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REVISTA CIÊNCIAS DE DA ARTE N.º1 |DEZ'15 |ARTE PÚBLICA

ISSN 2183–6981 Ficha Técnica

Convocarte − Plataforma digital de edição e PD-FCTAS – Programa Doutoral Revista de Ciências da Arte contactos em Filosofia da Ciência, Revista Internacional Digital com www.convocarte.belasartes. Tecnologia, Arte e Sociedade Comissão Científica ulisboa.pt FCUL – Faculdade de Ciências da Editorial e Revisão de Pares edições da FBAUL: www. Universidade de Lisboa belasartes.ulisboa.pt/revistas/ FCSH-UNL – Faculdade de Nº1, Dezembro 2015 e-mail: [email protected] Ciências Sociais e Humanas da Tema do Dossier Temático Universidade Nova de Lisboa Arte Pública PVP ESE-IPL – Escola Superior de versão digital gratuita em Educação do Instituto Politécnico Ideia e Coordenação Geral www.convocarte.belasartes.ulisboa.pt de Lisboa Fernando Rosa Dias Versão impressa: por encomenda UFRJ – Professora da Universidade Pedidos de volume em papel: Federal do Rio de Janeiro Coordenação Científica do Isabel Nunes UA – Universidad de Alcalá Dossier Temático FBA-UG – Faculdad de Bellas nº1 − Arte Pública Publicidade, Relações Públicas Artes, Universidad de Granada José Pedro Regatão da FBAUL UC - Universidade de Coimbra Isabel Nunes Periodicidade (+351) 213 252 108 Design Gráfico Anual [email protected] Caroline F. Torres Joana Bernardo Edição Conselho Científico Editorial e João Capitolino FBAUL-CIEBA Pares Académicos − nº1 (Secção Francisco d´Holanda e Apoio à edição digital Área de Ciências da Arte e do Interno à FBAUL Ricardo Vilhena, Paulo Santos e Património) Fernando Rosa Dias - FBAUL Tomás Gouveia (FBAUL) Cristina Azevedo Tavares - FBAUL ISSN Eduardo Duarte - FBAUL Capa 2183-6973 © CML | DPC | José Vicente 2013 e-ISSN (Em linha) Externo à FBAUL 2183-6981 José Pedro Regatão – ESE-IPL Capa do Dossier Temático Angela Ancora da Luz – UFRJ © CML | DPC | José Vicente 2015 Propriedade e Serviços Isabel Nogueira – UC Faculdade de Belas Artes da Javier Maderuelo – UA Contracapa Universidade de Lisboa (FBAUL) Juan Carlos Ramos Guadix – FBA-UG Arquivos Gulbenkian (PRS 04805) Centro de Investigação e Estudos Raquel Henriques da Silva – FCSH-UNL em Belas Artes (CIEBA), secção Francisco d’Holanda (FH), Área de Abreviaturas Ciências da Arte e do Património FBAUL – Faculdade de Belas Artes (gabinete 4.23) da Universidade de Lisboa Largo da Academia Nacional de CIEBA – Centro de Investigação e Belas Artes, 1249-058 Lisboa Estudos em Belas Artes (+351) 213 252 100 FH – secção Francisco d’Holanda www.belasartes.ulisboa.pt do CIEBA

Índice

Pág—006 Pág—090 Pág—176 EDITORIAL A Escultura Pública A arte de José Datrino, o Portuguesa em 1940, fora da “profeta gentileza”, e suas Pág—011 Exposição de Belém 56 inscrições nas pilastras do DOSSIER TEMÁTICO — ARTE PÚBLICA — Joaquim Saial viaduto da Avenida Brasil no Rio de Janeiro Pág—012 Pág—107 — Angela Ancora da Luz Introdução Monumento — José Pedro Regatão Multiculturalidade — uma Pág—188 experiência participada A Olhar para as Paredes Pág—014 — José Francisco Alves — Marta Traquino As Origens Históricas da Arte Pública Pág—121 Pág—200 — José Guilherme Abreu Significado de Arte Urbana, Arte Pública e Política Lisboa 2008-2014 — Cristina Pratas Cruzeiro Pág—028 — Pedro Soares Neves Poéticas da Arte Pública Pág—215 Relacional: da Forma ao Pág—135 Alguns Factores Agenciamento das Relações Escultura e a re-simbolização Determinantes para o Impacto como motor da Obra do espaço público no pós-25 da Arte Urbana em Lisboa — Herbert Rolim de Abril: A evocação de “Os — Sílvia Câmara Perseguidos” em Almada Pág—043 — Sérgio Vicente Pág—230 Deambulações pela Arte A Filha Bastarda da Arte (como coisa) Pública Pág—154 — Mauro Trindade — Mário Caeiro Duas Narrativas para o meu País nos Painéis de Almada Pág—241 Pág—066 Negreiros ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E Do Monumento Público — Cristina Azevedo Tavares CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA Tradicional à Arte Pública Contemporânea Pág—162 Pág—242 — José Pedro Regatão Olhar em Movimento: As Historiografia da Arte Intervenções Cerâmicas Portuguesa - Pioneiros e Pág—077 de Catarina e Rita Almada Precursores O Vandalismo da Arte Pública Negreiros no Ascensor da — Margarida Calado — Victor Correia Bica e na Estação Sul/Sueste do Terreiro do Paço — Daniela Simões Pág—252 Pág—313 Pág—333 Três Jornais de Belas-Artes A Galeria Virtual do Post- Do Desenho e do Ordenar do Século XIX em Portugal — Screen Festival 2014 do Tempo: Catarina Patrício e Eduardo Duarte — Diogo Freitas da Costa Emília Nadal na Galeria São Mamede Pág—270 Pág—315 — Claudia Simenta Rodrigues Crítica de Arte na Década do 7 Mil Milhões de Outros Silêncio — Carina Fonseca Pág—336 — Fernando Rosa Dias Guilherme Parente - Águas de Pág—317 Transcendência Pág—283 Shadow of a Doubt — Raquel Farelo Exposição “Artistas — Joana Ottone Portuguesas” e o Papel Pág—339 da Mulher na Arte da Pós- Pág—320 ACTIVIDADES CONVOCARTE Revolução André Príncipe - Antena 2 — Claudia Simenta Rodrigues — David Gonçalves Pág—342 PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES Pág—303 Pág—322 DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E Francisco Tropa EVENTOS CULTURAIS — Cláudia Ramos Pág—348 APRESENTAÇÃO E CALENDÁRIO Pág—304 Pág—325 DO PRÓXIMO NÚMERO Fátima Mendonça – Operando Carla Cabanas (Com) o Medo — Rita Branco — Claudia Simenta Rodrigues Pág—326 Pág—307 Imagerie — Casa de Imagens José de Guimarães no TMG — Catarina Pinto — Joana Correia Saraiva Pág—328 Pág—308 Finok Viktor Ferrando — Margarida Barros — Mariana Salgueiro Pág—330 Pág—310 Modernidades: Fotografia Salette Tavares Brasileira (1940-1964) — Margarida Eloy — Lara Neto Editorial

revista digital Convocarte – Revista de Ciências da Arte visa promover o Adebate e edição de questões artís- ticas no espaço universitário, tendo as se- guintes coordenadas dominantes: convocar um número de especialistas em torno de um tema do mundo das artes, integrar tra-

– CONVOCARTE N.º1 | EDITORIAL – CONVOCARTE balhos relevantes desenvolvidos nas fases curriculares e de projecto dos mestrados e de doutoramento da FBAUL e publicar tra- balhos desenvolvidos em linhas de investi- gação do CIEBA.

O nome Convocarte, sobrevivente entre op- ções várias que o grupo de trabalho foi lan- çando, entre membros do Conselho Cien- tífico Editorial, professores da FBAUL e até alguns ensaístas, foi preferência assente na simpatia pelo modo como esta aglutina- ção linguística apela ao espírito de partilha e discussão implicada na compreensão da expressão: Convocar o Outro (para as ques- tões artísticas). Convoca-se um tema, como um primeiro plano ou palco que recebe um segundo, a dos ensaístas, especialistas que têm investido na problematização desse tema. O espírito da convocação transporta ainda uma dimensão social e inter-subjecti-

<< va privilegiada, útil aos mecanismos das ar- espaços artísticos de formação superior2. tes e humanísticas, e que nos sugere a tra- dição, tão importante na cultura portuguesa A estrutura base da Convocarte assenta em dos últimos dois séculos, da tertúlia artísti- três partes ou pastas que conjugam diferen- ca e literária. A convocação da alteridade na tes intenções: constituição de um grupo plural de discus- são em torno de um tema é a nossa propos- 1. O Dossier Temático, central neste projec- ta capital de Convocarte. to editorial, que caracteriza com um tema particular cada número na convocação de Aproveitando os meios digitais, esta revista especialistas. Os ensaios do Dossier Temá- pretende ser um mecanismo científico ágil tico tiveram, neste primeiro número dedica- e dinâmico, com uma larga plataforma de do à Arte Pública, o seguinte plano de se- modos de reflexão sobre as artes (sobre- quência que define a ordem do seu índice tudo visuais), sendo expressão do modo (uma orientação base para futuros números, sincrético de funcionamento afecto à área embora passível de ajustamentos particula- científica deCiências da Arte e do Patrimó- res, consoante os temas): nio (aberto a outras especialidades interes- sadas em contribuir para a reflexão sobre • Textos teóricos ou doutrinais relativos as artes em geral), incorporando ensaios de ao tema, mais perto do âmbito da filoso- predomínio teórico enraizado nos mais pre- fia, da estética ou da teoria da arte. dominantes modos de discurso sobre arte: • Textos históricos, com panoramas ou História da arte, Crítica de Arte, Estética, abordando tempos históricos. Teorias da Arte e Curadoria. A revista pre- • Estudos de Caso. tende ser uma plataforma de recepção de • Extensões ou confluências do tema – trabalhos realizados no âmbito de linhas de no caso, Novos Géneros ou Fronteiras investigação do CIEBA, sobretudo da sec- da Arte Pública. ção Francisco d’Holanda. Nesta sequência procurará estar perto de trabalhos produzi- 2. Um bloco de Estudos de Historiografia e dos nos mestrados e doutoramento de es- Crítica de Arte Portuguesa, que inclui traba- pecialidade das Ciências da Arte. Contudo, lhos desenvolvidos no âmbito das Ciências o enquadramento na FBAUL fornece a esta da Arte, nos ciclos de formação e em linhas dominante teórico uma dimensão peculiar, de investigação do CIEBA/Francisco d’Ho- uma proximidade com a produção artísticas landa. São contributos para o estudo dos e a convocação dos próprios artistas para discursos sobre a arte, com relevância maior essa reflexão – esta proximidade não só es- na cultura portuguesa, em torno da historio- tabelece modos particulares aos modos das grafia da arte, da crítica, da estética, etc. Ciências da Arte no contexto da FBAUL1, como abona o mais recente desenvolvi- 3. A última parte incorpora um conjunto de mento de uma noção de Investigação em críticas de exposições e eventos artísticos Arte que tem marcado os últimos anos dos decorridos ao longo do ano anterior, procu-

7 rando desenvolver uma plataforma de rela- a sua teorização está patente em vários co- ção com eventos artísticos concretos. Este laboradores deste número, com formação espaço crítico e de reflexão, de ligação do artística e alguns com produção regular – espaço universitário à comunidade cultural e aspecto a que se pretende dar seguimento artística em geral, procura contribuir com um em futuros números. espaço dialogante de produção de fortuna crítica das mais diversas actividades artísticas A constituição de um Conselho Científico correntes, sobretudo afins às artes visuais. Editorial procura salvaguardar a qualidade científica da revista, tendo esta as funções Entre estas partes que a revista compõe, tem de sugestão de autores e de revisão de en- centralidade o dossier temático que carac- saios com apreciações qualitativas, com teriza cada número. Sendo mais alargado possíveis sugestões de melhoria. Uma das e aprofundado, procura abordar um tema suas primeiras funções é essa proposta dos especial no campo das artes. Para cada nú- ensaístas. O sistema de convites procura mero há um especialista convidado para a orientar a harmonia e equilíbrio dos conteú- sua coordenação desse dossier temático e dos, propondo pluralidade de perspectivas, que vai integrar o Conselho Científico Edi- mas evitando tanto redundâncias como au- torial. O sistema de solicitação de textos é sências de questões relevantes do tema. por convite e com base na confiança cien- Em futuros números, o Conselho Científico

– CONVOCARTE N.º1 | EDITORIAL – CONVOCARTE tífica de outros especialistas, funcionando Editorial aceitará propostas exterior, não no o Conselho Científico Editorial não como modelo de call for papers, mas de vontade modo de escrutínio (não há submissão de de adesão e participar na discussão de um textos), mas de disposição de um espaço tema no âmbito das artes. Fica assim anun- de discussão a todos os textos. É com estas ciado, no final, o tema seguinte no final de coordenadas que convidámos a participar cada Convocarte. no nosso primeiro número, com coordena- ção especial do dossier-tema em torno da Relativamente à revisão de pares, não questão da arte pública (Arte Pública: No- seguimos a generalização recente do mode- vas Práticas e Fronteiras), o Professor José lo de origem anglo-saxónica e das Faculda- Pedro Regatão, com recente doutoramento des de tradição mais positivista, declinando nesta área. que este modelo se apresente como único nas Ciências em geral. Consideramos que Se as Ciências das Artes têm afinidades este modelo, que se vem insinuando com óbvias com o campo universitário das Ar- parca discussão nas artes e humanísticas tes e Humanidades, elas devem considerar- (ou nas Ciências do Espírito)3, tem dimen- -se no modo como se desenvolvem numa sões perniciosas nesta área, onde a tradição Escola de Belas Artes, onde a sua tendên- da discussão e da crítica têm sido, desde há cia para o sincretismo e para a proximidade muito, essenciais nos seus mecanismos de com a produção artística se tornam naturais. funcionamento. Assim, o que pretendemos Essa aproximação a dilemas da produção e foi criar um modelo de discussão de pares

<< (mais do que revisão) insistindo da aprecia- humanísticas, consideramos que os siste- ção qualitativa (e não quantitativa). A necessi- mas, e até as normas, podem ser escolhidos dade de certa protecção científica por parte com oportunidade específica consoante as das ciências do fenómeno ou dos números, características de cada texto. A defesa desta ou se quisermos, das ciências naturais ou pluralidade produz em nós uma coerência das exactas, perante interesses particulares, bem mais importante que a uniformidade. sobretudo de âmbito económico, lançan- Nos textos em português, também optámos do produtos que invadem o espaço público por deixar à consideração de cada autor como pseudociência, criaram um necessá- outras decisões de funcionamentos: como rio modelo de call por papers e peer-review a aceitação ou não do acordo ortográfico que nas artes e humanidades tem menos (que nos recusamos a impor), e a tradução pertinência – porque nestas as ameaças do (ou não) de citações noutras línguas utiliza- mercado são menos; e porque estas não se das nos trabalhos, etc. desejam exactas, emergindo da discussão e da crítica, para funcionarem com outra den- Nesta mesma linha de questões, considera- sidade de planos históricos (que não coinci- mos prejudicial às tradições e fundamentos de com o plano mais recente de um «estado das artes e humanísticas, o recente domínio da arte», outra expressão aqui desajustada) do inglês como língua da Universidade Eu- e de graus de subjectividade. Não procuram ropeia. Defendemos a multiplicidade das o rigor do fenómeno ou da função, mas es- línguas, onde o inglês é uma língua entre peculam nos conceitos. O mundo da arte, so- outras, na mesma linha com que Gadamer bretudo no plano teórico em que aqui mais louvou o projecto Europeu: «Pode, decer- se manifesta, está bem perto desta tradição to, prever-se uma língua única para o futuro – afinal, arte não é (apenas) um fenómeno fí- das ciências naturais, mas a questão é dife- sico, mas (sobretudo) simbólico. rente no caso das ciências do espírito»4. A revista está aberta a textos noutras línguas Na mesma ordem de ideias, e contra a ten- que circulam com facilidade no nosso âm- dência de implementação de normas das bito universitário (espanhol, francês, inglês), mesmas origens universitárias, a invadirem mas com o princípio de que cada autor pen- as humanísticas, assumimos a opção edi- se e escreva na sua língua natural. torial da liberdade de escolha, por parte de cada autor, de sistemas (autor/citação Agradecemos a todos os colaboradores ou autor/data) e normas (ISO-690; EP-405; neste arranque de mais um projecto que APA, MLA, Chicago, etc.) na indicação de procuramos que seja um contributo positi- bibliografia e documentação. Esta recu- vo para a área das artes e humanidades e sa de imposição de apenas uma norma, é a FBAUL: ao Conselho Científico Editorial, também porque consideramos que cer- pelo modo exemplar como trabalhou este tas orientações únicas têm servido para diálogo entre pares; aos ensaístas, por nos arrancar às humanísticas as suas tradições. cederem o seu trabalho, por vezes de vários E, pela nossa experiência universitária nas anos, dispondo-o a este espaço de diálogo

9 com ao Conselho Científico Editorial; aos Letras, 2015; Investigação designers pelo modo como entenderam em Arte e Design: Fendas no em modo gráficos, na paginação e na estru- Método e na Criação (Vol.II) tura, o espírito da revista; aos colegas, pro- (coordenação de Fernando fessores e investigadores, de Ciências da Rosa Dias, José Quaresma, Arte e do Património e da secção Francisco Juan Carlos Guadix), Lisboa: d´Holanda do CIEBA, mesmo aos que não Universidade de Lisboa, estão neste número, por apoiarem este tra- Faculdade de Belas Artes, balho; e aos diferentes serviços da Faculda- 2011; Investigação em Arte – de, com destaque às Relações Públicas, que Uma Floresta, muitos caminhos nos ajudaram na melhor inserção editorial (coordenação de Fernando desta edição no site da FBAUL e na sua di- Rosa Dias, José Quaresma, vulgação pelas plataformas institucionais. Juan Carlos Guadix), Universidade de Lisboa, A Coordenação Geral Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010. 3 A que Gadamer chama Ciências do Espírito (Alemanha), Lettres (França),

– CONVOCARTE N.º1 | EDITORIAL – CONVOCARTE Moral Sciences ou Humanities (cultura anglo-saxónica). Cf. Hans-Georg Gadamer, «O — Notas de colaboração internacional Futuro das Ciências do Espírito 1 Cf. Fernando Rosa Dias, sobre a Investigação em Europeias» (1983), in Herança Fernando António Baptista Artes, a destacar: Investigação e Futuro da Europa, Lisboa: Pereira, «Ciências da arte e em Artes – Ironia, Crítica e Edições 70, 1998, p.29. criação artística: solidariedades Assimilação dos Métodos 4 Ibidem, p.29. para uma investigação em (coordenação de Fernando arte», in Investigação em Rosa Dias, José Quaresma, Arte e Design: Fendas no Alys Longley), Lisboa: Método e na Criação (Vol.II) Escola Superior de Teatro e (coordenação de Fernando Cinema; The University of Rosa Dias, José Quaresma, Auckland: Creative ans Juan Carlos Guadix), Lisboa: Industries Dance Studies, Universidade de Lisboa, 2015; Investigação em Artes Faculdade de Belas Artes, – A Oscilação dos Métodos 2011, pp.215-228. (coordenação de José 2 Veja-se a linha editorial, Quaresma, Fernando Rosa nascida na FBAUL em 2010, Dias), Lisboa: Centro de de publicação universitária Filosofia da Faculdade de

<< Cristina AzevedoTavares Cristina PratasCruzeiro Angela AncoradaLuz José Guilherme AbreuJosé Guilherme José FranciscoAlves Pedro SoaresNeves José PedroRegatão Mauro Trindade Marta TraquinoMarta Daniela Simões Sérgio Vicente Joaquim Saial Sílvia Câmara Victor Correia MárioCaeiro Herbert Rolim Herbert

Arte Pública – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << nar, surgiram aolongodas últimas décadas reconhecimento dasuaautonomiadiscipli- sobre osignificadodotermo, bemcomoo Depois de alcançado um relativo consenso da suaestéticaurbana. bilidade, dapreservação dopatrimónio e paço, mas tambémnocampodasustenta- necessidade deplanificareorganizar oes- mos urbanísticosearquitetónicos, coma enfrentam diversosdesafiosnãosóemter temporânea. Sabemos hojequeascidades também comasuafunçãonacidadecon- origem esignificadodaarte pública, mas a questão de fundo que se prende com a locavam sobre oassunto, nomeadamente mas respostas para asquestõesqueseco- deste fenómeno. Istopermitiuobteralgu- específico para acompreensão eanálise foi possívelconstituirumquadro teórico produzida emdiversaspartes domundo, dagens aotema. À luzdessainvestigação originaram diferentes perspetivaseabor identificar váriaslinhasdepensamentoque A do daarte pública, podemoshoje produção teórica dirigida ao estu- o longodemaismeioséculo Introdução - - diversos desafios a esta disciplina. É impor- são evidentes quer do ponto de vista esté- tante referir o desenvolvimento de determi- tico, quer na sua dimensão social e econó- nadas vertentes que vieram expandir este , como testemunham diversos estudos campo teórico, como é o caso da street que avaliaram o seu impacto. A importân- que nos tem oferecido uma produção artís- cia da implementação destes programas, tica diversa e estimulante. Para além do for- que em boa parte tiveram na base um sen- te impacto que gerou no espaço público, tido de valorização do espaço urbano, pro- as propostas daqui resultantes destacaram- porcionou a criação de obras artísticas que -se pela sua originalidade e poder subver- constituem hoje referências locais e inter- sivo. Neste sentido, não só revitalizaram o nacionais. Seja, de natureza permanente ou lado da contra-cultura da arte, como fizeram efémera, proliferam programas de arte pú- emergir novos campos de debate que se blica um pouco por todo o mundo, tendo afiguram profícuos para o desenvolvimento em vista melhorar esteticamente o ambien- desta disciplina. te urbano e proporcionar uma melhor qua- lidade de vida ao cidadão. É estimulante perceber que a arte pública é uma área de estudo dinâmica, inesgotável Esta primeira edição da Revista Convocarte e universal, na medida em que é constan- dedicada ao estudo da Arte Pública, cons- temente alimentada pela produção artísti- titui-se enquanto espaço aberto para a dis- ca contemporânea e se concretiza no quo- cussão, partilha e reflexão sobre uma das tidiano das nossas cidades. Por outro lado, problemáticas mais atuais e pertinentes continua a reinventar-se revelando grandes dos estudos artísticos. Aqui se reúnem um possibilidades expressivas, através de pro- conjunto de ensaios produzidos por alguns postas que promovem novas experiências dos principais especialistas e investigado- estético-percetivas. A popularidade que al- res do tema, que analisam e abordam o fe- cançou nos nossos dias, derivado de uma nómeno em diferentes perspetivas. Esta maior atenção por parte de particulares e publicação universitária não só representa instituições, aparece formalizada no discurso uma oportunidade para incentivar o estu- público da “sociedade hipermoderna”. Para do e a reflexão sobre a arte pública, como esse efeito, também se observa a exposição também contribui para a consolidação e o mediática de algumas obras e artistas, contri- avanço do conhecimento desta área. buindo em boa parte para o alargamento do interesse por esta área artística. José Pedro Regatão

Como nunca antes, a arte pública tornou- -se exemplo de desenvolvimento urbano e modernidade, um fator de prestígio e noto- riedade para as cidades, com capacidade de imprimir uma imagem forte e atrativa no contexto internacional. Os seus benefícios

13 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << 19th century, havingasfirstmajorpublicappearance the meant by Arts andCrafts movement’s socialisticideario, cosmopolitan stages of theGreat UniversalExpositions. cosmopolitan stagesof antagonism, nationalistic whichfirstlead tothe raise of Our studystates therole that appliedarts, astheywere series of “Public series of Art Societies”which were created both young international movement in favour of Public young international movementinfavourof Art. This international movementcametoanend after the in Europe and North-America in the last quarter of the in Europe andNorth-Americainthelastquarterof ideologies andsoontomilitaryconfront, blockingthe have had in the expansion of the concept and use of theconceptanduseof have hadintheexpansion of representations whichhavesupportedtheacademic launched, “Public underthedesignation of Art”, bya art works, formalandsymbolic beyondthevaluesof first decade of the20thcentury,first decadeof duetothegrowth of international political,of economicandbellicose As Origens Históricas da Arte Pública As OrigensHistóricasdaArte By ModernPublic Art, werefer tothemovement system of thefineartssince Renaissance.system of do Centro deInvestigaçãoemCiênciae Tecnologia das Artes daUCP-Porto. Doutor emHistóriada Arte, professor, investigadoreconferencista membro essa éuma atribuição nossa. Na época, a Camboja, etc., porque emúltimaanálise remoto, comoRoma, Atenas, zar aorigemda Arte P preliminar defundo. Éproblemático locali- Finalmente, importa esclarecer umponto que globalmenteestáporestabelecer. os conceitosdeumateoriada Arte Pública, residuais ostrabalhos sobre os problemas e pela receção pública das obras, sendo assim artística e, porvezes, astensõescausadas gens plásticas, asestratégias deprodução ria, ondesãoanalisadassobretudo aslingua- ração urbana oudeparticipação comunitá- mais interessantes, aprogramas deregene- autorais, para seestender, noscontributos tudo, desdeobras, projetos ouintervenções incidido essencialmentesobre casosdees- lhano eaté emportuguês, ostrabalhos têm glo-saxónica emaisrecentemente, emcaste- senvolvimento notávelnabibliografia an- produção artística tem conhecido um de- XX ainvestigaçãosobre estesegmentode que desdeasúltimasdécadasdoséculo no âmbitodoseuestudo, eseéverdade A históriada Arte Pública éumlugarcego 1. Introdução por José Guilherme Abreu por JoséGuilherme ública nopassado Egipto, Índia, produção monumental não se designava bito da sua abrangência, âmbito esse que, Arte Pública, porque não existiam coleções como parece óbvio, se encontra em fase de privadas que dela se diferenciassem, e que problemático e inusitado alargamento. com ela estabelecessem uma coabitação ou tensão dialéticas. Tentado encontrar uma correspondência histórica, uma revolução similar, ou pelo Foi na Bélgica e nos Estados Unidos, em fi- menos equivalente, ocorreu no século XIX nais do séc. XIX, que pela primeira vez sur- com a delimitação das cidades, depois de giram sociedades que explicitamente se terem sido suprimidas as suas muralhas. De designavam como promotoras da Arte Pú- espaços bem definidos e confinados, as ci- blica, devendo por isso situar-se aí as ori- dades tornaram-se espaços difusos. Abri- gens do ciclo da Arte Pública moderna: ram-se ao território circundante, perderam aquele em que a Arte Pública se opõe ao o aspeto de estruturas fechadas, mas como sistema de coleções mercantilizadas e/ou é evidente não desapareceram. Pelo contrá- institucionalizadas de obras de arte. rio, expandiram-se, tornando-se metrópoles e agregando-se em extensas conurbações. 2. Complexo conceptual da Arte Pública Como refere José Bragança de Miranda, a Assim sendo, um primeiro problema surge: noção de espaço público presentemente en- sem poder usar a regra da delimitação to- contra-se em crise, pois se não é controverso pológica, o que poderá em seu lugar servir o seu significado, mais problemático se tor- de critério para delimitar o conceito de Arte na proceder à sua delimitação, pois como o Pública? autor afirma o“ que está entrando em crise é a noção de um espaço público bem definido, Para o fazer, a nossa proposta é utilizar um cri- um espaço entre outros, como seria o sector tério, por assim dizer, programático. Em vez privado, o governo, ou o estado”1. de um critério único e exclusivo, preferimos reunir uma série de aspetos e de premissas Importa tirar desta circunstância as devidas (uma organização sistémica) que permitam ilações, pois não sendo o conceito de espa- estabelecer um corpus coerente e que resul- ço público, pelo menos atualmente, um con- tem de um modus operandi comum. ceito bem delimitado, tornam-se destituídas de valor epistemológico todas as definições Ou seja, em vez de definir um conceito, es- que se estabeleçam, tomando como ponto tabelecer um complexo conceptual. de partida esse critério, facto que serve para evidenciar desde logo o carácter equívoco E esse complexo conceptual formula-se da expressão “Arte no Espaço Público”. como corpus e modus operandi de um ideário. O facto da noção de espaço público se ter tornado difusa e multidimensional, denota a E qual seria o ideário da Arte Pública? revolução pelo que tem vindo a passar o âm-

– JOSÉ GUILHERME ABREU 15 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA é amávelpara atotalidadedos artistas, ao tística, e obriga a uma negociação que não fortemente condicionadora dacriaçãoar blica impõe, como sesabe, umalimitação O regime deprodução inerente à Arte Pú- alográficas estabelece entre artes autográficas eartes convocar adistinçãoqueNelsonGoodman me deprodução da Arte Pública, importa Para compreender adequadamente oregi- das artes plásticas. produção, distintodorestante segmento tivo, ouseja, peloseuregime específicode Por outro lado, pelomodusoperandi restri- do público. dos, atotalidadedosartistas eatotalidade mesmo conjuntodeobjetivoseresulta- englobar num mesmo Por umlado, peloprograma inclusivode camente, apartir deduasfacetasopostas: blica traduz-se hoje, porventura, algo utopi- ção de Fazendo jus ao sentido etimológico da no- << entre elescultorylaobra” sustanciales enelmododerelación estética obligar alaintroducción demodificaciones emplazamiento. Ambos factores pueden lisis delcontexto ydelascaracterísticas del ción proviene deformasistemáticadelaná- “En elcasodel Arte públicolaalogenera- condicionada pelosseguintesfatores: sistema denotaçãoqueamesmautiliza, é alográfica da Arte Pública, para alémdo Como explica Antoni Remesar, adimensão coisa pública, o ideário da Arte Pú- 2 . corpus, ou seja, num 3 . - le, já quenoâmbitoda Arte Pública contem- afiguram nãomaisadequadosdoqueaque - também oscritériosformal ou tipológico se quado para servirdefronteira delimitadora, critério espacialseapresenta comoinade- a mesmaprocede historicamente, poisseo se podeavançarnosentidodesaberdonde pois semdefiniroseuâmbito, dificilmente tão dadefiniçãonoçãode Arte Pública, Pareceu-nos útilcomeçarpelaingrata ques- 3. A formaçãoda Arte Pública Moderna ser senãoatotalidadedopúblico. consonância comoseuideário nãopoderá constituir oseupróprio público,oqualem Pública confronta-se com a dificuldade de te muitoheterogéneo e, porisso, a Arte Ironicamente, porém, opúblicoéatualmen- ou instrução. formas quesirvampara oseuuso, prazer e/ dos cidadãos, usandomeios, linguagense ca, na medida em que visa aproximar a arte restantes modalidadesdeprodução artísti- tentora deumideário queadiferencia das Pública lo quemelhorcaracteriza ediferencia a Arte Pelo acima exposto, a nossa tese é que aqui- plásticas obsoletasouherméticas. máticas e/oupormanifestarem linguagens expressarem memóriasdolorosas outrau - de poderes prepotentes oucorruptos, por exemplo, porconstituírem representações cadeadas pordiferentes motivos, como, por teção eficam expostas aagressões desen- logo porque asmesmas não gozamdepro- mutilação oudestruiçãodasobras, desde tos públicosderejeição, senãomesmo de mesmo tempoqueprovoca comportamen- é a circunstância damesmaserde- porânea se encontram exercícios formais ou Vamos abordar aqui somente o primeiro tipologias que não se distinguem dos res- dos dois núcleos, que de resto é o mais re- tantes segmentos de produção. levante para o conhecimento da origem da Arte Pública moderna. De resto, retomando o raciocínio, o ideário particular que diferencia hoje a Arte Públi- Esse núcleo organizou-se na Bélgica, como ca não é inédito, e inclusive para melhor o legado e adaptação do movimento Arts and captar e analisar, convém mesmo remontar Crafs, que irrompeu, na segunda metade às suas origens, pois é ali que se descobrem do século XIX, na Grã-Bretanha, à volta de os enunciados e os preceitos que a esse tí- John Ruskin de William Morris. tulo são mais esclarecedores. Como o manual de leitura do tradutor e É que a Arte Pública, contrariamente ao que professor holandês Taco de Beer o demons- a literatura anglo-saxónica tem sustentado, tra4, o livro “News from Nowhere” de William não tem origem nos programas Art in Ar- Morris é ali mencionado, comprovando-se chitecture do após-guerra, nem sequer nos assim a receção do movimento Arts and programas do New Deal, como o Federal Crafts nos Países Baixos, logo em 1874. Art Project ou o National Edowement for the Arts, lançados pela Administração Roose- De citado e conhecido nos Países Baixos velt, nos Anos 30. em 1874, a partir da década seguinte o movimento britânico passa a ser adotado A sua origem é bastante anterior, já que re- e difundido por Henry van de Velde, que monta à segunda metade do século XIX, na o dissemina pela Bélgica e pela Alemanha, medida em que o embrião mais antigo da definindo uma estética de caráter ornamen- Arte Pública se forma na Europa como pro- tal e utilitário, sob a égide e o primado das longamento natural do movimento Arts and Artes Aplicadas. Crafts, de onde procede, justamente, o seu ideário, e onde vem beber os enunciados O segundo núcleo surgiu nos Estados Uni- estéticos e programas artísticos que logo dos, depois da Exposição Universal de Chi- adota e proclama. cago (1893), influenciado pelo revivalismo neoclássico e pelo ecletismo arquitetóni- Ligeiramente mais recente do que este, um co da École des Beaux-Arts de Paris, e teve segundo núcleo com características diver- como principais mentores o arquiteto nor- sas forma-se também nos Estados Unidos, te-americano Daniel Burnham e o escultor, em torno do movimento City Beautiful, de- também norte-americano, Augustus Saint- notando este características monumentais -Gaudens, mediante uma conceção sobre- e ecléticas, ao passo que o movimento Arts tudo monumental, sob a designação de and Crafts possuía características ornamen- City Beautiful Movement, como já vimos. tais e socializantes, na mira do tal ideário.

– JOSÉ GUILHERME ABREU 17 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA red intheNetherlandsandFlanders” publications onhislifeandworkhasappea- 20 The bibliography showsthat alsoduringthe nown figure insocialistandartistic circles. By thenMorriswasalready arather -k translation was published asa book in 1897. blication wasnotfinished, butacomplete cialist magazineinRecht voor Allen. This pu- re, tobepublishedininstallmentstheso- followed News by fromtranslation Nowhe- of dammer. This Morris’s firsttranslation of was appears inthepopularweeklyDe Amster ‘A kings’s lesson’(‘Delesvaneenenkoning’) lesser known though gifted author. In 1890 secondary education introduces Morrisasa that year atextbook onEnglishliterature for Morris wasmentioneddates from 1874. In firstDutchpublication inwhich “The William cente, oprofessor Lieske Tibbe refere: Sobre omovimentobelga, numestudore - << nouvelles, etsurtout définirnettement dans des attaches aupassé, trouver les formes pper lesconséquences, débarrasser lavoie vement anglaisàl’origine, surent endévelo- teurs sontlesBelgesqui, reprenant lemou- apôtres del’art nouveau. Leurs vrais continua- s’immobilisent dansl’œuvre decespremiers en cheminsuccesseursdeMorrisetCrâne dans lavoiedestransformations, s’est arrêtée “ publicado em1deoutubro de1898, refere: um artigo darevista francesa L’Art Décoratif, belga Henry Adriaan Hymans, que citando sica, dohistoriadordaarte denacionalidade go, encontra-se naobra, porassimdizerclás- Outro testemunho coincidente, emaisanti- L’Angleterre, quidonnelesignaldudépart th century a small but constant stream of century asmallbutconstantstream of 5 . - - n’avait faitquepréluder” leurs œuvres lesprincipes auxquels Morris d’Art” Société Nouvellecomotítulo“Déblaiement em 1894, publicavaumartigo narevista La ideário) domovimentoArts andCrafts e, logo de foiumrecetor atento daliteratura (edo O pintorearquiteto belgaHenryvande Vel- lement ingénieuses, maisd’ungoûtdélicat” de sapart l’objet decombinaisonsnonseu- appartiennent àsondomaine. Tous ontété de tenture,voirelacéramiqueetreliure l’appareil d’éclairage,lebijou,papier branche n’a échappéàsonaction. Le meuble, le vastedomainedel’art appliqué, aucune dont ils’agit, futHenry Van de Velde. Dans nom s’identifielemieuxavecmouvement “Un desartistes venusaprèsMorris, dontle cadas: ca moderna tem a sua origem nas fundamentação datesedequeaArte Públi- novos aspetosquesãodeterminantespara a E ohistoriador, logo a seguir, introduz dois scrofuleuses” statue qui sont des expressions épuisées et aucunement, ce sera lafindutableau, dela faire œuvre utile, cequinelesdéconsidérera table à tous. Etquandlesartistes songeront à ne sera considéréquecequiestutileetprofi- d’être inutileetdanslasociétéprochaine, il “ caduca” sociedadeburguesa, comoexplica: por secolocaraoserviçoda“corrompida e via-se tornadodecadenteedemaugosto, o fimda“pintura decavalete”, poisestaha- Ce quineprofite qu’àunseulestbienprès 8 ( Depuração da ArteDepuração), ondeanunciava 9 . 6 . Artes Apli- 7 . Henry van de Velde não estava sozinho neste ideário a favor de uma nova arte ornamental e aplicada e dedicou-se mesmo a projetar e construir obras públicas, incluindo memorais arquitetónicos e monumentos escultóricos.

Além de Van de Velde, e mesmo anterior a este e com consequências práticas notáveis, importa referir a figura do arquiteto belga Henry Van De Velde e Harry Graf Kessler, Memorial a Friedrich Charles Buls (1837-1914), o notável burgo- Nietzsche, 1910-14, Weimar (não construído). Fonte: Hartmut Frank, Architettura, guerra e ricordo, In, La Rivista di mestre de Bruxelas, que foi juntamente com Engramma (online), nº 113. Ildefonso Cerda (1815-1876) e Camillo Sitte (1843-1903) um dos pioneiros do urbanis- mo moderno e um ativo promotor da Arte Urbana, com destaque para o restauro da Grand Place de Bruxelas, onde se encontra um memorial à sua pessoa e obra.

Vejamos alguns dados da sua vida e obra:

Em 1837, nasceu em Bruxelas, filho de um joalheiro. Em 1862, ingressa na loja maçónica Les Vrais Amis. Em 1864, ajuda a fundar a Ligue de l’Enseig- nement. Em 1867, escreve o Cours d’Histoire des Arts Décoratifs. Em 1874, projeta o Musée des Arts Indus- triels. Em 1877, é eleito conselheiro municipal pelo Partido Liberal. Em 1879, projeta a École Modèle. Em 1881, é eleito Burgomestre de Bruxelas, Victor Horta (arq.) e Victor Rousseau (esc.), Memorial ao sucedendo a Jules Anspach. burgomestre Charles Buls, 1899, Bruxelas. Foto do autor. Em 1893, publica L’Esthétique des Villes. Em 1894, preside à associação L’Œuvre d’art apliqué à la rue. Em 1899, abandona o lugar de Burgomestre de Bruxelas.

– JOSÉ GUILHERME ABREU 19 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << ria presidida pelopróprio CharlesBuls. A partir deabril de 1894, essasociedade se- tros nomesbemconhecidos. senaar, Lambeaux, doescultor Jef entre ou- e Edmondde Vigne, dopintor Alfred Cuy- a colaboração dosarquitetos Victor Horta tor EugèneBroerman, equelogrou obter que”, quetevecomopromotor inicialopin- appliqué àlarueetauxobjetsd’utilitépubli- vas comadesignaçãode“L’Œuvre del’art Bruxelas uma sociedade de artes decorati- Sob asuainspiração, em1893foicriada tramways (elétricos)para osturistas. Criação deumatarifaúnicaemtodosos porte social. Criação deumcupãomunicipaltrans- ttractions. Promoção doturismo:SociétéBruxelles-A- arte decorativa. Valorização do Pioneiro daaglomeração urbanaplanificada. Stevens… Sablon, Joseph Intervenções pontuais:Grand Place, Reabilitação dossítioshistóricos. Revalorização deumpassadoglorioso. Renúncia aourbanismodegrandes gestos. aplicação. Gestão municipalcomoumaescolade ca erealista. Política urbanísticadeinspiração pragmáti- Município deBruxelas, comosesegue: racteriza asuaaçãoàfrente dogoverno realizado peloprofessor Marcel Smetsca- Um minuciosoestudodasuavidaeobra décor urbano: concursos de Petit Marguerite Thibert em Saint-Simon, comojáfoiobservadopor não erainédita, tendocolhido a suaorigem d’«art public»” lui sontconsacrées. Ildonneàcetart lenom du XIXe siècleainsiquelesinstitutionsqui sociale etlesouhaitderéformerl’art delafin veau basésurunerenaissance esthétiqueet teur». Ily dépeint savolonté d’un art nou- rédigeant un essai intitulé «L’Art régénéra- gique, ildébutesonactivitéd’esthète en ambiante danscesvilles. Deretour enBel- baine etl’harmoniequirègnedemanière Venise, etc. Il est frappé par la beauté ur d’Italie: Rome, Naples, Florence, Ravenne, qui lui permet de visiter les plus belles villes dercharle en 1881, il obtient une bourse (1861-1932). Premier lauréat duprixGo- tiste-peintre etesthèteEugène Broerman plein cœurduparcours artistique del’ar le résultat d’uneréflexion s’inscrivanten à larueet aux objetsd’utilitépubliqueest “La naissancedel’Œuvrel’artappliqué ciedade: ria sido esta a história da criação desta so- Segundo ainvestigadora Céline Cheron, te- sentada noreferido artigo deBroerman designação. Por outro lado, aideiaapre- longo para serusadocomodamentecomo nome dareferida Sociedade, demasiado Marcel Smets, surgia comoabreviatura do os cidadãos, expressão essaque, segundo to deprodução artística destinadaatodos são Arte Pública para designarumsegmen - provavelmente pelaprimeira vez, aexpres- No artigo L’Art Régénérateur é utilizada, 10 . 12 . 11 - -

Os objetivos da mencionada Sociedade de Artes Decorativas bruxelense eram:

“Créer une émulation entre les artistes, en traçant une voie pratique où leurs travaux s’inspirent de l’intérêt général ;

Revêtir d’une forme artistique tout ce qui se rattache à la vie publique contemporaine.

Transformer les rues en musées pittoresques constituant des éléments variés d’éducation pour le peuple;

Rendre à l’Art sa mission sociale d’autrefois, Association L’Art appliqué à la Rue et en l’appliquant à l’Idée moderne dans tous les aux Objets d’Utilité Publique, 1895, Relatório de atividades domaines régis par les pouvoirs publics”13.

O conceito de Arte Pública proclamado por essa Sociedade enunciava-se como se segue:

“L’Art public, c’est-à-dire, le sublime de l’uti- le dans la vie publique, était anciennement une règle de civilisation à laquelle on ne dé- rogeait que sous peine de déchéance mora- le, tandis qu’aujourd’hui, il est une exception, et la vulgarité de l’utile dans la vie publique est devenue générale!”14

Esta sociedade de Artes Aplicadas tem rele- Société L’Œuvre de l’Art à la Rue et aux Objets d’Utilité vância não tanto pelas suas consequências Publique, Sala na Exposição Internacional de Bruxelas, 1897, Académie Royale des Beaux-Arts, Bruxelles, p. 172. práticas, uma vez que centrou a sua ação mais na esfera da propaganda do seu ideá- rio, do que na promoção de programas de intervenção.

Ainda que, na sua origem, tivesse organi- zado alguns concursos para desenho de “fachadas, reclames, candelabros, fontes, Quiosques e mesmo selos postais”, o impac-

– JOSÉ GUILHERME ABREU 21 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Revista L’Art Public, nºII, 1908, Bruxelas. Catálogo doICongresso Internacional de Arte Pública, 1898, Bruxelas. cial do Município de Madrid quais se encontrava uma representação ofi- América doNorte odoSul, e Ásia, entre os ras dosgovernosdepaísesdaEuropa, da as quaiscompreenderam destacadasfigu- grande número derepresentações oficiais, em 1910. Esses Congressos reuniram um em Liège, em1905, edenovoemBruxelas, em Bruxelas, em1898, emParis, em1900, os anosde1898e1910, queserealizaram de quatro congressos internacionais, entre Esse movimentoculminounaorganização suas iniciativas. onde ocupouumespaçodeexposição das posição UniversaldeBruxelas, em1898, a suaprimeira apresentação públicanaEx nacional afavorda Arte Pública, queteve lograr desencadear ummovimentointer efetiva, o Não tendogrande impactenaprodução ciente qualidadeestéticadosseusmodelos. cance, tendomesmosidocriticadapeladefi- na produção artística nãofoidegrande al- te efetivodestaSociedadede Arte Pública o qual, apartir de1907, tevecomoporta- nação de“InstitutInternacionald’Art Public”, Arte Pública, órgão essequeteveadesig - gão Internacional permanente a favor da Congresso deLiège de1905fundarumÓr para Todos, sendoumadasresoluções do nacional dedesenvolvimentouma Arte quele quefoioprimeiro programa inter quais épossíveltraçar aslinhasmestras da- ziram importantes catálogos Além disso, doisdestescongressos produ- as quaisdeLisboaeCoimbra. de dezenasCâmaras Municipais, entre mérito maiordestaSociedadefoi 16 15 , a partir dos , assim como - - - - -voz a revista L’Art Public, que se editou até 4. A condição contemporânea da Arte 1912, num total de doze números. Pública Relativamente à situação atual da Arte Não cabe aqui esmiuçar os êxitos e os ma- Pública, consideramos que a presente logros deste movimento pioneiro a favor da condição é inversa, comparativamente à disseminação do ideário da Arte Pública. original. Hoje, o seu conceito é claramente mais limitado. Em vez disso, que requeria um outro de- senvolvimento e fôlego, para a nossa inda- Se é certo que os conceitos, as formas, as gação em torno da origem e da natureza linguagens e as problemáticas que ema- da Arte Pública, importa apurar o horizonte nam da estética contemporânea têm conta- de aplicação do conceito de Arte Pública minado a Arte Pública e, correlativamente, enunciado e praticado por este movimen- se não é menos verdade que a Arte Pública to internacional. tem por seu turno contribuído para introdu- zir novas possibilidades e novos meios de Sobre este aspeto particular, Marcel Smets intervenção estética, o que acontece é que observa: presentemente mau grado toda essa diver- sidade se concentra quase exclusivamente “Ce qui frappe surtout c’est l’extrême diver- no território das artes plásticas, o que não sité des sujets qu’on y aborde. L’Art Publique sucedia com o referido movimento belga, s’applique aussi bien à l’éducation qu’au onde o universo de incidência abrangia as théâtre, à la législation, la restauration, les áreas que passamos a discriminar: qualités et la profession de l’artiste, la con- servation, des sites, le tracé urbain et le l’as- Educação pect du domaine public. Au cours des douze Teatro années qui séparent le premier congrès du Legislação dernier, aucun de ces domaines ne s’impo- Restauro sent, même si le nombre de contributions se Música popular rapportant à l’aménagement urbain s’accroit Mobiliário urbano graduellement”17. Profissão artística Conservação de sítios Refletindo sobre estas palavras, importa ad- Traçado urbano vertir para o caráter ao mesmo tempo pro- Aspeto do domínio público gressista e conservador deste movimen- to. Por um lado, muito avançado no que Pelas áreas listadas, percebemos que o mo- se relaciona com a amplitude da noção de vimento a favor da Arte Pública se concebia Arte Pública que defendia. Por outro, muito não apenas como uma dinâmica de produ- conservador pelos seus referenciais estéti- ção artística, mas também, e de forma parti- cos, sendo o mais relevante a escultura rea- cularmente atenta, como um movimento de lista de Constantin Meunier (1831-1905). defesa patrimonial.

– JOSÉ GUILHERME ABREU 23 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Fonte: KimberlySmith, Dml- Ajc Staff Star Tribune Star TribuneSiah Armajani, , 1994. um públiconão especializado. através daredefinição dasua relação com artes perdeu-se e só poderá recuperar-se 14. A maiorparte dadimensãoéticadas com queoartista sejaumcidadãooutra vez. co, para fazercomque aarte sejapública e fosso queseformaentre aarte eopúbli- 7. A escultura pública tentapreencher o pelas seguintespassagens: um ideário muito similar, como se percebe cultura Pública deSiah Armajani, queabriga nuidade se descobre no Manifesto da Es- ceito original, epensamosqueessaconti- prática, reconhecer amanutençãodocon- de estrutural quepermite, nateoriae do século XX apresentam umacontinuida- finais doséculo XIX ea Arte Pública definais de aplicação, a Arte Pública bruxelense de Se seexcetuar estadiscrepância decampo Plásticas. quase exclusivamente aoterritóriodas Artes autonomia, porsuavezaparece confinado cias artísticas, masesse experimentalismo e mas, das linguagens plásticas e das tendên- o experimentalismo eadiversidadedoste- Em termosestéticos, atualmente prevalece Pública éinversaemrelação àdasorigens. Contrariamente, acondiçãoatual da Arte para aerosão dasuaorientaçãoestética. dernidade emergente, aspeto que contribui te àsteses, àspráticas eaosobjetivosdamo- nais doséculo XIX foirefratário relativamen- o movimentoafavor da Arte Pública defi- da produção artística de caráter historicista, tivamente aos modos, métodos e resultados Sem denotarumdistanciamentocríticorela- 18 Por isso, consideramos que o significado da O movimento a favor da Arte Pública na Bél- Arte Pública contemporânea se esclarece gica fracassou e, notoriamente, não resistiu com maior acuidade a partir da compreen- ao embate da modernidade, que pela mes- são do nascimento e do ocaso do movi- ma época começava a apresentar resulta- mento belga a que nos vimos referindo. dos que Broerman não foi capaz de prever ou assimilar. Assim, se os fatores da formação da Arte Pública moderna na Bélgica, hoje, nos pa- Tentando sintetizar, o tema da origem e do recem claros, e se os mesmos se podem significado atual da Arte Pública, parece- relacionar com a afirmação económica e -nos legítimo retirar as seguintes ilações: política da Bélgica oitocentista, sob o subs- trato do seu desenvolvimento industrial e O âmbito da Arte Pública confina-se hoje à sua independência política, o impasse (e esfera das artes plásticas, sendo mais limita- posterior ocaso) do movimento belga dos do do que nos finais do séc. XIX. Congressos Internacionais de Arte Pública, segundo Marcel Smets, explica-se assim: A Arte Pública emergiu da modernidade sob o primado das Artes Aplicadas, mas a “Les Congrès de l’Art Public ne donnent pas modernidade rejeitou o ideário utópico da lieu à des tendances affirmées. Ils se distin- primeira, privilegiando o primado da inova- guent par l’émulation qu’ils provoquent, et ção estética e da vanguarda. par la coexistence en leur sein de tendan- ces contradictoires qui caractérisent l’avè- A modernidade emergente hostilizou qual- nement d’une discipline en formation. Leu- quer a ideia de continuidade, provocou a rs apports concernant l’urbanisme sont dus blocagem do ideário utópico da Arte Públi- à des contributions personnelles et non au ca e levou à perda da sua identidade. débat entre participants. À aucune de ces quatre assemblées, les communications ne O surto atual de arte pública contemporâ- font preuve d’innovation. Elles semblent tout nea resulta do desbloquear do movimento au moins destinées à vulgariser le savoir do final do séc. XIX, operado pela pós-mo- professionnel de l’époque et il parait logi- dernidade, reabilitando a função cívica, uti- que que Buls ait réservé à d’autres réunions, litária e lúdica da obra de arte, ligando-se plus spécialisés, les allocutions qui reflètent à vida. le plus étroitement ses conceptions concer- nant l’aménagement urbain. Il est plus que symptomatique que le dernier Congrès de l’Art Public se soit déroulé presque en même temps que la Fameuse Town Planning, Con- férence de Londres, sans que ses initiateu- rs à Londres, se soient aperçus qu’ils étaient dépassés par les évènements”19.

– JOSÉ GUILHERME ABREU 25 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA artistique, n. Régénérateur », BROERMAN,– «L’Art Eugène pp. 35-37. Contemporani deBarcelona, 1995, de Lectura. Barcelona: Museud’Art Norteamericana, Contexto delaDemocracia La Escultura Públicaenel ARMAJANI, Siah– 2001. Humana. Lisboa:Relógio de Água, ARENDT, Hannah–A Condição handle/2024/931. http://dspace.universia.net/ 2007, Lisboa. Acessível emURL: de CiênciasSociaiseHumanas, de Doutoramento, Faculdade em Portugal (1948-1998). Tese Pública eMonumentalidade ABREU,Guilherme –Escultura José des Beaux-Arts, [s.d.]. 1898. Bruxelles: Académie Royale Bruxelles du24au29septembre International del’Art Public tenua AA.VV., —Bibliografia << BROERMAN, Eugène(coord.) 1892. de l’Association desCercles d’art décoratif, in étude d’unesociétébruxelloise d’utilité publique(1894-c.1905): l’art appliquéàlarueetauxobjets CHERON, Céline –L’Œuvre de de l’Art Public, (1907-1912). XII, Bruxelles, InstitutInternational International deL’Art Public, nºIa – L’Art Public. Revue deL’Institut Premier Congrès os 2-5, 6-20novembre in in AA.VV, VIIIème Congrès La Fédération Manifiesto Manifiesto Espacios Espacios

In, Morris inNederlandenBelgië, en dereceptie van William Nergensoord. Natuursymboliek – Englishversionof:Nieuwsuit from Nowhere intheLow Countries theEarth.of The News Reception of TIBBE, Lieske –Art andtheBeauty [1920]. Sciences EconomiquesetSociales, Simonians. Paris: Librairie des Social del’Art d’Après lesSaint- THIBERT, Marguerite –Le Rôle Pierre Mardaga, 1995. Principes del’Art Urbain, Liège : SMETS, Marcel –CharlesBuls. Les Barcelona, 1997. cátedra. Barcelona: Universitat de Memoria para elconcursode y Lenguajes escultóricos. Teoría del Arte Público. Proyectos REMESAR, Antoni–Para una Colibri, 1997. Contemporânea. Lisboa:Edições Linguagem e Violência naCultura de MIRANDA,Bragança José Belgique, vol. IV, 1921. Bruxelles: Académie Royale de et XIX SiècledanslesPays Bas. HYMANS, Henry–L’Art au XVII Blom &Olivierse, 1887. nineteenth century, Kuilenburg : for hometeaching. Part II. higher classesinschoolsand Reader. A Reading-book forthe DE BEER, Taco H.– Namur, Août 2008, pp. 699-713. d’Archéologie deBelgique, 28-31, francophones d’Histoire et De Negentiende Eeuw,( – Política eModernidade. The Literary The In The The The

4 3 2 1 book for the higher classes in book forthehigher classesin – H. Barcelona, p. 206. Universitat deBarcelona, 1997, para elconcursodecátedra, y Lenguajes escultóricos. Memoria Teoría del Arte Público. Proyectos música”. como exemplo temosoteatro ea da obra amediaçãodointérprete; imprescindível para apreciação compreensão ereprodução, sendo artes alográficas, queimportam em por exemplo, aarte dapintura; eas reprodução dointérprete, como pelo autor, independenteda da obra, completadasomente importam apenasemcompreensão tipos dearte: asautográficas, que Roberto Grau: “Existemdois autográfica, talcomo explica Colibri, 1997, p. 156. Contemporânea. Lisboa:Edições Linguagem e Violência naCultura de –Política eModernidade. — Notas 1979 (1895). Archives d’Architecture Moderne, Déblaiement d’Art. Bruxelles: VELDE, Henryvande– pp. 233-251. DutchLiterature),Society of 2001, Nederlandse Letterkunde, (The Nineteenth Century), “William Morris”,“William In, DEBEER, Taco REMESAR,– Antoni Arte alográfica opõe-seaarte MIRANDA,Bragança José The Literary Reader. A Reading- Para una nº 25, Leyden: schools and for home teaching. 11 BROERMAN E. – «L’Art Part II. The nineteenth century Part Régénérateur», in La Fédération II. Kuilenburg: Blom & Olivierse, artistique, n.os 2-5, Bruxelles, 6-20 1887, p. 294. novembre 1892, pp. 15-16; 27-29; 5 TIBBE, Lieske, Art and the Beauty 39-41; 51-52. of the Earth. The Reception of News 12 Vd. THIBERT, Marguerite – Le from Nowhere in the Low Countries Rôle Social de l’Art d’Après les – English version of: Nieuws uit Saint-Simonians. Paris: Librairie des Nergensoord. Natuursymboliek Sciences Économiques et Sociales, en de receptie van William [1920], p. 53. Morris in Nederland en België, 13 AA.VV., Premier Congrès In, De Negentiende Eeuw, (The International de l’Art Public tenu a Nineteenth Century), nº 25, Leyden: Bruxelles du 24 au 29 septembre Nederlandse Letterkunde, (The 1898. Bruxelles: Académie Royale Society of Dutch Literature), 2001, des Beaux-Arts, [s.d.], p. 17. p. 233. 14 Ibidem, p. 18. 6 HYMANS, Henry – L’Art au XVII 15 Presidida por Enrique Fort, et XIX Siècle dans les Pays Bas. professor na Escuela Superior de Bruxelles : Académie Royale de Arquitectura de Madrid. Belgique, vol. IV, 1921, p. 345. 16 AA.VV., Premier Congrès 7 Idem, ibidem. International de l’Art Public tenu a 8 Título de una conferencia Bruxelles du 24 au 29 septembre pronunciada, en 1894, por Henry 1898. [S.l., Académie Royale van de Velde, durante la exposición des Beaux-Arts., s.d.] ; AA.VV., anual del grupo artístico de IIIe Congrès International de Bruselas “La Libre Esthétique”. l’Art Public tenu à Liège 12-21 9 VELDE, Henry van de – Septembre 1905. [S.l., Académie Déblaiement d’art. Bruxelles: Royale des Beaux-Arts., s.d.] Archives d’Architecture Moderne, 17 SMETS, Marcel – Charles Buls. Les 1979 (1895), p. 20. Principes de l’Art Urbain, Liège : 10 CHERON, Céline – L’Œuvre de Pierre Mardaga, 1995, p. 146. l’art appliqué à la rue et aux objets 18 ARMAJANI, Siah – Manifiesto: d’utilité publique (1894-c.1905): La Escultura Pública en el étude d’une société bruxelloise Contexto de la Democracia d’art décoratif, in Actes du LVe Norteamericana, in AA.VV, Espacios Congrès de la Fédération des de Lectura. Barcelona: Museu d’Art Cercles d’Archéologie et d’Histoire Contemporani de Barcelona, 1995, de Belgique, 28-31 Août. Namur, pp. 35-37. Presses universitaires de Namur, 19 SMETS, Marcel – Charles Buls…, Belgique, 2011, p. 701. p. 147.

– JOSÉ GUILHERME ABREU 27 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << manners, thanks tothe participation andinter-subjective with relational aesthetics, basedin“paradigms” thought post-industrial societytoupgrade themodernthought, the agent of livingspace-times,the agentof that is, socialexchange from aconceptualandhistoricalapproach topublicart theorized byNicolasBourriaud(2009)and“variables” the presence of arelational phenomenonusedbythe the presence of Da Forma aoAgenciamentodasRelaçõesDa Forma under the perspective of theartisticvanguards inthe under theperspectiveof summarized by José Teixeira (2009). Thus itpointsat by José António Fernandes Dias(2007), “mediation” This text discusses urbanart therelational aspectsof 1960s, andalsosincethe1990s, itisunderstoodas collaboration of acollectivebody,collaboration of interested in Poéticas da Arte PublicaRelacional: Poéticas daArte experiences oninter- relations. Artista-professor-pesquisador. Mestre emLetras pelaUniversidade Federal do Ceará (2003), doutoremBelas Artes pelaUniversidadedeLisboa. como MotordaObra câmbio social, ainteração comoespectador “Suas obras lidamcomosmodosdeinter teorias intermedeiamasrelações humanas: palavra deordem, pelaqualaspráticas e lacional”. Para ele, compartilhar torna-sea dor, NicolasBourriaud, chama“estética re- no artístico.É oque uso demateriais esuportes restritos aopla- estéticas quantoàcomposição, equilíbrio, nais) acima dos formais, sem inquietações são osaspectosrelacionais (comunicacio- de estánarazão dequeomaisimportante tivo mais evidente de sua contemporaneida- que lheépróprio. Com efeito, osinalindica- foque seacentuou, alémdograu relacional ao passado, estánomodocomqueesteen- Sua “singularidade”atual, noentanto, frente nifica ecompletaseusentidoenquantotal. opera enlaces, cujarecepção estéticaressig- de conformação(artista/obra/espectador) sempre foi, namedidaemqueseucampo arte é algo “aderente” ao tempo, aliás como Podemos dizer que o aspecto relacional da Observações preliminares: por Herbert Rolim por Herbert o críticodearteecura- - dentro da experiência estética proposta, os complexidades que a expresão arte públi- processos de comunicação enquanto instru- ca relacional abriga no seu itinerário histó- mentos concretos para interligar pessoas e rico, com a ressalva de aqui limitar-se a uma grupos” (BOURRIAUD, 2009, p. 60). síntese, longe de esgotar o assunto. Antes disto, precisamos fazer notar que cada vez Neste caso, conforme observa, mais do que mais o conceito de arte pública parece es- os aspectos formais de um campo simbóli- capar a uma definição circunscrita, em ra- co ou material, como território autônomo e zão do que achamos pertinente a longa particular da arte, “atesta uma inversão radi- transcrição abaixo: cal dos objetivos estéticos, culturais e polí- ticos, postulados pela arte moderna” (p. 20) Definir uma arte que seja pública obriga a no sentido de libertar-se da pureza da arte considerar as dificuldades que rondam a que não se mistura, o que altera a ideia de noção deste conceito. Em sentido literal, se- progresso histórico (o “novo” e a superação riam as obras que pertencem aos museus e do “novo”) de que os manifestos modernis- acervos, ou os monumentos nas ruas e pra- tas do século XX foram reféns. É também o ças, que são de acesso livre. que ele chama “obra de arte como inters- tício social”, numa analogia às relações de (...) O sentido corrente do conceito refere- escambo sem interesse de lucro, ante à eco- -se à arte realizada fora dos espaços tradi- nomia capitalista, em que cambialmente se cionalmente dedicados a ela, os museus e operam as trocas intelectuais, afetivas, críti- galerias. Fala-se de uma arte em espaços cas, culturais etc., como produtos de sociali- públicos, ainda que o termo possa designar dade. Do seu ponto de vista, trata-se de per- também interferências artísticas em espaços ceber as práticas de arte cocntemporânea privados, como hospitais e aeroportos. A mais pelo ângulo das “formações” do que ideia geral é que se trata de arte fisicamente das “formas”, em que pesa, no lugar de suas acessível, que modifica a paisagem circun- especificidades internas, estilo e assinatura, dante, de modo permanente ou temporário. o valor das forças externas com que dinami- za “relações entre indivíduos ou grupos, en- (...) A arte pública deve ser pensada den- tre o artista e o mundo e, por transitividade, tro da tendência da arte contemporâ- relações entre o espectador e o mundo” (p. nea de se voltar para o espaço, seja ele o 37) pelo que se potencializa sua capacida- espaço da galeria, o ambiente natural ou de de diálogo com outras formações, sejam as áreas urbanas. Diante da expansão da estas do âmbito artístico ou não. obra no espaço, o espectador deixa de ser observador distanciado e torna-se parte Dito isto, é o caso de trazer para a arte pú- integrante do trabalho (neste sentido, difícil blica contemporânea considerações so- parece, algumas vezes, localizar os limites bre a presença deste fenômeno, ou seja, entre arte pública e arte ambiental).1 as bases fundantes das bifurcações, inter- secções, entrecruzamentos, conjunções e

– HERBERT ROLIM 29 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA envolve artistas enão-artistas. feras estéticasesociopolíticas, debate que defesa dainterdisciplinaridade entre ases- ciedade contemporânea. Cresce otomde veis processos de exclusão em curso na so- cipação coletiva, emresposta aosintolerá- produção artística, abrindo-apara aparti- trata-se de uma vontade de deselitizar a à conclusãoque: tas, críticos, historiadores e curados, chega blica, lançadapelosite“trópico” aosartis- mais detrintarespostas doqueéarte pú- crítica dearte Lisette Lagnadodiantedas acionam asrelações sociaisesimbólicas. A terlocutores; e“identidade”, pelaqualse tilhado; “público”, quesãoseusagentesin- lações entre “lugar”, comoespaçocompar espaço públicoondeseoperam ascorre - se formaapartir deumentendimento rio, temcomobaseamesmaestrutura que conceitos nãoéexcludente, pelocontrá- to àsuadefinição, estaambivalênciade Embora nãohajaumsensocomumquan- vado o comportamento intencional se dá partilhados. Por outro lado, noespaçopri- culturais específicossão ativados ecom- com osquaisasexperiências eos hábitos presentação visadospelaconsciência(...)” que visamàrealidade, comosníveisdere- entrecruzamento dos“níveisdepercepção 1-2), devehaverumaintencionalidadede tigador José Guilherme Abreu (2003, pp. público» para aqual, naopiniãodoinves- tituição quecomporta aideiade «domínio absorção, presentificação, captaçãoe res- público umsentidode“«lugarcomum» de precisamos entender que há no espaço Em oposição à ideia de espaço privado, << 2 - vo comointerruptivoeintervencionista. tanto sernosentidointegrativo eassimilati- explorados pelominimalismoquepodem mento doespectador, recursos inicialmente ficidade dosítio(site-specific)eodesloca- e opúblico, oquetemavercomespeci- leva emcontaasrelações entre oambiente 2 –“arte comoespaçopúblico”:aobra aqui (p.que põemaoescultor” 105). que não os desafios formais de composição nica ou geográfica tenha outra importância res dosítiocomoentidadefísica, arquitetô- dura, “semqueascaracterísticas particula- está inserida, funcionamaiscomoumamol- obra autônoma, emqueapaisagem, naqual des estéticasdoobjetoartístico, enquanto ção doartista estáemevidenciarasqualida- 1 –“arte emespaçospúblicos”:apreocupa- equesão: “têm vindoaacontecer” ideia dearte públicaque, segundoele, ra distinguirtrês paradigmas emtornoda nandes Dias(2007, pp. 103-111)procu- o antropólogo ecurador José António Fer No texto Arte pública:algunsparadigmas, arte pública Paradigmas, mediaçõesevariáveisda cas combasenasrelaçoes convivais. vinculada dade desse fenômeno, de sua penetração partida para umacompreensão dafecundi- mos orelacional naarte pública, pontode Com estasobservaçõesiniciais, introduzi - ce para oâmbitodoparticular. no sentidoinverso restringindo seu alcan- às formasdesignificaçãoestéti-

- 3 – “arte no interesse público”: as relações ordem do relacional com o divino. Mesmo entre o ambiente e os agentes culturais são em se tratando de obras em que os acon- de outra ordem, para além das questões de tecimentos, o engenho e as conquistas hu- fisicalidade e, normalmente, estão ligados manas sejam proclamados, há referências a projetos temporários em que o público ao divino nessas crônicas visuais, como se é componente de sua poética, “neste sen- o poder vigente a ele estivesse associado. tido, é parte de uma problemática espacio- Este fenômeno, de forma mais ou menos -política, é um discurso que combina ideias persistente, estendeu-se até o Renascimen- acerca da arte, da arquitectura e do design to (Séculos XIV-XVI) quando a arte no seu urbano, com teorias da cidade, do espaço campo mediador de relações passa a vol- social e do espaço público” (p. 109). tar-se também para os espaços de interli- gação entre homem e mundo, que dizem Estamos nos referindo a uma arte que migra respeito ao lugar do indivíduo diante da ex- do monumental para o conceito, da forma tensão do universo. para a (form)ação, do lugar específico para a impermanência da arte desenraizada e Estamos falando do segundo modo de pro- efêmera, das relações espaço/tempo fecha- dução de arte quanto ao caráter relacional, das para as zonas de convivência sócioes- ou seja, do homem e dele mesmo como su- paciais, abertas, próprias da arte pública jeito do mundo, na condição de observador relacional de nossos dias, em que conta as e de sujeito/objeto observado, isto graças relações inter-humanas. Em face do modo aos avanços das ciências e das artes com a como as relações são objetivadas, nas pa- perspectiva e o naturalismo anatômico de lavras de Bourriaud (2009, p. 38) “seria pos- Leonardo da Vinci (1452-1519). A ideia de sível escrever uma história da arte como a que a terra não era o centro do universo e história desta produção de relações com o se movia num espaço contínuo, defendida mundo, levantando ingenuamente a ques- por Galileu, foi fundamental para que as tão da natureza das relações inventadas pe- concepções de espaço avançassem em di- las obras”, alçando seu valor como proprie- reção ao século XVIII e alcançassem depois dade singular e origem de sua razão de ser. seu sentido moderno, notadamente no que Dessa forma é possível delinear um panora- diz respeito aos aspectos naturais e organi- ma histórico conforme o vetor para o qual zacionais da vida em sua abrangência. Não se incline o foco da arte: como mediador que a presença do divino se tivesse esvazia- entre humanidade e divindade, humanida- do, no entanto sua representação havia se de e mundo (objeto) e humanidade e rela- humanizado. ções-humanas. Para o fílósofo francês Michel Foucault No primeiro caso, a mediação da arte en- (1998)3 o grande valor desta descober- tre homem e desígnios divinos se dá nas ta está na passagem da noção de espaço relações do indivíduo com o que se expan- como “localização”, em forma de fixação e de para além dos limites ordinários, numa hierarquização quanto às especificidades

– HERBERT ROLIM 31 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA mem edivindade” até àmodernidadecom suas objetivações de mediação entre “ho- origens remotas daprodução dearte com Tudo oquefoivistoanteriormente, desdeas das obras. de, pelo menos no que se refere a maioria antes generalizadas, se não nasuatotalida- relações comarealidade domundofísico, RIAUD, 2009, p. 39), particularizando-os nas veis denossaapreensão doobjeto”(BOUR- mental quereconstituía osmecanismosmó- violões, jornais...)“a partir deumrealismo uso cotidiano(mesas, cadeiras, cachimbos, ções visuais do homem com os objetos de com oCubismo(1907), nasformasderela- arte passaaindicarnovosdirecionamentos ser humano, asrelações medianeiras da do comomundofísicoqueprivilegiava por questionamentosinadiáveis. Emacor agora essaconveniênciarelacional passaria das entre oHomemeascoisasdomundo, tância comaspráticas dasrelações manti- a divindadeeram cultivadosemconcomi- Se antesosmodosdecomunicaçãocom vida serealimenta. universal, etc.), pelaqualaorganização da co, doméstico/social, lazer/trabalho, local/ site, dividualizados queseconectamemrede, pontos ou elementos especializados e in- como extensão, mascomoumconjuntode compreensão deespaço hojeeaínãomais ço descoberto pelo homem, até chegar à são” faceaamplitudeeabertura doespa- (séculos V-XV) para o sentidode“exten- bido etc.)assimpensadanaIdadeMédia profano, divino/humano, permitido/proi- de natureza moral doslugares (sagrado/ << conforme suaativação (privado/públi- - de “apresentação” doContemporâneo (3ª. nomia” doobjeto, edestepara omodelo variável) voltadopara oconceitode“auto - modelo de“presentação” doModerno(2ª. sentido “mimético”daestatuária, para o do Clássico(1ª. variável)orientadopelo a passagem do modelo de “representação” cias artísticas. Em algum momento, deu-se embaralhada dealgumasdestastendên- mos aascensão, odeclínioepermanência que, no decurso deste século, presencia- sentação”) respectivamente. Isto querdizer ção” (“representação”, “presentação”, “apre - Contemporâneo) e “modos de representa- temas depensamento”(Clássico, Moderno, to detrês variáveis de acordo comos“sis- caso daescultura, eleenumera umconjun- neste espaçodetempo. Voltando-se para o tiza “a diversidade de registos”, acontecidos XX, porexemplo, José Teixeira (2009)sinte- em datas assentadas. Nocasodoséculo demarcatórias quecomeçameterminam ceituais e representativas não são assim tão Sabemos queaslinhasdemudançascon- -humanas” –asocialidadeemformadearte. que chamos“humanidadeerelações inter o quesevênesteterceirodelineamento,a formal, istoé, enquantoformarelacional. É sam aserpercebidas tambémcomomeio tes almejadas como fim, na atualidade, pas- camento contínuo, emqueasrelações, an- alterando aolongodotempo, numdeslo- tórica daarte, que, sucessivamente, vãose los modos de pensamento e produção his- o grau desentido“relação”, sofridope- do que, noentanto, oquesealtera agora é cional da arte, como já dissemos. Lembran- tudo istotem, emcomum, anatureza rela - suas explorações entre “homem e objetos”, - variável) que tem a ver com “interpretação/ Em 1955, simultâneo aos happenings, sur- exibição” correspondente ao mixed media giu uma corrente interessada pelas ques- dos dias atuais, em que estamos mergulha- tões do “movimento” na arte, como pôde dos, cujo emersão deve-se às atualizações ser vista na exposição de Arte Cinética Le do pensamento moderno pela sociedade Mouvement, na Galeria Denise René, em Pa- pós-industrial. ris. Em reexame às teses estéticas do cons- trutivismo russo, os artistas cinéticos pensa- As vanguardas dos anos sessenta ram em como suas obras poderiam avançar A entrada na década de 1960 é marcada no sentido ambiental, na forma como a pro- por uma agitação que se aproxima da variá- blemática do tempo e movimento, antes le- vel de “apresentação”, mencionada há pou- vantada por Pevsner (1902-1983) e Gabo co. Comecemos apontando seus antece- (1890-1977) no Manifesto Realista de 1920 dentes, os happenings (acontecimentos) de em sua forma mais literal, se resolveria pela 1952, tidos como os primeiros, assim reco- experiência sensorial, recorrendo a efeitos nhecidos, realizados na Carolina do Norte, físicos reais e virtuais, que dependiam de Estados Unidos, pelo compositor, escritor uma articulação pró-ativa entre espectador, e artista, John Cage (1912-1992) cuja teo- obra e ambiente. ria musical influenciou fortemente o cenário artístico de então, sobretudo no que se re- Por sua vez, a ligação da expressão Arte Pop, fere à participação do público e à conjun- na década de 1950, com o repertório da ção poética da música, teatro e artes plás- cultura de massa, acabou por se constituir ticas em suas apresentações. Seu método em uma corrente que substituia a inflexão de composição, que consistia na integração e o subjetivismo do Expressionismo Abstra- do acaso e na posição do espectador em to por assuntos ligados ao meio urbano, no situação de atenção e atitude participativa, qual procurava imiscuir-se. A princípio, sur- isto para que a obra atingisse plenamente giu em Londres e, imediatamente foi assimi- sua poética, orientou toda uma geração. lada pela sociedade consumista americana, O artista Allan Kaprow (1927-2006) como bem à vontade com os produtos do capi- seu aluno, soube explorar bem as lições do talismo urbano: períodicos, publicidade, mestre: seus happenings tornaram-se refe- embalagens de produtos alimentícios e de rência para os processos de assentamento higiene, eletrodomésticos, indústria da cul- das categorias instalação e performance, tura e do entretenimento, imagens de ído- enquanto campos agregadores, desde que los, enfim, tudo aquilo que escapara às van- a Bienal de Veneza de 1976, com o tema guardas modernistas em relação à tradição Environmental art, trouxe o assunto para o figurativa e realista da arte. O que vemos centro das discussões, hoje largamente pra- a seguir é a colocação da obra de arte no ticadas e fundamentais para o entendimen- patamar de identificação com os produtos to das intervenções urbanas no âmbito da de consumo, sem o objetivo de buscar sua estética relacional. institucionalização oficial, mas de sair dela e comunicar-se com a sociedade em geral.

– HERBERT ROLIM 33 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA que oartista alemão, Joseph Beuys(1921- years of Fluxus years of Friedman (1949)nofamosoensaio Forty modo devidaemorte”, comoassinalouKen neira defazerascoisas, umatradição eum de seusparticipantes eteóricos:“umama- compositor, DickHiggins(1938-1998), um po fechado, mas, noentenderdopoetae xus nãoseriaummovimentoougru- cional deexperimentações artísticas, Flu- Conhecido comoumlaboratório interna- gumas ideiaseaproximou váriosartistas. mou Fluxus, emtornodoqualformuloual- um estadode“mudançasocial”, aquecha- Maciunas (1931-1978), a entendê-locomo sico, teóricoehistoriadordearte, George culo passadolevouoartista plástico, mú- zou oiníciodessasegundametadedosé- O elencodeacontecimentosquecarateri- outras atividades, fariamarte. haveria artistas, mascidadãosque, entre deveriam entrecruzar-se, nestesentidonão arte ativista, cujaslinhas, entre arte evida, situacionistas estavaminteressados numa duzi-la”, mas “ampliá-la” (JAPPE, 2008). Os vida ordinária, pelaqualnãocaberia“tra- falar dearte comoconsciência crítica da arte, elefalaem“superação daarte” para conhecida, escrita em 1967. No âmbito da A sociedadedoespetáculo, suaobra mais escritor Guy Debord (1931-1994) autor de nhecido foioteóricolibertário, cineasta e cia domarxismo, cujoagitadormaisco- Itália, vinhasepronunciando sobainfluên- nacional Situacionista, que, desde1957, na social, artístico ecultural, movidapelaInter uma plenaativação domovimentopolítico, numa direção opostaaesta, haviatambém Simultânea àpopart, lembremos que, << 4 MododevidaFluxuseste - “realidade” (AMARAL, 1998, p. 273) numa der aobra dearte, para dar conta desua cor etc., nãosão suficientespara compreen- jetivas detempo, espaço, forma, estrutura, uma significaçãonova– que asnoçõesob- no espaço-masotranscende aofundarnele obra dearte nãoselimitaaocuparumlugar trazia aseguinteafirmativa: “Éporque a pelo poeta, artista ecrítico, Ferreira Gullar, Janeiro, de21março de1959, assinado festo, publicado no Jornal doBrasil, Riode vimento chamadoNeoconcreto, cujomani- nal, oBrasil dásuacontribuiçãocomomo- Em direção àsquestõesdoâmbitorelacio- cena artística portuguesa. ning eperformanceforam introduzidos na de 60e80, pelosquaisvideoarte, happe- publicações epalestras, entre asdécadas ração, motivadapelas suas ações, cursos, crítica dearte, influenciandotodaumage- nema, vídeo, jornalismo, rádio, educação e pela música, cultura popular, fotografia, ci- nava, dadaàliberdade comquetransitou rador estético”comoeleseautodenomi- José ErnestodeSousa(1921-1988)“ope- rimental epolémicodoartista português também emPortugal, nodinamismoexpe- A maneira Fluxusdeagirestevepresente chamou “escultura social”. (F.I.U.) eestruturar umpensamentoaque fundar aUniversidadeLivre Internacional mance deartista/professor/pesquisador ao em funçãodequepautousuavida/perfor dialógicas enquanto prática ativista da arte, tercambiáveis nosuaforma deefetivação, como formadearte, educaçãoepolítica, in- prática tinhaporprincípiopensar“relações” 1986), levouàsúltimasconsequências, cuja - clara alusão de esgotamento dos princípios todo orgânico por escala” (OITICICA, 1986, formais de beleza ou de como estes esca- p.78). Trata-se de uma concepção que al- pariam aos limites da retina. tera todas as anteriores categorias de arte (pintura, escultura, etc.) baseada na liberda- A obra de Lygia Clark (1920-1988) é de de meios e na proposição participativa exemplar desse entendimento desde as do espectador. pinturas de 1954 quando a artista extrapola o campo pictórico e avança o espaço da Em paralelo, entre 1965 e 1968, nos Esta- moldura, rompendo os limites que separam dos Unidos, despontava o Minimalismo, no a ficção da realidade, e que Ferreira Gullar campo da escultura, particularizado pela fi- chamou de não-objeto por não ser nem sicalidade, tamanho geralmente de gran- pintura, nem escultura, nem objeto utilitário. des dimensões, construção simplificada Segue-se daí um percurso que vai da pintura dos sistemas visuais, utilização de materiais à escultura, da parede à participação do produzidos industrialmente (chapas de aço, espectador e desta à extrapolação das lâmpadas tubulares, tijolos...) repetições de fronteiras entre arte e vida com que chegou unidades independentes e, abstraçãoprin- à Estruturação do Self (1976-1988) sua últi- cipalmente, distanciamento de qualquer ma pesquisa de um “possível”, em que os personalismo lírico ou ideológico. Deste sentidos de alteridade e corporeidade fo- pendor da arte minimalista, interessa abor- ram trabalhados a título de resultados tera- darmos o que dele se pode observar em pêuticos, quer dizer, os objetos tornam-se proveito do sentido de construção de lugar dispositivos relacionais, pelos quais pro- e sua dimensão relacional. Na série Mirro- positora, coisas e corpos (espectadores) se red Boxes, de 1965, por exemplo, em que o harmonizam em uma totalidade. artista Robert Morris (1931) se utiliza de um conjunto de cubos revestidos de espelhos e De igual importância para o avanço do fa- os leva para a galeria, o “Caminhar em torno tor de mediação relacional da arte, temos a e por entre as partes separadas desta escul- pesquisa de Hélio Oiticica (1937-1980) que tura permite ao indivíduo vivenciar o espa- se amplia da natureza complexa da estrutu- ço da galeria, o próprio corpo e dos outros ra-cor, em seu estado puro como ação, ao como uma realidade fraturada e disjuntiva” “projeto ambiental” de uma nova sensibili- (ARCHER, 2012, p. 57). dade. O aspecto relevante deste projeto de trabalho é, sem dúvida, o conceito de “ma- Surgidas daí, no final dos anos 1960, estas nifestação ambiental” que é sua própria ma- questões se afinam com o conceito desite-s - nifestação criadora, transformada em pro- pecificity (especifidade do sítio) algo como grama (“programa ambiental”) e que está fisicamente preso às determinações do lu- enraizada nos “Núcleos, Penetráveis, Bóli- gar, inicialmente ligado à ideia de site-spe- des e Parangolés, cada qual com sua carac- cific (sítio especifico) no sentido do jargão terística ambiental definida, mas de tal ma- da arte contemporânea de implicar o ob- neira relacionados como que formando um jeto/escultura às características do espaço

– HERBERT ROLIM 35 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA de, inundações, etc.). Aqui, deparamos com climáticas detodaordem (vento, tempesta - Utah, EstadosUnidos, sujeitaàscondições construída noGrande LagoSalgadoem toneladas debasalto, cristaisde saleareia, vando emcontasuaconstituiçãode6.500 do comfacilidadeporumpúblicomaior, le- poderia servendido, colecionáveleacessa- (1938-1973), umtrabalho quedificilmente espiral eletrônicos. Vejamos aobra Quebra-mar arte ambiente, ouaté mesmonosmeios tureza, noqueassumecaracterísticas de associada àsáreas urbanasouaindaàna- branco deumagaleriaoumuseucomo tar vinculada à arquitetura tangível do cubo “Realidade dosite”estaquetantopodees- do site. ram-se no novo apego da arte à realidade negociáveis –todosestesimperativos junta- de arte comomercadorias transportáveis e de mercado, quefazcircularem ostrabalhos de resistir às forças da economia capitalista poral vivenciada; e o desejo autoconsciente delo fenomenológicodaexperiência cor do antigomodelocartesiano para ummo- contexto; areestruturação radical dosujeito jeto artístico para ascontingênciasdeseu co derealocar osignificadointernodoob- nário institucional;odesafioepistemológi- como pintura eescultura, talcomoseuce- as limitaçõesdaslinguagenstradicionais, A (nova-vanguardista) aspiração deexceder Para ateóricaMiwonKwon(2008,p.168): relacional do sujeito com oobjetoe o lugar. teúdo esignificadosecompletanaprática em temporeal(aqui-agora),queocon- físico eàexperiênciavisualdoespectador << 5 (1969-1970), de Robert Smithson - ta dascoisas, materializada emobra-objeto mia domodernismo:arepresentação dire- em xeque osvalores maiscaros àautono- Nestes termos, aarte conceitual colocou sentido dearte comoideia. ocorrer nadécadade1970, alcançando o te para asmudançasconceituais que iriam como natureza estéticadaobra, importan- na compreensão do“processo decriação” lerias ecolecionadores, dava-se umpasso com estainjunçãodaarte aosmuseus, ga- condição tambémdearte. Note-seque, ambientais, expondo-as nestesespaçosna formava emmercadorias suasintervenções lerias) comqueoartista perenizava etrans- paços convencionaisdaarte (museus ega- anotações, mapas, fotografias etc., emes- dras, terra, madeira etc.)projetos, esboços, da exposição demateriais (nestecaso:pe- de em umasituaçãofora dagaleria, eaideia to de Desta forma, Smithsonestruturava oconcei- nos informaMichael Archer (2012, p. 96). por (osquaischamava‘não-sítios’)”como biáveis, nas galerias em que ele poderia ex paços anônimos, essencialmenteintercam- ambiente (queelechamava‘sítio’)eoses- relação entre umlocalparticular nomeio do artista, “em desenvolverumateoriada e sualocalizaçãoinvulgar, haviainteresse, Considerando ocaráter efêmero destaobra riência/reação aopraticá-la. da obra, comimplicaçõesdiretas naexpe - realidade. Distoresulta apenetrabilidade Um deleséaconjunçãodearte, natureza e as alterações estéticas da década de 1970. fatores importantes que iriam caracterizar non-site (não-sítio)configurada apartir site (sítio) lugar de localização da obra, - como imagem estética e feita pelo artista, Data desta época um processo de constru- e sua recepção pela simples contemplação, ção de novos modos de intervenções artís- as quais, a começar por Duchamp (1887- ticas e crítica de arte, como a reconstitui- 1968), vinham sendo questionadas em ra- ção da secção portuguesa da Associação zão de uma arte-conceito que não estivesse Internacional de Críticos de Arte (AICA) em pautada apenas nos sentidos. Com o tem- 1969, e o despontar da arte relacional em po, a resistência da “arte como questão”, Portugal, a partir, por exemplo, de experiên- caracterizada pela crítica, tomada de cons- cias como a do Grupo Acre (1974-1977) e ciência e protesto, investiu cada vez mais, do Grupo Puzzle (1975-1981) sobre as quais tanto em relação ao sistema institucional, Isabel Nogueira ressalta: artístico, quanto ao contexto social e políti- co, operando com as ideias, o corpo, o meio A seu modo, ambos os agrupamentos se as- ambiente, as minorias e causas sociais. sumiram como portadores de uma lingua- gem plástico-performativa, inovadora no Um rápido apanhado do que foi a década contexto português, de vertente concep- de 70 em Portugal, sob a influência de um tualista, social e artisticamente interventiva. início de abertura política e social, à luz do Aliás, é justamente pela reconstituição da movimento revolucionário de 25 de abril, intervenção do Grupo Acre na Rua do Car- nos faz lembrar o que ela representou em mo (Agosto de 1974) com a pintura de cír- termos de reformulação estética, sobretu- culos amarelos e rosa no pavimento da rua, do no que diz respeito à experimentação. A que se acede à entrada principal do Centro investigadora Isabel Nogueira, cuja tese de de Arte Moderna.7 doutorado versa sobre o pensamento críti- co da década de 1970 em Portugal, esboça É digna de nota também, no tocante aos um perfil deste período: aspectos relacionais da arte em Portugal, a grande festa popular de 10 de junho de 1974, Foi a época de FESTA, de militância e dos animada pelo Movimento Democrático de eventos artísticos colectivos “ao serviço do Artistas Plásticos na Galeria Nacional de Povo”, desde as pinturas murais “da revo- Arte Moderna, que ativou num só ambiente lução”, até ao incremento de um modo de uma variedade de linguagens, interligando operar mais ligado à exaltação do artista/ apresentações musicais, teatrais e um painel criador, na procura de uma identidade ar- de 4,5m x 24m, produzido por quarenta e tística, estética e mesmo poética. Foi igual- oito artistas. Acionado pela liberdade de mente a altura da expressão longamente criação, o clima de coletividade se agudizou contida e dos slogans: “A arte fascista faz e acionou o público em geral. No mesmo mal à vista” (Marcelino Vespeira), “Contra a local onde fora pintado este painel, em agressividade, criatividade”, ou “A qualida- 1977, deu-se a exposição, Alternativa zero, de estética é progressista; a mediocridade tida como um marco de transição do mo- é reaccionária” (Salette Tavares).6 dernismo para o pós-moderno, sob a lide- rança de Ernesto de Sousa e a participação

– HERBERT ROLIM 37 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA erguer uma cortina deaçoquedificultava rou certo desconforto, principalmente, por na Federal PlazadeNova York, em 1981, ge- minimalista degrande dimensão, instalada ( de 1990emdiante, foiaescultura Tilted arc relação ao estéticas deimplicaçõesfísicasdaobra em buiu para pôremquestãoasorientações reção aestenovorumorelacional econtri- um caso que se tornou emblemático em di- Na décadade1980, noplanoinernacional, formas. deixava desugeriroaspectoconvivaldas música, moda e arquitetura, algo que não crítico dos anos 1970, artes plásticas, dança, agregou, mesmosemoexperimentalismo de NacionalBelas Artes (Lisboa)emque sob organização deLuís Serpa, naSocieda- tecer comDepoisdoModernismo, em vos modelosdeexposição comoiriaacon- rio internacionaledandomotivospara no- centro do debate, aproximando-a do cená- xe aintervençãoartística portuguesa para o nesto Sousa pontuou O pensamentodosensível, comoqualEr da relação “arte-vida”. tista, obra e espectador, num estreitamento ção daexperiência estética, abrangendo ar de originalidadeeautonomia, reformula- bra dos suportes, desconstrução do sentido desmaterialização doobjetoartístico, que- que passapeloprocesso deconceituação, e aabertura para umanovapostura crítica, to demarcatório daruptura comomoderno original expressa o zero inicial, como pon- “zero” que encabeça o título da exposição de vários artistas e colaboradores. O termo << Arco inclinado)deRichard Serra. Estaobra síte, levadas a miúde Alternativa zero, trou- na década na década 1983, - - cializadas da arte: do da (não)arte, do que as aparências espe - manas comofator deexperiência econteú- públicos ondesedãoas relações inter-hu- culturais, ligados ao cotidiano e aos espaços os aspectospolíticos, sociais, econômicose tradicionais) daarte, em quepesammais terializada) enãoestetizante(nostermos ção menosmaterialista (até mesmodesma- específica, indodeencontro aumaconcep- com oobjetoinseparável desualocalidade que adeaproximação físicadoespectador passou aoperar numadimensãomaiordo Deste pontodevista, aideiadesite-specific das instânciascontemporâneas. idealizado, nãodavamaiscontaemrazão site-specific, pelomenoscomoSerra havia dos conceitualistas, levaacrer queosentido cias dossituacionistas, dogrupoFluxuse passos minimalistas, somadaàsexperiên- pectiva devinteanosàfrente dosprimeiros objeto emfunçãodolugar. Vista numapers- cessariamente nainseparabilidade físicado ca emrelação aosite-specific, centrado ne- de crisequantoaofocodapráxis escultóri- A escultura deSerra ocasionouumestado foi removido edesmontadoem1989. como “opressor doespaço”, razão pelaqual vices Administration ( o trabalho foiconsiderado pelaGeneral Ser depois de uma luta judicial de quatro anos, disse: “removê-lo édestruí-lo”, ofato éque, tido naquelecontexto, comoelemesmo cala, tamanhoelocalizaçãosótinhamsen - uma vezque, enquantosite-specific,suaes - sugestão desuaremoçãoparaoutrolugar a circundá-la. Diantedarecusa doartista à o trânsito livre dospedestres, obrigando-os GSA), suafinanciadora, -

Indo contra o menor sentido dos hábitos e Deste modo, diferentes debates culturais, desejos institucionais, e continuando a re- um conceito teórico, uma questão social, sistir a mercantilização da arte no/para o um problema político, uma estrutura institu- mercado de arte, a arte site-specific adota cional (não necessariamente uma instituição estratégias que são ou agressivamente an- de arte), uma comunidade ou evento sazo- tivisuais – informativas, textuais, expositi- nal, uma condição histórica, mesmo forma- vas, didáticas – ou imateriais como um todo ções particulares do desejo, são agora con- – gestos, eventos, performances limitadas siderados sites. (KWON, 2008, p. 172). pelo tempo. O “trabalho” não quer mais ser um substantivo/objeto, mas um verbo/pro- Pelo que vemos, o modelo intervencionista cesso, provocando a acuidade crítica (não de site assume contornos de caráter discur- somente física) do espectador no que con- sivo de efeito receptivo conceitual, de sen- cerne às condições ideológicas desta expe- sibilização cultural, relacional, portanto de riência. Neste contexto, a garantia de uma orientação coletiva e de vivência urbana, relação específica entre um trabalho de arte enquanto exercício de cidadania, tal como e o seu “site” não está baseada na perma- as vanguardas da década de 1960 e 1970 nência física desta relação (conforme exigia almejaram, e a que a década de 1990 impri- Serra, por exemplo), mas antes no reconhe- miu novas questões: cimento da sua impermanência móvel, para ser experimentada como uma situação irre- (...) no fato de que esta geração de artistas petível e evanescente. (KWON, 2008, p. 170) não considera a intersubjetividade e a in- teração como artifícios teóricos em voga, Os sites-specific, deste modo, devem ser nem como coadjuvantes (pretextos) para compreendidos como site-oriented, po- uma prática tradicional da arte: ela as con- tencializados pela experiência urbana de sidera como ponto de partida e de chega- natureza social, baseada na referência do da, em suma, como os principais elementos lugar, pela relação das pessoas entre si, no a dar forma à sua atividade. (BOURRIAUD, compartilhamento das questões de violên- 2009, p. 62) cia, saúde, moradia, educação, gênero, re- ligião, cidadania etc., numa dimensão críti- A década de 1990 acabou por colocar em ca e conceitual da arte que não cabe num curso a prática artística de modelos de so- objeto único nem no enraizamento deste cialidade, um sistema de arte pública, cujo com o lugar físico, podendo tanto acon- agenciamento supera o consumo estéti- tecer em logradouros, escolas, hospitais, co. Mesmo que este fenômeno não tenha aeroportos, prisões, igrejas, shoppings..., acontecido em alto grau de intensidade e quanto penetrar nas redes sociais da in- escala globalizante, nesta década, é possí- ternet, ondas do rádio, sinais de tv, mídia vel assinalar sua inserção em vários países, impressa..., como interagir com diferentes pelo menos identificar os caminhos que lhe áreas do conhecimento: abriram espaço. No caso de Portugal, pode- mos começar citando as “festas da cidade”,

– HERBERT ROLIM 39 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA co e envolvimento afectivo se desvanecem tística, conhecimento técnico, sentidoéti- ção em que os limites entre intervenção ar que falamos, mas destainstânciadacria- ram eintervieram: “Nãoédelugares físicos ners, ambientalistas, moradores etc. refleti- arquitetos eurbanistas, educadores, desig- cional como discursiva, pelas quais artistas, xis atenção para ovalorrelacional destaprá- e aparticipação comunitária. Chamamos laboração deváriosartistas, profissionais Seixas eDanielaBrasil, contandocomaco- com coordenação deMárioCaeiro, Luiz la 2001, entre 1e30deoutubro de2001, o projeto LisboaCapital doNada–Marvi- Encaixa-se nestavertente, porexemplo, tam detemassociaisequestõesurbanas. cipativo, comqueasformasrelacionais tra- ca principaléocaráter colaborativo, parti- comunitária”, ao casoda“arte públicacomointervenção Por fim, nocontexto português, chegamos mações nocenáriolocal. e traz novoscontributospara suastransfor taliza aperiferiaurbanaorientedacidade” (Expo98) quandoaarte pública“monumen- minente, comaExposiçãoMundialde1998 mento queiriarefletir, deformamaisproe- da cidadeaumaescalaterritorial”, aconteci- Design Urbano e nas tensões da estrutura significativa osimpactos da Arte Pública no ciou umprocesso “de dotardeimportância pital Européia daCultura quePortugal ini- no entantofoicomoeventoLisboa94, Ca - dor Telmo Garção Lopes (2005/2006, p. 19), tística decaráter relacional. Para opesquisa- década, comoexemplo deintervençãoar por três anos consecutivos, no começo da << e para suadimensãotantotransforma- propriamente dita, cujamar - - - - social, daautoriapara ocoletivo, damera forma puramente estéticapara arealidade to para osprocessos desociabilidade, da deslocando o significado da arte do obje- nos ajudamapensararte públicahoje, De sorte queestesbreves apontamentos micos etc., deinteresse comum. movem porfatores sociais, políticos, econô- território acionado, masdasrelações quese da presença físicadeobjetosartísticos no são, já quenãodepende, necessariamente, tadas, percursos traçados, mediaçãoedifu- mento dacomunidadenasquestõeslevan- parte ativa da obra, o que denota envolvi- co nosdesígniosdaarte relacional, como Cabe aquireiterar aparticipação dopúbli- atenção nestasduasúltimasdécadas. mudanças estas que vem chamando mais do acrescidos e pouco a pouco assentados, cá, cujosconceitosestéticoscontinuamsen- com maisênfase, dadécadade1990para cionais, assumidosnacontemporaneidade, valida ograu significativo dosaspectos rela- destes fatores, naatualidade, oquenãoin- presenciamos apermanênciaembaralhada produção derelações, nahistóriadaarte, sagem, ascensãoedeclíniodosmodelosde É preciso dizerque, mesmodando-seapas- Considerações emcontinuum sado emproduzir espaços-temposconvivais. intersubjetiva deumcorpocoletivo, interes - mana, graças aparticipação e colaboração cional, vistanaperspectivadadimensãohu- Chegamos, assim, aocernedaestéticarela- participativa” (CAEIRO, 2001, p. 10). em favordaideiadeumacidadaniaativa e contemplação para a consciência crítica. — Bibliografia Precisamos ter em mente que ações artís- ticas desta natureza, efetivamente, não ob- ABREU, José Guilherme. Um jetivam resolver problemas sociais, mas sim modelo fenomenológico para problematizar mecanismos de intervenção a escultura pública. Revista e criar meios relacionais de como lidar com Faculdade de Letras Ciências e a realidade e transformá-la. Técnicas do Património, Porto, vol. 2, pp. 385-418, 2003. (I Série). AMARAL, Aracy (org.). Arte Construtiva no Brasil: coleção Adolpho Leirner. São Paulo: Companhia Melhoramentos; São Paolo: DBA Artes Gráficas, 1998. ARCHER, Michael. Arte Contemporânea. Tradução Alexandre Krug. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. (Coleção mundo da arte). BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Martins, 2009. CAEIRO, Mário J. Arte crítica urbana. De Lisboa como capital do nada à luz boa da cidade. Experiências extramuros. In: ANDRADE, Pedro de, et al. (coord.). Arte pública e cidadania: novas leituras da cidade criativa. Casal de Cambra, Portugal: Caleidoscópio, 2010. DIAS, José A. Fernandes. Arte pública: alguns paradigmas. In: Projecto Rio (coodenação Virgínia Fróis). Montemor-o-Novo: Edição Oficinas do Convento, 2007. ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTES VISUAIS. Arte pública. Disponível em:

– HERBERT ROLIM 41 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA no espaço-tempo daarte. Tese para ossentidos:umaexperiência TAVARES,Maria. Ana 2015. php?ref=90>. Acesso em:agode . Acesso Lisboa94_A_arte_publica_pelos_ edu/1261628/T_Garcao_Lopes_- em: . Acesso em:ago pphp.uol.com.br/tropico/html/ pública? LAGNADO, Lisette. 2015. miow-kwon>. Acesso em:agode pt.scribd.com/doc/64252965/ specificity. Disponívelem:. www.mostowa2.net/angelpastor/ Fluxus. FRIEDMAN, Ken. em: ago2015. termo356/arte-publica>. Acesso << Disponível em:

Um lugar após Um lugarapós Forty years of O queéarte Anos 70 – Anos 70– Armadilhas Armadilhas Lisboa Lisboa

1 3 2 2015. textos/956,1.shl>. Acesso em:ago revistatropico.com.br/tropico/html/ — Notas Ribeirão: EdiçõesHúmus, 2010. do lugarpelaarte contemporânea. TRAQUINO, Marta. Lisboa, 2009. 477f. Artes, UniversidadedeLisboa, em Escultura) –Faculdade deBelas e mitos(séc. XX). em Portugal: monumentos, heróis TEXEIRA, José. Paulo, 2000. 127f. Uniniversidade deSãoPaulo, São de Comunicações e Artes- (doutorado em Artes)- Escola em: ago2015. termo356/arte-publica>. Acesso enciclopedia.itaucultural.org.br/ Pública. Disponívelem:. www.mostowa2.net/angelpastor/ Fluxus. Disponívelem:. Acesso em:agode pt.scribd.com/doc/64252965/ specificity. Disponívelem:. Acesso em:agode

por Mário Caeiro

Professor na ESAD das Caldas da Rainha, Investigador e Curador.

A walk across the city, determined by the idea of ambulation. One stimulated by the notion that art can be a public thing. Res publica. Looking around leads to O olhar como saber the analysis of a sequence of urban moments. A set of A partir du moment où l’œuvre est vue, c’est- tensions appears, as made visible by each work of art. à-dire où sa présence s’est fait sentir, si elle What appears by means of this mosaic of impressions existe vraiment avec ce qui l’entoure, alo- is the idea that the urban form is a territory to be rs l’endroit n’est plus invisible. Dès lors, sa continuously appropriated. Such is the concept which lies réalité est modifiée. Et ceci est plus effectif in the core of an ethically responsible citizenship. lorsque l’œuvre n’est pas reconnue comme une œuvre d’art, lorsqu’elle n’est pas disso- — Keywords ciée comme une forme sur un fond. Public Art, Urban Art, Street, City, Ambulation. Catherine Grout

O presente texto evoca um percurso pela cidade. Uma deambulação simula um pas- seio, constituindo a sua memória ficciona- lizada, ao mesmo tempo que sintetiza as- pectos essenciais da minha reflexão dos últimos anos acerca da relação entre a arte e a cidade. É por assim dizer uma viagem – à vol d’oiseau – por conteúdos da obra Arte na Cidade – História Contemporânea (Círcu- lo de Leitores/Temas e Debates, 2014), aqui actualizados por impressões recentes, con- forme as vou situando no meu quotidiano.

Ao final assumo uma intuição: A arte pública está na maneira de olhar. Saber olhar a cida- de e nesta a arte (e vice-versa) é aqui a con- dição sine qua non para poder produzir-se o acontecimento urbano, que vejo como o

– MARIO CAEIRO 43 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA mostrar comocertas ideiasganham corpo pos, 2011). A partir destaevidênciaprocura tagonista docenáriovisual urbano(Cam- Este texto assumequeaarte podeserpro potencialmente transformativa Arendt earticulo-a comumaabordagem fundamental doespectadoremHannah da arte. Por outras palavras, parto daideia encontro dacidadeconsigo própria através << de delinquências, élugar de agitação[…].” mento, carregado deactividades suspeitas, agora expande-se ondequerqueoseu“fer cial queporacasonasceunascidades, mas que nelesedesenvolvaumasubstânciaso- dela, porque qualquer lugar é bom para essência dacidade, maspodedar-se fora dadão” (Lefebvre, 1978: 85). O urbano é a de imposiçãoenquantosistemaaesteci- urbano éassimobra decidadãos, emvez afastando-os dasuameta, enganando… O impondo oseujogoàsdominaçõesdestes, cura sões vindasdoaltocontra sipróprias. Pro- cura devolverasmensagens, ordens, pres- realizados ouvirtuais. A vidaurbana“pro- uma sucessãoinfinitadeactoseencontros Greimas. Ourbanonãoéumtema, massim logia da glossemática e da semiótica de ções, comoLefebvre refere, tomandoaana- é umalinguagem, umaordem deconota- tema denotativo. Ourbanovaimaisalém: Neste sentido, acidadeé triz davidaurbana: do, 2013), que encaro como a própria ma- mente produzido, hipersocializado(Delga- do espaço(-tempo)citadinocomohistorica- dade; laboro noseioda ideialefebvreana Goto, 2005)daobra-espectáculo queéaci- apropriar-se do tempoeespaço palavra, fala, ésis- 1 (Collins e 2 - - ao limite, comoaforismo urbano. cidade, comoumenunciadoensaísticoe, funciona então, enquantofragmento de/na – chamemos-lhepúblicaouurbana… –que vidas fazer; apreciar vs. reflectir… – que são resol- de tensões–identificarvs. agir;imaginarvs. te porque resultado aferíveldeumconjunto na formaenomeiourbanos, precisamen- nas pelahistória dearte tradicional ou aes- exigir umolharmaisinformadodo queape- pressões da cidadecriativa quecomeçama cem aocânone da arte pública enovas ex Neste passeio, entre obras quejáperten- de fascinantescomplexidades. e nos acontece, a todos, já que concreção me discurso; faloporissoapartir doqueaarte cie da cidade tangível, que elaboro o meu em obras e situações específicas, à superfí- hay… muitos comoumfantasma, masqueloshay, (no limiteoposto). A expressão aparece a sarmos acidadeearte conjugadamente mite…) ora plenamenterelevante para pen- surge assim ora esvaziado de sentido (ao li- pois daarte nacidade, otermo Arte Pública retórica tantodacidadecomoarte, ede- a arte sobre a qual de conhecer, noambientequenosrodeia, em ca, transformando acidade–palcodaarte – concretos emqueaarte setornacoisapúbli- Os conceitosquesugiro arrumamcasos da suapotencialidade. mesma. Umaprática darepresentação viva a produzir umdiscursoemaberto sobre si tica, a arte éaafirmação poética dacidade faz. Decomoelameacontece. Enosfaz, res aesthetica. Falo apartir deummodo como quepormagianaobra dearte Em todoocaso, ésempre com base vale a pena falar. Nesta 4 3 Nestaóp- - tética; entre obras que fazem parte da pai- sificadas, sendo apropriados por distintas sagem do dia-a-dia (quer queiramos quer entidades e grupos sociais como mecanis- não) e outras que vão delicada- e quase in- mos fundamentais para a acção. A publi- visivelmente criando uma sensibilidade crí- cidade que toma o espaço público, a vi- tica abaixo do radar (mas perfeitamente in- deovigilância sob o controlo do Estado, as tegradas movimento global,) procuro que gramáticas subversivas representadas pelos a minha e nossa consciência dos lugares e graffiti e pela street art ou os estilos juvenis das pessoas encontre na criação artística urbanos, são, entre muitos outros exemplos, um espelho que abra possibilidades à re- fenómenos que nos demonstram a crucial presentação de mais do que apenas o gos- relevância de um estudo mais detalhado to (de alguns). Mesmo quando tal espelho das práticas e das estratégias engendradas parece quebrado, o que vejo são em todo pelos diferentes actores nestas operações o caso fascinantes impermanências de uma que buscam adquirir visibilidade no espa- espécie de sentido de totalidade, no âmbi- ço público urbano, intervindo na ecologia to do qual a arte subsiste como campo de visual urbana.”6 encontros vitais. Mensagens (na garrafa) Proponho-me em suma, ao evocar o que Mostly, I believe an artist doesn’t create vejo por aí (e o que na sombra desse olhar something, but is there to sort through, to me ocorre) revisitar alguns caminhos essen- show, to point out what already exists, to ciais da arte contemporânea que manifesta put into form and sometimes reformulate it. o seu interesse pela cidade, investigando o Annette Messager seu papel comunicacional na actualidade5 urbana. As obras de que falarei são como Saldanha. São duas, talvez três da manhã. que figuras de uma família, senão de uma Mas a cena surge-nos a qualquer hora do genealogia que assim homenageio, mesmo dia, em muitos lugares de Lisboa. Em cima sem a querer ou saber nomear. Aqui entre de um caixote do lixo, uma garrafa de cer- nós, reconheceremos os nossos – ou não veja e uma lata de Monster, foram coloca- fosse função essencial da arte na cidade dos, metodicamente arrumados, como que afirmar-se a si própria e à sua comunidade num plinto. Porque é que não foram sim- sempremergente, até porque só assim con- plesmente atirados para o chão ou, já ago- tribui para essa outra e maior obra de arte ra, para o interior do caixote do lixo? Que que é a própria cidade. fenómenos da acção corrente e da comuni- cação interpessoal estão ali em causa, nesta Ricardo Campos, num quadro de ideias que espécie de assemblage ou de impromptu? engloba decisivamente a de um urbanismo vertical, complementa: Quando passo, posso fingir que isto não me afecta nem ao meu mundo, como se ”Actualmente, as imagens e os dispositivos não fosse comigo. Ou posso achar que tal visuais desempenham funções muito diver- espécie de nano-performance é da ordem

– MARIO CAEIRO 45 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA do umguião de CharlesLandry:apaisagem dos em toda a sua interrelação, aliás seguin- – pelocontrário, incluo–osrestantes senti- a ver. Nestametaforologia visualnãoexcluo Saber olhartorna-sesinónimodeaprender volver naconstruçãodoseupróprio olhar. espectador envolver-se –oudeixar-se en- porânea passaporestanecessidadedeo A hipótesedeumaarte públicacontem- engajarmos oolhar. artística da cidade que começa no acto de fundo que se pode pedir à programação cas eestratégicas. Esteéopapelmaispro- da observação e dele tirarmos ilações tácti- quotidianos urbanospodemerecer cuida- dos (meus)cenários, omenordosfactos balhadores dodia. Eportanto, nomelhor ge inthebottle) copos quisessemdeixarumsinal(amessa- jovens madrugadores queforam para os porventura inconsciente. Écomoqueseos comunitária eintergeracional, aindaque tecer é uma forma de comunicação inter quero adivinharqueoestáaliaacon- investido pelaminhaideiasobre amesma, Explico. Enquantoespectadordacidade, a delirar, nofuror dainterpretação? mobiliário urbano?Esetudoistosousóeu dy madecuidadosamenteequilibrado no land lixo eapaisagemqueéIsland Within anIs- -me essaobra-prima daressonância entre o pécie denatureza morta anónima–ocorre - vai haver cacos pelo chão…?!?) ou uma es- como simplesvandalismo(afinal, nãotarda, distância quevaientre encararmos acena belecer onexo críticopara dizerapequena do puro vandalismo. Masláestá, comoesta- << (2009), deGabrielOrozco)… –, umrea aospacatos eordeiros tra- - - cas, julgoqueteremos hojeumaconsciên- tante mediatização dasreferências simbóli- 1994), demonitorizaçãodoEu e decons- reflexividade da vida social (Giddens, 1992, performatividades: experiências. Leituras. Eportanto também cunstâncias, oportunidades, consciências, um poderoso diálogoentre disciplinas, cir tecimento urbanoésempre oresultado de ber. A cidadeéinfinito. Eporissooacon- aspirar àhegemonianoâmbitodestesa- É bomdever, nenhumadisciplinapoderia a experiência urbana. dificando –para usarumtermo de Flusser– (em certa medida público) decorrerá. sencialmente aformacomoesseencontro (em certa medida)comum, definindoes- convoca-os para que o acontecimento seja res. Precisamente para os criar. Nofundo, cendo protocolos comosseusespectado- e osecreto… –aobra dearte vaiestabele- entre o público e o íntimo, entre o público sitoriedades –entre opúblicoeprivado, enquanto outros nemtanto;enessastran- quotidiano) sãoiminentementepúblicos, para osdomíniosdosocial, dopolítico, do de específica(mascomalcancegenérico Ora certos fenómenosdestaprojectualida- Nomeadamente comocoisapública. ao próprio fenómenodeaarte aparecer. mos convocadospodeserounãopropício ção omododeparticipação para queso- termos, nodiscursodeumaobra ousitua- depois arriscar)aacção. Emsumaenoutros tiva éticadeondepartamos para pensar(e olhar, elatemdebasear-se numaperspec- ta: seaarte nacidade começa pelosaber sensorial dacidades.Masoutra coisaécer Num contexto demaior Reco- - - cia mais premente das nossas capacidades rito e não nas coisas, não é um dado em-si, performativas. (Campos, 2011) mas implica um para-si. (Serrão, 2011)

Invisível paisagem, monumento No entanto, se será no fazer colectivo da invisível paisagem que nos podemos realizar so- But by returning to monuments some me- cialmente, nem todas as sensescapes (Lan- mory of their own origins, by drawing back dry, 2012) funcionam como um oásis na into view the memorial-making process, we malha urbana. E aí são raras as obras que invigorate the very idea of the monument, empreendem uma notável conquista da ci- thereby reminding all such cultural artifac- dade para o simples estar; é o caso, ocor- ts of their coming into being, their essential re-me, do Jardim das Ondas8 de Fernanda constructedness. Fragateiro, na Lisboa Oriental. Que então, James E. Young só a uma segunda ou a uma terceira leitu- ras, para além do mero estar e apreciar, co- Passo o El Corte Inglês – com sua incontor- meça a dizer mais ao que vem, quando já nável escala de referência urbana – e subo percepcionada como obra de arte… ao jardim do Parque Eduardo VII. A sereni- dade do momento seleciona claramente o Mas eis que na minha deriva paisagística seu auditório (uma maneira de estar, em se- me deparo com um estranho aglomerado renidade e silêncio) e, não sendo ‘arte’ em horizontal de pedras brancas e polidas… É sentido estrito, a visão de Ribeiro Telles7 – o estranha configuração geométrica para a grande mentor ideológico de toda uma po- qual não vislumbro uma função evidente. lítica da paisagem (Aurora Carapinha) – de- Ah! É um (‘)monumento(’). Assinala os 25 senrola-se claramente como um assertivo anos da Associação 25 de Abril. Mas a inter- artifício para criar uma disposição natural venção contraria as mais óbvias caracterís- para um certo público ficar por ali, em paz. ticas de um monumento: não se ergue nas alturas para se arvorar em marco (visual), O pequeno episódio desta estrutura verde, não se reconhece qualquer rosto (de figura o facto de se constituir como um ambien- histórica), não estabelece sequer uma dis- te público amigável – réplica localizada da tância de veneração (antes pelo contrário, visão sistémica que Ribeiro Telles tem ofe- funciona como mobiliário urbano, ‘ou coi- recido à Cidade – mostra que a haver uma sa parecida’)… na verdade, a formalização – ou ‘a’ – arte pública, ela assenta um dos desta espécie de memorial é quase contra- seus pilares num participar cidadão na pai- -visual (no sentido debordiano). Ora é pre- sagem. Numa co-responsabilização viven- cisamente nessa opção formal que se torna ciada do sistema ambiental, já que é na adequada aos seus objectivos (que entre- paisagem que somos convocados na pleni- tanto pesquisei): uma homenagem sensí- tude dos sentidos: Trata-se de uma peculiar vel a um processo colectivo extraordinário, forma de apreender as coisas naturais, que, cujos principais protagonistas nunca procu- justamente, enquanto forma, reside no espí- raram a glória pessoal.

