PrÁTICAS E POSSIBILIDADES NA AVENIDA PAULISTA Juliana Monferdini 1

PRÁTICAS E POSSIBILIDADES NA AVENIDA PAULISTA

JULIANA AOUN MONFERDINI

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA À FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE MACKENZIE PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO

ORIENTADOR Prof. Dr. Abílio Guerra

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO – 2013

3 M742p Monferdini, Juliana Aoun

Práticas e possibilidades na Avenida Paulista / Juliana Aoun Monferdini – 2013. 145 f. : il. ; 21cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 137-143.

1. Avenida Paulista . 2. Projeto Urbano. 3. Espaço público I. Título.

CDD 711.4098161

4 Banca Examinadora Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentada à faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Trabalho aprovado com distinção e louvor pela seguinte comissão avaliadora:

Professor Dr. Abilio Guerra Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie

Julgamento:______Assinatura:______

Professora Dra. Maria Isabel Villac Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie

Julgamento:______Assinatura:______

Professor Dr. Vladimir Bartalini Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento:______Assinatura:______

5 Agradecimentos

Agradeço a todos que, amavelmente, contribuíram para a conclusão desta pesquisa. Ao professor Abilio Guerra, pela confiança em mim depositada. Por me ajudar a encontrar o caminho e a me apaixonar pelo tema. Aos professores Doutores Maria Isabel Villac e Vladimir Bartalini, por suas contribuições tão precisas na ocasião de meu Exame de Qualificação. Ao Projeto M900 e aos queridos amigos que lá encontrei. A cada um, agradeço a sincera acolhida. Aos amigos e colaboradores diretos Vivian Costa e Petrus Lee, pelo diálogo constante, sempre compartilhando idéias. Aos tios Jamir e Ana Luiza Bittar, por serem minha família em São Paulo. À mãe e pai, por aguentarem a saudade. Um carinhoso agradecimento ao Fábio Brianezi Giraldez, por fazer comigo esse percurso.

6 Esse trabalho é dedicado à Avenida Paulista e a todos os amigos que lá encontrei.

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Práticas e possibilidades na Avenida Paulista

9 ÍNDICE

Resumo | Abstract ...pág 11

Introdução

A construção do olhar ...pág 16

Os caminhos de Alice ...pág 18

A fala dos passos ouvidos Marcha sensível ...pág 118

Mirante cegado ...pág 22 Castelo de um homem só ...pág 122

Identidade em trânsito ...pág 30 Se essa rua fosse minha ...pág 126

Surfistas urbanos ...pág 38

Cemitério de bitucas ...pág 44 Conclusão ...pág 130

Caverna do automóvel ...pág 50 Galeria de Fotos ...pág 134

Toca de lobisomem ...pág 56 Bibliografia ...pág 142

Arte pública, para qual público? ...pág 64 Tabela de imagens ...pág 154

Subindo ladeiras, descendo cataratas ...pág 72

Jogo de amarelinha ...pág 76

Desmatada ...pág 80

Ciclo faixa ...pág 86

Mar de histórias ...pág 90

Rolê nas calçadas ...pág 96

Os cegos ...pág 104

É proibido sentar ...pág 110

Só falta o ascensor ...pág 114

10 RESUMO ABSTRACT Reflexão sobre a qualidade dos espaços públicos da Avenida Reflection on the quality of public spaces on Avenida Pau- Paulista, baseada na observação direta da utilização desses lista, based on direct observation of the use of these spaces espaços pela população. Registro de episódios cotidianos by the population. Record of the avenue daily episodes, rec- da avenida, reconhecidos como situações extremamente ognized as extremely informative situations, able to point informativas, capazes de apontar sentidos plurais para es- to these spaces plural meanings and unsuspected potential ses espaços e potencialidades insuspeitas de seu aprimora- for its improvement by urban redesigning. mento, através do redesenho urbano.

Palavras- chave: Avenida Paulista; Projeto Urbano; Práticas cotidianas. Key-words: Avenida Paulista; Urban Planning; Everyday practices.

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Em Brasília, admirei. Não a niemeyer lei, a vida das pessoas penetrando nos esquemas como a tinta sangue no mata borrão, crescendo o vermelho gente, entre pedra e pedra, pela terra a dentro.

Em Brasília, admirei. O pequeno restaurante clandestino, criminoso por estar fora da quadra permitida. Sim, Brasília. Admirei o tempo que já cobre de anos tuas impecáveis matemáticas.

Adeus, Cidade. O erro, claro, não a lei.

Paulo Leminski, Ruinogramas, anos 1980

13 introdução Os três assuntos – espaços públicos da as situações do cotidiano da avenida a partir do Avenida Paulista, seus usos e sentidos para a pressuposto de que a qualidade dos seus espaços população – são os eixos em torno dos quais gi- não pode ser avaliada de forma profunda se não ram todos os ensaios reunidos neste trabalho. A for considerada sua utilização casual pelo homem idéia de realizar um estudo urbano da Aveni- comum, que evidencia suas necessidades mas da Paulista a partir de ensaios, que na verdade também sua atribuição de valores e afetos. são relatos de episódios de seu cotidiano, surgiu Não é de surpreender, então, a incontestável durante nossa banca de qualificação, como mé- inspiração no livro A invenção do cotidiano, de todo proposto para alcançar o objetivo de ten- Michel de Certeau, especialmente pela atitude tar entender as lógicas que se entrecruzam no de pesquisa que propõe o envolvimento direto encontro desses três assuntos, e o modo como, do pesquisador, como sujeito ativo, com o fenô- através deles, ressignificamos, a todo momento, meno observado, evitando a posição de observa- a cidade construída. dor distanciado e pretensamente neutro. Certeau Em nosso percurso tivemos a felicidade de propõe analisar o ordinário, em seu movimento nos depararmos com um grupo de estudantes de transformação/ultrapassagem do comum, até de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, com cruzar a fronteira do que chama de sabedoria. os quais pudemos participar da realização de Por isso, sua obra faz um constante vaivém do um projeto de leitura e interpretação dos perso- teórico para o concreto e, depois, do particular nagens e lugares da Avenida Paulista, denomi- para o geral. Essa tática é condizente com a pró- nado Mapa 900, ou M900. Quase todos os episó- pria natureza dinâmica do fenômeno estudado: dios apresentados aqui foram escritos durante as práticas do cotidiano são fujonas, brincalho- ou depois da discussão dos temas com esses es- nas, protestantes... timados alunos. Seguimos esse mesmo vaivém entre os episó- Fazendo uma retrospectiva, constatamos que dios que registramos na Avenida Paulista e as te- dificilmente o método poderia ser outro: observar orias que visitamos, buscando nesta interação a

15 construção de sentido. Assim, tentamos elaborar tropologia urbana e da filosofia. Essa conflu- uma argumentação a partir do reconhecimento ência de disciplinas foi necessária, sobretudo das situações abordadas como premissas gerais quando se considerou a enorme complexidade que constroem o horizonte para a ação, que, den- da área de estudo, buscando construir um olhar tro do campo da arquitetura e urbanismo, consis- que capturasse suas qualidades, texturas, ten- te na prática projetual. A partir de interpretações sões e fragmentações. de episódios cotidianos vivenciados na Avenida Dessa forma, dois trabalhos de Nelson Brissac Paulista e aqui narrados, identificamos algumas – “O olhar do estrangeiro” e “Ver o invisível: a das novas vocações e conflitos dos espaços, e, ética das imagens” – muito colaboraram na ta- em alguns casos, chegamos até a lançar hipóte- refa de examinar o conjunto urbano e arquitetô- ses de caminhos para seu aprimoramento. É exa- nico da via como imagens visuais a se decifrar, tamente esse ponto, nos parece, que torna produ- significantes que criam cadeias de significado tiva a pesquisa desenvolvida. ao se relacionarem uns com os outros; por sua vez, cada um pôde se revelar de uma maneira A construção do olhar particular, expondo teorias, crenças, práticas, A tentativa de encontrar caminhos para compre- memórias, permanências e transformações que ender o significado da avenida, a partir do estu- lhe são próprias. Para Brissac, a cidade se apre- do das práticas urbanas da população, confere senta como um campo a ser habitado tanto em uma característica especial a essa aproximação sua dimensão física, como no horizonte do senti- da cidade, pois, em geral, essas práticas não são do, e foi essa a postura que tentamos adotar em consideradas, quando se realizam estudos urba- nossas leituras da avenida. nísticos. O antropólogo Marc Augé, por outro lado, Buscamos, então, nos apoiar em uma base nos alerta em seu livro Não-lugares sobre os conceitual proveniente de diferentes disciplinas, ambientes da cidade que não possuem senti- especialmente da arquitetura e urbanismo, an- do algum, seja pela sua materialidade propo-

