre a continuidade desses trabalhos que iniciou há mais de trinta anos, ela diz:

Fico feliz que a Fundação continue esses projetos tão importantes para a nossa cidade e para o Paraná. E que agora a Camerata tem um lugar excelente, a Capela Santa Maria, com uma sala boa, boa acústica, salas de ensaio, arquivo... Fantástico é também o piano Steinway que tem lá... Tudo isso é muito bom (SERAPHIM, 2010b).

Os projetos maiores de Ingrid são, até hoje, ícones representativos da cidade e formadores da sua identidade. A Camerata tornou-se um dos mais importantes grupos do gênero da América Latina, com vasta discografia e tournées internacionais. A Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba, de destaque internacional, tem um repertório que vai do Barroco ao Contemporâneo Internacional e Brasileiro. As Oficinas de Música de Curitiba, criadas em 1983, reúnem, anualmente, cerca de cem professores e 1.500 alunos de todo o mundo. Esses seus três projetos e aos quais dedicou grande parte da sua vida, são hoje marcos da cultura paranaense e brasileira. Pode-se afirmar, portanto, que sua atuação marcou de forma definitiva o cenário cultural local e nacional. O resultado foi toda uma geração de cantores, regentes, instrumentistas e organizadores culturais de renome. 72

Álvaro Collaço (2011) refere-se a um “estilo Ingrid de fazer cultura”, chamando e agregando a todos, dando-lhes oportunidades, provendo-lhes formação, tudo isso pelo prazer de fazer música em grupo e colocando a sua música a serviço dos outros. Para Collaço, “Ingrid Seraphim é uma artista que, com suas ideias e o seu trabalho deixou uma importante contribuição à vida e à cultura curitibanas, investindo sempre na arte, na cultura e na educação como fatores de desenvolvimento humano. Sua história de vida está intimamente ligada à história da música e da cultura de Curitiba e do Brasil”. A mesma citação de Brecht lembrada por Collaço no início deste texto, ao referir-se a Ingrid, é usada também por Orlando Fraga (2011, p. 29), como epígrafe, para descrever a musicista e organizadora cultural: “Existem pessoas que lutam um dia e são boas. Outras, lutam um ano e são melhores. Porém, existem aquelas que lutam toda a vida; estas são imprescindíveis”. Para Fraga, “a história é feita por marcos ou acontecimentos. Quanto mais desdobramentos um evento proporciona, mais importante e referencial ele se torna. Dona Ingrid, como nós a conhecemos, provocou tantos eventos importantes ao longo de sua vida a ponto de se tornar um pilar fundamental na história recente da música brasileira”.

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PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ

Dra. Ingrid Barancoski 1 UNIRIO [email protected]

Resumo O artigo faz uma apreciação das peças didáticas para piano do compositor paranaense Henrique Morozowicz (1934-2008), com base em características de didatismo do repertório de ensino apontadas por Jacobson, Lancaster e Rabinoff. A presença de tais elementos é demonstrada através de exemplos de diversas peças para piano do compositor, de níveis básico e intermediário de dificuldade. O artigo pretende resgatar este repertório discutindo sua utilidade pedagógica e comprovando sua qualidade musical.

Palavras-chave: Pedagogia do piano; Técnica pianística; Música paranaense; Idiomatismo pianístico; Música contemporânea

DIDACTIC PIANO PIECES BY HENRIQUE MOROZOWICZ

Abstract The article makes an assessment of didactic piano pieces by the Brazilian composer Henrique Morozowicz (1934-2008), based on characteristics of the didactic teaching repertoire highlighted by Jacobson, Lancaster and Rabinoff. The presence of such elements is demonstrated by examples from several piano pieces by composer, basic and intermediate levels of difficulty. The article intends to redeem this repertoire discussing their pedagogical usefulness and proving their musical quality.

Keywords: Piano pedagogy; Piano technique; Music from Paraná (Brazil); Piano idiomatic writing; Contemporary music

1 Professora Associada III da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Concertista. 75

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AS PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO NA PRODUÇÃO DO COMPOSITOR

O compositor paranaense Henrique Morozowicz (1934-2008) faz parte de uma geração de compositores brasileiros nascidos nas primeiras décadas do século XX, que se dedicou à composição de peças didáticas para piano. Entre eles também estão: Heitor Alimonda (1922-2002), Ernst Widmer (1927-1990), Osvaldo Lacerda (1927-2011), Ernst Mahle (1929) e Sérgio Vasconcelos Correa (1934), entre outros. Henrique Morozowicz iniciou sua carreira como pianista e, desde criança cultivava a habilidade de improvisar ao piano. Teve atividade intensa como solista e também como camerista e acompanhador, além de atuar como organista. Já na adolescência escreveu suas primeiras obras2. A combinação das atividades de pianista e compositor resultou numa listagem generosa de obras para piano, de todos os níveis de dificuldade3, caracterizadas por um marcante domínio do idiomatismo do instrumento. Na Tabela 1, podemos observar a distribuição cronológica das peças para piano de nível elementar e intermediário (de acordo com a classificação em GANDELMAN, 1997, p. 181-192). Podemos observar que, embora a maior produção de peças didáticas se concentre na década de 1970, o gênero foi uma constante em toda a sua carreira. O intuito pedagógico é evidente nos títulos – com termos como ‘facílima’ e ‘acessível’ –, e também em comentários nos manuscritos – como por exemplo na partitura das 2 Invenções: “para desinibir os pianistas paranaenses”.

2 O próprio compositor, onde ele afirma: “Mas foi só mais tarde, em 1950, depois de ser organista da Catedral, que escrevi minha primeira peça original, o Para dormir, um acalanto para vozes femininas, e A Capella para embalar meu irmãozinho Norton, que tinha então um ano” (MOROZOWICZ: 1995a, p. 92). 3 O catálogo de obras de Henrique Morozowicz inclui as seguintes instrumentações: coral, canto e piano, piano solo, 2 pianos, piano a 4 mãos, órgão, piano e instrumentos de percussão, cravo solo, duos a quinteto de instrumentos de sopro e de cordas com e sem piano, e orquestra de câmera. 76

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Elementar III Intermediário I Intermediário II Década (2 peças para uma nota (2 invenções) (1955)5 de 1950 só) (1955)4 Suite acessível (1958) Suite facílima (1958) 3 Estudos breves (1958) 3 Prelúdios melancólicos (1958) Década Pequena Suite (1960) de 1960 4 pequenos estudos (1966) Década Sonatina I (1972) Pour Martina (1972) de 1970 1º. Caderno de Karina Marchas lúdicas (1976) (1973) Suite de Natal (para piano a 4 mãos) (1976) Década de 1980 Década Sentimento Latino de 1990 (1995)6 Tabela 1: Peças de Henrique Morozowicz de nível elementar e intermediário organizadas por décadas, segundo as datas de composição Fonte: elaborado com base nos dados fornecidos por Gandelman (1997)

A LINGUAGEM MUSICAL DAS OBRAS DE HENRIQUE MOROZOWICZ

O caráter cativante das peças de Morozowicz se deve em grande parte a uma maneira intuitiva de compor, ou como ele mesmo definia, com “sentido auditivo-intuitivo e de sensibilidade” (MOROZOWICZ, 1995a, p. 94). A comunicabilidade da música era preocupação constante para ele, e isto estava acima de quaisquer pretensões vanguardistas:

Podemos, em música, nos exprimir coloquialmente, ou ao nível de obra literária, ou podemos escrever tratados filosóficos, obras de grande conteúdo dramático, poético e até místico, exprimindo-nos em uma linguagem diferenciada, mas ainda no bojo de um código de comunicação acessível a uma porção significativa de pessoas. Não nos cabe inventar uma língua nova (MOROZOWICZ, 1995a, p. 97).

4 Considero 2 peças para uma nota só e 2 Invenções como experimentações, provavelmente influenciadas pelas aulas com Koelreutter na década de 1950, e não como peças com propósito didático, embora sejam de nível de dificuldade não avançada. Essa questão fica mais clara no decorrer do artigo. 5 A peça Sentimento Latino foi composta após a publicação de Gandelman. Inseri aqui no nível Intermediário II, seguindo os mesmos critérios de classificação.

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Esta ideia nos remete ao pensamento do compositor tcheco Karel Husa (1921), seu professor no Programa de Mestrado em Composição, na Universidade de Cornell (EUA), no início dos anos 1980, e que ele muito admirava e considerava na sua formação. Nas palavras de Husa:

Não quero ser um compositor cerebral. Quero ser inventivo, produzir uma partitura que revele algo interessante, instigante e sofisticado para o intérprete ou o maestro, ou outro compositor. Ao mesmo tempo, deve ser musical e terno, e demonstrar que eu me importo com as outras pessoas7 (apud DUFFIE).

Morozowicz (1995a, p. 98) se mostrava deliberadamente contrário a métodos intelectualizados de composição: “Tenho a impressão de que, por obra do intelecto, podemos muito mais facilmente perder o pé na realidade e cair em devaneios surrealistas, do que quando agimos por instinto ou pela intuição. Isso se agrava quando ignoramos a nossa cultura”. Paralelamente, sua atitude era contrária a preconceitos e aberta às mais diversas linguagens, tanto do passado como do presente:

Escrever no sistema tonal é tão gratificante, intelectualmente, como escrever em qualquer sistema atonal. A diferença, porém, é que temos que ter um bom ouvido, familiarizado com as sutilezas da linguagem harmônico-tonal, para poder fazer uma música preferencialmente baseada na consonância e não na dissonância. Ao que parece, este é um privilégio reservado para poucos... E nesse sentido, quem pode ser mais extraordinário que J. S. Bach, cuja obra é tão contemporânea. (...) A presença de Bach é atemporal (apud BONK; JUSTUS, 2002, p. 215).

Morozowicz cultivava o estilo improvisatório na sua escrita, o que vai de acordo com a prática de improvisar, sempre presente na sua atividade musical.

Eu comecei a inventar música antes de eu começar a compor, assim que eu comecei a aprender a tocar piano, quando eu ainda era um garoto. Era algo muito espontâneo tentar inventar música, me baseando nos modelos das peças que eu estudava. Eu ainda não escrevia as minhas próprias criações, mas eu improvisava e inventava meus próprios ritmos (MOROZOWICZ, 1995a, p. 11-12).

7 I don’t want to be a cerebral composer. I want to be inventive, to have a score that will reveal something interesting and intriguing and sophisticated to the performer or conductor, or to another composer. At the same time, it must be musical and warm, and show that I care about other people. 78

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Some-se ainda o caráter espirituoso e cheio de bom humor da música de Morozowicz, próprio de sua personalidade. Um bom exemplo são as Marchas Lúdicas, quatro peças compostas assumidamente com base no humor musical. As indicações podem nos dar uma ideia da música, como por exemplo ‘quase tuba’ no Trio da primeira marcha e ‘um pouco teatral e germânico’, na marcha No. 4. Títulos bem-humorados também estão presentes, como ‘Cuba-libre’, de Sentimento Latino, uma referência ao drink com este nome, e, segundo o compositor, também à situação política de Cuba (MOROZOWICZ, 1995b: Prefácio, s/ número de página).

CARACTERÍSTICAS DE PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO

Segundo o Dicionário Aurélio, o termo pedagógico significa “que facilita o aprendizado”. Portanto, peças com propósito pedagógico não são apenas peças com nível acessível, mas também devem cumprir requisitos específicos. Segundo a pedagoga Jeanine Jacobson, os professores de piano devem selecionar para repertório de ensino as peças didáticas que satisfaçam a maioria dos seguintes itens: (1) devem soar cativantes e os alunos devem ter vontade de estudá-las, de aprendê-las e de tocá-las, mesmo depois de terminado o período de estudo; (2) devem soar de acordo com o título; (3) devem ser da melhor qualidade musical, sem clichês, com surpresas e variedade suficientes para manter o interesse do aluno e do professor; alguns elementos desejáveis para isto são: melodias divididas entre as mãos, melodias na mão esquerda, mudanças inesperadas de articulações, texturas, notas e/ou harmonias, posições de cinco dedos que fogem ao padrão maior-menor, uso de todo o teclado, variedade no tamanho das frases, métricas não usuais, uso do pedal de maneira simples; (4) devem ter nível de dificuldade uniforme e coerente; (5) devem ter propósitos pedagógicos claros. Outro conselho de Jacobson é que deve ser considerado, entre outros: (1) se a partitura é clara de ler; (2) se os dedilhados fornecidos são lógicos e úteis; (3) se as peças soam mais difíceis do que realmente são; (4) se as peças são confortáveis para tocar (no sentido motor); (5) se incluem repetições, sequências e imitações, o que facilita o

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aprendizado e a execução; (6) se o professor terá prazer em ensinar a peça (JACOBSON, 2006, p. 189-191).

DIDATISMO NAS PEÇAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ

Nas peças de Morozowicz, podemos observar as várias questões pedagógicas facilitadoras do aprendizado recomendadas por Jacobson, como listado a seguir: a) em termos de caráter, as peças são curtas, concisas e cativantes; um ótimo exemplo disso é a Sonatina I (1972):

Exemplo 1: MOROZOWICZ, H. Sonatina I, I. Amavelmente, cc. 1-17 b) os títulos e as indicações de tempo são claros e sugestivos, o que incentiva a imaginação sonora do aluno e facilita o entendimento da concepção das peças. No exemplo 2, o título Passeio esclarece sobre as várias questões musicais a serem definidas pelo intérprete como andamento, dinâmica, fraseado e articulação:

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Exemplo 2: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, III. Passeio, cc.1-8

Outros exemplos de títulos sugestivos estão na Suite Pour Martina, com os movimentos: (1) O picapau amarelo, (2) As borboletas em flor, ao vento, e (3) Borboletas Psicodélicas.

Exemplo 3: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, II. As margaridas em flor, ao vento, cc.1-10

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Podemos listar muitas indicações originais e de fácil entendimento musical, como por exemplo: ‘movido com graça’, na primeira peça da Pequena Suite; ‘balançando quase caipira’, na quarta peça da Pequena Suite; ‘afetado e pipocante’ em 4 Pequenos estudos, No 4; ‘piccante’ em O Picapau amarelo, primeiro movimento de Pour Martina; ‘amavelmente’ no primeiro movimento de Sonatina I; ‘bem alegre’ em Cai, cai balão, No 2 e em Ti-ri-la-la-la, No 4 do 1º Caderno de Karina; ‘pulandinho’ em Fuks Du hast, No 8 do 1o Caderno de Karina; ‘com movimento de boneca’ em Mietze, Mietze, Katze, No 10 do 1o Caderno de Karina; ‘bem brincalhão’ em Wlas kotek na plotek, No 11 do 1o Caderno de Karina; ‘um pouco teatral e germânico’ em Marchas lúdicas No 4. c) o trabalho é equilibrado entre as mãos direita e esquerda, com frequentes ocorrências de contraponto invertido, como na segunda peça da Pequena Suite:

Exemplo 4: MOROZOWICZ, H. Pequena Suite, II. Bem marcado e vivo, cc.1-4

O mesmo equilíbrio é encontrado na escrita para piano a quatro mãos, tanto entre as partes primo e secondo como entre as mãos de cada pianista:

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Exemplo 5: MOROZOWICZ, H. Suite de Natal, I. Sinos de Belém, cc. 1-8

d) peças com melodias na mão esquerda são frequentes:

Exemplo 6: MOROZOWICZ, H. 1 o Caderno de Karina, 6. Teresinha de Jesus, cc.1-5 e) a escrita traz riqueza de articulações e variedade de texturas, sempre com clareza de notação e de intenção musical:

Exemplo 7: MOROZOWICZ, H. 1 o Caderno de Karina, 7. Frère Jacques, cc. 1-11

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f) padrões não usuais de cinco dedos também são encontrados:

Exemplo 8: MOROZOWICZ, H. 4 pequenos estudos, No 1, cc. 1-4

g) encontramos várias peças que soam mais difíceis do que realmente são. Um dos melhores exemplos é a Suite Pour Martina. No Exemplo 9, a facilitação motora é conseguida pela alternância das mãos em padrões métricos regulares:

Exemplo 9: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, III. Borboletas psicodélicas, cc.1-13

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h) o propósito pedagógico é objetivo e o nível de dificuldade sempre uniforme em cada peça. No Exemplo 10, em Reminiscência, da Suite Facílima, encontramos um excelente material para os professores ensinarem aos seus alunos o gesto musical anacruse, bastante claro na escrita de cada uma das mãos e repetitivo do início ao final da peça. Não há outros elementos desafiadores e, assim, pode-se focar na anacruse.

Exemplo 10: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, V. Reminiscência, cc.1-9. i) as peças são estruturadas com repetições, sequências e imitações de motivos melódicos também concisos:

Exemplo 11: MOROZOWICZ, H. Sentimento Latino, VIII. Xaxado, cc.1-10

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CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DAS PEÇAS DE HENRIQUE MOROZOWICZ

Como mencionado, a escrita de Henrique Morozowicz (não só das peças didáticas) é sempre confortável para tocar. Um bom exemplo é a primeira peça da Suite acessível (Exemplo 12), em que o uso das teclas pretas e brancas assim divididas entre as mãos e combinada ao paralelismo dos acordes faz com que ambas as mãos possam tocar sem problemas na mesma região do teclado; além disso, os elementos melódicos concisos e repetitivos facilitam o aprendizado e promovem a velocidade necessária.

Exemplo 12: MOROZOWICZ, H. Suite acessível, I. Tocatinha, cc. 1-5

Outro elemento frequente é a repetição de um mesmo tema em diferentes registros, o que possibilita a exploração de todo o teclado e incentiva a percepção dos contrastes de sonoridades entre os vários registros (podemos entender este procedimento como uma alusão ao órgão, que o compositor também tocava).

