CÂNONE LITERÁRIO E O PONTO DE VISTA: A SUBJETIVIDADE NA SELEÇÃO DE AUTORES PARA UM CÂNONE Diogo Duarte do Prado (FURG)

INTRODUÇÃO Ao pensarmos na idéia de cânone literário, consequentemente nosso pensamento é direcionado para obras que podemos considerar clássicas, emblemáticas, que se estabeleceram acima de uma linha temporal, não se perdendo com o passar do tempo. Autores que, por causa de suas qualidades, entraram para um seleto grupo “universal”, o qual é denominado como cânone. Há certos nomes que estão, “incontestavelmente”, presentes neste cânone universal, que vai desde Shakespeare e Dante, até Drummond e , abrangendo outros inúmeros autores de diferentes estilos, que de algum modo foram capazes de deixar uma marca na história literária. A formação de um cânone é feita com base nos valores estéticos, nos pontos temáticos, na relação da obra com um momento histórico, dentre outras questões. Porém, na sua elaboração, o ato de selecionar autores para esta “lista” é algo extremamente subjetivo, sendo levado em conta o gosto e o ponto de vista do “selecionador”. A partir disto, ao tratarmos mais especificamente de poesia, vemos que Alexei Bueno, em seu livro Uma história da poesia brasileira, acaba por selecionar e exaltar alguns autores, e tratar outros com alguma indiferença, falando pouco sobre eles ou simplesmente apenas citando seus nomes sem alguma justificativa e atenção a mais. Observando esta obra, o ponto principal é tentar perceber a subjetividade que existe na formação de um cânone, de que ele não se trata de uma pura verdade, mas sim do julgamento de um individuo que possui um conhecimento e uma visão de mundo que lhe permite fazer esta seleção de autores, o direcionando para determinados jeitos de expressar-se. Uma consideração importante, que possui certa influência nesta constituição do cânone de Alexei Bueno, é sobre o título da obra sendo Uma história da poesia brasileira, que já nos remete a uma ideia de possibilidade dentro de uma história da poesia que possa haver dentre tantas outras. Um recorte criado por este autor, que se encaixa dentro de um grande universo histórico-literário, negando um pensamento de generalização, e sim demonstrando, nesse caso, uma possibilidade de cânone poético. A escolha dessa intitulação para a obra não deixa de ser um modo do autor se isentar e proteger-se de apontamentos como “faltou tal autor” ou “você deu pouca atenção para determinado momento literário”, já que este “uma” passa o sentido de haverem outras visões, não sendo esta algo definitivo.

CURIOSIDADES SOBRE O PREFÁCIO E A NOMEAÇÃO DOS CAPÍTULOS

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No prefácio, o autor elege duas definições de poesia as quais considera melhores, assim já demonstrando certo posicionamento em relação a poesia em si. Há duas definições de poesia que sempre nos pareceram, no limitado de toda a definição, das melhores possíveis. Diz a primeira: a poesia é uma indecisão entre um som e um sentido. Afirma a segunda: a poesia é a arte de dizer apenas com palavras o que apenas palavras não podem dizer. (BUENO, 2007:9)

A poesia é colocada, com base nestas definições, em um patamar superior, onde a mesma tem a capacidade de expressar sentidos de um modo muito mais significativo do que simplesmente as palavras “soltas” (possivelmente também se trate de certa provocação a prosa). Os eleitos a fazerem parte desta história da poesia brasileira acabam por possuir um destaque, são detentores, para o escritor desta obra, de uma grande qualidade na construção poética, pois é enfatizado por Alexei Bueno que o modo o qual serão analisadas as obras é puramente estético, não sendo considerados fatores históricos, temáticos, sociológicos, etc. Este é um dos grandes pontos determinantes para a formação do cânone poético de Alexei Bueno, o fato de ele considerar o estético não apenas como um fator importante para a seleção, mas sim como aquele de foco principal que determinará a entrada ou não de um autor para este grupo seleto que é o cânone (curiosamente, ao longo de seu livro, mais pontos do que apenas o estético são frisados, havendo consideráveis contradições entre o que seria feito e o que realmente foi feito). Ainda no prefácio, é comentado sobre o objetivo desta obra que seria o de “servir para o leitor como um guia, em um volume, através dos cinco séculos, da poesia no Brasil” (BUENO, 2007:14). Claro, um volume determinado pelo gosto do autor que acabará por dar mais ou menos espaço para determinados poetas. Um guia que não engloba todos aqueles que escreveram poesia durante estes séculos, mas que destaca os que Alexei Bueno considera mais “merecedores”. Com títulos mais poéticos do que comumente vemos em outras histórias da literatura, como “A explosão romântica” e “À sombra do parnaso”, Bueno discorre nesta obra nos passando informações desde a chegada do colonizador português, até os tempos contemporâneos, dando uma atenção mais especial (seja no sentido de extensão, número de páginas usados, ou foco maior em um autor) aos períodos do Barroco, do Romantismo e do Modernismo. Poderia haver o questionamento de “onde entra a subjetividade e o ponto de vista nesta questão?”, a resposta é simples: A atenção dada em proporções consideravelmente diferentes aos períodos acima citados mostra um gosto e visão particulares do autor, que considera um momento mais importante de ser desenvolvido e percorrido por ele do que outro, citando ou mais poetas, ou mais poesias para demonstrar suas escolhas. Onde há uma escolha, uma seleção, um foco, há subjetividade. Toma-se