16 sitalmente desumana, seja pela nossa própria exercem sobre seus usuários. incompreensão, vítimas dos excessos de nossa Por outro lado, se, ao longo de nosso trabalho, era, que o autor chama de supermodernidade: ingressamos no mundo das situações cotidianas o excesso de tempo (um tempo “sem-tempo”), vivenciadas pela população, não poderíamos excesso de espaço (a pretensa integração pro- deixar de consultar as tentativas de seu enten- porcionada pelos transportes) e o excesso de in- dimento, desenvolvidas pelo grupo de intelectu- formação (a superabundância factual). ais Situacionistas, encabeçados por Guy Debord. No âmbito das práticas urbanas realizadas Para isso, utilizamos a compilação de seus tex- pela população, se desenrolaram duas pautas tos, traduzida e organizada por Paola Berenstein de aproximação: de um lado, a que relata o Jacques, publicada com o emblemático nome de papel da avenida na vida/circulação/trabalho/ Apologia da deriva. Esses textos trouxeram um produção dos usuários; de outro, a que narra a sopro inusitado às leituras urbanas, ao se vale- condição dos sujeitos condicionados por suas rem de concepções ficcionais e imaginativas dos necessidades e afetos, que os leva a marcar a espaços da cidade, agregando um caráter lúdi- avenida de diferentes maneiras. co, emocional e poético aos estudos ambientais. Os trabalhos de Kevin Lynch, A imagem da As teorias situacionistas ainda foram úteis na cidade, e Wyillian H. Whyte, The Social Life of orientação e formulação da atividade de campo, Small Urban Spaces, nos permitiram mergulhar realizada pelos estudantes do Projeto M900, do na investigação dos comportamentos humanos, qual falaremos a seguir. Consultamos tanto seu dos padrões e marcas deixadas pela população conteúdo literário-imagético quanto metodológi- relacionadas com o papel que desempenham, co, que propõem o mapeamento “psicogeográfi- quando ocupam os espaços da avenida: seja a co” dos ambientes a partir da deriva ou peram- trabalho ou por prazer. Essas obras nos permiti- bulação urbana, prática realizada pelos alunos ram descobrir e refletir sobre o significado psi- no espaço da Avenida Paulista. cológico que os ambientes e elementos urbanos Finalmente, a fim de refletirmos sobre as pos-

17 sibilidades de intervenção na constituição física nicação”, encabeçada pela professora Dra. Da- da avenida, de seus edifícios e espaços, empre- niela Oswald Ramos, com o qual colaboramos, gamos “atuações imaginárias”, hipóteses espe- durante o segundo semestre do ano de 2012, e culativas do que a via poderia ser, “se” pudés- primeiro semestre de 2013. semos atravessar suas paredes, nos infiltrar em Nossa aproximação desse projeto ocorreu seu solo ou invadi-la pelo ar, alinhados com a de forma acidental. Ao pesquisarmos conte- postura investigativa adotada por Angelo Bucci, údo publicado na internet sobre a Avenida no livro São Paulo, razões de arquitetura. Paulista, tomamos contato com o portal de no- O propósito original do trabalho não previa tícias P900, que é produzido semestralmente a formulação de hipóteses de intervenção, mas pelos alunos dessa faculdade e realiza uma fomos seduzidos pelos traços invisíveis que en- cobertura jornalística com notícias da região. contramos nos planos construídos, pela potência Interessados em entrevistar os alunos respon- das ordens desviantes, dos cheios e vazios que sáveis pelo website, contatamos a professora marcam a constituição da avenida. Jogando nes- responsável pelo projeto que nos convidou se território de interrupções e justaposições, ar- para participar da produção de um novo ve- riscamos algumas costuras. ículo, também dedicado a publicar conteúdo informativo sobre a Avenida Paulista, mas Os caminhos de Alice exposto com o formato de um mapa digital e Em uma sala da Faculdade Cásper Líbero, no interativo, denominado “Mapa 900”, ou M900. quinto andar do edifício de número 900, no meio Para conduzir as discussões em sala de aula, da Avenida Paulista, cerca de 20 estudantes de a opção do formato de mapa como suporte de jornalismo discutem entusiasmados como reali- publicação se revelou proveitosa à temática do zar um mapeamento psicogeográfico da avenida espaço e às questões urbanas, assuntos que dia- abaixo deles. É o M900, projeto piloto desenvolvi- logam com o formato espacial do novo veículo. do pela disciplina “Novas Tecnologias da Comu- Dessa forma, nossa experiência como arquiteta

18 e urbanista foi útil aos alunos, e as experiências nistas sobre a apreensão psicológica do meio urba- e relatos pessoais deles sobre a avenida en- no, solicitamos que realizassem derivas pela aveni- grandeceram enormemente nossa pesquisa. da, coletando material de interesse, que foi exposto A eles foi ofertada a possibilidade de escolha e discutido sucessivamente em sala de aula. para abordar qualquer tema que lhes interessas- Percebendo a dificuldade de representação se sobre a avenida. Tal oportunidade fortificou o dos dados na forma de mapa, levamos aos alu- vínculo e interesse que apresentaram em relação nos referências visuais variadas: do mapa The à atividade, amenizando a resistência original Naked City de Debord, ao trabalho do artista deles à produção de conteúdo para um mapa, plástico Jorge Macchi, Buenos Aires Tour. formato que foge aos moldes do jornalismo pa- O acompanhamento desse trabalho foi, para drão, especialmente envolvendo a avenida que nós, uma excelente maneira de ingressar no mun- acreditavam já ter sido muito abordada, e sobre do configurado pelos usuários na avenida, per- a qual mencionaram terem esgotado o interesse. mitindo uma dupla aproximação: como pesqui- Para facilitar o contato e sensibilização dos sadora de temas semelhantes aos trazidos pelos alunos com o meio, foram introduzidos trechos alunos, pelo viés do desenho urbano; como pes- da Teoria da deriva e Introdução a uma crítica quisadora dos próprios alunos e suas percepções da geografia urbana, de Guy Debord. O mate- e atribuições de valor aos espaços da avenida. rial foi produzido pelo jornalista Breno Castro Concluída a atividade com os alunos, pude- Alves, pesquisador que participou da atividade mos retomar a investigação da avenida com “ou- no ano de 2012, e concebeu a ferramenta de in- tros olhos”, carregados dos relatos e impressões ternet Mapas de Vista que foi a plataforma uti- compartilhadas com eles. Isso se faz sentir nos lizada pelos alunos para compor e publicar seu comentários, imagens e impressões registradas mapa da Avenida Paulista na internet, no domí- em muitos dos ensaios que compõem nosso tra- nio <>. balho, como nas investigações sobre a região do Uma vez familiarizados com as idéias situacio- MASP, onde a apreensão, revelada pelos alunos,

19 de um espaço tão conhecido como o do vão livre usuária da via em meu cotidiano, como arquite- conseguiu nos surpreender. Menos surpreenden- ta pesquisadora e, finalmente, como professora, te foi o sentimento de rejeição e até mesmo de através dos olhos de meus alunos. Da mesma for- ódio que os estudantes manifestaram pelos mui- ma os ensaios que compõem o corpo do trabalho tos canteiros estreitos e muretas gradeadas na se apresentam (tão diversas as ocasiões em que avenida, que os impedem de se sentar e recos- foram produzidos); trata-se de uma compilação tar, como fazem na ampla escadaria de acesso de episódios independentes, que se comunicam ao prédio da faculdade que frequentam, um dos mas mantém autonomia e podem ser lidos sem únicos pontos da Paulista que ainda é farto em obedecer a sequência aqui exposta. assentos livres. Sem querer resumir, mas, sim, procurando Talvez possamos chamá-la de avenida das encontrar um fio condutor que permita, quan- contradições; nela convivem a estranha e te- do não relacionar os episódios que registramos merosa figura do lobisomem juntamente com o num conjunto homogêneo, pelo menos percor- animado e bem-humorado grupo do “Ôla”. Por rê-los coerentemente, alteramos o título do tra- sua vez, as intervenções que se fazem presentes balho para “Práticas e possibilidades na Ave- podem revelar atuações díspares: a denúncia nida Paulista”, sublinhando, assim, aquilo que pelo abandono na conservação da via pública achamos ser o ponto de chegada do trabalho: (o jogo de amarelinha ou o uso de curativos), ou a abertura de brechas para a transformação do a criativa e original recuperação da simbologia espaço-avenida. das esculturas nela presentes. Por essa razão, os relatos que se apresentarão a seguir, no corpo do trabalho, se mostraram sugestivos. Assim, o caminho que tomamos para a realiza- ção deste trabalho pode ser marcado pelas distin- tas vivências do mesmo espaço: como moradora