Exemplo 13a: MOROZOWICZ, H. Marchas Lúdicas, I. Trio, cc.1-8

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Exemplo 13b: MOROZOWICZ, H. Marchas Lúdicas, I. Trio, cc.17-25

Outra característica marcante de Morozowicz, tanto nas peças didáticas como nas de pianismo mais adiantado, é a utilização de escolhas dadas ao intérprete. Nas peças de que tratamos aqui, isto já aparece de diversas formas: a) na opção de alteração ou não de uma nota:

Exemplo 14: MOROZOWICZ, H. 1º. Caderno de Karina, 6. Teresinha de Jesus, cc. 6-10

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b) na escolha de uso dos registros e tamanho de frase:

Exemplo 15: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, III. Borboletas psicodélicas, cc. 14-22 (o compasso 16 pode ser repetido quantas vezes o intérprete quiser, e o compasso 19 pode iniciar uma oitava abaixo e terminar uma oitava acima do que está escrito) c) no número de repetições de um mesmo elemento:

Exemplo 16: MOROZOWICZ, H. 4 pequenos estudos, No 4, cc. 32-34

d) na opção de transpor ou não um trecho. Por exemplo, em Cuba-libre, de Sentimento Latino, o compositor coloca a seguinte observação: “pode-se tocar esta peça em teclas

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pretas. Para isto, leia todas as notas com bemóis, e dó sustenido e fá sustenido como naturais”8. Essas diferentes escolhas na interpretação das peças despertam o aluno para possibilidades de improvisação musical. A importância da atividade de improvisar é confirmada por pedagogos como Sylvia Rabinoff:

A habilidade de improvisar fará do aluno um músico melhor. Não é só uma questão de preencher interlúdios (...) ou adicionar ornamentos; é questão de desenvolver habilidades interpretativas e técnicas. A improvisação desenvolve uma melhor relação táctil com o teclado, a consciência auditiva, poder ficar a vontade em qualquer tonalidade, melhora a memória e a leitura, e é valiosa para o entendimento de análise, segurança ao tocar e presença como intérprete. (...) improvisação é um passo além da aquisição do vocabulário musical, é a utilização criativa deste vocabulário (RABINOFF, 2004, p. 228-229)9.

Henrique parecia já estar ciente destas ideias pedagógicas, bastante avançadas para o Brasil na época (décadas de 1950 a 1970). A habilidade de transposição também é utilizada no primeiro movimento da Sonatina I, na qual a repetição do trecho entre os compassos 2 a 9 deve ser feita “lendo em bemóis”. Ao lado da improvisação, a transposição é uma das principais habilidades funcionais do piano, e deve ser desenvolvida desde os níveis iniciais10. São raras as oportunidades onde estas habilidades são integradas ao repertório, como nos oferece Henrique Morozowicz11.

8 Na partitura, em inglês e italiano: “Si pio suonare questo pezzo sui tasti neri. Per questo leggi tettu Le note come bemolli e Il Do# e Il Fa# come naturali. This piece can be played in black-keys. For that, read all notes as flats and the C# and F# as natural”. 9 The ability to improvise will help make the student a better performer. It is not only a question of filling in missing interludes (…) or of adding ornaments; rather it is a matter of improving both technical and interpretative faculties. Improvising gives a superior tactile relationship to the keyboard, an aural awareness, and a sense of “at homeness” in any key, better memory and sight-reading ability, a gift for compositional analysis, security, and poise. (…) Improvisation is a step beyond acquiring a musical vocabulary: it is applying that vocabulary creatively. 10 Kowalchyk e Lancaster alertam que os métodos de ensino tendem a deixar de lado a habilidade de transposição no nível intermediário, quando o aluno passa a tocar peças do repertório tradicional, mas que este treinamento deve continuar a ser desenvolvido em todos os níveis (KOWALCHYK; LANCASTER, 1995, p. 225). 11 Entre compositores que utilizam habilidades funcionais integradas em peças de ensino podemos citar os húngaros Z. Kodaly (1882-1967), G. Kurtag (1926) e o americano R. L. Finney (1906-1997), além das sugestões deixadas por B. Bartók (1881-1945) no Prefácio dos cadernos do Mikrokosmos. 89

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Encontramos também uma variedade significativa de procedimentos quanto a elaborações métricas e rítmicas, como listados a seguir: e) um deles é o uso de temas que “passeiam livremente” pela métrica (Exemplos 17a e b). É um procedimento bastante elaborado e complexo, mas que Morozowicz utiliza de uma maneira de fácil entendimento:

Exemplo 17a: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima (1958), I. Ciranda, cc. 1-5.

Exemplo 17b: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, I. Ciranda, cc. 20-24. f) métricas assimétricas são bastante presentes, principalmente nos 4 Pequenos Estudos, cada um deles trabalhando repetitivamente uma métrica assimétrica não usual:

Exemplo 18: MOROZOWICZ, H. 4 Pequenos estudos, 3. Bem ritmado, cc. 1-212

12 O compositor não indica fórmula de compasso em nenhum dos 4 Pequenos estudos, provavelmente acreditando que isto daria uma ideia de maior complexidade à notação musical. Os estudos No 1 e No 3 trabalham com métricas assimétricas, o No 2 com polirritmia e o No 4 com variação no tamanho do compasso mantendo pulsação e unidade de tempo estáveis. 90

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g) no Prelúdio melancólico No 2 o compositor utiliza no ostinato de acompanhamento divisões da métrica em valores crescentes em padrão repetitivo; isso pode ser bastante útil para o desenvolvimento do controle e precisão de divisões variáveis do pulso estável:

Exemplo 19: MOROZOWICZ, H. Prelúdio Melancólico No. 2, cc.1-4 h) já as síncopas, características de repertório brasileiro, também são frequentes, e estão presentes em todas as peças de Sentimento Latino13:

Exemplo 20: MOROZOWICZ, H. Sentimento Latino, III. Cha-cha-chá, cc.1-3

13 A obra Sentimento Latino foi escrita para uma encomenda de Piotr Lachert, diretor da editora Chiola Music Press, seguindo a ideia de uma série de peças fáceis para treinamento de ritmo de pianistas europeus. 91

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i) são procedimentos rítmicos ocasionais nas peças de Morozowicz, e também mais comuns no repertório pianístico de ensino: polirritmia (Exemplo 21); mudança de fórmula de compasso (Exemplo 22, onde as mudanças de compasso refletem o caráter improvisatório deste movimento); e polimetria (Exemplo 23, onde se sobrepõem padrões de 3 semicolcheias na mão direita e de 4 semicolcheias na mão esquerda)

Exemplo 21: MOROZOWICZ, H. 4 Pequenos estudos, 2. Balançando, cc. 1-4

Exemplo 22: MOROZOWICZ, H. Suite acessível (1958), II. Sesta e seresta, cc.1-9

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Exemplo 23: MOROZOWICZ, H. Três estudos breves (1958), Estudo No. 1, cc.1-2

CONCLUSÃO

Henrique Morozowicz satisfaz todos os requisitos apontados por Jacobson para qualificar boas peças didáticas para piano, como citados aqui no item III. Além disso, o compositor: (1) explora diversas questões métricas e rítmicas com padrões repetitivos e alusões a ritmos de danças, facilitando o entendimento e, consequentemente, o aprendizado; (2) oferece oportunidades de escolhas para o intérprete, desde as peças de nível básico; (3) integra a prática de habilidades funcionais ao repertório com improvisações e transposições sugeridas nas peças; (4) faz uso de humor musical com acentuada espirituosidade, o que dá à sua música um caráter leve e prazeroso. O repertório de peças didáticas de Morozowicz preenche a descrição de Maris, quando a pedagoga descreve repertório de ensino de qualidade, o que vai além de satisfazer listagem de características técnicas:

Tal música soa prazerosa de forma que o ouvinte a percebe e a entende harmônica, melódica, rítmica e expressivamente. Além disto, é bom tocar (...) Os padrões se encaixam na configuração da mão (...) e utiliza as características do piano (teclas brancas e pretas, características acústicas, registros). Esta música prepara os alunos para o repertório mais adiantado, mas é também música para apreciar, pelo prazer da música em si14 (MARIS, 1995, p. 184).

14 Such music sounds pleasing in ways that a listener can perceive and analyse harmonically, melodically, rhythmically, and expressively. Further, it feels good (…) to play. The patterns fit the configuration of the hand (…) and utilize the characteristics of the piano (black and white keys, acoustical traits, registers). Such music prepares students for more advanced repertoire, but it is also music to enjoy now, for its own sake. 93

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As peças didáticas para piano de Henrique Morozowicz constituem, portanto, repertório de ensino valioso e muito útil tanto para os alunos e professores de piano, assim como para os professores e alunos de composição, como ótimos exemplos de peças acessíveis, originais, concisas, musicalmente cativantes e ao mesmo tempo oferecendo pianismo idiomático e eficiente. É um material utilizado atualmente por docentes atuando no estado do Paraná, mas que deve ser redescoberto por todos nós, músicos, pianistas e professores.

REFERÊNCIAS BARANCOSKI, I. A literatura pianística do século XX para o ensino do piano nos níveis básico e intermediário. Per Musi, n. 9, 2004, p. 89-113. BONK, M.; JUSTUS, L. Catálogo temático: Henrique de Curitiba (1950-2001). Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2002. COHEN, S.; GANDELMAN, S. Cartilha Rítmica para piano. Rio de Janeiro: Petrobrás, 2006. CARNEIRO, G. C. In Vino Veritas: a viagem musical de Henrique de Curitiba. Curitiba, FAP, 2008. p. 231-244. DUFFIE, B. Karel Husa – the composer in conversation with Bruce Duffie. Disponível em: . Acesso em: out. 2012. GANDELMAN, S. 36 Compositores brasileiros – obras para piano (1950/1988). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. JACOBSON, J. M. Professional piano teaching – a comprehensive piano pedagogy textbook for teaching elementary-level students. Van Nuys, EUA: Alfred Publishing, 2006. KOWALCHYK, G.; LANCASTER, E. L. Functional skills and the intermediate student. In: GORDON, S., MACH, E.; USZLER, M. The well-tempered keyboard teacher. Nova York: Schirmer, 1995. p. 225-234. LIMA, D. Henrique de Curitiba Morozowicz: a biography and discussion of selected vocal and instrumental works with piano. Tese de Doutorado. Florida State University, 2004. MARIS, B. E. Repertoire and the intermediate student. In: GORDON, S., MACH, E.; USZLER, M. The well-tempered keyboard teacher. Nova York: Schirmer, 1995. p. 183-212. MOROZOWICZ, H. Visões do meu passado musical, na perspectiva do presente. Revista da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, 1995a, p. 89-100. ______. 3 Estudos breves. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1969. ______. Marchas Lúdicas. Manuscrito, 1976.

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______. Pequena suíte. São Paulo: Ricordi, 1969. ______. 4 Pequenos estudos. Manuscrito, 1966. ______. Pour Martina. Colonia, Alemanha: Musikverlag Hans Gerig, 1978. ______. Primeiro Caderno de Karina: 12 canções folclóricas de arranjos simples. Campinas: Serviço de Difusão de Partituras / USP, s.d. ______. Sentimento latino. Pescara, Bruxelas, Nova York: Chiola Music Press, 1995b. ______. Sonatina I. São Paulo / Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1978. ______. Suite acessível. São Paulo: Vitale, 1978. ______. Suite de Natal. Manuscrito, 1976. RABINOFF, S. Improvisation. In: AGAY, D. (ed.). The art of teaching piano. 2. ed. Yorktown: Music Press, 2004. p. 227-243.

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PENALVA, UM PÓS-MODERNISTA NA MÚSICA POPULAR: ANÁLISE DO ARRANJO DA CANÇÃO CARINHOSO

Eduardo Fabrício Frigatti1 [email protected]

Resumo O presente artigo discute os procedimentos composicionais empregados por José Penalva, na elaboração de seu arranjo da canção Carinhoso, de Pixinguinha e Braguinha. Para tanto, faz uso dos conceitos de forma clássica desenvolvidos por Willian Caplin a fim de compreender como elementos tonais livres se associam às características perceptivas das funções formais para garantir inteligibilidade da obra.

Palavras-chave: Pixinguinha; José Penalva; Funções formais; Arranjo

PENALVA, A POSTMODERN IN POPULAR MUSIC: ANALYSIS OF THE ARRANGEMENT OF THE SONG CARINHOSO

Abstract This paper studies the procedures used by the Brazilian composer José Penalva for elaboration of his arrangement of the song Carinhoso, by Pixinguinha and Braguinha. He took into account the concepts of classical form developed by Willian Caplin, in order to understand how free tonal elements could be associated with perceptual features of formal functions to ensure the work’s intelligibility.

Keywords: Pixinguinha; José Penalva; Formal functions; Arrangement

1 Compositor e violonista, é formado em musicoterapia pela Faculdade de Artes do Paraná (Fap) e licenciado em Música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). Atualmente, com orientação do Prof. Dr. Maurício Dottori, cursa o Mestrado em Música do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná. 96

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A década de oitenta marca uma mudança na escrita do compositor José Penalva em direção às premissas pós-modernas2, sendo que, neste período, a maior parte de sua produção foi destinada para coro a cappella3. Dentre estas, algumas são arranjos de músicas do cancioneiro popular brasileiro, e utilizam procedimentos composicionais da música de vanguarda orientados pelos ideais estéticos daquele momento. No Catálogo Comentado da Obra de José Penalva – organizado pela Dra. Elisabeth Seraphim Prosser com auxílio do próprio compositor –, o arranjo de Carinhoso, de 1983, é descrito como tonalmente livre sendo composto por uma “melodia tonal com elaboração harmonicamente livre. Acentuada presença de acordes de sétima, nona, décima-primeira e décima-terceira justapostos e sem resolução. Cromatismo, acordes com notas agregadas. Tratamento polifônico imitativo”

(PROSSER, 2000. p. 161). Em um gênero inerentemente tonal como o choro, de que maneira os elementos acima podem ser utilizados sem prejuízo à inteligibilidade formal ou em favor dela? Sem dúvida a melodia – dada de antemão – deve ajudar o ouvinte a compreender a peça, mas, em seu arranjo, Penalva respeita as características perceptivas próprias da fraseologia do choro? O choro surgiu em festas promovidas por funcionários públicos que compunham a classe média carioca no final do século XIX e início do século XX. Tais festas de salão eram animadas com polcas, schottiches, mazurcas, valsas e quadrilhas (TINHORÃO, 1997). Os músicos populares tocavam essas danças europeias com sotaque exacerbadamente sentimental ligado à música portuguesa e à malícia rítmica herdada da cultura africana. A maneira ‘chorada’ com que os músicos ‘amoleciam’ as danças é uma das prováveis origens para a ‘choro’ (CAZES, 2005).

2 Em 1972, o compositor José Penalva participou de um evento, na cidade de Roma, que discutia a vanguarda dos anos cinquenta. Segundo ele, nesse encontro, que contava com a presença de compositores como J. Cage, P. Boulez e L. Berio, chegou-se à conclusão de que havia um hermetismo muito grande na música e que essa era a principal causa da sua falta de aceitação e compreensão por parte do público (PENALVA apud PROSSER, 2000). Buscando uma aproximação, muitos compositores começaram a rever sua escrita e abandonaram as técnicas antes empregadas ou reincorporaram elementos da música tonal, modal, popular entre outros procedimentos. Essa nova produção musical – de caráter múltiplo, pluralista e híbrido – passou a ser denominada de pós-moderna (BUCKNIX, 1998; SALLES, 2003). 3 Essas peças podem ser dividas em dois grupos: de caráter puramente estético, em que o compositor é “ele mesmo” e escreve com maior liberdade, usando várias técnicas distintas; e outra de caráter estético e de entretenimento, na qual o compositor aproveita elementos folclóricos ou populares e faz uso moderado de procedimentos legados da fase anterior. Em ambos casos, o fim maior do trabalho composicional é a busca de maior expressividade tentado uma maior comunicação com o ouvinte (PROSSER, 2000). 97

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A partir do século XVIII, muitas danças de salão das cortes europeias adotaram a forma rondó. Posteriormente, tal estrutura formal se tornaria uma das características mais marcantes do choro (ALMADA, 2006, p. 9).

O rondó da polca-choro cristalizou-se numa forma-padrão que consiste, geralmente, em três partes com 16 compassos cada. A primeira (ou parte A) é a principal [...]. É apresentada quatro vezes durante a execução de um choro: as duas primeiras em ritornelo, na abertura, as duas outras intercalando as entradas das partes B e C (que também são apresentadas com as suas respectivas repetições [...]. Temática e motivicamente falando, as três partes, na maioria das vezes, têm grande autonomia, soando como se fossem três choros independentes, sem fortes ligações de parentesco). Na verdade, os principais elementos de coesão entre as partes (além da estrutura formal recorrente) são as relações mútuas entre as tonalidades.

No choro, as estruturas de período e de sentença resumem quase a totalidade de possibilidades de construção fraseológica, havendo o predomínio da primeira. Muitas de suas seções, estruturadas tanto como período ou como sentença, apresentam normalmente quatro frases de quatro compassos cada. Em geral, cada frase tem uma função4 baseada em sua condução harmônica (ALMADA, 2006). Da mesma maneira que o choro teve em sua gênese a estrutura periódica da dança, as primeiras sonatas do estilo pré-clássico herdaram a forma binária e a periodicidade frásica das danças barrocas, acrescentando a elas a concepção dramática da estrutura formal – tão cara ao classicismo. Essa simetria estrutural gera um nível de independência das frases, permitindo às formas5 clássicas uma estruturação baseada na articulação entre as frases (ROSEN, 1976). O musicólogo norte-americano William Caplin (1998) afirma haver quatro de tipos de tema6 comuns no classicismo: sentença, período, pequena ternária e tema híbrido. Cada um deles apresenta características próprias, sendo primordial para sua clareza o tipo de condução harmônica empregada.

