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Psicologia: Reflexão e Crítica ISSN: 0102-7972 [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil

Dittrich, Alexandre Sobrevivência ou Colapso? B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 21, núm. 2, 2008, pp. 252-260 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil

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Sobrevivência ou Colapso? B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas

Survival or Collapse? B. F. Skinner, J. M. Diamond and the Fate of Cultures

Alexandre Dittrich* Universidade Federal do Paraná

Resumo Um dos aspectos mais interessantes e polêmicos da obra de B. F. Skinner é sua interpretação sobre a evolução das culturas. De acordo com o autor, as conseqüências de práticas culturais retroagem sobre as culturas, no sentido de aumentar ou diminuir suas chances de sobrevivência. O livro “Colapso”, do biólogo e geógrafo norte-americano Jared Diamond, apresenta semelhanças marcantes com a teoria de Skinner, evidenciando que as conseqüências de práticas culturais têm influência decisiva sobre o destino das culturas. Este artigo busca detalhar tais semelhanças, argumentando que o livro de Diamond serve como complemento à teoria skinneriana, pois ilustra com exemplos concretos as afirmações gerais de Skinner sobre a evolução das culturas e, com isso, confere-lhes maior clareza e credibilidade. Palavras-chave: Skinner, Burrhus Frederic; Diamond, Jared Mason; cultura; behaviorismo radical.

Abstract One of the most interesting and polemic features of B. F. Skinner’s work is his interpretation about . According to that author, the consequences of cultural practices have a retroactive effect over the cultures, increasing or decreasing their chances of survival. The book “Collapse” – written by the north-Ameri- can biologist and geographer Jared Diamond – shows remarkable resemblances with Skinner’s theory making clear that the consequences of cultural practices have a decisive influence over the fate of cultures. This paper aims to detail such resemblances, considering that Diamond’s book serves as a complement to Skinner’s theory, because it illustrates with concrete examples the general statements made by Skinner about cultural evolution and, by doing so, makes these statements clearer and more credible. Keywords: Skinner, Burrhus Frederic; Diamond, Jared Mason; culture; radical behaviorism.

A marca dos grandes psicólogos é a capacidade de pen- tamente, um dos aspectos mais interessantes e polêmicos sar o mundo a partir da psicologia – de analisar, a partir de da obra de Skinner é sua interpretação sobre a evolução suas teorias, uma ampla variedade de problemas, alguns das culturas. Ela parte de um fato aparentemente óbvio: a dos quais podem até mesmo parecer, num primeiro mo- matéria-prima das culturas é o comportamento humano, mento, distantes do universo psicológico. B. F. Skinner entendido como relação indissolúvel e bidirecional entre o (1904-1990) certamente se encaixa nesta categoria. Sua que o ser humano faz e as circunstâncias sob as quais ele o obra é um legado fascinante, um rico documento de sua faz. As culturas caracterizam-se por suas práticas, e práti- trajetória na tentativa de compreender a complexidade do cas culturais são conjuntos complexos de comportamentos fenômeno humano. O behaviorismo radical e a análise do executados por pessoas que interagem entre si, transfor- comportamento, obviamente, avançaram para além de mando seus ambientes físico e social. Tais práticas são não Skinner, mas sua obra permanece como referência perene apenas modeladas e mantidas pelos membros de uma cul- para todos os pesquisadores nesta área. tura, mas por eles transmitidas para as gerações seguintes. Notoriamente, os analistas do comportamento vêm de- Assim definidas, práticas culturais caracterizam-se por monstrando um interesse crescente por fenômenos sociais produzir efeitos que retroagem sobre a própria cultura: “fa- e culturais (p. ex., Andery, Micheletto & Sério, 2005; Glenn, zer uma ferramenta, cultivar alimento ou ensinar uma cri- 1988; Guerin, 1994; Lamal, 1997; Todorov, Martone & ança”, por exemplo, são práticas culturais (Skinner, 1981/ Moreira, 2005). Skinner, igualmente, dedicou-se à análise 1984, p. 478). Elas são compostas por interações comple- de tais fenômenos em diversos momentos ao longo de sua xas entre diferentes operantes, possivelmente emitidos por obra (p. ex., 1953/1965, 1971b, 1948/1978a, 1978f). Cer- diferentes indivíduos. Operantes, como sabemos, geram por si sós conseqüências que determinam a probabilidade fu-

* Endereço para correspondência: Universidade Federal do tura de respostas da mesma classe. Mas os efeitos dos quais Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departa- Skinner trata quando discorre sobre práticas culturais são mento de Psicologia, Praça Santos Andrade, 50, 2° andar, sala de outro tipo: “é o efeito sobre o grupo, não as conseqüên- 215, Centro, Curitiba, PR, 80060-240. Tel.: (41) 3310 2625; Fax: (41) 3310 2641. E-mail: [email protected] cias reforçadoras para membros individuais, que é responsá-