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Mi rante cegado 22 Vista do centro de São Paulo a partir do vão do MASP 23 Talvez por isso o vão livre do edifício do Mu- seu de Arte Moderna de São Paulo (MASP) seja ainda mais importante na paisagem urbana da via que conhecemos hoje, assegurando um grande respiro através do qual se pode ver mais longe, uma janela suspensa sobre o Vale do Sa- racura, córrego infelizmente oculto sob as pistas da Avenida Nove de Julho. A celebrada vista perdeu parte de seu encan- to principalmente em virtude do bloqueio do ho- rizonte, proporcionado pela descuidada ocupa- ção vertical dos terrenos ao redor, que suprimiu Vista do centro de São Paulo a partir do belvedere do Trianon, Avenida Paulista, em 1916. também as áreas verdes do vale, vistas na bela paisagem do cartão postal de 1916. O relevo peculiar que caracteriza a Avenida Infelizmente fenômeno semelhante pode ser Paulista – praticamente plana e localizada em visto por toda a cidade, conforme aponta An- uma das cotas mais altas da cidade – proporcio- gelo Bucci, em seu livro: São Paulo, razões de nou, durante décadas, o que foi um de seus maio- arquitetura. Realizando um passeio pela região 1. Benedito Lima de Toledo res atributos: a bela vista do centro de São Paulo. do centro antigo (ruas 25 de Março, Boa Vista, comenta: “Nunca encon- tramos explicação para a Ainda que essa qualidade tenha sido determi- Ladeira General Carneiro, entre outras), o autor origem do nome (do bairro) nante para seu traçado e prestígio, seu desfrute, redescobre um relevo quase secreto, ocultado Bela Vista, mas o panorama hoje, é inviabilizado pela maciça verticalização pela maciça ocupação urbana da área. Bucci que a Rua dos Ingleses da cidade, que “emparedou” toda a avenida e propõe reverter esse quadro, aplicando quatro oferecia pode ser uma 1 delas.” São Paulo três cidades entorno, bairro que de “Bela Vista” hoje só pre- operações poéticas, que consistem em mirar a em um século, p. 113 serva o nome. paisagem, transpor as cotas verticais, invadir

24 por cima, e infiltrar no subterrâneo do território da cidade2. Essas quatro atuações imaginárias têm como propósito central a formulação de hipóteses e a proposição de projetos de arqui- tetura e urbanismo, apoiados em argumentos completamente distintos dos que nortearam a ocupação dos espaços urbanos que se vê hoje. Em suas palavras:

Embora as imagens sejam “provocadas” por um dado

ambiente, vivenciado durante aquele percurso, uma vez No relevo recriado pela verticalização vê-se ao longe a Avenida Paulista formuladas, elas, imediatamente, fazem outro aquilo que as originou. Nesse processo, não há assimilações. Há, tações dos ambientes da cidade desenvolvidas isso sim, substituições ou reconstruções, que vêm menos pela Internacional Situacionista entre as déca- daquilo que nos é oferecido pela cidade – como um le- das de 1950 e 1960. Ao proporem um olhar lúdico gado urbano – do que daquilo que nos é negado por e criativo em seus trabalhos, o grupo de intelec- ela. Pois é exatamente essa falta que provoca a explosão tuais desenvolveu o conceito de psicogeografia, da imagem. Ela surge precisamente para ocupar o vazio. definida como “estudo dos efeitos exatos do meio 2. BUCCI, Angelo. São Ou seja, as “carências” assumem a função de motor, são geográfico, (...) que agem diretamente sobre o Paulo, razões de arquitetura, 3 elas que agregam sentidos no processo da imaginação comportamento afetivo dos indivíduos” , e seu p.114. projetiva. Nesse caso, a imagem é ação. exercício prático: a perambulação a pé pela ci- 3. KHATIB, Abdelhafid. dade, denomidada deriva urbana. Apropriamo- Esboço de descrição psico- Encontramos semelhanças entre essas qua- -nos desses conceitos e os utilizamos no trabalho geográfica do Les Halles de Paris, 1958. apud Apologia tro atuações imaginárias de leitura urbana pro- desenvolvido com os alunos participantes do da deriva. Paola Berenstein postas por Bucci e as investigações e interpre- Projeto M900, como ferramentas de aproximação Jacques (org.), p.80.

25 e sensibilização do grupo de estudantes com o oral da experiência de deriva. Quando questio- espaço da Avenida Paulista. nados sobre a ausência de elementos espaciais Após perambulação pela avenida, e sucessi- em suas descrições, a resposta geral foi que vas discussões em sala de aula, alguns alunos “jornalistas se interessam mais pela observação selecionaram o espaço do vão do MASP como das pessoas e dos fatos, do que pelo ambiente”.4 objeto de interesse. Observando e participando Tal juízo também se manifestou no desinte- de suas discussões, notamos a recorrência, pelos resse do grupo pela contemplação da paisagem alunos, do emprego de determinadas palavras e – nenhum dos estudantes mencionou ter olhado expressões na descrição do espaço, tais como: lo- para o parque Trianon, ou para fora do vão, e tação, trânsito, fila, arte, exposição, propaganda, a região do mirante, nas bordas da esplanada, parque, feirinha, galera, auê, canto, fotografia, foi considerada pelo grupo como parte de trás carros, pessoas, pedacinho da Paulista, espaço do museu, os “fundos” do MASP. Não sabería- público, pequenos acontecimentos, coisas boni- mos dizer se isso se deu devido à deterioração tas, acidente de carro, protesto, revolução, espa- da paisagem natural do vale, mas certamente a ço aberto, mosaico, interação. obstrução do panorama pela verticalização não O conjunto dessas palavras, mais do que ca- contribuiu para a valorização da vista. racterizar espacialmente o ambiente observado, O que mais chamou a atenção dos alunos em nos fala sobre a identidade, repertório e valores termos de espaço foi o próprio vão livre sob o dos jovens pesquisadores. Assim, seus depoi- volume elevado do museu. Essa área sombrea- mentos revelaram um grande interesse pela pre- da e coberta, que se comunica diretamente com sença humana e diversidade de usos do local, a calçada e a avenida, permite certo distan- em detrimento da atenção dada às característi- ciamento do movimento dos carros, e foi muito cas físicas específicas do espaço. Quando solici- valorizada pelos estudantes, identificada como 4. Alunos do projeto M900, relatos registrados em sala tados a desenhar o vão, os alunos se mostraram grande espaço de estar aberto a todos os tipos de aula, 2012. extremamente inibidos, optando pela descrição de grupos e atividades. O local foi visto como o

26 mais privilegiado para se “ver a vida passar” MASP já não é possível, mas a poda da vegeta- pela Avenida Paulista. ção que cresceu ali e hoje obstrui bastante a vis- A desvalorização do mirante e o deslocamen- ta já permitiria ver a Avenida 9 de Julho mais ao to do interesse público para o espaço do vão no longe. Outra possibilidade que aparece oportu- térreo do museu aparecem para nós como uma na seria a conexão da esplanada do MASP com oportunidade para repensar o espaço, visando o antigo mirante, construído sobre os túneis da 5. Falamos mais sobre a 5 seu aprimoramento. Avenida 9 de Julho , hoje bastante depredado, questão da transposição Recuperar a vista original da esplanada do mas cuja vista ainda se mantém interessante. vertical na área na pagina 94

27 À esq.: vista da Av. 9 de Julho a partir da escadaria do mirante sobre o túnel; acima, mal estado de conservação do mirante sobre o túnel da Av. 9 de Julho, hoje frequentado por usuários de drogas e moradores de rua.

Outro aspecto do vão do MASP que mereceria cipalmente para ampliar o uso do espaço pela reconsideração é a infraestrutura que o próprio população em todo tipo de rodas, de cadeiran- espaço oferece aos visitantes. Entendemos que tes a skatistas. pequenas alterações, tais como a oferta de assen- Se a menção a qualquer alteração no MASP tos na área coberta (ainda que somente durante nos soa como grave sacrilégio, é porque es- algumas horas do dia), bebedouros e banheiros quecemos do projeto original que concebeu a públicos certamente trariam mais conforto à po- esplanada como espaço público, demandando pulação. O próprio acesso ao vão poderia ser fa- para isso um generoso esforço de elevar um cilitado com a instalação de um pavimento mais grande volume do solo, conforme nos mostra o liso, não apenas para se adequar às demandas próprio desenho de Lina Bo Bardi. O desenho atuais por “acessibilidade universal”, mas prin- nos permite imaginar um grande espaço aber-

28 À esq.: efeito de mureta divisória proporcionado pela visão serial dos blocos de concreto agrava separação da calçada e museu; acima, desenho de Lina Bo Bardi ilustra multiplicidade de usos do vão livre do MASP

to e coberto, cujo piso permita todo tipo de uso as recentes intervenções que “discretamente” têm pela população. O exemplo já existe na popular limitado o uso do espaço, como a distribuição de marquise do Parque do Ibirapuera. biombos de vidro no acesso à bilheteria e escada Acreditamos que uma observação atenta do do museu, e a instalação permanente de blocos que é o espaço do vão, hoje, deveria orientar a de concreto beirando a calçada da avenida, o que intervenção no ambiente, assimilando novos há- agravou a separação entre o novo piso da Paulis- bitos e usos. Esse exercício nos parece uma refle- ta e o piso do vão do museu, distinção que foi mais xão ainda mais necessária, quando verificamos sutil no tempo do mosaico português...

29 identidade X transporte Visão da Paulista em 1902, com palacetes, árvores e bonde circulando (porção inferior esquerda).