– MARIO CAEIRO 47 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Sérgio Vicente (projecto), Ana Moreira, Bruno Cidra, Edgar Pires, NunoEsteves, Ricardo MendonçaeSara Padrão (escultores),José Aurélio(coordenação), In http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/ Monumento àRevolução de Abril, Lisboa, 2009. info/liberdade-monumento-a-revolucao-de-abril Fotografia de Câmara MunicipaldeLisboa. Liberdade – tes daFaculdade deBelas Artes. A peçafoirealizada em2009porestudan- mesmos. (Young, 2003) cados poderãopermanecerpara sempre os de quenemopassadoosseussignifi- dicionais, colidecomaconvicçãomoderna como aencontramos nosmonumentos tra- de umavisãounificadadopassado, tal pírito contemporâneo, jáqueanecessida- por aíummonumentoimbuídodees- comunicacionais, emplenaambivalência. É lhendo omaisdiscreto e subtildosregistos mais adissimular-se naformaurbana, esco- A obra dearte, aqui, aspira antesdetudoo te noextremo oposto daqueletipodemo- escultor José Aurélio) erevejo-o mentalmen- zado comosseusalunose acolaboração do para este trabalho de Sérgio Vicente (reali- rando noâmbitodeumaaxiomática. Olho Aí está, ejásevaipercebendo quevouope- Gift (2013). cke noFourth plinthem Trafalgar Square, dres, narecente intervençãodeHans Haa- quisermos dar um salto imaginário a Lon- discursiva, precisamente como acontece, se ser menos silêncio, ou ruído, que potência na’). Por outras palavras, oinvisívelprocura de enquanto facto urbano (o ‘como funcio- ou sequer compreender a sua mecanicida- passar porelasemreparar nasuapresença, mesmo seamaiorparte dessepovovai em todoocasodeumapeça‘para oPovo’, -se umaéticapara ofuturo comum? Trata-se a participação naHistória, co-enunciando- ironia, pode constituir uma linguagem para do totalmentedeladoapossibilidadeda ção minimalista, desdequejamaiscolocan- levado ainteriorizarhipótesedequetradi- 9 Tê-los-á numento com que Charles Chaplin abre o monumento moderno é uma contradição de filme Luzes da Cidade (1931). A arte pública termos. Assim supera vários impasses pre- existe sempre em função do que cada épo- cisamente porque radica a eficácia do seu ca lhe exige. Mas noutra dimensão ainda, e anacronismo numa estratégica (in)visibili- numa nota muito pessoal, a intervenção de dade, expressão de extrema modéstia de Sérgio Vicente é também uma réplica – com recursos, adicionalmente impedindo que a luva de calcário – à hubris erótico-monu- memória colectiva seja naturalizada. mental de José Cutileiro ali tão perto, entre as monumentais colinas do Parque Eduardo Pinturas outras, outras esculturas VII. A sua celebração do 25, com todas as É bonita a ideia de uma imagem urbana. marcas da autoria (o estilo celebrizado pelo Dito isto, considero que a imagem não é escultor), é com efeito uma efervescência uma característica estritamente individual, o urbana efusivamente pós-modernista.10 Não que demarca uma grande diferença entre a tão invisível quanto isso (até pela orientação minha perspectiva e a de outros sociólogos vertical), iluminada por projectores de luz e antropólogos, que permanecem obceca- colorida, a obra consegue até conferir a um dos por uma concepção bastante individual, passeio nocturno um momento de evasão… ou até mesmo individualista, da imagem. uma fantasia erótica que quiçá interrompe, Michel Maffesoli nos olhos das gerações actuais, o que pare- ce serem os reflexos de uma total indiferen- Estar vs. andar. Ficarmo-nos passivos vs. ça perante o passado. agir. A cultura do graffiti tem na sua origem e na sua tradição esta ideia de o gesto ar- Em suma, não se tratando ainda de um tístico conquistar território, de ocupar a pai- contramonumento (à la Jochen Gerz), a sagem. Mas ao contrário do monumento escultura pseudo-minimal de Sérgio Vicen- (mais ou menos tradicional), aceita e pro- te, qual discreta mnemónica que nos remete move o efémero, o circunstancial, a comu- para um aspecto preciso do processo histó- nicação urgente de realidades sociais que rico, representa um modo de a arte integrar de outra forma seriam desconhecidas da a cidade que já é plenamente consciente da esfera pública. Algumas imagens do graf- fenomenologia dos seus usos quotidianos. fiti têm aliás um indelével poder evocativo O trabalho é assumidamente um desenho (que lhes vem na verdade de mais do que (do) urbano como totalidade experienciá- apenas do facto de serem facebookáveis, vel: Sérgio Vicente, escultor e docente que instagramáveis, ou twittáveis. orientou o projecto, explicou ao JN que a pa- lavra só conseguirá ser lida do ar, pelo que Quando desço das Amoreiras a caminho do o mais provável é que, quem por ali passe, Rato o que me sobra do mais belo dos gra- a utilize como zona de estadia.11 É portanto ffitis é não mais que a memória remota des- uma intervenção no tecido urbano perfei- te… POOW!! BOOM! Assim rezava a pare- tamente capacitada de que, como já dizia de, tirando partido de um ‘acidente’ viário Lewis Mumford nos anos 30, a noção de um contra um muro para criar uma efémera afir-

– MARIO CAEIRO 49 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << In http://www.vice.com/pt/read/as-cidades-tambem-podem-ser- Pantónio, POOW!! BOOM!, Lisboa, 2011. Fotografia de Target. galerias-a-ceu-aberto toda asuacontingência sando orisco’ereflectindo a realidade em Arriscando aperturbação dotráfego, ‘pi- ca seriaalgo de diferente (eporventura não los artistas deobras, aarte comocoisapúbli- ciência. Certamente que sem a produção pe- é menos um género que um estado de cons- Procuro irdemonstrando queaarte pública a suaausência-presença. zer quando, passandodenovoaqui, evoco veis – pelo menos é o que se me oferece di- arte urbana que gh-res versal da BD para ‘dar luta’ às imagens (recorrendo, cirurgicamente, aoregisto uni- e à graça anónima da acção ‘vandalizadora’ virtualmente impossívelescaparaohumor tical do seu craft. Afinal, durante meses foi do corpowritercomomuro, palcover -resto quedeixatransparecer umadança, a ros, destruindo-os…), espéciedeimagem - sitivo urbano (onde carros vão contra mu- Schiller! Elamaterializa-se noreal dodispo- imaginação comfantasia, diriaoromântico dispositivo imaginativo –nãoconfundir – Pantónio –, aarte funcionacomocontra- caso doautordePOOW!! BOOM!(2011) sua própria consistênciainformacional. No consumista, eaderiràpura comunicaçãoda dos cânones), jápara nãodizerohabitus grandes discursos(oaspectomaisdatado possa rejeitar as grandes mensagens ou os O queimporta entãoéqueaarte urbana automobilizados apensarnasuavida. deve tercolocadounsmilhõesdecidadãos sonora. Sinestesiaincrivelmenteoportuna, po, porque onomatopeica, umainstalação mação tautológicaqueera aomesmotem- dos outdoors publicitáriosemvolta). vale a pena a todos os ní- 12 este éotipode hi- - tão instrumental ao nível do desenho da ci- dade), mas o essencial é que, no âmbito da arte-como-coisa-pública, o artista e os agen- tes à sua volta entendam que a recepção por parte do público é aspecto essencial do seu trabalho. Com a ‘agravante’ de que se tra- ta na maioria das vezes de um público que tem mais do que fazer do que apreciar arte ou aderir ao que poderá muito bem ser en- tendido como uma absolutamente supérflua aparição do estético no seu quotidiano.

Claro que, neste braço de ferro com a dis- ponibilidade do público, o vernacular pode ser a ‘gazua’ para estabelecer com esse pú- blico um diálogo que então nasce, quando a obra é rica de possibilidades interpreta- tivas. Estou a pensar noutra obra de arte – esta existindo inequivocamente ‘enquan- to tal’ –, Portugal a Banhos (2010), de Joana Vasconcelos, que esteve uma temporada no Terreiro do Paço13. A peça sintetiza inú- meras complexidades (e perplexidades) Joana Vasconcelos, Portugal a Banhos, Lisboa, 2010. sobre Portugal, precisamente no contexto Fotografia de Miguel Malaquias.In https://www.flickr.com/photos/ miguelmalaquias/5176606374 mais adequado possível (Portugal-feito-pis- cina-à-venda-no-Terreiro-do-Paço, praça das praças no que diz respeito à identidade na- cional, em condições ideais de visibilidade para potenciais compradores…).

Vasconcelos representa uma atitude entre o lírico e o crítico (entre a cumplicidade e a in- teractividade) que, se formos além de uma análise das suas peças meramente como estratégias de apropriação do imaginário colectivo e de marketing autopromocional, funcionam no meio urbano como legítimas presentificações de debates culturais que se resolvem precisamente na participação opi- nativa do público, desde logo e por vezes

– MARIO CAEIRO 51 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Marta Pinto aportam artistas, autores e suas pensamentos, um filosofar. À Travessa do gens ondecabemparadoxalmente muitos VICENTE éumpequenolaboratório deima- sintetizei ocarácter dainiciativa: No texto defechodamaisrecente edição, da Contemporaneidade. ao mesmotempopromover novasleituras chegada dasrelíquias doMártir em1173–e mental dacidadedeLisboa, epitomizadona mento perdido acerca deummitofunda- permite que se possa promover o conheci- para oEspaçoPúblico Mítico, conceitoque vessa daErmida. A ideiaéabrirumespaço anualmente promovida peloProjecto Tra- com que gosto de fazer o Reinventando omito, desde2011éafrase com aprogramação demaisum VICENTE. à minhaespera, precisamente para arrancar O deverchama-me. Tenho artistas emBelém Afonso Cruz lembrou disso. rio, chamá-lo“fonte”. Nãoseisealguémjá exemplo, pegarnumurinol, virá-loaocontrá- vas caras […]novoscaminhos. Podíamos, por sar desarrumarasideiaseencontrar-lhes no- A criatividade eacultura sãoissomesmo, ou- Criar espaçopúblicomítico impelir-nos aopinar. ce nasDocasde Alcântara, mascontinuaa ma amplituderetórica que quandoreapare- a Banhosao Terreiro doPaço nãotemames- tação naformaurbana, decerto quePortugal o trabalho. Claro que, emtermosdeimplan- que nosúltimossetemgeneralizado sobre espectacularmente, no aceso comentário << pitch da iniciativa, de arte pública. tival, essecamarário, comevidentes traços Todos – não por acaso o nome de outro - fes trabalho. A ideiapordetrás do VICENTE éo pelo menoscomoprincípio ehipótesede no âmbitodeumplanocomunicação), ceito como conjunto de opções discretas que destruiriaaeficáciadequalquercon- gem é aquela emquepercebemos que amensa- Daqui infiro queamelhorarte públicaé suficientemente amplo, inclusivo, universal. fabulosa –semlhedarumenquadramento irresponsável tocarotema–umanarrativa Vicente serdeumadensidadetal, queseria ralmente avercomofactodemitoSão por umalógicadestorytellingquetemnatu- mento presente. Estetipodeopçãopassa da evoluçãodoconceitofaceacadamo- convidam opúblicoaregularmente aferir instalações vídeo, performances, edição…) conteúdos (esculturas, instalaçõesurbanas, Capital masdeBelémemparticular. Osseus identidade contemporânea nãoapenasda -se comocontributoindependentepara a próximo doplacebranding, desenvolvendo- O VICENTE assumenacidadeumpapel chegar aalgumlado. sibilidade: lisboeta, universal, daqui. Para plorar dimensõesemergentes deumasen- temporânea a cidadeeenobreceu, hojeumaarte con- gada o corpodeS. Vicente, assimcomoessache- em temposaportou àcapitaldaschegadas outro, mensagensdomundo. Assim como todos de obras, unsvindosdelongeoutros deperto, fundamental definiu um destinopara para todos – senão em absoluto (o algures, trazendo as mensagens do de todos os tempos procura ex - Os eventos de VICENTE são assim quase criação e da cidadania dos nossos dias. O sempre exemplarmente públicos – decor- resultado mais ‘1:1’ deste desejo – a instala- rendo ‘na rua’ –, e à escala de uma pequena ção dando lugar ao corpo-a-corpo do tea- travessa lá vamos fazendo pela posteridade tro – foi a dada altura um conjunto de irreve- de São Vicente mas também – qual labora- rentes performances – passeios pela cidade tório para se experimentar o (im)possível – pelo performer polaco Krzysztof ‘Leon’ – elaborando um discurso tangível acer- Dziemaszkiewicz – que levei a atravessar a ca das possibilidades da cidadania criativa cidade durante três dias sucessivos interpe- (no caso, antes do mais, a de uma entida- lando todas as suas potenciais ‘vítimas’. de privada que partilha no espaço públi- co uma estratégia local de regeneração do Entre senhoras idosas de um bairro popu- tecido e da oferta culturais). Em duas pala- lar e os alt skaters à Praça da Figueira, o que vras, humildade e ambição em doses idên- o público viu foi a recodificação (Flusser, ticas pode permitir a um conceito, como a 2007) dos trajes e dos atributos do Santo uma obra, estabelecer com os cidadãos um (dimensão eminentemente visual), consti- acordo: vamos pensar o impossivelmente tuindo o conjunto dos percursos uma ‘via grande através do possivelmente pequeno. sacra’ individual capaz de desafiar os ven- dilhões da sociedade do espectáculo. Um Na prática, faço questão que no VICENTE dos figurinos que Leon realizou integral- – pequeno ‘carrinho de linhas’ no meio das mente em Portugal, durante uma escassa ‘rodas dentadas’ gigantes que se encon- tarde de corte e costura, foi por exemplo tram em volta (património edificado, insti- uma dalmática de Vicente, feita de… sacos tuições e equipamentos culturais) – a arte do Pingo Doce. apareça como coisa natural da matéria ur- bana, isto é, como uma recodificação do es- Este tipo de acção urbana é da ordem do tável e do conhecido, e até do expectável, que Thierry Davila chama de cineplástica.14 mais ou menos inusitada conforme o âmbi- Isto é, o artista, já não mero performer, tor- to de cada conceito tratado. A propósito da na-se por essência móvel e as suas pere- irreverência deste tipo de projectos, que se grinações o fundamento para novas rea- abre a uma performática do urbano, o histo- lizações, num quadro operativo15. Mais, a riador José Sarmento de Matos encontrou cidade, vasto processo, conjunto de veloci- um termo para dizer o que esta arte faz à ci- dades (Davila), como que se pedonaliza. dade: a batida do desassossego. O texto como poética, o rabisco arisco Na oportunidade específica criada pelo VI- Text Art is no longer defended as a special CENTE (o projecto teve a origem no desejo, case, nor has it been completely incorpora- por parte do seu patrono, de ‘voltar a falar- ted into the institutions of art. Rather, its value -se dos Corvos de Lisboa’…), procuro que and potential is acknowledged by a wide a performatividade de um mártir cristão do spectrum of contemporary artists who freely séc. IV pudesse entrar em diálogo com a da combine the use of text with performance,

– MARIO CAEIRO 53 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz,Krzysztof Passeios performativos Fotografia de Agata Wiorko, cortesia Projecto Travessa daErmida. (Projecto VICENTE), Lisboa, 2014. capacidade de dizeropovo. radical economiademeiosaumaenorme vista brilhantementeretórico, aliandouma Miguel Januário sistência ao Thatcherismo…; oufinalmente dos mineiros deDurham, umsímbolodare- PITALISM KILLSLOVE nafachadadasede num mistodedesespero eironia queCA- versais…; ouClaire Fontaine, denunciando linear, exprimindo esperanças emedosuni- te foiexpressa deformatãoluminosamente em nomedeumagraça socialqueraramen- terrupção dadaísta da imagem do edificado [Work n. 203],deMartin Creed, nómadain - à memóriaEverything isgoingtobealright liberdade dafalaartística, vem-mesempre Entre todasasexpressões maisfelizesdesta como superfícieepalimpsesto. tante modo de dar (ensinar) a ver a cidade pecíficas, estatendênciaéaindaumimpor campo semântico ou das ressonâncias es- Independentemente doregisto literário, do alienação faceaomundoque nos rodeia. com fenómenos como o da nossa própria leitores –todosnósaconfrontarmo-nos factor decontradiscursos queobrigam os no. Ofenómenotemsidoumimportante formativa) comosleitores doespaçourba- uma relação crítica(epotencialmentetrans- porventura maiscognitivaemtermos de publicitárias oupolíticas, masdeumaforma (aliás comoacontececomasmensagens lo directo à leitura, que se torna inevitável do trabalho deartistas, ésempre umape- A inscriçãodetextos nacidade, resultante Dave Beech , andprintmaking. installation, video, photography, drawing, 16 , queédomeu pontode - Outra obra absolutamente singular que te- uma faca nas costas [da estátua] de Afonso nho tido a oportunidade de acompanhar é Henriques e a celebrar [o enterro de Por- a de Stefan Kornacki. Kornacki tem ‘salva- tugal] com um caixão com a forma do dito do’ monumentais letterings da destruição17, [limites continentais].) Em Lisboa, é procu- conseguindo nos últimos anos construir rar por aí… mas dou uma ‘dica’: debaixo da um quase absurdo léxico de palavras que ponte, junto à Embaixada dos Estados Uni- outrora encimaram importantes edifícios dos da América, a Sete Rios. (no caso, na Polónia comunista): KOSMOS, UNIWERSAM, VICTORIA… A sua continuada relação com o texto ver- nacular (língua portuguesa vs. inglesa con- Neste trabalho sobre a ruína (também da forme a situação a criar, cartazes impressos ideologia, de qualquer uma) há ao mesmo ou tinta negra directamente aplicada às su- tempo um enorme respeito pela história e perfícies, uma tipografiauniversal ) contrasta os processos de recontextualização da lei- com a quase ingerência no espaço público tura (já que todas as ‘obras’, autênticos rea- discursivo que foi a recente intervenção em dy-mades urbanos – são acompanhadas de Lisboa de Tim Etchells19, com frases (em in- cuidada documentação participativa [en- glês), evidentemente sobre Arte, numa tipo- trevistas, documentários] não apenas sobre grafia relativamente requintada:Art Matters. o que essas palavras significam [digamos Ora ‘Não é tarde nem é cedo’ terá pensa- que ‘em absoluto’] mas também para quem do o/a vândalo/a que rabiscou várias des- e quando). Por outras palavras (!), há uma sas inscrições com deliciosos (ou pernicio- espécie de tradução de um termo urbano sos) comentários, do tipo: [Art that hurts] «? concreto (uma sinalética historicamente si- DOI? ESTUDASSES!».20 tuada) para outras épocas e situações18. Aliás, podemos hoje literalmente tocar as A cidade da arte é isto, mais do que a obra palavras que outrora estavam lá em cima. deste ou o comentário daquele, e indepen- Agora, cá em baixo, num lugar que é que o dentemente dos graus de violência dos de- artista escolhe, a sua transparência e poder bates, a cidade é este diálogo, ora públi- são completamente reconfigurados. E a sua co ora secreto, que umas vezes se fica pela fragilidade exposta. mente do colectivo, outras surge no esplen- dor de incompreensões que revelam por Esta questão entronca num aspecto do pró- sua vez que, sem retórica – o poder-se e sa- prio discurso que muitos artistas tomam por ber-se falar sobre aquilo que vale a pena – a adquirido. A língua. Neste aspecto, Januá- arte pública aparece como uma actividade rio tem sido precioso na inscrição criteriosa criativa dolorosamente desprezível. dos seus textos, que são verdadeiros diálo- gos da psique colectiva com a superfície da Resta aqui acrescentar que também um cer- cidade e, mais globalmente, o momentum to gesto pode ser puro texto, como o prova cultural da sua recepção (em Guimarães, a rebelde escultura de Maurizio Cattelan em para a Capital da Cultura, chega a espetar frente à Bolsa de Milão21, o famoso Il Det-

– MARIO CAEIRO 55 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Tim Etchells, Art that hurts (Artista naCidade), Lisboa, 2014. Fotografia de Agata Wiorko, cortesia Projecto Travessa daErmida. Stefan Kornacki, KOSMOS,UNIWERSAM, VICTORIA, Miguel Januário, Fotografia cedidapeloautor. Fotografia deAgata Wiorko Vende-se Portugal, Lisboa, 2013. Cascais, 2014. . te arepresentar osseusfantasmas, evitando de aofimecabopede àarte queselimi - maior, odoOutro, porexemplo –asocieda - que naânsiadesubliminar problemas –o em si necessariamente o procure, mas por comunicativo. Aliás, não porque o trabalho do algomuitorepetido deixadeterimpacto der sentido de oportunidade, como quan- tério. O que as obras dizem pode assim per certo antagonismo, ou até deumcerto mis- – como que tende a perder o charme de um te aceite–comovaisendoocasodeFarto Note-se porém queumaarte unanimemen- tonomia própria. Cleverstuff. técnica), ganhadoemcadacircuito umaau- rios de um mesmo olhar (e de uma mesma do queparece atradução para várioscená- é, háumasensibilidaderetórica pordetrás contemporânea eaté daarte pública?Certo entre aslinguagensdastreet art, daarte conseguiu este artista realizar um sem afalar? A contarasuahistória? Como de serditas, para queestesrostos começas- de Alexandre Farto? Quepalavras deixaram to potencialquesãoosrostos explodidos quadrar nasgenealogias dopolíticootex Entre estasaventuras dotexto, como en- dado momento. formas radicais para que façam sentido certas coisasserem ditas, háqueencontrar ao mesmo tempo que demonstra que, para e damonumentalidadetípicaestatuária), zação precisa doplinto, doefeitoderuína referência evidenteàcultura clássica(utili- excluídos domundofinanceiro. Fá-lo numa para darvozaopovo, qualventríloquodos arte caucionadapeloseupróprio sistema to (2010). Cattelan usaopoderdagrande tandem no - - - exigir-lhe essa outra função mais complexa, -criação ou mudança onde quer que elas que seria a de mudar o mundo (parece que possam aparecer. É preciso estar atento e estou a ouvir Almada Negreiros, na Estação estimular a sensibilidade, sobretudo numa de Metropolitano do Saldanha). altura em que novas visões do urbanismo começam a ‘fazer das suas’. Por outro lado, Não estou a dizer que seja sequer o mo- é evidente que temos dificuldade em ima- mento – e aqui entre nós, nunca será… – ginar que o Projecto Urbano possa ser uma para discutir a questão da arte pela arte vs. montagem e uma mobilização de recursos da arte como política; mas que o trabalho pelos próprios habitantes (Claude, 2000)… de Farto(s) e Januário(s) – do lado da comu- mais fundamentalmente, esquecemo-nos nicação urbana – e depois de outros agentes de que a forma deveria seguir… a ficção de mudança mais discretos (essa arte comu- (Séguret, 2000). nitária de longa duração que não encaixa na agenda mediática nem convém às narrati- Em todo o caso, prospectivas à parte, atra- vas hegemónicas) está a reconfigurar a nos- vessar a cidade é também um exercício de sa ideia de arte urbana, isso está. Porque rememoração; rememorar memoráveis ac- vão tocando nos pontos, fazendo ao mesmo ções que o tempo se vai encarregando de tempo arte e a pedagogia dos possíveis da apagar progressivamente é um exercício arte enquanto ligação com o social. Tendem fundamental da cidadania e deveria ser um a ser mediação (Debray, 1997) ao nível de valor inalienável da experiência do público. um superior entendimento do que é a cida- As instalações e a implantação urbanística de como palco de pessoas e ideias. da Luzboa (2004 e 2006) por exemplo, hão- -de diluir-se no nada do tempo, mas como Rememorar processos, criar lembranças que ainda ressoam na memória de alguns Dans la gestion des signes urbains, qu’ils lisboetas (e até estrangeiros que por cá an- s’agissent de signes traduits dans l’espace daram na altura). O essencial é que a expe- ou de signes échangés entre les spécialis- riência estética de uma determinada gera- tes, la logique sociale de la prise de décision ção possa encontrar formas e se traduzir veut que celle-ci se fasse en dehors de tout para novos desafios, já que se o contexto déterminisme consécutif à une quelconque muda, não muda (pelo menos para já!) algo dialectique des rapports de force ou d’in- de essencial, o problema de criamos senti- fluence. do para a nossa vida. François Séguret A este nível, certos experimentos urbanos Enquanto agente de interpelações urba- são potencialmente alimentadores dos so- nas, percorrer a cidade é para mim reco- nhos de novas gerações de criadores. As- nhecer sítios potenciais para a realização sim aconteceu comigo anos atrás, quando de intervenções; o que passa por encontrar ao fazer a Lisboa Capital do Nada (2001) es- pretextos e oportunidades para criar acon- tava no fundo ainda a reacender as cinzas tecimentos ou aliar-me a dinâmicas de co- mornas de experimentos como a Alterna-

– MARIO CAEIRO 57 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA escala vincadamente arquitectural, evoca- que ‘roubo’ aGiorgio Agamben), comuma mais oumenos(ir)relevante (terminologia perfície, umacoisa: umobjectoescultórico Campo Grande, é, então, formalmente, àsu- Almeida à Alameda daUniversidade, ao Uma escultura monumentaldeCharters de já agora, jargão técnico. tária, saber colectivo, literacia projectual e, te daarte pública–ummixdeéticacomuni- rece. Desdeque asolhemosatravés dalen- dizem quasesempre muitomaisdoquepa- dos possíveisdacidade. Por issoasobras concreção exemplar eretoricamente eficaz ora édeliberadamente intangível, ora uma de umpotencialinformaçãourbanaque zendo decadaoportunidade o acontecer te, comoemChantalMouffe, agónicos), fa- uma questão de partilhar olhares (ao limi- ner aDebray, Nancy, Latour ouSloterdijk; meu caso, deSchilleraLefebvre, de Wag- nhecer ‘os nossos’ em qualquer época – no essa atenção. É uma questão de saber reco- ao queaconteceeàformacomopartilhar pública eurbanaobriga-nosaestaratentos a própria possibilidadedaarte comocoisa – quevamosrecarregar baterias (teóricas), se sempre nosMuseus–enãonoterreno Não deixandodeserverdade queéqua- operarmos commaiorpropriedade. ta conheceraolongodahistória, para hoje e propriamente metodológicos queimpor te essencial, poisháaspectosconceptuais da genealogia daarte públicaécriticamen- Beuys…). Énestestermosqueaquestão ras visõesdeHarald Szeemannou Joseph por suaveztrazia para Portugal asinovado- tiva Zero (1977), deErnestoSousa(que << - mente na maistradicional torna-seconcomitante- matriz donossopróprio olhar. A arte urba- como colectivos;aarte tornando-seassim nestas, os nossos corpos, tanto individuais plicitamente tambémsobre aspaisagens e, jectos eosprocessos daarte nacidade;im- advoga: promover umsabersobre osob- É estaaviapara ocomumqueaarte pública das Universidades? o seupoisopermanente aqui, na Alameda estado noutro lugar, haveria deencontrar determinaram queaobra, queanteshavia CML, e que portanto foram cidadãos que que resultou doorçamento participativo da rece ali. Quantosdostranseuntes saberão se nosinformarmos acerca decomoapa- das Naus–torna-semuitomaissignificante nuncia asualocalizaçãooriginal, Ribeira Mas apeça–de1995, cujadesignaçãode- circulação viária. rando perspectivasvisuaiseasignificativa que está implantada no território, conside- de’. Nãoseriapouco, até pelaclareza com particular – espécie de oblonga ‘praça ver dramento urbanísticoepaisagísticomuito como pórtico emarco urbanonumenqua- ção detraços geometrizantesquefunciona de umfuturo queaarte afirma nasingeleza obras quevoltamsempre, comofantasmas E daíquequandopasseio pelacidadehá dos, nãopertencendo aninguém. como acontecenodiscurso–queédeto- e escrutínio, possibilidadesoutras, talqual plicando, numcerto grau detransparência do ternativa, onanoimiscui-senasnarrativas macro, todasasdecisõesdeprojecto im- partenaire damaisradicalmente al- - dos seus processos (e na frontalidade com A arte pública torna tangível a comunidade que lida com as modalidades, como diria e, nela, a participação (nomeadamente a Wagner), mas ao mesmo tempo na capaci- do povo no seu próprio destino). Antes de dade de dizer o imediato da cidade no aqui tudo mais, ela promove a conversação. Ela e agora dos seus dispositivos. Regresso é nos seus mais surpreendentes momentos mais uma vez à Luzboa para dar um par de a orquestração criativa de encontros colabo- exemplos: tivémos uma empresa de men- rativos e conversações, bem para além dos digos (Javier Núñes Gasco), a lua na terra confinamentos institucionais da galeria ou (Bruno Peinado) e até eléctricos – na altura do museu (Kester, 2004) A obra de arte total bem menos photo-opportunities que hoje que é a arte na cidade – Wagner, I wish you – iluminados (Yann Kersalé). O que mostra were here – é em suma um factor de produ- como os artistas trabalham os limites de to- ção de imaginação colectiva e de activação das as (des)codificações, sobretudo quan- instrumental dos mecanismos urbanos. Ela do assumem um desígnio: o de manifesta- é por isso sempre… do futuro. Precisamen- rem a graça social, implícita no idear mais te como Richard Wagner antecipou no seu nobre e profundo da Cidade. ensaio de 1849.

Cabe à arte pública crítica (aproprio-me do Em suma: a arte da cidade começa num termo cunhado por Krzysztof Wodiczko), sa- olhar sobre a coisa urbana, a cidade na sua ber ora diluir-se tacticamente entre o espec- quotidianeidade e na sua multidimensiona- táculo e a provocação, ora aderir ao belo lidade (conceitos lefebvrianos). Aí, formas, para celebrar o Social Humano, ou ainda, fi- usos, códigos, imagens, paisagens, quais- nalmente, procurar um compromisso com o quer pretextos servem para inspirar uma desconhecido, em total entrega ao impon- consciência que cuida do que na cidade derável (algo que ‘não dá lá muito jeito’ às queremos preservar, mudar e/ou proble- indústrias criativas). É esta gramática fun- matizar. Ética portanto, que diz muito da damental que subjaz ao discurso sempre- maturidade de cada comunidade. E que se mergente que faz da cidade um palco para realiza – o que é raro, senão raríssimo… –, a visibilidade do que urge comunicar-se e quando é radicalmente interpretada como um tabuleiro de xadrez (dispositivo), sobre uma fusão da arte com o socius, que é o que o qual se joga – supremo ludismo – a nossa acontece em projectos de estética dialógica formação – a Bildung a que se refere Schiller (Kester, 2004) como os de Stephen Willats, nas suas Cartas sobre a educação estética que encara o seu trabalho como a produção do homem (de 1795). de cultura socialmente interactiva.22

Plano do poder cidadão, cenário de so- Dito isto, quando o/caro leitor/a passar pela nhos, discurso exploratório da utopia, a Av. Infante Santo (agora não me dá jeito…), arte pública transforma a cidade num veí- dê valor aos azulejos de Maria Keil (figura- culo para todas as sensibilidades se senti- ção da maior qualidade…) mas também aos rem mais próximas do seu próprio destino. painéis abstractos de Eduardo Nery, cele-

– MARIO CAEIRO 59 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA espacial. (Nawratek, 2012) necessariamente associada àlocalização termos deacessibilidadeeinterface, não localidade definidapelaproximidade, em tanto servistacomolocalidade, masuma pital tica construtivadoambienteurbanodaca- enquanto cidadãoecriador, para umacrí- nador, arquiteto epintorsoube contribuir, No séc. XVI, Francisco deHolanda leria apenaentabularconversação? aqui, eoquemudariaacolá… comquemva- nha-se aimaginar. Oquepoderiafazerfalta do olhamosànossavolta?Edepoissim, po - nificados, quesentidosestãoemjogoquan - Hospital de Santa Maria… mais do que sig- tíssima escultura deRui Chafesàentrada do últimas dastreet art mastambémàdiscre- brando aluzdeLisboa… preste atenção às << espera deactivação: que certos lugares estãosimplesmenteà e porventura inspirando-se nanoçãode a partir daproblemática dalocalidade, instrumental? Uma hipótese já a seguir, Como podeistotraduzir-se numavisão crucial para ofuturo deambas. loga comacidadepodeserumcontributo pouco de atenção àforma como aarte dia- para todosnosapercebermos decomoum de parte da arte pública é isto, mais lato –maishabitáveis. Secalhar, gran- as nossas cidades –e a Cidadenosentido bém nóspara novaslembrãçasquetornem dos osquepudermoscontribuirmostam- exigível. Hoje, éresponsabilidade deto- 24 , jáquenãooconsideravaàaltura do A cidadepodepor reminders 23 , ilumi- - pretation of publicspacescanbegin. pretation of tegrative approach tothemakingandinter “a placebetween”thetwo, where amore in- diagonal axis”betweentheoryandpractice, construct what Julia Kristevahascalled“a must operate at atheoretical level. We must publicandprivate space,cal problems of we I argue that inorder toengagewithpracti- invenção Uma ruamaiscriativa, laboratórios de deste artista quedominaacidade enquan- oportuno? Rochus Aust éumexemplo típico plataformas para tornar oseutrabalho mais rede’, enesse intercâmbio encontrarem próprio público podem e devem estar ‘em dor, omediador… ocraftsman, otécnico, o urbana? Oartista, oprogramador, ocura- elo decooperação catalisador deinovação conjunto, podemconstituirumnovomod- plo, será quecertas ruas, trabalhando em um factor de criatividade urbana. Por exem- a diversidadedosespaçospúblicoscomo lógica globais, mascomsensibilidadelocal, para aordem dodia, aumaescalaenuma nacionais emultidisciplinares para trazer dade dedesenvolverem-se parcerias trans- O sucessodestedesígnioestará nacapaci- (Nawratek, 2012). tempo oferecer-se comointerfacecidadão implantar-se namalhaurbanaeaomesmo quadro umaideiamotivadora, quetemde conceitos. Umconceitourbanoéneste ticipar naprodução ouco-enunciaçãode principais responsabilidades daarte épar começar por reconhecer que uma das neo, a programação de arte pública pode No quadro donomadismocontemporâ- Jane Rendell - - to matéria para as suas formas, transforman- do os próprios meio e vida urbanos num in- strumento musical (fê-lo à Travessa do Marta Pinto, âmago do Projecto VICENTE).

E podemos aqui renovar os nossos votos com Lefebvre precisamente a partir do seu entendimento da rua como dispositivo co- mum, público e quotidiano.25

Imaginemos que entramos numa peque- Rochus Aust & DEUTSCHES STROMORCHESTER, Concerto na rua de Lisboa, animada por uma discre- Móvel na Travessa do Marta Pinto, Lisboa, 2015. Fotografia de Agata Wiorko, cortesia Projecto Travessa da Ermida. ta mas vibrante vida local... sentimo-nos ‘em casa’ porque o espaço é convidativo, ou uma obra de arte nos chama, ou a fila à porta de um restaurante denuncia uma boa cozinha... imaginemos que ao fim dessa rua entramos diretamente numa calle espanho- la... tão diferente e, no entanto, transmitindo um carácter semelhante... imaginemos que ao final dessa rua espanhola entramos numa francesa, depois numa italiana, que se bifur- ca numa alemã e numa turca, desembocan- do todas numa estónia... Imaginemos uma rede de ruas assim virtualmente ligadas, como se existisse entre elas uma passagem oculta, conectando diferentes lugares onde a Europa acontece, fervilhando da mesma vida urbana, pessoas, ideias, iniciativas, num mosaico de culturas locais. Façamos a car- tografia intangível de todas essas ruas. Voilá uma Europa de pequenos factos urbanos a que acedemos por via de critérios próprios, como o genuíno, o vintage, o emergente, o excecional. Seria uma rota 24/24h com pro- tagonistas e figurantes sempre renovados, a vivência dos diversos lugares enquanto pal- cos de atmosferas, estórias, valores.26

– MARIO CAEIRO 61 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 2012). A ruacontinua… âmbito umpapelrevolucionário (Nawratek, dade. A arte (pública, urbana…)temneste posta pragmática àsdistopiasdamoderni- cidade; eportanto também como umares- só – dos mecanismos de subjectivação na para nosapropriarmos todos–artistas enão acima detudocomoummodeloplástico é ummododeoperar esteticamente, vejo-a pbell e Martin, 2006). Sendo certo que ela cidadania (propriamente) ‘sugerir-se’, ‘rasgar-se’… –espaçospara uma Em suma, temdecontinuaraabrir-se – Set-Out 2015. Cities –CidadesSustentáveis, #8, na maneira deolhar», inSmart Caeiro 2010. e dofragmento,& Alvim, Assírio intranquilo: anatomia doensaio Barrento, João; século XX, EdiçõesCotovia, 1996. transversal. Literatura eideiasno Barrento, João; Fontes, 2005. como históriadacidade, Martins Argan, GiulioCarlo; 2007. – Pensar [1978], InstitutoPiaget, Arendt, Hannah; Argos, 2009. contemporâneo eoutros ensaios, Agamben, Giorgio; — Bibliografia << , Mário; «A arte públicaestá O género A palavra A Vida doEspírito O que é o O queéo História daarte

artística (Cam (dir.), Hayot,Sauvage, Alain; André définition duprojet urbain», in Claude, de Viviane; «Essai Rouledge, 2005. New Practives –NewPedagogies, Practices», inMiles, Malcolm (Ed.), Collins, Tim; 2011. em MeioUrbano, MundosSociais, Produções eConsumos Visuais (Orgs.); UmaCidadedeImagens. Andrea Mubi;Spinelli, Luciano Campos, Ricardo; Brighenti, Arte, n. 119, julho-agosto2015. própria», in Arqa – Arquitetura e Europa enroute, acaminhodesi Vamos lá!Onovodesafiodeuma Caeiro Debates/Círculo deLeitores, 2014. História Contemporânea, Temas e Caeiro Le Projet Urbain. Enjeux, ,criativas? Mário;«Ruas , Mário; Goto, Reiko; «Eco-art - Arte naCidade–

Bennett, Sarah; Butler, John (Eds.); between Public andPrivate», in Rendell, Jane; «PublicArt: 2003. MinnesotaPressUniversity of , Liggett, Helen;UrbanEncounters, 2003. ChicagoPress,The Universityof (Eds.); Nelson, Robert S.;Shiff, Richard Revolutions, Zero Books, 2012. Whole. Introduction totheUrban Nawratek, Krzysztof; Francis, 2006. Randy; Campbell, MarySchmidt;Martin, 2012. Cities,Landscape of Comedia, Landry, Charles;The Sensory Press,University of 2004. Communication inModern Art, Pieces. Community + Kester, Grant H.;Conversation Everyday, The MIT Press, 2008. Johnstone, Stephen (Ed.); 2000. publique del’art, L’Harmattan, Grout, Catherine; Naify, 2007. design edacomunicação, Cosac do codificado: porumafilosofia Flusser, Vilém; Editions duRegard, 2002. dans l’art delafindu XXe siècle, Déplacements, flâneries, dérives Davila, Thierry; Mediologia, Livros Horizonte, 2004. Debray, Régis; Éditions dela Villette, 2000. Expérimentations etProfessions, Critical Terms for Art History, Artistic Citizenship, Taylor & O mundo O mundo Introdução à Marcher, Créer. Pour uneréalité Holes in the Holes inthe The The Advances in Art & Urban Futures tender para uma ou mais das Semedo, Alice; «Introdução», in Voume I. Locality, Regeneration & seguintes posições: lírica, crítica e Semedo, Alice; Lopes, J. Teixeira Divers[c]ities, Intellect Books, 2000. transformativa. (Coord.); Museus, discursos e Séguret, François; «Les acteurs 2 Delgado, Manuel; «O Espaço representações, Afrontamento, et les métiers de la ville et du Público como Representação. 2006. projet Urbain», in Hayot, Alain; Espaço urbano e espaço social 5 João Barrento (1996): Sauvage, André (dir.), Le Projet em Henri Lefebvre». Conferência Actualidade não é, para Benjamin, Urbain. Enjeux, Expérimentations et proferida no âmbito do ciclo «A a categoria mundana que se refere Professions, Éditions de la Villette, Cidade Resgatada» organizado àquilo que brilha à superfície, ao 2000. pela OASRN, Museu de Serralves, aggiornamento efémero, ao up Semedo, Alice; «Introdução», in 15 de Maio de 2013. Tradução to date borbulhante, calculado Semedo, Alice; Lopes, J. Teixeira do espanhol por Pedro Bismarck e imposto. O conceito tem nele (Coord.); Museus, discursos e e Luís Piteira. Cf. http://www. contornos mais fundos, místicos, e representações, Afrontamento, revistapunkto.com/2014/01/ implica uma iluminaço súbita do 2006. o-espaco-publico-como- passado pelo presente, motivada Serrão, Adriana Veríssimo; «A representacao_9694.html por uma afinidade electiva e paisagem como problema da 3 Ver a reflexão continuada de despoletada por uma explosão de filosofia», in Serrão, Adriana João Barrento sobre o ensaio sentidos que põe a nu secretas e Veríssimo (Coord.), Filosofia da e o fragmento, sintetizada em imprevisíveis coincidências entre Paisagem. Uma Antologia, Centro entrevista recente, de 2013. Cf. presente e passado. de Filosofia da Universidade de http://www.pequenamorte.net/ 6 Campos, Ricardo; «Introdução», Lisboa, 2011. entrevista-com-joao-barrento/#. in Campos, Ricardo; Brighenti, Wagner, Richard; A Obra de Arte Vhofm7RViko Andrea Mubi; Spinelli, Luciano do Futuro [1849], Antígona, 2003. 4 Donde que neste quadro à (Orgs.); Uma Cidade de Imagens. Young, James E.; «Memory/ arte se coloca o desafio de Produções e Consumos Visuais Monument», in Nelson, Robert S.; constantemente aferir as hipóteses em Meio Urbano, Mundos Sociais, Shiff, Richard (Eds.); Critical Terms de os actores sociais e os agentes 2011. for Art History, The University of artísticos constituírem um e o 7 O arquitecto Gonçalo Ribeiro Chicago Press, 2003. mesmo grupo, ainda que na Telles é autor, entre outros, do Zanatta, Maria Luiza; «Caminhando efemeridade de um conceito ou Corredor Verde de Monsanto; com Francisco de Holanda», V de um evento. Para Alice Semedo: da integração da zona ribeirinha Encontro de História da Arte, IFCH O agente é essencialmente um oriental e ocidental na Estrutura / UNICAMP, 2009. fazedor activo de significados: no Verde Principal de Lisboa; dos entanto, a constituição do mundo jardins da sede da Fundação — Notas como «significante», «relevante» Calouste Gulbenkian (com António ou «inteligível» depende da Viana Barreto) e dos projectos do 1 Para Tim Collins e Reiko Goto linguagem compreendida não Vale de Alcântara e da Radial de (2005), advogados da arte pública como um simples sistema de Benfica, do Vale de Chelas, e do como eco-prática, a atitude signos e símbolos, mas como um Parque Periférico. estética dos criadores pode meio para a atividade prática. Cf. 8 Directamente inspirada pelo

– MARIO CAEIRO 63 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA garagem –nonossopróprio se estivessepara entrar numa e subiupelopasseiocomo foi umacarrinhaquesedespistou acidente –literalmente, porque E tãobomquetransformou um parede nuncasequerfoiarranjada. vizinhos jáchegaram esaíram, ea já foifeitoem2011, outros murais Campo deOurique. Tão bomque de Pantónio, entre as Amoreiras e temos emLisboaémesmoeste um dosmelhores exemplos que pensados para osdedos, então particular comoosanéissão é pensadopara umespaçoem que interage comaruaeque definição dearte urbanaéalgo Interior.aspx?content_id=935682 o choqueseatenuou. mas écuriosocomo, comotempo, carinhosamente, demamarracho, aliás apolémicapeça, quase o povodeLisboabaptizou 12 11 10 9 fragateiro-jardim-das-ondas/ portaldasnacoes.pt/item/fernanda- desfazer dasondas. Inhttp://www. o ritmodooceano, comofazere rigorosas curvasdenível, simula que amodelaçãodoterreno em um jardim totalmenterelvado, em Fragateiro concebeu oprojecto de movimento daságuas, Fernanda << revolucao-de-abril info/liberdade-monumento-a- equipamentos/equipamento/ Cf. http://www.cm-lisboa.pt/ Inhttp://www.jn.pt/PaginaInicial/ Pouco depoisdainauguração, Se pensarmos que a melhor Se pensarmosqueamelhor même bien eleesttoutsimplementelle- (iconographie dudéplacement), ou simple représentation delamarche ou encomplémentdelapure et qu’elle incarne, etcelaendehors plastique àpartir dumouvement de conduire àuneréalisation produire uneatitude ouuneforme, déambulation: eleestcapablede domaine del’art, ledestindela aspx?oid=511. joanavasconcelos.com/info. a DocadeSanto Amaro. Cf. http:// mise enformed’unmouvement. produise quelquechosecommela d’une additiond’événements, qui développement d’unesucession, un dispositif, quiencourage le Définir uncadre, unprotocole, html blogspot.pt/2012/04/objet-trouve. maismenos.net/ sempre assinadas‘+-‘. Cf. http:// celebrizando-se pelassuasfrases com/category/olhos/arte-urbana/ https://cabecacoracao.wordpress. domingo. Ana DiasFerreira in vermelhos láaoladotodoosanto me importo deparar nossemáforos sentar adescansaràsombra, enem aproveitar osdestroços para se muitas vezesvejoumsenhor da estrada. Omaisbonitoéque momento Roy Lichtensteinàbeira 15 14 13 17 16 Davila:Car telest, dansle Foi entretanto ‘trasladada’ para Ao limite, aindacomDavila: http://inscriptionproject. Street-artist quesetem l ’attitude, la forme. uma instalaçãodeluz. simultaneamente sobaformade ‘VICTORIA’ –foram apresentadas ‘KOSMOS’, ‘UNIWERSAM’e (2015), ondetrês palavras – Festival LUMINA, emCascais recentemente nocontexto do watch?v=gYnpxxvkpi0) emais (https://www.youtube.com/ da palavra ‘UNIWERSAM’ uma reconfiguração teatralizada Cosmic Underground (2013), com no âmbitodo‘combóio artístico’ https://vimeo.com/89400206); ossos adquiridosnumtalho( com apalavra ‘CRISE’escritaem da República, nomesmoano, freestyle emfrente à Assembleia trouve.html); emperformance blogspot.pt/2012/04/objet- (http://inscriptionproject. PRZYJĘĆ’ [ServiçodeUrgências] duas letras (IeP)dapalavra ‘IZBA Objet Trouvé (2012), ondeinstalou Revólver, naexposição colectiva apresentou-se: naPlataforma escrever 10frases para Lisboa, 10 que convidou Tim Etchells“a Arte Urbana(GAU) daautarquia, colaboracao-com-a-gau/ intervencoes-na-cidade-uma- www.artistanacidade.com/2014/ de Arte Urbana(GAU). Cf. http:// em colaboração comoGabinete tantos locaisdeLisboa, realizado inscrição dedezfrases emoutros 2014, projecto queconsistiuna 18 20 19 EmPortugal, Kornacki Artista naCidade[deLisboa] A ideiapartiu daGaleriade frases que interpelem os lisbotas Willats shifts the focus of art from 25 Stephen Johnstone: The e transeuntes e os convidem the phenomenological experience everyday is human. The earth, a descobrir este artista”. […] O of the creator fabricating an the see, forest, light, night, do not certo é que alguém terá levado exemplar physical object to the everydayness, which belongs first o programa à letra e se deixou phenomenological experience of of all to the dense presence of interpelar pelas frases, ao ponto his co-participants in the spaces great urban centres. We need these de tomar a iniciativa de sobre and routines of their daily lives. admirable deserts that are the elas intervir. Por cima dos ditos 23 Maria Luisa Zanatta: Em Da world’s cities for the experience of idealizados pelo artista inglês, Fabrica que falece à cidade de the everyday to begin to overtake sempre com um carácter mais Lisboa (1571) o teórico retoma us. The everyday is not at home ou menos programático sobre o velhas questões insistindo nas in our dwelling-places, it is not in sentido da arte – “art that hurts”, urgências urbanas. Apresenta offices or churches, any more than “art that opens eyes” ou “art that uma série de imagens, isto é, in libraries or museums. It is in the remembers”-, foram feitos riscos lembranças de melhoramentos street – if it is anywhere. Here I find em graffiti e, acima ou abaixo delas, para Lisboa: portas, pontes, again one of the beautiful moments apostas inscrições sem aparente calçadas, igrejas, palácios e of Lefebvre’s books. The street, he ligação ou outro propósito que fortificações que conferiram a notes, has the paradoxical character o da mera sabotagem. In http:// Holanda a condição do arquiteto of having more importance than ocorvo.pt/2014/11/17/murais-de- que pensa a cidade. Analisando the places it connects, more living artista-homenageado-sabado-pela- sua obra, encontramos elementos reality than the things it reflects. The camara-de-lisboa-vandalizados/ que nos auxiliam a compreender street renders public. ‘The street 21 A peça ganhou a sua designação suas ideias de Arquitetura e de tears from obscurity what is hidden, final, ‘L.O.V.E’, durante o processo Cidade. publishes what happens elsewhere, da sua realização. O título 24 Cristiane Maria Rebello in secret; it deforms it, but inserts inicialmente previsto havia Nascimento: Da Fábrica que it in the social text.’ And yet, what sido ‘omnia munda mundis’ – falece à cidade de Lisboa não is published in the street is not significando literalmente ‘para é propriamente um tratado de really divulged; it is said, but this os [homens] puros, todas as arquitetura, mas uma admostação ‘is said’ is borne by no word ever coisas [são] puras’. Cf. http://www. ao rei D. Sebastião a propósito really pronounced, just as rumours designboom.com/art/maurizio- da importância de dar à cidade are reported without anyone cattelans-middle-finger-displayed- uma condição à altura do transmitting them and because the in-milan/ império marítmo português. Cf. one who transmits them accepts 22 Kester: As he [Willats] writes, “My Nascimento, Cristiane Maria being no one. practice is about representing the Rebello; DA FÁBRICA QUE 26 Cf. Caeiro, Mário; «Ruas criativas? potential self-organizing richness FALECE À CIDADE DE LISBOA: Vamos lá! O novo desafio de uma of people within a reductive culture FRANCISCO DE HOLANDA Europa en route, a caminho de si of objects and possessions. In a ENTRE OS MIRABILIA E OS GUIAS própria», in Arqa – Arquitetura e society which reduces people I’m TOPOGRÁFICOS DE ROMA, IV Arte, n. 119, julho-agosto 2015. working to celebrate their richness ENCONTRO DE HISTÓRIA DA and complexity. […]”. In his projects, ARTE – IFCH / UNICAMP, 2008.

– MARIO CAEIRO 65 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << characterized thediscussion onthetopic. To that end, crisis, inthat itproposes arupture withthishistorical compositional structure. Thus itisargued that public function. For that purposewepresent several artistic as fartheplasticformulation, andtheperspective context, promotingitsformand anewawareness of we present a model based on a set of aestheticandwe present amodelbasedonsetof conceptual transformation that occurred inartfrom concerned. oldThis alsoimpliestherecognition of projects that illustrate thetheoretical andpractical of a new understanding of theSpectator placeare anewunderstandingof of the second half of thetwentiethcenturyonwards, of the secondhalf art isinseparable from thetraditional monument values rejection ​​ with reference tothemainarguments that have In thispaperwetriedtodefineanddiscuss the concept of public art in light of thetheoretical publicartinlightof concept of work thatthissubject, justifiedthecreation of public monument and the failure of itsownpublic monumentandthefailure of Do MonumentoPúblicoTradicional à Arte PúblicaContemporânea à Arte that characterized thetraditional de Lisboa, Doutoramento emCiênciasda Arte (Àrea específica: Arte implications of thisconcept. implications of Professor naEscolaSuperiordeEducaçãodoInstitutoPolitécnico ferentes casos deestudo frontaram diversas tesesesedebateram di- teórico nasúltimasdécadas, onde secon- perspetivas produzidas nopensamento Acrescente-se aindaamultiplicidadede sos derepresentação convencionais. para oespaçopúblico, rejeitando osproces- ram novasproblemáticas nacriaçãoartística pela redefinição daobra dearte, introduzi- delos, para alémdeterem sido responsáveis senvolvida durante oséculo XX. Estesmo- modelos fundados na pesquisa estéticade- o lugardoespetador, convocandonovos cultórico, asuaformaefunção, bemcomo as noçõestradicionais demonumentoes- de mais, éumconceitoqueveioquestionar não reunir umconsensogeneralizado. Antes mas sobretudo pelofactodeesteconceito tivamente recente no campo historiográfico, não apenas por se tratar de um termo rela- guma controvérsia nosmeiosacadémicos, categoria artística, suscitouodebate eal- signação Arte Pública, entendidaenquanto Durante umlargo períododetempoa- por JoséPedroRegatão Pública) eInvestigador. 1 sobre osrequi - sitos estético-conceptuais da arte pública, algumas das ideias principais para o futu- propondo diversas perspetivas sobre o seu ro desta disciplina, ao destacar a vertente papel na sociedade. Se por um lado este social e utilidade pública da arte, em opo- debate se traduziu no desenvolvimento sição ao que na época consideravam ser a teórico deste conceito, por outro, suscitou “mediocridade da arte oficial”. Neste con- alguma confusão e ambiguidade no signifi- texto, foi possível conhecer uma das pri- cado do termo. Hoje em dia coexistem cor- meiras definições de arte pública de que há rentes de pensamento que defendem pro- memória, relatada enquanto obra “sublime pósitos diferentes para a arte pública, uns e útil para a via pública”3, uma noção que incidem mais na exploração das caracterís- dissipa logo à partida quaisquer dúvidas ticas físico-percetivas do espaço orientado em relação ao compromisso social presen- para a experiência do observador, outros te neste conceito. pelo contrário defendem a sua função so- cial e educativa, através do estímulo do tra- Cerca de meio século depois encontramos balho com as comunidades. mais uma referência às denominadas Artes Públicas pela mão de Gilbert Seldes, desta Alguns autores consideram que toda a arte vez em alusão a três importantes meios de é pública, na medida em que as obras per- comunicação de massas em forte expansão tencentes às coleções dos museus se en- desde os anos 30: a televisão, a rádio e o contram acessíveis ao grande público, por cinema. Segundo o escritor e crítico ame- isso a expressão é entendida como pleo- ricano, as Artes Públicas – The Public Arts – nasmo, visto que a própria noção de arte distinguem-se das outras artes pelo seu ca- deixa implícita essa ideia. Outros tantos ar- rácter “popular” e “aceitação universal”, por gumentos críticos questionaram a legitimi- abranger “(…) um vasto número de pessoas dade da expressão arte pública que, hoje simultaneamente, e o seu efeito não se limi- em dia, já conquistou a plena aceitação, tar àqueles que as presenciam diretamente”, tendo afirmado a sua independência en- no sentido de que se converte numa “ma- quanto disciplina de estudo. téria de preocupação pública”4. Reconhece- mos, em grande parte, nestas palavras a na- Embora o conceito de arte pública retrate tureza da arte pública entendida enquanto uma mudança de paradigma que ocorreu disciplina artística; a par dos meios de infor- na arte no decurso da segunda metade do mação de massas, também se encontra dis- século XX, mais concretamente em meados ponível para uma audiência ampla e hetero- da década de 60, na realidade este termo génea, não se esgotando apenas nos seus remonta ao final do século XIX, como teste- espectadores diretos, mas, em certos casos, munha o Primeiro Congresso Internacional “contagiando” toda a comunidade. de Arte Pública realizado em Bruxelas em Setembro de 1889 2. Neste encontro, onde Um dos aspetos que melhor caracteriza a se reuniram diversas entidades governa- arte pública é precisamente o carácter uni- mentais de vários países, já se perfilavam versal do seu envolvimento com o público,

– JOSÉ PEDRO REGATÃO 67 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA do real onde asobras aparecem isoladasdomun- galerias dearte, localdepura neutralidade caracterizar oespaçoidealista demuseuse metáfora criada por Brian O’Doherty para e artificial dodenominado “cubo branco”, testação dos artistas ao carácter sacralizado é acompanhandoporumaatitude decon- Importa nãoesquecerqueestefenómeno ço real nocentro dacriação artística. ambiente queorodeia, colocando oespa- dade autónoma para compreender todo o to deixou deserentendidoenquantoenti- entre arte eoseucontexto, porque oobje- la umanovaconsciênciasobre asrelações ção daobra dearte. Narealidade, istoreve- responsáveis pelacrescente desmaterializa- de novastécnicaseprocessos detrabalho e seobservaumacrescente proliferação tes concretos entre asdisciplinasartísticas rânea, onde operam cada vez menos limi- ração formalnoquadro daarte contempo- Poder-se-á questionaromotivo destasepa- para osespaçospúblicos. para museus e galerias e outra orientada práticas artísticas distintas, umadirigida este conceitoserviupara distinguirduas versos autores reconhecem, também, que integram aprópria paisagemurbana. Di- através doslocaisdeconvívioelazerque participa diretamente noquotidianosocial lugares institucionaisdaarte, eporisso pecífico, comogeralmente seobservanos ciedade enãoapenas a um segmento es- na medidaemquesedirigeatodaso- << te comprometendo aexibição deobras de comercial praticado pelas galerias, em par de omovimentooposição aosistema 5 . Nesteâmbito, também, compreen - - ráter anti-monumental de representação pornovosvalores deca- pondo asubstituiçãodospadrões clássicos à conceçãotradicional demonumento, pro- flete umamudançademodeloem relação dos anos60para osanos70, poroutro, re- sencadeadas pelasvanguardas naviragem o resultado desteconjuntodeposições- Se, por um lado, o conceito de arte pública é cada vezmaisasuaparticipação cia queconferiamaoespetador, solicitando registo da galeria, seja pela nova importân- da pelagrande escalacapazdeextrapolar o seja pela liberdade e ambição proporciona - enquanto alternativa àsgaleriasemuseus, resse pelaspotencialidadesdaarte pública os artistas demonstraram umgrande inte- No âmbitodosespaçosnãoconvencionais, ça denovostipospúblico. e comcapacidadepara convocar a presen - que proporcionem maiorliberdade artística caráter experimental, emproveito delocais a cavalo” Raven “a arte públicanãoémaisumherói curso Internacional deEscultura dedicado recordar, aestepropósito, océlebre Con- pria liberdade de expressão. Vale apena da democracia e, porconseguinte, da pró- rios queabriram espaçopara osurgimento conjunto de ditaduras e regimes autoritá- metade do século XX, com a queda de um no Ocidente, nomeadamente nasegunda com importantes mudanças político-sociais za conceptualeestéticadaarte coincidiu Esta transformação profunda nanature- mento públicotradicional. nova independênciadomodelomonu- 8 , namedidaemquereclama uma 7 . Como refere Arlene 6 . à construção do Monumento ao Prisioneiro Na verdade, o conceito de arte pública sur- Político Desconhecido, promovido pelo Ins- ge inevitavelmente ligado à crise do mo- titute for Contemporary Art em 1952. Este numento público tradicional, entendido no concurso contou com mais de uma cente- seu sentido original como uma represen- na de artistas de várias nacionalidades, en- tação comemorativa destinada a preservar tre os quais se destacam grandes referên- um determinado acontecimento para a pos- cias da escultura do século XX, como Naum teridade, como define Alois Riegl: Gabo, Alexander Calder, Barbara Hepwor- th, Reg Butler, Max Bill e o artista português “Por monumento, no sentido mais antigo e Jorge Vieira. Para além de propor novas lin- primordial, se entende uma obra realizada guagens e soluções formais, este concurso pela mão humana e criada com a finalidade traduzia uma verdadeira oposição político- específica de manter a proeza ou destinos -ideológica, ao estilo da “Guerra Fria” contra individuais (ou em conjunto destes) sempre os países comunistas9. De facto, investiga- vivos e presentes na consciência das gera- ções subsequentes revelaram que os Esta- ções vindouras. […]”12. dos Unidos da América financiaram discre- tamente o respetivo concurso com o intuito Neste sentido, é possível afirmar que os de denunciar a falta de liberdade humana e monumentos públicos tradicionais estão a trágica situação dos prisioneiros políticos impregnados de uma série de valores – vítimas dos regimes não democráticos. morais, ideológicos, educativos, estéticos, simbólicos – que a nossa memória coletiva Apesar de o programa estético do concur- pretende preservar como um legado às ge- so não apresentar restrições estilísticas, na rações futuras. Compreende-se assim que verdade o júri, constituído por uma dezena esta memória seja um elemento fundamen- de personalidades de prestígio no campo tal da identidade “individual ou coletiva” da da história de arte, como Herbert Read e nossa sociedade, geradora de determina- Giulio Carlo Argan, mostrou preferência por dos modelos sociais e, de certo modo, um abordagens mais abstratas ao tema pro- poderoso “instrumento” de poder, como se posto, coincidindo em certa medida com observou ao longo da história pelas ações as diretivas de uma campanha política sim- ideológicas e propagandísticas dos regi- bolicamente representada pelo recurso à mes totalitários13. abstração10. Por ironia do destino, aquele que certamente ficaria conhecido na histó- A maior parte dos valores personificados ria da arte como um dos primeiros monu- nos monumentos escultóricos tradicionais mentos modernos, da autoria do escultor foram rejeitados por diversos artistas no de- inglês Reg Butler, não chegou a ser erguido curso do século XX, tanto em termos con- no espaço público, permanecendo apenas ceptuais, com a falência dos antigos ideais em pequena escala11. comemorativos, como em termos estéticos, ao reivindicar um novo ideário formal em sintonia com as pesquisas plásticas da mo-

– JOSÉ PEDRO REGATÃO 69 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA sual esimbólicadaspersonagens” e narrativo, bemcomoa“hierarquização vi- representação figurativa, carácter alegórico mental, verticalidade, função comemorativa, tórico, caracterizado pela sua escala monu- missas convencionaisdomonumentoescul- plano estético, verifica-seaoposiçãoàspre - às exigências dasociedademoderna. No tórico tradicional deixou decorresponder dernidade. A retórica domonumentoescul- << camente umlugar[…]” disso, asuatarefa parece sermelhorar esteti- terminadas realizações ouobjetivos. Emvez heróis eacontecimentos, nemsimbolizade- da escultura pública. Raramente comemora “ garet Robinette nadécadade70aoafirmar: artística contemporânea. Como denotaMar novo ideário formalfundadonaexperiência as tradicionais convençõesestéticasporum ral domonumentoclássico, abandonando modo, veiopôremcausaalógicaestrutu- do usopedestal ruelo no seu interessante ensaio sobre o fim escultórico talcomopropõe Javier Made- sível recuperar oconceitodemonumento Não cremos, noatual panorama, serpos- formulação estética. tempo quereivindicam asuaimediata re- na sociedadecontemporânea, aomesmo sos projetos que ridicularizamasuafunção morativo tradicional, desenvolvendo diver postura críticafaceaomonumentocome- to, que muitosartistas tenham adotadouma vas precedentes. Nãosurpreende, portan- afinidade comaspropostas comemorati- tica antimonumental, rejeitando qualquer toda aarte públicaseafirmaenquantoprá- Hoje, éevidenteamudançadasintenções 16 , porque narealidade 15 . 14 . Desse - - mento de Melbourne seu precioso contributopara odesenvolvi- desconhecida pelosaustralianos, apesardo les La Trobe, personagemcolonialquase primeiro governadordaquela cidade, Char representação invertida quehomenageiao do escultoraustraliano CharlesRobb, uma ta atitude éaestátua –landmarkdaautoria Um dos exemplos mais emblemáticos des- mitir quequalquer imagem/objeto– reli- uma espéciedecarácter sagrado aoper trutural deorigemarquitetónica, adquiriu Para alémdasuacondição deelementoes- certa monumentalidade. do ambienteemredor econferir-lhes uma de fazer sobressair determinados objetos elementos arquitetónicos, comointuito to deerguer monumentosescultóricose utilizado durante séculoscomopropósi- ra comoseusuporte. O pedestaltemsido solveram estedesafioaofundiraescultu- de Rodin, emaistarde deBrancusi, quere- em relação àsuabase, primeiro pelamão processo deindependênciadaescultura final doséculo XIX, assistimosaumlongo pela escultura públicamoderna;desdeo o abandonodopedestalprotagonizado gimento doconceitodearte públicaé Outro aspetoimportante quemarca osur mento públicoconvencional. ram e, até, parodiaram afunção domonu- história, outros tantosexemplos contesta- seleção históricadomérito. Ao longoda contestar origordoscritériosaplicadosna monumentos públicosdominantes, como veio questionaranatureza esignificadodos do Museu da Cidade (2004-2006), não só buto, instaladotemporariamente emfrente 17 . A natureza deste tri- - - - gioso, militar, civil – adquirisse um sentido ele também é entendido como coprodu- ascensional. O pedestal comporta assim tor da obra, no sentido de que é convoca- o culto do profundo respeito, da home- do para participar na realização da mesma, nagem solene, da veneração pública e da através do seu próprio “ato de perceção” intangibilidade terrestre. Como refere An- ou expressão individual. Por conseguinte, drew Causey, “[…] o pedestal foi o sinal do a obra não apresenta uma estrutura defi- privilégio escultórico, o primeiro sinal da nida e acabada, como é comum encontrar sua diferença em relação às outras coisas nas formas clássicas, mas abre-se a um vas- […]”18; mas também nas palavras de Albert to “campo de possibilidades” de interpreta- Elsen, foi responsável por conferir à escul- ção remetendo para o próprio espectador a tura um “aspeto raro e precioso”, assumin- sua realização final21. do, em certa medida, uma postura “não de- mocrática ou autoritária”19. A nova relação artística construída com o espectador tornou-se rapidamente na for- Se é verdade que a independência da es- ça motriz da arte pública, no sentido de cultura face ao seu suporte representa uma que os artistas começaram a dirigir as suas importante conquista da escultura moder- intervenções para a exploração das poten- na, suscitando novas possibilidades plásti- cialidades físico-percetivas da obra, trans- cas derivadas da crescente autonomia do formando o espectador no seu principal objeto artístico, não é menos verdade a protagonista. Em consequência disto, mui- importante transformação que operou no tas obras se definiram em função do movi- campo da arte pública, conferindo à peça mento, da descoberta e da interação dire- uma maior liberdade de ação e proximida- ta com o observador, construindo parte do de com o público. seu significado a partir desse diálogo parti- cular entre o sujeito e a obra. Outro aspeto fundamental para caracterizar este conceito, surge no seguimento desta Jaume Plensa vai ao encontro desta nova conquista formal, consiste na proximidade consciência do lugar do espectador com a entre a arte e o público, em consequência obra The Crown Fountain, inaugurada em Ju- de um novo posicionamento da obra de lho de 2004 no Millenium Park, em Chicago, arte perante o espectador, uma vez que nos EUA. Duas torres em tijolo de vidro com deixa de ser entendida enquanto discur- 15 metros de altura, dispõem-se frontalmen- so “unilateral” para passar a ser “entendida te sobre uma ampla praça em granito, fun- como uma forma de diálogo entre o artista cionando como telas onde são projetados e o público”20. Ao promover esta nova for- diversos rostos de cidadãos anónimos, es- ma de diálogo, cuja inspiração nos reporta colhidos entre diversas organizações sociais aos movimentos artísticos dos anos 60 e 70, e étnicas daquela cidade. Em determinado o espectador abandona a sua posição me- momento específico, os lábios dos rostos ramente contemplativa para desempenhar contraem-se e simulam o jorrar da água pro- um papel participativo na obra. Por vezes, duzindo um efeito similar às fontes tradicio-

– JOSÉ PEDRO REGATÃO 71 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA físicas desse espaço, através deumprofun- específico tendocomobase asqualidades signa asobras concebidaspara umlugar pública, éanoção desite-specificque- Outro aspetoimportante quedefineaarte com o“paradigma modernista” da obra pública, rompendo, antesde mais, rando osseusprocedimentos naconceção que seadaptaraestanovarealidade, alte- na suamáximaeficácia, osartistas tiveram Para quearelação descrita possa ocorrer dentes nahistória. tador, deumaformaoriginalesemprece- interação recíproca entre aobra eoespec- arte pública contemporânea, ao estimular a ilustra bematransformação originadapela do espaçodemodorecreativo. Esteprojeto água, e convida os espectadores a fruírem te comopúblicoatravés dosseusjogosde tura de Jaume Plensainterage fisicamen- étnica quecaracteriza estacidade, aescul- to visual. Para além dotributo à diversidade a fachadasdastorres, criandoumforte efei- nutos, surge umacascata deáguaquecobre onde cadarosto éprojetado durante 5mi- nais. Após terminadaasequênciadevídeos, << reposicionamento dolugarespectador quista doespaçoemredor daescultura eo como elementodesuporte daobra, acon- dos materiais, a oposição aousodopedestal ção, a rejeição doprocesso demodelação dução formalemcontraponto àrepresenta- dos conceitostradicionais deescultura: are- final dadécadade60, assistimosàrutura Com oadventodominimalismo, durante o perante oseumeioenvolvente. vel pelapreservação daautonomiaobra 22 responsá- 23 . para a sua perceção texto, tornando-senumelementoessencial está inevitavelmenteassociadaaoseucon- circundante. Por isso, aapreciação daobra do diálogoformalentre aobra eomeio das entre aescultura eoseucontexto […]” var, simultaneamente, asnovasrelações cria- As propostas site-specificpermitem obser mente aoconteúdoecontexto doseulugar. os trabalhos site-specificdirigem-secritica- to […]”.interdependência daobra edolocal, ções criadasentre aescultura eoseucontex observar, simultaneamente, asnovas rela- lugar. As propostas site-specificpermitem criticamente aoconteúdoecontexto doseu do local, ostrabalhos site-specificdirigem-se “[…] Baseado nainterdependência daobra e palavras doescultorRichard Serra: co nosofereceu umaestéticaformal bem Enquanto nopassadoomonumento públi- espaço urbano. lações intrínsecasentre aobra dearte eo ra sedefineporestenovoconjuntode re- do conceitodearte pública, cujaestrutu- realidade umdosprincipaisfundamentos ço e o próprio espectador representa na Esta ligaçãopróxima entre aobra, oespa- do quotidianoespectador ser encarada como um objetoque faz parte uma ligaçãoorgânica comoseulugar(…)”e Lippard, aarte site-specific ra aperceção doespaçourbano. Para Lucy um novo campo de significados que alte- e organiza oespaçoemseuredor, criando te dolocalpara ondesedestina, redesenha Deste modoaobra torna-seinterdependen- 24 , como assinalam as deverá “(…)ter 26 . 25 . - - definida, a partir de cânones académicos cados que lhe foram atribuídos ao longo que privilegiavam, em grande parte dos da história, este conceito designa todo o casos, a representação mimética da rea- conjunto de intervenções artísticas, da es- lidade, utilizando para esse efeito deter- cultura à instalação, do graffiti à performan- minadas tipologias artísticas, a arte públi- ce (entre outras formas de expressão), rea- ca contemporânea, pelo contrário, não só lizadas no espaço público (ou relacionadas introduziu profundas alterações formais, com o mesmo), cuja conceção rejeita a for- como procurou alargar o seu universo de ma e a função comemorativa tradicional, referências. Tornou-se, assim, cada vez procurando estabelecer uma relação es- mais multidisciplinar, assimilando os pro- pecífica com o meio ambiente e o público. cessos de trabalho e as linguagens de dis- Por outras palavras, este conceito marca o ciplinas, como a arquitetura, o design de fim da era do monumento público tradicio- equipamento, a publicidade, a sociologia, nal e abre caminho a uma nova conceção entre outras. estética, onde a participação e a perceção sensorial do espectador é cada vez mais O coletivo composto por artistas, desig- solicitada como parte integrante da obra. ners e arquitetos designado por Atelier Em relação ao espaço envolvente, outro- Van Lieshout27 será provavelmente um dos ra entendido como mero cenário, ganha exemplos mais interessantes desta prática protagonismo, não só enquanto material multidisciplinar, ao reunir no mesmo proje- plástico mas como elemento gerador da to uma diversidade de meios provenientes própria forma artística. É, por isso, conside- de várias disciplinas que vieram problema- rado um elemento fundamental para a ex- tizar uma série de questões entre a arte e periência fruitiva do observador. as ciências sociais. É o caso das unidades móveis auto-suficientes criadas para alber- No domínio temático observa-se o aban- gar um grupo de cidadãos, este work in dono dos temas clássicos de âmbito na- progress propõe uma sociedade alterna- cional-historicista, por uma incursão por tiva à existente, com regras mais flexíveis poéticas pessoais e assuntos do quotidia- e uma filosofia de vida mais participativa, no, abrangendo, em determinados casos, aberta à criatividade e à responsabilida- questões sociais (new genre public art). de individual. Neste sentido, para o Atelier Acresce ainda referir, o modo como ultra- Van Lieshout não existem limites entre as passou as fronteiras tradicionais entre as disciplinas, e muito menos “(…) fronteiras disciplinas, apropriando-se da linguagem entre a arte (pública) e a vida”28. formal e dos elementos operativos de dis- ciplinas tão díspares entre si, como a arqui- Chegados praticamente ao termo das nos- tetura, o design ou a sociologia. sas reflexões, cabe agora resumir as nossas premissas que definem a arte pública: não Para concluir, a arte pública contemporâ- obstante as interrogações em redor do ter- nea acompanhou as mudanças profundas mo “arte pública” e dos diferentes signifi- que ocorreram na relação entre a arte e a

– JOSÉ PEDRO REGATÃO 73 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA dialética entre oartista eopúblico. go dahistória, propôs umanovaestrutura que fez questão em desmaterializar ao lon- das convicçõesideológicasdopassado, o espectadoreespaçoreal. Emlugar cos decorrentes doencontro entre aobra, sociedade, fundounovosmodelosestéti - << — changing ideas. Cabridge, Mass.: 1900-1990: ananthologyof WOOD, Paul, ed. lit. –Art intheory, HARRISON, Charlesed. lit.; 46-47. – Casa daMoeda, 1984. Vol. I, p. Einaudi. [S.l.]:Imprensa Nacional ROMANO, Ruggiero. Enciclopédia GOFF,Le Jacques –Memória. In The MIT Press, cop. 2002. Massachusetts: London, : locational identity. Cambridge, another: site-specificart and KWON, Miwon–Oneplaceafter 1985. London: Yale UniversityPress, cop. public sculpture. NewHavenand modern and thedilemasof ELSEN,E. –Rodin’s Abert thinker Lisboa: Difel, imp. 1989. ECO, Umberto –A obra aberta. files; n.º1). MIT Press, cop. 2000. (OCTOBER Serra. Cambridge, Mass. [etc.]: The HUGHES, Gordon ed. –Richard site specificity. InFOSTER, Hal; CRIMP, Douglas–Redefining Art). of History University Press, 1998.(Oxford 1945. Oxford, New York: Oxford CAUSEY, Andrew –Sculpture since 2006. Tese dedoutoramento. Universidade NovadeLisboa, de CiênciaseHumanasda (1948-1988). Lisboa:Faculdade monumentalidade emPortugal Pinto de–Escultura públicae ABREU, José GuilhermeRibeiro Bibliografia Bibliografia Blackell Publishing, 1993. A arte contemporânea. Mem 6 ROUGE, Isabelle de Maison LIESHOUT, Atelier Van – The Martins: Editorial inquérito, 2003. – A arte contemporânea. Mem public art of AVL.Ville. In (Coleção Ideias Feitas; n.º 7). Martins: Editorial Inquérito, 2003. MATZNER, Florian, ed. Lit. – Public SELDES, Gilbert – The public arts. (Colecção Ideias Feitas). p. 32. art: a reader.2.ª ed. Rev. Munich: New York: Simon and Schuster, 7 Esta mudança de paradigma Hatje Cantz Publishers, 2004. 1956. já tinha sido, de certa forma, LIPPARD, Lucy R. – The lure of esboçada por Auguste Rodin. the local: senses of place in a — Notas 8 RAVEN, Arlene ed. – Art in public multicentered society. New York: interest. New York: Da Capo Press, New Press, cop. 197. 1 Uma das polémicas mais 1993. p. 1. “public art isn’t a hero MADERUELO, Javier – La pérdida discutidas no contexto on a horse anymore”. del pedestal. Madrid: Círculo de internacional foi a obra Tilted Arc 9 MICHALSKI, Sergiusz – Public Belas Artes 1994. de Richard Serra, instalada na monuments: art in political MATZNER, Florian, ed. Lit. – Public Federal Plaza em Nova Iorque, bondage 1870-1997. London: art: a reader.2.ª ed. Rev. Munich: em 1981, e demolida oito anos Reaktion Books, 1998. (Essays in Hatje Cantz Publishers, 2004. depois pela entidade que a Art and Culture). p. 156. MICHALSKI, Sergiusz – Public encomendou. Também em 10 IDEM, Ibidem., p. 157. monuments: art in political Portugal, e mais concretamente 11 O escultor inglês Reg Butler bondage 1870-1997. London: na cidade de Lisboa surgiram obteve o primeiro prémio neste Reaktion Books, 1998. (Essays in obras controversas, como por concurso, com uma proposta Art and Culture). exemplo a Homenagem ao 25 de semi-abstracta constituída por O’DOHERTY, Brian – Inside the Abril, da autoria de João Cutileiro, uma estrutura metálica evocativa white cube: the ideology of gallery instalado em 1989 no alto do de uma torre de vigia e três space. Expanded Edition: Berkeley Parque Eduardo VII. figuras humanas. Cumpre dizer [etc.]: University of California 2 ABREU, José Guilherme Ribeiro que a obra de Jorge Vieira acabou Press, 1999. Pinto de – Escultura pública e por ser concretizada em Beja RAVEN, Arlene ed. – Art in public monumentalidade em Portugal quase quarenta anos depois do interest. New York: Da Capo Press, (1948-1988). Lisboa: Faculdade concurso. 1993. de Ciências e Humanas da 12 RIEGL, Alois – El culto moderno REYERO, Carlos – La escultura Universidade Nova de Lisboa, a los monumentos: caracteres y commemorativa en España: la 2006. Tese de doutoramento. p. 2. origen. Madrid: Visor, 1987. (La edad de oro dele monumento 3 IDEM, Ibidem., p. 3. Balsa de la Medusa; 7) p. 23. público, 1820-1914. Madrid: 4 SELDES, Gilbert – The public arts. 13 GOFF, Jacques Le – Memória. In Ediciones Cátedra, cop. 1999. New York: Simon and Schuster, ROMANO, Ruggiero. Enciclopédia (Cuadernos Arte Cátedra). 1956. p. 298 e 301. Einaudi. [S.l.]: Imprensa Nacional ROBINETTE, Margaret A. – 5 O’DOHERTY, Brian – Inside the – Casa da Moeda, 1984. Vol. I, p. Outdoor sculpture: object and white cube: the ideology of gallery 46-47. environment. New York: Whitney space. Expanded Edition: Berkeley 14 REYERO, Carlos – La escultura Library of Design, 1976. [etc.]: University of California commemorativa en España: la ROUGE, Isabelle de Maison – Press, 1999. p. 14. edad de oro dele monumento

– JOSÉ PEDRO REGATÃO 75 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 22 21 20 19 18 17 16 15 220. (Cuadernos Arte Cátedra). p. 219- Ediciones Cátedra, cop. 1999. público, 1820-1914. Madrid: << Library of Design,Library of 1976,p. 20. environment.New York: Whitney Outdoor sculpture: objectand – ROBINETTE, Margaret A. – as características físicasdesse espaços públicossemreflectir referencial colocada em referimo-nos àarte auto- 198. Lisboa: Difel, imp. 1989. p. 197- Ob. cit.,p. 33. 1985. p. 101. London: Yale UniversityPress, cop. public sculpture. NewHavenand modern and thedilemasof (OxfordArt). Historyof p. 87. Oxford UniversityPress, 1998. since 1945. Oxford, New York: (February 2006). guide to Australia’s Galleries monumento público. para recuperar oconceitode contemporânea, quatro direções baseado naprodução artística 53. Javier Maderuelopropõe, Círculo deBelas Artes 1994. p. pérdida delpedestal. Madrid: ROBINETTE,Margaret A. Por “paradigma modernista” ECO, Umberto –A obra aberta. ROUGE, IsabelledeMaison– ELSEN, Abert E. –Rodin’s thinker CAUSEY, Andrew– Cfr.essential the Art Almanac: Cfr. MADERUELO, Javier –La Sculpture 122. 27 26 25 24 23 28 56. Hatje Cantz Publishers, 2004. p. art: areader.2.ª ed. Rev. Munich: MATZNER, Florian, ed. Lit. –Public The publicartAVL.Ville. of In plásticas, arquitetura edesign. colaboradores nocampodasartes reunindo umavastaequipade Joep vanLieshoutem1995, foi fundadopeloartista holandês New Press, cop. 197. p. 263. multicentered society. NewYork: placeina the local:sensesof Blackell Publishing, 1993.p. 1098. changing ideas. Cabridge, Mass.: 1900-1990: ananthologyof WOOD, Paul, ed. lit. –Art intheory, files; n.º1). p. 151. MIT Press, cop. 2000. (OCTOBER Serra. Cambridge, Mass. [etc.]: The HUGHES, Gordon ed. –Richard site specificity. InFOSTER, Hal; The MIT Press, cop. 2002. p. 11. Massachusetts: London, England: locational identity. Cambridge, after another:site-specificart and lugar. KWON, Miwon–Oneplace

LIESHOUT, AtelierVan– OAtelierVan(AVL),Lieshout LIPPARD, Lucy R. –The lure of HARRISON, Charlesed. lit.; CRIMP, Douglas–Redefining CAUSEY, Andrew– Ob. cit., p. 120- O Vandalismo da Arte Pública

por Victor Correia

Doutoramento em Filosofia Política e Jurídica, na Universidade da Sorbonne (Paris), Mestre em Estética e Filosofia da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Pós-doutoramento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Licenciatura em Filosofia, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Docente na área de Filosofia

The goal of this article is to analyze the vandalism of public art, addressing their meaning, their specificity in relation to other types of vandalism, his motives, and the O conceito de vandalismo e sua relação possible measures of prevention or correction, to solve com a arte pública this problem. More than any other artistic expressions, As atitudes de hostilidade, assentes na into- the public art is particularly vulnerable and susceptible to lerância e na discriminação, tomadas em re- vandalism, because is placed in the public space, and to lação a determinadas pessoas, têm no que confront all kinds of public, don’t motivated or touched, diz respeito à cultura material a designação and is vandalized for political, urban, economic, aesthetic, de vandalismo, que acaba por constituir uma psychological, moral, and religious reasons. We present forma indireta de intolerância e de discrimi- some measures and possible solutions of technical nação, destruindo-se os símbolos materiais character, measures of education and information, we de uma religião, como por exemplo uma advocate greater suitability for location, more accepted escultura, ou os vestígios arquitetónicos de places by the public for certain works of art, and also the uma cultura ou civilização, como sucedeu re- greater involvement of the public around the initiatives centemente com a destruição dos templos for the public art, and don’t only institutional initiatives. romanos da cidade de Palmira, na Síria, ou com a destruição das estátuas dos Budas de — Keywords Bamiyan, pelos Talibã, no Afeganistão. Public art, vandalism, meaning, reasons, solutions. O conceito de vandalismo é originário da palavra Vândalos, que se referia a um povo de origem germânica oriental, que partici- pou nas invasões bárbaras nos primeiros séculos da era cristã, na Europa ocidental, e que se destacou principalmente pelos seus métodos cruéis de destruição da proprie-

– VICTOR CORREIA 77 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << http://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-features/9593748/When-art- A Pequena Sereia, escultura deEdward Eriksen, Foto : AP/BJARNE LUETHCKE Copenhaga, Dinamarca gets-vandalised.html jorativa, comoporexemplo apalavra radi- lismo reconhecido valorestético. Otermovanda- mente quandosetrata deobras dearte de atitudes um ato de vandalismo, nomeada- tanto, para quem está defora, vê-se nessas sequer oencaram comovandalismo. Noen- tui osímbolodatransição doPoder, enem dos porumGovernoanterior, equeconsti- vés dadestruiçãodosmonumentosergui- nomeadamente ovandalismopolítico, atra- ciedade antiga para uma sociedade nova, neles comoqueumapassagemdeso- mentos, veemnelesalgodepositivo, veem Aqueles quelevamacaboestescomporta- na sequênciadaquedadomuro deBerlim. gels, Lenine, e Estaline, na Europa de Leste, guidas em praças, representando Marx, En- recentemente adestruiçãodeesculturas er sequência daRevolução Francesa, oumais exemplo asdestruiçõesdeobras dearte, na cristã deBizâncio. Politicamente, temospor das imagens, quedividiuemgruposaigreja relação aocatolicismo, assimcomoaguerra los pagãos, ou a Reforma protestante, em ataque doscristãosemrelação aossímbo- convulsões religiosas, comoporexemplo o ções devandalismoresultantes degrandes Historicamente, houveetemhavidositua- Antigo Regime. tão, quedestruíaopatrimónio artístico do duma parte daarmadarepublicana deen - como críticaemrelação à atitude destrutiva pelo abadeHenriGrégoire, bispodeBlois, giu noséculo XVIII, emFrança, efoicriado as obras dearte. Otermovandalismo lor patrimonial ecultural, nomeadamente dade alheia e de bens materiais com va- assume portanto umaconotaçãope-

sur - - calismo, ou extremismo, e atualmente é uma Nuns casos acrescenta-se algo às obras de termo que se alargou às diferentes línguas, arte, noutros casos retira-se, e noutros ca- e é geralmente aplicado como sinónimo de sos anula-se a obra, pura e simplesmente. destruição, saque, violência, devastação, de- O acrescentamento pode ser considerado predação, em relação a diferentes tipos de uma contribuição necessária, pelo atacan- objetos, como bancos e canteiros de jardim, te, ou como uma recusa do que está con- árvores, candeeiros de iluminação pública, templando, e a necessidade de tapá-lo ou viaturas, monumentos, paredes, vidraças, dissimula-lo com novos significados. Os tudo o que esteja no espaço público, sendo cortes e riscos apresentam uma intenção a arte pública um dos principais alvos. de mutilação ou aniquilação, assim como a substração de material, que personificam Há que distinguir entre vandalismo públi- claramente o carater agressivo e o desejo co e vandalismo anónimo. Dentro do van- de transgredir, pura e simplesmente, reve- dalismo público, temos o institucional (por lando uma intenção destrutiva premedita- exemplo a destruição de estátuas mandada da, de apropriação, contacto físico, e por fazer por um novo Governo ou regime po- vezes de furto. Não se deve portanto con- lítico), e a destruição pelas multidões (por fundir o vandalismo com a destruição aci- exemplo a destruição de uma estátua, no dental (por exemplo a danificação de uma âmbito de um motim, ou de uma manifes- escultura ao ser transportada de um local tação de rua). Dentro do vandalismo anóni- para outro), nem com a sua deterioração mo temos a destruição feita por um deter- pelo clima, nem com o iconoclasmo (que minado grupo, sem que ninguém tivesse tem a ver com a destruição de imagens re- presenciado o facto, como por exemplo um ligiosas). grupo terrorista organizado, que geralmen- te costuma reivindicar o atentado, depois A arte pública tem sido um dos alvos prin- deste ter sido cometido, ou o vandalismo cipais do vandalismo, pois é muitas vezes feito por um ou mais indivíduos, que agiram alvo de contestação, dado encontrar-se no em nome próprio. espaço público. Embora nem toda a con- testação da arte pública leve ao vandalis- O vandalismo, enquanto ato, consiste em mo, os atos de vandalismo têm subjacen- destruir, degradar, deteriorar, volunta- te uma contestação, explícita ou implícita. riamente o bem de outrem, seja um bem A primeira grande contestação, explícita, público, ou um bem privado, como por em relação a uma obra de arte colocada exemplo um determinado edifício, e que no espaço público, uma das contestações é geralmente aplicado sobretudo em rela- que suscitou maior polémica, sucedeu com ção a monumentos e a obras de arte. Em a estátua a Balzac, esculpida por Rodin, co- termos práticos consiste em pintar, riscar, locada em Paris, na segunda metade do cortar, partir, pôr ácido, incendiar, bombar- século XIX, estátua essa muito contestada, dear, atirar objetos, roubar partes da obra devido à sua linguagem artística inovado- de arte, ou a obra de arte na sua totalidade. ra, e à ausência de pedestal, e que foi por-

– VICTOR CORREIA 79 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA e queprovocou muitapolémicaecontesta - boa, deautoria doescultor João Cutileiro, numento erguido ao25de Abril, emLis- como porexemplo emPortugal, comomo- Muitos outros casossepoderiamreferir, da população. téticos, eaoriscodevandalismoporparte forte contestação, também pormotivoses- do qualfoiretirada poucodepoisdevidoà foi colocadanumdosbairros residenciais, receu umadassuasesculturas àcidade, que cional. Em Barcelona Alexandre Calder ofe- passou doâmbitolocalpara aimprensa na- do demasiadogrande, polémicaessaque lienta o tamanho das esculturas, considera- mica, pormotivosestéticos, dequesesa- em Guernica, levantoutambémumapolé- Henry Moore eoutra deEduardo Chillida, obras escultóricasdegrande porte, umade das pela opinião pública. A instauração de lácio Real emParis, tambémmuitocontesta- as colunasdeDanielBuren, nacour da contestaçãopormotivosestéticos, como estética, masoutros casossepodemreferir locada, etambémdevido à sua linguagem sagem das pessoas na praça onde foi co- vérsia, a pas- devidoao facto de “impedir” Iorque, em1989, depoisdepúblicacontro- des municipais, daFederal Plaza, emNova chard Serra, quefoiretirada pelasautorida- nhecidos foiodaescultura Tilted Arc, deRi- Noséculo XX umdosexemplos maisco- realizada para umlocalespecífico. zação, poisaobra dearte foiconcebidae localização étambémumaquasevandali- e proteção, masporoutro ladoasuades- mudança deveu-searazões desegurança tanto mudada várias vezes de local. A sua << do Pa- mento. to comopoucoadequadopara ummonu- forma, pormuitosconsiderada fálica, evis- sas interpretações, comoporexemplo asua seu conteúdoartístico, suscetíveldediver ção porparte daopiniãopública, devidoao arte, poissubjacente aoconceitodevanda- ção de vandalismo, como para as obras de destruições nãoseaplica tantoadesigna- provocadas nas obras de arte, mas a essas e algumasdelastantoouaté maisdoqueas bens queseencontram noespaçopúblico, to violentaseperdas irreparáveis deoutros parável. Por vezesexistem destruiçõesmui- to violentaelamentável, deumaperda irre- geralmente aideiadeumadestruiçãomui- Subjacente aoconceitodevandalismo tal temadesignaçãodevandalismo. destruição dessas obras de arte, que como do espírito contestatário, é muitas vezes a de maisimediata, proveniente dacríticae davia, nem sempre assim acontece, e atitu- dela sepretenda eventualmenteevocar. To- arte, epara ostemaspolíticosqueatravés de reflexão, edeincentivopara aprópria um fator desociabilidade, deinter-relação, a participação através dodebate podeser suscitam diversasinterrogações, peloque o cidadãocomumapensar, despertam-no, trando-se no espaço público, podem pôr sua linguagem artística inusitada, e encon- bretudo obras de arte como essa, devido à de Abril precisasse deummonumento. So- dignificada, eoutros contestavam queo25 que estavaemcausa, quemerecia sermais melhor, outros defendiam era a própria arte de comoLisboamerecia ummonumento grandioso, outros defendiamque uma cida- 25 de Abril merecia uma monumento mais Uns defendiam que a Revolução do está está - lismo, embora a destruição, do ponto de vis- contestação e por vezes o vandalismo, pois ta físico, possa ser menor do que a exercida se estivesse colocada num espaço interior sobre uma casa de habitação, por exemplo, já não provocaria tanta polémica, por um está ideia de uma profanação, de uma des- lado porque não seria tão vista, e por ou- truição que atinge os símbolos de uma cul- tro lado porque, mesmo muito vista, estaria tura e de um povo. protegida, ou pelo menos mais protegida.

O conceito de vandalismo da arte pública Enquanto que as obras de arte guardadas pode também ser confundido com o vanda- nos museus, nas galerias, nas igrejas, nos lismo do espaço público, feito pela própria palácios, e nas coleções particulares, estão arte pública : algumas esculturas indesejá- protegidas por armários, vitrinas, ou outras veis, e sobretudo os graffiti, que são atual- barreiras de acesso, assim como por câ- mente um dos mais controversos exemplos maras de vigilância, seguranças, guardas de crítica e de oposição, quer da parte de vigilantes, e estão geralmente ligadas a alguns setores da opinião pública, quer de alarmes, estas obras de arte encontram-se alguns organismos oficiais, exceto casos iso- totalmente desprotegidas, expostas à mer- lados de permissão por parte destes últimos cê de tudo e de todos. Qualquer pessoa, de em determinados locais, o que não impede, noite, e por vezes de dia, pode lá chegar, mesmo nesses casos, a crítica e a contesta- tocá-las, riscá-las, danificá-las, ou mesmo ção de alguns setores da opinião pública. furtá-las, sem que ninguém veja, ou mes- Essa contestação, se por um lado se insurge mo que alguém veja, geralmente não diga contra aquilo que considera ser vandalismo, nada, não impeça, nem comunique esse por outro lado ela próprio também o pra- facto às autoridades. tica, ao destruir determinados graffiti, com qualidade artística, mesmo que eles não se Outro grande motivo está no facto do fre- encontrem pintados em casas particulares, quentador do espaço público ser em rela- ou se encontrem pintados em casas particu- ção a essa arte um espectador involuntário, lares, autorizados pelos respetivos morado- não motivado, e até forçado, dado que essa res. Porque razão tudo isso acontece ? É o arte se impõe ao seu olhar em pleno espa- que veremos no capítulo seguinte. ço público, um espaço que ele percorre, e que é também seu enquanto transeunte e Motivos do vandalismo da arte pública cidadão. A arte pública é apresentada a to- O primeiro grande motivo do vandalismo das as classes sociais, e a todas as pessoas da arte pública está no facto desta se encon- de diferente nível etário, profissional, e cul- trar colocado no espaço público, nomea- tural. Resulta daqui a confrontação com um damente na rua, estando portanto muito público eclético, heterogéneo, não adverti- vulnerável, e suscetível de ser tocada, mo- do, não sensibilizado, não familiarizado, não dificada, destruída, ou furtada por qualquer favorável, e sobretudo muito reativo. Uma pessoa. O facto de se encontrar colocada parte do público não reconhece mesmo a no espaço público origina mais facilmente a arte pública como arte, ou determinada arte

– VICTOR CORREIA 81 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << http://sorumbatico.blogspot.pt/2014_09_01_ http://sorumbatico.blogspot.pt/2014_09_01_ Foto deBaptista-Bastos, afixadapor Carlos Foto deBaptista-Bastos, afixadapor Carlos Dom Sebastião, escultura de João IDEM. Pormenor dovandalismo Cutileiro, emLagos, Portugal Medina Ribeiro Medina Ribeiro archive.html archive.html que sãoalvo de polémica, comoporexem- tos dopassado, masdopróprio presente, alguns casosnãosetrata deacontecimen- tas, comoporexemplo ocolonialismo. Em ou umaexaltação deguerras, edeconquis- te, umanarrativa dedesigualdadessociais, expressas, implicitamente ou explicitamen- pela arte públicatradicional, encontram-se alguns desses acontecimentos exaltados terminados acontecimentoshistóricos. Em o ter, como por exemplo aexaltação de - nham no passado mas que os deixaram de gerações domundodehoje, ouqueosti- já nãotêmvalornemsignificadopara as vés daarte públicadefactoshistóricosque to aosheróisnacionais, eainvocaçãoatra- personalidades distintasdopassado, ocul- isto é, ofactodeserem umahomenagema verso, existem motivosdecarácter político, tos dovandalismo, edecarátermuitodi - No quedizrespeito aosmotivosmaisdire- contemporânea. dade própria e motivação, sobretudo a arte a qualrequer compreensão, umasensibili- pessoas que não são conhecedoras de arte, formações diversaseporvezesopostas, ritariamente frequentado porpessoascom dos salõesdearte, edosmuseus, émaio- do portodos, masaocontrário dasgalerias, O espaçopúblicoéumfrequenta- comum, asuaformaçãoeeducação. a posiçãosocialeeconómicadohomem pública serumespectadorinvoluntárioestá Associado aofactodoespectador da arte para oseureconhecimento enquantoarte. de um contexto de localização específica igrejas oupalácios, necessitandoportanto a queseencontra emmuseusougalerias, pública comoarte, vendoapenascomoarte plo a Revolução do 25 de Abril de 1974, jo de chamar a atenção, conseguindo isso em Portugal, que alguns com posições po- através do peso mediático que a ação po- líticas opostas contestam, vandalizando os derá ter, como sucedeu por exemplo na monumentos erigidos a esse acontecimen- antiga Grécia, com Eróstrato, que destruiu to político. Noutros casos ainda, dentro dos o templo de Diana, em Éfeso, porque pre- motivos políticos, temos por exemplo a es- tendia, através desse feito, ficar famoso. Há cultura de homenagem a um ex líder do também que referir a personalidade proble- Partido Social Democrata (PSD), Francisco mática de quem comete esses atos de van- de Sá Carneiro, erguida em Lisboa, e que dalismo, pois em alguns casos são pessoas foi vandalizada. com problemas psicológicos, como sucede por exemplo com os incendiários, que des- Existem também motivos religiosos para troem o património natural. Por vezes é uma a vandalização da arte pública (por exem- raiva originada por frustrações, que faz das plo uma escultura que simboliza uma cren- obras de arte o principal alvo, canalizando- ça, uma fé, que não é respeitada); motivos -se através da destruição dos símbolos cul- de carácter cultural (por exemplo uma es- turais e sociais os recalcamentos dos au- tátua a determinado escritor que defendia tores desses atos de vandalismo, como se determinadas ideias com as quais não se essa mesma destruição fosse uma espécie concorda); motivos de carácter económi- de triunfo do indivíduo, que transporta para co (os gastos elevados de dinheiro público essas obras de arte a sua revolta contra a so- com essas obras de arte, em detrimento de ciedade, e que através da arte pública fica outras necessidades consideradas mais im- mais visível. Essa atitude aparece principal- portantes); motivos de carácter nacionalis- mente em relação ao património, e à arte ta (as populações oporem-se à participação pública em particular, cuja destruição apa- de artistas estrangeiros); motivos de carác- rece como uma espécie de acontecimento, ter moral (por exemplo uma estátua com um para que todos possam ver, devido ao facto corpo humano nú); motivos ligados à agres- dessas obras de arte se encontrarem no es- sividade do ser humano, e o gosto gratuito paço público. Há ainda a referir o clima de de fazer mal pura e simplesmente, destruin- tensão política e social em que se vive por do essas esculturas, ou motivados por uma vezes em alguns países, o ambiente gerado pura brincadeira, como por exemplo furtar por contestações e manifestações políticas uma parte de uma escultura, deixando-a in- contra o Governo, a sociedade contestatá- completa, para provocar o humor por parte ria e violenta do mundo de hoje, ou o am- do público, mas também uma certa revol- biente de terrorismo que por vezes se vive ta, como sucedeu recentemente com o fur- em alguns países, em que se vandaliza tudo to da estátua do rei Dom Afonso Henriques, o que está no espaço público, sendo que em Guimarães. as manifestações políticas de rua provocam mais facilmente esse vandalismo. Há tam- Há alguns ataques que não são anónimos, bém a referir, por vezes, a revolta de adep- mas que têm a ver também com um dese- tos de determinado clube de futebol, por

– VICTOR CORREIA 83 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA portanto contestadasevandalizadas. inoportunas ou inapropriadas para o local, e executadas, ecomvalorestético, resultem urbanos, oque faz comqueesculturas bem ca comumaenormequantidadedeobjetos ou que têm que competir em presença físi- ficam colocadasemlugares inadequados presença físicaadequada, ealgumasobras serção, deformalizaçãoconveniente oude cala integrativa, dopontodevistadasuain- que algumas delas são desprovidas de es- cede. No caso das esculturas, há casos em cet, istoé, convém), oquenemsempre su- tivo aolugarqueoacolhe(decorum, de- ideia deconveniênciadoelementodecora- de envolvente, pressupondo anoçãoclássica modo anãochocarcomoespaçourbano to, masdeveriacertamente enquadrar-se de enquanto ornamentaçãoouembelezamen- ração, nosentidocomumdotermo, istoé, pode nãoexistir comodesign se restringe àsuafuncionalidade. Por vezes no panodefundopermanentedacidadee sign urbano em geral, que não se integra cede porvezestambémapropósito dode- com aprópria obra dearte, oquealiássu- carácter estético, equeporvezestêmaver que dizrespeito àarte pública, sãoosde ou desportivas, osprincipaismotivos, no Todavia, fora dasconvulsõessociopolíticas, vel, porsetratar deobras dearte. mais cobiçáveis, etambémomaislamentá- como a arte pública, que é umdos alvos bancos de jardim, sinais de trânsito, assim que encontram :viaturas, vidrões, árvores, to, equevêmpara aruaedestroem tudoo terem perdido umjogooucampeona- << decoração, queradica antesdemaisna urbano deco- to nosgostos estéticosdosensocomum, postamente podesuscitar constrangimen- vezes, trata-se deumarea ção aalgoquesu- de menino”, e que suscitou contestação. Por do jovem, quealgunsconsideram com“cara cas, ecujorosto éodeumjovemdemasia- de outras esculturas representando monar Lagos, em 1973, quenãotemoarheroico leiro, erguida em pleno espaço público, em Sebastião, deautoriado escultor João Cuti- em Portugal, foioda escultura dorei Dom primeiros emaissignificativos exemplos, capacidade decompreender a arte. Umdos público, edafrustração provocada pelain- dalização provém dosdiferentes gostosdo principal motivo para a contestação e a van- Todavia, dentro dosmotivosestéticos, o tá-las eadestruí-las. arte pobres, oquelevaporvezesacontes- dade, porissofazem-separa eleobras de público é distante, não está no centro, da ci- com queseinvistapouconeles.Oespaço determinados espaçospúblicos,quefaz e àinsignificânciaoupoucavisibilidadede de arte se dever àpobreza física ousocial ou dainsignificânciademuitasdasobras bém sucedeofactodapobreza artística ção por parte tística duvidosa, eque provoquem adece- de arte executadas sejamdequalidadear irregularidades, que levam a que as obras nidade de procedimentos aleatórios ou de controle daexecução, conduzemaumainfi- da obra, oseguimentodeprojetos ouo artistas, osprocedimentosdeadjudicação político, queoscritériospara aseleçãode rocratizado outãoviciadopeloclientelismo arte públicaencontra-se porvezestãobu- Por outro lado, o encargo com obras de do público. Além disso, tam- - - como é o caso de determinadas esculturas nir, evitar, fazer cessar e reprimir os atos de abstratas, cuja mensagem por vezes subver- destruição intencional do património cul- siva produz intranquilidade no público, que tural, onde quer que este património se si- não compreende o seu significado. Isso su- tue”, incluindo portanto o da arte pública. cede também porque o homem comum en- Essas medidas podem ser provenientes do contra-se geralmente preso à tradição, que Estado, das autarquias, da própria socieda- associa a arte ao culto da beleza, e espera de civil organizada (por exemplo, associa- isso da arte, o que nem sempre sucede na ções de defesa do património), ou do cida- arte contemporânea, pois se desde os gre- dão anónimo. gos que se relaciona arte e beleza e se utili- za o critério de beleza para avaliar uma obra No entanto, não é fácil apresentar medidas de arte, essa relação é posta em causa por e soluções, para fazer face ao vandalismo algumas correntes estéticas contemporâ- da arte pública, pois cada caso é um caso. neas, cujos princípios estão presentes em Têm sido tomadas diversas medidas, algu- muitas das obras de arte colocadas no es- mas com alguma eficácia, outras meramen- paço público. te remediativas, e portanto não isentas de polémica. Por exemplo, no caso de uma Enquanto na arte pública tradicional os ci- escultura vandalizada, andar-se frequen- dadãos viam os seus gostos reconhecidos, temente a restaurar uma escultura, devi- e chegavam a organizar-se subscrições po- do ao seu vandalismo, pode não ser a me- pulares para se erigir monumentos, e a arte lhor solução, por isso a Câmara Municipal pública tradicional desempenhava portan- de Lisboa resolveu retirar para o Museu da to uma função mais gregária, congregando Cidade a escultura Verdade, de autoria do e agregando a população, na arte pública escultor Teixeira Lopes, que se encontrava contemporânea, como na arte contempo- na rua do Alecrim, em Lisboa, escultura essa rânea em geral, habitualmente devido à lin- cujo conteúdo consiste em Eça de Queiroz guagem artística empregue, existe um di- com uma mulher nua nos braços (simboli- vórcio entre o grande público e o artista, zando o realismo literário), e que era várias que fala uma linguagem menos compreen- vezes alvo de vandalismo: riscos, pinturas, sível pelas populações, o que conduz à si- dedos partidos, etc. A Câmara Municipal tuação contraditória da arte, apesar de ser substitui essa escultura por uma réplica, em pública, ou de se pretender pública, não bronze. Alguns cidadãos insurgiram-se con- ser vista como tendo essa função. tra esse facto, preferindo outras medidas, como por exemplo a construção de um pe- Medidas e eventuais soluções destal para essa escultura (pois encontrava- A Declaração da UNESCO sobre a destrui- -se em contacto com o chão, de fácil acesso ção do património cultural, de 17 de Ou- por qualquer pessoa). A argumentação em tubro de 2003, afirma no seu parágrafo III, torno dessa medida consiste essencialmen- na alínea 1, que “Os Estados devem tomar te em que não nos devemos deixar intimi- todas as medidas apropriadas para preve- dar, mas sim insistir na permanência das

– VICTOR CORREIA 85 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << http://www.chicagotribune.com/news/local/breaking/chi-watch-statues- “The Watch’s Statues”, deautoriaHebruBrantley, em tuskegee airmen-vandalized-20140720-story.html Foto de Antonio Perez, “ChicagoTribune”. Chicago Park District. quitetos, urbanistas, designers, artistas) po- pelas diferenças artísticas. Ostécnicos(ar arte pública, edanecessidadedorespeito sibilização para aimportância deproteger a mente, campanhasdeinformação edesen- de vandalismo, mascompetir-lhes-á, certa- timentos defrustração, através dosataques uma dasformasdedescarregar osseussen- pessoas, queencontram naarte pública problemas psicológicoseeconómicosdas líticas de defesa da arte pública resolver os nicos. Certamente que nãocompeteàspo- defensiva, recorrendo apenasameiostéc- essas situaçõesnãodeformameramente forma mais profunda Não obstante,hátambémqueresolverde vigilância emedifíciosqueestãofrente. importantes, colocarmesmocâmarasde por exemplo emdeterminadasesculturas escultura através deumgradeamento, ou exemplo avedaçãodeumadeterminada nir o vandalismo da arte pública, como por tualmente ser tomadas, demodoapreve- há algumasmedidasquepoderão even- mas desoluçãofaceaojásucedido. Ora, bra. Masistosãomedidasnãopreventivas, Nobre, noPenedo daSaudade, emCoim - exemplo comofurto dobustode António culturas por uma réplica, como sucedeu por de esculturas, tem-sesubstituídoessases- Em casosmaisdrásticos, comoodofurto país, que têm sofrido atos de vandalismo. exemplos de arte pública espalhada pelo las autarquias, no que diz respeito a outros Têm sidotomadasdiversasmedidaspe- sequer substituídasporqualquerréplica. pura e simplesmente retiradas, sem serem esculturas, poisemalgunscasostêmsido o problema, e evitar - derão também desempenhar um papel de praça, que obrigava as pessoas a contorná- facilitadores da informação, apresentando -la (apesar da intenção do escultor ter sido os resultados do trabalho. Poderão organi- essa, de modo a repensar a vivência quoti- zar-se encontros, fóruns de discussão, para diana do espaço). análise da situação, e o público intervir não propriamente na criatividade e no estilo do O caso das pinturas murais e da sua varian- artista, mas sobre a pertinência das obras, te, os graffiti, é um outro exemplo particu- defendendo-se eventualmente determina- larmente importante. De modo a que as dos aspetos e criticando-se outros, desen- pessoas as não destruam por terem sido volvendo-se tanto quanto possível uma arte feitas em propriedade particular sem auto- pública aprendida, assumida e apropriada rização do proprietário, deve proporcionar- pelos cidadãos. -se a oportunidade aos autores dos graffi- ti de intervirem, de se expressarem através É importante que o público esteja também dessa forma de arte, de modo criterioso e envolvido na iniciativa de erigir determina- regulamentado. Essas pinturas devem tam- das obras de arte pública, e por outro lado bém ser protegidas, e por isso devem po- contribua para o seu financiamento, fazen- der ser feitas em locais próprios, como por do sentir mais suas essas obras de arte. De exemplo em muros de jardins públicos, em forma a evitar-se a oposição e a destruição viadutos, em pontes, em paredes de edifí- por parte do público, deve procurar-se a im- cios camarários, em grandes placards co- plantação de obras que tenham significado locados no espaço público, etc. Poderão para a comunidade, que tenham a ver com também promover-se concursos para a os valores locais, e que reforcem ou promo- realização de graffiti, de modo a aumentar vam a identidade do lugar. Devem erigir-se a qualidade da oferta, sendo selecionadas essas obras em locais onde não anulem o determinadas obras, que embelezarão o simbolismo dos mesmos, não interfiram espaço urbano, e darão uma melhor ima- com as atividades aí desempenhadas, e não gem à cidade, e facilitarão uma maior ade- tapem os campos visuais ou pontos de refe- são do público a essa forma de arte. rência importantes desses lugares. Quando se trata de erigir uma determina- É importante que o público sinta que o pro- da obra de arte pública, como por exemplo jeto não foi imposto sem consideração das uma escultura, ou um monumento, pode- suas necessidades, ou dos seus interesses. rão também eventualmente serem orga- Há que ter a preocupação de evitar que a nizados encontros, debates, fóruns de dis- obra de arte implique uma mudança de cussão, auditorias, e os inquéritos poderão usos e vivências do quotidiano, que afetará ser também uma outra forma de fazer ouvir negativamente a comunidade local e mes- a voz dos cidadãos, a cargo de comissões mo outros transeuntes, como sucedeu com consultivas, que poderão incluir por exem- a escultura do Tilted Arc, em Nova Iorque, plo o representante da entidade contra- escultura colocada de um lado ao outro da tante, o autor do projeto geral, um repre-

– VICTOR CORREIA 87 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA porcionar a todosessaeducaçãoestética, Tratando-se dearte pública, nãoéfácilpro - de educaçãoeformaçãoestética . questões doambienteurbano, esobretudo de informaçãoesensibilizaçãosobreas se deve também em grande parte à falta mo pelo cidadão comum, reação essa que dido deremoção, masantes devandalis- é sabido, nãosãoalvodeauditoriaepe- mação”. Háobrasdearte públicaque, como de educação, desensibilizaçãoeinfor dade, em particular através de programas o respeito pelopatrimónio cultural nasocie- todos osmeiosapropriados para assegurar 3, que“OsEstadosdevemesforçar-se por ma também, noseuparágrafo III, naalínea ção intencionaldopatrimónio cultural afir A Declaração daUNESCO sobre adestrui- os problemas, tenderão adiminui-los. da obra, queembora nãosolucionemtodos contratação, aprovação e implementação nhando por conseguinte os mecanismos de aspetos comoosreferidos atrás, acompa- a suavisibilidadeeacessibilidade, eoutros custos, aadequaçãoepertinência daobra, no concursopúblico, ocontrole deprazos e artístico edaequidadedeoportunidades ciar aseleçãodeartistas, à luzdomérito presentativas poderão porexemplo apre- Em termosconcretos estascomissõesre- banos edasobras dearte. biliária, eafraca qualidadedosprojetos ur de interesse por parte da especulação imo- lismo, oeconomicismo, afraude, osjogos urbanismo, demodoaevitar-se ocliente- representante da autarquia, eperitos de sentante dacomissãodemoradores, um << - - - e ovalordaarte pública. e asensibilizaropúblicopara osignificado essa vandalização, aevitá-laoudiminui-la, outras, tenderão pelomenosaprevenir de vandalização, masestasmedidas, como tores. A arte públicacorrerá sempre orisco com opreconceito emrelação aosseusau- locais ondesãocolocados, mastambém contestação nãotemaverapenascomos em relação aosgraffiti, pois muitasvezes a obras dearte. Nãoéfácilanularoatitude expressão eamensagemdedeterminadas o psiquismodedeterminadosindivíduosa cionar oconstrangimento queexerce sobre destruírem ou vandalizar. Não é fácil solu- arte, emuitosacham-senodireito deas tão de acordo com determinada obra de são discutíveis. Nemtodososcidadãoses- Certamente queestaseoutras medidas nui-las. vandalismo, pelomenostenderãoadimi- embora nãoanuleasreações popularesde educação eformaçãodoscidadãos, que que oideal será, tantoquantopossível, essa tinente esupérfluaasuaimplantação, pelo dadãos tenderão aconsiderar inútil, imper ção deestranhezaaindamaior,poisosci- contemporânea, tenderá asuscitarumarea- de arte noespaçopúblico, principalmentea ção do ser humano, a implantação de obras nhe umpapelpoucoimportante naeduca- nada pelailiteracia eondeaarte desempe- mas certamente quenumasociedadedomi-

- — Bibliografia in Public Art : Content, Context, and Controversy, Washington, CORREIA, Arte pública, seu Ed. Smithsonian Institution Press, significado e função, Lisboa, Ed. 1998. Fonte da Palavra, 2013. IDEM, The Tilted Arc controversy IDEM, Repercussões estéticas, : dangerous precedent ? divergências e convergências, Mineapolis, Ed. University of Lisboa, Ed. Sinapis, 2013. Minnesota Press, 2002. IDEM, Discriminação e ZASK, Joëlle, Art et Démocratie, intolerância na arte, in revista Paris, Ed. PUF, 2003. Aufklärung – revista de Filosofia, ano I, nº. 1, João Pessoa, Brasil, Ed. Universidade Federal da Paraíba, Abril de 2014. GAMBONI, Dario, Un iconoclasme moderne. Thèories et pratiques contemporaines du vandalisme artistique, Zurique, Ed. d’En Bas, Institut pour l’étude de l’art, 1983. GONZAGA, André, Vandalismos, in revista Arte Ibérica, nº. 8, Lisboa, 1007. LEFEBVRE, Henry, O direito à cidade, Lisboa, Ed. Letra Livre, 2012. REGATÃO, José Pedro, Arte pública, e os novos desafios das intervenções no espaço urbano, Lisboa, Ed. Books on Demand, 2010. ROCHLITZ, Rainer, Subversion et subvention : art contemporain et argumentation esthètique, Paris, Ed. Gallimard, 1994. SELWOOD, Sara, The benefits of public art : the polemics of permanent art in public spaces, Londres, Ed. Policy Studies Institute, 1995. SENIE, Harriet F., Critical Issues