252 Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 252-260. vel pela evolução da cultura” (1981/1984, p. 478). Obvia- impacto do crescimento demográfico. (2005, p. 18-19) mente, conseqüências reforçadoras são um pré-requisito Nos dias atuais, os problemas ambientais com os quais para o surgimento e manutenção dos operantes que inte- nos defrontamos incluiriam, além dessas categorias, mais gram práticas culturais. Mas tais práticas geram também quatro: “mudanças climáticas provocadas pelo homem, conseqüências que – tenham ou não efeito reforçador so- acúmulo de produtos químicos tóxicos no ambiente, ca- bre certos operantes – retroagem sobre as culturas no sen- rência de energia e utilização total da capacidade fotos- tido de aumentar ou diminuir suas chances de sobrevivên- sintética do planeta” (2005, p. 22). Estes processos, por cia (Skinner, 1953/1965, 1971b, 1981/1984). sua vez, podem gerar graves conseqüências sociais, que O conceito de sobrevivência das culturas pode parecer incluem “escassez de comida, fome, guerras onde muita excessivamente abstrato para os membros de muitas das gente luta por poucos recursos, e derrubada de elites gover- culturas atuais. Culturas podem, de fato, desaparecer? Em nantes pelas massas desiludidas” (p. 19). caso positivo, por que isso acontece? É para essas questões A preocupação com os problemas ambientais e com suas que o biólogo e geógrafo norte-americano Jared Diamond possíveis conseqüências para o futuro das culturas é evi- busca respostas em seu mais recente livro, “Colapso”, lan- dente também na obra de Skinner (1971b, 1973/1978c, çado em 2005 e traduzido no Brasil no mesmo ano. Há 1976/1978d, 1985, 1987, 1989a) – embora, é claro, Skinner certas diferenças, na verdade, entre o que Diamond chama não especifique, com a precisão de Diamond, quais destes de “colapso” e o completo desaparecimento de uma cultu- problemas representaram ou representam maior ameaça ra: “Como colapso refiro-me a uma drástica redução da para as culturas. Na comunidade utópica retratada em população e/ou complexidade política, econômica e social, “Walden II” (1948/1978a) as questões ambientais são, igual- numa área considerável, durante um longo tempo. O fenô- mente, consideradas parte importante do dia-a-dia, e o con- meno do colapso é, portanto, uma forma extrema de diver- sumo de recursos naturais é mantido sob padrões razoáveis. sos tipos mais brandos de declínio” (p. 17). Não obstante, Diamond, porém, aponta para outros fatores que preci- muitos dos casos relatados por Diamond em sua obra tra- pitaram o colapso de culturas.1 Além do próprio dano am- tam, de fato, de culturas que desapareceram por completo: biental (que compreende todos os processos listados há “Nos piores casos de colapso total, todos os membros de pouco), o autor cita mais quatro fatores: mudanças climá- uma sociedade emigram ou morrem” (p. 19). ticas (neste caso, as naturais – isto é, não influenciadas Embora Diamond não faça referência a Skinner em ne- pelo homem), vizinhança hostil (guerras, invasões, etc.), nhum momento, a obra serve como uma espécie de com- declínio de parcerias comerciais essenciais e, por fim, as plemento à teoria skinneriana, ilustrando com exemplos respostas da sociedade aos seus problemas ambientais (ou concretos as afirmações gerais de Skinner sobre a evolu- a ausência delas) (2005, p. 27-31). Destes, o primeiro (dano ção das culturas e, com isso, conferindo-lhes maior ambiental) e o último (respostas da sociedade aos seus credibilidade e tornando-as mais facilmente compreensí- problemas ambientais) estão obviamente interligados, e veis. O livro anterior de Diamond, Armas, germes e aço recebem destaque na obra de Diamond. São também es- (1997/2001), já havia ensejado comparações com a inter- pecialmente relevantes para analistas do comportamento pretação analítico-comportamental das culturas (Lamal, interessados em planejamento cultural, pois apontam dire- 1999; Vyse, 2001), em especial por sua ênfase sobre a in- tamente para a influência das práticas culturais sobre o fluência decisiva de fatores ambientais na evolução cultu- futuro das culturas.2 Mas note-se que, na seguinte passa- ral. Em Colapso, igualmente, os pontos de aproximação gem, Skinner cita, direta ou indiretamente, fatores seme- são bastante evidentes. Apontaremos, a seguir, algumas das lhantes aos demais destacados por Diamond: várias convergências entre a teoria da evolução cultural de Nenhuma cultura está em permanente equilíbrio. As Skinner e as evidências históricas apresentadas por contingências necessariamente mudam. O ambiente Diamond. físico muda, conforme as pessoas mudam de lugar, con- forme muda o clima, conforme recursos naturais são Os Fatores que Influenciam as Chances consumidos, ou desviados para outros usos, ou inutili- de Sobrevivência ou Colapso das Culturas zados, e assim por diante. Contingências sociais também A obra de Diamond busca apontar os fatores que, isola- mudam, conforme muda o tamanho do grupo ou seu damente ou em conjunto, ameaçam a sobrevivência das contato com outros grupos, ou conforme as agências culturas. Destes, o principal é o gerenciamento inadequa- do dos recursos ambientais dos quais depende uma socie- 1 Na verdade, o autor afirma não conhecer “nenhum caso em dade. Ao tratar de culturas passadas – objeto de análise na que o colapso de uma sociedade possa ser atribuído integral- maior parte do livro –, Diamond agrupa tais processos nas mente a dano ambiental: sempre há outros fatores que contri- buem” (2005, p. 26). Pouco depois, nota que certos colapsos seguintes categorias: podem ser explicados sem qualquer participação deste fator: desmatamento e destruição do hábitat, problemas com “Obviamente, é verdade que fatores militares ou econômicos são suficientes” (p. 31). o solo (erosão, salinização e perda da fertilidade), 2 Diamond afirma que “a resposta da sociedade a um problema problemas com o controle da água, sobrecaça, depende de instituições políticas, econômicas e sociais e de sobrepesca, efeitos da introdução de outras espécies seus valores culturais” (2005, p. 31), mas aponta, ao longo do livro, diversos fatores que influenciam as decisões institucionais sobre as espécies nativas e aumento per capita do e os valores culturais. 253 Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 252-260.

controladoras tornam-se mais ou menos poderosas ou Idade Média, Diamond distingue entre razões mediatas – competem entre si, ou conforme o controle exercido “fatores subjacentes de longo prazo por trás do lento leva a contracontrole na forma de fuga ou revolta. declínio” – e razões imediatas – “o golpe final na socieda- (1971b, p. 128) de enfraquecida” (2005, p. 324), evidenciando que apenas Mais uma vez, o mérito de Diamond está em delimitar uma análise abrangente da história da colonização nórdica com mais precisão e explorar com exemplos detalhados os na ilha pode, de fato, explicar seu destino. Como igual- efeitos de cada um dos fatores que contribuem para o co- mente aponta Skinner, “culturas e espécies pobremente lapso das culturas. adaptativas podem sobreviver por um longo tempo” (1971b, p. 130). O ponto a ser destacado nos três exemplos é o A Sobrevivência das Culturas como um Valor Prospectivo mesmo: o mero fato de uma cultura estar viva não garante Seria excessivamente simplista meramente dividir as que seja uma cultura com valor de sobrevivência; indica culturas entre aquelas que sobreviveram e aquelas que pe- tão-somente que suas práticas permitiram, até aquele mo- receram. Culturas, presumivelmente, variam em seu valor mento, que ela sobrevivesse – mas ela pode estar em de sobrevivência: algumas são mais fortes do que outras, declínio, de forma mais ou menos acelerada. O valor de no sentido de se mostrarem mais aptas a enfrentar amea- sobrevivência de uma cultura deve ser avaliado consi- ças (reais ou possíveis) à sua sobrevivência. Elas podem derando-se não apenas sua capacidade atual de resolver estar em ascensão ou em declínio no mesmo sentido. problemas, mas também suas perspectivas quanto ao fu- É impossível, contudo, determinar a força de uma cultu- turo: ela está preparada para enfrentá-lo? A história da ra sem certo grau de arbitrariedade. Como apontam tanto evolução das culturas, em resumo, não é apenas a história Diamond (2005) quanto Skinner (1971a, 1955-1956/ de culturas que sobreviveram ou pereceram, mas a história 1972a), o futuro das culturas nunca é totalmente previsível de culturas cujo valor de sobrevivência oscilou (e oscila) – e, portanto, nenhuma cultura pode estar absolutamente continuamente. Boas culturas não são apenas culturas que segura sobre as ameaças que enfrentará. Nas palavras de sobrevivem, mas culturas com boas perspectivas de sobre- Skinner: vivência – culturas nas quais a permanência de um status a sobrevivência temporária de uma cultura não é prova quo seja mais do que um feliz acidente, e nas quais o futu- de que é uma boa cultura. Todas as culturas atuais ro seja uma preocupação constante. obviamente sobreviveram, muitas delas sem grandes mudanças por séculos, mas isso não quer dizer que elas Tradição e Mudança são culturas melhores do que outras que pereceram ou Uma cultura sobrevive quando seus membros sobrevi- sofreram modificações drásticas sob circunstâncias mais vem (no sentido genético) e transmitem suas práticas às competitivas. O princípio de sobrevivência não nos gerações seguintes. Isso não significa, porém, que apenas permite alegar que o status quo deve ser bom porque culturas que nunca mudam suas práticas sobrevivem. Nem ele está aqui agora. (1953/1965, p. 432) o surgimento, nem o desaparecimento, nem a transforma- Culturas em declínio obviamente sobrevivem até seu de- ção de práticas culturais são intrinsecamente bons ou ruins saparecimento, mas isso não quer dizer, é claro, que suas para a sobrevivência das culturas. Tudo depende das con- práticas tenham valor de sobrevivência. A velocidade do tingências de sobrevivência que incidem sobre a cultura e declínio de uma cultura pode variar bastante. Os casos es- da relação de tais contingências com as práticas em ques- tudados por Diamond evidenciam isso. Os colapsos das tão: “O valor de sobrevivência muda conforme mudam as sociedades maia, anasazi e da Ilha de Páscoa mostram que: condições” (Skinner, 1971b, p. 175). Disso segue uma im- o rápido declínio de uma sociedade pode começar uma portante conclusão: se a sobrevivência de práticas cultu- década ou duas após tais sociedades atingirem o seu rais não promove, invariavelmente, a sobrevivência das auge em população, riqueza e poder. . . A razão é sim- culturas; e se o desaparecimento de práticas culturais não ples: os máximos de população, riqueza, consumo de promove, invariavelmente, o desaparecimento das cultu- recursos e produção de rejeitos significam máximo ras; então, promover a sobrevivência de práticas culturais impacto ambiental, aproximando-se do limite no qual não é o mesmo que promover a sobrevivência de culturas o impacto supera os recursos. (2005, p. 608) (enquanto conjuntos particulares e mutáveis de práticas Há, porém, exemplos de resistência mais prolongada. culturais). Na verdade, uma cultura torna-se, provavelmen- A população da Ilha Henderson, na Polinésia, sofreu um te, ainda mais eficiente quando não apenas modifica práti- duro golpe quando, por volta de 1500, viu-se impossibili- cas culturais, mas também reforça entre seus membros a tada de importar alguns bens (conchas de ostras, vidro “prática de mudar a prática” em função de suas possíveis vulcânico, basalto, plantas e animais) das Ilhas Pitcairn e conseqüências no longo prazo (Skinner, 1953/1965, 1969, Mangareva. Não obstante, “as datações radiocarbônicas 1961/1972c). Se “a simples prática de fazer mudanças deve sugerem que, lutando desta forma para sobreviver, a po- ter tido valor de sobrevivência” (Skinner, 1955-1956/1972a, pulação de Henderson sobreviveu durante várias gerações, p. 4), uma cultura que reforça a experimentação cultural possivelmente um século ou mais, após o fim do contato deve aumentar sensivelmente suas possibilidades de suces- com Mangareva e Pitcairn” (p. 167). Por fim, ao tratar do so. Os habitantes de Walden II, por exemplo, são estimula- colapso das colônias nórdicas na Groenlândia durante a dos a “olhar cada hábito e costume tendo em vista um pos- 254 Dittrich, A. (2008). Sobrevivência ou Colapso? B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas. sível aperfeiçoamento” (Skinner, 1948/1978a, p. 31). Con- cas que deram resultado até aquele momento. Os nórdicos, tudo, Skinner também nota que a mera mudança de práti- por exemplo: cas culturais não garante, por si só, a sobrevivência das como todos os povos colonizadores ao longo da história, culturas. Sob certas circunstâncias, ela pode também ser chegaram com seu próprio conhecimento, valores prejudicial. Dois extremos devem, em suma, ser evitados culturais e estilo de vida, baseados em gerações de pelas culturas: “respeito excessivo pela tradição e medo da experiências nórdicas na Noruega e na Islândia. . . Este novidade, por um lado, e mudança excessivamente rápida é um tema comum ao longo da história e também no por outro” (Skinner, 1971b, p. 153) – dado que o fetichismo, mundo moderno. . . os valores aos quais as pessoas se quer da transformação, quer do conservadorismo, não apre- apegam mais fervorosamente em condições inadequadas senta, per se, qualquer valor de sobrevivência. Uma cultu- são aqueles que antes eram fonte de seus maiores ra com valor de sobrevivência promoverá a sobrevivência triunfos sobre a adversidade. (2005, p. 334) de seus membros e a transmissão de suas práticas, sejam Abandonar valores, sem dúvida, é uma tarefa árdua. So- elas quais forem. Práticas culturais devem ser vistas como bre isso, eis o que afirma Skinner: instrumentos mutáveis e provisórios a serviço da sobrevi- Uma ruptura completa com o passado é impossível. O vência das culturas. Assim, ao defender a sobrevivência planejador de uma nova cultura estará sempre ligado à das culturas enquanto valor, Skinner toma-as como con- sua cultura, dado que ele não poderá libertar-se juntos dinâmicos de práticas culturais, cujo valor de sobre- inteiramente das predisposições que têm sido geradas vivência é variável, e depende da relação destas práticas pelo ambiente social no qual tem vivido. Em alguma com as contingências de sobrevivência. medida, ele vai, necessariamente, planejar um mundo A importância de manter ou modificar práticas culturais do qual ele gosta. (1971b, p. 164) é um tema recorrente na obra de Diamond: “Talvez o se- O processo de adaptação de um grupo social a um novo gredo do sucesso ou fracasso de uma sociedade esteja em ambiente é lento, e nem sempre se completa a tempo de saber a quais valores3 fundamentais se apegar, e quais des- garantir a sobrevivência do grupo, como mostra Diamond. cartar e substituir por novos quando os tempos mudarem” Ainda de acordo com o autor, a própria disposição à mu- (2005, p. 518). O “respeito excessivo pela tradição e medo dança de uma cultura pode depender das conseqüências de da novidade”, em especial, surge como determinante para tentativas anteriores de mudança. Eis o que diz Diamond o colapso de certas culturas. A adoção de costumes tipi- (2005), por exemplo, sobre a rigidez e o conservadorismo camente europeus e cristãos entre os colonizadores da atribuídos ao povo islandês: Groenlândia acelerou seu declínio, pois alguns destes costu- Meus amigos islandeses me explicaram que esta visão mes (na agricultura, na pecuária, na caça e na pesca) sim- conservadora é compreensível quando se reflete acerca plesmente não se adaptavam às condições ambientais da da fragilidade ambiental da Islândia. Os insulares se ilha. A insistência na criação de vacas, por exemplo, exi- tornaram condicionados por sua longa história de gia dos colonos muito de seu trabalho e energia, pois elas: experiências para concluírem que, não importando a só encontravam pastagens durante os três meses sem mudança que tentassem fazer, era muito mais provável neve do verão. No resto do tempo, tinham de ser man- tornar as coisas piores que melhores. . . Experiências tidas em estábulos e alimentadas com feno e outras que os islandeses tentaram ao longo de sua história forragens cuja produção se tornou a principal tarefa acabaram em desastre, cujas provas estão em toda parte do verão dos fazendeiros da Groenlândia. (Diamond, ao redor deles, sob a forma de terras altas com paisagem 2005, p. 273) lunar, antigas fazendas abandonadas e áreas de fa- Nem sempre o feno era suficiente, porém, e eventual- zendas erodidas que sobreviveram. De todas essas mente a alimentação das vacas tinha que ser complementada experiências, os islandeses chegaram à seguinte con- com algas. No início do verão, quando a neve derretia e o clusão: este não é um país onde possamos desfrutar do pasto ressurgia, as vacas podiam, enfim, ser retiradas de luxo da experiência. (p. 247) seus estábulos e levadas para o campo, “mas a essa altura O grau em que as culturas são explicitamente influen- estavam tão fracas que não podiam andar e tinham de ser ciadas por problemas enfrentados no passado, porém, é bas- carregadas” (2005, p. 274). tante variável, a julgar pelos exemplos de Diamond. As Diamond, porém, deixa claro que a insistência em práti- conseqüências desastrosas da introdução de raposas e coe- cas culturais desvantajosas não nos permite desqualificar a lhos no ambiente australiano pelos colonos ingleses (em “inteligência” de seus praticantes. Ela justifica-se, via de nome da preservação de uma “identidade européia”) fize- regra, porque tais práticas geravam bons resultados nos ram com que, nos dias atuais, houvesse um maior controle ambientes onde eram originalmente aplicadas, e as exi- sobre a introdução de espécies exóticas no país (2005, p. gências do novo ambiente nem sempre são imediatamente 503-504); em outras palavras, os australianos “aprende- perceptíveis. É natural que o grupo tente repetir as práti- ram com seus erros”. Mas a decorrência de um grande es- paço de tempo após uma crise parece favorecer o “esqueci- mento” de qualquer potencial lição que ela tenha deixado, 3 Embora utilize a palavra “valores”, Diamond refere-se dire- tamente às práticas dos grupos sociais para ilustrá-los (p. ex., em especial em culturas que não registram sua história por 2005, p. 467-473). escrito (p. 504-505). Contudo, isso não parece ser um pré- 255 Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 252-260.

requisito para que o “esquecimento” aconteça, como mos- outros. (Diamond, 2005, p. 514) tram alguns fatos recentes: Na obra de Skinner, encontramos reflexões semelhan- Durante um ano ou dois depois da escassez de com- tes. Diz o autor que: bustível de 1973, durante a crise do petróleo no Golfo a única forma de promover as mudanças necessárias e Pérsico, nós americanos fugimos de carros bebedores com a rapidez necessária – isto é, controlar o de gasolina, mas então esquecemos tal experiência e crescimento demográfico, promover estilos de vida mais adotamos utilitários esportivos, não obstante a quan- simples, com menos desperdício e prejuízo para o meio tidade de volumes impressos sobre os eventos de 1973. ambiente –, seria se a indústria, a igreja ou o governo, Quando a cidade de Tucson no Arizona passou por uma os que têm o poder, se dispusessem a implementá-las. grande seca na década de 1950, seus cidadãos alarmados (1983, p. 4) juraram que iriam cuidar melhor de sua água, mas logo As perspectivas de que isso aconteça, porém, não são voltaram aos seus hábitos perdulários de cultivar cam- animadoras: “Governos, religiões e sistemas capitalistas, pos de golfe e regar jardins. (Diamond, 2005, p. 505) tanto públicos quanto privados, controlam a maioria dos Os exemplos registram um fato familiar para os analis- reforçadores da vida cotidiana; eles devem usá-los, como tas do comportamento: a mera perspectiva de que certas sempre fizeram, para seu próprio engrandecimento, e não conseqüências de longo prazo ocorram não basta quando o têm nada a ganhar renunciando a seu poder” (Skinner, objetivo é o controle eficiente do comportamento humano. 1987, p. 7). Afirma também o autor: No campo do planejamento cultural, o comportamento pre- Os detentores do poder econômico, os que têm dinheiro, cisa ser controlado por conseqüências de curto prazo para vão continuar a usá-lo para produzir lucros rápidos, que produza conseqüências benéficas de longo prazo: “Tra- sem qualquer preocupação com os problemas globais... balharemos pela sobrevivência de nossa cultura, se o fizer- Quanto aos políticos, eles estão sempre preocupados mos, por causa dos reforçadores pessoais que são efetivos com a próxima eleição e, portanto, indispostos a pregar por causa de nossa dotação genética, conforme eles venham sacrifícios hoje para preservar o futuro. (1983, p. 4) a emergir naturalmente ou como parte de nosso ambiente É comum que os governantes disponham de seu poder cultural” (Skinner, 1971a, p. 551). A utilização de reforça- em benefício próprio, a expensas da coletividade à qual dores imediatos para a produção de comportamentos com deveriam servir (Skinner, 1974, 1985, 1987). A institu- conseqüências favoráveis à sobrevivência das culturas é a cionalização do poder político destaca uma elite especia- própria essência da idéia de planejamento cultural. lizada, que não toma contato direto com os problemas da população (Skinner, 1969). Bem Público e Bem Privado, Longo Prazo e Curto Prazo Nas raras ocasiões em que Skinner deixa transparecer Especialmente nos dias de hoje, decisões tomadas por certa esperança de modificar o status quo das sociedades governos e empresas têm influência decisiva sobre os pro- atuais através de políticas reformistas, seu raciocínio diri- blemas enfrentados pelas culturas – entre eles, obviamen- ge-se rapidamente para a conclusão de que isso é, afinal, te, os problemas relativos à questão ambiental. O livro de impossível: Diamond está repleto de exemplos de colapsos que têm Mesmo se as mudanças fossem cuidadosamente pro- como um de seus principais ingredientes elites políticas gramadas, e fossem apenas lentamente na direção cor- completamente displicentes em relação aos problemas en- reta, elas seriam resistidas tão logo ficasse claro que frentados por seu povo e desinteressadas em relação ao seu ameaçassem governos, religiões e empreendimentos futuro. Em detrimento disso, tais elites, via de regra, agem econômicos. Também não seria possível apelar ao povo visando seu próprio enriquecimento, glória e prestígio, ou buscando apoio, porque ele também seria produto de promovendo guerras e competições com outras culturas - culturas anteriores. . . Construir uma nova cultura desde necessariamente explorando, para tanto, os recursos e a o início pode ser nossa única esperança. (1987, p. 12) energia dos governados. Foi o caso, por exemplo, dos reis Parte da solução, para Skinner, reside em submeter os e nobres maias e dos chefes da Ilha de Páscoa e da governantes às mesmas contingências que controlam os Groenlândia Nórdica. Sobre esta última, afirma Diamond: governados – fazendo com que suas decisões afetem, por- a estrutura da sociedade nórdica criou um conflito en- tanto, o seu próprio cotidiano. O princípio democrático da tre os interesses de curto prazo daqueles que estavam igualdade entre os cidadãos é empregado em Walden II no poder, e os interesses de longo prazo da sociedade (1948/1978a) de forma supostamente mais eficiente do como um todo. Muito do que os chefes e o clero valori- que nas democracias atuais. A dedicação exclusiva dos zavam acabou se revelando danoso para a sociedade. planejadores à sua função não é permitida, e o período de (2005, p. 335) seus mandatos é limitado. Além disso, o mundo no qual Este parece ser um padrão recorrente: governantes e governados vivem é, basicamente, o mes- os interesses da elite que toma as decisões entram em mo. Para o planejador de Walden II, explorar o povo e suas conflito com os do restante da sociedade. Especialmente riquezas seria o equivalente a explorar o ambiente e as se a elite pode se precaver das conseqüências de seus pessoas com quem convive diariamente. atos, ela tende a fazer coisas em seu próprio benefício, Diamond toca no mesmo ponto, e ilustra-o com alguns sem se incomodar que tais ações venham a prejudicar exemplos: 256 Dittrich, A. (2008). Sobrevivência ou Colapso? B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas.