É difícil imaginar a Paulista como uma ave- rápido panorama das transformações da aveni- nida centenária, sem a identidade cosmopolita da como um todo, e também revela suas conse- e dinâmica que hoje tão bem a representa; po- quências na modificação da própria identidade rém essa materialidade contemporânea é fruto da via para a população da cidade. de intensas transformações ocorridas ao longo O belo Álbum iconográfico da Avenida Pau- das décadas. Um dos aspectos que mais mudou lista, produzido por Benedito Lima de Toledo em foram os transportes. Acompanhar sua evolu- 1987, expõe uma avenida de casarões suntuosos, ção ao longo do tempo nos permite traçar um estilo de vida tranquilo e elitizado. Às fotografias

31 do álbum se complementam os relatos de outro 19608. No final dessa mesma década, se inicia a livro, o Anarquistas graças a Deus, no qual Zélia implantação de um grande projeto de reforma, Gattai relata sua infância passada na Alameda denominado “Nova Paulista”, que propôs rebai- Santos, no começo do século XX. A autora regis- xar as vias centrais de circulação de veículos, tra como a avenida era aristocrática e exclusiva, transformadas em vias expressas de conexão e como também era restrita a sua circulação: ininterrupta entre as regiões Sul e Oeste da ci- dade. O projeto visava equacionar o problema A alameda Santos, vizinha pobre da Paulista, herdava de saturação do trânsito, conforme explica o en- tudo aquilo que pudesse comprometer o conforto e o status genheiro Figueiredo Ferraz, que viria a ser pre- dos habitantes da outra, da vizinha famosa. Os enterros, feito da cidade entre 1971 e 1973: salvo raras excessões, jamais passavam pela Avenida Pau- lista. Eram desviados para a Alameda Santos, nela desfila- Situada no espigão que divide a cidade em duas áre- vam todos os cortejos fúnebres que se dirigiam ao Cemitério as distintas, é de se compreender que, para de uma área do Araçá, não muito distante dali. Rodas de carroças e se atingir a outra, ou se percorre ou se cruza a Avenida patas de burros jamais tocaram no bem cuidado calçamen- Paulista. Assim, um volume colossal de tráfego, que a ela to da Paulista. Tudo pela Alameda Santos! Nem as carroci- não se destina, dela se serve, para criar condições de nhas de entrega do pão, nem os burros da entrega do leite, tráfego insuportáveis. Por outro lado, o tráfego, que intrin- com seus enormes latões pendurados em cangalhas, um secamente lhe pertence e que deve alimentá-la, é bloque- 6. GATTAI, Zélia. Anarquistas, de cada lado, passando pela manhã muito cedo, tinham ado, sufocado. Como corrigir, então, tamanha distorção? graças a Deus, p.43. permissão de transitar pela Avenida.6 [...] Por um processo lógico de confrontos e eliminação 7. URSINI, Marcelo Luiz. sucessivos alcançou-se então a solução mais adequada, Entre o Público e o Privado, Mas em seus 122 anos a via sofreu grandes fruto de um trabalho grande. Assim, a Avenida Paulista, já p. 28. transformações; de bulevar com ares parisien- alargada, manterá suas pistas laterais para o seu tráfego 8. FRÚGOLI Jr, Heitor. Centrali- ses7, passou a eixo de circulação central da ci- local, com acesso fácil e desembaraçada movimentação dade em São Paulo, p. 121. dade, já bastante congestionado na década de junto às ruas transversais. Em nível mais baixo, uma via

32 expressa subterrânea, bidirecional, com seis faixas de trá- fego, acompanha o eixo da avenida Paulista [...].9

Figueiredo Ferraz justifica o projeto, descre- vendo uma avenida que, em menos de 50 anos, havia se transformado em um importante cor- redor de circulação da cidade. Seu discurso já não registra nenhum vestígio ou apego pelo simbolismo e atmosfera elitizada da avenida bulevar, descrita por Zélia Gattai. Polêmico, o projeto foi combatido intensamente pela ala conservadora do governo, que na época era controlado pelos militares. Heitor Frúgoli Jr.10 nos lembra que justamente por essa razão esse debate foi apenas parcialmente registrado pela midia, uma vez que a censura restringia a ação da imprensa, e o governo reprimia qualquer rea- ção eficaz da população às mudanças na aveni- da. Figueiredo Ferraz terminou exonerado de seu 9.FERRAZ, Figueiredo, 1970 cargo de prefeito11, e o projeto só foi parcialmente apud FRÚGOLI Jr., Heitor. implantado. A avenida foi alargada em toda a sua Op. Cit. p.123. extensão, mas o único trecho que teve suas pistas 10. FRUGOLI Jr., Heitor. Op. centrais rebaixadas foi o da região próxima às ave- Cit. p.125. nidas Rebouças e Doutor Arnaldo, conformando 11. FOLHA DE S. PAULO, 23 um amplo anel viário composto por túneis e pontes. Projeto Nova Paulista em execução, década de 1970 Agosto 1973.

33 Ainda que parcialmente implantado, o proje- Paulista pôde receber as novas elites capitalis- to “Nova Paulista” transformou completamente a tas e suas moderníssimas torres “inteligentes”: paisagem do antigo bulevar. Para dar lugar ao de vidro fixo, climatização artificial e planta amplo anel viário que conectou a Paulista com flexível. A avenida entra em uma nova fase de as avenidas Rebouças e Doutor Arnaldo, elimi- prestígio, volta a ostentar o título de cartão-pos- nou-se parte significativa das quadras na região tal da cidade, não mais como bulevar residen- próxima a Avenida Angélica e Rua da Consola- cial, mas como “coração financeiro do país”14. ção. Para hospedar as novas faixas de rolagem Em 1985, Ruth Verde Zein15 descreve, na re- da via alargada, desapropriou-se uma larga fai- vista Projeto, uma avenida que já se encontrava xa frontal de todos os lotes da avenida, eliminan- completamente transformada: “São 92 edifícios do com isso um grande número de árvores12 das em altura, incluindo-se os em construção, sem calçadas, e mutilando os dos palacetes e contar com os terrenos semivazios fechados por edifícios que compunham a paisagem ajardina- placas de alguma construtora.” Na crítica severa da que a via possuía até então. que a autora faz à avenida, ela a denomina de 12. Para ler mais sobre o As mudanças que o projeto Nova Paulista im- “versão cabocla e piorada da Quinta Avenida”. corte das árvores, ver p. 80 plementou, mais do que simplesmente corrigirem Ao avaliar seus edifícios, Zein lembra que gran- 13. SEGAWA, Hugo. Revista as “distorções” de seu tráfego, impulsionaram um de parte deles poderia estar “na Paulista ou em Projeto, n.78, p.64. novo processo de transformação no padrão de qualquer outra parte do mundo”; os novos pré- 14. SEGAWA, Hugo. Op. ocupação da mesma. Hugo Segawa13 nos conta dios seriam “adaptações intermediárias” de ar- Cit. p.65. que o aumento no preço do solo, consequente da quiteturas importadas e bidimensionais, “mistos 15. ZEIN, Ruth Verde. especulação imobiliária nesse período, se cons- de arquitetura ‘americana’, ‘carioca’ e ‘paulista’, Revista Projeto , n.78, tituiu em um processo tão elitizado e excludente híbridos em sua indefinição ou meio-termo”16. p.69-89. quanto a primeira ocupação da avenida pelas A crítica também se estende aos mal cuida- 16. ZEIN, Ruth Verde. Op. ricas famílias paulistanas, no final do século XIX. dos espaços públicos conformados pelas im- Cit., p.79. Uma vez alargada e modernizada, a “nova” plantações dos novos edifícios. Muitos deles são

34 claramente fragmentos resultantes da adoção te dos serviços consumidos por essa população, de “soluções apressadas”, que mal se adaptam composta em grande parte por funcionários de às condições dos lotes, “como aquele edifício na alto escalão de grandes empresas e estrangeiros esquina da Frei Caneca, que simplesmente dei- de passagem pela cidade, a negócios. xa sobrar a nesga de terreno torto que atrapa- No entanto o elitismo do ambiente vai começar a lharia o ângulo reto do paralelepípedo”17. Nesse se modificar seis anos depois da publicação do artigo mesmo artigo, a autora ainda avalia mal18 as de Ruth Zein, quando, no aniversário da cidade, em qualidades do espaço livre conformado pela 1991, o metrô finalmente chega ao subsolo da ave- praça de miolo de quadra do projeto Cetenco nida. O acesso facilitado aumenta significativamente Plaza, localizado na esquina da Paulista com a o volume de frequentadores da via, diversificando o Alameda Min. Rocha Azevedo. Hoje bastante perfil de seus usuários. Esse fenômeno é acompanha- frequentada, a praça foi vista na época de sua do por nova migração de parte das sedes de grandes inauguração como espaço “frio” e desolado, empresas para a zona sul da cidade (especialmen- conforme se lê na legenda das fotos tiradas no te para as avenidas Faria Lima e Engenheiro Luis local: “A desolada praça ‘nova-iorquina’, o im- Carlos Berrini). A ocupação dos edifícios da Paulista pério da rainha do gelo, um cenário de reflexos passa a se dar em maior parte por empresas meno- cambiantes”19. As considerações da autora e as res, voltadas aos setores do comércio e serviços20. Aos 17. ZEIN, Ruth Verde. Op. fotos compiladas nesse artigo de 1985 nos fa- poucos a avenida vai deixando de ser identificada Cit. p.79. zem imaginar uma avenida muito diferente do como coração financeiro da cidade, e começa a ga- 18. GUERRA, Abílio. cenário de hoje. O acesso à via, na época, era nhar ares de centralidade popular, com a instalação Quadra aberta, Revista mais restrito (o metrô ainda não circulava ali), e de centros culturais e shopping centers no local. Sua digital Vitruvius, 2011. seus novíssimos edifícios empresariais de luxo popularização é novamente alavancada em 2010, 19. ZEIN, Ruth Verde. Op. garantiam uma frequência de usuários mais eli- quando se inaugura a segunda linha de metrô que Cit., p.80. tizada do que vemos hoje. A grande concentra- passa pela via, ligando a avenida com as regiões Su- 20. FRÚGOLI JR., Heitor. Op. ção de hotéis e restaurantes na região fazia par- deste e Sudoeste da cidade. Cit., p.140.