4 Almada discute que tais funções tendo como parâmetro de construção o período, já que, segundo o autor, trata-se da estrutura mais comum no choro. 5 Rosen (1976) usa o termo estilo clássico no lugar de forma clássica, pois, segundo ele, a teorização formal do classicismo se deu a posteriori. Ainda, assim, o autor do presente artigo preferiu usar a palavra forma para evitar discussões e explicações semânticas dispensáveis no momento. 6 Não se deve confundir motivo temático com tema. Para Caplin o tema é uma unidade estrutural constituída por um conjunto de funções de início, meio e fim. 98

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Sem se prolongar demasiadamente na questão, é possível traçar algumas analogias entre o choro e as obras classicistas: origem da forma em ambos, suas estruturas e o tratamento motívico. Essas similaridades tornam possível a utilização dos conceitos desenvolvidos por Caplin, originalmente destinados à música erudita do período clássico, no presente estudo. Em resumo, suas conceituações nos parecem mais apropriadas, pois: enfatizam o papel das progressões harmônicas locais como determinantes da forma; distinguem entre função formal7 e estrutura de agrupamento8; reduzem a importância do conteúdo motívico como critério de definição formal, embora o tratamento desse contribua para funcionalidade formal; mesmo estritas, suas categorizações formais podem ser aplicadas de modo flexível; a teoria é descritiva e empírica (CAPLIN, 1998).

CARINHOSO, DE PIXINGUINHA

Carinhoso foi composta por Pixinguinha9 em 1917. Por possuir um esquema formal atípico para os choros da época, o compositor não a gravou nem a tocou em suas apresentações. Apenas em 1928, registrou em disco esse choro. Em 1936, a pedido da cantora e atriz Heloísa Helena10, Braguinha11 criou – às pressas – versos para o choro de Pixinguinha. No ano seguinte, Orlando Silva12, acompanhado por Pixinguinha e sua orquestra, gravou a versão com letra. A partir de então, a canção ficou tão famosa que se tornou um marco da cultura popular brasileira (SEVERINO; MELLO, 1998).

7 “O papel específico desempenhado por uma passagem musical em particular na organização formal do trabalho. Geralmente expressa uma sensação temporal de começo, meio, fim, antes-do-começo, ou depois-do- fim. Mais especificamente, pode expressar uma ampla variedade de características e relações formais” (CAPLIN, 1998, p. 254-255). 8 Caplin (1998, p. 255) entende como uma “organização compartimentada, perceptivelmente significante em um espaço de tempo (grupo, unidade, parte, seção etc.) em qualquer ou todo nível hierárquico em um movimento”. 9 Alfredo da Rocha Vianna Filho, conhecido como Pixinguinha (1897-1973), foi um flautista, saxofonista, compositor e arranjador brasileiro. 10 Heloísa Helena de Almeida Lima (1917-1999) foi uma atriz e cantora brasileira. 11 Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006), conhecido como Braguinha e também como João de Barro, foi um compositor brasileiro, famoso pelas suas marchas de carnaval. 12 Orlando Silva (1915-1978). 99

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Do ponto de vista da análise formal13, dois aspectos chamam atenção na história dessa canção: a estrutura atípica e a criação a posteriori de seus versos. No que tange à primeira observação, como será analisado adiante, esse choro possui um esquema formal ABAB, diferentemente do ABACA que era predominante na época. As suas seções, embora obedeçam à simetria típica do estilo, são constituídas por uma sentença – menos estrita devido à expansão de suas funções formais – e que constitui a parte A; um contrasting middle mais uma sentença de dezesseis compassos que forma a parte B. O segundo ponto é a razão para o autor deste trabalho evitar deliberadamente a discussão mais profunda de qualquer relação entre palavra e música no que concerne à forma. Não que os versos, criados muitos anos mais tarde do que a música, não tenham influência nas sugestões pictóricas do arranjo em questão, mas suas funções parecem ligar- se à clarificação ou turvamento da forma e da melodia em alguns trechos, ou como elemento de contraste em outros. Contudo, a estrutura global não foi determinada pelos versos, pois existia previamente. Ao esquema formal original, além de realizar algumas alterações na repetição de A, Penalva acrescenta no final da repetição do B uma estrutura baseada no material temático de A. Portanto, podemos descrever a forma final do arranjo como: ABA’B’. Toda seção A é uma única sentença de dezesseis compassos, assim como na canção original. O que chama atenção a priori é o fato de Penalva ter escrito o arranjo com um início tético, enquanto a transcrição o faz anacrústico (Ex. 1.1 e 1.2). A frase de apresentação, que normalmente duraria quatro compassos, estende-se por oito. Para isso Pixinguinha repete a mesma ideia básica quatro vezes: duas idênticas e duas transpostas, sendo uma dessas com uma alteração na última nota.

13 Para auxiliar a discussão, será utilizada a transcrição que Almir Chediak (2004) fez da mesma peça. Essa transcrição foi feita a partir da gravação de Orlando Silva e Pixinguinha, de 1937. 100

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Exemplo 1.1 – Frase de Apresentação - Arranjo de Penalva de Carinhoso (Pixinguinha)

Exemplo 1.2 - Frase de apresentação - original de Carinhoso (Pixinguinha)

No início da transcrição, é possível constatar o que Caplin chama de prolongação da tônica14, permanência na mesma função tonal que cria estabilidade e ausência de

14 Quanto à tonalidade, a transcrição de Almir Chediak está em lá maior e o arranjo de Penalva em mib maior. 101

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movimento harmônico. No arranjo, Penalva mantém a mesma concepção, embora agregue algumas dissonâncias ao trecho. O compositor campineiro também parece explorar um pouco mais a tensão gerada pela chegada ao iii, inserindo uma pequena mudança no acompanhamento do tenor, que prepara o clímax da dinâmica desse agrupamento (Ex. 1.1). Durante toda a frase de apresentação, o pulso – no arranjo – é levemente ausente. Talvez por isso Penalva tenha decidido não iniciar a peça com um compasso anacrústico. Como fez, o arranjador consegue evitar que a melodia ataque o tempo forte a cada compasso. Além disso, o impulso da melodia se desloca para o terceiro tempo. Tais alterações rítmicas, aliadas à harmonia estática, ao pedal do baixo e aos movimentos cromáticos das vozes intermediárias, geram uma leve sensação de flutuação com um tênue acúmulo de energia até o final da frase de apresentação quando há um crescendo que conduz a sequência harmônica que prevalecerá na função formal de continuação (Ex. 1.1). O tratamento sequencial da melodia na frase subsequente também se dá no baixo (Ex. 3). Este imita parcialmente a estrutura rítmica da melodia. Isso turva um pouco a percepção da harmonia, mas não a sensação de sequência e aceleração do ritmo harmônico – características fundamentais para a fragmentação que ocorre na função de continuação (CAPLIN, 1998) (Ex. 3).

Exemplo 3 – Tratamento sequencial da melodia

Após a perda de energia, a soprano inicia a função continuação-cadencial sozinha, com base na ideia rítmica inicial, que o baixo também utiliza (Ex. 3). A melodia transpõe esse

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motivo – c – nos compassos seguintes, sugerindo uma sequência (Ex. 3, soprano). A harmonia, após uma ascensão quase paralela no compasso 14, chega ao acorde de ré bemol maior com sétima maior e nona maior, que se transforma em nona menor no compasso 16 ao chegar a si bemol (Ex. 4). Embora não haja um acorde de dominante, é possível ter a sensação de resolução por duas razões: pela chegada muito clara, pela primeira vez, do acorde de tônica – sem a terça; e pelo salto de quarta ascendente do baixo que precede a tônica. Esse salto do si bemol ao mi bemol, que o baixo realiza, destaca-se em relação ao movimento descendente por grau conjunto das outras vozes, além de ocorrer no tempo fraco e sozinho, privilegiando sua escuta (Ex. 4).

Exemplo 4 – Cadência seção A

A primeira sentença, ou tema principal, embora polifônico, apresenta diversas passagens em que as vozes se movem juntas, com o mesmo valor rítmico. Logo, pode-se afirmar que há um predomínio de uma textura coral. Ressalta-se também o modo como Penalva destaca a melodia em relação às outras vozes durante todo tema principal: ela está na voz mais aguda; movimenta-se ou sobre pausas ou sobre notas com durações maiores; e, o mais importante, somente ela tem letra, pois as demais vozes cantam em bocca chiusa. A seção B pode ser divida em dois grupos estruturantes: um contrasting middle e uma sentença. Penalva muda a armadura de clave de todo o B e anota “Mais Agitado” para o primeiro grupo estruturante, o que não ocorre na transcrição nem parece necessário, visto que as harmonias dos temas seguintes claramente estão em torno do tom principal. O 103

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trecho pode ser divido em duas frases. A primeira dessas frases se desenvolve sobre a tonalização da mediante do tom principal; e a segunda prepara uma retransição para o tom principal (Ex. 5.1).

Exemplo 5.1 - Contrasting middle

No arranjo, a primeira frase do contrasting middle é realizada quase totalmente pelas vozes femininas, sendo que as masculinas entram apenas no final ligando essa frase à próxima (Ex. 5.1). É a primeira vez que as demais vozes têm letra. Como a entrada das vozes é em stretto, a inteligibilidade do texto diminui. Penalva faz um divise do soprano15, sendo que a mezzo-soprano assume a melodia nos compassos 17 e 18 e a contralto nos compassos 18-19 (Ex. 5.1). Também é possível dizer que a melodia se encontra todo o tempo no contralto, cabendo ao soprano, uma antecipação no compasso 17 e uma intervenção no compasso 18 (5.1). Devido à trama polifônica, a condução harmônica dessa primeira frase não é clara no arranjo, embora seja perceptível uma sugestão de outra região tonal. A segunda frase (comp. 21-23) apresenta uma condução harmônica mais nítida em relação à primeira. Na transcrição é possível perceber uma nova tonalização no V do tom principal. Essa nova tonalização permitirá a peça voltar à região tonal inicial. Nesse trecho do arranjo é possível abstrair uma condução harmônica sugerida, sobretudo, pelas vozes masculinas: (V) IV-V2-iii7 (ou mesmo I6) e iº7 (também pode ser entendido como viiº7/iii).

15 Procedimento que repetirá adiante. 104

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Esse acorde pode ser classificado como ornamental, pois adia a chegada ao I, que ocorrerá no início da próxima estrutura, mas com alteração da terça. Essas duas frases terminam no terceiro tempo do compasso 23, havendo uma clara cisão com o que segue. Como visto, a passagem descrita apresenta grande contraste com o que lhe precede em termos de dinâmica, conteúdo motívico, textura e estrutura. Segundo as considerações de Caplin (1998) sobre a forma clássica, poder-se-ia classificar essa passagem como contrasting middle, estrutura frequente em pequenas formas ternárias ou binárias. No entanto, não há qualquer tentativa de recapitulação de A, o que caracteriza a pequena forma binária. As considerações acima apontam para um fato claro na audição da obra: a instabilidade do referido trecho. Para Caplin (1998) o contrasting middle não é tão estruturado quanto a seção anterior, o que lhe confere certa instabilidade. Tal instabilidade é em grande parte oriunda principalmente da harmonia que pode apresentar progressões sequências para reforçar a instabilidade harmônica ainda mais. Embora, no arranjo, a instabilidade esteja apenas sugestionada pela melodia, visto que o tratamento polifônico distorce a percepção da harmonia, é clara a sensação de instabilidade que se utiliza não só do tratamento harmônico mais denso, mas também, por exemplo, pelas entradas iniciais sucessivas que geram grande tensão no limiar do trecho, adensando a textura. Ao fim, há, ao menos na transcrição, uma cadência perfeita, omitida no arranjo. Após essa cadência, uma sétima menor é adicionada ao acorde final reintroduzindo o tom inicial. Tal procedimento pode ocorrer na retransição do tom subordinado para o principal (CAPLIN, 1998). A segunda parte da seção B é formada por uma introdução e uma sentença (Ex. 6.1).

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Ex. 6.1 – Segunda parte da seção B

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Há uma introdução do primeiro tema que vem após uma pequena cisão no compasso 23, aclarada pelo texto. Também é possível perceber um ganho de energia através da ascensão melódica e a condução harmônica, que parte de um si bemol menor até chegar ao viiº do tom principal. Na transcrição, a primeira frase tem oito compassos, mas no arranjo apenas seis. Isso se deve à já mencionada alteração do compasso inicial e à contração rítmica da frase: ‘dos braços meus’. Notória é a utilização, no antecedente, da segunda frase da transição como acompanhamento. Prática comum em Haydn, sobretudo nos quartetos (ROSEN, 1976). Esse procedimento também remete à função do violão de sete cordas no conjunto típico de choro, ao realizar contracantos que ‘dialogam’ com a melodia (figura 6). No arranjo, a função de continuação pode ser identificada na sequência melódica, na sequência harmônica implícita da melodia e na fragmentação rítmica, mesmo que a harmonia do acompanhamento não realize uma sequência, pois, do compasso 31 ao 33, mantém uma estrutura de acorde semelhante que muda no compasso 34 para preparar a função cadencial. Aliás, esse procedimento de paralelismo total ou parcial – como na primeira sentença – é uma característica do tratamento harmônico empregado por Penalva na função de continuação. Há uma elisão entre a função de continuação e a função cadencial no verso “e só assim então”. Nessa cadência, Penalva faz uma clara alusão ao acorde de Dominante. Antes da chegada desse acorde (incompleto, mas perceptível), o arranjador conduz a harmonia a uma vaga sensação de ii – embora esse se mostre alterado: la natural e, posteriormente, fá sustenido no contralto, que retorna a fá natural no tenor (comp. 36, figura 6). O acorde de dominante é introduzido apenas com sua tônica: si bemol, que se entende por três tempos. De modo inesperado, Penalva passa a resolução melódica para o baixo. O longo tempo à espera por essa resolução permite ao arranjador a troca de registro sem prejuízo à inteligibilidade e sem causar estranheza, mas sim surpresa. O acorde de dominante está invertido e com a quinta alterada um semitom abaixo (fab = mi). A força da resolução melódica, ampliada pela inesperada troca de registro, junto ao rebaixamento da quinta, garante a força atrativa do acorde mesmo estando invertido e sem a sétima. Nessa passagem é nítida a concepção de melodia e acompanhamento, seguida por uma seção polifônica. Assim, distinguem-se claramente as funções que a compõe.

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A seção B no arranjo não é simétrica na escrita, como se pode esperar em um choro tradicional e como ocorre na transcrição. Isso se deve às alterações rítmicas empregadas pelo arranjador. No entanto, a cisão no compasso 23 e a permanência prolongada em uma única nota ao final da seção, compensam essa assimetria. O final da seção B elide ao início de A’. A principal diferença desta para A, é o fato de que nessa seção todas as vozes possuem letra. Tal procedimento aproxima os planos hierárquicos das vozes, ressaltando a tensão entre elas, assim como sua polifonia (Ex. 7.1).

Exemplo 7.1 – Seção A’

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Também é possível notar a inserção de intervalos que aumentam a tensão harmônica em determinados trechos (Ex. 7.1). Mas a modificação intervalar mais chamativa ocorre no início da cadência. Ao descer meio tom, Penalva nega o tom mi bemol maior predominante na melodia da canção. E, nesse caso, negá-lo – onde ele quase sempre esteve claro – é reafirmá-lo indiretamente (Ex. 7.2).

Exemplo 7.2 – Mudança da cor tonal por alteração do modo sugerido

Após a repetição ipsis litteris de B até o compasso 36, Penalva acrescenta, ao fechamento dessa seção, uma extensão cadencial com uma cadência evadida que mantém em suspenso a resolução. Essa extensão inicia com o baixo, por meio de imitação, executando o si bemol em oitava com o soprano. Esse, após um decréscimo de energia, não canta o final do verso que se esperava, mas reintroduz a ideia básica do tema principal modificado. Em seguida, o baixo se dirige a sol bemol, concretizando a cadência evadida ao dar início a um novo material que mantém em suspensão o precedente. Durante os compassos seguintes (Ex. 8.2), há um grande pedal sobre o qual é repetida a ideia básica modificada. Somente no compasso 46b o pedal é retirado junto com a interrupção das demais vozes, restando apenas o soprano. Após três tempos de destaque do soprano, no compasso 47b, o baixo, com indicação de acelerando e forte, introduz o motivo de fechamento da seção B, com o vocábulo ‘num’. Tal expressão parece remeter às batidas do coração. A seguir, o arranjador faz um cluster distribuído sobre o baixo de mi bemol, cujas entradas desencontradas e sempre com notas mais agudas, aliadas ao

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crescendo, aumentam a tensão do acorde final. Com exceção da cadência, todo trecho tem grande coesão tímbrica devido à bocca chiusa, sendo essa mudança da textura um reforço da ideia de extensão cadencial.

