outubro/novembro 2012

ANO VII n° 4836

O POVOAMENTO POÉTICO DE RUI BRASÍLIA e Anderson Braga Horta MACHADO rasília foi um gesto ousado, corajoso, temerário para alguns, combatido por muitos. Mas não foi um gesto impensado. Repito o que disse em “Notícia de Poesia em Brasília”, texto que abre o livro Sob o Fabio de Sousa Coutinho Signo da Poesia: Literatura em Brasília: BA idéia de uma cidade do futuro atravessa os séculos encoberta pela névoa da Profecia, que se clarifica no sonho-visão de Dom Bosco. A Palavra —o Logos, o Verbo— está associada a ela, em particular a Criação, ma das mais belas peças de a Poesia. E Brasília surge, em verdade, como um Farol de autoconhecimento, de auto-realização, de integração nacional e supranacional, de fraternidade. retórica da Literatura Brasileira O planejamento e a implantação, no cerrado quase deserto, de uma cidade moderna, destinada a ser a é a oração de adeus de Rui capital de um país em ascensão —melhor ainda: cidade nascida de uma idéia progressista, de um pensamento BarbosaU a . Muita gente generoso— mexeu com o País e provocou o interesse do mundo. Natural que estimulasse a imaginação de boa acha que vem a ser o melhor discurso alguns poetas. Pois, como disse e gosto de repetir, Brasília nasceu sob o signo da Poesia. Os grandes poetas que primeiro cantaram a nova cidade foram Vinícius de Moraes, e de despedida jamais pronunciado em . Vinícius na Sinfonia da Alvorada (música de Tom Jobim), Cassiano Ricardo na “Toada nosso país. Ora, direis, ouvir estrelas: era pra se Ir a Brasília”, Guilherme na “Prece Natalícia a Brasília”. Rui exaltando Machado, ou seja, o notável Brasília está, com essa espécie de batismo poético, desde o nascedouro ligada à melhor literatura nacional. A rigor, desde antes, e muito antes, se pensamos em tudo quanto se escreveu —em tudo o que se advogado homenageando a memória do sonhou!— sobre a interiorização da capital brasileira. Recordo, a propósito, o caso curioso de Osvaldo Orico, maior escritor do Brasil. que publicou, no livro Dança de Pirilampos, de 1923, o poema “A Cidade do Planalto”, que lhe parece cair — Continua na página 4 premonitoriamente— como uma luva. Continua na página 3

Funerais no Brasil Holandês Leonardo Dantas Silva

ogo que se estabeleceram no , após o incêndio de Olinda em novembro de 1631, os holandeses instalaram em todas as igrejas católicas, além de templos luteranos, calvinistas e até anglicanos, os seus cemitérios. Nelas passaram a ser realizadas todas as solenidades religiosas, inclusive sepultamentos dos membros de cada congregação. L Continua na página 11 MACHADO DE ASSIS PEDRO SALINAS NA E O CONTO MODERNO TRADUÇÃO DE JOSÉ M. Paulo Nunes JERONYMO RIVERA omancista dos maiores de nossa língua, na condição de renovador João Carlos Taveira da técnica do romance na literatura brasileira, cronista, poeta, crítico literário, foi ainda um contista dos maiores, cultivando a história epois de várias e bem-sucedidas incursões no campo da tradução Rcurta com a mesma maestria de um Maupassant, de um Edgar Allan Poe de poesia, francesa e espanhola, José Jeronymo Rivera chega agora e de outros maiores. a Pedro Salinas —“el poeta del amor”— que, na fase inicial, sofre Como contista, foi ele um renovador do conto, podendo mesmo certaD influência de Juan Ramón Jiménez, para logo depois criar o estilo admitir-se ter sido um contista moderno “avant la lettre”, muito antes que vai demarcar sua poesia até o fim. E Rivera saiu-se bem de espinhosa que tal reforma do gênero fosse modernamente empreendida por uma empreitada, pois traduzir a poesia de Pedro Salinas não é tarefa simples. Katherine Mansfield. Continua na página 5 Continua na página 2 2 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012 continuação da página 1 PEDRO SALINAS NA Soneto TRADUÇÃO DE do Mês JOSÉ JERONYMO RIVERA João Carlos Taveira

or ser um poeta ao mesmo tempo clássico e moderno, com temáticas que abrangem vários assuntos do mundo,P exige do tradutor mais do que simples conhecimento da língua espanhola, exige compreensão e respeito a certas nuanças formais e estilísticas da arte poética. Salinas foi um exímio criador, com pleno domínio do verso livre e do verso medido. O livro em questão, A voz a ti devida, CELESTE é quase todo construído em versos de seis sílabas e redondilha maior, com pouquíssima Adelino Fontoura utilização da métrica decassilábica. Aliás, Pedro Salinas, no caso específico, só pratica É tão divina a mágica aparência o verso medido; quando muito se aventura E a graça que ilumina o rosto dela, no verso polimétrico, mas nunca no verso Que eu concebera a imagem da inocência livre, ao contrário do que se constata em Nessa criança imaculada e bela. outros livros de sua autoria. Por essa razão, muitos críticos recusam aceitá-lo como Peregrina do céu, pálida estrela, um modernista, preferindo enquadrá-lo Exilada da etérea transparência, no classicismo. Na verdade, o autor de Sua origem não pode ser aquela Razón de amor está acima de qualquer talvez, a mesma exegese do mito, cujo fluxo enquadramento estilístico ou escolástico. de consciência perpassa cada verso e cada Da nossa triste e mísera existência. Seu lirismo é universal. estrofe para total alcance da finalidade a que Mas Rivera, com acuidade, soube foram concebidos. Tem a celeste e ingênua formosura enfrentar o desafio e trazer a público um Assim, a Thesaurus Editora coloca no E a luminosa auréola sacrossanta trabalho em que destila sensibilidade e mercado brasileiro a edição em português De uma visão do céu, cândida e pura. bom-gosto. A escolha de vocábulos, o de um dos melhores livros de poesia de respeito à sintaxe e o domínio da língua Pedro Salinas, A voz a ti devida, publicado E quando os olhos para o céu levanta, lhe dão créditos muito altos para enfrentar originalmente em 1933. Este livro traz, Inundados de mística doçura, os percalços de Salinas, nesta via-crúcis agora, a marca de qualidade da tradução de Nem parece mulher – parece santa. dos amores gozosos, e sair vitorioso. Cada José Jeronymo Rivera, com a confirmação do fragmento deste longo poema vertido para velho e conhecido axioma: “Todo tradutor o português exala a mesma sinceridade e, de poesia deve ser, em essência, um poeta.” (Seleção de Napoleão Valadares)

Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE no 48 – outubro / novembro de 2012

SEPS EQS 707/907 Bloco F – Edifício Escritor Almeida Fischer Editor Conselho Editorial CEP 70390-078 – Brasília – DF Afonso Ligório Pires de Carvalho Anderson Braga Horta Telefone: (61) 3244-3576 – Fax: 3242-3642 (Reg. FENAJ nº 286) Danilo Gomes E-mail: [email protected] Revisão Programação Visual 24a DIRETORIA 1° Tesoureiro: Luiz Carlos de Oliveira Cerqueira 2011‑2013 2° Tesoureiro: José Maria Leitão José Jeronymo Rivera Thiago Sarandy Diretora de Biblioteca: Terezy Godoi Presidente: José Peixoto Júnior Diretor de Cursos: Paulo da Mata-Machado Júnior 1° Vice-Presidente: José Carlos Brandi Aleixo Diretor de Divulgação: Jacinto Guerra Composição e impressão: Centro Editorial e Multimídia de Brasília. 2° Vice-Presidente: Fontes de Alencar Diretor de Edições: Afonso Ligório SIG. Qd. 8 - Lote 2356 - CEP: 70610-480 / Brasília - DF - (61) 3344-3738 Secretário-Geral: Fabio de Sousa Coutinho Conselho Administrativo e Fiscal: Alan Viggiano, www.thesaurus.com.br 1ª Secretária: Rosângela Vieira Rocha Anderson Braga Horta, Danilo Gomes, José Jeronymo Rivera, 2ª Secretária: Kori Bolivia José Santiago Naud, Napoleão Valadares e Romeu Jobim. Toda colaboração não solicitada será submetida ao Conselho. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 3 Outubro/novembro – 2012 continuação da página 1 O POVOAMENTO POÉTICO DE BRASÍLIA Anderson Braga Horta