35 36 Hoje, os horários de pico de trânsito já não se restringem às oito horas da manhã ou seis horas da tarde, nem são exclusivamente congestiona- mentos de carros. Multidões tomam as calçadas da avenida diariamente, também fora do horá- rio comercial, circulando a pé, por metrô, ônibus, bicicleta, patins e skates. Após a instalação da nova linha do metrô, apenas três anos já foram suficientes para impulsionar mais uma transfor- mação no ambiente da avenida em nova centra- lidade popular da cidade. Não mais firmada pelo capital financeiro, hoje, o que fica em evidência na Avenida Paulista é sua vocação para espaço de lazer da população.

Ao lado, horário de pico no metrô da Avenida Paulista, 2013.

37 surfistas urbanos “Num sábado à tarde, em meio a grande temporal, que se iniciara na véspera, surgiu em casa um rapazinho, empregado da “Alfaiataria Adônis”. Trazia um embrulho grande e fofo, pousado sobre os braços estendidos. Era um terno sob medida, que tio Guerrando, irmão mais ve- lho de papai, havia mandado fazer. Titio chegara havia pouco de Botucatu com a família, instalara-se na Consola- ção, abaixo da Alameda Itu. O calçamento da Consola- ção ia apenas até a Alameda Jaú. Em dias de chuva, da Alameda Jaú para baixo, a lama escorregadia impedia a descida de automóveis e ameaçava os pedestres de que- das espetaculares. Na impossibilidade de descer a Rua da Consolação, o rapazinho pedia que guardássemos o terno até parar a chuva (…)”21

O acontecimento narrado nesse fragmen- to foi presenciado por Zélia Gattai nas primeiras décadas do século XX, e registra a persistência histórica do problema das enxurradas nas ruas que cortam a Avenida Paulista. No alto do espigão, a avenida é o divisor de águas entre os rios mais importantes da cidade, que têm de coletar toda a água da chuva que desce violentamente por suas ruas impermeabilizadas. Por isso hoje muitas das 21. GATTAI, Zélia. Anarquis- ruas que cruzam a avenida trasversalmente se Escultura de vaca parece surfar em enxurrada formada na tas, graças a Deus. p.77.

39 Moradoras da região próxima à Paulista saem de casa de galocha, preparadas para as enxurradas

transformam em verdadeiras cataratas em dias de chuva, ou vai “vestida à carater”, o que inclui temporal, e as vias paralelas inundam ao recebe- capa de chuva, galochas e guarda-chuvas. Os rem todo esse fluxo de água que não consegue ser habitués já conhecem os percursos menos com- absorvido pelo solo recoberto da cidade. prometidos e navegam com mais habilidade Aos pedestres resta criar o que Michel de Cer- pelas ruas alagadas do que os passantes even- teau chamou de “estratégias”22 para conviver tuais. O comércio da região tenta contornar o

22. CERTEAU, Michel de. A com as enxurradas. Antecipando o problema, a prejuízo da falta de pedestres nas ruas, ofere- invensão do cotidiano, p. 99. população local evita sair para a rua em dia de cendo acessórios para chuva de todas as cores

40 e “estilos”, prática repetida pelos vendedores virtude do congestionamento. Irritados, os motoris- ambulantes de guarda-chuvas, que se multipli- tas reclamam do trânsito, dos alagamentos, buzi- cam nas calçadas durante os meses mais úmi- nam, avançam sobre as faixas de pedestres e sobre dos, atendendo a todos os públicos e temporais. os sinais vermelhos, agravando o problema. Mas a Poupada das inconvenientes enxurradas por chuva é uma ocorrência natural, que se impõe so- se localizar no topo do espigão, a Avenida Pau- bre a ação humana; é algo que precede a cidade e lista vai sentir as consequências das chuvas no existirá além dela. Não sendo seu manejo e coleta trânsito de veículos: o alagamento das ruas que encarados como uma prioridade no aprimoramen- circundam a via rapidamente provoca sua satu- to do meio urbano, suas águas continuarão a ensi- ração, de onde os carros não conseguem sair em nar sua lição em toda nova temporada.

41 Cruzamento da Avenida Paulista com após um temporal desligar os semáforos;

42 43 cemitério de bitucas Fumar, só do lado de fora. Lei estadual 13.541 de 07 de maio de 2009

A cena se repete ao longo de toda a avenida: pes- jogá-las no lixo pode incendiá-lo, e destacam a soas fumando na calçada ou dentro dos carros e, ausência de cinzeiros públicos nas vias, inexisten- naturalmente, jogando os restos do cigarro na via. tes até mesmo nos “fumódromos” – lugares reser- Quem olha para o chão, ao caminhar pela vados para fumar. O resultado dessa prática é o Avenida Paulista, vê se amontoarem centenas acúmulo de restos de cigarros por toda parte. de bitucas de cigarro nas calçadas, sarjetas e Alguns condomínios na avenida constataram até nos canteiros de plantas. A situação parece o problema e instalaram cinzeiros na calçada23. ter piorado após 2009, quando se tornou proibi- Aos poucos essa iniciativa se espalhou e hoje é do fumar em espaços fechados de uso coletivo, possível encontrar cinzeiros de todo tipo em fren- empurrando os fumantes para as ruas e calça- te aos edifícios, atendendo à sua população e a 23. HIRT, Jeferson Ulir. das da cidade. Nada justifica jogar as bitucas quem passa. Parte dos cinzeiros, porém, é mó- Apague seu cigarro aqui, no chão, mas muitos fumantes argumentam que vel e privada, por isso, em sua maioria, só se Revista digital P900, 2011.

45 apresenta disponível nas calçadas da avenida durante a semana, em horário comercial. De- pois desse horário, muitos equipamentos são recolhidos pelos prédios, que temem seu roubo. É como se, após às 18:00 horas, fique “liberado” jogar bituca de cigarro no chão da avenida! Encontramos também um cinzeiro público artesanal e permanente, amarrado em um dos postes da avenida. Doado pelo grupo “o bitu- queiro pet”, o objeto foi realizado a partir da re- ciclagem de garrafas PET. No blog do grupo24, se explica o objetivo do cinzeiro de

(...) conscientizar as pessoas que jogam suas bitucas de cigarros no chão, diminuir a quantidade de bitucas que poluem o solo e a água da cidade de São Paulo e, principalmente, pressionar as autoridades responsáveis pela saúde pública e meio ambiente a tomarem medidas imediatas sobre essa questão.

A modesta dimensão de uma bituca (cerca de meio grama) esconde as grandes dimensões do pro- blema que provoca, sendo lixo de difícil tratamento e

24. Blog O bituqueiro Pet, grande poluência. Dados coletados a partir de uma

2011 Bituqueira de garrafas pet pesquisa conduzida por Aristides Almeida Rocha e

46 Mário Albanese, nos laboratórios da faculdade de Saúde Pública da USP, registram que,

se cada um dos 8 milhões de fumantes do Estado de São Paulo consumir meio maço de cigarros por dia, ao fim de 24 horas o meio-ambiente do Estado recebe uma carga de 40 toneladas de resíduo, formado por filtro, papel e tabaco.25

Segundo Albanese, presidente da Associa- ção de Defesa da Saúde de Fumante (ADESF), uma experiência simples, de mergulhar 20 bi- tucas de cigarro em um recipiente com 10 litros de água, permitiu concluir que apenas duas bi- tucas de cigarro geram uma poluição que pode ser igualada à de um litro de esgoto doméstico. ONGs, blogs, médicos, associações de con- domínios, e até um personagem fantasiado de “cigarrão” já circularam e varreram as calça- das, para mostrar à população o grande volume desse tipo de lixo que se acumula na via, e aler- 26 tar que esse “micro lixo é mega problema”. 25. Coordenadoria Estadual

De tão chamativo, o problema das bitucas Antidrogas, 2008. também despertou a atenção dos alunos do Pro- 26. BOCK, Bruno. Coletivo jeto M900. Eles relataram que, após iniciarem a Bituqueira ecológica Lixograma, 2009.