– VICTOR CORREIA 89 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << war, butpeace reigns inPortugal. InLisbon, thecapitalof Arqu., Arquitecto, Esc., Escultor, Escultura, Estátua, Inaug., World, commemorating thecentennialindependenceof sculpture andhowthesepiecesstoodagainsttheofficial painters and sculptors of thecountry,painters andsculptorsof withpractice more 1140 and1640. With stageintheLisbonneighborhood nothing todowiththeLisbonevent, amongstatues and scale patterns. Butequallywere erected piecesthat had or less modernist, buttheeventoneis, inartisticterms, the country, patriotism, betweeninflamed exaltation of In the rest of theterritory(european andcolonial),In therest of the 1940. adevastating The worldisinthesecondyear of an unfulfilledpromise, asrightlynotedtheprofessor busts. public What inthisyear wasmadeintermsof of Belém, architects,of theshowemployscream of celebrations alsoleft track, through greater orlesser unfolds the historical exhibition of the Portugueseunfolds thehistoricalexhibition of Escultura Pública Portuguesa em1940, Escultura PúblicaPortuguesa framework andanineteenthcenturyaesthetically Inauguração, Monumento, Padrão, Padrões. persisted, that’s what weintendtoshow. Viçosa eCabo Verde; ex-docente doINPeUCL;publicouvárioslivros eartigos. Fora daExposiçãodeBelém Mestre emHistóriada Arte pelaUNL;DiplomadeEstudosSuperiores daUniv. de Salamanca;Investigaarte públicaportuguesa eahistóriaarte de Vila José-Augusto França. — Keywords tivos resumem-se numsó:testemunho e um actodefénofuturo. Essestrês objec- e criadoras dopresente; emterceiro lugar, gar, aafirmaçãodasforças morais, políticas ma ecolonialdoImpério; emsegundolu- evangelizadora, daRaça, daglóriamaríti- nacionais, dafundaçãouniversal, cristãe gens heróicas dafundaçãoeexistência bre opassado – comouma galeria deima- claros: “em primeiro lugar, a projecção so- comissário Dr. Augusto de Castro eram ma, expostos nodiscursodeabertura pelo pagandísticos deteornacionalistadames- to em todo o mundo e os objectivos pro- Era aprimeira dogénero aserlevadaefei- tauração daIndependência). dação danacionalidade)eode1640(Res- Valdevez, considerado para o efeito de fun- (vitória portuguesa no Torneio de Arcos de por comemorar emsimultâneoo de1140 Português, tambémditadosCentenários, Lisboa, aExposiçãoHistóricadoMundo para Portugal. Abria oficialmenteemBelém, 23 de Junho de1940foidiagrande festa Num anodejúbilonacionalista… por JoaquimSaial apoteose da consciência nacional.1” Tudo Estatuária equestre nascera a partir de portaria oficial de 1938 Uma das primeiras notícias do ano de 1940 em que Salazar gizava o plano das come- sobre estatuária pública alude ao monu- morações. A partir daí, entrou em cena o mento equestre a Mouzinho de Albuquer- camartelo para demolir edifícios existentes que para Lourenço Marques5, cuja estátua na zona destinada ao palco comemorati- estava a ser ultimada no Porto, peça de seis vo de Belém, seguindo-se com o apoio de metros de altura e 10 toneladas de peso, vasto estaleiro a construção dos pavilhões sugerindo-se que logo que pronto fosse efémeros e outros espaços necessários ao exposto em Lisboa6. A feitura do memorial acontecimento, ao mesmo tempo que por ao vencedor do insurrecto Gungunhana todo o país se sucediam obras de restauro em Chaimite coube após concurso à du- em edifícios e monumentos nacionais (mui- pla constituída pelo arq. António do Couto tas vezes polémicas), se edificavam padrões e esc. Simões de Almeida7 que realizaram comemorativos do evento e se enchiam pá- obra de escasso rasgo, hirta e fria, pouco ginas e páginas de jornais e revistas com li- consistente com a memória heróica e ro- teratura alusiva. mântica do homenageado. Na base, para além de dois baixos-relevos em bronze alu- Deste sucesso que mobilizou Portugal, fica- sivos a episódios das campanhas bélicas de ram para a arte pública o Padrão dos Des- Mouzinho, a figura feminina de “Moçam- cobrimentos2 do arq. Cottinelli Telmo e do bique” acariciava a cabeça de um peque- esc. Leopoldo de Almeida, quatro cavalos no nativo, ilustrando a protecção da coló- em fontes da Praça do Império, de António nia aos seus filhos, em simbólica própria da Duarte, algumas peças junto ao Museu de época…8 Mas outras três estátuas equestres Arte Popular, de Adelina Oliveira, e pouco faziam carreira neste ano9. A de uma, ain- mais. A muito germânica estátua da Sobera- da em gesso mas colocada no local onde nia, de Leopoldo de Almeida, e estátuas de se pretendia erguer a definitiva, foi anulada D. Afonso Henriques adossadas ao gigan- pelo ciclone de 15 de Fevereiro 1941 que tesco Portal da Fundação foram destruídas a destruiu10. Tratava-se do monumento ao com o encerramento do certame3. Porém, marechal Gomes da Costa, delineado pelo não é dele que queremos tratar. Que arte arq. (também esc.) Alberto Ponce de Cas- pública nesse ano se lavrou, qual vinha de tro e executado pelo esc. Armando Cor- trás ou nele teve desenvolvimentos, o que reia, complicada máquina em que cavaleiro se fez por todo o país e Ultramar neste âm- e cavalo (do qual só se vislumbrava a parte bito, enquanto Lisboa se embevecia com a fronteira) saíam de bloco vertical decorado exposição e a quase totalidade dos escul- com escudo(s?), ladeados por figuras que tores em exercício4 estava arregimentada os ajudavam a progredir. Melhor sorte teve para o esforço construtivo, é o que tentare- a do antigo governador de Macau coman- mos descobrir com o presente texto. dante Ferreira do Amaral, do esc. Maximia- no Alves e do arq. Carlos Rebelo de Andra- de, inaugurada em 24 de Junho. As alusões

– JOAQUIM SAIAL 91 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Estátua deD. João IV, Vila Viçosa Estátua doGovernadorFerreira do Amaral, Macau fora odePortalegre, em1920 sua caminhada. Oprimeiro aser lançado da Grande Guerra, também ia fazendo a A longalevademonumentos aos mortos Guerras emilitares ção doprojecto dopedestal”. tudo daurbanizaçãodoterreiro eaelabora- Monteiro caberia “como seu assessor, o es- arquitecto aumescultor)queaoarq. Pardal e (em rara atitude de subalternização de um nava queaobra caberiaaFrancisco Franco ções, engenheiro Duarte Pacheco, determi- o ministro dasObras Públicas eComunica- de 10Setembro domesmoanode38, rações centenáriasde40. Emportaria oficial pelas quaissedeveriamreger ascomemo- taria de1938queexpunha asorientações tura do monumento estava prevista na por a caracterizou José-Augusto França funcional “velasquenha”, comocomacerto concepção, emboaenecessárialembrança Pardal Monteiro, tevelongaeempenhada Francisco Franco e com pedestal do arq. ticamente mais erudita. Realizada pelo esc. para Vila Viçosa, configurou-se comoaeste- erigidas emPortugal lizado naspoucasestátuas destatipologia com umbastão, esquema nunca antesuti - defendendo-se de patas dianteiras alçadas e cavaleiro na movimentaçãodoconjunto,cavalo morto porchinesesrevoltosos, sãoóbvias ao fimtrágico do retratado, barbaramente dernidade do cimento-armadodamaté- co Nogueira eesc. Ruy Gameiro, pelamo- autoria dosarq. Camilo Korrodi eFrancis- Salientaram-se dois:odeAbrantes, com meida, Faro, Guarda, Lagos, Oeiras eSintra. de 1940inauguram-se osde Abrantes, Al- dos seusassassinosapenas 11 . Ado Rei D. João IV, 13 . Nesteano 12 . Afei- - ria-prima e notável pela qualidade plástica da “Pátria” que, avantajando-se impante, ampara dois soldados, um deles moribun- do14; e o de Oeiras, do arq. Veloso Reis Ca- melo e esc. Álvaro de Brée, baixo-relevo os- tensivamente castrense, com seu soldado brandindo espingarda armada de baione- ta, enquadrado pela moldura do suporte arquitectónico15. De guerra também era o arrastado monumento à Peninsular, do Por- to, lançado em 1909 mas só inaugurado em 1951, depois de inúmera peripécias e com os autores (arq. Marques da Silva e esc. Al- ves de Sousa) já falecidos16 – ao contrário do de Lisboa, inaugurado em 1933. Para Faro, um outro monumento de memória guerrei- ra era anunciado, comemorando a conquis- ta definitiva do Algarve por D. Afonso III, pa- Ruy Gameiro a trabalhar no drão do arq. Rafael Lopes17, em iniciativa de monumento aos mortos da Grande Guerra, Abrantes Júlio Dantas, algarvio e presidente da Co- missão Executiva das Comemorações Cen- tenárias… e em Arcos de Valdevez surgia a 6 de Junho de 40 outro, muito simples, co- memorativo do recontro local vencido pe- las armas de D. Afonso Henriques, com le- genda alusiva da homenagem feita pelos “portugueses de 1940”18. Dias depois, a 13, o ministro da Agricultura inaugurava outro padrão cilíndrico, este alusivo à batalha de Ourique19. Pelo Ultramar, alguns semelhan- tes, também, referentes a outros recontros: por exemplo, na Guiné, o da pacificação de Canhambaque; em Angola, o da pacifica- ção do Amboim20. O de Canhambaque, na ilha do mesmo nome, nos Bijagós, foi des- cerrado em meados do ano. Dizia o Diário de Notícias que lembrava “quantos ali mor- reram no cumprimento do honroso dever de impor a ordem a um grupo aguerrido de indígenas”. E que ele fora “erguido por

– JOAQUIM SAIAL 93 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA bora ventiladoem1940 a quempertenceria ailhadeBolama. Em- que opôsPortugal àGrã-Bretanha, sobre mediador internacionalnumdiferendo semelhante de 20anosanterior, emregisto ideológico -padrão do Amboim reportava revolta mais -coronelCarvalho Viegas” sentante dogovernodeLisboa, sr. tenente- justa homenagemàmãe-pátria eaorepre- nhambaque queassimquiseram prestar a iniciativa econtrato doshabitantesdeCa- << Geografia deLisboa obustodogeneral zembro na Sala Portugal da Sociedade de a Lunda, Angola, divulgou-sea18deDe- lada peloesc. Maximiano Alves de Albuquerquede Afonso mode- estátua de Goa, seguiaporvoltadeOutubro uma cipal de Carlos MimosoMoreira eapoio muni- fante D. Henrique, noLobito, comprojecto cano português, desejadopara aPraça In- tivo do esforço daraça no continente afri- à guerra, édecitarumMonumentoevoca - Silva. Mesmosemserdirectamente alusivo 1955 comautoriadoesc. ManuelPereira da ciado em Julho ciado de Sousa, tevemonumentopóstumoanun- iniciativa dogovernadorde Angola, Borges Sarmento, governador da Lunda que, por dos, comoomajordeartilharia nais tambémmuitasvezesera homenagea - bates. Eosgovernadores gerais ouregio- do Ultramar, sobretudo osalusivosacom- mais oumenoscomumrelativo aospadrões ao presidente americanoUlissesGrant creta edebomefeito, emBolama, Guiné, mos referir omonumentocomestátua dis- No queaindaconcerneàscolónias, pode- 26 . Para oterritórioindianoportuguês 22 . Estemodelosimplesera o 23 . 25 , sófoierigidoem 21 . Omonumento- 27 Veríssimo . Epara 24 , de Macedo, narevista Ocidente A estátua foilogoridicularizadaporDiogo ta e pelos arq. Faria da Costa e Raul Tojal. trio constituídopeloesc. António daCos- dezena de maquetas, a vitória coube ao cional Africana, aoqualseapresentou uma Com concursopatrocinado pelaLigaNa- erigir aD. Afonso HenriquesemLuanda estavam osplanospara ummonumentoa java no automóvel do arq. Raul Tojal, onde Inusitado foioroubo deumapastaquevia- quitectónicas”, praticamente semescultura. mantinham características sobretudo “ar seu avançosobre Chaimite) tar de Mouzinho de Albuquerque para o no finaldoanoemLanguene(postomili- los padrões inaugurados emMoçambique venceu Gungunhana, imperador deGaza) de D. Afonso Henriques (Guimarães, daau- executados, tiveram desenvolvimentos:o Dois monumentosafiguras régias, hámuito Monarcas disparate colonial. jecto quequaseiainvalidandosemelhante soube queexistia,apesardofurto dopro- numa ÁfricaqueoReiConquistadornunca de Guimarães. Masahirta figura lásefez, bebidas nahomólogadeSoares dosReis, restantes concorrentes tinhamsidomal tar quetantoapeçadeCosta comoasdos enganava oescultor/crítico, aoargumen- vátuas) (lugar ondevenceuMaguiguana, líderdos gola, como na Guiné e Índia por subscriçãoefectuadanãosóem An- Xavier (seufilho), ocustofora suportado so-macaense devastaobra, edoarq. Luís erigir. Com autoriadeRaul Xavier, esc. lu- Henrique deCarvalho quealisepretendia 30 eChaimite

(lugar ondeem1895 29 28 , Macontene . Os singe - 33 . Não se 32 31 - .

toria do esc. Soares dos Reis) e o de D. Ma- Outras figuras ria I (Lisboa/Queluz, do esc. João José de A 2 de Fevereiro, Duarte Pacheco recebia Aguiar). uma comissão que lhe foi pedir para inter- ceder junto da Câmara Municipal de Lisboa, No do Rei Fundador houve alteração do pe- a fim de que esta designasse local para a destal e sítio. Até aí colocado na Praça do erecção de um monumento à memória de Toural, era trasladado em 21 de Maio de Sidónio Pais, de preferência na zona do Par- 1940 para as cercanias da capela de São Mi- que Eduardo VII, à qual ele respondeu po- guel, no novo parque do castelo de Guima- sitivamente38. Contudo, o monumento não rães, oferecendo-se assim à estátua do Rei teve seguimento. fundo mais consentâneo com o roteiro he- róico deste34 e a concepção historicista em Poucos dias depois, lembrava-se a oferta vigor à época. Porém, numa certa contradi- que o Brasil iria fazer a Portugal, no âmbi- ção, a base primitiva, de teor neo-medieval, to das comemorações centenárias, de um dava agora lugar a um suporte de concep- grupo estatuário figurando Pedro Álva- ção modernista. res Cabral e companheiros39. Da autoria de Rodolfo Bernardelli, é réplica de outro O monumento à Rainha, constituído pela existente no Rio de Janeiro, inaugurado sua estátua e mais quatro alegorias alusivas em 1900. Obra complexa, nas suas diver- a continentes, teve vida extremamente atri- sas personagens e bandeira ondulando ao bulada. Ideia do intendente Pina Manique, vento40, é claro que nada de novo trouxe à foi entregue a João José de Aguiar, bolsei- estatuária portuguesa. Veio de barco para ro casapiano de escultura em Itália. Termi- Lisboa, tem pedestal em mármore cinzento nado em 1798, chegou a Portugal quatro feito no Porto e inaugurou-se a 30 de No- anos depois. Com o intendente prestes a vembro, junto ao Jardim da Estrela, Lisboa, cair em desgraça, quedou-se pelo conven- mais tarde que o previsto, por atrasos na to do Carmo, Lisboa, até que o quarteto chegada dos bronzes41. continental foi parar à Avenida da Liberda- de (a figura real continuou no Carmo35), nos Pela mesma altura, a comissão executiva do sítios onde estão desde cerca de 1950 as monumento a Camilo Castelo Branco para estátuas de escritores realizadas por Bara- Lisboa reunia-se no Museu do Carmo, sob ta Feyo e Leopoldo de Almeida. Muito se a presidência de Eloy do Amaral. Tratava-se escreveu na imprensa sobre o desejo de de apreciar um ofício da Câmara Municipal união das cinco peças e em Abril de 1940 propondo que o memorial fosse colocado ainda se sugeria a integração do monu- algures entre a avenida Duque de Ávila42 e mento neo-clássico no largo da basílica da as ruas Rodrigues Sampaio e Camilo Cas- Estrela36, mas ele acabou por ficar em Que- telo Branco e sugeria-se como material a luz, para onde de início fora previsto37. pedra e não o bronze43. Com concurso fa- lhado em Janeiro de 192644 e outro con-

– JOAQUIM SAIAL 95 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Sardinha naMisericórdia local… quarto dehospitalcomonome António 23 adultosindigenteseobaptismodeum organizou ahomenagemqueincluiuvestir do a16de Agosto. Umgrupodeamigos forte, em bronze de Raul Xavier, inaugura- tano tivera inauguração de busto em Mon- doutrinário filosóficodoIntegralismo Lusi- Entretanto, de Teixeira.literário certeira ediscreta sobre ocomplexo grupo sítio previsto, comganhosdesensibilidade cutado por António Duarte em1950, para o de “Amor dePerdição” acabouporserexe- se concretizasse e o monumento ao autor nho Francisco Moreira. Ostrabalhos tiveram de granito aparelhados pelocanteiro norte - inaugurado em1940 tuense cujaidentificaçãodesconhecemose lhos dePonte daBarca, feitoporartista por Cruz eDiogoBernardes, irmãos, poetasefi- te baixo-relevo alusivoaFreida Agostinho concretizou-se opadrão cominteressan - te efoiacrescido comdonativo camarário, Povo daBarca queatingiu- elevadomontan Por subscriçãoproporcionada pelojornalO << e seusassassinosfoierigido das noPorto representando oherói lusitano co constituídoporfiguras embronze fundi- de Viseu, cidadeondeoconjuntoescultóri- no Benlliure, casado comumaportuguesa feitura oferecida peloesc. espanholMaria- do peloesc.JúlioVazJúnior, acabouporter Viriato, oherói primordial, quefora pensa- escultor em1935 fora para Anjos Teixeira. Porém, amorte do seguido em Julho domesmoano, avitória António Sardinha, escritore 45 fezcomqueaobra não 47 . 48 sobre blocos 46 - sificação cola deBelas-Artes doPorto comaltaclas- Diniz, escultorqueterminara ocursonaEs- autoria aoutro nome, destafeitaMacário bém aquiadesapariçãodoescultordeu vista para o cinzel de Anjos Teixeira, tam- despesas commateriais efundição por Duarte Pacheco para ajudaracobriras comparticipação de200contosentregues para terconcretização tátua aofundadordacidadelevou45anos Com primeira pedra lançadaem1895, aes- monumento aotemplárioGualdimPais. Em 9 de Julho inaugurava-se em Tomar o da Grande Guerra neste anode40, também um dosmelhores monumentosaosmortos Para Abrantes, que comovimosinaugurou morações oficiaisdoduplocentenário. 1940 integrando assimem Tomar ascome- rou porinauguração oficiala9de Julhode no pedestalemMarço de1938masespe- geado. Acontece queaestátua foicolocada vez, pese o arfero e decididodohomena- tante e escudo. Nada de novo, mais uma do, mão esquerda repousada entre mon- seu foral –, pernadomesmoladoavançan- se presume serodafundaçãocidadeou mento escritoenrolado namãodireita –que Museu Grão VascoMuseu da Moreira, criadoreprimeiro director do inauguração deumbustoaocapitão Almei- Também em Viseu, previa-se emMaioa Benlliure. lidade naturalista efamainternacionalde dade dignaderegisto, peseembora aqua- Pedro Álvares Cabral, estenãotrazia novi- tal comoacontecera comomonumentoa 52 . Obatalhador ostenta umdocu- 50 . 51 . Inicialmentepre- 49 . Mas se previa outro ao Condestável Nuno Álva- res Pereira. A época era de forte valorização nacional dessa figura e nesta terra a Câma- ra Municipal, que o patrocinava, continuava a receber donativos para a sua feitura. En- tre os 30.367$35 angariados até finais de Março, mil eram oferta da Rainha D. Amé- lia que os enviara em carta onde dizia do Condestável: “É a figura primordial da nos- sa independência e o símbolo mais puro do patriotismo, da intrepidez, lealdade e gene- Mon. a Pedro Álvares Cabral (pormenor), Lisboa rosidade da raça portuguesa”53.

De igual modo militar, para além de explo- rador e administrador colonial, Serpa Pin- to tinha em início de Novembro prometi- do busto na terra natal, Tendais, Cinfães, do esc. Lima Machado Pereira54. Anunciava-se que maqueta, já pronta, iria ser passada a bronze55, o que efectivamente aconteceu, realizando-se a inauguração do monumen- to apenas em 194656.

No mesmo dia em que se inaugurou a es- tátua equestre do governador Ferreira do Amaral em Macau, anteriormente referida Mon. a Gualdim Pais, Tomar (24 de Junho), foi descerrada uma outra, do segundo-tenente de artilharia Vicente Nico- lau de Mesquita, heróico atacante do Forte de Passaleão tomado por chineses pouco depois do assassinato do governador. Erigi- da por subscrição pública, com o auxílio do governo da colónia, tal como a de Amaral esta era da autoria de Maximiano Alves57. A atitude decidida e valente do militar impos- ta pelo escultor e o seu historial biográfico fizeram com que fosse muito danificada em 1966 durante a revolução cultural chinesa que tinha seguidores militantes no território.

– JOAQUIM SAIAL 97 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA e pela simbologia e pobre no óbvio plano pouco rasgo imaginativo, vulgar pelapose ra demonstrando algumadignidadetem vier, oferece-nos uma estátua que embo- magnífico trabalho produzido.” Porém, Xa- Xavier, quetemsidomuitofelicitadopelo to édaautoriadodistintoescultorsr. Raul encontrava concluído. Todo omonumen- locação sobre opedestalquehádiasse do-se procedido imediatamente à sua co- chegou ontemàtarde aestacidade, ten- e quemedecerca detrês metros dealto, do numaatitude derara nobreza eenergia coroamento, queapresenta oilustre prela- o interesse atribuído àpeça. “A figura de morações Centenárias, oquedemonstra serida noâmbitodasiniciativas dasCome- inauguração, em14de Junho, estavain- são Municipalde Turismo do Algarve. A 1755. A iniciativa foi lançadapelaComis- renovador dacidadenopós-terramoto de do a presença deDuarte Pacheco, aestátua A 14de Junho inaugurava-se emFaro, com va ofunestoacontecimento ladas, encimadoporumacruz, quelembra- ou menosembruto, comcerca de14tone- tava aerguer-se umblocodepedra mais do Dr. Joaquim (ou Alberto) Madureira es- Maio naQuintadaMarinha, poriniciativa nalmente Francisco Franco. Eminíciosde pois tevecomochefesogeneral Molaefi- Burgos encabeçar o movimento que de- quando sepreparava para seguirpara rera numdesastre deaviaçãoemCascais, deu lugaràguerra civilnaquelepaís, mor rjo. Previsto comandantedarevolta que artístico aogeneral espanhol José Sanju- Demorava entãoomonumentosemvalor << bispo D. Francisco Gomesde Avelar 58 . 59 - , Um Cristo-Rei dim Pais. mãos, talcomovimosnaestátua deGual- de obras quesegura, enrolado, numadas missa, “o bispodoPorto missa, discurso, descerramento. Nofinalda dade dascerimóniasdestetipo:procissão, do de inauguração a6deOutubro éelucidativa portuense HenriqueMoreira. A cerimónia fazer umaestátua. tido destruir em paz alguns canhões para agradecemos àProvidência ter-nos permi- as suas estátuas para fabricar canhões, nós vos maispoderosos doMundoderrubam em Vila Viçosa: “-Nahora emqueospo- guração da estátua equestre de D. João IV, Júlio Dantasdiriaalgosemelhantenainau- depois, em8deDezembro de1943, ainda a Históriaseperpetua.’” Cerca detrês anos guerra; nósvivemosummomentoemque ções estãomergulhadas napenumbra da gédia para oMundointeiro. As outras na- uma hora deglóriapara Portugal edetra- outras nações, afirmando:‘- Atravessamos que o sossego do País em comparação com [ensanguentava] oMundoepôsemdesta- dência. Oprelado referiu-se àguerra que lidade, dosdescobrimentosedaindepen- Dissertou acerca dafundaçãonaciona- integrada nasComemorações Centenárias. e comofactodeaquelacerimóniatersido a inauguração domonumentoa Cristo-Rei em Almada, embora aquela com que cerca devinteanosdepoisfoierigida de altura, era decerto modopercursora da granito ecomvintetoneladasonzemetros to-Rei emPaços deFerreira Na área religiosa, sobressai aestátua aCris- modelo seguidonaaltura, nagenerali-

62 ”… Quantoàpeça, em 61 regozijou-se com 60 , daautoriado élan mais emotivo, na pose da cabeça e dos braços tica, bastas vezes entregues a mestres can- – o que não foi conseguido na gigantesca teiros locais. A lista é longa e monótona. estátua da margem sul do Tejo, por motivo Mesmo assim, deixamos uma mostra des- da ciclópica dimensão e morte prematura tes lembretes das comemorações de 40: a do autor, Francisco Franco. Henrique Mo- 28 de Julho inauguravam-se os de Caste- reira, senhor de vasta obra por todo o País, lo Mendo e Almeida, aqui com cenário de realizou aqui uma peça naturalista honesta uma força da Legião Portuguesa, ao mesmo que pela sua natureza e época dificilmen- tempo que de igual modo se inaugurava te podia ter tido outra concepção63. Infeliz- o monumento local aos Mortos da Grande mente, tal como aconteceu com a estátua Guerra. O de Almeida, de atarracada sec- de Gomes da Costa no Porto, a do infante D. ção quadrangular, tem cruzes afonsinas na Henrique no Padrão dos Descobrimentos e base e escudos no topo, por sua vez enci- a bandeira do monumento a Pedro Álvares mado por esfera armilar e cruz de Cristo69; Cabral em Lisboa, esta estátua também foi o da Guarda, erigido na Rua Marquês de destruída por violento temporal, tendo sido Pombal e pertencente à mesma tipologia entretanto reconstruída64. do de Almeida, inaugurou-se a 3170; tam- bém no final do mês, era a vez do de Vila E um desportista Cova, concelho de Vila Nova de Paiva, mais Um monumento ao desportista Mário Duar- esguio mas também mais aproximado de te em Aveiro é nota mais ou menos disso- vulgar cruzeiro religioso71; com festejos a 3 nante, num país e numa estatuária pouco e 4 de Agosto, inaugurava-se no segundo interessada por esta temática e por isso dia o da Covilhã e freguesias do seu conce- com raros antecedentes65. Praticante hábil lho, no “ponto mais alto de Portugal”. Dias de várias modalidades, faleceu em 1939 e antes, a 29 de Julho, tinham terminado os logo no ano seguinte se anunciava monu- trabalhos de “colocação da cruz de D. San- mento em sua honra no estádio aveirense cho I na Serra da Estrela, sobre a pirâmide a que deu nome, em projecto do arq. Júlio de 10 metros que marca o ponto mais alto Sobreiro com medalhão de bronze do esc. de Portugal. Uma inscrição latina referente Romão Júnior66. aos Centenários foi aberta no grande blo- co de granito do Covão do Boi, por cima da Padrões dos Centenários nascente da Pedra Rachada (…) Procede-se Para além da campanha da Exposição de agora à recolha de lenha para as cinco gran- Belém, neste ano de 1940 houve ainda uma des fogueiras que, durante a noite de 3 para outra com ela directamente relacionada: a 4 de Agosto, hão-de iluminar o planalto da dos chamados “padrões dos centenários”. torre…72”; na mesma altura passava-se pare- Por todo o País e em alguns lugares do Ul- cida cerimónia em Vila do Conde, de novo tramar (cidade do Mindelo, na ilha São Vi- com padrão em forma de cruzeiro religio- cente de Cabo Verde67 e Lobito68, Angola, so (afinal, situavam-no em frente da capela por exemplo) se plantaram memoriais mui- de Nossa Senhora da Guia) no cimo de um to simples e com escassa integração artís- escadório de pedra, no local onde existira

– JOAQUIM SAIAL 99 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Diário deNotícias, 30.07.1940 Inauguração doPadrão dos Centenários de Almeida Centenários ção domonumentoa Viriato bro e zim seria contemplada em inícios de Setem- aos daGuarda e Almeida Agosto, receberam padrões semelhantes de, respectivamente noinícioemeados de te inusitadas para onossomeio, então úni- dois terminaisdosifãode Sacavém. Bastan- Fontes, apostasneste anonostoposdos tescas figuras alegóricasdesignadascomo nos arredores dacidadeforam asgigan- água porparte doslisboetaseresidentes progresso hidráulico demelhor acessoà Também integradas nascomemorações do Albuquerque, Lisboa. da Costa para oscantosdaPraça Afonso de a arcas de águaBarata Feyo e António mistas o farol daGuia luminosa daPraça doImpério guração em1948, oitoanosdepoisdafonte lica). Atrasos sucessivossópermitiram inau- laterais embaixo relevo colorido, demajó- o pintoreceramista Jorge Barradas (painéis (Tejo equestre, acompanhadode Tágides) e des sustentandovasos)eDiogodeMacedo mento Maximiano Alves (potentescariáti- Andrade queassociaram aoempreendi- tectura, escultura, águaeluzaosRebelo de Coube aautoriadestecomplexo dearqui- Lisboa, na Alameda D. Afonso Henriques. construção deumafontemonumentalem engenharia queopossibilitava, decidiu-sea tros. Para comemorar esimbolizarofeitode de um caudal diário de cem milhões de li- anunciava-se em 1938 a chegada à cidade Numa capitalsempre carecida deágua, Um casoparticular Viseu a 16, mesmo dia da inaugura - figuras mitológicasfemininasfrente 73 . Castelo NovoeMangual - 74 . A . A 75 Póvoade Var . 76 edasinti- - cas no género pela dimensão e raras pelo material, cimento armado, foram encomen- da directa da Câmara Municipal de Lisboa através de Duarte Pacheco, então seu pre- sidente77. Com autoria de Maximiano Alves, apresentavam alguma relação estilística com as figuras laterais do seu monumento aos Mortos da Grande Guerra, de Lisboa. Os dois gigantes assentavam, semi-ajoe- lhados e de costas voltadas um para o ou- tro, sobre construções cúbicas destinadas ao mecanismo do sifão desenhadas pelos "Fontes" no Sifão de Sacavém irmãos arquitectos Carlos e Guilherme Re- belo de Andrade78. Fora uma realização de- morada, com o trabalho em gesso a levar dois anos e o da passagem a cimento mais um. Mas em Dezembro de 1942 viram-se desmanteladas, “em nome da estética”. Di- zia então o Diário Popular que “Em minia- tura, as figuras eram de grande efeito. Mas uma vez em plano de construção definitiva, assumiam tais proporções que dominavam a ponte e tudo em redor, revelando dimen- sões gigantescas que prejudicavam a ideia de beleza que havia preconcebido a sua realização.79” Temos assim que a obra mais invulgar deste período acaba por ser der- Desenho humorístico alusivo às "Fontes" do Sifão de Sacavém rubada pelo motivo que menos se espera- – Sempre Fixe, 21.04.1938, desenho de Carlos Botelho ria e sem que saibamos de quem realmen- te partiu a ordem de destruição – desfecho só comparável, embora neste caso por mo- tivos ideológicos, ao do conjunto de Hein Semke alusivo à primeira Grande Guerra na Igreja Alemã de Lisboa, partido e enterra- do nos terrenos do templo cerca de 1935, a mando das autoridades nazis da embaixada alemã na capital portuguesa80.

– JOAQUIM SAIAL 101 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA gurativa do território. trando umesforçado afãdecobertura inau- ríodo festivodascomemorações, demons- programados para coincidirem com o pe - mentos deestátuas, antesconcluídas, foram memória dosCentenários.descerra- Alguns drões quepontuamaté hojeoPaís,feitos disso, parte significativa édemodestospa- linha –logo, menosinteressantes. Para além ram executadas porescultores desegunda realizações externas aocenáriolisboetafo- tenham tido trabalho fora dele, muitas das ainda assimfeitanessecontexto. Eembora ção ou, caso de Francisco Franco, com obra cativos estiveram ocupadoscomaexposi- internacional avançada. Osartistas signifi- de hámuitotraçados naescultura pública heróis internosecoloniaisdeseguirrumos da nacionalistaeconsequenteexaltação de cial nãofoicapaz, nestesanosdepropagan- – quesófaleceuem 1942. A escultura ofi- dos Reis eonaturalismo de Teixeira Lopes bebendo oromantismo-realismo deSoares rado de modo reverente para o século XIX, lém), deslocadaqueestavanumtempovi- aqui eali(dentro oufora daexibição deBe- va, apenasvisívelnumlampejomaisforte, classificou António classificou António Ferro “ouro” era a“idade”destaescultura, coma de desigualaparato evalorestético. Sede nearam, contamos cerca de meia centena, dele eoutros quetiveram inícioousepla- numentos emandamento, feitosaolongo ano, fora daexposição lisboeta, entre mo- não opermite–, vemosquedurante este tabilidade doespaçopresente artigo Mesmo semsermosexaustivos –queacon- doméstica. oitocentista, avessaaoestrangeiro, …uma estatuária tímida, demasiado << 81 , poucoelebrilha- António Pedro abriu em11deNovembro noChiado, com teve aexposição depintura eescultura que ção doquadro emLisboa. Tal comonãoa todas emandamentoàdata daapresenta- pacto tevenestaspeçasescultóricas, quase mostrado noPavilhão do Brasil, nenhumim- espécie desubmarinosubversivocultural também nãoateve. O“Café” dePortinari, de gentefora quecáveioouvivia) verdadeira inovação não houve, defora (ou de Maximiano, poucomais. Esededentro Gameiro, asexpressivas “Fontes”, também tino aosmortos daGrande Guerra, deRuy ao mar, asegunda–, omonumentoabran- primeira estátua; nodistanteMacau, junto – na grande praça ducal de Vila Viçosa a lar bemoespaçoemqueforam inseridos ves, ambosequestres ecapazesdemobi- e o“Ferreira do Amaral” deMaximiano Al- dos seusautores: o“D. deFranco João IV” de, prática profissional eempenhoestético ou cincoexemplares, pelamaiorcapacida- Da leva de que falámos, salvar-se-ão quatro tora Pamela Boden rio” que “não[era] umestandarte revolucioná- quem DiogodeMacedodecidiudizerlogo culturas deteorabstracto emmadeira, de tuários, porserestrangeiro ali enoacessoaconcursos públicosesta- resistência cerrada decolegasportugueses mente naExposição, mastambémsofreu tuguesa. ESemke, queparticipou marginal- retirada que foi a esta a nacionalidade por na Vieira da Silva, por ser apátrida como ela, tir para oBrasil, com a esposaMariaHele- de 40, ao mesmo tempo foiobrigado a par mente conseguiu expor no SNI nesse ano 84 . E Arpad Szenes, quecontraditoria- 82 , António Dacostaeaescul- 83 quealiexibiu seises- 85 . - - Nestes tempos estatuários de pouco ouro, SAIAL, Joaquim – Estatuária decididamente 1953 (Jorge Vieira, maque- Portuguesa dos Anos 30, ed. ta para um “Monumento ao Prisioneiro Polí- Bertrand Editora, Lisboa, 1991. tico Desconhecido”86) e 1973 (João Cutilei- ro, “Rei D. Sebastião”, Lagos) ainda estavam — Notas muito longe… 1 Diário de Notícias, 24.06.1940, p. 4. 2 Diário Popular, 05.07.1943, p. 1: o padrão inicial, provisório, foi desmantelado em Julho e — Bibliografia Agosto de 1943 por operários da empresa União de Sucatas que FRANÇA, José-Augusto – A Arte assim obteve 170 toneladas de em Portugal no Século XX, ed. ferro e 200 de madeira. O actual, Livraria Bertrand, Lisboa, 1974. em pedra, data de 1961. MATOS, Lúcia Almeida – Escultura 3 A escultura da exposição está em Portugal no Século XX (1910- razoavelmente estudada no nosso 1969), Col. Textos Universitários livro Estatuária Portuguesa dos de Ciências Sociais e Humanas, Anos 30 (1926-1940), Bertrand ed. Fundação Calouste Editora, Lisboa, 1991. Gulbenkian, Fundação para a 4 Anjos Teixeira, António da Ciência e a Tecnologia, Ministério Costa, António Duarte, Barata da Ciência, Tecnologia e Ensino Feyo, Canto da Maia, Euclides Superior, Lisboa, 2007. Vaz, Francisco Franco, Hein PEREIRA, José Fernandes Semke (alemão radicado em (direcção) – Dicionário de Lisboa), Irene Lapa, João Fragoso, Escultura Portuguesa, ed. Leopoldo de Almeida, Maximiano Caminho, SA, Lisboa, 2005. Alves, Martins Correia, Raul PORTELA, Artur – Salazarismo Xavier e Ruy Gameiro eram os e Artes Plásticas, Biblioteca nomes mais sonantes das quase Breve, ed. Instituto de Cultura e duas dezenas de escultores com Língua Portuguesa, Ministério da trabalhos presentes na exposição. Educação e das Universidades, Franco, por estar a realizar a Lisboa, 1982. estátua de D. João IV para Vila REGATÃO, José Pedro – Arte Viçosa, particularmente citada no Pública e os Novos Desafios das programa das comemorações, Intervenções no Espaço Urbano como veremos. – Bond, Books on Demand, 5 Actual Maputo, capital de Quimera Editores, Lda., 1998. Moçambique.

– JOAQUIM SAIAL 103 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 12 11 10 9 8 7 6 << p. 1. p. Diário deNotícias, 09.06.1940, Pequenitos, emCoimbra. Ver 08.06.1940 noPortugal dos dimensões, foiinaugurada em desconhecemos, dereduzidas de Maputo. Fortaleza/Museu deHistóriaMilitar encontra-se hojeexposta na Moçambique eaestátua após aindependênciade concurso… da base. Estepertencera aojúrido Almeida numdosbaixos-relevos 5. p. Encarnação, Olivais, Lisboa. modesto pedestalna Alameda da China. Encontra-se colocadasobre de Macau, dePortugal para a passagem dasoberania efectiva veio para Lisboaporaltura da A estátua deFerreira do Amaral autoria doesc. DiogodeMacedo. configuração rampante. Éda 30.05.1948) tambémtem (fonte plan. em1938-inaug. de D. Afonso Henriques, Lisboa Fonte Monumentalda Alameda Padrão dosDescobrimentos. Henrique doprimitivoeprovisório estátua emgessodoInfanteD. ed. Livraria Bertrand, Lisboa, 1974. em Portugal noSéculo XX, p. 256, Uma, cujaautoria Omonumentofoidesmantelado Eparticipação deLeopoldo de DiáriodeNotícias,13.02.1940, FRANÇA, José-Augusto. A estátua equestre do“Tejo”na Etambématirou ao Tejo a A Arte 19 18 17 16 15 14 13 26 25 24 23 22 21 20 p. 2. p. ilha. razão aPortugal sobre atutelada desfecho dopleitoem1870deu cerca destadata. Castroem Verde. de Notícias,17.05.1940, p. 1. e SousaCaldas. completada porHenriqueMoreira de Lisboa, 04.04.1940, p. 3. oficiais eparticulares.”, verDiário concentração dasentidades internacional, masapenasuma em atenção aoactualmomento não hajacortejo nemfoguetes, de grande solenidade, embora valor queaindaexiste. para Lourenço Marques desimilar aos Mortos daGrande Guerra Gameiro jáfizera ummonumento com aesposanaestrada deSintra. em 1935, emdesastre demota escultor falecera prematuramente, Moreira. Machado eescultura deHenrique de Francisco Soares Lacerda Ibidem, 07.08.1940, p. 5. DiáriodeNotícias, 07.08.1940, DevidoaoempenhodeGrant, o Ibidem, 17.07.1940, p. 6. Ibidem, 22.07.1940, p. 4. Ibidem, 17.07.1940, p. 6. Ibidem, 22.07.1940, p. 4. Inaug. Ibidem, 14.06.1940, p. 1. Erigido Ibidem, 07.06.1940, p. 1. Praça deD. Afonso III. Ver Diário A vastaparte deescultura foi “cuja cerimóniaserá revestida Inaug. em4de Junho. O Inaug. em11.11.1935. Projecto 32 31 30 29 28 27 40 39 38 37 36 35 34 33 p. 4. p. 28.12.1940, p. 1. 5. p. p. 133. Popular, 16.06.1948, p. 5. 1948 caiudenovo… verDiário ciclone de1941eem Junho de Duarte. Mendonça epelocapitão Teófilo pelo coronel Álvaro César de A comissãoera constituída 2. p. Setembro.1941, p. 436. alusiva ao“DiadoCondestável”. 06.11.1940, p. 5, emcerimónia de Guimarães. referida deD. Afonso Henriques dos Descobrimentos(Lisboa)ea D. João IV (Vila Viçosa), Padrão Exposição doMundoPortuguês, dos Centenários: maquetada comemorativos dasfestas talhe doce(inovadoremPortugal) imagens feitaspeloprocesso de venda seloscomemorativos com p. 488. DiáriodeNotícias, 21.11.1940, Ibidem, 29.12.1940, p. 11. Ibidem, 29.12.1940, p. 7. NotíciasdeLourenço Marques, DiáriodeNotícias, 19.12.1940, Ocidente, n.º30, Outubro.1940, A bandeira foiderrubadapelo Ibidem, 17.02.1940, p. 1. Ibidem, 03.02.1940, p. 5. DiáriodeNotícias, 05.04.1940, Ocidente, n.º41, Ainda sevênoDiáriodeLisboa, A 7de Junho foram postosà Ocidente,16, n.º Agosto.1939, 41 Diário de Notícias, 25.06.1940, Fundida em Vila Nova de Gaia. a de temporal de 1960 com p. 2. 52 Ibidem, 10.07.1940, p. 1 e reconstrução em 1961 (versão 42 O articulista da notícia queria Ilustração, 16.06.1938, p. 24. mais repetida). dizer Duque de Loulé. 53 Ibidem, 24.03.1940, p. 2. 65 Um “Jogador de disco” (estátua 43 Diário de Notícias, 18.02.1940, 54 De seu nome verdadeiro de José Netto, inaug. 13.11.1931, p. 5. António Joaquim Fernandes Lima. na Avenida da Liberdade, 44 Ibidem, 01.01.1926, p. 7 e 55 Diário de Notícias, 06.11.1940, Lisboa, depois no Pavilhão dos 06.01.1927, p. 2. p. 2. Desportos), um monumento ao 45 Ibidem, 12.05.1935, p. 4. 56 Fotografia do gesso pode ser professor de Educação Física Luís Já nesta altura, através da voz vista no espólio de Abel Salazar, da Costa Monteiro (estátua de do vogal Pastor de Macedo, a na Fundação Mário Soares, Lisboa. Anjos Teixeira, inaug. 15.05.1932, comissão discutia o local, caso o 57 Que assim se via representado também na Avenida da Liberdade, monumento não pudesse vir a ser em mais uma colónia, depois da depois na portaria do Ginásio erigido no Parque Eduardo VIII, o de Cabo Verde (estátua jacente Clube Português) e o monumento primeiro previsto. no jazigo da família Serradas, no a Pepe, precocemente falecido 46 Ibidem, 17.08.1940, p. 1 e cemitério do Mindelo, e busto jogador de futebol de “Os Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º do médico militar Dr. Lereno, Belenenses” (padrão com baixo- 1265, 01.09.1940, p. 587. na cidade da Praia), para além relevo de Leopoldo de Almeida, 47 Diário de Notícias, 25.03.1940, de uma estátua de Afonso de inaug. 23.09.1932, no antigo p. 5. Albuquerque em Nova Goa, no estádio das Salésias e depois no 48 Inaug. em 16 de Setembro. Estado da Índia, e o apostolado novo estádio do clube no Restelo) 49 Diário de Notícias, 03.09.1940, da catedral de Nova Lisboa (actual são alguns parcos antecedentes p. 1. Huambo), Angola (1945). próximos deste de Aveiro. 50 Ibidem, 18.05.1940, p. 14. Não 58 Ibidem, 07.05.1940, p. 4. 66 Diário de Notícias, 25.11.1940, conhecemos o desenvolvimento 59 Diário de Notícias, 12 e p. 5. desta planeada homenagem que 15.06.1940, p. 4 e 1, 67 Este ainda está no lugar onde foi também compreendia colocação respectivamente. erigido (Rua de Coco, na cidade de lápide toponímica em artéria 60 Na realidade no Monte do Pilar, do Mindelo) e bem estimado. viseense com nome do militar. a cerca de quatro quilómetros de 68 Diário de Notícias, 07.08.1940, Em http://fotosviseu.blogspot. Paços de Ferreira. p. 2. Posto no adro da igreja de pt/2015/06/a-casa-museu- 61 D. António Augusto de Castro Nossa Senhora da Arrábida, nesta almeida-moreira.html (visto Meireles. cidade angolana. em 29.08.2015) diz-se que em 62 Diário de Lisboa, 08.12.1943, 69 Ibidem, 30.07.1940, p. 1. 25.11.1973, em comemoração do p. 4. 70 Ibidem, 27.07.1940, p. 1. centenário de nascimento desta 63 Ibidem, 07.10.1940, p. 5, O 71 Ibidem, 29.07.1940, p. 1. figura, foi inaugurado no jardim da Século Ilustrado, 12.10.1940, p. 9 e 72 Ibidem, 18.07.1940, p. 1 e Casa Museu Almeida Moreira um Ocidente, Novembro.1940, p. 267. 31.07.1940, p. 2. busto do capitão esculpido pelo 64 Encontrámos como datas 73 Ibidem, 05.08.1940, p. 2. “seu amigo Mariano Benlliure”. de destruição na Internet a do 74 Ibidem, 05.08.1940, p. 6 e 51 Ibidem, 22.02.1938, p. 9. ciclone de 1942 e na Wikipedia 18.08.1940, p. 4.

– JOAQUIM SAIAL 105 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 83 82 81 80 79 78 77 76 75 << 2010, p. 33. Universidade NovadeLisboa, de CiênciasSociaiseHumanas, em Património Urbano, Faculdade trabalho deprojecto demestrado Urbanidade ePatrimónio Urbano, do MundoPortuguês: Cidade, Nunes, BelémeaExposição Pedro Alexandre deBarros Rito Buigas. IndicaçãoemNOBRE, jogos deáguaeluzdoeng. Carlos ibidem, 17.09.1940, p. 2. Paiva de Andrade, Lisboa. Abriu a Galeria (ouCasa) Repe, naRua esculturas surrealistas. ed. SNI, Lisboa, p. 36. FERRO, António, Herói” (quesubsistem). e obaixo-relevo “A Ascensão do viam-se a estátua “Mater Dolorosa” além desteconjuntoescultórico “Camaradagem naDerrota”… Para pelo segundo. Intitulava-se um terceiro moribundo, amparado soldados, umileso, umferidoe constituído portrês figuras de Bordalo Pinheiro, aPalhavã). Era existe, na Avenida Columbano Honra” daigreja (queainda 25 deMaio1938. ministro dasObras Públicas desde Desenhode António Linoe Ibidem, 09.09.1940, p. 5e A exposição realizou-se na Quemaistarde fariapequenas Discursode06.05.1949, in Situava-seno“Pátio de DiárioPopular, 09.12.1942, p. 1. existentes. Ainda Acumulou ocargo comode Arte Moderna, 86 85 84 erigido emBeja. monumento foiexecutado e na Tate Gallery. Sóem1994o esteve longotempoexposta 56 países. A escultura de Vieira ele concorreram 2500artistas, de Contemporâneas, emLondres. A promovido peloInstitutode Artes em concursointernacional p. 12. A maquetafoi premiada o seurepúdio.” escreveram para lá, manifestando Mesmo assim, algunsartistas a Agência Geral dasColónias. excepcionalmente trabalhei para porque era estrangeiro. Só concursos para monumentos], proibido [departicipar em “Sábado emPerfil”, p. 2:“Estava Notícias, 06.05.1989, nacoluna para entrevista doDiáriode conversa quecomeletivemos Dezembro.1940, p. 461. os EstadosUnidosda América. em Paris eem1945emigrou para em Derbyshire, Inglaterra, estudou Pamela Boden(1905-1981)nasceu 11 deNovembro eencerrou a23. DiáriodeLisboa, 02.04.1953, Facto quenosconfidenciouem Ocidente, n.º32, Monumento Multiculturalidade – Uma Experiência Participada

por José Francisco Alves

Doutoramento em História da Arte, curador independente e membro da ABCA, ICOM e ICOMOS. Curador-Chefe do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (2011-2013) e Professor de Escultura do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre. Mantém o site www.public.art.br

Abordage du projet Monument Multiculturalisme, projet de la Mairie de Almada (Portugal) avec la participation de l’Université de Lisbonne, inauguré en 2013. Le Almada, situada na margem esquerda do monument a été érigé après diverses consultations Rio Tejo, fronteira a Lisboa, passou a chamar directes de la communauté à laquelle il fut destiné. a atenção internacional de instituições aca- Des citoyens du Bairro da Caparica, Almada, ont dêmicas e artísticas nos últimos anos pela participé à plusieurs sessions de travail comprenant surpreendente e bem-vinda atitude de en- une expérimentation artistique (ateliers) et ont décidé carar a arte pública a partir de uma visão es- non seulement du contenu du monument comme de tratégica para a cidade. No caso, as ações ses formes. Ce processus a été analysé à la lumière práticas desenvolvidas por essa municipa- de la théorie de l’art publique, spécialement en ce lidade para o assunto ultrapassou as habi- qui concerne les auteurs qui abordent la question tuais – e igualmente relevantes – políticas de communautaire et démocratique de ce genre d’art, ainsi ereção de monumentos representativos e/ qu’en référence à des exemples pratiques de projets ou a instalação de obras de arte em espaços similaires antérieurs de l’Université de Barcelone. públicos. Apesar de ainda importantes tais comissionamentos, no sentido de qualifica- ção da paisagem, memória histórica ou sta- tus cultural, a cidade de Almada quis ir além.

O Monumento Multiculturalidade, levado a cabo pela Câmara Municipal de Almada, e Universidade de Lisboa, apresenta-se como importante contribuição no universo das di- versas políticas de arte pública europeias e americanas. Isto porque o projeto ingres- sou num terreno difícil, no qual governos

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 107 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA América Latina, aexemplo deSãoPaulo, mo timidamente, houvereverberação na América (EstadoseCanadá) eEuropa. Mes- nes moderno e contemporâneo surgiu na diversificada deobras aoarlivre decâno- Neste período, umaprodução numerosa e ras públicasnosEstadosUnidosda América. cago; artista Anish Kapoor), ambas escultu- xander Calder) aCloudGate (cidadedeChi- Vitesse (cidadedeGrand Rapids; artista Ale- co períodoentre 1969e2006, deLaGrande ção urbana. Podemos delimitarestehistóri- de arte icônicas em projetos de revitaliza- po instaurou-se a partir da inclusão de obras produção quedeterminouestenovocam- a partir deprincípiosdadécada1970. A a fazerseriamenteparte dodiscursoteórico, quando aarte emespaçosurbanospassou pecífica foiumadiscussãobastanteprofícua ferencial deumacultura oucomunidadees- A obra dearte públicaenquantomarco re- o processo participado eaautoria ração comunitária:ocaráter demonumento, seu contexto enquantoobra dearte eelabo- três características adestacar, emrazão de Temos noexemplo destenotávelprojeto dias egrandes metrópoles. des proporções, emsítiosurbanosdemé- que aconstruçãodemonumentosgran- pública, paradoxalmente maiscomplexa do uma comunidadeespecíficaé, para aarte de arte desafiador, umavez queaescalade formas dessaarte. Este, defato, éumtipo seus cidadãosnadefiniçãodosobjetivose munidades ecomaparticipação ativa dos arte públicaerigidaspara determinadasco- e instituiçõesevitam“arriscar-se”: obras de << coletiva. ção vazia”. virtualmente [arte pública]éumaclassifica- verdadeiro éexplicar porque, nomomento, criticamente aarte pública:“o problema da grande corrente que começou a definir decoração”. Goldintambémdavaapartida arte públicaseria“namaiorparte... ampla tora, aquiloqueera oferecido entãocomo sobre a Arte Pública” (1974). Conforme aau- rica: “OGuetoEstético:algumasreflexões Goldin, naprestigiada revistain Ame- Art produção podetersidooartigo de Amy A primeira reflexão crítica sobre esta guns exemplos aseguir. ferências sobre o assunto, podemos ver al- e apolêmicanosdiscursos. Entre essasre- introduzindo emgrau elevadoapolitização tou-se àdivulgaçãodestaarte, emseguida precedentes. Paulatinamente, acríticavol- nhado deumateorizaçãoigualmentesem (majoritariamente abertos), foiacompa- pela suainstalaçãoemespaçospúblicos mente, estenovotipodearte, determinado então passouaincluirarte pública. Obvia- e regeneração doespelhourbanodesde gos Olímpicosde1992, cujarevitalização do Barcelona, remodelada apartir dos Jo- radigma maisdifundidofoiecontinuasen- sítio, aPraça daSé(1978). NaEuropa, opa- com asesculturas emseumaisimportante tos devista. As considerações maiscorren - arte públicapolitizaram aomáximoospon- os quecomeçaram ateorizarsobre a Então, conforme o contexto era propício, realidade daprópria esfera pública”. em razão justamentedenossadescrença na te –“que hátãopoucaarte públicagenuína com firmeza–eissoéválido até opresen- 1 Penso queestaautora percebeu nova tes foram aquelas as quais apontavam que No livro que organizou, “Arte na Esfera Pú- a maior parte da arte pública não represen- blica”, J. W. Mitchell em seu texto introdu- tava aspectos ligados às comunidades as tório refletiu sobre legitimação, violência e quais era dirigida e que as novas obras em público, e ponderou que a arte pública é um espaços urbanos continuavam a ser a mes- meio significativo deviolência simbólica.8 ma arte “privada” das galerias e museus. Entretanto, o questionamento teórico mais Com o tempo, surgiram mais artigos bem comum e prolongado acabou sendo em como livros específicos que ampliaram es- torno da própria condição “pública” de uma ses questionamentos. obra de arte pública. Ou seja, se esta pas- saria a adquirir tal caráter por sua simples Uma análise crítica muito citada sobre arte colocação em espaços públicos. Nesse sen- pública até o presente parece ser o contun- tido, Harriet Senie ponderou: “Como algo dente artigo “Inoperante: a Máquina da Arte pode ser ambos, público (democrático) e Pública” (1988), de Patricia Phillips. Nele, arte (elitista)?” (1992).9 Uma reflexão similar a autora atacou a mera condição “pública” fez o artista Daniel Buren: “Porque, quando desta arte ser exclusivamente em função de falamos sobre um trabalho ao ar livre [...] a sua propriedade pública (governo) ou de palavra ‘arte’ é juntada ao termo ‘público’? sua localização (local público), pois “o con- O que está implícito nessa união?”.10 Outro ceito de ‘público’ é difícil, mutável, talvez autor de referencia no período foi Malcolm um pouco atrofiado, mas o fato é que a di- Miles, com “Arte, Espaço e Cidade” (1997), mensão pública é uma construção psicoló- o qual também debruçou-se mais ou me- gica em lugar de física ou ambiental”.2 Mais nos nas mesmas reflexões.11 adiante, Phillips publicou o artigo “Constru- ções Públicas” (1995), em um livro coletivo, A par desta infindável discussão teórica em no qual voltou a questionar: “De onde vem o torno da questão da propriedade ou loca- público da arte pública de se a vida pública lização da obra como sendo definidora da está assim, tão perigosamente esvaziada?”3 condição de um trabalho pertencer ou não Este livro em questão, “Mapeando o terre- à tipologia arte pública, Javier Maderuelo, no: um novo tipo de arte pública” (1995)4 em 1990, já observava esta situação sob esteve com três outros entre as coletâneas o prisma do público e não da obra, já que de textos mais difundidas na década de “trata-se de um tipo de arte cujo destino 1990, as quais buscaram novas e múltiplas é o conjunto de cidadãos não especialista abordagens, em especial problematizan- em arte contemporânea e cuja localização do os aspectos comunitário e crítico que a é o espaço público aberto” (grifo nosso).12 arte pública deveria refletir: “Arte no Interes- E este “destino”, afinal, é o maior desafio se Público” (1989),5 “Arte na Esfera Pública” desta tipologia de arte uma vez que, ain- (1992),6 “Questões críticas em Arte Pública: da segundo Maderuelo, “a cidade hoje foi conteúdo, contexto e controvérsia” (1992).7 transformada num campo aberto, cenário de variadas manifestações estéticas que se deslocaram dos espaços das galerias e mu-

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 109 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA cotidiano”. cupado emquestõesmaispragmáticas do tempo para interessar-se porarte epreo- blico heterogêneo, deolhardistraído, sem seus para enfrentar diretamente aumpú- << (a foques, questionou océlebre site-specific geografia edomeioambiente. De seusen- na arte, buscando, inclusive, conceitosda o objetivodeproblematizar sobre olugar ção delocal, localizaçãoelocalidade, com Lippard dedicou-seateorizarsobre ano- ppard ticulturalidade, acríticadearte Lucy- Li concernentes aonossoMonumentoMul- tionamentos aenfocarem preocupações cias acimaporserem osprimeiros ques- arte pública, doqualpinçamosasreferên- Entre essemaciçoteóricoproduzido sobre seus caminhosquotidianos. simples colocaçãodeumaobra dearte em o transeunte, emespectadordearte, pela nais dearte, aqualtransforma oespectador, la obra colocada fora dos espaços tradicio- de arte pública. Nestesentido, seriaaque- exaustiva sobre oqueéounãoumtrabalho deruelo, soluciona um pouco esta questão campo gar emumasociedademulticêntrica”, blicou “A atração dolocal–sentidoslu- arte erigida em seunome. Em1997, elapu- – decisivadopúbliconadefiniçãodeuma ficativo sobre anecessidadedeparticipação onde poderíamosestar”. o título“Olhandoemvolta:ondeestamos, mencionado “Mapeando oterreno [...]”, sob sentadas anteriormenteemartigo seunojá denso livro queaprofundou questõesapre- especificidade dolocal), ou seja, aques- 14 produziu talvezoaporte maissigni- arte pública, porestaóticadeMa- 13 Vejo que a denominação do 16

15 um

os reservatórios doconteúdo humano” ( presenta aspropriedades físicasdolugar ção entre re lugarelocal–“um( site) cia opostuladode KelleyJeff para adistin- se destinam. Ao mencionar como referên- características dosrespectivos locaisaque ou temporários elaborados conformeas tão proposta por trabalhos permanentes da vidadoshabitantes/espectadores”. não poderia“servistacomoumobjetofora com asualocalizaçãoe, principalmente”, place-specific” teria“umaligaçãoorgânica (a especificidadedolugar). Assim, “a arte sição ao seria umnovotipodearte pública, emopo- Lippard cunhouumnovotermopara oque suas experiências físicaesensual. educação deseuspúblicos, bem comoem ca existe noscorações, mentes, ideologiase vezes funcionaloudidática, umaarte públi- preferência interdisciplinar, democrática, às nente eefêmera, objetoeperformance, de exposta, intrusa ousensacionalista. Perma- privada, nãoimporta oquantosejagrande, nicação sobre aarte pública–aindaéarte trovérsias earetórica dosmeiosdecomu- coisas –amaioriacombustívelpara ascon- comunidade eomeioambiente. As outras para/ou noqualelasejafeita, respeitando a cupa, desafia, envolveeconsultaopúblico Qualquer tipodearte acessívelque sepreo- finição de Arte Pública: Lucy Lippard elaborou umaapropriada de- nova Com ainstauração ouidentificaçãodesta place) [...]enquantolugares (places)são tipologia dearte (aplace-specificity), site-specific: a arte “place-specific” 19

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17 – - Conforme o final dos anos 1990 se aproxi- front.22 Não é sem razão, inclusive, que no mava, o complexo teórico sobre arte públi- âmbito da influência deste largo trabalho ca refreou no sentido de discussões menos da Universidade de Barcelona encontra-se polêmicas e críticas. Passou-se também a também, efetivamente, o próprio projeto uma fase de maior interesse por autores e Monumento Multiculturalidade. Enquanto investigadores que não atuavam no mundo o corpo teórico antes exemplificado (ma- da arte, oriundos de vários campos, como joritariamente americano) seja majoritaria- a história, filosofia, sociologia, urbanismo e mente voltado às questões das relações psicologia social, entre outros. A perspecti- dos projetos com os seus públicos, e por va de que a arte pública não era somente isso se constituem também em referência pertencente ao campo artístico coincidiu, para abordarmos o assunto presente, creio por um lado, com a academização da dis- que os projetos efetivados por meio da ciplina em universidades; por outro, ao tre- Universidade de Barcelona aportem sub- mendo boom de legislações (obrigatorie- sídios mais apropriados ao nosso caso em dade) e incentivos para a colocação de arte tela, um projeto conjunto entre universida- ao ar livre, em especial na Europa, EUA, Ca- de e câmara municipal. nadá e Austrália. Nesse quadro, a iniciativa acadêmica mais efetiva e duradoura ocor- Temos em conta que nos Estados Unidos, reu na Universidade de Barcelona, que insti- ou, mais amplamente, no dito “primeiro tuiu à época o Observatório de Arte Pública mundo”, o rol teórico mencionado – além (atual paudo).20 Posteriormente, o Observa- de outros obviamente – em muito tenha in- tório desdobrou-se em cursos de mestrado fluenciado a criação de centenas de proje- e doutorado com enfoque em Arte Pública, tos municipais de arte pública permanente. Patrimônio Cultural, Regeneração Urbana O mais conhecido desses casos é Nova Ior- e Espaço Público, a partir de um centro de que, cujo programa municipal de arte pú- pesquisa, o crpolis.21 blica há décadas tem alocado trabalhos em comunidades afastadas de Manhattan, mui- A par da necessidade de investigação e di- tas estigmatizadas devido aos seus vernizes vulgação teórica, o paudo/crpolis passou multiculturais, cujos processos de comis- a realizar projetos concretos (ou seja, nas sionamento levam em conta a obrigatorie- ruas) com administrações municipais (os dade de uma demorada negociação entre entes que afinal de contasenfrentam a arte os artistas e moradores. Porém, é bom que pública), em Espanha e Portugal. Também se frise, a politizada – e até mesmo ativis- ampliou a sua influência por meio de proje- ta – produção teórica americana (e de sua tos conjuntos, em universidades europeias influência direta: Inglaterra, Canadá e Aus- e, incluso, nas américas do Sul e Central. trália) é de difícil compreensão e interesse Isso, sem mencionar a realização de sim- daquilo que ocorre fora de sua órbita. As- pósios de arte pública em ambos os lados sim, restam à margem desse universo co- do Atlântico e a edição de publicações, en- mentado, criticado, interessantes experiên- tre as quais a principal é a On The W@ter- cias em Espanha, Portugal, América Latina,

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 111 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Escultura Casa Barata, Baró de Viver,Distrito deSant Andreu, Imagem em Barcelona. damente interdisciplinar. aportes, comumacaracterística proposita- decessoras àsquaisseapresentam novos reinterpretados sobaluzdeteoriaspre- tantemente reprocessados, analisadose e comunitárias, cujosresultados sãocons- cional –duradoura sobre práticas urbanas resulta deumavontade política–institu- tou aocampodaarte públicainternacional a experiência dopaudo acrescen /crpolis - e até mesmoemFrança e Alemanha. Oque vido nobairro Baró de Viver, e Portugal destacamosoprojeto desenvol- tamente acâmaras municipaisemEspanha Entre asiniciativas daRede paudo conjun- O , com524m e a escultura Casa Barata, (ambos de 2011). balhos dearte pública, oMural daMemória lona. No amplo projeto, emergiram dois tra- região era uma periferia distante de Barce- pelo governo em torno de 1928, quando a sas populares (“casas baratas”), construídas estigmatizado porsuahistórialigadaàsca- sado para melhorar aautoestimadobairro, bólico, este amplo projeto foi também pen- cívica e estação de Metro. No sentido sim- 2004, taiscomoumanovarambla, praça participada dolocal, iniciadaporvoltade munitário, em meio à regeneração urbana vado acabocomefetivoenvolvimentoco- Sant Andreu, nordeste deBarcelona. Foi le- homenagem àsCases Barates (casasbara- pelos próprios moradores. A escultura em rias, fotografias e interesses compartilhados ta ahistóriadobairro pormeiodememó- ilustrativo, como um livro gigante, que con- e avenidas expressas; trata-se de um painel Santa Coloma) docruzamentodeviadutos acústico que protege o entorno (Passeio de 2 , ocupaoparedão 23

24 Distritode tas, em castelhano, ou, casas populares, no Entretanto, de tempos em tempos, pode- português brasileiro), por sua vez, nos re- mos perceber que fatos e situações podem porta ao Monumento Multiculturalidade fazer o sentido do monumento sentir-se re- por ser uma obra de arte de autoria coleti- vigorado e a sociedade parece voltar a ne- va, comunitária. Foi instalada na extremida- cessitar deles. Corrobora para isto a visão de mais elevada da Rambla Ciudad d’Asun- do historiador Andreas Huyssen de que a sión, na junção com o Passeio Santa Colona, “memória”, no mundo inteiro, tornou-se nas e ergue-se na forma de uma singela casa, últimas décadas “uma obsessão cultural realizada em betão, como um verdadeiro de monumentais proporções”27 e que a “a monumento, sem, no entanto, reivindicar noção de monumento como memorial ou essa condição comemorativa. evento comemorativo público vem conhe- cendo um retorno triunfante”.28 Este ponto Este aspecto, assim, nos remete à primeira de vista Huyssen vinha observando em ra- das três características que queremos des- zão das celebrações da memória do Holo- tacar no Monumento Multiculturalidade, ou causto, da queda do Muro de Berlim e do seja, a opção pela ereção de um monumento. fim das ditaduras militares sul-americanas. Essa “obsessão”, ao que tudo indica, mos- A par de toda a controvérsia em torno do pa- trou-se fortalecida a partir dos aconteci- pel do monumento na história da arte e da mentos de 11 de setembro de 2001, em as- cidade – e Antoni Remesar nos resume que sunto que esse próprio autor debruçou-se o mesmo pode ser visto como um “conceito posteriormente, sob essa mesma ótica.29 Se maldito, ou bendito, conforme e como o ob- formos pensar em “memórias traumáticas” servamos”25 –, eu creio que não restam dúvi- (termo também de Huyssen), quando elas das de que o monumento é a forma mais re- tomam forma para uma sociedade em par- conhecível pelo “público geral” daquilo que ticular o são de modo geral na condição de inequivocamente seja o mais típico exem- monumentos públicos. plar de arte pública. Assim, a morte anuncia- da várias vezes desta categoria já não pode Se o culto moderno aos monumentos30 mos- mais ser levada a sério. O flutuar do dia-a- tra-se atual, em que medida se situa, nessa -dia da História nos demonstra que a neces- perspectiva, o Monumento Multiculturalida- sidade dos monumentos vai e vem e cada de? Podemos começar pelo próprio contex- contexto requer novas abordagens. Néstor to imediato, a própria cidade de Almada.31 Canclini observa o presente de uma mega- lópole de 22 milhões de pessoas (a Cidade Almada, hoje uma cidade com numeroso do México) na qual ali os “monumentos es- conjunto de arte pública, numa proporção tão cansados”; não podem mais ser vistos e elevada de obras de arte ao livre aos pa- não podem competir com o que hoje se en- drões europeus, se considerarmos a sua contra agregado ao espaço urbano.26 população e área, surpreendentemente teve o seu primeiro monumento instalado ao ar livre recentemente, somente cinco

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 113 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA positivamente buscaram oespaçopúblico vinculou-se aosinteresses degruposque maior parte dosmonumentosdessacidade representativa para todaumapopulação, a tativos – eaarte públicajamais consegue ser tivos próprios. Senãototalmenterepresen- construção dememóriaeimaginárioscole- sante naautoestimadosmoradores ena pública passouacumprirumpapelinteres- obras dearte. Entre outras iniciativas, aarte passasse a instalar os seusmonumentose Este fato permitiuquefinalmente acidade tônomo e passou a ditar osseus destinos. da adquiriuodireito deterumpoderau- A partir da redemocratização (1974), Alma- lado do Tejo, suprissemessadeficiência. se osmonumentosdacapital, dooutro história, aausênciademonumentos, como Almada durante umlargo períododesua Esse éumfato querevela aantigasinade procuram ignoram solenementeacidade. visto delá, bemcomoosvisitantesqueo vez queseuobjetivoéfitaracapitaleser fato de estar fixado em seu município, uma um “monumentode Almada” pelosimples esse destinodeperegrinação religiosa seja para Lisboa. Porém, seria forçoso crer que ticamente “de costas”à Almada evoltada católica inaugurada em1959, emblema - Cristo Redentor; Rio de Janeiro), devoção com o gigantesco (1933-1974). Antes, acidadejácontava ção fascista” homens emulheres vítimas dapersegui- 1979, comoummonumentoa“todosos gurado empraça públicaa24dejunho jos Teixeira) foiexecutado em1969einau- grupo estatuário OsPerseguidos- (de An anos apósaredemocratização dopaís. O << 32 daditadura doEstadoNovo Cristo Rei (à moda do Pica-Pau Amarelo (Almada) eBaró de Viver projetos artísticos comunitáriosdosbairros integrada como troca de experiências entre foi “Enelsmarges /nasmargens”, iniciativa exemplo anterioradestacar, nessesentido, âmbito daUniversidadedeBarcelona. O participado deprojetos dearte públicano cionado antes a Câmara de Almada tem retamente aocontexto ibérico, comomen - espírito dacomunidadeeuropeia emaisdi- Sendo Portugal perfeitamenteintegrado no tatuas ouobeliscos. tradições predecessoras, aexemplo dees- numa exceção àshabituaisdemandaspor tos, materiais e cânones contemporâneos, luta dasobras dearte utilizaprocedimen- plástica artística. A linguagemquaseabso- abrigos, objetoslúdicos), comelaboração de mobiliáriourbanodiverso(luminárias, tramos painéiscerâmicos eemrelevo, além campo da escultura, mas também encon- público. A maioriadasobras pertence ao com financiamentopredominantemente do concursoaberto aprojetos deartistas, missionamentos observamosoexpediente Solidariedade, etc.). Emmuitosdessesco- sociativismo, Trabalho, Paz, Vida, Liberdade, profissões ehomenagenscongêneres (As- encontramos em Almada monumentosàs da vidaemcidadesdemocráticas. Assim locais euniversais, aspectosdoquotidiano des ehomenagenshabituais, emcontextos de monumentosacausasjustas, efeméri- Seguiu-se apartir dosanos1980aereção de terem voznasociedade. pecial osqueanteriormenteeram privados vida dacidade, nestenovoperíodo, emes- para se mostrarem presentes, atuantes na (Barcelona), em 2011. Para Almada, este foi uma comemoração tradicional (monumen- mais um incentivo para um passo adiante, to), “não só se dava a oportunidade à comu- a realização de um projeto de arte pública nidade de participar numa acção concreta permanente, o Monumento Multicultura- dirigida ao seu território, como se potencia- lidade, definido de forma participada pela va um maior diálogo e entrosamento social comunidade do Raposo, junto ao Centro Cí- no seio de uma comunidade bastante com- vico do bairro Monte de Caparica. plexa e culturalmente diversificada”.33

O comissionamento do monumento foi le- Sob a coordenação de Sérgio Vicente, cerca vado a cabo pela Escola de Belas Artes da de quarenta moradores, entre crianças, jo- Universidade de Lisboa, sob coordenação vens e adultos, participaram ativamente de do professor e escultor Sérgio Vicente, em nada menos que sete Sessões (ou oficinas) projeto gestado no Centro de Investigação de Trabalho, no Clube Raposense, a partir e de Estudos em Belas-Artes – CIEBA, o qual de convocação aberta a qualquer residente foi proposto à Câmara Municipal de Alma- que quizesse participar. O resultado foi sur- da, para uma realização conjunta. Por sua preendente. Não se escolheu um monumen- vez, o CRPOLIS, da Universidade de Bar- to específico, mas um conjunto de três es- celona, acompanhou de perto o projeto, culturas a formar a proposta comemorativa. numa forma de consultoria. Cada elemento remeteu a uma característi- ca – ou memória – que os cidadãos escolhe- A iniciativa foi organizada justamente para ram representar. Tais elementos “convidam avançar na recente experiência da cidade ao uso e à construção de um lugar de en- de Almada com a arte pública, desta vez em contro e reflexão, consolidando uma visão uma atuação direta no seio de uma comuni- poética da experiência e memória coletivas: dade específica, do Monte de Caparica, cuja a ‘casa’ do estar e da comunhão, o ‘poço’ do proposta do monumento inseriu-se no com- fazer e da relação com o trabalho, e o ‘obser- plexo do Centro Cívico de Caparica: par- vatório’ do sentir, das inquietações do des- que, biblioteca, piscina pública e nova sede conhecido e do conhecer”.34 do Clube Recreativo União Raposense, uma espécie de centro comunitário local. Assim, Sobre o desenrolar das sessões de traba- integrado ao novo e moderno complexo co- lho, não nos cabe aqui descrever e analizar munitário, o monumento encontrou abrigo as discussões no âmbito dos encontros da para as suas necessidades de orçamento, de comunidade para a realização do monu- forma a garantir o seu custeio. mento, visto que já plenamente detalhadas e analisadas em artigos (2012 e 2013).35 A A denominação do monumento foi no sen- respeito das três esculturas, estruturas de tido de ressaltar a característica multicul- aço cor-ten, bem verticalizadas, cada uma tural do local, composta, entre outros, por paira sobre uma forma circular correspon- ciganos, imigrantes de África e população dente, em betão, com palavras e cores que de baixa renda. Nesse sentido, por meio de expressam sentidos àquela comunidade. A

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 115 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Uma dasSessõesde Trabalho doprojeto Monumento Imagem cedidaporSérgio Vicente/FBAUL. Multiculturalidade. discussão doprojeto Monumento Cartaz da4a. SessãoPública de Multiculturalidade. definição das formasdasesculturas nãoos se sentido, aparticipação dosescultores na propostas originalmente escolhidas. Nes- cupação deinterviromenos possívelnas do projeto. Porém, istofoi feito comapreo- pela equipadeescultores queparticipou de ajustesescala, linguagemematerial, uma vezque, obviamente, elasprecisaram como elementosartísticos contemporâneos Tais esculturas sãotambémreconhecíveis que lhesdizrespeito. reconhecidos pelacomunidadecomoalgo valor formal(dentro desuasimplicidade) dente, pois apaisagemrecebeu objetosde mento emsi–foi, ameujuízo, surpreen- formal doprocesso participado –omonu- ria edeseusquotidianos. Masoresultado teresses comuns(eincomuns)desuahistó- qualquer grupo de pessoas que discuta in- nimidade absoluta, algoquenãoexiste em não foiatingido nesseprojeto porumauna- fácil aserdesenvolvido, oqualcertamente de seuterritório”. ticipantes a “representar as especificidades quirindo elementos”queajudaram ospar -reconhecimento comoobjectivodeirad- artísticas, “podegerar conteúdosdeauto- dade, estimuladapelasexperimentações sultado dassessões, nasquaisacomuni- baram portomarformasdearte foram re- Esses conteúdos e significados que aca- um anelsobre ocírculo azul:“fazemos”. forma quaseminimal(duashastes)suporta círculo vermelho:“estamos”; aterceira, uma liedro irregular, tambémvasado, sobre um vra “sentimos” gravada; a segunda, um po- sado sobre umcírculo amarelo, comapala- primeira trata-se de um grande cilindro va- 36 Processo estenãomuito - fizeram autores do monumento, e isso não quer dizer que a forma final não seja im- portante, pelo contrário. Isto porque, não se trata, o Monumento Multiculturalidade, de uma obra sem autores. Ele é um monu- mento de autoria coletiva, ou seja, de toda uma comunidade. E este é um aporte novo, importante, entre os tantos que o projeto apresenta para o campo da arte pública.

Como mencionado, o processo de consul- ta optado pelos comissionadores (Câmara e Elemento 1, “Sentimos”. Universidade) foi o de sessões de trabalho Foto do autor. – workshops – com a comunidade. Ou seja, obviamente dentro da comunidade com os interessados em se envolverem com este tipo imcomum de encontro, tanto de as- sunto (arte) quanto de sistema de discussão (convocatória). As implicações sociais do projeto só o tempo poderá responder, com seus desdobramentos. Este tempo poderá ajudar a revelar o alcance, o grau de envol- vimento das pessoas do lugar. Mas um sin- toma já é evidente: próximo dos três anos de inauguração do produto final do comis- sionamento, o monumento, o mesmo se en- Elemento 2, “Estamos”. contra íntegro, bem cuidado pela comuni- Foto do autor. dade a qual destina-se e da qual foi fruto.

Esta intervenção plástica na paisagem do novo Centro Cívico de Caparica, perten- cente ao campo da arte pública, nos agre- gou uma experiência que vai muito além de aplicações do plano teórico. Trata-se de um belo exemplo ao nível das práticas ar- tísticas e democráticas, um processo parti- cipado que chegou a bom termo, quanto mais se levarmos em conta que iniciativas desse tipo não são fáceis de serem levadas Elemento 3, “Fazemos”. a cabo. Temos a considerear que a discus- Foto do autor.

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 117 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA da soubemuitobemenfrentar. direto da comunidade, o projeto em Alma- ca, ouseja, adiscussãoeoenvolvimento dades nocomissionamentodearte públi- safio eestímulo. Eumadasmaiores dificul- tratam-se, em verdade, de um grande de- feito” destasiniciativas. Estasdificuldades lograr bonsêxitos, masestenãoéum“de- munidade sempre corre umriscodenão são entre administradores, artistas eco- << Finkenpearl, Tom. 2001, 174 p. Espacio Político.Madrid: Akal, Duque, Félix. Smithsonian, 1995, 278p. Communities. Washington: Cultural Democracy in American Flying Pigs –Public Art and Doss, Erika. febrero-marzo, 2013. In la ciudad–Reinventar lahistoria. Canclini, NéstorGarcía.en Arte Hatje, 1997(p. 482-507). 1997. Stuttgart: Verlag Gerd Sculpture –Projects inMünster to street level?In:Contemporary from itspedestalandtheraise Buren, Daniel. 1987, 202p. York: Teachers College Press, (Org.). Blandy, Doug&Congdon, Kristin — Bibliografia Código, [s. l.], n.º73, p. 48-51, Art inaDemocracy. New Spirit Poles and Arte Públicoy Can art getdown Dialogues in public sphere. Chicago:University Mitchell, W.J.(Org.). 1997, 266 p. features. London: Routledge, the city–publicart andurban Miles, Malcolm. Art, spaceand César Manrique, 2001. F. lugar – Arte PúblicoenEspaña. un arte público. In:Poéticas del ______. Mondadori, 1990. Arquitectura yEscultura. Madrid: raptado –Interferencias entre Maderuelo, Javier. In: Lacy(opcit)(p.114-130). where weare, where wecouldbe. ______. Press, 1997, 328p. multifaceted society. N. York: New placeina local: sensesof Lippard, Lucy. The the lure of New York: BayPress, 1995, 296p. the terrain: newgenre publicart. Lacy, Suzanne(Org.). Mapping Oxford: Blackwell, 2008, 188p. Theory, Practice andPopulism. Knight, Krause. Public– Art Press, 2003. Memory.of Stanford University Urban Palimpsests andthePolitics ______. Aeroplano, 2000, 118p. pela Memória. Riode Janeiro: Huyssen, Andreas. 30-35, May–June, 1974. Art. PublicSome ThoughtsAbout Goldin, Amy. Press, 2000, 454p. Public Art. Cambridge: The MIT Art in America,Art New York, p. Hacia ladefiniciónde The EstheticGhetto: Looking around: Present Pasts: Seduzidos El espacio Art andthe Chicago Press, 1992, 268 p. — Notas como teórica, curadora e artista, Moore, Niamh & Whelan, Yvonne Lucy Lippard tornou-se uma (Org.). Heritage, Memory and 1 The Esthetic Ghetto: Some referência em assuntos de arte the Politcs of Memory – New Thoughts About Public Art. Art in ligados ao feminismo, ativismo e Perspectives on the Cultural America, May–June, 1974. multiculturalismo Landscape. Hampshire: Ashgate, 2 Out of Order: The Public Art 15 The lure of the local: senses of 2007, 154 p. Machine. Artforum, 1988. place in a multifaceted society, Phillips, Patricia. Out of Order: 3 Public Constructions. In: Lacy, 1997. The Public Art Machine. Artforum, 1995 (p. 60–71). 16 Looking Around: Where We Are, December, 1988 (p. 92-97). 4 Suzanne Lacy (Org.). Mapping Where We Could Be. In: Lacy (op. ______. Public the terrain: new genre public art, cit.), 1995 (p. 114-130). Constructions. In: Lacy (org.), 1995. 17 Apud Kelley, in Lacy (op. cit.), 1995 (p. 60-71). 5 Arlene Raven (Org.). Art in The 1995 (p. 116-117). Remesar, Antoni. Para una Teoría Public Interest, 1992. 18 Lippard, 1997, p. 263. del Arte Público – proyectos y 6 W. J. Mitchell (Org.). Art and the 19 Definição de Lippard publicada lenguajes escultóricos. Memoria public sphere, 1992. no artigo de 1995 (p. 121) e para el Concurso de Catedra 7 Harriet Senie &, Sally Webster ampliada no livro de 1997 (p. [Universidad de Barcelona], 1997 (Org.). Critical Issues in Public 264). (pág. 8). Art: Content, Context, and 20 PAUDO: Observatório de Arte Raven, Arlene (Org.). Art in The Controversy, 1992. Pública e Projeto Urbano (Public Public Interest. New York: Da 8 Artigo introdutório do livro The Art & Urban Design Observatory). Capo Press, 1992 (1989), 378 p. violence of public art – do the . (Org.). Artistic Citzenship – A 9 Harriet Senie. Contemporary 21

– JOSÉ FRANCISCO ALVES 119 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Vol. 2, n.º1(2013).

Maria Assunção Gato; Filipa A cidadede Almada, para os Riegl. Alöis Capítulo Twin Memories: Idem, p. 42. AndreasHuyssen. Arte PúblicanoConcelho El cultomoderno Seduzidos com Verheu eFernandes), op. cit. pag. 23-27. n.º 7, Dez. 2012, isbn2178-8685, Prefeitura dePorto Alegre (Brasil), Partes, revista do Atelier Livre da identidade earte pública. In:As comunidade,em Almada: Monumento àMulticulturalidade Verheu eMarianaFernandes), colaboração comGerbert (op cit.)eSérgio Vicente (em Caparica”. Multiculturalidade inaugurado na “Notícias >Monumentoà 36 35 34 revues.org> Sérgio Vicente (emcolaboração Gato, Ramalhete e Vicente Significado de Arte Urbana, Lisboa 2008–2014

por Pedro Soares Neves

Doutorando, bolseiro do programa HERITAS no CIEBA, FBAUL. Organizador de diversos encontros científicos internacionais e publicações sobre "Criatividade Urbana" em Urbancreativity.org

This article pretend to contribute for the clarification of Arte Urbana (Urban Art) expression, proposing a geographical (Lisbon) and temporal (2008-2014) A expressão Arte Urbana é de difícil tipifica- delimitation. This delimitation serves as an anchor for ção e avaliação apesar de institucionalmen- identifying specific meanings, thoughts, actions and te em Portugal ser amplamente utilizada so- forms that occurred in determined time and place, bretudo desde 2008. Esta problemática no but doesn’t exclude references to other temporal and contexto de Lisboa tem características pró- geographical dimensions. prias. À luz das referências internacionais e The article development would not be possible without outras nacionais procurarei delimitar as ca- the international contextualization related with the racterísticas dominantes do que proponho problematic of Street Art and Graffiti expressions. significar deArte Urbana em Lisboa entre A vast array of distinct disciplinary areas approach from 2008 e 2014, algo ao qual estão associadas different angles the problematic, producing distinct formas e valores a identificar. points of view that had been relating and recognizing mutually. The article concludes with a proposal of 3 1 - Breve contextualização internacional typologies of Lisbon Arte Urbana. Aqui abordo os conceitos de Graffiti, Street Art e Urban Art. Serão descritas as principais relações entre estes conceitos e quais as pu- blicações académicas e não académicas que os abordam. Começando com o conceito de Graffiti, e sua associação com a Street Art, e por fim identificando as distinções entreUr - ban Art e a sua tradução direta Arte Urbana. A palavra Graffiti associa-se a inscrições não oficiais, não autorizadas, que ocorrem no espaço público, independentemente da técnica, meio ou estilo, palavra, por exem-

– PEDRO SOARES NEVES 121 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA graffiti art pectiva maisacadémica, propõe otermo 1960. Por exemplo, Joe Austin, numa pers- do va demaiorclarificaçãodaespecificidade gestões denovasdesignaçõesnatentati- sobrepõem-se e por esta razão surgem su- Estas interpretações narealidade porvezes da décadade1960nosEUA. rais que se desenvolveram a partir do final junto deconvençõesestilísticasesubcultu- também utilizada para identificar umcon- Por outro lado, apalavra Graffiti temsido Punk ouoHipHop que os confrontam com realidades como o parte pornovasgerações deinvestigadores ceito quesãorevisitados econtestados em ter forContemporany Cultural Studies), con- gam, maisespecificamenteao CCCS (Cen Está associado à Universidade de Birmin- dentro dosestudosteóricossócio-culturais. Subcultura to académico, quernocontexto subcultural. utilização dotermoGraffiti, quernocontex demonstraram capacidadedesubstituira outras sugestõesdenovasdesignaçõesnão dedicada aestasubcultura. Porem estase cada na que propôs aerosol art ementrevista publi- bém surgem propostas comoadePhase2 gidas conformeaabordagem. na porGraffiti esbatem-se outornam-serí- se encontram asfronteiras doquesedesig- encontradas nasescavaçõesdePompeia ção entre inscriçõesoficiaisenão gos doséc XIX comoformadediferencia- plo, quesurge nosrelatórios dosarqueólo - << Graffiti deorigemsubcultural dosanos On the Run de 1993, revista Alemã 2 , é umconceitovastoecomplexo do interiordasubcultura tam- 3 . Olocalexacto deonde 1 - - .

componente nãoacadémica. (1.1.1) acomponenteacadémica e(1.1.2)a produção emduasgrandes componentes: dimento doleitorsugerimos dividiresta damente 4décadas. Para o melhor enten- em Setembro de1975 GraffitiNova Iorque) comosUnited Artists ço deapresentação (Artist SpaceSohoem Krauss, quealiáspartilhou omesmo espa- indo aoencontro daproposta deRosalind ser observadoscomocampoexpandido do apartir de2008emLisboa. Estesdevem mento do conceito de Arte Urbana adopta- permite umagrande diversidade cultural cultural; em suma, uma contribuição que Art to socialautónomo, comoMundodaStreet a designaçãocomoreferente aumcontex fiti. laciona masqueédistintodotermoGraf- surge interpretado comoalgoquesere - O termoStreet Art disseminadomaistarde, fiti A produção deconhecimentosobre Graf- Streete Art conhecimento sobre Graffiti subcultural 1.1 Produção internacionalde máticas associadasaoGraffiti subcultural. proposta decampoexpandido easproble- suspeitar deligaçõesporidentificarentre a Graffiti da das fronteiras do significado dos termos Será necessáriaumainterpretação esbati- volta contra, ou uma adição ao re queaStreet Art éumaevolução, umare- a abordagem de Anna Waclawek que suge- com oGraffiti as distanciaseafinidadesnomeadamente 4 Streete Art queestabeleceedefinecontinuamente Por exemplo Peter Bengtsenenquadra e Street art para omelhorentendi- subcultural. Outro exemplo é desenvolve-se há aproxima- 6 , oquenoslevaa Graffiti sub- 5 . -

1.1.1 - Dentro da componente académica disciplinar da História da Arte surge por existem trabalhos de investigação que pro- Jack Stewart que propõe uma abordagem vêm das mais variadas áreas do conheci- do ponto de vista pedagógico (auto-didác- mento, como, por exemplo, da sociologia, tico, arte popular) e analisa a sua evolução etnografia, criminologia, historia cultural e estilística integrada na Historia da Arte14. historia da arte. Mais recentemente, o conceito de Street Art Evidenciam-se tendências que permitem também tem sido abordado do ponto de propostas para agrupar a informação exis- vista académico. tente. Existe por exemplo um forte grupo de publicações referentes aos anos 1970 Como já vimos, a tese de Peter Bengtsen es- em Nova Iorque, quer do ponto de vista do tabelece-se como uma importante referên- confronto das narrativas entre o discurso cia, isto por recorrer às mais vastas bases de oficial e o discursosubcultural 7, quer a par- dados existentes sobre Street Art, os forums tir de abordagens de leitura étnica (Afro/ de discussão que acompanharam o cresci- Latino Americana)8. mento do fenómeno. No seu trabalho são feitas considerações sobre as várias inter- Os estudos Etnográficos existentes são su- pretações dos termos Graffiti, Street Art e Ur- portados em grande medida por entrevis- ban Art neste caso desenvolvidas pelos pro- tas que tendem a aprofundar a dimensão tagonistas do que então designou de Street subcultral, seja desenvolvendo abordagens Art world em direta analogia com o conceito comparativas Londres - Nova Iorque9, seja de Art worlds de Howard S. Becker’s. a partir de abordagens mais globais cen- tradas em casos de estudo como Montreal Explorando a relação entre os conceitos Gra- por exemplo10. ffiti e Street Art, surge também a designação pós Graffiti, sustentada e desenvolvida nos Todavia o Graffiti de Nova-Iorque nos anos trabalhos de Anna Waclawek (2008) e Javier 70 evidencia-se como o caso de estudo Abarca15. Abarca parte de uma análise anco- mais desenvolvido, desde o reconhecido rada nas subculturas e traça elementos con- e amplamente divulgado estudo de Craig ceptualmente comuns, já Anna Waclawek Castleman publicado em 198211 na realida- faz uma análise sobretudo cronológica com de antecedido pelo primeiro estudo acadé- recurso aos “visual culture studies”. mico sobre o Graffiti subcultural de NY em 1978 por Andrea Nelli12. Para além de livros ou teses totalmente de- dicadas aos temas do Graffiti e ou Street Art A abordagem da área da criminologia (cul- existem também muitos artigos ou capítu- tural) ganha vigor após o trabalho desen- los isolados importantes. Destes artigos, volvido por Jeff Ferrel13, e a primeira pu- provavelmente, o mais reconhecido será o blicação académica originária do campo de Jean Baudrillard “Kool Killer ou l’insur- rection par les signes” (1976)16. De referir

– PEDRO SOARES NEVES 123 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA colaboração ou apartir daslógicasdeparticipação eou Henry Chalfant de 1984SubwayArt deMartha Cooper e pecificas deintervenções comooclássico enfoque nogénero, eouemtipologias es- so sobre oterritórioeseumapeamento de umpontovistadaanálisedodiscur de projeto comodesignearquitetura. Seja de aproximação por parte das disciplinas tro da subcultura, veio permitir abordagens faz para fora enãoemexclusivo para den- ritorial, mastambémdediscursoquese vista académico. Pela suacaracterística ter também trazer novosolhares dopontode verei em profundidade mais à frente) veio alguns contextos UrbanArt De notarqueoconceitoStreet Art the city”. tulo específicootema“graffiti, street art and vereiro – Abril 2010, queabordou emcapí- urbantrends,of theory, policy, action.deFe- especificamente a edição doCity: analisys Culture (daárea daCriminologiaCultural) e também periódicoscomooCrime, Media, << vastíssimo onúmero depublicações 1.1.2 Nacomponentenãoacadémicaé ficáveis comodeStreet Art, dam direta ou indiretamente formas identi- mática doespaçopúblicourbano queabor investigações) relacionadas comaproble- (tesesepublicaçõesresultantes de fim todoumconjuntode referências acadé- uma amostragem local eou global significativo decolectâneas que recolhem tentes e emprodução. Existe um conjunto 18 , na relação com o lugar 22 . Urban Art. ou como descre- (ou em 21 20 19 , com exis- , en 17 - - - - , plo, para algunspaísesdaEuropa 1974, acompanharam ofenómeno blicações nãoacadémicasquelogo, desde que nos anos 70 é central também nas pu- mento académico, o papel de Nova-Ior À semelhança da produção de conheci- exposição gráfico criadopor Alfred H. Barr Jr. para a art duzido porDanielFeral, Graffiti and Street Outro exemplo, maisrecente, éocartaz pro- é umdosexemplos deváriosmodelos. nimos relevantes nasuaperspectiva. Este vo comreproduções doestiloepseudó- Graffiti àépoca. Ummural autoexplicati- que seconsiderava umavisãohistóricado mural feito por Chris Pape que retratou o 1987, vem documentado e publicado um da Street Art. ção (históricaeconceptual)doGraffiti e São vários os modelos de interpreta- 1.2 Modelos ção entre Street art eGraffiti exemplos queabordam diretamente arela- tante vasto, ecomaexcepção dealguns ções. Aqui onúmero de publicaçõesébas- gos emonografias decorrentes de exposi- académicas integram-se tambémoscatálo- Nesta mesmacategoria depublicaçõesnão para a Australiapara MoCa deLos-Angeles em2011 in theStreets daexposição homónimado instituições comonoexemplo dolivro Art abordagem na perspectiva do autor ou das ções traduzem sobretudo asestratégias de fere àdiáspora dofenómeno ção deconhecimentorelevante noquere- qualquer forma, existe tambémumaprodu- (2011). Estepóster recria oesquema Cubismo e Arte Abstrata,Cubismo No livro 26 . Spraycan Art 27 , estaspublica- 24 28 , porexem- . 25 que se como 23 29 . De , de - realizou no MOMA de NY em 193630. Con- sistindo na descrição cronológica e com re- ferências a conceitos e locais, Feral, inicia a sua proposta de modelo de interpretação na sequência do gráfico de Barr.

Colocando no lugar central as designações Graffiti e Street Art, a partir destas propõe um conjunto de ligação ao passado e futu- ro. Apesar das suas carências ao nível de referências torna-se uma imagem interes- sante, sobretudo pelo estímulo à reflexão que representa.

1.3 Urban Art A designação em inglês Urban Art vem as- sociada especificamente aos conceitos de Graffiti e Street Art pela primeira vez na ex- posição Spank the Monkey de 2006 em Ga- teshead, Reino Unido31. Surge da proble- mática gerada pela distância entre a arte na rua e a arte do mundo estabelecido da arte, nasce da necessidade de resolver a questão de abordar a Street Art no contex- to dos museus, galerias e agentes instituí- dos no mundo da arte.

Em 2008 o leiloeiro Bonhams iniciou um conjunto de leilões periódicos especializa- dos em Urban Art e em 2009 o fórum de discussão Bansky.info passou a chamar-se Urban Art Association. Todavia este surgi- mento da designação surge sem estar de- finida à partida uma clarificação do que na realidade representa, quer na sua essência, quer em relação com os termos Graffitie ou Street Art.

Talvez por esta razão gerou reacções di- vergentes dentro do mundo da Street Art e Cartaz de Daniel Feral, Graffiti and Street Art (2011)

– PEDRO SOARES NEVES 125 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA O uso ocasional de ao longodotempo to decontrovérsias ediversoscontributos A cordasfachadasdeLisboatemsidofru- 2.1 –Breve introdução 2 –EmLisboa cialmente maistarde airá comercializar. tente de marketing da pois esta rapidamente se transforma na ver quem espontaneamente produz Street Art, veio tornarpoucoclara arelação mesmode para umacarreira comercial. Estasituação referência aesta, seterem tornadoveículos locação detrabalhos naruae, porvezes, sóa abriu caminhopara queofactodeaco- lidade comercial daexpressão UrbanArt mundo daStreet Art. A conotaçãoeviabi - mo deStreet Art frustaalgunsmembros do Novo caracterizou-se pelasobreposição da biente socialepolíticoditatorial doEstado municipais plásticos e arquitectos para discutir normas vidando conhecidosintelectuais, artistas do pelos Amigos deLisboaem1949, con- central numciclodeconferências organiza- amarelo-ocre cimentos empastadecalecoloridoscom de revestimentos acabadoscomguarne- existência, tambémnoRossio, deestratos LNEC apedidodaCML confirmaram a também do mundo estabelecido da Arte << Segundo Eduardo Nery anteriores aoséculo XVIII) jantes, escritores epintores (sobretudo os na suafrequente referência porantigosvia- cidade deLisboa–parece emgeral residir O branco –enquantocorglobalna(eda) 34 . 36 .

33 Urban Art . O temafoioassunto Urban Art 37 , maistarde, oam- 35 . Estudospelo como sinóni- que poten- 32 - .

comunicação foram, porexcelência, aplataforma para a recente dePortugal os muros dascidades líticos. Neste período particular da história ção de murais e colocação de cartazes po- particular emLisboa)noquetocaàprodu- época foiprolífica (portodoopaísmasem com arevolução democrática de1974. Esta sobre Apropriações gráficas informaisocorreram nida daLiberdade). altas eprincipaiseixos (porexemplo a Ave- dos tonscinzentosnosbairros dasclasses policromia existente comumpredomínio a “ordenanza deconvivenciapacífica ” que 2003 a autarquia de Barcelona fez aprovar nhou particular força em Lisboa quando em Alto. Coincidência ounãoestadinâmicaga- turna como a24de Julho, Santosou Bairro ocupando locaisdevivênciaboémianoc- cias diversificaram-se emescalaeforma, Cultura em94eaExpo98 Com oevento de concertos, touradas, circos epolíticos. também a colagem “selvagem” de cartazes suburbanas, auto-estradas, etc. Surgiram ficos comoaolongodaslinhasdecomboio como pressões gráficas maisoumenoscriativas, gir assinaturas dotipo“tag”aparcomex No iníciodadécadade90começaram asur que resistiram foram-se degradando. 1983. Já nofimdadécadade1980osmurais a entrada dePortugal naCEE (depois UE)em finaram-se ameiosmaisconvencionaisapós Estas actividadesabrandaram deritmoecon- . Inicialmenteemlocaisespecí- esse predominante “cinzentismo” 38 . Lisboa Capital Europeia da 39 estasocorrên- - - aborda a questão das apropriações gráficas em Julho de 2008 na Galeria ZDB) possibi- informais numa perspectiva de confronto e litou a partilha de opiniões dos principais erradicação40. actores deste território, incluindo morado- res, artistas plásticos, jornalistas, autores De 2004 (Campeonato Europeu de Fute- de Graffiti e Street Art, presidente da Jun- bol em Portugal) a 2008 (data de despacho ta de Freguesia da Encarnação presidente municipal que implicou remoção de graffiti, da Associação de Comerciantes do Bairro street art, cartazes e ou outras inscrições41) Alto, e técnicos municipais. Destes encon- foram os anos em que se tornava por de- tros surgiu a conclusão de que seria impor- mais evidente a intensidade e presença das tante dar espaço a algo mais do que me- camadas de vários anos de apropriações ramente um projecto de limpeza, teria de gráficas informais em Lisboa, particular- existir uma componente de mediação cul- mente no Bairro Alto. tural no projecto de reabilitação urbana.

2.2 Bairro Alto 2008 2.3 Arte Urbana Em Outubro de 2008, através do já referido A necessidade de incorporar desvios im- despacho, a CML decidiu reduzir o horário previsíveis que ocorrem ao longo do tem- nocturno dos cafés e bares do Bairro Alto, po conduziu a uma maior flexibilidade nos horário que tinha sido alargado em a titulo planos urbanísticos a qual culminou na mu- excepcional em 1994 a propósito de Lisboa dança de representação de planos–ima- ser Capital Europeia da Cultura e que des- gem para planos de gestão que em Por- de então não se tinham alterado. tugal ocorreu a partir de 195445. Este facto ocorreu a uma escala global e ajudou a fa- A redução de horário, medida danosa para zer cair em desuso o termo Arte Urbana os comerciantes, tem como “medida de que até então se tinha usado com um senti- compensação” a limpeza, melhor ilumina- do estritamente urbanístico. ção e qualificação geral do espaço públi- co42. Esta situação levou a acções de lim- No contexto português mais recente, em peza de Graffiti e Street Art no Bairro Alto 1998, António Mega Ferreira, comissário (Chiado e Bica) que, após alguns concursos executivo da EXPO’98, decide designar de públicos para remoção e limpeza durante Arte Urbana às intervenções de caracter ar- 2009, integra um conjunto de acções mais tístico no então novo território urbano. Este vastas, o plano de pormenor da Reabilita- facto originou o crescente uso do termo ção urbana do Bairro Alto e Bica43. Arte Urbana que tomou a designação como referente46 de algo novo, de forma distinta Um momento crucial44 para a criação do da escultura pública e de alguma maneira projecto que se veio a designar de Galeria mais próxima à Arte Pública47. de Arte Urbana - GAU foi o encontro de- nominado Qual o Futuro das Paredes do Em Outubro de 2008 no momento da cria- Bairro Alto?. Este encontro ( que ocorreu ção da Galeria de Arte Urbana na Calçada

– PEDRO SOARES NEVES 127 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA nas metrópolesmundiais” subcultura artística globalmentepresente cidas expressões dearte urbana, comouma a street art comoreconhecíveis ereconhe- seus co-responsáveis “confirmarograffiti e venções plásticas que visavam segundo os painéis queserviram desuporte ainter da Glória foram colocados um conjunto de << na brochura A estepropósito foipublicadaumapeque- tipos deaplicação daexpressão Arte Urba- A tipologiadeformação, ondeseincluem 2008 peloMunicípiodeLisboa: designar por Arte Urbananaadopção de fronteiras esbatidas dentro do que se pode tornam-se preponderantes 3tipologiasde Assim epelaanáliseaté agora desenvolvida como desenhourbanístico. mente relembrado ousoda Arte Urbana ocorre numcontexto ondeésimultanea- ou arte pública. Esteassumirderelações de práticas próximas daescultura pública missionados dofenómenodesassocia-se manter-se aligaçãoaosaspectosnãoco- Graffiti subcultural, poroutro ladotentando afastar arelação direta comaStreet Art ou do termo Arte Urbana é clara a intenção de bilitação urbanadoBairro Alto, naaplicação Ou seja, se por um lado, no contexto da rea- nezer Haward banismo culturalista deCamillo Sitte eEbe- ou William Morriseposteriormenteaour -urbanistas culturalistas como John Ruskin ca “artística” dedesenharacidade, depré- bana, nestetexto éfeitaareferência àpráti- justificação dautilizaçãodotermo Arte Ur 49 quecontemumaproposta de 50 . 48 . - - - tão distintascomoOrlando Ribeiro português poderá apoiar-se emreferências tetura semarquitetos nho pelouso, pelanecessidade, daarqui- clui-se aquitambémadimensãododese- das cidadescomodesenhoscom“arte”, in- dência Indo aoencontro dasdesignaçõesdaten- preponderante durante onossoquotidiano. é amenosdefinida, mastodaviaserá amais Esta proposta detipologia Arte Urbana cidade esignosvisuais 2.3.1 Arte Urbanacomodesenhoda contemporânea, Arte Pública eouUrbanArt. na como na comoGraffiti eStreet Art; 2.3.3 Arte- Urba da cidadeesignosvisuais;;2.3.2 Arte Urba- 2014) por:2.3.1 Arte Urbanacomodesenho divisão da Arte UrbanaemLisboa(2008– Seguindo estepadrão propõe-se umasub- ralismo contemporâneo, ouarte pública. Arte Urbanaquesepodemdesignardemu- não comissionados, surgem aquitiposde ção, ondeháaruptura dospressupostos A tipologiaformaléadainstitucionaliza- te negociaçãodedistanciaseafinidades. nadas, tiposde Arte Urbanaempermanen- a da quecompreende ograffiti A tipologiapré-formal , estávelbemdefini- são sinaisdousoenoterritório. território que em maior ou menor escala urbanistas culturalistas), esignosvisuaisno na comodesenhodacidade(dospré ou Portuguesa Lino Street Art nas suas vertentes não comissio- 53 ouoInquéritoà Arquitetura Popular urbanística culturalista, dodesenho StreetMurals Art, Murais de Arte 54 . 51 , quenocontexto subcultural e 52 , Raul Signos visuais nas suas vertentes, isoladas em grande medida, efémeras, destacando- ou conjugadas, de: ícones, índices (sinto- -se, sobretudo, pela sua visibilidade mo- mas) e símbolos55. mentânea; por este facto aumentando os aspectos relacionados a acção e não tanto O âmbito espacial da produção informal de com a forma. Todavia, existem também ele- signos visuais reflecte-se sobretudo na di- mentos que persistem ao tempo, padrões mensão de proximidade, aquela que é al- e locais de constante utilização, autores e cançável fisicamente pelo utilizador na sua mundos relacionais do Graffiti da Street Art vivência quotidiana. Nesta dimensão a arte a analisar. urbana para além de ser de autor anónimo, o próprio autor poderá estar na condição Esta tipologia é central na medida em que é de não estar consciente da sua produção. a partir dela que se justificam e estruturam as restantes. É pela prevalência de Graffiti e Arte Urbana como signo visual é abrangen- Street Art nas cidades em geral e em parti- te, e inclui: caminhos de pé posto; cartazes cular em Lisboa (quantidade anónima e de sem autorização; desgaste de escadas cau- qualidade questionável) que pressiona o sado pela passagem de utilizadores; profu- debate, análise e abordagem ao tema. são de assinaturas (tags) em superfícies vá- rias; etc. A identificação do seu valor nesta Existe bastante informação disponível em dimensão será possível sobretudo olhando termos internacionais, e também alguma para as características do suporte, descu- informação, em termos nacionais apesar rando a interpretação da mensagem, obser- de não totalmente sistematizada nomeada- vando sim quais as qualidades do suporte mente em publicações de caracter acadé- em função por exemplo: dos signos visuais mico. Iniciando por estas será de referir os identificados, qualidades de visibilidade, da trabalhos de Ricardo Campos56 e Lígia Fer- textura da superfície, acessibilidade, simbo- ro57 como os iniciadores da análise desta ti- lismo, entre outras. pologia de Arte Urbana em termos acadé- micos nacionais. 2.3.2 Arte Urbana como Graffiti e Street Art Nas publicações não académicas encon- Nesta categoria enquadram-se as designa- tram-se tentativas ainda no seio da subcul- ções de Graffiti subcultural e Street Art con- tura, quer de forma amadora quer de forma forme descrito supra, Graffiti da subcultura estruturada pela primeira vez com a revista já referida dos anos 60, já que a designa- Subworld. Para além de artigos vários que ção Graffiti no sentido atribuído pelos ar- durante os últimos anos de 1990 foram ani- queólogos de Pompeia enquadra-se no mando a comunidade de praticantes em ponto anterior (2.3.1). franco crescimento, nos primeiros anos de 2000 inicia-se um conjunto de publicações É evidente que as produções de Graffiti e dedicadas e maior seriedade com a Visual Street Art, com as suas formas e acções, são, Street Pefromance, de 2007, publicação que

– PEDRO SOARES NEVES 129 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA ter comercial nadas, jásurgem ediçõesrecentes decarác- pequenos apontamentosdenãocomissio- dencialmente obras comissionadascom não comissionadas. Damesmaforma, ten- na denominada“observatório” com obras comissionado incluiumarubricade1pági- generalidade, tratar informaçõesdetipo publicação regular daGAU, apesarde, na Também comcarácter misto, encontra-se a (por marcas, como, porexemplo aRedbull). como produções organizadas eapoiadas dam tanto a vertente não comissionada Publicações comcarácter mistoqueabor contou comprefácio de Martha Cooper << ou suportada porinstituições ouempre- claramente consentida, comissionada, e É importante aquiesclarecer adimensão Street Art vel valorizaçãodoGraffiti subcultural eda reconhecivelmente levaram aumadiscutí- inteligível da Arte Urbana, queporvias e contactacomadimensãoimediatamente forma generalizada, apopulaçãocontactou Foi eéafinal a partir destatipologia, quede Pública eouUrban Art Contemporânea,de ArteMurais Arte 2.3.3 tipologia deArte Urbana. tudo, caemdentro daproposta depróxima nómeno” Vhils, publicaçõesque, apesarde internacional sobretudo associadasao“fe- que começamporsurgir, tambémporvia ções temáticas eouatravés demonografias contrando veículosobretudo emexposi- Esse modelo de texto e publicação vai en- Arte UrbanacomoStreet Art , (categoria descritaem2.3.2). 59 . 58 - . lados ria é vaga, encontram-se alguns artigos iso- forma direta eexclusiva sobre estacatego- A produção académicanacionalexistente de da arte contemporânea. aquilo quesepropõe afirmar nocontexto obras eautores sãoemtudosemelhantes seus, etc. Apesar de distintanaorigemas com agentes, galerias, colecionadores, mu- da “arte instituída” dialogandodiretamente dade aocontexto deprodução econsumo sas, associada com maior ou menor intensi- dagem (comonocasodeMarta Traquino de pesquisaquerpelaabrangência daabor mos masnãocoincidentesquerpeloangulo Contemporânea, existem discursospróxi- a partir dasproblemáticas associadasà Arte gias sugeridas. No âmbito dasabordagens certa forma, esbate-se comasoutras tipolo- lação aoutras viasdecriação deartefactos. ços distintivosdoGraffiti e Street Art emre- demonstra a homogeneidade clássica e tra- servação, porem é simultaneamente a que perceptível aoníveldafacilidadedecon- É defactoestaacategoria mais tangívele tes domundoda Arte Urbana. blicas, privadosdinamizadores e participan- posições, mastambémporinstituiçõespú- comercial deautores, obras, festivaiseex mação gerada nocontexto dapromoção blicações impressas. A estenívelháinfor sar embasesdedados, online, ouempu- vasta quantidade de informação por anali- démica e, emgrande medida, constituiuma mente, editadonumaperspectivanãoaca- nível sobre estacategoria existe, principal- O material publicadoeinformaçãodispo- 60 , oucompilaçõespontuais 61 que, de 62 ). - - - Por esta razão, sem o referente do Graffiti De forma distinta à da interpretação da de- subcultural ou Street Art (categoria descri- signação internacional Urban Art a Arte Ur- ta em 2.3.2), dissolve-se em transformações bana de 2008 não se afirma inicialmente no que a vão gradualmente tornando outra contexto comercial, mas sim no contexto coisa (exemplo: Arte Pública, Arte Contem- institucional, especificamente do Município porânea). de Lisboa.

3 – Conclusão No assumir da expressão Arte Urbana em Afinal do que se trata quando se refere Arte 2008 é clara a intenção de englobar na in- Urbana? Em termos internacionais a desig- terpretação do termo significados prove- nação tem um significado disperso por vá- nientes do modelo de urbanismo cultura- rias áreas de actividade, como, por exemplo, lista, assim como é evidente englobar o em associação ao urbanismo, constituída Graffiti e a Street Art, deixando em aberto a tangivelmente sobretudo por planos dese- relação com os termos Urban Art que à épo- nhados e por um mundo de ideias e ideais ca carecia de desenvolvimento. relacionados com o modelo de urbanismo culturalista. Como síntese conclusiva, propõem-se 3 tipologias para a Arte Urbana de Lisboa Concretamente no contexto da interpreta- (2008–2014): ção da Urban Art associada ao Graffiti sub- cultural e à Street Art, a expressão surge • Formação; Arte Urbana como desenho da identificada pela actividade comercial, liga- cidade e signos visuais; da à venda de obras de Street Art junto de • Pré-formal; Arte Urbana como Graffiti e colecionadores, museus, galerias e agentes Street Art; instituídos no mundo da arte. Esta caracterís- • Formal; Arte Urbana como Street Art Mu- tica comercial da designação Urban Art, fru- rals, Murais de Arte contemporânea, e ou to de ruptura dentro do mundo da Street Art, Arte Pública. poderá ser analisada através do vasto con- junto de publicações apresentadas que es- truturam o pensamento em torno do Graffiti subcultural e a Street Art.

Ficou claro que a interpretação de Arte Urba- na no contexto nacional é distinta conforme os momentos como por exemplo a Arte Ur- bana de 1998 e a de 2008. Se no contexto da Expo98 a Arte Urbana estaria mais próxima de um sinónimo de Arte Pública ou Escultura Pública (ou até mesmo design urbano), já em 2008 a interpretação tem outros contornos.

– PEDRO SOARES NEVES 131 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 3 2 9 8 7 6 5 4 1 << Art World, Lund. — Notas Uppsala University. p.29-42 Mainstream, the and thepositioningof Punk –Subcultural Authentications 2010. p.33-47 policy, actionFebruary – April, urbantrends,of culture theory, an art inthestreets”, City:analysis than acanvasinwhitecube:for University. laroprocess. Diss.Lund: Lund som bildform, konstrorelse och spaymalade bilden:graffitimaleriet Palgrave. p.2-3 and New-York. Basingstoke: masculinity andidentityinLondon The Graffiti Subculture: youth, Mississippi.of p.15 York Kingdom: SubwayPainters New of Space. p.68 25 YearsSpace: .New York: Artist (1998) University. p.122 2008, Diss. Montreal: Concordia Spaces, and Visual Culture, 1970- Negotiating ArtWorlds, Urban Graffiti tothe Street Art movement: Hannerz, Erik, (2013)Performing Macdonald, Nancy(2001), Miller, Ivor(2002)Aerosol Austin, (2010). Joe ClaudiaGould& Valerie Smith Waclawek, Anna (2008)From Bengtsen, Peter (2014)The Street Austin, Joe (2010)“More tosee Jacobson, Staffan (1996)Den City. Jackson : UniversityPress 5000 Artists Return to ArtistReturn 5000 Artists p.10 Diss. Uppsala: 17 16 15 14 13 12 11 10 20 19 18 contém areferência ebreve livros deC. Omodeoque London: UrbanDesign Alliance. Placecheck: ausers’guide. Wiley &Sons and Planning. NewYork: John Participation MethodsinDesign City, Narrative andInterpretation inthe (2011) Sage Publications. Exchange andDeath. London: Madrid: UniversidadComplutense. punk, skate ycontrapublicidad, su escenarioysusraíces: graffiti, New York:New York University. New York City, 1970-1978. Diss. Graffiti onthesubwaysystemof of Graffiti: Study AnAesthetic University Press criminality, Boston:Northeastern, Style: UrbanGraffiti andpoliticsof Press. New York.Rome:Whole Train Cambridge: MIT Press. Up: SubwayGraffiti inNew York. Bergin &Garvey. Graffiti Subculture. West-Port: without permission:HipHop Por exemplo olivro sobre Cowan, Robert (2001) Sanoff, Henry, (2000)Community Brook, Richard, NICK Dunn Baudrillard, Jean (1993)Simbolic AbarcaJ. (2010) Stewart, Jack (1989)Subway Ferrel, (1996) Crimesof Jeff Andrea Nelli(2012)Graffitia Castleman, Craig (1982)Getting Rahn, Janice (2002)Painting London: Ashgate Urban Maps, Instrumentsof El postgraffiti,

21 Art. of Library Art GraffitiHistory of Writing and Street Crossboarding: anItalianPaper italiana: Omodeo,C. (2014) publicações deorigemouautoria descrição demais400 30 29 28 27 26 25 24 23 22 Hudson. Continents. London: Thames & World: Street Art from Five Abstract Art. New York: Museum of Thames andHudson. p.13 (1987) Streets, New York: Skira Rizzoli. & Rose, Aaron (2011)Art inthe London: Tate. Street Art: The Graffiti Revolution. Miegunyah Press. Melbourne 1983-93. Melbourne: australian graffiti:– bebinningsof & Stamer, Karl (2009). Kings Way Dokument. 3, Trans Europe Ex-press. Astra: Torkel (eds.)(2008). Overground Bagnolet: Kitchen93. Writers: thegraffiti diaspora. Publishing.. Graffitiof . New York: Praieger Thames andHudson. (1984) Ganz, Nicholas(2004)Graffiti Barr, Alfred (1936)Cubismand Chalfant, Henry&Prigoff, James Deitch, Jeffery; Gastamn, Roger Lewishom, Cedar (2008). Cubrilo, Duro; Harvey, Martin; Almqvist, Bjorn&Sjostrand, Caputo, Andrea (2009)AllCity Mailer,Faith Norman(1974)The Chalfant, HenryyMartha Cooper , Le Grand Jeu, Parigi: LO/A Spraycan Art. London: Subway Art.New York: Modern Art. 39 Exposição Internacional de ISCTE-IUL. p.209 31 Bengtsen, Peter (2014), p.67. Lisboa de 1998[1] , cujo tema 45 Lobo, Margarida Sousa (1995) 32 Collings Matthew (2008), foi “Os oceanos: um património Planos de Urbanização. A Época de Banksy’s ideas have the values of a para o futuro”, realizou-se em Duarte Pacheco, Porto: DGOTDU/ joke. NY: The Times, 28 de Janeiro Lisboa, Portugal de 22 de maio FAUP. p. 13 33 Assunto abordado por exemplo a 30 de setembro de 1998. Teve 46 José Manuel Ressano Garcia em artigo de Eduardo Rodrigues o propósito de comemorar os Lamas (2000) Morfologia Urbana e de Carvalho sobre “O colorido 500 anos dos Descobrimentos desenho da cidade. 2ª ed., p. 152. dos prédios de Lisboa”, publicado Portugueses. 47 Regatão, José Pedro (2007) Arte na Revista Municipal, n. º 3, 1949, 40 Para mais informações sobre Pública e os Novos Desafios das pp.11. esta medida consultar: http:// Intervenções no Espaço Urbano. 34 Com a participação de Pereira www.bcn.cat/publicacions/b_ Lisboa:.Bond. Coelho, Abel Manta, Carlos informacio/bi_93/convivencia_ 48 Carvalho, Jorge Ramos; Câmara, Botelho, Martins Barata, Diogo castella.pdf (visitado em Silvia (2014) Lisboa, Capital da Arte de Macedo, Norberto de Araújo, 12/10/2015) Urbana, revista On the W@terfront, Armando de Lucena, Cristino da 41 Despacho sobre sobre regime nº30, Barcelona Silva, Paulino Montez, Gustavo de horários para o Bairro Alto do 49 Esta brochura acompanha uma de Matos Sequeira, e ainda o então Presidente da Câmara de caixa com postais que reproduzem “anónimo” João Triste ; Sequeira, Lisboa, António Costa, a 14 de paineis executados na calçada M. (1949) A cor de Lisboa. Outubro de 2008. da glória, actividade promovida Depoimentos de Amigos de 42 Ver noticia (consultado a pela CML com o apoio da marca Lisboa. Lisboa: Olisipo 45. 12/10/2015) http://www.publico. de vestuário Friday’s project em 35 Aguiar, J. e Veiga, R. (editores), pt/local/noticia/plano-para- Outubro de 2008. Revestimentos de paredes em limpar-bairro-alto-preve-processo- 50 Choay, Françoise (2003) O edifícios antigos, Cadernos sumario-para-graffiters-1345890 Urbanismo: Utopia e realidades de Edifícios nº2, Outubro, Lisboa, 43 Aprovada a elaboração do uma antologia; São Paulo: Editora LNEC, 2002. plano, termos de referência, Perspectiva. p.115, p.203 36 Aguiar, José, 2003, Planear e dispensa de avaliação ambiental 51 Rudofsky B (1964) Architecture Projectar a Conservação da Cor e abertura do período de without architects: A shoort na Cidade Histórica: experiências participação pública preventiva, introduction to non-pedrigreed havidas e problemas que na reunião de Câmara de 21 de architecture. London: Academy subsistem, LNEC, Comunicação ao Julho de 2010, de acordo com a Editions. III ENCORE, Lisboa proposta nº 408/2010.Participação 52 Ribeiro, Orlando (1945) Portugal, 37 Nery, E. (1987) A cor de Lisboa. Preventiva de 26 de agosto de o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa: Povos e Culuras 2. p.571- 2010 a 7 de outubro de 2010. Coimbra: Coimbra Editora. 593 44 Ferro, Lígia (2011) Da rua para 53 Lino, Raul, (1918) A Nossa Casa – 38 Mascarenhas, João Mário, o mundo: configurações do Apontamentos sobre o bom gosto (1998) Murais de Abril (1974), graffiti e do parkour e campos na construção de casas simples, Biblioteca-Museu República e de possibilidades urbanas Diss. Lisboa: Atlântica. Resistência, Lisboa Departamento de Sociologia do 54 AA.VV (1961) Inquérito

– PEDRO SOARES NEVES 133 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 55 Arquitectos, Lisboa. Portugal. Sindicato Nacionaldos à ArquitecturaPopular em 62 61 60 59 58 57 56 << Húmus. Contemporânea. Ribeirão: Edições Construção doLugar pela Arte Lisboa, CIEBA, FCT. Belas-Artes daUniversidadede Conference. Lisboa:Faculdade de & UrbanCreatvity, International (Coord.)Street (2014)LisbonArt 1 Lisbon -Vol. Lisboa (GAU) (2014)Street Art Aberta. Visual, Lisboa, Universidade de Antropologia especialidade em Antropologia,Doutoramento graffiti urbano, Dissertação de abordagem antropológica ao Pintando acidade. Uma p.158 Coimbra:à semântica. Almedina. FCT, ed. CD-ROM. da UniversidadedeLisboa, CIEBA, Lisboa: Faculdade deBelas-Artes uma Expressão deRisco, coord.. Graffiti, Passado e Presente de Pefromance. Lisboa. Traquino, Marta (2010)A Quaresma, Neves, Pedro Soares; Simões, D. Galeriade Arte Urbanade AA.VV.(2007) Ferro, Lígia Campos, Ricardo (2007) Schaff, Adam (1968)Introdução Do José (2013)Do (2011) ”, Zest, Lisboa. Visual Street Escultura e a Re-Simbolização do Espaço Público no Pós-25 de Abril: A Evocação de “Os Perseguidos” em Almada

por Sérgio Vicente

Assistente e doutorando na FBAUL. Mestre em Design Urbano pela Universidade de Barcelona. Artista plástico e investigador em escultura, cidadania e espaço público.

Sculpture in the process of re-symbolization of the civic centre of the City of Almada, in the first years after the 1974 Carnation Revolution, corresponded to Na sequência da destituição dos órgãos au- a strategy of re-elaboration of collective memory. With tárquicos do Estado Novo em 1974, consi- the renaming of streets and squares and the imposing dera-se o ano e data da Revolução como of new forms and symbols on public space, there um marco para a escultura em Almada, por- was an accelerated renewal of urban and historical que a partir desse momento preciso foi indi- identity. After 1974, this meant a conflict between the gitada a Comissão Democrática Administra- experience of the public space and the new narratives tiva Municipal1 que se manteve em funções that sculpture pieces implemented upon it. até às eleições autárquicas de dezembro de Departing from the history of the monument “The 1976 e o Poder Local iniciou a encomenda Persecuted” (1979), we will analyse the most de escultura pública e, ao mesmo tempo, se significant socio-territorial factors in the municipality deu início ao processo de substituição dos of Almada that contributed to the monument’s símbolos do Estado Novo no concelho2. Os affirmation as an identitary landmark in the city. novos símbolos da jovem democracia nas- ceram então num claro exercício de supres- são da identidade fascista do espaço públi- co da cidade. Procurou-se criar uma nova ‘monumentalidade’ e novos espaços de memória no ‘centro cívico’ almadense.

Entre 74 e 76, a Comissão Administrativa do concelho de Almada, em consonância com o ambiente revolucionário, delineou em confronto com a realidade urbanística do

– SÉRGIO VICENTE 135 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA e saneamento emáreas problemáticas do moveram-se políticasdeinfraestruturação do antigoregime e, poroutro lado, pro- contenção daspolíticasurbanas herdadas na doconcelho, aprovaram-se medidasde lo do processo de urbanização clandesti- -se assimumprimeiro passopara ocontro- trabalho conjuntocomaspopulações. Deu- bridade equalidadedevidamedianteum impulsionador degrandes avançosnasalu- com pendorparticipativo: ummovimento formas alternativas degestãoadministrativa tadas medidasmaisfocadasnaprocura de lização popular’, demodoaserem implan- fosse consolidado em sintonia com a ‘mobi - contribuíram para queo‘poderautárquico’ e a operacionalidade técnica do Município A descentralização do aparelho de Estado de iniciativa doperíodorevolucionário. Em Almada sentiu-sebemtodaacapacida - centro cívicode Almada em1974e1979. primeiras esculturas fossemcolocadasno res daRevolução. Enãofoiporacasoqueas tência antifascista e ou evocativos dos valo- por novosnomesidentificadoscoma resis- rias conotadascomotempodaditadura através dasubstituiçãodonomedasarté- de memóriaanteriora25 Abril de1974, processo deapagamentodoselementos na da cidade até hoje. Desenvolveu-se um uma direção naevoluçãodaimagemurba - interventivo sobre oterritório, queimpôs Estado Novo. Umaatuação de forte pendor da memóriadoespaçourbanoherdado do xos diretos sobre oselementosderetenção bólica doespaçoatravés daarte, comrefle - processo políticoassociado degestãosim- alteração daformadegestãoterritorial, um concelho, além de medidas que visaram a << popular concelho. As novasformasde organização Artistas Plásticos de 1974, peloMovimento Democrático dos arte fascista faz mal à vista”, no dia 28 maio lhar daestátua deSalazar noPalácio Foz, “A lução’. Falamos doato públicodoamorta- cio efimdeumperíodo ‘arte coma revo- de Abril, poderão serencarados comooiní- res sobre esculturas públicasdepoisdo25 de gruposartistas plásticosoupopula- ricamente, osresultados dasações coletivas social portuguesa a partir de 1974. Metafo- com asprofundas alterações darealidade e a ação de muitos artistas comprometidos O período revolucionário moldou a visão sentido interventivojuntodaspopulações. componente deanimaçãocultural ganhava em muitoscasos, multifuncionaisnasquaisa equipas quetrabalharam noterreno eram, transformação direta doespaçourbano. As mação àrealidade social, queseatuou na nos modosderelacionamento, deaproxi- Foi nestemomentodeprofundas alterações mas deorganização comunitárias. o planeamento urbanolocalemnovasfor o esclarecimento políticoeodebate sobre a suadinâmicapopular, levaràcomunidade vinha doantigoregime. Epermitiram, com forma deorganização do poder localque para arutura comocorporativismo baseda missões deMoradores foram fundamentais Oliveira (1996:353)sustentaqueasCo- Comissões deMoradores, porexemplo. Trabalhadores, Assembleias Populares ou forma comaconstituiçãodeComissões de governação participativa local, ganharam ra para oestabelecimentodemodelos lução, emfevereiro de78atentativa dere- 3 , quecontribuíram sobremanei- 4 . Enoladooposto darevo- - colocação da cabeça na estátua de Leopol- do de Almeida alusiva a Salazar, em Santa Comba Dão, por um grupo de cidadãos, um ano depois de Portugal ter pedido oficial- mente a adesão à CEE (5 de abril de 1977)5.

Neste período pós-25 de Abril a admi- nistração técnica e política municipal não deixou de encarar a necessidade de intro- duzir elementos de arte urbana re-simboli- zando o território. Foi até à década de 80, Bairro Clandestino na Quinta da Alegria. Cacilhas, década de 70. que em áreas urbanas reconvertidas, veri- Fotografia: Júlio Diniz | Cedência: Museu da Cidade/ Câmara Municipal de Almada ficam-se as homenagens civis (por subscri- ção pública) a personalidades almadenses como o médico José Pessoa, com um pro- jeto de Lagoa Henriques e Manuel Carga- leiro. Ficaram também o Monumento ao Bombeiro, de Anjos Teixeira, bem como a evocação de Fernão Mendes Pinto, assina- lando em 1983 o quarto centenário da sua morte, e para a qual se retomou uma en- comenda a António Duarte para na praça S. João Batista, feita em 1973. E ensaia-se, igualmente, um controverso concurso pú- blico para o Monumento ao Pescador na Costa da Caparica.

Em Almada há uma diferença clara na for- ma como a jovem democracia gerou o seu espaço simbólico em relação ao Estado Novo. O regime salazarista convocou os seus símbolos de forma impositiva, pressu- pondo uma conceção ideológica sobre a organização do espaço público e a forma como se organizam e leem os seus símbo- los na malha da cidade. O Poder Local, sob a égide da Comissão Administrativa, teve na génese da sua intervenção urbana o uso dos símbolos do novo regime, ou seja, convocou os valores do ‘Povo’ na constru-

– SÉRGIO VICENTE 137 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA dos peloempreendedorismo fundador de nismo modernoemPortugal, desencadea- no quadro dasbasesdoutrináriasdourba- mos operatórios e diretrizes políticas que, cias formais e conceptuais, havia mecanis- espaço construídoessasmesmasdiligên- “(...) enquantoseprocurava passarpara o Cavaco (2009:171)acrescenta que o alicerce dourbanismomoderno. Cristina que avisãodeHoward dourbanismoseria facto de De Gröer ([1946] 2004) considerar Ebenezer Howard. Ao quenãoéalheioo imbuído domodeloda‘cidade jardim’ de da presença deEtienneDeGröer, esteve da de40eprincípios50, sobainfluência to, queopensamentourbanísticodadéca- Souza Lôbo (1995)defende, aestepropósi- pesada herança para ajovemdemocracia. ao níveldaidentidadeurbanacomoamais namentais doEstadoNovo, constituiu-se que encontrara econosgabinetesgover O Centro Cívicode Almada ganizou aonívelsimbólico. seus ecosnaformacomooespaçosereor já queaidentidadecoletivaencontrou os do espaçovãopermitiraonovoregime, potencialidades de efabulação simbólica seguinte deexpressão depoder, queas realidade adimensãopolítica, eporcon- Por outro lado, estápresente nestanova Estado Novo. tivos elogono‘centro cívico’dacidadedo ção dos seus primeiros marcos representa- << nizado porEtienneDeGröer para Almada cais. Defacto, oparadigma decidadepreco- da Revolução porparte dosgovernanteslo- mais forte ação ideológica depois da data 6 foisujeitoà 7 - - , briel Pedro, associando-lhe esquematica- antigo Largo Cavaleiro Ferreira, agora Ga- senta opoder. Eéaliqueencontramos o de praça que, de forma marcante, repre- esquematicamente, ‘rasgou-se’ umagran- carácter simbólicopara oregime. Assim, principais equipamentospúblicosdeforte vico’ foiolocalondeforam implantadosos Na suaorganização funcional, o‘centro cí- trinária dequalidadevidaemfamília. periferia, olocalajustadoaumavisãodou- vam naapetecívelrelação bucólicacoma treita relação laboral comLisboa, encontra- esses grupos, mantendoembora umaes- que ladeiamasprincipaisavenidas, jáque tações comrendas decustoscontrolados nha-se, porexemplo, aocupaçãodehabi- se fixariaemtornodaárea central, propu- Cova daPiedade. Para aclassemédiaque zona doPombal, inaugurado em1952, na Bairro deNossaSenhora daConceição na económicas. Como oforam maistarde o tro cívicoembairros operários oucasas empurradas para zonasperiféricasdocen- trial comoera entãoode Almada, viam-se num concelho de imanente vocação indus- e ashabitaçõesmaispróximas daindústria, pobres, queprocuravam asrendas baixas As classestrabalhadoras eporventura mais segundo critériosdeestratificação social. Gröer previu oassentodasclassessociais cidade. Istoé, avisãoplanificadora deDe ção funcionalemorfológicadavivência Centro Cívicofoisinónimodahierarquiza- Em Almada, oprocesso deurbanizaçãodo com oditomodelodeespaço”. do regime, semostravam emconformidade Pacheco ecoadjuvadaspeloautoritarismo mente a presença do jardim público, tribu- nal, bombeiros, igreja e mercado.

Em 74 a Comissão Administrativa, pressio- nada para agir no imediato, atribuiu logo em Maio à Comissão de Problemas Locais do Movimento Democrático do Concelho de Almada8 a responsabilidade de sugerir as alterações toponímicas que entendesse necessárias e elaborar e propor a lista de nomes que deveriam ser dados às ruas, lar- Plano Parcial de Urbanização de Almada: Relativo à gos e praças nesta área urbana de Almada. Localização do Centro Cívico e Zona Imediata. Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Almada

Em 4 de julho, o edital da comissão propo- ria que a Rua Oliveira Salazar e a Av. Fre- derico Ulrich passassem a denominar-se, respetivamente, Rua da Liberdade e Av. 25 de Abril. Do mesmo modo, o Largo Cava- leiro Ferreira passaria a nomear-se Largo Gabriel Pedro. Por seu turno, em Cacilhas, o Largo Costa Pinto passaria a chamar-se Largo Alfredo Dinis (Alex). Em Agosto, e já com a nomeação de uma Comissão Muni- cipal de Toponímia9 propor-se-ia para a fre- guesia de Almada a alteração dos nomes da Praceta Henrique Tenreiro para Dr. Ar- lindo Vicente e o Jardim Sá Linhares para Jardim Doutor Alberto Araújo10; a Praça da Renovação passaria a Praça do Movimento das Forças Armadas11, cujo nome foi alte- rado em homenagem ao MFA, numa inicia- tiva pública realizada no dia 25 de agosto de 197412.

Com este processo administrativo as princi- pais artérias e praças que delimitam o cen- tro cívico foram sujeitas a um ato de am- nésia forçada num importante campo de afirmação simbólica no fascismo. É eviden- te que esta ação pressupôs que o Estado

– SÉRGIO VICENTE 139 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Em Cacilhas, desde4dejulho1974, oLargo Costa Pinto Cedência: MuseudaCidade/Câmara Municipalde Almada passaria achamar-se Largo Alfredo Dinis(Alex). público deve serfeitapelaparticipação de a dimensãodemocrática daarte noespaço cos construídospelaadministração pública, Mais doqueaafirmação de valores simbóli- seus símbolosderepresentação pública. voca a população para a construção dos que ademocracia hoje, nasuagénese, con- outro lado, omesmoautortambémlembra tecível para umpoderdominante. Mas, por e é, portanto, uma ferramenta política ape- tante naorganização simbólicadacidade arte públicatevesempre umpapelimpor bana. Brandão (2008: 17) salientaquea de umanovaefundacionalidentidadeur xo, umavisão administrativa naconstrução uma açãoimpositiva, vistadecimapara bai- ção legaldainiciativa; oufoi, poroutro lado, ministração um simples agente de viabiliza - com raízes navontadepopular, sendoaad- uma expressão maisradical dacidadania tendido segundo duas realidades: ou foi tração localpós-25de Abril, deverá seren- O significadodaescultura para aadminis- atualizar dentro dosnovosvalores. atenta erapidamente procurou converter e lidade àqualajovemdemocracia esteve mes defiguras ligadasao regime local, rea- guras dedestaquedoregime eapraças no- de formaseletivaonomeavenidasafi- e enaltecerosseusintérpretes. Atribuíram desenvolvimento doplaneamento urbano sistema doutrinárioinscritonomodelode Almada’, e deste modo, exacerbar e selar o logizada para asprincipaisartérias da‘nova propor umanomenclatura fortemente ideo- banização docentro cívico preconizava, ao o modelomorfológicoqueplanodeur trativa localinterpretassem deformaeficaz Novo eosseusórgãos de gestãoadminis- - - - todos na sua construção. Argan (1993:255) interveio quando se chegou ao processo de já salientara a impossibilidade de se discutir instalação da obra no antigo Jardim Sá Li- a possibilidade da escultura sem a confron- nhares17, que fora renomeado em Agosto tar com o ambiente urbano que a abarca: de 1974 como Jardim Doutor Alberto Araú- jo, e que viria a receber o busto18 deste, “(...) a cidade está para a sociedade assim concebido por Vasco da Conceição em De- como o objeto está para o individuo. A so- zembro do mesmo ano19. ciedade se reconhece na cidade como o individuo no objeto; a cidade, portanto, é O busto seria realizado pelo escultor que um objeto de uso coletivo. Não só isso, a já participara na conceção do ‘incomple- cidade também é identificável com a arte to’ monumento ao Estatuto Nacional do porquanto resulta objetivamente da con- Trabalho para a Costa da Caparica, no 10º vergência de todas as técnicas artísticas na aniversário da colónia de férias ‘Um Lu- formação de um ambiente tanto mais vital gar ao Sol’, da FNAT, em 1948. Vasco da quanto mais rico em valores estéticos”. Conceição deixou bem vincado, nos anos 40, e aproveitando a temática e o contex- Provavelmente, o modelo de implantação de to da execução da obra na colónia de fé- escultura na cidade apostou numa decisão rias, o seu comprometimento estético e compartilhada entre a administração local e a principalmente político com o neorrealis- população nos anos subsequentes à Revolu- mo, confrontando as estruturas da FNAT ção. Não é obra do acaso o facto de a maior e da organização corporativa do trabalho. parte dos monumentos da primeira década No entanto, aquela que foi a sua primeira de democracia terem sido inaugurados pela obra em Almada em democracia não tem o administração local sob a bandeira da subs- mesmo fulgor da anterior: pareceria que o crição pública, à qual esteve normalmente resultado estava amarrado ao comprome- associada uma comissão promotora consti- timento político que a homenagem impu- tuída por ilustres personalidades locais. nha no momento da Revolução.

O primeiro exemplo é a homenagem pres- As celebrações ocorreram no dia 14 de de- tada ao cidadão almadense Alberto de zembro de 74, e consistiram numa marato- Araújo, passados poucos meses após o 25 na de descerramento de placas evocativas de Abril. Neste caso, a Comissão Democrá- de Alberto de Araújo. Uma no Pragal (Bairro tica Administrativa da Câmara Municipal do Matadouro) e outras na Costa da Capa- de Almada associou-se a uma comissão de rica, na Charneca da Caparica, na Cova da democratas do concelho13 encarregada de Piedade, na Sobreda da Caparica e no Mon- promover uma subscrição pública14. Era en- te de Caparica. E seria mais tarde, pelas 16 cabeçada por José Alaiz15 e tinha por obje- horas do mesmo dia, no jardim com o mes- tivo evocar a vida e resistência ao fascismo mo nome em Almada, que se inaugurou o de um destacado almadense, membro do seu busto na presença de elementos do Co- Partido Comunista Português16. O Município mité Central do PCP, das Juntas de Fregue-

– SÉRGIO VICENTE 141 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Lugar aoSol’. Com oMonumentocomemorativo do Estatuto Postal ilustrado dadécadade60, daColónia de Férias ‘um ocorreram nodia14deDezembro de74, nojardim como do Trabalho Nacionaledo10º Aniversário’ dacolónia As celebrações dehomenagema Alberto de Araújo Cedência: MuseudaCidade/Câmara Municipalde Almada Cedência: MuseudaCidade/Câmara Municipalde Almada FNAT, obra de Vasco daConceição de1948. mesmo nomeem Almada. subscrição pública. comissão cívica e de uma inconsequente de iniciativa autárquica na forma de uma sia e foi legitimado politicamente a partir O monumentonasceusobcontrovér em vésperas daRevolução. reia comprojeto de1974, contratualizado Monumento ao Trabalho de Joaquim Cor vítimas daperseguiçãofascista’ enãoo homenagear ‘todososhomensemulheres guidos, de Anjos Teixeira, comointuito de foi inaugurado oMonumentoaosPerse- (Praça daRenovação até agosto de1974) Praça doMovimentodasForças Armadas programada peloEstadoNovo, nacentral anos, em1979, bemnocentro dacidade autárquica. Foi assimquepassados cinco executivo diluiropesopolíticodainiciativa sões funcionaram, principalmente, para o por baseainiciativa popular. Estascomis- ras que, diga-se, nãoaparentam tertido sempre amarradas acomissõespromoto- cadas porforte pendorpolítico, estiveram lidade decidiuencomendardepoisemar em iniciativas futuras. As obras queaedi- pular legitimadora, quenãoteveparalelo ciativa foisuportada porumavontadepo- ca. Estefacto vem demonstrar que esta ini- excedente monetáriodasubscriçãopúbli- comissão queapontaaexistência deum zadora daHomenagemorelatório finalda da autarquia recebeu da Comissão Organi- Alberto Araújo,Comissão Administrativaa Com aconclusãodoprocesso dobustode cemitério local. va da CMA, seguindo-se a homenagem no sia, daComissão Democrática Administrati- - - - O monumento Os Perseguidos e uma ter sido feita sem qualquer traço de enco- nova organização simbólica da cidade menda e apenas em reação à situação polí- Tinham passado três anos sobre a Revolu- tica que se vivia no momento, um protesto ção, e no primeiro ano de mandato de José à ‘farsa’ eleitoral de Marcelo Caetano, coin- Martins Vieira na Presidência da Câmara cidindo com um ano em que a repressão de Almada, após as primeiras eleições li- mais se fez sentir no concelho22. vres para o Poder Local em 1976, o Jornal de Almada, na sua edição de Novembro de Assim, decidiu a autarquia adquirir a obra 197720, noticiava que o Município manifes- de Anjos Teixeira que seria inaugurada em tara publicamente a vontade de erigir uma 1979, dez anos passados sobre a sua conce- nova estátua para Almada. ção. O local escolhido para implantar a es- cultura foi o Largo do Movimento das For- Foi o vereador da Cultura, o jovem Francis- ças Armadas no coração do centro cívico de co Simões21, que acabara de concluir o cur- Almada, embora se salientasse na proposta so de Escultura na Academia de Música e levada a reunião de Câmara23, que a esco- Belas Artes da Madeira e que naturalmen- lha deste local não se sustentava numa de- te se terá cruzado com o professor escultor cisão, mas era uma mera sugestão, estando Pedro Anjos Teixeira naquela instituição, o local definitivo dependente de uma aus- confrontou-se com a existência de uma sua cultação popular que nunca ocorreu. escultura denominada ‘Os Perseguidos’, de 1969. Esta terá sido concebida por Anjos À data da inauguração ainda não se con- Teixeira como ‘obra protesto’ em solida- seguira reunir a verba total para cobrir os riedade para com os homens e mulheres custos para a realização do monumento, do povo e com os intelectuais antifascistas angariada através de uma subscrição pú- perseguidos pela ditadura. Respondendo blica24, assumindo assim a contribuição vo- na perfeição ao sentimento da viva home- luntária dos cidadãos como forma coletiva nagem dos almadenses a todos os antifas- de homenagem aos seus conterrâneos an- cistas locais. tifascistas. Este assunto trouxe alguma con- trovérsia em sessão de Câmara, já que, no A história desta escultura funde-se com a momento de discussão da aprovação do história do próprio escultor. Pedro Anjos valor de encomenda da fundição, o verea- Teixeira foi um opositor assumido do regi- dor Jorge Martins fez uma declaração de me fascista. Este já sentira na pele os efei- voto, destacando na ocasião a necessida- tos da perseguição e saneamento político. de de o dinheiro investido poder ser apli- E o vereador aconselhou a sua aquisição cado em outras rubricas mais prementes, num contexto local de reafirmação dos va- além de salientar que estava em curso uma lores da revolução e exacerbação da cultura subscrição pública e era necessário esperar como uma conquista do novo poder local pelos resultados da angariação para perce- eleito. Além disso, um fator de valorização ber que tipo de investimento o Município simbólica da obra estava no facto de esta teria de fazer. No entanto, a Câmara confir-

– SÉRGIO VICENTE 143 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA o Jornal de Almada Jornal o na Câmara, jáquenaediçãodo mesmodia, investida políticaconcertada pelaoposição documentos, adivinha-sequeestafoiuma de darepresentação socialepolítica. Pelos ção era evidentenoprotocolo aparcialida- outro lado, vincavamquepara ainaugura- inauguração dorespetivo monumento. Por tal comotodaadocumentaçãoinerente à tura para aauscultaçãopúblicaprometida, mento sobsegredo, contrariando aaber de implantaçãoesteveaté aoúltimomo- volvido. Salientaram queaescolhadolocal cesso de aquisição e implantação foi desen- satisfação pelosigilocomquetodoopro- Jacinto e José Ribeiro mostraram asuain- tur Cortez, Hortênsia deSousa, Domingos Perseguidos Inácio Leite —, a fundição da escultura dos fundição debronzes artísticos –Bernardino mara adecisãoaoadjudicaràempresa de << Cultura mento aosPerseguidos moção denominadaInauguração do Monu- Câmara a 6 de julho do mesmo ano, uma numento nãoacabaram aqui. Emsessãode As controvérsias políticasemtornodomo- no anode1979. ração coincidircomoaniversáriodacidade Além disso, haviaointuitodeasuainaugu- ta na AFCP lembram todoscom saudadee, “(...) osrepresentantes doPartido Socialis - Piedade, jáopropusera. Ouseja, socialista da Junta deFreguesia deCova da rários, uma moção apresentada pelo grupo mento aosantifascistaspelosórgãos cama- à aprovação daideiadeerigirummonu- no qual se lembrava que em data anterior 26 éumbemprimárioapromover. 25 , justificandoqueovalorda 28 publicavaumtexto 27 , osvereadores Ar - - nínsula Ibérica dos pelofascismoerigido, aotempo, naPe- como oúnicomonumentoaospersegui- inaugurada na principal artéria da cidade Democracia monumento comoumcasoúniconanova da, e o Boletim Municipal faz referência ao integrado nasfestasdacidadede Alma- junho de1979, pelas10horas damanhã, O monumentofoiinaugurado nodia24de em bronze daobra. num ato deantecipação política, umacópia escultura de Anjos Teixeira, encomendou, presidência, tendotidoconhecimentoda ram pelaliberdade. Subentende-sequea mento dehomenagemàquelesqueluta- da autarquia fezsuaaideiadeummonu- Municipal, eafirmava-sequeapresidência A proposta fora aprovada em Assembleia bleia deFreguesia daCova daPiedade”. ata n.º5dodiáriodassessõesda Assem- unanimidade dospresentes, etranscrita na pública. (...)Estaproposta foiaprovada por este monumentosejafeitoporsubscrição tombaram pelacausadaliberdade. 2º- Que monumento emrecordação daquelesque gido nafreguesia daCova daPiedade um em suamemóriapropõem: 1º-Quesejaeri- democráticas, representado porumoperá- mento será feitoporumcoletivodeforças dias antesdainauguração: “Odescerra- de Resistentes Antifascista Portugueses, por representantes da Câmara edaUnião rência deimprensa nosPaços doConcelho partir deinformaçõesrecolhidas emconfe- ria oficialmentepresentes nacerimónia, a Já setinhaconhecimentodequemesta- 29 evalorizar-se-ia aobra aser 3 0 . rio corticeiro, um intelectual, uma mulher, um representante dos mais sacrificados na luta pela liberdade e por um jovem”31 re- latava-se na sessão. Foram também desta- cados os nomes de antifascistas carismáti- cos, como Cândido Pires Capilé, morto a tiro numa artéria da cidade, Alberto Araú- jo, que sucumbiu aos maus tratos na prisão e já fora homenageado em Almada, Álva- ro Ferreira e Augusto Valdez que passaram longos anos no Tarrafal. Ato inaugural do monumento Aos Perseguidos, no dia 24 de junho de 1979, na Praça do Movimento das Forças Armadas, integrado nas festas da cidade de Almada. 32 Martins Vieira referiria no ato inaugural Fonte: Flores (1985: 255) que, passados dez anos sobre os aconteci- mentos de 69, o monumento impunha-se na cidade como “(...) uma página de resis- tência”33. Não deixando de fazer uma refe- rência à motivação política que levou Anjos Teixeira a realizar a obra e o facto de centrar o discurso sobre o autor, deu espaço para que as interpretações e leituras da obra por parte do público estivessem ancoradas num sentimento solidário com as causas do artista e não com o confronto com o realis- mo pouco sedutor de uma manifesta home- nagem aos antifascistas almadenses. A este prepósito Pereira (2005: 578) constata que obra no percurso de Pedro Anjos Teixeira evidencia-se por “(...) uma excessiva mode- lação das massas musculares, a par do seu pendor classicizante”. Que só encontra pa- ralelo numa outra sua obra de 1935: ‘Ho- mem a lutar com o polvo’.

Sobre o autor da obra, os vespertinos refe- riam que Anjos Teixeira34, professor da Es- cola Superior de Belas Artes na Madeira, ti- nha inúmeros trabalhos em praças públicas no país e na União Soviética. E valorizavam o facto de “se tratar de um trabalho sem o ca-

– SÉRGIO VICENTE 145 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA cupações dopovoportuguês” de quemviviaesentiadiretamente aspreo- rácter deencomenda, massimcomaforça << de Abril, sobopesodamemória daresis- damente as comemorações anuais do 25 assumidos porincentivocamarário, nomea- de determinadoscomportamentos sociais facilmente reconhecemos quearitualização ça históricaqueéfundamentalrecordar. E no qualaautarquia reconhece umaheran- numento maisrepresentativo doconcelho, de Pedro Anjos Teixeira continuaaseromo- Ou comorefere Ribeiro (2005:44), aobra urbana deinequívocovaloridentitário. veio assumindodestemodoumaposição momentos decrisepolítica. Omonumento uma franja dapopulaçãosemanifestaem 1974, talcomocontinuaaserolocalonde morações anuaisdadata darevolução de ganham maiorcarga emocionalnascome- espaço noqualasmanifestaçõescoletivas mada (Vicente, 2006:12). A Praça éhojeo cráticos quearevolução despoletouem Al- se vêemrepresentados nosvalores demo- referência identitáriaportodosaquelesque Constata-se queomonumentoéaindahoje pria vidapelaliberdade dosoutros’. veu, ‘Aos quederam aliberdade eaté apró- embasamento daescultura queseinscre- falistas de honra deumgrupoantifascistastarra- O monumentofoiinaugurado comaguarda balho edosseusrepresentantes seu universodereferências omundodotra- APU, ouseja, losangoseargolas tivos inspirados nossímbolosdasex FEPUe renovação, calcetadaàportuguesa commo- 37 nocentro daPraça, quefoisujeitaa 35 36 38 , sendoo . . Efoino do MFA em2007 do monumentopara umalateral daPraça Nuno Álvares Pereira, obrigandoaodesvio nas avenidas Dom Afonso Henriques e Dom e Seixal, provocaram profundas alterações das a partir de 2003 no concelho de Almada cia, asobras dometro desuperfície realiza- comum deumahistórialutaseresistên- ainda enalteceeglorificaumsentimento para algumas franjas da população a obra de pós-25 de Abril. Num momento em que tempo comoumpilarurbanodaidentida- O monumentoimpôs-sedurante muito ção daidentidadeurbanadepoisde74. tarquia foioagentequeforçou areconstru- reconhecemos. Enocasode Almada, aau- um ambiente, seja o lugar ou a cidade que no sentimentoenarelação depertença a cial urbana(Brandão, 2008:15)constrói-se e oespaço. Nestesentido, aidentidadeso- ação demediação, interação entre osujeito da queaidentidadeconstitui-secomouma urbano. Pol & Valera (1999:6)apontamain- soas emfunçãodosusossociaisdoespaço ciais estabelecidasenaatividade daspes- quotidiana, ouseja, apartir dasrelações so- volvimento assentenaconsumaçãodavida de urbana. Um processo social de desen- de oapropriar queseconstrói aidentida- é noespaçopúblico, enasdiversasformas seguidos’, confirmaaideiasegundoqual tência antifascistadomonumento‘OsPer e urbanode outros tempos. ço públicoporumprotagonismo identitário petir comosoutros equipamentosdoespa- centralidade inicial, passandoagora acom- irremediavelmente opesosimbólicodasua no, o monumento aos Perseguidos perdeu base emopçõestécnicasdedesenhourba- 39 . Passados 28anosecom - A Escultura na cidade: a reconstrução da memória Os novos órgãos autárquicos não enceta- ram, logo em 1974, uma política de abafa- mento e ocultação dos elementos escultó- ricos de simbologia fascista na cidade. Os pouco relevantes monumentos preexisten- tes estavam predominantemente ligados a causas civis. No entanto, consideramos o Monumento aos Mortos do Ultramar na Tra- faria, como aquele que foi sujeito à elimina- O monumento Aos Perseguidos em 2007, na Praça do ção dos seus símbolos fascistas pela ação Movimento das Forças Armadas em Almada. Fonte: Anabela Luís/ Câmara Municipal de Almada política revolucionária.

Por outro lado, o processo de urbanização de Almada no Estado Novo não trouxe con- sigo, como refere Helena Elias (2006), os monumentos de cariz historicista, idealiza- dos para os novos centros de vilas e cidades sujeitas a plano de urbanização. Na verdade, a estatuária do Estado Novo, principalmen- te no contexto do Ministério das Obras Pú- blicas e dos Planos Gerais de Urbanização, nunca tinha chegado à margem esquerda do Tejo: não está demonstrado ter sido pro- posta no âmbito do Ministério das Obras Pú- blicas, aproveitando o incentivo às artes sob a égide do Estado, a introdução de monu- Fotografia do Monumento aos Mortos mentos no Centro Cívico que acompanhas- no Ultramar na Praça da República na Trafaria hoje sem as inscrições em sem o acerto do espaço público de Almada bronze sobre o plinto. com os parâmetros ideológicos do regime. Cedência: Museu da Cidade/ Câmara Municipal de Almada

Foi no início dos anos 70 que se deu a ele- vação de Almada à categoria de cidade, a 21 de junho de 197340. E foi nesse momen- to que a autarquia apostou numa política de afirmação estratégica da recém-criada cidade, e lançou as bases para um ansiado programa monumental. O número de enco- mendas de escultura aprovadas em reunião

– SÉRGIO VICENTE 147 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Inauguração domonumentoaFernão MendesPinto, adia31 Cedência: MuseudaCidade/Câmara Municipalde Almada de dezembro de1983, noPragal. propostas demonumentospara Almada sula deSetúbalpatrocinassem algumasdas pio de Lisboa e a administração da penín- esforços intermunicipais para que o Municí- quica, quesepossibilitouaconjugaçãode de maiorautonomiapolíticanaárea autár Foi comaépocamarcelista enummomento ção danovacidade. Almada seriaopontomaisaltodaafirma- a personalidadesreconhecidas naturais de passado históricocomum. A homenagem cer osvalores culturais eprincipalmenteum monial e urbanística, como visavam enalte- elementos escultóricos de valorização patri- só vinhamarcar ochãoda novacidadecom da Câmara até ao25de Abril de1974, não so doregime Os monumentosencomendadosnooca- para homenagear onavegadoreescritor Duarte, uma encomenda do Estado Novo Veja-se o Fernão Mendes Pinto, de António construção cultural deumacomunidade. léxico próprio aoqualsubjazaexpressão ou de uma memória coletiva portadora de um para aafirmaçãoidentitáriaou, pelomenos, los seus habitantes. Valores que contribuem cas que são difundidas e compartilhadas pe- identificam-se asmesmastemáticas simbóli- o tempoderealização dasobras sejaoutro, tivos. de ritualizaçãocomportamentos cole- referem queosmonumentossãoumlugar peito Meecham&Sheldon(2004:549-568) ciado eporoutros escultores. A esteres- ideológico, numcontexto urbanodiferen- crática e construídos sob um novo prisma reassumidos pelosorgãos degestãodemo- Em Almada perceber-se queembora 42

foram programaticamente 41 . - no primeiro aniversário da cidade de Alma- Em Almada, ainda hoje, a identidade dos da em 1974, que inicialmente foi concebido lugares é indissociável do fortalecimento para ser colocado sobre um aparato céni- de uma ‘memória histórica’, sendo deter- co de jorros de água de uma fonte monu- minante o domínio simbólico do espaço mental e na Praça S. João Baptista, no prin- público pela autarquia, ao implantar mon- cipal eixo da cidade, onde se construiriam umentos de cariz politizado, influenciando os novos Paços do Concelho. Ali apresen- e estabelecendo parâmetros significantes tava-se como um objeto impositivo na ci- para a construção de uma memória do lu- dade, ou seja, a afirmação local, política e gar. Ou seja, a administração local foi con- pública de uma instituição administrativa struindo ao longo de 40 anos uma narrativa vital para o Estado Novo. E depois, já nos histórica própria, adequada à afirmação dos anos 80, o monumento acabou sobre um valores democráticos que o novo regime plinto em betão vigoroso e simples, numa em 1974 manifestou de forma contundente relação compositiva aprovada provavel- sobre o espaço público. mente por António Duarte e de acordo com os postulados compositivos do monumen- to maquetado dez anos antes. Pressupondo obrigatoriamente uma leitura do conjunto de baixo para cima. E, agora localizado fora do lugar de celebração do regime (o Cen- tro Cívico), no sítio onde Fernão Mendes Pinto terá vivido e morrido em 1583, no Pra- gal, valorizou-se com a sua implantação a dimensão humanizada do homenageado, contrariando o inicial pendor historicista e celebratório da ditadura.

Os novos monumentos na cidade a partir de abril de 1974 corresponderam na sua génese programática a uma estratégia de reposição de memória coletiva, ao que se associa o facto de se renomearem ruas e praças, e se imporem novas formas, símbo- los de substituição no espaço público. Per- cebemos a imposição de símbolos como uma acelerada experiência constitutiva da identidade do espaço urbano, a qual sub- entende, uma conflituosa troca entre ex- periência e novas narrativas inerentes à con- strução do espaço público.

– SÉRGIO VICENTE 149 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Flores, A. M., Luzia, Â., &Costa, A. handle/10400.5/365 https://www.repository.utl.pt/ Lisboa,Lisboa. Acedido: Universidade Técnica de Faculdadede Arquitectura. em Arquitectura).(Doutoramento Área Metropolitana deLisboa. e ModelosResidenciais na habitat suburbano . Tipologias Cavaco, C.(2009). Formas de cidades-3.pdf Cidades/serie_politica_de_ Pol%C3%ADtica%20de%20 de%20Cidades/Série%20 Pol%C3%ADtica%20 dgotdu.pt/docs_ref/Documents/ Acedido: http://politicadecidades. Desenvolvimento Urbano). Lisboa. do Ordenamento do Território e do espaçopúblico(Direcção-Geral a concepção, qualificaçãoegestão colectiva: Basesdeorientaçãopara dos lugares easuarepresentação Brandão, P. (2008). A identidade Martins Fontes. Arte Como HistoriaDaCidade. Argan, G. C.(1993). HistoriaDa das Administrações Central e do EstadoNovo. Arte Pública 30). Elias, H. C. daS. L.(2007, March Almada: Câmara Municipal. primeiras eleiçõesautárquicas. da Comissão administrativa às primeiros anosdademocracia um património dopovoos (2013). Poder localdemocrático:

<< — Bibliografia Arte PúblicaeInstituições

W@terfront, (7), 41–46. no Concelho de Almada. Onthe Ribeiro, A.I. (2005). Arte Pública Piedade: Junta de Freguesia. protagonistas (1aed). Cova da dos acontecimentoseseus Abril: contribuiçãopara ahistória da Primeira República ao25de de B.(1999). Cova daPiedade Policarpo, A. N., & Mateus, F. (28), 13. identité sociale. VillesEnParallèle, Symbolisme del’espace publicet Pol, E., & Valera, S.(1999). Caminho. escultura portuguesa. Editorial Pereira, J.F. (2005). Dicionáriode [Lisboa]: Círculo deLeitores. dos Municípiosedopoderlocal. Oliveira, C.(Ed.). (1996). História London ; New York: Routledge. Modern art: acriticalintroduction. Meecham, P., &Sheldon, J. (2004). da UniversidadedoPorto. Pacheco.Faculdade Arquitectura urbanização: A épocadeDuarte Lôbo, M. S.(1995). Planos de (7-8), 151–236. Anais de Almada: revista cultural, análise eprograma -relatório. do Concelho de Almada (1946): Gröer, E.De(2004). Urbanização handle/10803/96401 Acedido: http://www. tdx.cat/ de Barcelona, Barcelona. Belas Artes daUniversidade (Doutoramento) Faculdade de e doMOPC/MOP(1938-1960). Sistemas deencomendadaCML Local doEstadoNovoemLisboa:

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– SÉRGIO VICENTE 151 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 20 19 18 17 16 Janeiro de1927. << (1977, Nov. 11).de Almada. Jornal 1976).de Almada. maio de1974a30novembro Comissão Administrativa. (16de (1976) Relatório deatividades da durante 8anos. trabalhos forçados aquefoisujeito de tuberculose agravada pelos da morte veioafalecervítima após asaídadaquelecampo ali praticadas; poucosanos suportou todasasviolências Concentração do Tarrafal onde foi atirado para oCampo de ainda jovem;professor doliceu; do busto: Vitima dofascismo na parte traseira dopedestal Monteverde. imediatamente anteriora Aquiles de Almada entre 1947e1951, presidente daCâmara Municipal sequelas dodesterro no Tarrafal. Acabaria pormorrer vítimadas publicações deíndoleliterária. colaborou naSeara Novaenoutras principal dojornal Avante! e Gonçalves no Tarrafal. Foi redator geral apósamorte deBento clandestinidade, efoisecretário do Comité Central doPCPna e EstudosCanónicos, fezparte Licenciado emFilosofia Clássica que viveuentre 1909e1955. uma figura ilustre almadense, Umaestátua para Almada. Câmara Municipalde Almada Transcrição dotexto gravado OComandante SáLinhares foi Alberto Emíliode Araújo foi 25 24 23 22 21 26 isto para queoMunicípiofizesse com umassentamentoemmogno, material queimitasseooriginal monumento aosPerseguidos em quatrocentas réplicas do posteriormente, jáem1982, 147, Ata 11, fl. 110) Órgãos Autárquicos. (Atas). (Livro (1978, Mai. 19). Reunião de Em: Câmara Municipalde Almada base empedra com1,5metros. final teria2metros dealtura sobre escudos para umapeçaqueno foi detrezentos ecinquentamil abril de1978eovaloremcausa despacho dapresidência de5 O Diário. Lisboa. Perseguidos peloFascismo. (1979) Monumento em Almada aos o orçamento daCâmara, em: pública para nãosobrecarregar foi adquiridoporsubscrição 146, Ata 24, fl. 110) Órgãos Autárquicos. (Atas). (Livro (1977, Out. 21). Reunião de Jan.). (1984, Jul.,25). é artista queorgulha terra natal. Pintor eescultor. Francisco Simões e Francisco de Almada pintor. Em: assinava Francisco Simõesescultor é natural dePorto Brandão, e da Câmara Municipalde Almada, Almada. A Câmara Municipalrealizaria Estaadjudicaçãovemde OmonumentoaosPerseguidos Câmara Municipalde Almada OsNossosMonumentos. (1978, Francisco Simõesfoivereador Autarquias Povo. (1). Almada. A Capital. Lisboa. 27 33 32 31 30 29 28 Ata 14, fl. 258, 6dejulho1979 Câmara Municipal, Atas, Livro 148, nas eleiçõespresidenciais de dos Almadenses entusiástico 43, 45, e49, eoenvolvimento bem comoasgreves de1942, Portugueses, ManuelCabrita, Resistentes Antifascistas de pelo representante daUnião Almadenses foram nomeadas Notícias. Almada. fascismo. (1979, Jun. 25)Diáriode Almada aosperseguidospelo Capital. Lisboa. Perseguidos. (1979, Jun. 23)A Almada. Set.). Antifascistas.(1979, Jul./ Ago./ Concelho aosResistentes Homenagem dopovo em Almada.inaugurado Jan.). Almada. Monumento. ficou pordizernaInauguração do 1, fl. 13) Autárquicos. (Atas). (Livro 151, Ata (1982, Jan. 08). Reunião deÓrgãos Câmara Municipalde Almada cidade procurava afirmar. Em: representação identitáriaquea cidade, apartir daideiadeuma uso dostroféus comosímboloda CMA, Órgãos doMunicípio, As lutasdosantifascistas Inaugurado monumentoem Almada ergue Monumentoaos Monumento‘OsPerseguidos’ OsNossosMonumentos. (1978, Semedo, F. (1979, Jul. 06). Oque Autarquias Povo. (12). Autarquias Povo. (1). Almada. Jornal de Almada.Jornal 58, apoiando a candidatura do Barbeitos antifascista preso do 41 Logo em 13 de novembro de general Humberto Delgado, nas Tarrafal. Ainda, uma mulher 1973 a autarquia adjudicou a manifestações de rua de 1961 e 62 lutadora, um jovem, um operário, Vasco Pereira da Conceição um e nas campanhas de 1969 e 1973. um representante do movimento monumento que homenageasse Também se evocaram as figuras associativo, cinco individualidades Columbano Bordalo Pinheiro; de Alex (Alfredo Dinis), Gabriel galardoadas com a medalha de de seguida, a 18 de dezembro Pedro e Alberto Araújo, José Elias ouro de Almada, os presidentes de 1973 a Câmara aprovara Garcia, José Alaiz, José Carlos das Câmaras Municipais do nosso uma encomenda a António Pinto Gonçalves, Herculano Pires, distrito ou seus representantes, Duarte, com base numa oferta Felizardo Artur. Reforçava-se assim os presidentes das Juntas e da Câmara Municipal de Lisboa, a ideia de que o monumento Assembleias de Freguesias do para um monumento que a era uma homenagem a todos os nosso concelho, os comandantes autarquia decidira ser a Fernão democratas antifascistas, a ‘todos dos B.V. de Cacilhas e da Trafaria, Mendes Pinto; Apresentar- os perseguidos’ pelo antigo um representante da União de se-ia igualmente em reunião de regime. Sindicatos de Almada e a sobrinha Câmara de 5 de março de 1974, a 34 Para consulta da biografia de do conhecido dirigentes do PS, deliberação sobre uma proposta Pedro Anjos Teixeira ver: Castro, I. Edmundo Pedro. de um Monumento ao Trabalho, de. (2005). Anjos Teixeira, Artur e 38 Inaugurado um monumento encomendado ao professor Pedro: vida e obra. Sintra: Câmara aos perseguidos. (1979, Jun. 29). Joaquim Correia, aprovado e Municipal de Sintra. Jornal de Almada. Almada. mandado erigir na Praça da 35 “Os Perseguidos”: monumento 39 A nova localização foi Renovação (atual Praça do antifascista a inaugurar na cidade considerada pelo Município Movimento das Forças Armadas) e de Almada no próximo dia 24 do privilegiada em relação à um monumento ao Bombeiro, do corrente. (1979, Jun. 06). Diário de anterior, sustenta-se por passar arquiteto Castro Lobo. Lisboa. Lisboa. a estar localizada sobre um 42 Três meses passados sobre 36 “Os Perseguidos” Nota Alta nas ‘pódio suspenso’ ganhando a Revolução, a nova Comissão Festas da Cidade. (1979, Jun. 1). protagonismo na envolvente. Administrativa, em reunião de Praia do Sol. Almada. A passagem do Metro Sul do Câmara presidida por Fernando 37 Subiram ao estrado o Tejo pelo centro da praça torna Proença de Almeida, decidiu Governador Civil, os presidentes a área uma praça dura, na em consequência da precária dos diversos organismos qual as tonalidades de pedra situação financeira da Câmara e da Câmara (havia Conselho se organizam de acordo com com base numa decisão unânime, Municipal), o embaixador os diferentes usos do solo. comunicar aos escultores a da Checoslováquia (Almada [Intervenção no centro. Obras suspensão imediata dos trabalho geminara-se com Ostrava), os em breve na Praça MFA. (2007, de encomenda dos monumentos. representantes partidários, entre Jun.). Boletim Municipal. (128), 18. [Câmara Municipal de Almada eles, Herculano Pires pelo PS (que Almada] (1974, Jun. 20). Reunião de Órgãos viria a ter homenagem póstuma 40 Almada passa de vila a cidade a Autárquicos. (Atas). (Livro 140, Ata em escultura), Lopes Graça e 21 de junho de 1973 pelo Dec. Lei 23)] Romeu Correia, também Henrique nº308/73 de 16 de junho.

– SÉRGIO VICENTE 153 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << La présence del’œuvre d’Almada Negreiros aucoursdu a misandangerlesfresques. Maismalgré tout Almada XXe siècleestencore unsujetderéflexion aujourd’hui: continue arêver desaLisbonneprès du Tejo qu’ilavait peuple quiapartipourd’autres pays, etcette dénonce avec desrapports plastiquesauxvitraux del´Église mouvements modernesetaétélapourlongtemps Almada nousraconte unehistoire, réel etfantastique Fátima, commeonvoita Alcântara, maisilvaprès du cubisme avecConde deÓbidos. Icic’est ledrame du La modernitéd’ Almada avécudelafiguration etde sans douteilaexercé denombreuses influencessur surtout travaillé lesracines delaculture populaire . l’abstraction, maispourlesstations maritimesilya son travail sejoueenmultiplesfacettes etdansles Duas NarrativasparaoMeuPaís nos PainéisdeAlmadaNegreiros Professora Associada deCiênciasda Arte edoPatrimónio naFBAUL eno PD-FCTAS daFCUL, Investigadora integrada doCFCUL, Head de Arte e d’autres artistes. travaillé avant. Ciência, investigadora colaboradora doCIEBA. porCristinaAzevedoTavares numa tipografia doNorte porintermédiode mo anopublicouainda «K4 Quadrado Azul» formance eapalavra sejuntaram. Nomes- República, atualmente S. Luís, emqueaper e a «Conferência Futurista» de1917no Teatro pois, «Litoral» dedicadoa Amadeo em1916, vela «Engomadeira» publicada doisanosde- de Campos, o «Manifesto Anti-Dantas», ano- datam a «Cena doÓdio» dedicadaa Álvaro participação noOrfeucomopoeta. De1915 vanguardista interessado nofuturismona «Papagaio Real «, «ABC arir» eoempenho tas, algumas comodiretor, desde a «Luta», a participação em inúmeros jornais e revis- publicitário da «Alfaiataria Cunha» (1913), Para tráse ficavam osanosdedesenhador tista plásticocomumacarreira confirmada. rais para aprimeira gare deLisboa, éumar José-Augusto França, quandoinicia os mu- tuguês semmestre», nodizerdoProfessor numa época» para Cotinelli Telmo, um «por liapto» noentenderdePessoa, «um farol pe-1970, Lisboa)artista multifacetado, «po- Almada Negreiros (1893, S. Tomé ePrincí- - - - Amadeo, que foi motivo de um quadro de dos temas prediletos de Cézanne. Almada Eduardo Viana, e motivo para a prisão de figuraria com Eduardo Viana, António Soa- Viana e do casal Delaunay, devido às suspei- res, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Ber- tas de espionagem. Entretanto e desde Maio nardo Marques e José Pacheco, que havia de 1912, Almada participou em Lisboa no I proposto esta seleção de nomes juntamen- Salão dos Humoristas Portugueses, depois te com Norberto Araújo, para a decoração mais duas vezes em 1913 e 1920, afirmando do café que se tornaria símbolo da moder- a sua posição de transgressão relativamen- nidade de Lisboa e lugar de convívio artísti- te aos valores tradicionais e académicos, co- co e intelectual durante décadas. Um outra muns a uma série de artistas incluindo Can- pintura de dimensões razoáveis seria o «Nu» to da Maia, António Soares, Jorge Barradas, destinado ao vestiário das senhoras, enco- Stuart Carvalhais ou Botelho. mendado em 1926 para o Bristol Clube, e que nesse ano por vontade do proprietário Os anos 20 depois da «aventura futurista» Mário Ribeiro sofre uma remodelação com foram marcados pela presença de Alma- a colocação de obras de escultores e pin- da na «Exposição dos 5 Independentes» tores modernistas. Para além de Almada e (1923), continuando a publicar: «Pierrot e Eduardo Viana, havia ainda esculturas de Alecrim» de 1924 e «Nome de Guerra» no Canto da Maia e Leopoldo de Almeida. Nu ano seguinte, e a trabalhar como desenha- pálido, e vertiginosamente alongado, qual dor no «Sempre Fixe», «Diário de Notícias» Vénus de inspiração modernista, olhando- e «Diário de Lisboa» e realizando também -se languidamente no espelho, sobressai cartazes. Colabora na «Ilustração Portugue- o corte do cabelo «a la garçonne» que as sa» dirigida por António Ferro e no «ABC a estrelas de cinema nos anos 20 exibiam na rir» e na revista «Contemporânea». Ainda afirmação da modernização de costumes. em 1925 duas pinturas suas, haviam de ser Um nota de cor vibra em toda a composi- penduradas na Brasileira do Chiado remo- ção: umas chinelas de salto alto soltas nos delada então, sendo primeiro mostradas pés, completando a notação erótica. na S.N.B.A. Tratam-se de «Auto-retrato» e «Banhistas». A primeira dando conta de um Nos finais de 20, Almada parte para Madrid auto retrato em grupo em torno de uma colaborando nas revistas Gaceta Literaria, messa de café, no qual figuravam (da es- no diário El Sol e La Farsa, entre outros, es- querda para a direita) a bailarina e atriz es- creve duas peças para teatro e realiza em panhola Júlia de Aguilar, a atriz Aurora Gil e 1929 as decorações murais para vários ci- o Prof. Dória Nazaré e Almada, dando ecos nemas como o Cine-Teatro San Carlos que do expressionismo e do cubismo.»Banhis- comemorava a entrada do cinema sonoro. tas» apresenta numa composição de volu- Regressa a Portugal em 1931, depois de ter mes planificados, duas figuras femininas em acabado a peça «Público em cena» que só fato de banho e touca sentadas numa rocha, será publicada postumamente em 1971. tendo o mar e um barco à vela como pano de fundo, evocando simplificadamente um

– CRISTINA AZEVEDO TAVARES 155 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA linhas modernas, projetado peloarquiteto tima na Av. deBerna em Lisboa, edifício de blicos para aIgreja deNossaSenhora de Fá- mais naturalista einspirados nostextos bí- Em 1938 Almada conclui os vitrais de índole numento aoInfantedeSagres. to queconcorre aoIIConcurso para oMo- cultor Leopoldo de Almeida realiza oproje- Ramos. Com estemesmo arquiteto eoes- ril em colaboração com o arquiteto Carlos nel decorativo para oCafé Arcadas no Esto- executado, enoanoseguinte, estudaopai- to Jorge Segurado, masquenãovemaser a Casa daMoedaconvidadopeloarquite- Em 1935projeta umpaineldecorativo para ção comoEstadoNovo. Constituição»), marcando asuacolabora- do dePropaganda Nacional(«Votai aNova Canção de Lisboa» e um para o Secretaria- cartazes para ofilmede Cotinelli Telmo «A país. Ainda em1933 Almada desenhadois que desde1928estavainstaladononosso antes, eodesignersuíçoFred Kradolfer, Hein Semke, chegadoaPortugal umanos mão umaexposição comoescultoralemão uma exposição individual, enoClube Ale- realiza naGaleriaUPde António Pedro tico», coadjuvadopor Almada. Eem1933 fesa dos «novos» contra «os botadeelás- tónio Ferro assumeprotagonismo nade- «Questão doNovos» em1921, emque An- -se permeável aosmodernistasdepoisda Moderna (1938), poisestainstituiçãotorna - S.N.B.A., nomeadamente oIISalãode Arte e 1938. Participa emdiversasexposições na nascem osfilhos respetivamente em1934 tabilidade casando-se comSara Afonso, e Na década de 30, Almada firma alguma es- << leitura dacarta recebida» (...). ca naescritadacarta eaquesedeleitana nessas figuras demulheres: aqueseafin- tentores deuma «Doce humanidade(...)- 1951, queCotinelli Telmo considerava de- tro para osRestauradores destruídosem para aestaçãodosCorreio de Aveiro eou- comemorativos. Executaosdoispainéis o Pavilhão daColonização evárioscartazes do MundoPortuguês realizando vitrais para um dosartistas decoradores daExposição Cerejeira. Doisanosdepois Almada seria Avenidas Novas)porvontadedoCardeal novo enumanovaparóquia (freguesia das Pardal Monteiro, ainscrever-se numbairro Catrineta, romance popular, quesegundo para umdostrípticosfoialendadaNau em 1945eotemaescolhido pelopintor tudos dos frescos que seriam terminados Sara Afonso). Iniciam-seosprimeiros es- de Almada(segundo otestemunhode Eng. Duarte Pacheco apreciador da obra frescos para aGare Marítimas, através do O anode1943traz aencomendados (Lisboa). pintura “Mulher” posição de Arte Moderna doS.P.N. coma buição doPrémio Columbano na7ªEx reconhecida amplamenteatravés daatri- outras. No ano seguinte a consagração é posição de Arte Moderna doS.P.N. entre da peloS.P.N. etambémparticipa na6ªEx “Almada-Trinta Anos deDesenho”, realiza- Em 1941temlugaraexposição individual traça dePardal Monteiro. Diário deNotíciasna Av. daLiberdade da a Portugal e àImprensa para oedifíciodo dos desdeoplanisférioequatro alegorias e 1940 realizou os frescos com temas varia- 1 Entre 1939 - - Rui-Mário Gonçalves, o pintor considera- pelas mesmas dimensões 6,20 metros de va que unia a “tradição popular” ao tema altura por 4 de largura. No primeiro fres- do “mar”2. Almeida Garrett tinha-o incluído co o capitão e o gajeiro do alto dos mas- no seu Romanceiro (1843-1851) e a prove- tros procuram ver com um óculo as terras niência tem a ver com o relato da História de Portugal, enquanto os marinheiros de- Trágico- Marítima em que se narra o nau- sesperados olham para as solas cozidas. A frágio de um barco vindo do Brasil que fica mesa tem um tambor pousado e cartas de à deriva por ser atacado por corsários. “A jogar espalhadas, e nas velas está o diabo Nau Catrineta” evoca a vida dos marinhei- e um esqueleto simbolizando a morte. No ros portugueses embarcados e à deriva, segundo fresco vemos apenas uma par- comendo sola que estava de molho desde te dos mastro principal e a as velas com o a véspera. É uma narrativa com um fundo anjo da guarda a proteger a nau. Ao longe real misturada com a fantasia, que encarna numa falésia está um cavalo branco, e mais a luta do bem contra o mal e a saudade. distantes as três filhas do capitão, uma a co- O gajeiro transforma-se na figura do diabo zer, outra a fiar e a última a chorar. Por fim que não aceita casar com umas das filhas o terceiro fresco mostra-nos o final, a nau do capitão - a mais formosa - pois preten- varada, o capitão salvo abraçando as três fi- de roubar-lhe a alma, mas o capitão res- lhas, rodeado pelos marinheiros e popula- ponde-lhe: «Renego de ti demónio/Que res, incluindo um marujo e uma mulher de me estavas a tentar!/A minha alma é só de vermelho que Almada teria visto anterior- Deus;/O corpo só do mar»3. É a vez do anjo mente e retratou aqui, e no topo esquerdo bom intervir evitando que o capitão se afo- o anjo da guarda em pé triunfando sobre gue, e assim a Nau Catrineta acaba por va- o demónio vencido, espezinhado no chão. rar em terra, terminando num final feliz. Do outro lado, o tríptico é constituído por Com esta narrativa, que evoca a epopeia de imagens de Lisboa representando três vis- um povo, e a presença dos seus valores mo- tas da cidade. Todas elas partem da zona do rais, Almada apropria-se de um discurso de rio para a urbe e descrevem tarefas carac- cariz popular- sabendo que essa apropria- terísticas da vida à beira Tejo: no primeiro ção do popular genuíno era parte consti- fresco, no primeiro plano, mulheres robus- tutiva do porta estandarte do modernismo tas, as varinas, «seus troncos varonis recor- por toda a Europa fora - mais do que expor dam-me pilastras»4 cantadas assim por Ce- um dos aspetos defendidos pela «política sário Verde no poema O sentimento dum do espírito» de António Ferro, a quem falta- ocidental I Avé- Marias e também Almada, vam poucos anos para ser destronado. varinas carregando à cabeça canastas de carvão empilhado em pirâmide, e percor- A lenda da Nau Catrineta é apresentada rendo descalças um passadiço, tendo por em três frescos estabelecendo uma conti- pano de fundo os barcos; no segundo fres- nuidade narrativa que não existe na outra co, em primeiro plano uma vista das trainei- parede oposta, aliás suportada também ras de chaminés listadas a vermelho e bran-

– CRISTINA AZEVEDO TAVARES 157 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA sombras earabescos naareia. lado uma âncora e uma corda desenham mita àsombra dobarco varado emterra. Ao estão acozerasredes, eumpescadordor mulheres decapaechapéucomborla para aareia quentedapraia, enquantoas te delãnacabeçatrazendo asredes domar misas ecalçasdequadrados, capaebarre- os pescadores nas suas fainas vestindo ca- ra. Por debaixo dafalésiaapraia mostra-nos Ao longesurge aimagemdeNossaSenho- seiras nosoloeoveado cainoprecipício. que ocavalodeD. Fuas afincaaspatas tra- sódio. A pintura oferece-nos o momentoem uma ermidanolocalondeocorreu esteepi- nhecido, D. Fuas Roupinho mandou erguer traseiras docavalo. (Bico doMilagre). Reco- cha ondesepodemverasmarcas daspatas o testemunhodesse momento ficouna ro- samente cavaloecavaleiro sãosalvos, mas evocar onomedeNossaSenhora, milagro- dia denevoeiro. Emafliçãoedesespero ao da Nazaré quandocaçava um veado, em se salvouaonãotercaídonumprecipício sob ocomandodeD. Afonso Henriques, da Portuguesa quelutoucontra osmouros ro templárioeprimeiro Almirante da Arma- qual ointrépido D. Fuas Roupinho, cavalei- Lenda doMilagre daNazaré segundoa Dois outros frescos avulsorepresentam a Lisboa nãoviucoisaboa. ao fundo. Por cima uma frase detrás aSédeLisboaeoCastelo eS. Jorge nário o rio com os varinos e fragatas, e por ta à cabeça, tendo este momento como ce- venda enquantoumadelascolocaacanas- fresco aspeixeiras separando opeixe para a como ovarinoeumafragata; enoterceiro co e pordetrás os barcos típicos do rio Tejo << Quem não viu - continuidade narrativa comas pinturas da base avidaribeirinha, estabelecendouma dois grupos de uatro frescos: um tem por da Europa» tendodepois desistido. São tema tratar doepisódio míticodo «Rapto sem ajudante. Inicialmentepensoucomo depois oscomeçouaexecutar sozinho, nesta obra durante doisanosemeio, e só minados em1948, pois Almada trabalhou iniciais sãodatados de1945, eficariamter Para estessegundosfrescos, osestudos Rocha doCondeÓbidos. de AlmadaNegreirosnaGareMarítimada decorativos nãofoirepetidanaintervenção positiva por parte do público a estes frescos «Maria doMar» (1930). Contudo areceção «Nazaré, Praia dosPescadores» (1929) e ca ou os filmesde Leitão deBarros como sendo alheiatambémàfotografia daépo- simplificada mas de raiz naturalista, não ris em1919. Observamosumalinguagem Coeur» que Almada haviaescrito, emPa- gações naturais à « Histoire duPortugal par segundo Rui-Mário Gonçalvesestabeleceli- boa virada ao Tejo e de um Portugal rústico, Este lirismoquasenostálgicodeumaLis- outras sobre acolina. caiada, comascasasobrepostas umasnas demos verotopodeumapequenaaldeia vens fazumpiquenique. Maisdistantepo- atrás àsombra deumaárvore umgrupo jo- xo deum chapéudesolvendequeijadase e balões. Maisaolongeumamulherdebai - melhos junto a uma ermida decorada fitas rujo edarapariga devestidoexailever de romaria, mostra-nos onamoro doma- onde nasci» umacenarústica, emtempo Por último, ofresco intitulado «Ó terra - - gare anterior; o outro grupo foca um tema pé olha atentamente para a trapezista. À novo na obra mural de Almada: a partida frente um barco com o rapaz do tambor, um das gentes, emigrando para outras para- outro saltimbanco e uma mulher com um ar gens, através do mar em navios de grande cansado. No último plano estão os popula- calado, para a América do Sul, Brasil sobre- res de olhos bem abertos, narizes empina- tudo e também África, assim como a che- dos no ar e pés fincados no chão. gada de outros. Do outro lado, apenas o cais com as pes- A ligação ao rio Tejo e ao mar, não é novi- soas a despedirem-se uns dos outros, os dade relativamente à narrativa anterior em que partem e os que ficam, tal como José- Alcântara, mas o tema da emigração e a Augusto França afirmou «Os emigrantes linguagem mais próxima do cubismo pra- com a sua bagagem de esperança e já de ticado nos anos do pós-guerra com André saudade» 5, e por último, um homem traba- Lhote, Pignon e Fougeron, afastam definiti- lhando nas obras do porto subindo os an- vamente Almada do naturalismo lírico ainda daimes, e por detrás a proa do navio com presente na gare anterior. um marinheiro. O contraste entre uma nova vida e o quotidiano de quem fica. O tríptico evocando Lisboa foca o domin- go lisboeta à beira Tejo: Um passeio numa A geometria das composições que era sen- bateira, representando uma mulher tenta tida na primeira gare, é agora muito mais agarrar um chapéu de palha de criança que saliente pelo jogo de alinhamento das figu- se precipita na água, um rapaz sentado no ras, pelas retas e diagonais das escadas e cais segurando uma rede de pesca, um ca- dos guindastes, pelas traves de madeira do sal abraçado, e no fundo uma janela aber- andaime sobreposto à murada da proa do ta de uma casa burguesa com um terraço navio. As figuras, ainda na série dos saltim- por cima, com um jovem casal apoiando- bancos são planificadas, geometrizadas, ou -se no parapeito, e mais afastada uma trai- cruzando os xailes e os corpos em abraços neira. O seguinte fresco tem como cenário sofredores, ou ainda como meras sombras um estaleiro, e retoma o tema das varinas encostadas ao cais. E embora a harmonia uma com a canasta à cabeça e a outra sen- cromática se rompa aqui e ali em vermelhos tada apoiando o queixo na mão. Por detrás, saturados, laranjas e azuis, o desenho e a li- um barco em reparação. Ainda no primei- nearidade dominam as composições como ro plano estão dois rapazes numa bateira, uma espécie de malha subjacente. um segura um remo e o outro uma grande rede de pesca. No último fresco, temos um Tal como foi referido anteriormente estes grupo de saltimbancos no plano médio: frescos das última gare não foram tão bem o homem que cospe fogo e os acrobatas, aceites como os primeiros. Sara Afonso6 uma dos quais está agarrada ao trapézio nos seus testemunhos contava que as pes- por uma perna e uma mão, enquanto um soas não gostavam das gentes dos circo, faz acrobacias no solo, e a outra figura em os saltimbancos que Almada representou,

– CRISTINA AZEVEDO TAVARES 159 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA dos «por excesso de modernismo» houve vontadedequeestesfrescos, acusa- Europa vivendo o pós-guerra. Por isso, ditatorial, quenãoabriamão,mesmo numa se encontrava,sobodomíniodeumregime denúncia dasituaçãodifícilemqueopovo tema da emigração, Almada participava na quem poralipassava.Contudoaofocaro bar osfrescos, sentiureações negativasde e queaindaquandoomestre estavaaca- << figuras marcantes da cultura portuguesa, in- retomado mitos e lendas e relembrado as riores integradas nasgares, embora tenha ria arepetir nenhumadasnarrativas ante- te Gulbenkian. Contudo, Almada não volta- Painel de universitáriaLisboa, indoculminarno tervenção artística empedra incisadacida- (Hotel Ritz, Tribunal de Contas) e toda a in- (Fábrica deFogões Portugal), tapeçarias em mosaico(BlocodasÁguasLivres),vitrais sua obracomodecorador:realizoupainéis Nos anos50, Almada deucontinuidadeà ros, impediuque talviesseaacontecer. do emdefesadaobra de Almada Negrei- vogal na Junta NacionaldaEducação, sain- Antiga, equedesempenhavafunçõesde mérito, Director doMuseuNacionalde Arte Dr. João Couto, historiadordereconhecido das. Contudo em Lisboa, a intervenção do ra quedecoravam oedifícioforam mutila- gadas em 1948, e outras obras de escultu- pintor havia sido preso, as pinturas são apa- gurado comosfrescos inacabados, poiso em 1946e47, tendoocinemasidoinau- festas de S. João epintados por Júlio Pomar da Câmara doPorto, àaltura. Evocativos das Cinema Batalha porvontadedoPresidente destruídos, comohaviamsidoos frescos no Começar (1969)naFundação Calous- 7 fossem cais de18a20Fevereiro de2014. ture narrative” quetevelugarnaCasa dasHistórias, Cas- ração àpintura narrativa/ Dutableau danslerécit àlapein- Este texto foiapresentado noColóquio “Doquadro nanar mada nossoubedarcontacomoninguém. cos dasgares. Éumoutro tempo, edisso Al- ver com Almada e muito menos com os fres- tar daschávenasecolheres. Nadatema palavras, ditasnocafé, pordebaixo dotilin- manchas decor, leves, comoosussurro das do-se emplanosgeometrizadosegrandes monumentais conversandoentre si, jogan- mada. Coloca todasasfigurase majestosas têmpera, afastando-se das epopeias de Al- Dourdil realiza ummural intimistapintadoa o centenáriosobre onascimentodopintor. ro recentemente, em2014, ano quemarcou grandes noCafé Império, quesofreu restau- Dourdil pintava um fresco de dimensões 1955, umpintordeumaoutra geração, Luís Igualmente namesmadécadanoanode precisamente “Começar”. liberadamente daúltimaobra querealizou, Almada detalmodoquetomará contade- começa a ter maior visibilidade na obra de soa. Nosanoscinquentaoabstracionismo cluindo o poeta e seu amigo Fernando Pes- - – Bibliografia in “PacheKo, Almada e a Contemporânea”[coord. de Daniel Almada Negreiros (dir. Joaquim Pires]. Lisboa: Ed. Centro Nacional Vieira). Lisboa: Ed. Bertrand de Cultura, Bertrand, 1993. Editora, 2006 (dir. Joaquim Vieira). Centro Cultural De Belém - – Notas Almada a Cena do Corpo; comissário José Monterroso 1 In CENTRO CULTURAL DE Teixeira. Lisboa: Ed. Fundação das BELÉM - Almada a Cena Descobertas Centro Cultural de do Corpo; comissário José Belém, 1994. Monterroso Teixeira. Lisboa: França, José-Augusto - Almada Ed. Fundação das Descobertas o Português sem mestre. Lisboa: Centro Cultural de Belém, 1994. Estúdios Cor, 1974. (pág.101) Fundação Calouste Gulbenkian 2 In FUNDAÇÃO Calouste - Os anos 40 na arte portuguesa; Gulbenkian - Almada. Lisboa: comissário Fernando de Azevedo, Acarte, 1985. programação José-Augusto 3 In GARES Marítimas Passenger França. Lisboa: Ed. Fundação Terminals Alcântara Rocha do Calouste Gulbenkian, 1982. Vol.1 Conde de Óbidos. Lisboa: Ed. (6 volumes). APL- Administração do Porto de Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, S.A., 1999. Almada. Lisboa: Acarte, 1985. 4 In GARES Marítimas Passenger Gares Marítimas Passenger Terminals Alcântara Rocha do Terminals Alcântara Rocha Do Conde de Óbidos. Lisboa: Ed. Conde De Óbidos. Lisboa: Ed. APL- Administração do Porto de APL- Administração do Porto de Lisboa, S.A., 1999. Lisboa, S.A., 1999. 5 In FRANÇA, José-Augusto - Negreiros, Maria José Almada, Almada o Português sem mestre. Conversas com Sarah Afonso. Lisboa: Estúdios Cor, 1974. Lisboa: Ed. Arcádia, 1982. 6 Ver de Maria José Almada Revista de História da Arte, vol.2 Negreiros , Conversas com Sara , Almada Negreiros. Lisboa: Ed. Afonso. Lisboa: Ed. Arcádia, 1982 Instituto de História da Arte, FCSH 7 IN FUNDAÇÃO CALOUSTE UNL,2012 [Consultado 31 de GULBENKIAN - Os anos 40 na arte Agosto de 2015].Disponível em portuguesa; Lisboa: Ed. Fundação URL: http/ficheiros/Revista%20 Calouste Gulbenkian, 1982. Vol.1 Almada%20Negreiros.pdf. Tavares, Cristina De Azevedo, “José Pacheco e os Novos”,

– CRISTINA AZEVEDO TAVARES 161 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << nowadays andhowcanthefirstcontribute toabetter and several urbanartisticinterventionswhichaimtoquestion Negreiros noAscensordaBicaenaEstação more profitable relation betweenthecityandits citizens. architecture field. Duringthelastyears theyhavecreated city andthusaddressing newmeanings andfunctionsto through opticalillusionsbasedoncolour, line, and relief Lisbon basedarchitects whosework goesfarbeyondthe artists whoseprojects andworks aimtorehabilitate and Catarina andRita Almada Negreiros are twoPortuguese movement, rescuing some of the main principles of Op movement, themainprinciplesof rescuing someof “humanize” old and (sometimes) degraded parts of the “humanize” oldand(sometimes)degraded partsof with the use of tilesduringthelastfivecenturies,with theuseof make them afrequent choicebycontemporary architects and Hence, itisalsoimportant toquestionhowtherelation showing howtheseinterventionsinterfere andinteract Art andKinetic Art tothePortuguese contemporary art The privilegedrelation Portuguese arthasestablished with theusers’perception duringtheirdailyjourneys. major works –Cota Zero (2011)and Vai Vem (2013)– both usingtilesasthepreeminent material andboth scene. their This articledescribesandanalyzestwoof located incentral thecity, transport infrastructures of the perception actbychallengingtheviewer’s vision Olhar em Movimento: As Intervenções Olhar emMovimento:AsIntervenções Cerâmicas deCatarinaeRitaAlmada between publicartandspace takes place Sul/Sueste doTerreiro doPaço Mestre emHistóriada Arte pelaFCSH-UNL, investigadora ebolseira do the publicspace. Instituto deHistóriada Arte -Fundação MillenniumBCP.

como achave darecolha de informação ceptivo. Omovimentoassume-se, porisso, movimento como base do fenómeno per interacção contínuaentre corpo, espaçoe LEAU-PONTY:1992, 19), reforçando assima tor, sentido àrealidade,pois,comorefereoau- é atravésdocorpoqueoindivíduoatribui nas sensaçõesrecolhidas pelossentidos, -a comoumactocorpóreo, isto é, assente cação econstruçãodomundo. Encarando- quanto processo simultâneodedescodifi- um interrogar constantedapercepção, en- (1908-1961), cujotrabalho foimarcado por obra filosóficadeMauriceMerleau-Ponty um doscamposdeinvestigaçãocentrais da A Fenomenologia daPercepção constituiu (MERLEAU-PONTY:1992, 23) um econonossocorpo,porqueeleasacolhe. ali perantenós,sóláestãoporquedespertam Qualidade, luz, cor, profundidade, queestão Introdução só sevêaquilopara queseolha(MER- porDanielaSimões - sensorial, uma vez que as sensações apa- concepção de intervenções artísticas em es- recem associadas a movimentos e cada ob- paços públicos, onde a utilização do azulejo jecto convida à realização de um gesto, não se assume como marca fundamental. Partin- havendo, pois, representação, mas criação, do da problematização dos desafios que se novas possibilidades de interpretação das colocam à arte pública na sua relação com diferentes situações existenciais (NÓBRE- o espaço público e seus utilizadores, serão GA:2008, 142). apresentadas duas intervenções das auto- ras - Cota Zero (2011) e Vai Vem (2013) – A proposta da fenomenologia da percep- analisando o modo como estas interagem ção, aliada aos estudos da Gestalt (dos quais com a toponímia, arquitectura e imaginário a primeira foi igualmente devedora) estive- da cidade de Lisboa e, em particular, com as ram na base de muitas das propostas artís- estruturas que as acolhem, ambas ligadas ticas desenvolvidas ao longo da segunda ao transporte de passageiros – O Ascensor metade do século XX1, as quais procuraram da Bica (Raoul Mesnier du Ponsard, 1892) e questionar a percepção da obra de arte por o novo átrio da Estação Sul Sueste (Cottinel- parte do espectador, através da introdução li Telmo, 1932) respectivamente. de movimento nas próprias criações artís- ticas, desafiando, desta forma, o carácter Os desafios da Arte Pública na cidade estável e unificado da imagem percepcio- contemporânea nada. Este desejo de interpelação do obser- Desde o final dos anos 60 que se vem as- vador desprevenido, com vista à criação de sistindo à generalização do conceito de arte uma conexão sensorial com a obra, tão fu- pública, o qual, não obstante as diferentes gaz quanto mutável, permanece e renova-se acepções e significados que comporta, en- (talvez mais do que nunca) no cenário actual contra-se intimamente ligado à ideia de es- da arte contemporânea, não só em contexto paço público3. Ainda que recorrendo a uma museográfico e galerístico, mas também, e certa generalização, poder-se-á afirmar que sobretudo, no espaço público, aquando da o termo arte pública se refere às obras de concepção de obras que integram o espaço arte e intervenções artísticas concebidas urbano, renovando estruturas pré-existentes para espaços de acesso público4, com vis- ou integrando novas edificações. Na base ta à criação de uma relação mais próxima destas intervenções encontra-se frequente- entre estes e as comunidades e utentes que mente um desejo de reabilitação e “huma- neles circulam e que com eles se relacio- nização” destes locais, atribuindo-lhes novas nam5. Ou seja, a arte pública desvela e re- funções e possibilitando o seu usufruto por vela um lugar, faz parte do quotidiano dos parte da(s) comunidade(s). seus utentes, e pode dizer-se que simulta- neamente produz como que uma suspen- Estes parecem ser os pressupostos do tra- são desse mesmo quotidiano, transforma o balho de Catarina Almada Negreiros (1972) espaço público em espaço real, povoado e Rita Almada Negreiros (1969)2, cujo exer- e diversificado, suprime um espaço inicial- cício da arquitectura é acompanhado pela mente vazio para o tornar transformável e

– DANIELA SIMÕES 163 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA oitocentista culo XIX, aquandodaformaçãocidade desconexão apresenta asuagénesenosé- o dia-a-dianacidadecontemporânea. Esta xão entre corpoeespaçoquecaracteriza banismo edesign) em relação àdescone- verificável noscamposdaarquitectura, ur atitude críticaporparte deartistas (também ca promove parte, frequentemente, deuma indivíduo eespaçopúblicoqueaarte públi- Porém, estereequacionar darelação entre de significadoqueoprimeiro lheconfere através daexperiência sensorialeatribuição acolhe, tornandoesteúltimomaishabitável e íntimoentre oindivíduoeespaçoque o do, trata-se dacriaçãodeumdiálogoúnico ço público(CORREIA:2013, 25-26). Nofun- podem mudarasdistânciasvividasnoespa- local e a uma dada obra de arte, e como se situação quetempelafrente faceaumdado ginar comosepodedisporesseespaço, na paço públicoconvidaoespectadoraima- habitável. A presença daobra dearte noes- << stimulating initself; thedriverwantstogo motion,function of it thus becomes less speed (....) As urbanspacebecomesamere new geography possible, thegeography of the physical experience which made the of mecimento dossentidoséumresultado apontado porRichard Sennett, esteador exercício daexperiência sensível. Tal do, deixando poucasoportunidades para o pria cidade, tãorápido quantofragmenta- isso, embaladonumritmoqueéodapró- fico noespaçourbano. Oindivíduoé,por transportes, comodoaumentodemográ- fruto nãosódacrescente velocidadedos também pelaideiademovimentocontínuo, de anonimato entre osseushabitantes, mas 7 , caracterizada pelasensação como 6 . - - ponente socialdolocal(MILES:1997, 132) sim, para alémdadimensãofísica, acom- mais atractivos visualmente, enfatizando as- tornarem os seus espaços arquitectónicos de encorajamento para asuautilização, ao cionam emmuitoscasoscomoumfactor terminais (rodoviários) eaeroportos fun- (comboios, metro), cais(fluviais, marítimos), a presença deobras dearte emestações tarão comasobras, mastambémporque por viadautilizaçãodotransporte, contac- só noelevadonúmero deindivíduos que, ponsáveis pelascomissões, baseia-senão parte deartistas, querdasentidadesres- obras dearte pública. Tal opção, quer por como locaisprivilegiadospara acriação de que, nasúltimasdécadas, sejamencarados ao longodotraçado urbano, temlevadoa ros, cujasestruturas sedestacameimpõem responsáveis porfluxos diáriosdepassagei- des, verdadeiras artérias decomunicação, O papelcentral dostransportes nascida- para a Arte Pública emPortugal Os transportes comoespaçoprivilegiado NETT: 1994, 17-18). one’s attention onthepassingscene(SEN- space. Sheervelocitymakes ithard tofocus reinforces disconnectionfrom thissenseof thetravellingThe body physicalconditionof through thespace, nottobearoused byit. litano deLisboa Em Portugal, a criação da rede do Metropo- presença de ummaterial caro àtradição ar utentes comonovotransporte através da as estações, familiarizando, destemodo, os emprego doazulejonadecoração detodas 1975) reflecte esta atitude na opçãopelo o arquitecto Francisco Keil do Amaral (1910- 9 , cujoautordoprojecto foi 8 . - quitectónica nacional. Para além da neces- (1926-), Manuel Cargaleiro (1927-), entre sidade de tornar as novas estações visual- vários outros. No contexto do presente ar- mente apelativas e acolhedoras, restrições tigo considera-se relevante salientar a obra orçamentais estiveram na base da opção de Eduardo Nery, uma vez que, tal como os de Keil do Amaral pela integração do azu- revestimentos azulejares criados por Ma- lejo no revestimento das paredes dos átrios, ria Keil para a rede de metropolitano de escadarias gares de cada estação, tendo o Lisboa, também os da autoria deste artista arquitecto escolhido Maria Keil (1914-2012) apresentam polos de contacto com as pro- para a concepção dos respectivos projectos postas de Catarina e Rita Almada Negreiros. cerâmicos. Estes deveriam aliar a compo- nente artística à da funcionalidade do local Eduardo Nery foi um dos primeiros artistas que os acolhia, segundo os novos pressu- portugueses cuja obra apresentou, ao lon- postos modernistas, pelo que uma das di- go das décadas de 60 e 70, preocupações rectrizes impostas foi a do predomínio de semelhantes às do movimento Op Art, no- uma decoração geométrica, uma vez que, meadamente no questionamento da ambi- porque os espaços a animar eram zonas de guidade perceptiva do objecto através da passagem, não deveria haver lugar para mo- exploração e inclusão de jogos de trompe tivos que provocassem a paragem dos uten- l’óeil suas nas telas e, posteriormente, nas tes (CASTEL-BRANCO: 2000, 14). Maria Keil tapeçarias e painéis azulejares concebidos. concebeu assim composições assentes na Com uma régua rodando geometricamen- sua maioria em padrões geométricos cujos te sobre si própria ou em vários sentidos da ritmos e dinâmicas não só se adaptassem superfície – como processo despertador de às características arquitectónicas dos espa- imagem – cria paisagens de abstracta, e ao ços a revestir (átrios, lanços de escadas, ...), mesmo tempo, lírica espacialidade. (…) O como ao ritmo apressado dos passageiros10. princípio da economia na aplicação de co- res (…), o seu limitado uso em degradé, e Para além destes aspectos, o emprego do os jogos geométricos puros, as figuras pu- azulejo em grande escala permitiu reabili- ras (círculo, o triângulo, o quadrado, a linha ta-lo no contexto do movimento moderno recta), os volumes autênticos ou sugeridos na arquitectura, resgatando-o da secunda- virão estruturar, depois, um alfabeto próprio rização a que havia sido votado no período e, seguidamente, um discurso, ou mesmo inicial do Estado Novo. Esta atitude de va- vários discursos, inovador. No qual, ou nos lorização e exploração das potencialidades quais, o espaço, a condição da espacialida- do azulejo no espaço urbano encontra-se de, do plano, da profundidade, é sempre o patente em várias intervenções de arte pú- dispertar da acção visual11 ou de diversas blica ao longo da cidade de Lisboa (e não acções e, simultaneamente, os seus ecrãs só), das quais se destacam os trabalhos de (AZEVEDO:1997, 20-21). Eduardo Nery (1938-2013), Rolando Sá No- gueira (1921-2002), Querubim Lapa (1925- Tais premissas encontram-se presentes nas ), João Abel Manta (1928-), Júlio Pomar várias obras de revestimento azulejar cria-

– DANIELA SIMÕES 165 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA dos últimos60 anos, peloque, setal opção de inúmeras obras dearte públicaaolongo Este serviude“matéria-prima” àconcepção cral ocupadopeloazulejonestecampo. o casoportuguês, emparticular olugarful- da cidadecontemporânea, sem descuidar blematização daarte públicanocontexto mitiu salientar questões centrais para a pro- O percurso até aomomentorealizado per Olhar emmovimento Cota Zero (2011)e Vai Vem (2013): a reabilitação urbanadaárea envolvente. guns casos, contribuindoactivamentepara para aquelesqueosutilizam, como, emal- ção, tornando-os não só mais atractivos paços públicoscomvistaàsuahumaniza- primordiais doemprego doazulejoemes- do NeryeMariaKeil são, porisso, exemplos cias,0,589.aspx). As intervençõesdeEduar mar (2010)(http://redeazulejo.fl.ul.pt/noti- Tratamentos de Água da Asseiceira, em To - intervenção para oexterior daEstaçãode te Santo, Lisboa(1994e2002)umagrande de placascerâmicas eviadutosda Av. Infan- Metropolitanos deLisboa(1993);umpainel de, emLisboa;aestaçãoCampo Grande do dutos da Segunda Circular no Campo Gran- Lisboa; orevestimento dospilares dosvia- to Imobiliário(1991), actualBancoBIC, em terior daSededoBancoNacionaldeCrédi- jaria (1987);oconjuntocerâmico para oin- Água daEPAL, Prémio Municipal de Azule- Mértola (1981);umpainelpara oMuseuda nal para opátio doCentro deSaúde Vedras (1972);orevestimento tridimensio- do Banco Nacional Ultramarino em Torres Cervejas em Vialonga (1966);adecoração cos, nomeadamente para aSociedadede das porEduardo Nerypara espaçospúbli - << - - dimensões a fábrica Viúva Lamegoequerecupera as lejo cinético”, concebidoemparceria com emprego doazulejo, emparticular do“azu- venções realizadas nacapital, optaram pelo longo dos últimos anos, em várias das inter Catarina eRita Almada Negreiros que, ao Neste contexto insere-se ocontributode suas obras propõem. questionamento doactoperceptivo queas gessem como protagonista no processo de – quelevaram aqueinúmeros artistas oele- cambiantes de luz, efeitos ópticos, relevo,... cialidades emarcas estruturais –cor, brilho, mo, poroutro foram estasmesmaspoten- na suarelação comaarquitectura eurbanis- to daspotencialidadesefunçõesdoazulejo contribuiu, porumlado, para oalargamen- rente naturalidade eestabilidade doacto paços quepretendem pôremcausaaapa- artístico sedefine, nailusãode formas ees- que aambiguidadeperceptiva doobjecto tabelece comaobra nosváriosmomentos, de posicionamentosqueoobservadores- quitectas, umavezqueéatravés do“jogo” uma peçachavenotrabalho dasduasar VES: 2011, 16). Omovimento é,porisso, da própria textura dosazulejos(GONÇAL do transeunte no espaço – e ras, em dinâmico Tais ritmosdividem-se, segundoas auto- baseadas nosritmosetexturas recriadas. rentes percepções (GONÇALVES: 2011, 16), observador, conformeasuaposição, dife- ou comquatro dobras -, mostra epropõe ao - plano, com uma dobra, com duas dobras de duascores easdiferentes configurações perfil emziguezague, aliadoaopossíveluso lejaria nacional. Estemodeloazulejar, cujo 14x14cm, características daazu- – resultante da circulação estático – fruto - - - perceptivo, salientando, ao invés, a comple- blica: a sua especificidade para com o lo- xidade e artificialidade do mesmo, na me- cal que o acolhe, ou seja, o seu carácter de dida em que, como salienta Merleau-Ponty site-specific15. Tal característica consiste no pensar é experimentar, operar, transformar, facto de este ter sido concebido e projecta- com a única reserva de uma verificação ex- do tendo em conta não só as características perimental, na qual não intervêm senão fe- topográficas, paisagísticas, arquitectónicas nómenos altamente “trabalhados” e que os e funcionais do local, mas também a com- nossos aparelhos, mais do que registarem, ponente social e cultural que o define – va- produzem (MERLEAU-PONTY:1992,14). lor histórico, tipos de utilizadores, …- de tal modo que, fora deste contexto que é o seu, A procura de um confronto entre a imedia- a obra deixa de fazer sentido ou, no míni- tez da experiência sensorial e a lógica do mo, vê-o diminuído. raciocínio ancora o trabalho de Catarina e Rita Almada Negreiros na herança da arte Neste âmbito, Cota Zero define-se como o cinética e, em alguns casos, no tratamen- protagonista do novo átrio da Estação Flu- to formal da Op Art, dada a prevalência de vial Sul Sueste, resultante da ampliação le- composições abstractas, com recurso quer vada a cabo pelo atelier de Daciano Costa, a figuras geométricas Vai( Vem), quer a va- com vista à criação de uma plataforma de riações tonais (Cota Zero) que, pela sua re- ligação entre a recente estação de metro petição e conjugação, produzem estímulos do Terreiro do Paço (Linha Azul) e as em- visuais12 de direcção, profundidade e mo- barcações da Transtejo. A intervenção de- vimento cuja necessidade de organização senvolve-se ao longo do tecto (17x23m) e introduz na obra uma dimensão temporal13. das oito colunas (0,6m de diâmetro; pé di- O facto de as intervenções em questão in- reito de 5,6m) que o suportam, que são na tegrarem estruturas arquitectónicas ligadas íntegra revestidos por azulejo de formato ao transporte de passageiros, onde diaria- quadrangular (14x14cm)16, adaptando-se mente circulam milhares de pessoas num este à superfície arquitectónica, veiculan- ritmo apressado e contínuo (Cota Zero), do, deste modo, a sensação de um espaço aliado ao próprio trajecto realizado pelo unificado. Tal como apontado pelas auto- transporte (Elevador da Bica em Vai Vem), ras, neste espaço coexistem dois movimen- asseguram não só a presença do movi- tos fortes: a chegada do barco à Cota Zero, mento necessário à experiência sensorial pela superfície da água, e a chegada do me- da obra, como prolongam-na no tempo e tropolitano, a uma cota negativa. A ligação no espaço14, tornando-a, por isso, em algo entre estes dois movimentos é feita ao nível processual, em constante redefinição. da superfície da água. A união entre estes dois fluxos faz-se aqui e é desta especifici- A estreita relação que estas obras estabele- dade do lugar que surge a ideia base desta cem com as estruturas arquitectónicas que intervenção: uma reflexão sobre a Cota Zero integram remete igualmente para uma das (http://can-ran.com/#/cota-zero/). Esta, que marcas mais comuns no objecto de arte pú- em geografia, indica o nível médio do mar,

– DANIELA SIMÕES 167 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Vista geral deCota Zero (2011). Destaca-seomovimentode Pormenor dorevestimento azulejardotectoedascolunas. entrada esaídadepassageiros noátrio, bemcomoofluxo proveniente daestaçãode metro do Terreiro doPaço. Fotografia daautora (2015). Fotografia daautora (2015). cação noespaçodoobservador. contínua destaobra, enfatizada peladeslo- vêm activamente na sensação de mutação lumínicos quecaracterizam oazulejo, inter tes tonalidades, aliadas ao brilho e reflexos cambiantes deluzsimuladaspelasdiferen- superfície queé, afinal, plana e estática. As são deprofundidade emovimentonuma sável peloefeitoópticoqueintroduz ailu- exactamente estavariaçãotonalarespon- moiré effect – queaPsicologia daForma denomina de mas pormeiodesuavesgradações tonais cos, aliadoaumesbatimento dassuasfor ta-zero/). Esteefeitodecírculos concêntri- num novo lugar (http://can-ran.com/#/co- um espaçovirtual, colocandooespectador e ascolunas. Destarelação/reflexão nasce tre asuperfícieplanaebrilhantedotecto las colunaseérecriada umaligaçãoen- formas circulares sugerem sergeradas pe- gem deumasuperfícieaquática emque to azulejarempregue seaproxima daima- com orio, detalformaqueorevestimen- título escolhido, querpelaproximidade A evocaçãodaáguaénotória, querpelo mente dasaídapara oexterior daestação. da entrada nometropolitano, ousimples- do sevislumbra, querpara acidade, porvia de partida, querpara oRio Tejo queaofun- ço que, tambémeleseassumecomoponto neste contexto dedenominaçãoaumespa- a construção de cartas topográficas, serve constituindo, por isso, uma referência para passando porváriostonsdeazul de azulejo, desde o branco até ao preto, emprego devintetonalidadesdiferentes 17

– foiconseguidoatravés do 18 , sendo - -

Quanto a Vai Vem, trata-se de uma interven- ção formada por dois painéis azulejares que revestem os dois muros que ladeiam a es- trutura do Ascensor da Bica19, destacando a presença do histórico transporte e enfati- zando os movimentos de subida e descida por ele realizados. Estes painéis apresen- tam composições idênticas, dispostas si- metricamente de cada um dos lados do as- censor, formadas pela repetição de motivos de cariz geométrico que, no seu todo, ori- Vista geral de Vai Vem (2013) e do seu enquadramento nos ginam dois padrões distintos que se suce- muros que ladeiam o Ascensor da Bica. Fotografia da autora (2015). dem subtilmente. Devido à sua localização, estes padrões são apenas visíveis em pers- pectiva, pelo que é aquando da subida ou descida que as duas imagens vão-se mos- trando, misturando e sobrepondo, até que a imagem frontal se converta em imagem abstracta (http://can-ran.com/#/vai-vem/). A obra revela-se assim à medida que o per- curso é feito, introduzindo a já mencionada dimensão de tempo.

Como motivo principal da composição destaca-se a sucessão de setas que, numa perspectiva ilusionística de estruturas pe- Eléctrico realizando o percurso ascendente, o qual parece ser riódicas20, parecem não só apontar os dois sugerido pelo padrão de setas presente no painel. sentidos do percurso – vai/vem – mais tam- bém acentuar a inclinação do mesmo, numa aproximação à sinalética de trânsito que an- tecipa os diferentes acidentes de percurso. Catarina e Rita Almada Negreiros optaram pelo uso exclusivo do preto e do branco21, assim como pela alternância entre azulejo liso e “azulejo cinético”22 cujo relevo pare- ce simular uma gradação de tons cinzentos, ainda que se trate de uma entre as várias ilu- sões de óptica que esta obra comporta. Tal escolha cromática remete igualmente para as cores da cidade de Lisboa, bem como

– DANIELA SIMÕES 169 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Pormenor daassinatura daobra, verificando-seaalternância Pormenor deumadasextremidades dopadrão, destacando-se apresença do“azulejo cinético”. entre azulejoslisoserelevados. Fotografia daautora (2015). Fotografia daautora (2015). observador. Tal proximidade deprincípios mento no processo interacção entre obra e o papelfulcral desempenhadopelomovi - um vocabuláriopróximo daOp Art, eainda (tal comonaobra deEduardo Nery)para efeitos ilusionísticos produzidos, remetem tricas, bem como de tonalidades que, pelos o emprego deformasabstractas egeomé- turas ligadas ao transporte de passageiros, dos: apreferência porespaçoseinfra-estru- pontos de contacto podem ser sublinha- do Nery. Para alémdesteaspecto, outros tatada nostrabalhos deMariaKeil eEduar dição devalorizaçãodestematerial jácons- intervenções permiteancorá-las aumatra- azulejo comomaterial privilegiadonassuas na e Rita Almada Negreiros, cujo recurso ao É esteocampodeinvestigaçãoCatari- moldes emquedecorre oactoperceptivo. público através deumquestionamentodos ções, incentivandonovasleituras doespaço um agentecentral noestreitar destasliga- tidiano. A arte públicaapresenta-se como belece comoespaçopúbliconoseuquo- tença eparticipação queoindivíduoesta- prisma cultural e social, na relação de per diárias depassageiros,mastambémsobo das linhasdetransportesedeslocações a crescentedensificaçãodamalhaurbana, ponto devistaurbanístico e paisagístico com cidade contemporânea,nãoapenasdo crescente complexidadenocontextoda divíduo eespaçopúblicoassumemuma As relações queseestabelecem entre in- Considerações Finais do revestimento azulejar comportam. tão de “pixelização” que algumas das partes para umcerto universodigital, pelasuges- - - levou ainda a que, em 2009, Catarina e Rita – Bibliografia Almada Negreiros colaborassem com Maria Keil na concepção dos padrões azulejares – Obras consultadas que decoram a estação de metro de São Se- BARRETT, Cyrill, Op Art. London: bastião, sendo que, enquanto o revestimen- Studio Vista, 1970 to das paredes do átrio e escadarias ficou a BEAUDELAIRE, Charles, O Pintor cargo das primeiras (tendo aí sido empre- da Vida Moderna. Lisboa: Vega, gue o “azulejo cinético” pela primeira vez), 1992 (1863) Maria Keil ocupou-se das paredes das plata- CASTE-BRANCO, João Pereira, formas, dialogando de uma forma profícua Azulejos no Metropolitano de os dois revestimentos criados. Lisboa. Lisboa: Metropolitano de Lisboa, 1990 O jogo de formas, cores e relevos (por via CORREIA, Vítor, Arte pública, seu do emprego do “azulejo cinético”) em que significado e função. Lisboa: Fonte as intervenções de Catarina e Rita se ba- da Palavra, 2013 seiam, se por um lado se apresentam como ECO, Umberto, A Obra Aberta. atractivas para a visão, por outro lado desa- São Paulo: Editora Perspectiva, fiam-na, pois nelas reside uma ambiguida- S.A., 1991 (1962) de e ilusionismo que, aliados à forma ines- GONÇALVES, Clara Germana, No perada como se apresentam ao observador, Ritmo: A arquitectura de Catarina convidam a uma interrogação sobre esse e Rita Almada Negreiros. In Jornal encontro constante que é o do corpo com o de Arquitectos, nº242, Jul-Set mundo. As duas obras azulejares analisadas 2011, pp.14-17 – Cota Zero e Vai Vem - apresentam-se como MECO, José, Os Azulejos do fruto de um trabalho multifacetado, onde se Metropolitano de Lisboa. In Artes congregam áreas como a arquitectura, artes Plásticas, nº10, Maio 1991, pp.25- plásticas e design, num espírito de diálogo 28 que se encontra na génese dos Ateliers de MERLEAU-PONTY, Maurice, O Santa Catarina. Olho e o Espírito. Lisboa: Vega, 1992 (1961) MILES, Malcom, Art, Space and the City: Public art and urban features. New York/London: Routledge, 1997 SENNETT, Richard, Flesh and Stone: The Body and the City in Western Civilization. New York/ London: W. W. Norton & Company, 1994

– DANIELA SIMÕES 171 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 2 1 – Notas noticias,0,589.aspx http://redeazulejo.fl.ul.pt/ id=3913881&page=2 pessoas/interior.aspx?content_ http://www.dinheirovivo.pt/faz/ 04/05/2012. Disponívelem: azulejar. InDinheiro Vivo, Elas trabalham aarquitectura http://can-ran.com/#/cota-zero/ http://can-ran.com/#/vai-vem/ v13n2/06.pdf http://www.scielo.br/pdf/epsic/ 2008. Disponívelem: Federal doRioGrande doNorte, em Merleau-Ponty. Universidade Corpo, Conhecimento ePercepção NÓBREGA, Teresinha Petrúcia da, — Emlinha << Duchamp (1887-1968). particular naobra deMarcel alguns trabalhos dadaístas, em Construtivismo, Orfismoeem do Cubismo, Futurismo, novecentos, comaspropostas longo daprimeira metadede haviam jásidoafloradas ao e doseuimpactonapercepção do movimentonaobra artística relacionadas comasimplicações outras. Contudo, aspesquisas Art, HiperRealismo, entre Art (Minimalismo), Performance Colour Field Painting, Minimal Art, Kinetic Art (Arte Cinética), propostas destacam-seaOp Catarina eRita Almada Negreiros Como exemplo destas Almada Negreiros destacam-se da autoriadeCatarina eRita Como principaisintervenções formas (GONÇALVES:2011, 14). do “desenho” adjectivaras o vago:ouseja, acapacidade alterar –(re)criar –oindiferente, própria daarquitectura, de potencializa-se acapacidade na caracterização doespaço: fundamentais. Fundamentais aspectos sensitivossãocomo ideia earquitectura emqueos se inserem, querveículosdeuma objecto arquitectónico emque determinantes naidentidadedo não sejamsão, narealidade, quer arquitectura. Masaindaqueo os “habituais”projectos de trabalhos desenvolvidossão de arquitectura” nemtodosos específica. (…)Neste “atelier um enriquecimentodecadaárea colaborações concorrem para (num sentidolato), asdiferentes outros modosdepensarefazer uma mesmadisciplina, quer diferentes modosdepensar Acredita-se que, cruzandoquer música artes plásticas, ilustração. design gráfico, Web design, vídeo, urbanismo, designindustrial, sentido amplodotermodesign: que serelacionam comum arquitectura, diferentes actividades coxistem, para alémda de ateliers ondetrabalham, revelam, nesteespaçocolectivo Catarina em2000. Segundo fundaram os Ateliers deSanta 3 potencialmente, concedendo à se desenrola eseefectiva, ou espaço emqueavidadoscidadãos público éentendidocomoum definição desteautor, oespaço 2013. Partindo daproposta de função. Lisboa:Fonte daPalavra, em é abordada por Victor Correia diferentes leituras esignificados de espaçopúblicoedassuas com/ 2014). Website:http://can-ran. Avenida Ribeira dasNaus, Lisboa, 2013), Reminiscência (escultura, anexos ao Ascensor daBica, (painéis deazulejonosmuros com MariaKeil, 2012), Vai Vem (revestimento azulejaremparceria de Metro deSão Sebastião tratamento plásticodaEstação Prize forUrbanPublic Space), dos finalistasdoprémio European do Prémio SOS Azulejo 2011eum Terreiro doPaço, 2011, Vencedor átrio daEstaçãoSul/Suesteno do tectoedascolunasnovo recurso aorevestimento azulejar Zero arquitectónico, Tibete,2008), do Aeroporto deLinzhi(projecto Teresa Castro, 2006), Cais Fluvial em Lisboa, Arq. José Soalheiro e residencial Campolide Parque, iluminação inseridonoconjunto de Iluminação(projecto de Lisboa Loft, 2003), Estratégia átrio doedifíciodehabitação Lustre 177(intervençãono

A problematização doconceito Arte Pública,e seusignificado (intervençãoplásticacom Cota componente social urbanística tentativa de uniformização de de organismo perfeitamente um lugar central na constituição gostos e comportamentos, calibrado, é também aberta, isto das práticas sociais e culturais. segrega comunidades e grupos é, passível de mil interpretações Ou seja, trata-se de um espaço pelo seu “não encaixe” nos diferentes, sem que isso redunde físico e material, aberto, de inter- padrões dominantes (Graffiti, na alteração da sua irreproduzível ligação e controlo das diferenças Street Art, Performance, …). Esta singularidade. Cada fruição é, sociais, étnicas e culturais, que se questão traduz-se igualmente assim, uma “interpretação” e uma condensa sobretudo na cidade numa outra, isto é, nos públicos “execução”, pois em cada fruição contemporânea (CORREIA:2013, 9). da arte pública, dado que não a obra revive dentro de uma 4 Como exemplos de espaços de existe um público (uniforme, perspectiva original (ECO:1991, acesso público citam-se ruas e com as mesmas características e 40). praças, edifícios administrativos e interesses), mas vários tipos de 7 No contexto da formação da governativos, parques e jardins, público, pelo que a concepção cidade oitocentista destaca-se o escolas, hospitais, tribunais, de intervenções de arte pública texto O Pintor da Vida Moderna estações de comboio e metro, com base numa visão generalista (1863) da autoria de Charles entre outros. A instalação de do público a que esta se destina Baudelaire (1821-1967), no obras nestes espaços resulta leva frequentemente a uma falta qual o autor descreve a Paris frequentemente de actividade de interesse e participação na haussemaniana, “capital do mecenática, mas também de recepção e interacção com a obra, mundo”, introduzindo o leitor à encomendas realizadas pelos já que esta apenas parece apelar figura doflâneur . Para este, eleger órgãos administrativos (de cariz e ser acessível a uma minoria. domicílio no meio da multidão, público ou privado), municipais Não obstante a importância de no inconstante, no movimento, no ou mesmo estatais. Ainda que do tais questões, o presente texto fugitivo e no infinito, constitui um ponto de vista da propriedade, opta por deixa-las de parte, imenso gozo. Estar fora de casa estas obras de arte possam estar devido a serem outras as que e, no entanto, sentir-se em todo o situadas em espaços privados pretende abordar. Para uma lado em casa; ver o mundo, estar (não pertencentes ao Estado), leitura mais aprofundada sobre as no centro do mundo, permanecer se estes forem concebidos para contradições da arte pública no escondido do mundo, tais são usufruto público, as criações que se refere aos seus públicos alguns dos pequenos prazeres artísticas neles presentes e recepção sugere-se a leitura destes espíritos independentes, deverão ser consideradas como do capítulo The contradictions apaixonados, imparciais, que manifestações de arte pública. of public art, parte integrante a língua apenas pode definir 5 No entanto, muitos são os da obra Art Space and the City de um modo imperfeito exemplos de arte pública criada (MILES:1997). (BAUDELAIRE:1992,18) à margem das encomendas 6 Neste contexto vale a pena 8 Tal atitude havia já sido institucionais, funcionando relembrar Umberto Eco quando preconizada por Hector muitas vezes como uma crítica ao na sua publicação seminal A Guimard (1867-1942), aquando próprio modo de funcionamento Obra Aberta (1962) afirma que da concepção das entradas e das mesmas, assim como da uma obra de arte, forma acabada respectivas estruturas decorativas própria sociedade que, na sua e “fechada” na sua perfeição art nouveau do Metropolitano

– DANIELA SIMÕES 173 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 10 9 Modern Style eoda Arte Deco. vocabulário oscilouentre odo de produção industrial, cujo de azulejo, essencialmente e corredores, através doemprego decoração dasgares, plataformas pela atenção quefoidadaà XIX) demarcaram-se igualmente (inaugurados aindanoséculo de Londres eNovaIorque e 1900. Osmetropolitanos de Paris, inaugurado entre 1899 << 1959. inauguradas emDezembro de tendo asprimeiras estaçõessido teve inícioem Agosto de1955, primeiro troço doprojecto dos lancesdasescadas, com ascendente edescendente, função dosritmosdeutilização, de modoirregular edinâmico, em segmentos depadrões, dispostos autónomo, porarticulação de instauradora deumespaçolugar uma arquitectura cenográfica revestimento éconcebidocomo apontado pelaartista, cada todo percepcionado. Tal como utente, levando-oaquestionaro oobservador- de “prender” variações nosmesmos, capazes quer daintrodução desubtis do diálogoentre váriospadrões, módulo azulejar, através quer fuga àrepetição infinitado por MariaKeil procuraram a os revestimentos concebidos compostos pormotivosseriados, Oiníciodaconstruçãodo Ainda quemaioritariamente 11 12 element isdominant, theeye pattern ishomogeneousandno over thesurface, where thesurface simple andcontinuouslyrepeated Barrett, where theelementsare exactamente (AZEVEDO:1997, 21). objectos”. Percepção ememória atravessam afaceequívocados na fluidezdasmemóriasque campo operativo concreto como dados perceptivos, tantono “a permanentemudançados de “Mobilidade Visual”, ouseja, teórica doseutrabalho foio Eduardo Nerypara aancoragem (MECO: 1991,28). de placascomformaseriada material formadopelarepetição não apagaroazulejoenquanto partes, edanecessidadede partindo dotodopara as diversas da decoração decadaespaço, ainda maisaconcepçãoglobal diálogo pretendido, acentuando assentam intervêmactivamenteno aliados àmalhareticular emque que caracterizam oazulejo, intensidade cromática eobrilho (CASTEL-BRANCO: 2000, 14). A de cortinas entreabertas numa espacialidadeimaterial a parede sedesmultiplicasse redes demovimento, comose sobrearticulação deplanos– “obsessiva construçãopor disposição serial, criandouma recusa dopadrãoemtradicional evidente masfundamental Tal comoapontadoporCyrill Umdosconceitoscriadospor 15 14 13 espaço. percurso, istoé, a deslocação no o necessáriopara realizar o (BARRETT: 1970, 99). fast, endlessorarrested movement slow, suggestion of equivalent of theeyemovementortovisual of tempo. This maybeduetospeed formal movement, formal akindof (…) There is also, corresponding to for thisphenomenontohappen. timeis requiredsince aperiodof could nothaveobservedbefore, We observesomethingwhichwe picture before ittakes place(…). concentration onthe amount of at once. Itusuallyrequires acertain movement isnotalwaysapparent uma vezquethiskindof deriva danoçãodemovimento, cinéticas taldimensãotemporal caso dasobras decarizopart e qualquer objectoartístico, no do processo derecepção de temporal severificaaquando argumentar quetaldimensão (BARRETT: 1970, 102-104). to remain inactive:hemustreact it isimpossibleforthespectator optical response. Nevertheless, spectator’s activitytomore orless is “pre-planned” andconfinesthe initial situation whichhepresents “provokes” thespectator. Butthe (…) The Opartist, therefore, to organize thedata before it. is bluffed byitsvainattempts Ainda que ocarácter desite- Nestecasootempoqueé Ainda quesejapossível specific seja uma das marcas conhecido na Psicologia das and incisive, and clear definition of mais comuns da arte pública, Formas como “periodic structures” form is essential for certain kinds of nem sempre esta especificidade define-se comofunctions which optical effect (BARRETT: 1970, 38). se verifica, podendo o artista repeat the same values at regular 22 O azulejo cinético havia já realizar várias reproduções da intervals, as the variable increases sido empregue no revestimento mesma obra e integra-la em or decreases uniformly. In less da estação de metro de São contextos arquitectónicos e technical language, they consist of Sebastião, realizado em 2009. urbanísticos variados. Outro a repetition of simple geometrical aspecto associado à arte pública é elements – lines, squares, circles, a sua presença quotidiana na vida triangles, etc. The characteristic das populações, embora muitas of a periodic structure das manifestações artísticas deste is that the elements are virtually tipo se definam essencialmente anonymous; that is, one can pelo seu carácter efémero, como observe them individually with é o caso do graffiti, do cartaz, da difficulty or not at all. (…) They performance, entre outros. merge or fuse together to form a 16 O revestimento azulejar ocupa recognizable image in black and uma área total de 480m2. white and various shades of grey 17 “Moiré” is a French Word (…) (BARRETT:1970, 38). meaning “watered” and was first 21 Citando novamente Cyrill applied to fabrics known in English Barret, the use to which Op artists as “watered-silk”. The water –like put their visual effects can most effect is produced by doubling a easily be demonstrated in black glossy fabric with a parallel weave and white. (…) The reason for so that the parallel cords are nearly this is twofold. First, most optical aligned, and pressing the surface effects can be achieved by the together (BARRETT: 1970, 65). use of black and white alone. By 18 Segundo as autoras, no excluding colour, the artist can revestimento do tecto foram produce the effects he wants utilizados dez tons – os mais claros without the added complexities – e nas colunas os restantes dez which colour brings with it. (…) – mais escuros (http://can-ran. Secondly, black and white is more com/#/cota-zero/). dramatic in its effect. It is more 19 Num total de 52m2 de dynamic; it carries more punch; revestimento azulejar, it affords a greater contrast. Black articulando-se com o projecto de and white act like complementary requalificação da Bica, da autoria colours but with greater effect da arquitecta Teresa Nunes da because of the strong contrast Ponte. between them. The contrast also 20 O movimento ilusionista helps to make the forms clear-cut

– DANIELA SIMÕES 175 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << été peints, danslesannées1980, sur55piliersduviaduc commeun poèmemystique, quifaitpartiedupatrimoine à humaniserlavilledeRio Janeiro, avecdespeintures encouragements pourceuxquipassent etl’espoir àceux et lapeinture enregistrée parlaMairie, en2000, àrester Le «Prophète Gentillesse» commeilestconnu, acherché l’oeuvre estprésentée aveclecaractère de «livre urbain», nas PilastrasdoViadutodaAvenida Brasil en tantquemémoire delaville. L’oeuvre deGentillesse O 'ProfetaGentileza',esuas56Inscrições pour quenouspuissions mieuxdiscuterdesquestions culturel delavilleRio Janeiro. Les panneaux ont indéniable etsera présentée commeunobjetd’étude, sur desmurs, formellement, dansd’unecomposition phrases apparaissent commedesversetsnumérotés, avec desmotspeints, entitres superposésetrévélés, constructive. Le message depaixetd’amour cherche réalisées, surlespiliersduviaducdel’Avenida Brasil qui prennent refuge, danslestravées duviaduc. Les circulation depluscentmillevéhicules, parjour, intervient dansleszonesurbaines, avecuneforce (Avenue Brésil), près delazoneportuaire. Lieude à neutraliser l’agression delaville, donnantdes A Arte deJoséDatrino, A Arte Historiadora eCríticade Arte, vice-Presidente da ABCA, Professora da no RiodeJaneiro liées àl’art public. tornou amarca de José Datrino », temaquese Gentilezageragentileza « o povoeproclamando suamensagem. lastra, aondeoprofeta ficava, acenandopara ferencialmente, daúltimapara aprimeira pi- que guardam umasequênciaaserlida, pre- ram 56inscriçõesmuralistas, textos pautados, suas mensagensnospilares doviaduto. Fo- Durante adécadade1980oartista pintou vro aberto para inspirar opovo. que por ali passavam, revelando-se como li- muros, colorindo deesperança avidados arte foiaospoucosmodificandoocinzados pilares do Viaduto da Avenida Brasil. Sua do Riode Janeiro epintavamensagens nos mem simples que deambulava pela cidade profética, proclamada pelabocadeumho- tica, tornou-se o fulcro de uma mensagem dentifica nouniversodesuaprodução artís- porAngelaAncoradaLuz Universidade Federal doRiode Janeiro. 1 , equeoin- Na década seguinte, alguns vândalos dani- bom termo o projeto. Os custos foram co- ficaram os murais que foram então cober- bertos pelo Operador Nacional do Sistema tos com tinta cinza pela COMLURB2. A po- Elétrico (ONS). pulação reclamou. Vozes se levantaram de todos os cantos clamando por « gentileza ». Para se ter uma idéia do impacto que o Pro- Marisa Monte3 e Gonzaguinha4 compuseram feta Gentileza causava com suas frases de músicas que exaltavam a mensagem deste encorajamento, em 2009, quando foi ao ar artista que sai do anonimato para se tornar a telenovela “Caminho das Índias”, a auto- referência na arte pública do Rio de Janeiro. ra Gloria Perez fez uma homenagem a José Datrino, trazendo-o à vida6 através do ator Através das cartas enviadas às redações dos Paulo José, que perambulava pelas ruas do jornais as pessoas se posicionavam. Entre- Rio com seu estandarte e sua pregação. vistas colhidas nas ruas, por pessoas que passavam diariamente pelo local, davam Para Washington Fajardo, presidente do Ins- conta do sentimento de perda que a popu- tituto Rio Patrimônio da Humanidade e do lação manifestava diante dos muros cinzas. Conselho Municipal de Proteção do Patrimô- Por iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão da nio Cultural, os murais de Gentileza vão per- Universidade Federal Fluminense, o projeto manecer. O mais recente ataque veio des- « Rio com Gentileza » foi elaborado, objeti- ta vez do planejamento urbano da cidade, vando a restauração e preservação dos mu- pois três dos cinqüenta e seis pilares do via- rais, dando atendimento às vozes de Marina duto estavam no último trecho do elevado Monte e Gonzaguinha e ao apelo popular que foi demolido, de acordo com o plano através da mídia. O Consórcio Novo Rio, a de mobilidade urbana para a zona portuá- Socicam5, a Secretaria Municipal de Cultu- ria da cidade. Fajardo foi taxativo ao afirmar: ra do Rio de Janeiro e as empresas Ponto de Bala, Fosroc Reax Tintas, GP Andaimes e “— Vão passar mais mil anos e as pinturas vão Wherever se uniram em apoio ao empreen- ficar ali. É a obra de um personagem urbano, dimento e, a partir de 1999 começa a recu- que surge pela cidade e que traz uma men- peração dos mesmos até que em maio de sagem mística. São pinturas organizadas 2000 a restauração é concluída e a obra como versículos. Por isso, têm numeração”7 tombada pela Prefeitura. O cumprimento da promessa se iniciou com Anos mais tarde, em março de 2011, novo a sua preservação, pois, os três pilares que projeto de restauração é elaborado, como estavam na área da demolição tiveram ape- presente pelo aniversário para a cidade. nas a parte superior, chamada de tabulei- Desta vez, o movimento “Rio com Gentile- ro, retirada, sendo mantidos os pilares que za”, que fora criado em 1999, na Universi- guardam as mensagens e proclamações de dade Federal Fluminense (UFF), reúne uma Gentileza. Os demais estavam fora da área equipe formada por dois restauradores e prevista para a demolição. quatro pintores assistentes que levam a

– ANGELA ANCORA DA LUZ 177 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Para ele a arte temasexplicações para os “erres” clamar suamensagemde AMORRR comtrês vel dospassantespudessecontinuarapro- quando deixou deexistir naconcretude visí- minou que, apóssercoberta pelatintacinza, pela preservação dosmurais? Oquedeter cimento? Oquemobilizouopovoaseunir as possibilidadesdeagressão edesapare- de permanência, apesardeexposta atodas O quefazumaobra públicaadquirirtalforça definição doqueserá feito». tamento urbanístico, masaindanãoháuma preservá-las de qualquer jeito, com um tra- tileza), todavia, será derrubada[...] A idéiaé vel José Datrino (nomeverdadeiro deGen- pilastras comaarte docaminhanteincansá- morial oumesmoummuseu. Nenhumadas para outro local, como uma praça, um me- Silva, apossibilidadedeserem removidas Patrimônio eHistóriadaRegião, Alberto ponsável por projetos de preservação do dor doPrograma Maravilha Cultural eres - Alves. Masaindahá, segundoocoordena- elas fiquemintactasna Avenida Rodrigues da cidadedoRiode Janeiro]. A idéia éque manter aspilastras!Garante Paes [prefeito “Onde tiverpintura doGentileza,nósvamos << Argan, acidadeémuitomaisdoqueisto ção ordenadas defunçõespúblicas. Para do equepossuemorganização edistribui- traçados regulares de um espaço delimita- to deedificaçõesqueestãodispostasnos pensar emcidadeapenascomoumconjun- por suasruaselogradouros. Nãopodemos e existe noimagináriodopovoquetransita A arte pública tem como cenário a cidade rada porordem daprópria prefeitura? 9 ecomtalforça, queressurgiu restau- 8 10 - .

Verde, amarelo, azul, preto, branco eram as tras edasfaixasquedelimitavamoespaço. Os painéiseram coloridos emfunçãodasle- minavam oscódigosdoprofeta. a emitirnovossignificadospara osquedo- significado primeiro, maspassava, também, artista apalavra continuavaarevelar oseu para cadaalteração ortográfica criadapelo existência superior e não a comum. Assim, os ‘três vês’de‘univvverso’, sinalizavamuma mar. As letras repetidas, comoporexemplo, mensagem queoprofeta desejavaprocla- por descuidoouerro, maspelacarga da porque a repetição das letras não se deu za. “UNIVVVERRSSO”estáassimregistrado çam a mesma sintonia espiritual de Gentile- mentos revelados apenasaosquealcan- Em suasimagenssurgem outros entendi- lavra, maselassãoplurívocasesimbólicas. concerne aoentendimentodaprópria pa- repletas designificados, nãoapenasnoque tidas aorigorortográfico, elassãofiguras denadoras das imagens, não estão subme- criando umtecidorigoroso. As palavras, or de figuras queseajustamladoa lado evão xas horizontaisasletras adquirem aestatura Sobre umespaçoorganizado entre duasfai- como osregistros dapintura egípcia. superpostos, divididosemfaixasparalelas, apoderaram. Suapintura vaialémdeversos uma identidadepara olocaldoqualse Os escritosdoProfeta Gentilezacriaram sua própria herança. cidade torna-semaisimportante doquea na, defendendoqueaidentidadedeuma diferentes fenômenosda sociedadeurba- - mais utilizadas. Havia o vermelho, menos uti- lizado, mas presente em alguns pequenos textos, como fundo a destacar as palavras.

A grande intervenção na cidade se deu como vocação maior de José Datrino, que necessitava reverberar, como o profeta no deserto, o aconselhamento para que o povo meditasse na necessidade de uma nova Caracteres desenhados por Gentileza e conduta ética e moral11. Mas ele gritava em transpostos para fonte digital.12 silêncio, clamando em textos que foram co- brindo os pilares do viaduto da Avenida Brasil. Ele também carregava estandartes com seus escritos, sempre seguindo a mes- ma poética de registros. Com as longas bar- bas e a túnica que ia aos pés ele era uma figura que se destacava nas ruas da cidade. Levava flores para distribuir enquanto em- punhava o estandarte para proclamar este novo tempo messiânico que ia anunciando. Não recebia dinheiro pelo que oferecia. Era anticapitalista. Grafava capitalismo com “e” criando um duplo significado: “CAPETALIS- MO”. Sua máxima era: GENTILEZA + GERA => GENTILEZA.

Do ponto de vista gráfico, e aqui podemos observar um acento importante de arte gráfi- ca em sua pintura, o artista cria uma tipologia própria para grafar suas letras e caracteres.

Os cinqüenta e seis painéis pintados nas pi- lastras do viaduto compõem uma obra mu- ral, em capítulos, numa extensão de cerca de 1500 metros, na zona portuária do Rio. Genti- leza escreveu sua mensagem propositalmen- te na entrada da cidade, segundo o historia- dor Leonardo Guelman, que observa como o artista planejava e projetava sua obra:

– ANGELA ANCORA DA LUZ 179 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA olhos brilhantes efundossãocaracterísti- longas barbas, seurosto vincadodesulcos, mático napessoadopróprio artista. Suas muros, aobra temum componente perfor longo de quase um quilômetro e meio de Além daforça damensagempintadaao pelo poderdoamoredagentileza. seja, “do capeta”, quedeveriaseraniquilada profeta era umasociedade“capetalista”, ou diferente do mundo capitalista, que para o natureza entrega-nos tudo gratuitamente, cido” sãopalavrasquelibertam.Para elea condenam, enquanto “gentileza” e“agrade- de. “Favor” e“obrigado” sãopalavrasque gentileza revela gratuidade, generosida- a visãocapitalistadasociedade, enquanto ta retribuição, portanto estádeacordo com vor guarda certo interesse das partes, solici- favor,” mas, ParaDatrino nãosedeveriapedir“por José ciprocidade, conformeGuelmanesclarece. regada deatributos degenerosidade ere- tos, torna-setambémseunome. Elaestácar Gentileza, queéapalavra chave de seustex muros doviaduto. instaurou a identidade de seu artista nos própria cidade. Obra urbana, pública, que ser lido, para serassimiladonocontexto da ressalta Leonardo Guelman. Umlivro para quire ocaráter de“Livro urbano”, conforme Pela seqüência das mensagens a obra ad- << merando aspilastras. Nadaéaleatório.” dosamente aseqüênciadasmensagens, nu - seus conteúdos, porissoestabeleceucuida - tos. Suaespacializaçãosegueacoerência de te, umcadernoderascunhos commanuscri- “O profeta planejou-arealizando, previamen- “por gentileza”, isto porque o fa- 13 - - - estavam distantes dosmuros doviaduto. com eleamensagempara alcançarosque rais, quepodiaandarlivremente levando homem, quase uma parte viva de seus mu- bólicos quecompletavam oconjuntodeste bém poreledecorados comelementossim- que eledeveriacuidar. Calçava sapatos tam- Deus, sendoqueasflores eram oshomens sagem. Ele se considerava um jardineiro de que endossavamoconteúdodesuamen- com aplicaçõesretangulares comdizeres enfeites. Suabata era tambémdecorada livre efluida, alémdepalmasepequenos zavam comoamentehumanadeveriaser: cava asflores, oscata-ventos, quesimboli- Na parte superiordoestandarte elecolo- RECIDA”, “COM”, “AMORRR”, “E”, “HONRRA”. SSENHORRA”, “MAMÃE”, “MARRIA”, “APAR- NHOR”, “PAPAE DE JESSUSS”, “SANTO”, 4º RITO SANTO”, “JOZZE AGRADECIDO”, “SE- GENTILEZA”, “SANTO”, “IRRMÃO”, “3ºESPÍ- VVERRSSO”, “2º FILHO”, “JESSUSS”, “PORR faixas comosdizeres “CRRIADO”, “UNIV signos enúmeros; seguem-seasdemais são dafaixaapalavra “GENTILEZA”, alguns PAE >”e, aseguir, ocupandotodaaexten- se seguem as apresentações. “DEUS 1º > representação detrês estrelas. Logo abaixo mística. Naprimeira linha, aoalto, vemosa senta oresumo preciso desuamensagem confere identidadeàobra doartista eapre- posição emfaixasmantendoopadrão que ma formaquenosmuros, eleusouacom- sua mensagemdeapresentação. Dames- de Gentileza. Elelevavaumestandarte com os atributos quereforçavam acarga mística significado doqueproclamava. Haviaainda profetas do Antigo Testamento ereforçam o cas quejáoaproximam dasdescriçõesdos - As aparições de Gentileza no espaço públi- Como artista performático a percorrer a ci- co da cidade eram sempre performáticas. dade ele cunhava ditos de fácil assimilação, Sua obra era engajada, como convém à arte reforçando a mensagem que transmitia. Por pública, que deve estabelecer com o frui- exemplo: “se a saia sobe a moral desce e se dor o fluxo de seus próprios interesses, de- a saia desce a moral sobe”. Levava desta for- sejos, anseios, sejam místicos ou políticos, ma uma mensagem moralista que, não ra- de informação ou de denúncia, de clamor ras vezes procurava ser imposta com certo ou de reflexão. tom de agressividade. Era paradoxal. Com um semblante sereno, quase angelical, ele A finalidade precípua da arte pública é a se agitava quando via mulheres com batons criação de um espaço de discussão dentro fortes e chamativos, usando roupas justas e do espaço da cidade. Não objetiva o seu curtas. Ele vociferava, ameaçava apocalipti- embelezamento, mas a conscientização do camente e seguia, sempre utilizando o espa- povo da cidade em relação ao seu momen- ço público para se comunicar, quer através to. “A arte pública deixa de atender priori- de seu “Livro Urbano”, quer em seu embate tariamente ao embelezamento urbano e pessoal pelas ruas da cidade, distribuindo surge como a possibilidade de redefinir flores como o “bom jardineiro de Deus.”. a experiência do lugar, por meio da expe- riência de um sítio expandido.”14 É o que se Nos muros ele pintava seus textos seguin- observa na arte do Profeta Gentileza cujas do duas possibilidades. A de que fossem cinqüenta e seis inscrições nas pilastras do lidos pelos passageiros de ônibus, ou que viaduto redefiniram a experiência do lugar e fossem alcançados pelos que viajam em continuam interagindo com as pessoas. carros. No primeiro caso, a velocidade do veículo não permitiria a leitura total de A ordem ideal para a leitura de suas mensa- cada painel, mas ficariam as palavras cha- gens deve seguir a seqüência do último pai- ves, destacadas pelo profeta em sua pre- nel, o de número 55, para o primeiro, no sen- gação. O fruidor teria apenas a percepção tido Caju => Av. Francisco Bicalho. São 56 do todo e a retenção de algumas frases. inscrições ao todo.15 Ele inicia sua mensagem A mais emblemática: “GENTILEZA GERA ensinando ao público que o mundo é uma GENTILEZA”. No segundo caso, o motoris- escola e que as palavras “Gentileza” e “Agra- ta poderia imprimir uma velocidade menor decido” devem substituir às que normalmen- ao carro e conseguir ler uma quantidade te são usadas como “Por favor” e “Obrigado”. maior de suas reflexões. A primeira porque, como já foi esclarecido, implica numa obrigação, exigindo uma tro- A arte pública não nasce para ser contem- ca, enquanto a segunda, deve ser eliminada, plada de uma só vez. Ela necessita do tem- pois ninguém deve ser “obrigado” a coisa al- po cumulativo, das muitas passagens pelo guma. O homem nasceu para ser livre, para local em que ela se encontra, de ser lida respeitar a natureza, devendo tomar cuidado aos pedaços, ser contemplada em diferen- com o vício, com a nudez e com o carnaval. tes ângulos, ser acrescentada a cada en-

– ANGELA ANCORA DA LUZ 181 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA a muitoslugares, masvoltapara oRio. território nacional. Como andarilho elevai divulgar suaarte emensagememtodo o de metrópole comforça necessáriapara José Datrino percebe queoRioéagran- o povo. logo permanentecomoespaçopúblicoe tratada, masporumanecessidadedediá- licita aobra, nãoporuma encomendacon- rua, jáestáimersonoambientequelheso- Deve serlembrado queoartista quecriana custos. ÉesteocasodeGentileza. trabalhar por conta própria vai arcar com os pelo trabalho o valor acordado, mas, sefor sua obra. Seforpatrocinado elevaireceber ateliê. Elenãoestápreocupado em“vender” cial doqueaquelecrianointeriordeseu artista umaexperiência maisdinâmicaeso- Por outro lado, aarte públicapossibilitaao distribuir gratuitamente oquehaviarecebido. Era umaespéciedemissionárioquedeveria tileza nãoaceitavadinheiro porseutrabalho. nadores para realizarem aarte pública, Gen- Diferente de outros artistas que têm patroci- o todoemsuamemória”. te ondeelaseencontra instalada, até formar obra namedidaemquetransita noambien- absorverá gradativamente aimagemda e porinteiro pelotranseunte, masqueeste obra não será contemplada de uma só vez “O artista deveteraconsciênciadeque possa ampliar-se sucessivamente. contro pela própria obra de modo a que << 16 integrante daprópria obra. Elenãovê, ape - um espectadordistanciado esetornaparte Na arte públicaoobservadordeixadeser que seimpactavamcomas mensagens. vam diariamentepelolocaletrouxe curiosos e meionaviapúblicaseduziuosquepassa- da peloartistalongo deumquilômetro ao características, aintervençãovisualprovoca- se apegaaomuro eocobre, mudando suas suas mensagenscoloridas. Como hera que em Gentilezaodesejoderecobri-las com seunte. Otomcinzadaspilastras despertou da cidade. Uma área que não acolhia o tran- sombrio, próximo aosgrandes cemitérios nida Brasil, no trecho doCaju, era umlugar ria NovoRio. Além disso, oviadutoda Ave- chegavam deminutoanaRodoviá- se misturavam heterogeneamente aosque vida, deexpressivo volumedepessoasque permissividade moral, debaixaqualidade A zonaportuária era umaregião degrande vulgação deseudiscursovisual. força do local escolhido, como pólo de di- ria era aescolhaacertada. Gentilezaintuia viaduto nazonaportuária, juntoàrodoviá- veiculação dasmesmas. A importância do to, necessário buscar o melhor canal para a ria suasidéiasemensagens, sendo, portan- blemática. Elesabia que acidadedivulga- que aescolhadoRio, porGentileza, foiem- o cenárionacional, oquenoslevaapensar fluentes na divulgação das idéias para todo perdeu aforça deserumdospólosmaisin- da capitalpara Brasília, em1960, oRionão vista porseuintermédio. Com amudança cial ao que aqui se realizava. A nação era a capitaldoBrasil econferiaocaráter ofi- Durante muitotempooRiode Janeiro foi nas, ele é apreendido pela obra e a leva em plena solidão tornamo-nos parte do seu re- sua memória. A superposição de experiên- pertório total, e todos os nossos sentidos cias visuais experimentadas a cada vez que entram em perfeita sincronia com o seu passa pelos locais em que ela se encontra universo”.18 Para o escultor, quando somos vai construindo “a sua obra”, presente, im- apreendidos pela obra ela não nos deixa possível de ser desfeita, mesmo que a origi- mais e, para reforçar sua reflexão, Moriconi nal venha a ser destruída. nos diz que a obra é mais fiel que o homem, pois ela não nos esquece e nos procura. O entendimento de “sua obra” se dá a partir da apreensão de cada fruidor, uma vez que Mesmo no curto espaço de tempo em que é quase impossível que ele apreenda toda a ela foi coberta de tinta cinza a obra conti- obra em seus detalhes e informações. É com nuou a procurar os seus alvos, ou seja, “a o que ele experimenta do objeto, no caso da nós” e a força com que o público se levantou arte pública, que “a sua obra” é construída. em direção a ela, que já não estava lá, tor- nou possível sua restauração e seu retorno Didi-Hubermann destaca o poder da obra ao local de origem, porque efetivamente de arte quando ela “nos olha”: “nós” éramos parte de seu repertório e não podíamos desaparecer. O que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha. Inelutável, porém é a A arte pública deve ser inicialmente estuda- cisão que separa dentro de nós o que vemos da no contexto da modernidade. Um dos daquilo que nos olha. Seria preciso assim par- primeiros grandes movimentos que desta- tir de novo desse paradoxo em que o ato de camos neste sentido é o do muralismo me- ver só se manifesta ao abrir-se em dois.17 xicano que se inicia após a revolução de 1910. É certo que, se nos detemos a obser- A força da obra de arte em relação ao frui- var a arte dos murais percebemos que ela dor deve ser considerada, no caso de José é talvez a mais antiga expressão artística do Datrino, na medida em que ele se lança no homem no planeta, isto pensando nas pin- espaço público e vai ao encontro das pilas- turas parietais da Pré-História que já testifi- tras cinza. Diferente do impacto de um ou- cavam a necessidade do homem em se ex- tdoor, cuja linguagem é predeterminada pressar utilizando as paredes e muros como em função do consumo, a obra de Gentile- suportes naturais para sua arte. Mas a arte za nos alcança pela necessidade íntima de pública sobre a qual trazemos algumas re- uma ética esquecida e de uma desesperan- flexões é uma prática social que vai buscar ça crescente nas grandes metrópoles. Para no espaço urbano o veículo de mudanças Roberto Moriconi, escultor performático que deseja promover a partir de poéticas, que viveu no Brasil até sua morte em 1993, escultóricas ou pictóricas, capazes de plas- “olhar é uma opção de altíssimo risco”, por- mar idéias e constituir intervenções neces- que podemos ser introjetados pela obra e sárias a criação de um campo em que as passamos de observadores para alvos. “Em fronteiras entre a política, a sociedade, a

– ANGELA ANCORA DA LUZ 183 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << cidade-2817194 Restauração demurais doprofeta Gentileza paineis-de-gentileza-pintados-em-pilares-de-viadutos-da- exposicao-traz-historia-e-curiosidades-sobre-o-profeta- http://www.hojemais.com.br/andradina/noticia/geral/ http://oglobo.globo.com/rio/projeto-recupera-os-56- gentileza (fotodivulgação) (foto: divulgação) a inspiração emtextos querevelam oseu no indivíduo”ou, ainda, quandoelabusca como “A revolução começa commudanças de frases quepartem deverdades óbvias, Holzer. Oquenelaseobserva éautilização tes de José Datrino comasobras de Jenny Podemos fazerumaaproximação dosgrafi- das atos devandalismo. discriminadas e, quasesempre, considera- como arte, aspichaçõescontinuaram aser grafites evoluíram para serem absorvidos se aoalcancedapopulação. Enquantoos cidade utilizandoumveículoqueestives- pressão, procurando ocuparoespaçoda nham afunçãosocialdeliberdade deex como signosdeseusautores. Ambos ti- que utilizavamletras existentes oucriadas década de 1970, diferindo das pichações, das nosmuros dacidadedeNova York, na Os grafites surgiram comofiguras pinta- dos dizeres: “Gentilezagera gentileza”. desfaz suasfronteiras eseaproxima através grupos sociaiseculturais dacidade, que que pertencem aouniversodosdiferentes tampadas, enfim, todaasorte deobjetos imãs de geladeira, pulseiras, camisetas es- para outros suportes. Adesivos para carros, muros, sendolevadaempequenasfrases tornando coletivaaobra começa a sairdos periências catárticas. Àmedidaquevaise que penetra naalmadopovotrazendo ex porâneos. Háumanavalhacríticacortante, grande afinidadecomosgrafites contem- Nas pinturas deGentilezapercebemos uma exemplo maioréaarte dografite. suem umacentoeminentementecrítico. O cultura eaideologiasãofluidas, maspos- - - discurso social, em frases inflamadas proje- “Deus”, “bondade”, “perfeição”, “capitalis- tando sua indignação. Já em Datrino os tex- mo”, “Jesus”, “humanidade” e muitas outras tos são aconselhadores, buscam o sentido cujos significados reforçam a mensagem de de elevar o cidadão, trazendo uma esperan- Paz, de organização, de perdão e trabalho. ça nova. Alguns são até apocalípticos, mas Desta forma, elas se tornam pregnantes e se sempre revelam a existência de alguém que destacam da parede estimulando a percep- nos olha e nos ama, enquanto somos nós a ção e possibilitando a reflexão. olhar o grafite escrito numa caligrafia que, por si só, já é uma criação à parte. Haveria No espaço público a obra adquire uma di- ainda muitos outros grafiteiros que pode- mensão peculiar. Não apenas pelo resulta- ríamos cotejar com o Profeta Gentileza, mas do visual que fica registrado, mas porque o queremos apresentar especificamente este artista também está presente. No caso de artista singular, um filósofo ingênuo com Gentileza ele atuava como parte da obra e aptidões artísticas e como ele interveio no agente de sua propaganda. Ele se deixava espaço público. fotografar, conversava, oferecia flores e re- forçava de modo inequívoco a permanên- No caso dos murais de Gentileza, eles se si- cia da obra. tuam na fronteira dos grafites e pichações, tendo sido tombados pelo Patrimônio Cul- Desde a escuridão dos tempos, em que o ho- tural da Cidade do Rio de Janeiro como um mem pintava nas cavernas, a arte manifestou bem que confere identidade à própria cida- sua força como veículo de comunicação, sur- de e assim foram instaurados como “obra gindo no espaço público ao alcance dos deu- de arte”. ses e dos homens. Foram necessários mui- tos séculos para que o homem fizesse suas O artista utiliza letras e signos, o que aproxi- primeiras exposições artísticas com o senti- maria sua pintura das pichações, porém não do de levar as obras ao público para serem possui o caráter de liberdade gestual, de mostradas, apreciadas e, até adquiridas. Sa- movimento e ação da letra em relação ao be-se que a primeira exposição com tais ca- espaço. As composições possuem caráter racterísticas só veio a ocorrer no Renascimen- construtivo e as letras são figuras pintadas, to, sendo organizada por Giorgi Vasari nas numa tipologia criada pelo artista, que ne- exéquias de Michelângelo. Com a aquisição las identifica sua força autoral, o que nos faz das obras de arte surgiu o colecionismo e, já considerá-lo “grafiteiro”. Ela possui carac- no século XVII os museus modernos, a partir terísticas contemporâneas, na medida em de doações de coleções particulares. As fa- que parece ter consciência do olhar frag- mílias principescas acumulavam objetos de mentado dos transeuntes e da velocidade arte da antiguidade, tesouros e curiosidades dos veículos que não permitem o tempo de que conferiam status aos proprietários. Os olhar reflexivo aos seus passageiros. As pa- museus19, como guarda destes tesouros que lavras são repetitivas e redundantes, como preservaram a memória das civilizações e dos “gentileza”, ”amor”, “agradecido”, “natureza”, povos tiveram seu apogeu no século XVIII.

– ANGELA ANCORA DA LUZ 185 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA do espaçodacidade. instaurou um espaço de discussãodentro ou vendida, mas uma intervenção visual que na medidaemquenãopodesercomprada giosa quenãoseconstituicomoproduto, movem uma declaração ética, moral e reli- za, filósofo, artista, profeta eandarilho, pro- Avenida Brasil, osmurais doprofeta Gentile- dição delugar. Naspilastras doviadutoda do homem no mundo, sem perder sua con- foi assumindoopapeldemeioreflexão No espaçopúblicodasruasepraças, aarte memória para apreservação destasobras. passou a se constituir num novo arquivo da cidade, masadocumentaçãodasmesmas obras, sobretudo aspintadasnosmuros da determinaram ocaráter efêmero de certas apresentar suasobras. As condiçõeslocais espaço públicoporexcelência para criare de umpúblicomaioreencontrou nasruaso de, aarte foideixandoosmuseusnadireção e, maisprecisamente nacontemporaneida- mas, apartir doadventodaarte moderna os “guardas dostesouros dahumanidade”, Durante osséculosseguinteselesforam << gentileza-sera-que-ele-estava. blogspot.com.br/2012/02/profeta- ser-mantidas-com-desmonte-do- rio-450/pinturas-de-gentileza-vao-

html> em 1 de setembro de 2 Companhia Municipal de artigo-blog/ghentileza-regular-e- 2015. Limpeza Urbana (COMLURB) original em 2 de setembro de 4 https://www.youtube. Janeiro: Ed.Mundo das Idéias. 2015. com/watch?v=j5cewnEzc- 2009. P.48 FY&list=RDj5cewnEzcFY#t=82 14SILVA, Fernando Pedro da – – Notas 5 A SOCICAM é uma empresa Arte pública. Diálogo com as brasileira prestadora de serviços comunidades. Belo Horizonte: C/ 1 José Datrino nasceu em de gestão, integrada no apoio Arte, 2005. P. 12 Cafelândia-SP, no dia 11 de de passageiros e atendimento ao 15 Uma das pilastras possui dois abril de 1917 e faleceu em cidadão. murais. Mirandópolis-SP em 28 de maio 6 O Profeta Gentileza faleceu em 16Id. P.28 de 1996. Cresceu no campo, 29 de maio de 1996. 17DIDI-HUBERMAN – O que vemos, trabalhando na roça e amansando 7http://oglobo.globo.com/rio/rio- o que nos olha. São Paulo: Editora burros. Por volta dos doze anos 450/pinturas-de-gentileza-vao- 34, 1998. P.29 passou a ter visões premonitórias ser-mantidas-com-desmonte-do- 18LUZ, Angela Ancora da – Roberto de sua missão o que levou seus elevado-da-perimetral-13283522 Moriconi. Vida e obra. Rio de pais a buscarem tratamento com 8http://www.cultura.rj.gov.br/ Janeiro: Editora Caligrama, 2012. curandeiros locais. Mais tarde artigos/livro-urbano-de-gentileza P.125 fugiu para o Rio de Janeiro. Casou- 9 Para Gentileza, AMOR com um 19A palavra ‘museu’ tem origem se e teve cinco filhos. Tornou- “erre” era o amor material, já com grega. ‘Mouseion’ era o templo se um pequeno empresário três erres era o Amor da Trindade, das nove musas filhas de Zeus de transportes até que, com o ou seja, do Pai, do Filho e do e Mnemosine, a deusa da incêndio do Gran Circus Norte- Espírito Santo, portanto completo. memória. Era o local destinado Americano em Niterói, ocorrido 10 ARGAN, Giulio Carlo – História à contemplação, aos estudos em 17 de dezembro de 1961, ele da Arte como História da Cidade. científicos, literários e artísticos, vai para o local do incêndio que São Paulo: Martins Fontes, 1992. pois as musas eram ligadas às vitimou cerca de 500 pessoas 11 Há muitas controvérsias em artes e à ciência. Como eram filhas dirigindo um de seus caminhões. relação ao comportamento do de Mnemosine, o local estava A tragédia tem enorme impacto profeta, pois, apesar de todo associado á guarda da ‘memória’. em José Datrino, que afirmava o discurso em que pregava a ter ouvido vozes orientando que gentileza, em muitas vezes ele era largasse tudo, se desapegasse “agressivo, moralista e desbocado dos bens materiais, do mundo [.] Vociferava, ofendia e capitalista e cumprisse sua missão ameaçava espancar transeuntes” na terra. Ele parte para Niterói e (http://sociologiaemdebatemeta. faz no local das cinzas do incêndio blogspot.com.br/2012/02/profeta- uma plantação de flores. Nascia ali gentileza-sera-que-ele-estava.html) o Profeta Gentileza. 12http://www.tipomakhia.com/

– ANGELA ANCORA DA LUZ 187 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << designated as‘publicart’. However, itisrarely taken from inseparable from theurbancontext inwhichitoperates, backgrounds andpurposes, legalorillegal, inparticular mediation devicebetweentherealities that itphysically individual memory. the The wallsinthecitiesare oneof documental potentialwhichmaycontainfrom thestart, supports/mediums mostusedforthepublicexpression in the city as a barometer for the observation of certain in thecityasabarometer fortheobservation of determining or conditioning points of view,determining orconditioningpointsof orwhilea separates andtherelationship betweencollectiveand This text proposes thoughton‘thewall’ anexercise of sociabilities and movements’ qualities of individuals,sociabilities andmovements’qualitiesof from the field of artisticinterventionsthat usuallyare from thefieldof from it’s dynamicpossibilities, like alivingorganism a criticallyattentive approach tothemetaphoricalor of individualsubjectivities,of from manydifferent constantly ‘breathing’ in/withthecity. investigação teóricaepráticaempós-doutoramento aoabrigodaFBAUL A OlharparaasParedes Artista einvestigadora emarte contemporânea. Em2013iniciou vestígios materiais queacontêmmastam- seu apagamento. Nãosódesaparecem os momentaneamente através doprocesso do modos de fazer edehabitarqueserevela ro emerge àluzdodia. Memóriadeoutros tavelmente amemóriadopassadobair ição doantigo. Quandotalacontece, inevi- é possívelconstruirdenovosobadestru- de diversos pequenos comércios, onde só cheia devitalidade, local de habitaçãoe com poucosrecursos. Umazona também ulação constituída por imigrantes e idosos tituição, sendoumagrande parte dapop- elevados índices de marginalidade e pros- numa zonamuitoantigaedegradada, com bre aconstruçãodeumnovocondomínio Ciutat Vella deBarcelona. Deteve-seso- reabilitação dobairro ElRaval nodistrito cluído em2001, Luis Guerínacompanha a No seudocumentárioEnConstruccìon, con- contém. Tempo. oculta, oquesepara, oquerevela. Oque ção de espaço pela sua subtracção. O que tro. Fora. Antes, durante, depois. A constru- Parede. Umladodelá, umladodecá. Den- por Marta Traquino porMarta com oapoiodaFCT. - bém a possibilidade do seu lembrar partil- hado, uma vez que tais processos de reabil- itação implicam a exclusão dos residentes. Situação comum a muitas cidades europe- ias cujos centros históricos são sujeitos a planos de reabilitação que visam a substi- tuição dos antigos edifícios de habitação, e das pessoas que neles vivem, por condomí- nios privados, hotéis de luxo, lojas gourmet e outros espaços afins.

Guerín reincide na alternância entre as ima- José Luis Guerin, En Construccìon, 2001 (fotogramas do filme). gens da queda da velha arquitectura e as © José Luís Guerín. Fonte: http://cineyarquitectura.blogspot.pt/2008/08/en-construccin- imagens do erguer da nova arquitectura, 1998-director-jos-lus.html dando a certa altura escuta aos pensamen- tos e conversas dos fazedores das pare- des conforme ocorrem espontaneamente durante o processo de construção. Con- tam-se factos sobre a vida destes homens, sonhos e desilusões, alegrias e tristezas, so- bre a vida de alguns dos moradores e do quotidiano do bairro, sobre Barcelona, so- bre o mundo, onde passado e presente se conjugam. Um amplo mosaico de histórias por diversas geografias é composto a par- tir apenas de uma pequena área do bair- ro, lembrando que as paredes são feitas de muito mais do que apenas materiais e José Luis Guerin, En Construccìon, 2001 (fotogramas do filme). técnicas de construção porque são feitas © José Luís Guerín. Fonte: http://cineyarquitectura.blogspot.pt/2008/08/en-construccin- também pelos muitos e muitos dias das vi- 1998-director-jos-lus.html das de pessoas. Guerín foca a sua atenção em elementos simples consequentes da acção e interacção humana durante o fazer das paredes. Raramente recorre aos planos que mostram ruas ou praças. A narrativa decorre à medida que as paredes perdem e ganham forma, através de um olhar per- sistente, que vai e volta, ao longo de um tempo que se demora.

– MARTA TRAQUINO 189 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << função delimite, muitopelo contrário, nem ra na/comacidade. Nãoexcluindo asua uma espéciedeorganismo vivoquerespi- suas possibilidadesdinâmicas, comosendo Proponho pensar ‘a parede’ a partir das como horizontalmente. alidade tantosedesenvolveverticalmente política, não esquecendo que a sua materi- ca e, consequentemente, cultural, sociale dade, tanto deordem físicacomo psíqui- sobre ‘fronteiras’ queestruturam aurbani- evidenciar factos, questõeseconclusões o imaterial” (Brighenti, 2009:68). Podem zonas deconvergência entre omaterial e as paredes podemser“entendidas como exercício nestesentido, considerando que texto surge assimcomoatentativa deum contexto urbanoemque seinserem. Este à partida podemconter, indissociáveldo potencial metafóricooudocumentalque de uma abordagem criticamente atenta ao No entanto, raramente sãotomadasapartir mumente sedesigna como ‘arte pública’. venções artísticas dodomínioquecom- gais ouilegais, nomeadamente para inter das maisdiversasorigensepropósitos, le- subjectividades individuaisoucolectivas mais utlizadospara aexpressão públicade nas cidades sãoum dos suportes/meios memória colectivaeindividual. As paredes que fisicamentesepara eda relação entre positivo demediaçãoentre asrealidades nantes depontosvista, ouenquantodis - dos indivíduos, determinantesoucondicio - sociabilidades equalidadesdemovimentos to barómetro para aobservaçãodecertas reflexão sobre ‘a parede’ nacidadeenquan - Guerín comointrodução aestaproposta de Tomo o exemplo deste documentáriode - a ‘parede cortina’, a pardasevoluçõestec- tivas daarquitectura. Ao longodoséculo XX tornar-se-ia umadasmetáforas massuges- Revolução Industrial, desdeentão otermo produção específicospossibilitadospela cionado comfuncionalidadesemodosde necessariamente carácter estrutural. Rela- de umedíficionoqualasparedes nãotêm para definirosistemadecobertura exterior termo comumnalinguagemarquitectónica vidro, a‘parede cortina’ começouaserum tão emergente arquitectura do ferro edo enquanto novidadeintroduzida pelaen- de cortina’. Desde meados do século XIX, nomeadamente através doefeitoda‘pare- bele analogiaentre aarquitecutra eotêxtil, tendência setemdesenvolvidoéaqueesta- dos edifícios. Umadasviaspelasquaisesta ploração dosefeitos visuais nas superficies na prática setraduz, sobretudo, pelaex ou dadesmaterializaçãodoslimites,aqual tendência quevalorizaadissoluçãodopeso tura das últimas décadas predomina ro ouaumambiente. Também naarquitec- mesmos termosaocorpo, comoaumcar produtos quetantosepodereferir comos evidente, porexemplo, napublicidadede sociam conotaçõespositivas. Este facto é contrário) sobretudo se tivermos em conta como (pelo para acultura ocidentalnomundoactual, parece terapenasconotaçõesnegativas As paredes têmpeso, masapalavra ‘peso’ contacto, detransferências. constitui, entendidocomopossívelzonade paço intermédioqueolimiteemsimesmo mas considerando sobretudo o próprio es- lado oudeoutro, separado e/ouprotegido, a atenção sobre o que se encontra de um à palavra‘leveza’sempre seas- uma uma - - nológicas, sobretudo as digitais que abri- de rede metálica) que sugerem tratar-se de ram novos caminhos para a concepção de uma matéria têxtil de grandes dimensões formas curvas e dinâmicas, tornou-se con- em permanente mutação formal. Efeito que ceptualmente e esteticamente um tema se efectiva visualmente a partir de uma cer- estimulante na obra de alguns arquitectos ta distância física do edifício. Esta cobertura consagrados. A partir de finais da década de pode também, por vezes, estender-se deste oitenta do século XX, ganhou novos contor- à área que o envolve exteriormente, funcio- nos na relação com a orientação das teorias nando como um toldo. Área que é contem- do espaço rumo ao paradigma da ‘liquidez’, plada no projecto com o objectivo de ser sobre o qual assenta, segundo o sociólogo uma zona de transição, geradora de vários Zygmunt Bauman (2007), a contemporanei- ‘níveis’ de espaço público, entre o edifício e dade. Movimento, flexibilidade, fluidez, in- a cidade propriamente dita. Tomemos como teractividade, transitoriedade, leveza, são exemplo desta descrição o Grand Theatre conceitos aos quais a arquitectura desde D’Albi concluído em 2014. então procura dar forma através da analo- gia com a tecnologia e a semântica do têx- ‘Envelope’, ‘vestimenta’, ‘curvas e contra-cur- til, tornando-se assim representativa de uma vas’, ‘pele’, são termos utilizados no sumário sociedade na qual, como refere Bauman, de apresentação do projecto do teatro pelo as vidas dos homens e mulheres decorrem ateliê de Perrault (publicado em 2012 no mais no sentido de ‘procurar e experimentar seu website). Termos que apelam a uma sensações’ do que no de ‘fazer coisas’. dimensão táctil mas que, no entanto, pela monumentalidade do edifício só podem ser Um dos arquitectos cuja obra explora a ‘interpretados’ pelo olhar sugestionado a tendência com base na ‘parede cortina’, des- atribuir leveza ao que na realidade tem peso, de o final da década de oitenta do século XX, liberdade de movimento ao que é fixo, liris- é Dominique Perrault. O seu ateliê foi o pri- mo ao que é da ordem do rigor e da razão. meiro a desenvolver e a utilizar rede metálica, Pretende-se assim, segundo as intenções o elemento chave para a qualidade emotiva de Perrault, realizar a ‘monumentalidade’ e que Perrault (2006) diz procurar na arquitec- a ‘desmaterialização’ em simultâneo, uma tura através da pesquisa dos jogos de luz. obra arquitectónica que se torne um símbo- Permeabilidade, inter-relação, transição, ou lo identitário da cidade estando sempre em movimento são conceitos que funcionam actualização, como uma ‘obra-acontecimen- como directrizes na sua obra por relação to’, a conciliação entre a ordem e o acaso. com um entendimento da ‘parede’ enquanto Contudo, alguma contradição parece estar elemento ‘não separador’. A materialização contida na relação entre estas intenções e destes subentende-se pelos efeitos de a sua efectiva concretização. Para Perrault, a uma cobertura construída sobre o primeiro questão essencial é a de como conseguir li- corpo do edifício, com características de gar a disposição de um volume no espaço textura, maleabilidade e penetrabilidade com o seu contexto. A rede metálica, pelo pela luz (como as possibilitadas pelo ‘tecido’ efeito análogo ao de um ‘tecido’, é o mate-

– MARTA TRAQUINO 191 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Fonte: http://archcase.com/dominiqueperrault/portfolio/grand- Fonte: http://archcase.com/dominiqueperrault/portfolio/grand- Dominique Perrault, Grand TheatreD’Albi , 2009-14. Dominique Perrault, Grand TheatreD’Albi , 2009-14. © DominiquePerrault Architecture. © DominiquePerrault Architecture. theatre-dalbi/ theatre-dalbi/ de umatenda verdadeira. mão comopodeacontecer comaparede são propriamente mutáveisaumtoquede resistência alongoprazo, sãopesados, não priedades dosmateriais utilizadosgarantem ao olharaimpermanênciaefluidez, aspro- da luzsobre arede metálicapossasugerir edifício emcausa?Porque aindaqueaacção tará afinalnuma ‘dilatação’ doslimitesdo e o seu contexto envolvente? Ou não resul- plano metafórico, da ligação entre o edifício este efeitoserrepresentativo, mesmo num um edíficio. Poderá, comodefende Perrault, analogia comumatendagigantecontendo de circo). OGrand TheatreD’Albi sugere a mais próximo doteatro, ocasodastendas nómadas naMongóliaou, numexemplo até se pratica, comoéocasodastendas dos modalidade dearquitectura queaindahoje metálica eumatenda(sendoa nal) queexiste entre acobertura derede tida em conta a relação formal (e funcio- uma arquitectura aoutra, sobretudo sefor se trata, efectivamente, da sobreposição de invólucro aoutro. Omesmoserá dizerque trata-se na realidade da sobreposição de um ta’ e‘mutável’, impermanente. Noentanto, ideia dePerrault deumaarquitectura ‘aber se aproxima ouseafasta, estáimplícitaa na medidaemqueocorpodoobservador apresenta variavelmenteaosentidodavisão envolvente. Nestagradação depeso, quese gressiva dasuadensidadefísicanoespaço tural destecomumefeitoderedução pro - constituí tambémumprolongamento estru- da luz, dachuvaedoventosobre oedifício, nar comoum‘filtro’ mediador dosefeitos ligação acontece, poispara alémdefuncio- a criaçãodeum‘espaço-entre’ ondeesta rial/meio quePerrault considera ideal para

- Na verdade, trata-se de uma arquitectu- que se mostram abertos à vista de todos po- ra com duplo sistema de parede exterior, dem não ser efectivamente ‘públicos’, como pois a rede metálica, à parte das suas analo- acontece com muitos dos espaços amplos gias técnicas e metafóricas com as proprie- que circundam edíficios monumentais, sím- dades do têxtil, constituí inevitavelmente bolos de identidade local e nacional, con- um imponente limite físico. No Grand The- trolados por sistemas de vigilância que ga- atre D’Albi observamos uma ‘duplicação’ rantem o nivelamento dos modos de estar. da fachada do edíficio e não propriamente a sua ‘diluição’, o que é contrário ao que É nas cidades que, actualmente, se sugere Perrault (2006) quando refere que identificam as novas modalidades de a utilização do ‘tecido’ metálico na sua ar- fronteiras. Por exemplo, é curioso ter em quitectura confere a ligação desta à geogra- conta como paralelamente aos processos fia do sítio. Paradoxalmente, é pretendida a de abertura das fronteiras territoriais en- desconstrução da separação entre interior tre os países europeus ao longo do século e exterior que habitualmente caracteriza XX, as cidades têm vindo a tornar-se cada a arquitectura quando, de facto, o edifício vez mais fragmentadas pela criação no seu em causa se destina a funções, usos e con- interior de territórios que praticam a segre- teúdos cuja efectivação implica necessar- gação e, consequentemente, o conflito. Os iamente o distanciamento e protecção em mais fáceis de se circunscrever, pela sua evi- relação ao exterior. Os limites físicos têm dência física, são os territórios murados des- aqui de existir, são um facto imprescindível tinados a habitação, derivados de escolhas do modelo da arquitectura em causa. De- residenciais praticadas por certas catego- vem até ser facilmente identificáveis, pois rias sociais, economicamente mais favore- em edifícios de tal sofisticação e imponên- cidas. O sociólogo Richard Sennett (2005) cia a vigilância não se faz apenas à entrada considera que cada vez que uma comuni- mas em toda a sua área envolvente. Contu- dade murada se ergue um novo gueto pas- do, o que importa aqui salientar é a - sa a existir, tornando-se necessário analisar za da relação entre o discurso e a prática a cumplicidade deste tipo de construção nesta tendência da arquitectura, pois não com a violência e a insegurança na cidade, podendo ser concretamente ‘aberta’ é con- pois trata-se de um modo de habitar que tudo sustida por argumentos e por efeitos recusa o civismo, que pressupõe que as dif- visuais que evocam a sugestão da ‘desma- erenças devem ser policiadas. Nesta prática terialização’ das suas propriedades físicas. de muralhar voluntário, as fronteiras que as Em causa está uma ‘camuflagem’ dos lim- paredes são devem ser entendidas como ites do edifício que provoca um efeito ilu- dispositivo simultaneamente de territorial- sionista na percepção da diferenciação e idade e de visibilidade. Como refere o so- separação entre espaço privado e espaço ciólogo Andrea Brighenti (2009), quando os público, ou mesmo a criação de espaços territórios são definidos por paredes, é a di- ‘pseudo-públicos’ que tendem a predomi- mensão da verticalidade destas que está em nar cada vez mais nas cidades. Os espaços questão e, consequentemente, o seu sig-

– MARTA TRAQUINO 193 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA paço físico, questionando asestruturas ar Quando osartistas interveêmsobre oes- (1971-95), realizada emBerlim. como exemplo aobra Wrapped Reichstag ue omesmoâmbitodetrabalho). Tomemos Jeanne-Claude em2009, Christoprosseg- têxtil (presentemente, apesar damorte de permanente easpropriedades damatéria a relação entre a arquitectura de carácter sempre da desessentadoséculoXXestesartistas Jeanne-Claude. Desdeoiníciodadéca- brulhados’ pelocasaldeartistas Christoe exemplo referido, evocamosedifícios‘em - Os edifícios‘cobertos’ dePerrault, comoo acterística quepredomina. gem nacidadea‘imaterialidade’ éumacar novas modalidadesdefronteiras queemer marca. Noentanto, há quesalientarnas za material faceaoexterior doqualsede- de abusopodereostentaçãorique- radas, a superfície em cerco é significante municante. Nocasodascomunidadesmu- propósito, a‘superfície’é, logoàpartida, co- que possam ocorrer imprevisiveis aoseu a ‘superficialidade’. Com ousem inscrições segundo significadodaverticalidadeé que alerta quenestacaracterística seencontra o do olhar do habitante da cidade. Brighenti de significados que se estendem ao nível bém territórios, poisconstituemhorizontes territorial, asparedes sãoelasmesmastam- soas. Contudo, nestemododedemarcação controlo dos modos de circulação das pes- e impossibilidadesdecomunicaçãopelo e de‘umfora’, dagestãodepossibilidades mento’. Trata-se daafirmaçãode‘umdentro’ nificado maisimediato queéode‘impedi- << trabalharam deummodosingular - - - mentar para votação sobre arealização ou e RFA), tendomesmohavidosessãoparla - partes da Alemanha entãodividida(RDA e de membros dosparlamentosdeambasas entre outras acções, reuniões com centenas processo quelevou25anos, envolvendo, 15.600 metros decorda. A fasefinal deum à prova de fogo, coberto por alumínio, e metros quadrados detecidopolipropileno ‘embrulhar’ oedifíciocommaisde100.000 tistas conseguiram obterautorizaçãopara apósareunificação da Alemanha)osar (já strução doMuro deBerlim, mas sóem1994 giu em1971, dezanosapósoiníciodacon- de Julho seguinte. Noentantoaideiasur 1995 eaobra permaneceuapenasaté 7 gem decorreu entre 17e24de Junho de porária dosprojectos. Nestecaso, amonta- opção éanatureza programadamente tem- criação artística. Coerente tambémcomtal ser totalmenteindependenteelivre nasua forme aopçãoqueocasalsempre teveem de qualquerespéciepatrocínio con- ização, técnicos ehumanosnecessáriosàsuareal- la mastambémnoquerespeita aosmeios proporções monumentais, não só de esca - Christo e Jeanne-Claude. Apesar dassuas fisicamente, comonocasodestaobra de da condiçãodeumresultado queperdure ao serviçodaencomendanemdependente a prática artística pode ter quando não está meadamente pelaliberdade deacçãoque através deprocessos experimentais. No- do, comavantagemdesedesenvolverem mente, nãoseesgotamnoobjectorealiza- Podem praticar conceitosque, efectiva- ainda queéfemera, doqueosarquitectos. tentores demaiorpoderintervenção, quitectónicas existentes, podemserde- Wrapped Reichstag nãodependeu - - não do projecto. Construído no final do sé- culo XIX, o Reichstag foi a primeira sede de um parlamento democrático alemão, tor- nando-se ao longo do século XX um po- tente símbolo de memória colectiva não só da Alemanha mas também da Europa. Da Républica de Weimar ao Regime Nazi, do abandono após o incêndio de 1933 à metá- fora de uma cidade e país divididos.

Interessa aqui considerar a obra Wrapped Reichstag em contraposição com o referido Christo e Jeanne-Claude, Wrapped Reichstag, atrás a propósito do Grand Theatre D’Albi [1971-95] 1995, Berlim. © 1995 Christo (Photo: Wolfgang Volz). de Perrault. Tomando a arquitectura, a pri- Fonte: http://www.theartsdesk.com/sites/default/files/imagecache/ meira foi literalmente uma ‘obra-aconte- mast_image_landscape/mastimages/Wrapped%20Reichstag%20 C%20Christo.jpg cimento’ não pela pretensão da ‘diluição’ das paredes do edifício quando estas inevi- tavelmente existiam mas, ao contrário, pela sua afirmação através de activar um outro modo de as dar a ver que, paradoxalmente, aconteceu pelo efeito da sua ocultação. O envolvimento de todo o edifício com o te- cido branco prateado acentuou e actual- izou a sua presença, a sua massa concre- ta, sem efeitos de ilusão ou ambiguidade na percepção da demarcação dos limites em relação ao espaço exterior. Um efeito ‘parede cortina’ deu-se de modo literal so- bre o edifício, possibilitando a acessibil- idade não só às propriedades visuais mas também tácteis do têxtil. Durante quatorze dias a nova ‘pele’ do Reichstag reagiu à pas- sagem do vento, reconfigurando assim os contornos da memória que a sua existência de mais um século evoca. A este respeito foi notável a opção dos artistas pela opaci- dade do tecido, contrariamente à opção pela ‘transparência’ que a arquitectura tem vindo a praticar na sua analogia conceptual e técnica com as características do têxtil. A

– MARTA TRAQUINO 195 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA oposto segue arelação entre otêxtil ea ‘desmaterialização’. Num entendimento dos corpos, sem noentantosugerirasua bém acentuarasugestão domovimento efeitos da luz sobre a matéria. Pode tam- claro-escuro, ouseja, arepresentação dos quanto maiselaborado forotrabalho do faz perscrutarmaissobre estas, sobretudo tação dasformasqueoculta. Pelo contrário, jamento nãodistrai oolhardainterpre- o edifício. Ao envolveroscorpos, opane- relação dotêxtil (easuaopacidade)com ra Ocidentaisparece estarpresente nesta mento naHistóriadaPintura edaEscultu- Uma alusãoàrepresentação dopaneja- tre lembrar eesquecer.” (Huyssen, 2003:36) do espaçoconstruído, arelação ténueen- iluminou atemporalidade eahistoricidade mostra sob demanda popular — era tal que to emsi—os artistas recusaram prolongar a para amemória. A transitoriedade doeven- para reflexão econtemplação, bemcomo oficial nointerior. Assim, abriuumespaço ou soviéticanotelhadoearetórica política nelas, olevantamentodasbandeiras alemã tual, amemóriadosdiscursosdassuasja- silenciou a voz dos políticos como era habi- velar doReichstag teveoutro efeitosalutar: do quandoera visível. Conceptualmente, o desvelar, para revelar oqueestavaescondi- to comoumaestratégia para tornarvisível, amplo, o velar de Christo funcionou de fac- “Num contexto públicoediscursivomais Andreas Huyssen(2003), analogia comoquerefere ocríticocultural tação renovada sobre asuaexistência. Em edifício, abrindoespaçopara umainterpre - opacidade criouumcerto silênciosobre o << da mesmaurbanidade. está emcadaumdoslados, ambospartes ravessar, para quesepossaconhecer oque rogação através da experiência de os at- na cidade, asuaconfrontação, asuainter tão urgente aidentificaçãodos‘limites’ face à‘diferença’ predomine. Torna-se en- um modelodecidadeondea‘indiferença’ levar talprática acolaborar nacriaçãode ligenciar afactualexistência destespode ‘diluir’ oslimitesentre espaços, pois neg- e deplaneamento urbanoquandointenta ta exactamente umaprática dearquitectura na-se fundamentalquestionardoquetra- consumo queacolhemepromovem. Tor compra faceàtipologiadasactividadesde tro selectivodacapacidadedepoder mente maisleves como, por exemplo, ofil- de ordem físicamasporoutras aparente- amente pelocontrolo através debarreiras entanto deacessorestrito, nãonecessari- que sendodesignadosdepúblicossãono dencialmente configurantes deespaços ricos epobres. Exercícios, comotal, ten- relação comofossocadavezmaiorentre de qualqueractualcidadeeuropeia easua riculturalidade característica da população revisão daideiade‘diferença’ àluzda plu- dos noquerespeita ànecessidadedeuma ercícios deestiloqueserevelam debilita- Tal discursotemsidosobretudo útilaex fensor da‘diluição’ doslimitesentre zonas. pelo discurso‘politicamentecorrecto’ de- resentação doespaço urbano, orientada teoria deagentesresponsáveis pelarep- ero serumatendênciaactual naprática e dos comorepresentativos doqueconsid- dos argumentos de Perrault, aqui toma- arquitectura conformesugeridanosreferi - - - - No seu documentário In Comparison (2009), Harun Farocki aborda de modo supreenden- te e essencial os processos de construção de paredes enquanto espelho de diferença e diversidade culturais, partindo da consid- eração do elemento básico da sua estrutura: o tijolo. Observou processos de produção de tijolos em diversos países, cuja sequência na estrutura do documentário se organiza de modo crescente em função da situação económica, dos países mais pobres aos mais ricos. O primeiro acontece em Burkina Faso Harun Farocki, In Comparison, 2009 com os esforços colectivos de uma comuni- (fotogramas do filme). © Harun Farocki. dade de pessoas com diferentes gerações que realiza todas as etapas da construção de um edifício pelas suas próprias mãos, at- ravés da acção conjunta com base na coor- denação espontânea dos movimentos dos corpos. O último decorre no contexto de produção industrial de tijolos tecnologica- mente mais avançado, na Alemanha, onde as poucas pessoas necessárias ao proces- so trabalham isoladas com as máquinas, de- sempenhando poucos gestos quase restri- tos apenas ao movimento dos olhos. Farocki cria assim um incisivo retrato global no qual diferenças culturais, sociais e económicas se revelam pela duração específica do modo de produção de tijolos e, consequente, do modo de construção de paredes que prati- cam. Uma metáfora poderosa sugerindo que as diferenças entre as culturas se de- terminam pelo ‘tempo do tijolo’ que pro- duzem. Para Farocki os tijolos ‘ressoam’ os fundamentos das nossas sociedades, mas ainda não aprendemos a ouvi-los. Andres Lepik (2010), curador e historiador de arte, refere o seguinte na análise que faz deste documentário, “In Comparision apresenta o tijolo como uma metáfora global para a in-

– MARTA TRAQUINO 197 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA momento presente. Oslimitesdeixamen- limites, confrontando o seu desígnio como dem questionar e revelar a natureza destes não expectáveisdoolharoucorpo po- na proximidade espacial, masmovimentos como aimposiçãodedistânciaideológica movimentos. Deummodooudeoutro,é inerente àefectivalimitaçãoourestriçãode físico, como osconstituidosporparedes, é ‘como’. A existência delimitesnoespaço através desimesmo, noseu‘porquê’ e dá aver, sobre oquepodeumlimitemostrar indagar sobre oque‘oculta’ aquiloquese tivada pelomovimentodocorpoqueousa perficies, masatemporalidade queé ac- metamorfoses decoretextura nassuassu- visual que, porexemplo, podederivardas Não atemporalidade apenaspor sugestão de temporalidade que estas subentendem. mar das paredes dão ênfase à dimensão Modos deobservaçãoemtornodoenfor produto concreto, otijolo.” (Lepik, 2010) nunca tocaomaterial básico, aterra, nemo nas. Durante todooprocesso, oserhumano junto aumcomputadorrodeado pormáqui- é umoperário sentadodebraços cruzados A únicapessoaqueaindaestánaimagem sos deprodução totalmenteautomatizados. nova fábricadetijolosalemãcomproces- so (…) A meio do filme (…) imagens de uma ças falameriemjuntosatravés doproces- mãos e dospés. Homens, mulheres e crian- da aldeia, simplesmente através do uso das tão asermanufacturados pelacomunidade do. Ostijolospara umpequenohospitales- deia numdospaísesmaispobres domun- começa emGando, BurkinaFaso —umaal- ção eresultados finais construídos. Ofilme teracção humananosprocessos deconstru - << - tora. Otexto nãosegueoacordo ortográfico. FBAUL, 2012. Todas ascitaçõestêmtradução livre pelaau- tica, percepções eacções, Orient.:Prof.ª Mª João Gamito, Traquino, Marta, Sernacidade:urbanidadeeprática artís- Este texto integra conteúdosdatesededoutoramento: exercício dasubjectividade. tação para quem os pratica, zonas para o palavras, umpossívelespaçoderepresen- para setornarem experiência, ouporoutras tão deserumarepresentação noespaço – Bibliografia Sennett-Civility-Bulletin1.pdf, acedido em Dez. 2009. BAUMAN, Zygmunt ([2005] 2006), — (2007), “The Open City”, in Confiança e Medo na Cidade, BURDETT, Ricky e SUDJIC, Deyan, Lisboa: Relógio D’Água Editores. (eds.), (2007), The Endless City — ([1995] 2007), A Vida – The Urban Age Project by the Fragmentada – Ensaios sobre London School of Economics a Moral Pós-Moderna, Lisboa: and Deutsche Bank’s Alfred Relógio D’Água Editores. Herrhausen. Society, London: BRIGHENTI, Andrea Mubi, (ed.), Phaidon Press Limited. (2009), The wall and the city / Il muro e la città / Le mur et la ville, Trento: professionaldreamers. — (2010c), Visibility in Social Theory and Social Research, Londos: Palgrave Macmillan. GARCIA, Mark (2006), “Impending Landscapes of the Architextile City: An Interview with Dominique Perrault”, in Architectural Design, “Architextiles” Volume 76, Issue 6, Nov. Dez. 2006. HUYSSEN, Andreas (2003), Present Pasts: Urban Palimpsests and the Politics of Memory, California: Stanford University Press. LEPIK, Andres (2010), “Architecture on Film: Harun Farocki Double Bill”, URL: http:// www.architecturefoundation.org. uk/programme/2009/architecture- on-film/in-comparison-the- creators-of-shopping-worlds, acedido em Nov. 2010. SENNETT, Richard (2005), “Civility”, URL: https://www.lse. ac.uk/collections/urbanAge/0_ downloads/archive/Richard_

199 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA anthropological andsocialdimension. Ontheotherhand, << the connectionbetweenPolitics andPublic days thisnotionitisappliedtoartisticinterventionswith extended the perimeters of itssignificance.extended theperimetersof Ontheone understand the convergence of thecriticaldiscourseto understand theconvergence of central tosomeartisticpractices. This text itisprecisely two elements:therelationship withtheSpace andthe developed in the second half of thetwentiethcentury of developed inthesecondhalf a characterization of the notion of Public thenotionof Art basedon a characterization of very different purposes. Nevertheless, itispossible to relationship withthePublic. Buttheseconceptshave The notion of Public The notionof Art hasbeenmovinginaterrain disciplines. Butitalsostemsfrom thefactthat inour hand, theSpaceithasbeenunderstoodthrough an about the relation of thePublicabout therelation of Art withthePolitics. open toredefinitions andinterpretations. This fact and from the identity expansion of thetraditional and from theidentityexpansion of derives, amongothers, from the artisticdynamics Professora Assistente Convidada naFBAUL eInvestigadora doCIEBA. Arte PúblicaePolítica Arte 2 became activistas (Lacy, 1995, p.25). A designação como osfeministas, marxistas e deoutros volvimento deváriosgrupos devanguarda, uma convergência históricacomodesen- social, oqueno seuentenderevidenciava nero dearte pública’ a questõesdeordem A introdução de Lacyveiculavao‘novogé- (Lacy, 1995, p.12). tir dadesignaçãolata de‘artistas políticos’ ção teóricaocorriaaté aomomentoapar de produções artísticas cujacontextualiza- tiva para umconhecimentoecompreensão aí o papel pioneiro e o contributo da inicia- do volumecomomesmotítulo, destacava Lacy, aquemcoubeotrabalho deedição Francisco Modern Art. Museumof Suzanne Genre Public Art’, realizado em 1991 no San das nosimpósio‘Mappingthe Terrain: New em 1995, quereunia asintervençõesocorri- pela primeira vez numa edição publicada nero de arte pública’. A designação surgiu artística, entãodenominadade ‘novo gé - sultou aproposta deumanovatipologia tas manifestavam nas suasobras. Delare- comprometimento socialquealgunsartis- cuamente discutidanosEUA apartir do culo XX, anoçãode Arte Pública foiprofi- No decorrer dadécadadenoventadosé- porCristinaPratasCruzeiro 1 - tinha em conta o facto de determinadas procedimentos metodológicos e de inte- práticas artísticas se centrarem numa inter- racção com uma audiência ampla e diver- venção social baseada na interacção con- sificada – assente em assuntos relevantes tinuada com diferentes segmentos da po- para as suas vidas – e com uma actuação no pulação ou com comunidades específicas, terreno social que privilegiava questões de alargando dessa forma o perímetro da con- ordem cultural (Lacy, 1995, p.20), uma op- textualidade que, até aí, tinha estado afecto ção alinhada com os caminhos que então se ao princípio da espacialidade. Lacy descre- trilhavam no domínio político. ve-as considerando que “They have enga- ged broad, layered, or atypical audiences, A indexação destas práticas artísticas à in- and they imply or state ideas about social tervenção social e política motivou desde change and interaction. Most important, the logo uma série de reflexões teóricas de cariz artists selected provide different models of ideológico que importa conhecer. Tradicio- practice and ideology.” (1995, p.13). nalmente, os artistas com uma intervenção social de relevo – fosse enquanto cidadãos Para Suzanne Lacy, as características que ou enquanto artistas – estavam maioritaria- uniam determinadas práticas e em simul- mente afectos ao marxismo. Mas durante as tâneo as distinguiam das restantes centra- décadas de setenta e de oitenta, ao mesmo vam-se na sensibilidade relativamente à au- tempo que a reconstrução teórica da obra diência, à estratégia social e à sua eficácia de Marx era abundante e dirigida por orien- real (Lacy, 1995, p.20). Ainda assim, a auto- tações filosóficas distintas como as de Györ- ra destacava de entre elas o ‘público’ como gy Lukács, Ernst Bloch, Antonio Gramsci ou a componente essencial do trabalho, con- Louis Althusser, diferentes organizações po- siderando que a relação entre o artista e a líticas de fundamento marxista colapsavam. audiência poderia, em si mesma, tornar-se Simultaneamente, assistia-se de forma glo- a obra de arte (Lacy, 1995, p.20). Para Lacy, balizada à privatização de todos os aspec- estas práticas apenas podiam ser relacio- tos da existência social e da dominação do nadas com as do espectro político em ter- poder capitalista (Bidet e Kouvelakis, 2008, mos teóricos, uma vez que as áreas sociais p.5 e 6). Com a queda do Muro de Berlim em que actuavam – por exemplo a oposição em 1989 e o fim da URSS em 1991, sucede- ao racismo, a violência sobre as mulheres, a ram-se os vaticínios de morte do marxismo. Sida ou a ecologia – “are as much a recoun- A eles, juntaram-se os discursos analíticos ting of a traditional leftist agenda as they do pós-modernismo, as teorias do fim da are the subject matter of new genre public História e as da derrota do marxismo sobre art.” (Lacy, 1995, p.30). A autora sugeria a o capitalismo como, entre outros, Francis existência de campos de actuação distintos Fukuyama defendeu em ‘The End of History entre as práticas artísticas abrangidas pela and the Last Man’, de 1992. nova designação e as restantes práticas ar- tísticas assentes numa intervenção social e Esta conjuntura, onde “this theoretical tra- política. A diferenciação tinha em conta os de-off made in the name of deconstructing

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 201 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Ernest Laclau eChantalMouffe sustêm em nómica e política. É isso que, por exemplo, na sua estruturação e análise social, eco- que considera omarxismodesactualizado profundas, assentandonumpensamento massen, 2005, p.2). As divergências são mais self-determining community.” (Tønder e Tho- namely, a free andequaldevelopmentof moderndemocratic theory(…) tcomings of na forma“inwhichMarxdisclosestheshor vergência comomarxismoassentaapenas ‘novo género de arte pública’. Nele, a con- e tipologiasartísticas, nomeadamente asdo nou-se umareferência para algunscírculos às teoriasfeministascomobellhooks, tor ry Giroux ouaindadeactivistasassociados Laclau eChantalMouffe, Paulo Freire eHen- co ‘pós-marxista’ e‘neo-marxista’ Durante esteperíodo, o pensamento filosófi- social marxista. pós-colonialismo, afastando-sedaanálise querda veiculadoaofeminismoe/ou instalar-se num‘novo’pensamentodees- identidade –procuraram comfrequência como as questões de género, de raça, de conflitos, associadosaocontexto cultural – do século XX, sobretudo nosEUA. Estes pressividade a partir da segunda metade contexto económicoganhoubastanteex A incidêncianosconflitosgerados fora do sobre críticos, artistas epráticas artísticas. das ideologias e também da sua influência tancial nopanorama dopensamentocrítico, obstante, determinouumaalteração subs- tte, 2011, p.15), nãofoicoincidência. Não ged asthetotalizingworldsystem”(Shole- at theverymomentwhencapitalismemer grand historicalandpoliticalnarratives came << 3 de Ernest deErnest - - - - estava ultrapassado. A definição de clas- social marxista, baseado nalutadeclasses, -marxismo, Foster reiterava queomodelo considerações tecidas no contexto do pós- p.140). Nesteensaio, queseaproxima às tre osocialeeconómico(Foster, 1985, entre osdomínioscultural epolíticoen- oitenta apartir deumarevisão dasrelações bre aconjuntura político-artística dosanos Art’, ondepropunha fazerumareflexão so- thePoliticala Concept of inContemporary referido –1985–, HalFoster publicou‘For Ernest Laclaupublicaram ovolumeatrás No mesmoanoemqueChantalMouffe e social epolítica. quele períodoemmatéria deintervenção rizar are-focagem docontexto artístico na- Arte Pública, assimcomo oépara caracte- logias artísticas inseridasnoperímetro da quadramento ideológicodealgumastipo- equacionamento éfundamentalpara oen- das artes comaPolítica. Nãoobstante, esse ram durante esteperíodosobre arelação à reflexão quedeterminadosautores fize- te tem sido equacionada no que se refere artes, durante osanosnoventa, raramen- mento críticoproduzido nocontexto das A influênciadestesautores para opensa- cionais (LaclaueMouffe, 1987, p.6). tos ecológicos, antinucleares ouanti-institu- sexo, assimcomoascausasdosmovimen- de subordinação como a classe, araça, o articule a luta de diferentes grupos e formas uma democracia radicalizada eplural que uma novaesquerda assentem nacriaçãode 1985, ondepropõem queosobjectivosde a Radical Democratic Politics’, publicadaem ‘Hegemony and Socialist Strategy: Towards se era, no seu entender, uma praxis social Hal Foster partia da análise baseada na específica e não um dado histórico perma- comutação entre a cultura e a economia nente que pudesse ser representado (1985, (Foster, 1985, p.146) pelo que defendia uma p.143). Por isso argumentava que: radical alteração estratégica da arte crítica em relação às utilizadas durante as primei- Today progressive social forces in the west ras vanguardas. Se aí a estratégia tinha as- cannot be defined strictly in terms of “pro- sentado na transgressão cultural e política, ductive man” – for two reasons. Historically, agora ela deveria assentar na resistência women, blacks, students...were no long su- e interferência (Foster, 1985, p.149) políti- bordinate in production or consigned to a ca, efectuada directamente no campo da realm outside it – to consumption or culture; cultura (Foster, 1985, p.154). Isso exigia da and socially, the site of struggle for these po- arte uma concepção de cultura como es- litical forces is as much the cultural code of paço conflitual onde era possível oferecer representation as the means of production, resistência e interferir com os sistemas de as much homo significans as homo œcono- produção simbólica e com os processos de micus. (Foster, 1985, p.142). circulação que controlam as representações culturais. Era esse o lugar possível para tra- Hal Foster formulava então a questão: “if it balhar no sentido da transformação social. can no longer be conceived as representa- tive of a class, materially productive or cul- O ensaio de Hal Foster terminava sugerin- turally vanguard, how and where is political do uma distinção entre ‘arte política’ e ‘arte art to be posed?” (Foster, 1985, p.140). Em com uma política’. Para o autor, a primeira resposta, afirmava que o poder não pode- mantinha-se encerrada num código retóri- ria continuar e ser exercido exclusivamente co, pelo que reproduzia representações ou maioritariamente através do controlo dos ideológicas enquanto que a segunda, im- meios de produção, mas através do controlo plicada com um posicionamento estrutural dos meios de representação (1992, p.260). de pensamento, procurava uma prática ma- Desta forma, a arte política não poderia con- terial efectiva com a totalidade social (1985, tinuar a ser concebida apenas “as a repre- p.155). Dadas as estratégias de actuação, sentation of a class subject (…) or an instru- o autor considera que a última procurava ment of revolutionary change (…).” (Foster, produzir um conceito de ‘político’ relevante 1985, p.143), valores transversais à socie- para a época (Foster, 1985, p.155), evitan- dade, tendo antes que ser concebida para do dessa forma a apropriação e dominação “specific uses and material effects (...)” (Fos- pelo poder. ter, 1985, p.143). Para que isso acontecesse, tornava-se necessário “see in the social for- Em 1996, Hal Foster clarificava a sua per- mation not a “total system” but a conjuncture spectiva, publicando o texto ‘The artist as of practices, many adversarial, where the etnographer’. A partir da recuperação do cultural is an arena in which active contesta- pensamento que Walter Benjamin expres- tion is possible” (Foster, 1985, p.149). sou em 1934 no texto ‘Der Autor als Produ-

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 203 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA a reflexão sobre a experiência públicados tula porissoanecessidade deaprofundar terligações pessoais, sociaiseculturais. Pos- ravés doqualsepodemcompreender asin- espaço socialcomconteúdo humano, at - de Lugar édefinidaporLippard comoum pard, 1995, p.115). A noçãoantropológica spect for the earth, and treat it badly.” (Lip- own places in the world, we have lost re- ra aautora que“becausewehavelostour ao alcancedosolhosedocorpo. Conside- que se volte a olhar em redor, ao que está are, where wecouldbe’, aíincluso, propõe Lippard, notexto ‘Looking around: where we ca do‘novogénero dearte pública’. Lucy Suzanne Lacycomosendoumacaracterísti- bém evidenciadonovolumeeditadopor antropológico daspráticas artísticas, étam- Hal Foster, deondesedestacaocarácter O paradigma etnográfico identificadopor dade cultural (Foster, 1999, p.173). etnógrafo édefinidoemtermos daidenti- económica enomodelodoartista como o sujeitoédefinidoemtermosda relação que nomodelodoartista como produtor qual oartista comprometido luta, umavez p.173). Oqueosdistingueéosujeitopelo gar datransformação artística (Foster, 1999, formação política é simultaneamente o lu- os doisconsideram queolugardatrans- (1999, p.172). Estruturalmente similares, adigma, o do ‘artista enquanto etnógrafo’ identifica o nascimento de um novo par do ‘autor enquantoprodutor’, HalFoster adigma aíexpresso. Masapardomodelo balhar emversõescontemporâneas dopar vários artistas ecríticoscomeçaram atra- considerou queapartir dosanosoitenta (Oautorenquantoprodutor),zent’ oautor << - - cial (Bourriaud, 2008, p.13). Tal comoLip- interacções humanasenoseucontexto so- do em1997), dedicadoàarte centrada nas escrevia ‘EsthétiqueRélationnel’ (publica- estava asedimentar-se, NicolasBourriaud ceptual do‘novogénero dearte pública’ tura em que o perímetro de actuação con- proeminência. Por exemplo, namesmaal- estavam aassumirnesteperíodoumaforte metodologias colaborativas eparticipativas to daquestão, éimportante referir queas e Gielen, 2011, p.21). Para o enquadramen- munity at whichitwasaimed.” (DeBruyne participants and the artist and wider com- ed’ whenitrealizes aninteraction between “a communityart project hasonly‘succeed- maior significânciapolítica. Detalformaque cialmente entendidocomooelementode determinadas comunidades–étenden- o seueixo central –ocontactodirecto com os queasmovemtambém. Nãoobstante, ta tradição teóricasãováriaseos propósit- As práticas artísticas compreendidas nes- ciais epolíticasdacomunidade. para deleretirar asdimensõespráticas, so- Lugares, centrando-se nessemicrocosmos as particularidades humanasgeradas nos pard, 1995, p.119) – deviam trabalhar com por eladenominadasde“art place”(Lip - of comprometidas comocontexto social– sim, noseuentender, aspráticas artísticas (but that too).” (Lippard, 1995, p.116). As- environment rather thenmerely invaders how humanoccupantsare the alsopart of arrived at. Itprovides waystounderstand art forms, placecanbe collectiveviewsof porated intointeractive andparticipatory researchof intosocialbelonging isincor Lugares this kind e considera que “When - pard, o autor identifica nas ‘microutopias’ Ernest Laclau e Chantal Mouffe, “a duo of do presente a significância política da arte anti-Marxist Leftists (...) attempted to prove relacional. Mas como Claire Bishop obser- that any universal economic explanation of va, a mesma tende a centrar-se não no es- society is merely a fetish or myth dreamed paço social mas na relação entre o artista up by Marx and elaborated on by his follow- e o espectador (Bishop, 2004, p.56). Isso é ers.” (2011, p.14). Sholette rejeita liminar- também notado por Christian Kavragna em mente a visão ‘horizontal’ do pluralismo de- relação ao ‘novo género de arte pública’: fendido por Mouffe e Laclau assim como o facto de considerarem que: The rhetoric of the NGPA hardly obscures the process of “othering”, the construction No one privileged signifier—such as the of an “other” as a condition for further pro- economy or class status—could possibly af- jections. The “others” are not only poor and fect all of these positions [as posições de disadvantaged, they are also representati- conflito social] because capitalism is not a ves of what is genuine and real, so that they totality, it is instead a text with a multiplici- are at once both needy and a source of in- ty of interpretive possibilities that generate spiration (1998). merely local conflicts of power and temporal moments of subjectivity (2011, p.14). O discurso de Lacy, de Foster, de Lippard e de outros autores como Rosalyn Deut- Naturalmente que este debate não está en- sche4 ou Nicolas Bourriaud relevava uma cerrado e dele tem resultado uma extensa intervenção social segmentada face a uma profusão de relacionamentos da Arte Públi- intervenção social dirigida ao contexto ca com o Político. Um dos efeitos mais evi- económico e político hegemónico. Chris- dentes tem sido o crescimento de propos- tian Kavragna considerou por isso que tas terminológicas e sub-tipologias dentro “What is noticeable about the programma- do tecto abrangente da Arte Pública, cu- tic writings by Lacy and Jacob, but also by jos propósitos se enunciam como políti- Lucy Lippard, Suzi Gablik and Arlene Raven, cos5. Mas a questão essencial passa pela is that political analysis is largely missing, dimensão ideológica que esses propósitos even though there is much talk of social têm, assim como pela interrogação acer- change at the same time.” (1998). Contudo, ca da sua relação com o sistema capitalista a omissão da análise política dos discursos neoliberal e com a Política. críticos sobre arte destes autores não era casual. Acontecia porque eram enformadas O BAVO, um colectivo sediado em Roter- por teorias políticas ideológicamente alin- dão, fundado pelos arquitectos-filósofos hadas com um pensamento sobre as dinâ- Gideon Boie e Matthias Pauwels, tem de- micas sociais marcadamente niilista e em senvolvido uma investigação nesta matéria, muitos aspectos anti-marxista. A este res- designando as práticas artísticas sem pro- peito, por exemplo, o artista Gregory Sho- pósitos políticos dirigidos para o comba- lette sustenta que toda a teoria política de te às estruturas hegemónicas de poder de

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 205 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA matismo próprio das mesmas (De Cauter, L. tivo erelacional, comodenotadora doprag- artísticas decarácter colaborativo, participa- ta, uma característica essencialdaspráticas O colectivoartístico destacaaacçãodirec- Roo, 2011, p.291). politics (DeCauter,be theessenceof L. eDe more underlyingstructures –whichshould important thanexposing andcombating this canbeachievedmostefficiently ismore what can be done here and now, and how politics:thequestionof zed byadenialof promised (...). NGO-art isinfactcharacteri- for fear effort that therelief might be com- ckling head-on controversial politicalissues nitarian organizations deliberately avoidta- self-censorship. Itisaknownfactthat huma- ganizations theyshare ahighmeasure of thefeasible.the limitations of With theseor for the affected individuals or groups within they focusonwhat theycandoimmediately than addressing thelarger, politicalissues, humanitarian organizations orNGOs:rather cking. (...) They reason andoperate more like tal sense, however, theyare often foundla- the problems at handinamore fundamen- se socially committed practices in tackling the- comes togaugingtheeffectiveness of to exist inourcurrent societies(...). When it ten harrowing socialsituations that continue artists undertake somedirect actionintheof- It isnodoubtnobleandmuch-neededthat sustenta que: urbano, através dafilosofiaepsicanálise e tica daarte, naarquitectura eplaneamento a suapesquisaeacçãonadimensãopolí- não governamental). Estecolectivocentra “NGO art”, ouseja, arte ONG(Organização << - litical statement, intoapar forces himself artist, who sincerely wishes to make a po- (2011), oautorconsidera que“an engaged problemática. Em‚Mapping Community Art‘ tribuí para umamelhorcompreensão desta a Arte Pública na suadimensão comunitária, turação daprática artística. Emrelação à no espaçosocialtêmnaconcepçãoeestru- ferentes concepçõesdeintervençãopolítica coloca em destaque a importância que as di- Em certa medida, aanálisedestecolectivo (De Cauter, L. eDeRoo, 2011, p.291). extremamente vulneráveis politicamente a umaneutralidade políticacomo ostorna não sócondenaosartistas comprometidos compulsão ematingir resultados imediatos pretendem. OBAVO sustéminclusivequea práticas artísticas comunitáriaserelacionais de efeitosacurto prazo, comodiferentes da, pelo que se torna impossível a obtenção uma actividadepolítico-artística prolonga- artísticas contemporâneas. Istodetermina ir sobre a intervenção política das práticas ba porseressencialnomomentodeaufer mento Para ocolectivo, aquestãodoenquadra- tion.” (DeCauter, L. eDeRoo, 2011, p.291). improvement forthesocialgroups inques- er theywillultimately produce aconcrete whichnooneknowswheth- manded’ andof cal processes inwhich‘the impossibleisde- p.291) enãopor“initiating long-termpoliti- intervention” (DeCauter, L. eDeRoo, 2011, powerment through aconcrete project or possibilityandtooffer orem- instantrelief of por “do what canbedonewithintherealms e De Roo, 2011, p.289). O objectivopassa análisedoinvestigadorPascal Gielencon- num projecto social defundoaca- - - ticulary complex role. This is especially the propósito subversivo (De Bruyne, P. e Gielen, case when he tries to substantiate this social P., 2011, p.21). Isto complexifica a questão, claim from an artistic position.” (De Bruyne, mas traz simultaneamente à luz a importân- P. e Gielen, 2011, p.18). A complexidade cia de se identificar o carácter intencional da que Gielen identifica está relacionada com prática artística, considerando os propósitos o que considera ser um frágil equilíbrio en- políticos da mesma como uma característica tre o contexto artístico e o contexto político, essencial a investigar. podendo um levar à anulação do outro (De Bruyne, P. e Gielen, P., 2011, p.19). Gielen afirma que a estética auto-relacional digestiva está tradicionalmente afecta à arte Pascal Gielen considera existirem dois posi- em espaços públicos onde o artista, embora cionamentos extremos na arte comunitária. possa ter a participação da comunidade lo- Um responde à noção de 'estética auto-rel- cal, de instituições públicas ou de empresas acional' e acontece quando o trabalho serve locais (ao nível do patrocínio, por exemplo), a identidade do artista e o outro pressupõe segue a sua assinatura artística (De Bruyne, a existência da noção de‚ 'estética alter-rela- P. e Gielen, P., 2011, p.23). É frequente nest- cional' e acontece quando o trabalho serve es casos o artista trabalhar com organi- a identidade do Outro (De Bruyne, P. e Giel- zações focadas em Arte no Espaço Público en, P., 2011, p.18). Estes dois posicionamen- (comuns nos EUA e em alguns países euro- tos sugerem que a arte comunitária pode peus) que servem de intermediárias neste seguir duas direcções: obedecer às regras processo, a fim de encontrar consensos, ou da arte profissional ou servir exclusivamente de instituições ligadas ao Poder local ou a interacção social levando inevitavelmente central. Este posicionamento é aquele que a um suicídio artístico (De Bruyne, P. e Giel- mais directamente se associa ao âmbito da en, P., 2011, p.20 e 21). Ainda assim, consid- escultura e da edificação objectual, embo- era o autor, o sucesso do trabalho depende ra possam existir projectos fora desse con- de um correcto equilíbrio entre os dois texto. Por seu turno, a estética alter-rela- posicionamentos (De Bruyne, P. e Gielen, P., cional digestiva prima por procurar atingir 2011, p.21). resultados sociais, colocando num plano se- cundário a assinatura artística (De Bruyne, P. O que se julga ser essencial nesta análise é e Gielen, P., 2011, p.25). Nela, podem inclu- que Gielen sublinha que o propósito que ir-se todos os projectos onde acreditar “in conduz o trabalho para a interacção social the healing effects of the arts is remarkably determina que o mesmo possa ser consider- strong” (De Bruyne, P. e Gielen, P., 2011, ado subversivo ou digestivo. A divisão entre p.25) e cujo objectivo artístico passa pela os dois pólos não é intransponível pelo que integração social de determinados elemen- a uma estética auto-relacional não tem que tos da comunidade. corresponder necessariamente um propósi- to digestivo, assim como a uma estética al- Um exemplo que se julga paradigmático ter-relacional não tem que corresponder um deste posicionamento é o projecto‚ 'mega-

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 207 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << onde oprojecto sedesenvolveu até aomomento. Página derosto dosítio Antoni Abad, 'Megafone.net', 2003-Mapacomasinalizaçãodoslocais Foto: MiquelColl (Apudhttp://www.macba.cat/es/10-anyos-de-megafone-net) Vista daexposição 'Antoni Abad. megafone.net/ (Apud http://www.megafone.net/site/index) da InternetdoProjecto 2004-2014'. MACBA de ofazer. Acaba portanto porsesubstitu- deixar falarooutro, impedidopelosmédia porque oprojecto advoga o objectivode gestiva’ porduasrazões: emprimeiro lugar acional. Considera-se que a mesma é ‘di- pelo que se trata de uma prática alter-rel- que emcondiçõesregulares nãooteriam, lhe éconcedidoenquantoartista aoutros discurso indirecto, cedendo o espaço que (Megafone.net, dos pelosmeiosdecomunicaçãoprincipais frequentemente ignorados eincompreendi- 2013). voz deindivíduosegrupos megafone, amplificandoa possa actuarcomoum tregue acadaparticipante dispositivo tecnológicoen- to refere, aintençãoéqueo próprio dades fragilizadas. Como o a determinadascomuni- caso setraduz pordarvoz de sociabilidadequeneste trar naarte umaplataforma equivocamente porencon- caracteriza-se in- fone.net’ sítio daInternet publique directamente no do seuquotidianoeos para queregiste episódios fone.net' um telemóvelcomcâmara cedido acadaparticipante soa. Escolhidoogrupoé sarem-se naprimeira pes- de exclusão socialaexpres- grupos de pessoas em risco jecto consiste em convidar propanhol Antoni Abad.O - 2004 e2014peloartista es- Aqui, oartista falaem website doprojec- 6

dirigido entre 7 . O‘mega- ir aos mesmos, transferindo a responsabili- dade de serviço público para si mesmo sem que isso se traduza em qualquer alteração na atitude dos referidos meios de comuni- cação social. Não existe neste trabalho a in- tenção de ir mais longe a este nível, exigin- do por exemplo que os média cumprissem a sua função, mas antes substituir-se a eles numa função que diríamos ser protésica. A outra razão, mais evidente, prende-se com o suporte financeiro do projecto, dado por Francis Alÿs, 'Turista', 1994 – Fotografia, 9.9 x 15.1 cm. instituições sociais, culturais ou artísticas e (Apud http://www.stedelijk.nl/en/artwork/82250-turista) também por empresas privadas, especial- mente as dirigidas às telecomunicações8. O artista coloca-se numa posição de facilitador das políticas financeiras empresariais que primam com frequência pelo apoio a iniciati- vas de cariz social com o objectivo de ganhar estatuto social e em simultâneo benefícios fiscais, pelo que de certa forma, sendo al- ter-relacional, este projecto colabora mais na manutenção do sistema social e político em vigor do que na sua alteração profunda.

A estética auto-relacional subversiva acon- tece quando o artista potencia a sua própria assinatura artística, o que resulta num tra- balho indiscutivelmente aceite nas institu- ições artísticas (De Bruyne, P. e Gielen, P., 2011, p.25). Um exemplo que se conside- ra clarificador deste posicionamento é o do artista Francis Alÿs. De nacionalidade belga, escolheu o México como residência desde meados dos anos oitenta, desenvolvendo um percurso artístico dirigido à exploração da urbanidade, à relação entre a política e a poética artística e à esfera pública. Pode-se dizer que a sua base de trabalho é a per- formance, no sentido em que procura criar eventos que envolvem um reconhecimen-

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 209 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA cas esociais. Aliás, aprática podeaté nunca dilui em movimentos e organizações políti- siva acontecequandoaprática artística se Por último, aestéticaalter-relacional subver económico, socialepolítico. ser debatidassua relação na poder com o amente as causas da exclusão social devem no domíniodaesfera pública, ondeprecis- política, aindaquemetaforizada, instala-se soas dacomunidadelocal. Aqui, adimensão além decerca dequinhentasoutras pes- auhtémoc MedinaeRafael Ortega, para implicou inclusiveacolaboração deCu- Mountains’, realizado noPeru em2002, que características, Faith como‘When Moves trabalhos doartista partilham dasmesmas do subversivodaobra éexplícito. Outros renúncia àpresença autoral masoconteú- tionamento políticodoartista nãoimplicaa -se para trabalhar enquanto turista. fia, vemo-lojuntoaosdemais, oferecendo- no centro daCidadedoMéxico. Nafotogra- zador, pintorouelectricistanapraça Zócalo, cem diariamenteosseusserviçosdecanali- de precariedade laboral semdireitos, ofere - diferentes actividadesque, numasituação loca-se ladoacomtrabalhadores de exclusão socialecultural. Para oreiterar, co- trangeiro envolve umforte sentimento de Alÿs apercebe-se queasuacondiçãodees- emplo. Quandosemudapara oMéxico, ‘Turista’, umafotografia de1994édisso ex em meiosmuitodistintos. em vídeoefotografia edepoistrabalhados tes eventossãoregistados maioritariamente uma linguagempoéticaindividualizada. Es- a análisepolíticaconcreta seinterligacom to do espaço eda esfera pública e onde << O ques- - - ta. Para alémdisso, ainfluência filosóficade sificados nodecorrer dadécadadenoven- mente osprocessos deglobalizaçãointen- move asuaexistência sãofundamental - cias deideologiasinternacionalistas, oque mas. Embora se possa ver nela reminiscên- global podeserexplicada devariadasfor vater, A. etal, 2004, p.206). Essadimensão portamientos rebeldes (...).” (Fernández-Sa- y enla movilidad ycirculación de suscom- de los problemas sobre los que trabajan (...) en laescaladesusredes yenladimensión y enelalcancedelmensajeque lanzan (...), apontada adimensãoglobal“en susefectos – comocaracterização essencialpodeser de asmaisclaras àsmaisdispersasedifusas distinções ideológicaseoperativas –des- embora noseuâmagoexistam profundas monta ao início da décadade noventa e fenómeno recente. O seu crescimento re- Embora comantecedentes, trata-se deum como movimentosanti-globalização. mente nosmeiosdecomunicaçãosocial política neoliberal, designadoscomum- to central deresistência aocapitalismoe criados nosúltimosanoscomopropósi- imentos eassociaçõesdecarácter social sente deformaveementeemdiversosmov- alter-relacional subversivaseencontra pre- cionamento compreendido na estética bólica. Pode-se porissodizerqueoposi - carnavalesco: produzir umainversãosim- uiparada àqueMikhailBakhtinatribuiu ao cial ealógicadasuautilizaçãopodesereq- utilizada para serviraintervençãoelutaso- o autor, nesteposicionamento, aestéticaé do Orgulho Gaycomoexemplo. Segundo ra àestética. Pascal GielenutilizaaParada ser pensadacomoartística, aindaquerecor - - determinadas orientações de esquerda que promulgariam a designada ‘crise da repre- sentação’ está também presente, traduzin- do-se na rejeição por todas as formas de or- ganização política ‘institucional’ e no apelo à auto-organização.

Destes movimentos, destacam-se aqueles que se centram na acção directa, utilizan- do-a como método primordial de inter- venção política. A acção directa, mantida por vários movimentos anti-globalização organizados fora das instituições políticas, tem um vínculo expresso aos movimentos anarquistas e a algumas correntes de au- Reclaim the streets, Cartaz, 1995 to-organização, como o Operaísmo italia- (Apud http://rts.gn.apc.org/poster1.htm) no protagonizado por Toni Negri. Mas do ponto de vista do entendimento da estética tem uma clara relação com formas de per- formatividade criadas no decorrer dos anos setenta, entre as quais se destaca o Teatro do Oprimido, um sistema de exercícios, jo- gos e técnicas teatrais, criado por Augusto Boal em 1971.

O colectivo londrino ‘Reclaim the Streets’ (1991-2002) integra um dos primeiros ex- emplos em matéria de actuação integra- da em movimentos sociais. Caracterizado pela organização de raves e festas ilegais de carácter político, o colectivo esteve ini- cialmente centrado na questão da ecolo- gia, tendo organizado alguns protestos an- ti-rodoviários, como a pintura de ciclovias nas estradas ou a sua ocupação por breves Reclaim the streets, Cartaz, 1995 períodos por forma a interromper o tráfego (Apud http://rts.gn.apc.org/poster1.htm) rodoviário. Após um período de interreg- no na sua actividade – que durou sensivel- mente cerca de três anos – o Reclaim the Streets voltou a reunir-se e depressa alar-

– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 211 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA ordem social epolíticaépoisumaquestão A veiculaçãoda Arte Pública aquestõesde neamente noâmbitodoactivismo artístico. perímetro deactuação seencontra simulta- género dearte pública’, peloqueoseu muitas daspráticas descendentesdo‘novo tre aarte earecepção, comoacontececom lação entre aarte eaprodução enãoen- que aquiécolocadacentra-se naarticu- teração social. Em boa verdade, a questão práticas diversascomumsóobjectivo:aal- tética funde-senumcampoexpandido de não éestético, ésocial. Nãoobstante, aes- acção. Assim, acentralidade doproblema políticos a utilizam enquanto ferramenta de evante quandoosmovimentossociaise da arte se torna relevante. Ela torna-se rel- dos quesejam, queaintervençãopolítica de movimentosartísticos, pormaispolitiza- política, ouseja, considera quenãoénoseio parte deumainversãodaquestãoarte/ incluída empráticas artísticas comunitárias, A estéticaalter-relacional subversiva, aqui them.”to allof (2013). three fieldswhilesimultaneouslybelonging praxis borrow somethingfrom these each of tion andpoliticalaction. Their discourse and between aestheticcreativity, socialimagina- they occupytheambiguousmeetingspace makes“What itseventsfascinating isthat ra dearte Julia Ramírez Blancoaafirmarque nos protestos, factoquelevou a historiado- início, aforte componenteestéticautilizada tuação destecolectivofoisempre, desdeo Uma dasquestõesmaismarcantes daac- ma capitalista. gou oseufocodecontestaçãopara osiste- << nutenção ouderrubedomesmo. forma asmesmascontribuempara ama- o neoliberalismo global, reflectindo deque mantida com a sociedade capitalista e com efeitos sociaisepolíticosneles, arelação faz destaspráticas artísticas, equacionaros Importa porisso, naanálisecríticaquese tervenção socialaconteceudesdeoinício. conceptual. MasaafectaçãoàPolítica eàin- histórico como ao nível da suadelimitação ao nível do delineamento genealógico e espacial manteve-sedeterminante, tanto século XX, estaalocaçãoàproblematização ocorridas apartir dadécadadenoventado depois dassuassucessivasredefinições, noções deespecificidadeespacial. Mesmo noção de Arte Pública tem estado afecta a vista políticoissoacontece. Por norma, a tro domesmotecto, tambémdopontode caracterização de tipologias distintas den- erenças quesubstanciam aidentificaçãoe estrutural, imagéticoepoéticoexistem dif- ponto devistametodológico, conceptual, que merere reflexão aprofundada. Sedo – Bibliografia dientes%20de%20una%20 Washington: Bay Press. ISBN: onda%20global>. 0-941920-30-5. Bidet, J. e Kouvelakis, S. (Ed.) Foster, H. (1985) Recodings: Art, Lippard, L. (1995) ‘Looking (2008) Critical Companion to Spectacle, Cultural Politics. New around: Where we are, where Contemporary Marxism. Leiden, York: The New Press. ISBN:1- we could be’. In Lacy, S. (Ed.) 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– CRISTINA PRATAS CRUZEIRO 213 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA público. público earte comointeresse públicos, arte comoespaço paradigmas: arte emespaços organizadas emtrês distintos relação àarte públicafossem nas últimasquatro décadasem que asdiversasnoçõessurgidas publicado em2002, propondo Art andLocational Identity’, Site-SpecificPlace After Another: com taxistas(México, 2004- desenvolvidos treze trabalhos: megafone.net/site/index projecto nowebsite (1996). Space’ (1989)e‘Agoraphofia’ spatial politics’(1996), ‘Menin os textos ‘Evictions: Art and (Bidet eKouvelakis, 2008, p.XIII). them withdifferent traditions. them innewcontexts orcombine derived from Marx, reinterpret relationship withcertain ideas which, whilemaintainingaspecial other introduces problematics Marxist paradigm, whereas the theproclaim theexhaustion of in asmuchtheoneseemsto they are differentiated inprinciple to distinguishbetweenthetwo, 7 6 6 5 4 da seguinteforma: Kouvelakis distinguemostermos oitenta. Jacques BideteStathis tendências surgidas apósosanos <<

A esterespeito verporexemplo Although itisnotalwayseasy Até aomomentoforam Como MiwonKwon fezem‘One É possívelacompanhartodoo http://www. 8 2012-2014). mobilidade reduzida (Montréal, (2011-2013) ecompessoas com imigrantes emNovaIorque visual (Barcelona, 2010-2011), com pessoasdeficiência refugiados (Argélia, 2009-2011), saharauis emcamposde (Colômbia, 2009-2010), com desmobilizadas oudeslocadas (Genebra, 2008), compessoas com mobilidadelimitada Paulo, 2007-2015), compessoas motociclistas (motoboy)(São (Costa Rica, 2006-2007), com com imigrantes nicaraguenses e prostitutos (Madrid, 2005), Léon, 2005), comprostitutas 2014), comciganos(Lleidae financeiros decadatrabalho. aceder aospatrocínios eapoios www.megafone.net) épossível Nowebsitedoprojecto (http:// Alguns Factores Determinantes para o Impacto da Arte Urbana em Lisboa1

por Sílvia Câmara

Coordenadora da Galeria de Arte Urbana (GAU) gerida pelo Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa. Mestre em História da Arte Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa.

To elaborate briefly the survey of some seminal factors in the evolution of graffiti and street art expressions in the city of Lisbon, is the analytical challenge of this article. I Particularly focused on the creations of the 21st century, No âmbito das manifestações plásticas as- the inquiry outlines a summary overview of these sociadas à produção do graffiti e da street manifestations, from its beginnings in the Portuguese art, a cidade de Lisboa granjeou, sobretu- capital, also going back to April 25, 1974 and the do na segunda década do século XXI, uma subsequent production of revolutionary muralism. The posição particular no panorama europeu. O main reasons given for the current status of the urban volume de obras realizadas, cerca de 400 art phenomenon in Lisbon, characterize the authors trabalhos entre os patentes e os entretanto community involved; point the interest shown by various perdidos; a amplitude das suas escalas, ex- political bodies, social and business entities; refer to the pandindo-se entre uma dimensão de cariz impact of the financial crisis that marked the country monumental, por vezes com mais de uma in recent years; allude to the media, with national and dezena de andares intervencionados num international coverage on this plastic universe; mention único edifício, e uma reduzida compleição, the touristic attraction of urban art and describe the work circunscrita à superfície de um armário téc- done by the Cultural Heritage Department of Lisbon nico; a dispersão pela malha urbana, atin- Municipality, through the Urban Art Gallery, in its various gindo tanto a área central da cidade, como working fields. alguns dos pólos que marcaram a sua ex- pansão urbanística, o caso das Avenidas Novas ou até o núcleo dos Parque das Na- ções e tanto bairros de elevado estrato so- cioeconómico, como bairros municipais; e ainda a diversidade de discursos, de gera- ções, de carreiras, de nacionalidades dos autores envolvidos, afirmam-se como indí-

– SÍLVIA CÂMARA 215 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA de Clássica pré-históricos ouarticulados na Antiguida- ricos ecaligráficos, plasmados em registos mente remeter para ancestrais gestospictó- do fenómeno, cujagénesepodeeventual- estudo, realça-se aproximidade temporal mológicas inerentes aopresente objectode Dentro dasprincipaisdificuldadesepiste- tária, empresária, turista, entre outros. papéis sociais, enquantoresidente, proprie- com estasmanifestações, nosseusvários mas tambémcomapopulaçãoconfrontada tes associadosaestaspráticas artísticas, namento directos com os criadores e agen- zados eapoiados, naobservaçãoerelacio - participação eminúmeros projectos organi- tas áreas deactuaçãoqueaconfiguram, na estratégia promovida pelaGAU nas distin- das nestecampoestético, daconcepção da nossareflexão einvestigaçãoproduzi- Constitui pois, umaabordagem decorrente Galeria de Arte Urbana (GAU), desde 2008. lizado, temvindoaserdesenvolvidapela da street art, praticadas numquadro lega- ção dedicadaàsmanifestaçõesdograffiti e partamento dePatrimónio Cultural, cujaac- Lisboa (CML), nomeadamente noseuDe- realizado noseiodaCâmara Municipalde posto poresteartigo, resulta dotrabalho impacto daarte urbanaemLisboa, pro- nos afiguram determinantespara oactual O levantamentodealgunsfactores quese quistou nacapitalportuguesa. cios davitalidadequeestefenómenocon- << da décadade 60einíciodaseguinte, nosé- de expressão, emerge nasegundametade tes novecentistas, mascujoprincipalcorpus ralismo maisrecente, emdiferentes corren- 2 ouaté emcriaçõesdeummu- do deSousa Amoreiras, juntoà Av. Conselheiro Fernan- cleos comooaindahojeactivo, muro das chegarem à capital, especialmente em nú- deflagrando-se na zona de Carcavelos, até tística, ocorrem nofinaldadécadade80, e osrituaispróprios destacomunidadear modus operandi, asnarrativas, ossímbolos artigo, asobras inaugurais, queimplicamo de 1974, como verificaremos adiante neste tados nosanossubsequentesàRevolução der até aos murais propagandísticos execu- Em Lisboa, seasuaherança poderetroce- versiva eanti-sistémica, comonasuaver não sónasuafacetademanifestação sub- para maiscomoumasituaçãoglobalizada, te a produção criativa em causa. Revela-se fas bastanteinacessíveis ou até vãs, peran- obter dadosconsolidados, constituemtare- tivos, consultar taxionomiassedimentadas, seus investigadores necessidade de actualização por parte dos plástico, comoincutemumapermanente transitoriedade nointeriordestedomínio que nãoapenasreflectem umcarácter de noutras cidadesanívelmundial, aspectos ção do graffiti e dastreet art, em Lisboa e ampliação dacomunidadeligadaàprodu- te-nos percepcionar ascéleres mutaçãoe meno estaraacontecerhicetnunc, permi- Tal contemporaneidade, o facto de o fenó- observação, fruição, análiseeestudo. do-se aindanumdiminutohiato temporal à anos depresença nacidade, disponibilizan- cias recentes, comaproximadamente 30 com a proliferação do pectivamente em Filadélfia eNova Iorque, culo XX, emterritórionorte-americano, res - natura doalter-ego doseuautor, owriter 4 . Trata-se portanto, detendên- 5 . Traçar cenários exaus- tag, enquanto assi- 3 - - . tente comissariada e autorizada, surgindo tas estruturas artísticas, consequentemente constantemente novas iniciativas. Assim e pouco reconhecida pelo pensamento, pela na ausência de manuais de boas práticas, crítica, pelo mercado, pela maioria das en- importa aceitar a impossibilidade de uma tidades museais, ao ser germinada no seio visão holística e definitiva sobre estas ex- de uma comunidade originalmente autodi- pressões, adoptando um entendimento di- dacta e anónima, ditaram uma clara falta de nâmico e disponível perante o movimento interesse académico, que se traduzia igual- perpétuo dos acontecimentos. mente numa fraca produção bibliográfica. Esta lacuna será outro dos obstáculos ao Outra dificuldade reside na forte ambiva- seu estudo, situação que começa a ser su- lência e nas estruturantes contradições que primida, de forma predominante, por disci- percorrem as posturas de toda esta comu- plinas sociais, como a antropologia visual, a nidade, perante os desafios que presente- sociologia urbana, muito mais recentemen- mente lhe são colocados. O pontual ape- te pela história da arte8, e por uma crescen- lo das galerias e da curadoria, a resposta te vaga de publicações ligadas ao tema. às encomendas, a atracção pelas marcas, a sujeição ao processo de legalização, até a Perante o exposto, qual a relevância desta opção por certos suportes, técnicas e plas- temática na análise da actuação artística na ticidades, são encaradas por alguns criado- esfera pública? O fenómeno encerra uma res como processos de “domesticação”, de vertente vandálica que atinge claramente aniquilação da rebeldia e do descompro- outras expressões plásticas presentes no metimento (com excepção das regras gera- espaço público, componente que mais do das pelos pares) que pautou o espírito ori- que se combater cegamente, apenas atra- ginal das práticas do graffiti e de uma certa vés de vastas campanhas de limpeza, urge “deontologia” concebida pelos writers6. Se também ser compreendido pelas orgãos em Lisboa, se encontram cada vez mais ar- responsáveis pela salvaguarda do patrimó- tistas a trabalharem exclusivamente num nio, enquanto forma de expressão, gesto de campo autorizado, surgem também auto- rebeldia, sinal de afirmação, acto de demar- res a produzirem somente registos ilegais, cação do território, perante as condições de em meios como carruagens de comboios, vida na urbe contemporânea, por parte de a pièce de résistance do universo ligado ao uma camada adolescente da população9, graffiti7. Estas facetas, entre outras, espe- estrato aliás cada vez mais jovem. Muitas ci- lham bem a complexidade do terreno que dades, têm acolhido uma crescente presen- estamos a percorrer, expondo a subtileza e ça de obras predominantemente parietais, a delicadeza das matérias em causa. nem sempre de cariz site-specific, criadas por esta comunidade, produções que trou- Por outro lado, o estado coevo, conjugado xeram para o espaço público, todo um novo não só com a natureza efémera da arte ur- grupo composto por artistas emergentes, bana e a origem de praxis ilegal, mas tam- traduzindo-se numa efectiva regeneração bém com uma proveniência distante de cer- da intervenção estética na malha urbana,

– SÍLVIA CÂMARA 217 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA espoletada pela transição à Democracia, A consignaçãodasliberdades primordiais todo o Processo Revolucionário em Curso. Abril de1974eprolongando-se durante co, eclodidoimediatamente apóso25de rir aherança domuralismo propagandísti- Antes demais, julgamosserrelevante refe- este universoplástico, comofoiapontado. dos trabalhos, doslugares onde seinscreve ponenciação dacomunidade, doseventos, processo pautado pelo dinamismo, pela ex se tornam causas, dialéctica presente num causas quesetornamefeitose se reconhecimento, constatámos quehá hoje patenteiam nasruasdacidade. Nes- as manifestaçõesdograffiti edastreet art ções artísticas, alimentando a pujança que res queestimularam estetipodeinterven- são emLisboa, identificaralgunsdosfacto- urbana teradquiridoapresente expres- principais razões para ofenómenodaarte nasce do interesse em descortinar quais as A interrogação subjacenteaesteartigo, do daarte emespaçopúblico. modo, temenformadoomaisrecente esta- goroso panorama plástico, quedealgum nificaria negligenciarediscriminarumvi- reflectir eestudartais registos artísticos, sig- tual administração do território torna premente serapreendida para aac- diáticas, complexidade deimpactosquese culturais, aspolíticas, aseconómicas, asme- versas comoassociais, asurbanísticas, as repercussões, dediferentes índolestãodi- nifestações aportam igualmentemúltiplas mais proficuamente se integrar. Tais ma- processo queimporta compreender para << II 10 . Enfim, não - lavras edasuaiconografia no pensamentoenaexpressão dassuaspa- público, porparte doscidadãos, agora livres igualmente numanovaocupaçãodoespaço rante cerca dequatro décadas, denotava-se me ditatorial que havia governado o país du- sindicatos, artistas. Quebrar ojugodoregi- postas pormovimentospolíticos, partidos, dade, umaexplosão derevindicações pro- trouxe intrinsecamentepara osmuros daci- tação imediata to visual, comfrases imperativas deinterpre- através de mensagens assinalável impac- jar, activarcomportamentos nosindivíduos, nicação, aodespertar, consciencializar, enga- portanto procuravam sereficazesnacomu- tiam empeçascomclaros fitospolíticos, que técnica e imagética dos seus autores. Consis- taneamente, quantopermitiaacapacidade máticos, adaptadatãomiméticaouespon- maoismo, queremtermosformais, quercro- delineada pelomarxismo-leninismoe essencialmente deumalinguagemgráfica O património estéticotrabalhado, emanava modo tangível, poralgunsnúcleos fotográfi- cas dacidade, legadoapenasresgatado de entre asvicissitudesconstrutivaseurbanísti- rais encontra-se hoje, totalmenteperdido, Vespeira, entre outros giados, como Júlio Pomar, NikiasSkapinakis, lução enoqualparticiparam nomespresti- Arte Moderna, em Belém, no ano da Revo- conjunto, realizado na Galeria Nacionalde das porartistas plásticos, comoovastomural va, apesardealgumasintervençõesproduzi- um ensejoconcretizado porcerta elitecriati- provindo dasestruturas políticasemenosde concebidas derivavammaisdeumesforço Agosto de1974, envolvendoogrupo Acre ção executada nopisodaRua doCarmo, em 14 . Tal acervooriginaldemu- 12 , ouaindaainterven- 11 . As obras então 13 . cos, actualmente sob a guarda de entidades como a Fundação Mário Soares15, o Arqui- vo Fotográfico da CML16, o Centro de Do- cumentação 25 de Abril, pertencente à Uni- versidade de Coimbra17. Todavia, a memória persiste nas gerações que experienciaram directamente os acontecimentos do PREC, gerando certa abertura para as intervenções do muralismo da actualidade, também ele atento a essa herança, como o testemunham o projecto “40 Anos/40 Murais”, organizado Carlos Farinha, Exposição “Venham mais 7!”, por António Alves e a Associação APAURB18 Painel da GAU, Calçada da Glória, 2014 © CML | DPC | José Vicente 2014 ou a exposição “Venham mais 7!” decorrida em 2014, nos painéis da GAU, sitos na Calça- da da Glória e Largo da Oliveirinha19.

Outro factor que nos parece fulcral alinhar, consiste na maturidade estética e empreen- dedora que a comunidade de arte urbana foi obtendo ao longo do seu percurso, na cidade de Lisboa, como o demonstrava a produção de hall-of-fame, obras de maior dimensão e exigência plástica, realizadas especialmente, no já mencionado, muro Nomen, Slap & Kurtz, Muro das Amoreiras, das Amoreiras, a partir da primeira metade Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 2012, © CML | DPC | José Vicente 2012 da década de 90. Nesse período inaugural, sobressaíam criadores como Wize (poste- riormente denominado Nomen), ainda hoje bastante activo no local20, ou Exas e Youth21. Um pouco antes, durante os anos de 1980, nas ruas do Bairro Alto, considerado o bair- ro cultural e boémio da cidade de Lisboa, onde foram proliferando as empresas cria- tivas, as actividades artísticas, os locais de restauração e vivência nocturna22, e dada a proximidade de alguns estabelecimentos de ensino dedicados às práticas plásticas e gráficas como a Faculdade de Belas-Ar- tes da Universidade de Lisboa e do Palácio Quintela, antiga sede do IADE, apareciam

– SÍLVIA CÂMARA 219 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA se tornoumundialmente reconhecido perfuração doreboco, técnicapelaqual a suaprimeira obra embaixo relevo, com assinalar que Vhils realiza nestecontexto, balhos parietaiseinstalações, sendode de menorescala, comoaprodução detra- to amostra ecomercialização detrabalhos paços abertos aopúblico, envolvendotan- O evento decorreu em vários edifícios, es- oportunidades para aprofundar assuas comunidade, proporcionando-lhe novas incrementar esteímpeto já presente na Desta forma, o aparecimento daGAU veio Hium, Klit, Mar, Ram, Vhils, entre outros mais prestigiadas desteuniverso, como e 2010, quereunia algumasdasfiguras to com 6 edições, organizadas entre 2005 a VSP – Visual Street Performance, projec- das pelacomunidade, comdestaquepara surgiam asprimeiras iniciativas promovi- cas comoostencil obras demenordimensão, ligadasatécni- << mente reconhecidomente André a actuarem noestrangeiro, comooactual- ram estimulantesvisitasdealgunsautores mente actuavam em conjunto, e ocorre- de ganizavam-se em diversas nacionais. Oscriadores portugueses or gularidade presente nalgumasautorias xavam dedecorrer daafirmaçãosin- associadas aesteuniverso, masnãodei- inspirar-se emcorrentes internacionais geneidade deplasticismosquepodiam tórica e temática, dentro de uma hetero - biam já uma considerável consistênciapic- GAU, desde2008, estasexpressões exi- estratégia municipalimplementadapela Assim, aindaantesdadefiniçãodeuma writers comafinidadesquefrequente- 23 . 24 crews, grupos . Na capital, 25 26 - . . receberem intervençõesdearte urbana tros territóriosnacidade, comopassíveisde apenas aquelespainéis, masponderava ou- tratégia para aarte urbanaque versavanão tutela daquele espaço, delineando uma es- Património Cultural daedilidade, assume a no princípiode2009, oDepartamento de tas portugueses, de distintas gerações. E que reúne algunsdosmaisnotáveisartis- do mesmo ano, uma primeira exposição núcleo desuportes, realiza-se emOutubro ves, elementoligadoàcomunidade. Nesse quanto patrocinador, edePedro Soares Ne- avultando-se o papeldoGrupo Regojo, en- instalados naCalçada daGlória, nestafase te constituídaporumconjuntodepainéis, pais eixos, a CML funda a GAU, inicialmen- ção dasinscriçõespatentes nosseusprinci- implicava entre outras medidas, aremo - grama dereabilitação doBairro Alto, que Aquando da implementação de um pro - VSP, nacidade. tos, comoasduasderradeiras ediçõesda plasticidades eapoiandoosseusprojec - algumas das figuras prestigiadas domeio. de, reforçando relações deconfiança com Para tal, iniciaumdiálogocom acomunida- rivadas douniversograffiti edastreet art. patente nacidadeeoutras intervenções de- zados nasproduções ligadasàarte pública entre osdiscursosartísticos até entãoutili- vel, frutuosaeharmoniosaumaconvivência bana, defendendoquepoderá sercompatí- e sensibilizarpara ofenómenodaarte ur tico ecultural deLisboa, procura promover guarda eapreservação dopatrimónio artís- ma quepara alémdepugnarpelasalva- a Galeriagizaumaabordagem doproble- Rapidamente, nocontexto dessa actuação, 27 - . Promovendo não só as suas próprias ini- No contexto do apoio às actividades de ciativas, como suportando e apoiando os produção artística, concebidas pela comu- eventos organizados por terceiros, a Ga- nidade, realçamos dois dos eventos mais leria alarga a sua área de intervenção. As- emblemáticos da cidade de Lisboa – o pro- sim, adopta logo nesse ano de 2009, como jecto “Crono” e a plataforma “Underdogs”. campos essenciais à sua actuação, para O primeiro, idealizado por Vhils, Pedro Soa- além necessariamente da curadoria e da res Neves e Angelo Milano, notabiliza-se a produção de eventos, as campanhas e ac- partir das monumentais intervenções rea- ções de divulgação e sensibilização para lizadas num conjunto de três imóveis, loca- a importância do enquadramento das prá- lizado na Avenida Fontes Pereira de Melo, ticas do graffiti e da street art, num plano um dos principais eixos viários da cidade, legalizado. E ainda a inventariação de re- por parte de alguns dos reconhecidos no- gistos, levantamento que recua até à Revo- mes da street art estrangeira, referimo-nos a lução de 1974 e avança até à actualidade, OsGémeos33, Blu, Sam3, EricaIlCane e Lucy inventário divulgado permanentemente McLauchlan34. Será a sua escolha como uma pela Galeria em diferentes meios, como o das mais importantes obras de arte urbana a Google Art Project28. Mas também o apoio nível mundial, num artigo da autoria de Tris- ao debate, à investigação e à publicação, tan Manco, publicado pelo The Guardian35, através da organização de seminários, da que começa a oferecer a Lisboa uma posi- participação em aulas, conferências e con- ção de destaque no cenário internacional. gressos, de parcerias com investigadores e editoras, o caso de Ricardo Campos, para a Por sua vez, Vhils e Pauline Foessel no âm- sua obra “Porque Pintamos a Cidade? Uma bito da plataforma “Underdogs”36, criada no Abordagem Etnográfica do Graffiti Urba- seu formato actual, no ano de 2013 e con- no” publicada pela Fim de Século ou a edi- tando com o apoio da GAU, têm vindo a reu- ção de “Street Art Lisbon”29, lançada pela nir em Lisboa, alguns reconhecidos autores Zestbooks. A animação e pedagogia, orga- estrangeiros, a par com criadores nacionais. nizando e apoiando entre outras iniciativas, Apenas para elencar alguns: os brasileiros o projecto “Lata 65” no âmbito do progra- Nunca e Finok; o polaco Sainer; o espanhol ma municipal do “Orçamento Participativo”, Okuda; a dupla norte-americana Cyrcle; os em colaboração neste caso, com Lara Seixo portugueses MaisMenos e AkaCorleone37. Rodrigues, projecto que se propõe aproxi- mar a população sénior destas tendências Assim, do interesse político, da consciência visuais30. Por fim, as relações internacionais, democrática em como seria relevante dedi- estruturando candidaturas e projectos in- car um tempo e um espaço próprios a uma ternacionais, integrando redes ligadas à comunidade de artistas que vinha sendo arte urbana, como a Urban Creativity Allian- afastada da intervenção plástica na malha ce31 e a RAIU- Rede Luso-Brasileira de Pes- urbana, arredados maioritariamente para quisa em Artes e Intervenções Urbanas32. práticas não autorizadas, nasce a GAU, plata- forma municipal a actuar num terreno nunca

– SÍLVIA CÂMARA 221 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << Sainer, Projecto “Underdogs”, Av. Afonso Costa, 2015, Os Gémeos&Blu, Projecto “Crono”, Av. Fontes Pereira deMelo, 2010, © CML |DPC José Vicente 2015 © CML |GAU 2010 tados emvidrões comtrabalhosma “Reciclarexecu oOlhar” - suportes de menor escala, como o progra- tividades queenvolvemaintervençãoem tica implicada. A produção dediversasac- progressivo ecletismodacomunidadeartís- boa, assenta no significativo crescimento e deste universoplástico, nacidadedeLis- Outra dasvariáveisdecisivasnaevolução na cidadedeLisboa. diversificação dofenómenodaarte urbana, bilização deumterreno fértil àexpansão e tos, parece tambémcontribuirpara aesta- actuação sobosignodediversospropósi- dade. A conjugação de todas estas áreas de dades culturais emzonascarenciadas daci- tético eprofissional, aintrodução deactivi- da street art, aelevaçãodoseuestatuto es- ceitos associadosàsexpressões dograffitie espaço público, adesconstruçãodeprecon- elas arenovação daintervençãoplásticaem fenómeno, commúltiplasprioridades, entre rações, laborando nasdiferentes facetasdo ritórios, escalas, suportes, plasticidades, ge- exigência detrabalhar em váriasfrentes, ter dios dacriaçãoGaleria, torna-seclara a Urbana” Filadélfia o programa implementadopelacidade de raros casosdeestudointernacionais, como antes desbravado pelaedilidade, entãocom to doprojecto “Rostos doMuro Azul” (antigo Hospital Júlio deMatos), noâmbi- do Centro HospitalarPsiquiátrico de Lisboa da GAU ouaindaasobras criadasnomuro sultam arealização das peçasnestasinicia- todas asfasesdosconcursos dosquaisre- de iniciação”napraxis daarte urbana. Em proporcionado amuitos autores o“ritual 40 38 decorridanosjáreferidos painéis . Por outro lado, desdeosprimór 39 ouaté a“Mostra de Arte 41 , tem - - tivas, surgem criadores que nunca antes ha- viam trabalhado em espaço público e que almejam adquirir alguma experiência neste campo, conviverem com autores de gera- ções anteriores, darem-se a conhecer às en- tidades organizadoras.

Por outro lado, o constante aparecimento de novos autores, tem como consequência uma crescente heterogeneidade plástica, com recurso a outras técnicas, imagéticas, iconografias e posturas perante os códigos originais que orientavam o comportamento no interior da comunidade. Esta diversifica- ção resulta também da introdução de per- cursos académicos através de elementos Guilherme Filipe, Projecto “Reciclar o Olhar”, 2014, com formação na área das Belas-Artes, do © CML | DPC | José Vicente 2014 Design Gráfico, da Arquitec- tura ou com experiência no domínio da ilustração e da banda desenhada, no seio de uma realidade que ini- cialmente, na geração deno- minada old-school, se fazia de modo autodidacta, com uma aprendizagem bastan- te prolongada e directamen- Saddo, Projecto “Rostos do Muro Azul”, te na rua. Nesta profunda Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Rua das Murtas, 2014, © CML | DPC | José Vicente 2014 transformação, o surgimen- to de mais mulheres é igual- mente um aspecto a assi- nalar, numa comunidade predominantemente com- posta por elementos mas- culinos, possivelmente mais aptos para enfrentar situa- ções geradas pela ilega- lidade42. A concepção de Tamara Alves, Projecto “25 de Abril Hoje”, obras num quadro autoriza- Assembleia Municipal de Lisboa, Fórum Lisboa, Av. de Roma, 2014, © CML | DPC | José Vicente 2014 do, destituído de riscos na

– SÍLVIA CÂMARA 223 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA teriais neste contexto, comoaorganização tação deserviçosouaconcepção dema- micro-empresas vocacionadas para apres- oportunidades denegócioeacriação usufruído emLisboa, identificam-senovas notoriedade queestasmanifestaçõestêm Desfrutando igualmentedaproliferação e dores reconhecidos pelo mercado da arte. riais maisperenes eonerosos, eporcria- volvidos naprodução depeçascommate - os valores praticados sãoinferiores aosen- -se deumacomunidadebastantejovem dade. Ainda assim e dado também tratar em fachadaseempenascomforte visibili- nobra aoaparecimento deobras artísticas forma, ofereceu umamaiormargem dema- taxas elogística, situaçãoquedealguma pelos elevados montantes dispendidos em tais para ainstalaçãodetelaspublicitárias, uma redução naprocura desuportes parie- frentadas pelopaís, implicaram igualmente no mercado publicitário. Estascarências en- as suascarreiras profissionais, por exemplo paralelamente estesautores desenvolviam atingiu fortemente muitasdasáreas onde balho numcenáriodecrisefinanceira que urbana comoumaoportunidade detra- outros camposartísticos, posicionamaarte va, deelevaçãodoseuestatuto perante os sua dignificaçãoenquantoprodução criati- a remuneração destasobras, nosentidoda Por outro lado, o facto de a GAU defender mara Alves, Vanessa Teodoro,Wasted Rita. Maria Imaginário, Mariana DiasCoutinho, Ta- como Kruella d’Enfer, Glam, Leonor Brilha, plástico, salientando-seentre outras, figuras hoje posiçõesderelevo nestepanorama lho produzido pelascriadoras queassumem relação comasautoridades, facilitaotraba- << 43 - , de roteiros evisitasguiadas nacional, ocasoda Agência Vera Cortês lerísticos firmadosnopanorama artístico lização depeçasporparte deespaçosga- pressão, aprocura deexibição ecomercia- street artists, ouaindaquecommenorex galerias atrabalharem exclusivamente com dise, asedições, ainstalaçãodepequenas “Natureza Viva” grupos empresariais, apontamos oprojecto Neste campodacolaboração commarcas e na cidadedeLisboa, entre outros intuitos. mediático atingido porestasmanifestações tes léxicos visuais;partilhar oprotagonismo nis queclaramente seidentificamcomes- aproximar-se de públicos urbanitas e juve- tégias deresponsabilidade socialecultural; artísticas podeestimular;aprofundar estra- senvolvimento dealgumasmetodologias social e o enraizamento territorial que o de- multicultural eintergeracional, ainclusão dadas e“deprimidas”; reforçar odiálogo dignificar áreas maisabandonadas, degra- certa valorizaçãopatrimonial; revitalizar e minados espaços, mastambémpromover cimento deinscriçõesvandálicasemdeter des –busca-senãoapenasretardar oapare- Essa procura obedeceadiversasfinalida- desenvolverem projectos nestedomínio. do território e empresas interessadas em do, querporparte deentidadesgestoras residentes e/ouproprietários doedifica- uma crescente atenção querporparte de Perante estas circunstâncias, observa-se fragide eLisboa, nomeadamente emdois um trípticodeintervenções, em Setúbal, Al- Alegro, que se traduziu na elaboração de chan, proprietária dosCentros Comerciais e 2014, comacompanhiafrancesa Immo- 46 concretizado entre 2013 44 , o merchan- , o 45 . - - dos pilares da Ponte 25 de Abril, em todos os locais com o mesmo grupo de artistas – José Carvalho, Klit, Kruella d’Enfer, Mosaik, Regg, Tamara Alves, Violant.

A já apontada cobertura mediática, pare- ce-nos merecer uma menção particular, pois tem vindo a intensificar-se no decorrer dos últimos anos, tanto nos meios nacio- nais, como nos media internacionais. Entre estes, apontaremos o New York Times, o El Pais, o L’Express, a France Press, a RAI, o Tagesspiegel, numa cobertura permanen- temente levantada pela GAU, com um ba- lanço de clipping em 2014, de 192 peças jornalísticas registadas. Obviamente que Mosaik, Klit, Kruella d’Enfer & José Carvalho, Projecto esta atenção mediática, traz um relevante “Natureza Viva”, Pilares da Ponte 25 de Abril, Calçada da Tapada, 2014, nível de exposição para o fenómeno, junto © CML|DPC|José Vicente 2014 de um público cada vez mais vasto, atrain- do consequentemente autores, agentes, associações, marcas e empresas, instân- cias de gestão autárquica e outras entida- des políticas, residentes e proprietários. E o atractivo turístico que a produção de arte urbana constitui para a cidade de Lisboa, alimenta-se de forma idêntica, a partir des- te interesse jornalístico e de toda a divul- gação impulsionada pelas redes sociais e outras plataformas digitais. As manifesta- ções do graffiti e da street art, para além de impulsionarem um turismo próprio, de indivíduos que peregrinam pelo mundo no sentido de visitarem obras, posicionam-se como um apelo importante para um públi- co com uma faixa etária entre os 25 e os 34 anos, que viaja muito numa modalidade de City Break e em companhias Low Cost, inseridos numa geração de consumidores 3.0 que busca um conjunto de vivências autênticas, originais, emotivas, sensitivas47.

– SÍLVIA CÂMARA 225 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA Locais Unidos nização mundialCGLU-Cidades eGovernos práticas naplataforma Cultura 21 da orga- graffiti eastreet art, como exemplo deboas Considerada aestratégia municipalpara o urbana emLisboa. para acompreensão dofenómenodaarte são talvezosatributos maisdeterminantes tornou possíveltraçar estepercurso. Eestes ponível para anovidade, atenta aooutro, se de democrática, livre, criativa, vigorosa, dis- apresentado. Possivelmente sónumacida- ce esquivar-se, parece furtar-se aoelenco sem adicionar, oâmagodaquestãopare- sido aludidasealgumasoutras sepudes- Todavia, aindaque algumascausastenham ram maisartistas, intervençõeseprojectos. xos noespaçopúblicoenasociedade, gera- em queaspróprias criaçõeseosseusrefle- estas práticas aquiatingiram, numprocesso alavancaram, alicerçaram aexpressão que tou elencaralgunsfactores queinspiraram, panorama internacional. Esteartigo inten- ritório, alcançaram umaposiçãosingularno comunidade artística a actuarem nesse ter peias comoLondres eBerlim o quejáacontecianoutras cidadeseuro - guiadas dedicadasaotema(vernota44), Magazine, eacrescente oferta devisitas cas, comoaNational Geographic Traveler esta matéria nalgumaspublicaçõesturísti- Daí ainclusãodereferências dedicadasa << arte urbana interessantes para seobservarcriaçõesde entre as26cidadesanívelmundial, mais locado acidadedeLisboa, nosexto lugar na suaediçãode17 Abril de2014, co- 50 , acapitalportuguesa etodaa 49 etendooHuffington Post, III 48 . - – STAHL, Johannes , Street Art, h. f. Lisboa, 2014. Pública, CIEBA-FBAUL/LESA, Performance – Arte naEsfera Chiado daDramaturgia eda Coord.QUARESMA, José,O 2015. Letras daUniversidadedeLisboa, e Comunicação, Faculdade de Dissertação Mestrado em Turismo na área metropolitana deLisboa, Cidade Turismo e Arte Urbana pela nossaCidade. (OsGemeos) parede cinza… existe umamor MIRANDA, Rita, Debaixo deuma Anthology, Drago. Writing– AStreetto Art Art DANYSZ, Magda, From Style 2014. 2014/08, Dinamia’Cet, ISCTE-IUL, policy inLisbon, Working Paper nº Challenges toanalternative urban Is street art institutionalizable? COSTA eLOPES, Pedro eRicardo, Lisboa: EstudosSociais, 2009. Câmara MunicipaldeLisboa, Col. Sustentável deumBairro Cultural, Efeitos deMeioeDesenvolvimento COSTA, Pedro,Bairro Alto-Chiado, Col. Antropológica,2010. Urbano, Fim deSéculo-Edições, Abordagem Etnográfica doGraffiti Pintamos aCidade?Uma CAMPOS, Ricardo, Porque Lisboa, 2014. Conference, Urbancreativity.org, Creativity –2014International AAVV, LisbonStreet Art &Urban Bibliografia ullmann, Col. Art Pocket, Berlin, Lisboa, Vol. 5, Julho, 2014. Street Art, Thames & Hudson, Col. História, Nova Série, nº 1, Outubro, Alexandre FARTO aka Vhils, galeriadearteurbana/docs/gau_ da Electricidade, Lisboa, 2014. Galeria de Arte Urbana – 3 Anos, images/a21c/bones_practiques/ galeriadearteurbana/docs/gau_5_ Departamento de Património Cultural, 2012. berlin-graffiti-workshop-and-street- municipal_lisboa/docs/revista_ Graffiti Revolution, Tate Publishing, London, 2009. cm-lisboa.pt/pt/> andre-saraiva_6.html> lá, o céu é lá, Fundação de Arte Moderna e Contemporânea php/pt/tours/tours-tematicos/ raiu> Os Murais do 25 de Abril, tours/> 2009. culture/gallery/2011/aug/07/art> Lisboa, 2014. / Underdogs, Vera Cortês Agência Visual Street Performance, Lisboa, galeria-de-arte-urbana?hl=pt- 2007. PT&projectId=street-art> – Publicações periódicas 1 Este artigo não foi redigido Lisboa, Vol. 1, Novembro, 2012. Ortográfico. Lisboa, Vol. 2, Abril, 2013 London, 2009, pp. 26-27. Revista GAU, Câmara Municipal de Abordagem Etnográfica do Graffiti

– SÍLVIA CÂMARA 227 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA pp. 36-37. Nova Série, nº1, Outubro, 1994, de Abril”inRevistaMurais História, 2014, p. 22. 2014/08, Dinamia’Cet, ISCTE-IUL, policy inLisbon, Working Paper nº Challenges toanalternative urban Is street art institutionalizable? XLVI, nº92, 2011, p. 31. Metropolitan Area”,in Mural intheLisbon PCTP/MRPP Landscapes: The World Art, of London, 2011, p. 48. Street Art, Thames &Hudson, Col. Conference, op. cit., p. 8. Urban Creativity –2014International Creativity”, inLisbonStreet Art & Freitas SIMÕES, “Street &Urban 10 9 13 12 11 8 7 6 5 4 91-94. Col. Antropológica, 2010, pp. Urbano, Fim deSéculo-Edições, << Cortês Agência de Arte, 2010, p. 9. La Plage…”, p. 118. Urbancreativity.org, 2014, Lisboa, 2014 International Conference, Street Art &UrbanCreativity – the city’s publicspace”, inLisbon making art in and implications of in theStreets: The possibilities Cedar LEWISOHN, op. cit., p. 127. Ricardo CAMPOS, op. cit., p. 24. Agata Dourado SEQUEIRA, “Out Pedro Soares NEVES eDaniela V. Anna WACłAWEK, Miguel MOORE, “SouslesPavés, André CARMO, “Revolutionary Composto por Alfredo Queiroz Maria Adelaide GINGA, “Os Pedro COSTA eRicardo LOPES, in , Vera Underdogs Vera , Graffiti and Finisterra, weebly.com/ cm-lisboa.pt/pt/ pt/ 2009 ecf. emhttp://www.fmsoares. Fundação MárioSoares, Lisboa, de Abril”,Murais op. cit., pp. 39. Chiado, Efeitos deMeioe La Plage…”, op. cit., p. 9. Portas e Angela Merkel. das figuras de Passos Coelho, Paulo de carizpolíticorepresentativos Lisboa, 2014, p. 65. Pública, CIEBA-FBAUL/LESA, Performance – Arte naEsfera Chiado daDramaturgia eda in Coord. José QUARESMA, O acções futuristaseoGrupo Acre”, da performancenoChiado:as DIAS, “Doismomentoshistóricos Carvalho. Cf. Fernando Rosa Ribeiro, Clara Menéres eLima 19 18 17 16 15 14 22 21 20 issuu galeriadearteurbana/docs/gau_5_ disponível emhttp://issuu.com/ Vol. 5, Julho 2014, também Câmara MunicipaldeLisboa, gau_vol4_pt ;Revista GAU galeriadearteurbana/docs/ disponível emhttp://issuu.com/ Vol. 4, Abril 2014, também Câmara MunicipaldeLisboa, Pedro COSTA, Bairro Alto- MiguelMOORE, “SouslesPavés, Co-autor dosconhecidosmurais Cf. emRevista GAU Cf. emhttp://40anos40murais. Cf. emhttp://www.cd25a.uc.pt/ Cf. emhttp://arquivomunicipal. Os Murais do25de Abril, Maria Adelaide GINGA, “Os , , alliance-2 piattaforme/urban-creativity- PT&projectId=street-art galeria-de-arte-urbana?hl=pt- com/culturalinstitute/collection/ da Electricidade, Lisboa, 2014. Dissecção, Fundação EDP/Museu exposicoes/andre-saraiva_6.html Moda. Cf. emhttp://www.mude.pt/ MUDE –MuseudoDesigneda uma exposição individualno André realizou noanode2014, La Plage…”, op. cit, pp. 10-13. La Plage…”, op. cit, p. 13. Lisboa, 2014. Cultural, 2012, p. 5. Departamento dePatrimónio Câmara MunicipaldeLisboa, 2007. é lá, Fundação de Arte Moderna Gémeos -Para quemmora lá, océu Museu Colecção Berardo. Cf. Os uma exposição individualno wix.com/raiu com/Lata65 Estudos Sociais, 2009, p. 13. Municipal deLisboa, Col. Lisboa: de umBairro Cultural, Câmara Desenvolvimento Sustentável 24 23 33 32 31 30 29 28 27 26 25 MiguelMOORE, “SouslesPavés, MiguelMOORE, “SouslesPavés, Concomitantemente, realizavam Cf. emhttp://redeartesurbanas. Cf. Emhttps://www.facebook. Cf. emhttp://www.inward.it/ Cf. emhttps://www.google. Alexandre FARTO aka Vhils, StreetLisbon, Art Zestbooks, Galeria de Arte Urbana–3 Anos, Visual Street Performance, Lisboa, e Contemporânea Colecção portugue____s_issuu ; Revista GAU, docs/revista_gau_vol_o6_2014 Berardo, 2010. Câmara Municipal de Lisboa, Vol. 6, 42 Ricardo CAMPOS, op. cit., pp 34 Cf. em http://issuu.com/unidade/ Outubro 2014, também disponível 194-198. docs/crono_lisboa_2010-2011 em http://issuu.com/camara_ 43 Com os elementos mais 35 Cf. em http://www.theguardian. municipal_lisboa/docs/revista_ velhos a atingirem nesta fase, com/culture/gallery/2011/aug/07/art gau_vol_o6_2014 aproximadamente os 40 anos de 36 Cf. em http://www.under-dogs.net/ 40 Cf. Revista GAU, Câmara idade. 37 Cf. Revista GAU, Câmara Municipal de Lisboa, Vol. 1, 44 Cf. em http://www.under-dogs. Municipal de Lisboa, Vol. 3, Novembro, 2012, também net/news/underdogs-public-art- Janeiro de 2014, também disponível em http://issuu.com/ tour/ e http://www.estreladalva. disponível em http://issuu.com/ galeriadearteurbana/docs/gau_ pt/index.php/pt/tours/tours- galeriadearteurbana/docs/ vol01_2012_issuu ; Revista GAU, tematicos/street-art-tour gau_3_portugue____s_issuu ; Câmara Municipal de Lisboa, Vol. 6, 45 Underdogs, op. cit. e em http:// Revista GAU, Câmara Municipal Outubro 2014, também disponível www.veracortes.com/ de Lisboa, Vol. 5, Julho 2014, em http://issuu.com/camara_ 46 Revista GAU, Câmara Municipal também disponível em http:// municipal_lisboa/docs/revista_ de Lisboa, Vol. 4, Abril 2014, issuu.com/galeriadearteurbana/ gau_vol_o6_2014 também disponível em http:// docs/gau_5_issuu ; Revista GAU, 41 Cf. Revista GAU, Câmara Municipal issuu.com/galeriadearteurbana/ Câmara Municipal de Lisboa, Vol. 6, de Lisboa, Vol. 1, Novembro, 2012, docs/gau_vol4_pt Outubro 2014, também disponível também disponível em http:// 47 Rita MIRANDA, Debaixo de uma em http://issuu.com/camara_ issuu.com/galeriadearteurbana/ parede cinza… existe um amor municipal_lisboa/docs/revista_ docs/gau_vol01_2012_issuu ; pela nossa Cidade. (OsGemeos) gau_vol_o6_2014 Revista GAU, Câmara Municipal Cidade Turismo e Arte Urbana 38 Cf. o programa Mural Arts de Lisboa, Vol. 2, Abril 2013, na área metropolitana de Lisboa, Program em http://muralarts.org também disponível em http:// Dissertação Mestrado em Turismo 39 Cf. Revista GAU, Câmara issuu.com/galeriadearteurbana/ e Comunicação, Faculdade de Municipal de Lisboa, Vol. 1, docs/revistagauvol2_issuu ; Letras da Universidade de Lisboa, Novembro, 2012, também Revista GAU, Câmara Municipal 2015, pp. 27-33. disponível em http://issuu.com/ de Lisboa, Vol. 3, Janeiro 2014, 48 Cf. por exemplo em http:// galeriadearteurbana/docs/gau_ também disponível em http:// streetartlondon.co.uk/tours/ e vol01_2012_issuu ; Revista GAU, issuu.com/galeriadearteurbana/ http://alternativeberlin.com/berlin- Câmara Municipal de Lisboa, docs/gau_3_portugue____s_issuu ; graffiti-workshop-and-street-art-tour Vol. 2, Abril 2013, também Revista GAU, Câmara Municipal de 49 Cf. em http://www. disponível em http://issuu.com/ Lisboa, Vol. 4, Abril 2014, também agenda21culture.net/images/a21c/ galeriadearteurbana/docs/ disponível em http://issuu.com/ bones_practiques/pdf/LISBON- revistagauvol2_issuu ; Revista galeriadearteurbana/docs/gau_ ENG.pdf GAU, Câmara Municipal de Lisboa, vol4_pt ; Revista GAU, Câmara 50 Cf. em http://www. Vol. 3, Janeiro 2014, também Municipal de Lisboa, Vol. 6, Outubro huffingtonpost.com/2014/04/17/ disponível em http://issuu.com/ 2014, também disponível em http:// best-street-art-cities_n_5155653. galeriadearteurbana/docs/gau_3_ issuu.com/camara_municipal_lisboa/ html

– SÍLVIA CÂMARA 229 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA << n’arrive passansclivagesnicontradictions, danslesquels avec lechampmêmedel’art quil’absorbe, enunabîme ses pratiques etsesconceptssemblententrer enconflit L’institutionnalisation dugraffiti danslechampdel’art du graffiti dansl’oeuvre estdanslarue, lesgalerieset les centres culturels, Toz - Tomas Viana -analysesson de valeursetintérêts, danslaformation desartistes et l’appréciation desoeuvres. L’un desrares artistes assimilation parlemarché etlesinstitutions. A FilhaBastardadaArte Doutor pelaEscoladeBelas Artes daUniversidadeFederal doRiode Janeiro eprofessor doDepartamento deHistóriae Teoria da Arte do Instituto de Artes daUniversidadeEstadualdoRiode Janeiro. ébrias profecias” perigosas, porentre sonhos, acusaçõese que deGloucester“armar conjuras, tramas para essemundoquerespira, resta aoDu- tem. Imperfeitoelançadoantesdahora ser abjetocontra oqualaté oscãesinves- para oamorepara aalegria, poiséum Seu desconforto reside naincapacidade a vitóriadacasade York sobre Lancaster. da pazeaosomlascivodoalaúde, após cardo III, incapazdeviversobasgrinaldas re aodissimulado, envolventeesedutorRi- peare noslegou, talveznenhumsecompa- Na galeriadevilõesmagistrais queShakes - glorioso soldaarte contemporânea? nalizadas. Não há descontentamentosobo mesmo emaçõesqueainda hojesãocrimi- em qualquerparte eaqualquermomento, a experiência estética pode ser encontrada na unanimidadeartsy menta comometáfora aopapeldograffiti Aproveito astrevas queopersonagemali- te, não para a paz, mas para a carnificina. não vive para a vitória, mas para o comba- licidade queelepróprio ajudouacriar. Ele porMauroTrindade 1 , emdesacordo comafe- de nossaera, naqual Tomas Viana, o Toz, é um grafiteiro baia- lavras pintadas nas ruas para a difusão de no radicado no Rio de Janeiro que, des- ideias e comportamentos. Na mesma déca- de 1996, pinta com sprays muros, viadu- da, jovens negros e hispânicos moradores tos e outras construções pela cidade e que de Nova Iorque e de outras cidades iriam se tem feito sucesso no mercado de arte, com bater contra as configurações simbólicas do obras espalhadas por todo o Brasil e em di- espaço urbano após a repressão aos “gran- versos países da Europa. Quando começou des motins urbanos de 1966-1970”4, como a colorir as ruas do Rio, a arte e o mundo da nota Jean Baudrillard. Dividida em zonas de arte não tinham a menor importância para ocupação sociais e raciais, a cidade é igual- os grafiteiros. Segundo ele, mente ordenada por um sistema de signos que define as normas de conduta e olaisser “Eram mundos distintos que continuam to- passer de seus habitantes: não é coincidên- talmente distintos. Mas agora as coisas estão cia que os vagões de metrô tenham sido um mais confusas. Há grafiteiros em galerias e dos alvos iniciais do graffiti. artistas que vão grafitar. E os grafiteiros que estão em galerias não têm força para ‘puxar’ As cronologias desenvolvidas pelos pri- para dentro os que estão de fora. Não é um meiros autores (GITAHY, 1999) indicam movimento. É cada um por si. Mesmo quando que o graffiti passou a ter importância no são feitas exposições, não há aprofundamen- Brasil por volta de 1975, quando John to, apenas alguém chama os artistas mais pró- Howard, Alex Vallauri e Waldemar Zaidler, ximos, porque praticamente não existem cura- entre outros, espalharam pela cidade de dores especializados. Penso no graffiti como a São Paulo seus trabalhos pioneiros. Na dé- filha bastarda da arte contemporânea.”2 cada seguinte, surgia uma nova geração de grafiteiros sob a influência do hip hop nor- A despeito de seu caráter fundador na ex- te-americano, tendência que prosseguiu periência plástica e pictográfica e de seus nos anos 1990 e segue até hoje. Toz per- múltiplos contextos, o graffiti como o co- tence a esse grupo que, de maneira geral, nhecemos “é como uma versão artesanal não tinha qualquer formação artística mais do ritmo fragmentário e heteróclito do vi- aprofundada. Na época nunca tinha ouvi- deoclip”3 e torna-se conhecido a partir da do falar em Tunga, Waltércio Caldas, Anto- segunda metade do século XX. Ele sofreu nio Dias ou qualquer outro artista de des- influências localizadas do muralismo mexi- taque na arte contemporânea brasileira. cano pós-revolução de 1910 que, com seu Suas referências eram Os Gêmeos, Binho, caráter político, resgatou tradições visuais Tinho, Espeto e outros grafiteiros paulista- pré-colombianas e deslocou a apreciação nos que já atuavam há cerca de 10 anos. da arte para os espaços públicos. E, de Os parceiros (Fabio) Ema, (Marcelo) Eco e forma mais abrangente, a revolta estudan- Akuma (Soares) e Airá O Crespo, além de til de maio de 1968, em Paris, revelou aos (Marcelo) Ment e Mackintal foram conheci- writers, como se denominavam os primei- dos nas ruas e no Zoeira Hip Hop, festa mu- ros grafiteiros, o caráter epidêmico das pa- sical promovida no bairro da Lapa, no Cen-

– MAURO TRINDADE 231 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA a Lei dosCrimes Ambientais, queincrimi - chação ougraffiti sujeitam-seà Lei N.º9.605, e pelapopulaçãoemgeral. Desde 1998, pi- carado demaneira artística pelasinstituições forma devandalismoedificilmente era en - a serqualificadopelaimprensa comouma Durante todos esses anos, o graffiti continuou de playground” do queagentefazia. A cidadeera umgran- ção, nem a prefeitura tinha conhecimento Acme, andavam sozinhos. “Nem a popula- Toz faziaparte. Alguns grafiteiros, como Janeiro, e o Fleshbeck, da Zona Sul, do qual Gonçalo, naregiãometropolitanadoRiode cidade, outro vindodomunicípiodeSão Nação, comgrafiteiros da Zona Norte da Três Cohen, equeenvolviarap, break egraffiti. tro doRiode Janeiro, pelaprodutora Elza << anarquia.” é nãorespeitar ninguém, igreja, prédio. É regras, nãohámoral, pichatudo. A regra usam osuporte dodesenhoalheio. Não há moleque doidão que sai pichando tudo. E “A ruaédetodomundo. Àsvezestemum ausência deregras. Para Toz, essaéaregra dojogograffiti: a tros graffitis, até desaparecer por completo. efêmera, ograffiti conviveesefundeaou- mentos nocasodepossíveis“invasões”. Arte sem, entretanto, que houvesseenfrenta- tário dominouaatividade dessesgrafiteiros tras obras. A demarcação decaráter identi- áreas grafitadas conformeaausênciadeou- banos era territorial, comaampliaçãodas A estratégia deocupação dosespaçosur crews – equipes – se destacavam: o 6 5 , comentaoartista. -

var para agaleria, aatitude.” ser forte éaatitude. Eéissoquetem dele- em falsoevocêmorre. Oquefazograffiti toestrada) Lagoa-Barra, é só dar um passo de terforça. Por exemplo, aografitar na(au - pacte atodomundo. A ruacobra. Você tem importante. Você temdefazeralgoqueim- cara quefazcoisanaruaeninguémvênãoé se arriscar. Ir onde ninguém consegue ir. O mundo admire seuestilo. Edepoistemde você temdeterumdesenhofoda!Quetodo meiro temdeforte, fisicamenteforte. Depois algumas formasdevocêserrespeitado. Pri- vontade eseespalhar. Issoédograffiti. Há “O meu graffiti éilegal. Eépreciso muita a ilegalidadefazparte dojogo. Movimento –epara amaioriadosgrafiteiros, – representado noRiode Janeiro pelagaleria dos, apenaaumentaemseismeses. Para Toz ta. Emcasodegrafitagem sobre benstomba- pode chegaraumanodedetençãoemul- urbano”, comumapenadedetençãoque meio conspurcar edificação oumonumento na aqueleque“pichar, grafitar ouporoutro e reavaliar ograffiti, até então considera- ricano Robert Reisner, procurou preservar balho pioneiro, opesquisadornorte-ame- cadas Roma antigaaté igrejas medievaisrabis- anteriores, desde artigos sobre Pompeia e a serpublicadosdeformaesparsaemanos nômeno. Alguns livros e ensaios chegaram tudos acadêmicosdessematenção aofe- fossem lançadosemdiversospaísesees- mo quelivros arespeito dearte urbana sem adarespaçopara ograffiti, aomes- instituições públicaseprivadaspassas- Demorou muito tempo para que diversas per saeculasaeculorum. Emumtra - 7 do pornográfico, estúpido e destrutivo. fiteiros ainda era considerada degradante Reisner realizou uma pesquisa aprofunda- do espaço urbano e do mobiliário público. da que apontou diferenças entre o graffi- Em uma reportagem na Esquire de maio ti tradicional e as novas modalidades que de 1974, Mailer dedicou 17 páginas a Cay passaram a ser praticadas nas grandes ci- 161, pertencente a uma das primeiras ge- dades. Em Graffiti: Two thousand years of rações de desenhistas nova-iorquinos a co- wall writing (1971) e, mais tarde, em En- brir os muros e os vagões do metrô daque- ciclopedy of graffiti (1974), ele analisa es- la cidade com tags – assinaturas grafitada ses desenhos e escritos em diversos espa- nas paredes. O autor de Os nus e os mor- ços sociais, em particular, onde e quando tos não economizou elogios ao artista e o o grafiteiro podia deixar suas mensagens comparou ao melhor do Trecento: sem temer censuras por abordar temas “muito mais viscerais” (Reisner, 1971: 4). “...tão famoso no mundo dos graffitis de mu- Com o interesse em alcançar visibilidade ros e metrôs quanto Giotto pode ter sido para seus escritos, os grafiteiros procura- quando seu nome começou a circular nos vam escrever e pintar em espaços abertos, circuitos das oficinas que levaram de Masac- cujas mensagens, sugere Reisner, traziam cio, através de Piero della Francesca, a Boti- informações vitais a respeito da indiscipli- celli, Michelangelo, Leonardo e Rafael.”8 na, sobre o funcionamento de mentes de- bilitadas, de ególatras ou entediados (Reis- Mailer traça um longo perfil não apenas de ner 1974: 8). Suas pesquisas centradas em Cay 161, mas de toda uma geração de ar- graffitis latrinários e de rua apontaram pela tistas, cujo trabalho até então era classifica- primeira vez para o contexto onde se reali- do como vandalismo puro e simples. Para zam os graffitis e as implicações que a am- o escritor, as palavras escritas nas tipolo- biência imprime aos conteúdos. gias originais do graffiti eram o sinal de um apocalipse cultural, indicativas de um no Coube a Norman Mailer, porém, ser a voz future que se tornaria frequente na litera- tonitruante em defesa do graffiti. Ele o di- tura e no cinema dos anos seguintes. Em fundiu em uma nova perspectiva dentro da uma prosa abundante e caudalosa de ima- revista Esquire, que gozava de forte acei- gens, o escritor identifica nos rabiscos das tação na intelligentsia dos Estados Unidos. ruas de Nova Iorque a ascensão de uma Na década de 1930, escritores do porte de arte ainda indecifrável e profética. Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Al- berto Moravia e André Gide já figuravam “Estamos no fim possível da civilização. Nos- em suas páginas. E, durante os anos 1960 so instinto, exausto e cabalmente poluído, e 1970, a revista apoiou o chamado New sonha com algum tipo de limpeza ou puri- Journalism, com a publicação de longas ficação que não encontramos; impulsos tri- reportagens de caráter literário de Gay Ta- bais despontam no mundo inteiro. A linha lese, Tom Wolfe, Tim O’Brien e do próprio genealógica de artistas isolados e da obra Mailer. Há cerca de 40 anos, a ação dos gra- solitária atravessa toda extensão de Miche-

– MAURO TRINDADE 233 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA curiosa sugestão decomonossaexistência gum sentidoprimevoda existência, àquela é quasecomosetivéssemos que voltar a al- fazer seuegoecoarportoda acidade, não, passar emletras grandes obastantepara pensar nodesejoinfantildeverseunome manifestação doSenhor;não, nãobasta própria formadaletra era adorada como semelhantes aoalfabetohebreu, ondea do sãoessasluzesefulgores dechamatão arábicas; dequeconexões comopassa- graffitis, comsuascaligrafias chinesas e que combate vêmasletras curiosasdos “Não obstante, aindaháummistério. De uma era e, talvez, oiníciodeumanovaarte: nomes inescrutáveisqueanunciamofimde museus. Para oescritor, sãoasletras desses arte contemporânea exposta nosgrandes para avitalidadedograffiti em relação à de grafiteiros espantaMailer, queaponta tuições artísticas dessaprimeira geração anônimo, grupaledesvinculadodasinsti- classificados como “arte digital”. Ocaráter ria para osnovosexperimentos maistarde “artista decomputador”, expressão precá- ga às performances de Chris Burden e ao uma herança doRenascimento, queche- tal esuaidentidadeúnicaoriginalcomo preende oestatuto socialdoartista ociden- A genealogia descritapeloescritorcom- tores degraffiti. Elesaindasãooutra coisa.” compreender mais facilmente do que os au- computador doGuggenheimquepodemos descobrir seexiste odesastre, éoartista de coisa nomundodiantedenóspara tentar pintura rupestre etentarrabiscar alguma fizessem voltarao imperativo emocional da langelo até Shoot de Chris Burden, e, se nos << 9 exércitos emtodaacordilheira invisível.” das soassemagora comoastrombetas dos se, comefeito, todasasvidasjamaisvivi- sido, nossaprimeira arte dokarma, como memento daquiloqueelesbempodemter dam naporta dosnossosmetrôscomoum cada vezmenosdistante. Osgraffitis tar um apocalipsequalquerqueseaproxima, cional desuafolhagem, fosseoarauto de mação e/ou de sua missa, a agitação inten- como seamúsicainauditadesuaprocla- do desconforto profundo queelesincitam, é oecoinauditodosgraffitis, avibração o nome, e vivido outras vidas. Vai ver esse véssemos vindodeoutros lugares quenão para nós, eletampoucoéreal –comoseti- num espelho. Senossonomeétremendo e nossaidentidadesópodemseperceber do Castellón vairealizar umadasprimeiras dos, oartista ecurador nicaraguense Rolan- com eles. Do outro lado dos Estados Uni- da arte mostrou-se maisamploetolerante trabalhos desses primeiros writers, o mundo Se omercado dearte aindanãoabsorviaos de sabãoBrilloBox. Andy Warhol naStable Gallery, comcaixas bre artigo Artworld, arespeito exposição de Mailer, defendia Arthur Dantoemseucéle- no como, dez anos antes da reportagem de de ressignificação dosobjetosdocotidia- seus partir dodadaísmoesurrealismo, com to dadescategorização daarte ocorridaa pode ser apontada como resultado dire- rânea. Essaampliaçãodocampoartístico bramentos daarte modernaecontempo- te uma consequência lógica dos desdo- A valorizaçãodograffiti parece igualmen- ready-made eobjecttrouvé, operação 10 - exposições inteiramente dedicadas à nova A aceitação do graffiti como forma artísti- arte. Aesthetics of Graffiti foi apresentada no ca é exemplar nesse contexto. Enquanto os Museu de Arte Moderna de São Francisco rabiscos de nomes e frases emergiam do entre abril e julho de 1978, com nada me- metrô de Nova Iorque, a pintura tradicional nos que 94 artistas envolvidos, desde grafi- enfrentava uma profunda crise deflagrada teiros mais ou menos anônimos até nomes desde a chegada dos textos críticos de, en- de destaque na arte americana, como Ro- tre outros, Joseph Kosuth e Sol LeWitt, pu- bert Rauschemberg e Edward Ruscha. A ex- blicados em 1969. Sob a influência da filo- posição representava ainda uma tentativa sofia de Wittgenstein e uma interpretação de artistas latinos conquistarem um espaço particular da Crítica do Juízo, de Kant, Kosu- dentro do universo artístico norte-america- th rejeita a compreensão da arte em bases no, com formas e práticas mais populares. morfológicas e que as obras de arte não se- Em seu texto de apresentação, Castellón riam mais do itens de colecionador. “As pin- afirmava esperar que, fora de seu ambiente turas de Van Gogh não valem mais do que costumeiro, as pichações pudessem ser vis- sua palheta”13, escreve. tas por suas qualidades visuais e estéticas e que, “através do processo de integração Sol LeWitt, por sua vez, ataca a categoriza- consciente com artistas de estúdio, o graffi- ção da arte com suas Sentenças sobre arte ti, assim, tornar-se oficialmente sancionado conceitual, nas quais afirma que quando pa- como ‘belas artes’”11. lavras “como ‘pintura’ e ‘escultura’ são usa- das, elas conotam toda uma tradição e em Hans Belting nota, em seu seminal O fim da consequência implicam uma aceitação des- história da arte, que a arte multiplicou-se e sa tradição, impondo assim limitações ao “se dissolveu num espectro de fenômenos artista, que relutaria em fazer uma arte que opostos que há muito tempo aceitamos fosse além das limitações.”14 como arte, antes mesmo de termos forma- do um conceito a seu respeito”12. Além de O graffiti anárquico, inculto e desrespei- museus, galerias, surgem feiras e centros toso com objetos sagrados da arte, como culturais espalhados em todo o mundo, edi- monumentos e prédios históricos, lenta- ções cada vez mais frequentes de livros de mente começou a ser tratado como uma arte e uma proliferação de artistas em toda prática artística nova e cheia de vitalidade. parte. A arte e a experiência estética estão Mesmo a repetição de seus escritos e de- nas ruas e praças, na alimentação e no ves- senhos passou a ser visto dentro de uma tuário, no trabalho e no lazer. De seus tem- perspectiva da história da arte. A seriali- plos privilegiados, dos monumentos e dos zação industrial, assunto frequentemente locais de troca, a arte se irradia sobre todos abordado pela arte pop, também seria te- os campos da vida, em ações, produtos cul- matizado pelo graffiti. Não demora muito turais e uma incessante produção de ima- tempo para que galerias de arte passas- gens midiáticas que envolvem a noosfera. sem a convidar alguns grafiteiros para ex- por seus trabalhos, desta vez feito sobre

– MAURO TRINDADE 235 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA art. tivais comgrafitagens eoficinasdestreet có ediversasoutras cidadesrealizaram fes - Campos deGoytacazes, Corumbá, Chape- de Janeiro,Rio Joinville,Del-Rey,São João Alex Vallauri, morto em1987. EmMaceió, Lei Municipal13903, quehomenageia Graffiti. ElefoiinstituídoemSãoPaulopela lo, gigantesco paineldegraffiti. EmSão Pau- nidade deItinga, comaprodução deum a pintura deummural gigantenacomu- dor, oBahiade Todas asCores promoveu e“produção degraffiti”.” EmSalva- cifusion, noRecife, comoficinasde“live tros exemplos, em2015, ocorreu o7ºRe - tura hiphopérepetida. Entre muitosou- feiras efestivaisnosquaisafórmuladacul- Hoje jáérotineira noBrasil arealização de e, naturalmente artes visuais, comografite. –, dança–break –, poesia–comosMCs festivais peloBrasil: música–rap ehiphop tornariam recorrentes nestesencontros e ti, com alguns segmentos artísticos que se nho Ribeiro organizou a1ªBienaldeGraffi- 2008, emBeloHorizonte, ografiteiro Bi- e dapintora japonesaChiho Aoshima. Em lado detrabalhos deartista deruaBansky terra, para amostra SpanktheMonkey, ao Contemporary Art, em Gateshead, na Ingla- Gêmeos estiveram noBALTIC Centre for culasse mundoafora. Em2006, obras dos permitiu queaobra dediversosdelescir tou laçosentre artistas detodoomundo e tes desenvolvidaatravés dainternetestrei- uma vastarede degrafiteiros esimpatizan- missionaram trabalhos. Ao mesmotempo, to àcultura noBrasil eemoutros paísesco- papel ou tela, enquanto órgãos de fomen- << é comemorado desde2004, oDiado Tanto Rio de Janeiro, quanto São Pau- - Paulo háváriasdelas.” de Janeiro) quevendegraffitis. EemSão que éumaloja-galeriaemIpanema(noRio nea. Tem um público que vai à Homegrow, cupa comomercado dearte contemporâ- Ele étãoforte depúblicoquenãosepreo- graffiti sãofinanciadospor quem as compra. próprio público. Oslivros easrevistas de veu esobrevive pelasprópriaspernas, pelo críticos dearte nemcuradores. Elasobrevi- depende dosmeiosnormaisdaarte. Nãohá “É umaculturamundialmuitofortequenão define como Toz: ciadores da“arte contemporânea erudita”, ideologicamente elanecessitadosapre- nova classificação, poisnemmaterial nem mundo daarte, ograffiti necessitadeuma arte aconteceatravés desuainclusãono e exposições. Sealegitimaçãodaobra de mente diferentes daquelesdosvernissages lo, no qual públicoe produtores são inteira- ses eventosérealizadoemumsetorparale- de galeriasemuseus, porém, amaioriades- No lugardeocorrer umafusãoaocircuito distinta eem ummeiosocialigualmente do campodaarte, através de umaretórica do graffiti parece, assim, constituir-se fora ponto desgarrados. A apreciação estética de troca eseuvalorcultural estãoaté certo der comomundodaarte, ondeseuvalor graffiti realizam-se em uma relação de po- que osprocessos deinstitucionalizaçãodo seus próprios agenteseinstânciasrevelam A criaçãodeumaeconomiaprópria, com o graffiti emseusespaços gãos públicosquefomentamedisciplinam lo eLisboadispõemháalgunsanosdeór 16 15 . - distinto, o que explica a dificuldade e talvez lares por pessoas para absorver calorias. até o desinteresse de sua inclusão na arte. Mas por um feito estético”. Com a crescen- Talvez por isso as ações de institucionaliza- te estetização da alimentação, refeições rá- ção do graffiti passem menos pelos museus pidas oferecidos em kombis e vans pelas e galerias de arte do que por políticas de ruas das cidades, agora garbosamente tra- cultura oficiais que disciplinam os espaços tadas como food trucks, transformam um públicos a serem grafitados, em uma legis- reles sanduíche em uma experiência com- latura do louvável e do interdito. parável a jantar no El Bulli, do chef Ferran Adrià, cujo lema era “comer conhecimen- Em recente palestra no Rio de Janeiro, o crí- to para alimentar a criatividade”. Há me- tico Hans Ulrich Gumbrecht apresentou al- nos de um ano, esses veículos eram conhe- gumas das ideias contidas em seu novo li- cidos pelos moradores do Rio de Janeiro vro Nosso amplo presente, no qual comenta como “podrões”, tanto devido ao mau esta- a estetização da vida cotidiana, na qual tudo do de conversação quanto à qualidade de está sujeito a um “olhar estético”. O escritor seus produtos. A descrição de seus ingre- pressupõe que não existem mais quaisquer dientes – “carne de vitela cuidadosamente diferenças entre a experiência estética e a moída e acrescida de ervas finas, sal mari- vida cotidiana, exatamente ao contrário do nho e pimenta negra moída na hora” – e de pensamento fundado na terceira Crítica seu preparo – “grelhada por vinte minutos kantiana e sua concepção de desinteresse em temperatura alta o bastante para selar e autonomia da arte. Hoje a experiência es- a peça de carne e evitar a perda dos sucos tética estaria presente em todos os aspec- e da maciez” – evidencia o esforço em im- tos da vida, sem que a interpretação herme- primir às refeições ligeiras uma dimensão nêutica supere o aspecto fenomenológico de experiência estética digna de Brillat-Sa- do acontecimento, em uma situação precá- varin. Dessa forma, bolinhos doces transfor- ria que marca toda a experiência estética mam-se em cupcakes, picolés – sorvetes em ocidental da atualidade. Assim ela estaria Portugal – em paleta mexicana, e doses de imbricada ao cotidiano e ao mercado. “Não aguardentes em shots. existe, por exemplo, roupa para comprar que não ofereça algum efeito estético. Até a Gumbrecht acredita que a estetização do roupa profissional conta com certos efeitos cotidiano ocorre de três maneiras. Primei- estéticos”, observa. ro, com sua irrupção no próprio cotidiano, quando em situações aparentemente ba- Gumbrecht incluiu em suas observações a nais e costumeiras, surge algo com dimen- crescente “gourmetização” do mundo, na são estética. Segundo, com o aumento da qual uma refeição nunca é uma simples ab- funcionalidade dos objetos – à exemplo da sorção de calorias. “A comida tem de ter sa- Bauhaus – que transformam nossa relação bores específicos e também uma apresen- com o que está à nossa volta. Terceiro, de tação linda em um restaurante lindo. E você forma epifânica, quando passamos a olhar não vai a um restaurante que custa 500 dó- objetos do cotidiano de forma diferente,

– MAURO TRINDADE 237 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA te nãoserá poramor. de afamíliavaiterabraçá-la.” Certamen- da arte, masémuitotalentosa. Cedo outar Para Toz, “o graffiti émesmo afilhabastarda iconoclasta alheiaasuaprópria dinâmica. da arte, hesitanteemabonarumaprática espaço urbano, eaabsorção pelocampo gressivo, quedefineterritóriose resinifica o to permanecenaintersecçãoentre otrans- das antigasbienais. Ograffiti nesse contex nencial dasfeiras dearte ecerto descenso são sintomáticas, comocrescimento expo- e desuasformasexibição elegitimação do astransformações internacionaisdaarte junções capazesdejustificá-la. Nessesenti- tram em criseea arte encontra novas con- os valores históricosdaarte edacultura en- rio no qual os sóis da arte nunca se põem” Nessa nova era superestetizada, “um impé- de inflação:ainflaçãoestética.” bém éaqueestámarcada poroutra espécie e daexcrescência desuasoperações, tam- e da“financeirização, dadesregulamentação autores defendemqueaera daglobalização tes emdispositivosmóveispermanentes. Os nente e, cadavezmais, imagenspermanen- de produtos sonoros, emummuzakperma- seus feéricos, hotéis de charme, onipresença dita, comarquiteturas-espetáculo emmu- cos muitoalémdocampodeprodução eru- uma produção ininterrupta deobjetosestéti- tégia cultural nocapitalismotardio envolve Para GillesLipovetsky e Jean Serroy, a estra- grafite seenquadrarianoprimeirocaso. mensão estéticanuncaantesapercebida.O quando umasimples árvore ganhaumadi- << 17 18 - - , – GUMBRECHT, HansUlrich. A 1999 São Paulo: Editora Brasiliense, GITAHY, Celso. OqueéGraffiti? Hudson, 1984. Subway Art. London: Thames and COOPER, MandChalfant, H. Modern Art,of 1978. Francisco: SanFrancisco Museum July 2, 1978(catálogo). São GraffitiAesthetics of – April 28- CASTELLÓN, Rolando (Curator). visual. Antropologia dacomunicação CANEVACCI, Massimo. Edusp, 1998. sair damodernidade. SãoPaulo: híbridas: Estratégias para entrar e CANCLINI, NéstorGarcia. Culturas 2006. depois. SãoPaulo: Cosacnaify, da arte –umarevisão dezanos BELTING, Hans.Ofimdahistória Gallimard, 1976. symbolique etlamort . Paris: BAUDRILLARD, Jean. L’échange Bibliografia DP&A: Riode Janeiro, 2001. experiência estética perdeu a sua 5 Entrevista ao autor. think of the childlike desire to see “autonomia”? Uma dupla reflexão 6 Idem. one’s name ride by in letters large genealógica. Palestra. Rio de 7 Ibidem. enough to scream your ego across Janeiro: Museu de Arte do Rio, 8 “Giotto may have been when the city, no it is almost as if we must 25 de agosto de 2015. Disponível his name first circulated through go back into some more primeval em https://www.youtube.com/ the circuits of those workshops sense of existence, into that curious watch?v=GRxr8NCHiQo. Acesso which led from Masaccio through intimation of how our existence em 03/09/2015. Piero Della Francesca to Botticelli, and our identity may perceive ______. Nosso amplo presente. Michelangelo and Raphael”. each other only as in a . If São Paulo: Unesp, 2015. MAILER, Norman. The Faith of our name is enormous to us, it is LIPOVETSKY, Gilles & Jean Serroy. graffiti. Nova Iorque:Esquire , maio also not real - as if we have come A estetização do mundo: Viver de 1974, pp. 77. from other places than the name, na era do capitalismo artista. São 9 “We are at the possible end of and lived in other lives. Perhaps Paulo: Companhia das Letras, civilization, and our instint, battered, that is the unheard echo of graffiti, 2015. all-polluted dreams of some the vibration of that profound MAILER, Norman. The Faith of cleansing we have not found; tribal discomfort it arouses, as if the graffiti. Nova Iorque:Esquire , maio impulses start up across the worlds. unheard music of this proclamation de 1974, pp. 77-88; pp. 154-158. The descending line of isolated and/or its mess, the rapt intent REISNER, Robert. Graffiti: Two artist and the solitary work gos seething of its foliage, is the herald thousand years of wall writing. from Michelangelo all the way of some oncoming apocalypse less Chicago: Cowles Book Company, down Chris Burden’s Shoot, and and less far away. Graffiti lingers 1971. if we are cast back into emotional on our subway door as a memento ______. Encyclopedia of Graffiti. imperative of the painting and of what it may well have been, our New York: Macmillan Publishing, trying to make some scratch in the first art of karma, as if indeed all the 1974. world before us in order that we lives ever lived are sounding now may discover if disaster exists, it is like the bugles of gathering armies – Notas the Guggenheim coumputer artist across the unseen ridge.” Ibidem, we can comprehend more easily p. 157-158. 1 SHAKESPEARE, William. Ricardo than the writers of graffiti. They are 11 CASTELLÓN, Rolando (Curator). III. Rio de Janeiro: Agir, 2008. still something other.” Idem, p. 157. Aesthetics of Graffiti – April 28- Tradução de Carlos Alberto 10 “Yet there is a mystery still. From July 2, 1978 (catálogo). São Nunes. which combat came these curious Francisco: San Francisco Museum 2 Entrevista ao autor. letters of graffiti, with their chinese of Modern Art, 1978, p. 3-4. 3 CANCLINI, Néstor Garcia. and arabic calligraphies; out of 12 BELTING, Hans. O fim da história Culturas híbridas: Estratégias para what connection to the past are da arte – uma revisão dez anos entrar e sair da modernidade. São these lights and touches of flame depois. São Paulo: Cosacnaify, Paulo: Edusp, 1998, p. 338. so much like hebrew alphabet 2006.p. 19. 4 BAUDRILLARD, Jean. L’échange where the form of the letter itself 13 KOSUTH, Joseph. Arte depois symbolique et la mort. Paris: was worshiped as a manifest of da filosofia, in FERREIRA, Glória Gallimard, p. 119. the Lord; no it is not enough to & COTRIM, Cecília. Escrito de

– MAURO TRINDADE 239 – CONVOCARTE N.º1 | ARTE PÚBLICA 18 17 16 15 14 Zahar Editora, 2006, pp. 210-234. artistas.de Janeiro: Rio Jorge << Zahar Editora, 2006, p. 205-207. de artistas. Riode Janeiro: Jorge Glória &COTRIM, Cecília. Escrito arte conceitual, inFERREIRA, 2015, p. 39. São Paulo: Companhia dasLetras, Viver naera docapitalismoartista. Serroy. A estetizaçãodomundo: Acesso em09/09/2015. uma-atraccao-turistica-1693672. urbana-de-lisboa-e-cada-vez-mais- publico.pt/local/noticia/arte- Disponível em:http://www. Portugal João Cotrim Figueiredo. pelo Presidente de Turismo de capital, comresultados elogiados diversos paísesaatuarem na e comissionougrafiteiros de Municipal, cujaaçãoincentivou de Arte Urbana, ligadoàCâmara graffiti. LisboagozadoGabinete maio emespaçofranqueado ao de 70muros da avenida 23de ano passado, transforma cerca Parque doIbirapuera e, desdeo promove aBienaldoGrafite no Municipal deCultura deSãoPaulo em monumentos. Secretaria denuncia práticas depichação ações artísticas urbanas, quanto tanto incentivagraffitis eoutras criou, em2013, oEixo Rio, que Cultura doRiode Janeiro LeWITT, Sol.Sentençassobre Idem. LIPOVETSKY, Gilles& Jean Entrevista aoautor. A Secretaria Municipalde Estudos de Historiografia e Crítica de Arte Portuguesa – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << minha homenagem. Essa sériedeartigoséaliás recusada pelo director deumarevista queentão de Belas Artes, Pedro Cabrita Reis, para arevista tema foinosanos70eaproposta, inicialmente se iniciava, foiaproveitada porumjovemaluno A primeira vezquemepropus escrever sobre o Por estefactoquero começarporlheprestar a da Associação deEstudantes, Arte Opinião. Historiografia da Arte Portuguesa: Historiografia daArte parcialmente retomada nestetexto. Educação Artística eco-coordenadora doMestrado em Património naFBAUL, Coordenadora doMestrado em Professora Associada deCiênciasda Arte edo Pioneiros ePrecursores por MargaridaCalado Ensino das Artes Visuais. Ensino to. (Holanda, 1984a,to. 25) amigo Simon, pintor daquela idade, e Giot- tempo dogentilFrancisco Petrarca porseu onde estava. Eisto foiporventura noditoso gir, ressurgir muitocontritaecastigada. Ressur Então primeiramente apintura começoua como SimoneMartini eGiotto: na Itáliadoséc. XIII para XIV, comartistas vasões bárbaras, aquesucediaorenascer decadência edetrevas, marcada pelas in- ríodo antigo, encontrava umaépocade centista da história da arte que após o pe- da arte, masfazecodaconstruçãorenas- que asuaobra dizmaisrespeito àteoria nista e viajado por Itália e França. É certo Holanda, educadoemambientehuma- nal, emaisprecisamente porFrancisco de construção deumahistóriadaarte nacio- encontrar informaçãorelevanteparaa arte. Temosdeesperarpeloséc.XVIpara de edifíciosnemdescreveramobras legaram informaçõessobreaconstrução Os nossoscronistas medievaisnãonos não; masamover-se umpouconacova

- E da mesma maneira aponta alguns artistas um Senhor atado à coluna, que dois homens do séc. XV, como Pordenone, em Veneza, estão açoitando, em uma capela do Mostei- ou Mantegna em Pádua, a que se sucedem ro da Trindade. (Holanda, 1984a, 37-38) Leonardo da Vinci e Rafael de Urbino que abriram os fermosos olhos da pintura (Ho- A verdade é que aqui Holanda parece não landa, 1984a, 25) e finalmente Miguel Ân- ter consciência de que Nuno Gonçalves era gelo, que lhe deu espírito vital e a restituiu afinal contemporâneo de Mantegna e pos- quase em seu primeiro ver e prisca animosi- terior portanto a Giotto e Simone Martini, dade (Holanda, 1984a, 25-26). dalguma maneira acentuando que quando em Itália se dava o renascer da pintura an- Considerando que o «Da Pintura Antiga» tiga, ainda aqui em Portugal se viviam tem- terá sido escrito no regresso de Itália, por- pos bárbaros, ou seja a Idade Média. tanto na década de 1540, poder-se-á dizer que é contemporânea, senão anterior, à sis- A mesma falta de uma relação cronológi- tematização apresentada por Vasari na obra ca se pode verificar nas «tábuas» que apre- publicada em 1550, mas certamente escri- senta no final da obra «Diálogos em Roma», ta ao longo da mesma década e, portanto, onde mistura artistas do séc. XV e XVI, pare- aqui Holanda apresenta uma evolução não cendo ter como critério a importância rela- muito afastada daquele que é considerado tiva, já que refere em primeiro lugar Miguel o primeiro historiador de arte. Ângelo tanto para a pintura como para a es- cultura e só no final refere: Relativamente à pintura portuguesa na épo- ca medieval, designa-a de velha, explicitan- 20. M. Jacome, italiano, pintor de El-Rei D. do que se trata das coisas que se faziam no João de boa memória. tempo velho dos reis de Castela e de Por- tugal, jazendo a boa pintura ainda na cova. 21. O pintor português, ponho entre os fa- (Holanda, 1984a, 37) mosos, que pintou o altar de S. Vicente de Lisboa (Holanda, 1984b, 90). E a propósito afirma, iniciando um dos te- mas mais tratados na historiografia da arte Relativamente à iluminura refere em primei- portuguesa: ro lugar, A António d’Ollanda, meu pai…por ser o primeiro que fez e achou em Portugal o E neste capítulo quero fazer menção de um fazer suave de preto e branco, muito melhor pintor português que sinto que merece me- que em outra parte do mundo e o que ilu- mória, pois em tempo mui bárbaro quis imi- minou uns livros que El-Rei D. Manuel, que tar nalguma maneira o cuidado e a discrição a santa glória haja, deu a Belém, vindos de dos antigos e italianos pintores. E este foi Itália (Holanda, 1984b, 90). Nuno Gonçalves, pintor de el-Rei dom Afon- so, que pintou na Sé de Lisboa o Altar de S. Quanto à arquitectura, refere-se a si próprio Vicente; e creio que também é da sua mão em último lugar, num grupo que tem à ca-

– MARGARIDA CALADO 243 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA parece mais preocupado comatranscrição História da Antiguidade daCidade deÉvora sua O humanista André de Resende, quer na çalves, 1962, 6). fez construiredasquerestaurar» (Gon- talezas eoutras obras queorei D. Manuel «das novasigrejas, mosteiros, castelos, for da em1567, incluiumadissertação acerca císsimo Rei D. Manuel, na4ªparte, publica - mo DamiãodeGóis, nasuaCrónicadoFeli- Rodrigues deOliveira. Denotarqueomes- que hánacidadedeLisboa, deCristóvão cousas assimeclesiásticascomoseculares rio emquebrevemente secontemalgumas tio, Damião de Góis, Urbis Olisiponis Descrip - contemporâneas portanto de Holanda: a de tacam duasobras demeados doséc. XVI, história dacidadedeLisboa, dequesedes- Um capítulo importante da historiografia é a rá algunsanos(Holanda, 1984b, 92). ajuntar aestelivro suamemória, aqualvive - E ressalva: Maspareceu-me conveniente nem acertar. emende oqueeunãosoubemelhoreleger famosos, queosponhaemseuslugares, e tender que, se sabe doutros mestres mais ao terminar pedindo respeito eopróprio assumequeassimé, investigação noqueàhistóriadaarte diz Não hádaparte deHolanda, umesforço de dos arquitectores (Holanda, 1984b, 91). que escrevo estascoisas, souoderradeiro fere Brunelleschi:Eu, Francisco d’Ollanda, beça Bramante mas curiosamente nunca re - << editada em Évora em 1554, e o Das Antiguidades da Lusitânia, querna a quem o melhor en- Summa- - 1626; a António Coelho Gasco, obra manuscrita, de dades damuinobre CidadedeLisboa Fr. NicolaudeOliveira (1620);DasAntigui- (1608); oLivro dasGrandezas deLisboa, de de Lisboa, deLuís Mendesde Vasconcelos São valiosospara ahistóriadaarte DoSítio to comascaracterísticas quetinhaLisboa. vernado apartir deumacidade com por conhecido equefaziamaissentidosergo- que abrangia umagrande parte domundo trazer para Lisboaacapitaldeumimpério governo dualdosFilipes, haveriaaideiade da ocupaçãofilipina, ousequisermos, do de praticamente desapareceu. Nocontexto úteis quantoécerto queem1755essacida- crevem acidadedeLisboa esãotantomais escritos textos, publicadosounão, quedes- Ao longodoséculo XVII continuarão aser te comadescriçãodosmonumentos. das inscrições romanas do que propriamen- cas deSanta Catarina, ouaHistóriaSeráfica Frei Luís de Sousa, continuada por Frei Lu- do deBrito, aHistóriadeS. Domingos de histórica a podemos ignorar, aníveldainvestigação fazem parte dahistoriografia daarte. Não vemos considerar comofontes, masnão com intençõesdiferentes, peloqueasde- a históriadosedifícios, masforam escritas sas fornecemelementosimportantes para so comoascrónicas dasOrdens Religio- Logicamente queobras decarácter religio- ves, 1962, 12). Luís Marinhode Azevedo (1652)(Gonçal- dezas damuiinsignecidadedeLisboa a Lisboa I Parte da fundação, antiguidades e gran- de D. Rodrigo daCunha (1642)ou História Ecclesiastica da Igreja de Crónica de Cister de Frei Bernar - - da Ordem dos Frades Menores de Frei Ma- A lista podia ser muito alargada com con- nuel da Esperança, continuada por Frei Fer- tinuidade no século XIX e sobre o assunto nando da Soledade, não esquecendo a va- existem dissertações e teses, mas não se liosa obra anónima História dos Mosteiros, deve esquecer que muitas destas memórias Conventos e Casas religiosas de Lisboa1, es- não tinham qualquer preocupação científi- crita nos inícios do séc. XVIII mas só publica- ca e eram mesmo escritas no regresso das da no século XX, ou o Santuário Mariano de viagens, pelo que podem conter erros e Frei Agostinho de Santa Maria, igualmente confusões. da primeira metade do século XVIII2. Um dos casos mais patentes é a referência Outra contribuição importante é dada pe- a uma estátua equestre de D. João V pelo las narrativas de viagens, que podem obe- autor anónimo da «Descrição da Cidade de decer a um registo oficial e panegírico, ou Lisboa» em 1730, que ao falar do arsenal ter o carácter de memórias, que se tornam afirmaque é um edifício com bastante bele- mais abundantes a partir do século XVIII, za e onde há pouco se colocou uma estátua época que corresponde a um desenvolvi- equestre do rei. (Chaves, 1983, 43). A verda- mento do hábito de viajar – o grand tour – de é que não existe mais nenhuma referên- com uma intenção mais turística, sobretudo cia a tal monumento, embora se conheçam com vista ao conhecimento de monumen- desenhos de Carlos Mardel, aliás posterio- tos, usos e costumes, ou ainda com fins polí- res, para uma fonte com a estátua real. ticos próximos do que hoje se chama espio- nagem. No primeiro caso temos a Relazione Dados os hábitos da época, a ser verdade, del Viaggio del Portogallo e Galizia de Cos- haveria com certeza uma inauguração noti- me de Médicis, capítulo da obra mais am- ciada na «Gazeta de Lisboa» para não men- pla, Relação da viagem por Espanha e Portu- cionar outros textos de carácter panegírico gal de 1668-1669, que viria a ser publicada e comemorativo. em Madrid, em 1933 (Gonçalves, 1962, 13). No segundo caso temos as diferentes nar- A verdade é que o tipo de fontes mencio- rativas do tempo de D. João V, publicadas nadas diz sobretudo respeito a edifícios e pela Biblioteca Nacional sob o título genéri- monumentos e quase nada nos diz sobre co de O Portugal de D. João V visto por três os seus autores ou sobre as pinturas que os forasteiros (1983) ou o Diário de William decoravam. Beckford em Portugal e Espanha (1983) ou as mais recentes Observações de uma via- Entretanto, ao longo do séc. XVII, e dada a gem a Portugal e Espanha (1760), de Tho- ausência da Corte em Madrid, as artes eram mas Pitt (2006), obra prefaciada por Maria sobretudo patrocinadas pela Igreja e pelas João Baptista Neto e publicada sob a égide Ordens Religiosas, responsáveis não só pela do Ministério da Cultura e da Universidade construção de novos edifícios mas sobretu- de Lisboa. do pela decoração dos já existentes, reves- tindo-os de azulejos, completando os altares

– MARGARIDA CALADO 245 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA rença oudeKarel vanMander destacassem eoexemplo de Vasari ou barro. Nãohaviagrandes artistas quese dravam pintura eimaginária, emmadeira com retábulos de talha dourada que enqua- << aconteceu. Tem consciência plenadasitua- tendo aintençãodeimprimir oquenão ter redigido asuaobra entre 1685e1688, ra, mastambémasua demonstrar nãosóaexcelência dapintu - sua profissão como liberal e procurava teórico, pretendiaoreconhecimentoda bler. FélixdaCosta(1639-1712),pintore publicado noséculo XX porGeorge Ku- ra Meesen, surge otextomanuscritodeFélixdaCosta É exactamentenestecontextoquenos veio aconcretizar. sugere Luís deMoura Sobral, oquenãose dirigida pelopróprio BentoCoelho, como favorável à criação de uma Academia a ser velmente tratava-se decriarumambiente organizada ecompiladaem1670 promovida pela Academia dosSingulares, homenagem aBentoCoelho daSilveira mo únicanocontexto europeu, queéa a estasituação, umadelasrara oumes- No entanto, algumasexcepções existem contra-reformista. tamente vista com bons olhos pela Igreja exaltação dosseuscriadores nãoseriacer ser encarada comoserviçodeDeusea so, pelasuavertente devocional, deveria A realização deobras decarácter religio- menos atéfinaldoséculoXVII. Europa nãofoiseguidoemPortugalpelo , datado de1696, masque sóviriaaser Antiguidade da Arte daPintu- antiguidade. Deve 4 nonorte da 3 5 emFlo- . Prova- - e até daperspectiva, ensinamentos quena cimentos aníveldodesenho, da anatomia lizadas revela claramente a falta de conhe- A qualidadedasobras pictóricasentãorea- mármore tambémimportadas. nacionais eimportados ecomesculturas em de Benfica)comoadecoraram comazulejos nobre nos arredores de Lisboa (S. Domingos Fronteira, que não só construíram uma casa na guerra, comoéocasodosMarqueses de das pelosmembros da nobreza envolvidos tenham surgido algumasobras patrocina- za, embora apósasGuerras daRestauração, expressivo nemdaCasa Real nemdanobre- Face a esta situação, não havia um mecenato Aqueduto das Águas Livres. vas, Valença ou Almeida, mas também no concretizou em obras como as praças de El- para alémdo Terramoto de 1755, equese tares portuguesas, cujahistóriasecontinua consagra a arquitectura e engenhariamili- litar, outras obras pertencentes à Arquitectura Mi- gulares eIrregulares, Fortes deCampanha e de DesenharasFortificações das Praças Re- mentel, tenhapublicadooMétodoLusitano engenheiro militarportuguês, Luís Serrão Pi- do litoral. Tal factojustificaqueem 1680, um fesa dasfronteiras terrestres easegurança militar, faceànecessidadedegarantir ade- período aprioridadefoipara aarquitectura tauração esgotaram opaísedurante esse a pazcomEspanha, masasguerras daRes- Em 1668Portugal tinhafinalmenteassinado noutros países. apreciados aocontrário doqueacontecia ção socialdospintores edecomoeram mal sendo estaaprimeira obra teóricaque época se obtinham a nível de academias Teixeira, Fernão Gomes, Simão Roiz (Rodri- como a de Florença, fundada por Vasari, a gues), Amaro do Vale, Afonso Sanches, Do- de S. Lucas em Roma, de Zuccaro, ambas mingos Vieira, Francisco Nunes, Diogo da remontando ao século XVI, ou a mais próxi- Cunha, André Reinoso, Diogo Pereira, Jose- ma Académie Royale de Peinture et Sculptu- fa de Ayala, Marcos da Cruz, entre outros, re, fundada em 1648 em França. Para Félix todos da segunda metade do século XVI e da Costa a fundação da Academia era uma XVII com excepção de Gregório Lopes que necessidade urgente, embora não tivesse a faleceu em 1550. É curioso que tendo risca- compreensão da sociedade portuguesa de do em 1693 o retábulo de pedraria para a então, pelo que no resumo final altera a sua Capela de S. Vicente na Sé de Lisboa (Cae- posição, afirmando que se não for possível tano, 1989, 288) não faça qualquer referên- criar uma Academia ao menos seja designa- cia a Nuno Gonçalves. do um pintor – chefe que tivesse a missão de velar pela qualidade das obras realizadas. A título de exemplo, transcrevemos o que diz de Campelo (fl. 106): Tal como Holanda – e procurando demons- trar a nobreza e liberalidade da pintura António Campelo Pintor, que seguio em – afirma que Deus foi, como criador, o pri- muita parte a Escola de Michael Angelo Bo- meiro dos pintores, e traça uma história, di- narrote, assim na força do debucho, como remos internacional, da pintura que inicia parte do colorido; se bem já com outra in- com Tubalcano, na 6ª geração de Adão (ou teligência no mexido das cores. Do qual se seja, recorre ao Antigo Testamento) e pros- vem suas obras em Belém no claustro e hum segue para a Grécia com os muito citados painel de Cristo com a cruz às costas prodi- Zeuxis e Apeles, recorrendo igualmente à gioso,6 que merecia outro lugar, e outro tra- ideia de que as invasões bárbaras puseram to, que o que tem e várias pinturas suas em fim à pintura que ressurgiria com Cimabue outra Igrejas. Floreceu em tempo del Rey e prosseguiria a sua evolução ascendente Dom João o Terceiro. até Miguel Ângelo e Rafael. Procura tam- bém acentuar as honras que muitos pinto- Esta breve contribuição de Félix da Costa é res receberam, inspirando-se não só em Va- uma das fontes utilizadas por Cirilo Volkmar sari mas noutros autores. Machado que exalta a sua contribuição para os inícios da história da pintura, do que fala- Relativamente à pintura portuguesa acres- remos num próximo artigo. centa uma série de Memorias de 19 Pintores, enriquecidas com alguns dados biográficos No entanto nem D. Pedro II nem seu filho e artísticos e portanto com mais conteúdo D. João V, apesar do manifesto patrocínio às do que as Tábuas de Holanda, embora cin- artes, chegaram a fundar uma Academia de gindo-se à pintura. Refere os pintores que Artes em Portugal, mas esse é outro tema a receberam protecção régia como Gregório abordar. Lopes, José de Avelar, Gaspar Dias, Diogo

– MARGARIDA CALADO 247 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA lho daCosta (3volumes, 1706-1712);Des- Corographia PortuguezaCarva deAntónio - São aindadereferir ascorografias, comoa desagrado dorei. podia serpunidoouapenasincorrer no se nãoofizesse, consoanteaclassesocial, ses vestígiosera obrigadoacomunicare (Pereira, 1989, 27). Quem encontrasse es- Medalhas, Moedas&outros artefactos… ficios, Estatuas, Cippos, Laminas, Chapas, & Arabios, Phenices, Gregos, Penos, Romanos, Godos, no, dos temposemquenelledominarãoos que havia, &sepodiãodescobrirnoRey- que salvaguardava osMonumentosantigos Património, osegundoaexistir naEuropa 30 de Agosto de1721do Alvará sobre o fundação da Academia foiapublicaçãoem Mas umadasprincipaisconsequênciasda entre outras (Gonçalves, 1962, 14). de Diogo Barbosa Machado (1741-1751), volumes (1735-1748);aBibliothecaLusitana sa, quecomasProvas Portuguesa, deD. António Caetano deSou - Argote; a mes (1732-1747), de Jerónimo Contador de do Arcebispado deBraga, emquatro- volu mes; asMemóriaspara ahistóriaeclesiástica de DocumentoseMemóriasemquinzevolu- da arte emparticular. Citaremos aColecção tória emgeral mastambémpara ahistória rácter monumental, importantes para ahis- sairá umconjuntonotáveldeobras deca- demia Real deHistóriaPortuguesa, daqual fundação porD. João V , em1720, da Aca- cular ahistoriografia daarte,a édesalientar orienta ouseja, ahistoriografia, eemparti- Regressando àtemática principalquenos << História Genealógica da Casa Real … quepoderãoexistir nosEde- atinge osdezanove 7 ,

nável para quem estuda a arte portuguesa de modogeral umdocumentoincontor Memórias Paroquiais de 1758constituem desenvolvimento masaverdade équeas as respostas foram dadas com diferente paróquias. Oresultado édiferente, porque em quetinhamficadoosedifíciosdassuas igrejas opedidodeumrelato doestado fora, foi dirigidaaospárocos das diversas tras povoaçõeseedifíciosporessepaís cidade deLisboa, masafectoumuitasou- destruiu nãosóumaparte substancialda Na sequência do Terramoto de 1755, que uma listadosfamososcorifeusdapintura. que DiogoBarbosaMachadoacrescentou do estatuto da pintura como arte liberal, a ves, equeémaisumdocumentoemdefesa em 1752, apedidodopintor André Gonçal- to sciencia escreveu José Gomes da Cruz, que pelaingenuidadedaPintura, emquan- publicada aCarta apologéticaeanalytica, Ainda na primeira metade do século XVIII é o Portugal Antigo eModernodePinho Leal. dicionários corográficos dequesedestaca que foram continuadasnoséculo XIX pelos tivas erealizadas comcritériosobjectivos, e Todas estasobras sãoinventariaçõesexaus - volumes, 1767-1768). mesmo autoroPortugal sacro eprofano (3 tras doalfabeto(A-C)(1747-1752)e volumes correspondentes àsprimeiras le- doso, dequeforam apenaspublicadosdois o Baptista deCastro (5volumes, 1745-1758); ppa dePortugal Antigo eModernodeJoão de António deOliveira Freire (1789);oMa- cripçam Corografica do Reyno de Portugal Dicionário GeográficodoPadre Luís Car - - anterior ao Terramoto encontrando-se al- acentuar que, apesar do seu interesse como gumas publicadas8. Francisco Luís Pereira documento pessoal, não apresenta impar- de Sousa publicou em 1928 uma obra em cialidade do ponto de vista histórico, no- vários volumes em que se inventariam os meadamente porque Vieira Lusitano não ti- estragos deixados pelo Terramoto: O Ter- nha uma boa relação com o arquitecto João remoto do 1º de Novembro de 1755 em Frederico Ludovice. Portugal, onde transcreve muitos dos do- cumentos existentes quer na Torre do Tom- Uma outra fonte para o estudo da história bo quer na Biblioteca Nacional. está na epistolografia, não como género li- terário, mas a que tem carácter documen- Ainda relativamente ao século XVIII, cons- tal, como as Cartas da Rainha D. Mariana Vi- titui uma fonte importante para a pesquisa tória para sua família de Espanha, editadas da história da arte a «Gazeta de Lisboa», pu- por Caetano Beirão10 e que apesar do título blicada semanalmente a partir de 1715, e cobrem toda a sua vida em Portugal, desde que além de uma extensa parte dedicada que aqui chegou em 1729, e onde se fazem a questões políticas internacionais e nacio- algumas referências a questões artísticas nais, tinha uma secção final, de cariz eminen- para além de ser um documento notável temente social, que tanto falava das igrejas sobre a vida quotidiana na Corte Portugue- que a Rainha D. Maria Ana de Áustria visi- sa. Existem também publicadas cartas de D. tava nas suas devoções como podia referir Maria Bárbara, rainha de Espanha, para D. uma descoberta arqueológica ou a oferta de João V com algumas observações interes- uma imagem a determinada igreja ou ainda santes para a história da música. a fundação ou sagração de outra. Além da Gazeta editada, houve outras que permane- Ao longo do século XVIII, surgiram obras ceram manuscritas como o «Mercúrio de Lis- diversas no campo da engenharia militar boa» ou o «Folheto de Lisboa», manuscritos (O engenheiro Português de Manuel de que podemos encontrar na Biblioteca Na- Azevedo Fortes, em 1728-29), como no da cional ou na Biblioteca Pública de Évora. teoria da arte, nomeadamente os Artefac- tos simetríacos e Geométricos do Padre Finalmente há ainda que mencionar a auto- Inácio da Piedade Vasconcelos, de 1733, biografia escrita pelo pintor Vieira Lusitano ou as diversas obras de Machado de Cas- já no final da vida, depois da morte de D. tro, algumas das quais editadas já nos iní- Inês Helena, sua mulher, e quando se reco- cios do século XIX. lheu ao Convento de Xabregas, que ele in- titulou O Insigne Pintor e Leal Esposo9. Essa Será de facto no primeiro quartel do sécu- autobiografia, escrita em verso, narra não lo XIX que nos surgem as que podemos apenas os factos aventurosos relativos à considerar verdadeiramente as primeiras sua vida conjugal, como refere as suas via- obras da historiografia da arte portuguesa, gens a Itália e nos fornece alguns elemen- que abordaremos em próximo artigo, subli- tos de ordem histórica. Há no entanto que nhando a importância da obra de Cirilo por

– MARGARIDA CALADO 249 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA Lisboa, 1823. e ordenadas porCyrillo VolkmarMachado. ros queestiverãoemPortugal, recolhidas gravadores portuguezes, EdosEstrangei- dos pintores, eescultores, architetos, e Collecção deMemóriasRelativas àsvidas da àpintura portuguesa. numa parte europeia enumaparte dedica- de Almeida Garrett (1818-1822), dividida Ensaio sobre Históriada Arte daPintura ductor. melhores quadros seusqueescrevia otra- mais famosos pintores portugueses e dos Taborda (1815) a que Regras da Arte daPintura, de José daCunha ciona arquitectos, escultores egravadores: ser aprimeira quealémdepintores, men- << Acresce memoria dos de 1989 Lisboa: Quimera, Maio/Novembro de EstudosBarrocos. Nº2-3. – Património. Claro-Escuro. Revista PEREIRA,Fernandes José (1989) Yale UniversityPress Costa. NewHavenandLondon: Painting theart of of byFélix da and notes)(1967)– The Antiquity KUBLER, George (Introduction Roma. Lisboa:Livros Horizonte Horizonte -(1984b)–Diálogosem – Dapintura antiga. Lisboa:Livros HOLANDA, Francisco de(1984a) Baía, Brasil – Agosto, 1959 Luso-Brasileiros, deSalvador da Colóquio InternacionaldeEstudos à SecçãodeBelas-Artes doIV Vol. XXV. Coimbra (Comunicação da UniversidadedeCoimbra. Portugal. BoletimdaBiblioteca (1962) –Historiografia da Arte em GONÇALVES,Manuel António 1978 a Abril de1979) de Lisboa. Nº1a5(Dezembro de Escola SuperiordeBelas Artes Associação deEstudantesda da arte portuguesa. ArteOpinião. 1979) – Acerca dahistoriografia CALADO, Margarida (1978- Presença em Portugal. Lisboa:Editorial Dicionário da Arte Barroca (1989) –Meesen, Félix daCosta. C – Bibliografia AETANO,Oliveira Joaquim – Notas monumental da portaria do Mosteiro de Santa Maria de 1 Obra manuscrita que veio Belém e que foi restaurada a ser publicada pela Câmara para a exposição «Jerónimos – Municipal de Lisboa em 1950, 4 séculos de Pintura». Sobre o com advertência de Durval Pires assunto ver o artigo de Joaquim de Lima. de Oliveira Caetano «Campelo 2 Destacamos o Tomo Primeyro nos Jerónimos: os Fragmentos da Que compreende as Imagens Fama» publicado no Catálogo da de Nossa Senhora, que se Exposição (p. 96) venerão na Corte, & Cidade de 7 Sobre o tema publiquei um Lisboa, publicado em 1707, e o pequeno texto cuja referência Tomo VII – História das Imagens deixo: Margarida Calado (1985) milagrosas de Nossa Senhora E – Portugal detentor da segunda milagrosamente aparecidas, & mais antiga legislação da Europa suplemento daquelas que nos sobre Património. Jornal do ficarão por referir em os seis tomos Património. Direcção de José antecedentes por falta de inteyra Hormigo. Nº 1. Janeiro Fevereiro noticia, publicado em 1721 Março de 1985 3 Giorgio Vasari é o autor de Le Os manuscritos originais Vite de’ più eccelenti Architetti, encontram-se no Arquivo Nacional Pittori e Scultori Italiani da da Torre do Tombo onde podem Cimabue insino a’ tempi nostri, ser consultados. com 1ª edição em 1550 e 2ª em 8 Fernando Portugal e Alfredo 1568, obra considerada a primeira Matos – Lisboa em 1758. história da arte, já referida a Memórias Paroquiais de Lisboa. propósito de Francisco de Holanda Lisboa, 1974 4 Karel van Mander (Meulebeke, 9 Francisco Vieira Lusitano – O 1548 – Amesterdão, 1606) foi um Insigne Pintor e Leal Esposo. pintor que a exemplo de Vasari Historia Verdadeira que elle publicou Schilder-Bock (O livro escreve em Cantos Lyricos. E da Pintura), cuja primeira edição oferece ao Illus. E Excellent. data de 1604 e de que existe uma Senhor José Da Cunha Gran edição seleccionada Vidas de Ataíde e Mello, Conde e Senhor Pintores Flamengos, Holandeses e de Povolide, do Conselho de Sua Alemães. Madrid: Casimiro, 2012 Magestade Fidelissima, Gentil- 5 Esta homenagem foi Homem de sua Real Camara, exaustivamente estudada por Comendador da Ordem de Luís de Moura Sobral em Pintura Cristo, Alcaide Mor da Vila de e Posia na época barroca. A Sernancelhe, etc. Lisboa, 1780 homenagem da Academia dos 10 Caetano Beirão – Cartas Singulares a Bento Colho da da Rainha D. Mariana Vitória Silveira. Lisboa: Estampa, 1994 para a sua família de Espanha. 6 Trata-se da obra de cerca de Apresentadas e anotadas por… 1570, um óleo sobre madeira Vol. I (1721-1748). Lisboa: hoje no Museu Nacional de Arte Empresa Nacional de Publicidade, Antiga, proveniente da escadaria 1936

– MARGARIDA CALADO 251 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Castilho, Varnhagen andartistssuchasRoquemont, 1846 e1848)andthe Jornal deBellas-Artes(1857- In the Journal dasBellas-Artescollaborated authors formal andaesthetically, stillbelongslargely to the publications that contemplated thefine arts, itwill the Jornal deBellas-ArtesouMnémosineLusitana 1858). Duetotheirtheoretical andartisticimpact, Fonseca, ManuelMariaBordalo Pinheiro, Sendim of theframework Cinco of Artistas emSintra (1855): be elaborated a theoretical and formal analysis of be elaborated atheoretical andformalanalysisof The 19thcentury hasknowninourcountry, three the lasttwoare themostrelevant, sincethefirst, writers, amongwhichwehighlight BulhãoPato, In the Jornal deBellas-Artescolaborated several Mendes Leal andromantic artistswhowere part (1816-1817), the Jornal dasBellas-Artes(1843- Anunciação, Metrass, Cristino, Victor Bastosand important publications related totheFine Arts: José Rodrigues. Havingbeenalmostthe only and essential writerslike Garrett, Herculano, Fine-Arts, Journals, Romanticism, Portugal and Paulino dosReis, amongothers. FBAUL, InvestigadordoCIEBA, Responsável do2.ªCiclo das Ciênciasda Arte eCoordenador doMestrado em Prof. Auxiliar deCiênciasda Arte edoPatrimónio na Três deBelas-Artes Jornais do SéculoXIXemPortugal these periodicals. por EduardoDuarte Museologia eMuseografia. 18th century. — Keywords da, masdatada de3Fevereiro de1817, e numa carta dirigidaapessoaindetermina - Também oescultorMachadodeCastro, perfeitas esemacabar.” muito delas, ondesempre asdeixamosim- das artes, equasenosinjuriamosdesaber por desprezo e galantaria fazer pouca conta píritos, como nascem muitos, todavia temos alguns nasçamosdegentisengenhosees- “[…] nósoutros, osPortugueses, aindaque paradigmática destasituação: passagem habitualmente esquecida, mas lizando aarte emPortugal, refere, numa rigindo-se aMiguel Ângelo econtextua- seus célebres Francisco deHolanda, logonoprimeiro dos XIX eaindahoje, teimosamente, persiste. sabemos, essasituaçãocontinuounoséculo quim MachadodeCastro (1734-1822). Como de Francisco deHolanda(1517-1584)a Joa- muitos osartistas queaissosereferem, des- moniosa comasBelas-Artes. Naverdade, são Portugal quase nuncateveumarelação har Diálogos de Roma (1548), - di 1 - com um tom de revolta contida em relação Como facilmente se imagina, a Mnémosi- àqueles que o caluniavam a si e ao seu tra- ne Lusitana (como geralmente é conheci- balho, escreve: da) teve vida breve, dois anos, 1816-1817, como a maioria dos periódicos no século “Em Portugal influe Astro maligno destrui- XIX, mas marcou, sem dúvida, uma novida- dor das Bellas Artes!!!”2 de editorial muito importante. Não apenas na questão literária, na teoria da arte e do Camões (1524/25-1579/80), n’Os Lusíadas, património, mas também como importante lamentando-se de que os chefes militares documento iconográfico, mercê das gravu- portugueses sempre tenham desprezado ras que apresentava. as artes, ao contrário de Octávio, César, Ci- pião, Alexandre, entre capitães Romanos, O texto de apresentação fazia, como era ha- Gregos ou Bárbaros3, escreve o célebre e bitual, o elogio ao Príncipe D. João e uma paradigmático verso: crítica ao “Usurpador”, não revelando se- quer o seu nome. Toda essa introdução re- “Porque quem não sabe arte, não na estima.”4 vela que se trata, de facto, de um “Jornal Pa- triotico” que até então não existia e que o Com estas críticas, a que poderíamos próprio título de Redacção Patriótica pou- juntar tantas outras, como as de Cyrilo cas dúvidas deixava. Volkmar Machado (1748-1823), entende- se a escassíssima publicação de livros e de Era intento do periódico recordar a memó- periódicos relativos às Belas-Artes e à teoria ria do passado, quando os Portugueses fo- destas. ram o “assombro do mundo”, com os des- cendentes dos Pereiras, Albuquerques, Jornal de Bellas-Artes ou Mnémosine Cunhas, Almeidas, Castros e tantos outros, Lusitana. Redacção Patriótica que não degeneraram o bem da Pátria, an- Só em 1816 surgiu uma publicação periódi- tes lançando em confusão os inimigos da ca dedicada de facto às Belas-Artes e, mais “Gloria Lusa.”5 O programa editorial do pe- importante, com essa designação no seu tí- riódico estava elencado da seguinte forma: tulo completo de Jornal de Bellas-Artes ou Mnémosine Lusitana. Redacção Patriótica e “1.º Memorias das acções dos Guerreiros cujo director era Pedro Alexandre Cavroé Portuguezes na recente, e nas antigas Cam- (1776-1844). panhas, de que os Escriptores Estrangeiros tenhão feito honrosa menção. Num contexto difícil, marcado pela pre- sença do futuro D. João VI no Brasil (1807- Refutação de algumas opiniões dos mes- 1821) e por uma situação grave para o país, mos Escriptores sobre Portugal, etc. que havia sofrido, havia poucos anos, três invasões francesas (1807, 1809 e 1810), é 2.º Descripção dos edifícios, e monumentos notável que tenha surgido esta publicação. mais notáveis de Lisboa; justa avaliação do

– EDUARDO DUARTE 253 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA Estátua Equestre descrição daPraça doComércio edasua Do 1.º volume, destaca-se, por exemplo, a bre jesuítas, e ainda curiosidades. as prometidas anedotas, algumasdelasso- ta literatura, comopoesias, odes, sonetose te comalgumasgravuras, mastambémmui - lorizar opatrimónio edificado, inclusivamen- de edifíciosemonumentos, procurando va- Invasões Francesas -, epassadas, descrições recentes -como, porexemplo, episódiosdas ção Patriótica Bellas-Artes ouMnémosineLusitana. Redac- Grande parte doconteúdoJornalde pria dalinguaPortugueza.” Nação, ouaquellaagudezanatural, epró - sos, nos quaes se encontrem, ou elogio á 6.º Anecdotas, Historias, e Ditos sentencio- jantes; seumerecimento, etc. nas deserem attendidas doscuriosos, evia- 5.º Curiosidades; Indicação das cousas dig- mas rarissimas, etc. Authores acreditados; reimpressão de algu- 4.º Poezias; Composições nãoimpressas de Artistas emLisboa;suasobras, etc. dustria; nomes, e moradas dos principaes tugal; novosinventos;meiosdeexcitar ain- chegado algumas Artes, e Officios em Por 3.º Artes, eOfficios; oesmero aquetem cada quarto Numero. em Botânica, etc.;comhumaestampaem seu merecimento. Dossitiasamenos, ricos << nho Histórico ede Arquitectura Civil crição das Aulas Régias ePúblicas deDese- versa as 7 , umapormenorizada des- histórias de Portugal, 6 8 ouum - bons Escultores” que testemunham“naLusitania havia Roma, masantesobra deescultores locais (que nãoforam importados de Atenas ou coríntios doseucélebre Templo deDiana evoca acidadedeÉvora comooscapitéis exemplo maisantigonoterritórionacional, da escultura nacionalem5páginas. Como Portugal. Cavroé esboçaumabreve história tese dahistóriadestaexpressão artística em vez aprimeira tentativa para fazerumasín- Este artigo sobre escultura é, recorde-se, tal- outras matérias sobre Belas-Artes. cese, D. Fr. ManueldoCenáculo escavações ordenadas peloprelado dadio- lhas, frisos, estátuas elápides, achadasnas tado oexemplo deBeja, comassuascima- phy tico osmelhores domundo”, citandoMur Jerónimos (Bellem), “talveznogénero gho- to em Tomar, noMosteiro daBatalha enos Pedro eInêsdeCastro, noConvento deCris- arquitectura), em Alcobaça, nos Túmulos de Idade Média, Cavroé destaca a escultura (e a deles. Por fim, lembra que “de todos osnos- cordando asprincipaisobras decadaum Francisco Leal Garcia e António Ferreira, re- Joaquim José deBarros, Alexandre Gomes, Aguiar, Amatucci, Faustino José Rodrigues, Almeida, MachadodeCastro, João José de menciona Alexandre Giusti(Justi), José de dor nacionalista). Doséculo XVIII, oautor José IeD. MariaI(ideiademanifestopen- como asobras nosreinados deD. João V, D. sar de“nuncatãobrilhantes, ehonrados” (“de 1580 a1640”)comoexemplos, ape- de Fora eoClaustro dosFilipes em Tomar ria, eEscultura empedra emPortugal interessante artigo comotítulo:DaEstatuá- 12 . Refere aindaoMosteiro deS. Vicente 10 . Éigualmenteapresen- 11 . Durante a 9 , entre - sos Estatuários o mais famoso he o immortal Manoel Pereira” que “Em Itália he tão conhe- cido o seu nome, como entre nós pôde ser o de Bernini.”13 O texto de Cavroé é muito interessante, pois refere e completa por ve- zes obras de todos estes escultores, sendo uma espécie de esboço, para as entradas que Cyrilo Volkmar Machado publicará na conhecida Colecção de Memórias (1823)14.

Os frontispícios da Mnémosine Lusitana dos anos de 1816 e 1817 apresentam as armas reais de Portugal, numa antiga tradição que podemos remontar à época manuelina e que surge, da mesma forma, no primeiro periódico português, a Gazeta em que se Mnémosine Lusitana, 1816 relatam as novas todas… de 1641.

O 1.º volume da Mnémosine Lusitana, de 1816, apresenta 26 números, num total de 432 páginas, e o 2.º volume, de 1817, tem igualmente 26 números e 420 páginas. Cada número apresenta 6 gravuras a água- -forte desenhadas por Pedro Alexandre Cavroé, director da Mnémosine Lusitana, e abertas por António Manuel da Fonseca (1796-1890)15.

Como se pretendia no programa editorial, respeitou-se o número de gravuras, uma a cada quatro números, mas apenas no 1.º vo- lume, de 1816. No 2.º volume, de 1817, não existe essa periodicidade. As gravuras são todas hors-texte. Se as de formato vertical estão naturalmente encadernadas como as páginas do periódico, as de formato hori- zontal foram colocadas nessa posição, sen- do necessário o leitor voltar o livro para as poder contemplar.

– EDUARDO DUARTE 255 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Mnémosine Lusitana, 1816-Moinho Mnemosine Lusitana, 1817-Igreja da Basílica deSantaMaria este periódico. ou na Impressão Régia onde se imprimiu nadas pelaCasa Literária do Arco doCego exemplo, eminúmeras publicaçõespatroci- fismo doséculo XVIII, queseobserva, por texto a uma coluna, é continuador do gra- mosine Lusitana. Redacção Patriótica, como municação, oJornaldeBellas-Artes ouMné- Em termos compositivos e de design de co- ma dodesigndeequipamento. que hojesepoderiaconsiderar comopróxi- te, deuminteresse naengenhariamecânica do marquês dePombal e, principalmen- ção portuguesa ocorridadurante oconsula- são consequênciadatímidaindustrializa- destas máquinasnaMnémosineLusitana por Filipepor Arnaud) gistar areferência aummoinho(inventado século XVIII. Éigualmenteinteressante re- do osrestantes edifícioseconstruçõesdo (Basílica deSantaMaria, SédeLisboa), sen- descrevem apenasummonumentoantigo Estas gravuras, comosrespectivos textos, 24; Colégio Real dosNobres, n.º26. cito, n.º24;Duasmáquinasmuitoúteis, n.º co deLisboa, n.º19; Arsenal Real doExér Quinta Real de Belém, n.º 11; Terreiro Públi- ca deSantaMaria, n.º6;Casa deCampo e verno, n.º 26. 2.º Vol., 1817, Igreja da Basíli- N. Senhora de Jesus, n.º 22; Palácio do Go- nho movido por água, n.º 17; Convento de n.º 8;Real Teatro deS. Carlos, n.º12; Moi- mitério dosInglesesaoPríncipe de Valdeck, n.º 4; Monumento sepulcral erigido no Ce- 1.º Vol.,Livres,1816,das Águas Aqueduto As gravuras apresentadas sãoasseguintes: peneirar) de criação inglesa moer farinhaemcasasparticulares epara 16 e duas máquinas (para 17 . Apresença - Jornal das Bellas-Artes tória da arte”. Era igualmente intuito do Jor- Muito diferente em termos formais e, de res- nal das Bellas-Artes reproduzir os “grandes to, muito mais focalizado na temática das Be- monumentos da arte antiga e moderna que las-Artes era o Jornal das Bellas-Artes (1843- enriquecem outros paizes.” Os quadros, es- 1846 e 1848). Este foi, como se refere no tátuas, relevos e edifícios seriam acompa- início, “Patrocinado sob os auspicios de uma nhados pela sua história, análise e aprecia- reunião de litteratos e artistas”. O presidente ção. As biografias dos artistas mais distintos, era Almeida Garrett (1799-1854), o vice-pre- principalmente os nacionais, estariam ainda sidente, o pintor António Manuel da Fonse- presentes. Finalmente, o periódico iria no- ca (que já havia colaborado na Mnémosi- ticiar todas as ocorrências, descobertas ou ne Lusitana) e o secretário, António da Silva novas produções que interessavam à arte e Túlio (1818-1884). Colaboraram autores e que faziam a sua história contemporânea18. escritores incontornáveis como Alexandre Herculano (1810-1877), António Feliciano Como facilmente se constata, eram mui- de Castilho (1800-1875), Francisco Adolfo to ambiciosos os propósitos deste jornal, de Varnhagen (1816-1878) e artistas como manifestando Garrett um grande interesse Augusto Roquemont (1804-1852), José Ma- pela “história da arte”, como o próprio es- ria Baptista Coelho (1812-1891), Manuel creve. Pensamos que este deve ser um dos Maria Bordalo Pinheiro (1815-1880), Maurí- primeiros textos, no qual surge esta expres- cio José Sendim (1790-1870), Máximo Pau- são. Esta Introdução, habitualmente muito lino dos Reis (1778-1865) e Pedro Augusto esquecida, é uma peça fundamental para a Guglielmi (c. 1837-1852), entre outros. história, teoria da arte, estudo e defesa do património nacional do século XIX. A introdução do jornal, redigida por Almei- da Garrett, referia que o periódico tinha Cada número do Jornal das Bellas-Artes de- como objectivo “ilustrar as nossas glórias veria ter uma periodicidade mensal e pos- passadas”. Pretendia-se, de igual modo, au- suiria, pelo menos, 16 páginas e duas es- xiliar a “sublime e patriotica idea que orga- tampas gravadas ou litografadas19. nisou a Academia das Bellas-Artes de Lisboa e os outros Institutos connexos”. Um outro Nas mesmas informações, menciona-se propósito do Jornal das Bellas-Artes era re- também os preços das assinaturas e os lo- produzir pela gravura e pela litografia todos cais de compra do periódico20. No primeiro os “quadros dos nossos mestres” a par das número do jornal, na sua contra-capa, afir- outras “escolas” que existiam nos repositó- mava-se que os assinantes receberiam, ao rios públicos e nas colecções particulares. fim de 12 números, um frontispício com or- natos análogos aos assuntos que eram tra- Também a escultura e a arquitectura não se- tados no periódico e ainda o índice geral riam esquecidas, assim como as medalhas, das matérias do volume21. moedas e os demais objectos que se pu- dessem considerar “documentos para a his-

– EDUARDO DUARTE 257 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Jornal dasBellas-Artes, 1843 vimento dainclinaçãodo“das” preto ebranco e, principalmente, pelomo- recursos gráficos. Otítulosurpreende pelo ca e interessante, apesar dos seus limitados resulta umacomposiçãobastantedinâmi- tipos de letras, todas elas em relevo, de que irregularidade da letra. Foram utilizados três Somos levadosacolocarestahipótesepela lo, porexemplo, devetersido desenhado. típico eclectismográfico oitocentista. Otítu- grafia, eaescolhadoscaracteres revela um camente doséculo XIX, emtermosdetipo- tenta, oJornaldasBellas-Artes éinequivo- Além da componente de ilustração que os- das porumalinhavertical. mancha dotexto éaduas colunassepara- ra ( ra rama, n.ºI-IIIdo Tomo II Nacional, n.ºIII-VI; enatipografia do Pano- Conhecimentos Úteis, n.ºIeII;naImprensa pografia daSociedadede Propaganda dos O 118 páginas Na verdade, podemoscontabilizar, em dinário umperiódicoteressa preocupação. tória emPortugal, nãodeixadeserextraor quase sempre pobre panorama dasuahis- sos aonível da gravura, como se verificano panhava otexto. Numpaíscomparcos recur questão gráfica eadailustração queacom- senta, talvezmesmoamaisrelevante, éa editoriais queoJornaldasBellas-Artes apre- Mas umadasmaisimportantes novidades Pinheiro, e José MariaBaptistaCoelho nheiro, paideRafael eColumbano Bordalo Os editores foram ManuelMariaBordalo Pi- Jornal das Bellas-Artes foi impresso na Ti- hors-texte) emais16 imagens peque - 25 , 16gravuras de páginaintei- 22 . 24 . 23 . A . A - - nas dentro do texto, num total de 32 gra- geração romântica. O longo texto a descre- vuras. Estas gravuras podem ser quadros, ver o quadro reproduzido (S. Bruno em ora- composições gráficas de início de texto ou ção), que pertenceu à Cartuxa de Laveiras, simplesmente uma letra desenhada. A mé- foi escrito por António Feliciano de Casti- dia de gravuras por página no Jornal das lho28. Após este, surge uma biografia desse Bellas-Artes é de aproximadamente 3,7, o pintor por José Maria da Silva Leal (1812- que dá ideia da importância da ilustração 1883)29. Por fim, a presença doTúmulo de D. neste periódico. Dinis revela, obviamente, o gosto romântico pela Idade Média e arte dessa época. Em termos de gravuras de página inteira, é ainda interessante constatarmos que as A par das gravuras de página inteira, o Jor- duas primeiras reproduzem dois quadros nal das Bellas-Artes apresenta ainda algu- atribuídos ao mítico Grão Vasco (Epipha- mas composições gráficas muito interes- nia e S. João Baptista), um de Domingos santes no meio do texto, com composições, Sequeira (S. Bruno em oração), a reprodu- algumas não assinadas, e letras iniciais. Des- ção do Túmulo de D. Dinis, em Odivelas, e tas, destacam-se as gravuras desenhadas um quadro de Rafael de Urbino. Todos es- por Bordalo Pinheiro e gravadas por José tes quadros pertenciam, como se informa, à Baptista Coelho30 que ilustram os romances Academia de Belas-Artes de Lisboa. Rei Ramiro e Miragaia de Garrett com letras e composições fantasistas, povoadas de O aparecimento no início do Jornal das personagens da Idade Média. Na primeira Bellas-Artes de duas obras que se pensava, composição gráfica, na qual se observa um na época, serem de Grão Vasco é sintomá- R, surge mesmo uma janela manuelina com tico do papel que este mítico pintor portu- duas cordas atadas na zona superior31. guês tinha no imaginário artístico nacional de Oitocentos. Aliás, Almeida Garrett evoca Também as ilustrações do artigo O Castello Grão Vasco no fim da suaIntrodução , refe- d’Almourol, escrito pelo conde de Mello, são rindo não poder ser deste pintor todos os muito interessantes, sobretudo a última, com quadros que se lhe atribuem, como Home- uma varanda de inspiração manuelina, com ro poderá não ter escrito todas as rapsódias dois medalhões, sobre o castelo do Tejo32. da Ilíada e da Odisseia. Contudo, Garrett promete estar atento a esta questão e irá De temática manuelina é a ilustração do ar- entrar “a tempo e com lealdade, na liça.”26 tigo Porta lateral da Egreja de S. Julião, em Como se sabe, só após os trabalhos do con- Setubal, de Varnhagen, também de Borda- de Raczinsky (1846 e 1847)27 é que se co- lo Pinheiro, povoada com algumas pessoas, meçou a definir melhor esta personalidade um cão e um galo, num pequeno trecho de artística. desenho romântico de costumes33.

Quanto a Sequeira, recordemos que sem- Quatro letras do Jornal das Bellas-Artes me- pre foi um pintor muito considerado pela recem referência, devido à sua qualidade

– EDUARDO DUARTE 259 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Jornal dasBellas-Artes, OCastello d’Almourol Jornal dasBellas-Artes, Rei Ramiro -Artes deLisboa. 1843 sito daExposição Academia das Bellas- modo, acríticadearte quesurgiu apropó- bém relevante foiadescriçãoe, decerto de Bordalo Pinheiro, respectivamente. Tam- de João Pedro Monteiro (1823/26-1853) e os textos eram acompanhadosporgravuras editoriais doJornaldasBellas-Artes , ambos Curiosamente, edentro daspreocupações teral daIgreja deS. Julião, emSetúbal do estudo de Varnhagen sobre o Portal la- dadeiramente português) eaindaojácita- Jerónimos, queera, segundooescritor, ver mando, emcontraste comoMosteiro dos sar debelo, comoquasepuramente nor qual o Mosteiro da Batalha é descrito, ape- flores, folhaseinsectos o conceitodo“typo do estylo manuelino.” qual sefaziaumaprofunda reflexão sobre la manuelina um Eclássicosurge nointerior deumajane- tando três gravuras, océlebre Eneiassalvan- e, dentro dafilosofiadoperiódico, apresen- Escultura), enumerando asobras premiadas vil, Aula deGravura e Aula eLaboratório de gem, Aula deDesenho Arquitectura Ci- Pintura Histórica, Aula dePintura dePaisa- gundo asváriasaulas(DesenhoHistórico, de Lisboa, depoisdaprimeira de1840, se- organizada pela Academia deBelas-Artes faz umadescriçãodasegundaexposição longo, e que deve ser de Almeida Garrett, grafismo celta, éum A gráfica. Inspirando-se numailuminura de rett comotítuloClaustro deBelem ra porSilvaLeal, umtexto de Almeida Gar da referida biografia de Domingos Sequei- Jornal dasBellas-Artes, destacam-se, além Dos váriostextos importantes inseridosno 36 . Um Q é definido por ramos, 34 41 37 eumP . Otexto, bastante . 35 . Também 38 39 (no , no 40 - - - do a Anchises, de António Manuel da Fon- ca é feita à estátua de Gil Vicente, por estar seca; A Volta do Filho Pródigo, de António “curvada de mais, o que produz mau effeito Tomás da Fonseca (1822-1894), filho do an- vista de lado; talvez haja em toda ella um terior, e o baixo-relevo Juramento de Viria- sentimento da humilhação.” Segundo o crí- to, de Francisco de Paula Araújo Cerqueira tico, faltava-lhe a “nobreza e a magestade (1808-1855)42. da estatua romana” e Gil Vicente, curvado, “apoia a mão esquerda sobre o peito, e pa- Uma outra característica interessante que o rece estender o braço direito ao viandante Jornal das Bellas-Artes introduziu nos últi- que passa…”46 mos números, em 1848, foi a presença de uma secção designada Album sobre pe- Jornal de Bellas-Artes quenas notícias da actualidade43. Assim, No Jornal de Bellas-Artes (1857-1858), com foi noticiada a morte precoce, aos 23 anos, 8 números47, colaboraram também vários do gravador e colaborador do Jornal das escritores, dos quais destacamos Castilho, Bellas-Artes Ernesto Gerard; a chegada, em Bulhão Pato (1828-1912), Gomes de Amo- Janeiro, de Francisco Metrass (1825-1861) rim (1827-1891), Mendes Leal (1820-1886) e do visconde de Meneses (1817-1878) de e os artistas românticos que contemplamos Roma e de um périplo que haviam realiza- no quadro Cinco Artistas em Sintra (1855): do por várias cidades europeias; a estreia Tomás da Anunciação (1818-1879), Fran- do jovem pianista Lozano e uma desenvol- cisco Metrass, João Cristino da Silva (1829- vida notícia sobre a Academia Filarmónica 1877), Victor Bastos (1829-1894) e José Ro- de Lisboa, fundada em 1838. drigues (1828-1887), além de António José Patrício (1827-1858) e Leonel Marques Pe- Finalmente, no último número do Jornal reira (1828-1892). das Bellas-Artes surge, na mesma secção, um texto, não assinado, de crítica de arte No texto de apresentação, José Eduardo de intitulado Inauguração das Estatuas sobre Magalhães Coutinho (1815-1895)48 refere o Frontão do Theatro Nacional44. Apesar de que as causas para o “pouco aumento das as estátuas honrarem o seu autor, Francis- Bellas-Artes portuguezas” foram o “desam- co de Assis Rodrigues (1801-1877)45, pelo paro, e o esquecimento” por aqueles que desenho “assaz correcto e estudado, as rou- as deveriam proteger e os que as deviam pas cheias de graça e naturalidade”, o pro- apreciar nem sequer suspeitavam que elas grama é severamente criticado. As estátuas existissem49. Seguidamente, o médico faz sobre o frontão não deveriam estar sepa- um elogio da Anatomia e da sua importân- radas do grupo de Apolo e das Musas no cia para as Belas-Artes. Escreve ainda uma tímpano do mesmo; depois, em vez de as breve síntese histórica dessa disciplina fun- estátuas da Tragédia e da Comédia a ladea- damental para a Medicina. rem Gil Vicente, deveriam estar, por exem- plo, o “tragico Ferreira” (António Ferreira), No mesmo número, o visconde de Jurome- Camões ou mesmo Garrett. Uma outra críti- nha (1807-1887), conhecido escritor e histo-

– EDUARDO DUARTE 261 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA de MagalhãesCoutinho applicada ásBellas Artes de José Eduardo Cyrilo VolkmarMachado José daCunha Taborda (1766-1836)ede jornal: que ficaram incompletos,do devidoaofim obras dageração romântica edoiscursos (1800-1872) chitectura Civil de José da Costa Sequeira tica Bellas-Artes apresenta artigos sobre esté- cimento fotográfico em Lisboa. livros eaté dainauguração deumestabele- cias deteatro emúsica, de lançamentode nas Belas-Artes; álbuns de fotografias; notí- a ser realizadas; concursos para professores até emParis; obras deartistas queestavam ciario sobre exposições emLisboa, Porto e número, umaChronica MensaleumNoti- de Bellas-Artes apresenta, nofimdecada que anteriormente descrevemos, o Como nos últimos números do periódico artístico dessaregião edopaísemgeral. << de Castilho rios autores, comoosreferidos Feliciano Além depeçasliterárias epoéticasdevá- a sieaopúbliconahistóriadaarte portugueses quepretendiam esclarecer-se havia sidoempreendido poralgunsartistas riador, escreve que o de Coimbra do cursões artísticas aempreender do numerosos arquivos para explorar eex a Históriada Arte estava nainfância, haven- no de Raczynski o importante contributodasobras docon- Jornal dasBelas-Artes, queemPortugal Reliquias da Arte Portuguesa noDistricto 55 , biografias artísticas Introducção aum 54 59 58 ou Bulhão Pato, o , faz-seadefesado património . Finalmente, noartigo intitula- 51 eosnobres esforços de Jornal de 52 57 Curso de Anatomia Curso , afirmando, como Estudos de Ar eEstudos 56 , descrições de 53 Bellas-Artes . Jornal de Jornal de 50 . Refere Jornal - - em baixo que representam a cas, acoroarem outras três figuras femininas mulheres, emtronco nuebastantedinâmi- Lisboa, 1867), coloca, naparte superior, três do escultor doromantismo português eautor cultura (Victor Bastos foi o mais importante de umpintor, masque seiriadedicaràes- -se bastanteclássicanasuasimetria. Obra rior, exibindo, ao centro, a legenda moldura circular, comhera naparte supe- à ras queseassemelhamadeusasclássicas e lhas doDesenhoaserem coroadas porfigu- Toda estacomposiçãoalegórica, das três fi- vislumbram àsuaesquerda. e deváriosornatos arquitectónicos, quese está àfrente deumcapitel, de uma coluna ao seulado. A Arquitectura, porsuavez, vários vasos esculpidos, que se encontram da midade artística eestáàdireita desta. Atrás Pintura, comoquesignificandoasuaproxi- tura. Curiosamente, aEscultura olhapara a alusão evidenteaostratados dearquitec- lado, contemplam-seaindatrês livros, numa passo etemumdesenhonochão;aoseu irmãs ser maismeditabundaeteóricaqueassuas olhar para baixo. Estaparece, destemodo, pensativa aocolocaramãonoqueixo ea quitectura, do lado esquerdo, numa atitude do umacabeçaesculpidaaospés;eaAr lado direito, segura ummaço, apresentan- centro, comumapaleta;aEscultura, doseu cultura eaArquitectura. A primeira estáao por João Pedroso (1823-1890) co, desenhadapor Victor Bastos e gravada A composiçãodofrontispício doperiódi- Vénus deMilo, encontra-se dentro de uma Escultura, surge uma estátua feminina e Monumento aCamões, noChiado, em Pintura eaEscultura; segura umcom- 60 Pintura , a , apresenta - Jornal Es- - de Bellas-Artes. Em baixo, numa base arqui- tectónica sobre duas consolas, encontra-se a data da fundação deste periódico.

Uma análise formal ao Jornal de Bellas-Artes revela 128 páginas e 58 gravuras (17 hors- -texte e 41 pequenas). Uma outra constata- ção imediata é a de que nesta publicação periódica proliferam as imagens no meio do texto, também este a duas colunas. A anima- ção gráfica é, por isso, muito maior que no Jornal das Bellas-Artes. As letras são acom- panhadas, muitas vezes, por imagens e tam- bém elas dialogam e estabelecem várias re- lações com a mancha de texto, que assim se dinamiza a cada instante e se torna imprevis- ta. Este aspecto é absolutamente original e não se observa em publicações anteriores. Jornal de Bellas-Artes, 1857 De facto, cada número inicia-se com uma composição que desenha uma letra fanta- sista quase sempre com impacto visual e que corta a estática coluna de texto61. No fim de cada número, também surgem com- posições gráficas ou pequenos desenhos. Além dos hors-texte, das obras mais im- portantes da geração romântica, como, por exemplo, de Anunciação, Metrass, Cristino, Bastos, José Rodrigues, Patrício, Marques Pereira e D. Fernando II (1816-1885), quase sempre acompanhadas de textos e de poe- sias, são muito interessantes e variadas as pequenas composições dentro da mancha gráfica. Essas imagens podem ser unica- mente ilustrações de textos ou de poesias, mas igualmente letras, paisagens, flores e figuras femininas. Sobretudo estas últimas, desenhadas por Francisco Metrass, lem- bram inequivocamente a Grécia e a Antigui- dade Clássica, num contexto que também é Jornal de Bellas-Artes, Abril 1857

– EDUARDO DUARTE 263 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA a serrepetida mininas, quaisninfasnumafloresta, chegou ções maiscomplexas, comváriasfiguras fe- partida doperiódico. Umadascomposi- cima docorponu, afigura parece estarde da nossaimaginação... Com ummantopor recção aoespaçoembranco dapáginae gonal ascendente, fugindo do texto, em di- como quesedespededenós, numadia- A últimaimagemdoJornaldeBellas-Artes ras deMetrass pairam porentre aspalavras. de água à frente deplantassemelhantes acascatas mo nomeio das páginas, interrompendo a surgir noiníciodascolunas, nofimoumes- Deste modo, aspequenasgravuras podem como quesuspensasnotexto eavoarem pequenas figuras sobre linhasimaginárias, (1855), estepintorvoltouaotemaecolocou volta. Partindo doseucélebre Nudecostas profundamente romântico pelapaisagemà << dos periódicostambémvai aumentando rior espaço embranco naspáginasqueoante- facto deoJornalBellas-Artes termais gráfica quepensamosserimportante éo desenhadas porMetrass. Outra questão principalmente comasnotáveisgravuras meçaram a passear por entre as palavras, Jornal deBellas-Artes queasimagensco- Em suma, podemosafirmarquefoicomo ras pequenassubiubastante(de16para 41). e 17, respectivamente), onúmero degravu- os tância queaimagemcomeçourevelar. Se terior jornal, emtermosgráficos enaimpor modo, umgrande avançoemrelação aoan- O hors-texte sãoemnúmero semelhante(16 Jornal deBellas-Artes representa, deste Jornal dasBellas-Artes. Aliás, otamanho 63 . Literalmente, algumasdasfigu- 64 . 65 62 - .

a reduzir cadaumadascolunas vez, umagravura, aocentro, chegamesmo linha quedivideasduascolunas. Por uma foi brilhante ca ligeira einjustadequeoresultado não mos, portanto, estar de acordo com a críti- manifesto etestemunhográfico. Nãopode- de Bellas-Artes é, inequivocamente, oseu to plásticodageração romântica, oJornal Artistas em Sintra. Se esta tela é o - manifes que sefizeram representar noquadro Cinco uma geração depintores edeescultores tistas, gravadores outipógrafos, mastoda gravuras nãoeram quaisquerineptosar sublinhar ainda que os desenhadores das mente noJornaldeBellas-Artes . Convém lorizados nasduaspublicações, principal- qualidade eoarrojo gráficos devemserva- feito notável. Também aprecocidade, a dedicados àsBelas-Artes era, porsisó, um to dealgunsautores pensarem emjornais universo dasartes plásticas, osimplesfac- Num paíshabitualmentepoucodadoao Conclusão cimentos Úteis. De facto, a qualidade das pela SociedadePropagadora dosConhe- superior aocélebre periódicopublicado sistematização aonível daimagemmuito sentavam umacomponente gráfica euma Bellas-Artes eoJornaldeBellas-Artes apre- rior Recorde-se, ainda, queemrelação aoante- periódicos analisados. ze anos, respectivamente, depoisdosdois explorar aimagem, masapenas trinta, quin- A Arte (1879-1881)continuaram ausare tras (1872-1875), periódicos posteriores, como Artes e Le- O Panorama (1837-1868), o 67 . Aliás, sedúvidasexistissem, O Ocidente (1878-1915), 66 . Jornal das - imagens de O Panorama era, por vezes, me- esforçadas gravuras, passando pelo Jornal díocre e estas ocupavam invariavelmente das Bellas-Artes, no qual estas começam metade da página (com mancha de texto a ter um maior protagonismo até ao gra- também a duas colunas) ou hors-texte. ficamente surpreendenteJornal de Belas Artes, observamos que as imagens pare- Mesmo um jornal dedicado às Belas-Ar- cem autonomizar-se no periódico e dialo- tes francesas e internacionais, como a Ga- gar, cada vez mais, com a mancha de texto, zette des Beaux-Arts. Courrier Européen de ganhando, desta forma, vida própria. Nas l’Art et de la Curiosité, fundada em 1859 por Belas-Artes e nos seus jornais a imagem Charles Blanc (1813-1882)68, não tem a qua- começava a ter tanta ou mais importância lidade gráfica doJornal de Bellas-Artes. O que o texto. periódico francês, a uma coluna de texto, os- tenta gravuras hors-texte e outras inseridas na mancha do texto. Como seria de esperar, a maior parte das suas gravuras tem grande qualidade formal e técnica. Contudo, talvez o que mais surpreenda neste periódico fran- cês é a quase total subordinação das ima- gens ao texto, que é graficamente muito denso. A Gazette des Beau-Arts é um enor- me livro, exibindo muito pontualmente algu- mas imagens e letras iniciais trabalhadas.

Os três jornais com a designação de Belas- -Artes que marcam o panorama editorial português do século XIX são interessan- tes casos de estudo. Não apenas ao nível dos seus textos num quadro conceptual em que se pretendia apresentar e estudar a história da arte nacional e do estrangeiro, mas igualmente pela defesa do património artístico português.

Também as questões ligadas ao design de comunicação nestes periódicos revelam uma cada vez maior presença de gravuras que são fundamentais como ilustração de peças artísticas, antigas ou contemporâ- neas, e das narrativas literárias e poéticas. Da Mnémosine Lusitana, com poucas mas

– EDUARDO DUARTE 265 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA e Revistas Portuguesas doSéculo Manuela (Org. eCoord.) - Jornais RAF Úteis (1837-1868). Propagadora dosConhecimentos e instructivodaSociedade O Panorama: jornallitterário Universidade, 1925. dispersos. Coimbra: Imprensa da e compilaçãodosseusescritos Conimbricense. Notíciabiográfica Machado deCastro. Escultor Ferreira Lima-Joaquim LIMA, HenriquedeCampos Patriótica Mnémosine Lusitana. Redacção Jornal deBellas-Artes ou 1858). Jornal deBellas-Artes (1857- 1846 e1848). Jornal dasBellas-Artes (1843- Horizonte, 1984. em Roma. Lisboa:Livros HOLANDA, Francisco -Diálogos 1990. Vol.I. Venda Nova:Bertrand Editora, em Portugal noSéculo XIX. 3.ªed. FRANÇA,- José-Augusto ULFBA_TES%20250_VOL.%202.pdf ul.pt/bitstream/10451/8277/4/ Disponível em:http://repositorio. Lisboa. de LisboadaUniversidade Arte naFaculdade deBelas-Artes Doutoramento emCiênciasda Lisboa: [s.n.], 2006. Tese de artistas desenhamemSintra. romântico português. Cinco DUARTE, Eduardo -Desenho — Referências << AEL, GinaGuedes (1816-1817). ; SANTOS, A Arte

J. Taylor,1795. Batalha.the Church of London: I. & Elevations, Sectionsand Views of 5 4 3 2 1 12 11 10 9 8 7 6 — SamCarlos, 1971. Nova Edição. Lisboa:Livraria Gravura Artística emPortugal. SOARES, Ernesto-Históriada Municipal deLisboa, 1951. Publicações Culturais daCâmara Portugal. Séculos XV a XIX. Lisboa: da Gravura deMadeira em SOARES, Ernesto-Evolução 2002. Vol.II. XIX. Régia, n.º1 Patriótica. Lisboa:NaImpressão Mnémosine Lusitana. Redacção Universidade, 1925, p. 322. dispersos. e compilaçãodosseusescritos Conimbricense. Notíciabiográfica Machado deCastro. Escultor Ferreira Lima- Joaquim 1984, p. 31. em Roma. Lisboa:Livros Horizonte,

Jornal deBellas-Artes ou Ibid., Canto V, 97. Os Lusíadas, Canto V, 92-98. LIMA, HenriquedeCampos HOLANDA, Francisco -Diálogos Ibid., pp. 207-211. Ibid., pp. 80-85. Ibid., pp. 27-33. 5. p. Ibid., Notas

Ibid. MURPHY, James -Plans, Ibid. Ibid., p. 208. Lisboa:BibliotecaNacional, Coimbra: Imprensa da (1816), pp. 3-4. obras dosseusdiscípulos. já cego, pelotacto, emendavaas No fimdavida, ManuelPereira, Igreja deS. DomingosdeBenfica. que, segundosedizia, estavana contemplar, eadmirar”, eumCristo passava, para termaistempodea muito devagar, quandoporalli ao seucocheiro, queandasse Madrid, que“Filippe IImandava S. BrunonaRua de Alcalá, em escultor ManuelPereira, océlebre São destacados, comoobras do Patriótica, n.º1(1816), p. 211. Mnémosine Lusitana. Redacção da Fonseca assina:“Fon vol. I, pp. 284-285. António Manuel Lisboa: Livraria SamCarlos, 1971, Gravura Artística emPortugal. Silva, 1823. Imp. de Victorino Rodrigues da que estiverão emPortugal. Lisboa: Portugueses, edosEstrangeiros, Architetos, eGravadores ás Vidas dosPintores, eEscultores, Collecção deMemorias, relativas Segundo otexto, omoinhoera Patriarcal egovernadordoReino. e Sousa, principal daSantaCúria por D. José António deMeneses O moinhofoimandadoexecutar Patriótica, n.ºI(1816), pp. 279-282. Mnémosine Lusitana. Redacção 13 16 15 14 “Fon da Fonseca (1754-1835). Fonseca era filhode João Tomás

Jornal deBellas-Artes ou Jornal deBellas-Artes ou SOARES, Ernesto-Históriada MACHADO, Cyrillo Volkmar - ca Filho”. António Manuelda ca F. o” e

“utilissimo nas Províncias faltas 22 Este último tomo surge no I, n.º VI (1844), p. 83. Ambas as de agua e fartas de trigo, como original como tomo I, mas poderá gravuras não estão assinadas, mas no Alemtéjo” (p. 281). O modelo tratar-se de uma gralha, pois devem ser da parceria Bordalo esteve na Casa do Risco das Obras deveria ser tomo II. Pinheiro e Baptista Coelho. Públicas e fez uma demonstração 23 SOARES, Ernesto - Evolução 33 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, pública em Alcântara e foi da Gravura de Madeira em n.º III (Dez. 1843), p. 43. remetido para o Rio de Janeiro Portugal. Séculos XV a XIX. Lisboa: 34 Jornal das Bellas-Artes, tomo I para ser apresentado a D. João Publicações Culturais da Câmara [sic.] tomo II, n.º I (1846), p. 1. VI (pp. 281-282). A gravura deste Municipal de Lisboa, 1951, p. 35 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, moinho foi copiada por Cavroé e 43. José Maria Baptista Coelho n.º II (Nov. 1843), p. 33. gravada por António Manuel da foi um laborioso gravador em 36 Jornal das Bellas-Artes, tomo I Fonseca. madeira com grandes qualidades, [sic.] tomo II, n.º I (1846), p. 2. 17 Jornal de Bellas-Artes ou que trabalhou em parceria com 37 Jornal das Bellas-Artes, tomo I Mnémosine Lusitana. Redacção Bordalo Pinheiro no Panorama e na [sic.], n.º II, Segunda Série (1848), Patriótica, n.º I, Segundo Volume Ilustração Luso-Brasileira. p. 17. (1817), pp. 374-378. As duas 24 O título deve ter sido desenhado 38 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, máquinas foram inventadas por Mr. por Manuel Maria Bordalo Pinheiro, n.º VI (1844), pp. 87-88. T. Rustall de Purbrockheath, perto que, como já referimos, era um dos 39 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, de Portsmouth, tendo recebido da editores do jornal e um incansável n.º III (Dez. 1843), pp. 43-44. Sociedade das Artes um prémio de gravador e ilustrador em vários 40 Ibid., p. 44. 40 guinéus. (p. 374). jornais e revistas. 41 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, 18 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, 25 O Jornal das Bellas-Artes tem, na n.º IV (1844), pp. 55-66. n.º I (Out. 1943), Introdução, pp. sua 1.ª série, 94 páginas (de 1 a 94) 42 Não deixa de ser interessante 1-2. e, na segunda, 24 (da p. 1 à 24). a coincidência de se revelar o 19 Ibid., p. final deste número. 26 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, quadro de António Manuel da 20 A assinatura por 3 meses era n.º I (Out. 1943), Introdução, p. 2. Fonseca, Eneias salvando seu pai de 1.200 réis; seis meses, 2.160; 27 RACZYNSKI, Comte A. – Les Arts Anquises do incêndio de Tróia um ano, 4.200 réis; avulso, 440. en Portugal. Paris: Jules Renouard (actualmente no Palácio Nacional Subscrevia-se na rua do Arco do et Cie, Libraires-Éditeurs, 1846 e de Mafra), numa litografia hors- Bandeira, n.º 59, 2.º andar. Era Dictionnaire Historico-Artistique du texte de Pedro Augusto Guglielmi vendido na Rua Augusta, n.º 1, Portugal. Paris: Jules Renouard et (ca. 1837-1852), e do seu filho, 120 e 195; Rua do Ouro, n.º 62 Cie, Libraires-Éditeurs, 1847. António Tomás, numa gravura e 93; Chiado, n.º 6; Calçada dos 28 Jornal das Bellas-Artes, tomo I, linear não assinada, mas que deve Paulistas, n.º 54; Rua da Esperança, n.º II (Nov. 1943), pp. 20-27. ser, com toda a certeza, do mesmo n.º 150. Vendia-se no Porto (na 29 Ibid., pp. 28-32. Tomás da Fonseca. Quanto ao Loja de Novaes) e em Coimbra (na 30 Jornal das Bellas-Artes, tomo relevo de Cerqueira, foi desenhado Imprensa da Universidade). I, n.º I (Out. 1943), p. final deste por Tomás da Anunciação, 21 Jornal das Bellas-Artes, tomo número. supervisionado por António I, n.º I (Out. 1943), p. final deste 31 Ibid., p. 10. Manuel da Fonseca e gravado por número 32 Jornal das Bellas-Artes, tomo António Tomás da Fonseca.

– EDUARDO DUARTE 267 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA jornal. sido umdosdirectores deste Magalhães Coutinho deverá ter texto deapresentação, assinado, cargos damaiorrelevância. Pelo Pública edeputado, entre outros Conselho SuperiordeInstrução Biblioteca da Ajuda, membro do Câmara, obstetra, director daReal de Lisboa, primeiro médicodaReal lente daEscolaMédico-Cirúrgica Magalhães Coutinho foidirector e (1857), pp. 1-3. José Eduardo de indicação dosmeses). (1858), apenasdoisnúmeros (sem a Junho) e, nosegundoano publicados 6números (de Janeiro época deLuís XIV). portuguesa, italiana, francesa (da estética eàhistóriadaliteratura pouco confusonasreferências à p. 24. Oresto doartigo éum [sic.], n.ºIII, SegundaSérie(1848), nunca éidentificadonoartigo. p. 24. [sic.], n.ºIII, SegundaSérie(1848), concisão […]”. consignadas comsimplicidadee novas, ouinteressantes, eestas só deveriaincluir“[…]cousas escreve-se queo Álbum do Jornal p. 6. Nestemesmonúmero (p. 8), [sic.], n.ºI, SegundaSérie(1848), 49 48 47 46 45 44 43 <<

Jornal deBellas Artes, n.º1, Jan. Jornal dasBellas-Artes, tomoI Jornal dasBellas-Artes, tomoI Jornal dasBellas-Artes, tomoI No primeiro ano(1857), foram Francisco de Assis Rodrigues ., p. 1. p. Ibid., Mariette mandouael-rey D. João V. pelo gravador francez João Descripção dosquadros remetidos da literatura, comesculturas. dedicado aosportugueses ilustres defendia umcemitérioemLisboa Nestes doistextos, oescritor Bellas Artes, n.º8(1858), pp. 14-16. de umCampo Elysio, de Jornal 6, Jun. (1857), pp. 2-5eFundação esculptor, Jornal deBellas Artes, n.º interessante Carta d’umpoetaaum literários epoemas, escreve uma do Juromenha revela aolongo (1857), p. 5. do viscondede Juromenha. arte emPortugal oprecioso auxílio que tevepara osseuslivros sobre a 4, Abr. (1857), pp. 12-13. 7-8; n.º2, Fev. (1857), pp. 8-10;n.º Bellas Artes, n.º1, Jan. (1857), pp. de F. Sequeira Barreto, Jornal de Joaquim António Marques.Joaquim António 3, Mar. (1857), pp. 13-14, ambasde Canina, Jornal de Bellas Artes, n.º 2, Fev. (1857), pp. 5-6edeLuís 1853), Jornal deBellas Artes, n.º de João Pedro Monteiro (1823/26- 55 54 53 52 51 50 57 56 4, Abr. (1857), pp. 1-4. p. 1;n.º3, Mar. (1857), pp. 6-7;n.º (1857), pp. 8-9;n.º2, Fev. (1857),

Jornal deBellas Artes, n.º1, Jan. Jornal deBellas Artes, n.º1, Jan. Castilho, alémdetextos Ibid., p. 6. Ovisconde de O próprio Raczynski confessa 5. p. Ibid., Qual éofimda Arte? Daautoria Surgiram asbiografias artísticas Jornal deBellas-Artes uma várias obras teóricas. Belas-Artes deLisboaeautor de arquitectura na Academia de Domingos Sequeira, foiprofessor da Costa Sequeira, sobrinhode 11-13; n.º8(1858), pp. 10-14. José (1857), pp. 5-7;n.º7(1858), pp. n.º 5, Mai. (1857), pp. 2-3;n.º6, Jun. pp. 1-3;n.º4, Abr. (1857), pp. 4-6; (1857), pp. 6-8;n.º3, Mar. (1857), (1872 e1876). A Gravura deMadeira emPortugal periódicos efezocélebre álbum de Lisboa. Colaborou emvários gravura naEscoladeBelas-Artes pintor, gravador eprofessor de João Pedroso GomesdaSilvafoi Séculos XV a XIX, pp. 54-55. Gravura deMadeira emPortugal. Fernandes TomásPipa (1857), pp. 7-9, daautoriade J. P. 58 61 60 59 pp. 2-6;n.º 8(1858), pp. 1-4. Este 5, Mai. (1857), pp. 1-2; n.º7(1858), Tanger, Jornal deBellas Artes, n.º majestade el-rei D. Fernando a Colaço escreve aViagemdesua 1942). Omesmo José Daniel e azulejista Jorge Colaço (1868- José DanielColaço, paidopintor assinada Colaço, devendoser a pintarem umagrande tela;está lado esquerdo, figuras femininas figura deanimalfantásticoe, do burro, estandopor baixo uma por umhomememcimade desenha aletra E, éformada Jornal deBellas Artes, n.º2, Fev.

Jornal deBellas Artes, n.º4, Abr. A composiçãodon.º1, que SOARES, Ernesto-Evolução da texto está incompleto, pois no Jornal das Bellas-Artes, 28 cm e o último número está a indicação de Jornal de Bellas-Artes, 31 cm, Vd. que continuava. RAFAEL, Gina Guedes ; SANTOS, 62 As pequenas figuras nuas de Manuela (Org. e Coord.) - Jornais Metrass surgem numa grande e Revistas Portuguesas do Século composição, suspensas no XIX. Lisboa: Biblioteca Nacional, arvoredo, formando um C, na 2002, vol II, pp. 23, 28-29. primeira página (n.º 4, Abr. 1857, 66 Jornal de Bellas Artes, n.º 8 p. 1) e é repetida numa outra (1858), p. 9. página (n.º 6, Jun. 1857, p. 5). 67 FRANÇA, José-Augusto - A Arte Também merece destaque a em Portugal no Século XIX. 3.ª ed. composição de Leda e o Cisne Venda Nova: Bertrand Editora, (n.º 3, Mar. 1857, p. 6) e outras 1990, vol. I, p. 406. duas figuras a voarem com um 68 Charles Blanc foi historiador, grande manto sobre o seu corpo crítico de arte, gravador e director nu (n.º 1, Jan. 1857, p. 15), esta da École des Beaux-Arts. Entre com um morcego a voar perto de a sua numerosa bibliografia si, e a última figura do periódico destaca-se o conhecido Grammaire (n.º 8, 1858, p. 16). des Arts du Dessin. Architecture, De Metrass são ainda dois sculpture, peinture: jardins, desenhos de meninos: um a gravure en pierres fines, gravure pintar uma grande tela (n.º 2, Fev. en médailles. (1867) que teve 1857, p. 10) e outros dois a voar, várias edições nos séculos XIX e um deles com asas, segurando XX (1870, 1876, 1880, 1881, 1888, uma bandeira com a palavra: Fim 1889, 1970, 1991, 2000 e ainda (n.º 2, Fev. 1857, p. 16). traduções em inglês e castelhano). Também Victor Bastos utilizou O livro teve grande projecção pequenas figuras femininas, na Europa, surgindo ainda hoje, junto de densa vegetação na com alguma frequência, nos composição da primeira página do alfarrabistas portugueses. n.º 2, Fev. 1857. 63 DUARTE, Eduardo - Desenho romântico português. Cinco artistas desenham em Sintra. Lisboa: [s.n.], 2006, vol. II, p. 550. 64 Jornal de Bellas Artes, n.º 4, Abr. (1857), p. 1; n.º 6, Jun. (1857), p. 5. 65 O Jornal de Bellas-Artes ou Mnémosine Lusitana. Redacção Patriótica tem 19 cm de altura; o

– EDUARDO DUARTE 269 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << et àlacroisée dedifférents mouvementsartistiques, formation d’unedécennied’or delacritiqued’art au l’embarras duRégime danslesecondaprès-guerre, et leprofessionnalisme; critiquescommehommes une attention àsesprotagonistes plusimportants. – dérivations dejournalisme;entre lejournalisme activité auPortugal, durant lesannées1950, avec Le texte cherche àcomprendre ledifficile passage mais envuedelelancementd’unerevendication En définissant quatre typologiesdecritiquesd’art de lettres (poètesetécrivains); artistescomme critiques d’art –onprésentent unaperçu decette A Crítica de Arte Portuguesa na«Década Portuguesa A CríticadeArte do Silêncio»(EstudosparaaHistóriada de laprofessionnalisation decette activitéetla de cette pratique danslesannéesquiontsuivi Crítica de Arte naDécadade1950) Crítica deArte Ciclo dasCiênciasda Arte ecoordenador doMestrado Professor Auxiliar deCiênciasda Arte edoPatrimónio na FBAUL, InvestigadordoCIEBA, Responsável do3.º de Crítica, Curadoria e Teorias da Arte Portugal – les1960. por Fernando RosaDias por Fernando cio» Já apresentada comoa «década dosilên- (José-Augusto França, 1958) é afaltatotaldecríticaarte» «Uma dasafliçõesdavidaartística portuguesa assumindo clara oposiçãoao regime. Mas expunha em1949, para logosecingir, mas Grupo Surrealista formadoem1948, eque do outra coisaemmargem estética, até ao der fazeroposiçãoaoregime, masjásen- em 1940naCasa Repe, ainda sempreten- posta por António Pedro e António Dacosta mória; edosurrealismo, desde apintura ex seguição eemcriseestética, masaindame- neorealismo, estavítima dacensura, deper estava naressaca daeuforiaideológicado Nacional (SPN, entretanto SNI). A década dernismo doSecretariado dePropaganda (emergentes daescoladoPorto) edomo- ainda dosprimeiros projectos abstractos 40, doneorealismo edosurrealismo, como parêntesis cultural, entre ascisõesdoanos 2 , osanosde1950foram umparticular 1 - - sobrevivia ainda o modernismo do Secreta- uma prática de história da arte que o críti- riado (SPN) de António Ferro, colocado em co também assumiria em plural actividade. 1950 fora da orientação do Secretariado Sem autonomia especulativa nem densida- que fora seu e que a si não saberia sobrevi- de filosófica, a teoria da arte portuguesa es- ver, modernismo este que se descobria fora coava na crítica de arte e na própria necessi- do tempo e que hesitava numa renovação dade desta de ir definindo operativamente para a qual não encontrava saída. À entra- os seus conceitos. Mais do que orientadora da, a década de 50 sofreu a afirmação do e programática, a teoria era esclarecimen- surrealismo em polémicas que sabiam ser to ou explicação pontual de uma prática da estéticas, primeiro, mas logo depois tam- crítica de arte, cuja efemeridade e contin- bém ideológicas; para culminar no sucesso gência dificultava um devido fundamento e da abstracção, que afinal fora o seu deam- sistematização. bular e alicerçar de raízes em terreno difí- cil por sementes que já tinham sido lança- Para apresentar a crítica de arte da década e das na década anterior. Esta passagem da os seus principais protagonistas, propomos euforia ética para a estética foi outra pará- a seguinte organização, segundo tipologias bola silenciosa da década, que se desviou dos «profissionais» da actividade: da carga ideológica dos significados sociais para ir ao encontro de uma dimensão esté- 1. Derivações do jornalismo tica que se refugiava no reconhecimento e autonomia dos significantes. A assimilação 2. Entre o jornalismo e a profissionalização sócio-cultural da abstracção foi a sua prin- cipal história. Tudo isso interessou, em inci- 3. Críticos homens de letras (poetas e dências e debates teórico-críticos, com alte- escritores) rações ao longo e na transição das décadas de 1950 e 1960. 4. Artistas como críticos de arte

Acompanhando um processo de profis- Se a necessidade e desejo de profissionali- sionalização da crítica de arte que se de- zação se começava a proclamar, a verdade é sejou na década de 1960, uma teoria que que não havia mecanismos claros para essa orientasse essa crítica tornava-se necessá- profissionalização do crítico de arte. Não ria. Contudo, ela foi-se construindo com a havendo cursos superiores de história da própria actividade crítica, com as fragilida- arte, mas apenas cadeiras curriculares dos des dai advindas, sem outro tratamento ou cursos de História (e só depois de reformas aprofundamento teórico – com excepção após a Revolução de Abril de 1974 surgem esforçadas por parte de Mário Dionísio num as variantes de história da arte e os primei- processo de maturação do neo-realismo, ros mestrados, anexados aos cursos da His- ou mais tarde, da sociologia da arte de ma- tória) ou da Escola Superior de Belas Artes triz francasteliana em José-Augusto Fran- (que tradicionalmente tinha uma compo- ça, mas que daria melhor entendimento a nentes teórica centrada na história da arte

– FERNANDO ROSA DIAS 271 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA assente numa regularidade que se tornava guns firmados através deuma experiência boa vontade» consistência à tradição dos «jornalistas de jornais, deu-se vasta continuidade e até dicos dosanosde1950, sobretudo nos Para aprática de crítica arte dosperió- 1. Derivaçõesdojornalismo to para opresente. ção, com outros desafiosde esclarecimen- se todasascrises, talvezsejaumaredefini- geral nacríticadearte que, comoemqua- nascendo aíoplanoinclinadodeumacrise 80 dacontinuidadeera jámudançaecrise– tamente os 60 e, em parte, os 70. Nos anos da críticade arte emPortugal, queseriacer da cultura portuguesa, ostemposdeouro essa renovação, definia-se, para ahistoria possibilidades da «década dosilêncio» e dedicaremos próximo ensaio. Mas, entre as renovação dasecçãoportuguesa da AICA ra asecçãoportuguesa. A essaimportante resolução deatávico impassequeretarda- tecer comapoionacriaçãoda AICA eapós A desejadaprofissionalização sóiriaacon- nos últimosdecéniosdoséculo XX. arte, sócomeçariamaterpossibilidadereal servir dealicerces àformaçãodocríticode história daarte e/ouestética, quepodiam crescer substancialmente. Estasduasvias, mente ao final do século,a onde começou interessar oscursosdeFilosofia até pratica- tempo. A Estéticaestavamaisarredada, sem gias indicadasdefinemaspossibilidadesdo história daarte, quandocriadas), astipolo- que concorreria aindacom asdavariantede << de umaausênciaprofissionalismo como era referido em1947naconstatação 3 ou «repórteres dearte» 5 4 , al , tal - - os exemplos de Luís Teixeira (1904-1978) arte. Com algumaregularidade refiram-se mais oumenosespecializadadecrítico uma actividademaisoumenosconstantee cas críticasdearte, houveváriosquetiveram des depreencher demodoregular ascróni- tinham muitosjornalistas, epornecessida- A partir daboaformaçãohumanísticaque par nessejulgamentomenossimpático. que, apesardetudo, seprocurava descul- escala portuguesa), numdesentendimento modernistas o próprio arrojo destas (em ler nalgumacríticanegativa acertas linhas liação dessasmesmasmanifestações–oua apresentar umsentidoabonatório naava- tuguês, oqueàdistânciahistóricatendea modernidade nopanorama artístico por rante asmanifestaçõesmaisarrojadas de para o ecletismo, que tendia a hesitar pe- ta críticajornalísticadominavaatendência ela própria legitimadora da actividade. Nes- (1886-1968) no Diário deLisboa mais tarde, Artur Portela Filho (n.1937)no como espanhóis gação artística, tantoemjornaisportugueses dedicou aestudosereportagens dedivul- sublinhe-se Quirino Teixeira (n.1933)quese Assumindo umaclara dimensãojornalística, Gazeta de Artes e Artesde Artescultura, (Gazeta 1988). nhã. Maistarde dirigiurevistas deturismoe 1950 colaborou sobretudo noDiáriodaMa- ta doquedecrítico. Nosfinais dosanosde dar maisjustiçaaumaactividadedejornalis - o julgamentodocríticodearte,acabavapor artistas plásticos(embora nãosó?).Evitando portagem comentrevista, noencontro com Diário deNotícias,Quintinha Julião 7 naRepública ou, umpouco 8 9 . , centrando-se maisnare-

6 -

2. Entre o jornalismo e a (o Prémio António Enes) do SPN – com a profissionalização obra Os Voronoffs da Democracia. Forma- Fernando de Pamplona (1909-1999)10, no do em Filologia Românica, aprofundaria Diário da Manhã e nos microfones da Emis- os seus estudos sobre história e crítica de sora Nacional dominou a década de 1950 Arte, publicando várias obras, e nesse âm- com grande regularidade, acompanhando bito obtinha o Prémio José de Figueiredo quase todas as exposições de artes visuais pela Academia Nacional das Belas-Artes, de Lisboa, e depois de outra relevância esté- nos anos de 1943, 1954 e 1983, o que lhe tico-ideológica própria ao regime que assu- daria um decisivo prestígio nacional. mira nos anos 40, desenvolvia um bem mais tolerante e generoso ecletismo nos anos 50, Fernando de Pamplona foi uma das vozes numa crítica que acabava mais por divulgar que nos anos 40 mais defendeu uma via que crivar. Depois de um rigor ideológi- austera para uma modernidade do regi- co de separação de águas, caia numa que me, dentro de uma estilização que tinha em tudo parecia aceitar. Apesar deste processo Eduardo Malta um dos nomes que mais elo- de quase indiferenciação e de estar atento giava. E se houve uma teoria estética mo- às expressões modernas que se iam expon- dernista e fascista do Estado Novo de carác- do, não deixou de lhe enjeitar os arrojos, so- ter reacionária e até contrária à de António bretudo no âmbito da abstracção. Sendo o Ferro, um modernismo austero, de regres- crítico regular do jornal mais porta-voz do so à ordem e de recusa da vanguarda, essa Estado Novo, foi o crítico que mais reagiu teoria teve nas páginas de Rumos da Arte negativamente às Exposições Gerais – so- Portuguesa (1944) de Fernando de Pamplo- bretudo as Segundas Gerais em 1947, que na dos seus momentos mais marcantes11. foi um ponto agudo de um gesto de recu- sa por parte da actividade crítica de Fernan- Neste impressionante livro de estética fas- do de Pamplona, tal como foi dos mais vio- cista, o crítico defendia o que devia ser a lentos crítico das exposições surrealistas de arte moderna do seu tempo. Para tal atacava 1940 e 1949. Renitente na recepção de mo- o «desenraizamento» defendendo uma tra- vimentos mais modernos, como o surrealis- dição nacional, na necessidade de comedir mo e a abstracção, foi ao longo dos anos 50 as referências cosmopolitas com um equilí- mais tolerante e, por isso, mais eclético. Ra- brio entre o que é internacional e nacional. ramente falhava uma exposição de Lisboa No capítulo IV fazia uma defesa da tradição, nas suas regulares crónicas. como soma de qualidades: «A arte dos de- senraizados será, como a sua vida, um eter- Seria professor liceal do 2.º Grupo (Por- no recomeço, um aflitivo tatear na sombra» tuguês e Francês) do Ensino Técnico, que (p.50), propondo no capítulo seguinte uma manteve em simultâneo com a actividade articulação entre arte internacional e nacio- que vinha tendo desde a juventude, de es- nal. No capítulo VI acusava os «novos bár- critor e jornalista. Em 1934 ganhava o pri- baros», afirmando: «Não estamos perante meiro de vários prémios de jornalismo mera manifestação de exotismo: achamo-

– FERNANDO ROSA DIAS 273 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA cia comos movimentos maismodernos, metade, ocríticoatenuava estaintransigên- longo dosanos50, sobretudo na segunda as exposições dearte modernadoSPN. Ao este deixavacertas viasestéticasintegrarem ao próprio António Ferro, e aomodocomo mesmo apresentar-se comoumconfronto canálise deFreud». Estasteoriaspodem rias expressionistas combinadascomapsi- sobrealismo, directa consequênciadasteo- ções inquietantesdaactualidade, comoo (…) germes doentios de outras manifesta - por necrofilia, masporasvermos renascer (…)… Seasanalisarmosumaauma, nãofoi de ontem, játombadasdosseuspedestais cubismo –detôdasasmonstruosasheresias sionismo, do“fauvismo”. Dofuturismo, do também o herdeiro confesso do expres- «(….): o culto fervoroso do actual: é hoje bém era umdosmovimentosmaisvisados: e António Dacostaemfinaisde1940, tam- antes comaexposição de António Pedro O surrealismo, quesemanifestara pouco abstracta era «por definiçãoumabsurdo». evangelhos. Afirmava aindaqueapintura dades técnicas, asuasaídadaordem edos viso edoindividualismo, comassuasfacili- fruto negro doindividualismo»), doimpro- No capítulo VII, atacava oanarquismo («éo mas semcontaepar» (pp.70-71), mais dedoismilénios, plasmaram obras pri- darem lições aos europeus, que, através de da incompetênciapara, nesseparticular, das artes plásticaseportanto asuarotun- nifesta (salvoraras excepções) nodomínio Apenas registamos asua inferioridadema- duma arte deorientaisemulatos (…). grave –aproliferação, emplenaEuropa, -nos em presença dum facto mil vezes mais << Superior deLetras de Lisboa, o Instituto Industrial e o Curso versitária, frequentou aEscolaPolitécnica chegando aconcluirformaçãosuperioruni- autoridade sobre ahistóriadeLisboa. Não e autor dramático, sendo considerado uma ta, apresentou-se comohistoriadordearte tes plásticasemOSéculo. Além dejornalis- também actividaderegular nacríticadear Gustavo Matos Sequeira (1880-1962) teve esquecidos pelahistoriografia daarte. para encontrar informaçãodeartistas mais na informação–ehojeobjectointeressante bora irregular napertinência dasentradas e lumes eváriasedições. A obra évasta, em- trabalharam emPortugal, queteriacincovo- de Pintores e Escultores Portugueses ou que Em 1954começariaalançarumDicionário mostrando-se cadavezmaisabrangente. impressionante crescimento. nha encontrando desdeadécadade40um dos próprios artistas comocríticos, quevi- Superior deBelas Artes (actual FBAUL), é ca de história da arte que existia na Escola tes, porexemplo comacomponenteteóri- mação que se poderia ter no âmbito das ar Outra via de profissionalização, nascidafor 3. Artistas comocríticosdearte novação dasecção AICA portuguesa. com opapelde José-Augusto França eare- senvolvido nosfinaisdadécadade1960, apenas umaaproximação aoqueseriade- obrigando aexercícios autodidáctas. Era ca nacionalnãodavagrande especialidade, tória daarte, aoqualaestrutura académi- de arte efectuava-secomumabasedehis- O desejodeprofissionalização dacrítica 12 . - - - Alguma actividade, por experiência prática visuais, que seria uma das mais relevantes e proximidade de investigação das artes vi- dos anos de 1940 e até ao seu falecimento suais, era efectuada por artistas que se viam em 1959. Desde os anos 20 foi apresentan- como que «obrigados a desdobrar-se em do crónicas de crítica ou ensaios teóricos e críticos»13 (o que levará a algum debate de históricos sobre arte portuguesa, em várias carácter mais deontológico do que de com- revistas tais como Ilustração, Revista Portu- petências nos anos 60), fornecendo um in- guesa, Seara Nova (anos 20), O Diabo (anos diciamento profissional a explorar que, pelo 30) ou o Mundo Literário (anos 40). No iní- menos, ultrapassava a mera e normalmente cio dos anos 40 publicava na revista Aven- inócua boa vontade jornalística. Num meio tura um conjunto de artigos com o nome cultural com pouca profissionalização da «Subsídios para a História da Arte Moder- prática crítica esta poderia ser uma das vias na em Portugal», que seria um dos primei- paradigmáticas de uma afirmação de com- ros trabalhos de sistematização da história petências – e esse entendimento seria uma da arte moderna portuguesa. Até finais da das marcas dos anos de 1960. Assim, sur- década de 50, teria uma marcante activida- gia uma linha de artistas plásticos e arqui- de de crítico de arte com as suas regulares tectos que praticavam a actividade crítica «notas de arte» na revista Ocidente, passan- com a melhor formação possível de então do depois a dedicar-se mais a uma activida- em Portugal, assente nas escolas e prática de de investigação histórica orientada em de Belas-Artes. Alguns nomes pertenciam monografias de artistas plásticos portugue- a outras práticas artísticas, mas com algum ses dos séculos XIX e XX. Foi ainda direc- exercício, mais ou menos profissional, nas tor do Museu de Arte Contemporânea (do artes plásticas. Apenas uma questão ética, Chiado) entre 1944 e 1959, no que se tem implicada no facto de artistas plásticos es- considerado uma das melhores gestões tarem a julgar outros artistas plásticos, per- culturais da história deste Museu, enquan- turbava esta orientação – questão deontoló- to de arte contemporânea, e que só teria gica que se acendeu várias vezes, nos anos sido prejudicado por limitações financeiras. 60, sendo de destacar a discussão em torno Mas no percurso de Diogo de Macedo, a e no seio do Júri do Prémio GM67 ou em sua afirmação como historiador e crítico de algumas opções dos críticos para as exposi- arte foi acompanhada pela desistência do ções AICA-SNBA/72 e 74, sobretudo as de escultor. Significou, contudo, um primeiro Rocha de Sousa. sentido para uma profissionalização da ac- tividade de crítico de arte. Diogo de Macedo (1889-1959) foi um dos primeiros e mais distintos casos de grande Dos contemporâneos de Diogo de Mace- consideração de um artista que exerceria a do, refira-se ainda Leitão de Barros (1896- prática crítica. Escultor de formação, activo 1967), pintor, fotógrafo e cineasta que teve nos anos de 1920 e 1930, que iria abando- prática crítica em Ilustração, O Século, e nando no desenvolvimento de numa activi- mais tarde colaborações em O Dia e Jor- dade teórica de crítico e ensaísta de artes nal de Notícias14, ou Roberto Nobre (1903-

– FERNANDO ROSA DIAS 275 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA de arte lar oseuprimeiro trabalho regular decrítico de arte), terianaspáginasdoDiárioPopu- riante ePanorama (nesta faria algumacrítica do deSãoPaulo) levouàinterrupção qua- arte ecultura (noDiárioPopular en’OEsta- crónicas críticas(entre 1943-1980)sobre to França. Estalongaprática deescrita de Monteiro, Novais Teixeira ou José-Augus- ainda osnomesdosamigos Adolfo Casais portugueses nojornalbrasileiro quetinha do parte de um círculo de colaborações de a última28denovembro de1980), fazen- ra crónica seriaa27denovembro de1955; culturais de Paris a partir de 1955 (a primei- sileiro Começaria depoisacolaborar nojornalbra- rio deLisboa, será a 16de Agosto de1950 França oresto davida);aúltima, para oDiá- mas ondecontinuaria, ficandoamorar em onde partia como uma bolsa de um ano, sou aefetuarcrónicas apartir deParis (para janeiro de1943;a9abril1947pas- blicada nestediáriovespertino saiaa27de tos e ilustrações nos periódicos António Pedro, apóscolaboração comtex tura surrealista de1940naCasa Repe com O pintor António Dacosta, herói da aven- curta duração dosemanário(1953-1954). no periódicoLer dade decríticoem «crónica deexposições» Júlio (1916-1963), queteriaefémera activi- te posterior, indique-seaindaopintor José ções emOComércio doPorto. Ligeiramen- em nas artes plásticas, comactividadecrítica crítico decinemaquemantinhainteresse 1969), inicialmente pintor, depois teórico e << O Primeiro de Janeiro ecomcolabora- O EstadodeSãoPaulo, comcrónicas 15 . A suaprimeira crónica críticapu- , reduzida narelativamente Acção, Va - - Nova, além decolaborações dispersasemSeara plemento deReconquista) (1974) ounosuplementoAoKmZero (su- rio Popular (cerca de1972), Artes Plásticas mais pontual), de 1951), MundoLiterário(1952, nestecaso com regularidade, taiscomoÁtomo(des- vessou décadaseperiódicos, emvários pintor LimadeFreitas (1927-1998)atra- A actividade crítica e intervencionista do tações doutrinaispróprias. necessidade depraticar acrítica, comorien- ligados aoneo-realismo, tiveram grande gundo pós-Guerra, algunsartistas plásticos sobretudo apósasaídadoregime nose- Por razões de doutrinaestético-ideológica, França, Júlio Pomar ouFernando Azevedo. visita deexposições, como José-Augusto da poramigosquepartilhavam comelea própria arte, numaacuidadequefoielogia- à exposição ou autor em causa, ou sobre a rer concentrar aexpressão certeira relativa tendência quaseaforística, parecendo que- discurso crítico era algolacónico, comuma maria emfinaisdadécadade1970. Oseu na décadaseguinte, actividadequesóreto- dos anos 40, para praticamente se perder se totaldasuaprodução artística emfinais impondo aolongodadécada. tica –queexactamente sevinhadificilmente desejo dequerela aberta, comestaviaesté- nando-o umdosmaisactivoscríticos, em particular violência contra a abstracção, tor finais dosanos50, osseustextos seriamde tícias, Arquitectura, Jornal NovoouSéculoIlustrado. Em Vértice (desde 1953), Portucale, (cerca de1970), Jornal deNo- Diá- - Assumindo-se como «um pintor que nunca xão teórica sobre o sentido da arte e das acreditou na pintura pura», posicionando- suas práticas éticas e estéticas, que já an- -se na «querela da forma e do conteúdo», tes trabalhava, mas agora com maior auto- «contra a arte “abstracta”»16, Lima de Freitas nomia, como um ensaio paralelo de escla- criticou e resistiu ao que chamou a falsa li- recimento e guia da sua própria prática. Na berdade criadora dos puristas da forma e a fase neo-realista colaborou em vários perió- sua «metafísica da forma», acusando a des- dicos, tais como A Tarde, no qual dirigiu a confiança e o desprezo pelo tema que estes página cultural A Arte (1945), Mundo Lite- viam como impuro17. Defendendo a profun- rário (1946), Seara Nova (a partir de 1946), didade do tema, para lá da superficialidade Arquitectura Portuguesa (1952) ou Vértice do motivo prévio, como «profusão inespe- (a partir de 1953). Por vezes os seus textos rada de valores» «que surdamente coman- surgiam reproduzidos em periódicos do an- dam a energia das formas»18, encontrava tigo Ultramar, como foi o caso de Itinerário aí a «razão última da obra». Vendo na abs- de Lourenço Marques (1948). tracção uma incomunicação vaidosa, onde a forma se encerra na sua própria interio- Pertencendo já ao panorama cultural entre ridade, defendia que «a arte» era antes «a as décadas de 1950 e seguintes, Mário de formação de conteúdos» «emergindo em Oliveira (n.1916), arquitecto e pintor, teria formas»19. A liberdade procurada pela mo- actividade regular como crítico, sobretudo dernidade, que levou ao extremo da «liber- no Diário Popular (1952-1961), depois no dade de não ter tema», revelou-se no se- Diário de Notícias (1965-1973) ou ainda em gundo pós-Guerra de uma «extremidade O País (1978). Faria parte da secção portu- patológica»20: «Os cultores do gratuito em guesa da AICA. arte esquecem que a originalidade reside na reestruturação dos temas, e não na cria- Fernando de Azevedo (1923-2002), pin- ção ex nihilo, fora dos temas»21. Mais tarde, tor inicialmente ligado ao neo-realismo, entre os anos 70 e 80, o pintor desenvolveu mas com uma obra desenvolvida no âmbi- o simbolismo do tema, reencontrando-lhe to do surrealismo português (desde cerca uma produndidade abstracta por assimila- de 1948) na altura em que iniciava também ção de uma geometria sagrada, tendo para uma actividade de crítico de arte (desde isso criado afinidades com teorias de An- cerca de 1947). Começou por exercer uma tónio Quadros (Poeta), Gilbert Durand e o actividade de crítico e ensaísta em Unicór- último Almada Negreiros. nio, Mundo Literário (1946-1947) e Horizon- te, mas a sua intervenção mais regular foi ao O pintor Júlio Pomar (n.1926) teve assinalá- longo das décadas de 1960 e seguintes, na vel actividade crítica enquanto enquadrado colaboração com as revistas da FCG, Coló- na estética neo-realista, depois enfraqueci- quio e Colóquio Artes. Além deste exercício da com a crise desta orientação estética na crítico em periódicos, teve uma vasta cola- segunda metade dos anos de 1950. Passa- boração em textos de apresentação para ca- va então a centrar-se no texto como refle- tálogos de exposições em diferentes gale-

– FERNANDO ROSA DIAS 277 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA inteligente ecominteligênciasensível» amigos, e ambos com essa «sensibilidade va aocasode António Dacosta, ambosseus actividade de crítico de arte – que, normal- jornalista, mas de cronista, como base da actividade quejánãoera propriamente de midade nasciênciashumanas flectiauma em continuidadeeprofissão» de arte danossageração, sequisessesê-lo póstuma: diria José-Augusto França emhomenagem rias ou, sobretudo, daFCGeSNBA. Dele << apresentar comojornalistas) especializado (alguns não deixavam de se especializada aumpúblicoanónimoenão arte, enquanto mediadores de uma prática do século XVIII daactividadedecrítico humanas, que pareciam seguir as origens variada nodomíniodasciênciassociaise nomes daliteratura, ouaindaporformação ticos dearte surgia daprática daescritade Outra linhatradicional naactividadedecrí- (poetas eescritores) 4. Críticoshomensdeletras ves, quedeixaremos para outro ensaio. (n.1923), Rocha de Sousa ou Eurico Gonçal- nuidade aestalinha, casode Júlio Giraldes surgiam nestadécadade60, dandoconti- artistas plásticoscomregular prática crítica do aparecimento daFCG. Outros nomesde com osanos60, emgrande parte derivadas sim comasalterações edinâmicastrazidas zo da sua produção artística. Envolvia-se as- com arevista Colóquio, comnotórioprejuí- sições daFundação Calouste Gulbenkiane seu envolvimentocomoServiçodeExpo- crítico crescia nadécadade60, devidoao A actividadedeFernando Azevedo como «(…) podiaseromelhorcrítico 24 22 . Estaproxi - . Ecompara - 23 . cos eescritores presencistas da Negreiros, àmaiorintervençãodosteóri- com umacríticaaexposição de Alma- Da experiência pontualdeFernando Pessoa culturais naprimeira metadedoséculo XX. do vários tipos de manifestações artísticas e mente, acabava por se estender articulan- história do desenho moderno tradores ModernosnoSPN, fariaumabreve tal comonoâmbitodaExposiçãodeIlus- nando Guedes (n.1929) década de1950, temosoexemplo deFer Mais recentemente, aaparecer emfinaisda década, naPanorama. tempos doDiárioPopular ou, ao longoda crónicas decríticasarte nosprimeiros posição de Vieira daSilva a questãodaabstracção, apropósito deex deixaria um dos primeiros textos a debater tes de1930 a defesada1ªExposiçãodoIndependen- teiro. Naspáginas da Presença, foimarcante Régio, João GasparSimões eCasais Mon- ma ou das artes plásticas, sobretudo, José ra, mascomabordagens noâmbitodocine- da actividadecrítica, centrada naliteratu- nha tidoumamarcante acçãoeteorização Nos anos30 e 40, ageração presencista ti- do século. com continuidades para a segunda metade tradição atenta àarte modernaportuguesa de arteactivoentre asdécadasde1950 e Queiroz (1907-1949) No iníciodosanos40, oescritorCarlos da históriaarte modernaportuguesa tuguesa quefaziadasprimeiras resenhas de síntese da história da Arte Moderna por 26 . João GasparSimõestambém 28 deixariaumensaio 31 27 , poeta e crítico . 25 , ficoualguma 30 . Faria várias 29 - - - , 1960. Tendo sido director do Tempo Pre- beiro), tendo depois escrito o romance An- sente entre 1959 e 1962, e crítico regular jo-Demónio, os livros e novelas Filhos do de artes plásticas do Diário da Manhã, teve Diabo (prémio Fialho de Almeida) e Filhos ainda colaboração de carácter teórico-críti- de Deus. Teve representadas as peças Ca- co em periódicos como Graal, Rumo, Pano- milo e Fanny e Má sorte. Foi um dos mem- rama, Praça Nova, Diário Ilustrado ou Diário bros fundadores e directores do Centro de Notícias32. Interessado pela arte abstrac- Português de Escritores e redactora de Re- ta, publicaria ensaios que defendiam a im- pública e Diário de Lisboa e chefe de redac- portância dos artistas plásticos do Porto na ção de Vida Mundial e Vida Mundial Ilustra- sua genealogia na arte portuguesa33. do. Mas, sobretudo e durante muitos anos, foi redactora no Diário de Notícias, onde Também escritor, Alfredo Margarido exerceu funções de crítica de teatro, baila- (n.1928)34 colaborou como crítico de ar- do e artes plásticas, com especial activida- tes plásticas na Seara Nova (1958), no 57 de nas décadas de 1960 e 1970. (1958), no Diário Ilustrado (1959) dirigindo o suplemento literário ou ainda no Diário de Sellés Paes (Joaquim Sellés Paes de Villas- Notícias (1963). Teria maior relevância e re- -Boas), nascido em Madrid em 1913, foi di- gularidade ao substituir Rui Mário Gonçal- rector-fundador da revista de Arqueologia ves nas críticas de artes plásticas do Jornal Boletim do Grupo Alcaides de Faria, e publi- de Artes e Letras, a partir de Dezembro de cou vários estudos de etnologia e de artes 1963, e até Outubro de 1964, altura em que plásticas. Desenvolveu uma regular activida- partia como bolseiro da FCG, regressan- de de crítico de arte em vários periódicos, do Fernando Pernes (primeiro crítico regu- entre finais da década de 1950 e inícios da lar do periódico que tinha sido substituído seguinte, tais como O Debate, de orienta- por Rui Mário Gonçalves também devido a ção monárquica, depois no Diário Ilustrado uma bolsa35). Era habitual em Alfredo Mar- (desde 1956) e na segunda metade dos nú- garido introduzir em cada crítica, uma pré- meros da terceira série da revista Panorama via e autónoma reflexão teórica em torno (1959-1961). Numa defesa histórica da acti- da prática crítica. Partindo da antropologia, vidade do SPN-SNI, procurava efectuar um e estendendo-se à sociologia e à história, olhar crítico sobre a arte contemporânea interessava-se por várias manifestações ar- portuguesa como sua continuadora, numa tísticas além das artes plásticas, tais como a articulação que deixaria explícita em ensaio literatura e o cinema. Faria carreira de do- de 1962: Da Arte Moderna em Portugal37. cência Universitária em Paris. Foi no cruzamento destas vias, onde o pro- No Diário de Notícias foi bastante regular a fissionalismo se desejava (mais ou me- actividade de Manuela de Azevedo (M. A.) nos) que, ao longo dos anos da década de (n.1911)36, sobretudo na crítica de teatro e 1960, se definiu um grupo de críticos de artes plásticas. Começou a carreira literária arte com vontade de assumir uma dimen- com Claridade (prefaciado por Aquilino Ri- são profissional, especializada e indepen-

– FERNANDO ROSA DIAS 279 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA ças culturais dente, articuladas num esforço de mudan- << consagrar. revolução de Abril de1974naturalmente alguns nomestambémaí bemactivos–ea poderiam protagonizar, daqualadiantámos silêncio, quesóapassagemdosanos60 do nosanos60. Seriaofimdadécadado saio, que continuará e fechará este, centra- cada de1970. Dissofalaremos noutro en- e doutrinal com relevante actuação na dé- que iria aparecer com outra dinâmica crítica acrescentar umrenovado ErnestodeSousa, dimensão programática, a que sepoderia reforma da secção da AICA em 1968, com actuar nestadécadadosilêncio, comasua cisco Bronze, alguns deles já começando a rio Gonçalves, Fernando Pernes ouFran- centrado em José-Augusto França, Rui Má- disso marca. Opapeldemudançaestaria senvolveria comgaleriaseinstituiçõesseria dinamizadora –eacolaboração quesede- sive, trazia umaconsciênciaorientadora e avaliação daprodução artística mas, inclu- em queocríticonãoefectuavaapenasuma essa dimensãoseacentuaria, nosentido Sélles Paes, seriana décadaseguinteque ainda deFernando Guedesoumesmode então desenvolvia, deErnestoSousa, ou da actividadeque José-Augusto França já profissionalização eespecialização, casos dos anosde1950anunciavam uma maior amadora dejornalistas. Sealgunscríticos curando ultrapassar umadominantecrítica da secção portuguesa da AICA (1968), pro- de Críticos de Arte (1967) e de renovação década, sobretudo apartir doIEncontro uma autoridadeconsiderável aolongoda 38 . Estegrupofoiadquirindo criar, ouarecriar,(…)» «Porque acríticadearteéumadisciplina cultural emtodososdemaisdomínios” só umaformaparoxística danossavivência por umaauto-actualização(…)é, afinal e mesmos (…)quesetraduz, paradoxalmente inexequível contemporaneidade denós «Esta nossa pintura», 1971) (Eduardo Lourenço, «Os círculos deDelaunayouoestatuto da (José-Augusto França, 1966) actualização nuncaactualizada, essa . 4 3 2 1 — Notas vão àsexposições fazerrelatos, repórteres dearte –pessoasque p.470. Lisboa: Bertrand Editora, 1991, Portugal noséculo XX (1911-1961), Artes, Janeiro-Fevereiro1993. Sociedade NacionaldeBelas- Outubro-Novembro 1992;Lisboa: Biblioteca NacionaldeBeja, Portuguesa nos Anos 50, Beja: catálogo daexposição: Arte do silêncio, 1951-1960”, in 2008. Lisboa, Faculdade deBelas Artes, Arte, Lisboa, Universidadede Doutoramento emCiênciasda 1975) (3volumes), Tese de Plásticas emPortugal (1958- Dias, doutoramento. Fernando Rosa nosso trabalho para atesede e actualizaçãodepartes do «Em Portugal somenteexistem França, José-Augusto Rui MárioGonçalves, “A década Estetexto éumaadaptação A Nova-Figuração nas Artes A em Arte às vezes literários» (anónimo), Livros e das Bibliotecas] [consulta: Portugueses, Vol.IV, Lisboa, 1997, Horizonte, nº14, 1ª quinzena Novembro 2007] in: http://www.iplb.pt/pls/diplb Setembro 1947. 9 Quirino Teixeira entrevistou [endereço da Direcção Geral dos 5 Ibidem. Salvador Dali, Juan Miro, Modest Livros e das Bibliotecas] [consulta: 6 Para biografia de Quirino Teixeira, Cuixart, Juan Tharrats, Villa- Novembro 2007] cf. Dicionário Cronológico de Casas, António Buero-Vallejo, 11 Fernando de Pamplona, Autores Portugueses, Vol.IV, Lisboa, Camilo José Cela, Ana Maria Rumos da Arte Portuguesa, Porto: 1997, in: http://www.iplb.pt/pls/ Matute, Fernando Sabino, Manuel Portucalense Editora, 1944. diplb [endereço da Direcção Cargaleiro, Thomás de Melo (Tom), 12 Cf. António Valdemar, «Matos Geral dos Livros e das Bibliotecas] entre outros. Contudo, as mais Sequeira, um dos mais notáveis [consulta: Novembro 2007] importantes foram as efectuadas a olisipógrafos do século XX» (26-8 7 «Em 1920 veio para Lisboa Fernando Namora, Jorge Amado 2013), in http://www.publico.pt/ para exercer o jornalismo e Artur Bual que tiveram direito a opiniao/jornal/matos-sequeira-um- profissional, ingressando no edição em livro. Para biografia de dos-mais-notaveis-olisipografos- Século. Trabalhou também no Quirino Teixeira, cf. as indicadas do-seculo-xx-25130098 Diário Popular, no Diário Liberal, nas suas edições: Teorias e Práticas 13 José-Augusto França, A Arte em em O Diabo, na Mala da Europa da Promoção Turística Portuguesa Portugal no século XX (1911-1961), e nas Actualidades, sendo chefe (ed. Autor, 1977); Em Outubro Lisboa: Bertrand Editora, 1991, de redacção do Diário da Tarde, com Fernando Namora (Flamingo, p.471. do Diário da Noite, do Jornal 1987). 14 Para biografia mais alargada da Europa e da revista Turismo. 10 Filho de José César de Araújo de Leitão de Barros, cf. catálogo Colaborou ainda noutros jornais, Rangel e de Alda Luísa de Sá da cinemateca Leitão de Barros, como no Notícias, de Lourenço Passos, nasceu na cidade do Porto Lisboa: Cinemateca Portuguesa, Marques, e na Tribuna, de Santos. a 1 de Maio de 1909. Terminados 1982, pp.14-18. Redactor da República, foi os estudos liceais, matriculou-se 15 A produção crítica de António depois seu colaborador, desde na 1.ª Faculdade de Letras do Dacosta teve publicação bastante que se aposentou, em 1956». Porto, concluindo a licenciatura completa, só com algumas faltas Dicionário Cronológico de Autores em Filologia Românica com a na sua colaboração no Estado de Portugueses, Vol.III, Lisboa, 1994, classificação de 18 valores, a São Paulo, sobretudo na década in: http://www.iplb.pt/pls/diplb 27 de Julho de 1931. Em 1956 de 1960. Cf. António Dacosta, [endereço da Direcção Geral dos participou no IV Congresso da Dacosta em Paris, Lisboa: Assírio Livros e das Bibliotecas] [consulta: União Nacional (Maio a Junho - & Alvim, 1999. Alguns fragmentos Novembro 2007] Lisboa), na secção de Educação de crónicas ausentes neste volume 8 Embora convergindo para Cultura. Passados três anos foi encontram-se em «seçecção» no a crítica literária, teve uma nomeado Inspector Superior do catálogo: António Dacosta, Lisboa: intervenção abrangente, aceitando Ensino Técnico, tendo assumido, Fundação Calouste Gulbenkian. quaisquer querelas. Também ainda, as funções de Professor Centro de Arte Moderna, 23 escritor e ensaísta, no âmbito Metodólogo do ensino do Francês. Fevereiro a 27 Março 1988; Porto: das artes plásticas seria o autor Para biografia de Fernando de Fundação de Serralves. Casa de das edições Salazarismo e Artes Pamplona, Pela escrita da peça Serralves 8 Abril a 8 de Maio 1988, Plásticas (1982) e Francisco Franco Quando Salomão voltou foi s.p. e o «zarquismo» (1997). Para agraciado, em 1960, com o Prémio 16 Lima de Freitas; Pintura biografia de Artur Portela Filho, cf. do Teatro do Secretariado Nacional incómoda, Lisboa: Publicações Dicionário Cronológico de Autores de Informação; também foi eleito Dom Quixote, 1965, pp.11-13. Portugueses, Vol.VI, Lisboa, 1999, vogal e secretário da Academia 17 Cf. Ibidem, p.17. in: http://www.iplb.pt/pls/diplb de Belas-Artes de Lisboa. cf. 18 Cf. Lima de Freitas, “O tema na [endereço da Direcção Geral dos Dicionário Cronológico de Autores pintura”, in Ibidem, pp.22-23.

– FERNANDO ROSA DIAS 281 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA 25 24 23 22 21 20 19 27 26 << Para estudodestaquestão, cf. Diário deLisboa, 17 Janeiro 1936. «Introdução àPintura Abstracta», in Dias, Novembro 1997, pp.123-137. Ciências SociaiseHumanas, Nova deLisboa, Faculdade de Mestrado, Lisboa, Universidade (2 volumes), Dissertação de Pintura Portuguesa (1910-1940), Dias, ainda: Fernando Paulo Rosa tese demestrado de1996]. Ou de Lisboa, 2007[ediçãode Sociais eHumanas, Universidade IHA, Faculdade deCiências 1940), Lisboa:EdiçõesColibri, Crítica da Arte emPortugal (1921- 1996, Valeriano Bozal), Madrid: Visor contemporáneas, volumenI(ed. estéticas ydelasteoríasartísticas Salón”, inHistoriadelasideas género: lacríticadearte”; “El “Orígenes ydesarrollo deun Belas Artes, Atgena,2013.P.18. Lisboa: SociedadeNacionalde de Azevedo –ensaioecrítica, de Azevedo, crítico», inFernando 2004. Artes, 10 Janeiro a14Fevereiro Sociedade NacionaldeBelas a 21Dezembro 2003;Lisboa: de Pontevedra, 21Novembro Julho 2003;Pontevedra: Museu Bienal deCerveira, 7 Junho a5 Vila NovadeCerveira: Museuda da exposição: Fernando Azevedo, João GasparSimões. Para estudo, cf. Fernando Rosa Cf. Patrícia Esquível, Teoria e Cf. Francisco Calvo Serraller, França,José-Augusto «Fernando José-Augusto França, incatálogo Ibidem, p.51. Ibidem, p.37. Ibidem, p.33. Op.cit., pp.163-169. Ecos Expressionistas na pp.148-178. 30 28 33 31 32 29 Lisboa: Imprensa Nacional, Casa em Portugal eoutros estudos, sobre artes plásticas. Osanos40 Panorama, 1962. Pintores, Etc., Lisboa:Edições [consulta: Novembro 2007]. Geral dosLivros edasBibliotecas] pt/pls/diplb [endereço daDirecção Lisboa, 1998, in:http://www.iplb. Portugueses,de Autores Vol.V, Guedes, cf. DicionárioCronológico Nacional, nº2, 1942, pp.336-343. Secretariado daPropaganda Imprensa ePropaganda; Lisboa: Rio de Janeiro: Departamento de Atlântico –Revista Luso-Brasileira, propósito deumaExposição», Modernos Portugueses – A 23. Lisboa, nº1, Primavera 1943, pp.21- Moderna emPortugal», inVariante, teve cincofilhos. Visconde de Vila-Boim, dequem de Idanha esobrinha-netado1.º sobrinha materna do1.º Visconde ligado aaristocracia, casandocom de poesia Altura (1945). Esteve e Sudoste (1915-1926), Ilustração (1926-) nas revistas Contemporânea modo maisesporádico colaborou foi dirigidapelopróprio. De Vamos Ler earevista Litoral que Portugal, Ocidente, estendendo-se aperiódicoscomo marcante naspáginasdaPresença, folhas literárias, sendoumafigura publicou emdiversasrevistas e 113. Patrícia Esquível, Op.cit., pp.106- Cf. Fernando Guedes, Estudos Cf. Fernando Guedes, Pintura, Para biografia deFernando Carlos Queiroz, «Ilustradores Carlos Queiroz, «Da Arte Como teóricoliterário epoeta, Momento, Atlântico, (1935) enarevista Aventura, Revista de

35 34 38 37 36 1964, p.1. Artes, Lisboa, nº160, 21Outubro plásticas”, inJornaldeLetras e Novembro 2007]. Livros edasBibliotecas][consulta: [endereço daDirecção Geral dos in: Portugueses, Vol.V, Lisboa, 1998, de AutoresCronológico Margarido, cf. Dicionário Setembro 1964, pp.16, 12. Letrase Artes, Lisboa, nº156, 23 ou estrangeiros”», inJornalde qualificados —sejamportugueses “Falta-nos apresença deartistas entrevista in «Rui MárioGonçalves, 1962. história Lisboa:EdiçõesPanorama, em Portugal. Elementospara asua Novembro 2007]. Livros edasBibliotecas][consulta: [endereço daDirecção Geral dos in: Portugueses, Vol.IV, Lisboa, 1997, de AutoresCronológico de Azevedo,cf. da Moeda, 1985. Cf. “Osnossoscríticosdeartes Para biografia de Alfredo Cf. Rui MárioGonçalves, Cf. SellésPaes, Moderna DaArte Para biografia deManuela http://www.iplb.pt/pls/diplb http://www.iplb.pt/pls/diplb Dicionário Dicionário

Exposição Artistas Portuguesas e o Papel da Mulher na Arte da Pós-Revolução

Por Claudia Simenta Rodrigues

Artista plástica e membro do Atelier 39|93, Coordenadora da Área de Galerias da Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Loures, Mestranda em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte pela FBAUL

In the beginning of 1977, after the portuguese revolution of April 1974, the National Society of Fine Arts had an opened event that brought «As mulheres são assim. Mais desembara- together three exhibitions and the presentation çadas do que os homens, quando despem of several other cultural manifestations. o casaco. The event exclusively dedicated to women’s art Foi assim, agora também que as mulheres and to the discussion of what meant to be a resolveram comparecer em força e desem- woman in Portugal in that period was, in fact, baraço na exposição que as Belas-Artes an historical testimony of the changes that were inauguraram. Se se excluir a cave, dir-se-á being made and for which women played a que todos os andares e seus espaços foram fundamental role in all levels. ocupados: pintura do Século XIX, saída dos The various documents consulted and the arcazes do Museu de Arte Contemporânea, contacts made with some of the artists who livros de autoras portuguesas e outros acer- participated both in the exhibition and in its ca delas, as que foram «sexo fraco». Ora, pa- organization, reveal a cultural event which, for its rando aqui nestas zonas, dir-se-á que, preci- historical-temporal framework, assumed a huge samente, é nessas do sexo que as mulheres importance for its time, being something yet arregaçam as mangas, deixando muito en- today with no parallel. vergonhadas as pintoras americanas, ino- centes entretidas com histórias de ratinhos ou pintura cerebral…»1

No início de 1977, no rescaldo de uma revo- lução que prometia devolver ao povo portu- guês as suas liberdades, entre as quais uma das de maior valor – a liberdade de expres-

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 283 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Fundação Calouste GulbenkianedoMuseuNacionalde Arte Artes comoapoiodaSecretaria deEstadodaCultura, da Exposição realizada pelaSociedadeNacionaldeBelas Capa docatálogo | Janeiro –Fevereiro de1977 Contemporânea. temporânea daépoca. papel damulhernaarte enasociedadecon - a música, oteatro, apoesiaeodebater do rentes atividades culturais, ondeseincluíam sições foielaborado umprograma dedife- ção. Paralelamente àprogramação deexpo- década de70, noperíododapós-revolu- -se mulhereartista emPortugal, nofinalda dicadas àcriatividade nofeminino eaoser manifestações culturais exclusivamente de- complexo, composto por umconjuntode tou-se deumacontecimentomuito mais à apresentação destastrês exposições. Tra - de NacionalBelas Artes nãoseresumiu Contudo, oeventorealizado naSocieda- obras doseuacervo. de Arte Contemporânea, quepara elacedeu o apoioecolaboração doMuseuNacional portuguesas jádesparecidas, realizada com uma outra, singelahomenagemaartistas A juntaraestasduasexposições tevelugar dinâmica evitalidade. sentorpecimento, apresentando umanova e recuos, davaagora sinaisevidentesde- jeito portantotempoaconstantesavanços doras domundoartístico português que, su- Americanas –reunia obras dealgumascria- nerância porPortugal –Liberation,14 Artistas América equecumpriaumprograma deiti- outra proveniente dosEstadosUnidosda A exposição, realizada noâmbitodeuma construção domundoartístico português. lher enquantorecurso ativo eparticipante na e apresentava publicamente ovalordamu- Belas Artes, umaexposição quereconhecia são –tevelugar, naSociedadeNacionalde - Pelo seu enquadramento histórico-tempo- que se dá uma considerável proliferação ral, esta exposição assumiu grande impor- dos salões coletivos e se desenvolvem tância, revelando-se num acontecimento novas formas radicais de criação artística, cultural sem paralelo ainda hoje nos nossos em tudo distintas dos tradicionais conceitos dias. Achou-se, portanto, oportuno analisar de pintura e escultura. mais profundamente, na concretização des- te ensaio, o referido evento enquanto acon- Os anos 70 vêm, assim, dar um novo impul- tecimento histórico e cultural, abordando so ao já iniciado nos anos 60, no campo do de forma pormenorizada as iniciativas que experimentalismo português, dentro das dele fizeram parte, assim como o seu im- designadas novas disciplinas artísticas (per- pacto na arte e na sociedade da época e as formance, instalação, happenings, rituais, in- suas repercussões na arte dos nossos dias. tervenções, etc.) que se prolongam até mea- dos da década de 80 e dão origem a novas PORTUGAL NOS ANOS 70 – A arte, a formas de produção e expressão. No segui- liberdade e as mulheres mento de um período definido por António Os anos 70 são caracterizados, por João Pi- Rodrigues como «de rutura em relação à arte nharanda, como «uma década contraditória portuguesa das décadas anteriores»3, nos e complexa»2; uma década de consagração anos 70 procuram-se registos que fujam aos de alguns dos artistas revelados nos anos suportes tradicionais e o estreitar da relação 60, de grande dinamismo no designado entre a arte e a vida, de que Lourdes Castro “mercado da arte”, mas também de grande é exemplo com os seus lençóis de «sombras crise no setor. O início da década de 70 ca- deitadas» (1969) e Ana Vieira, com as suas racteriza-se fundamentalmente por um de- instalações em torno dos ambientes domés- sinteresse institucional generalizado pela ticos, como é o caso da sua casa translúcida arte que se traduz numa total ausência de mas impenetrável (Galeria Ogiva, 1972). É políticas culturais (sendo apenas de notar também neste contexto que surge a poesia alguns acontecimentos pontuais promovi- visual ou experimental, que explora precisa- dos pelo governo), na inexistência de mu- mente os limites entre escrita e artes plásti- seus de arte moderna, no fechamento do cas e que tem em Ana Hatherly uma das suas País ao exterior que se reflete num desco- grandes representantes. nhecimento do que se faz lá fora em termos artísticos (nomeadamente EUA e países do Um dos acontecimentos mais marcantes Leste) e pela sobreposição das entidades desta década e que, sem dúvida, provocou privadas às competências e responsabilida- o corte radical em termos artísticos, foi a re- des do Estado com o aparecimento de al- volução militar de abril de 1974. As ruturas guns (esporádicos) apoios empresariais a provocadas por este acontecimento políti- ações culturais por parte de entidades co- co vieram alterar o modo de encarar, per- merciais e bancárias. É também nesta altura cecionar e perspetivar a arte. A Revolução que se regista o surgimento de um pequeno de Abril e o fim da ditadura clarificaram al- mercado (que se irá retrair a partir de 1973), guns aspetos da realidade do País, nomea-

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 285 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA tente, foiuma“arte semhistória” feita por mulheres ao contrário de inexis- artística. Durante um longo período, a arte na sociedadee, emparticular, naprodução começa adestacaréopapeldasmulheres Outro aspetoquedurante esteperíodose dia) daarte conceptual. consequência adescoberta (apesardetar maior abertura ao exterior, que teve como mos artísticos, aotornarem possíveluma também para umaefetivalibertação emter tro lado, estesacontecimentoscontribuíram nacional. destaque tanto a nívelnacionalcomointer portuguesa, assumindo-secomofiguras de contornáveis noestudoda históriadearte sos, todosestasartistas sãopersonagensin- É denotar, contudo, queapesardeescas- e, maisrecentemente, Joana Vasconcelos. Rego eLourdes Castro (apartir de60/70) ra daSilva(apósaIIGuerra Mundial), Paula rante operíodoBarroco), MariaHelena Viei- vem-nos à memória Josefa de Óbidos (du- cos são os nomes que conseguimos referir; séculos edehistóriaarte. Pou- lheres-artistas consagradas nodecurso de Em Portugal, sãoescassososcasosdemu- no contexto português comointernacional. siderada pelos historiadores de arte tanto tas das galerias dos finais de 60» económica, provocando afalênciademui- de confiançaprovocada pelaimediata crise 74, verificando-seentãoumabruscaquebra a sua«fragilidade entender deGonçaloPena revelaria, assim, tuações decrescimento e retração, que no arte poucosustentado, comconstantessi- damente, aexistência de ummercado de << […] apósarevolução de 5 4 , descon- . Por ou- - - - humanas». feminista no interior das ciências sociais e «o desenvolvimentodeumaperspetiva provocamsegundo FilipaLowndesVicente político-sociais quesefazemsentireque, devido àsprofundastransformações norte-americano ebritânico,emparte mais central,sobretudonoscontextos começa aganharumposicionamento É nosanos70queopensamentofeminista por parte doscriadores artísticos (operado- as previsões, havendoumagrande adesão da nopós-25de Abril ultrapassou todas A agitaçãopolítica, socialecultural senti - ficamente para amostra). moldado comrelva plantada, criadoespeci- -Terra-Vida (umtorsofeminino, inteiramente Clara Menéres participou comasuaMulher (1977) deuvisibilidadeeprojeção enaqual ciada e inovadora, a que a Alternativa Zero artistas comumaprodução artística diferen- vel pelo aparecimento de uma geração de organizador de exposições, foio responsá- cada de70. Artista, cineasta, críticodearte, tral nacompreensão daquiloquefoiadé- Sousa, porexemplo, surge comofigura cen- mudanças vão-sefazendosentir. Ernestode Contudo, fora docontexto académicoas do feminismonomeioacadémico. dicada aoestudoeteorizaçãodasquestões mais diretas para aescassezdeatenção de- ção doensino, poderão tersidoascausas direitos doscidadãos e aprópria redefini- cracia consolidadaassentenasliberdades e sociedade civil, aconstruçãodeumademo- me, atomadadeconsciênciaporparte da situação políticavivida, amudançaderegi- questões sentem-sedeformamaisténue. A 6

Em Portugal, noentanto, estas - res artísticos, conforme Ernesto de Sousa), cultural antifascista, e representantes reais que se organizaram na apresentação de dos interesses de artistas e críticos de arte. propostas e reformas. Entre 1974 e 1977 foi possível a integração de representantes É assim, neste contexto, e um pouco de artistas e críticos de arte, nas comissões em reação à situação que se fazia sentir, consultivas da Secretaria de Estado da Cul- que na segunda metade da década de tura, com o intuito de contribuir, de forma 70 se generalizam as ações de carácter ativa, na definição de uma política cultural coletivo, que resultam num conjunto muito para o País. significativo de exposições8, happenings e pinturas murais de carácter interventivo, de A situação começa, contudo, a mudar a par- que é exemplo o painel realizado a 10 de tir de 1977, sendo percetível uma diminui- Junho de 1974, pelo Movimento Democrá- ção na liberdade de ação por parte dos in- tico de Artistas Plásticos, e que contou com telectuais. Rui Mário Gonçalves refere-se a a participação de diversas mulheres artistas, este período como «uma temporada em entre as quais Teresa Dias Coelho, Teresa que a palavra «silenciamento» parece ser Magalhães, Fátima Vaz, Ana Vieira, Helena a mais recorrível para descrever o que ro- Almeida, Alice Jorge, Emília Nadal, Menez deou oficialmente a vontade de expres- e Maria Velez. são.»7 É nesta altura que se mandam apagar paredes e desfazer comissões consultivas, Os anos 70 apresentam-se, assim, como um entre outras ações representativas desta período conturbado, mas libertador, criati- desvitalização. É notório o real desinteresse vo e aberto a novas possibilidades, construí- governamental pela cultura. A liberdade de do com o apoio de uma sociedade artística expressão e o espírito crítico são os moto- ativa (e reativa perante a inércia e imprepa- res fundamentais para a manutenção de ração institucional) na qual as mulheres tive- uma cultura viva, contudo podem gerar in- ram um papel fundamental. cómodo aos decisores políticos. Assim, a ausência de uma política cultural compe- ARTISTAS PORTUGUESAS – o início tente manteve-se ao longo dos anos, dan- da revolução cultural no rescaldo da do origem a ações contraditórias por par- Revolução de Abril te dos sucessivos governos, incapazes de Liberation – 14 Artistas Americanas. definir programas coerentes para a cultura. Em Dezembro de 1976, no Centro de Arte As grandes iniciativas que foram ocorrendo Contemporânea do Museu Nacional de durante este conturbado período, foram or- Soares dos Reis, teve lugar uma exposição, ganizadas por instituições culturais com um proveniente dos Estados Unidos da América, grande know-how cultural, como era o caso denominada Liberation – 14 Artistas da Sociedade Nacional de Belas Artes e Americanas. Esta exposição, no seguimento da Association Internationale des Critiques do programa de itinerância que cumpria, d’Art, entre outras; instituições democrati- pela Europa, veio a Lisboa por intermédio camente organizadas, polos de resistência do Serviço de Imprensa e Cultura da

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 287 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << na SociedadeNacionaldeBelas Artes, Janeiro de1977. Exposiçãorealizada promovida peloServiço de Imprensa e Cultura daEmbaixadadosEstados Desdobrável daexposição |25de Unidos da América. Unidos vetor evolutivo» europeu tercontactocomo«específico a primeira oportunidade para opúblico da Arte Americana dosanos70, sendo estilos eexpressões muitocaracterísticos ao públicoportuguês apluralidade de de 1977, estaexposição apresentava Artes, entre 25de Janeiro e15deFevereiro patente, naSociedadeNacionalde Belas e escultura de14artistas americanase Mulher. Constituída por 27obras depintura salões, noâmbitodo Ano Internacionalda Artes aapresentação damesmanosseus que propôs àSociedade NacionaldeBelas- Embaixada dosEstadosUnidosda América, e Jacqueline Winsor. ves, HarrietKorman, Ann McCoy, Susan Weil Claudia Demonte, Janet , NancyGra- Cleary, MaryCorse, Rebecca Davenport, glis, Lee Bontecou, ElenaBorstein, Manon as obras de Jennifer Bartlett, Lynda Ben- Nesta exposição foipossívelobservar interessante» classificando aarte masculinacomo de séculos e séculos de história de arte) e a irrelevância aquefoivotadaaolongo luta intensaquefoiforçada atravar contra meio artístico (sópossívelatravés deuma Artes, aimportância crescente damulherno de Janeiro, naSociedadeNacionaldeBelas defendendo naconferência realizada a26 da produção artística da América deentão, uma exposição altamenterepresentativa Também Beth Coffelt considerou ser esta Livingston nodesdobrável daexposição. norte-americana, conformerefere Jane 10 doqueadasmulheres. 9

da produção artística «menos Artistas Portuguesas. A Comissão Organizadora desta exposição, Paralelamente à inauguração da exposição constituída por Emília Nadal, Sílvia Chicó e Liberation – 14 Artistas Americanas teve lu- Clara Menéres, representantes do núcleo fe- gar, entre 25 de janeiro e 20 de fevereiro de minino da direção da Sociedade Nacional 1977, a exposição Artistas Portuguesas que de Belas Artes à época, referir-se-ia à mes- Manuela de Azevedo descreve, no seu ar- ma como uma mostra da «pluralidade de tigo publicado no Diário de Notícias de 27 tendências existentes na arte portuguesa […] de janeiro de 1977, como um evento em na qual colaboraram nomes bem conhecidos «que as mulheres resolveram comparecer do nosso meio artístico».12 Esta exposição, em força e desembaraço […] as que foram ainda no entender da sua Comissão Organi- «sexo fraco» […] arregaçam as mangas, dei- zadora, seria a primeira exposição de artis- xando muito envergonhadas as pintoras tas portuguesas a focar a forte presença fe- americanas, inocentes entretidas com his- minina numa área onde aparentemente teria tórias de ratinhos ou pintura cerebral…»11. uma presença pouca expressiva, sendo ape- nas possível nomear raras e cirúrgicas exce- Realizada no âmbito das comemorações ções do passado e do presente. do 75º aniversário da Sociedade Nacional de Belas Artes, e tendo o apoio da Secre- Emília Nadal sempre recusou a existência de taria de Estado da Cultura, da Fundação quaisquer discriminações no seio do meio Gulbenkian e do Museu Nacional de Arte artístico tendo expressado isso mesmo em Contemporânea, a exposição contou com entrevista ao Diário de Notícias, a 2 de feve- a participação de Alice Gentil Martins, Alice reiro de 1977, referindo que a situação exis- Jorge, Amália Andrade, Ana Hatherly, Ana tente não justificava a necessidade de uma Vieira, Assunção Venâncio, Clara Estrela, tomada de posição nesse campo. Apesar Clara Menéres, Dorita Castel-Branco, Emília disso, houve sempre uma tendência natural Nadal, Estreia, Fernanda Nobre, Graça Mo- de conotar a exposição com questões liga- rais, Gracinda Candeias, Inês Guerreiro, Isa- das a reivindicações de carácter feminista. bel Laginhas, Ivone Balette, Kukas, Lourdes Este facto levou a que, no início do processo Leite, Manuela Correia de Sousa, Maria Ân- de organização da mesma, tivessem surgido gela de Brito Pereira, Maria Antónia Azeve- determinadas polémicas com algumas das do, Maria Antónia Correia Martins Gomes, artistas, que se recusavam a participar na ex- Maria Benamor, Maria do Carmo Galvão posição se ela assumisse tais objetivos, uma Teles, Maria Flávia de Monsaraz, Maria Ga- vez que não se sentiam atingidas por esse briel, Maria Keil, Maria Rolão, Maria Velez, tipo de questões no seio do meio artístico. Marília Viegas, Matilde Marçal, Menez, Pau- O objetivo da exposição passava, assim, por la Rego, Pissarro, Rosa Fazenda, Salette Ta- promover «um interessante estudo sobre as vares, Sarah Afonso, Teresa Ferrand, Teresa constantes específicas da expressão artística Magalhães e do Grupo Puzzle. da mulher e que, podendo tornar-se um tema polémico, não só pela exposição em si mas pelas manifestações culturais que

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 289 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Emília Nadal|Decomposição V - A viagem Fotografia cedidapelaartista 123 x90cm|1975 dos. Quandoautênticos.» que oscaminhossãomúltiplosetodosváli- lher serartista emPortugal […]acerteza de te afrente asdiversasmaneiras deumamu- a grande afirmação da criatividade […] fren- para uma confrontação entre mulheres. […] antes demaisser«umaboaoportunidade Salette Tavares queesta exposição pretendia termédio dasaçõeselutasfeministas. Dizia za easinegáveisconquistasobtidasporin- redo dareivindicação», nãoobstanteajuste- a vontadedelibertação prefácio docatálogo da exposição, defendia também aopiniãodeSalette Tavares que, no to, serumaexposição feminista. Eessaera tões dofeminino, estanãopretendia, portan- Sendo incontestávelasualigaçãoàsques- vitalidade criadora.» «mensagem de intervençãocrítica e de cultural portuguesa [ para a real importância da mulherna vida Enfim, chamar a atenção do grande público equacionar problemas e definirposições. levantar, serumaexcelente ocasiãopara a acompanhamepelosecosquepoderia sentadas tendo sidoescolhidas73de171obras apre- tas Portuguesas foi realizada por concurso, A seleção das obras para a exposição Rocha deSousaeSílviaChicó.» Tavares –edoisrepresentantes dosartistas– Internacionale desCritiques d’Art–Salette da SecçãoPortuguesa da Association Menéres eEmíliaNadal–[…]ummembro Sociedade NacionaldeBelas-Artes–Clara fazerem parte domesmo«doismembrosda Chicó indicaaconstituiçãodo Júri, referindo 15 . Nocatálogo daexposição Sílvia 13 e transmitir uma] « do complicadoen- 14 16 Artis- A maioria das obras foram realizadas es- pecificamente para a exposição, resul- tando num conjunto muito expressivo da «multiplicidade de tendências e técnicas de expressão características da arte contemporânea» que reunia obras des- de a «pintura à criação de ambientes, da colagem à escultura»17, tapeçaria, joias, entre outras formas de produção artística. Para José Luís Porfírio, contudo, a exposição apresentava uma seleção pouco rigorosa, assente em critérios debilmente estrutura- Teresa Magalhães | Sem Título dos, apresentando tanto nomes com algum 1976 | Acrílico sobre tela | 140 x 200 cm Fotografia cedida pela artista reconhecimento no meio artístico da época, como nomes menos conhecidos, seleciona- dos por intermédio de um concurso aberto a todas as mulheres-artistas. Descreve-nos uma exposição organizada ao jeito de «um inventário da situação existente ao nível das atitudes dos objectos contrapondo- -se à selecção mais actualizada do lado americano.»18

Posteriormente à apresentação da exposi- ção em Portugal, houve a possibilidade das artistas participantes apresentarem o seu trabalho no exterior, tenho sido organizada uma itinerância da exposição a Paris, onde esteve patente no Centre Culturel Portugais da Fundação Calouste Gulbenkian.

Artistas Portuguesas já desaparecidas. Rosa Fazenda | Freira, 1975 A terceira exposição organizada no âmbito deste evento cultural teve, de acordo com Maria de Lourdes Bártholo, o objetivo de ser uma «singela homenagem»19 a artistas já desaparecidas, da segunda metade do sé- culo XIX e inícios do século XX, que conse- guiram fazer prevalecer a sua obra no seio de uma sociedade para qual a arte era uma

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 291 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Vernissage daexposição ARTISTES PORTUGAISES Arquivos Gulbenkian(PRS04805) Paris, 28deMarço de1977 có tes tipologias, as quais, segundo Sílvia Chi- outras manifestaçõesculturais dediferen - Paralelamente às exposições tiveram lugar três exposições. Atividades programadas noâmbitodas altura, MariadeLourdes Bártholo. logo prefaciado peladiretora domuseuna posição e para a qual foi realizado um catá- cedeu todasasobras queintegraram aex Contemporânea, quemuitogentilmente forte contributodoMuseuNacionalde Arte A organização daexposição contou como Lapa, Estrela deFaria e Teresa Sousa. Emília SantosBraga, MillyPossoz, Eduarda nheiro, Aurélia deSouza, SofiadeSouza, constituído porMaria Augusta Bordalo Pi - artistas queintegravam estaexposição era de Nacional de Belas Artes e oconjunto de ro a20defevereiro de1977, naSocieda- A exposição esteve patente de 25 de janei- “pioneiras”. lino, assumindoporissoadesignaçãode área unicamentereservada aosexo mascu- não habituado a intervenções semelhantes. não habituado aintervençõessemelhantes. de surpresaeinterrogação paraumpúblico obras apenasdemulheres constituiumotivo ser: o próprio facto de terem sidoagrupadas carácter feminista. Não podiam deixar de o não sepretenderemcomoumainiciativade ca egeraram muitapolémica«apesarde mulher nasociedadeportuguesa daépo- o objetivodediscutirpapelcultural da ao longo dos tempos, em Portugal. Tinham tervenção da mulher, no campo das artes e em 1977, mostrando oquetinhasidoain- ção artística femininaaté aíedaquesefazia 20 , pretendiam fazer obalançodaprodu- - Protestos houve também daqueles que longo dos tempos; aspetos do ser mulher e [consideravam] que a mulher não [sofria] na bailarina em Portugal. vida artística qualquer discriminação».21 6 de Fevereiro | 18.30 – Concerto | Grupo De 24 de janeiro a 18 de fevereiro de 1977, de Música Contemporânea de Lisboa: inter- foi possível assistir a diversas manifesta- pretação de composições de Clotilde Rosa, ções artísticas entre as quais música, poe- Constança Capdeville e Maria de Lourdes sia, literatura e vídeo, distribuídas por uma Martins (asseguradas pelo Grupo de Música programação diversificada que englobava Contemporânea de Lisboa), partindo de im- conferências, colóquios, concertos, recitais, provisos gráficos realizados por artistas plás- projeção de filmes e debates, e nas quais ticos e pelo público. participaram nomes como Eunice Muñoz, Lurdes Norberto, Glicínia Quartin, Julieta Al- 7 de Fevereiro | 18.30 – Concerto de vio- meida Rodrigues, Maria Antónia Palla, Antó- loncelo e piano | Teresa Portugal Núncio e nia de Sousa, entre outras. Jorge Moyano: interpretação de peças de Bach, Franchoeur e Schumann. A programação definida contemplava, en- tão, as seguintes iniciativas: 8 de Fevereiro | 18.30 – Recital de piano | Maria Teresa Paiva: interpretações de obras 24 de Janeiro | 9.30 - Conferência de im- de Carlos Seixas, Mozart, Schubert e Chopin, prensa: apresentação do evento e dos seus acompanhadas de notas explicativas sobre objetivos, pela Comissão Organizadora. os compositores e a sua época, dadas pela solista Maria Teresa Paiva. 25 de Fevereiro | 21.00 – Abertura do even- to e inauguração das exposições 9 de Fevereiro | 18.30 – Recital de poesia e literatura | Eunice Muñoz, Glicínia Quartin 26 de Janeiro | 21.30 - Conferência «Mulhe- e Lurdes Norberto: apresentação de obras res artistas» | Beth Coffelt: apresentação da poéticas de autoras portuguesas através exposição Liberation – 14 artistas americanas dos tempos. e debate sobre a arte americana dos anos 70 feita por mulheres. 10 de Fevereiro | 21.00 – Recital de Canto | Dulce Cabrita (voz) e Maestro Filipe de Sou- 28 de Janeiro | 21.30 – Conferência «Mulher sa (piano): interpretação de obras de Pur- portuguesa, que mito que realidade?» | Ju- cell, Pergolesi, Händel, Mozart, Alban Berg lieta Almeida Rodrigues: o papel da mulher e Fernando Lopes Graça, e dos poetas He- na sociedade contemporânea. bbel e Mombert.

5 de Fevereiro | 18.30 – Colóquio «A mulher 11 de Fevereiro | 18.30 – Projeção do filme e o bailado» | Armando Jorge e Isabel Santa experimental «Revolução» | Ana Hatherly e Rosa: o papel da mulher como bailarina ao Alexandre Gonçalves

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 293 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA e assuasemoções maistranquilas.» que própria personalidadeda arte dasmulheres subtil, infinitamentemaisfascinante […]Éa ge-nos da de70. Nofinaldadécada, contudo, elasur nasceu com Gloria Steinem no início da déca- no, enquanto movimentopolíticoecultural, de Nacional de Belas Artes, a arte no femini- Artistas, realizada a26dejaneiro naSocieda- ricana, BethCoffelt, naconferência Mulheres Conforme referido pelacríticadearte ame- repercussões de1977aosdiashoje ORGANIZADO NA S.N.B.A. –Ecose O IMPACTO DOEVENTO CULTURAL tica emPortugal. bre asuaprodução epresença navidaartís- da mulher na sociedade portuguesa e so- ço dediscussãoereflexão sobre acondição de bastantemaior, tornando-senumespa- Belas Artes atingiu um nível de complexida- evento realizado naSociedadeNacionalde zada emparalelo comastrês exposições, o Devido àprogramação diversificadaorgani- cimento noseiodomeioartístico. arte equaisasrazões doseudiscreto apare- e Teresares Ambrósio: opapeldamulherna tónia Palla, Maria José Paixão, Salette Tava - tividade» |Maria Antónia Fiadeiro, Maria An- 17 deFevereiro |21.30– «A mulhereacria- Antónia deSousa «Nome deMulher» |Maria Antónia Palla e Sogantal» e «Por umacoroa Sueca» dasérie tejana», «As atadeiras dePeniche», «O caso zira comotantasoutras», «Uma famíliaalen- dos filmes «Nascer, vivere morrer», «Uma Al- 14, 16e18deFevereiro |18.00–Projeção << começa asurgir: coma sua visãointerior «menos política, menos ruidosa, mas «menos política,menosruidosa, mas 22 - para isso.» «acesso aumaeducaçãoqueaspreparasse ferido porCoffelt, aofactodenãoterem se deveu, umpouconoseguimentodore- mostrar que o silêncio a que foram votadas de sempre, noespaçoartístico português; afirmar (ouconfirmar)asua presença, des- grande públicoaarte feitapormulheres e de BelasArtesprocuravadaraconhecerao realizado em 1977, na Sociedade Nacional Unidos daAmérica,oeventocultural À semelhançadoqueacontecianosEstados zadora com odefendidopelaComissão Organi- Como jáfoireferido, apesarde, deacordo contemporânea» de expressãocaracterísticasdaarte «multiplicidade detendênciasetécnicas A exposição de1977revelava assim uma mutuamente se[anulavam]». de critériosepropostas estéticasque sultavam] invariavelmentenumaconfusão a organização desalõescolectivosque[re ção de «exposições individuais, bemcomo contrariar a tendência instalada de realiza- uma dasmaisinteressantes tentativas de ma, e segundo José Luís Porfírio, foi ainda década de70, emPortugal. Damesmafor tões ligadasaoser-se mulhereartista, na da América) ededebate dediversasques- produção proveniente dosEstadosUnidos (contrapondo aprodução nacionalcoma formas deexpressão artística nofeminino contrastes existentes entre as diferentes uma condição feminina como motivo de discri- as artistas participantes nãosentirem asua ser umaaçãocomcarácter feminista, dado ótima oportunidadedeconfrontodos 26 , esteeventonão teraintençãode 23 24 fazendo deste evento 25 - - minação face aos seus pares masculinos, qualquer outro, em especial a pintura, que sentindo-se acarinhadas e recebidas, pelo requeria uma disponibilidade de espaço e público e pela crítica, com a mesma aber- tempo muitas vezes inacessíveis à mulher.30 tura que os demais artistas, a verdade é que nos anos 70 (e à semelhança do que ainda Apesar de não vedada ao sexo feminino, a hoje se verifica) as mulheres permaneciam cultura permaneceu durante muito tempo uma minoria no seio do grupo dos artistas sob a “jurisdição” masculina. Segundo Fi- mais cotados27. lipa Lowndes Vicente «ter nascido mulher foi sempre um entrave ao ser artista: da Para Maria Antónia Palla esta negação do falta de acesso ao ensino artístico ou às feminismo por parte das mulheres, justifi- possibilidades de viajar, das condicionantes cava-se pelo medo de perder o poder e/ sociais à profissionalização feminina, sem ou privilégios que julgavam ter conquis- esquecer o peso das responsabilidades tado, adotando um posicionamento qual familiares.»31 Dada a incontestável qualida- «escravo que [adota] a ideologia do se- de da produção artística feminina e na im- nhor».28 Partindo deste pressuposto Palla possibilidade de controlar a presença das lança a questão já anteriormente aflorada mulheres no meio artístico, houve sempre por Coffelt: «[…] porque razão, na história uma tentativa de a minimizar sob o pretex- de arte portuguesa, as pintoras são raras?»29 to das obrigações e responsabilidades para Não tendo, por isso, a pretensão de ser uma com o lar e a família, forçando à mulher ação feminista, o evento organizado veio apenas à única opção de se dedicar a uma possibilitar o refletir sobre problemas que tipologia de produção: a doméstica. Numa as artistas portuguesas insistiam em não época de suposta liberdade (pós-25 de considerar, quer fosse por hábito ou inércia: Abril) e de direitos igualitários para todos o posicionamento da sociedade face a cria- os cidadãos, o papel da mulher na socieda- tividade no feminino. de continuava confinado às tarefas do lar, sendo-lhe quase sempre vedado o acesso a Seria a posição subalterna da mulher, na uma formação especializada e a um empre- sociedade, limitação a uma expressividade go condigno e remunerado. criativa plena? Como justificar a prolifera- ção de mulheres no campo da literatura ex- Tendo a mulher como tema central, este tremamente contrastante com a sua exígua foi, certamente, um evento de extrema re- presença em áreas como a pintura ou a mú- levância no abrir de portas e no mudar de sica? Maria Antónia Palla responde a estas mentalidades, que possibilitaram à mulher questões referindo Virgínia Woolf em Um um papel um pouco mais ativo na socieda- quarto para si própria, para quem a subtile- de de hoje e onde se falou, acima de tudo, za, descrição e acessibilidade que o uso do de arte e de intervenção. Foi, assim, possí- papel e do lápis permitiam, era por si só jus- vel perceber que a arte produzida por mu- tificativa de uma preferência feminina por lheres começava a adquirir, ao contrário este meio de expressão em detrimento de do que era defendido pela Comissão Or-

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 295 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA << Ana Vieira -SantaPaz Doméstica, Domesticada?, 1977, Fonte: www.anavieira.com |Copyright ©2014 Ana Vieira Dimensões variáveis|Coleção daautora. portuguesas um te, como refere Maria Antónia Palla, como desde adécadade60e, simultaneamen- nho dasmudançasquejásevinhamasentir mos históricos, comodocumento/testemu- vantou àsuavolta, esteassumiu-se, emter e pelo questionamento e reflexão que le- pela suaespecificidade, escala, importância realizou um evento deste tipo em Portugal Apesar denãotersidoaprimeira vezquese sica, teatro, entre outros. damente napintura, literatura, cinema, mú- diversos camposdacriatividade, nomea- cidades, manifestando-se estas nos mais consciência desiprópria edassuascapa- guagem própria; queamulher tinhaagora ganizadora, umaespecificidade, umalin- mulheres. contemporânea efeitaexclusivamente por numa produção inovadora, intelectualizada, popular, tradicionalista, decorativa, doque que serevia numaprodução decarizmais der de Ana Vieira, retraída eimpreparada, uma liberdade recente, era ainda, no enten- ca, sendoumasociedade que usufruíade gir o grande público. A sociedade da épo- expetativas noquedizrespeito aoatin- entanto, é que o mesmo ficou aquém das vância doevento, aperceção quefica, no Sendo assiminegávelaimportância erele - de gostomaispopular. identificava comumatipologia deobjetos sendo queageneralidade daspessoasse um grupoextremamente restrito efechado, a arte era apenasobjetodeapreciação de «registo da presença das mulheres «registo dapresençadasmulheres 34 Também para Clara Menéres neste paísemundo» 35 33 . 32 - , Apesar de ser esta a realidade da época, a arte que se pôde ali apreciar era represen- tativa de um afirmar da mulher enquanto ser criador, de convicções fortes, lingua- gem própria e grande irreverência expres- siva e estética, abordando muitas vezes te- máticas ligadas ao corpo (em todas as suas vertentes, sem qualquer tipo de constrangi- mentos ou restrições) e questões relaciona- das com a casa e a família, que se tornam muito evidentes nas obras de artistas como Ana Vieira, Rosa Fazenda ou Clara Menéres. Tomemos, por exemplo, o caso da instala- ção Santa paz doméstica, domesticada? de Ana Vieira que se trata de um claro protesto não só às funções habitualmente atribuídas às mulheres, como também à própria passividade das mulheres perante a vida que lhes era destinada.

O caminho iniciado pelas mulheres no de- correr dos anos 60 e 70 e que veio a reper- cutir-se no decorrer dos anos 80, invadindo toda a cena internacional com o reconheci- mento dos críticos e do mercado artístico, com a contaminação das artes pela estéti- ca feminina e com igual abertura à arte pro- duzida no feminino, sem diferenciação de género, veio igualmente a ter, no entender de Emília Nadal36, repercussões no territó- rio nacional apesar de forma extremamente lenta; tão lenta que, ainda hoje, podemos observar a existência de notórias discrepân- cias entre o reconhecimento profissional a Ana Vieira - Santa Paz Doméstica, Domesticada?, 1977, que são votados os artistas mediante o gé- Dimensões variáveis | Coleção da autora. Fonte: www.anavieira.com | Copyright © 2014 Ana Vieira nero, não obstante nos estabelecimentos de ensino superior artístico, o número de mulheres inscritas ser ainda consideravel- mente superior37.

– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 297 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA ma constante)décadasdepois. sistemática (apesardenemsempre defor ca quesóviriaserabordada deformamais da sociedadeequeantecipouumatemáti- mento damulherenquantoforça motora libertação deestereótipos edereconheci - o iníciodeum difícil e lento processo de evento integrado numperíodoquemarcou sente exposição, pelopúblico, este foi um mento das verdadeiras intenções, da pre- dentemente darecetividade eentendi- Assim, podemosconcluirque, indepen- << alguns avançoserecuos. tem vindoasofrer, aolongodostempos, contra emmovimentoeevoluçãoque Um processo lentoque, aindahoje, seen- go eareflexão entre homensemulheres. sociedade deentão, incentivandoodiálo- são da situaçãoedopapelmulherna mar numaoportunidade únicadediscus- de umeventoqueacabouporsetransfor A mulhercomoartista. Sériede COTA: F5701) (Biblioteca NacionaldePortugal/ 4 p. de Notícias, 25dejaneiro de1977, Sociedade deBelas-Artes. Diário “A mulhercomoartista” na COTA: PER) Artes daUniversidadedeLisboa/ (Biblioteca daFaculdade deBelas 31, fevereiro de1977, p. 64-65 Fundação Calouste Gulbenkian, nº Lisboa. PORFÍRIO, José Luís -Carta de — Fortuna crítica — Referências 38 Tratou-se Colóquio Artes. - - Lisboa: Lisboa: COTA: F5701) (Biblioteca NacionaldePortugal/ de fevereiro de1977, p. 13 Portugueses. e aExposiçãodos Artistas Emília Nadalemdiálogo COTA: F5701) (Biblioteca NacionaldePortugal/ 1977, p. 4 de Notícias, 1defevereiro de Música femininanaSNBA. Diário (2014-12-30)) handle.net/11002/fms_dc_22599 (CasaComum.org/HTTP: http://hdl. 12 Lisboa, 28dejaneiro de1977, p. exposição ecolóquios. Diáriode Na S.N.B.A. Mulherétemade COTA:2860 V) J (Biblioteca NacionaldePortugal/ janeiro de1977, p.21 papel damulher. A Capital, 28de manifestações culturais sobre o Belas-Artes promove COTA: J 2044G) (Biblioteca NacionaldePortugal/ janeiro de1977, p. 3 Artes. 14 artistas americanasnasBelas- COTA: FP179) (Biblioteca NacionaldePortugal/ de 1977, p. 6 Jornal deNotícias, 27dejaneiro Duas exposições nasBelas-Artes. COTA: F5701) (Biblioteca NacionaldePortugal/ 4 p. Notícias, 27dejaneiro de1977, são “desembaraçadas”. Diáriode mostram aoshomensquanto AZEVEDO, Manuelade-Mulheres COTA: J 2044G) (Biblioteca NacionaldePortugal/ janeiro de1977, p. 5 Artes. pela SociedadeNacionaldeBelas- manifestações culturais promovida Primeirode Janeiro , 27de Primeirode Janeiro , 25de , 2 Diário deNotícias,2 Actividades culturais na SNBA. da Educação, 1991, p. 118-119 2011 [consult. 2014-15]. Disponível Diário de Notícias, 3 de fevereiro [consult. 2014-15]. Disponível na na Internet: PALLA, Maria Antónia – Arte no html> OLIVEIRA, Leonor de - Museu de “feminino”. As mulheres criam uma GONÇALVES, Rui Mário – Vontade Arte Contemporânea de Serralves. arte própria?. O Século Ilustrado, 4 de Mudança. Cinco décadas de Os Antecedentes, 1974-1989 [em de fevereiro de 1977, p. 6-11 artes plásticas. Lisboa: Caminho. linha]. Lisboa: Imprensa Nacional- (Biblioteca Nacional de Portugal/ Coleção Universitária, 2004, p. 126 Casa da Moeda, 2013, p. 244 COTA: J 4190 M) (Biblioteca Nacional de Portugal/ [consult. 2014-15]. Disponível As mulheres e a criatividade. Diário COTA: B.A. 26085 V.) na Internet: (CasaComum.org/HTTP: http://hdl. - Estética, Cultura Material e diálo- OLIVEIRA, Márcia Cristina Almeida handle.net/11002/fms_dc_3783 gos Intersemióticos [em linha]. V. - Arte e feminismo em Portugal no (2014-12-30)) N. De Famalicão: Centro de Estu- contexto pós- Mulher, ser criador. Contra o que dos Humanísticos da Universi- Revolução [em linha]. Universidade dizem. 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– CLAUDIA SIMENTA RODRIGUES 299 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA reflexão sobre o caso português História da Arte efeminismo:uma VICENTE, Filipa Lowndes – COTA: ET 12/925) Artes daUniversidadedeLisboa/ (Biblioteca daFaculdade deBelas Babel, 2012. artística(séculos XVI-XX) . Lisboa: sem história:mulheres ecultura VICENTE, Filipa Lowndes –A arte Magalhães. Lisboa, 2015 “ArtistasPortuguesas” – Teresa – Questionário | Exposição RODRIGUES, Claudia Simenta 2015 a AnaVieira– Entrevista. Lisboa, RODRIGUES, Claudia Simenta COTA: AG5/128) Artes daUniversidadedeLisboa/ (Biblioteca daFaculdade deBelas Livros Horizonte, 1994 94 –Capital Europeia daCultura, nos anossessenta. Lisboa:Lisboa perspectiva daarte portuguesa Anos 60, anosderuptura: uma RODRIGUES, António[et. al.] – Gulbenkian/COTA:6561) AHP (Biblioteca daFundação Calouste SNBA, Julho de1978 trad.; Fior, Robim, trad.. Lisboa: apresent.; Bandeira, Françoise, Bártholo, MariadeLourdes, 1977. Chicó, Sílvia, introd.; Portuguesas. Janeiro/Fevereiro de Belas Artes, ed. lit.. -Artistas PORTUGAL. SociedadeNacional Gulbenkian/COTA:8669) AHP (Biblioteca daFundação Calouste introd.. Lisboa:SNBA, 1977 americanas.Livingston, Jane, ed. lit.. –Liberation -14artistas Embaixada dosEstadosUnidos, de Belas Artes, ed. lit.;PORTUGAL. PORTUGAL. SociedadeNacional Gulbenkian/COTA: P7156) (Biblioteca daFundação Calouste introd.. Lisboa:SNBA, 1977 << wordpress.com/> Internet: 2014-15]. DisponívelnaInternet: linha]. NovaIorque, 2014. [consult. ANNA MCCOY - AnnMcCoy [em 2014-15]. DisponívelnaInternet: boa: Bem Bom, 2014. [consult. Vieira [em linha]. Lis- ANA VIEIRA– Ana — Sítiosoficiais watch?v=xnImaNQfwqI> https://www.youtube.com/ Disponível naInternet: HATHERLY, Ana (realiz.); — Vídeo handle/10451/9637> Internet:

301 – CONVOCARTE N.º1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA de fevereiro de1977, p. 6-11. de junho2015. informal realizada aotelefonea6 p.1. Entrevista a Ana Vieira. Lisboa, 2015, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade deCiênciasHumanas/ de SimoneBeauvoir”. Lisboa: Mulher eoFeminino noCentenário Internacional “Olhares sobre a Exasperado a Joana Vasconcelos. OFeminino 3 32 31 36 35 34 << determinante para oseusucesso. e quecontribuíram deforma estiveram associadasaoevento culturais multidisciplinares que o número demanifestações de arte nofeminino, massem exclusivamente demulheres e realizadas outras exposições Ao longodosanostêmsido Nacional deBelas-Artes. MDM, comoapoiodaSociedade reposta emMarço de1990, pelo Esta exposição foiparcialmente era umarealidade longínqua. que aliberdade deexpressão decorrido aindanotempoem à suafrente MariaLamas, tendo 27 dejaneiro de 1977, p. 4), teve (in AZEVEDO, Manuela–Op. Cit., segundo Manuelade Azevedo Mulheres Portuguesas que, pelo Conselho Nacionaldas todo omundoeorganizada das Mulheres Escritoras de exposição, intituladaExposição lugar naS.N.B.A. umaoutra Lisboa: Babel, 2012. cultura artística (séculos XVI-XX). arte semhistória:mulheres e Opinião emitida em conversa Opiniãoemitidaemconversa RODRIGUES, ClaudiaSimenta– NADAL, Emília –DePaula Rego PALLA, Maria Antónia –Op. Cit.,4 Em1947tevetambém VICENTE, Filipa Lowndes –A (resumo). Colóquio formação. Superior -Por área deeducaçãoe - 58% eram mulheres. InPORDATA nas áreas de Artes eHumanidades, matriculados noensinosuperior, 38 37 Outubro de2008, p. 3. Lowndes –Op. Cit., p. 213. de caso». InVICENTE,Filipa centrados sobretudo em estudos sob diferentes perspetivas, mas conferências eartigos escritos ainda dispersoefragmentado em temas, mesmoque, porvezes, portuguesa emrelação a estes despertar críticodahistóriaarte «nos últimosanos, [de]umclaro o casoportuguês aexistência, feminismo: umareflexão sobre no seuartigo Históriadaarte e Alunos Matriculados do Ensino Alunos Matriculados doEnsino Em2014, dos35.492alunos Filipa Lowndes Vicente refere egue-se um conjunto de exercícios de crí- tica de arte, desenvolvidos sobretudo na Sunidade curricular de Estudos de Crítica de Arte I e II do Mestrado de Crítica, Curadoria e Teorias da Arte. Considerando que o melhor modo de assimilar a prática da crítica de arte é, como em muitas coisas, exercendo-a, esta parte da Convocarte consagra esse sentido da palavra «exercício».

Por outro lado, considerando a rarefacção da crítica de arte no seu tradicional espaço dos periódicos (jornais e revistas), com uma deslo- cação parcial para a internet, em sites raramen- te especializados, implicando um preocupante défice de crítica no espaço público de recepção das questões artísticas (deixando várias exposi- ções, normalmente as que mais precisavam, sem qualquer reacção crítica), este pretende ser o lançamento de um espaço que procura deixar publicada uma amostra de crítica de exposições recentes. A crítica de arte, nascida e desenvolvi- da nos periódicos desde o século XVIII, acom- panhada duma admissão resiliente por parte da Universidade, parece que se perde na primeira enquanto se começa a admitir (e sobreviver) na segunda.

A escolha das exposições criticadas é da opção de cada autor. Foi da responsabilidade dos pro- fessores e da coordenação o acompanhamento através duma interlocução de tutoria, habitual na Universidade, como um pequeno espaço de dis- cussão que implicou, em certos casos, alterações por parte dos autores até às versões aqui publi- cadas. Se estas práticas críticas nascem de mes- trandos e doutorandos da FBAUL, o espaço está aberto a colaborações exteriores que se queiram propor à coordenação da Convocarte. Crítica de Exposições e Eventos Culturais

A Coordenação Geral – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS tes epalavras. Muitas palavras. des, tricotados, contornos, cromatismos vibran- emaranhados difusos(econfusos)delinhas, re- e quesepermitesertransposto para atelaem zões quelhesãointrínsecas, écriadorecriativo com essemedo;ummedoque, portodasasra- que Fátima Mendonça encontrou formadelidar Foi nasBelas-Artes deLisboa, através dapintura, do, grandioso, castrador, visceral. sempre teve medo. Medo de um todo indefini- ção deumarealidade/fantasia infantil. Fátima na suamaisextensa indefinição, enquantocria- tra. Omedocomobasedaconstruçãohumana, Sempre esteve presente de umaforma ou de ou- ça opera (com)omedo. Desdesempre o sentiu. Há precisamente 50 anos que Fátima Mendon- entrevista à30Dias|Oeiras). sou daformaquesou.»(FátimaMendonçaem medo, maséelequemefazpintareserquem embora. Tenho medo, tenho medo. […] Fujo do poucos, eleinstala-seenãooconsigomandar «[O medo]acompanha-meavidatoda.[…]aos << – Operando(Com)OMedo por ClaudiaSimentaRodrigues Exposição «ACura-Operaçãoao 26 Setembro 2014–15Setembro 2015 Centro de Arte ManueldeBrito, Algés 15 Novembro –31Dezembro 2014 Exposição Retrospetiva Fátima Mendonça Galeria 111, Lisboa cérebro» ído deFátima Mendonça. tudo elementosque habitam ouniverso constru- de saltos altos e corpos dilacerados e feridos; lutas cruéisdearena, jaulascommeninas-mulher frágeis, bolosedoces, coelhinhos, toureiras em contramos meninasdecorposdesengonçados e já anteriormentereferidos. Nestesespaçosen- to própria, construída nos ambientes domésticos ma Mendonça), derepresentação simbólica mui- narrativa (a narrativa da vida real/ilusória de Fáti- sentimentos esensações, queconstroem uma num emaranhado obsessivodepensamentos, pre acaminharemcírculos, dandovoltas evoltas partida eapercebemo-nos queestivemossem- Subitamente, contudo, retornamos aopontode ponto dequasenossentirmosimplodir. bre aquelaqueéanossa própria realidade, ao também anós, espectadores, enoscontrai so- estados dealmadaartista, masquenostoma vez maisexacerbada, queérepresentativa dos uma evoluçãoiconográfica emcrescendo, cada Casa-Carrossel, entre outras, é nos apresentada para gostares maisdemim, tem nadaque saber, Eu tenhomedo;lá, lálá, lá, lá..., Através desériescomoA casadodesarranjo, ter aperceção doquefoi oseupercurso até hoje. extremamente relevante dasuaobra, permite-nos coleção dainstituição, quesendoumacoletânea da artista, compostaexclusivamente porobras da assim umaexposição comemorativa dos50anos No Centro de Arte ManueldeBritoapresenta-se nas suasrepresentações. é muitoprópria eàqualrecorre comfrequência doméstica eorecurso aumasimbologiaquelhe sua construção, umaforte ligaçãoàcasaevida isso invenção, fantasiaeironia, denotando, na e arealidade daidadeadulta. A suaobra épor na confrontação entre oimagináriodainfância O universodeFátima Mendonçadesenvolve-se Assim... assim... assim... Para Cegar oMedo, Para tefazernão «[…] o sentimento é sempre o mesmo […] O que me levou a pintar os primeiros trabalhos a escuro que se vê no CAMB é o mesmo que me levou a pintar os meus últimos trabalhos. É o mesmo núcleo. É como se fosse o mesmo cheiro. É sempre o mesmo sentimento, sempre.» (in 30 Dias|Oeiras).

As obras presentes na exposição do CAMB são quase todas de grande dimensão, podendo ser feito o paralelo ao modo de construção do nosso próprio pensamento: a sua dimensão re- sulta da justaposição de várias telas de menores A Cura – Operação ao cérebro (2014), dimensões - fragmentos do pensamento - que Galeria 111 (Lisboa) só depois de unidos compõem o todo que é o modo de pensar e sentir de Fátima Mendonça. «Defendo-me muito pouco, confesso que não sou uma pessoa de grandes tapumes.» (in 30 Numa das salas centrais surgem-nos quatro te- Dias|Oeiras). las gigantescas, que ocupam todo o espaço e o fecham sobre nós. Sentimo-nos invadidos, Nos seus trabalhos a tónica não se coloca tanto tomados pelo mesmo medo que ao longo dos ao nível da técnica ou do modo de represen- anos tem amedrontado a artista. Somos, assim, tação. Muitas vezes o desenho, de carácter re- forçosamente transportados para o seu universo correntemente infantil, extravasa os limites do e obrigados a ver o mundo pelos seus olhos (ou suporte, e aquilo que nos é dado é apenas uma forçados a ser alvo da observação dos inúmeros pequena parcela do pensamento compulsivo olhos presentes nalguns dos seus trabalhos). da artista. O que é verdadeiramente relevante é o grafar desse pensamento no suporte e a Percorrendo as salas de exposição do CAMB, rapidez com que o mesmo é transposto para a constatamos que cada obra não se finaliza na tela; quase como se a artista sentisse uma ne- sua última pincelada; esta dá o mote para a cessidade premente e constante de purga, de próxima obra que irá nascer e assim se cria a purificação do seu corpo de impurezas ou ma- narrativa que caracteriza o trabalho e o universo térias indesejáveis (o medo). Neste contexto, da artista. O seu trabalho é homogéneo; aqui as palavras que se inscrevem na tela resultam tudo se inter-relaciona, tudo está conectado. de uma escrita automática; são ladainhas, pre- Apesar da aparente incoerência (para muitos ces a que a artista recorre para exorcizar esse loucura) que possa ressaltar da sua obra, Fá- medo. tima Mendonça é uma mulher extremamente coerente no discurso que nos apresenta; na sua A exposição do CAMB encontra-se, no entan- obra tudo bate certo, tudo encaixa. Não é uma to, incompleta. Para assistirmos ao culminar de pessoa de ocultações; tudo o que pensa, tudo todo este processo, temos que forçosamente o que lhe trespassa o íntimo é transposto para nos deslocar ao número 113 do Campo Gran- a tela. de, à Galeria 111, espaço com a qual a Fátima Mendonça mantém uma relação de grande

305 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS «Para deitaromedocá para fora»Opi- e«obs.: Maria deFátima», «Tirar osmales. Tão amados.», tativa 207-Omedo–Possível tratamento da Acompanham asobras mensagenscomo:«Ten de sentimentos. com esteMedo, invasordementesecastrador zar; tudonaderradeira tentativa delidarvez Senhora deFátima, noutra sãomãospostasare- troduzida, no cérebro, umaimagemdeNossa Numa dasrepresentações daintervençãoéin- ca incessante de uma cura para os seus medos. vemos sairosmalesqueafetamaartista, nabus- representações decabeçasabertas, poronde Somos entãoconfrontados comumasériede o medodoentio. – Observarcomportamento;8Tirardapaciente a colocar“tampa”;6–Cosercourocabeludo;7 Cérebro intervencionado–operado;5Voltara cortado; 3–Cérebroàvistaexposto;4 1 –Courocabeludoafastado;2Ossocraniano tista: ção aocérebro noticiadacomoa“Cura” daar nando deformamaisconcisaareferida opera- Aqui eali, surge-nos umaououtra tela, expla - planificação daintervençãoa realizar. representação da operação emsi;trata-se da assim lhepodemoschamar)enãotantoauma ber deumprojeto deintervenção “médica” (se te opapel, numaaparente sugestãoaumconce- Desta feita, osuporte utilizadoémaioritariamen- deste medoirracional eextemporâneo. com oobjetivodeacabarvezapresença apresenta-nos aoperação àcabeçadeartista ao cérebro, comtrabalhos de menor dimensão, “Operar omedo”. A exposição A Cura –Operação Aqui somosconvidadosaassistiraoprocesso de seus trabalhos, noiníciodosanos90. proximidade destequecomeçouaexpor os << «Procedimento experimentalderecurso! » - - artística deFátima Mendonça-opróprio Medo. o risco de extinção do motor criativo da obra te quedosucessodestaoperação poderá provir ção realizada. Contudo, deveremos teremmen- Tudo dependerá dosucesso(ounão)daopera- poderá Fátima Mendonçaseguirapartir daqui? mal, cabe-nosperguntar: eagora? Quecaminho No fimdetudo, feitoopercurso eoperado o -nos aoutras obras dopassado. do moderno”combolosadecorar, reportando- Para talaartista sugere acriaçãodeum“pentea - da” quependedocrânio eincomodaa“doente”. a deocultar, apósaintervenção, a“bolsatricota- Nesta sérieháaindaumapreocupação estética; obra edaintervenção queirá serrealizada. cionam comolegendas, comodescritores da nião para operação poucofavorável». Estasfun- José de Guimarães no TMG Exposição 'Provas de Contacto' do Stencil ao Digital: Processos de Transferência da Imagem

Galeria de Arte do TMG, Teatro Municipal da Guarda 27 de Setembro – 31 Dezembro 2014

por Joana Correia Saraiva José de Guimarães, Gioconda Negra (1975)

A exposição ‘Provas de Contacto’ de José de aptidão para imaginar e criar, desenvolvendo Guimarães, inaugurada no passado dia 27 de assim um código imagético único e distintivo Setembro na Galeria de Arte do TMG, Teatro de qualquer outra composição realizada pelos Municipal da Guarda, reflete uma vida artística artistas seus contemporâneos. Com organização repleta de viagens e vivências pelo globo, com conjunta entre o Teatro Municipal da Guarda e o um caráter particular na composição de cada CIAJG, Centro Internacional de Arte José de Gui- imagem, de cada obra. José de Guimarães, marães e com curadoria de Nuno Faria, curador pseudónimo eleito por José Maria Fernandes responsável do CIAJG, a exposição apresenta Marques, em homenagem à cidade de onde é técnicas de produção de imagem por transferên- natural, Guimarães, possui um abastado percur- cias, entre a gravura e o stencil, tão próprias do so artístico, com inúmeros prémios, nacionais e artista. Todo o conjunto apresentado possui uma internacionais atribuídos e obra presente nos vá- linha comum, condutora, a colocação de uma rios continentes. Alguns dos prémios recebidos frase, de um número, ou letras soltas, em cada e que merecem ser referidos, sem desprimor peça, em todas as peças. Nas imagens retratadas para os restantes, contudo estes tendo sido os predominam as influências africanas com inter- primeiros, marcaram o início de uma carreira atu- pretação de mulheres, como é exemplo a série almente consolidada, são o Prémio de Gravura Negreiros, com a técnica monotípica, tinta de im- no Salão de Arte Moderna da Cidade de Luanda pressão aquosa e vidro moído sobre papel. Num em 1968, Medalha de Bronze do Prix Europe de total de dezassete peças, esta série representa fi- Peinture de la Ville de Ostende em 1980. Com guras bidimensionais monocromáticas, despidas licenciatura em Engenharia, tendo-se também e de perfil. A linha condutora referida é bem visí- inscrito posteriormente em Arquitetura na Es- vel nesta série, onde as imagens de números se cola Superior de Belas Artes de Lisboa, foi nas sobrepõem às figuras humanas representadas, artes plásticas que sobressaiu, unindo sobretudo num negativo cromático. Uma outra série que- a arte aos estudos de etnografia africana. Com bra inteiramente o padrão ritmado da série an- cooperação de Gil Teixeira Lopes no desenho e terior, com composições coloridas e recorrendo de Teresa de Sousa na pintura, adquiriu o supor- a uma aparente colagem de formas articuladas te necessário, aliado claramente à sua própria entre si, representante de membros humanos ou

307 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS arte deumapaís, estepaís. visitante, para cadavisitante, para ahistóriada e da sua obra o que ela representa hoje para um décadas, acompanharam oartista, fizeram dele trabalho que, aolongodosanos, aolongodas tas obras agora aquiapresentadas, material de stencil, utilizadosdarealização detantasdes- dos maiscuriosos, estãodispostosinúmeros dos comumpaineldevidro, para evitarotoque Múmero8, de1968. Sobre cavaletes eprotegi- a técnicade xilogravura, com é exemplo a peça de cronologia anterior, dadécadade60, ecom seguinte émarcada por obras experimentais e elas realizadas comatécnicaserigrafia. A série Maio III, todoscriadasentre 1973e1979. Todas Negra, MulheraoEspelho, oGrande Nueo1º das obras adestacar sãosemdúvidaaGioconda lembrando algumas obras dePicasso. Algumas pleto domíniodoartista naprática dagravura, de temascarizpolítico, transmitindo umcom- << que noscontam aprimeira parte dahistória. espaços amplos que albergam as instalações No interior, ascincosalas do primeiro pisosão Neptuno, Vénus, Marte e Titã. espaço. As esculturas-instalações representam ras são a reflecção deum imaginário ligadoao que representavam peixes, asgrandes escultu- Embora numprimeiro momentotenhapensado o tipodematerial comqueesteartista trabalha. ferroviário reutilizado, quenoselucidamsobre dos por quatro grandes esculturas de material Cultura Contemporânea somoscumprimenta- Ainda antes de entrar no espaço do Centro de mo (1912), escritoporFilippo Tommaso Marinetti. ção, o ponto 11 do Manifesto Técnico do Futuris - começando logopelotexto queabre aexposi - assume oseuinteresse pelo futurismoitaliano, sobretudo autodidata, porém, nestaexposição, O artista valencianoteveumpercurso eclético e apresentar váriasinstalações de Víktor Ferrando. ção, comissariada por GuidaMariaLoureiro, veio dade ao programa do CCCCB. Esta nova exposi- Ferrovia SectorIX Via Lusitânea” veiodarcontinui- obras daColeção Berardo, aexposição “Planet sição “Arte Latino Americana”, queapresentou temporânea emOutubro de2013, comaexpo - Depois daabertura doCentro deCultura Con- Exposição «PlanetFerrovia por MarianaSalgueiro SectorIXViaLusitânea» Centro deCultura Contemporânea 15 Novembro 2014–5 Abril 2015 Víktor Ferrando de Castelo Branco Na primeira sala, a peça “Marinetti Il Desinfec- dos pelo chão. Os significados de cada peça são tadore”, Ferrando introduz o mote futurista da descritos de forma complexa, mas a peça atinge narrativa e faz uma homenagem ao Futurismo o objetivo de passar uma ideia de abandono e italiano. Com especial destaque para Marinetti, tristeza sem precisar de explicações rebuscadas. personalizado na figura central, os percursores do futurismo são representados pelas malas de A quinta sala apresenta um vídeo sobre o artis- viagem flutuantes. Contudo, esta afirmação de ta que se resume à passagem de um conjunto influências é revelada numa imagem depressiva, de fotografias tiradas noutros espaços onde a que recorda o que foi abandonado nos campos exposição “Planet Ferrovia Sector IX Via Lusitâ- de concentração nazis após a chegada dos Alia- nea” foi apresentada. Esteticamente não é muito dos. É uma partida para um novo lugar, que não relevante, nem introduz informação que revele se sabe se é bom ou mau, deixando uma terra magicamente os significados escondidos das abandonada, solitária. restantes peças da exposição, daí ser perfeita- mente dispensável. Na segunda sala, Ferrando cria uma instalação que tem como intenção dar dimensão material Ferrando sugere com as últimas duas peças uma ao Movimento Fluxus, em que normalmente é colonização de Marte, após a destruição da Terra o artista o próprio suporte da arte. Esta peça é - a narrativa das primeiras peças. A estética tor- descrita como um pedido de ajuda para pôr fim na-se mais acessível nos últimos dois momentos, à fome especialmente dirigido ao presidente o que nos leva a perguntar se não deveriam ser, dos EUA, Barack Obama. Contudo, esta intenção por isso, as primeiras peças a apresentar - é uma nem após a leitura da folha de sala se torna clara, questão para a curadoria. talvez porque a estética do artista é muito pesso- al e é especialmente virada para o seu próprio A sexta sala mostra, assim, um conjunto de cin- sentimento e não se parece preocupar em co- co esculturas inspiradas nos satélites de Marte. municar com o público. A estética é semelhante à das peças exteriores, que representam planetas, mas é acompanhada “DJ Lambreta” e “Simbiotic Interlock”, que ocu- por cabeças humanoides: crânios transparentes, pam a terceira e quarta salas, respetivamente, mostrando cérebros, e cara tapada com másca- fazem uso de alguns elementos comuns. As lam- ras de gás: uma Humanidade desumanizada. A bretas e o carro são símbolos de uma tecnologia peça seguinte, uma estrutura que sustenta for- decadente que se alimenta do ser humano e que mas de sapateiro sobre carris, é uma marcha de o esvazia de poder sobre si próprio. Em “DJ Lam- um exército ou tao somente de um povo pobre breta” o manequim decapitado é um ser humano à procura de melhores oportunidades sobre um autómato, que não funciona por si, e em “Sim- novo terreno, ainda por conhecer. A ideia de eva- biotic Interlock” vemos como a tecnologia não são da Terra ganha aqui uma atualidade brutal, funcionaria sem humanos, mas que estes se con- especialmente numa altura em que assistimos à tinuam a deixar dominar e destruir dessa forma. destruição do nosso próprio planeta. Fazemos mesmo um paralelo com outras expressões des- “Desolation” é a última peça do primeiro piso e te sentimento de preocupação com o planeta, termina a primeira parte da história. Tendo em com filmes como “Interstellar” (2014) - atualmen- conta as peças anteriores, esta é minimalista, te nomeado para os Óscares - ou documentários com elementos isolados e desolados, espalha- como “Cowspiracy” (2014).

309 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS pois daHumanidadedesparecer. de existir a Terra econtinuará aexistir muitode- tas: oeternoUniverso, quejáexistia muitoantes instalações exteriores, querepresentam plane- começa eterminanestemesmoponto, comas também interessante perceber queaexposição muito por descobrir, muita luz para procurar. É chamada deatenção para um Universocom ções têmledsqueacendemànoite). Estaéuma otimista -ànoite, brilhantemesmo(as instala- No exterior, amensagemparece, contudo, mais manidade nãoémaishumana, émetálica, vazia. to dedesumanizaçãoaindaestápresente: ahu- mais longeeocupaoutros planetas-osentimen - a narrativa, aHumanidadeseexpande, chega mos momentos da exposição - em que, segundo presente emtodaaexposição. Mesmonosúlti- a sensaçãodeabandonoedesumanização estético-artístico, éumelementoqueaumenta ou sejamateriais comumoutro fim que nãoo própria casa. A reutilização demateriais úteis, amargo deumaHumanidadeexpulsa dasua tudo, édesolação. Éumsentimentodevazio Ao terminaravisitapalavra quefica, acimade << pelo espaçoexpositivo. ção, criandoritmosesculturais queseespalham proveito datipografia daspalavras eda pontua- mensional. Procura darformaápoesia, tirando escrita, massimcomo linguagemespacial, tridi- Salette trabalha apoesia, nãocomolinguagem linguagem enquantoformafísicaeespacial. trata-se deumaexploração dodiscursoeda A abordagem relativa à“Dialéticadasformas”, tros reconstruídos para estamostra. múltiplos domínios, algunsdelesinéditoseou- Para esta mostra foram reunidos trabalhos em sua obra, aexploração da “dialética dasformas”. lete Tavares edeumaspectomuitopresente na Trata-se deumaretrospetiva da carreira deSal- sional eàprodução deobjetos. do-se àpoesiavisual, àsuaexploração tridimen- produção literária eaprática artística, estenden- experimental dosanos60. A suaobra cruzoua cida sobretudo peloseu envolvimento napoesia diversas obras literárias eartísticas, ficouconhe- em Filosofia eEstética. Embora tenhaproduzido Portuguesa nascidaemMoçambique, formada Salette Tavares (1922-1994), foi uma escritora de Margarida Brito Alves ePatrícia Rosas. “Salette Tavares: poesia espacial”, com curadoria temporárias doCAM daGulbenkianaexposição Encontra-se presente na galeria de exposições 17 Outubro 2014(inauguração) –25janeiro 2015 Exposição «SaletteTavares: por MargaridaEloy Salette Tavares FCG-CAM –Galeria, Lisboa PoesiaEspacial» A exposição divide-se em três salas, a primeira, com um corredor inicial onde se observam tex- tos de Salette nas paredes e três obras, um qua- dro com desenho e escrita, uma chapa de metal com letras marcadas que explora a tipografia da palavra Alquerubim, e no fundo do corredor uma peça escultórica, um mobile de aço inox, onde se pode observar a junção de inúmeras letras do alfabeto, esta peça foi inspirada pelo poema “Maquinin”, que deu nome à peça criada em 1963.

Ao entrar na segunda sala observamos uma di- versidade de objetos artísticos, desde desenho, Maquinim, 1963-2010 [Réplica única de mobile em aço inox. 40 x 40 x 200 cm. escultura, instalação e fotografia. Col. Tiago Aranda Vianna da Motta Brandão No centro da sala é possível observar uma mesa com uma peça que pretende ilustrar a frase po- pular “O rato roeu a rolha do rei da Rússia”, tal segundo tipo de abordagem face à linguagem, como esta, existem outras representações seme- é através do uso do suporte da linguagem para lhantes, como o cartaz tipográfico com o nome realçar a ausência dos seus elementos, palavras “O menino Ivo” de 1963. e pontuação.

Junto à parede encontra-se uma mesa cheia de Até aqui, a autora explorou a linguagem enquan- objetos escultóricos, de madeira, feitos pela artis- to forma, utilizando os elementos da escrita, nesta ta. Embora não sejam, uma exploração direta da segunda abordagem foca-se na ausência destes palavra e do discurso, parecem-me suscitar a ideia elementos, pelo uso do silêncio. Em “livros efé- que estas obras são a projeção simples do signi- meros” de 1979, podemos observar dois livros ficado do seu titulo. Isto é, as figuras presentes na feitos de seda onde não foi impresso nenhum mesa, têm o titulo daquilo que parecem represen- texto. Os livros, são conhecidos como suportes tar, ao observar-mos uma figura de um cavalo, no- de linguagem, neste caso da linguagem escrita, tamos que o titulo dessa obra é a palavra cavalo. A algo que foi certamente pensado pela artista. Sa- autora pretende assim, a anulação de uma dimen- lette, viu nos livros a potencialidade da lingua- são simbólica e a presença do significado direto gem como discurso, e como parte integrante do da palavra sob o objeto representado. discurso, o silêncio, elemento que embora seja fulcral, é muitas vezes esquecido na linguagem. Existe uma constante exploração da linguagem, Os “Livros efémeros” são livros cujas páginas se que se bifurca. Salette explora dois tipos de mantiveram em branco, onde nada foi impresso, abordagem face à linguagem. A primeira, é a lin- e apenas se observam folhas vazias de caracte- guagem enquanto forma, pelo uso dos elemen- res. A autora, conseguiu com esta peça, dar uma tos da palavra e da pontuação. Como se observa abordagem da linguagem enquanto forma e ao na maioria das peças da exposição, e sobretudo mesmo tempo enquanto ausência. Salette utiliza na peça “Jarra pontos e vírgulas” de 1959/63. O o silêncio como elemento que simboliza a ausên-

311 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS intersecção física podetercomquema lê. Odis- ali está, noseu meioespecificoequenenhuma to queoleitortemdechegar àhistóriaque discurso individualedecerta formaegoísta, vis- o palavreado dasobras literárias apresenta um nova vida e umanova compreensão. Enquanto dade dalinguagemescritaqueganhaaquiuma que sejaaquitrabalhado sejaatridimensionali- petiva dotrabalho deSalette Tavares, embora o Esta exposição apresenta-se como uma retros- ra deleresentirapoesia. te oespectador, trata-se deumaformainovado- mobile, estepoemaganhaumanovavidaperan- único focodeluz, edamovimentaçãoprópria do observamos, equeatravés dailuminaçãodeum preendemos quesãoas frases dopoemaque de Santiago. Ao ver a peça com pormenor com- “Bailia dasavelaneiras” dotrovador Aitas Nunes uma representação tridimensionaldopoema original de 1979, este mobile foi criado como tem onomedeBailiaeéumaréplica dapeça jecto, ummobileemcobre cromado. Estapeça Na terceira e última sala existe apenas um ob- infância daartista. observar fotografias queparecem fazer parte da ções. Existetambémumamesaondepodemos anos, ealgunslivros queinspiraram estascria- desenvolvidas porSalette Tavares aolongodos onde seencontram osestudospara asobras Ainda neste espaço, está presente uma montra, te dodiscurso. pausa de pensamento, eàabstinênciaconscien- sas intenções: desde a falta de conhecimento, à extremamente simbólico. Pode simbolizar diver portante dodiscurso, quenãoéexato, masqueé mos esquecerqueosilêncioéumelementoim- é a sensaçãodo nada e do vazio. Mas não deve- livro, obranco éaquia versão físicadosilêncio, elemento físicoaocolocá-losobre osuporte do cia de forma, mas ao mesmo tempo torna este << - a noçãopresente naobra deSalette Tavares. ração dalinguagemenquantoforma, apoiando A ferramenta daluzpoderiacompletar a explo- a rodeia. maior destaquedaobra faceaoambienteque nação, maisespecializada, quepermitisse um deriam serexploradas pelousodeoutra ilumi- suas potencialidadesvisuaiseescultóricaspo- aproxima-mos dasobras eentendemosqueas tórico. Estapercepção é alterada quando nos objetos planos esem grande interesse escul- de dosobjetos, tornando-os, àprimeira vista, não parece terematenção atridimensionalida- a diversidadeformal. A iluminaçãoédifusa, e A exposição mostra coerência temática queune não enriqueceoespóliodaexposição. se liga organicamente com as obras expostas, não estáligadaànoçãodapoesiaespacial, nem acaba porsemostrar bastanteacessória, pois sença deumamesacomfotografias daautora forma comoasobras sãoapresentadas, apre- tiva, possaexistir umcerto carácter biográfico na Entende-se queaoserumaexposição retrospe- concede àexposição algumacoerência. palavra como forma, esta partilha de conteúdo gem tridimensionalatravés da exploração da a mesmanoçãode“Poesia espacial”, delingua- como cartazes, esculturas, instalações, partilham Embora asobras sejamdediferentes tipos, dição físicaqueoserhumano. to, mastambémporque partilham amesmacon- estas obras reagem comoespaçoemovimen- dialogo comoespetador, devidoáformacomo linguagem física e tridimensional permitem um curso queSalette apresenta nassuasobras de A Galeria Virtual do e assim evitar deixarmo-nos naufragar no jargão tecnologista que inevitavelmente rodeia a cha- Post-Screen Festival 2014 mada “arte digital”, e cujo efeito mais perverso pode ser o de camuflar ou confundir o potencial FBAUL valor artístico da obra em questão. De resto, tal- Novembro 2014 vez seja a esse efeito de fetichização que se pos- sam atribuir as conotações negativas com que por Diogo Freitas da Costa parte importante da crítica contemporânea tem encarado a arte produzida no terreno dos meios digitais, como lamenta Josephine Bosma (http:// www.josephinebosma.com/web/node/98), alu- Em lugar algum. dindo a autores como Bourriaud; Foster; Jame- son; Krauss; Virilio ou Rancière. O certame organizado pela secção de Ciberarte do Centro de Investigação e Estudos Belas Artes A consciência do ecrã enquanto dispositivo que (CIEBA) - Post-Screen Festival 2014 - apresenta- medeia a experiência estética retirada de um ob- -se como a 1ª edição de um Festival Internacio- jeto artístico pode fazer-se remontar ao lendário nal de Arte, Novos Media e Ciberulturas. Para episódio, segundo o qual Parrásio de Éfeso, no o efeito, Ana Vicente e Helena Ferreira (CIEBA- século 4aC., terá pintado uma cortina que levou -FBAUL) conceberam um programa que se des- o seu rival Zeuxis a querer afastá-la para ver o dobra num conjunto eventos de natureza diversa que escondia, acabando por “descobrir” apenas – workshops, conferências e exposições – a de- o seu engano. A noção de que o médium interfe- correr simultaneamente na Faculdade de Belas re ativamente na própria perceção do fenómeno Artes de Lisboa durante o mês de Novembro. artístico, e por inerência sobre a realidade que Embora querendo aqui cingir-nos à vertente ex- aquele quis representar, não será exatamente positiva deste festival, estaríamos a omitir um dos um dado novo. Na história das artes visuais en- seus aspetos mais relevantes, e até a desvirtuar a contramos inúmeros momentos em que a intro- própria experiência dos trabalhos reunidos, se dução de dispositivos técnicos e tecnológicos não tomássemos nota da abrangência de um fes- vieram confirmar e atualizar esse dado. E de tival que, a par de uma vincada aproximação dos facto, especificamente no que se refere à ideia meios académicos e artístico claramente aposta- de “ecrã”, é impossível não pensar nas sucessivas da na transdisciplinaridade e transnacionalidade abordagens ao plano pictórico - desde a “janela” – reunindo investigadores e artistas de várias uni- renascentista à grelha modernista, para não fa- versidades nacionais e internacionais – deve ser lar, evidentemente, de toda essa revolução que entendido, antes de mais, como um evento inte- a fotografia e o cinema vieram introduzir neste grado e construído numa lógica de networking. domínio. A esse propósito, lembramos que em 2014 celebrou-se o quinquagésimo aniversário Confrontados com o conjunto de obras realiza- da publicação do livro de Mashal Mcluhan, Un- das no âmbito de um festival como este, expli- derstanding Media, obra que se assumiu como citamente centrado na “questão da utilização de marco inaugural do debate em torno da própria ecrãs e o seu impacto no pensamento contem- ideia de comunicação numa era de mediatiza- porâneo”, é importante começar por ancorar os ção, na qual o ecrã tem vindo a assumir um papel seus desígnios numa tradição mais abrangente, cada vez mais preponderante. Os ecrãs de hoje

313 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS . temático econceptual positivo deativação detodooumrepertório posição numespaçofísico, servindo comodis- determinam amontageme fruição deumaex espaciais etemporais queconvencionalmente prévia, ligada àsubversãodascoordenadas coletiva, estabelecedesdelogoumacondição se alojamasobras dosautores incluídosnesta rama dasartes plásticas. A galeriavirtual emque estão irreversivelmente estabelecidosnopano- que, quer se queira quer não, osmeios digitais te para asuaproblematização numaépocaem configurando desde logo uma pista importan- enquanto espetadores, frente ao tema do“ecrã”, tionavelmente umaformaeficazdenossituar, aexposição numagaleriavirtual éinques- tar” Nesse sentido, aopçãodoscuradores de“mon- zada masaomesmotempocega. mada masaomesmotempoalienada, monitori - tempo ausente, comoobservaPaul Virilio, infor vivência virtual, omnipresente masaomesmo da era digitalenaltecemapossibilidadedeuma feito de realidade. Dito de outro modo, os ecrãs se pretende daraoespetador umsimulacro per teligência, interatividade; atributos comosquais trazem consigoapromessa deenvolvência, in- << Fotograma deA Particular Nowhere, deSterling Crsipin - - - de reprodutibilidade tiveram sobre oconjunto creve osefeitosqueavançosnosprocessos Muito resumidamente, otexto deBenjamindes - gital Leonardo (Vol. 28, No. 5). ensaio deDouglasDavis, publicadonarevista di- Arte naEra daReprodução Digital(títulodeum dos meiosdigitais, erebatizado comoA Obra de lo jáfoi inclusivamente readaptado ao contexto Técnica, escritoem1936. Nãoporacaso otítu- A Obra de Arte naEra dasuaReprodutibilidade Refiro-me aotexto clássicode Walter Benjamin -screen Festival, estáevidentementeimplicada. exposição comoaquenosétrazida peloPost- na arte feitanoúltimoséculo, enasquaisuma desenvolvimentos tecnológicosintroduziram ender aextensão dastransformações queos continua a ser uma chave mestra para compre - po para encontrar aquelaquenaminhaopinião Mas talvezsejapreciso voltar arecuar notem- como nohipnóticoGod, theDevilinDetail . da outras assumindoaeliminaçãodamoldura, Melts intoData (Boaz Levin eRyan Jeffery); eain- to, ou “janela” tradicional como All that is Solid nematográfico, maispróximas doenquadramen- dos; outros quefazemuma utilizaçãodecarizci- recurso amúltiplasprojeções ouaecrãs dividi- que evidenciamessamoldura visualmedianteo Resolution Transformation deLaurusEdelbacher, chman trial(sessionnº01),deKineret Lourie, ou contramos trabalhos comoResearching theEi- patente em muitas das peças da exposição: En- A visibilidadeouinvisibilidade doecrã, torna-se um elementoinvisível, imperceptivel aoolhonu. periência emqueoecrã setornecadavezmais desenho e atributos técnicos permitam uma ex justamente o de criar aparelhos que pelo seu indústria datecnológiaáudio-visual, temsido se pensarmosqueumdosgrandes objetivosda Não será estaafirmação umamera banalidade en Festival temoefeitodetornarecrã visível. Antes demais, agaleriavirtual destePost-Scre- - de características até então consideradas ineren- Exposição «7 Mil Milhões tes ao objeto artístico – a unicidade, originalida- de, proveniência - que garantiam alguns dos va- de Outros» lores que lhe eram essenciais - como seja a ideia de “autenticidade” - e que constituíam aquilo Parceria Fundação EDP, a que Benjamin apelidou de “aura” da obra de Projeto Memória e Good Planet arte. Benjamin conclui que as novas transforma- Foundation ções convergiam precisamente para a degrada- ção dessa aura graças, entre outras coisas, à sua capacidade de depreciar a “presença” do origi- Museu da Eletricidade, Lisboa nal; pôr em causa a autoridade do objeto físico 8 Novembro 2014 – 8 Fevereiro 2015 da obra; substituir características de permanên- cia e unicidade, pela transitoriedade e reprodu- por Carina Fonseca tibilidade. Benjamin vaticina ainda algumas das consequências – por vezes paradoxais – desta verdadeira revolução para a arte, entre as quais a irreconciliável aproximação do espetador face “Quem são, como vivem, o que sonham, o que aos novos modos que a arte tem de se lhe apre- têm a dizer os 7 mil milhões de habitantes do sentar e a alienação em que paralelamente o in- planeta? O que os une e os separa? Uma expo- duz face a realidade que o rodeia. sição que é o retrato vivo da humanidade dos nossos dias.” Nessa perspetiva, é inquestionável que as obras de arte digital como as que nos traz o post-screen Não é uma exposição de arte, contudo... festival, ainda estão a participar nesse movimen- to de progressiva dessacralização da obra de arte Não é propriamente uma exposição de obras de que os falava Benjamin, agora elevada muito de arte, mas artística na forma de comunicar para além da questão da mera reprodutibilida- com o visitante. Há uma sensibilização humana de. Confrontados com obras como A Particular através, não de objetos, mas de histórias conta- Nowhere de Sterling Crispin, que reclamam para das na primeira pessoa. si a consumação dessa desintegração do objeto de arte, a pergunta que se nos coloca hoje é a de Vagueando pelo espaço, como quem salta de saber até que ponto isso não implica necessaria- sala para sala, de tema para tema, saltamos de mente também a anulação do espetador? espaços como quem salta de realidades, per- correndo um labirinto de memórias.

Não é uma exposição de arte, contudo...

A opção expositiva vai muito de encontro ao conceito da black box (caixa preta, sala negra), uma referência à câmera obscura na fotografia, que transporta quem lá está para uma realida- de paralela envolta em mistério. Poderia ter as- sumido o conceito literal de white cube (cubo

315 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS flexão sobre acondição humanaeacondição óbvia, contudo apresenta umaprofunda re- A importância destaexposição podenãoser criaram. terações dediscursoqueasnovastecnologias aparentemente permanecemresistentes àsal- ria. Lidamcomcoisas, objetos, materialidade e po. Estessãocadavezmaisespaçosdememó- rias, na sua noção dehistória, património etem- É umaexposição quequestionamuseusegale- Não éumaexposição dearte, contudo... a maioriadosmuseusseriaimpraticável. dentro dassuas“quatro paredes”, algoquepara seu daEletricidadeconsegueassimtrazer para lacunas acentuadasnahistóriadaarte. OMu- ções estetipodearte enãoasexpõem, criando esta formaartística, nãoincluemnassuascole- internacionais, simplesmentenãocompreende A grande maioriadasinstituições, nacionaise preparadas para mostrar estetipodetrabalhos. models fordigitalart, asinstituiçõesnãoestão media inthewhitecubeandbeyond:curatorial Tal comoChristiane Paul afirmanoseulivro: New outros estudiososnoseio daarte multimédia. nos museus. Soudamesmaopiniãode vários jetos em“temporeal” tornam-seimpraticáveis lho é difícil de recolher, preservar e exibir, e pro - como naformadeoexpor. Estetipodetraba- É umprojeto desafiante, tantonasuacriação nas oeueoutro. vel ondenãoexiste temponemespaço–ape- Deixa noarumasensaçãodesolidãoconfortá- movimento quesucessivamentevaialterando. do observadorvaisefocarnumaimagemem uma maiornoçãodeproximidade. A atenção de cinema, tornandoaimagemmaisdefinida e nos diasdehoje. Contudo, onegro recria salas to usadaporcuradores dearte contemporânea branco, salabranca), umaopçãoexpositiva mui- << no fundouma produção comgrande qualidade na internet, nãochega atodos, embora tente!É ra sejaumaexposição itinerante edesenvolvida de pessoas, estapremissa nãoérealista. Embo- tentativa dechegaraomaiornúmero possível cratização aparente daarte, umavezqueháa acessível nainternet. Embora hajaumademo- Todo oprojeto, comdescriçãoelmagens, está ou mesmoaspessoasenvolvidasnainstalação. como aopçãodoprodutor, oespaçodeexibição, rente, dependendo deumavariedadefatores mesmo tempo, porém, exibidos deformadife- bilidade depoderservistoemvárioslugares ao Algo curiosonestetipodetrabalhos éapossi- no lugaremqueseencontra. e agora daobra dearte –asuaexistência única ter Benjamim, deautenticidadeenquanto aqui Põe emcausaoconceito, porexemplo de Wal- é umaobra dearte. na sociedadeesituaçãoondeseinsere, ele do eexposto comosefosseumaobra dearte, for consensualmente comentado, transaciona- tal noçãonãoexiste. Eacrescenta, seumobjeto havendo mesmoépocasesociedadesemque uma épocapara outra, notempoeespaço, considerado arte varíadeumasociedadee porânea, chegaaafirrmarqueoéounão Alexandre Melo, emSistemadaarte contem- por vezesasuaessênciaenquantoobra dearte. cidade continuaaserquestionada, recusando do daarte, contudo, asuaautenticidadeeuni- Este tipodeprojetos ganharelevância nomun- dor, internet, telemoveisetc., éinconcebível. jogos devídeo, efeitosespeciaisdecomputa- entre asnovasgerações, poisummundosem a sermuitobemrecebida etornou-sepopular nos ligadosaisso. Éumaexposição queestá levam àglobalizaçãoeumconjuntodefenóme- tecnológica corrente. Sãoestastecnologiasque que faz refletir, chorar e rir, que mexe com os sen- Shadow of a Doubt tidos e nos deixa indefesos perante a realidade. Exposição «Shadow of a Doubt» Não é uma exposição de arte, contudo... Fotografia no Chiado8, Lisboa Aquilo que escolhemos mostrar hoje e preservar 13 Novembro 2014 – 31 de Dezembro 2014 para as futuras gerações, determinará o futuro. (prolongada até 30 Janeiro 2015) Esta exposição torna-se assim, como o próprio texto de apresentação refere, “o retrato vivo da por Joana Ottone humanidade dos nossos dias”.

A exposição colectiva de fotografiaShadow of a Doubt esteve patente no Chiado8 – Arte Con- temporânea, inicialmente de 13 de Novembro de 2014 a 31 de Dezembro de 2014, prolongou- -se depois até dia 30 de Janeiro de 2015.

Num espaço organizado de forma complexa, a ocupação total das paredes das salas principais e das zonas de passagem entre elas, reforça a multi- plicidade dos olhares dos treze artistas presentes.

Destaca-se, com maior número de obras, José M. Rodrigues, com trabalhos, não só fotográfi- cos, mas também de instalação. Os outros artis- tas estão representados por apenas um trabalho, ou uma série.

Todos estes trabalhos são provenientes de cole- ções portuguesas, tendo sido retirados do seu contexto conceptual e temporal para integrarem esta exposição. Contemplando obras datadas, desde 1982 a 2014, não se estabelecem, de uma forma imediata, relações formais ou temáticas.

O circuito desta exposição inicia-se com a obra mais antiga, Elementos 20 de José M. Rodrigues, em destaque, de frente para a entrada. De notar, que não existe um itinerário ou cronologia de- finidos, podendo-se passar, livremente, de sala para sala. A restante obra de José M. Rodrigues distribui-se por mais três espaços: uma sala com

317 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS tiva, eporserumespaçotão fechado, aimagem dourada. Estadivisão, possuíasua própria narra- com umamoldura, talcomo asdasalaanterior, uma fotografia apreto ebranco de umcaracol Do ladoopostodadivisão, pode-seobservar ca de acrílico com algumas aplicações douradas. preto e branco, de um céu nublado, com um pla- título, realizada em2014, conjugaafotografia a lação eumaúnicafotografia. A instalação, sem das salasqueseseguem, encontra-se uminsta- No pequenoespaço, entre aprimeira salaeuma evocação eànarrativa. montagem cuidada cria umambiente propício à dificultam aleitura. Porém, aunidadecriadapela o conjuntoapresenta fortes discrepâncias que gens têmligaçõescromáticas óbviasentre elas, no interior de uma redoma. Se algumas das ima- -se comoobjectonocentro dasala, umcoração a mesma dimensão. Estas fotografias relacionam- cores, sãoemoldurados adourado, tendotodos primeira sala, todosostrabalhos fotográficos, a sobre abaciacomágua, existente nagaleria. Na instalação eumafotografia, eoutra instalação, to, um pequeno espaço de passagem com uma as fotografias dispostasem redor deum objec- << Catherine Bertola, Me And Keanu (2001) son, umasériedeseteretratos individuais(sobre Na outra sala, dominaaobra de Trevor Apple - das outras obras. trasta fortemente comoaspectomais“clássico” com osolhosdeliberadamente trocados) con- de umatécnicainusitada(impressos empuzzle, pelo usodoenquadramento emgrande planoe ausência. Osdoisretratos, deCatherine Bertola, presença humanaexpressam oabandonoea ços interiores desabitados, ondeosvestígiosda chel Whiteread eSarah Dobairetratam espa- num interior. As fotografias de Pedro Lobo, Ra- Out gem/espaço étambémvisívelnaobra Looking algo enigmática. Estetipoderelação persona- relacionam comoespaço envolventedeforma dejantes ondeseperdem personagens quese e Sarah Jones, revelam paisagensnaturais ver fotografias, respectivamente de AnyaGallaccio numa aparente desordem expositiva. As duas e exteriores) eretratos, desetedosfotógrafos, Numa dassalascoabitampaisagens(interiores ça eamultiplicidadede“olhares”. distintas cores emateriais, queexaltam adiferen- tas emconjuntosouisoladas, commolduras de sentam-se comformatos muitovariados, dispos- buída porduassalas. As suasfotografias apre- Os restantes dozeartistas têmasuaobra distri- da quesubtis)entre asobras desteartista. meira instalaçãoenoPrumo, criaconexões (ain- molduras dasduassalas, nasaplicaçõesdapri- gem de um coração. A cor dourada presente nas -se umfiodeprumo, ondeestáimpressa aima- cia comágua(eumpeixe encarnado)encontra - no corredor quedápara asaída. Sobre umaba- obra de José M. Rodrigues, Prumo, encontra-se O terceiro, e último, espaço onde é exibida a mundo exterior. das nuvensnocéuestabeleceumaabertura ao de Sam Taylor-Wood, embora estaocorra - fundo negro) que ocupa toda uma parede. As texto do catálogo, quer do conjunto de obras, duas fotografias, de Paul Graham, da sérieTele - conclui-se que a segunda hipótese se põe como vision Portrait, com as suas tonalidades escuras a mais provável. e um personagem que se destaca, conjugam-se facilmente com as obras anteriores. A iluminação “As distâncias do olhar aproximam-se. Espaços nestes trabalhos é um factor determinante para iguais? Simetria? Não há regras. Está tudo liga- a exaltação da personagem. No entanto, as res- do para nos mostrar o milagre. Cada momento tantes imagens contrastam com esta “estética” é outro e mais outro, mas todos ligados entre si pelas suas cores maisclaras e vivas. A fotografia são, em conjunto, o espaço da materialização da de Tracey Emin, Outside Myself estabelece, de imagem.” (José M. Rodrigues) certa forma, uma ligação entre os retratos e as restantes fotografias. A personagem retratada a ler, tendo como fundo uma zona desértica, cria essa ligação. As duas séries restantes não con- têm figura humana, apesar de apresentarem vestígios da sua presença, aproximando-se das obras observadas na outra sala. A série de João Paulo Serafim,A invenção da memória, represen- ta imagens de um arquivo onde os documentos se organizam e alinham. Numa outra forma de preservação da memória, Nigel Shafran retra- ta parte de uma cozinha, fotografada em vários dias, ao longo do ano de 2010.

Toda esta diversidade parece confrontar as teo- rias e métodos expositivos considerados para- digmáticos: ao invés de paredes quase vazias, de obras organizadas de forma cronológica, por dimensão e/ou formato, por proposta temática – assiste-se a um acumular de visões, que surgem simultaneamente, provocando no observador alguma perplexidade...

Se um dos aspectos mais interessante desta ex- posição era o facto do seu curador participar também enquanto artista, questionamos qual o peso que os seu trabalhos adquirem: foi a partir das suas obras que foi feita a escolha das outras imagens/artistas, ou a partir destas, nasceu a se- leção e montagem da sua obra? Pretende José M. Rodrigues coordenar os seus trabalhos com os dos outros fotógrafos ou exaltar as diferenças entre pontos de vista? A partir da leitura quer do

319 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS complemento musical, ideal para umrelato de rio queaestaçãoderádio públicaentra comoo se emdistintasdirecções. Éperante estecená- que circulam aumritmoconstante, esboçando revela aharmoniadesconcertante deimagens, Antena 2éumpalcodecombate indefinido que riências eexpressões. tente mas, épossívelverificardiferentes expe- qualquer referência territorialtorna-seinexis- atlas, defendidofortemente peloartista, onde medida queasobservamosnumaespéciede tes níveisdeintimidadevãointensificando-se à co temcomasimagensbemcomoosdiferen- experiências pessoais. A distância queopúbli- cas, registadas de2012a2014, apartir deduas ensaiar umconjuntodeimagensautobiográfi- exposição colocadeladoesseparadigma para viagem eàimagememmovimentoentão, esta bituado aumpadrão narrativo edocumentalda Se naobra de André Príncipe opúblicoestáha- Cortês, aPierre von Kleist. tografia nacompanhiadofotógrafo José Pedro desde acriaçãodasuaeditora delivros defo- mingos semFlamingosecomemora cincoanos recentemente, noCinemaIdeal, Campo deFla- última, em 2006. Artista de mil ofícios estreou to, 1976)àsexposições defotografia, desde a tógrafo, cineasta eeditor André Príncipe (Por Pedro Alfacinha que ocorre o regresso do fo- É narecente inaugurada galeriadefotografia << André Príncipe–Antena2 21 Novembro 2014–7Fevereiro 2015 por DavidGonçalves Exposição «Antena2» Galeria PedroGaleria Alfacinha - visto comoummodelodeperfeccionismo. dúbio processo deconstruçãoumidealism mentos ebarreiras quenostentamregular, no çam oprogresso para oexterior dosconfina- mente assumido, derestrições eleisqueimpe- como o real, um esquecimento, propositada- cia entre umnovomundoeoconhecido Neste universoalternativo surge umadissidên- esperança. nascem asimagenscomosefossemgritosde contra estespoderes maliciososedramáticos po curto enumaformadeturpada. Numaluta país real emqueasnotíciassãodadasnumtem- programa deajudafinanceira, ouseja, longedo o desemprego, ainstabilidadesocial, acrise, o actualizar constanteeagressivo detemascomo Público ondeaCultura predomina emvezdo ta comoo“últimoreduto cultural” doServiço Este postoderádio éconsiderado peloartis- primeira vez. nheza perante umterreno queévistocomo a Este ladodeexplorador implicará uma estra- tório, dasimagense, sobretudo, dashistórias. próprio criara, na procura de entender o terri- no papeldeexplorador doambientequeele sim oartista desafiaopublicpara seenquadrar nhassem aabertura deumaporta dotempo;as- vêm detodasasdirecções, comosetestemu- confronta oespectadoratravés deimagensque de susto, deumaquasemorte queérevelada, va sintonizadoeaudível. Éestaexperimentação pelo tempo, opostoderádio da Antena 2esta- partir dasuatrincheira quenãofora afectada realidade enquantoumrádio imperturbável, a Em ambasasvezesdespertou evoltoupara a numa cozinha, nocentro dacidadedeLisboa. e estavaaviajarpeloPaís; asegunda, em2013, remonta a2012, oartista vivianumacaravana grafo sentiu nos últimos três anos. A primeira duas experiências dequasemorte queofotó- Assumindo uma posição clara de protesto pe- rante a ideia de independência “distorcida”, da qual somos bombardeados no quotidiano pe- las instituições e poder, o fotógrafo orquestra um registo visual numa prática diária que relata as relações que estabelece com as pessoas, os animais e as coisas. O automatismo do gesto de fotografar nasce destas múltiplas ligações que são estabelecidas tendo em conta, também, o modo como os corpos e as figuras se moldam perante um espaço em constante mutação. É nesta mutação que o artista constrói o discurso narrativo de tudo aquilo que se apresenta como livre sem esquecer a mortalidade e o caricato André Príncipe, [sem título] da série Antena 2, 2014, 140x180cm daquilo que observa.

Tudo é apresentado como prova documental. uma delas tem. E o que será delas depois de Existe espaço para os amigos, o urbano, os ani- tomarem a bebida e abandonarem aquele es- mais e momentos de confraternização, sendo paço? Nada disso importa, o relevante é o que que estes se suspendem e congelam no tempo. se passa naquele instante, naquela recordação Desde a rebentação das ondas assemelhando- de adolescência, em que todos estiveram jun- -se a uma porta entre o mundo do artista e o tos no mesmo lugar. mundo real sendo que esta estivesse para lá do horizonte, a rapariga totalmente despida que A invocação da figura da mulher é uma cons- se seca perante uma bacia antiga num canto tante, com um papel de destaque, revelando a do quarto numa prática improvável nos dias de importância que o artista lhes atribui. Outra das hoje, o homem sozinho sentado no banco da suas imagens, com uma jovem num ambiente paragem do autocarro, até às raparigas no sofá de festa num bar e que aparenta estar no fim como quem lembra um olhar retrospectivo ou da idade da adolescência; de cigarro e copo uma revisitação que nunca deve ter fim. Esta na mão sugere que chegou à pouco tempo. De última imagem das jovens reunidas tem uma cabelos longos, olhos azuis e um ligeiro afasta- escala que capta de imediato a atenção, bem mento dos lábios, esta observa na direção do como todo o momento que ali se passa. Um espectador com um olhar penetrante, como se convívio normal entre um olhar atento, uma ex- dialogasse em silêncio um interesse misterioso pressão de sorriso e a distração de quem perde perante quem a observa e exigisse um momen- o olhar no chão, um copo em cima de uma per- to de reflexão perante a confusão em seu redor, na, o cigarro e a garrafa que existem nos gestos dela e de quem a observa nos olhos. de uma jovem, não há espaço para a solidão e as três jovens habitam o espaço à sua manei- Por detrás de cada imagem existirá, sempre, ra como se tratasse de qualquer espectador na uma diferente melodia da estação de rádio pú- companhia de amigos mesmo sem que haja o blica: melodias trágicas, cómicas, alegres, sau- devido conhecimento do motivo que as leva dosas, deprimidas, nostálgicas. Cada música é a estar na sala, bem como a história que cada uma emoção e uma história, cabendo ao espec-

321 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS se dessenumúltimoederradeiro ato devitória. por fim, deixadodetocareamorte finalmente rença ou no silêncio é como se o rádio tivesse, eternizar namemória. Deixá-lascairnaindife- um reconhecimento daquiloquesedeuequis imagens quenadatrazem denovoanãoser der erever-se noambienteoriginadoporestas a criarumritmopróprio, para assim, compreen- tador construirumasequêncialógicadeforma << por excelência ocampodopensamento. neste ato deconstituir, éodesenho. Desenharé tografia. Oqueestánoesqueleto deste processo, da escultura, mastambémo da pintura ouda fo- em concreto. Encontramos nestelugaroterritório díssimas técnicasenãoseprende aumadisciplina sulta deumregisto alargado querecorre a varia- Tesouros Submersosdo Antigo Egipto, TSAE, re de Pedro A.H. Paixão 155 R. in lagrosa.” LEONARDODA VINCI, jo deverseládentro houvessealgumacoisami- sejo: medopeloameaçante eescuro antro, dese- súbito crescem em mim duas coisas: medo e de- havia. Etendoestadodemoradamente, vetando-me agrande obscuridadequeládentro ver sedentro sediscernissealgumacoisa;eisto e continuamentedobrando-me aqui e alipara direita fizsombra àspestanasbaixasefechadas; posada amãocansadasobre ojoelho, ecoma de talcoisa, osmeus rins dobrados emarco, e ante aqual, fiqueiassazestupefactoeignorante lhos, chegueiàentrada deumagrande caverna, do-me aindamaisporentre ossombreados esco - formas feitaspelanatureza artificiosa, retorcen- para veragrande cópiadasváriaseestranhas “Levado pelaminhadesejosa vontade, vagueio Notas para umdesenho Exposição «Tesouros Submersos Museu daCidade–Pavilhão Branco, 7 Dezembro –22Fevereiro 2015 Desenho / A Transparência dos Signos por CláudioRamos Francisco Tropa Campo Grande, 245, Lisboa do AntigoEgipto» Código Arundel - O trabalho de Francisco Tropa tem em si a impor- tância do tempo no fazer, o tempo que permite a construção de um corpo de trabalho complexo e vasto. Em 2008 TSAE teve a sua primeira reve- lação ao público, levantando o véu daquilo que Francisco Tropa denominou de uma arqueologia ficcionada.

Aquilo que agora nos chega de TSAE revela-se por entre uma suposta arquitetura. Um mapa as- sinala um lugar específico, composto por suces- sivos níveis aos quais pertencem os objetos ali Sem título, 2008. Frasco de Vidro, areia, ouro e mármore - pormenor. expostos, como se pertencessem a um espólio Fotografia Pedro Tropa que é ali revelado.

O lugar evocado parece situar-se nos nossos an- próprio artista, já o macho e a fémea surgem em típodas, transporta-nos para aquilo a que pode- peças de madeira desenhadas e talhadas para mos chamar de um antigo templo, uma caverna um determinado sistema de encaixe, sublinhan- enigmática onde das sombras brota a luz, figu- do assim, o que tem sido uma constante ao longo rando uma qualquer intenção mágica. O artista do trabalho do artista: o masculino e o feminino. explora diferentes núcleos como a Parte Submer- A morte é outra constante no seu discurso, uma sa, a Câmara Violada sugerindo um espaço par- das preocupações estruturais que define o Ho- cialmente pilhado, a Terra Platónica revelando-se mem e que tem uma relação intima com a arte. como um lugar intocável, suspenso no tempo, e Impõe-se entre os símbolos e a matéria, com re- o Poço que sugere uma outra passagem para ferências ao Purgatório ou ao Inferno, presente possíveis campos desconhecidos. Deixando em nos intervalos entre a convivência de épocas e aberto, a possibilidade de um novo momento, na fragilidade real ou induzida nas suas peças. que nos revele o que ainda está por descobrir. A obra de Francisco Tropa assemelha-se a um Ao longo da exposição, mapas vão pontuando desenho em constante movimento, um desenho as salas que visitamos, mapas que nomeiam e que busca por um hipotético final, mas sem que referenciam esse outro lugar evocado e que in- nunca chegue a ele, até porque provavelmente clusive nos interpelam com possíveis pontos de não há onde chegar. vista, afinal as questões da visualidade nunca são livres do nosso corpo, do espaço que ocupamos, Dentro de cada um dos núcleos, objetos. Muitos da nossa posição num determinado campo cog- destes objetos, organizam-se em dicotomias, nitivo, a dada altura na Câmara Violada Francisco como os desenhos de areia. São desenhos que Tropa aponta ao espetador pontos de contem- emergem do negativo sob a forma de estruturas plação, conduzindo assim o campo visual de geométricas, que surgem por entre o vazio dos quem contempla a sua obra. Ainda na Câmara corpos de madeira desenhando sobre a mesa a Violada encontramos uma mesa onde se apre- primeira das dicotomias: o positivo e o negativo. sentam quatro frágeis caixas de latão. Estas su- Também o rei e a rainha se impõe, mas desta, gerem processos naturais de desgaste, colocan- sob a forma de vidro soprado e nomeados pelo do em confronto a questão da permanência em

323 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS encontramos inclusive o gesto originário, no e ofúnebre,tudoistoemana doseudiscurso, convocação, aluz,odivino, celestial,osagrado tempo, cinética,cenárioeencenação, memóriae o compõepassaporconceitos comoalegoria, que assistimos, um universo onde o léxico que É acriaçãodeumcomplexouniverso,aquilo palavras, sejaatravés dasimagens. constituição da sua linguagem, seja através das A cosmologiaplatónica éoutro elementode po; purgatório/inferno. através deconceitoscomo:céu/terra; alma/cor triz judaico-cristã da cultura ocidental, presentes assim como as relações encriptadas com a ma- emergem domapade referências doartista, pianos. Também Raymond Roussel e Julio Verne tísticos, algumdelesdeclaradamente ducham- marcada pelo uso de códigos e processos ar Egipto éofrutodessaimaginaçãofortemente da imaginação. Tesouros Submersosdo Antigo criativo, umarelação privilegiadacomosjogos Francisco Tropa, tem na natureza do seu ato pulsantes, éumcampodetranscendência. arquiteturas delatão e vidro colorido, serigrafias Onde osobjetosapresentam cores vivas, belas como se estivesse mergulhado num soporífero. no deespanto, trata-se deumlugarinviolável, Chegados à projetando naparede umamicropaisagem. através daluzqueincidesobre ovidro soprado, contemplar duas imagens criadas pelo artista e oPurgatório, terra desombra, ondepodemos tes. DepassagempeloPoço visitamosoInferno elevação dematérias aparentemente periclitan- artista, éum território de ação, que assegura a A mesaéumafigura recorrente notrabalho do a questão do tempo e inevitavelmente da morte. inexorável degradação. Estaremos aquiperante contraponto àsua aparência queinduzauma << Terra Platónica, o nosso olhar - é ple - - do Antigo Egipto éesseestadodetransgressão.do Antigo coisas em seres e universo. Tesouros Submersos senho, depensamento, ondesetransfiguram as um fora, háumacosmologia. Éumlugarde- Na obra de Francisco Tropa não há um dentro e assombrosos desenhosdumafrágilbeleza. geométricas demadeira,revelandoassim gesto depolvilharcomareiadapraiaasformas Carla Cabanas vir sobre a imagem sobretudo fotográfica, aquilo que o tempo transforma em ausência é tornado Exposição «A Palavra Arquivada» visível através dos pedaços que são directamen- te apagados do suporte, seja ele qual seja. A ima- Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa gem ganha a vida que só a própria vida tem e 19 Dezembro 2014 – 14 Março 2015 torna-se representação do que só a vida é.

por Rita Branco Desta vez, é a partir da palavra desaparecida que somos confrontados com a impiedade do tem- po que, sem nos dar tréguas, vai distorcendo e destruindo o que da vida foi guardado. Mas o A Palavra Arquivada é o álbum número seis da que dantes era riscado é agora cortado, retira- série O Que Ficou Do Que Foi criada por Carla do, fazendo com que o vazio atravesse o papel, Cabanas (Lisboa, 1979). Desde o passado recen- atribuindo-lhe uma nova tridimensionalidade. A te de 2010, a imprecisão da memória e a inevi- pequena sala do Arquivo Fotográfico está cheia tabilidade do tempo são aspectos fundamentais de memórias, mas termina aí a diversidade: as no trabalho que a artista tem vindo a desenvolver várias peças são todas diferentes, mas sem- na forma de colecção de imagens. Em 2013, os pre a mesma. É à média luz que os mostruários conjuntos de fotografias deram lugar a conjunto parecem também funcionar como caixas-fortes, de postais e é agora, na sua mais recente expo- protegendo da contínua ruína a beleza das sição patente no Arquivo Fotográfico Municipal delicadas peças que lembram, sozinhas, algo de Lisboa, até 14 de Março de 2015, que a inter- frágil e susceptível. Mas a susceptibilidade vai venção manual deixa de o ser, aperfeiçoando a para lá da forma destes objectos tornados ima- sua precisão com a introdução do automatismo culados. É nos postais escritos, meio de comu- do recorte a laser. nicação também ele perdido no passar dos dias, que vamos aqui procurando o que ficou do que Recordações com um século de idade fechadas foi. Uma cidade de partida, outra de destino. em pequenas vitrines, proibidas de repente ao Uma data, talvez. De um lado texto apagado, do total esquecimento, paradas no tempo que as outro imagem cravada com a memória do texto foi consumindo. Os postais provenientes da co- apagado e, a seus pés, os vestígios do que dali lecção pessoal da artista e do acervo do Arquivo foi eliminado com um recorte cirúrgico só conse- Municipal de Lisboa, datados do início do sécu- guido à maquina. O que se perdeu de orgânico lo vinte, são testemunhos de um passado quase no trabalho da artista, ganhou-se em pormenor, esquecido de pessoas que não sabemos quem mas se há coisa que não faz parte do universo da são. Uma e depois outra e depois outra. Com a memória é a precisão. O mesmo tempo que nos curadoria de Sofia Castro, este caminho de vitri- consome e faz morrer, transforma o que guarda- nes iluminadas, montras de histórias das quais já mos em recordação, em pequenos pedaços de há um muito que não se sabe mais contar, apre- uma trama que deixamos de saber de cor. Não senta-nos uma continuação do que tem vindo a escolhemos lembrar, não escolhemos esquecer. orientar o percurso artístico de Carla Cabanas: a A definição perde-se, a lembrança torna-se tur- perda da memória e a passagem do tempo pelos va, o que era um todo fica a ser em bocados. É documentos e imagens. Ao longo desta sua série a distância temporal que nos afasta daquilo que mais significante, onde a artista tem vindo a inter- já não é e tudo possui em si mesmo a fatalidade

325 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS condena éinevitável. lação dequeatransformação aqueotemponos volvimento, estasérienãofalhoununcanareve - destruição dajáexistente. Emconstantedesen- plorar acriaçãodeoutras dimensõesatravés da em construçãodeCarla Cabanas temvindoaex partir deleseaolongodosúltimosanos, aobra que sabemosserefémero: anossarealidade. A antes, simbolizamatentativa detornar imortal o Os postaisdeagora, talcomoasfotografias de mada numahistóriasem. julgou serpara sempre equefoiassimtransfor uma, desaparecendo dasuperfíciequeoutrora de quemnãoconhecemos, vãocaindo, umapor palavras quecontamasvidasquaseesquecidas nesta sexta vezdeOQueFicou DoQueFoi, as que o tempo apaga sem pedir permissão. Mas esquecido sobre oqueficou, damesmaforma mido, delinhasnãodireitas, anunciavaoquefoi ser precisa, nãoera exacta. Otraço cruedeste- de Carla Cabanas era manual. Nãodeixandode ser mais. Nosálbuns anteriores, aintervenção pre noquefoi, oquefoipassará sempre anão de vir a não ser: o que é transformar-se-á sem- << - - máquina emquestão. profissão efotógrafo porpaixão, criadores da formação, e José Domingos, argumentista de relação entre MagdaFernandes, fotógrafa de ca, ouseja, pinhole, eatravés delaécaptadaa rência tosca” éumacâmara artesanal estenopei- A Tosca “pela máquina em si, que tem uma apa- vos primitivos”, pelafotografia queproduzem. Os seusfundadores auto-intitulam-secomo“no- fugir aocircuito cerimonialdasgaleriasdearte. se realizam exposições comartistas quedesejam lha deconhecimentosacerca dafotografia, onde mingos, éumespaçodeaprendizagem eparti- 2008 pelamãodeMagdaFernandes e José Do- O ateliê Imagerie–Casa deImagens , fundadoem do humanismo, hátrintaanos. uma só, sempre numaperspectivavanguardista Criação, a Animação eaIntervençãosetornam O Chapitô é uma instituição onde a Formação, a 14 deFevereiro de2015. domingo, das22:00horas às2:00horas, até dia da TOSCArios , estará patente deterça-feira a Imagerie –Casa deImagens , intituladaOsDiá- inauguração da exposição estenopeica do ateliê tô doChapitô, pelas22:00horas, tevelugara No passado dia 14 de Janeiro de 2015, no Bar Exposição «OsDiáriosdaTOSCA» 14 Janeiro 2015–14Fevereiro 2015 Imagerie –Casade por CatarinaPinto Bartô doChapitô Imagens - A exposição fotográfica conta com dez ima- realidade resulta pois o ambiente torna-se inti- gens narrativas analógicas a preto e branco, mista, descontraído e acolhedor. feitas especificamente para a sua realização, que curiosamente foram das primeiras ima- Contudo, alguns aspectos poderiam ser me- gens produzidas com a câmara estenopeica. lhorados, como por exemplo a distribuição Estas imagens produzidas por Magda Fernandes do Bartô, as mesas e as cadeiras poderiam ser e José Domingos resultam da colagem de três a retiradas, dando aos espectadores a liberda- cinco imagens 12 x 12, ou seja, os autores foto- de de se aproximarem mais das imagens, ha- grafam inúmeras vezes a mesma coisa embora vendo também mais espaço para circular, o cada imagem seja distinta, revelando diversos que facilitaria a observação das fotografias. enquadramentos, profundidades de campo e Em breve irá ser publicado o nº1 da TOSCAzine, planos fotográficos de quadrado para quadra- onde muito provavelmente será possível visuali- do; após são revelados os negativos e cada zar as imagens apresentadas nesta exposição Os imagem é impressa sendo cortados os elemen- Diários da TOSCA. tos necessários de forma a conceber uma única imagem, criando uma espécie de puzzle que dá A TOSCAzine é uma pequena auto-publicação por um lado uma sensação de quietude e por com projectos fotográficos dos autores e de con- outro uma sensação de desordem; posterior- vidados que tenham em sua posse uma máquina mente as imagens finalizadas são colocadas em estenopeica Tosca e que produzam fotografia pi- suporte de cartão prensado. Este suporte pode- nhole ou que estejam dispostos a produzi-la. Curio- ria ser melhorado, talvez em K-Line de três milí- samente a máquina estenopeica Tosca foi criada metros, o que leva os próprios autores a afirma- pelo casal e pode até ser-lhes encomendada por rem que realmente a montagem da exposição apenas vinte euros com direito a um pequeno li- Os Diários da Tosca foi feita com alguma rapidez. vro de instruções também criado pelos autores. Estas imagens, relativamente ao seu proces- Conclusivamente, Os Diários da TOSCA é uma ex- so fotográfico, remontam à fotografia pro- posição agradável onde se denota a paixão pela duzida pelo fotógrafo e pintor inglês David fotografia, partilhada por Magda Fernandes e Hockney e à fotografia criada pelo fotógrafo José Domingos, recomendada a todos os aman- americano Duane Michaels, não só pelos te- tes não só de fotografia mas também de arte. mas apresentados mas também pelo preto e branco constituído por várias tonalidades. Nas imagens apresentadas, o casal dá a co- nhecer a sua rotina quotidiana, pormeno- res do seu lar em Campo de Ourique e até o seu animal de estimação; de certa forma pode até declarar-se que o conjunto de ima- gens exibidas forma um álbum de família. Denota-se que a apresentação pensada para esta exposição não foi realmente cuidada, em- bora talvez tenha sido esse o intuito a transmi- tir ao espectador, de forma a não se tornar num espaço demasiado formal e intimidador, sendo que as imagens são bastante pessoais; o que na

327 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS da cultura urbana. Tem vindo a estabelecer várias arte contemporânea ligadaàsnovaslinguagens A galeriaUnderdogs é umaplataforma cultural de trabalho doartista fora das quatro paredes. peça que integra aexposição, demonstrando o exterior, naruadeManica3, OlivaisSul, Lisboa, peças expostas, também, foirealizada umaobra trabalhadas embaixo ealtorelevo. Para alémdas ras sãoummistodeescultura emmadeira (MDF) escultura, apintura einstalações, mesmoaspintu- deste artista destreet art. Ostrabalhos vãodesde a venda, masapartilha comopúblicodotrabalho cas, emesmosendonumagaleria, ointuitonãoé A exposição écompostaporoitopeçasautênti- lidade, maiscontemporânea dacidadeurbana. populistas evernaculares, emjunçãocomarea- gens que parte a sua temática, ligada às tradições epicentro dograffiti bairro operário, Cambuci, que nos anos 90foi o conhecida pela sua arte urbana, e cresceu num tura do na zonadoepicentro da América doSulnacul- ta deapenas29anosquejáédosmaisprolíferos à linguagemdacultura urbana. Éumjovemartis- Finok éumartista dearte contemporânea ligado a 28deFevereiro de2015. na galeria Underdogs, patente de 30 de Janeiro artista contemporâneo Finok (Raphael Sogarra), “Enterro doGalo”éumaexposição individualdo << Exposição «EnterrodoGalo» por MargaridaBarros graffiti. Vive em São Paulo, cidade que é 30 Janeiro –28Fevereiro 2015 Galeria Underdogs Finok sul-americano. Édassuasori- característica deSãoPaulo. Seobservarmoso diversas eexpressivas. A suafiguração émuito va, naobra deFinok, sãoasmáscaras eascaras Um elementodegrande predominância figurati- como formadediversãoe, até, competição. serem lançados, principalmenteporcrianças, topo dosprédios deSãoPaulo, ondeécostume ou papagaiosdepapel, quenostransfere para o peça muitochamativa, umainstalaçãodepipas, Contudo, aofundo dasalaecentrada, estáoutra criam umgrande destaquedasoutras obras. lar. As suascores vivaseailuminaçãointerior pontos dasala, comumaestrutura quadrangu- de grandes dimensões, colocadosemquatro devido a sercomposta por quatro elementos, à exposição, sendoaobra quemaissedestaca várias celebrações. Estapeçadáasboasvindas no Porto, prática tambémrealizada noBrasil em tos Populares, maisprecisamente noSão João lançados nasfestividadesportuguesas dosSan- quente, obra semtítulo. Representam osbalões da pelapeçacompostaporquatro balõesdear mas tambémportuguesa. Estaligaçãoéreflecti - cia sincrética. Rituaisnãosódeorigembrasileira espiritual, religiosa epopulardegrande influên- ca, estárelacionada comrituaisdecrença deraiz O temadaexposição, comoopróprio nomeindi- mundo daarte contemporânea. do mundodastreet art, entre outros ligadosao e alternativo, comváriaspresenças deindivíduos ração daexposição foide umambienteinformal linguagem dastreet art. Conseguinte, ainaugu- sições individuaisecolectivas, sempre dentro da ria informal e, até, alternativa, que alberga expo - mazém nazonadoBraço dePrata, Lisboa. Égale- diversos artistas convidados, encontra-se num ar cidade comosmúltiplostrabalhos realizados por A galeriafísica, porque agaleriaestende-sepela por locaisdeexposição epelacidadedeLisboa. objectivo daproliferação daarte urbana, tanto relações entre artistas eagentesculturais, como - trabalho dos artistas Os Gémeos ou de Crânio, Outra peça de destaque na exposição é uma es- ambos de São Paulo, onde no seu trabalho, tam- cultura de madeira pendurada na parede, intitu- bém, predomina a figuração num estilo ilustrati- lada “Erro”. A obra não se resume apenas à peça vo, quase que caricatural. Mas não é só na figu- física, é acompanhada de velas brancas acesas ração que existem semelhantes que marcam a no chão, que lhe atribuí uma conotação de culto. imagética da arte urbana paulista, a cor é também A peça é um tridente, que nas suas extremidades uma característica muito vincada nestes três artis- contem outros elementos, compostos por: três tas. A cor é para além de uma característica uma máscaras em forma de gota, outro tridente em tradição dentro da comunidade writer paulista, posição inversa, uma âncora e um elemento tribal. em que cada individuo escolhe uma cor para o Esta peça invoca a rituais de culto pagão, caracte- seu trabalho de rua. No trabalho de Os Gémios rística comum na sua obra, com provável nature- a cor predominante é o amarelo, em Crânio é o za sincrética. O facto de a obra se intitular “Erro” azul e em Finok é o verde. A cor verde tem acom- dá origem a uma múltipla interpretação, que nos panhado sempre o trabalho deste artista, tanto leva a reflectir sobre o acto de culto/adoração e na rua como no estúdio, mas é no estúdio que os “erros” cometidos em nome do mesmo. expande sua paleta para as mais variadas cores, mas sempre sem esquecer a influência do verde Plasticamente é um artista bastante diversificado nas outras cores. Daí a outra cor mais utlizada em trabalhando a madeira, têxteis, pintura acrílica e quase toda a obra de Finok ser o vermelho, cor em aerossol. Mesmo se não tivéssemos conhe- complementar do verde. Assim, quase toda a sua cimento da sua ligação ao graffiti/street art esta obra é composta, predominantemente, por estas é bastante notório em, quase, toda a sua obra duas cores nas suas variadas nuance. devido à utilização de aerossol ou spray, comum na prática da arte urbana. Toda a sua técnica A peça “O Egoísta” dá imagem ao panfleto infor- de pintura remete para a cultura graffiti, com o mativo da exposição, panfleto que pode ser qua- uso do stencil, cores solidas, sombras marcadas se como um print que podemos emoldurar, de- e quase que padronizadas, onde é possível ver vido à sua alta qualidade de imagem. A imagem a sobreposição solida da tinta como que se de não esta reproduzida na sua totalidade sendo uma peça de arte urbana se trata-se. um pormenor central da peça. A figura central é um homem a pescar um peixe, mas é um homem A exposição é pequena e simples, contudo de- hibrido de peixe, sendo a sua parte inferior do monstra eficazmente a obra deste jovem artista corpo uma cauda de peixe, igual à do peixe que em início de carreira. A plataforma Underdogs pesca. No cimo da peça observamos, como que, consegue, assim, mostrar ao público as poten- uma moldura de madeira com a palavra “contra” cialidades que estes novos artistas e a cultura ur- gravada. A junção da palavra gravada, da figura- bana podem trazer à arte contemporânea, uma ção e do nome da obra, cria como que um para- vertente artística inicialmente marginalizada e doxo. Isto porque, um homem-peixe que pesca agora institucionalmente musealizada. um peixe é como se estivesse a pescar a ele mes- mo, concebendo um dilema ético que é reforça- do com as duas palavras: “egoísta” e “contra”. As relações entre os três elementos podem levar às mais variadas interpretações, fazendo com que a sua própria interpretação seja um paradoxo.

329 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS pela Fundação doEstadoNovo, seguido pelo fase deindustrializaçãoemudança, passando tram umavisãocruaeríspidadeumBrasil em deficiências técnicas. Asimagens expostas mos- no entantototalmentedesprovidas degrão ou nes dafotografia analógica, queseencontram gens apresentam-se puramente ligadasaosge- resina, e morre em1990. Sãoartistas cujasima- Medeiros, nasce em1921nomunicípiode Te- brasileiro e aquele que parte mais cedo, José Chemnitz, na Alemanha. Por último, ofotografo vivência, tendonascidoem1923, nacidadede único dostrês queaindaseencontra emplena XIX, noanode2011, em SãoPaulo. Hanséo em 1924e acaba por desaparecer já no século neiro. Thomaz, ohúngaro deBudapeste, nasce 1910 emParis efaleceem1996noRiode Ja- o maislongevodosseuscamaradas, nasceem partem rumoaoBrasil comtenra idade. Marcel, Três sãoestrangeiros, quenascemnaEuropa e so elinhasabsolutamentedefinidascortantes. com assuasimagensdeumclaro-escuro inten- são osquatro fotógrafos queinvademoespaço Gautherot, Thomaz Farkas eHans Gunter Flieg Arte Contemporânea. José Medeiros, Marcel e oPrograma GulbenkianPróximo Futuro, de Rio de Janeiro, oStaatliche MuseenzuBerlin, da parceria entre oInstitutoMoreira Salles, no 1964), éumaexposição temporária, resultado Modernidades: Fotografia Brasileira (1940- << Modernidades: FotografiaModernidades: Brasileira (1940-1964) Galeria deExposições Temporárias Fundação Calouste Gulbenkian Edifício Sede-Piso -1, Lisboa 21 Fevereiro– 19 Abril 2015 por LaraNeto que sevêmde seguida. visual que se devia evitar, devido às fotografias mais lentaefazendocomque hajaumcansaço acentuado, oquedificulta a leitura, tornando-a os caracteres têm umespaçamentodemasiado lhida sãoaindaoutros pontosfracos, sendoque luz mais fraca. O tipo e a robustez da letra esco- igualmente porseencontrar nadireção deuma estar deformaclara aoalcancedoolhar, mas despercebidos aquemalientra, nãosópor elementos valorosos quepraticamente passam nica queseencontra noiníciodaexposição, são cia decor, otexto deapresentação eafichatéc- do em redor. Para além do propósito da ausên- que se contrastam com oambiente proporciona- das sombras edasformasmarcadamente negras sas emgelatina deprata, graças àrepresentação que oolharapenassedirijaàsimagensimpres - cada fotografia -manipulamavisão, obrigandoa quenos holofotescolocadosnotecto–umpara obras. As cores neutras, emconjuntocomos pe- te preparada para uma leitura mais facilitada das protegidas. Toda asalaestá, portanto, nitidamen - fazendo comquetodasestejamdevidamente precisa, deacordo comoformato dasimagens, moldura interiordecorbranca, cortada deforma pelos vidros Anti-Reflexo eaindaumasegunda ção maisaproximada. Esteaspectoéreforçado ma, sem que a moldura distraia uma observa- a obra, masdirecionando oolharpara ames- quadradas, tendocomoescoponãosóindicar a corcastanhaamenadasmolduras, todaselas desguarnecido de cores quentes, exceptuando paralelepipédica. Éumespaçointeiramente às densas divisórias colocadas no meio da sala branco, desdeasparedes querodeiam asobras, área setornegélidaepesada. Todo oespaçoé acinzentado, fazendo maquinalmente com que a direcionar para otectobaixo, debetãoescuro e um quaselabirinto, quesedesfazapósoolhar militar de1964. Oespaçoenvolventefazlembrar cessão degolpesEstado, acabandonogolpe inicio daSegundaGuerra Mundial, até aumasu- Ao todo são cento e dez imagens, sem contar de Marcel Gautherot, mais uma vez mira-se um com os quatro retratos dos autores, cada um co- retrato em que o autor está com a sua máquina locado de forma cuidada no começo das suas de ofício, como se estivesse a fotografar o ob- representações naturalistas ou citadinas. As fo- servador do lado de fora, tendo as suas imagens tografias estão, portanto, divididas por autor e como fundo. Assim como em José Medeiros, as igualmente separadas por temas. Os autores fotografias encontram-se divididas por quatro encontram-se ainda distribuídos ao longo da secções, ocupando duas metades de parede e exposição, estranhamente, pelo seu óbito e não uma em absoluto. Começam por seis, e de fren- nascimento, juntamente com os diferentes estilos te residem doze, em seguida observam-se mais fotográficos: José Medeiros, o fotojornalista da seis e na fachada da frente estão oito, fazendo classe superior e da classe operária; Marcel Gau- um todo de cinquenta, mais uma vez completa- therot, claramente interessado na beleza da flo- mente desfasadas das secções anteriores. Por resta amazónica, nos populares e nas suas festas fim, a obra de Hans Gunter Flieg, é repartida e no quotidiano dos mais desfavorecidos; Tho- em duas ramificações, sendo que de um lado maz Farkas, um apaixonado pelas formas, não só encontram-se nove fotografias e de frente estão de prédios, como também de pessoas; e Hans doze que se subdividem em nove e três, fazendo Gunter Flieg, o fotografo da precisão técnica, um todo de vinte e uma fotografias. Por conse- com imagens industriais, teatrais e misteriosas. guinte, entende-se a intenção dos curadores, Sa- muel Tintan Jr, Ludger Derenthal e António Pinto O circuito tem então início em José Medeiros, Ribeiro, de posicionar as fotografias consoante figurado pelo seu retrato, sentado a beber um a quantidade relativa a cada autor, mas não se chá. Estão representadas trinta e duas fotogra- compreende a configuração separada que as fias deste autor, separadas por quatro paredes, imagens mostram, o porquê de ora estarem seis, sendo que primeiro são visíveis dez, do outro ora estarem doze, acabando por não haver um lado da taipa estão seis, de frente encontram-se fio condutor entre todas, considerando que há mais dez, e na retaguarda apresentam-se ainda que ter em atenção o facto de ser uma exposição seis, criando portanto um segmento duplo de colectiva e não individual. imagens de dez por seis. Thomaz Farkas é o pró- ximo nome da lista, retratado com a sua máqui- Segundo textos, as fotografias apresentadas na na fotográfica na mão. É visível um desfasamento exibição, na sua maioria, são de uma grande de imagens comparativamente ao autor anterior, variedade estilística e de um registo documen- sendo que agora são apenas representadas se- tal valioso sobre um país vasto e contraditório. tenta e duas, mais uma vez fragmentadas em dez Destaca-se a imagem “Gavéa, Rio de Janeiro” de por seis, mas com a particularidade de na pa- 1952, do autor José Medeiros, uma fotografia rede de fronte das seis imagens, estarem nove. que representa um dos bairros nobres da classe Não se entende o porquê deste corte face à es- alta da capital, que mostra a praia de Copaca- trutura inicial, e os mais atentos questionam-se bana com o morro dos dois irmãos como fundo. sobre o motivo, sendo que não existe qualquer Entre eles, estão dois carros, estacionados jun- folha de sala que possa eventualmente ter a res- to à berma, com um homem que surge proxi- posta que se requer, e o catálogo da exposição mamente unido ao parapeito, tornando-a uma não tem qualquer informação relativamente à imagem desprovida de qualquer elemento mais quantidade desajustada ou ao posicionamento simples e modesto. Thomaz Farkas por sua vez, das fotografias expostas. Observa-se a fotografia apresenta uma imagem em particular que nada

331 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS só olhar sem perceber, interessa sim intencionar projetada merecia outra atenção. Nãointeressa exposição, sendoqueaformacomosala está tro elementoimprescindível faceaopadrão da tender as fotografias de outra perspetiva, é ou- que opúblicopossautilizar para apreciar een- imperceptíveis. A faltadeumsuporte baixo para linha detrabalho comimagens de carácter visual ficiências, nãofazqualquersentidocortar essa a intençãoédocumentarumpaísplenode- fracas emtermosdefotojornalismo, vistoquese gens decarácter documentalforte, masoutras cinquenta e sessenta. Destacam-se várias ima- tratam oBrasil vanguardista dosanosquarenta, mam oconjuntodefotografias quemelhor re- leitura visual. Noentanto, comoumtodo, for que nãosenotadiferença relativamente auma e porvezesalgumasaté podemserexcluídas mente ligadas, quersejaemestilooutema interesse históricomasnão seencontram direta - Todas asimagens daexposição sãodeextremo visivelmente maiscuidado. Paulo com adata de 1960, mostrando um registo inigualável paralelismo, deumafábricaemSão das fábricasindustriais, comafotografia deum sua vezéoúnicoquedestacaarealidade dentro frega dosmaisdesvalidos. HansGunterLiegpor uma imagemquemostra nitidamenteavidasô- em quepuxamacorda da rede para fora domar, -se juntoàpraia vinteesetejovensnomomento aos diasdehojeemSalvadordaBahia. Avistam- do Xáreu” de1940, umritualqueseprolonga até Gautherot, destaca-seumaimagemda“Pesca a ideiaquevaideregresso decasa. EmMarcel cleta juntoàlinhadecaminhos-de-ferro, dando de cima, umhomempaira aoladodasuabici- fias domestre Henri Cartier-Bresson. Numavista co, quefazemlembrar asassombrosas fotogra- de sombras eperspectivas numtommaisartísti- 1950-1960 faz parte de um conjunto de imagens ando oregisto monocromático. “SãoPaulo” de tem avercom“Gavéa, Riode Janeiro”, excetu- << - e cosmopolita. resse pelavidadeumBrasil vibrante, mundano de alcançarumpúblicogeral comespecialinte- país daépocadeGetúlio Vargas, comfinalidade modernização dasprincipaiscidadesezonasdo chida defotografias que questionamocicloda 1964), pretende assimseruma exposição preen- gem. Modernidades:Fotografia Brasileira (1940- uma relação maisintimadopúblicocomaima- Do Desenho e do Ordenar pontuado, aqui e ali, de aguadas de cinzentos, de subtis pormenores de cor, ou de zonas vin- do Tempo: Catarina Patrício cadamente definidas (até violentamente corta- e Emília Nadal na das) por recurso a um exacerbar da técnica do claro-escuro. Galeria São Mamede «Em cada desenho uma série de linhas se Catarina Patrício cruzam, criando uma efabulação permanente. Exposição «Two days before the O método que preside a estes efeitos é day after tomorrow» difícil de apreender. O interesse de Catarina Patrício pelo cinema ressalta do cinematismo SÃO MAMEDE – Galeria de arte contido, prestes a explodir em cada uma das 26 Maio 15 – 23 Junho 15 imagens, quase todas “desviadas” de filmes cuidadosamente escolhidos, de cineastas Emília Nadal como Kubrick, Dreyer, Tarkovsky, Muybridge que surge insistentemente nesta série.» (José Exposição «O Tempo e a Forma» Bragança de Miranda, “A Linha da Terra” in O Resto e o Gesto: Desenhos para o Século XXI, SÃO MAMEDE – Galeria de arte Fundação Côa Parque, 2014) 26 Maio 15 – 23 Junho 15 Os desenhos de Catarina Patrício partem quase por Claudia Simenta Rodrigues sempre de uma imagética cinematográfica que nos é reconhecível, que nos é familiar. Contudo, o processo de execução que utiliza remete-nos, No espaço de traça pombalina da galeria de segundo José Bragança de Miranda, autor do São Mamede, em Lisboa, dá-se o encontro for- texto da exposição, para a técnica do cut-up tuito do desenhar de duas artistas. Emília Nadal de Burroughs e Gysin, através da qual ela cria e Catarina Patrício apresentam-nos as suas pro- uma nova narrativa (a sua) a partir dos estilha- postas cujas fundações assentam em diferentes ços daquela que lhe deu origem. Ela fragmenta, conceitos de tempo e da passagem deste. Fa- destrói, quebrando as linhas de associação que lam-nos de um tempo por vezes lento, por ve- ligam os momentos temporais da narrativa ori- zes acelerado; de um tempo vivido ou simples- ginal, para a seguir proceder ao acoplamento mente intuído; de um tempo que se prolonga de uma nova imagética, de uma nova simbolo- ou que se perde. Falam-nos do ritmo do tempo, gia, desenhando uma linha (outra) de associa- do ritmo do mundo. ção na reconstrução de uma nova narrativa.

Catarina Patrício apresenta-nos desenhos de «De facto, cortar as linhas de associação grande formato de uma figuração por vezes que criam as estórias repetitivas e tristes hiper-realista, por vezes apenas esboçada; ora que caraterizam história, implica antes de constituída a partir de um registo de grande mais revelar a própria linha, dar conta da expressividade gestual, ora a partir de uma ex- sua necessidade. Mais ainda, é evidente que trema contenção e economia de meios. A gra- desde que se trace algo, que se junte seja o fite é o material dominante, sendo o desenho que for, se recompõe a linha, ou se descobre

333 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS tivas, e a tecnologia militar (a guerra), enquanto enquanto (a guerra), militar e a tecnologia tivas, cinema, enquanto delineador/criador de narra o expressão, de forma enquanto aarte, vem multidirecionaisas que contaminações envol Interessam-lhe Humanidade. ena Homem no te des eoimpacto global tecnológico volvimento relacionada com o desen encontra-se Patrício Catarina de trabalho do premissas das Outra ocorrem, contudo, em espacialidades diferentes. que na acontecendo mesma temporalidade, numa de simultaneidade eventos desdobra-se reflete-se, sobre si mesmo,dobra-se inverte-se, vel de ou ser distendido comprimido; o tempo passí moldável, maleável, de algo é igualmente otempo Patrício Catarina de obras nas forma, ma mes Da otempo. trabalhar permitir por tempo, maleabilidademente ao por conferir uma certa da de realidade, registo instrumento precisa obra, fiabilidade da pouca dovídeo, enquanto sua da apropósito fala-nos, Viola Bill narrativas. suas as constrói Patrício Catarina que tempo do revista à entrevista em Virilio Paul referiu conforme tempo» do «Tudo ordenamento no joga se 2014) Parque, Côa Fundação XXI, Século Terra” “A da Linha Miranda, de […]» Bragança (José inexoravelmente. trabalho, ao está alinha que <<

in Cahiers du Cinéma Cahiers O Resto e o Gesto: Desenhos para o para Desenhos eoGesto: OResto e é nesse reordenar reordenar eénesse Desenho atintas/tela, 23x80cm, 2010 Calendário (junho) ------tempo de reflexão, decontemplação. um respirar propondo-nos Nadal permite-nos daacelerado denominada modernidade, Emília longe da da loucura urbanidade e do tempo Longe da da velocidade máquina, tecnológica éoutro. Nadal Emília de otempo Patrício, na Diferentemente do que acontece com Catari desejada tão liberdade?nossa a Fica questão… da arazão serão contrário, pelo se, ou escravidão moderna nossa da arazão máquinas as serão se délivrance? ta com a Et questão: pela artista, confrontados, somos exposição na patentes obras das Numa escravos. de trabalho “manualidades”as denominadas – foi outrora do homem” – comoconsideramos “libertador hoje que o trabalho que pensarmos se máquina da libertação pela precisamente passar trário, do homem pelo poderá, con don, a libertação Contudo, e de acordo com a de visão Simon escalas. suas as todas em geográfico espaço de anulação da do corporalidade, de alteração logia enquanto do forma de corpo, supressão tecno da a utilização Virilio, Paul para como é, assim preocupações grandes suas das Uma cinema. e do dopotenciadora desenvolvimento da arte A pergunta leva-nos a Asobre leva-nos refletir pergunta - - - - Na exposição “O Tempo e a Forma” apresen- ta-nos desenhos-calendário, metamorfoses do natural que decorrem num tempo próprio da Natureza, um tempo do qual nos encontramos privados pela velocidade que nós mesmos im- primimos à nossa vida.

Emília Nadal já não se rege por esse andar (ou correr?) do tempo. O seu tempo, hoje, é o da contemplação, da observação, do ver. José- -Augusto França, no texto que redigiu para a Como deixei de me apoquentar e adorei a bomba #2 exposição fala-nos, a propósito do desenhar Grafite e tinta s/ papel, 92 x 150 cm, 2012 de outro artista, que este «andava cansado da imaginação e apetecia-lhe uma humildade que não tinha». E, de facto, é situação que mui- e entendida, que ao artista humildemente to bem se aplica aqui. A ironia social de outros apetece, sem dar satisfações a quem de coisas tempos deu lugar à poética da sinceridade e da mais vistosas, de brochas largas ou formas paz de espírito, do virtuosismo do saber fazer encarrapitadas» e, tratando-se Emília Nadal que se verte para representações da Natureza e de um muito estimado pilar da nossa Arte Por- de «raminhos floridos», para uma organicidade tuguesa, com contas saldadas, provas dadas e contemplativa, que resulta em reinterpretações objetivos cumpridos, apetece-lhe agora apenas de calendários, estações, metamorfoses, da e só contemplar a Natureza; e eu atrevo-me a passagem do tempo. acrescentar: só, porque sim.

As razões desta mudança de paradigma resi- dem unicamente no pensar da própria Emília Nadal, permanecendo para nós desconheci- das, mas poderemos sempre especular e refe- rir, como Helena Osório no seu artigo sobre a exposição, que tudo isto acontece porque «ba- nhados pelo panorama selvático de um mundo pleno de violência e de injustiças, os artistas repensam o passado, o presente e o que se avizinha, mercê das conclusões que destes se retiram».

Assim, podemos concluir, que caberá agora a outras gerações (como a da Catarina, porven- tura?) a incumbência de reordenar o nosso tempo, de encontrar novas formas de nos rees- truturar enquanto indivíduos, novas formas de “arrumar” a casa. Porque, com diz José-Augus- to França, «assim também vai a poesia, vivida

335 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS te Gulbenkiane noMuseuMachadodeCastro. nal de Arte Contemporânea, naFundação Calous- dação NacionalSoares dosReis, noMuseuNacio - Está representado noMinistériodaCultura, naFun- França, Inglaterra, Japão enosEstadosUnidos. dualmente, em Portugal, naBélgica, Alemanha, sagrados internacionalmente, expondo indivi- derado umdosartistas Portugueses maiscon- artista com mérito reconhecido. Hoje é consi- Nacional deBelas Artes, sendodesde entãoum 1989 com o prémio de pintura daSociedade doado comoprémio Malhoaemaistarde em benkian. Cincoanosapósoregresso égalar Fine Slade Schoolof Art comobolseiro daGul- dres, onde permaneceaté 1970. Admitido pela Em 1968GuilhermeParente rumapara Lon- 50, procuraram formaçãonoestrangeiro. uma geração deartistas quedesdeadécadade gravura na Cooperativa Gravura e fez parte de fluenciou oseutrabalho. Frequentou cursode Nacional deBelas Artes, pessoaquemuitoin- com oMestre Roberto de Araújo, naSociedade O Artista GuilhermeParente estudoupintura (Lisboa, 1940). sição individualdoartista GuilhermeParente porânea, VIA IDEA, queapresentou uma expo - 20 de Junho às18hnaGaleriade Arte Contem- A exposição “Águas Régias” realizou-se nodia << – ÁguasdeTranscendência Exposição «ÁguasRégias» Guilherme Parente Guilherme por RaquelFarelo 20 Junho –15 Julho 2015 Azeitão: Galeria Via Idea -

vela, estatemática nãoémágoadasatlântidas incorporando aondulaçãodabandeira presa na colado: “escantilhão” incorporando napintura ra deumbarco, comumelementotridimensional vessia “, sobre madeira depau-santocomafigu- res nuncaantesnavegados”eumaoutra “a tra- X140 semengradamento comotítulo:“Por ma- Expôs, na VIA IDEA, umatelaenormede2.10 inexistente nestemundodasideiasimaginadas. porque, o tempoéumconceitodesconhecidoe cido aquémdotempo, oupara alémdestemas pintura efora dotempo, nãoporque tenhanas- Lírico comcerteza, pelouniversopoéticodasua França comoum “pintor líricoefora dotempo”. Guilherme Parente foidescritopor Augusto amigos, curiososecríticos. rapidamente oespaçosecompôscomartistas, só começaram achegarporvoltadas19h, mas atempada de muitosaoevento, osconvidados Portugueses nessedia, influenciandoachegada raturas de 34ª, onde a praia foi o local eleito dos de Verão às18h, umSábadoquentecomtempe- A exposição inaugurou navéspera dosolstício co naaquisiçãodasobras. ços, permitindoumamaioramplitudede públi- e materiais. Esubsequentementeavariaçãopre- ras e aguarelas, mostrando assim duas técnicas Parente propôs uma exposição mista, compintu- Após oconvitedaGaleria VIA IDEA, Guilherme fez aponteentre oartista eaGaleria. de de Belas Artes, António Osório de Castro que através doseuvelhoamigoecolegadaSocieda- Guilherme Parente conheceuaGaleria VIA IDEA pinturas esemqualquer vaidadenarcisista. uma pessoamuitoafáveledoce, comoassuas Arte Contemporânea Portuguesa, Guilhermeé Embora sejade certo modouma“estrela”, da perdidas, ou do saudosismo dos Descobrimen- tos que anima, mas a esperança, ou desejo de uma recriação da sua expressão.

O símbolo é usado como uma linguagem com dupla intencionalidade logo necessita de ser in- terpretado, como o barco, símbolo da travessia da vida e da morte. Representa a viagem cum- prida ao longo da vida, ou a travessia que leva a alma para um outro lugar ou relacionar-se à travessia em direção à vida, ao nascimento.

A sua obra revela um entusiasmo intrínseco e na- tural na conceção da viagem da vida, onde atra- "Por onde o tempo não passou." vés das suas pinturas somos transportados para uma outra realidade, doce, terna e suave e por vezes melancólica. que se perpetuam na imaginação do próprio e na sua dimensão criativa. Guilherme Parente usa as cores vivas, vibrantes e puras, existindo sempre uma luz quente e re- Seu professor e Mestre Cid dos Santos, conjun- confortante nas suas telas. Como já o tinha dito tamente com Anthony Gross, reconheceram nele José Augusto França, “Na pintura – pintura de um “artista sensível, dotado de imaginação”. Guilherme Parente, jamais faz mau tempo, por impossibilidade metafisica.” Estamos perante um artista que viaja do sonho para a matéria. Usa o seu lirismo para narrar um Nas aguarelas apresentadas notamos uma leve- mundo simbólico, onde os objetos e figuras, são za do gesto que se construiu desde a sua infân- muito mais que meras representações gráficas. cia, quando habitualmente desenhava figuras de Elas representam signos e mitos que revelam um chapéu-de-chuva que a sua mãe guardou reli- pensamento profundo de Ser. giosamente. Ele é um homem com espirito de criança, por isso não admira que seja um apai- É uma pintura onde o sonho é tornado visível, xonado pela arte das mesmas, capazes de criar onde não existe tempo porque as emoções, afetos livre de modelos. e imaginação não se quantificam, só se sentem.

No próprio trabalho ele usa uma simplicidade se- As suas pinturas comunicam intimamente com melhante à usada por elas, empregando cores in- observador, na medida em cada um constrói a tensas inspiradas por uma viagem ou por um so- sua história, partindo das imagens mais ou menos nho recriando um mundo através da imaginação simplificadas que a composição apresenta mas quando percecionadas de modo invulgar, po- A sua sensibilidade, intuição e devaneio voltado dem ser reveladoras conduzindo a um estado de à infância, convergem num mundo onírico e sim- liberdade, como quando sonhamos acordados … bólico, criando figuras e objetos do fantástico

337 – CONVOCARTE N.º1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS da imortalidade aáguadetranscendência. transformará na“Grande Obra “, obtendooelixir obra deDeuseumdia… umadassuastelasse A pintura Guilherme Parente agradece à vida, à do averdade ecurando-o dosmalesdavida. sua narrativa simbólica e transforma-o, alcançan- sua pintura tambémdissolveoobservadorna de dissolvermetaisnobres) porque comoela, a fere umaanalogiaà, “Água-régia”, (líquidocapaz utilização dafolhadeouro nassuaspinturas con- Rei doMar, poroutro podemospensar quea gadores edescobridores, ondeeramos oPovo reais, àmemóriahistóricadeumPovo denave- por umladotemumareferência direta àságuas O nomequeintitulaaexposição éambíguo, se arte reveladora dofantásticomistériodavida. transformando a matéria comquepintanuma pinta, “cá élá”, sendoumalquimistanoateliê, Inspirado pelo elixir da vida, GuilhermeParente << Actividades Convocarte

Encontros com Críticos de Arte – Homenagem a Rui Mário Gonçalves

Ao longo do mês de Maio de 2015, organizou-se o 1º ciclo de Encontros com Críticos de Arte, decorridas às segundas no Auditório Lagoa Henri- ques da FBAUL. Sucedidas no âmbi- to do Mestrado de Crítica, Curado- ria e Teorias de Arte, e de linhas de trabalho do CIEBA-secção Francisco d’Holanda, o evento teve o envolvi- mento da revista Convocarte, a par- tir da sua proximidade com linhas de investigação sobre a historiografia, a crítica e a teoria estética em Portu- gal, cujos contributos são patentes na segunda pasta de ensaios desta edição. O evento pretende deixar alguns contributos que compensem a carência de estudos relativos aos discursos sobre arte em Portugal, sobretudo no caso da crítica de arte. Sendo um trabalho da Área de Ciên- cias da Arte e do Património, teve a organização dos Professores Cristi- na Tavares e Fernando Rosa Dias.

Este ano, os encontros fizeram uma homenagem a Rui Mário Gonçalves, um dos mais destacados críticos de arte portuguesa da segunda metade do sé- culo XX, que nos abandonara cerca de um ano antes, em Maio de 2014. Para os próximos encontros prepara-se uma sessão especial mais alargada sobre Rui Mário Gonçalves, abordando a sua importância em diferentes facetas,

339 – CONVOCARTE N.º1 | ACTIVIDADES CONVOCARTE << Encontros comCríticosde Arte –sessãocomo Professor José-Augusto França, 4Maio2015. [Da esquerda para adireita: Cristina Tavares, José Augusto França eFernando Rosa Dias] da arte emPortugal, tendofeito aprimeira grande sistematização da histó- desde adécadade1940, éumafigura incontornáveldacríticaehistória percurso dacríticadearte em Portugal. José-Augusto França, actuante Os convidadosabarcavam assim, geracionalmente, umtempovastode As sessõesdecorreram comosseguintesconvidados: preocupação estrutural, maisoumenospelamesmaordem: Apesar dodesenvolvimentolivre, assessõesdecorreram comaseguinte • SílviaChicó –25Maio2015 • José-Luís Porfírio –18Maio2015 • Sandra Vieira Jürgens – 11Maio2015 • José-Augusto França –4Maio2015 testemunhos pessoasrelativos aRui MárioGonçalves. • Nocasodesteanode2015, houveaindaapreocupação deapresentar tributo pessoal, sejaalgumposicionamentopessoal. periência dacuradoria, dahistóriaoudasteoriasarte, sejaalgumcon- • Emtodosestesparâmetros relações comaex interessaram possíveis • Discutira situaçãoactualdaactividadedecríticoarte. dade decríticoarte. • Tentar problematizar, definir e apartir da experiência pessoal, aactivi- crítico dearte. ememóriaspessoaisdaactividadede • Umadirecção sobre histórias por vezesdesenvolvidapelopróprio. • Umabreve apresentação biográfica inicialdecadacríticoconvidado, deradores ecomosinteressados presentes. senvolvidos emtomdeconversacomosmo- aula, mascomodepoimentospessoais, de- mente comoumaconferência nemcomoum 2 horas, assessõesdecorreram nãopropria- locados emdebate ereflexão. Com cerca de a teoriaehistóriadaarte, foram aspectosco- tica curatorial, ouassuascontribuiçõespara de arte, talcomoassuasrelações comaprá- Os problemas actuaisdo exercício dacrítica ou curador. tais como crítico de arte, historiador de arte - ria de Arte Portuguesa da Era Contemporânea, e tendo também sido parte essencial dela. A cumplicidade com Rui Mário Gonçalves, os esforços de profissionalização da crítica de arte, com a reforma da secção Portuguesa da AICA em finais dos anos 60, tal como reflexões sobre o que é a activi- dade, foram alguns dos motes da sua intervenção. José Luís Porfírio, com carreira no âmbito museográfico, tendo sido director durante vários anos do Museu de Arte Antiga, apresentou o seu diálogo com a prática crítica, que tem exercido regularmente desde os anos 60, transportando essa ex- periência de décadas, desde tempos dinâmicos da actividade até à sua derrisão actual. Sandra Vieira Jürgens, representando gerações mais re- centes, apresentou envolvimentos da crítica com a curadoria e o uso de plataformas digitais para as quais se tem deslocado a crítica de arte, abrin- do espaços de discussão sobre a actividade nestes novos suportes de que precursora. Sílvia Chicó iniciou a sua apresentação com reflexões sobre a vasta actividade de Rui Mário Gonçalves, tendo numa segunda parte, apresentado o seu percurso pessoal, enquanto crítica, professora e cura- dora, com atenção ao lugar do feminino nestas áreas.

As sessões videogravadas podem ser vistas em:

11 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/1680fq51w7/link_box 18 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/1ojgjnzd3g/link_box 25 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/2khzgjmdri/link_box

341 – CONVOCARTE N.º1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE << Publicação emConvocarte Procedimentos eOrientaçõesde Pares Académicos Exteriores àFBAUL: P do nº1deConvocarte Conselho CientíficoEditorialeParesAcadémicos ares Académicos InternosàFBAUL: Instituto deHistóriada Arte FCSH-UNL. • tamento deDibujo, Faculdad deBellas Artes, UniversidaddeGranada. • de Alcalá. Encargado deinvestigación en Archivo Lafuente. • dependente. Professora Universitária, Investigadora de Arte Contemporânea eCuradora in- da Imagem(UniversidadedeCoimbra eUniversitéParis 1Panthéon-Sorbonne). (FBAUL) epós-doutorada e em História Teoria da Arte Contemporânea e Teoria • ABCA, Professora daUniversidadeFederal doRiode Janeiro. • Convocarte: Arte Pública), Investigador-Coordenador doDossier Temático donº2darevista to Politécnico deLisboa, Doutoramento emCiênciasda Arte (Área Específica: • nador doMestrado emMuseologiaeMuseografia. Investigador doCIEBA, Responsável do2.ºCiclodasCiências da Arte eCoorde- • Head de Arte eCiência, investigadora colaboradora doCIEBA​ trimónio naFBAUL enoPD-FCTAS daFCUL, Investigadora integrada doCFCUL, • Convocarte gador doCIEBA, secçãoFrancisco d’Holanda–Coordenação Geral daRevista • Juan Carlos Ramos Guadix– Artista plástico, Gravador, Profesor Titular, Depar Eduardo Duarte – Prof. Auxiliar de Ciências da Arte e do Património na FBAUL, Raquel HenriquesdaSilva–Professora Associada daFCSH-UNL. Directora do Cristina Azevedo TavaresCristina – Professora Associada de Ciências da Arte e do Pa- Javier Maderuelo–Catedrático deComposición Arquitectónica, Universidad Fernando Rosa Dias–Professor Auxiliar deCiênciasda Arte, FBAUL, Investi- Isabel Nogueira -Doutorada emBelas-Artes, emCiênciase Teorias da Arte José Pedro Regatão – Professor na Escola Superior de Educação do Institu- Angela AncoradaLuz–Historiadora eCríticade Arte, vice-Presidente da «Arte Pública»(convidado): . - O Espírito da Revista Convocarte

A revista é de suporte digital e pretende convocar para discussão especialistas de te- mas das artes, a partir de diferentes formações das artes e humanísticas: historiadores de arte, filósofos da estética, críticos e teóricos da arte, curadores, museólogos, de áreas afins interessadas pelas questões da arte, tais como antropologia, sociologia, psicologia e psicanálise, estudos da linguagem e do signo, etc… ou os próprios artis- tas. O seu princípio é ter um Tema, em torno de questões da arte, que domina cada número e que é o centro de uma Convocação para a reflexão e discussão.

A Convocarte assume o português como língua base, estendendo a recepção de tex- tos a línguas tradicionais no mundo universitário português: espanhol, inglês e fran- cês. O Conselho Científico Editorial trabalhará nessas diferentes línguas sempre que necessário, com envio dos textos de modo ajustado a essas competências. Os textos podem ser enviados escritos em cada uma destas línguas, defendendo-se pluralida- de, mas com a preferência de que cada autor escrevesse e pensasse na sua lingua- gem de formação base. Se a FBAUL é o seu natural centro de edição e convocação, o seu alcance é plural e cosmopolita.

É uma revista com Leitura e Revisão de Pares (peer review), sem chamada de textos (call for papers) mas com base na discussão e sugestão. A principal função é criar um espaço de discussão e publicação de questões múltiplas do mundo (plural) das artes.

Processos Editoriais

O controlo científico e editorial doDossier Temático, que especifica cada número da Convocarte, com colaborações de fundo mais alargadas, funciona a partir de textos solicitados por convites directos aos autores, a partir de uma Coordenação Geral e em consulta do Conselho Científico Editorial constituída para cada número, que coordena cada dossier temático e que constituirá o painel de Revisão de Pares (Peer Review). Neste sentido não será efectuada nenhuma chamada aberta de textos (Call for Papers). Contudo, investigadores interessados poderão apresentar textos à re- vista, com consulta prévia através de curriculum científico e explicitação da questão a abordar, que serão depois apreciados pelo Conselho Científico Científico (cada tema é anunciado no número anterior).

Não há submissão de textos, e é nesse espírito que deve actuar o Conselho Cientí- fico Editorial. A relevância deste método derevisão de pares (com espírito de dis-

343 – CONVOCARTE N.º1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE << bros doConselho CientíficoEditorial. Coordenação poderá, relativamente aumdestestextos, fazerumaconsultaamem - de investigaçãodoCIEBA eàCoordenação Geral. Contudo, emcasosespecíficos, a linhas deinvestigaçãodoCIEBA, cabendo asuarevisão a coordenadores delinhas tam de trabalhos no âmbito de ciclos de formação da FBAUL em articulação com tico, maisalargado ecentral emcadaedição. As restantes pastasdarevista, resul- Os trabalhos doConselho CientíficoEditorialcentram-se apenasnoDossier Temá- minante, muitoanglo-saxónico emaisapropriado àsCiênciasExactase Tecnológicas. de pares maisajustadaàs áreas humanísticaseartísticas relativamente aomodelodo- Com rigorepartilhas científicas, pretendemos encontrar umaplataforma de revisão e distribuirostextos para revisão. autor quetenhaproposta. ÉapenasaCoordenação quetemafunçãodeorganizar nhum elementodoConselho CientíficoEditorialfaz revisão doseutexto oudeum sier Temático, terá quecolocar oseutrabalho tambémemprocesso derevisão. Ne- Qualquer membro do Conselho Científico Editorial que apresente texto para o Dos- em geral. Por isso, arevisão não éduplamente cega, mas apenas para osautores. pretende serumaformaaberta edialoganteentre especialistasdasCiênciasda Arte cussão depares) écriarumespaçodedebate epartilha científicospré-editorial, que tífico Editorial. Cada texto doDossierTemático será apreciado pordoisrevisores doConselho Cien- caracteres). necessárias, em função dos parâmetros anteriores ou outros afins(máximo de1000 3. Sugerirmelhorias dealterações em formadebreve comentário, seconsideradas tros ecritérios: 2. Apreciação detextos/ensaios, através debreve texto comosseguintesparâme- mero correspondente. 1. Sugestãodeinvestigadores especializadosdoDossierpara colaborarem nonú- — Funções doConselho CientíficoEditorial: g) Domíniodeconhecimentosartísticos, históricos, estéticos, efilosóficos. Competência argumentativa ecrítica. f) escrita eargumentação. e) Qualidadecientíficaemetodológicanapesquisainvestigação, talcomona d) Linguagemespecializada, competenteeadequadaaosproblemas emfoco. c) Originalidadedoobjectodainvestigaçãooureflexão. b) A adequaçãodotexto/ensaio aoTema doDossier. Universitária noâmbitodas Artes eHumanidades. a) Ajustamento dotexto/ensaio àpolíticaeditorialdarevista, enquantorevista As propostas são sempre distribuídas por elementos do Conselho Científico Edito- rial que não estão na origem da indigitação dos candidatos ou que não correspon- dam aos próprios.

Sendo um sistema por convite de investigadores especializados, e centrado em su- gestões, o processo de revisão de pares não será feito sobre os abstracts, mas sobre o texto final.

Reserva-se à Coordenação, com base nas apreciações das considerações do Conse- lho Científico Editorial, a recusa de edição de algum dos textos, seja por desajusta- mento ao Tema, ao défice científico ou à recusa em efectuar alterações a partir das sugestões de leitura do Conselho Científico Editorial.

A Coordenação pode consultar o Conselho Científico Editorial, ou alguns dos seus membros, para questões específicas, de dúvida e com carácter de excepção, que surjam ao longo dos trabalhos.

— Formato dos textos candidatos ao Dossier Temático:

1. Texto geral de c.30.000 (ou entre 20.000 e 35.000) caracteres sem espaços. 2. Um resumo (abstract) em inglês ou francês de c.850 caracteres sem espaços. 3. Utilização coerente de princípios universitários de indicação das fontes documen- tais e bibliográficas (o sistema e norma adoptados serão da opção de cada autor, mas o Conselho Científico Editorial pode pronunciar-se sobre a sua adequação e rigor). 4. Relativamente à redacção dos textos em português a Coordenação deixa a cada autor a liberdade e responsabilidade de escolha da utilização o último acordo orto- gráfico ou da anterior ortografia [a actual coordenação geral deConvocarte reserva- -se, apenas para os seus textos, a não seguir o mais recente acordo]. 5. Os textos podem ser apresentados nas seguintes línguas, adequadas à origem e formação dos respectivos autores: português, espanhol, francês ou inglês. 6. Inclusão, até ao máximo de 8 imagens para reprodução ao longo do texto (as ima- gens poderão ser a cores; os processo de autorização e a responsabilidade dos di- reitos de reprodução das imagens são da responsabilidade do autor do texto). As imagens que acompanham os textos devem ser enviadas em pasta própria denomi- nada Imagens-nome autor. Todas as imagens terão de ser de alta qualidade para im- pressão com resolução de 300 dpi e em formato tiff ou jpg. Um documento de texto deverá ser enviado com a descrição das legendas. Os nomes atribuídos às imagens devem ser iguais aos nomes usados na referência de localização no texto que acom- panham e, caso seja necessário, os respectivos créditos. As imagens devem estar por ordem com o nome da imagem antecedendo a respectiva legenda (ex: imagem 1 - legenda da imagem 1 + créditos de imagem 1). À Coordenação Geral reserva-se o direito de excluir as imagens que não cumpram os critérios descritos.

345 – CONVOCARTE N.º1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE << da UniversidadedeLisboa, segundoosseus regulamentos, àqualpertence aFBAUL. e divulgaçãodostrabalhos daConvocarte passam, porinerência, aserpropriedade essa publicaçãoatravés domundouniversitário. Osdireitos específicosdepublicação A e aoCoordenador doDossierTemático . te doseucomentário. A decisãofinaldessas excepções caberá à Coordenação Geral Qualquer outra excepção será apreciada peloConselho CientíficoEditorialefará par Científico Editorial. ção dereprodução deimagensoutrechos queescapemàsupervisãodoConselho autor será responsabilidade porqualqueractodeplágioouindevidaautoriza- 7. Direitos deautor:dentro doabrigodasediçõesdaUniversidadedeLisboa. Cada ria qualitativa dostextos através deumplanointersubjectivofuncionamento. deslocando, etc. A principal intenção da apreciação qualitativa, destaque-se, é a melho- rem necessáriasalterações: revendo, corrigindo, justificando, cortando, acrescentando, parte dosautores. Pretende-se depoisque, perante estasanálisescríticas, estesponde- apreciação qualitativa. Embora sejamsugestões, sublinha-seumasualeitura atenta por chegam àCoordenação Geral e Temática, mantendo-setodasasopçõespessoaisda Os comentáriosdoConselho CientíficoEditorialsãodevolvidosaosautores talcomo 6. Lançamento não de alteraçãoserá do texto). devolvidaaosautores para últimosacertos (já 5. Enviodostextos alterados e/oucorrigidospara apaginação. A paginaçãoainda ções oucorrecções, apartir dassugestõesdoConselho CientíficoEditorial. 4. Recepção dasapreciações daCoordenação ereenvio para osautores para altera- ciação (doispara cadatexto). 3. Enviodostextos aoConselho CientíficoEditorial, comprincípiosegrelha deapre- 2. necessário). Temático, com consulta de membros do Conselho CientíficoEditorial, se considerado das propostas exteriores são da responsabilidade da Coordenação Geral e do Dossier ção depropostas detextos exteriores porparte daCoordenação (aselecçãoinicial 1. Sugestãodeautores/ensaístas porparte doConselho CientíficoEditoriale recep- cada proposta detrabalhos napreparação decadanúmero. sequência detrabalhos, cadaqualcomdata limite, segundocalendárioadefinirem Determinado oConselho CientíficoEditorialpara cadanúmero, segue-seaseguinte — Sequênciaeprocessos detrabalho: Convocarte éumarevista digitalpública daFBAUL. OSautores cedemosdireitos a Convocação dos textos finais aos autores em data a calendarizar para cada número. - — Proposta externa de Texto/ensaio para a revista Convocarte

A coordenação pode aceitar, para o Dossier Temático, propostas de trabalhos exte- riores ao processo de convites do Conselho Científico Editorial. Para isso, a proposta deve ser enviada para a Coordenação através do email da revista Convocarte [con- [email protected]], acompanhada dos seguintes elementos: a) Curriculum Vitae académico e de investigação, sobretudo centrado em traba- lhos relativos ao tema do Dossier. b) Um resumo até 1000 palavras sem espaços da proposta do seu trabalho. c) Carta ou email de motivação.

A proposta deve seguir as orientações de cada tema apresentadas no final de cada número de Convocarte.

Sendo aceite pela Coordenação, os trabalhos seguem os processos gerais dos ou- tros textos, para leituras e sugestões do Conselho Científico Editorial.

Também podem ser propostos textos para as restantes pastas da revista Convocarte, ficando neste caso à responsabilidade da Coordenação Geral, com possíveis con- sultas a membros do Conselho Científico Editorial ou a Coordenadores de linhas de investigação do CIEBA.

347 – CONVOCARTE N.º1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE << «Arte eGeometria» «Arte : do n.º2deConvocarte Apresentação doDossierTemático esquecido nos debates recentes domundouniversitário, comoquefora demoda, Contudo, otema, comvastaprofundidade histórica, artística ecultural, temestado o casodacartografia) oumesmooestudoda relação daGeometriacomasimbologia. geométricas nasuaobra, aplicações queentrecruzam ciências epercepção visual (como podem incluiraindaartistas plásticoscontemporâneos quefazemuso depropriedades e enriquecermetodologiasnocampodaGeometriaaplicada à Arte. Estudosdecaso Reunir estratégias de investigação mais recentes sobre o tema contribuirá para clarificar Ghyka, Robert LawlorouMartin Kemp). da arte ououtros camposdeanálisedaimagem(casosCharlesBouleau, Matila que aumalinhametodológica estabelecida, comoaconteceporexemplo nahistória inevitável notarqueamesmadevemaisàiniciativa individualdosseus autores do geométrica ecomposicionaldepintura, arquitectura ouescultura éconsiderável, é na Arte sejaessencial. Aceitando queabibliografia existente nocampodaanálise Isto fazcomqueoestudoabrangente dasváriasformasdeaplicaçãodaGeometria mo, daabstracção geométricaoumesmodaopart. mudança, particularmente nasartes visuais, senãonote-seaimportância docubis- Em épocasmaisrecentes aexploração daGeometriacontinuouatrazer novidadee pectiva linear, aGeometriatemumlugardeimportância maiornahistóriada Arte. posição visualoupeladeterminaçãoedesenvolvimentodosfundamentosdapers- exploração depadrões, peloestudodasproporções, pelariqueza conferidaàcom- serviço defundamentosreligiosos, tantonoOcidentecomoOriente. Sejapela das inúmeras associações simbólicas de que éalvo, sendo por exemplo postaao A compreensão doespaçoatravés daGeometriareflecte-se aindanaimportância astrónomos ematemáticos durante séculos. pria Geometria(Euclidiana), alémdeenformar opensamentodemúltiplosfilósofos, sições e provas matemáticas levadaacaboporEuclidesdánomeumramo dapró - ras ésobejamenteconhecidaeaextensa recolha dedefinições, postulados, propo - a terra ounodesenvolvimentodaastronomia. A importância doteorema dePitágo- construção arquitectónica, bemcomonoaprofundamento doconhecimentosobre as grandes civilizaçõesda Antiguidade. A suautilidaderevelava-se naspráticas de A Geometriaéumadas mais importantes matérias deestudo, transversal atodas pelo que a sua convocação de estudos actuais, se apresente um desafio particular a que a Convocarte resolveu avocar. Apresentamos alguns motes, com exemplos genéricos, de desenvolvimentos possíveis de propostas de texto. Longe de ser ex- clusiva, esta é uma amostra das potencialidades do tema:

• A Geometria na arte, caso da tratadística e a sua preocupação com as medi- das, desde a antiguidade até, pelo menos, ao modulor de Le Corbusier. • A Geometria como instrumento de estudo da obra de arte, na história e nas teorias da arte, caso dos famosos estudos de Panofsky sobre as proporções na representação do corpo ou sobre a perspectiva, ou estudos de análise de ima- gem e de composição e a averiguação de princípios geométricos-matemáti- cos nas obras, tais como a regra de ouro. • A utilização de princípios geométricos em movimentos, estilos ou técnicas artísticas, como a abstracção geométrica, a op art, os padrões geométricos na tradição do azulejo, em culturas não figurativas, etc. • A Geometria nas várias artes: a métrica na música e na poesia; a regra de ouro na composição de obras de várias artes visuais, da pintura à tipografia; o canon da figura humana, etc. • A Geometria na relação entre as artes, em modos de analogia ou de inter- ferência; por exemplo a utilização de padrões geométricos na decoração de edifícios arquitectónicos ou de espaços urbanos. • O confronto de tempos e movimentos culturais mais marcados pela Geome- tria, com outros menos aderentes. • A Geometria e a educação artística, como disciplina basilar em diferentes es- paços e níveis de ensino artístico. • O debate da actualidade da Geometria na arte e a sua possível actualidade ou mesmo crise (ver em exemplo o ensaio de Peter Halley: «A Crise da Geome- tria», in Arts Magazine, nº10, 1984).

O especialista convidado para co-coordenar o Dossier Temático, é o investigador do CIEBA Simão Palmeirim. Formado em Pintura pela FBAUL e com o mestrado em Fine Arts pela Central Saint Martins College of Art com a tese Sublime after ob- jecthood and awareness of scale, terminado em 2009, tendo já entregue tese de doutoramento (FBAUL) em Ciências da Arte com o título A aquisição do espaço plástico renascentista na Pintura Portuguesa de 141 a 1525 - competências geomé- tricas e compositivas do final da Idade Média ao início do Renascimento. Além de se debruçar sobre a importância da Geometria na Pintura da época que a tese de doutoramento abarca, Simão Palmeirim tem trabalhado em parceria com Pedro J. Freitas (FCUL) e o projecto “Modernismo Online: Arquivo Virtual da Geração de Orpheu”, particularmente no que diz respeito à obra plástica de Almada Negreiros. Esta colaboração levou recentemente à edição (em co-autoria com Pedro Freitas) de artigos como “Almada Negreiros and the geometric canon” Journal of Mathe- matics and the Arts, Oxford: Taylor and Francis, 2015; Os Problemas de Matemática

349 – CONVOCARTE N.º1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE << Lançamento/apresentação Janeiro de2017 Revisões eacertos finais Dezembro de2016 Paginação Outubro/Novembro de2016 Reajustamento dosautores perante revisão depares Setembro de2016 Revisão dePares Julho/Agosto de2016 Entrega detextos pelosautores Junho de2016 Convocação econcepçãodetextos Janeiro/Junho de2016 Calendário paraoN.º2 Fernando Rosa Dias|SimãoPalmeirim 2014 edolivro (noprelo) Livro deproblemas de Almada Negreiros, SPM. Negreiros. Quatro composiçõesde1957”Revista deHistória da Arte , série W nº2, quadrado” de Almada Negreiros, atas doEncontro NacionaldaSPM, 2014;“A linguagemdo Cinequanon, nº8, FLUL, 2014;“Geometrianaobra abstracta de Almada