Exemplo 8.2 – Extensão Cadencial

CONCLUSÕES

Penalva consegue recriar o contexto da canção de modo original e sem que esta perca sua identidade. Isso parece possível graças ao manejo do material harmônico, textural e textual, orientando o ouvinte e clarificando a percepção das estruturas formais. Por

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exemplo, dentro do contexto da peça, as funções de continuação são tratadas com paralelismos total ou parcial do acorde; e as cadências que encerram as seções são mais claras em relação às demais – tal como uma peça clássica, mas com elementos distintos. Além disso, os finais estruturais sempre contam com um ou mais elementos cadenciais ligados à cadência perfeita, o que destaca seu fechamento: em A, o salto de si bemol a mi bemol; em B, o motivo melódico. Aliás, o motivo melódico que arremata o fechamento estrutural de B parece conceder mais força em relação à cadência de A. É interessante notar que Penalva enfraquece a resolução de B com uma elisão; e de B’ com o cluster final. Outro ponto de destaque é o contraste entre texturas polifônicas distintas para aclarar os blocos estruturais que a melodia sugere. Tal manejo garante, por exemplo, a distinção das duas passagens que compõe a primeira sentença, visto que o tratamento polifônico dilui a clareza harmônica; ou a distinção entre o contrasting middle e a segunda parte de B. No arranjo, a harmonia parece, em geral, criar ambientações como no início de A ou no segundo tema de B, e sugestões de movimentações próximas às que a melodia sugere e que se concretizam na transcrição. Assim, a textura empregada enfatiza ou distingue melhor as funções formais e os blocos estruturais. A utilização do texto como procedimento de hierarquização da espacialidade é um ponto chave para alterar a percepção de A em sua repetição, assim como para aumentar o grau de suspensão na cadência evadida em B’ ao retirar a letra das vozes. Logo, em muitas passagens, a combinação entre texto e textura é fundamental para expressar o sentido formal que, na canção original, é garantido pela harmonia. Ainda que não tenha originado a forma da canção como mencionado anteriormente, o arranjador usa as características do texto para manipular a forma da canção: aclarando ou turvando. Assim, pode-se constatar uma possibilidade de assegurar a inteligibilidade das formas com elementos tonais livres (ou não tonais), desde que esses expressem ou possam ser auxiliados por outros elementos a expressar as características perceptivas intrínsecas às funções formais. Há uma estrutura anterior – baseada na percepção – regendo as possibilidades das manifestações musicais de qualquer forma; estrutura que Penalva respeita em seu arranjo, tornando-o inteligível e gerador de expectativas.

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REFERÊNCIAS

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SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: CONSIDERAÇÕES ANALÍTICO-INTERPRETATIVAS Me. Alexandre Gonçalves1 [email protected]

Resumo Este trabalho propõe-se a analisar a Sonata n. 2, para piano, de José Penalva (1924-2002), buscando processos analíticos complementares à performance instrumental. É resultado da Dissertação de Mestrado intitulada As três Sonatas para piano de José Penalva: uma abordagem analítico-interpretativa. Apesar de ser a primeira sonata para piano a ser composta por Penalva, a Sonata n. 2 (1960) apresenta influências, segundo o próprio compositor, de Bartók (1881- 1945), Gershwin (1898-1937), Webern (1883-1945) e Guarnieri (1907-1993). Foram utilizados como ferramentas analíticas os conceitos de tonicização, prolongamento e níveis estruturais da análise Schenkeriana, além da análise temática e motívica tradicionais. Todo o processo analítico se mostrou convergente, tornando a relação análise-performance complementar e produtiva para a realização instrumental. O resultado dessa união e complementação está presente nas propostas interpretativas sugeridas no corpo do texto, e foram aplicadas diretamente à obra, registrada em CD.

Palavras-chave: José Penalva; Sonatas; Análise e Performance.

PIANO SONATA N. 2 FOR PIANO BY JOSÉ PENALVA: ANALYTICAL AND INTERPRETATIVE CONSIDERATIONS

Abstract This paper proposes an analysis of the Sonata n. 2 for piano by José Penalva (1924-2002), seeking an analytical process complementary to the instrumental performance. It results from the Masters thesis The Three Piano Sonatas of Joseph Penalva: An analytical and interpretive approach. Despite being the first sonata to be composed by Penalva, the Sonata n. 2 shows influences, according to the composer, by Bartók (1881-1945), Gershwin (1898-1937), Webern (1883-1945) and Guarnieri (1907-1993). The concepts of tonicization, extension and structural levels of Schenkerian analysis were used as analytic tools, beyond the traditional motivic and thematic analysis. The entire analytical process proved convergent, making the analysis- performance relation complementary and productive for instrumental performance. The result of this union and complementation is present in the interpretive proposals suggested in the text, and were applied directly to the work, recorded on CD.

Keywords: José Penalva; Sonata N. 2; Analysis and Performance.

1 Bacharel e Mestre em Música, Sub-área Práticas Interpretativas - Piano pela Universidade do Estado de Santa Catarina / UDESC. 113

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INTRODUÇÃO

José de Almeida Penalva (1924-2002) é considerado por diversos pesquisadores um dos principais compositores brasileiros da segunda metade do século XX. Sua música é singular, principalmente pela exploração de linguagens (antiga e nova, sacra e secular) e pela densidade e intensidade expressivas (PROSSER, 2000, p. 4). Em sua atuação, ampliou as fronteiras da música, destacando-se também como professor, teólogo, crítico e escritor. Natural de Campinas (SP), viveu desde sua adolescência em Curitiba, onde desenvolveu atividades como sacerdote e compositor. Além de ampla formação musical, foi também membro fundador de sociedades culturais, como a Sociedade Brasileira de Musicologia e a Sociedade Brasileira de Música Contemporânea. Suas composições incluem obras para piano e órgão, música de câmara, obras corais, orquestrais e corais-orquestrais, com solistas, atores e declamadores. Sua maior produção musical era voltada à música vocal sacra. Destacam-se na sua produção secular instrumental doze obras para piano: as Sonatas n. 1, 2 e 3, as Mini-Suítes n. 1, 2 e 3, Três Versetos, Nova et Vetera, Marcas I, Diálogo, Ponteio e Toccata. Dentre as peças para piano solo, destacam-se as três sonatas, compostas em linguagens musicais distintas. A Sonata n. 2 (São Paulo, 1960) foi composta sobre um tecido modal e em forma sonata clássica. Escrita em três movimentos, notam-se em algumas passagens – que serão referenciadas ao longo da análise – as possíveis influências dos compositores dos quais José Penalva declarou ter se influenciado: Bartók (1881-1945) e Gershwin (1898-1937) no primeiro movimento; Guarnieri (1907-1993) no segundo; e Webern (1883-1945) no terceiro movimento. Ao longo de sua trajetória, José Penalva demonstrou estar atento e aberto a todas as tendências musicais que o cercavam, tanto nacionalmente, quanto internacionalmente. Em suas obras, conforme seu próprio depoimento, experimentava todos os artifícios e linguagens composicionais disponíveis (PENALVA apud PROSSER, 2000, p. 20-21).

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Especificamente em relação às três Sonatas para piano, o estudo detalhado de peças de grandes dimensões como essas torna possível observar a exploração dos recursos musicais empregados pelo compositor.

A SONATA N. 2 (1960)

Na década de 1960, José Penalva realizou intensamente “as primeiras pesquisas musicológicas de Penalva sobre Carlos Gomes (1836-1896)” (PROSSER, 2006, p. 39). Considerando que essa sonata foi a primeira obra pianística composta nessa década, seria inevitável, em algum momento, Penalva não retratar nela características musicais de Carlos Gomes. Veremos que não houve citação direta de temas de Carlos Gomes, mas alusões que podem nos auxiliar na construção interpretativa da obra.

Primeiro movimento - Moderato Conforme declaração de José Penalva, essa sonata tem seu primeiro movimento elaborado segundo princípios composicionais baseados em Bartók e Gershwin. Todavia, o compositor esclareceu que “nada foi inspirado diretamente das obras e dos temas destes compositores” (FREGONEZE, 1992, p. 40). De fato, alguns elementos característicos da linguagem musical de Bartók e Gershwin tornam-se visíveis durante a apresentação dos temas A e B, respectivamente: ostinatos rítmico-melódicos, passagens harmônicas com sonoridade jazzística, acordes com sétimas, texturas verticais e, como principal característica, o modo eóleo como material musical do primeiro movimento. Em forma sonata clássica, pode-se entender sua estrutura interna como segue (Quadro 1):

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Introdução Caráter de Abertura c. 1 a 4 Grandioso / Centrado em Lá

c. 5 a 10 1º segmento Tema A c. 10 a 17 2º Segmento

Transição c. 18 e 19 Fórmula Cadencial Exposição Tema B c. 20 a 26 Sobre a região de V grau (Mi)

Ponte c. 27 Fórmula Cadencial (ritornelo)

c. 28 a 36 1º segmento Desenvolvimento Abreviado c. 37 a 46 2º segmento

Reexposição Temas A e B c. 66 a 72 1º e 2º segmentos

Coda “Perdendosi” c. 73 a 75 Quadro 1 - Esquema formal do 1º movimento da Sonata n. 2, para piano, de José Penalva. Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)

Este movimento inicia com uma introdução (c.2 1 a 4), na qual o compositor define o material básico para a elaboração de todo o primeiro movimento3, com um tema modal (eóleo). Com caráter enérgico e eloquente de abertura bem evidente, sua textura é densa, contrapondo uma melodia em uníssono, na região média, e acordes com marcato escritos em tempos fracos ou contratempos nas regiões aguda e grave do instrumento. Mediante essa escrita, percebemos o tratamento orquestral conferido ao tema, que lembra a protofonia da ópera Il Guarani (1870), de Carlos Gomes. Esses compassos iniciais podem ser entendidos como uma matriz que sintetiza praticamente todo o material musical do qual o compositor se servirá durante o primeiro movimento. O conteúdo intervalar, escalar e harmônico desse trecho apresenta vários elementos que escapam a uma sonoridade tonal, apesar da inequívoca centralidade da nota Lá.

2 Neste artigo, a palavra compasso será abreviada por c. 3 As imagens que serão apresentadas durante a análise são digitalizações do manuscrito autógrafo do compositor. 116

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Figura 1 – Introdução com caráter de abertura: c. 1 a 4.

A melodia (na região média) é acompanhada pela seguinte sequência harmônica: Am, Dm6, Cm6, G e Gm, estes dois últimos em 1ª inversão, criando uma linha cromática descendente, na qual o Si bemol do último acorde resolve em Am. Se do ponto de vista harmônico o trecho soa pouco convencional (especialmente o terceiro compasso), do ponto de vista contrapontístico a linha do baixo A-D-C-B-Bb-A não deixa dúvidas sobre a orientação cadencial do tema (Figura 1). Com uma escrita de 5as sobrepostas, escrita muito comum em obras de Bartók, inicia no c. 4 um ostinato harmônico formado pelas notas do acorde de Am6, que servirá de acompanhamento ao tema A da seção de exposição. O tema A se subdivide em dois segmentos. O primeiro (c. 5 a 10) é construído a partir de acordes com sétima arpejados, cujas notas superiores delineiam uma melodia diatônica descendente. A textura e a harmonia deste trecho derivam dos acordes do tema de abertura e seu final conclui com uma sequência melódica em 4as (inversão das 5as do acompanhamento) sobre o acorde de Eb6, cadenciado para Am6. Essa resolução através do antípoda (grau distante uma 4ª aumentada do tom principal) substitui a relação V-I do tonalismo convencional. A sonoridade modal da abertura fica dissolvida pelos cromatismos e acordes com sétima, além de “alguns veneninhos” (c. 5, 7 e 8), nas palavras de Penalva, caracterizados pelo acréscimo de notas estranhas ao centro modal (FREGONEZE, 1992, p. 89). 117

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O segundo segmento do tema A (c. 11 a 17), uma melodia em legato com ritmo sincopado, estruturada a partir da pentatônica menor de Lá, deriva do tema em uníssono da abertura. O acompanhamento em acordes de sétima e sexta desenha uma progressão predominantemente cromática. É possível que tais cromatismos representem a influência de Gershwin (1898-1937) a que Penalva se referia, uma vez que lembram sonoridades cromáticas tipicamente jazzísticas.

Figura 2 – Primeiro segmento do tema A: c. 5 a 10.

Melodicamente, o motivo estrutura-se com as notas contidas nas tríades de Am e Em, harmonizado sobre acordes como F7M, C7M, Eb, Gm7, G7, Eb6.

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Figura 3 - Segundo segmento do tema A: c. 10 a 17.

O tema A finaliza com uma fórmula cadencial que estabelece a transição entre os temas A e B. Essa fórmula, que apresenta novamente a resolução por meio do antípoda de Lá (Eb), configura-se como um elemento estrutural essencial no discurso, pois estabelece a separação de motivos ou seções no decorrer da obra.

Figura 4 - Fórmula cadencial: c. 18 e 19.

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Conforme a figura 5, a seguir, ocorre entre os compassos 20 e 26 o tema B, centrado em Mi. Ritmicamente, ele apresenta uma nova variação do tema de abertura, no qual a semínima pontuada e a colcheia da abertura são alteradas para duas semínimas. Os temas A e B contrastam entre si principalmente pelo fato de a melodia ter passado para o pentagrama inferior em B, além da intensidade. Com indicação de f para a melodia, os acordes que realizam o acompanhamento na mão direita estão escritos em p e pp durante todo o tema. O tema B tem apenas sete compassos, sua dimensão é ampliada por repetição, sinalizada pelos ritornelli. A característica de ser um tema curto e sem segmentos, se comparado ao tema A, também fortalece o contraste entre A e B.

Figura 5 - Tema B da seção de exposição: c. 20 a 26.

A seção de desenvolvimento (c. 28 a 45) divide-se em dois segmentos: o primeiro utiliza elementos temáticos da parte final de B; e o segundo, citações dos temas A e B. O primeiro segmento do desenvolvimento reproduz o início do motivo melódico de B, mantendo as mesmas alturas, porém utilizando o ritmo de forma espelhada.

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Figura 6 - Comparação entre início do tema B e sua variação no desenvolvimento.

Quanto à dinâmica, também ocorre um tipo de inversão: em B havia a indicação de f para o pentagrama inferior, e p para o superior; no desenvolvimento, encontramos ppp para o pentagrama inferior e f para o superior (Figura 6). O motivo que inicia o desenvolvimento é utilizado como ostinato, assumindo a mesma função de acompanhamento que as 5as intercaladas na apresentação do tema A. O ostinato desenvolve-se basicamente sobre o acorde de Em, apresentando, ao final do segmento, uma variação cadencial sobre D e C, retornando para Em (Figura 7). A melodia no pentagrama superior é reforçada por acordes de 5ª e 8ª (c. 29 a 36) e apresenta fragmentos rítmico-melódicos do 2º segmento do tema A.

Figura 7 - Primeiro segmento do desenvolvimento: cp. 28 a 36. 121

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No compasso 37 (Figura 8) inicia-se o segundo segmento do desenvolvimento, que se estende até o compasso 45. Nesse trecho é possível identificar citações dos temas A e B da seção de exposição: acordes de sétima arpejados, escalas e o ostinato de 5as intercaladas como acompanhamento. Além disso, surge como elemento temático uma variação da fórmula cadencial (c. 42 e 43). O desenvolvimento encerra com a reapresentação do ostinato que iniciou essa seção, alterado cromaticamente para Ebm (c. 44 e 45), conduzindo à fórmula cadencial no compasso 46 através do antípoda (Eb-A).

Figura 8 - Segundo segmento do desenvolvimento e fórmula cadencial: c. 37 a 46.

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A reexposição estende-se do compasso 47 ao 72, apresentando o tema B transposto para a região da tônica (Am).

Figura 9 - Reexposição de B sobre a região principal, Lá: c. 66 a 72.

A coda, compreendendo os compassos 73 a 75, tem textura polifônica e verticalizada, lembrando o tratamento orquestral da abertura (c. 1 a 4). Inicia-se com a repetição do último compasso da reapresentação do tema B, porém, sem acidentes ocorrentes sobre o acorde de 5ª e 8ª formado pelas notas Fá - Dó - Fá (c. 73). Essa alteração delimita claramente o início da coda. A dinâmica, em decrescendo gradual (p a ppp), confere a esse trecho uma sonoridade etérea e perdendosi.

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Figura 10 - Coda: c. 73 a 75.

Segundo Movimento – Andante Cantabile

Segundo José Penalva, neste movimento procurou inspirar-se em características composicionais de Camargo Guarnieri. Essa inspiração pode ser observada na rítmica “desencontrada” e na métrica pouco comum, em 7/8 aplicada em todo o movimento, semelhante ao tratamento composicional encontrado na parte final do Ponteio n. 18 do segundo caderno.

Figura 11 - Três últimos compassos do Ponteio n. 18, 2o caderno, de Guarnieri (1907-1993)

Contrastando com a grandiloquência do primeiro movimento, este possui caráter contemplativo e meditativo. Centrado em Ré, apresenta um ostinato melódico com acompanhamento, reminiscência do ostinato do primeiro movimento.

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c. 1 e 2 Introdução / Ostinato c. 3 a 6 Tema A1 Métrica: 7/8 PARTE A Centrado em Ré c. 7 a 10 Tema A2 c. 13 a 17 Transição

c. 18 a 25 Tema B1 Métrica: 3/4 PARTE B c. 26 a 32 Tema B2 Pentatônica menor (a – b – a’) c. 33 a 39 B1’ de Lá c. 40 a 47 Transição

c. 1 e 2 Introdução / Ostinato Métrica: 7/8 PARTE A c. 3 a 6 A1 Centrado em Ré c. 7 a 10 A2

CODA c. 11 a 13 Finalização Quadro 2 - Esquema formal do 2º movimento da Sonata n. 2, para piano, de José Penalva. Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)

Em forma ternária (A-B-A) e métrica 7/8, tem a parte A subdividida em dois motivos: A1, construído sobre as notas da primeira tríade de Ré eóleo (c. 3 a 6); e A2, formado por uma melodia diatônica de contorno sinuoso, que se estende do compasso 7 ao 10. Sob os dois motivos, o ostinato que os acompanha delineia em suas notas mais graves uma melodia cromática descendente. Fregoneze (1992, p. 46) reconhece, entre os compassos 6 e 9, a seguinte articulação rítmica no acompanhamento: 2+3+2, 2+3+2, e 3+4. A indicação dolce, aliada à rítmica lenta do ostinato e melodia, sugere uma sonoridade expressivamente seresteira.

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Figura 12 - Introdução, Parte A e seus dois motivos (A1 e A2): c 1 a 10.

As indicações dolce e cantabile permitem ao intérprete tornar a melodia expressiva, além da dinâmica em pp reforçar o caráter introspectivo e singelo do tema. Uma transição com motivos em semicolcheias e semínimas conduz à parte B. Os grupos rítmicos, que antes figuravam apenas do acompanhamento em ostinato, articulam-se agora entre os dois pentagramas, complementando-se. Com extensão de cinco compassos, nota-se nessa transição o padrão rítmico 3+4 e 4+3 (c. 14 a 18). Os sinais de crescendo e accelerando impulsionam a melodia em direção à seção seguinte.

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Figura 13 - Transição para a parte B: c. 14 a 18.

A sonoridade resultante desse trecho pode ser entendida como uma perturbação do “sossego” estabelecido na parte A, devido ao uso de dissonâncias e acordes que fogem dos encontrados em Ré eóleo, e pelo adensamento textural nos dois últimos compassos dessa passagem. Após a interrupção da transição pela indicação I tempo, a parte B inicia em mf e seu acompanhamento em p. Em métrica ternária simples (3/4), é mais extensa do que a parte A e está subdividida em três partes (a-b-a’). Apresenta dois temas ritmicamente contrastantes, B1 e B2. O tema B1 (c. 19 a 26), escrito na região do V grau da escala principal (Ré eóleo), está estruturado a partir da pentatônica menor de Lá. Nos compassos 21 e 25, acompanhamento e melodia são alterados cromaticamente, criando um efeito de deslocamento harmônico. Distanciamentos harmônicos da região principal favorecem uma interpretação com sonoridade que sugere a sensação de fluidez e levitação. Não havendo indicações de articulação propostas pelo compositor nessa passagem, o intérprete tem a opção de aplicar recursos de pedal e articulação para criar um ambiente

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sonoro de caráter etéreo. Como o tema e o acompanhamento estão escritos praticamente na mesma região do instrumento, a diferenciação nas articulações ajuda a reforçar a distinção entre os planos sonoros, salientando o tema. Sugere-se a realização dos ostinatos em legato e a melodia em non legato.

Figura 14 - Primeiro grupo temático da parte B: c. 19 a 26.

O tema B2, variação de B1 que inicia na anacruse do compasso 26, possui contorno mais elaborado, além de contrastar com o primeiro tema pela dinâmica em f. Contrapondo o legato implícito na parte A, estão as terças em staccato do acompanhamento. A finalização de B2 ocorre de forma brusca, com a suspensão do discurso através da fermata sobre a barra do compasso 34.

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Figura 15 - Segundo grupo temático da parte B: c. 26 a 33.

Após a fermata, B1 é reapresentado a partir do compasso 34, até ser interrompido no compasso 41 por uma nova transição, escrita em f.

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Figura 16 - Re-apresentação de B1: c. 34 a 40.

Essa transição está estruturada sobre intervalos de 4ª (aumentada e justa) no pentagrama inferior, e harmonias quartais (acordes de 4ª e 7ª, e de 4ª e 8ª) no pentagrama superior. Os intervalos de 4ª do pentagrama inferior cedem lugar a uma sequência ascendente de acordes arpejados. Em ritmo de semicolcheias, esses arpejos formam os acordes F7M e F#7M, em 2ª inversão, que se intercalam a cada pulso. Os arpejos continuam nos compassos 44 e 45, mas agora agrupados de cinco em cinco semicolcheias, provocando um deslocamento rítmico em relação à métrica do compasso (3/4). Neste momento, as 4as do acompanhamento (início da transição) transferem-se para a voz superior. Na anacruse para o compasso 46, tem início uma espécie de trinado, que acontece entre o acorde de Eb7M, em 2ª inversão (pentagrama inferior), e intervalos de 4ª justa formados

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pelas notas Fá# e Si (pentagrama superior). As indicações de crescendo e accelerando nos compassos 46 e 47 reforçam a ideia do trinado, criando uma massa sonora que conduz à reapresentação da parte A.

Figura 17 - Transição para reexposição da parte A: c. 41 a 48.

Após a reapresentação de A, o movimento encerra definitivamente com uma coda, sob a indicação P/ terminar. A coda encerra com um intervalo de 5ª justa, formada pelas notas Ré (pentagrama inferior) e Lá (pentagrama superior), sonoridade característica de cantos

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gregorianos e obras renascentistas, “com a qual Penalva muito se identificava” (PROSSER, 2006, p. 23).

Figura 18 - Coda do segundo movimento: c. 11 a 13.

Os desvios harmônicos e uso de dissonâncias, identificados neste movimento, representam a busca de Penalva por uma nova sonoridade que não mais o modalismo e o tonalismo tradicionais. Vale relembrar que nessa mesma década, o compositor começara a utilizar o dodecafonismo em algumas de suas composições, e que passagens “estranhas” encontradas nessa Sonata já podem refletir uma abertura idiomática.

Terceiro Movimento – Rondó-Allegro De acordo com o relato de José Penalva, neste movimento manifestam-se características composicionais de Webern (1883-1945) (FREGONEZE, 1992, p. 40). Conformado ao rondó clássico, esse movimento contém elementos mais contemporâneos, como bitonalidade e seções com interrupções bruscas de agregados em clusters. Ocorrem ainda amplos contrastes de dinâmica, citações de melodias populares e acordes de 4ª sobrepostas4. Conforma-se de acordo com a seguinte estrutura: A – B – A – C – A – D – A – Coda.

4 Acordes de quartas sobrepostas: acordes construídos por quartas independentes e sem relação entre si, colocadas uma sobre as outras, de bi- ou politonalidade, ou de cluster (PENALVA, J. História da Música. Curitiba: Associação Cultural Avelino Vieira, 1991, p. 51). 132

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c. 1 a 3 Motivo 1 A c. 4 a 9 Motivo 2

c. 10 a 21 B1 B c. 22 a 35 B2 c. 36 a 47 B1’

c. 58 a 63 Motivo 1 c. 64 a 67 Motivo 2 C c. 68 a 72 Motivo 1 c. 73 a 78 Motivo 3 c. 79 a 86 Motivo 1

c. 97 a 104 D1 c. 105 a 107 D2 D c. 108 a 115 D1 c. 116 a 130 D2 + Transição

CODA c. 141 e 142 Cadência Final Quadro 5 – Estrutura formal do terceiro movimento da Sonata n. 2, de José Penalva Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)

Tem caráter de síntese ou recapitulação da obra. Embora não haja citações diretas de temas dos outros movimentos, há a reutilização de materiais temáticos e recursos composicionais desenvolvidos anteriormente. Dimensionado em 143 compassos, sua métrica é binária, e andamento de semínima igual a 144 bpm. A parte A tem, novamente, a nota Lá como centro tonal e está subdividia em dois motivos. Embora o retorno ao centro tonal Lá possa parecer uma possível citação do primeiro movimento, é, na realidade, um elemento de coerência da obra, fixado pela forma Sonata tradicional. O primeiro motivo aparece em uníssono, sob a indicação irritado e mf, novamente com caráter de abertura e em Lá dórico. O segundo motivo (com terças em tons inteiros e Lá eóleo), formado por acordes em ambos os pentagramas, tem contorno melódico ascendente no pentagrama superior e descendente no inferior. Sobre os intervalos de terças, em staccato, há as indicações de p e pp, e sobre as tríades, um crescendo que culmina em ff.

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Figura 19 - Motivo 1 e 2 da parte A: c. 1 a 9.

A parte B estende-se do compasso 10 ao compasso 21 e também se subdivide em dois temas anacrústicos, B1 e B2. O tema B1 lembra o segundo segmento do tema A do primeiro movimento, tanto do ponto de vista rítmico como do melódico. Com acordes quartais e textura coral, compreende os compassos 10 a 14, repetindo-se entre os compassos 15 e 18. Com intensidade f, a parte final de sua repetição recebe um sinal de crescendo, que conduz a melodia a um motivo em ff. Esse motivo estabelece a ponte para o tema B2.

Figura 20 - Tema B1 e sua repetição: c. 10 a 18.

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Essa ponte (c. 19 a 21), de textura cordal e sincopada, é derivada de uma transposição não literal de B1, elevado uma 5ª justa acima. Tem desenho melódico descendente e finaliza a exposição desse tema em decrescendo.

Figura 21 - Passagem de B1 para B2: c. 19 a 21.

O tema B2 – bitonal – consiste em um motivo melódico elaborado sobre as notas da escala pentatônica menor de Si bemol (pentagrama superior), acompanhada por um ostinato em colcheias (um acorde de quarta formado pelas notas Lá-Ré-Sol) no pentagrama inferior. Tem caráter de melodia acompanhada e o acompanhamento é um ostinato sobre um acorde de 4as sobrepostas, tendo como baixo a nota Lá. A melodia inicia em anacruse no compasso 22 com apenas uma nota (Si bemol) em p, estendendo-se até o compasso 25. No compasso 23 tem início o acompanhamento em ostinato, que prepara o tema B2, escrito com semínimas em staccato e em anacruse para o compasso 26. Essa melodia é atrasada em meio tempo a partir do compasso 29, retomando sua posição métrica normal na anacruse do compasso 32. Torna-se sincopada nos compassos 34 e 35.

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Figura 22 - Tema B2 sobre a pentatônica menor de Si bemol: c. 22 a 35.

O motivo sincopado prepara o trecho para a retomada de B1’, que acontece no compasso 36. Sua reapresentação é enfatizada pela dinâmica ff e pelo reforço harmônico em 8as do contracanto no pentagrama inferior e dos acordes quartais sob cada nota da melodia. Denominamos este trecho de B1’ porque, em lugar da repetição, como acontece em B1, ocorre um motivo inicialmente com colcheias em staccato e depois com colcheias apoiadas ritmicamente em grupos do tipo 3+3+2. De dois em dois compassos esse padrão rítmico se repete e o motivo é transposto uma 4ª justa acima. A dinâmica aumenta em um crescendo, de mf a ff, quando o discurso é interrompido bruscamente no compasso 47.

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Figura 23 - B1’ reforçado por notas adicionais e pela dinâmica em ff : c. 36 a 47.

Após uma breve passagem em colcheias com apoios métricos em 3+3+2, a parte A é reapresentada (c. 48 a 57). A partir do compasso 58 (figura 24), tem início a parte C. Esta seção apresenta fortes contrastes de dinâmica e a exploração das regiões extremas do instrumento. As pausas utilizadas na composição dos motivos criam a sensação de tratar-se de fragmentos temáticos, mas podem ser entendidos como alusões à prática composicional Weberniana. A melodia consiste em acordes quartais arpejados, descendentes e ascendentes, no pentagrama superior. Os clusters em agregados de três notas aparecem sempre no pentagrama inferior, em ritmo sincopado e acéfalo. Se observados conjuntamente, os clusters escritos entre o compasso 58 e 63 formam a escala de tons inteiros, partindo de Sol bemol.

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Figura 24 - Início da parte C: c. 58 a 63.

O ambiente Weberniano (c. 58 a 63) apresentado anteriormente sofre a interjeição de um motivo também em colcheias (c. 64 a 67), estruturada em dois acordes, F7M e Db6 (figura 25). Ambos estão em posição aberta, divididos em duas 5as justas.

Figura 25 - Interjeição entre motivos da parte C: c. 64 a 67.

A sonoridade dessa interjeição estabiliza o trecho após a ocorrência dos “fragmentos” que pontuaram o início da parte C. O motivo Weberniano é retomado em ff nas regiões extremas do piano. Uma estrutura simétrica é revelada quando os acordes quartais que ocorrem a partir do compasso 69 são apresentados em ordem inversa ao início de C e antecipados em meio tempo.

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A figura 26, a seguir, compara a inversão na ordem de apresentação dos acordes quartais.

Figura 26 - Inversão na ordem dos acordes quartais: c. 60 a 63; 69 a72.

Após o trecho em inversão, ocorre em mf uma passagem somente com acordes quartais, em ambos os pentagramas (c. 73 a 78), condensando o material temático da parte C. Há as indicações de crescendo e accelerando, até sofrer novamente, a interjeição em p súbito dos acordes de F7M e Db6.

Figura 27 - Acordes quartais: c. 73 a 78.

Sob as indicações de I Tempo e p súbito (c. 79), o motivo de interjeição é transposto uma 8ª acima nos compassos 81 e 82. O acorde de F7M é transposto mais uma 8ª acima e sua repetição se estende do compasso 83 ao 86, finalizando o trecho em um crescendo e accelerando.

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Figura 28 - Acordes de F7M e Db6: c. 79 a 86.

A parte D inicia após a reapresentação da parte A e traz a indicação melodioso e sonoro. São apresentados dois temas contrastantes: D1, com melodia diatônica e textura coral (c. 97 a 104); e D2, um tema de interjeição em semicolcheias, baseado no tricorde (Dó-Si-Lá) do início do tema D1, transposto, invertido e acelerado (c. 105 a 107). O tema D1 tem seu início em f sem o acompanhamento, que inicia apenas no segundo tempo do compasso 98. Os motivos estão dispostos de tal maneira, que não se notam interrupções no discurso por pausas ou suspensões. No compasso 101, ocorre a finalização da primeira parte de D1 e o início de sua segunda parte, criando uma elisão entre os temas.

Figura 29 - Tema D1 e delimitação de suas partes.

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Notável é a semelhança entre o início de D1 e as alturas do verso “Tinha um coqueiro ao lado...”, da canção folclórica Casinha Pequenina. Interessante notar que na mesma época da composição dessa Sonata, Penalva arranjou essa mesma canção para coro a cappella. De qualquer forma, a imagem seresteira e nostálgica de Casinha Pequenina pode ser aplicada a esse trecho, auxiliando o intérprete na elaboração de uma sonoridade dolce e de caráter saudosista. Contrastando com esse primeiro motivo, D2 inicia no compasso 105, em p e crescendo. Trata-se de uma passagem rítmica, bitonal (teclas brancas no pentagrama superior contra teclas pretas no inferior), que se contrapõe ao legato expressivo de D1 e relembra o caráter Weberniano que figurou durante a parte C. A indicação conciso reforça a necessidade de precisão na execução do motivo.

Figura 30 - Partes do motivo D2: c. 105 a 107.

O crescendo dessa passagem conduz à nota Dó em f que retoma o tema D1. Após a reapresentação de D1 e D2, uma transição conduz à última apresentação da parte A. Essa transição é um ostinato melódico em colcheias, formado pelas notas Si bemol, Lá e Sol, derivado do mesmo motivo descendente de três notas que predomina nesta seção, cria uma sonoridade cíclica e hipnótica. O ostinato inicia em pp súbito, mas as indicações crescendo e accelerando conduzem o trecho até a entrada de um motivo em 4as justas (c. 122). O decrescendo a partir do compasso 124 conduz a passagem novamente ao pp (c. 128), na qual ocorre novamente o motivo de 4as justas, agora em acordes de 4as sobrepostas (três sons). 141

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O ostinato encerra no compasso 130 com as alturas sol e si bemol, em contratempo, juntamente com os acordes de quartas sobrepostas. As colcheias em contratempo pontuam o final da parte D, quase em um perdendosi, em função do decrescendo a partir do compasso 129. É como se o tema desaparecesse repentinamente, tamanha a velocidade impressa pelo accelerando.

Figura 31 - Reapresentação de D2 e sua interrupção pela seção de transição: c. 116 a 130.

Ocorre a última exposição da parte A (c. 131), acrescida de dois compassos com função estrutural de coda. Por meio de um crescendo a partir do compasso 137, a coda é resultado do impulso promovido pelo crescendo iniciado no compasso 137, culminando em fff. A cadência final (c. 141 e 142) encerra a ideia musical dessa parte (A), concluindo definitivamente o movimento sobre a nota Lá, em uníssono, nas regiões extremas do instrumento.

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Figura 32 - Última apresentação da parte A e cadência final: c. 131 a 142.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença de texturas vocais, numa clara alusão ao gosto do compositor pelas sonoridades corais, ou a combinação entre linguagens musicais distintas em uma mesma obra, sinalizam a busca por uma estilística própria através do estudo, da experimentação e da dedicação. É nesse espírito de inquietude interior e busca pelo novo que se evidenciam elaborações temáticas não convencionais. Prova disto é a simplicidade da Sonata n. 2, quando comparada ao maduro trabalho dodecafônico da Sonata n. 1 e à diversidade temática presente na Sonata n. 3. A liberdade composicional que se manifestava nesta última, era, na verdade, uma enorme independência adquirida para combinar elementos e linguagens musicais (GONÇALVES, 2009, p.

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132). Sob essa perspectiva, é possível dizer que a Sonata n. 2 contém certo grau de ingenuidade, se comparada à disciplina da Sonata n. 1, ou à autonomia composicional da Sonata n. 3, obra libertadora dos preceitos ou métodos composicionais que fizeram parte da formação de Penalva. A introdução com caráter de abertura apresenta sinteticamente o material sonoro básico sobre o qual os demais temas e motivos serão derivados. É uma espécie de resumo que serve de guia composicional, mas que, em função da sua qualidade musical, passa a fazer parte estrutural das seções de exposição, transformando-as em tritemáticas, ao invés de bitemáticas (A e B), como propõe o esquema tradicional da forma sonata clássica. A Sonata n. 2 (1960) foi considerada pelo compositor um exercício de composição. É de fácil compreensão e, para um compositor que buscava romper com a tradição composicional, escrever uma obra com claras alusões ao modalismo e às funções harmônicas do tonalismo dentro da forma sonata clássica poderia ser uma atitude considerada por ele próprio como heresia. No entanto, o afastamento das práticas tradicionais pode ser observado na ampla utilização de dissonâncias e na presença do antípoda, em substituição à cadência V-I, usual do tonalismo. Outra característica é a utilização de elementos que geram ambiguidade sonora, dificultando a definição de uma linguagem musical específica para a obra: tonal ou modal? Na realidade nem um, nem o outro, mas ambos. A análise evidenciou relações harmônicas tradicionalmente tonais, sobrepostas a estruturas escalares e harmônicas modais, somadas às tentativas de desvios desses dois sistemas, com a inserção de passagens bi-tonais, dissonâncias agregadas e clusters. Esses elementos somados ao longo dessa Sonata parecem refletir uma expansão idiomática que Penalva aprimorou ao longo de sua carreira composicional e que poderá ser investigada em estudos sobre obras posteriores a essa Sonata.

REFERÊNCIAS BOJANOSKI, S.; PROSSER, E. S. José Penalva: Uma vida com a batina e a batuta. Curitiba: Unificado, 2006. 144

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CADWALLADER, Allen; GAGNÉ, David. Analysis of Tonal Music: A Schenkerian Approach. New York: Oxford University Press, 1998. COOK, Nicholas. A Guide to Musical Analysis. New York: Oxford University Press, 1987. FREGONEZE, C. C. A Obra Pianística do Padre José de Almeida Penalva. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992. GONÇALVES, Alexandre. As três sonatas para piano de José Penalva: uma abordagem analítico- interpretativa. 2009. 139 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música, Florianópolis, 2009. Disponível em: . GONÇALVES, Alexandre; BARROS, Guilherme S. O Dodecafonismo na Sonata n. 1 de José Penalva. In: Anais do XVIII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO (ANPPOM), Salvador, 2008. OWEN, Harold. Modal and Tonal Counterpoint: From Josquin to Stravinsky. Schirmer: Belmont, 1992. PAZ, Ermelinda A. O Modalismo na Música Brasileira. Brasília, Editora Musimed, 2002. PENALVA, J. História da Música. Curitiba: Associação Cultural Avelino Vieira, 1991, 90 p. PROSSER, E. S. Um olhar sobre a música de José Penalva: Catálogo Comentado. Curitiba: Champagnat, 2000. ROSEN, Charles. Sonata Forms. Ed. rev. New York: W. W. Norton, 1988.

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Parte II Música e Músicos no Paraná, v. 1 Curitiba: Ed. ArtEmbap, 2014

O IV FESTIVAL PENALVA E A III MOSTRA DE MÚSICA PARANAENSE Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012

Dra. Elisabeth SeraphimProsser1 Universidade Estadual do Paraná/ Escola de Música e Belas Artes do Paraná Coordenadora Geral do evento [email protected]

Resumo O IV Festival Penalva e a III Mostra de Música Paranaense, ao mesmo tempo que lembraram a memória e o legado do sacerdote e músico José de Almeida Penalva, permitiram conhecer numerosas obras compostas no Estado. Foram apresentadas peças de mais de quarenta compositores, com a participação de orquestras, coros, grupos de câmara e solistas. O resultado foi um panorama que abrangeu música popular e erudita, em estilos que vão do tradicional ao contemporâneo que, juntamente com as obras executadas nos Festivais anteriores, permitem vislumbrar a qualidade e a amplitude dessa música.

Palavras-chave: Festival Penalva; Mostra de Música Paranaense

THE IV PENALVA FESTIVAL AND THE III PARANÁ’S MUSIC EXHIBITION Curitiba, October 23 to 29, 2012

Abstract The IV Penalva Festival and the III Paraná’s Music Exhibition recalled the memory and legacy of the priest and musician José de Almeida Penalva, as well as allowed the audience to hear numerous works composed in the state of Paraná (South Brazil). Works of more than fourty composers were presented, with the participation of orchestras, choirs, chamber groups and soloists. The result was an overview of popular or classical music, in styles ranging from traditional to contemporary, which together with the works executed in previous Festivals, gave a glimpse on quality and breadth of music composed in Paraná.

Keywords: Penalva Festival; Paraná’s Music Exhibition

1Musicista, Musicóloga, Historiadora Social da Arte Paranaense, Professora e Pesquisadora da Unespar/Embap, Organizadora do Acervo da Música Paranaense, Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia - Linha de pesquisa: Música Paranaense; Coordenadora Geral do IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense.

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Desde 2002, amigos, colegas, ex-alunos do Pe. José de Almeida Penalva, cmf2, (Campinas/SP, 1924 – Curitiba/PR, 2002)3 e outros músicos e pesquisadores se reúnem em torno do seu nome, da sua lembrança e da sua obra. Esses eventos transformaram-se nos Festivais Penalva & Mostras da Música Paranaense, que vêm sendo realizados desde o seu falecimento e que congregam, a cada edição, importantes compositores e intérpretes. Um dos mais importantes compositores brasileiros da segunda metade do século XX, José Penalva, como assinava suas obras, tornou-se figura emblemática da composição no Estado. Autor de uma obra inovadora e expressiva, escreveu desde música de câmara e peças solísticas até obras corais, orquestrais e corais-orquestrais. Nos dez anos do seu falecimento, em 2012, a comunidade musical de Curitiba e do Brasil rendeu uma homenagem especial a esse mestre que ensinava pelo seu exemplo e que, de acordo com inúmeros depoimentos de seus colegas e alunos, deixou tanta saudade. Os Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense, além de celebrarem a memória e o legado do mestre, abrem-se em uma perspectiva mais ampla ao difundir a música escrita no Estado, dando a conhecer antigos e novos compositores. São artistas, compositores, professores, estudantes, pesquisadores e interessados, que se reúnem para, juntos, compartilharem esse universo tão pouco explorado. No Festival de 2012, foram sete dias de intensa programação, em diversos espaços de Curitiba, com concertos, mesas- redondas, palestras, missa in memoriam e a exposição do seu acervo. A obra de José Penalva é considerada por muitos como monumental, não apenas pela quantidade de composições, mas principalmente pela sua originalidade e qualidade. Sua produção, ao mesmo tempo universal e brasileira (refere-se tanto a elementos característicos da música e da poesia brasileiras e quanto às mais ousadas linguagens da Vanguarda e da Pós-Vanguarda), temporal e atemporal (estabelece uma síntese entre estilos e valores do passado e do presente) é densa em significados, extremamente expressiva e, em outros momentos, cheia de humor inteligente e sincero.

2 cmf, em minúsculas, é uma sigla usada pelos sacerdotes da ordem a que o Pe. Penalva pertencia e significa Cor Maria Filius (Filho do coração de Maria). 3 Sacerdote, compositor, professor, regente, musicólogo e teólogo, Penalva residiu em Curitiba por quase toda a sua vida e teve como principais instituições de atuação, de um lado, o Studium Theologicum e a Igreja Imaculado Coração de Maria e, de outro, a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, hoje Campus I da Universidade Estadual do Paraná. 148

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Como professor Penalva era criterioso, sempre atualizado, de pensamento inovador e crítico, exigente, mas amigo; como regente, buscava invariavelmente a perfeição, seja na afinação seja na expressividade e na sonoridade; como escritor – teólogo e musicólogo – fazia profundas reflexões muitas vezes questionadoras, humanas e ousadas, outras didáticas... O rigor com que abordava qualquer tema e o estabelecimento de altos parâmetros em tudo o que fazia tornaram-no exemplo para os seus contemporâneos. Fizeram dele, também, um ícone da composição e da música no Paraná. Por esses e tantos outros motivos, foi criado, além do Festival que leva o seu nome, o Prêmio Penalva, que é outorgado a músicos paranaenses de reconhecida contribuição para a cultura brasileira. Foram premiados o compositor Alceo Bocchino (2004), a pianista, cravista e organizadora cultural Ingrid Müller Seraphim (2011) e a pianista e organizadora cultural Henriqueta Garcez Duarte (2011). Em 2012, recebeu o prêmio o músico, pesquisador e folclorista Inami Custódio Pinto, por sua atuação na preservação e na divulgação do fandango caiçara, dança e música do litoral do Estado. Desse último Festival participaram mais de trezentos músicos divididos em orquestras, coros, grupos de câmera e solistas, em várias salas de concerto da cidade. Nos dezoito eventos realizados, houve estreias de obras, algumas escritas especialmente para a ocasião, o que revela o papel desse evento não apenas de incentivo à difusão e à pesquisa desse repertório, mas de fomento à criação. Foram tocadas obras de mais de quarenta compositores, abrangendo um século e meio de música, perpassando idiomas composicionais dos mais diversos. Por música paranaense ou de compositores paranaenses entende-se a música feita no Estado. Trata-se da produção de artistas nascidos ali, ou de muitos originários de diferentes lugares e que adotaram o Paraná como residência, ou, ainda, de outros que nele residiram por algum tempo, desempenhando papel relevante para o estudo e a performance musical, a pesquisa poética em música e a criação, bem como para a formação de novas gerações de músicos e estudiosos. Outros, ainda, compuseram ali ocasionalmente, mas construíram carreiras como regentes, intérpretes, pesquisadores ou organizadores culturais. Como se trata de uma Mostra do que se compôs no Estado, todos têm seu lugar no evento.

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Assim, dentre os compositores que tiveram obras apresentadas no Festival de 2012, estão os reconhecidos Alceo Bocchino, José Penalva, Henrique de Curitiba, Bento Mossurunga, Brasílio Itiberê, Jaime Zenamon, Rodolfo Coelho de Souza, Chico Mello e Mauricio Dottori. Ao lado deles, destacam-se os jovens Felipe Ribeiro, Alexandre Brusamolim de Magalhães, Rodrigo Henrique de Oliveira, Willian Lentz, Daniel Vargas, Rogério Krieger, Márcio Steuernagel, James Corrêa e Fernando Deddos, entre outros4, com uma linguagem composicional própria, expressiva e consistente, e um conjunto de composições que já figuram entre as mais importantes no Estado. Ao lado deles figura uma geração de novos compositores, alguns ainda estudantes, que, pelo que se pôde constatar a partir das obras apresentadas, prometem uma produção de peso. Um quarto grupo é o de compositores que desempenharam um importante papel no seu tempo e que, injustamente, foram esquecidos. Uma das funções dos Festivais & Mostras é o resgate da produção e da memória de artistas como, neste Festival de 2012, Benedito Nicolau dos Santos e Rodrigo Herrmann. O Quadro 1, a seguir, lista os compositores que tiveram obras apresentadas ou debatidas no IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense.

Quadro 1 - Compositores paranaenses com obras apresentadas ou estudadas no IV Festival Penalva & III Mostra da Música no Paraná, 2012 Adriano G. Sviech Daniel Vargas Luiz Cláudio Ribas Ferreira Alan Rafael Medeiros Douglas G. Bertoncello Marcelo Oliveira Alceo Bocchino Enzo Fonseca Veiga Márcio Steuernagel Alexandre Brasolim de Magalhães Ezidemar Siemiatkouski Maria Paz Villahoz Ana Carolina de Lima Felipe de Almeida Ribeiro Maurício Dottori Andras J. Ellendersen Fernando Deddos Rodolfo Coelho de Souza Audryn Souza Gabriel Jungles Rodrigo Henrique de Oliveira Benedito Nicolau dos Santos Helma Haller Rodrigo Herrmann Bento Mossurunga Henrique de Curitiba Rogério Krieger Brazílio Itiberê Inami Custódio Pinto Victor Lazzarini Carlos Assis Jaime Zenamon Vinícius Giusti Carolina Cesconetto James Corrêa William Hegenberg Chico Mello José Penalva Willian Lentz Cláudio Menandro Juliana Gomes Wilson Moreira Daniel Migliavacca Julião Boêmio Fonte: Elaborada pela autora a partir da programação completa do evento.

4 Outros compositores que fazem parte deste e de outros grupos estão listados no Quadro 1. 150

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Apesar do grande número de compositores participantes do evento, outros ainda estão por ter suas obras apresentadas. O Festival espera contar com essas obras nas próximas edições, tornando o conjunto dos Festivais & Mostras um tempo e lugar não apenas de um progressivo “conhece-te a ti mesmo”, no que tange à história da música feita no Paraná, mas um campo profícuo de discussão e criação, ao mesmo tempo que uma possibilidade de mapeamento dessa música. Nos anos anteriores, além de alguns dos quarenta e quatro compositores citados (Quadro 1), foram executadas obras de outros quarenta e quatro autores (curiosa coincidência), como demonstra o Quadro 2. Somados aos que participaram do último Festival & Mostra de 2012, são quase cem compositores atuantes no Estado.

Quadro 2 – Outros compositores que tiveram suas obras apresentadas nos Festivais Penalva anteriores Adailton Pupia Fernando Nicknich Leonardo Gorosito Alexandre Torres Fernando Riederer Letícia Lass Bernadete Zagonel Gilberto Stefan Lucas Araujo Melo Bernardo Cardeal Guilherme Campos Luis Henrique Sierakowski Bernardo M. Duarte Gisele Regina Malon Luiz Eulógio Zilli Brazílio Itiberê II Gustavo Alencar Norton Dudeque Carmo Bartoloni Harry Crowl Octávio de Camargo Daniel Miranda Hélcio Müller Osmário Estevam Jr. Eduardo Cáceres Henrique Bérgamo Osvaldo Ferraz Eduardo Frigatti Herculano Sávitri Renée Devraine Frank Elizabeth Fadel João Egashira Ricardo Petracca Emanuel Martinez João Guilherme Dick Rodolfo Richter Fabio Gottschild João José de Félix Pereira Sérgio Albach Fabrício Mattos João Ramalho Sólon de Albuquerque Mendes Fernando Garcia Joaquim Rebollo Thiago Portela Fonte: Elaborada pela autora a partir dos I a III Festivais Penalva & I e II Mostras de Música Paranaense, realizados em 2003, 2004 e 2011.

Assim, com estilos que vão do Nacionalismo à Vanguarda e à Pós-Vanguarda, da música de raiz à música popular e erudita, da tonalidade à música atonal, concreta e eletrônica, com o uso de instrumentos tradicionais e instrumentos acusmáticos e suas combinações, os Festivais &Mostras revelam concepções diversas e até contrastantes, permitindo conhecer parte do que se compôs no passado e no presente. Possibilitam, ainda, distinguir algumas das tendências estilísticas que certamente se farão ouvir nos próximos anos. Os Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense, inspiraram a criação, a partir de 2012, do Acervo da Música Paranaense (Unespar/Embap), vinculado à Biblioteca da

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Embap, e do Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia/Linha de pesquisa: Música Paranaense (CNPq/Unespar/Embap). Os três formam, assim, um tripé:  Os Festivais & Mostras oferecem aos compositores, intérpretes, estudiosos e ao público, a performance da música, sua fruição, sua difusão como fenômeno sonoro, acessível à academia e aos ouvintes de modo geral;  O Acervo pretende a guarda e a disponibilização das obras e das pesquisas realizadas, com vistas à coleta de todo tipo de documento relativo à música no Estado com a preservação do material existente, possibilitando sua execução, divulgação e pesquisa em arte e em áreas afins (sociologia, história, antropologia, políticas etc.); e  o Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia, com sua linha de pesquisa Música Paranaense (CNPq/Unespar/Embap), contribui para a construção de um corpo teórico, historiográfico e analítico sobre os vários fazeres musicais no Estado nos seus muitos aspectos. Os três se retroalimentam, permitindo que se preserve a memória da música, dos músicos e das instituições envolvidas, que se vislumbre a amplitude dessa música e que se elabore, paulatinamente, o perfil da atividade composicional no Estado. Nesse sentido, o IV Festival Penalva e a III Mostra de Música Paranaense foram especialmente ricos, como se nota pela íntegra da programação do evento, exposta a seguir, juntamente com os textos de homenagem a José Penalva e Inami Custódio Pinto, que fizeram parte do libreto distribuído na ocasião.

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DA MINHA ALDEIA...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Fernando Pessoa

Esse é o princípio do Festival Penalva: partindo da nossa particularidade, do nosso chão, celebrar o universo. Sob a aura de um artista que inspirou músicos da região e do resto do país, o Festival Penalva atinge sua quarta edição e firma-se como referência regional, unindo jovens talentos a artistas consolidados no meio musical. Festeja a música em todas as nacionalidades, sem deixar de lado a de raiz paranaense. É a música atravessando fronteiras e firmando-se como linguagem universal, como parte da carne do universo. O Festival Penalva é um momento de encontro da diversidade de vozes e cores da música. É com imensa satisfação que a Embap promove e realiza o IV Festival Penalva/III Mostra de Música Paranaense, com uma estreia muito especial: a criação do grupo de pesquisa Estudos em Musicologia, linha de pesquisa Música Paranaense e do Acervo da Música Paranaense, liderados pela professora e musicóloga Elisabeth Seraphim Prosser. Esses núcleos darão um impulso maior a nossos estudiosos da música e, o mais importante, fomentará novos talentos. Para isso, acredito que o maior desafio que o grupo tem a enfrentar é dar conta dos três pressupostos apontados por Wally Salomão sobre o processo criativo: “tomar uma boa talagada de inconformismo cultural-ético-político-social, evitar a arapuca armada do folclore e destravar a armadilha preparada pelo esteticismo”. Desafio posto, celebremos a música!

Profa. Dra. Maria José Justino Texto de abertura do folder com a programação completa do IV Festival Penalva/ III Mostra de Música no Paraná Diretora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná Campus I da Universidade Estadual do Paraná

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DEZ ANOS SEM JOSÉ DE ALMEIDA PENALVA, cmf (1924-2002)

Pe. Dr. Jaime Sánchez Bosch, cmf Diretor do Studium Theologicum

O Festival Penalva alcança já a quarta edição e marca mais uma vez o ritmo da vida cultural de Curitiba e do Paraná, fruto de um sentimento compartilhado de gratidão, amizade e admiração pelo mestre. Parece que o espírito generoso, alegre e dedicado de Penalva continua a pairar no nosso meio, suscitando sempre novas manifestações de amor à música e do gosto de “fazer juntos”. O Festival tem muitos protagonistas, todos entusiastas, e se torna realidade graças a um esforço discreto e persistente de pessoas dispostas a dar tudo para que todos possamos ter momentos de íntima fruição e lembrança de alguém que continua presente em todos nós. A todos o nosso mais profundo agradecimento.

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INAMI CUSTÓDIO PINTO, PRÊMIO PENALVA 2012

Dr. Edwin Pitre Vásquez Etnomusicólogo Universidade Federal do Paraná, DeArtes

A Cultura Popular é a manifestação espontânea dos povos e tem sido objeto de estudo, já desde o século XX, pela academia – inicialmente por interessados e posteriormente por pesquisadores que observaram nela valores, sentidos, significados, práticas, calendários relevantes não só para os diferentes grupos que nela estavam representados como também para as análises que a cultura requer. Um desses pesquisadores foi o professor Inami Custódio Pinto. Curitibano, desde jovem interessou-se pelas expressões artísticas e culturais do Paraná e dedicou-lhes sua trajetória docente e artística. Foi professor de várias gerações de paranaenses, brasileiros de outras latitudes e estrangeiros que por aqui passaram, em instituições como a Faculdade de Educação Musical do Paraná, o Instituto de Pesquisa do Paraná e o Grupo de Dança Folclórica Paranaense. Dirigiu o Gabinete de Etnografia do Museu Paranaense e a Divisão de Folclore e Pesquisas Históricas do Museu da Imagem e Som do Paraná. Foi apresentador da TV Educativa do Paraná e produtor fonográfico das gravadoras Continental, Copacabana e Chantecler. Como compositor, tem mais de uma centena de obras publicadas e gravadas. O professor Inami está entre o grupo de brasileiros que entendeu ser o estudo das manifestações populares do país fundamental para definir questões identitárias brasileiras. Nesse grupo estão Mário de Andrade e Luíz da Câmara Cascudo. Ele direcionou sua pesquisa ao Estado do Paraná, onde diversas manifestações estavam presentes. Este território com características diferenciadas, uma região do povo guarani, onde também se estabeleceram quilombos, aliados aos processos colonizadores portugueses e espanhois, além de alemães, poloneses, japoneses, ucranianos e de outras etnias, constitui aos olhos de um pesquisador atento um desafio enorme. Suas obras maiores atestam a amplitude e a importância da sua produção. Publicou, entre outras, Folclore no Paraná, Folclore, Folpar – Curso de Folclore, Curso de Introdução aos Estudos de Folclore, Fandango do Paraná e Folclore: Aspectos Gerais.

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Participou, ainda, como co-autor em Tocadores, Fandango de Mutirão e A [Des]Construção da Música Paranaense. Suas obras e entrevistas são referência em publicações nacionais e internacionais. Recebeu várias homenagens pelo conjunto da sua produção. Sua sensibilidade sutil, seu senso agudo como etnógrafo e seu olhar crítico como cientista fizeram de Inami Custódio Pinto um paranaense ilustre próximo do seu povo.

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CONCERTO DE ABERTURA

Abertura e Ato de Criação do Acervo de Música Paranaense da Embap Maria José Justino – Diretora da Embap (Unespar, Campus I) Pe. Jaime Sánchez Bosch – Diretor do Studium Theologicum Elisabeth Seraphim Prosser – Coordenadora Geral do evento

Wilson Moreira Crepúsculo

Claudio Menadro Chocolate

Daniel Migliavacca Choro doce

Julião Boêmio Cafezinho na cozinha

Luiz Cláudio Ribas Valsa serenata Ferreira

Bento Mossurunga Curitiba

Grupo de Choro de Curitiba Flauta: Ana Paula Peters. Cavaquinho: Emerson Vieira Violão de sete cordas: Diego Coelho Pandeiro: Joãozinho do Pandeiro

INTERVALO

Rodolfo Coelho de Souza Colorless Green Ideas Sleep Furiously para piano e eletroacústica

José Penalva Percussão I Narradores: Helen Tormina, Jonathan Lejur Grupo de Percussão da Embap Percussão: Juliana Ignatowics, Juliano Mendes de Freitas, Leonardo Rodrigues da Silva, Paulo Demarchi. Piano: Carmen Célia Fregoneze Direção: Paulo Demarchi

Terça-feira, 23 de outubro, 20h Capela Santa Maria

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MESA-REDONDA I CONCERTO DE MÚSICA DE CÂMARA I Penalva: inovação e desdobramentos Moderador: Dr. Orlando Fraga Andras J. Ellendersen Dentro de nossas colmeias, para piano * Piano: Andras J. Ellendersen Abertura Dr. Pe. Jaime Sánchez Bosch (Studium Theologicum) Henrique de Curitiba Pequena Suíte Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Unespar/Embap) Movido com graça Bem marcado e vivo A renovação conciliar e a música litúrgica: a contribuição do Pe. Penalva Suave e expressivo Dr. Pe. Márcio Luiz Fernandez (Studium Theologicum) Balançado: quase caipira

Sonatina nº 1 Doxologia (in memoriam Pe. José Penalva) – Memorial descritivo Amavelmente Gabriel Jungles (Unespar/Embap) Sarapateando

Penalva, um 'pomo' na música popular: José Penalva Mini Suíte nº 1 análise das técnicas de composição empregadas no arranjo de Carinhoso Introdução Mestrando Eduardo Frigatti (UFPR) Ciranda Modinha Uma revisão da historiografia que tratou de José Penalva Valsa Deise Maria de Lima (Ceuclar) Piano: Daniela Tsi Gerber

Quarta-feira, 24 de outubro, 14h Mini Suite nº 2, para piano a quatro mãos Embap Cana varde Ponteio Sincopado Piano: Ralph Biscouto, André Luiz Feltrin

INTERVALO

Fernando Deddos Rabecando, para trompete solo

(original para Eufônio) “Passei pela Vanguarda. Vivi e me decidi por ela. Depois, me apaixonei pela Pós-

Vanguarda, que significou uma revolução contra o exclusivismo da Vanguarda. Hoje estamos Cláudio Menandro Capelinha num paraíso: cada um pode compor da maneira que quiser: pode-se escrever um acorde perfeito ao lado de um cluster, empregar melodias folclóricas dentro de um tecido atonal! Audryn Souza Marumbiando Durante muito tempo escrevi música não figurativa que nem eu mesmo entendia – uma Duonovo música hermética. Hoje prefiro uma música que comunique, que atinja. Acho que a música Violão: Francisco Luz. Trompete: Audryn Souza tem que passar emoção. Eu mesmo sou assim: eu preciso da emoção, eu sinto emoção! Sempre usei todos os meios novos não por eles mesmos, mas subjugando-os à ideia, ao Marcelo Oliveira Brasilidade texto, à mensagem. As novas técnicas servem para aumentar a palheta, os recursos usados em direção a este objetivo maior que é a ideia.” Rodrigo Henrique de Vara de Marmelo Oliveira Clarineta: Marcelo Oliveira José Penalva, 1993 Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira

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Henrique de Curitiba Bolero, para percussão, 2 flautas e piano Willian Lentz Vishuddha * Transcr. e arr. didático: Denise Silvia Borusch Moderado Lento José Penalva Mozartiana, para 2 flautas e piano a quatro mãos Agitado Transcr. e arr. didático: Denise Silvia Borusch e Luciana Hilzendeger Ezidemar Siemiatkouski A Desesperação do Getsêmani * Percussão: Luciana Hilzendeger Desconsolo Flautas: Ana Salgado, Rachel Siebert Súplica Piano: Anne Marques Catarin, Luísa Arias Zendim Fiat Voluntas Tua

Douglas G. Bertoncello Transfigurações * Quarta-feira, 24 de outubro, 16h30 Embap * estreia William Hegenberg Vida e Morte do Rei Daros * As grandes conquistas Enquanto o povo festeja a vitória, o rei, CONCERTO envenenado, sofre alucinações em seu próprio leito e dá seu último suspiro Alceo Bocchino Variações para fagote e orquestra, sobre o tema Acabrunhado Funeral A Boneca Italiana Quebrada, da Suíte Miniatura – Ballet, (red. para fagote e piano) Orquestra de Cordas da Embap Duo Bark Regência: Roberto Hübner Fagote: Jamil Bark. Piano: Josely Bark Quarta-feira, 24 de outubro, 20h Carlos Assis Trio para saxofone, violino e piano Capela Santa Maria * estreia Violino: Bettina Jucksch. Saxofone: Rodrigo Capistrano ______Piano: Carmen Célia Fregoneze MESA-REDONDA II Willian Lentz Tekowa, para orquestra de violões A música paranaense sob o olhar da musicologia histórica e da etnomusicologia Moderador: Dra.Elisabeth Seraphim Prosser José Penalva Três Momentos, para orquestra de cordas Transcr. e adapt. para orquestra de violões: Willian Lentz Possibilidades da crítica na música paranaense Ponteio - misterioso Drando. Daniel Binotto (Embap - U. Chile - UTDT) Lied - andante expressivo Inami Custódio Pinto Rondó - agitato Dr. Edwin Pitre Vásquez (UFPR/DeArtes) Músico convidado: Contrabaixo: Anton Pohl

Orquestra de Violões da Embap Benedito Nicolau dos Santos: compositor, maestro, professor e intelectual Regência: Willian Lentz Angela Cristina Lorenzzoni (Unespar/Embap)

INTERVALO Opereta A Vovozinha: pioneirismo e crítica na Curitiba do início do século XX

Esp. Gehad Hajar (Facinter) Premiação das obras vencedoras do

III Concurso de Composição Renée Devrainne Frank, Embap, 2012 Quinta-feira, 25 de outubro, 14h Juliana Gomes Fuga dos piratas * Embap

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CONCERTO DE MÚSICA DE CÂMARA II CONCERTO DA ORQUESTRA FILARMÔNICA DA UFPR

José Penalva Abertura: Frevo, Coral e Fuga, para orquestra Alceo Bocchino Que Coisa... , para flauta, canto e piano * Introdução Texto: Gabriel de Lucena Soprano: Bruna Borges. Flauta e saxofone: Marcelo Oliveira Frevo Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira Coral Fuga Seresta Suburbana Maurício Dottori Sonâmbulas as flores conservam pelo dia as noites Alexandre Brasolim Contradança para flauta e pequena orquestra * de Magalhães (Obra comissionada pela Universidade Federal do Paraná, em comemoração aos seus cem anos de fundação) Flauta: Valentina Daldegan Rogério Krieger Quarteto Tritemático * Regência: Márcio Steuernagel Allegro quase latino Andante Notívago Carlos Gomes Sonata para cordas "O Burrico de Pau" Refega e trabuzana (ventania e trovoada) Allegro animato Quarteto Mousiké Scherzoso Violinos: Consuelo Froehner, Christianne K. Duarte Largo Viola: Anadgesda Guerra. Violoncelo: Klaiton Laube Allegro - O Burrico de Pau Regente convidado: Isaque Lacerda INTERVALO Orquestra Filarmônica da UFPR Ezidemar Siemiatkouski Três Miniaturas Diretor Artístico: Harry Crowl Miniatura nº 1 (piano) Regente Titular: Márcio Steuernagel Miniatura nº 2 (piano) Miniatura nº 3 (flauta e piano) Flauta: Marco Aurélio Koentopp Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira

Ezidemar Siemiatkouski A árvore só, para quarteto de saxofones Saxofones alto: Alcides de Jesus, Josiel Nascimento. Saxofone tenor: Elizeu da Silva Saxofone barítono: Kleber Castro dos Anjos

Quinta-feira, 25 de outubro, 16h30 Quinta-feira, 25 de outubro, 20h Embap Canal da Música * estreia * estreia 6 7

RECITAL COMENTADO Alan Rafael Medeiros Reflexões nº 2 AGNUS DEI Flauta: Marco Aurelio Koentopp. Violino: Rafael Semtchuk. Homenagem a Penalva (sacerdote, músico e mestre) Piano: Douglas Bertoncello

Adriano G. Sviech Balaio de gato Johann Sebastian Bach Suite Inglesa nº 3, em Sol m, BWV 808 Saxofone Barítono: Adriano G. Sviech Prélude Piano: Márcio Lopes Vieira Allemande Courante INTERVALO Sarabande Gavotte 1 Gavotte 2 Douglas Bertoncello Gato dentre ratos Gigue Contos Imperiais Piano: Douglas Bertoncello José Penalva Nova et Vétera Fugheta Enzo Fonseca Veiga Nocente Saudade Mozartiana Canto: Ornella de Luca. Piano: Enzo Fonseca Veiga

Diálogos Rodrigo Henrique Cupcake de Oliveira Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira Piano: Salete Chiamulera Ana Carolina de Lima DiaOstinado Sexta-feira, 26 de outubro, 16h30 Carolina Cescanetto Canto: Ana Carolina de Lima, Carolina Cescanetto Embap Flauta: Olaf Thiessen. Piano: Rodrigo Henrique de ______Oliveira. Violoncelo: Lucas Guédes Percussão: Jean Felipe Pscheidt CONCERTO DOS ALUNOS DO CURSO SUPERIOR DE COMPOSIÇÃO E REGÊNCIA DA EMBAP Bonfim * Maria Paz Villahoz Destellos de Infancia Contratenor: Jean Carlos Gorges Piano: Maria Paz Villahoz Piano: Enzo Fonseca Veiga

Gabriel Jungles Três valsas para violão Carolina Cesconetto O Gato Valsa nº 1 em Mi menor Coral do Curso de Composição e Regência Embap 2012 Valsa nº 2 em Si menor Regência: Enzo Fonseca Veiga Valsa nº 3 em Lá menor Coordenação: Prof. Marco Aurélio Koentopp Willian Lentz Wae'rã Violão: Willian Lentz

Sexta-feira, 26 de outubro, 16h30 Embap * estreia 8 9

CONCERTO DA CONCERTO CAMERATA ANTIQUA DE CURITIBA VÓRTEX DE JOVENS COMPOSITORES

Henrique de Curitiba Cantigas do Bem Querer, para soprano solo, coro, Felipe de Almeida Ribeiro Vertigem Quimérica * orquestra de cordas e piano Violão: Daniel Vargas, Eric Moreira Versos de Cassandra Rios Live-electronics: Felipe de Almeida Ribeiro Chove! No mar Daniel Vargas Qualhacôco * Se me disseres Violão: Daniel Vargas, Eric Moreira Interlúdio 1 (orquestra de cordas) Fecha os olhos (piano e coro a cappella) James Corrêa As Cidades de Calvino I: as cidades e a memória Eu te vi (ária de soprano) Difusão estereofônica: Felipe de Almeida Ribeiro Interlúdio 2 (orquestra de cordas) Final: Poeta e Cancioneiro INTERVALO

José Penalva Provérbios, para coro misto Victor Lazzarini Noctilucent Clouds Três momentos, para orquestra de cordas Difusão estereofônica: Felipe de Almeida Ribeiro Ponteio - misterioso Lied - andante expressivo Vinícius Giusti Eco di Kolongala Rondó - agitato Difusão quadrifônica: Felipe de Almeida Ribeiro

Jaime Zenamon Curitiba tecida pelos povos, Op. 157 * Márcio Steuernagel Introducing Elliott Carter (Obra comissionada para a Camerata Antiqua de Curitiba) Flautas: Fabrício Ribeiro, Sílvio Jackel Neto Alemanha - Der Fluss des Lebens (O rio da vida) Texto de Friedrich Nietzsche Coordenação: Prof. Felipe de Almeida Ribeiro Itália - Nel mezzo del cammin (No meio do caminho) Texto de Dante Alighieri Polônia - Pobtogostaw te ziemie (Abençoa essas terras) Texto de Maria Konopnicka Ucrânia - Búdu písniu vessélu spiváth (Uma alegre canção vou cantar) Texto de Lessia Ukrainka Curitiba - Deixa-se a vida Texto de Jaime Zenamon

Camerata Antiqua de Curitiba Regência: Norton Morozowicz

Sexta-feira, 26 de outubro, 20h Sábado, 27 de outubro, 16h30 Capela Santa Maria SESC Paço da Liberdade * estreia * estreia 10 11

CONCERTO DA MISSA EM MEMÓRIA DO PADRE JOSÉ PENALVA, cmf CAMERATA ANTIQUA DE CURITIBA Presidida pelo Pe. Marcos Aurélio Loro, cmf

Henrique de Curitiba Cantigas do Bem Querer, para soprano solo, coro, orquestra de cordas e piano Nunes Garcia/ Penalva Moteto para a Procissão da Ressurreição Versos de Cassandra Rios (Canto de Entrada) Chove! No mar Henrique de Curitiba Missa Breve, Senhor (Kyrie) Se me disseres Alleluia, Amen (Aclamação) Interlúdio 1 (orquestra de cordas) Fecha os olhos (piano e coro a cappella) José Penalva Ofertório (O pão vai converter-se) Eu te vi (ária de soprano) (Canto de Ofertório) Interlúdio 2 (orquestra de cordas) Final: Poeta e Cancioneiro Helma Haller Pater Noster (Pai Nosso)

José Penalva Provérbios, para coro misto Henrique de Curitiba Missa Breve, Cordeiro de Deus (Agnus Dei)

Três momentos, para orquestra de cordas Rodrigo Herrmann Tantum Ergo (Canto de Comunhão) Ponteio - misterioso Ave Maria (Pós Comunhão) Lied - andante expressivo Laudate Dominum (Canto Final) Rondó - agitato José Penalva Benedicamus Domino (Canto Final)

Jaime Zenamon Curitiba tecida pelos povos, Op. 157 * Collegium Cantorum (Obra comissionada para a Camerata Antiqua de Curitiba) Regência: Helma Haller Alemanha - Der Fluss des Lebens (O rio da vida) Madrigal Vocale Texto de Friedrich Nietzsche Regência: Bruno Spadoni Itália - Nel mezzo del cammin (No meio do caminho) Órgão: Alexander de Lara Texto de Dante Alighieri Piano: Ana Cristina Calderón Polônia - Pobtogostaw te ziemie (Abençoa essas terras) Texto de Maria Konopnicka Ucrânia - Búdu písniu vessélu spiváth (Uma alegre canção Domingo, 28 de outubro, 19h vou cantar) Igreja do Imaculado Coração de Maria Texto de Lessia Ukrainka ______Curitiba - Deixa-se a vida Texto de Jaime Zenamon EXPOSIÇÃO DO ACERVO PE. JOSÉ PENALVA

Camerata Antiqua de Curitiba Coordenação: Pe. Jaime Sánchez Bosch, cmf, Edgar Serrato Regência: Norton Morozowicz

Sábado, 27 de outubro, 18h30 Domingo, 28 de outubro, 20h Capela Santa Maria Museu Claretiano de Curitiba * estreia 12 13

MESA-REDONDA III CONCERTO DE ENCERRAMENTO Aspectos investigativos e didáticos em obras de Penalva e HOMENAGEM e ENTREGA DO PRÊMIO PENALVA a Henrique de Curitiba Inami Custódio Pinto Moderador: Dr. Orlando Fraga Bento Mossurunga Duas canções paranaenses Peças didáticas para piano de Henrique de Curitiba [Morozowicz] Bom dia Paraná Dra. Ingrid Barancoski (Unirio) Pintassilgo do Pinheiro

Aspectos didáticos da obra pianística de José Penalva Brasílio Itiberê Contemplação Henriqueta Garcez Duarte (Unespar/Embap) Epigrama

As apostilas de Penalva sobre a música do século XX: Henrique de Curitiba Meus oito anos sistematização didática em tempo real Soneto de amor Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Unespar/Embap) José Penalva As cataratas do Seu Leopoldo Manchuono Segunda-feira, 29 de outubro, 14h Ibimus in nemora

Embap Collegium Cantorum Regência: Helma Haller Piano: Ana Cristina Lago RECITAL DE PIANO SOLO Violão: Luiz Cláudio Ribas Ferreira

Alceo Bocchino Sapo Jururu (Acalanto) Pixinguinha e Carinhoso Boi Barroso Braguinha Arr. José Penalva Sonatina Doméstica Allegro Edmundo Souto e Cantiga por Luciana Lento com simplicidade Paulinho Tapajós Arr. José Penalva Allegretto Sérgio Bittencourt Modinha Henrique de Curitiba Três peças consequentes Arr. José Penalva Ponteio-Fantasia Variações Frère Jacques Flávio Venturini e Nascente Murilo Antunes Arr. Chico Mello José Penalva Sonata nº 1 (Seresta e Desafio) Sonata nº 3 José Penalva Mini Suíte Arlequim Allegro Andante Madrigal Vocale Agitato - Rondó Regência: Bruno Spadoni

José Penalva Tutu Marambá, para dois coros * Piano: Ingrid Barancoski Madrigal Vocale, Collegium Cantorum

Regência: Helma Haller Segunda-feira, 29 de outubro, 16h30

Embap INTERVALO 14

Alexandre Brasolim de As Quatro Estações * GRUPOS Magalhães (Obra comissionada pela Orquestra de Câmara da PUCPR, 2010) Madrigal Vocale Primavera (Cordas) Regência: Bruno Spadoni Verão (Cordas, bloco de madeira, tom tons Sopranos: Cristiane Alexandre, Karin Zwar, Mariana Spadoni, Sara Atiyeh Vianna, Virgínia médio e grave) Pimentel. Contraltos: Ana Maria Mello, Camila Lopes, Maria Cristina Figueiredo, Samira Outono (Cordas e piano) Haddad de Oliveira. Tenores: Marco Roberto dos Santos, Nilceu de Nazareno, Wander Inverno (Piano, prato suspenso e campana) Nascimento. Baixos: Ahilto Fontoura, Hudson Vianna Pereira, Paulo José da Costa.

Orquestra de Câmara da PUCPR Regência: Paulo Torres Collegium Cantorum Regência e Direção Artística: Helma Haller Agradecemos à Copel, à Conta Cultura e ao Governo do Estado do Paraná pelo patrocínio Maestrina Adjunta e pianista: Ana Cristina Lago do Collegium Cantorum neste Festival, e à Pontifícia Universidade Católica do Paraná pelo Sopranos: Evelyn Petersen, Karina Ochoa, Liana Fonteles, Maria Herrmann, Mariane Dück, da Orquestra da PUCPR. Viviane Kubo. Mezzosopranos: Ana Cristina Lago, Edcea Cristina Godinho, Glaucenira Marta, Nuana Werner. Contraltos: Elizabeth Kozak, Maria Madalena Wagner, Rosanair Franco. Segunda-feira, 29 de outubro, 20h Gerente de Projetos: Maria Herrmann Destefani. Preparação Corporal: Camila Jorge. Canal da Música * estreia ______Orquestra de Cordas da Embap Agradecimentos Regência: Roberto Hübner Violinos I: Juslei Borges da Silva, Gisele Borges da Silva, Maria Salgado, Allan Alencar Zago, Ao Pe. José de Almeida Penalva, cmf, por ter sido um exemplo maior como mestre, Gabriel Cabral e Souza, Lerry Gabriel Klitzke. Violinos II: Renan Wilkerson Corrêa, Liciê Martin, músico e professor para todos os que tivemos o privilégio de conviver com ele; por ter Camila Michelan, Victória C. Pan, Edilson Silverio Júnior, Renata Kely de Jesus. Violas: Orlielto propiciado a união fraterna de forças e objetivos em torno da música paranaense, de todos dos Santos, Caio Alexander Mey, Leonardo Caio Langrafe, Gabriel Biss de Alencar. Violoncelos: os que participam deste Festival; e por nos ter deixado uma música que falará para sempre Alzira Schmitt-Hübner, Pedro Álvares Szulak. Contrabaixos: Hely Souza Carvalho, Rodrigo a nós e aos que virão. Martins Ribeiro. Aos professores e pesquisadores convidados, por nos permitirem conhecer melhor a nossa história. Aos músicos que nos presenteiam com sua performance, pela sua generosidade e Orquestra de Violões da Embap o seu desprendimento. Regência: Willian Lentz Aos compositores paranaenses, por expressarem em sons aspectos da nossa Coordenação: Luiz Cláudio Ribas Ferreira identidade. Naipe I: Dayane Battisti (spalla), Cainã Rocha, Ederaldo Sueiro Junior. Naipe II: Francisco Luz A Fernando Calderari, por criar a imagem que personaliza o evento. (chefe de naipe), Alison Gelain, Anderson Zabrocki, Alan Fernando Pinto, Jaqueline À comissão organizadora, por ter tornado possível esta homenagem. Schibeloske. Naipe III: Walmor Boza (chefe de naipe), Alderi Habonski, Glaukus Jansson. Aos patrocinadores, por tornaram viável este esforço conjunto. Naipe IV: Jean Barcelos (chefe de naipe), Lurian Lima, Eric Henrique Moreira Evangelista, Às instituições que nos apoiam, por acreditarem na importância de um evento Haissam Hammoud Fawaz, Cristo Miguel de La Cruz, Rafaele Maria Andrade, Juliana Cristina dessa natureza e o realizarem conosco. TROCAR ORDEM DAS FRASES Gomes. Ao Grupo de Pesquisa em Música Paranaense (Unespar/Embap/CNPq), pelo seu apoio irrestrito e trabalho incansável. E a todos os que, de alguma forma, trabalharam para a realização das atividades, pela sua colaboração. 17 16

Camerata Antiqua de Curitiba Orquestra de Câmara da PUCPR Maestro Emérito Roberto de Regina Direção Musical e Regência: Paulo Torres Orquestra Coordenação: Marcos De Lazzari Violinos I: José Maurício Aguiar (spalla e diretor musical), Marco Damm (concertino), Atli Violinos I: Winston Ramalho, Rafael Ferronato, Carolina Ferreira, Simone Savytzky, Juliane Ellendersen, Martina Lohmann , Paulo Hübner, Adriano Vargas (convidado). Violinos II: Weingartner, Marcos De Lazzari. Violinos II: Atli Ellendersen, Paulo Hübner, Ricardo Molter, Francisco de Freitas Jr. (chefe de naipe), Moema Cit Meyer, Silvanira Bermudes, Vanessa Thomas Henning, Thalita Ferronato. Violas: Marcelo Lemos da Silva, Flávia Motta, Leila Savytzky Schiavon, Walter Hoerner . Violas: Flávia Motta (chefe de naipe), Aldo Villani, Tascheck, Aramis Mendes. Violoncelos: Adriane Savytzky, Romildo Weingartner, Péricles V. Helena Alice Carollo Damm, Roberto Hübner. Violoncelos: Faisal Hussein (chefe de naipe), Gomes. Contrabaixos: Maria Helena Salomão, Pablo Guiñez, Hélio Brandão. Piano: Davi Ivo Meyer, Thomas Jucksch. Contrabaixo: Pablo Guiñez (chefe de naipe), Martinho Lutero Sartori. Percussão: Luis Fernando Diogo. Klemann (ensaiador). Piano: Clenice Ortigara. Coro Sopranos: Darci Almeida, Luísa Fávero, Naura Sant´Ana, Silvia Suss Marques, Luciana Coral do Curso de Composição e Regência Embap 2012 Melamed (convidada). Contraltos: Ariadne Oliveira, Cissa Duboc, Daniele Oliveira, Fátima Ana Carolina Batista de Lima, Ananias de Souza Neto, Carolina Cesconetto, Cyro Freire de Castilho, Mirta Schmitt. Tenores: Alexandre Mousquer, Ivan Morais, Maico Sant’Anna, Lima, Douglas Gustavo Bertoncello, Enzo Fonseca Veiga, Ian Schmoeller, Juliana Cordeiro Marcos Brito, Sidney Gomes. Baixos: Ademir Maurício, Cláudio de Biaggi, Fernando Klemann, Gomes, Maria Paz Villahoz, Rafael Ferreira Semtchuk, Rafaele Maria Andrade, Samuel Fidelis, José Brazil, Marcelo Dias. Regente do Coro: Helma Haller. Pianista co-repetidora: Clenice Vanessa Ignatowicz Silva. Ortigara. Orientador Vocal: Pedro Goria. Ficha Técnica da Camerata Antiqua de Curitiba Conselho Artístico: Luis Otávio Santos, Janete Andrade, Ivan Moraes, Francisco Freitas Jr., Nilton Cordoni Junior. Coordenadores: Darci Almeida, Martinho Lutero Klemann. Representantes: Ivan Morais, Francisco de Freitas Jr. Arquivista: Cornelis Kool. Assessoria da Coordenação de Música Erudita: Márcia Squiba. Coordenador Administrativo e de Produção: Agnaldo Oliveira. Assistentes de Produção: Alício Cardoso, Altair de Oliveira, Valdecir Pereira.

Orquestra Filarmônica da UFPR Diretor Artístico: Harry Crowl Regente: Márcio Steuernagel Violino I: Juslei Borges da Silva, Amanda Cristina dos Santos, Ezequias de Paulo, Kurt Fehlhauer, Flávio Jacinto da Silva. Violino II: Amanda da Silva, Joaz Lopes da Silva, Augusto Tenório dos Santos, Lerry Klitzke, Michelle Felix Trevisan. Viola: Rodrigo Poggian Lopes, Renato Schimith, Denis Castilho. Violoncelo: Monan Bittencourt, Letícia Wolf, Shante Cabral, João Pedro Cordeiro. Contrabaixo: Marsal Nogueira Pinto. Flauta: Luiz Fernando Campelo, Ghabriel Alcântara. Oboé: Matheus Kahakura. Clarinete: Otávio Augusto, Elvis Ferreira Tosta. Fagote: Felipe Reis, Uesley do Prado Lopes. Trompete: Rogério Magalhães. Trompa: Jonatas Rafael da Costa, Jean Pierre de Oliveira Costa. Tímpanos/Percussão: Luís Fernando Diogo, João Guilherme Grando, Sabrina Rocha, Thiago Chelny. Estagiários: Gabriel Machado, Lucas Diaz.

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IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense

Governador no Estado do Paraná Beto Richa

Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Reitor da Universidade Estadual do Paraná Alípio Santos Leal Neto

Vice-Reitor da Universidade Estadual do Paraná Marco Aurélio Visintin

Diretora da Embap Maria José Justino Realização Vice-Diretora da Embap Studium Theologicum Anna Maria Lacombe Feijó Escola de Música e Belas Artes do Paraná / Universidade Estadual do Paraná Governo do Estado do Paraná Diretor do Studium Theologicum Pe. Jaime Sánchez Bosch Apoio Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia/ Coordenação Geral e Artística do evento Linha de Pesquisa: Música Paranaense Elisabeth Seraphim Prosser (CNPq/Unespar/Embap)

Comissão Artística e de Produção SESC Paço da Liberdade, Museu Claretiano Ana Paula Peters, Bruna Borges, Eduardo Frigatti, Felipe Ribeiro, Marcos de Lazzari Ceuclar, PUCPR, UFPR, Canal da Música, E-Paraná Fundação Cultural de Curitiba, Prefeitura Municipal de Curitiba Comissão Científica Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Embap); Dr. Orlando Fraga (Embap) Endereços dos locais das apresentações Dr. Pe. Jaime Sánchez Bosch (Studium Theologicum/Ceuclar) Auditório da Embap: Rua Francisco Torres, 253, Centro Canal da Música: Rua Julio Perneta, 695, Mercês Comissão de Apoio Capela Santa Maria: R. Conselheiro Laurindo, 273, Centro Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia/Linha de Pesquisa Música Paranaense Igreja Imaculado Coração de Maria / Museu Claretiano: (CNPq, Unespar/Embap), Ana Maria Negrele Baggio, Angela Lorenzzoni, Daniel Binotto Av. Getulio Vargas, 1193, Rebouças Edgar Serratto, Keidma Caetano, Marco Aurélio Koentopp, Rosamaria Pietrovski SESC Paço da Liberdade: Praça Generoso Marques, 189, Centro

Assessoria de Imprensa Rodrigo Juste Duarte

Registro em áudio e audiovisual Helene Anastasiou, Felipe de Almeida Ribeiro, Alunos de Acústica da Embap

Design gráfico Martin Henschel

Criação e elaboração do Troféu Penalva

Eneas Ribeiro Correa

IV Festival Penalva &&& III Mostra de Música Paranaense Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012

Terça -feira, 23 Quarta -feira, 24 Quinta -feira, 25 Sexta -feira, 26 Sábado, 27 Domingo, 28 Segunda -feira, 29 Embap Embap Embap Embap Embap

Mesa-redonda I Mesa-redonda II Recital Mesa-redonda III

14h 14h Penalva: inovação e Musicologia histórica Comentado Aspectos investigativos e desdobramentos e etnomusicologia Salete Chiamulera didáticos em Penalva e Henrique de Curitiba

SESC Igreja Imaculado Paço da Liberdade Coração de Maria Concerto de Concerto de Concerto Recital Música de Câmara Música de Câmara Curso de Concerto Missa Piano Solo Compositores Compositores Composição e Vórtex de jovens in memoriam Ingrid Barancoski

paranaenses paranaenses Regência da compositores 19h Madrigal Vocale 16h30 16h30 16h30 16h30 Embap Collegium Cantorum

Capela Capela Canal da Música Capela Capela Museu Claretiano Canal da Música Santa Maria Santa Maria Santa Maria Santa Maria

Concerto Concerto Concerto Concerto Concerto Exposição Concerto de

de Abertura Orquestra de Violões da Orquestra Camerata Camerata Acervo Pe. José Encerramento Bola Preta Grupo de Embap Filarmônica Antiqua de Antiqua de Penalva Homenagem a 20h 20h 20h 20h

Choro de Curitiba Duo Bark da UFPR Curitiba 18h30 Curitiba Inamí Custódio Pinto Grupo de Percussão Trio Jucksch-Capistrano- Collegium Cantorum da Embap Fregoneze Madrigal Vocale Orquestra de Cordas da Orquestra da PUCPR Embap