47 participação no projeto e realizarem uma deriva suas estratégias para tentar solucionar o proble- atenta pela via, as bitucas acumuladas nas cal- ma, depositando as bitucas em certos lugares con- çadas, nunca antes notadas, passaram a causar sagrados, onde a infração teria menor gravidade: grande incômodo: “-Você tem cemitérios de bitucas na Paulista, como esse -Eu tentei fazer a deriva mas foi um pouco irritante na frente do prédio da Fundação, aqui no número 900. pra mim porque eu acabei focando demais...A primeira Você tem cemitérios de bitucas clássicos aqui...existem pessoa que eu vi jogando uma bituca de cigarro, foi porque supostamente é mais civilizado você jogar na plan- como uma visão em “câmera lenta”, sabe? tinha do que no chão. Então se não pode jogar no lixo, ou Eu comecei a olhar pra todo mundo jogando a bitu- no lugar onde a bituca deveria estar, você tem o cemitério ca de cigarro no chão! de bituca. É como um lugar intermediário, como um “lim- Isso me irritou muito, é muita gente jogando bituca bo”, entendeu? no chão ao mesmo tempo, ninguém se toca. Isso me -Seria aquele canteiro ali na entrada. As pessoas sen- chamou muito a atenção, prejudicou minha deriva. tam nele, mas ele é desconfortável porque sua mureta é -Tem umas esculturas com bitucas de cigarro... no inclinada, não pode sentar, mas você senta! Você termina conjunto Nacional formam um grande cigarrão. de fumar e joga, você não valoriza tanto aquele canteiro.” -…quando você não cuida de um lugar, você não sente ele como seu, você descuida dele, taca a bituca Os relatos dos alunos trazem à tona, entre ou- no chão. tras coisas, a dificuldade de encontrar um lugar -É! Tipo: “qualquer um faz xixi aqui, isso aqui não na avenida para se acomodar com conforto e fu- é meu”. mar um cigarro. A justificativa para o mal uso de um canteiro, transformado em cinzeiro, é dada A discussão avança, e os alunos fumantes rela- pelo desconforto que a mureta provoca em quem tam sua dificuldade para descartar os cigarros fu- deseja ali se sentar. O desenho da mureta que mados nas calçadas da Paulista. Revelam também expulsa o usuário provoca raiva e desleixo em

48 relação à manutenção do elemento e do espaço. Herman Hertzberger ensina a projetar o con- trario, em seu livro Lições de arquitetura. Se- gundo o autor, a linguagem arquitetônica deve favorecer o uso e o consequente sentimento de identidade do público com o espaço. É através do uso que o “usuário” pode desenvolver afe- to e responsabilidade pelos espaços e lugares, provocados pela sensação de posse e pertenci- mento27. Acreditamos que esse tipo de concep- ção possa ser bem aproveitável na revisão do desenho do mobiliário e dos canteiros públicos da Avenida Paulista.

27. HERTZBERGER, Herman.

Lições de arquitetura. p. 27.

49 caverna do automóvel 50 51 complexo viário, se tornou uma ilha separada do entorno, cujo acesso continua difícil quase quatro décadas após sua implantação29. Penetrando no trecho rebaixado da avenida, na região da Rua Haddock Lobo, encontramos um espaço ainda mais isolado. Conhecido como “buraco” da Paulista, o local hoje apresenta difí- cil acesso aos pedestres, e concentra usuários de drogas e moradores de rua. Toda a extensão do complexo viário se con- formou em um espaço muito diferente do que é Vista aérea do complexo viário interligando a rua da Consolaçãoavenidas Paulista e Rebouças, déc.1970. a Avenida Paulista. Seu trecho rebaixado é um dos únicos locais da via onde quase não se vê a circulação de pessoas, e foi assim concebido, Igor Guatelli explica que, em São Paulo, para passagem exclusiva de automóveis. Hoje, “Os viadutos têm como função aproximar pontos apresenta paredes inteiramente revestidas por distantes, mas acabaram desarticulando espa- grafites e pichações, grandes áreas onde o sol ços próximos”28. Foi exatamente isso que aconte- raramente consegue penetrar. É mais um espaço ceu com a região final da Avenida Paulista, após fragmentário da cidade, criado por uma grande a implantação de parte do Projeto Nova Paulis- obra de infrestrutura, que acabou degradado e

28. GUATELLI, in ta, que retalhou suas quadras originais para dar considerado ambiente hostil e perigoso.

DIMENSTEIN. Folha de São espaço a um grande complexo viário que liga a Carla Caffé, artista plástica cuja formação em

Paulo, 12 Setembro 2007 Paulista às Avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo. arquitetura transparece em seu trabalho forte-

29. Folha de São Paulo, 12 Cercado de vias expressas por todos os lados, mente ligado à paisagem urbana, expressou seu

Junho 1972. o pequeno quarteirão que sobrou, no centro do olhar desenhando o local em 2009, para seu livro

52 Avenida Paulista, e revelou um interesse particu- Essas impressões de medo combinado à curio- lar pelo espaço, em relato que fez ao pesquisador sidade também apareceram nos diálogos dos 30 Leandro F. Gonçalves , em 2010: alunos do Projeto M900, registrados durante dis- 30. GONÇALVES, Leandro

cussões em sala de aula. Essa parte da avenida F. O estudo do lugar sob

“Eu vejo o Buraco dos grafiteiros como um óculos de foi chamada por eles de “espaço de transição”, o enfoque da Geografia 31 natação que dá vontade de colocar. Acho o lugar mais “caverna do automóvel” e “não lugar” . Um úni- Humanista., p.185.

pop, mais legal da cidade de São Paulo. Para mim, sem- co estudante, vinculado à area de design, mani- 31. O conceito de não-

pre foi o lugar mais emocionante. Ele é super perigoso, festou uma visão mais positiva do túnel. Frequen- lugares foi introduzido aos

mas, mesmo assim, eu me enfio dentro dele... Tem muito tador diário do local, por onde passa de bicicleta alunos do M900 conforme

trânsito e uma moçadinha meio barra pesada lá dentro, a caminho do trabalho, não o vê como ambiente elaborado por Marc Augé no

mas, mesmo assim eu encaro” ameaçador, acredita que ele possui personalida- livro Não-Lugares, p. 73.

53 de e qualidades de galeria de arte, que poderia “galeria de arte” pública, cuja visitação, hoje, se inclusive abrigar uma feira: dá quase exclusivamente via automóvel; ele po- deria ser convertido em um espaço de parada, - Posso propor uma coisa? Ao invés da gente só expor que oferecesse melhores condições para o contato o problema, não dá pra gente fazer uma coisa mais enga- direto da população com as obras. jada e dizer que é um não-lugar, mas tem o potencial para No entanto, olhar apenas para o espaço, sem ser alguma coisa mais do que isso. considerar a população que o habita, seria uma - Mas o que você acha que poderia ser? análise apressada. Qualquer intervenção, ali, - Assim como esse túnel pode ser uma tela de grafite, de que trate como secundária a questão dos mora- repente pode dar espaço pra uma feira, alguma outra ação dores de rua e usuários de drogas que habitam ali embaixo. o local seria irresponsável e extravagante. Como - Uma galeria... é a recente instalação de luzes azuis33 em túneis da cidade, cuja justificativa de “embelezamento O interesse do estudante pelo local também público” e criação de “referências urbanas” mas- é nutrido por grafiteiros e pichadores, que reco- cara uma política de repressão à permanência e nhecem ali um dos primeiros pontos importantes abrigo dessas populações nesses espaços, mas de manifestação dessas atividades na cidade. A não enfrenta o problema social de frente. prática, antes considerada ilegal, hoje alcança o estatus de arte urbana32, expondo, no buraco, Sobre essa nova iluminação, os alunos do Pro-

32. AGUIAR, Ione Dias. Do consagrados painéis que recebem manutenção jeto M900 se expressaram com ironia:

Buraco da Paulista ao MASP. eventual da prefeitura.

Revista digital P900, 2011. Esse interesse pelo espaço por diferentes grupos, - Deve ser muito legal você passar a noite inteira ali

33. CAPRIGLIONE, Laura. especialmente ligados às artes, pode nos levar, em numa daquelas...chapado.

Cidade boate. Folha de São um primeiro momento, a considerar interessante - Ali não é um morador de rua, é um morador em situ-

Paulo, 20 de agosto 2012. a idéia de investimento no aprimoramento dessa ação de balada!

54 Entendemos que o tema do problema social convoca uma reflexão muito mais profunda e aparatada do que nossa breve discussão sobre o manejo do anel viário da Paulista, mas en- contramos inspiração em um pequeno projeto de Igor Guatelli34, proposto para um espaço de baixio de viaduto, localizado no bairro da Bela Vista. Seu projeto prevê a utilização do espa- ço como uma academia de boxe, programa que responde às demandas da população local sem fórmulas prontas, encorajando uma reflexão verdadeira sobre problema social existente ali e, partindo dele para conceber as hipóteses de solução da ocupação do espaço. A reflexão que esse tipo de projeto preconiza poderia servir de referência para iluminar a discussão sobre o destino do sombrio buraco da Paulista.

Iluminação decorativa instalada nos túneis da cidade impede população de rua de permanecer no local.

34. GUATELLI, in DIMEN-

STEIN. Folha de São Paulo,

12 Setembro 2007

55 toca de lobisomem Assim como a “ilha” da Paulista35, outro tre- cho da avenida cujo ambiente se distingue com- pletamente do resto da via é o Parque Tenente Siqueira Campos, conhecido como Parque Tria- non. Ao atravessarmos seu portão de entrada, é a paisagem natural que passa a dominar. Sabe- mos que estamos na Avenida Paulista, mas nos sentimos em outro lugar, protegidos e alheios à intensa movimentação externa. São duas qua- dras inteiramente cobertas pela vegetação, ocu- pando uma área de 48.600 metros quadrados no coração da avenida, bem de frente ao MASP. Sua densa vegetação lhe confere sombra cons- tante e temperatura amena, o distinguindo in- tensamente do entorno. Acima, parque Trianon se destaca na paisagem da Paulista Talvez em razão desse contraste com a at- mosfera da avenida, ou o isolamento do gradil e a aparente escuridão da mata, o fato é que o parque parece pouco convidativo e visitado pela população que circula na avenida. A pou- ca integração com as atividades cotidianas rea- lizadas na via desvincula o parque da imagem 35. Para saber mais sobre tradicionalmente associada à Avenida Paulista a ilha, consulte episódio como local de trabalho e agitação. sobre a caverna da

Essa percepção do local se verificou na falta Paulista, p. 50

57 de interesse dos estudantes do Projeto M900 pelo a degradação de seu valor, ocasionada pelas parque. Nenhum dos alunos, ao longo dos três transformações sofridas com o passar do tempo. meses de atividade de leitura e debate sobre os O desenho foca em uma grande bifurcação de espaços da avenida, se lembrou de mencioná-lo, caminhos, insinuando o desconhecimento do exceto um dos rapazes que comentou ter procu- que está por vir, uma possível referência ao fu- rado o local para “tirar um cochilo”, sendo repre- turo do parque, e também à sua atmosfera de endido por vigilantes. O local não atraiu somen- mistério e ameaça. te o aluno para “curtir” o sono; histórias contam Sobre o clima de intimidação que ronda o lo- que o parque foi habitado durante muitos anos cal nos fala o escritor e morador da região José por um ilustre bicho-preguiça, que, segundo Luis Arrabal, em depoimento37 ao pesquisador Lean- Gê36, na década de 1960, causava furor entre a dro Gonçalves: meninada moradora da vizinhança. Percebemos certa nostalgia no desenho de O Parque Trianon é um negócio muito engraçado, por- Carla Caffé, único trabalho em preto e branco que, ao mesmo tempo em que tem um pessoal fazendo a integrar seu livro Avenida Paulista. Além da exercícios pela manhã, tem os garotos de programa que ausência de cores, o desenho mostra elementos fazem ponto lá durante o dia, dentro e nos arredores. En- que remetem à memória histórica do sítio: uma tão, me dá a impressão de que são dois parques: um que luminária antiga e a ninfa Aretuza esculpida por é ponto de prostituição e outro que é o dos velhinhos que Francisco Leopoldo da Silva aparecem discreta- vão lá pra se exercitar ou passar o tempo. Eu acho que o

36. GÊ, Luis. Avenida mente no canto inferior direito. A presença, no Parque Trianon tá ligado a uma aura de ameaça por con-

Paulista. p.6 desenho, de elementos do passado, quase sub- ta da prostituição que ronda aquele lugar. Sinceramente,

37. GONÇALVES, Leandro mersos pela densa mata que constitui o parque eu prefiro ficar sentado dentro do Conjunto Nacional a

F. O estudo do lugar sob de hoje, conforma um campo simbólico carre- ficar no Parque Trianon. o enfoque da Geografia gado de significados particulares, relacionando

Humanista. p.187. as memórias do local e suas permanências com

58 Parque Trianon: único desenho sem cores do livro de Carla Caffé sobre a Av. Paulista

Seu relato ganha interesse particular, quan- gica que circula pelas noites da Avenida Paulis- do considerado junto ao livro de contos infanto- ta, se misturando a motoboys, ciclistas, taxistas, -juvenis que escreveu, intitulado O Lobisomem boêmios, transformados todos em parte de um só da Paulista. No conto, que dá nome ao livro, o universo fantástico: autor narra a história de uma criatura mitoló-

59 São poucos os que ousam negar a sua existência. Al- mesmas madrugadas de calor e tempo seco ronda ainda guns fogem do assunto. Muitos são os que afirmam ouvir o calçadão do outro lado da avenida e se mistura à mo- o seu uivo intenso, ora em alguma esquina, canto da Bela çada na agitação dos bares. Tem vez que vai à Itu, à Cintra, quarteirão da Itapeva ou na Carlos do Pinhal, sem- Lorena, à Oscar Freire. Até mesmo vai além, sem meter pre em madrugadas quentes já sem passantes nas ruas. qualquer temor. Há, porém, os que advertem que se tra- - É um uivo de coiote, longo, vibrante, vivo, que nem ta de animal sempre bravo e peludão. Que numa noite sirene noturna. Não é uivo de assustar – quem escuta de chuva, furioso, ele atacou uma jovem solitária numa tranquiliza. Nas noites de forte chuva, sua sombra e seu travessa que leva à Praça XIV Bis. Que de outra feita cer- latido acompanham a travessia, no percurso do metrô que cou e pôs em fuga apressada, perto do amanhecer, todo vem da Consolação e alcança o Paraíso. Metroviários, um bando de rapazes no pátio detrás do Masp. Ciclistas contudo, tratam de desconversar quando são interroga- da madrugada contestam essas histórias que consideram dos a respeito desta história. Mas, não procedem assim maldosas, tudo perversa invenção, calúnia por covardia. os seguranças de empresas e os porteiros dos prédios, Confirmam que o lobisomem, com seu corpo de Fila, em trabalhadores da noite na região da Paulista. Garantem e boa paz, animado, acompanha os que seguem pela pista não desmentem os estranhos comentários que circulam na da avenida guiando suas bicicletas. Entregadores de piz- avenida. Os taxistas antigos, (...), sem temor e acostuma- za nunca se incomodam. Muitos despreocupados falam dos, falam para os turistas do cachorrão que acompanha das tantas vezes que viram o lobisomem no decorrer da os automóveis que passam na Alameda Casa Branca. Paulista. Outros o ignoram, sem ter o que assuntar. Fato ou Fazem dele uma atração. Já os novos no volante evitam mito, o que acontece gera sempre controvérsia, seja medo o tal trajeto, onde vão a contragosto mal começa a escu- ou destemor entre a crença e a descrença.37 recer. Há também os que asseguram que no verão esse 37. ARRABAL, José. O cão percorre bem sossegado as calçadas da Augusta, Mais do que a historinha divertida, nos Lobisomem da Paulista e num tranqüilo vai-e-vem entre a Luis Coelho e a Peixoto interessa a narrativa fantástica como forma de outras aventuras para o ano Gomide. Sem perturbar os boêmios, costuma satisfazer- revelar valores simbólicos e imaginários consti- inteiro. p. 13-14. -se com pedaços de pão e a carne que lhe dão. Nessas tuídos. O personagem protagonista, convertido

60 na criatura mitológica do lobisomem, com seus atributos viris de fera, mas de bom coração, pa- rece-nos um subterfúgio literário utilizado pelo autor para falar nas entrelinhas das minorias que frequentam a região. O mito do lobisomem do Trianon nos remete diretamente às histórias dos garotos de programas que trabalham no parque e imediações, e a presumida atmosfera ameaçadora que sua presença provocaria, fato lembrado no relato do autor. A ocorrência de prostituição homossexual em uma região tão valorizada está longe de ser um fato isolado ou uma prática aceita. Enquanto as famílias de altos extratos sociais que ali moram evitam o assunto (e as ruas que circundam o parque), de tempos em tempos assistimos tristes ocorrências de violência contra homossexuais irromperem nas calçadas da Avenida Paulista. A escolha da avenida como palco das agressões não é gratuita – atribui notoriedade automática aos atos, propagando a violência que, infeliz- mente, é vista por muitos intolerantes como dis- positivo de controle e repressão de práticas que consideram moralmente condenáveis.

No entanto, a permanência longeva da prá- Grafite em túnel da Paulista em que um dos lutadores de sumô faz lembrar a figura de um michê

61 tica de prostituição no local, há pelo menos três O homem consome a carne do próprio homem décadas, comprova uma indiscutível existência prazerosamente, mas também destrutivamente, de demanda pelos serviços. Em 2007, reporta- em um “agenciamento específico, singular, onde gem da Folha de São Paulo38 classificou a região o desejo – enquanto engeneering de fluxos mo- do Trianon como o “filé mignon do mercado do leculares – põe em movimento um dispositivo so- sexo”, revelando que os garotos de programa co- cial. A prostituição viril participa de uma dupla meçariam a ocupar a disputada área diariamen- condição: é simultaneamente produção desejan- te, a partir das 18:00h, para atender aos engra- te e produção de bens – já que o corpo é tomado vatados trabalhadores da Avenida Paulista. como mercadoria, reintroduzindo, assim, pulsões Tentando se afastar do viés moralista ou nor- perversas que ‘escapam’ pelos poros ou ‘pontos matizador da conduta social, é importante consi- de fuga’ do socius na ordem do capital.”39 derar a ambiguidade inerente a qualquer forma Este deve ser o paradoxo mais amargo do de prostituição, não apenas a homoerótica. Se “negócio do michê”: a monetarização que trans- por um lado a atividade pode apresentar aspec- forma paixões em negociatas e corpos em mer- tos destrutivos, associados à venda de sexo, ela cadorias. Mesmo uma sociedade guiada pelo também responde à satisfação dos prazeres e de- capital não isenta o “bom negócio” da pros- sejos que estão presentes e circulantes em qual- tituição da mão pesada do julgo social, cuja quer sociedade, se apresentando como um ponto manifestação de reprovação pode se sentir em de fuga de expressão e satisfação de anseios que ocorrências simples, como, neste caso, o esva- 38. RIPARDO, Sérgio. podem não encontrar outras oportunidades de ziamento do Parque Trianon, até condenáveis Michês do Trianon. Folha serem consumados dentro da ordem social em atitudes de violência contra expressões de afeto de São Paulo, 17 Outubro que nos situamos. entre pessoas de mesmo sexo, ambas consequ- 2007. Voltemos, neste ponto, ao título deste fragmento, ências equivocadas e injustificáveis. 39. PERLONGHER, Néstor. que nos fala do mito do lobisomem. O lobisomem O negócio do Michê. p. 257. do Trianon assume aqui o papel do lobo do homem.

62 63 arte pública para qual público?

64 Traçada com inspiração nos bulevares importância com uma profusão de outros marcos franceses40, a Avenida Paulista foi concebida visuais44, e capturar a atenção de populações mui- para ser vista de perto, em um tempo em que to diversas que passam pela avenida diariamen- seus observadores passavam devagar, podendo te, com diferentes origens, repertórios e interesses. desfrutar de detalhes, monumentos e esculturas, Pensemos na valorização que Aldo Rossi atri- ali dispostos para enaltecer sua importância. É bui a esses elementos na cidade, em seu livro A interessante observar o pouco prestígio que des- arquitetura da cidade, de 1966. O autor resgata frutam esses elementos na cultura e usos popu- sua função de guardiões da memória coletiva, lares da atualidade. As obras de arte urbana usados no passado para legitimar cultos e estru- da avenida, elementos tradicionalmente enten- turas de poder, registrando e eternizando momen- didos como solenes e referenciais na paisagem, tos e personagens heróicos, ou resgatando ideais 40. URSINI, Marcelo Luis. são impregnadas de memórias e discursos histó- e rituais cívicos. Para ele, esses elementos seriam Entre o público e o privado. ricos41; mas que sentidos conservam ou reintro- fundamentais na construção do que chamou de p. 28. duzem em meio às transformações modernas da locus45 urbano, conceito que não se confunde com 41. ROSSI, Aldo. A ar- via, convivendo e competindo com outras formas o conceito de lugar, entendido como espaço físico, quitetura da cidade. p.147. de expressão e manifestações contemporâneas? e se traduz na espessura simbólica do lugar46. 42. CULLEN, Gordon. Gordon Cullen42 e Kevin Lynch43, nos idos Assim como o personagem Carlitos, no filme “Lu- Paisagem urbana.p.25. anos 60, se referiram a uma primeira função prá- zes da cidade”, também não conseguimos entender 43. LYNCH, Kevin. A tica desses elementos na cidade, que é a de au- imagem da cidade. p. 53 xiliarem nossa orientação no espaço, vistos como 44. CANCLINI, Néstor G.. marcos referenciais na paisagem, ocasionando Culturas híbridas. p. 291 convergência focal, e utilizados também como 45. ROSSI, Aldo. Op. Cit. pontos de encontro e aglutinação de pessoas. p.147. Questionamos se tal função ainda se aplica às 46. FREIRE, Cristina. Além esculturas da avenida, tendo elas que disputar dos mapas. p.145.

65 ou louvar a memória que esses ícones do passado sional, vira só fachada, como em um outdoor. representam, não atribuimos o mesmo valor que os Para conseguir enxergar e significar, o sujeito autores acima atribuem às esculturas urbanas. contemporâneo teria que aprender a olhar com Marc Augé nos ajuda a entender essa insen- olhos estrangeiros, que em tudo vê novidade e, sibilidade contemporânea. Segundo o autor, não por isso, demonstra interesse. mais dispomos de tempo ou repertório para con- Implantadas em uma avenida concebida templar as obras de arte do passado, porque vi- como bulevar, repensada como autopista rebai- vemos em um momento de extrema aceleração xada, e transformada em corredor de lazer pela da história. Essa aceleração é sentida através população, as antigas estátuas da Paulista hoje da superabundância factual a que somos sub- parecem invisíveis para a maior parte de seus metidos nos dias de hoje47. Vivemos mais anos, frequentadores. No entanto, Giulio Carlo Argan convivemos com mais gerações, e temos acesso nos ajuda a lembrar que esses elementos ainda a novas tecnologias da informação, que nos per- apresentam algum valor para a população, ain- mitem ter contato com mais acontecimentos his- da que distinto do original: tóricos relevantes. O excesso de informações não nos permite nem atribuir sentido a tudo, nem pre- (...) as gerações que nos precederam construíram mo- servar a memória de fatos passados, esvaziando numentos, palácios, catedrais, que até hoje constituem de sentido seus ícones, monumentos e demais re- dados, condições, limites para o planejamento urbano. presentações históricas. Mas (...) os antigos construíram esses edifícios para as A velocidade que nos encanta, também nos suas exigências, não para as nossas – e sem dúvida cons- cega, ao nos afastar da compreensão. Assim con- truíram-nos sólidos e imponentes para que permanecessem corda Nelson Brissac em diversos de seus textos. no futuro, mas com a idéia de que permanecessem eter- Em O olhar do Estrangeiro, o autor reflete sobre namente válidos os valores que esses edifícios deveriam

47. AUGÉ, Marc. Não- a cidade experimentada sob o impacto da velo- representar. (...) Trata-se, enfim, de uma herança, não de

Lugares. p. 27. cidade, que não possui aderência, é bidimen- um planejamento. Se conservamos esses monumentos, o

66 fazemos porque esta é uma exigência da nossa cultura, memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais tanto assim que atribuímos a eles um significado completa- se revitalizem graças à propaganda ou ao trânsito: conti- mente diferente daquele para o qual foram construídos.48 nuam lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles. (…) Sem vitrinas nem guardiões que os protejam, Acostumados que estamos com nossos cená- os monumentos urbanos estão felizmente expostos a que rios cotidianos, pouco percebemos e valoriza- um grafite ou uma manifestação popular os insira na vida mos seus elementos. Mas o que aconteceria se contemporânea. Mesmo que os escultores resistam (…) a esse patrimônio artístico fosse subitamente mo- fazer heróis de manga curta, os monumentos se atualizam dificado? É o que o artista plástico Christo faz por meio das “irreverências” dos cidadãos. ao “empacotar” célebres edifícios, monumentos, Grafites, cartazes comerciais, manifestações sociais e pontes, e até ilhas. Suas intervenções estimulam políticas, monumentos: linguagens que representam as prin- o desenvolvimento de uma nova consciência da cipais forças que atuam na cidade.49 realidade e da história. Elas reaproximam a po- pulação das obras, propiciam redescobertas e Analisamos algumas intervenções criativas e novos processos de apropriação e significação, não destrutivas ocorridas nas estátuas da Ave- nos lembrando da importância de sua nature- nida Paulista durante os período de 2008 a 2012. za “pùblica”, isto é, se encontram ao alcance Escolhemos ações que utilizaram o humor como e apreciação de todos. Sobre a importância da forma de manifestação, e conseguiram chamar a disponibilidade pública das obras de arte, Nés- atenção da população e mídias tanto às obras de tor Canclini é incisivo ao afirmar: arte, quanto à mensagem a ser transmitida pela 48. ARGAN, Giulio

intervenção. A escolha das esculturas como su- Carlo. História da Arte como

Enquanto nos museus os objetos históricos são subtra- portes a todas as intervenções analisadas, e a re- História da Cidade. p.226.

ídos à história, e seu sentido intrínseco é congelado em percussão que estas provocaram, revelaram que Grifos do autor.

uma eternidade em que nunca mais acontecerá nada, os essas obras ainda guardam importância simbó- 49. CANCLINI, Néstor G.Op.

monumentos abertos à dinâmica urbana facilitam que a lica para a população. Cit. p.301.

67 I. Praia Paulista Em evento denominado “Praia na Paulista”, re- alizado em 22 de Setembro 2012, na Praça do Ciclista (próximo à rua da Consolação), o mo- numento a Francisco Miranda, ali localizado, foi vestido com traje de banho semelhante ao dos participantes do evento. Em seu duro embasa- mento de pedra, foram expostas mensagens de estímulo ao uso de meios de transporte coleti- vos: “Eu vou de busão/bike/metrô/ no dia mun- dial sem carro”: pregando também o afeto e a convivência: “Eu vou de amor/respeito/cachi- nhos/óculos no dia mundial sem carro”. Ao final do dia, como ditam os bons modos na praia, as barracas foram desmontadas e o lixo ensacado. A canga e as mensagens foram re- tiradas da estátua sem deixar vestígio ou dano. Uma horta foi plantada no canteiro, aos pés da estátua, e sobreviveu durante alguns dias em meio à avenida.

II. Ex-pescador, hoje ciclista A escultura do Índio Pescador, obra de Francisco

Canga veste escultura em dia de praia na avenida Leopoldo e Silva, que mora em um laguinho na

68 Praça Oswaldo Cruz, foi reposicionada pela prefei- tura e teve sua lança roubada há muitos anos atrás, transformações que Luiz Gê registrou na introdu- ção a seu livro de histórias em quadrinhos Aveni- da Paulista: “(...) Olavo Setubal arrasou a pracinha do índio jogando-o para um canto onde ele, já sem lança, passou a ficar por ali mesmo, jogando da- dinho ou, talvez, todo o lixo que transborda de um tanque seco, feio e sujo. