UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES PROGRAMA: MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA

MARCIA REGINA CARVALHO DA SILVA

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

RELATÓRIO FINAL DE PÓS-DOUTORADO

São Paulo 2015

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 2

Relatório Final de Pós-Doutorado

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Pós-doutoranda: Profa. Dra. Marcia Regina Carvalho da Silva Filiação Institucional e titulação: - Professora e Coordenadora do Curso de Rádio, TV e Internet, da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM). - Doutora em Multimeios (Cinema: História e Teoria), pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

SUPERVISOR: Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin

São Paulo 2015

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Relatório final de atividades do projeto de pesquisa pós-doutoral

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Resumo Este estudo analisa as formas narrativas de quatro documentários: Vinicius (2005), de Miguel Faria Júnior; Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Júnior; Coração Vagabundo (2008), de Fernando Grostein Andrade; e, A música segundo Tom Jobim (2011), de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim. Esta análise busca investigar como a história da música e seus personagens são retratados na prática de documentários biográficos, verificando a pesquisa e reconstituição histórica, a abordagem temática, o estilo, as escolhas estéticas e técnicas de produção. Os quatro documentários foram selecionados por apresentarem abordagens biográficas menos convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que articula vida e obra do biografado. Além disso, os filmes trabalham diferentes retratos de importantes personagens da história da MPB, dado que a Bossa Nova e a Tropicália se transformaram nas duas principais referências estéticas para a canção popular brasileira. Vinicius de Moraes e Tom Jobim representam a Bossa Nova, e Tom Zé e Caetano Veloso, a Tropicália. Com isso, este estudo aspira melhor compreender o uso de entrevistas e depoimentos, o resgate de diversos materiais de arquivo (músicas, filmes, vídeos, programas de televisão, fotografias, recortes de jornais, etc.), e a pesquisa histórica sobre personagens da música brasileira, que qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações nelas inscritas, até a organização e montagem dos dados sonoros e visuais, que na prática do documentário se dá a partir da elaboração narrativa, de estilo e abordagem, buscando assim contribuir com uma reflexão sobre o desafio biográfico no cinema brasileiro.

Palavras-chave: Cinema brasileiro; Documentário; MPB; Trilha Sonora; Biografia.

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Sumário

1. Introdução...... 05

Parte 1 - Resumo da trajetória geral da pesquisa e das atividades desenvolvidas 2. Descrição das atividades desenvolvidas...... 11

2.1. Palestras e comunicações proferidas...... 12 2.2. Participação em eventos, congressos e encontros...... 12 2.4. Participação em Bancas e comissões julgadoras...... 13 2.5. Produção Bibliográfica 2.5.1. Livro...... 13 2.5.2. Artigos em periódicos...... 13 2.5.3. Anais de Congressos...... 13

Parte 2 – Resultados da Pesquisa

3. Documentário, biografia e História...... 14 4. As leituras da Bossa Nova 4.1 Depoimento-arquivo-declamação: análise da narrativa biográfica de Vinicius.....22 4.2 A biografia cantada de A música segundo Tom Jobim...... 32 5. Tropicália na estrada 5.1 A Tropicália singular de Fabricando Tom Zé ...... 39 5.2 O silêncio do estrangeiro Caetano Veloso...... 51 6. Considerações Finais...... 61 7. Referências Bibliográficas...... 67 8. Filmografia...... 73 9. Discografia...... 74 10. Anexos 10.1 Formulário de apresentação da disciplina “A canção no cinema brasileiro: documentário, biografia e história”...... 76 10.2 Projeto de Pós-doutorado...... 80 10.3 Artigo “Voz, canção e história da MPB nos retratos impressionistas de Georges Gachot” (Revista Contemporânea - UFBA)...... 103

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1. Introdução

O documentário musical sobre personagens da história da música é hoje no Brasil uma produção recorrente em várias mídias e atende a um público consumidor de memórias e relatos sobre histórias de vida1. Qualquer documentário musical é, de fato, uma produção em que a música é protagonista e tem papel fundamental em sua construção estrutural e temática. O documentário biográfico sobre músicos, portanto, torna-se representativo dentro desta tendência de produção com o enfoque particular da escolha de seus personagens e da construção narrativa que irá lidar obrigatoriamente com um resgate sobre a história da música, através da pesquisa musical, registros sonoros e audiovisuais (vídeos, filmes, programas de televisão) e a reconstituição do percurso do biografado via documentos, depoimentos e entrevistas.

Nesse contexto, esta pesquisa apresenta uma discussão sobre o desafio biográfico no cinema, suas abordagens e resultados estilísticos, privilegiando trabalhos que apreendem, por meio de seus recursos expressivos, as estratégias de investigação histórica engendradas pela relação entre imagem e som, música e documentário. Com o intuito de se trabalhar com análise de narrativas biográficas sobre personagens da história da MPB, este estudo investiga dois gêneros fundamentais que são a Bossa Nova e a Tropicália. Como sintetiza Luiz Tatit, a Bossa Nova e a Tropicália se transformaram nas duas principais referências estéticas para a canção popular brasileira:

Tropicalismo e bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da canção brasileira. Por isso, são invocados toda vez que se pede uma avaliação do século cancional do país. É como se o tropicalismo afirmasse: precisamos de todos os modos de dizer convincentemente. Em época de exclusão, prevalece o gesto tropicalista no sentido de retomar a pluralidade. Em época de excesso de maneirismos estilísticos e de abandono do princípio entoativo, o gesto bossa-nova

1 A recorrência desta produção pode ser verificada na programação dos últimos anos do Festival Internacional de Documentários “É tudo verdade” e do Festival Internacional do Documentário Musical “In Edit - Brasil”, primeiro festival dedicado exclusivamente ao gênero do documentário musical no país, que acontece em São Paulo desde 2009, disponíveis em: http://www.itsalltrue.com.br e http://www.in-edit-brasil.com. Acessados em 10/09/2013.

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refaz a triagem e decanta o canto pertinente. Ambos os gestos atuam na própria mente dos compositores e cantores impelindo-os, ao mesmo tempo, para a diversidade e para o apuro técnico e estético. É provável que ainda sobrevivam no decorrer do século XXI, como componentes críticos inerentes ao próprio ofício de composição, arranjo e interpretação de música popular e como responsáveis pelo eterno trânsito do cancionista entre o gosto de depuração e o desejo de assimilação (TATIT, 2004, p. 89).

Na perspectiva da historiografia da canção popular brasileira as transformações da Bossa Nova e o impacto do movimento da Tropicália, depois da participação de Caetano Veloso e no Festival da TV Record de 1967, se tornaram bases estéticas que geraram inúmeras investigações na crítica musical e se perpetuaram na cena musical até os dias de hoje, sobrevivendo às modas da música pop e sertaneja, à explosão do rock ou aos tímidos novos movimentos musicais como o do mangue-beat nos anos 90.

Esta pesquisa, portanto, se norteia por este recorte temático da história da música brasileira, ao investigar as leituras da Bossa Nova e da Tropicália em quatro documentários que formam o corpus do estudo. O primeiro é um retrato de Vinicius de Moraes em Vinicius (2005), dirigido por Miguel Faria Jr., filme que apresenta vários pocket shows e entrevistas filmadas à vontade, entrelaçadas por músicas sínteses da obra do cancionista, interpretadas por uma geração mais contemporânea e diversa em seus modos de interpretação, com o predomínio de vozes femininas com destaque para Adriana Calcanhoto, Mônica Salmaso e Mart´nália.

Também para ecoar a Bossa Nova, tem-se A música segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, uma produção concebida para retratar o músico a partir de sua obra musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas e narração, apostando no material de arquivo para apresentar várias performances musicais que interpretam as canções do maestro Tom Jobim.

De mesmo método livre de tratamento de enfoque de um músico como personagem, os tropicalistas Tom Zé e Caetano Veloso são os protagonistas dos documentários Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Jr, cujo fio condutor é a turnê do músico pela Europa em 2005, e Coração Vagabundo (2008), dirigido por Fernando Grostein Andrade, documentário

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de encomenda que acompanha a turnê de lançamento do primeiro álbum inteiramente em inglês de Veloso, com entrevistas e imagens intimistas por São Paulo, Nova York, Tóquio, Osaka e Kyoto, e com os depoimentos especiais de Michelangelo Antonioni, Pedro Almodóvar e David Byrne para respaldar o sucesso internacional do artista brasileiro. Estes dois documentários trazem diários íntimos de viagem, com registro audiovisual das turnês, inclusive em aeroportos, trens e hotéis, como também acompanham ensaios, performances e encontros musicais, embebidos pelo desafio de retratar os músicos em movimento. Além disso, enfatizam o atestado de reconhecimento internacional preconizado pelas fontes de entrevistas.

Diante deste corpus definido, este estudo investiga a pesquisa histórica e a abordagem apresentadas em cada obra, examinando seu tratamento de estilo e direção. Calcado na análise fílmica, este estudo coloca em perspectiva a história da música brasileira nas telas do cinema ao investigar suas narrativas biográficas, o uso da história oral como fonte de pesquisa e documento, e as apropriações narrativas de materiais de arquivo, num desdobramento do cinema de arquivo (feito com uma compilação de material encontrado ou de maneira a se apropriar dos materiais, tornando-os próprios ou convenientes para a construção de novos discursos, como no gênero found footage), conforme já exposto no Projeto de Pesquisa (anexo).

Em qualquer análise ou estudo do som e da canção em documentários musicais é preciso estar atento à presença da voz, que canta e fala em depoimentos, e suas relações com as paisagens sonoras que também constroem os retratos das personagens. A paisagem sonora é composição sonoplástica, quando elementos constituintes da sonoridade: efeitos e ruídos, sons indiciais, silêncio, timbre, amplitude, melodia, textura instalam-se num horizonte acústico (SCHAFER, 1991), e para isso, são associados, selecionados, captados ou representados para compor um ambiente acústico.

A voz cantada ao vivo, registrada em discos ou fixada sobre o suporte da película carrega o universo da oralidade e da performance, palavra esta que, de acordo com Paul Zumthor (1993; 2010), deve ser entendida como conceito definidor de uma ação complexa pela qual uma mensagem poética simultaneamente é transmitida e percebida. Zumthor (2007, p. 9-10) já escreveu sobre o aspecto interdisciplinar de seus trabalhos sobre a voz, apontando

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o livro Introdução à poesia oral (2010) como um primeiro resultado de sua pesquisa. Segundo o autor, além da palavra oral se faz necessário estudar e ampliar a perspectiva do problema da voz e da palavra em seus desdobramentos de produção de sentido e recepção.

Esta possibilidade do uso de paisagens sonoras não foi bem explorada nos documentários do corpus desta pesquisa. No entanto, levaram-me a investigar o estilo do diretor Georges Gachot diante do seu desafio de trabalhar com narrativas sobre duas grandes vozes femininas da história da MPB, Nana Caymmi e Maria Bethânia, análise que se transformou em artigo durante o período desta pesquisa (CARVALHO, 2014), apresentado anexo.

Como se sabe, na última década, no Brasil, houve um significativo crescimento de pesquisas que se dedicam aos aspectos técnicos, estéticos e históricos do uso do som e da música na linguagem audiovisual, em particular no cinema, mas ainda com pouca atenção para a produção de documentários. Entre as pesquisas existentes, podem-se destacar os estudos de Sérgio Puccini sobre a voz no documentário, em seu tratamento de captação e edição (pesquisa ainda inédita, apresentada nos últimos encontros da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e Audiovisual, no Seminário temático de Estudos do Som); a dissertação de mestrado de Graziela Cruz (2011), uma análise sobre a viagem temporal da biografia em três documentários brasileiros: Nelson Freire, Vinicius e Cartola – Música para os olhos; o mapeamento da música nos documentários brasileiros, pesquisa de Guilherme Maia (2012), que exclui os documentários musicais. Também a pesquisa de doutoramento de Cristiane Lima, iniciada em 2012, na UFMG, intitulada “Música em cena: um estudo sobre os componentes sonoros da escritura do documentário brasileiro”, apresentada brevemente em sua análise sobre Hermeto, campeão (LIMA, 2012), e a dissertação de mestrado de Rubem Barros “A (re) construção do passado: música, história, cinema” (2011), orientada por Eduardo Morettin, na ECA-USP, uma análise sobre os usos de material de arquivo, construção discursiva e resgate historiográfico dos filmes A voz e o vazio: a vez de Vassourinha (1998), de Carlos Adriano, e Cartola – Música para os olhos (2006), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.

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A revista digital de cinema documentário Doc on line2 dedicou um número especial sobre o tema “Documentário e Música”, entre os artigos deste dossiê temático destacam-se: “Um imaginário da redenção: sujeito e história no documentário musical”, de Mariana Duccini Junqueira da Silva que discute como estratégias narrativas do documentário musical tratam a “construção biográfica dos sujeitos” e a reposição da memória de um “retrato de uma época”; “O surgimento do documentário sobre rock ou o rockumentary”, de Pedro Henrique Trindade Kalil Auad; “Como explicar o ímpeto do documentário musical brasileiro?”, de Luciano Ramos, que reflete sobre os mais recentes documentários brasileiros; e “Um estudo da formalidade sonoro-narrativa no documentário musical Titãs - a vida até parece uma festa”, de Cynthia Schneider.

Levando-se em conta diferentes correlações com estas pesquisas, a hipótese principal deste estudo é que os documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo e A música segundo Tom Jobim exibem metodologias narrativas que investigam a história da música popular brasileira com novas articulações entre a memória e a reconstituição da vida e obra de um músico. Nesse sentido, as matrizes estéticas destes documentários oferecem um debate instigante sobre as formas narrativas e modos de representação da prática biográfica, da historiografia da música popular brasileira e da dimensão sonora e musical no cinema documentário brasileiro, atravessando o debate sobre memória e história na biografia audiovisual.

Assim, para melhor apresentar os resultados desta pesquisa, a primeira parte deste relatório será dedicada à descrição das atividades desenvolvidas, tais como a participação em encontros e grupos de pesquisa, bem como à apresentação de alguns resultados parciais obtidos, tais como textos publicados ou encaminhados para publicação, palestras e comunicações proferidas. A segunda parte pretende apresentar a análise realizada sobre as narrativas biográficas dos documentários do corpus da pesquisa.

Em Documentário, biografia e história tem-se a apresentação do debate contemporâneo sobre a biografia no Brasil e dos conceitos fundamentais da teoria da História

2 A revista pode ser acessada em: http://www.doc.ubi.pt/index12.html.

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que serão matizados na análise audiovisual. Em As leituras da Bossa Nova tem-se o desenvolvimento da análise sobre os documentários Vinicius e A música segundo Tom Jobim. Em seguida, Tropicália na estrada investiga os retratos de Tom Zé e Caetano Veloso nos documentários Fabricando Tom Zé e Coração Vagabundo. Por fim, acrescentam-se as breves considerações finais do percurso da pesquisa, suas referências bibliográficas, filmografia e discografia.

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Parte 1 - Resumo da trajetória geral da pesquisa e das atividades desenvolvidas

2. Descrição das atividades desenvolvidas

A pesquisa foi conduzida no Departamento Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Com início em novembro de 2013, realizei pesquisa bibliográfica nas bibliotecas, coleções e acervos da Universidade de São Paulo, em busca da ampliação da pesquisa de textos e documentos sobre concepção, produção e exibição dos documentários do corpus de meu estudo, bem como a leitura em detalhe sobre Biografia e Teorias da História, no entrelaçamento da análise sobre História e Audiovisual a partir das narrativas dos documentários musicais sobre músicos da MPB.

Após a revisão e estudo da bibliografia, realizei a análise dos documentários, contando sempre com a oportunidade de apresentar resultados parciais deste trabalho em reuniões do grupo de pesquisa coordenado pelo Prof. Dr. Eduardo Morettin (supervisor de meu estágio pós-doutoral), Seminário “História e Audiovisual”, bem como as reuniões do Prof. Morettin com seus orientandos de mestrado e doutorado. Também realizei a proposição de uma disciplina (colocada em anexo) que não se realizou em virtude da greve ocorrida em 2014. Vale lembrar que durante a pesquisa atravessei um longo período de greve na instituição, no qual não pude contar com acesso às bibliotecas e esta possibilidade de ministrar uma disciplina sobre a temática de minha pesquisa pós- doutoral.

No entanto, o meu projeto de pesquisa beneficiou-se do refinamento do levantamento bibliográfico realizado na Universidade de São Paulo e do diálogo intelectual com meu supervisor e colegas pesquisadores. Alguns resultados desta pesquisa foram apresentados no Encontro da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, e publicados em textos de Anais de Congressos e artigos, conforme relação a seguir. Neste período fui contemplada com auxílio para publicação

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da Fapesp para transformar minha tese de doutorado em livro, pesquisa que tem seus desdobramentos matizados na análise aqui apresentada.

De acordo com o cronograma de atividades de pesquisa e estágio pós-doutoral (conforme Projeto anexo), cumpri todas as ações previstas para a elaboração da pesquisa e redação de seus resultados, adiando apenas a oportunidade de ministrar uma disciplina concentrada sobre a pesquisa.

Além disso, os resultados finais desta pesquisa serão ainda divulgados durante o ano de 2015, na forma de participação em simpósios, encontros e congressos, bem como na publicação de artigos e capítulos de livros, sempre mencionando sua origem como produção acadêmica desenvolvida na ECA-USP. Entre esta produção em construção destacam-se o artigo que expõe uma síntese do projeto acrescido da análise do documentário Fabricando Tom Zé, encaminhado para a Revista Significação, e o artigo “A história da MPB em documentários musicais: canção, biografia e Bossa Nova”, que será publicado na Revista Imagofagia, no Dossiê Temático Estudos do Som no Cinema da América Latina, organizado pelas pesquisadoras Virginia Osorio Flores e Suzana Reck Miranda, com previsão para publicação em 2016. Também já está agendada para agosto de 2015 uma apresentação da análise do documentário Fabricando Tom Zé para o Grupo de Pesquisa que meu supervisor coordena, e coloco-me à disposição para outras participações e colaborações que possam surgir para a apresentação e debate dos resultados desta pesquisa e estágio pós-doutoral.

2.1 Palestras e comunicações proferidas - “A poesia em cena: o som e a letra do documentário Vinicius”, XVIII Encontro da SOCINE – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e audiovisual. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 07 a 10 de outubro de 2014. - Apresentação e debate sobre o Projeto de Pós-doutorado “O som do retrato: análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros”, Grupo de Pesquisa ECA- USP, 2014.

2.2 Participação em eventos, congressos e encontros - XVIII Encontro da SOCINE – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e audiovisual. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 07 a 10 de outubro de 2014.

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- Palestra “A Economia Criativa e a Indústria Cinematográfica”. Laboratório Novas Perspectivas de Mercado. SP Cine. FAPCOM, 13 de setembro de 2014. - Reuniões de orientandos, grupo de pesquisa organizado pelo Prof. Dr. Eduardo Morettin. São Paulo: ECA-USP, 2014.

2.3 Participação em bancas e comissões julgadoras - Participação em banca de Guilherme Gustav Stolzel Amaral. Os documentários musicais brasileiros: uma análise do caso Nelson Freire. Exame de qualificação (Mestrando em Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som) - Universidade Federal de São Carlos. 2014.

2.4 Produção Bibliográfica 2.4.1 Livro: - A canção no cinema brasileiro. São Paulo: Alameda/FAPESP, 2015.

2.4.2 Artigos em periódicos: - “Voz, canção e história da MPB nos retratos impressionistas de Georges Gachot”. In: Revista Contemporânea, Dossiê a canção no audiovisual, Salvador: UFBA, v. 12, 2014, p. 360-368. - “A história da MPB em documentários musicais: canção, biografia e Bossa Nova”. In: Revista Imagofagia – Dossiê Temático Estudos do Som no Cinema da América Latina. Org. Virginia Osorio Flores e Suzana Reck Miranda. Previsão para publicação em 2016.

2.4.3 Anais de Congressos: - “Música e Documentário: os retratos impressionistas de Georges Gachot”. In: Anais de Textos completos do XVII Encontro da SOCINE - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, 2014, São Paulo: SOCINE, 2014, p. 476-484. - “Tom em recortes: memória e biografia em A música segundo Tom Jobim”. In: Anais de Textos completos do XVI Encontro da SOCINE - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, 2013, São Paulo: SOCINE, 2013, p. 345-353. - “A biografia como escrita da história da MPB: análise da narrativa audiovisual do documentário Vinicius”, In: Anais do XXII ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA – “HISTÓRIA: DA PRODUÇÃO AO ESPAÇO PÚBLICO”, ANPUH-SP, Santos-SP: Universidade Católica de Santos, UNISANTOS, de 01 a 04 de setembro de 2014.

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Parte 2 - Resultados da Pesquisa

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

3. Documentário, biografia e História

Com diferentes formas de registrar, narrar e divulgar trajetórias de vida, os documentários biográficos são “lugares” onde a memória social é conservada e construída. Como se sabe, o biografismo mudou muito através dos tempos, desde a configuração do gênero a partir de um discurso coeso e artificial, que Pierre Bourdieu chamou de “ilusão biográfica” (BOURDIEU, 2005), até as suas diferentes abordagens e tendências narrativas ao longo da história do panorama editorial (DOSSE, 2009), que já ganhou diferentes reflexões teóricas, tal como o debate da função narrativa do discurso histórico (AVELAR, 2010, p. 161) e a construção da prática jornalística dos perfis e mesmo seus desdobramentos narrativos na produção de documentários.

É interessante notar que o aumento de produção de documentários biográficos acompanha o forte mercado editorial brasileiro de publicação de biografias. O sucesso editorial das biografias se dá, sobretudo, por seu estilo narrativo envolvente, mais próximo à prática jornalística (VILAS BOAS, 2002) do que da abordagem histórica, como já analisou Benito Bisso Schmidt (1997). Também existem muitas relações e tensões entre a biografia e a escrita da História, como analisou Alexandre de Sá Avelar, ao apontar o desafio de se falar de personagens entrelaçando subjetividades, afetos e modos de ver (2010, p. 166).

A historiadora Mary Del Priore afirma que segundo Marc Ferro a biografia foi fortemente influenciada pelos estudos sobre a vida privada dos indivíduos, que permitiram revelar as complexas relações entre vida privada e vida pública. Já o historiador Le Goff apontou que a introdução do gênero biográfico na história atual é um instrumento útil e suplementar usado pela História Cultural, como uma maneira “de continuar a fazer história por outros meios”.

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Ainda segundo Mary Del Priore:

Le Goff é o melhor exemplo do que propunham os historiadores franceses ao reinventar a biografia. Na tradição do espírito dos Annales, ela deve se instaurar por uma “questão” e se formular como um caso de “história-problema”. Como toda narrativa de vida, ela precisa se submeter a uma cronologia de fatos, mas, contrariamente, à vida – ao destino –, é “uma construção feita de acasos, hesitações e escolhas” que permitem ao biógrafo, segundo Le Goff, escapar a tal ilusão biográfica fustigada por Bourdieu. (PRIORE, 2009, p. 10)

A autora afirma que o indivíduo é, ao mesmo tempo, ator crítico e produto de sua época, e seu percurso ilumina a história pela iniciativa voluntária do observador que propõe uma análise da sociedade na qual o personagem está inscrito, e no percurso do personagem que ilustra, por sua vez, as tensões, conflitos e contradições de um tempo, todos essenciais para a compreensão do seu contexto histórico.

Para Momigliano (1993), a biografia nasce no século V antes de Cristo, embora não se tenha evidências seguras para informar se não foi praticada antes, em vista da falta de documentos. A biografia surge inscrita em pinturas de vasos, em tragédias, comédias e dramas como nos relatos de viagens, que esboçavam fragmentos biográficos. E no século IV, o gênero se difunde pelo Ocidente. Ainda segundo o autor, a principal função das biografias na Antiguidade era a de construir modelos de conduta, códigos morais para serem seguidos, além de propiciarem a elaboração de uma memória, em geral, exemplar para a posteridade. Já para Dosse (2009, p. 123-51) o surgimento do gênero não é tão importante, mas sim sua difusão pelo Ocidente junto a noção de indivíduo. Assim, os dois autores apontam historicamente as características que aproximam e distanciam história e biografia.

Como já apontou Diogo Roiz: Não obstante a pluralidade de formas de se narrar a vida de um indivíduo que poderia ser agrupada nas biografias, as décadas iniciais do século passado vislumbraram, com maior regularidade, os modelos de biografias que se cerceavam em narrativas cronológicas e lineares, nas quais se circunstanciava a vida de um indivíduo como começo, meio e fim previamente definidos, além de procurar deduzir dos exemplos morais, das especificidades físicas e emocionais, e das anedotas singulares, o conjunto de qualidades (e defeitos) que faziam

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parte do caráter e da personalidade do biografado. (ROIZ, 2011, p. 126)

Assim como Bourdieu já havia apontado o debate sobre a “ilusão biográfica”, nas tentativas de se descrever uma vida de modo cronológico e linear, e em vista disso propor o estudo das trajetórias dos indivíduos em meio aos campos que percorreriam o pesquisador Giovanni Levi, em “Os usos da biografia” (texto de 1989), buscou pensar a biografia enquanto um espaço, lugar de tomada de decisões, onde transparecessem as tensões entre a racionalidade dos sistemas sociais e a possibilidade de uma liberdade de ação dos indivíduos.

Sobre o biografismo no Brasil, o pesquisador Wilton Carlos Lima da Silva aponta que:

A produção bibliográfica do biografismo brasileiro tradicionalmente vincula-se a uma humanização da história e a criação de uma pedagogia moral e cívica, com um volume relativamente tímido – quando comparado com outros biografismos nacionais – de obras que a partir de metodologias e enfoques semelhantes na produção historiográfica, no romance histórico, nas memórias pessoais, na literatura escolar e nas biografias no sentido estreito do termo. Mas a reconstrução de uma trajetória individual (quer de outro ou própria) significa também a percepção de uma rede de relações a partir da idéia de individualidade, com diferentes temporalidades (o ontem e o hoje), vínculos e pertencimentos que dizem respeito tanto sobre quem se escreve, quem escreve e para quem se escreve. (LIMA DA SILVA, 2009, p. 153-154).

Recentemente, o tema da biografia ganhou grande repercussão crítica quando artistas biografados e biografáveis discutiram publicamente, com debates em jornais e programas de televisão, sobre os processos de autorização e controle de expressão para as tendências biográficas e seus autores. O ano de 2013 foi marcado pela polêmica protagonizada pela empresária Paula Lavigne, ex-esposa de Caetano Veloso, representante de vários músicos, entre eles Gilberto Gil, , Djavan, Chico Buarque e outros, que se uniram para criar o “Procure Saber”. Inspirados pelo processo judicial e criminal de Roberto Carlos contra o jornalista Paulo César de Araújo, autor do livro Roberto Carlos em detalhes, o coletivo chamou a atenção e debate público sobre a necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias.

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O famoso processo de 2007 resultou no acordo em que o cantor Roberto Carlos conseguiu que o livro fosse recolhido das livrarias, tivesse a venda proibida, e que a editora Planeta não mais editasse o livro, abandonando o autor a sua própria sorte. Paulo Cesar de Araújo publicou a história polêmica sobre sua batalha em torno da proibição do livro, desde sua pesquisa que embasou a redação da biografia até as controversas guerras judiciais, em O réu e o rei: minha história com Roberto Carlos, em detalhes (2014).

Além disso, Roberto Carlos ganhou fama, no período do processo, de “inimigo das biografias não autorizadas”, quando decidiu queimar os livros (fato não confirmado). O processo gerou inúmeros manifestos e discussões sobre as biografias, biógrafos e biografados. O jornalista Geneton Moraes Neto, por exemplo, publicou no Jornal O Globo (13/05/07) que “Roberto Carlos manchou para sempre a própria biografia ao dar esta demonstração de absurda intolerância”. O jornalista Elio Gaspari afirmou que “Roberto Carlos corre o risco de se transformar numa fracassada celebridade da história da censura” (Folha de São Paulo, 006/05/2007). Em junho de 2007, a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, programou a mesa “A vida como ela foi”, composta por Paulo César de Araújo, Ruy Castro e Fernando Morais, autores que já tiveram livros proibidos pela Justiça.

Entretanto, segundo Paulo César de Araújo: “não demorou muito para que a versão integral da biografia chegasse à rede” (2014, p. 351). Assim, vários sites disponibilizaram a biografia. Como disse Ancelmo Gois, em sua coluna de O Globo (11/05/2007), Roberto Carlos “tem tomado o maior olé na internet. Agora, Roberto Carlos em detalhes circula pela rede, enviado por e-mail”. 3

Em abril de 2008 foi definido o Projeto de Lei n. 3378/08, conhecido como “Lei das Biografias” de Antônio Palocci, protocolado na Câmera dos Deputados, em Brasília. Em 2013, o debate retorna com força, quando a lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff, e publicada no Diário Oficial da União. Como afirmou o compositor Abel Silva: “em cinquenta anos de carreira, Roberto só se pronunciou sobre política cultural duas vezes, em ambas a favor da censura” – como aponta Paulo César de Araújo (2014, p. 429), o compositor

3 O site do jornal O Globo reuniu vários textos publicados por editores e escritores rebatendo os argumentos dos músicos, disponível em http://oglobo.globo.com/infograficos/batalha-biografias/. Acessado em 15/02/2015.

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se refere ao apoio de Roberto Carlos à proibição do filme Je vous salue Marie (1985), de Jean-Luc Godard, e da proibição de sua biografia Roberto Carlos em detalhes.

Além do “Procure Saber”, e sua posição contra a comercialização de uma biografia não autorizada, por não considerar justo que só biógrafos e seus editores lucrem com isso, e nunca o biografado e seus herdeiros, pipocaram manifestações a favor da liberdade da publicação de biografias no Brasil, como na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, já citada por Paulo César de Araújo:

Naquele dia, Ruy Castro, eu e o deputado federal Alessandro Molon, relator do projeto de lei, participamos de um debate na Bienal do Livro do Rio. Na abertura da mesa, Ruy Castro leu um documento intitulado “Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias”. Organizado pelo sindicato Nacional dos Editores de Livros, o manifesto trazia a assinatura de 48 nomes da elite intelectual do país. A Academia Brasileira de Letras, por exemplo, estava em peso ali com as assinaturas de Afonso Arinos de Melo Franco, Candido Mendes de Almeida, Sergio Rouanet, Eduardo Portella, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Nélida Piñon, João Ubaldo Ribeiro e outros imortais; também assinaram o manifesto historiadores como Boris Fausto e Mary Del Priore; jornalistas como Zuanir Ventura e Roberto Pompeu de Toledo, além do ensaísta Silviano Santiago, o antropólogo Roberto DaMatta, o cartunista Ziraldo, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, o escritor Luis Fernando Verissimo e o poeta Ferreira Gullar (ARAÚJO, 2014, p. 429).

De fato, muitas biografias já passaram por processos e perseguições no Brasil, segundo o jornalista Cristiano Bastos:

O que grande parte do público não sabe é que dezenas de biografias foram impedidas de serem realizadas nos últimos anos; outras simplesmente foram retiradas das prateleiras mediante ordem judicial. Uma delas, Noel Rosa – uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier, chegou a atingir status de mitológica. (BASTOS, 2013, p.48)

A repercussão da polêmica chegou à Feira do Livro de Frankfurt, maior evento editorial do mundo, na palestra de Laurentino Gomes, autor do livro 1808 (São Paulo: Editora Planeta, 2007) o Brasil estava se tornando o país da “biografia chapa-branca”. Esta avaliação parece bastante pertinente também para esta pesquisa, conforme análise dos documentários nos capítulos seguintes.

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No entanto, o pesquisador José Geraldo Vinci de Moraes afirma como as biografias são fundamentais para a história da MPB, em suas palavras:

A produção historiográfica da música popular urbana moderna acompanhou, em um movimento de mimetização, a tendência predominante das biografias e a descritiva de gêneros existentes nas interpretações da “boa música”. No entanto, os problemas e distorções existentes nessa área foram aprofundados pelo fato de os pesquisadores realizarem suas obras sem clareza metodológica, de modo amadorístico e precário, e muitas vezes sem apoios institucionais e financeiros (VINCI de MORAES, 2000, p. 207-208).

Como destaca Benito Schmidt (1997, p. 3-21), com base no Catálogo de publicações brasileiras, em 1994 o gênero biográfico havia tido um crescimento de 55% em relação ao período de 1987, alcançando “as vendagens dos manuais de autoajuda e dos livros escritos por magos, anjos e esotéricos em geral” (1997, p. 3). Desde aquele período, o gênero biográfico não deixou de ter destaque no mercado editorial brasileiro. Além da publicação constante de biografias, feitas tanto por amadores quanto por profissionais (jornalistas, cientistas sociais e historiadores), que dimensionariam não apenas a renovação do gênero como também sua maior aproximação com os estudos históricos (com o uso regular de fontes para se inquirir a trajetória de vida de um indivíduo), conquistando o público especializado, que viria a se complementar com o geral.

Ainda segundo o autor, um conjunto de editoras têm se dedicado a esse tema, como no caso do grupo Record (em que se encontram agrupadas as editoras Record, Civilização Brasileira, José Olympio, Difel, Bertrand Brasil, dentre outras), do Rio de Janeiro, ou da Editora Paz e Terra (que conta com 24 títulos em seu catálogo do gênero biográfico), de São Paulo, as editoras da Fundação Getúlio Vargas; da Unicamp; e da Companhia das Letras, visto que elas tiveram a preocupação de organizarem coleções tanto para o público especializado quanto o geral, com a escrita de especialistas na área de Ciências Humanas e Sociais.

Deste percurso editorial nasce às biografias audiovisuais, o que se tornou uma produção recorrente em várias mídias, principalmente na prática do documentário que elege temas e personagens da história da música brasileira. No cinema e na televisão, o

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documentário biográfico tem espaço e público garantido. A recorrência desta produção não é recente, mas evidencia uma forma discursiva de valoração, apontando aqueles que devem ser memoráveis na história da música brasileira.

Este desafio da escolha dos personagens dos documentários brasileiros de temática musical também já foi analisado por Mariana da Silva:

O documentário de temática musical, em nossa visada, não se refere a propostas exclusivas de divulgação/promoção comercial de determinados artistas, conforme uma limitada (porém operacional) perspectiva afim aos videoclipes ou aos registros de turnês. Tratam-se de narrativas audiovisuais em longa-metragem que articulam em sua tessitura representações sobre os sujeitos sociais que constroem e sobre os aspectos histórico-culturais das épocas retratadas. Assumimos, pois, como especificidade narrativa recorrente desses filmes: a construção biográfica dos sujeitos segundo uma revelação/redenção e a reposição, algo salvacionista, de uma memória acerca de acontecimentos emblemáticos de nossa história – dispersando-se na direção de uma construção identitária do referido momento histórico (“o retrato de uma época”). (SILVA, 2012, p. 7)

Nesse sentido, a escolha dos protagonistas para as biografias se dá pela eleição de expoentes culturais de uma época que são legitimados pelas entrevistas e pelo material de arquivo resgatado e editado, fixando a ideia de que os personagens retratados transcenderam o âmbito comercial da música, convertendo-se em expoentes simbólicos da cultura brasileira a partir da história da música popular. Além disso, uma biografia não é apenas uma narrativa da vida do biografado, é também uma narrativa da relação entre o biógrafo e o biografado. E, para que ela possa acontecer, é preciso que haja liberdade para a produção do documentário biográfico, dado que a biografia não é gênero factual, e sim, um gênero impuro, que tem sua parte de criatividade na produção da narrativa audiovisual.

Esta prática não é exclusiva dos documentários biográficos sobre personagens da MPB, mas evidencia um método de representação da história da MPB que monta e desmonta documentos e fontes, trabalho que não é exclusivo do historiador, e que para o documentarista e o espectador se revela fundamental para a interrogação sobre a história hegemônica da

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cultura brasileira, aberta a dialética da memória, vulnerável a todos os usos e manipulações, às continuidades temporais, às evoluções e relações dos personagens e tendências da arte.

Segundo Huyssen (2000), no trabalho em que aponta para o nascimento de uma cultura da memória e sua expansão global, o “boom da memória”, teria trazido consigo também uma espécie de “comercialização em massa da nostalgia” sendo um de seus resultados o crescimento das biografias.

Para Michael Pollak (1989), a memória é formada por lembranças e esquecimentos. Segundo o autor as “memórias subterrâneas” se colocam em oposição a uma “memória oficial”. Assim, certas lembranças são transmitidas de geração a geração pela oralidade, longe de serem esquecidas, e se constituem como resistência aos discursos oficiais. Ainda segundo o autor, a memória coletiva, diferente das subterrâneas, não pode ser construída arbitrariamente, ou seja, precisa ser “enquadrada”, deve “satisfizer a certas exigências de justificação”. Isso gera um reenquadramento constante frente às demandas do presente. Em suas palavras:

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro (POLLAK, 1989, p. 10).

Diante desta perspectiva teórica, este estudo pretende desenvolver a análise dos quatro documentários musicais sobre personagens da MPB: Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo, e A música segundo Tom Jobim.

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4. As leituras da Bossa Nova

4.1 Depoimento-arquivo-declamação: análise da narrativa biográfica de Vinicius

Vinicius de Moraes talvez seja mais conhecido por suas letras de canções do que por sua poesia. No entanto, o poeta foi admirado e festejado por sua geração, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Além disso, Vinicius foi um dos poetas brasileiros mais traduzidos no mundo. Segundo Eucanaã Ferraz:

Vinicius de Moraes (1913-80) é o caso típico do artista que, ao longo do tempo, foi sendo sobreposto à própria obra. Fala-se muito do poeta, mas lê-se insuficientemente sua poesia; sabemos de cor alguns de seus versos antológicos, mas não raro estancamos ali, sem seguir adiante, ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos em textos menos consagrados; ao ouvir suas canções, somos tomados por uma tal beleza que nos parece desnecessário pensar sobre elas; repetimos uma série de opiniões de tal modo cristalizadas que parecem prescindir do confronto com a apreciação crítica da obra (FERRAZ, 2008, p. 8)

Tal como sua célebre afirmação, concedida em entrevista para Clarice Lispector: “Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções”, Vinicius conciliou por um bom tempo a poesia, a letra de música e sua carreira no Itamaraty, que o permitia sustentar suas mulheres e filhos. Não à toa, ganhou o apelido de “poetinha”, às vezes carinhoso, outras pejorativo ao sugerir um poeta menor pela escolha de escrever letras de canções (HOMEM; LA ROSA, 2013, p. 13-16).

Segundo Marcos Napolitano e Maria Clara Wasserman (2000), o debate sobre as origens da música urbana, sobretudo aquela produzida e canalizada para o consumo na cidade do Rio de Janeiro, se intensificou nos anos 30, num momento em que o nacional e o popular eram categorias de afirmação cultural e ideológica por excelência. Foi neste período, em 1928, com Haroldo Tapajós que Vinicius compôs sua primeira música, “Loira ou morena”, gravada em 1932, um ano antes da sua iniciação literária com Caminhos para Distância, de 1933 (SANT‟ANNA, 2004, p. 41). Mas foi com “Se todos fossem iguais a você”, primeira parceria da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes, canção feita para a peça Orfeu da

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Conceição, que Vinicius entrou para a história cultural do Brasil. A peça foi um marco para o teatro brasileiro e projetou a dupla internacionalmente (HOMEM; LA ROSA, 2013). 4

Segundo Jairo Severiano (2008, p. 329) usava-se, desde os anos 30, o termo “bossa nova” para designar um jeito novo, engenhoso, diferente, de fazer qualquer coisa.5 O trio João Gilberto, Vinicius de Moraes e Tom Jobim consagraram o novo estilo, a maneira de tocar, harmonizar e cantar a composição, demonstrado no primeiro LP de João Gilberto, intitulado Chega de saudade (canção-título de Vinicius de Moraes e Tom Jobim), álbum que Tom Jobim participa também como diretor musical, arranjador e pianista. Assim se fez o movimento bossa nova, considerado a primeira reviravolta musical criada a partir da canção popular, entre os anos 1958 a 1963.

O novo estilo de canção e de artista se consagrou pelos personagens Tom Jobim e João Gilberto, acompanhados por Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e Nara Leão. Para Luiz Tatit (2004), no domínio da interpretação, a bossa nova representou a mudança da modulação da potência da voz do pulmão e das cordas vocais para o microfone, amplificador e equalizador de frequências, conquistando a atenção do ouvinte pelas sutilezas da palavra cantada e da voz. A Bossa Nova também marcou o surgimento de outro pensamento musical, voltado para a valorização da mistura dos gêneros musicais brasileiros com as tendências modernas da música internacional como o jazz e o pop.

Segundo Zuza Homem de Mello: “em nenhum outro período equivalente compôs-se, cantou-se, tocou-se, gravou-se e ouviu-se tanta música inédita”, e esta imensa produção impulsionou o sucesso internacional, ainda segundo o produtor musical “não foi um artista brasileiro que fez sucesso, foi o nosso ritmo” (MELLO, 2008, p. 11). E o interesse pela Bossa

4 Orfeu da Conceição estreou em 25 de janeiro de 1956 no Teatro Nacional do Rio de Janeiro com músicas de Tom Jobim e cenários de Oscar Niemeyer. A história baseava-se na tragédia grega do mito de Orfeu, músico da Trácia que, com sua lira, tinha o poder de encantar os animais e criar comunhão entre o homem e a natureza. A peça, ao ser adaptada para a favela carioca, aposta nas associações com o carnaval e as belezas naturais do Rio de Janeiro. Além da peça de teatro, Orfeu da Conceição virou filme (1959), dirigido pelo francês Marcel Camus. Para o filme premiado, Vinicius de Moraes e Tom Jobim colaboraram ainda em “Felicidade” e “Frevo”; Luís Bonfá colaborou em “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, sendo que Elizeth Cardoso e Agostinho dos Santos dublaram as vozes nas canções. Além disso, o filme traz imagens reais do carnaval de 1958. No entanto, segundo Sérgio Augusto, o editor francês embolsou os direitos das músicas, disponível em: www.orfeunegro.net/Orfeu_files/SergioAugusto, acessado em 15/10/2008. 5 No caso do movimento musical, Severiano relata que a expressão surgiu em um show realizado no início de 1958, no Grupo Universitário Hebraico do Brasil, sediado no bairro carioca do Flamengo, em que os jovens músicos e compositores foram anunciados como “um grupo bossa nova”.

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Nova foi, e talvez ainda seja tão grande, que durante vários anos a canção “Garota de Ipanema” (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) foi a segunda mais executada no mundo, perdendo apenas para “Yesterday”, dos Beatles (HOMEM; LA ROSA, 2013, p. 54). Rumo ao cinema, a canção inspirou o filme de Leon Hirszman, Garota de Ipanema (1968).

As canções de Vinicius de Moraes transitam por diferentes décadas, trazendo sua trajetória musical para as telas do cinema brasileiro e internacional. Vinicius fez parceria com Pixinguinha para a composição da trilha musical do filme Sol sob lama (1963), de Alex Vianny. E além de “Garota de Ipanema”, outras canções inspiraram filmes, como Eu sei que vou te amar (1984), dirigido por Arnaldo Jabor; e, a releitura de Cacá Diegues de Orfeu da Conceição em Orfeu (1999), com direção musical de Caetano Veloso.6

Vinicius de Moraes não foi apenas poeta e antes de dedicar-se por inteiro a música foi crítico de cinema7, cronista de jornais e funcionário público exercendo a função de diplomata pelo Itamaraty. As constantes viagens para o exterior não o impediram de garantir uma ampla produção musical vivenciando importantes momentos políticos no Brasil.

Vinicius de Moraes nasceu em 1913 e morreu em 1980. Viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro e morou alguns anos em Los Angeles, Paris, Montevidéu e Roma, atravessando duas guerras mundiais. Não foi um poeta social, e muitas vezes foi acusado por isso. Entretanto, estudou literatura na Inglaterra e produziu textos de gama variada de direções e estilos. Segundo o poeta e pesquisador Affonso Romano de Sant‟Anna:

Fez a “Quinta Elegia” com versos de vanguarda imitando os telhados das casas do bairro londrino de Chelsea e misturando português com inglês; fez versos dentro da métrica e dicção populares como “Operário em construção”; os seus primeiros poemas são neo- simbolistas, e, ao meio da obra, faz um Livro de Sonetos num estilo

6 Na adaptação contemporânea de Cacá Diegues, o morro carioca é dominado pela violência, pelo narcotráfico e pela criminalização. Assim, a dureza do rap e do hip hop quebra a língua na elaboração das letras e substitui as quebras de ritmos dos sambas no percurso do endurecimento da realidade social dos morros e das favelas, paisagens de inúmeras estórias do cinema brasileiro. 7 Vinicius de Moraes foi crítico de cinema nos jornais A Manhã (1941), no Suplemento Literário de O Jornal (1944), Última Hora (1951) e outros. Curiosamente, o letrista escreveu crônicas sobre cinema que proclamavam seu gosto pelo cinema mudo: “arte muda, filha da imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas; meio de expressão total em seu poder transmissor e sua capacidade de emoção” (crônica “Credo e Alarme”, publicada em A Manhã, em agosto de 1941). Ver esta e outras crônicas de cinema de Vinicius de Moraes organizadas por Carlos Augusto Calil, em O cinema dos meus olhos, 1991.

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clássico-romântico. Em música todos os gêneros e ritmos: aí estão os sambas afro-brasileiros (ou afro-baianos) compostos com Baden Powell (“Canto de Ossanha”, 1966 e “Berimbau”, 1964); as marchas ranchos como “Marcha de Quarta-Feira de Cinzas”, 1964, com Carlos Lira, as canções-recitativos como o “Samba da Benção”, 1964, e as canções e sambas compostos com Tom Jobim. Mas, ainda, que seus textos retratem tanto o falar moderninho de Ipanema e o coloquial carioca, aí permanece sempre um tom “literário” indisfarçável que estava em “Poema dos Olhos da Amada” (1954), que faz parte tanto de seus discos como de sua Antologia Poética. (SANT‟ANNA, 2004, p. 41).

Vinicius criou ao longo da vida imensa produção de poemas, crônicas, ensaios, peças de teatro, ficção, letras de canções. Tornou-se um dos personagens mais importantes da história da MPB, sendo letrista de econômicas palavras centradas no verbo e no substantivo, utilizando-se de vocabulário reduzido e simples, em versos curtos que reforçam o jogo sonoro estruturalmente ligado ao ritmo e à melodia (SANT‟ANNA, 2004, p. 42-43).

Vinicius de Moraes foi, sobretudo, um letrista, como já declarou Tom Jobim, Vinicius conhecia “a música da palavra” (FERRAZ, 2008, p. 49). O poeta compôs com Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra (que diferente da maior parte dos jovens da Bossa Nova, tinha preocupações e militância políticas, sendo um dos fundadores do CPC, Centro Popular de Cultura, e filiado ao PCB, Partido Comunista Brasileiro), Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Ary Barroso, Edu Lobo, Antonio Maria, Chico Buarque e Toquinho. Como já escreveu José Castello (1991, p. 13): “a lista é longa e à primeira vista ameaçadora, porque reúne imensa disparidade de temperamentos, estilos, classes sociais, humores, gerações”. Vinicius foi um artista plural até no nome, como enfatiza a piada do escritor Sérgio Porto: “se não fosse seria Vinicio de Moral” (CASTELLO, 1991, p. 14).

A realização do documentário Vinicius contou com total apoio da família, o que evidentemente produz um impacto na narrativa do documentário, com sua adesão afetiva como linha interpretativa da história do personagem8. Susana Moraes queria fazer um filme sobre o pai. Desse modo, tornou-se coprodutora e liberou o acesso a todo arquivo de

8 Vários outros documentários surgem da memória dos familiares, carregados de emoção, nostalgia, saudade e subjetividades que determinam a construção da narrativa sobre os personagens, misturando o público e o privado, comprometendo a leitura sobre a obra do biografado.

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fotografias, textos, documentos e imagens de arquivo familiar. A partir de conversas com as filhas de Vinicius, Miguel Faria Jr., que foi casado com Susana, opta pela produção de uma cinebiografia bastante intima, reveladora da proximidade entre biógrafo e biografado, mas sem cair em ressentimentos causados pela inconstante e desregrada vida do personagem protagonista.

As transformações políticas e culturais do país, principalmente os novos rumos da sociedade em termos de comportamento e espaço urbano são retratadas no filme em cenas e fotos da cidade do Rio de Janeiro. Um importante capítulo da história da MPB é abordado no documentário pela voz que canta, conta e recita os versos do poeta.

O filme começa e termina contextualizando espacialmente a vida do personagem retratado, com cenas de Ipanema e uma carta a Vinicius, escrita pelo cronista Rubem Braga e narrada pelo ator Ricardo Blat, já imprimindo o tom saudosista e colocando em pauta a representativa relação do poeta com a beleza da natureza e da mulher carioca.

Na abertura do filme, as cenas do mar e da praia são articuladas com a canção “Se todos fossem iguais a você”, primeira parceria da dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes, interpretada por Renato Braz, sobre cenas aéreas noturnas da orla do Rio de Janeiro. O documentário, então, revela um camarim onde os atores Camila Morgado e Ricardo Blat declamam um poema acompanhados por um violão ao fundo. Os atores puxam a cortina e a câmera revela o violonista Yamandú Costa, em um palco de uma boate recriada para reconstruir a memória dos anos 50, interpretando “Valsa de Eurídice”. A atriz entra no palco e explica a música, tema da peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinicius de Moraes, e começa a narrar sua biografia pelo seu nascimento no Rio de Janeiro em 1913. A narradora sai de cena, mas sua narração em voz off acompanha fotos e imagens do Rio antigo, destacando a relação dos dados biográficos do personagem com as transformações ocorridas na cidade ao longo dos anos.

Assim, o documentário enfatiza a ideia dos bastidores colocando o palco como espaço para a encenação da vida e da obra de Vinícius de Moraes. A narrativa do filme se estrutura com a edição de encenações conduzidas pelos atores Ricardo Blat e Camila Morgado, que relatam passagens da vida de Vinicius de Moraes e interpretam cartas e poemas, como o

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“Soneto da Fidelidade”. Essa moldura em tom ficcional é responsável pela condução narrativa recheada com vários números musicais que apresentam algumas de suas canções síntese em registros desiguais, da técnica apurada de Monica Salmaso para interpretar “Insensatez” (parceria com Tom Jobim) à descontração popularesca de Zeca Pagodinho para cantar “Pra que chorar” (parceria com Baden Powell). A escolha dos intérpretes evidencia a ideia de revisitar a obra de Vinicius através da seleção de intérpretes de uma nova geração em busca de novos públicos.

A narrativa e abordagem do documentário contam a vida de Vinicius de Moraes através de suas canções e poesias, e também opta pela convenção da narração off e da entrevista para apresentar o personagem ainda pela memória de familiares, amigos e parceiros. Os afetos e a subjetividade tornam o documentário saudosista, principalmente quando edita trechos de depoimentos e imagens de arquivo do próprio personagem, entre as inúmeras histórias sobre o poeta.

Os vários depoimentos possuem um tom de “causos”, mesmo na voz do próprio Vinicius, e com as entrevistas contemporâneas filmadas como se fosse de casa, quando o elenco de entrevistados revira a memória para revelar as características da personalidade e comportamento do poeta, e suas relações de amizade, amores e parcerias musicais. Os depoimentos foram, portanto, gravados como uma conversa bem-humorada e emocionada entre amigos. O documentário contou com os testemunhos sobre Vinicius de Antônio Cândido, Caetano Veloso, Carlos Lyra, Carlinhos Vergueiro, Chico Buarque, Ferreira Gullar, Edu Lobo, Francis Hime, Georgiana de Moraes, Gilberto Gil, Luciana de Moraes, Maria Bethânia, Maria de Moraes, Miúcha, Susana Moraes, Tônia Carrero e Toquinho.

Ao analisar este tratamento do documentário chama atenção uma grande valorização da história oral. O depoimento oral pontua e tangencia assuntos como índices testemunhais dos envolvidos, construindo um mosaico temático pelas vozes que falam, cantam, narram ou deixam escapar outras qualidades e significados a partir de sua entoação. Trata-se, portanto, da “voz do documentário”, para utilizar a expressão de Bill Nichols:

Por voz, refiro-me a algo mais restrito que o estilo: aquilo que, no texto, nos transmite o ponto de vista social, a maneira como ele nos

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fala ou como organiza o material que nos apresenta. Nesse sentido, “voz” não se restringe a um código ou característica, como o diálogo ou o comentário narrado. Voz talvez seja algo semelhante àquele padrão intangível, formado pela interação de todos os códigos de um filme, e se aplica a todos os tipos de documentário. (NICHOLS, 2005, p.50).

Assim, a voz ultrapassa a palavra, não está limitada apenas ao que é dito verbalmente, mas, a voz abrange vários mecanismos que o diretor dispõe para apresentar seu argumento, transmitir um ponto de vista, ressignificar o passado, exprimir sentimentos e interpretações, na consolidação de diferentes modos de representação e abordagens a partir de várias vozes, como já analisou, para a prática radiofônica, Carmen Lucia José (2003; 2013).

Além disso, as imagens visuais não contribuem muito para a construção da biografia, parece que sem elas a apresentação do personagem a partir dos depoimentos e de sua música permanece. É como se estivéssemos escutando um documentário para rádio. Assim como tantos outros documentários, como já analisei, por exemplo, em Lóki (CARVALHO, 2012B), Vinicius perpetua a ideia do corte do documentário a partir da voz, paradoxo da edição atenta a trilha sonora, que coloca as imagens como complementares, muitas vezes libertando os olhos com a construção do discurso calcado no som, principalmente com a palavra através da voz, como já apontou Michel Chion (2008, p. 139).

Os usos do recurso da entrevista e da montagem de material de arquivo são os principais pontos de sustentação da estrutura discursiva do documentário. A insistência da edição de várias entrevistas encadeadas, assim como já analisou Jean-Claude Bernardet (2003), não indica um enriquecimento de estratégia narrativa para a prática contemporânea de documentários, ao contrário, demonstra um apelo repetitivo de um mesmo procedimento, que se sustenta também com a ênfase da ilustração via material de arquivo. Em contrapartida, vale lembrar que Jean-Louis Comolli (2008, p. 86) alerta que mesmo com esta inflação e repetição da fórmula da entrevista, sua prática não significa apenas um recurso fácil, banal e sem desafios.

Entretanto, mesmo sob o risco do encadeamento dos relatos orais da memória e da saudade dos depoentes, o filme consegue reunir materiais de arquivo que documentam a história do poeta e, com ela, a história da música popular no Brasil e seu contexto

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cronológico. Para isso, o documentário utiliza-se da alternância entre narrações em off sobre cenas e fotos de arquivo, gravações nas quais aparece o próprio Vinicius e outros intérpretes, depoimentos de amigos e familiares, declamações de poesias pelos atores, interpretações musicais na boate reconstituída, leitura de poesias e interpretação de músicas pelos amigos e parceiros entrevistados.

Uma leitura da história do Brasil é evocada dentro do filme pelas imagens de arquivo, como em cenas de manifestações contra a ditadura militar dos anos 60, período também de transformação na canção brasileira e nas letras e parcerias de Vinicius de Moraes, e a irreverência presente nas praias e a revolução nos costumes dos anos 70, em sua vida em Salvador até a maratona de shows realizados ao lado de Toquinho, quando Vinicius já começava a dar sinais de cansaço e envelhecimento.

O documentário se apropria de várias imagens existentes ao mostrar trechos de outros documentários sobre o poeta, como o francês Les carnets Brésiliens (1966), feito para televisão pelo diretor Pierre Kast, realizado no Brasil em 1963, em que Vinicius interpreta "Canto de Ossanha". Outra fonte audiovisual é o média-metragem Vinicius de Moraes: Um rapaz de família (Brasil, 1980), feito pela filha Susana, com cenas da intimidade de Vinicius. Além destes, utiliza-se imagens do filme Pista de grama (Brasil, 1958), de Haroldo Costa, no qual João Gilberto acompanha ao violão Elizete Cardoso que canta "Eu não existo sem você".

Os encontros com os parceiros são elementos importantes para a narrativa cronológica e seleção musical, revelados com arquivos de performances no palco em shows, o início do trabalho de cancionista ao lado de Tom Jobim, a força da voz colada no ritmo dos afro- sambas de Baden Powell, ou mesmo as novas interpretações da parceria com Carlos Lyra com “Coisa mais linda”, na voz de Mariana Moraes, e “Pau-de-arara”, na voz de Sérgio Cassiano, e ainda, “Vida tem sempre razão”, composição em parceria com Toquinho, na voz de Mart‟nália.

Além da obra do artista, o filme também apresenta a sua vida privada, fala de seus amores e dos nove casamentos entrelaçando a as duas trajetórias. Para o retrato mais intimo, o documentário expõe um pouco os sentimentos das filhas Susana, Georgiana, Luciana e Maria de Moraes sobre o lado controverso do pai em relação às mulheres, contando o sofrimento dos

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vários casamentos, das paixões e desamores. Discute a felicidade, a visão política sobre o Brasil e o comportamento boêmio do poeta em relatos e opiniões. Assim como os relacionamentos amorosos e de amizade, o uísque ganha destaque nos depoimentos, imagens e histórias.

Para a escrita da biografia de Vinicius de Moraes a narrativa mistura e investiga as relações da vida privada e a pública, a história do indivíduo e sua obra. Alternando as interpretações de sua obra poética, dos versos, letras e melodias, com sua trajetória de vida pessoal composta pelos elementos da bebida, as várias paixões e casamentos, os laços de amizade, os desafios da emoção e da sensibilidade para a elaboração do texto poético e a procura de novos e jovens parceiros para a continuidade da composição de suas canções.

Nesse sentido, não existiria melhor forma de narrar à vida de Vinicius de Moraes do que por diferentes vozes que cantam e declamam os seus versos, enfatizando a memória desvelada pela voz. Com uma biografia autorizada pela família, o filme Vinicius resgata pela memória oral um tempo e uma experiência sociocultural que extrapola a vida do personagem biografado. Assim, o diretor consegue narrar um pouco a biografia de Vinicius de Moraes com certo clima de boemia, saudando os encontros com amigos e o espírito inquieto característicos do estilo de vida do biografado. Como já escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que viveu como poeta”.

Assim, o documentário Vinicius inaugurou a moda da produção de documentários musicais biográficos sobre personagens da MPB, com extensa acolhida da crítica e público. Entretanto, o filme inicia também uma forte tendência de produção e consumo de “enquadramentos da memória” através de um “filme-testemunho”, como já discutiu Pollak:

Se o controle da memória se estende aqui à escolha de testemunhas autorizadas, ele é efetuado nas organizações mais formais pelo acesso dos pesquisadores aos arquivos e pelo emprego de „historiadores da casa‟. Além de uma produção de discursos organizados em torno de acontecimentos e de grandes personagens, os rastros desse trabalho de enquadramento são os objetos materiais: monumentos, museus, bibliotecas, etc. (POLLAK, 1989, p. 10).

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A memória é, dessa forma, guardada com base em referências e recordações pessoais. No entanto, sem desvalorizar a importância e o encantamento da memória oral que se registra e edita na produção do documentário, podem-se indagar várias contradições, limites e tensões permeadas pelo afeto e a subjetividade na construção da narrativa e no trabalho de pesquisa e conhecimento histórico.

Na construção deste retrato na forma de filme, o diretor escolheu deixar a análise de lado, sem percurso crítico sobre a obra e suas fontes, privilegiando a fluidez da narrativa e os sabores da intimidade a partir da apropriação das imagens domésticas do biografado e das conversas com seus amigos e familiares.

Toda a sua trajetória é tratada no filme, desde o percurso de poeta moderno, que segundo depoimento de Antônio Candido, possuía perfeição formal para falar do cotidiano, os seus textos como dramaturgo, o trabalho e as viagens como diplomata, o ofício de crítico de cinema e cronista, e, principalmente, os seus cantos e composições impulsionados pela paixão pela vida boemia e pelas mulheres. O personagem surge como mito de um tempo por sua inquietude e sedução em versos e atitudes. Sempre bem acompanhado, Vinicius iniciou sua obra musical com canções sentimentais ao lado de Tom Jobim, passou pela reviravolta do candomblé, com a música de capoeira de Baden Powell, mergulhou na melancolia ao lado de Carlos Lyra e, em fase derradeira, fez o resgate de sua obra e despedida dos palcos ao lado de Toquinho.

Este estilo narrativo do filme evidencia a necessidade de um debate sobre o lugar da biografia como possibilidade de uma escrita da História. Neste caso específico, trata-se de discutir os limites e potencialidades da narrativa biográfica sobre Vinicius de Moraes em relação à escrita da história da MPB. O filme constitui (assim como os livros e a história oral) uma forma interessante e válida para se representar o passado, suscitando com isso novos modos de se refletir sobre sua forma narrativa e pesquisa histórica.

O discurso, nesse caso, não tem função de prova explicativa e objetiva. No entanto, o discurso busca mostrar os músicos (e o compositor célebre), como testemunhas, como reflexos, como reveladores de uma época e de sua produção musical. A biografia não se

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apresenta como a história de um indivíduo isolado, e sim como a história de uma época vista através de um indivíduo e de um grupo de indivíduos.

Este documentário biográfico também revela a falsa oposição entre indivíduo e sociedade, quando afirma que o indivíduo não vive só. Dado que a história do biografado é narrada “numa rede de relações sociais diversificadas”. Assim, como já analisou Del Priore (2009, p. 10), “a biografia permite uma abordagem histórica” assumindo a legitimidade do “fatiamento da história”. Pensando nisso, talvez seja possível afirmar que o documentário conta uma história da MPB a partir da história de pessoas, de seus intérpretes e compositores. Pelas vozes em cena, as canções mais conhecidas e as raras imagens de arquivo de cunho doméstico, o filme constrói um retrato de Vinicius de Moraes nos enlaces da trajetória de sua vida pública e privada, nos encontros e desencontros entre História e biografia.

4.3 A biografia cantada do documentário A música segundo Tom Jobim

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu em 25 de janeiro de 1927, no Rio de Janeiro, e faleceu em 1994, em Nova York. O músico começou sua carreira profissional como pianista em 1951. Segundo Jairo Severiano (2008, p. 300), Tom Jobim tocou na Rádio Clube e em casas noturnas de Copacabana. Em 1953, gravou sua primeira canção “Incerteza”, uma parceria com Newton Mendonça, mas o primeiro sucesso aconteceu no ano seguinte com “Teresa da Praia” e o álbum Sinfonia do Rio de Janeiro, em parceria com Billy Blanco (1924-2011), na canção nota-se a leveza da letra e muitos dos elementos que iriam caracterizar o gênero Bossa Nova.

A obra de Tom Jobim resgata os temas da modernidade, brasilidade e da natureza, principalmente das paisagens do Rio de Janeiro e da Mata Atlântica. Assim como Villa- Lobos, Jobim conhecia a música de concerto tanto quanto as canções dos compositores populares da primeira metade do século XX o que lhe proporcionou uma experiência importante para o desenvolvimento de sua carreira como compositor e arranjador.

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O encontro de Tom Jobim com Vinícius de Moraes impulsionou grande impacto para o ambiente de música popular da época, segundo a biografia de Sérgio Cabral:

Tom foi chamado à mesa e ouviu de Vinícius uma longa explanação sobre o Orfeu da Conceição, uma história grega adaptada aos morros cariocas e que teria um elenco todo formado de mulheres e homens negros. Jobim (...) só teve uma pergunta a fazer a Vinícius: „Tem um dinheirinho nisso?‟, o suficiente para ser advertido por Lúcio Rangel: „Como é que você tem coragem de falar em dinheiro, numa hora dessas, com o poeta? (CABRAL, 1997, p.102).

A parceria de Vinicius de Moraes e Tom Jobim se iniciou com o espetáculo teatral Orfeu da Conceição, pontuado por temas incidentais compostos por Tom e canções da dupla, que aliavam o conhecimento de teoria musical de Tom e a poesia moderna de Vinicius. Também fizeram sucesso as canções do álbum Canção do amor demais (1958), de Elizete Cardoso, no qual Tom Jobim foi responsável pelos arranjos, regência e piano, atribuindo um tratamento orquestral para o disco.

De 1963 a 1994, a vida de Tom Jobim dividiu-se entre o Brasil e os Estados Unidos, com a realização de shows e discos, segundo pesquisa de Jairo Severiano (2008, p, 342), neste período, Jobim “compôs cento e poucas músicas, que, somadas às que fizera antes, perfazem aproximadamente 230 composições gravadas”. Entre os álbuns mais festejados destacam-se as muitas parcerias e encontros de Tom Jobim com músicos do Brasil e do mundo, como em Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967), Elis & Tom (1974) e Miúcha e Antonio Carlos Jobim (1977).

Como já exposto no capítulo anterior, à historiografia básica produzida sobre a Bossa Nova inclui as trajetórias de Vinicius de Moraes e de Tom Jobim, ao lado de João Gilberto, para evidenciar como o gênero musical ganhou a caracterização primordial de modernizar a música popular brasileira. Nessa historiografia, destacamos os ensaios biográficos de Ruy Castro (1999; 2001) e Sérgio Cabral (1997), que repercutem a análise de Tom Jobim como um compositor moderno e eminentemente bossanovista, com seus arranjos eruditos para letras leves da canção popular.

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Entretanto, a Bossa Nova nunca foi unanimidade, e o jornalista e historiador José Ramos Tinhorão9 confirmou-se ainda nos anos 60 como um dos críticos mais contundentes do gênero e da produção musical de Tom Jobim, além de fomentador de inúmeras polêmicas com as vanguardas concretista e tropicalista. Os livros de Tinhorão possuem um tom crítico bastante provocativo e focam a análise da falta de autenticidade da Bossa Nova, com seus traços de estrangeirismos. Neste sentido, para o jornalista, Tom Jobim possuía uma obra musical afastada dos referenciais da “brasilidade”, que se enraizava na produção musical das classes sociais mais populares.

O documentário A música segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos Santos10 e Dora Jobim, é uma produção singular no seu contexto histórico de produção. O filme retrata o músico a partir de sua obra musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas ou narração, apostando na compilação de um vasto material de arquivo com várias performances musicais que interpretam as canções do maestro Antônio Carlos Jobim.

Trata-se de uma produção de colagem que conta a história de Tom Jobim como músico. O seu retrato é construído através de suas canções como “Garota de Ipanema”, “Águas de março”, “Corcovado”, “Dindi”, “Luiza”, “Insensatez”, entre outras canções consagradas ao Rio de Janeiro, às mulheres e à natureza. Para mostrar a música, o documentário resgata as interpretações e performances de Gal Costa, Elizeth Cardoso, Jean Sablon, Agostinho dos Santos, Pierre Barouh, Alaíde Costa, Henri Salvador, Gary Burton, Silvia Telles, Gerry Mulligan, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr, Judy Garland, Vinicius de Moraes, Errol Garner, Pat Hervey, , Adriana Calcanhoto, Nara Leão, Maysa, Fernanda Takai, Nana Caymmi, Diana Krall, Oscar Peterson, Sarah Vaughan, Cybele e Cynara, Carlinhos Brown, Jane Monheit, Stacey Kent, Birgit Brüel, Milton Nascimento, Lisa

9 Com o passar dos anos, Tinhorão desenvolveu uma obra importante e pioneira no estudo da música popular brasileira, com a incorporação de grande número de fontes primárias, tanto documentais como sonoras, reunindo um importante acervo de discos, partituras, periódicos, livros e fotos, hoje disponível no Instituto Moreira Salles. 10 Nelson Pereira dos Santos já havia realizado filmes sobre Tom Jobim, como Tom Jobim, um Homem Iluminado, baseado no livro de Helena Jobim (1996) e o especial para a TV Manchete, com entrevistas com o músico, com o mesmo título A música segundo Tom Jobim (1984). Também produziu A Luz de Tom (2012), com mais um retrato do maestro através dos relatos de três olhares femininos: o da irmã Helena Jobim, e das ex-mulheres Thereza Hermanny e Ana Lontra Jobim.

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Ono, Paulo Jobim, Miúcha, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulinho da Viola, entre outros.

A música segundo Tom Jobim é mesmo musical. A montagem deste documentário se constrói na colagem de performances musicais, quando por meio de várias versões e regravações de canções identifica-se o sucesso internacional e a dimensão de como a música de Tom Jobim se espalhou pelo mundo ao longo de sua trajetória de vida. Dessa maneira, o ponto de corte do documentário está na música, na montagem de uma programação musical ou seleção de um elenco de músicas e/ou canções devidamente articuladas para cumprir um modo de representação do percurso da obra artística de Tom Jobim. O resultado desta proposta evidencia uma montagem quase radiofônica em sua estrutura, mas audiovisual pelas suas performances em vídeo.

O filme também apresenta recursos narrativos visuais importantes quando destaca logo em sua abertura imagens de fotos que revelam o Rio de Janeiro e sua época, ainda em preto e branco - do acervo fotográfico do documentarista Jean Manzon (SADLIER, 2012, p. 158) -, iniciando o filme também pelo começo da carreira do músico, com a fotografia de Newton Mendonça, seu primeiro grande parceiro e amigo desde a adolescência, seguido de retratos de ordem íntima com os registros de sua família, recurso ainda utilizado em outros trechos do filme, sem caracterizar um uso de divisão cronológica.

O roteiro é dividido em três grandes temas: o Rio de Janeiro, mulheres (musas) e natureza, que são cantados nas músicas de Tom Jobim e apresentados com rico material de arquivo, do acervo da família e principalmente de diversos acervos de televisão, com imagens da TV Cultura, Rede Globo, Bandeirantes, RAI, BBC, NHK e outras. Além disso, observa-se o uso do Youtube, ferramenta bem conhecida de compartilhamento de vídeos pela Internet, adorada pelos novos realizadores e estudantes como fonte primordial de pesquisa, nem sempre confiável já que permite que qualquer usuário coloque um vídeo, original ou editado, quase sempre sem respeitar os direitos autorais.

Na composição deste mosaico antropofágico, os diretores demonstram que a informação é musical, oposta a inflação verbal da prática das entrevistas e depoimentos. Com isso, a proposta estética se torna bem afinada ao próprio pensamento circular da obra de Tom

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Jobim, de suas conhecidas travessuras no processo de mistura, assimilação e reinvenção na composição musical, sob influência da música estrangeira, como a adoção dos acordes dissonantes largamente empregados nos improvisos do jazz norte-americano ou seu vasto conhecimento da história da música erudita, como já foi analisado por Cacá Machado:

Regravar, reinterpretar, assim como reutilizar fragmentos melódicos, rítmicos e harmônicos de um tema em outro, são constantes na obra de Tom Jobim. São também indicativos de uma característica de personalidade e musicalidade: o pensamento circular. Em cada giro, Tom traz uma nova experiência. (MACHADO, 2008, p. 51)

Vale lembrar ainda a importância de Tom Jobim para a Bossa Nova e seu jeito novo e engenhoso de fazer música. Segundo Frederico Coelho e Daniel Caetano:

A música, como se sabe, é a única das artes que dispensa o uso de ícones, personagens e falas; a música se faz através do som, não importando se este som ganha algum sentido inteligível. A música, portanto, depende de uma relação puramente estética – e qualquer discussão moral e ética surge de contextos externos a ela (...). Para vivenciar a experiência musical, basta ouvir com atenção e sensibilidade (COELHO; CAETANO, 2011, p. 12)

Nesse sentido, o mosaico musical do documentário parece provar uma total sintonia entre forma narrativa e o próprio entendimento da linguagem musical de Tom Jobim. Segundo Nelson Pereira dos Santos (SADLIER, 2012, p. 158), os direitos autorais, de propriedade e de reprodução representam a parte mais cara do documentário, algo em torno de 70% do orçamento total. No entanto, mesmo com a importância dada ao material de arquivo coletado, o filme não apresenta os créditos das performances musicais. Assim, não indica os títulos das canções, quem são os seus intérpretes ou qualquer referência da fonte do material resgatado, o que é prática convencional de produção na televisão. Esta escolha de direção talvez incomode a maioria dos espectadores que se assustam com a liberdade e com o desafio de uma postura ativa no reconhecimento das imagens, de seus intérpretes e canções, aguçando a curiosidade, memória e sensibilidade tal como a percepção musical, que muitas vezes não carece de palavras e nomes.

Dessa maneira, o documentário deixa fluir, sem interferência, o efeito encantatório e sedutor da música, constituindo-se de um filme para se ver e cantar – o que muito se nota,

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mesmo nas salas de cinema. De mesmo modo, a estética proposta abandona a ancoragem do “eu” na narrativa, sem fabricação de herói, tipo ou exaltação da personalidade, e de qualquer apresentação informativa do personagem e sua vida para construir uma biografia musical.

A música segundo Tom Jobim é uma biografia de uma vida artística, é um documentário que revela o músico pela sua música e não pelo seu cotidiano e sua intimidade da vida privada. Não é à toa que o filme se inicia e termina com aplausos para Tom Jobim, os quais podem ser estendidos para Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, por colocarem a música como protagonista de um documentário musical.

Ao analisar o filme evidencia-se que contar uma história de vida é pesquisar e se apropriar de memórias, registros, imagens, músicas. Como se sabe, a obra do maestro Tom Jobim já foi estudada e dissecada por diversos livros, artigos e biografias, tanto escritas quanto audiovisuais (cinema e televisão). No entanto, o documentário pretende-se musical, e parece se associar a ideia de Walter Benjamin, em sua afirmação que discute que articular historicamente o passado não significa necessariamente conhecê-lo como ele de fato foi, mas sim apropriar-se de reminiscências (BENJAMIN, 1994, p. 224). Assim, o documentário reconstrói uma experiência vivida com nova forma de narratividade que nasce da obra musical em questão. Além disso, pode-se lembrar das palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade quando diz “um Nazaré e um Tom dispensam colocação didática na história da música brasileira” (MACHADO, 2008, p. 8).

Assim, o que parece relevante em A música segundo Tom Jobim é justamente a sua forma de apresentar uma biografia que não é didática, informativa e calcada na palavra falada, e sim focada na palavra cantada, na música cantada de Tom Jobim. O filme traz um resultado original em sua estrutura e abordagem, como também na maneira como desafia o espectador em sua recepção.

Afinal, o documentário convida o espectador a escutar a obra de Tom Jobim com o corpo, maneira de se ouvir música, já classificada por J. J. Moraes (1991) e utilizada como referência para a análise dos sons no cinema (CARVALHO, 2008). Esta maneira de ouvir música permite sentir na pele a vibração do dado sonoro, de cada voz que canta Jobim à sua maneira, com diferentes interpretações e línguas. Característica esta que evidencia como o

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documentário sobre personagens da história da música pode surpreender o espectador com uma nova relação entre imagem e som, instigando novas percepções para a trilha musical de cinema.

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5. Tropicália na estrada

5.1 A Tropicália singular de Fabricando Tom Zé

Tropicalismo ou Tropicália define um movimento musical com a produção de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Capinam, Torquato Neto, Gal Costa, Rogério Duprat e os Mutantes, entre os anos de 1967 e 1970, e também um conjunto de manifestações culturais por meio do corpo, da voz, da roupa, das letras, danças e diálogos de experiências estéticas diversas que incluíam o teatro e as artes plásticas. Todas estas manifestações culturais repercutiam o gesto antropofágico de Oswald de Andrade na concepção cultural sincrética, na pesquisa de técnicas de expressão, humor corrosivo e atitude anárquica, numa percepção carnavalesca do mundo, como já analisou Celso Favaretto, em seu livro Tropicália, alegoria, alegria, publicado em 1979. Na análise de Celso Favaretto:

Em nenhum momento os tropicalistas perderam de vista o seu objetivo básico: desde o simples uso de instrumentos eletrônicos, ruídos e vozes em Alegria, Alegria e Domingo no parque, o emprego de recursos aleatórios e seriais, a incorporação do grito por Gal Costa e até a trituração da melodia por Gilberto Gil, mantiveram-se fiéis a linha evolutiva, reinventando e tematizando criticamente a canção. (FAVARETTO, 2000, p. 41)

Segundo José Ramos Tinhorão:

O movimento denominado tropicalismo ou tropicália, surgido em São Paulo no fim da década de 60 por iniciativa de compositores baianos herdeiros da repercussão da bossa nova carioca nos meios universitários de Salvador, constituiu a tentativa de – como definiria o próprio líder do grupo, Caetano Veloso – obter “a retomada da linha evolutiva da tradição da música brasileira na medida em que João Gilberto fez”11. (TINHORÃO, 1998, p. 323).

As canções tropicalistas demonstraram um discreto uso de procedimentos típicos da poesia concreta, como a sintaxe não discursiva, a verbi-voco-visualidade e a concisão vocabular (FAVARETTO, p. 51). No entanto, como já descreveu Zuza Homem de Mello “à

11 No debate intitulado “Que caminho seguir na música popular brasileira”, promovido pela Revista Civilização Brasileira sob coordenação do músico Airton Lima Barbosa, e publicado no n. 7 da mesma revista, maio de 1968, p. 375-385 (TINHORÃO, 1998, p. 345).

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estridência da guitarra e à adoção do pop foram acrescentados a comunicação de massa, a abertura do cafona, o auditório do vale-tudo e as vestes espalhafatosas. Eram os elementos da geratriz de uma estética: a estética tropicalista” (MELLO, 2003, p. 303).

O tropicalista Antônio José Santana Martins, Tom Zé, surgiu na cena musical brasileira antes do período do Tropicalismo, quando participou do álbum manifesto do movimento, de 1968, Tropicália ou Panis et Circencis, com a canção “Parque industrial (Made in Brasil)”, álbum “destinado a figurar entre os dez discos fundamentais da música brasileira” (MELLO, 2003, p. 306). Favaretto define o álbum com as seguintes palavras:

Suma tropicalista, este disco integra e atualiza o projeto estético e o exercício de linguagem tropicalistas. Os diversos procedimentos e efeitos da mistura aí comparecem: carnavalização, festa, alegoria do Brasil, crítica da musicalidade brasileira, crítica social, cafonice -, compondo um ritual de devoração. (FAVARETTO, 2000, p. 78).

Tom Zé foi trazido para o movimento por Caetano Veloso, quem o convenceu a se mudar para a cidade de São Paulo. Segundo Carlos Calado, em seu livro Tropicália: a história de uma revolução musical (1997):

Foi após uma projeção de Moleques de Rua, o curta-metragem de Alvinho Guimarães, que Caetano e Tom Zé se conheceram pessoalmente, apresentados pelo jornalista Orlando Senna (que mais tarde veio a se tornar cineasta). Nessa época, Tom Zé já era uma figura popular em Salvador, principalmente no meio universitário, graças às canções satíricas e irreverentes que compunha, incluindo alguns trabalhos no CPC. (CALADO, 1997, p. 38).

Tom Zé estudou música na Universidade Federal da Bahia com professores ligados à vanguarda, como Hans Joachim Koellreutter, Ernst Widmer e Walter Smetak, e participou da montagem da peça Nós, Por Exemplo, no Teatro Castro Alves, e Arena canta Bahia, no Teatro de Arena, musical dirigido por Augusto Boal em São Paulo, em 1965. Segundo Herom Vargas:

Todas essas experiências forjaram parte do seu gosto apaixonado pela experimentação e pela busca constante da invenção. Seus procedimentos básicos estavam na junção de repertórios e sons já conhecidos, mas por ele tocados em novas circunstâncias e novas

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relações. Quanto ao repertório, lançava mão desde canções da tradição nordestina, que conhecia da infância, até o rock e a música de vanguarda; quanto aos elementos musicais, utilizava tanto os instrumentos tradicionais como os novos instrumentos eletroeletrônicos e alguns objetos e práticas sonoras do cotidiano (bacia com água, gargarejos, palmas, gritos, furadeira, esmeril, enceradeira etc.). (VARGAS, 2012, p. 283).

No tropicalismo, Tom Zé participou do grupo de baianos até o período de exílio de Caetano e Gil, sem perder sua identidade. Ainda segundo Carlos Calado:

Descontada uma certa diferença de idade e algumas peculiaridades geográficas, Tom Zé vinha do mesmo universo cultural de Caetano e Gil. Antônio José Santana Martins nasceu em Irará, no sertão baiano, em 11 de outubro de 1936. Os baiões de e os xaxados de Jackson do Pandeiro também animaram boa parte de sua adolescência, junto com os cantores e cantoras popularizados pelos programas da Rádio Nacional. Porém, talvez pelo fato de a luz elétrica só ter chegado em Irará em 1949, o que realmente marcou Tom Zé foi o folclore da região, das cantigas dos violeiros aos sambas de roda das lavadeiras. (CALADO, 1997, p. 40).

Em 1968, Tom Zé foi premiado no Festival da TV Record com a música “São São Paulo, Meu amor”, colocou “2001”, composição em parceria com Rita Lee, em quarto lugar no mesmo evento, e gravou seu primeiro disco, Tom Zé – Grande Liquidação, que tematiza a vida urbana brasileira em música e texto renovadores, obtendo assim considerável sucesso até o álbum Todos os olhos, de 1973, quando a crítica e o público não compreenderam sua linguagem inovadora, afastando o músico dos meios de comunicação.

O trabalho experimental de Tom Zé em seus discos da década de 1970 – Todos os olhos (1973), Estudando o samba (1975) e Correio da Estação do Brás (1978) evidenciam a desconstrução da poética eloquente da canção tradicional por meio de ironias, neologismos e jogos de palavras, bem como pela busca de ruídos e sonoridades de instrumentações não

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usuais, com sinos, buzinas, despertadores, eletrodomésticos e ferramentas industriais, que serão desenvolvidas também em suas obras posteriores.12

Em 1973, vale lembrar, Caetano Veloso lança também o álbum Araçá Azul, que pelo alto grau de experimentalismo tem um grande número de devoluções, sendo retirado do catálogo da gravadora (e relançado em 1987). Assim, para a rebeldia musical do período, Tom Zé e Caetano Veloso trouxeram experimentos sonoros, subvertendo parâmetros de qualidade musical consolidados no universo da MPB, explorando novas possibilidades de composição e arranjo e desconstruindo a forma canção.

O pesquisador Santuza C. Naves (2010) define o trabalho de Tom Zé como “canção crítica”, aquela que põe em questão as capacidades da canção ser entendida por sua interferência em seu contexto, ao comentar criticamente os elementos que a constituem. Assim, a singularidade de sua composição ocorre no âmbito interno da canção, na materialidade de sua linguagem, e nas relações com os campos culturais em que germina. A ousadia empregada na tropicália singular de Tom Zé não foi bem recebida pelo público, custando-lhe “anos de exclusão do cenário „oficial‟ do país, num período em que, além de tudo, as empresas de gravação haviam eliminado o risco de seus investimentos musicais” (TATIT, 2004, p. 238).

O documentário Fabricando Tom Zé é uma biografia cujo fio condutor é a turnê de Tom Zé pela Europa em 2005, com uma câmera que segue o músico pelas ruas e shows pelas cidades de Paris, Viennes, Turim, Roma e Montreux. O estilo narrativo do documentário de Décio Mattos Jr. encontra diálogo com os documentários Lóki, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre Arnaldo Baptista, em sua turnê em Londres com o “resgate de reconhecimento do artista” em âmbito internacional, conforme já analisei em “O rock desligado de Lóki”

12 Antes do documentário de Décio Matos Jr, as experimentações de Tom Zé foram retratadas no documentário Tom Zé, ou Quem Irá Colocar Uma Dinamite na Cabeça do Século? (2000), dirigido por Carla Gallo, produção que investiga as diversas sonoridades retiradas de objetos do cotidiano e de materiais de construção (caixa de fósforos, furadeira, martelos etc.), materiais já utilizados pelos concretistas franceses dos anos 1940, e que Tom Zé incorpora na música popular. Além disso, aborda o conceito do tempo na música e a performance do artista.

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(CARVALHO, 2012); como também em Coração Vagabundo, que será analisado a seguir, e Nasci para bailar – João Donato: Havana-Rio (2009), da cineasta Tetê Moraes, filme que registra uma viagem a Cuba de João Donato e seu trio formado por Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (contrabaixo) e Ricardo Pontes (sax e flauta). Estes documentários trazem diários íntimos de viagem das turnês dos músicos, com imagens em aeroportos, estação de trens e hotéis, e também registros de ensaios, performances e encontros musicais. Estas produções são narrativas de registro e making of das apresentações musicais dos biografados, mas extrapolam o enfoque de extra para o DVD do show dos músicos. Dado que também podem ser considerados documentários biográficos por suas narrativas centradas nos personagens, mesmo sem criar retratos convencionais de apresentação de vida e obra, mas sim perseguindo seus personagens com a câmera para revelar um pouco sua história de vida a partir de um recorte temporal que percorre diferentes espaços determinados pela música e pelo trabalho de um músico.

O filme sobre Tom Zé tem a moldura e o protagonismo do registro da turnê em desenvolvimento, misturando vídeo e animação para construir um olhar sobre a trajetória do músico. O próprio título do documentário Fabricando Tom Zé, apesar do gerúndio, parece um bom título, pois enfatiza a ideia de construção e inacabamento, da obra e do artista. O discurso narrativo do filme é promovido pelo personagem, em seu elogio a sua constante inovação, renovação e novas experimentações. Esta ideia de construção permanente do artista retratado pode ser observada pela forma com que a narrativa fílmica se elabora, desde a abertura, apresentando vida e obra, homem e artista até a recorrente fala do próprio artista, que se autoflagela e vitimiza em vários depoimentos autobiográficos que relatam como ele sempre foi “péssimo músico”, e que só é único por usar enceradeiras em sua música. Como já escreveu José Geraldo Couto (2007), o documentário “não sufoca seu retratado sob o peso da homenagem, mas, ao contrário, colhe-o no contrapé, como uma contradição andante, "com defeito de fabricação" (título de um CD seu), com alguns parafusos a menos ou a mais”.13

13 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1307200715.htm. Acessado em 14/02/15.

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A ênfase na história de vida narrada pelo próprio biografado revela um relato autobiográfico voltado para a câmera, a qual tom Zé se dirige diretamente em várias vezes durante o filme sem criar um diálogo com o diretor ou com o público, mas sim com o próprio equipamento. O documentário, portanto, narra a história de vida de Tom Zé reconstituindo o seu passado a partir do seu relato sobre sua vida. Assim, a ênfase narrativa discorre da forma de entrevista a partir de Tom Zé e de sua presença na tomada, deixando claro o que está em jogo e de onde sai a enunciação, ao sabor da reflexão teórica sobre a imagem-câmera e sua tomada, no eixo da valoração ética da intervenção da câmera como articuladora do discurso fílmico, desenvolvida por Fernão Ramos (2008). Trata-se do personagem em situação de entrevista, quando o seu relato e suas pequenas ações determinam a edição do documentário, “sob o risco” da memória, da fala e da encenação do próprio artista. Segundo Jean-Louis Comolli:

(...) a peculiaridade do documentário não está na forma ou na estrutura narrativa (nesse sentido, ele de fato não é diferente da ficção), mas sim no lugar (no espaço e no tempo) que ele reserva às falas, aos gestos e aos corpos do outro (enfim, à mise-en-scène do sujeito filmado), à mise-en-scène do cineasta e, enfim, ao embate de quem filma e quem é filmado. (COMOLLI, 2008, p. 48).

No entanto, para o tratamento sonoro do filme, a escolha é convencional. Segundo Sérgio Puccini (2009) destacam-se cinco possibilidades para o som no documentário: som direto (na filmagem, em entrevistas, depoimentos, dramatizações e em tomadas em locações); o som de arquivo (filmes, entrevistas, programas de rádio e TV, discursos, entrevistas etc.); voz over (narração sobreposta às imagens durante a montagem); efeitos sonoros (sons criados na fase de edição que ajudam a criar ambientação para as imagens) e a trilha musical ou sonora (compilada, adaptada ou original).

Nesse sentido, o documentário Fabricando Tom Zé usa predominantemente o som direto da entrevista, contando com os depoimentos da mulher de Tom Zé, e sua produtora, Neusa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, David Byrne, o crítico musical Tárik de Souza, o produtor musical Kid Vinil, e os integrantes de sua banda, entre outros. Assim, o documentário apresenta poucas brechas para o som de arquivo e as canções, que ganham destaque nas performances registradas nos shows. Nestes momentos a música não é

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protagonista, mas sim o sujeito filmado em ação, no exercício de sua atividade como músico, revelando o personagem em seu desempenho, tangenciando uma “evidência do sensível” (Comolli, 2008).

Neste debate, Jean-Claude Bernardet foi uma dos primeiros pesquisadores de cinema que alertaram para alguns problemas advindos dessa nova tendência do documentário calcado na entrevista e no depoimento. Bernardet, no capítulo “A entrevista”, presente na segunda edição do livro Cineastas e imagens do povo (2003), comenta que esse método de abordagem, que privilegia os depoimentos, não significou um enriquecimento das estratégias narrativas para a prática contemporânea de documentários, mas acabou virando uma mania e um ato quase automático e apelativo de repetição de um mesmo procedimento.

Também Consuelo Lins e Cláudia Mesquita já apontaram entre as consequências estéticas dessa técnica privilegiada, com a dominância do “verbalizável”, a fraca capacidade de observação de situações reais em transformação, a repetição de uma mesma configuração espacial (aquela típica da entrevista) e a ausência de relação entre os personagens – em função do enfoque centrado na interação entre cineasta e entrevistado. (2008, p. 30). Em contrapartida, como já escrevi anteriormente, Comolli (2008, p. 86) alerta que mesmo com esta inflação e repetição da fórmula da entrevista, sua prática não significa um recurso sem desafios.

Além disso, sabe-se que a gravação de entrevistas em vídeo não reserva muitas brechas para a inventividade no que tange ao posicionamento e movimentos da câmera, captação do áudio e uso de microfones e escolha de enquadramentos. Há a restrição do plano médio, primeiro plano e close up, sempre atento a direção do olhar do entrevistado. Pode-se, às vezes, mostrar o corpo todo de quem fala, mas com isso corre-se o risco de reduzir o tamanho do entrevistado em relação ao quadro e ao espaço que ocupa. Detalhes habituais também criam ritmo para a fala, como as incansáveis mãos que balançam conforme a entoação da voz. No entanto, qualquer peripécia da câmera sem tripé pode assustar o entrevistado, deixando-o desconfortável ou desconcentrando-o de seu pensamento e organização do discurso e relato. Mas é na captação de entrevista que se valoriza o relato, a

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opinião, a visão de mundo das fontes e dos personagens, dando voz ao outro e permitindo quem é filmado de se expressar.

Mesmo com o predomínio da entrevista, chama atenção à abertura do filme, pois antes de se ver e ouvir o show e os aplausos em Paris, e a fala de Tom Zé, o que se escuta é a voz. A vocalização é o primeiro elemento sonoro do filme, para anunciar a letra “Tô te explicando pra te confundir. Tô te confundindo pra te esclarecer”. Em seguida, o primeiro depoimento é de Tom Zé, sobre o show que vimos e ouvimos antes e sobre o seu cansaço de “fazer shows”. Com isso, o primeiro elemento do filme é a voz.

Com toda a sua bagagem de cultura oral de Irará, sua terra natal, Tom Zé herdou a capacidade performática que coloca o corpo no centro da música, na declamação das letras das canções, no jogo vocal como instrumento. Paulo Celso da Silva e Miriam Cristina Carlos da Silva também apontam a importância do corpo para a performance de Tom Zé:

Desta tradição oral, contadora de histórias e não letrada, Tom Zé herdou a capacidade performática que coloca o corpo no centro da música, somada à poesia, declamada e quase dissonante em relação aos instrumentos que a acompanham. O corpo, somado aos acessórios, ao figurino e ao cenário, traz uma performance levada ao extremo também pelos demais tropicalistas, que fizeram de suas apresentações uma explosão complexa de signos, em que todos os elementos são elementos de sentido: Estes recursos permitiam enfatizar o efeito cafona e o humor, contribuindo para o impacto das construções paródico-alegóricas, essenciais à constituição das imagens tropicalistas. (SILVA; SILVA, 2012, p. 236).

Esta abertura apresenta bem o estilo narrativo do documentário e suas escolhas diante do desafio biográfico colado no corpo do personagem protagonista. A narrativa do documentário se desdobra sobre a memória de Tom Zé desde o começo de sua carreira, quando integrou o movimento tropicalista, até o seu sucesso na Europa, representado pelos shows que atravessam toda narrativa, desde os aplausos em Paris, às vaias em Viennes (França), quando o músico tenta cantar em francês, até a briga com o técnico de áudio no Festival de Montreaux. Desta memória também se destaca o período de esquecimento sobre o músico, que só se findou com a “descoberta” de seu talento pelo olhar estrangeiro de David

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Byrne, produtor musical e líder da banda nova iorquina Talking Heads, que, nos anos 1990, ou seja, após quase vinte anos de ostracismo, considerou Tom Zé um representante da autêntica música brasileira ao se apaixonar pela modernidade do álbum “Estudando o samba”, de 197614.

Como se sabe, após o apoio de David Byrne e o subsequente reconhecimento pela crítica musical internacional, Tom Zé ganhou destaque e exposição através da mídia internacional e passou a acumular certo capital cultural, o que permitiu que ele se legitimasse, reconquistasse seu espaço no mercado brasileiro e recolocasse seu nome na cultura brasileira. Tatit comenta sobre isso:

(...) era como se o mundo tivesse se curvado diante da singularidade de uma criação que escancarava a imperfeição e a incompletude como qualidades alternativas à eficácia do produto “bem acabado” para consumo. Era como se os “defeitos” assegurassem uma dinâmica cultural perdida nos acabamentos “perfeitos” do mercado sonoro. E, de quebra, Tom Zé personificava o Brasil – sem qualquer estereótipo de “autenticidade” regional – seguindo acintosamente uma trilha própria, construída nos vãos desprezados pelas iniciativas internacionais (TATIT, 2004, p. 238-239).

No documentário, Tom Zé retorna a sua cidade natal. Visita vários lugares de referência de sua vida em Irará: sua casa, o comércio de seu pai, e a sua escola, onde conversa com os alunos. Nesta viagem às origens, se revela a paisagem da infância e as histórias da linguagem sonora e do ritmo que ajudam o artista a enfrentar a lógica discursiva da escola tradicional e as dificuldades de uma vida humilde. Não à toa, Tom Zé é retratado ao longo do documentário, nos depoimentos, como um gênio, criativo e inovador, como também um sujeito que atua como jardineiro e ganha dois salários mínimos para cuidar do jardim do prédio onde mora em São Paulo.

14 Byrne convidou Tom Zé para gravar nos Estados Unidos em 1990, lançando, anos depois, uma coletânea e dois discos inéditos do artista no mercado internacional; respectivamente, The Hips of Tradition (1992) e Fabrication Defect (1998), que conquistaram elogios fervorosos da crítica especializada norte-americana.

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Dessa forma, o documentário pretende fazer alusão a ressignificação do artista, abordando a ideia de “fabricação” deste músico “feio, pobre, baiano, filho da puta”, como o próprio biografado se define. Também a contribuição de Tom Zé para a Tropicália é um elemento muito enfatizado na narrativa, o músico paulistano Arnaldo Antunes, por exemplo, o define como “o mais paulista dos nordestinos da Tropicália”, assim como Caetano e Gilberto Gil reconhecem o seu abandono após o período de exílio, quando se “abriu uma vaga no Tropicalismo”.

No documentário, Caetano Veloso fez um mea culpa em relação ao ostracismo do compositor baiano, nas suas palavras:

Por que? Por que ninguém disse nada? Por que? No nosso caso dos colegas artistas, é uma pergunta pertinente, que a própria pessoa se faz, assim. Bom, eu sei que aquilo era interessante, que era bom, agora, e que tava assim meio, ali, e eu não fiz nada. É evidente que todo mundo tem a sua dose de egoísmo, entendeu, às vezes podia ser, mais fácil não ter esse complicador que era o Tom Zé, entendeu, algo de mesquinho talvez, inconscientemente, na atitude nossa.

Enquanto Gilberto Gil responsabilizou o próprio Tom Zé pelo seu isolamento:

Quando nós voltamos de Londres [do exílio], eu e Caetano, Tom Zé já tava recluso. Já tinha entrado em outra, não houve nem como retomar aquela associação da Tropicália, porque já havia, da parte dele próprio, uma outra... Era diferente se ele, por exemplo, quando nós chegamos, eu e Caetano, se ele tivesse chegado lá em casa, e dito: Oi e aí! Vamos lá! Vamos... a gente teria retomado. Mas Tom Zé se recolheu mesmo

Na mesma linha, o crítico Arthur Nestrovski avalia que Tom Zé “não era de fato um tropicalista”, apesar de não explicar tal afirmação. Depois do sucesso internacional, comenta- se a retomada de sua experimentação ao incluir enceradeiras no álbum “Defeito de fabricação”, como comenta Kid Vinil, produtor do disco, e a sua trilha para balé ao trabalhar para o Grupo Corpo, em 1997, em parceria com José Miguel Wisnik, e com Santagustin, em 2002, em parceria com Gilberto Assis, como lembra Rodrigo Perderneiras, diretor do Grupo Corpo. As sessões de gravação do álbum “Estudando o pagode” revelam o músico em seu

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processo de criação e gravação, ao lado de Jairzinho Rodrigues, que afirma que “a fita cassete é o Pro Tools de Tom Zé”.

Da intimidade, Neusa revela como Tom Zé nunca deixou Irará15, revela como o artista fica nervoso e inquieto quando escreve e reescreve suas canções, e conta como o músico ficou doente quando as gravadoras e o público não mais se interessavam pelo seu trabalho. De material de arquivo, têm-se as imagens do Festival da TV Record e várias entrevistas de Tom Zé na MTV brasileira repercutindo o sucesso no exterior promovido por David Byrne. Além disso, o filme mostra várias capas de discos e jornais para pontuar momentos marcantes da carreira do artista e da repercussão dos shows que são acompanhados pela equipe de gravação do documentário.

O documentário se constitui assim como um lugar privilegiado para observar a construção da memória, em especial a memória privada e individual carregada de subjetividade e recordação. Nesse sentido, parece relevante recuperar o esforço de compreender o conceito de memória de Sônia Maria de Freitas em seu estudo sobre história oral, segundo a pesquisadora:

Aristóteles distingue mnemê (memória) – faculdade de conservar o passado – e mamnesi (reminiscência) – faculdade de evocar voluntariamente esse passado por um esforço intelectual. Platão, por sua vez, emprega a imagem da memória como impressão, traços depositados e gravados em nós (FREITAS, 2006, p. 53).

Em Fabricando Tom Zé a memória é elemento fundamental para a elaboração da narrativa, tanto de um esforço intelectual no discurso da fala, no relato do passado e na avaliação da experiência vivida, quanto nas impressões e sentimentos que extrapolam o discurso e se revelam no rosto, no gesto, na inquietude do corpo do sujeito que é entrevistado.

15 Assim como Caetano Veloso também sempre revive sua raiz em Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal.

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Para se entender o documentário é preciso, então, levar em conta que cada testemunho é uma versão do que aconteceu e toda biografia possui um enfoque, evidenciando a escolha do documentário em narrar a história de Tom Zé pela sua própria memória e história oral. Assim, buscam-se outras fontes com entrevistas e materiais de arquivo que são editados para complementar os aspectos apresentados pelo biografado.

Como já escreveu Guy Gauthier:

O interesse não está na verdade – a não ser para a pesquisa histórica -, mas no próprio funcionamento da memória, considerada uma manifestação da vida que funda a personalidade e o imaginário dos indivíduos e grupos. Sua força é, ao mesmo tempo, sua fraqueza, pois ela dinamiza a ação em detrimento da busca intratável da verdade. A história é conhecimento, o documentário é memória; a testemunha é raramente libertada de suas lembranças, e tenta, no mais das vezes, revisitá-las. (GAUTHIER, 2011, p. 245).

Nesse sentido, com a mistura de retrato e diário de viagem, Fabricando Tom Zé enquadra um método prático de narrar uma breve história de seu personagem com um ponto de vista pessoal do biografado, que constrói o discurso em sua fala e na relação com a câmera, elementos que se evidenciam na montagem do documentário. Assim a fabricação discursiva do documentário é quase autobiográfica, colada no relato da experiência do protagonista, no seu corpo, na sua memória e voz.

A singularidade da criação de Tom Zé no documentário está centrada na constante exploração dos “defeitos”, de sonoridades “imperfeitas”, do “péssimo músico” com uma postura de rebeldia explícita ao fetiche da perfeição. Pode-se dizer que, ao renegar padrões estéticos da canção de massa, em que a música deve ser apenas agradável, e ao rebelar-se contra a interpretação sem falhas e sem lacunas, Tom Zé assume uma postura de desconstrução da canção que se manifesta no conteúdo das letras, nos arranjos, na maneira de interpretar, promovendo rupturas e criando sua particularidade como artista. Parece ser relevante, portanto, quando ao final do filme, a animação coloca a sombra maior que o homem, enfatizando a grandeza do biografado e seu legado.

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Diante desta análise, pode-se afirmar que a prática biográfica de Fabricando Tom Zé se movimenta pelo seu depoimento, mas também pelo complemento de entrevistas, o registro de shows e bastidores, muitas vezes com clara influência da técnica do cinema direto, e imagens de performances musicais, colocando em cena o músico em ação.

5.2 O silêncio do estrangeiro Caetano Veloso

Em sete de agosto de 1942, dia de São Caetano, nasce Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, filho de José Telles Velloso, agente postal telegráfico, e Claudionor Vianna Telles Velloso (dona Canô).

Como explica Luiz Tatit (1995, p. 264), Caetano Veloso é um artista da independência, do “poder não fazer”, mais que da liberdade do “poder fazer”. Também Guilherme Wisnik aponta que:

Caetano Veloso é, certamente, uma das mais “inexplicáveis” personalidades brasileiras. Não apenas por ser um artista polêmico e camaleônico, cuja força sempre esteve na capacidade de escapar às classificações e desautorizar chaves convencionais de interpretação, mas também por se tratar de alguém que não cansou de se auto- explicar ao longo dos seus quarenta anos de vida artística (iniciada em 1965), a ponto de parecer esgotar tudo o que de novo se poderia dizer ao seu respeito. (WISNIK, 2005, p. 8)

Caetano Veloso ao longo de sua trajetória sempre atacou a autonomia da canção ao misturar outros elementos em sua composição - ruídos, referências estéticas, diferentes estilos musicais, encenação. Desde o tropicalismo o artista impõe a canção um caráter conceitual construtivo, enfatizando como a música popular brasileira se dá em um campo de cruzamentos e justaposições. Com isso, a obra de Caetano Veloso permanece “em estado de explicação”, como uma prosa poética “essencialmente elíptica e antinarrativa”, como já analisou Guilherme Wisnik (2005, p. 9).

Assim, ainda segundo o autor, Caetano sempre “contrabandeou” registros múltiplos e dissonantes, incorporando versos de Waldick Soriano em “Pecado Original”, aderindo ao pop

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romântico de Morris Albert, ao gravar “Feelings” no álbum Foreign Sound, e Peninha, com “Sonhos” e “Sozinho”. E, ao mesmo tempo, dialogar com Gregório de Matos em “Triste Bahia”, Oswald de Andrade em “Escapulário”, Augusto de Campos em “Pulsar”, Maiakósvki em “O amor”, Haroldo de Campos em “Circuladô de fulô”, Castro Alves em “O navio negreiro”, e tantos outros.

Na análise de Carlos Rennó: (...) Caetano elevou a letra de música ao status de poema, como só fazem aqueles, poucos e muito bons, que fazem da canção uma modalidade de poesia – cantada. Só que o fez com tal engenho e arte que sua singular contribuição o projeta no contexto mesmo da canção mundial. Aqui, agora, ele figura entre aqueles que sempre foram seus pares, embora nem sempre soubessem e alguns talvez ainda teimem em duvidar (Caetano não será jamais uma unanimidade): entre os Porter, os Gershwin, os Dylan e os Lennon e McCartney. (RENNÓ, 2002, p. 51-52).

Nesse sentido, Caetano Veloso se configura como um importante personagem da história da música brasileira, como letrista, provocador das sonoridades das palavras e dos sentidos da música cantada.

No filme Coração Vagabundo a produtora e ainda esposa de Caetano Veloso, Paula Lavigne, chama o diretor para espreitar a porta do banheiro entre aberta. Lá dentro o protagonista faz a barba, nu. Em seguida, com a tela em black ouvimos “É proibido proibir” de 1968, com o conhecido desabafo de Caetano Veloso sob vaias do estudantes durante o Festival da Canção. O novo material, de 35 anos depois, revela Caetano num quarto de hotel. Essa é a apresentação da abordagem do documentário, que registra a turnê do álbum “A Foreign Sound” (2004), com um repertório variado de músicas norte-americanas, cujo show de lançamento é apresentado em Nova York, no emblemático Carnegie Hall. Assim, o jovem diretor Fernando Grostein de Andrade filma conversas, ensaios e passeios pelas ruas de Nova York, Tóquio, Osaka, na turnê norte americana e japonesa do álbum durante 2004 e 2005.

O momento fundamental de desestabilizar consensos pela força vocal de Caetano Veloso contra a plateia universitária aparece no filme sem imagem, sem resgate de material de

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arquivo, sem uma contextualização qualquer. Apenas para marcar a diferença entre os tempos, da juventude irreverente do personagem e de sua maturidade contemporânea ao registro.

No material de divulgação do filme e em alguns textos de jornais16, repete-se que a intenção da produção era gravar um making of para o DVD com o concerto ao vivo, mas a produtora Paula Lavigne transformou o projeto no documentário lançado em 2008. A ideia era criar “uma viagem musical com Caetano Veloso” com as interpretações de canções de seu novo disco, mais um confronto com sua vontade de misturar as línguas portuguesa e inglesa, na interpretação e também em sua composição. O filme entrou para o ranking dos 20 filmes de maior público ficando na 12ª posição, pois em sua primeira semana de exibição, foi visto por 7.256 espectadores.17

Nos bastidores, Caetano é tietado por brasileiros ilustres internacionalmente, como Gisele Bündchen, e outros famosos no país, como a atriz Regina Casé. A proposta declarada de Grostein Andrade era fazer um documentário intimista, um retrato quase em primeira pessoa do músico. Mas não se pode esquecer que a produtora do filme é a ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, e que o fim do casamento aconteceu durante as filmagens. A câmera flagra alguns episódios dessa separação, como o músico pedindo o telefone de Gisele Bündchen, numa possível brincadeira, e as cenas que revelam o artista aborrecido, triste e cansado. Como está anunciado na canção “O Estrangeiro”, do álbum homônimo (1989), o sujeito que canta se encontra “menos estrangeiro no lugar que no momento”.

Curiosamente, tem-se uma relação não apenas com esta canção, mas também com este disco, que na avaliação de Guilherme Wisnik:

No pesadelo impressionista de “O Estrangeiro”, sob a àspera massa de acordes em arpejos percussivos que não encontram repouso, o isolamento involuntário do sujeito que canta revela um doloroso

16 Ver, por exemplo, BEZZI, Marco, “Coração vagabundo mostra Caetano Veloso na intimidade”, in: Jornal da Tarde, 16 de julho de 2009; CALIL, Ricardo, “Documentário traz Caetano quieto”, in: Folha de São Paulo, 24 de julho de 2009; Release do filme, disponível em https://coracaovagabundofilme.wordpress.com/about/, acessado em 20/11/2013. 17 Dados do Informe de Acompanhamento do mercado da Ancine, semana 30, de 24 a 30 de julho de 2009, disponível em: http://www.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2009/SAM47.pdf. Acessado em 20/11/2013.

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amputamento histórico: o fim das utopias existenciais, estéticas, morais, sexuais, sociais, políticas de sua geração. Isto é, o desaparecimento do motor criativo e ideológico da sua arte surgida no ambiente contracultural dos nos 60, que originou o movimento hippie, o tropicalismo, a rebeldia do rock e as agitações estundantis em maio de 68 em Paris. (WISNIK, 2005, p. 17)

A análise acima é sobre o disco, mas também descreve o documentário Coração Vagabundo em seu retrato de Caetano Veloso, quando o isolamento do sujeito revela o distanciamento do tempo histórico e das características que marcam o início de sua carreira musical.

Entre os entrevistados, aparecem os fãs internacionais do músico, como David Byrne (fundamental também no filme de Tom Zé) e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que comenta a cena de Caetano em seu longa-metragem Fale Com Ela (2002) cantando “Cucurucucú Paloma” (Tomas Mendez Sosa), canção que integra o disco Fina Estampa - ao vivo, de Caetano Veloso, do ano seguinte de Fina Estampa (1994), álbum dedicado ao cancioneiro hispano.

Ao contrário de tantos outros documentários contemporâneos ao seu lançamento, que se aprofundam em seus personagens resgatando suas performances musicais, Coração Vagabundo é quase um filme institucional. Nele, o que vemos na tela é o Caetano Veloso que todos conhecem, sem muito acrescentar à imagem do mito que carrega. Por outro lado, o documentário registra momentos singulares. Como quando Caetano revela estar triste por questões pessoais (e o documentário foi gravado durante o período de sua separação com Paula Lavigne) e diz preferir não falar sobre o assunto. O artista que nunca se cansa de falar, que tem uma opinião sobre tudo, fica enfim em silêncio.

A opção de construir o filme como sendo um documentário observacional, isto é sem a presença do realizador-diretor frente à câmera, garante maior foco e destaque na figura de Caetano, apesar do próprio músico conversar com o diretor em vários momentos do filme. Assim se faz um retrato de Caetano, sem um método investigativo sobre sua vida e obra, mas como o registro de momentos da viagem por diferentes cidades para a apresentação e apreciação de seu trabalho como intérprete, que também revela a sua opinião sobre a música.

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Esta abordagem narrativa muito se parece com a análise anterior sobre Fabricando Tom Zé, apesar que Tom Zé fala com a câmera e Caetano com o diretor.

Nesse sentido, o filme não se estrutura com elementos definidores de uma biografia convencional, revelando apenas um recorte do lado artístico do cantor, incluindo ensaios para a turnê, bastidores, a relação de Caetano com o público (e do público com ele) e como o músico se atenta para a repercussão crítica de seu trabalho. Todos estes fatores garantem ao documentário uma perspectiva muito pessoal e permitem que Caetano se exponha e se construa como personagem, dando voz ao documentário no relato, na sua própria avaliação e abordagem sobre si.

Percebe-se assim que o documentário busca o modo observativo de representação, conforme classificação de Bill Nichols (2005), evitando o comentário, a encenação e a pesquisa histórica, com o pretexto preguiçoso de registro da turnê. Há no filme imagens contemplativas que acompanham o ritmo de viagem do cantor. Nesse sentido, Caetano “comanda” a narrativa fílmica, pois é através dos seus depoimentos que se determina a ordem das imagens na tela, entrecortada pelas mudanças de cidade, com as viagens de trem e os passeios pelas ruas e restaurantes. Não se utiliza números musicais, tal como em tantos outros documentários, mas as canções aparecem em vários momentos da narrativa, sem muita clareza de suas escolhas, parecendo seguir o gosto dos fãs que encontram Caetano no caminho.

O documentário possui uma estrutura narrativa quase sem metodologia, sem optar pela pesquisa musical e de dados biográficos que apresentem o personagem e contextualizem o mito entorno dele. Talvez para o público que pouco conheça a prosódia barroca de Caetano, continue a desconhecer a importância do compositor baiano que alterou os rumos da história da música popular brasileira com o movimento tropicalista, já contextualizado anteriormente nesta pesquisa.

Uma cena interessante é quando Caetano responde a provocação de Hermeto Pascoal que, em uma entrevista, o chama de “musiquinho” atacando-o por ter afirmado que as melhores músicas populares são a norte-americana e a cubana. Mas para Hermeto, a melhor

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música popular é a brasileira. Este desentendimento é bastante curioso dado que Hermeto Pascoal tornou-se um dos músicos brasileiros mais cultuados na cena internacional, especialmente entre apreciadores do jazz, pela riqueza dos inusitados improvisos, como comenta o próprio Caetano no filme. Segundo Carlos Calado (NESTROVSKI, 2002, p.111- 112), Hermeto “combina ritmos tradicionais do nordeste – baião, frevo, xaxado – com elementos jazzísticos e liberdades rítmico-harmônicas que o aproximam da música experimental. (...) Ironicamente, a música de Hermeto sempre foi mais valorizada no exterior”.

O fato de o próprio perfilado ser o “guia” do filme garante ao músico um ambiente confortável para que possa se expor com naturalidade e discursar sobre vários temas que cercam o seu universo musical: o tropicalismo, a relação com a crítica, suas inspirações, sua rejeição pelo obscurantismo e a religião, seu sentimento de “sub-desenvolvido”, sua origem em Santo Amaro, sua experiência com a fala em língua inglesa.

Curiosamente a relação com a língua inglesa também nos leva a pensar sobre o seu exílio. No entanto, Caetano revela que falou e ouviu pouco inglês quando morou em Londres por viver rodeado de brasileiros. Mas é inegável que sua canção “London, London” (1971) está ligada à língua, o inglês, e ao tema da letra, como a expressão clara do conflito com o seu exílio. O que desperta interesse, como já apontei numa análise sobre o filme Durval Discos (CARVALHO, 2007), são as palavras do próprio Caetano Veloso sobre o seu processo criativo de compor canções em inglês:

É uma loucura escrever letra de música na língua dos outros. A gente nunca sabe se está dizendo o que está dizendo. Na verdade, eu sou irresponsável o bastante para viver e, quando escrevo em inglês, não faço se não brincar com as formas familiares de letra de música americana, misturando-as com uma espécie de tradução para o inglês de algumas idéias e bossas que eu trouxe de minha experiência com a native tongue (língua nativa). Mas acontece que, além de irresponsável, eu sou muito curioso. De modo que não me é difícil escrever estas letras de música em inglês: o que me enlouquece é a curiosidade de saber o que elas dizem” (FRANCHETTI e PÉCORA, 1981, p. 57).

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A experiência de exílio aparece em momentos diferentes de sua obra, como já foi autoanalisado em Verdade Tropical (1997), o livro de memórias e reflexões de Caetano Veloso sobre as circunstâncias culturais do período do tropicalismo, sua prisão e exílio, revisitado em Estrangeiro, álbum de 1989, em Tropicália 2, de 1993, disco em parceria com Gilberto Gil para a comemoração aos 26 anos do movimento, além do show Circuladô (1992) entre outras referências mais discretas.

Algumas canções ganham destaque na narrativa do filme como reveladoras de temas importantes para o personagem retratado, “Asa Branca” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) revela o lirismo cortante da cultura do nordeste brasileiro, e reaparece de forma marcante em sua obra, como já analisou Guilherme Wisnik:

“Asa Branca”, em particular – a mais perfeita canção do exílio, que fala de alguém que se vê forçado a abandonar o sertão castigado pela seca, deixando guardado ali seu coração como promessa de volta -, marca o momento inaugural de sua hoje tão consagrada vocação de intérprete criador. (WISNIK, 2005, p. 37).

Tema recorrente da nostalgia de tempos e lugares, desde suas primeiras canções. Vale notar que em seu primeiro álbum Domingo (1967), que contém a primeira gravação de “Coração Vagabundo”, Caetano escreve: “A minha inspiração não quer mais viver da nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro”.

Curiosamente, também Caetano fez várias canções sobre cidades: “London, London” (Londres), “Manhatã” (Nova York), “Sampa” (São Paulo), “Flor do cerrado” (Brasília), “Paisagem inútil” (Rio de Janeiro), “Beleza pura” (Salvador), “Aracaju” (Aracaju), “Trilhos urbanos” (Santo Amaro). De família de classe média modesta, de uma cidade do interior da Bahia, Caetano viveu intensamente as experiências de choque com as grandes cidades, de Salvador e São Paulo, longamente reelaboradas em suas composições. No filme, Caetano revela sua sensação de “sub-desenvolvido”, seu embate com o provincianismo brasileiro, sensação que se faz diante da cidade, de uma entrevista para a TV, do show de canções que não são de sua terra, mas que fizeram parte de sua história e memória musical, resquício da colonização brasileira.

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Em várias imagens das cidades que percorre, em passeios e nos próprios deslocamentos de trem, ouvimos suas músicas e trechos de seus relatos. Não escutamos os sons das cidades, as paisagens sonoras não são captadas e dão lugar a continuidade da edição de canções e depoimentos sobre si de Caetano Veloso.

No caminho para Osaka, por exemplo, tem-se imagem de dentro do trem que se associam a canção inserida, quando se ouve “I‟m the silence...”, os passageiros dormem. Em outras cenas, ouvimos uma de suas canções mais famosas, “Terra” (1978) que teve como mote a emoção de uma experiência vivida ainda na cadeia: “Quando eu me encontrava preso/ Na cela de uma cadeia/ foi que eu vi pela primeira vez/ As tais fotografias/ Em que apareces inteira/ Porém lá não estavas nua/ E sim coberta de nuvens/ Terra, Terra/ Por mais distante o errante navegante/ Quem jamais te esqueceria?”. Além de “Leãozinho” e “vivo, vivo, vivo, i‟m alive...”

Caetano brinca ainda, ao final da edição do documentário, que é filmado muitas vezes trocando de roupa. Cenas que às vezes irritam os espectadores diante da atitude um pouco juvenil do diretor para enfatizar seu registro de intimidade, mas que também carrega a importância do corpo na trajetória de Caetano. Nas palavras de Guilherme Wisnik:

Toda a política mais afiada, presente no modo como Caetano lê o mundo e o tensiona, passa não por uma análise político-econômica das estruturas sociais, ou pelo alinhamento artístico a alguma “causa” derivada de injunções ideológico-partidárias, mas por uma estética das relações humanas, cujo motor é essencialmente erótico (WISNIK, 2005, p. 91).

O erotismo e o corpo são questões fundamentais para os tropicalistas, com a ruptura da liberação do comportamento e da performance do corpo, deflagrada e cristalizada nos palcos, tanto como procedimento para o teatro como para a interpretação e construção do espetáculo para a música.

Além disso, a performance do corpo e da voz sempre balizou a produção musical brasileira, em todos os seus períodos e fases. O pesquisador Luiz Tatit (2004) descreve as raízes da canção desde meados do século XVIII, na faixa popular dos batuques africanos nas

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rodas musicais. Deste mesmo período, o autor lembra que inúmeras pequenas peças cômicas eram levadas ao teatro, que incorporava danças e canções populares, difundindo o gênero já conhecido como lundu, e a nova melodia do canto que passava a descrever sentimentos amorosos, muitas vezes convertidos em refrãos. Assim, o canto sempre foi uma dimensão potencializada da fala e do corpo, desde as declarações lírico-amorosas dos seresteiros ao teatro musicado.

Interessante resgatar a cena do documentário em que ele afirma: “Eu sou o cara que está aqui”. Será mesmo possível conhecer um personagem da MPB através de um show e de um monólogo sobre si? Neste filme não se tem o risco da memória de um mosaico de depoentes que resgatam a vida e a obra de um músico, e sim a construção de um enunciado em primeira pessoa, observado por uma câmera que registra e observa os relatos autobiográficos de Caetano Veloso.

A memória aqui é um elemento constituinte do sentimento de identidade, na qual Pollak já desenvolveu interessante análise, em suas palavras:

Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo. (POLLAK, 1992, p. 5).

O resultado de Coração Vagabundo é uma experiência agradável, resquício de qualquer produto “chapa-branca”, mas doce ao exibir o artista de talento e importância inconteste com leveza e ingenuidade. A produção se alinha como já analisou Luiz Tatit (2002, p. 266-273), à singularidade do trabalho do cancionista Caetano Veloso pelo viés da “iconização”, procedimento oposto à narrativa, que tende a construir imagens através de metáforas sensitivas. Dessa maneira, este músico com mais de setenta anos, grisalho e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante da geração hippie tropicalista, tenta abordar sua visão sobre si, mas não percebe que sozinho não

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revela ao espectador dados históricos sobre sua produção artística através dos anos, nem tampouco permite compreender como esta obra ainda carrega os seus traços jovens de rebeldia e inovação.

Além disso, a narrativa autobiográfica do documentário carrega uma ligação tanto com a história quanto com a ficção. Dado que a autobiografia se estrutura como relato construído a partir de uma relação pessoal percebida como autentica, resultado de uma experiência de vida, mas também de uma narrativa que recorta aspectos e vicissitudes da memória e reflexão, recordação e crença, revirando escolhas subjetivas, fragmentos de lembranças e esquecimentos organizados na fala.

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6. Considerações Finais

A biografia nunca teve fronteiras bem delimitadas e padronizadas. Uma biografia é um relato de uma vida, uma narrativa sobre a história de uma pessoa, um registro histórico da memória pessoal e coletiva de alguém, de um indivíduo em sua singularidade. Segundo Peter Burke “podemos encontrar biografias, se não, como já foi dito, em todas as épocas e países, ao menos em muitas épocas e períodos” (1997, p. 83).

A intenção de construção de um discurso próximo da verdade é uma das marcas da produção de um documentário. Este discurso também é primordial para a elaboração de biografias. As duas práticas se definem pela interpretação dos fatos reais que se tornam narrativas. Como se sabe, os vários aspectos de uma vida não cabem numa narrativa linear. Nesse sentido, as narrativas biográficas são repletas de possibilidades e escolhas de abordagem e estilo.

Também o documentário é resultado de um processo criativo do diretor, desenhado por várias etapas de pesquisa, seleção, comandadas por escolhas, recortes, variadas fontes e pensamentos, marcados pela apropriação subjetiva do real feita pelo realizador audiovisual. Como já escreveu Ismail Xavier “no documentário contemporâneo, temos visto uma variedade de caminhos na construção do „personagem‟ (...) dependendo do método e dos materiais mobilizados pelo cineasta, nem tudo o que se mostra de uma personagem se reduz a entrevistas” (MIGLIORIN, 2010, p.65).

A partir da análise dos documentários Vinicius, A música segundo Tom Jobim, Fabricando Tom Zé e Coração Vagabundo pode-se demonstrar como a história da música popular brasileira ultrapassa formas de representação convencionais, lançando novos desafios para a leitura e escrita de sua história por meio da prática biográfica no cinema. Com diferentes abordagens sobre os personagens retratados, tem se vestígios da história da Bossa Nova e da Tropicália através das histórias de vida de seus protagonistas.

Estes filmes exibem metodologias narrativas que investigam a história e a música com novas articulações entre a memória e a reconstituição do percurso de um

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músico. Para isso, revelam diferentes recursos como o da entrevista e do depoimento, destacando a história oral e a memória dos indivíduos como instrumento de reconstituição do passado, investigam materiais de arquivo (audiovisual, fotografias, capas de discos e de jornais, etc.), selecionam as canções que consagraram os seus biografados e se colocam reféns da memória autobiográfica respaldando o discurso do retrato pelo relato do personagem. Com isso, pode-se afirmar que a música nem sempre é protagonista nos documentários biográficos, colocando a fala ainda como recurso predominante para se conhecer a história de um músico.

De maneira geral, nas narrativas de documentários biográficos, os usos do recurso da entrevista substituíram a prática dominante da narração como fio condutor da estrutura discursiva do documentário. É a palavra, principalmente através da entrevista que apresenta um tema, ponto de vista, relato, opinião, análise ou divagação. Desse modo, é predominante o uso do som direto, originário das entrevistas e depoimentos, e do som de arquivo, de filmes, programas de televisão e músicas, para se construir diferentes abordagens sobre perfis. Antes, na história do documentário, a narração e o comentário eram criticados por ganhar importância desmedida na produção documental, por sua capacidade de manipular o sentido das imagens e da edição da realidade registrada em vídeo. Hoje a entrevista é um dos recursos primordiais para ilustrar, fundamentar e legitimar a narrativa.

O “cacoete da entrevista”, expressão de Jean-Claude Bernardet (2003), esconde, muitas vezes, o “falar de” do documentário, ou seja, o fato que esta produção representa outras pessoas. Em termos de linguagem, nada se experimenta ao encadear cabeças falantes num tedioso processo de repetição e mesmice, sem novos desafios do encontro com o outro ou o de se pensar e discutir, em imagens e sons, diferentes aspectos sobre temas e personagens. A entrevista é uma forma possível, mas não deveria se tornar modelo hegemônico, mesmo com sua simplicidade e baixo custo, ou sabendo o valor de uma boa conversa na apuração de relatos, análises e opiniões.

Entretanto, a entrevista também é uma forma distinta de encontro social. Ela difere da conversa corriqueira e do processo mais coercitivo de interrogação, quando cineastas, radialistas e jornalistas usam suas técnicas para juntar relatos diferentes numa

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única história. Assim, a voz do diretor emerge da tecedura das vozes participantes e do material que trazem para sustentar o que dizem.

Além da voz, os materiais de arquivo também legitimam os retratos ou se transformam em seu elemento primordial de abordagem poética, tal como em A música segundo Tom Jobim, filme que não se utiliza da memória da fala e sim da memória musical, a música em si é o recurso do retrato do maestro.

Além da entrevista, os retratos de Tom Zé e Caetano Veloso possuem enunciação em primeira pessoa, tornando-se autobiográficos, na medida em que comandam o foco narrativo. Assim, o acesso ao passado é mediado pelo próprio personagem, que conduz a reconstituição dos vínculos dos acontecimentos de vida e obra do passado a partir da fala do tempo presente da tomada, da gravação da produção. Nestes dois documentários a música não se torna elemento dominante na trilha sonora, dado que o recurso principal é mesmo a fala focalizando o músico que fala de si.

Nesse sentido, pode-se afirmar que os documentários biográficos contam uma história da MPB a partir da história de pessoas, de seus intérpretes e compositores, tal como na análise de Vinicius, quando pelas vozes em cena, as canções mais conhecidas e as imagens de arquivo de cunho doméstico, o filme coloca em cena a poesia recitada, cantada e contada, para construir um retrato de Vinicius de Moraes nos enlaces da trajetória de sua vida pública e privada, percurso fundamental para se compreender a sua obra.

O retrato a partir da obra musical, a entrevista, os materiais de arquivo que ilustram o passado, o processo de construção das lembranças dos sujeitos são questões centrais no debate sobre a memória e a história na produção de narrativas biográficas audiovisuais. Contudo, as biografias destes documentários representam, interpretam e recriam os personagens a partir de abordagens estilísticas nem sempre atentas as fontes de pesquisa histórica.

Percebe-se, portanto, que estes filmes carregam características similares a vários recentes documentários sobre músicos da MPB projetando-se como novos lugares de

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produção de discurso sobre a história da música popular, nos quais a memória musical está problematicamente delimitada pelos “enquadramentos da memória” (expressão cunhada por Pollak, 1989) dos seus personagens.

Como já analisou Arnaldo Contier:

A bibliografia sobre a História da Música no Brasil durante o século XX, tem se revelado, sob o nosso ponto de vista, muito restrita, "frágil" teoricamente, não apresentando uma visão mais abrangente das possíveis conexões entre arte e sociedade. Em geral, as análises sobre a produção artística privilegiam a vida e a obra dos autores considerados mais significativos, sem contudo tecer comentários mais profundos sobre o caráter simbólico da linguagem musical, marcadamente instrumental, ou os aspectos textuais da canção popular ou erudita e suas possíveis vinculações com o contexto histórico, propriamente dito.(CONTIER, 1988, p. 77)

Nesse sentido, pode-se discutir o documentário biográfico como fonte do conhecimento histórico e como agente desta escrita da história. Afinal, o documentário é “um instrumento poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva” (POLLAK, 1989), e apesar de não trabalhar os retratos biográficos com rigor histórico, é capaz de resgatar, preservar, conservar, registrar e arquivar algo da memória social que ficará para o futuro.

Assim, os documentários aqui analisados são “documentários de memória”, como já descreveu Guy Gauthier, uma espécie de “mergulho no passado por intermédio das testemunhas ou da pesquisa dos indícios. Questão de distância, mais uma vez; fica-se mais perto dos vivos e mais longe dessas testemunhas mudas que são os objetos e os lugares” (GAUTHIER, 2011, p. 213).

O que não impede que esta produção tenha considerado em suas narrativas a construção histórica e às tramas da biografia. Dado que ambas acionam as fronteiras com o real e sua representação audiovisual, acionando estratégias de apropriação e leituras das fontes orais com os testemunhos e as fontes de documentos comprobatórios, como os registros em áudio e audiovisual, as fotografias, jornais, entre outros.

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Nesse sentido, a biografia como objeto de estudo permite a discussão sobre os vínculos sociais e históricos que se relacionam com a forma como o personagem teve sua obra e sua trajetória retratada, investigando sua vinculação com diferentes grupos e movimentos e a produção editorial, acadêmica e jornalística existente. A biografia na prática do documentário como objeto de análise oferece muitas questões a serem respondidas: os limites da representação, as relações entre público e privado, as ligações entre a narrativa, seu contexto histórico e a memória particular dos indivíduos.

Como já escreveu Hagemeyer, “a relação entre representação e verdade, bem como a questão de narratividade, não estão presentes apenas na origem da História, mas também nas origens do audiovisual” (2012, p. 114). Assim, fica evidente a importância do debate sobre a construção de sentido na narrativa biográfica de documentários musicais, quando ao combinar imagens, entrevistas, trilhas e materiais de arquivo, cria-se um encadeamento de argumentos dentro de um fluxo temporal.

Todos estes questionamentos apontados anteriormente denunciam os riscos da ilusão biográfica, não no sentido em que Bourdieu analisa a sua narrativa, mas no que tange o fato de que o biógrafo oferece uma visão de mundo, tributária a sua percepção e leitura, tal como já discutiu Dosse (2009, p. 284-285).

Ainda nas palavras de François Dosse:

À maneira do discurso do historiador que se apresenta, no dizer de Roland Barthes, como um “efeito do real”, o gênero biográfico traz em si a ambição de criar um “efeito do vivido”. Daí a importância da retórica, do modo de narração escolhido para conseguir restituir carne e forma a figuras desaparecidas. Mas em sua era hermenêutica o biógrafo já não tem a ilusão de fazer falar a realidade e de saturar com ela o sentido. Ele sabe que o enigma biográfico sobrevive à escrita biográfica. A porta permanece escancarada para sempre, oferecida a todos em revisitações sempre possíveis das efrações individuais e de seus traços do tempo. (DOSSE, 2009, p. 410).

De fato, a construção de uma biografia exige o diálogo com as diferentes formas de controle simbólico do tempo, da memória e da individualização nas sociedades

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humanas, na busca de traduzir uma experiência de vida e com suas relações com a cultura. Dessa maneira, as narrativas biográficas dos documentários brasileiros parecem distantes da análise sobre a sociedade na qual se insere e não permitem melhor compreender a História da música popular brasileira a partir de seus protagonistas, colocando em dúvida a sua dimensão de fonte histórica.

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SCHNEIDER, Cynthia. “Um estudo da formalidade sonoro-narrativa no documentário musical Titãs – a vida até parece uma festa”. In: Doc On-line, n. 12, agosto de 2012, p. 151- 166, Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/dt_cynthia_schneider.pdf. 30/11/2013. SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: Das origens à modernidade. São Paulo: 34, 2008. ______; MELLO, Zuza Homem. A canção no tempo. 2 volumes. São Paulo: 34, 1998. SILVA, Mariana Duccini J. da. “Um imaginário da redenção: sujeito e história no documentário musical”. In: Doc On-line, n. 12, agosto de 2012b, p.05-21, Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/dt_mariana_silva.pdf SILVA, Paulo C.; SILVA, Miriam C. C.. “DocumenTomZé – Fabricando o Tropicalismo”. In: Doc On-line, n. 12, agosto de 2012, p.75-99, Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/analise_paulo_silva.pdf. 30/11/2014. TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. ______. O cancionista: Composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). Documentário no Brasil: tradição e transformação. São Paulo: Summus, 2004. TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998. ______. Música popular: um tema em debate. 3 ª Edição. São Paulo: 34, 1997. TOM ZÉ. Site Oficial. Disponível em: http://www.tomze.com.br/. Acessado em 15/02/15. WINSTON, Brian. A maldição do “jornalístico” na era digital. In: MOURÃO, Maria Dora e LABAKI, Amir. O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 14-25. WISNIK, José Miguel. Sem receita. São Paulo: Publifolha, 2004. WISNIK, Guilherme. Caetano Veloso. São Paulo: Publifolha, 2005. VARGAS, Herom. “As inovações de Tom Zé na linguagem da canção popular dos anos 1970”. In: Revista Galáxia, n. 24, dez. 2012, São Paulo, p. 279-291. VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. VINCI DE MORAES, José Geraldo. “História e música: canção popular e conhecimento histórico”. In: Revista Brasileira de História, v. 20, n. 39, São Paulo, 2000, p. 203-221. VILAS BOAS, Sérgio. Biografias & biógrafos: jornalismo sobre personagens. São Paulo: Summus, 2002. ______. Perfis: e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 73

______. Biografismo: reflexões sobre as escritas da vida. São Paulo: Editora UNESP, 2008. ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. ______. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007. ______. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.

8. Filmografia

Casa de Tom – Mundo, Monde, Mondo, A. (Brasil, 2008). Documentário. Direção de Ana Jobim.

Coração Vagabundo (Brasil, 2008). Documentário. Direção de Fernando Grostein Andrade.

Durval Discos. (Brasil, 2002). Longa-metragem. Sonoro. Ficção. Direção de Anna Muylaert.

Fabricando Tom Zé (Brasil, 2007). Documentário. Direção de Décio Matos Jr.

Fale com ela (Hable con Ella, Espanha, 2002). Longa-metragem, Ficção. Direção de Pedro Almodóvar.

Eu sei que vou te amar (Brasil, 1984). Longa-metragem. Ficção. Direção de Arnaldo Jabor. Canção inspiração para o roteiro de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Garota de Ipanema (Brasil, 1967). Longa-metragem. Ficção. Direção de Leon Hirszman. Música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Seleção de músicas do filme lançada em disco pela Philips.

Les carnets Brésiliens (França, 1966). Documentário de televisão. Direção de Pierre Kast.

Lóki: Arnaldo Baptista (Brasil, 2009). Documentário de televisão produzido pelo Canal Brasil. Direção de Paulo Fontenelle.

Luz de Tom, A. (Brasil, 2012). Longa-metragem. Documentário. Direção de Nelson Pereira dos Santos.

Música segundo Tom Jobim, A. (Brasil, 1996). Programa Especial para a TV Manchete. Direção de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

Música segundo Tom Jobim, A. (Brasil, 2011). Longa-metragem. Documentário. Direção de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 74

Nasci para bailar – João Donato: Havana-Rio. (Cuba, Brasil, 2009). Documentário. Direção de Tetê Moraes.

Orfeu do Carnaval (França, 1959). Longa-metragem. Ficção. Direção de Marcel Camus. Música de Antônio Carlos Jobim.

Orfeu (Brasil, 1999). Longa-metragem. Ficção. Direção de Carlos Diegues. Trilha original de Caetano Veloso. Seleção das músicas do filme lançada em disco pela Baratos Afins.

Pista de grama (Brasil, 1958). Longa-metragem. Ficção. Direção de Haroldo Costa. Músicas de Tom Jobim.

Sol sobre a lama (Brasil, 1963). Longa-metragem. Ficção. Direção de Alex Viany. Música de Vinicius de Moraes e Pixinguinha.

Tom e a Bossa Nova (Brasil, 1993). Documentário. Direção de Walter Salles Jr.

Tom Jobim, um Homem Iluminado. (Brasil, 1996). Direção de Nelson Pereira dos Santos.

Tom Zé, ou Quem Irá Colocar Uma Dinamite na Cabeça do Século? (Brasil, 2000). Documentário. Direção de Carla Gallo.

Vinicius (Brasil, 2005). Longa-metragem. Documentário. Direção de Miguel Faria Jr. Direção musical de Luiz Cláudio Ramos.

Vinicius de Moraes (Brasil, 1970). Curta-metragem. Documentário. Direção de David Neves. Canções de Vinicius de Moraes.

Vinicius de Moraes: um Rapaz de família (Brasil, 1980). Média-metragem. Documentário. Direção de Susana de Moraes.

9. Discografia CARDOSO, Elizete. Canção do amor demais. Festa, 1958, LP.

Garota de Ipanema – Trilha sonora do filme. Vários intérpretes. Philips, 1967, LP.

GILBERTO, João. Chega de saudade. Odeon, 1959. LP.

JOBIM, Tom. Sinfonia do Rio de Janeiro – Antonio Carlos Jobim e Billy Blanco. Continental, 1954, LP. ______. Orfeu da conceição – Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes. Odeon, 1956, LP. ______. Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim. Reprise, 1967, LP. ______. Elis & Tom. Philips, 1974, LP. Trama, 2004, CD. ______. Miúcha e Antonio Carlos Jobim, RCA Victor, 1977. BMG, 2001, CD. ______. Antonio Brasileiro. Som Livre, 1994, CD.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 75

MORAES, Vinicius. Brasília: Sinfonia da Alvorada. Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Columbia, 1960, LP. ______. Os Afrosambas de Baden e Vinicius. Forma, 1966, LP. ______. Toquinho e Vinicius. RGE, 1971, LP. ______. Tom, Vinicius, Toquinho, Miúcha. Ao vivo no Canecão. Som Livre, 1977, LP.

VELOSO, Caetano. Domingo – Gal e Caetano Velloso. Philips, 1967, LP. ______. Araçá Azul. Phonogram, 1973, LP. ______. Estrangeiro. Som Livre, 1989, LP. ______. Circuladô. Polygram, 1991, CD. ______. Circuladô Vivo. Polygram, CD duplo. ______. Tropicália 2 – Caetano Veloso e Gilberto Gil. Polygram. 1993, CD. ______. Fina estampa. Polygram, 1994, CD. ______. Fina Estampa – ao vivo. Polygram, 1995, CD. ______. A Foreign Sound. Universal Music, 2004, CD.

TROPICÁLIA ou Panis et Circencis – Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Mutantes, Nara Leão, Rogério Duprat, Tom Zé. Philips, 1968, LP.

Vinicius – Trilha sonora do filme. Biscoito Fino, 2005. CD.

ZÉ, Tom. Tom Zé. Rozemblit, 1968. LP. ______. Todos os Olhos. Continental, 1973. LP. ______. Estudando o Samba. Continental, 1976. LP. ______. Fabrication Defect. Luaka Bop / WEA, 1998. CD. ______.Com defeito de Fabricação. Trama, 1999. CD.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 76

10. Anexo

10.1 Formulário da disciplina proposta CÂMARA CURRICULAR DO CoPGr FORMULÁRIO PARA APRESENTAÇÃO DE DISCIPLINAS

SIGLA DA DISCIPLINA: NOME DA DISCIPLINA: “A canção no cinema brasileiro: documentário, biografia e história”

PROGRAMA/ÁREA: Nº DA ÁREA: VALIDADE INICIAL (Ano/Semestre): Nº DE CRÉDITOS: Aulas Teóricas: Aulas Práticas, Seminários e Outros: Horas de Estudo: 18h DURAÇÃO EM SEMANAS: 6 DOCENTE(S) RESPONSÁVEL(EIS): 1. Docente Usp, n.º Eduardo Victorio Morettin Docente externo. Data de obtenção do título: Instituição: 2. Docente Usp, n.º Marcia Regina Carvalho da Silva Docente externo. Data de obtenção do título: 16/12/2009 Instituição: UNICAMP 3. Docente Usp, n.º Docente externo. Data de obtenção do título: Instituição:

CUSTOS REAIS DA DISCIPLINA: R$ (Apresentar, se pertinente, orçamento previsto para o exercício, em folha anexa)

PROGRAMA OBJETIVOS: OBJETIVOS GERAIS: A disciplina “A canção no cinema brasileiro: documentário, biografia e história” tem por objetivo investigar as figurações da escrita da história, apontando as possibilidades do gênero biográfico na narrativa audiovisual, que envolve seleção, descrição, interpretação e análise de uma trajetória individual, como forma de apreensão do passado. Este curso pretende discutir o papel da dimensão sonora e musical nas narrativas biográficas de documentários sobre personagens da música popular brasileira.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Contribuir para os Estudos do Som no Cinema e Audiovisual, e História do Cinema Brasileiro, com uma pesquisa interdisciplinar que procura compreender aspectos teóricos, estéticos e históricos em que estão em pauta as relações entre trilha sonora e documentário. Verificar quais as funções narrativas e expressivas do tratamento sonoro e musical nos documentários, ampliando o estudo sobre a importância do uso da canção no cinema, e também da voz, investigando a força do relato oral para a abordagem histórica, e as relações do som com outros elementos formais que constroem a proposta estética audiovisual de um documentário. Investigar em particular as noções de biografia na prática do documentário, buscando compreender a representação de personagens que são figuras reais e os modos como às obras contam suas histórias. Refletir sobre as formas narrativas da prática do documentário biográfico nos enlaces teóricos da História, Memória, apropriação de material de arquivo e prática de entrevista para a reconstrução do passado.

JUSTIFICATIVA: O interesse em focalizar este estudo da prática dos documentários musicais no Brasil nasce de um desdobramento de minha pesquisa de doutorado, intitulada A canção popular na história do cinema

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 77

brasileiro (2009). Nela, procurei sintetizar, de maneira transversal, um mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema brasileiro, com uma perspectiva historiográfica que se desenvolve através da periodização das relações entre música e cinema, e a escolha de alguns exemplos de filmes singulares que configuram tendências ou novas possibilidades de lidar com a linguagem audiovisual do cinema. Nesta nova etapa de pesquisa focalizo o meu interesse pelos estudos do cinema documentário, e em particular sobre sua trilha sonora e seu biografismo. Assim, a partir desta minha pesquisa de Pós-doutoramento, este curso pretende evidenciar a importancia dos estudos do som na produção de documentários no Brasil, nos enlaces entre história da música e história do cinema, investigando o desafio de se trabalhar com biografias de músicos a partir da perspectiva teórica das trajetórias do biografismo em narrativas audiovisuais.

CONTEÚDO (EMENTA):

1. Estudos do som no cinema: conceitos fundamentais.

2. Panorama histórico da canção no cinema brasileiro.

3. Documentário musical e Biografia no cinema e na televisão.

4. A escrita da história da MPB em narrativas audiovisuais.

5. Bossa Nova e Tropicália na análise de narrativas biográficas.

BIBLIOGRAFIA

AMADO, J.; FERREIRA, M.M. (org.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. APREA, Gustavo. Filmar la memoria. Los documentales audiovisuales y la re-construcción del pesado. Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento, 2012. AVELAR, Alexandre de Sá. “A biografia como escrita de uma história: possibilidades, limites e tensões”. In: Dimensões, vol. 24, 2010, p. 157-172. BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. CAPELATO, Maria Helena et al. História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007. CARVALHO, Marcia. “O documentário e a prática jornalística”. In: Revista PJ:Br, v. 7, p. 01-08, 2006. Disponível em http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/ensaios7_d.htm. ______. A canção popular na história do cinema brasileiro. (Tese de Doutorado), Campinas: UNICAMP, 2009. ______. “Escutas da memória: história da música e retrato do músico no documentário musical brasileiro”. In: Actas do III Congreso Internacional de la Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual. Córdoba, 2012a, disponível em: http://www.asaeca.org. ______. “O rock desligado de Lóki”. In: Doc On-line, Especial Música e Documentário, n. 12, agosto de 2012b, p.75-99, Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/dt_marcia_carvalho.pdf.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 78

______. “Tom em recortes: memória e biografia em A música segundo Tom Jobim”. In: Anais do XVI Encontro Socine de Estudos de Cinema e Audiovisual, 2013, p. 345-353, disponível em: http://www.socine.org.br/anais/2012/AnaisSocine2012.pdf. CHION, Michel. L’audio-vision: son et image au cinema. Paris: Armand Colin, 2008. COELHO, Frederico; CAETANO, Daniel (orgs.). Tom Jobim. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011. DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson C. C. de Souza. São Paulo: USP, 2009. FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000. GAUTHIER, Guy. O documentário: um outro cinema. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2011. HAGEMEYER, Rafael Rosa. História & Audiovisual. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real. Sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. _____; REZENDE FILHO, L. A. C.; FRANCA, A. “A noção de documento e a apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo”. In: Revista Galáxia (PUCSP), v. 11, 2011, p. 54-67. MESQUITA, Cláudia. “Retratos em diálogo”. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 86. São Paulo: Cebrap, março, 2010, p. 105-118. MORETTIN, E.; NAPOLITANO, M.; KORNIS, M.A. (orgs). História e Documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir (org.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005. NAPOLITANO, Marcos. A síncope das ideias: A questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. ______. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959/1969). São Paulo: Annablume, 2001. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. PENA, Felipe. Teoria da biografia sem fim. Rio de Janeiro: Maud, 2004. PONJUAN, M. R.; MULLER, M. (orgs.). Documentário: o cinema como testemunha. São Paulo: Intermeios; San Antonio de los Banos: EICTV, 2012. PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: Da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus, 2009. RAMOS, Fernão. Mas afinal...O que é mesmo documentário? São Paulo: Senac, 2008. ______(org.). Teoria Contemporânea de Cinema: Documentário e narratividade ficcional. Vol. II. São Paulo: Senac, 2005. SCHMIDT, Benito Bisso. “Biografia e regimes de historicidade“. In: Métis – história & cultura, vol. 2, n. 3, jan./ jun., 2003, p. 57-72. ______. “Construindo Biografias...Historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos”. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 19, 1997, p. 03-21.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 79

SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: 34, 2008. ______; MELLO, Zuza Homem. A canção no tempo. 2 volumes. São Paulo: 34, 1998. TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. ______. O cancionista: Composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. WISNIK, José Miguel. Sem receita. São Paulo: Publifolha, 2004. VILAS BOAS, Sérgio. Biografias & biógrafos: jornalismo sobre personagens. São Paulo: Summus, 2002. ______. Perfis: e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003. ______. Biografismo: reflexões sobre as escritas da vida. São Paulo: Editora UNESP, 2008. ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO: Seminários e papers

OBSERVAÇÕES:

CRONOGRAMA: Quinta-feira, 14h às 17h, de 16 de outubro a 20 de novembro de 2014.

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 80

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES PROGRAMA: MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, TEORIA E CRÍTICA

MARCIA REGINA CARVALHO DA SILVA

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

PROJETO DE PÓS-DOUTORADO

São Paulo 2013

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Projeto de Pós-Doutorado

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Proponente: Profa. Dra. Marcia Regina Carvalho da Silva Filiação Institucional e titulação: - Professora e Coordenadora do Curso de Comunicação Social, habilitação em Rádio, TV e Internet, da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM). - Doutora em Multimeios (Cinema: História e Teoria), pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

SUPERVISOR: Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin

São Paulo 2013

Relatório Final de Pós-Doutorado de Marcia Regina Carvalho da Silva 82

O SOM DO RETRATO: Análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros

Resumo Este estudo pretende analisar o papel da dimensão sonora e musical em documentários sobre personagens da música popular brasileira. Para isso, examinará as formas narrativas de quatro documentários: Vinicius (2005), de Miguel Faria Júnior; Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Júnior; Coração Vagabundo (2008), de Fernando Grostein Andrade; e, A música segundo Tom Jobim (2011), de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim. Esta análise buscará investigar como a história da música e seus personagens são retratados na prática de documentários biográficos, verificando a pesquisa e reconstituição histórica, a abordagem temática, o estilo, as escolhas estéticas e técnicas de produção. Os quatro documentários foram selecionados por serem representativos por suas abordagens biográficas menos convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que articula vida e obra do biografado. Os filmes trabalham diferentes retratos de importantes personagens da MPB, Vinicius de Moraes e Tom Jobim representam a Bossa Nova, e Tom Zé e Caetano Veloso, a Tropicália. Com isso, este estudo aspira melhor compreender o uso de entrevistas e depoimentos, o resgate de diversos materiais de arquivo (músicas, filmes, vídeos, programas de televisão, fotografias, recortes de jornais, etc.), e a pesquisa histórica sobre personagens da música brasileira, que qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações nelas inscritas, até a organização e montagem dos dados sonoros e visuais, que na prática do documentário se dá a partir da elaboração narrativa, de estilo e abordagem, buscando assim contribuir com uma reflexão sobre o desafio biográfico no cinema brasileiro.

Palavras-chave: Cinema brasileiro; Documentário; MPB; Trilha Sonora; Biografia.

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Sumário

1) Introdução...... 05

2) Objeto

2.1 Assunto e problema da Pesquisa...... 09

2.2 Justificativa...... 10

3) Quadro Teórico de Referência...... 11

4) Objetivos...... 15

5) Procedimentos Metodológicos...... 16

6) Plano de Trabalho...... 17

7) Cronograma das Atividades da Pesquisa...... 18

8) Referências Bibliográficas...... 19

9) Filmografia principal ...... 23

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8. Introdução

O documentário musical sobre personagens da história da música é hoje no Brasil uma produção recorrente em várias mídias e atende a um público consumidor de memórias e relatos sobre histórias de vida18. Qualquer documentário musical é, de fato, uma produção em que a música é protagonista e tem papel fundamental em sua construção estrutural e temática.

O documentário biográfico sobre músicos, portanto, torna-se representativo dentro desta tendência de produção com o enfoque particular da escolha de seus personagens e da construção narrativa que irá lidar obrigatoriamente com um resgate sobre a história da música, seja através da pesquisa musical, registros sonoros ou audiovisuais (vídeos, filmes, programas de televisão) e a reconstituição do percurso do biografado via documentos, depoimentos e entrevistas.

Nesse contexto, esta pesquisa pretende refletir sobre o desafio biográfico no cinema, com a particularização do estudo da linguagem sonora dos documentários musicais, suas abordagens e resultados estilísticos, privilegiando trabalhos que nos permitam apreender, por meio de seus recursos expressivos, as estratégias de investigação histórica engendradas pela relação entre imagem e som, música e documentário.

Para a definição do corpus desta pesquisa optei por trabalhar apenas com documentários biográficos que elegeram personagens da história da MPB, em particular de dois gêneros fundamentais que são a Bossa Nova e a Tropicália.

18 A recorrência desta produção pode ser verificada na programação dos últimos anos do Festival Internacional de Documentários “É tudo verdade” e do Festival Internacional do Documentário Musical “In Edit - Brasil”, primeiro festival dedicado exclusivamente ao gênero do documentário musical no país, que acontece em São Paulo desde 2009, disponíveis em: http://www.itsalltrue.com.br e http://www.in-edit-brasil.com.

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Como sintetiza Luiz Tatit, a Bossa Nova e a Tropicália se transformaram nas duas principais referências estéticas para a canção popular brasileira:

Tropicalismo e bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da canção brasileira. Por isso, são invocados toda vez que se pede uma avaliação do século cancional do país. É como se o tropicalismo afirmasse: precisamos de todos os modos de dizer convincentemente. Em época de exclusão, prevalece o gesto tropicalista no sentido de retomar a pluralidade. Em época de excesso de maneirismos estilísticos e de abandono do princípio entoativo, o gesto bossa-nova refaz a triagem e decanta o canto pertinente. Ambos os gestos atuam na própria mente dos compositores e cantores impelindo-os, ao mesmo tempo, para a diversidade e para o apuro técnico e estético. É provável que ainda sobrevivam no decorrer do século XXI, como componentes críticos inerentes ao próprio ofício de composição, arranjo e interpretação de música popular e como responsáveis pelo eterno trânsito do cancionista entre o gosto de depuração e o desejo de assimilação (TATIT, 2004, p. 89).

Diante deste contexto temático da história da música brasileira, selecionei quatro documentários que retratam personagens importantes da Bossa Nova e da Tropicália com abordagens menos convencionais. O primeiro é um retrato de Vinicius de Moraes em Vinicius

(2005), dirigido por Miguel Faria Jr., filme que apresenta vários pocket shows e entrevistas filmadas à vontade, entrelaçadas por músicas sínteses da obra do cancionista, interpretadas por uma geração mais contemporânea e com o predomínio de vozes femininas com destaque para Adriana Calcanhoto, Mônica Salmaso e Mart´nália.

De mesmo método livre de tratamento de enfoque de um músico como personagem, os tropicalistas Tom Zé e Caetano Veloso são os protagonistas dos documentários Fabricando

Tom Zé (2007), de Décio Matos Jr, cujo fio condutor é a turnê do músico pela Europa em

2005, e Coração Vagabundo (2008), dirigido por Fernando Grostein Andrade, documentário que acompanha a turnê de lançamento do primeiro álbum inteiramente em inglês de Veloso, com entrevistas e imagens intimistas por São Paulo, Nova York, Tóquio, Osaka e Kyoto, e com os depoimentos especiais de Michelangelo Antonioni, Pedro Almodóvar e David Byrne

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para respaldar o sucesso internacional do artista brasileiro. Estes dois documentários trazem diários íntimos de viagem, com imagens das turnês, inclusive em aeroportos e hotéis, como também registram ensaios, performances e encontros musicais, embebidos pelo desafio biográfico de retratar os músicos em movimento.

Por fim, A música segundo Tom Jobim (2011), dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, trata-se de uma produção concebida para retratar o músico a partir de sua obra musical, sem recorrer a depoimentos, entrevistas ou narração, apostando no material de arquivo para apresentar várias performances musicais que interpretam as canções do maestro

Tom Jobim.

Diante deste corpus definido, esta pesquisa pretende investigar de maneira crítica a pesquisa histórica e a abordagem apresentada em cada obra, examinando seu tratamento de estilo e direção. Calcado na análise fílmica, este estudo se deterá numa reflexão sobre as noções de personagem na prática do documentário, colocando em perspectiva a história da música brasileira nas telas do cinema. Em mesma medida, existe a necessidade de se verificar o uso da história oral como fonte de pesquisa e documento e investigar as apropriações narrativas de materiais de arquivo com novos arranjos contemporâneos, num desdobramento do cinema de arquivo (feito com uma compilação de material encontrado ou de maneira a se apropriar dos materiais, tornando-os próprios ou convenientes para a construção de novos discursos, como no gênero found footage).

Como se sabe, na última década, no Brasil, houve um significativo crescimento de pesquisas que se dedicam aos aspectos técnicos, estéticos e históricos do uso do som e da música na linguagem audiovisual, em particular no cinema. Entretanto, pouca atenção tem sido dada à contextualização desta interface na produção de documentários.

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Entre as pesquisas existentes, podem-se destacar os recentes trabalhos de Sérgio

Puccini sobre a voz no documentário, em seu tratamento de captação e edição (pesquisa ainda inédita, apresentada nos últimos encontros da Socine – Sociedade Brasileira de Estudos de cinema e Audiovisual, no Seminário temático de Estudos do Som); a dissertação de mestrado de Graziela Cruz (2011), uma análise sobre a viagem temporal da biografia em três documentários brasileiros: Nelson Freire, Vinicius e Cartola – Música para os olhos, sem, no entanto, estudar em detalhe o tratamento sonoro e musical destes filmes; o mapeamento da música nos documentários brasileiros, pesquisa de Guilherme Maia (2012), que exclui os documentários musicais.

Entre as pesquisas que parecem travar um dialogo mais direto com o projeto apresentado aqui, pode-se destacar a pesquisa de doutoramento de Cristiane Lima, iniciada em 2012 na UFMG, intitulada “Música em cena: um estudo sobre os componentes sonoros da escritura do documentário brasileiro”, apresentada brevemente em sua análise sobre Hermeto, campeão (LIMA, 2012), e a dissertação de mestrado de Rubem Barros “A (re) construção do passado: música, história, cinema” (2011), orientada por Eduardo Morettin, na ECA-USP, uma análise sobre os usos de material de arquivo, construção discursiva e resgate historiográfico dos filmes A voz e o vazio: a vez de Vassourinha (1998), de Carlos Adriano, e

Cartola – Música para os olhos (2006), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.

Levando-se em conta a possibilidade de diferentes correlações com estas pesquisas, acredito ser relevante analisar como os documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração

Vagabundo e A música segundo Tom Jobim trabalham a história da música popular brasileira ultrapassando formas de representação convencionais, ao lançar novos horizontes para a prática biográfica no cinema, com abordagens menos padronizadas sobre os personagens retratados, sem apresentar sua história de vida de maneira cronológica e linear. Estes filmes

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exibem metodologias narrativas que investigam a história e a música com novas articulações entre a memória e a reconstituição do percurso de um músico.

O presente projeto representa uma continuidade com minha pesquisa de doutorado, defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2009, em que me preocupei em elaborar um mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema brasileiro, focalizando as relações históricas entre música e cinema. A partir deste panorama, pretendo agora delimitar meu estudo sobre a prática documental ao investigar em detalhe narrativas e resultados estéticos através da análise fílmica, examinando, sobretudo a maneira como os filmes abordam contextos e acontecimentos passados, os modos como montam suas narrativas entrelaçando memória individual e história pública, a vida privada e sua historicidade, na seleção de várias vozes e imagens para construir um retrato no presente e rememorar o passado em fragmentos.

Para Walter Benjamin, articular historicamente o passado não significa necessariamente conhecê-lo como ele de fato foi, mas sim apropriar-se de reminiscências

(BENJAMIN, 1994, p. 224). Pensando nisto, arrisco afirmar que na prática de produção de documentários musicais existe a possibilidade de se reconstruir experiências vividas com novas formas de narratividade que nascem da obra musical em questão.

9. Objeto

2.1 Assunto e problema da pesquisa

O documentário musical brasileiro contemporâneo parece privilegiar a palavra falada, suporte da memória e da tradição oral, como principal elemento da trilha sonora e de construção de sua narrativa. Assim, algumas questões norteiam esta pesquisa: por que apenas as palavras da fala e da narração podem reconstruir o passado? Qual é o valor do arquivo

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audiovisual? Qual é o papel da música no documentário biográfico musical? Qual é a melhor forma de se conhecer a história de um músico?

Estas questões estimulam uma investigação sobre o uso de entrevistas e depoimentos, e do resgate de materiais de arquivo (músicas, filmes, programas de televisão, fotografias, recortes de jornais, etc.), que poderão elucidar melhor o interesse por este acesso ao passado através da pesquisa histórica sobre personagens da música brasileira. Desse modo, parece relevante avaliar os processos de construção da linguagem e de seu contexto histórico na interpretação e produção de sentido da produção de documentários biográficos, que qualificam desde a seleção das fontes e a interpretação das informações nelas inscritas, até a organização e montagem dos dados sonoros e visuais, a partir da elaboração narrativa e de estilo dos filmes.

Nesse sentido, parece pertinente investigar em detalhe as matrizes e propostas estéticas dos documentários Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo, e A música segundo Tom Jobim a partir da análise fílmica que poderá elucidar questões relativas às formas narrativas e modos de representação da prática biográfica, da historiografia da música popular brasileira e da dimensão sonora e musical no cinema documentário.

9.2 Justificativa

O interesse em focalizar este estudo da prática dos documentários musicais no Brasil nasce de um desdobramento de minha pesquisa de doutorado, intitulada A canção popular na história do cinema brasileiro (2009). Nela, procurei sintetizar, de maneira transversal, um mapeamento histórico da importância da canção popular no cinema brasileiro, com uma perspectiva historiográfica que se desenvolve através da periodização das relações entre

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música e cinema, e a escolha de alguns exemplos de filmes singulares que configuram tendências ou novas possibilidades de lidar com a linguagem audiovisual do cinema.

Outra motivação direta se dá diante de minha prática docente como professora e orientadora de diversos projetos experimentais para vídeo e televisão, que colocam em prática o debate sobre novos projetos de produção de documentários e o seu cotejo com a História do

Cinema. Nessa minha trajetória percebi que apesar do crescimento do interesse pelos estudos do cinema documentário, pouco se discute sobre sua trilha sonora e sua pluralidade de formas narrativas. Assim, os resultados que venham a ser obtidos com esta nova pesquisa talvez possam elucidar certas questões relevantes sobre a produção do documentário no Brasil, nos enlaces entre história da música e história do cinema, do desafio de se trabalhar com biografias de músicos e do estudo da trilha sonora na prática audiovisual.

10. Quadro Teórico de Referência

A biografia traz a ilusão de um acesso direto ao passado. As narrativas biográficas, de maneira geral, tentam ordenar acontecimentos de uma vida, na ilusão de tecer estórias com início, meio e fim, com um discurso coeso, o que Pierre Bourdieu chama de “ilusão biográfica” compondo um “relato coerente de uma sequencia de acontecimentos com significado e direção” (BOURDIEU, 2005, p. 185). Para Bourdieu, o biógrafo é cumplice desta ilusão, da reconstrução narrativa que carrega um efeito de real e extrai a lógica do tempo na organização linear de uma história de vida.

Para o pesquisador sobre biografias jornalísticas Sergio Vilas Boas, a biografia pode pegar emprestado diversas ferramentas da História, Sociologia, Psicologia, Jornalismo, entre outras áreas de conhecimento. O importante, segundo o autor, é o fazer biográfico, na medida

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em que contempla pesquisa, documentação, interpretação e recursos narrativos. Em suas palavras:

Em rigor, biografia é a compilação de uma (ou várias) vida(s). Pode ser impressa no papel, mas outros meios, como o cinema, a televisão e o teatro podem acolhê-la bastante bem. Por enquanto, não há certificados epistemológicos para o fazer biográfico. (...), o que interessa é a escrita e o autor, a criação e a publicação, o personagem e sua interpretação (VILAS BOAS, 2002, p. 18).

Nesse sentido, é importante lembrar que a biografia carrega um caráter hibrido e impuro, com a possibilidade de diferentes abordagens e tendências narrativas ao longo da história do gênero, conforme já analisou François Dosse (2009) ao abordar o panorama editorial.

O documentário também implica uma complexidade de processos, técnicas, tecnologias, narrativas e registros em imagens e sons que permitem várias abordagens, leituras e percepções. Por isso, para a confecção desta análise serão levados em conta os estudos do campo documentário a partir do cinema e seus diversos recortes.

Bill Nichols (2001), por exemplo, estabelece modelos paradigmáticos de representação do documentário, apresentando uma categorização abrangente, que pretende dar conta da produção documental desde seus primórdios e que toma como base os diversos aspectos ligados à realização, à recepção e às características intrínsecas das obras. Nichols propõe uma divisão determinada por certos “padrões organizatórios dominantes”, a partir da premissa de que o documentário não é uma "reprodução", mas sim uma "representação" de algum aspecto do mundo histórico e social do qual compartilhamos. Esta representação é criada na forma de um argumento sobre o mundo, o que pressupõe uma perspectiva, um ponto de vista, ou seja, uma maneira de organizar o material que irá compor o filme ou vídeo.

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O documentário contemporâneo já foi analisado, por diversos autores, como mais criativo ao trabalhar uma nova maneira de enunciação em primeira pessoa e mais diverso ao misturar suportes de captação de imagem e som, ampliando definitivamente a produção de documentário feito em vídeo, em particular com a tecnologia digital, como já mapearam

Consuelo Lins e Cláudia Mesquita (2004). Entretanto, nota-se que muitos filmes abusam do recurso da entrevista e do depoimento, como já criticou Jean-Claude Bernardet (2003).

Mesmo levando-se em conta que a prática da biografia é recorrente e convencional na história do documentário, esta forte tendência de produção ainda instiga análises, em particular, uma reflexão manifesta sobre o “retratar” e sua atitude particularizante e dialógica, que reverbera negociações entre quem filma e quem é filmado, questionamento também levantado por Cláudia Mesquita sobre os documentários ensaísticos (2010), e que para esta pesquisa, pretendo estender para a prática de biografias de compositores e intérpretes da música brasileira.

Desse modo, verdade e narrativa tecem o realismo da biografia o que instiga uma investigação sobre sua reconstituição histórica: os fatos, acontecimentos, fontes (orais, escritas e visuais) e o contrato do “realizador-biógrafo” com o biografado. Assim, com uma análise de documentários singulares, esta pesquisa buscará contribuir para a reflexão sobre a particularização do enfoque no cinema documental brasileiro, criada, principalmente, a partir da edição e apropriação de materiais de arquivo audiovisual e pela valorização da história e memória oral, realizada pelas lembranças e redes de memória coletiva que se tecem pela somatória de experiencias individuais levadas em conta como fontes históricas, debate importante de historiadores como Pierre Nora e Jacques Le Goff, na análise das relações entre

História e Memória, reflexão que deve ganhar novos enlaces ao longo de minha pesquisa.

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Além disso, como se trata de documentários musicais, a análise estrutural e funcional da trilha sonora se torna importante. Assim, para se estudar o entrelaçamento do som e imagem no documentário será necessário resgatar alguns autores dos estudos do som, com destaque para obra inconteste de Michel Chion e a recente revisão teórica da relação música e cinema de Suzana Reck Miranda.

Para o debate de trilha sonora, é importante lembrar que a própria montagem de um documentário se dá, de maneira geral, pela voz. É a palavra, principalmente através da entrevista e pelo recurso da narração que apresentam os temas dos documentários. Desse modo, é através do som direto, originário das entrevistas e depoimentos, e do som de arquivo, de outros filmes e programas de televisão que se tem a construção de vários retratos de músicos.

Segundo Sérgio Puccini (2009) destacam-se cinco possibilidades para o som no documentário: som direto (na filmagem, em entrevistas, depoimentos, dramatizações e em tomadas em locações); o som de arquivo (filmes, entrevistas, programas de rádio e TV, discursos, entrevistas etc.); voz over (narração sobreposta às imagens durante a montagem); efeitos sonoros (sons criados na fase de edição que ajudam a criar ambientação para as imagens) e a trilha musical ou sonora (compilada, adaptada ou original).

Mas para os documentários musicais tem-se a trilha musical como protagonista, e ela pode ser usada como elemento narrativo e expressivo importante. Outro dado fundamental é o próprio percurso da canção no cinema brasileiro, que também ganha destaque nos documentários e estimula uma análise em detalhe de seus usos e funções na prática biográfica do cinema.

Para a análise da história da MPB nas narrativas dos documentários, será fundamental o resgate historiográfico da canção das pesquisas de Marcos Napolitano e Luiz Tatit, e dos

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panoramas da história da MPB de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. Além destes autores de referência básica, as análises fílmicas serão elaboradas com um cotejo da bibliografia específica sobre Bossa Nova e Tropicália, e várias biografias dos personagens abordados, com amplo levantamento bibliográfico.

11. Objetivos

4.1 Objetivo Geral

O objetivo geral desta pesquisa é analisar as formas narrativas de documentários musicais biográficos brasileiros. Para isso, serão desenvolvidas as análises dos documentários

Vinicius, Fabricando Tom Zé, Coração Vagabundo, e A música segundo Tom Jobim. Este estudo buscará investigar como a história da música e seus personagens são abordados no cinema, examinando a pesquisa e reconstituição histórica e temática, o estilo, as escolhas estéticas e as técnicas de produção.

4.2 Objetivos Específicos

1- Contribuir para os Estudos do Som no Cinema e Audiovisual, e História do

Cinema Brasileiro, com uma pesquisa interdisciplinar que procura compreender aspectos teóricos, estéticos e históricos em que estão em pauta as relações entre trilha sonora e documentário.

2- Verificar quais as funções narrativas e expressivas do tratamento sonoro e musical nos documentários, ampliando o estudo sobre a importância do uso da canção no cinema, e também da voz, investigando a força do relato oral para a abordagem histórica, e as relações do som com outros elementos formais que constroem a proposta estética audiovisual de um documentário.

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3- Investigar em particular as noções de biografia na prática do documentário, buscando compreender a representação de personagens que são figuras reais e os modos como

às obras contam suas histórias.

4- Refletir sobre as formas narrativas da prática do documentário biográfico nos enlaces teóricos da História, Memória, apropriação de material de arquivo e prática de entrevista para a reconstrução do passado.

12. Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa possui como base uma perspectiva analítica ao investigar as formas narrativas e modos de se retratar os personagens tecendo entrelaçamentos teóricos e reflexivos sobre o ato biográfico na produção documental. Este estudo buscará examinar a trilha sonora

(música, efeitos e vozes) das obras, com particular atenção para a contribuição da canção, com suas diferentes sonoridades e performances, e para a força da voz e do relato oral que se configuram como principal foco narrativo para a reconstituição histórica da prática documental por meio dos depoimentos.

Para isso, será fundamental investigar a pesquisa, angulação, fontes, eixo de abordagem e de interpretação a partir da análise dos filmes e como estes apresentam documentos, correspondências, fotos, diários, memórias/ lembranças e recordações de amigos, familiares, conhecidos que conviveram direta ou indiretamente com o biografado - em entrevistas e depoimentos, uso de narração, créditos, diversos materiais de arquivo audiovisual (de cinema, vídeo e televisão), seleção de músicas e canções, e outras formas de reconstituição e análise do perfil de cada personagem. São, portanto, fontes primárias os documentários biográficos sobre personagens da história da música selecionados; e, são

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fontes secundárias os textos e documentos que possam elucidar aspectos de sua concepção, produção e exibição.

13. Plano de Trabalho

Desenvolvi o projeto de pesquisa intitulado “O som do retrato: análise de narrativas biográficas em documentários musicais brasileiros” para realizá-lo num período de dois anos.

Apesar de não me afastar de meu emprego como professora e coordenadora do curso de

Comunicação Social, habilitação em Rádio, TV e Internet na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, tenho autonomia e flexibilidade para programar os meus horários de trabalho, com no máximo doze horas semanais em sala de aula, no período noturno, e demais horas de coordenação do curso, produção e pesquisa. Por isso, optei pela pesquisa de pós-doutorado sem auxílio de bolsa, mas com bastante disponibilidade para a atividade de pesquisa e demais atividades desenvolvidas na ECA-USP.

Para o desenvolvimento deste projeto de Pós-doutorado pretendo pesquisar e estudar em detalhe o conceito de biografia nos enlaces do debate sobre História e Memória, apropriação de materiais de arquivo e pesquisa histórica. Esta revisão bibliográfica será seguida pela análise fílmica dos documentários, centrada na discussão sobre o papel da dimensão sonora e musical nas formas narrativas de Vinicius (2005), de Miguel Faria Júnior;

Fabricando Tom Zé (2007), de Décio Matos Júnior; Coração Vagabundo (2008), de Fernando

Grostein Andrade; e, A música segundo Tom Jobim (2011), de Nelson Pereira dos Santos e

Dora Jobim.

Esta análise buscará investigar como a história da música e seus personagens são retratados na prática de documentários biográficos, verificando pesquisa e reconstituição histórica, abordagem temática, estilo, escolhas estéticas e técnicas de produção. Os quatro

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documentários foram selecionados por serem representativos por suas abordagens biográficas menos convencionais, sem optar por uma montagem cronológica que articula vida e obra do biografado. Assim, para a realização destas análises será fundamental a possibilidade de me integrar ao Grupo de Pesquisa “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”, liderado pelo Prof. Dr. Eduardo Morettin, que indico para supervisor.

Além disso, com atenção às diversas vertentes da discussão estética e histórica sobre filmes brasileiros, pretendo desenvolver dentro da ECA-USP, várias atividades ligadas a esta pesquisa, contando com a oportunidade de propor disciplinas concentradas para o departamento de cinema da ECA, junto a meu supervisor, a partir do desdobramento de minha pesquisa de doutorado “A canção popular na história do cinema brasileiro” e depois com a apresentação e debate dos resultados parciais alcançados ao longo desta nova pesquisa.

Também me coloco à disposição para publicar os resultados de minha pesquisa em periódicos ligados ao Programa, como a Revista Significação, colaborando ainda na sua própria editoração, como parecerista por exemplo. Além de apresentar estes mesmos resultados em encontros científicos, como Seminários, Encontros e Congressos, internos e externos da instituição, conforme cronograma abaixo.

7. Cronograma das Atividades de Pesquisa e Estágio Pós-doutoral

2013 Ações Novembro Dezembro

Refinar o levantamento bibliográfico. Pesquisa de textos e documentos que possam elucidar aspectos sobre concepção, produção e

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exibição dos documentários. 2014 Ações Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

Revisar o estudo da literatura. Pesquisar textos e documentos sobre concepção, produção e exibição dos documentários. Colaborar em diversas atividades do Programa e participar do  Grupo de Pesquisa “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”. Ministrar disciplina concentrada sobre a pesquisa.

2014 Ações Junho Julho Agosto Setembro Outubro

Analisar criticamente os documentários.

Colaborar em diversas atividades do Programa e participar do GP “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”. Apresentar os resultados parciais da pesquisa em encontros e congressos, como INTERCOM, SOCINE, etc. 2014 Ações Novembro Dezembro

Analisar criticamente os documentários. Colaborar em diversas atividades do Programa.

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2015 Ações Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

Colaborar em diversas atividades do Programa e participar do GP  “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”. Ministrar disciplina concentrada sobre a pesquisa.

Redigir os resultados da pesquisa e análise fílmica.

2015 Ações Junho Julho Agosto Setembro Outubro

Finalizar a pesquisa e redigir o Relatório Final. 

Publicar os resultados da pesquisa em Revistas do Programa entre outras. Apresentar os resultados da pesquisa em palestras e eventos científicos.

8. Referências Bibliográficas

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8. Filmografia principal - corpus da pesquisa

A música segundo Tom Jobim (2011), dir. e Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim. Coração Vagabundo (2008), dir. Fernando Grostein Andrade. Fabricando Tom Zé (2007), dir. de Décio Matos Jr. Vinicius (2005), dir. de Miguel Faria Jr.