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como exemplo os períodos do Parnasianismo se comparado ao Arcadismo (havendo três vezes mais páginas no primeiro do que no segundo).

A FORMAÇÃO DE SEU CÂNONE Em seu cânone, assim como muitos outros escritores também o fazem, Alexei Bueno dá um destaque maior para determinados autores em alguns períodos, elegendo certos poetas como principais dentro daquele momento. Um período em que foram citados alguns autores acaba por girar em torno daquele/s escolhido/s que acabam por se tornar centro de uma poesia. Por isso, acaba por haver uma seleção que prioriza certos poetas, o que é natural por existir diferenças com relação à capacidade de uns comparados aos outros em cativar um leitor/escritor/avaliador. Mas o importante a salientar é que mesmo com essas diferenças de suposta importância, o jeito como Bueno escreve sobre um Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) em relação a um Manuel Alves Branco (1797-1855) é muito distinto, tendo uma atenção mais detalhada com o primeiro, falando um pouco de sua vida e citando poemas para exemplificar a sua escolha, e com o segundo que apenas tem seu nome citado no final do capítulo, sem mais alguma descrição. Podem ser várias razões do por que falar um pouco mais de um do que outro, mas o resultado e o sentido que pode acabar por passar ao leitor é o de valorização ou desvalorização de determinados, neste caso, poetas. Decidi escolher três períodos literários neste primeiro momento (Barroco, Romantismo e Modernismo) para mostrar brevemente sobre os poetas que estão bem destacados nesta História da poesia brasileira, aqueles que foram eleitos por Bueno como os símbolos de uma poesia. Começando pelo Barroco, o autor dá foco total para Gregório de Matos (1636-1696), que, segundo ele, é “sem qualquer dúvida o primeiro grande poeta do Brasil e o maior do período barroco” (BUENO, 2007:21). Nota-se no comentário de Bueno a sua positiva visão sobre o poeta, uma exaltação que está não apenas ligada a toda a qualidade dos poemas de Gregório de Matos, mas também a um gosto pessoal, que enxerga uma grandeza no poeta, o elevando ao patamar, frente aos seus olhos, de melhor do período barroco. Por exemplo, sobre a obra satírica do ”Boca do inferno”, é dito por Bueno que ”A obra satírica de Gregório de Matos é, sob qualquer aspecto, riquíssima” (BUENO, 2007:29). Ainda acaba por ser desenvolvido muito sobre a história de Gregório de Matos, seu estilo de escrita, temáticas abordadas, tanto o satírico quanto o religioso em sua obra, além de muitas exemplificações com poemas seus. Na sequência de seus comentários sobre o período barroco, Alexei Bueno não traz ao leitor nenhum outro grande destaque, dedicando, quando muito, um parágrafo para determinado poeta; Por consequencia, esta escola literária acaba por ser retratada pela figura de Gregório de Matos e nada mais, nos dando a entender, pelo modo o qual trata o Bueno, sendo ele o cânone do momento barroco.

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No Romantismo, são ressaltados três autores de modo extremamente significativo, que são Gonçalves Dias (1823- 1864), Álvares de Azevedo (1831-1852) e (1847-1871). Muito é dito sobre os dois, também nesta linha de história, estilo na escrita, temática e exemplificações com poemas. Boa parte do que há escrito sobre estes dois ocupa o capítulo dedicado ao período do Romantismo, sendo exaltadas as maiores obras e feitos de suas vidas. Observemos esta passagem do livro que exalta Gonçalves Dias e o nivela com Castro Alves, ambos em um alto nível: Definitivamente o maior poeta romântico brasileiro ao lado de Castro Alves, com o mesmo divide Gonçalves Dias a posição inalienável de poeta nacional. Tradutor notável, etnólogo, historiador, dramaturgo, epistológrafo, deixou-nos uma obra espantosamente vasta e múltipla para sua vida tão curta e, ainda assim, tão conturbada. (BUENO, 2007:73)

Porém, no mesmo caso do Barroco, no Romantismo são exaltados estes três sujeitos, e muitos outros tem apenas seu nome brevemente citados, parecendo se tratar de um simples “resto” de autores presentes neste momento, fazendo parte de uma listagem, mas sem grande expressão. No modernismo, tendo no capítulo da obra que retrata este momento o título de “A festa modernista”, acaba por ser praticamente igual aos outros dois períodos literários antes comentados, com Alexei Bueno destacando de um modo mais significativo autores já consagrados, com seu nome já imortalizado na história da literatura, como (1886-1968), Mário de Andrade (1893-1945), Cecília Meireles (1901-1964) e Mário Quintana (1906-1994), dando pouca atenção para poetas de menor nome. Estas escolhas já muito conhecidas dentre outras histórias da literatura, são compreensíveis por serem autores que já conquistaram o seu espaço em um cânone “geral”, mas que também acabam por demonstrar uma visão mais conservadora de Alexei Bueno, que coloca como ponto central aqueles que já foram postos por outros. Não se questiona aqui a opinião de Bueno sobre o seu ponto de vista, gosto e admiração por estas obras e poetas, nem a questão de que haja algum equívoco em incluir-los como ponto central em um período literário, porém se levanta a possibilidade de que seu julgamento seja afetado pela ideia geral, já estabelecida há muito tempo, que incluiu estes renomados autores no cânone. É de se entender a necessidade de não apenas citar, mas também enfatizar a qualidade e relevância de um poeta para o seu período. Como diz Wendell V. Harris em seu texto La canonicidad “algunos cánones son necesarios para proporcionar puntos de referencia” (HARRIS, 1991:117), ou seja, existem os poetas que são referências de suma importância e significação em um período, e que devem ter uma atenção voltada para eles mais especial, porém isto não impossibilita de se expandir e focar um pouco mais em autores de menor renome.

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Esses adjetivos enfáticos designados para Gregório de Matos, Gonçalves Dias, dentre outros poetas que são citados ao longo do livro de um modo mais expressivo, mesmo que faça jus à qualidade destes sujeitos, ressalta um posicionamento do autor perante as suas escolhas. Alguns de seus poetas escolhidos não são apenas destacados, mas exaltados, extremamente elogiados, demonstrando um gosto subjetivo do autor, suas preferências. Alexei Bueno desenvolve muito uma espécie de biografia dos poetas que mais lhe agrada, dando atenção especial a certos acontecimentos da vida pessoal de alguns, com isso havendo uma contradição em suas palavras, pois foi dito pelo mesmo que apenas seria feita uma análise por parte dele puramente estética, focada na obra, questão ressaltada que seria o fator puro de análise para cada um dos poetas. Sintetizando esta ideia, na seleção de autores mais renomados para “liderar” o seu cânone, a análise feita é influenciada por muito mais do que um pensamento objetivo que visa a estética, sendo de suma importância o ponto de vista do historiador, seu conhecimento teórico, além de que também existe o carisma do próprio autor com relação aos poetas selecionados e também a sua presença ou ausência em outras obras de história da literatura. Na obra de Adam Schaff (1913-2006), de título História e Verdade, certa passagem remete a ideia a qual aqui comentamos, dizendo: Mas o seu conhecimento é sobretudo função de outros fatores, igualmente determinados socialmente, tais como: a sua visão da realidade social, ligada à teoria e ao sistema de valores que aceitou; o seu modo de articulação da realidade, articulação que o leva a construir, a partir de fragmentos, fatos significantes em um sistema de referência determinado, a sua tendência para esta ou aquela seleção (...) (SCHAFF, 1983:291)

Há também nesta obra, como já comentado brevemente antes, os poetas de menor expressão, ou que ao menos tem uma menor atenção dada pelo autor. Diferente de um Álvares de Azevedo que possui muitas páginas dedicadas para si, vários comentários salientando sua grandeza e capacidade como poeta, outros são apenas citados, às vezes com raras informações. Voltando o olhar para o Romantismo novamente, por ser um momento bem elaborado nesta História da poesia brasileira, percebamos sobre Aureliano Lessa (1828-1861), que foi selecionado por Alexei Bueno para fazer parte do seu cânone, porém de um modo inexpressivo, com uma pobre e rápida observação sobre o mesmo, sendo carente de análises. Observemos o fragmento escrito sobre ele: Aureliano Lessa (1828-1861), nascido em Diamantina, e companheiro de Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães em São Paulo, só teve as suas Poesias póstumas publicadas em 1873. Em sua obra pequena, mas de qualidade, destaca-se o poema “A tarde”, uma das mais belas visões da paisagem brasileira no nosso Romantismo. (BUENO, 2007:82)

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Algumas observações podem ser feitas a respeito deste pouco conteúdo relacionado a Aureliano Lessa. Primeiro, é de se considerar a possibilidade de pouca informação sobre o autor, a qual dificulta a pesquisa. Segundo, ao pensarmos sobre este poeta, é considerável talvez acreditar que seja um individuo realmente pouco expressivo ao falarmos da qualidade de sua poesia. São pontos a serem levantados para tentar entender o pouco prestígio dado para este sujeito, assim como para outros. Importante me parece considerar a forte tendência de preferências de Alexei Bueno, pois o pouco que é citado Aureliano Lessa, assim como tantos outros no decorrer da obra, gera dúvidas quanto quais são os critérios escolhidos. Se alguns poetas possuem um desenvolver de seus poemas e vida em abundância dentro da obra, é de se pensar que são seres de grande importância para o período, os quais a poesia é de um alto nível. Ocorrendo o inverso, tendo um autor que lhe são dedicadas apenas um pouco mais de quatro linhas, citado o nome de seu poema, mas sem pelo menos um verso para demonstrar sua qualidade, enfatizado que ele era companheiro de república de outros dois poetas mais renomados, é de se suspeitar a razão dele se encontrar presente neste cânone, tendo como base as razões estipuladas pelo autor da obra que seriam da avaliação estética, frisando uma qualidade. Todo este questionamento, este comparativo feito entre dois poetas, mostrando a drástica diferença de atenção dada de um para outro, serve como uma ótima exemplificação para frisar a ideia de que a formação de um cânone está muito ligada ao “selecionador”, aquele que elege escritores para fazerem parte deste grupo, que se baseia em muito mais do que qualidade e produtividade, sendo afetados por suas visões de mundo, juízos de valores e pelo espaço em que vive. Afastando a capacidade destes dois poetas, o crítico literário não dará uma mesma atenção para ambos, pois um Álvares de Azevedo é histórica e culturalmente mais significativo no consciente de uma sociedade de leitores (Isso não é questionável), do que um Aureliano Lessa. Muitos valores consequentemente já estão pré- estabelecidos, afetando o julgamento do crítico literário. Sua subjetividade também está ligada a subjetividade que se encontra ao seu redor. Portanto, tão importante quanto a qualidade, é a recepção da obra pelo individuo, o vínculo que se estabelece entre o leitor e o escrito. Como já foi comentado, sabe-se da qualidade de Castro Alves, mas tão importante quanto a isso se encontra a recepção que, talvez em um caso muito especial, poderia lhe colocar fora de uma história da literatura dependendo do autor que a escreve. A recepção gera um determinado ponto de vista que, neste caso específico da elaboração de uma história da poesia brasileira, acaba por afetar em uma eleição de poetas para um cânone. A ideia de “horizonte de expectativa”, elaborada por Hans Robert Jauss (1921-1997) em seu livro A história da literatura como provocação à teoria literária é relevante para melhor

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“solidificar” este pensamento de obra, autor, recepção e sua responsabilidade na constituição do ponto de vista e na subjetividade de, nesse caso específico, do historiador literário que elege o seu cânone. Prestemos atenção nas palavras de Hans Robert Jauss sobre o horizonte de expectativa: O horizonte de expectativa de uma obra, que assim se pode reconstruir, torna possível determinar seu caráter artístico a partir do modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre um suposto público. Denominando-se distância estética aquela que medeia entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição de uma obra nova, tal distância estética deixa-se objetivar historicamente no espectro das reações do público e do juízo de crítica (sucesso espontâneo, rejeição ou choque, casos isolados de aprovação, compreensão gradual ou tardia). (JAUSS, 1994:31)

A HIERARQUIZAÇÃO DE UM CÂNONE E SUA LIGAÇÃO COM A SUBJETIVIDADE DO SUJEITO Como antes foi abordado, há todo um processo para a inclusão de um poeta em um cânone, algo que exige mais do que uma análise dos poemas em si. Por consequencia da elitização que é este processo de formação de um cânone, acaba por ocorrer uma hierarquização, onde alguns, nesse caso poetas, serão colocados em um patamar de superioridade em comparação a outros. Questão que, ao observarmos a obra de Alexei Bueno, se dá por uma espécie de preferência. Mas não será, tratando-se da formação de uma história da poesia brasileira, boa parte das avaliações baseadas em preferências? E sendo preferências, não parece plausível haver uma hierarquização, indivíduos em um nível superior e outros em inferior por ser natural preferirmos mais um do que a outro? Como dito pelo próprio Alexei Bueno, seu livro tem como intuito ser um guia, demonstrando indivíduos que com suas poesias foram importantes para a literatura no Brasil. Então, podemos pensar neste guia como uma “lista” de poetas, que englobará dos menos importantes para os mais importantes, havendo uma natural hierarquia gerada pelo modo de pensar do organizador, que considerará, por exemplo, no período do Parnasianismo, uma tríade composta por (1857-1937), (1859-1911) e (1865-1918) o centro principal e de maior destaque do momento antes dito, e colocará em níveis abaixo um poeta como Adelino Fontoura (1869-1911), que tem apenas um pouco mais de três frases referindo-se sobre ele. Totalmente normal é a hierarquização na constituição de um cânone literário, já que é aparentemente preciso ter um ponto máximo, uma figura que seja a referência principal do cânone do individuo, do “selecionador”, para assim ser melhor possível formar e estabelecer os outros componentes deste grupo de destaque. Pegando como exemplo o crítico literário Harold Bloom, que tem como base e ponto principal de seu cânone a figura de William Shakespeare, uma referência muito significativa que acaba por auxiliar na formação e

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expansão do seu cânone. Obviamente, mesmo tratando-se de uma figura como Shakespeare, ainda é uma seleção subjetiva, gerada em boa parte por sua opinião e carisma que possui com as obras deste autor. Em sua obra intitulada “O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo”, Harold Bloom deixa clara a sua preferência por Shakespeare, como vemos logo abaixo: E os abridores do Cânone e os tradicionalistas não discordam muito sobre onde se achará a supremacia: Em Shakespeare. Ele é o cânone secular, ou mesmo a escritura secular; para fins canônicos, antepassados e herdeiros igualmente são definidos apenas por ele. (BLOOM, 2001:32)

Shakespeare está para Harold Bloom, assim como Gregório de Mattos, no Barroco, Álvares de Azevedo e Gonçalves Dias no Romantismo, dentre outros exemplos, estão para Alexei Bueno. Tirando o foco em cada período, ambos os teóricos elegem um sujeito principal para ser o topo da organização do seu cânone, um pilar que possui um escritor/poeta com a finalidade de ser a autoridade máxima dentre todos os “eleitos”. Resumidamente, nota-se que o ato de hierarquizar não é apenas para “colocar cada autor no seu devido lugar”, mas também tem como finalidade sistematizar o cânone, tendo seus autores de maior destaque a função de servir como pilar para a inclusão de autores de menor expressão na visão do crítico/avaliador, selecionador/leitor.

CONCLUSÃO Reiterando o que foi dito ao longo do artigo, constatamos todo o teor subjetivo que há na formação de um cânone, como se trata de uma ideia que não se aplica apenas ao pensamento geral, mas também ao pessoal, pois cada individuo tem seus eleitos que constituem suas figuras “clássicas” em seu cânone literário particular. Na obra de Alexei Bueno aqui trabalhada, vimos que não é algo diferente, pois se refere a uma pessoa que tem um conhecimento aprimorado ao longo dos anos, vive em um espaço onde há uma socialização, e possui um ponto de vista constituído a partir dos seus gostos e daquilo que ele considera “verdade”. Compreendido isso, questiona-se a ideia de um cânone absoluto, que é formado por análises voltadas puramente ao conhecimento, e fortifica-se uma perspectiva que considera o cânone literário como algo subjetivo em sua formação, e relativo quanto àqueles autores que o constituem. Encerro aqui com uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche que pode validar este pensamento de cânone como várias possibilidades, sendo dito que “Não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas” (NIETZSCHE, 2005:16).

Referências

BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. : Objetiva, 2001.

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BUENO, Alexei. Uma história da poesia brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff, 2007.

HARRIS, Wendell V. La canonicidad. In: SULLÁ. Enric (Org.). El Canon literário. Madrid: Arco, 1998.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SCHAFF, Adam. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

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