udo isso inspirou, direta ou indiretamente, conhecido como romancista, contista e ensaísta), Escritores de envergadura passaram por os escritores que para aqui vieram, e —já Astrid Cabral (que estreou magnificamente no Brasília, exercendo funções diversas, cargos agora o podemos dizer— há de ser sempre conto), Clovis Sena, Edson Guedes de Morais, públicos ou mandatos legislativos, sem contudo Ta melhor referência para os escritores que aqui Esmerino Magalhães Júnior, Ézio Pires, Fernando participar da vida literária local. Dentre os poetas nasceram e aqui vivem e produzem. Mendes Vianna (grande poeta e tradutor de que se incluem nessa categoria lembro os nomes de Lembrados e reverenciados esses fundamen- poesia), Guido Heleno (1958), Hugo Mund Júnior, Abgar Renault, Joaquim Cardozo, Plínio Salgado, tos é que devemos voltar os olhos para a poesia Jair Gramacho, Jesus Barros Boquady, José Geraldo , J. G. de Araújo Jorge, Álvaro que se tem feito em Brasília, para uma literatura Pires de Mello, José Jeronymo Rivera (notável Pacheco. de Brasília. tradutor de poesia), Lourdes Teodoro (1959), Mencionem-se, dentre os estrangeiros, Dentre os Marlene Andrade Martins (1957), Oswaldino os portugueses Agostinho da Silva, António primeiros poetas Marques (forte ensaísta), Paulo Bertran (1958), Campos e João Ferreira, o uruguaio Manini Ríos, o de Brasília, pio- Pedro Luiz Masi, Romeu Jobim (também contista argentino Rubén Vela, o búlgaro Rumen Stoyanov, neiríssimo foi o e cronista), Stela Maris Rezende, Yone Rodrigues. a venezuelana Trina Quiñones, os espanhóis gaúcho Antonio Vindos para Brasília com destino ao José António Pérez e Alicia Silvestre Miralles, Carlos Osorio, magistério superior, Domingos Carvalho da Silva o equatoriano Eduardo Mora-Anda, o polonês advogado, aqui e Cassiano Nunes, de notória influência em nosso Henryk Siewirski, o bielo-russo Oleg Almeida. aportado em 1957. desenvolvimento literário. Já eram reconhecidos como poetas, antes Também o foi Outros aqui chegados na primeira década de virem para Brasília, Afonso Félix de Sousa, Adirson Vasconce- (advirto que a lista é incompleta, mas não há Alphonsus de Guimaraens Filho, Cassiano Nunes, los, cearense che- memória nem tempo suficientes para esgotá-la): Domingos Carvalho da Silva (prócer da Geração gado nesse mesmo Affonso Heliodoro, Afonso Henriques Neto, An- de 45), Fernando Mendes Vianna, , ano. Diplomado gélica Torres Lima, Ângelo D’Ávila, Antonio Mi- Gilberto Mendonça Teles, Lina Tâmega Peixoto (co- em Direito e Ad- randa, Ariel Marques, Aureo Mello, Branca Bakaj, fundadora da revista Meia Pataca, de Cataguases),

Vinícius de Moraes ministração, des- Climério Ferreira, Diniz Felix dos Santos, Eudoro José Santiago Naud (premiado em concursos de tacar-se-ia como Augusto, Fernando Correia Dias, Ferreira Gullar, âmbito nacional), José Godoy Garcia, Marly de historiador da nova capital a partir da obra de Heitor Humberto de Andrade, Henriques do Cerro Oliveira, Oswaldino Marques, Waldemar Lopes. estréia, O Homem e a Cidade (impressa nas oficinas Azul, Hermenegil- Joanyr de Oliveira tornou-se conhecido gráficas de A Tribuna de Brasília, no Núcleo Ban- do Bastos, Isolda mercê, especialmente, de suas cinco grandes deirante, então chamado Cidade Livre, em 1960), Marinho, João Car- antologias poéticas. Astrid Cabral, Francisco tida como o primeiro livro publicado nesta capital. los Taveira, Joilson Alvim, H. Dobal, Hugo Mund Júnior, Ronaldo Figura nesta memória por ser também poeta. Outro Portocalvo, Júlio Cagiano ganharam notoriedade; Ronaldo Costa advogado poeta dos primeiros tempos foi o goiano Cezar, José Sarney, Fernandes vem sendo destacado como poeta e José Godoy Garcia, chegado no ano da inauguração. Lenine Fiuza, Luiz ficcionista, e Wilson Pereira como poeta e autor Pioneiros vindos para implantar as lides do Carlos de Oliveira de literatura infantil; também alguns dos “novos” magistério foram o gaúcho José Santiago Naud e Cerqueira, Mei- sobressaem, a exemplo de Afonso Henriques Neto, a mineira de Cataguases Lina Tâmega Peixoto Del reluce Fernandes, Nícolas Behr e Turiba. Se nomes me escapam, não Peloso, além de , um dos fundadores Napoleão Valada- serão muitos. da UnB, Gilberto Mendonça Teles e Jair Gramacho. res, Reynaldo Do- A verdade, porém, é que Brasília não foge à Joanyr de Oliveira, ao chegar, já era publicado, mingos Ferreira, regra circunstancialmente imposta à poesia brasilei- mas amadureceu verdadeiramente como poeta em Terezy Godoi, Vera ra – que se encastela, não por vontade dos poetas, terras brasilienses. Lançou a primeira obra literária CASSIANO RICARDO Americano, Vili nas respectivas províncias, inclusive a província do da Cidade, a antologia Poetas de Brasília. Organizou Santo Andersen. e a província de São Paulo (estas se outras excelentes antologias poéticas, indispensáveis Nos decênios seguintes: Adão Ventura, Aglaia beneficiam de sediar veículos de circulação nacio- para quem queira estudar a história das letras neste Souza, Alexandre Marino, Altino Caixeta de Castro, nal). Desde a transformação dos antigos suplemen- torrão do Planalto. Novos antologistas do gênero Amneres Pereira, Antônio Roberval Miketen, tos literários nos atuais suplementos culturais (no viriam: Napoleão Valadares, Nilto Maciel, Salomão Antônio Temóteo, Bernardo Élis, Celso Moliterno, sentido de ser tudo cultura, do futebol à política, do Sousa, Santiago Naud, mais Sóter, Francisco Alvim Ciro José Tavares, Cristina Bastos, Cyl Gallindo, sistema penitenciá- e Carlos Saldanha, o editor-poeta Victor Alegria, Danilo Gomes, Danilo Lobo, Donaldo Mello, rio às histórias em Alan Viggiano (também como editor), Menezes y Emanuel Medeiros Vieira, Eugênio Giovenardi, quadrinhos, e assim Morais, Sofía Vivo, Sônia Ferreira, Ronaldo Cagiano Fernando Braga, Flávio R. Kothe, Gustavo Dourado, ad infinitum), desde e Ronaldo Alves Mousinho, entre outros. Heitor Martins, Hindemburgo Dobal, Jarbas Júnior, a sucumbência do José Hélder de Sousa, jornalista e poeta, João Bosco Bezerra, Jorge Amâncio, Jorge Antunes, parque editorial às dirigiu o suplemento literário do Correio Braziliense. José Carlos Peliano, José Peixoto Júnior, Kori imposições extre- Almeida Fischer, contista, romancista e Bolivia, Luiz Manzolillo, Márcio Catunda, Marcos mas do capital, e crítico literário, no fim da vida praticou o poema. Freitas, Marly de Oliveira, Paulo José Cunha, Pedro sobretudo desde a Fundou a Associação Nacional de Escritores, que Tierra, Reynaldo Jardim, Ronaldo Alves Mousinho, infeliz abolição do comemora o cinqüentenário em 2013, a Academia Robson Corrêa de Araújo, Ronaldo Cagiano, remédio para esse Brasiliense de Letras e a Academia de Letras do Ronaldo Costa Fernandes, Salomão Sousa, Viriato quadro, remédio Brasil. Autor de nossa primeira antologia de contos, Gaspar, Wilson Pereira, Yolanda Jordão. Se não de eficácia limita- Contistas de Brasília. É justamente considerado o me engano, também vieram nessas levas Alvina da, mas o único até maior aglutinador literário da Cidade. Gameiro, Ivanir Geraldo Vianna e Omar Brasil. Os então, que era o Ins- Também dos primeiros anos candangos inícios deste século rvelam poetas como Augusto tituto Nacional do são Afonso Félix de Sousa, Alan Viggiano (mais Rodrigues e Alberto Bresciani. Livro. gUILHERME DE ALMEIDA 4 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012 continuação da página 1 RUI e MACHADO Cultura em Fabio de Sousa Coutinho Debate

as o que disse Rui Barbosa naquela triste manhã de 30 de setembro de 1908, no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro ? Inicialmente, o registro HOMENAGEM À MEMÓRIA M DE VIVALDI MOREIRA da designação da Academia Brasileira de Letras para trazer ao amigo o “coração de companheiros”. A partir daí, uma sucessão Escritor, jornalista, advogado, de reflexões sobre a existência e a obra de Machado de Assis, presidente perpétuo da Academia Mineira ressalvando, porém, que sua vontade era falar “senão do seu de Letras e presidente do Tribunal de coração e da sua alma.” Contas de , Vivaldi Moreira Com efeito, Rui assinala que o grande morto “não é o faleceu em 2001, com 88 anos. Na data em que se comemorou o centésimo clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro aniversário do seu nascimento, em 28 de das letras; não é o filósofo do romance; não é o mágico do setembro deste ano, admiradores, amigos conto; não é o joalheiro do verso, o exemplar sem rival entre e filhos, à frente Pedro Rogerio Couto os contemporâneos da elegância e da graça, do aticismo e Moreira, lançaram o livro “Centenário da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver de Vivaldi Moreira – Fortuna Biográfica”, intensamente da arte, sem deixar de ser bom”. que relembra aspectos da vida, obra e das múltiplas atividades literárias do E prossegue na tocante reverência a Machado, fixando-o inesquecivel escritor. como “modelo de pureza e correção, temperança e doçura; na O livro foi impresso na Imprensa família, que a unidade e devoção do seu amor converteu em Oficial de Minas, dirigida por Eugênio santuário; na carreira pública, onde se extremou pela fidelidade Ferraz, que comparou Vivaldi Moreira ao órgão que dirige: ambos, e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava “patrimônios do povo mineiro.” como Luís de Sousa, e cantava como Luís de Camões; na convivência dos seus colegas, dos seus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza. Era Convite sua alma um vaso de amenidade e melancolia.” lan Viggiano, Associação Nacional de Escritores e Editora Ideal Perto de concluir o adeus a Machado de Assis, Rui Barbosa convidam para o lançamento do livro A Fortuna Poética de João a ele se dirige, vendo-o a caminho da outra parte da eternidade: Carlos Taveira, a realizar-se no Restaurante Carpe Diem, CLS 104, “Mestre e companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas BlocoA D, Loja 1 – Fone: 3325-5303, dia 18 de outubro de 2012 – quinta-feira, disse mal. A morte não extingue: transforma; não aniquila: a partir das 19 horas. renova; não divorcia: aproxima.” A oratória acadêmica de Rui engloba algumas outras pérolas, como a célebre Oração aos Moços (discurso na CORREIO BRAZILIENSE Faculdade de Direito de São Paulo, na condição de paraninfo dos bacharelandos de 1920) e o Elogio de , por Biblioteca da ANE dispõe da coleção Correio Braziliense, edição fac-similar, em trinta volumes. Como se sabe, o Correio Braziliense – ocasião da celebração dos dez anos da morte do Poeta dos primeiro periódico brasileiro – foi fundado em Londres por Hipólito Escravos, em 1881. São passagens extraordinárias da vida JoséA da Costa, em 1808. A coleção em apreço encontra-se disponível ao nacional, verdadeiros marcos de nossa civilização tropical. público para consulta. Nada, porém, como o Adeus a Machado de Assis, um daqueles raros momentos da História em que ela é escrita ao mesmo tempo por quem parte e por quem fica, ambos contemporâneos QUINTA LITERÁRIAS do futuro. A propósito de Rui Barbosa, vale sempre lembrar que Programação das quintas literária da ANE para o terceiro 5 de novembro, data de seu natalício, é o Dia Nacional da trimestre 2012: Cultura. Sobre Machado de Assis, creio tratar-se da própria personificação daquilo que ele expressou no poema Versos a OUTUBRO Corina, da primeira edição (1860) de seu livro Crisálidas: “Esta Dia: 4 – Escritor: Alan Viggiano – Título: Um livro um autor a glória que fica, eleva, honra e consola”. Dia: 18 – Escritor: Nicácio da Silva – Título: Poesia do Amazonas

NOVEMBRO Dia: 8 – Escritor: Sofia Vivo – Título: A literatura Uruguaia e a Poesia FABIO DE SOUSA COUTINHO, advogado e bibliófilo, é autor de biografias de Alfredo Pujol (2010) e Lafayette Rodrigues Pereira (2011), editadas pela Academia Brasileira Dia: 22 – Escritor: Santiago Naud – Título: Agostinho da Silva de Letras. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 5 Outubro/novembro – 2012 continuação da página 1 MACHADO DE ASSIS E O CONTO MODERNO M. Paulo Nunes lém de continuador do conto tradicional, momentânea aparição da figura de Conceição, – Não! Qual! Acordei por acordar.” (Ob. que consiste num relato com princípio, esposa do escrivão Meneses, em casa de quem cit., p. 607). meio e fim, inspirado em Boccacio, com estava hospedado e que com ele mantém um A partir daí, estabeleceu-se uma animada oA seu Decameron, ou seja, fazendo do conto estranho diálogo, enquanto aguarda a missa do conversação, ou certa intimidade, se assim se um resumo da vida, transforma às vezes suas galo, na corte, de que iria participar o rapaz, em pode dizer, culminando com certas afirmações histórias em uma “fatia da vida”, como denomina o companhia de um amigo. do narrador que nos levam à conclusão de ter- romancista português Fernando Namora. É o conto Há passagens na história que merecem ser se criado entre os dois aquele clima de “amor e de “atmosfera”, com “certos atributos particulares lembradas pelo clima de romantismo que parece medo” a que se refere o poeta Álvares de Azevedo de técnica e de espírito; ausência ou presença estabelecer-se por um momento entre os dois. e mereceu um belo estudo de Mário de Andrade. muito diluída de um enredo; delicadeza, sutileza e Estava o rapaz a ler um romance, Os Senão, vejamos: finura no tratamento de todos os assuntos, mesmo Três Mosqueteiros, velha tradução do Jornal do “Há impressões dessa noite que me os que parecem mais cruéis e mais trágicos; uma Comércio e completamente ébrio de Dumas e de parecem truncadas ou confusas. Uma das que suavidade e leveza de tons que atingem o poético seu herói D’Artagnan, quando foi surpreendido ainda tenho é que, em certa ocasião, ela, que era pela superfície; extrema simplicidade de estilo, por uns passos, no corredor que ia da sala de apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. sempre direto e claríssimo; elementos psicológicos visitas à de jantar; “levantei a cabeça; logo depois Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito e sociológicos entrosados, aparecendo, porém, mais vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição”. a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma por sugestão do que por afirmação”. São estas as (M. de Assis – Obra Completa, 3º vol., Aguilar das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar características do chamado conto “mansfieldiano”, Editora, 1974, p. 606). sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas que o crítico Álvaro Lins surpreende, em um de Louvando-lhe a paciência naquela espera, estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, seus livros famosos, o Jornal de Crítica (1ª série) no “Conceição entrou na sala, arrastando as voltou as costa e foi sentar-se na cadeira, onde conto renovador da escritora neozelandesa. chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, me achara lendo!” (Ob. cit., p.610). Na releitura que estamos fazendo do mestre mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha Alguns instantes depois, chega o de Memórias Póstumas... notamos que elas se um ar de visão romântica, não disparatada com companheiro e bate à janela chamando-o para a encontram presentes em contos como “Missa do o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi missa do galo. Galo”, uma obra-prima no gênero, “Uns Braços”, e sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, É assim o conto um instante apenas de tantos outros igualmente perfeitos. No primeiro, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a beleza e de sonho captado, com mão de mestre, aquela história mais sugerida do que vivida havia acordado, sem querer, fazendo barulho, pelo primoroso narrador que “é o bruxo do Cosme pelo adolescente Nogueira, embevecido pela respondeu com presteza: Velho”. Lições de Poesia José Santiago Naud

ncontro primoroso de fervor e inteligência, partir do limite individual, ascende a instâncias da “Verdadeira aula universitária e este registro literário agora publicado realidade dimensões infinitamente superiores. No universal sobre a Poesia (...), lembrando reúne dois importantes escritores mineiros cerne desta mensagem, irredutivelmente humana, a urgência de retomarem as faculdades Eresidentes na capital federal. Com grande felicidade afeita ao poder do verbo — exímio e inscrito com esse estudo, para superação das carências vem comprovar, em prosa e verso, a prestigiosa sabedoria —, desvela-se a exatidão de uma forma midiáticas, no encontro da alma de Minas, posição de Alan Viggiano e João Carlos Taveira unívoca e absolutamente original de dizer. do Brasil, e a alma universal.” no cenário das letras nacionais. Alan desenvolve Inumeráveis afirmações críticas de óbvia aqui a sua conferência pronunciada na ANE o constatação ilustram a certeira trajetória dos Andou bem, inclusive, ao reproduzir ano passado, quando com amplitude já abordara versos de Taveira, e já se encontram afiançadas nas primeiras páginas do seu estudo a capa do personalidade e valores estéticos na obra do por nomes prestigiosos. A relação dos títulos livro Arquitetura do homem, a obra síntese do poeta Taveira. Ressalte-se a virtude de riquezas é consistente e bastariam as publicações, a que poeta, escrita após um jejum de doze anos, mas primordiais oriundas na província e orientadas o poeta prestou o concurso de suas invenções reflexo de uma vida inteira votada à Poesia. a partir da originária Caratinga ou Inhapim, ou juízos de valor, para consagrar o seu esforço Ali, com a inspiração do “homem vitruviano”, ampliadas em dimensão de universo. e confirmá-lo como autor de franca projeção. geometricamente inscrito nas figuras do quadrado A identidade brilhante dos autores, somando Coevo de quantos se firmaram na década de e do círculo, evoca-se o pensar de Leonardo da interesses afins, confirma circunstâncias singulares 1980, é lídimo herdeiro de experientes gerações Vinci, provavelmente o espírito mais completo que destacam então coletivamente toda a sinergia pregressas e antecipa os achados mais felizes surgido na espécie humana. Soma esotérica de da terra mineira, movida à manifestação da mais de expressões subsequentes. Valha aqui uma visível e invisível, o Céu e a Terra em conjunção viva nacionalidade. Assim, a estrutura coerente do referência que o singulariza. Sua afeição à música perfeita para a excelsa harmonia entre Mundo e Ser. livro faculta-nos o ingresso fecundante num denso erudita e atenção assídua a concertos seletivos ou a É assim. João Carlos Taveira confirma sua e extenso território lírico, plenamente construído discografia de clássicos e contemporâneos podem vida entre imagem e palavra. Augura-nos, além com toda a probidade. A confidência objetiva do explicar muito bem o harmonioso resultado em das sombras do agouro, a suspensão contingente estudo reproduz profusamente a fortuna crítica seus poemas — exatos na técnica (menos por ela pelo sopro do cósmico. do poeta, situando ou reproduzindo seus versos do que pela essência verbal) e plenos de expressiva fiéis ao evoluir cronológico e segundo precisa sonoridade. Firma por si próprio o melhor que se bibliografia. Alcança ainda a claridade explícita produziu na poesia brasileira. A hermenêutica do *Texto publicado nas orelhas do livro A Fortuna Poética de João Carlos de uma conclusão onde o fazer literário, iniciado a Alan não tergiversa. Diz, textualmente: Taveira, de Alan Viggiano (Editora André Quicé, 2012). 6 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012

DÍVIDA VIRTUOSA E Dois poemas de DÍVIDA VICIOSA Astride Cabral Marco-Aurélio de Alcântara

esta altura, acredito que o os mais antigos, dos remendos O vinho da emoção ex-primeiro Ministro de às roupas, das meias solas dos APortugal, José Sócrates, sapatos, das sardinhas na brasa e Derramo o vinho da emoção já esteja de volta à terrinha, do caldo verde, do pão saloio, no em taças de palavra e papel. depois de gozar as delícias de cotidiano. Bancos e Governos são os O tanto que de suas bordas en- Paris, mas receio que ainda tenha grandes culpados da crise europeia, torna me flui pelas fendas medo de possíveis vaias do tipo porque incentivaram o crédito de líquidos olhos, gira monjolos, que recebeu, injustamente, o fácil para aqueles que não fazem as esporeia sonolentos cavalos Presidente Cavaco e Silva na contas. Era a “casa da praia” ou do recente visita a Guimarães. “Erros campo, o barco, a multicarfamily, os acordando o ímpeto dos coices, meus, má fortuna, amor ardente” telemóveis (celulares) para todos, o solta cães de amolados caninos, – os versos do Poeta maior bem cartão de crédito – um, não, vários libera cobras da vagina das covas. que se aplicariam ao socialista – na “bola de neve” do pagamento Atrás da gagueira ou tímida Sócrates e também a outros mínimo. Diz-se que o Brasil, sentado mudez dos lábios lacrados, dirigentes da Europa alargada, nos bilhões de US$ das reservas, além dos recursos da fala, entusiasmados no princípio com não teme a crise. Mas ela pode vir, de todo e qualquer vocábulo, as facilidades da Banca, o crédito fulminante: haverá sempre dinheiro minha emoção é terremoto fácil ao consumismo, as isenções do Tesouro para “bancar” a “Bolsa que me abala e me destrói. fiscais, o Estado-benfeitor com Escola”, a “Bolsa Família, as obras uma generosa Segurança Social, do PAC e outras generosidades? e sem qualquer cobrança de Há sinais perigosos: proliferam produtividade do funcionalismo, os Bancos que se especializam M projetos grandiosos (nova Ponte em “crédito consignado” ao sobre o Tejo, novo Aeroporto funcionalismo, aos aposentados e Internacional). O conceito inicial aos pensionistas do INSS; o SUS da Dívida Virtuosa transformou- A fogueira terceiriza o sistema, financiando se, logo em Dívida Viciosa, sob o a rede hospitalar privada; Bancos, slogan perverso de que “a dívida Em dezembro, sonhar com janeiro, como o Bom Sucesso e o Schahin não é para pagar; e para se ir em janeiro pensar: fevereiro e outros de nomenclatura difícil, pagando”. Principalmente quando que se especializam no crédito vai ser bem diferente. o Estado era o garante, emitindo fácil, começam a quebrar. O A semana inteira chocar o sábado, uma moeda paralela, que são Estado transforma-se em Estado- no sábado, esperar o domingo. os “títulos da dívida pública”, e empreiteiro para a “COPA 2014” e No domingo dizer: no outro, quem sabe? metendo-os compulsoriamente o administrador público ideal é o na goela da Banca a juros e prazos O tempo todo a apoiar-se na bengala político-construtor, que pretende atrativos. Esta, para manter da ilusão, a preferir a cegueira suplantar o adversário com a pedalando a bicicleta, atraia, mais à visão do abismo. demonstração de que “faz mais”, e mais, os clientes da classe média; como se a “engenharia de obras” e até criava uma “nova classe” Cansei-me da farsa. superasse a tão necessária, no chamando para a alcateia dos Fiz uma fogueira, joguei lobos os que viviam, pacatamente, Brasil, “engenharia social”. A Banca a esperança dentro dela dos seus rendimentos mínimos e aumenta as taxas, a “cesta básica de tinham seus tostões amealhados serviços” (ali tudo se paga), e resiste e arregalei os olhos. como nos bons tempos (?) do a dar segurança aos clientes dentro de suas próprias agências. Doutor Salazar. Era a época, dizem M Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 7 Outubro/novembro – 2012 VIVALDI MOREIRA E A PAIXÃO PELOS SEBOS Danilo Gomes

“Buquinemos, amiga, neste do tempo dos Ptolomeus e do belo, habitual peregrinação pelos sebos da Casasanta, Manuel Casasanta, Mário sebo.” (Carlos Drummond de majestoso Farol. cidade que seu bom amigo Juscelino Mendes Campos (pai do Paulo), Hélio Andrade,” Viola de Bolso”.) Com seu instinto aguçado para a Kubitschek havia fundado. Por volta Gravatá, Euclides Marques Andrade, relíquia encoberta, com sua cultura hu- de 9 da manhã de sábado, lá estava eu, Edson Nery da Fonseca (que voltou paixão pelos livros madrugou manística alicerçada nos clássicos, em na casa do Pedro Rogério, o nosso Pe- a morar na sua Olinda natal e recen- no Menino da Mata com seu Unamuno e no essencial Montaigne, o drim. O Dr. Vivaldi já estava a postos, temente completou 90 anos) e outros, cão Piloto, desde a Fazenda do Dr. Vivaldi não escondia a satisfação de terno, gravata e o elegante chapéu de dentre os quais presto aqui também mi- Tanque,A em São Francisco do Glória, mais profunda, lustral, quando encon- feltro, pronto para a corrida aos livros nha homenagem ao modesto, discreto então distrito de Carangola, MG. Me- trava a “pérola” procurada com afinco, velhos. E rumávamos para o objeto de e também já falecido Manoel Esteves, nino e moço, homem feito e já casado no paradisíaco cipoal da livralhada. nossa comum paixão: os sebos! Devido o esquecido autor do delicioso livro com D. Brante, e depois já dobrado o Em suas viagens, nosso saudoso à exigüidade de tempo, percorríamos “Ex-Libris”, mineiro de Grão Mogol. Cabo dos Oitent’Anos, Vivaldi Wences- escritor não perdia tempo no seu afã apenas dois. Um, era o Sebinho de Li- Os bibliófilos formam hoje, na lau Moreira (1912-2001) dedicou sua “sebístico”. Em São Paulo vasculhava, vros, da saudosa D. Eura César de Oli- era da internet e da Apple, uma con- vida à família, aos amigos, ao trabalho, como um Sherlock Holmes, as pratelei- veira e sua nora Cida Caldas, formada fraria mais vasta do que se imagina. aos livros e à Academia Mineira de ras de sebos famosos, como o Brandão, em Letras; o Sebinho fica (e continua, Neste tempo de vídeolivro e outras Letras, cujos membros o aclamaram, o Ornabi, o Calil, o Learte (do seu cada vez melhor), na superquadra 406 novidades e ingresias eletrônicas, os merecidamente, Presidente Perpétuo. amigo escritor Carlos Heitor Castello Norte. O outro, era a Livraria Pindo- adeptos dos sebos (mesmo virtuais) e Quero focalizar aqui o Dr. Branco) e outros. rama , na Av. W-3 Sul, quadra 505, de os bibliófilos continuam atuantes. O Vivaldi Moreira apaixonado pelos li- No Rio, como um Indiana Jones, propriedade do mineiro Décio Murilo objeto livro de papel parece-me que vros e, em especial, pelos livros velhos, percorria sebos fantásticos: a Livraria Drummond. Naqueles dois ambientes não morrerá jamais ou tão cedo, ape- encontráveis em sebos, alfarrabistas e Kosmos, a Elizart, a Winston, o Velho de livros velhos a mancheias, o veterano sar de toda a tecnologia desembestada antiquários daqui e d´além mar. Livreiro, a Antiquário, a Império, a bibliófilo das Minas Gerais entrava em que a todos atropela e espanta pela Conheci o Dr. Vivaldi nos idos Livraria Camões, a Livraria Brasileira estado de bem-aventurança: um caça- velocidade, embora se lhe reconheça o de 1962, na Livraria Itatiaia Editora, e tantos outros, na Rua da Carioca, dor de tesouros de Literatura,História, lado positivo. Não sejamos radicais: os na Rua da , Belo Horizonte. A na Regente Feijó, na Buenos Aires, na Filosofia, Sociologia, Direito, Folclore, radicais tangem o fanatismo, livrai-nos Itatiaia, sob a direção do poeta Édison Miguel Couto, além da célebre Livraria Mitologia, espírito enciclopédico deles, Senhor! Moreira e do editor Pedro Paulo Morei- São José, do seu bom amigo, o legendá- que era. Às vezes me chamava, para Há alguns anos, o mineiro José ra, era ponto de encontro de escritores, rio Carlos Ribeiro,que se intitulava “o proclamar um achado, comentar uma Salles Neto fundou, aqui em Brasília, a jornalistas, profissionais liberais, poe- mercador de livros”. edição que o encantara, contar um caso Confraria dos Bibliófilos, que publica tas, boêmios diuturnos, historiadores, Percorrer os sebos era o seu ou outro, com aquele senso de humor belas edições ilustradas de livros clássi- políticos, artistas plásticos, professores capitoso prazer solitário. que o caracterizava. Que boas garga- cos e até já fora de mercado,esgotados. de Direito, Medicina e outros ramos, Ler, escrever, buquinar em busca lhadas na medida certa! Sabia negociar O Dr. Vivaldi por certo aplaudiria a artistas plásticos, pessoal ligado ao te- de eldorados gráficos: tal foi o nobre com D. Eura e com o Décio: falavam iniciativa e entraria no seleto círculo atro e cinema, notórios freqüentadores destino de Vivaldi Moreira. E seu le- a linguagem dos alfarrabistas. Nosso de devotos laicos. de colunas sociais. Jovens, maduros e gado, além dos notáveis livros que ele autor saía dessas andanças vitorioso, idosos ali “batiam ponto”: muitos “ba- próprio escreveu . como Cid, El Campeador... Feliz da *** tiam ponto” também na famosa Gruta Em viagens pela Europa, às vida, com grandes pacotes de livros, Metrópole, do Jéferson (não é mesmo, vezes em companhia do colega bibli- com seu chapéu de feltro e sem jamais Nós, os aficionados dos sebos, meu caro José Bento Teixeira de Salles?, ófilo Dr. Fausto Alvim (pai do poeta e perder sua britânica elegância. nos recusamos a desaparecer da face e nós dois estávamos entre eles...). embaixador Francisco Alvim, o Chico A década de 1990 findava. A da Terra. Queremos continuar desfru- Mas onde anda o Vivaldi, aman- Alvim de poemas antológicos), Vival- vida do nosso escritor ia também che- tando do prazer solitário da leitura dos te público e notório dos sebos? Ora, di Moreira não tinha sossego. Saía a gando ao inexorável encontro com a livros de feição gutemberguiana. num deles, uai! Quando não está em buquinar pela parisiense Rive Gauche, Velha Dama... Sempre haverá, senhores, res- casa, no trabalho ou na Itatiaia para pelas ruas e ladeiras de Lisboa, pelas Grande parte de seus livros plendendo, a presença icônica e tutelar, dois dedos de prosa com os amigos, vias da Roma Eterna (um “Guia de ele doou para formar bibliotecas na a lição magna, o exemplo imortal de Vivaldi deve estar lá na livraria-sebo Roma” foi escrito e publicado pelo seu sua natal São Francisco do Glória, em um escritor e bibliófilo como Vivaldi do Amadeu Rossi Cocco, na Rua Ta- filho José Maria Moreira) e por onde Muriaé e outras cidades. Grande parte Moreira. Hoje e para sempre. móios, a percorrer estantes em busca mais andou neste mundo: Ceca, Meca de seu acervo seria doado por ele à O Salmo 103 dá um tom poé- de edições antigas e raras, tesouros e olivais de Santarém, Oropa, França Academia Mineira de Letras. Foi um tico à morte. Quase lírico, arcádico, escondidos sob a pátina da leve poei- e Bahia... colecionador e um generoso doador, virgiliano. Salmodiemos, irmãos, como ra. Ele e Amadeu eram muito amigos. Buquinar: eis um verbo que ele um verdadeiro mecenas. numa capela solitária, como na Serra (Mas quem não gostava do Amadeu, o declinou por toda a sua fecunda vida A paixão de Vivaldi Moreira da Piedade, como no Caraça, como no deão dos alfarrabistas mineiros, quiçá de apaixonado pelos sebos. pelos livros encontra parelha em mosteiro dos beneditinos nas proximi- brasileiros, meu saudoso conterrâneo nomes ilustres, como José Mindlin, dades de Belo Horizonte: marianense, que viveria mais de 90 *** Brito Broca, Rubens Borba de Mo- “A vida do homem é como a anos?) raes, Plínio Doyle (o dos memoráveis relva, como a flor do campo. Apenas Vivaldi Moreira passou a vida Quando o Dr. Vivaldi vinha a sabadoyles, no Rio, de que participei roça-lhe um vento, e já não existe.” correndo atrás de preciosidades biblio- Brasília, ele e D. Brante hospedavam- duas vezes, a convite do saudoso po- Mas eis que o espírito é imortal, gráficas, impressões esgotadas, edições -se na casa do filho escritor e jornalista eta e nosso acadêmico Alphonsus de sempre em evolução, amparado e “princeps”, como um monge medieval Pedro Rogério, a esposa Yara e o filho Guimaraens Filho), Octávio Tarquínio iluminado pelo Espírito Santo Paráclito, na vasta biblioteca do mosteiro ou José Maria. Sexta-feira, à noite, Dr. de Souza e sua mulher Lúcia Miguel que sopra sobre as águas. um sábio árabe nas bibliotecas de Da- Vivaldi me telefonava, combinando a Pereira, Amílcar Martins, Eduardo Vivaldi Moreira sobreviveu ao masco e Istambul ou um pesquisador hora em que eu o pegaria no dia seguin- Frieiro, Lauro Pacheco de Medeiros, vento frio da morte e nos transmite sua atento da Biblioteca de Alexandria te, no meu velho Monza preto, para a Ayres da Matta Machado Filho, Mário luz perene, imortalmente. 8 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012 A Infertilidade do Prazer Adirson em Salomão Souza dois tempos Antonio Temóteo erto dia, ao atravessar o parque de o desvestimento de seu leimotiv, que é o lustre da cultura e do descanso. diversões que fica perto de minha BILHETE PARA ADIRSON quadra, no instante em que eu passava O prazer é um ato deleitoso, que fica debaixoC de uma árvore, uma vagem estalou no insistindo com sua voz de repetição. Se a Caro Adirson, suas histórias alto, jogando sementes à minha volta. Algumas repetição acontece insistentemente de forma não são contos, são memórias foram se esconder no meio do canteiro. Diante infértil, instala-se o clima de inconformismo e de Brasília, de suas glórias. daquele som seco, dos saltos das sementes sobre de frustração. Não só de frustração. Onde não Acordes de violoncelos as pedras, instantaneamente estalaram em há fertilidade não há fruto. Não há futuro onde nas encenações de Otelo; mim algumas indagações. Qual a necessidade não há fruto — que traz a perenidade da vida validadas promissórias da secura se é a umidade que provoca o com o corolário da semente. E aquele que não em as outorgas uxórias nascimento da semente? Já que a semente é a vislumbra algum futuro em que possa sobreviver da cidade em formação. responsável pela perpetuidade da vida, o seu e movimentar-se, pode se transformar num surgimento terá sido motivo de algum prazer? destruidor do presente. Você é um aventurado Todo prazer provoca alguma geração? O desejo atrai o desenvolvimento, a riqueza, do ministério de obá, Pude reconhecer, assim, que a semente o conforto, a vontade de viver. A possibilidade de fecundo, predestinado, serve de alegoria para algumas explicações sobre alcançar o prazer torna o homem guerreiro e no rubro pó do cerrado bem cedo chegou pra cá. o prazer neste universo de novas tecnologias empreendedor. Mas, para gerar, o desejo tem de Trouxe a perspicácia e a pena, e de novas exigências de comportamento. desaguar num prazer fértil, que não se esgote em a alma ardente e serena, si mesmo. No entanto, além de não se submeter Primeiramente, a semente que busca alguma a garra pela notícias possibilidade de geração, escolhe lugares de a situações de secura que as amadureçam — novas, bem quentes, notórias, maior recato. Foge da excessiva exposição. A formação acadêmica, atuação moral que envolva o o gosto pela pesquisa, semente que se mostra em excesso torna-se outro —, o homem tem espalhado suas sementes as narrações sem malícia, vulnerável à destruição e, conseqüentemente, de forma desastrada em terrenos que as expõem à a mais genuína história. à infertilidade. Assim, confirma-se aquele destruição. A violência surge da impossibilidade velho adágio: há exigência de a vida ser de encontrar fertilidade para as próprias ações. Assim, caríssimo Adirson , atingida também por situações duras para que As adversidades mais estimulam as tão zeloso e devotado o homem se fortaleça. O equilíbrio leva ao árvores a se engalanarem de floração. Foi Barão do Paranoá, apodrecimento. registrada, numa localidade de São Paulo de alto continue investigando, Desde o prazer sexual até o estético, teor de poluição, a insistência das quaresmeiras juntando os sagrados elos, o homem tem vivido a controvérsia da em buscar a perpetuação da espécie através da pontos, planos, paralelos infertilidade. Esgotado o estímulo nervoso, constância da floração em todas as estações da custosa conexão, cosendo o caso perfeito, o prazer tem resultado num vazio ainda mais do ano. No entanto, não parece que o mesmo com manemolência e jeito, profundo. Não sobra o filho entre os braços, aconteça com o homem. A infertilidade do nas trelas do coração. não sobra o conforto do produto do trabalho prazer tem produzido uma linhagem de homens entre as mãos. O homem trabalha anos e anos, doentes, circulando fora dos manicômios, débeis aposenta-se, e o fruto de seu trabalho não em insistir na formatação de ações regeneradoras O HISTORIADOR passa de sofisma. Retornou todos os dias para do humanismo. casa sem trazer nenhum produto nas mãos, Mesmo que participe de algum repetitivo De Adirson faço um retrato pois não é possível embrulhar uma decisão prazer, aquele que sente que ficou numa inútil como quem pinta a cidade, administrativa. Ficou sem a experiência polução, que descobre não ter sido responsável risco a risco, traço a traço, confortável de carregar para casa uma saca de por alguma geração, sente-se sem motivação com muita simplicidade, cereal, ou de ter entregado a encomenda de para vislumbrar o futuro. Sem o vislumbre do um eixo. Não sobra nem mesmo o conforto futuro, o homem não precisa de territorialidade e nesse esboço que faço do esperado período das férias. O sexo é um para se instalar — avoca o poder de aniquilá-lo. reforço a criatividade, tomo o escritor pelo braço ato cheio de preservativos para não gerar. O Em gangues ou solitário, vai insone pela noite, e mãos. Quanta habilidade objeto estético está impedido por diversos com o pé-de-cabra, sem consciência do que possa fazer com a ferramenta. imperativos para não conter emoção, pois tem quando imprime as lembranças, o que se exige é o construtivismo objetivo e Na praça, a pequena criança apalpa o nas folhas de um livro avança, utilitário. Quanto desconforto sair de férias banco estilhaçado, ronda-o, e quer saber quem puxando pela memória, e sentar-se numa praia com o atropelamento o quebrou. Será difícil apresentar-lhe resposta de ofertas de comidas, redes, badulaques! satisfatória. Certamente nenhuma, pois nem juntando os seixos dispersos, Parece que as férias servem para aquisição de para nós mesmos — com toda organização apurando o verbo e o verso inutilidades e para aceleração da correria, com teórica — conseguimos resposta convincente. quando narra e escreve a história. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 9 Outubro/novembro – 2012 Boas novas da Agregar República

Emanuel Medeiros Vieira* Mineira das Letras Alexandre Staut (*)

“Não Matarás”: não basta. sses dias, num bate-papo com meu editor, falávamos nos tantos autores Teu mandamento será este: farás tudo para que o outro viva. mineiros que fundaram a literatura contemporânea nacional. São poetas, cronistas, romancistas e contistas, de temas e obras diversas. Começamos a É vero sim o que quero: E enumerar um ou outro escritor. Dezenas de nomes foram lembrados. Tão vasta é não me importa o estoque de teu capital, Brasil, a lista, que há até mesmo um “Dicionário biobibliográfico de escritores mineiros” mas tua capacidade de: amar (2010), obra de Constância Lima Duarte. Há ainda o livro de Humberto Werneck, lavrar “O desatino da rapaziada” (de 1992, reeditado recentemente), fonte e tanto sobre aspirar o celeiro que representa Minas na seara da literatura, com verbetes sobre Carlos Drummond de Andrade, , Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, compreender. Paulo Mendes Campos, Ivan Ângelo, Silviano Santiago, Murilo Rubião, entre dezenas de outros, que fizeram bonito entre 1920 e 1970. Esse estatuto de miséria não é o nosso, Pois bem, dentro de tal república das Gerais, há microrregiões produtivas, e a tecnologia da última geração não me sacia: como se fossem microclimas, caso estivéssemos falando de geografia. Um desses lugares chama a atenção. Trata-se de Cataguazes, cidade operária da Zona da meu coração navegador quer mais. Mata, que se situa a 320 quilômetros da capital do Estado. De lá, destacam-se A Ética – cuspida, debochada, no reino do simulacro, vários nomes. Para ficar em alguns, cito Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Ronaldo Virou produto supérfluo porque não tem valor contábil. Werneck, Chico Peixoto, Luiz Ruffato, Ronaldo Cagiano e Eltânia André. É sobre o trabalho dela que escrevo aqui. Autora do livro de contos de título charmoso, “Meu nome agora é Jaque” Tempo dessacralizado e sem utopia: (2007), Eltânia acaba de lançar sua segunda coletânea de histórias curtas, “Manhãs a esperança é um cavalo cansado? adiadas”, que sai pela Dobra Editorial. A aventura acabou no mundo? Logo no primeiro dos 14 contos, “Parábola para Olgamaria”, é possível perceber Seremos apenas meros grãos de areia na imensa praia global? o domínio técnica da escritora, que cria imagens poéticas por meio do encadeamento Habitantes de um mundo virtual neste mercado sem cara? de palavras, em frases de carpintaria poética. Aqui, ela investiga o cotidiano de uma mulher surda, de “rosto coberto por mapas, que traçavam rotas insondáveis: duas Soará pomposo, eu sei: geografias distintas que se cruzam com o silêncio da boca”, seu cotidiano comezinho, não deixemos que nos amputem a alma construído de forma a mostrar os vazios e ecos da alma da protagonista. (e que acolhamos o outro). A observação microscópica, detalhada de personagens, lugares, coisas Ser gente: não mera massa abúlica, informe, com os olhos colados continua em outros contos e chega ao ápice no texto “O canto da cigarra”, em que uma personagem se aproxima de um inseto. “Retenho em minha mão uma no retângulo luminoso de todas as noites. cigarra, entre tantas espalhadas pelas árvores. Os machos numa sinfonia histriônica O tempo é apenas dos alpinistas sociais? anunciam o verão, serenatam para as fêmeas. Ela, a cigarra, encara-me; somos seres Sou bom porque apareço, não apareço porque sou bom. da natureza, vivos, mas se eu decidisse, bastaria um ágil gesto de fechar as mãos para aniquilar um inseto”, diz a autora, num diálogo com certa “nobre senhora”, que ao entrar no quarto da ex-empregada, avista uma barata, a “barata-de-Clarice”, Na internet a solidão é planetária., conforme escreve Eltânia. mas do abismo – fragmento – irrompe um menino eterno, Cada história traz uma frase, com pílula de ideias daquilo que o leitor vai e sentes o cheiro de uma manhã fundadora. encontrar nas páginas seguintes. Em “Monólogo sobre leões e borboletas”, por (A Morada do Ser é mais importante que o poder/glória.) exemplo, a autora diz: “(...) eu via sinais de sorte, mas tava montado era no azar”. Já em “Pássaros que não voam”, surge a frase: “Viver é essa gaiola aberta: o medo da liberdade”, pequena ideia, que, por si só, representa um instante poético inspirado. E o poema resiste, Em antítese aos contos de observações microscópicas, em que a autora parece singra a eternidade, se apropriar de pequenas formas da vida, com precisão quase cirúrgica, há textos despista a morte, que parecem ter sido escritos para se ler em pé, com voz empostada. Exemplo: “Dias seu estatuto não é mercantil. de rato”. Aqui, o estopim da ação traz a cena de um sujeito deitado, abandonado à própria sorte, na Rua da Consolação, em São Paulo, um obstáculo que parece morto em meio às tantas pernas da multidão anônima que atravessa o lugar. Assim Já não esqueces o essencial: como neste exemplo, outros textos se aproximam da crônica. Trazem os dramas Na estrada de pó e de esperança, acolhes o outro. do cenário urbano, em que a linguagem se aproxima do popular, com crendices e conflitos de um Brasil contemporâneo. Se no pequeno texto introdutório do conto “A solidão de Alzira”, a autora sugere uma figura que não entendia de metáforas - “Ela não entendia as metáforas, (*) Este texto obteve o Primeiro Lugar no Concurso Nacional de Poemas, sucumbiu à fantasia de não ter vivido como queria, mas nunca em vão” -, é preciso promovido pela Associação de Cultura Luso-Brasileira, de Juiz de Fora, dizer que ela consegue captar, neste livro, as tantas metáforas de um Brasil múltiplo, Minas Gerais, sendo contemplado com a Medalha de Ouro “Jacy Thomaz que vai do extremo da luminosidade a pontos mais sombrios e dramáticos. Por Ribeiro.” O tema do concurso foi “Solidariedade: Por um Mundo Melhor.” isso este livro merece ser lido.

(*) Escritor e jornalista, é autor dos romances “Jazz band na sala da gente” (Toda edições, SP, 2010) e “Um lugar para se perder” (Dobra, SP, 2012) 10 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012 QUEM FOI DON CARLOS ? Ruy Valle

o lado do celebrado poeta e filósofo Com a morte de Dão Sebastião o Cardeal D. Tendo sido conseguida a entrevista Johan Wolfgang Von Goethe, Frederick Henrique ocupou o trono por dois anos e faleceu, desejada, o rei descobriu, causando-lhe tremenda Schiller é considerado um dos líderes fazendo com que o trono voltasse a vagar. revolta e se negando, peremptoriamente, que ao doA romantismo, movimento literário surgido na Dois candidatos pleitearam a coroa Infante fosse concedido o comando das tropas de Alemanha no final do século XVIII e princípio do portuguesa em 1580, o rei da Espanha, Felipe ocupação por julgá-lo frágil e imaturo, resultando XIX, caracterizado pelo predomínio da emoção II, por ser filho de mãe portuguesa e casado, em uma furiosa reação contra o pai, ameaçando acima da razão, contra o Estado opressor, o primeiro casamento com a princesa portuguesa ainda de morte o Duque de Alba, a quem o rei despotismo, a exacerbação dos sentimentos Dna. Maria Manuela, filha de Dão João III, havia nomeado chefe das forças espanholas que patrióticos, passionais e políticos. o outro candidato era Dão Antônio Prior do partiriam para combater as rebeliões em Flandres. Schiller (1759-1808), no campo da poesia Crato, filho natural de Dão Luiz, neto do rei Dão O radicalismo da corte espanhola é legou à humanidade a “Ode à Alegria”, utilizada Manuel, ambos já mortos. retratado por Schiller, no trecho em que uma por Ludwig Van Beethoven, em 1824, no último Enquanto que as classes populares optavam dama de companhia da rainha, manifestando a movimento de sua 9ª Sinfonia, o coral, adotado por Dão Antônio por ser português, Felipe sua satisfação por estar a corte saindo da sede atualmente como o hino da Comunidade II era preferido pelas classes dominantes, das de campo para Madri, porque lá havia grandes Europeia. abastecidas e do Clero. festejos, com corridas de touros e ainda um Em 1800, com sua concepção romântica Felipe II triunfou em sua reivindicação, Auto de Fé. A rainha que era francesa, manifesta Schiller escreveu a peça Maria Stuart, na qual a anexando ao seu grande império, no a sua repulsa pelo júbilo da doce espanhola rainha da Inglaterra Elizabeth I visita a princesa que resultou com que durante 60 anos, de 1580 por manifestar entusiasmo por tão macabro escocesa, preso na Torre de Londres, mantendo a 1640 reinasse na nação portuguesa a dinastia espetáculo, ao que essa justifica: “– por que não? com a mesma um longo diálogo, findado o qual filipina, passando o Brasil colônia a ser colônia afinal não passam de hereges as pessoas que vemos a condena à morte. Tal entrevista, dizem os de outra colônia. serem queimadas.” historiadores, que na realidade jamais ocorreu. A corte espanhola era um reino de Enquanto que na peça de Schiller o Ato Mantendo a concepção de se posicionar a repressão e intrigas, entre duas forças que se de Fé é apenas citado, na ópera em que Verdi, favor dos oprimidos e perseguidos políticos ou completavam, o poder temporal, representado adaptou a peça de Schiller em 1866, ao teatro religiosos escreveu Schiller, em 1788, o drama pelo Rei e, o espiritual, sob o comando do lírico, a solenidade do sacrifício dos condenados histórico Don Carlos, sobre a tragédia do Infante, Inquisidor Mor. pela Santa Inquisição é representada. A solenidade filho de Felipe II, rei da Espanha e que após a Felipe II havia se casado com Isabel de Valois, da execução das vítimas é mostrada em plena morte do rei, como seu filho primogênito deveria filha do rei de França, Henrique II, em seu terceiro praça púbica, precedida por militares, padres, ser coroado rei com a inclusão ainda de Portugal matrimônio; em seu primeiro, com Dna. Maria de banda de música e, finalmente os condenados. e suas colônias, na África, Ásia, América do Portugal tiveram um filho, Don Carlos, cuja mãe As autoridades dirigem o ato à frente das quais Norte, Central e do Sul, incluindo o Brasil. falecera em seu nascimento em 1545. Em 1559 Don se encontra o próprio rei, entre os condenados à Portugal perdera sua independência, Carlos ficara noivo de Isabel de Valois. Todavia, por fogueira estão os revoltosos de Flandres, o Infante sendo anexado à Espanha em 1580, posto que razões políticas, a sua prometida veio a se casar Don Carlos se adianta e implora clemência para com a morte de Dão João III, em 1557, o trono com seu pai. Tal fato inspirou Schiller o tema de os mesmos, o rei indignado acusa terem eles fora deixado para Dão Sebastião, neto do falecido seu drama, fazendo de Don Carlos um personagem tramado contra o rei e a Santa Igreja, devendo rei, quando tinha apenas três anos de idade, apaixonado pela sua madrasta e em conflito ser queimados vivos, como exemplo. O Infante, ficando como regente seu tio avô, o Cardeal com o seu pai, porque este lhe negava confiar o com espada em punho se lança contra o rei, é D. Henrique, que havia ocupado o tenebroso comando de tropas para lutar em Flandres, que no desarmado e preso, vindo a ser morto por ordem cargo de Inquisidor Mor, da Santa Inquisição norte da Europa era ocupada pela Espanha, onde do Inquisidor Mor, enquanto o rei se incumbe de em Portugal. a população se revoltava por falar outro idioma tirar a vida da rainha. Dão Sebastião foi coroado rei de Portugal e, ser em sua maioria constituída por luteranos, Apesar de ser retratado como apenas em 1568, com apenas 14 anos de idade, tendo enquanto os seus dominadores eram católicos vítima na peça de Schiller, que era luterano, na sido educado dentro de uma radical religiosidade, romanos que consideravam os protestantes como realidade Don Carlos foi uma criatura doentia, cultivando o heroísmo militar, sonhando ateus, submetendo-os a perseguições e impondo- um ser vicioso, de paixões incontroláveis, com grandes vitórias, preenchidas por atos lhes punições severas. de grande instabilidade mental. Devido aos heroicos, acreditando ser o seu caráter semi- Em função de tal revolta dos habitantes de sucessivos casamentos entre as duas coroas divino, pretendendo livrar do mundo judeus, Flandres (Países Baixos) é que a peça de Schiller peninsulares, Don Carlos tinha apenas quatro muçulmanos e luteranos e que Portugal seria o apresenta o mais destacado personagem, o bisavós, em vez dos normais oito, e seis trisavós, salvador do cristianismo. Marques de Posa, Rodrigo, um liberal precoce em vez de dezesseis. Durante os dez anos em que reinou sonhou no século XVI, que sendo um nobre espanhol, com a luta e a vitória sobre os inimigos da fé passando por Flandres se indignou com o Obras Consultadas: cristã. tratamento vil dado por seus patrícios espanhóis Schiller, Friedrich – Don Carlos, Infante de Em 1578, com 24 anos, formou um grande aos naturais da região e, voltando à Espanha, Espanha - poema dramático - recriação poética de exército de mercenários e se lançou contra os procurou convencer Don Carlos, seu amigo Frederico Lourenço, Edições Cotovia Ltda. Lisboa, 2008. Saraiva, José Hermano – História Concisa de árabes do Norte da África, sendo derrotado, de infância, a ser designado pelo pai, para ter Portugal, 21ª Edição de 2001, Publicações Europa- fragorosamente, na batalha de Alcacer Quibir, o cargo de administrador dos territórios do América Ltda., Apartado 8 – Mira Cintra – Portugal, onde foi morto ou considerado desaparecido, norte ocupados pela Espanha, enquanto que 375 pp. os combatentes lusitanos ou foram mortos, ou o Infante lhe pedia, para que fosse conseguida Carlos de Espanha, Príncipe das Astúrias – foram feitos prisioneiros. uma entrevista em particular com sua madrasta. Wikipédia a Enciclopédia Livre. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 11 Outubro/novembro – 2012 continuação da página 1 Funerais no Brasil Holandês Leonardo Dantas Silva

ão tendo construído nenhuma igreja Puseram ao defunto em uma tumba depois de darem volta a todo o Recife, durante os 24 anos em que estiveram no coberta de veludo negro, com as armas entraram na igreja do Corpo Santo, que Brasil, com exceção apenas para o templo da casa de Nassau esculpidas nele; e a eles lhe serve hoje de pregarem suas dosN calvinistas franceses, no local hoje ocupado afastando-se toda a turbamulta [multidão falsas seitas, e fazerem suas diabólicas pela igreja do Divino Espírito Santo, os holandeses em desordem] para uma banda, e a outra cerimônias, e ali enterraram o corpo, ocuparam os templos católicos do Corpo Santo (o parte, saiu o mordomo do Príncipe com metido em uma caixa, sem música, nem mais importante) e do Convento de Santo Antônio, dois açafates cheios de luvas negras, e lágrimas, nem outras demonstrações na ilha de Antônio Vaz. pedaços de fita de seda negra, e larga, cada de preces, e sufrágios; e enquanto o Neles foram levadas a enterrar as principais pedaço de comprimento de quatro palmos, enterraram, deu toda a soldadesca três figuras do tempo falecidas em : e a todos os familiares da casa do Príncipe, cargas de mosquetaria, e as fortalezas da Pieter Codde (f. em 1633), Dirk Code van der capitães, e pessoas conhecidas, foi dando terra, e naus do mar, dispararam muitas Burgh (f. em 1644), João Ernesto de Nassau (fr. a cada um umas luvas, e atando-lhe nos peças. 1639) e, ao que parece, Elias Herckman (f. em braços esquerdos um pedaço de fita, que Isto acabado tornaram todos 1644). Os enterros tinham o seu preço fixado este era o luto, e o sinal de tristeza. Isto acompanhando ao Príncipe com a mesma pelo Alto Conselho, variando, assim, entre 150 feito chegaram oito familiares do Príncipe, ordem que haviam vindo, até fora da (no corpo da igreja) e 25 florins (cemitério da e levantaram a tumba aos ombros, e a porta do Recife, aonde o Príncipe com o igreja). Havendo preços especiais para menores cobertura dela ia quase arrojando por chapéu na mão, fez a todos uma profunda de 12 anos e para e cemitério do convento e igreja a terra, e diante da tumba se pôs um reverência; e isto feito se foi cada um nova francesa.1 homem vestido de luto, com um escudo, para sua casa. E aqui me falta uma Desses sepultamentos desperta a atenção aonde iam pintadas as armas, e brasão advertência, e é, que antes que levassem o dos interessados em tal período, o de João Ernesto dos Príncipes de Orange; e junto a este corpo a enterrar, estava posta uma mesa de Nassau, irmão do conde João Maurício de homem um cavalo vestido de baeta negra, na casa do Príncipe, sem toalhas, mas Nassau, que recebeu descrição minuciosa que que só as orelhas, e os olhos lhe apareciam, com muitos pratos cheios de carne cozida, chega aos nossos dias, segundo tela pintada em e os cascos dos pés e mãos, e começando e assada, e peixe de escabeche, outros com cores vivas pela pena do frei Manuel Calado do a caminhar se pôs no meio de todos, um pedaços de queijo, outros com manteiga, Salvador, no seu Valeroso Lucideno:2 pregoeiro com um rol nas mãos, e foi e muito pão partido em fatias, e muitos nomeando por seus nomes a todos os que frascos de vinho de Espanha, e França, Andava neste tempo pelo mar à haviam de ir naquele acompanhamento, cerveja, e aguardente, aonde cada um ia pilhagem com quatro naus grossas o irmão por sua ordem cada um, no lugar que ali tomar sua refeição, e fazer seus brindes, do Príncipe João Maurício, chamado João lhe sinalavam. segundo levava gosto, e estes eram os Ernesto, o qual também se intitulava Detrás da tumba foi o Príncipe Pater Noster, e responsos, que rezavam Conde de Nassau; e no mar lhe deu uma vestido de veludo negro ao ligeiro, pelo defunto, e o mesmo tornaram a enfermidade de câmaras de sangue da com luvas negras nas mãos, e uma fazer depois que lhe deixaram o corpo qual morreu, e o trouxeram morto ao plumagem branca no chapéu, junto ao enterrado. E para isto se fundam em sua Recife para lhe darem sepultura. Mandou qual ia o seu Capitão da Guarda com falsa seita, a qual pregam, e creem que o Príncipe meter o corpo defunto em uma doze alabardeiros, seis de cada parte, não há aí purgatório, nem são necessárias casa aonde o embalsamaram, e mandou logo iam todos os criados do Príncipe, preces, e sufrágios feitos pelos defuntos, pedir aos moradores mais nobres da terra, e, oficiais de sua casa, cada qual com porque todos os que crerem em Cristo, que viviam mais perto do Recife, que se o vestido que trazia ordinariamente; hão de ir ao céu, ainda que não façam quisessem achar presentes, e acompanhá- após estes se seguiam os três do supremo boas obras, e para isto alegam aquelas lo na hora de seu enterramento, o que Conselho com os seus secretários, logo palavras do Evangelho. Marcos. 16; eles fizeram com muita pontualidade, iam os do Conselho Político, logo os versículo 16. vestindo-se os mais deles de vestidos da Câmara da Justiça ordinária, a que Qui crediderit, e baptisatus fuerit, negros, para representarem a tristeza, e chamam escabinos, com todos os oficiais salvus erit. Não atentando que está dando luto, e o Príncipe os agasalhou à sua mesa daquele tribunal, logo os oficiais maiores vozes o Apóstolo Santiago na sua Epístola a muitos deles; e chegadas às duas horas da milícia, logo os portugueses, que Católica, cap. 14. Siquis dixerit sidem se depois do meio-dia mandou pôr muitas haviam sido chamados para aquele ato, habere, opera autem non habeat, nihil illi barcas, e batéis no porto da Cidade logo os mercadores flamengos, franceses proderit. E São Paulo in Epist. ad Rom. cap. Maurícia (a quem divide do Recife a e alemães, logo os judeus, e após estes 9, n . 32 e I. Corinth. 15. Fides sine operibus corrente dos Rios Capibaribe, e Beberibe) se seguiam todos os capitães com suas mortua est. para passar toda a gente, sem pagar frete, companhias postas em ordem e detrás Que pouco aproveita que um e logo mandou tirar o corpo morto da destes iam os índios brasilianos com homem creia em Cristo, se a esta fé a não casa onde estava, e metido em um ataúde, suas armas, assim de fogo, como arcos e acompanham as boas obras, porquanto a o passaram da outra banda do Recife, e flechas; e no fim desta procissão ia toda fé sem obras é fé morta. o puseram ali no areal, onde o estavam a outra turbamulta do povo. Com esta esperando os do supremo Conselho, e os ordem foram entrando por a porta do do político, e todo o mais povo do Recife Recife, e foram dando volta por todas as 1. MELLO, J.A. Gonsalves de. Tempo dos flamengos. Recife: assim flamengos, franceses, e alemães, Editora Massangana, 1987. p. 114 ruas, sem ninguém falar palavra, antes como também judeus. E a forma com que 2. CALADO, Manuel. O Valeroso Lucideno e o triunfo da iam todos em um profundo silêncio, e liberdade. Recife: CEPE, 2004. vol. I, p. 150-153. levaram a enterrar o corpo, é a seguinte. 12 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Outubro/novembro – 2012 DE PROSADORES E POETAS Fontes de Alencar

onoré de Balzac (1799-1850) – conheci- tando ainda avançar, gigantesco sonâmbulo desse de Brasília, 1974). Remete-se o ensaista a versos damente criador do romance moderno, sonho arruinado. recoltados do poema Sete Sonos. o fecundo autor de A Comédia Humana O Sesquicentenário do poeta ficou marca- H– em A Mulher de Trinta Anos (tradução de Paulo II do pela publicação, que o Estado de pro- Neves) assim disse daquele último desfile: moveu, de Verso e Prosa de Pedro de Calasans Em alusão ao tempo da mocidade de Joa- (Organização, introdução e notas de Jackson da Esse domingo era o décimo terceiro do ano quim Nabuco observou Graça Aranha, em obra Silva Lima). de 1813. Dois dias depois, Napoleão partia para de 1923, que os jovens poetas do romantismo, for- Lamartineano, essa sua tendência dos pri- aquela campanha durante a qual ia perder suces- mantes da dianteira literária, eram atrasados em meiros tempos evidenciava-se no poema Escuta, sivamente seus generais Bessières e Duroc, ganhar relação ao agitamento ideativo, e acresceu que já de que reproduzo os versos iniciais: as memoráveis batalhas de Lutzen e de Bautzen, Baudelaire havia, desde 1857, transfigurado a mu- ver-se traído pela Áustria, pela Saxônia, pela Ba- sicalidade da poesia, Verlaine dava ritmo à melan- Se para amar-te for mister martírios, viera, por Bernadote, e disputar a terrível batalha colia universal, Walt Withman antecipava o fulgor Com que delírios saberei sofrer! de Leipzig. dionisíaco de Rimbaud. ...Ordens de comando propagaram-se O referido historiógrafo, autor, dentre de fila em fila como ecos. Gritos de “Viva o im- outras obras, de História da Literatura Sergi- perador!” foram lançados pela multidão entu- pana (I e II), ao repertoriar as produções do siasmada. Tudo enfim vibrou, agitou-se, estre- vate frisou: meceu. Napoleão estava a cavalo ...Os muros das altas galerias do velho palácio pareciam Seu lugar na literatura pátria é as- também gritar: Viva o imperador! Não foi algo segurado pelo íntimo convívio com as mu- de humano, foi uma magia, um simulacro da sas... Muitas são as facetas dessa presença potência divina, ou melhor uma breve imagem estética... : abolicionismo, ultra-romantis- desse reinado tão fugaz ...Entre tantas emoções mo, literatização do popular, realismo crí- por ele excitadas, nenhum traço de seu rosto tico-social, sátira e ironia, experimentação pareceu se comover. lúdico-verbal.

A poética hugóica (1802-1885) en- Em relação ao campo de ação último, cantou fortemente o poetar do século XIX, Jackson da Silva Lima em seu repertório re- sobretudo o seu verso altíssono que retum- alça a composição poética Lucidus Ordo, que bou no nosso condoreirismo. A doce lírica, se acha em Ecos da Juventude (manuscrito). contudo, perdura entre nós em virtude da Calasans buscou o título em Horácio (Ars vernaculização de versos seus por compatrí- Poetica – Epistula ad Pisones) precisamente cios nossos, dentre os quais , no verso que Dante Trigale assim traspassou no século XIX – v. O Tradutor Ignoto, no Jor- para o português: nal da ANE de nº 42 –, e neste nosso tempo Anderson Braga Horta, José Jeronimo Rivera a quem escolher a matéria segundo e Fernando Mendes Vianna. suas forças, nem a facúndia, nem a lúcida or- De enorme significância também é sua dem o abandonarão (São Paulo: Musa Edi- criação em prosa. Os Miseráveis, de 1862, traz tora, 1993). prefácio do próprio Hugo – forte brado contra a ignorância e a miséria do mundo. No Livro Agora, caro leitor, o soneto: I da 2ª parte da obra, Waterloo. Em dado mo- Lucidus Ordo mento da narrativa – na versão de Regina Cé- lia de Oliveira – o prenúncio dramático: Meu tinteiro por tampa tem o busto Entre os moços que então aqui poeta- De um vendilhão saxônio atido ao copo; Todos conhecem o pungente equívoco de vam, Pedro de Calasans (1836-1874), nascido Pode-se compará-lo, e até sem tropo, Napoleão; Grouchy era esperado, mas foi Blücher em Sergipe. História da Faculdade de Direito do A um Bernardo roaz, rolho, robusto! quem veio; a morte em lugar da vida. Recife, diz do primeiro centenário da veneranda O destino dá essas voltas. Esperava-se o tro- Instituição. Clovis Bevilaqua, nela nomencla- Lacre, lápis, papéis, penas! – a custo no do mundo, avistou-se Santa Helena. turando os bacharéis de 1859, ao nome de Com o que procuro raras vezes topo! Calasans acrescentou: excelente poeta. São obras Autos, Byron, Lobão, Ortiz (Jacopo), E o gênio do romancista fê-lo traçar mais suas: Páginas Soltas, Últimas Páginas, Ofenísia, Poesia e direito: o belo e o justo! este quadro singular: Wesbade, Uma Cena de Nossos Dias, Camerino Ao cair da noite, em um campo nas imedia- e Cascata de Paulo Afonso; a terceira, publicada Marca a espátula ebúrnea o velho Autran; ções de Genappe, Bernard e Bertrand seguraram em Bruxelas, no Reino da Bélgica; a quarta e a Descansa Mackeldey sobre Stendal; pelo casaco, e fizeram parar, um homem desvaira- quinta, em Lípsia, na Alemanha. Para Domin- Marca um cigarro as folhas de Ortolan! do, pensativo, sinistro, que, arrastado até ali pela gos Carvalho da Silva ele influenciou Castro Al- torrente da derrota, acabava de descer do cavalo, e, ves ou ... , pelo menos, o impressionou. Um dos Repousa meu cachimbo sobre Stäel depois de enfiar o braço pela rédea, olhos perdidos, poemas de Castro Alves traz uma epígrafe de Ca- A Bíblia acotovela o D. Juan... voltava sozinho para Waterloo. Era Napoleão ten- lasans (A Presença do Condor – Clube de Poesia Ordem lúcida assim – ninguém viu tal!