A incapacidade de resolver problemas percebidos devido Nem tudo, porém, é motivo para pessimismo. Diamond a conflitos de interesse entre a elite e as massas são cita diversos exemplos de planejamento de longo prazo bem muito menos prováveis em sociedades onde a elite não sucedido, tanto no setor público quanto no privado, e des- pode se eximir das conseqüências de seus atos. . . A alta taca o papel das ONGs neste sentido (2005, p. 624-625). conscientização ambiental dos holandeses (incluindo a Sintetizando as lições deixadas pelas culturas abordadas de seus políticos) provém do fato de que a maioria da em seu livro, Diamond aponta para os temas tratados nesta população – tanto os políticos quanto as massas – vivem seção e na anterior: “Dois tipos de escolha me parecem em uma terra abaixo do nível do mar, onde apenas os cruciais para o sucesso ou o fracasso: planejamento a lon- diques se interpõem entre eles e a inundação, de modo go prazo e vontade de reconsiderar antigos valores” (p. que um mau planejamento de terras feito pelos políticos 623-624). os colocaria em perigo. Do mesmo modo, os chefes das terras altas da Nova Guiné, que vivem nos mesmos tipos Capitalismo e Contracontrole de cabanas que os demais habitantes, recolhem lenha e Assim como no mundo da política, também no mundo madeira nos mesmos lugares que os demais, portanto dos negócios são comuns exemplos de empresas cujos in- foram altamente motivados a resolver a necessidade de teresses estão em conflito com os da população. Como nota uma silvicultura sustentável para sua sociedade. (2005, Diamond, “aquilo que rende dinheiro para uma empresa, p. 515-516) ao menos em curto prazo, pode ser nocivo para a sociedade Retornando a Walden II, é importante notar que a co- como um todo” (2005, p. 528). Mais uma vez, isso fica munidade fictícia de Skinner tem a vantagem de ser pe- evidente nas questões ambientais. Diamond aborda o pro- quena, com algo em torno de mil habitantes. Sociedades blema de modo bastante direto: empresas não apenas ge- formadas por grandes populações, por outro lado, facili- ram lucro, mas têm a obrigação de fazê-lo. Não se deve, tam a formação de castas políticas isoladas e burocrati- portanto, esperar que adotem espontaneamente práticas za-das; em conseqüência, diferentes contingências atingem ambientalmente corretas, a não ser que isso reverta em governantes e governados (Skinner, 1969, p. 43). A exces- benefícios financeiros (como ocorreu, por exemplo, no caso siva hierarquização e burocratização do poder político im- da petrolífera Chevron – p. 528-540). Empresas não são pede que o agente político seja afetado pelas conseqüên- instituições beneficentes; elas fazem o que devem fazer em cias (boas ou más) de suas ações sobre a população – não uma economia capitalista: maximizam o retorno para seus apenas pelo fato de que, em certo sentido, ele não faz parte acionistas, dentro dos marcos legais que regulamentam sua dessa população, mas também porque o caminho a ser per- atividade (p. 577). A responsabilidade pelas práticas das corrido até que uma decisão política gere conseqüências empresas, portanto, é do público, pois “é o público, seja práticas é longo e tortuoso (o explorador “não sente culpa” diretamente ou através de seus políticos, que tem o poder porque não é afetado pelos efeitos nocivos de sua ativi- de tornar não lucrativas e ilegais políticas ambientais dade). A arena política torna-se, assim, um terreno fértil destrutivas e fazer as políticas ambientais sustentáveis lu- para a satisfação de interesses particulares, divergentes dos crativas” (p. 578). A conclusão de Diamond aponta direta- interesses comunitários. mente para a importância do contracontrole das atividades No campo das políticas ambientais, conforme aponta empresariais. Diamond, é evidente a necessidade de “praticar raciocínio Não há nenhuma dúvida sobre a necessidade do con- de longo prazo, e tomar decisões antecipadas firmes, cora- tracontrole, quer seja o controle ao qual se oferece oposi- josas, em um tempo em que os problemas se tornam per- ção exercido deliberadamente através das técnicas de uma ceptíveis mas antes de assumirem proporções críticas” ciência do comportamento ou não (Skinner, 1956/1972b). (2005, p. 624). Skinner também destaca, com freqüência, De acordo com Skinner, “todo controle é recíproco, e um o papel do planejador cultural como alguém cuja principal intercâmbio entre controle e contracontrole é essencial para função é prever tendências com a maior segurança possí- a evolução de uma cultura” (1971b, p. 182-183). Pergun- vel, a fim de preparar a cultura antecipadamente para tado sobre “quem” exerceria o poder em uma sociedade enfrentá-las (1953/1965, 1955-1956/1972a, 1961/1972c). planejada, Skinner responde, repetidamente, que o pro- As práticas políticas atuais, porém, parecem representar a blema realmente importante diz respeito não a quem con- própria antítese desta recomendação. Diamond comenta trolará, mas às circunstâncias sob as quais o poder será sobre o “pensamento de 90 dias” que caracterizaria, via de exercido (1953/1965, 1971b, 1971/1972e, 1974, 1972/ regra, as decisões no campo político: tal pensamento con- 1978b, 1977/1978e). Os membros de uma cultura, enquanto centra-se “apenas em assuntos que possam vir a irromper responsáveis por tais circunstâncias, certamente têm um em crise nos próximos 90 dias” (p. 624). O autor aponta papel fundamental de vigilância e controle sobre a ativida- um provável motivo para que o planejamento de longo prazo de política e empresarial.4 A fim de controlar eficientemente seja, ainda, raro entre a classe política: é bastante cômodo as práticas ambientais das empresas, Diamond sugere di- deixar “as conseqüências ruins . . . para a nova geração”, se considerarmos o fato óbvio de que “esta geração não 4 Pode-se, porém, invocar uma desculpa freqüente para não pode votar ou se queixar hoje” (p. 519). Trata-se, portanto, agir, que Diamond chama de “NEPM”: “Não é problema meu” de uma estratégia fácil para evitar o contracontrole. (2005, p. 513, 519). 257 Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 252-260.

versas estratégias de contracontrole (obviamente, sem importados do Terceiro Mundo. No momento, é chamá-las por este nome): processar empresas que adotam politicamente impossível para os lideres do Primeiro práticas prejudiciais ao ambiente; consumir produtos ge- Mundo proporem aos seus cidadãos que baixem o seu rados de modo sustentável, e evitar os demais; pressionar padrão de vida, através do menor consumo de recursos governos a contratar empresas ambientalmente responsá- e da menor produção de rejeitos. O que acontecerá veis e a criar e fazer cumprir boas legislações ambientais; quando os povos do Terceiro Mundo finalmente se ou simplesmente votar em candidatos comprometidos com derem conta de que os padrões de vida de Primeiro a agenda ambiental (p. 578, 663). Contudo, Diamond aler- Mundo são inalcançáveis, e que o Primeiro Mundo ta para o fato de que as práticas de contracontrole não de- recusa-se a abandonar tais padrões? A vida é cheia de veriam basear-se apenas na coerção: escolhas angustiantes baseadas em dilemas, mas este A maioria dos exemplos de ativismo do consumidor en- é o dilema mais cruel que teremos de resolver: volveu tentar embaraçar publicamente uma empresa por encorajar e ajudar todas as pessoas a adquirirem um fazer algo errado, e esta abordagem única é infeliz, porque padrão de vida mais alto, sem minar tal padrão atra- deu aos ambientalistas a reputação de serem barulhentos, vés da exploração excessiva dos recursos globais. deprimentes, chatos e negativos. Os consumidores ativistas (2005, p. 593) também poderiam influenciar tomando iniciativas para Diante de tal quadro, torna-se compreensível a suges- louvar empresas de cujas políticas gostassem (Diamond, tão de Skinner de que as nações desenvolvidas “desen- 2005, p. 664). riqueçam”: “A felicidade é um valor perigoso, e a busca Para aqueles familiarizados com a obra de Skinner, seria da felicidade tem claramente sido excessivamente bem desnecessário apontar a semelhança desta passagem com sucedida. . . É possível que a espécie humana seja as freqüentes recomendações do autor sobre a adoção de ‘consumida por aquilo que lhe alimentou’” (1973/1978c, práticas de controle positivamente reforçadoras, em detri- p. 32). Transparece em Walden II a preocupação em mento de práticas coercivas – também ilustradas em Walden manter o consumo de recursos em um nível que garanta II (1948/1978a). conforto, mas evite excessos desnecessários, desperdí- Embora Diamond (2005) limite-se a apontar as formas cio e poluição (1948/1978a, 1985). Por sua vez, “o socia- de contracontrole possíveis em uma economia capitalista, lismo, assim como o capitalismo, está comprometido com sua obra não deixa de revelar diversas das vicissitudes des- o crescimento e, portanto, com o consumo exagerado e a te regime: a riqueza inevitavelmente atrai imigrantes po- poluição” (1976/1978d, p. 65). bres, não raro vistos pelos habitantes locais de forma preconceituosa (como no caso dos imigrantes haitianos na Considerações Finais República Dominicana – cap. 11); mesmo que uma nação proteja seus próprios recursos ambientais, pode fazê-lo sim- É fato notório da história recente a progressiva inter- plesmente “exportando” os danos ambientais gerados por dependência e inter-relação entre as culturas, em especial seus níveis de consumo interno (como no caso das impor- no que tange a aspectos políticos e econômicos. Tal fato tações de madeira pela China de países como Malásia, tem influência decisiva sobre a evolução cultural: “A Gabão, Papua-Nova Guiné e Brasil –p. 445); empresas globalização torna impossível às sociedades modernas podem buscar cumprir seu objetivo de gerar lucros procu- entrarem em colapso isoladamente. . . Pela primeira vez rando contornar qualquer tipo de dispositivo legal que vise na história, enfrentamos o risco de um colapso global” beneficiar a população (como no caso das mineradoras do (Diamond, 2005, p. 41). Já em 1974, Skinner reconhecia, estado norte-americano de , que diante da pro- igualmente, que “os grandes problemas são agora glo- mulgação, em 1971, de uma lei que as obrigava a limpar bais” (p. 251). suas minas após a extração de minerais, passaram a decla- A mensagem final de Diamond, porém, é otimista. Parte rar falência antes da limpeza –p. 571); a privatização de dos fatores que determinam o colapso das culturas inde- produtos e serviços de alta qualidade em sociedades com pende do que fazem seus membros – notadamente, fatores serviços públicos de má qualidade isola as elites dos pro- ambientais típicos de um certo local, como características blemas da sociedade que a cerca (p. 621); a busca desen- climáticas, do solo, etc. Contudo, para além de tais fato- freada pelo crescimento, naturalmente estimulada entre os res, o destino das culturas depende diretamente do com- países em desenvolvimento (a China é, novamente, o caso portamento de seus integrantes – sobretudo de como eles prototípico, mas não único), tende a produzir uma situa- administram os recursos que possuem (2005, p. 373-374, ção ambiental simplesmente insustentável dentro de pou- 524). As ciências certamente detém um papel importante co tempo (p. 445-447, 592-593). Sobre este último proble- neste sentido (p. ex., p. 367), assim como as organizações ma, eis o que afirma Diamond, expondo uma situação con- da sociedade civil (p. ex., p. 423). Os cientistas, aponta traditória: Skinner, tendem a levar o futuro em consideração com mais Mesmo que a população do Terceiro Mundo não seriedade, pois estão habituados a coletar dados, projetar existisse, seria impossível para o Primeiro Mundo tendências e intervir sobre os fenômenos que estudam manter o padrão atual, porque não está em estado (1973/1978c). Skinner também deposita esperanças nas sustentável e, sim, exaurindo os seus recursos e os atitudes de outros profissionais (intelectuais, professores, 258 Dittrich, A. (2008). Sobrevivência ou Colapso? B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas. jornalistas) que denomina, em conjunto com os cientistas, Hornby, A. S., & Wehmeier, S. (Eds.). (2000). Oxford advanced como os não comprometidos (uncommited5) (1987, p. 8), Learner’s Dictionary. 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Skinner (Ed.), Contingencies of reinforcement: A theoretical siludido com a ineficácia e a falta de agilidade de tais pro- analysis (pp. 29-49). New York: Appleton-Century-Crofts. fissionais: “Os não comprometidos trabalham devagar . . . Skinner, B. F. (1971a). A behavioral analysis of value judgments. e nosso problema parece demandar ação imediata” (1987, In E. Tobach, L. R. Aronson & E. Shaw (Eds.), The p. 12). Além disso, “seus protestos são necessariamente biopsychology of development (pp. 543-551). New York: dirigidos aos governos, religiões e sistemas econômicos, e Academic Press. param ali” (p. 13). Por fim, “o principal modus operandi Skinner, B. F. (1971b). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf. dessas organizações [compostas pelos não comprometidos] Skinner, B. F. (1972a). Freedom and the control of men. In B. F. é amedrontar as pessoas, ao invés de oferecer-lhes um Skinner (Ed.), Cumulative record: A selection of papers (pp. mundo ao qual elas se voltarão por causa das conseqüênci- 3-18). New York: Appleton-Century-Crofts. (Original publi- as reforçadoras de fazê-lo” (p. 13). cado em 1955-1956) As reflexões de Skinner nos conduzem, naturalmente, Skinner, B. F. (1972b). Some issues concerning the control of ao campo das políticas públicas. A importância delas para human behavior. In B. F. Skinner (Ed.), Cumulative record: A o destino das culturas é imediatamente evidente, e a obra selection of papers (pp. 25-38). New York: Appleton-Century- de Diamond oferece vários exemplos concretos disso (2005, Crofts. (Original publicado em 1956) p. 449-451, 470-471, 494, 510-511). A despeito das reser- Skinner, B. F. (1972c). The design of cultures. In B. F. 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Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. “livres para considerar um futuro mais remoto . . . somente na medida em que somos, de fato, não comprometidos [com tais Skinner, B. F. (1983, 15 jun.). Estado de alerta máximo [Entre- instituições]. Se há entre nós lideres no governo, na religião vista]. Veja, 16, 3-6. e nos negócios, eles estão conosco na medida em que não Skinner, B. F. (1984). Selection by consequences. The Behavioral estão comprometidos com suas respectivas instituições.” (1987, p. 8). and Brain Sciences, 7, 477-481. (Original publicado em 1981)

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Recebido: 23/04/2007 1ª revisão: 10/08/2007 2ª revisão: 24/09/2007 Aceite final: 26/09/2007

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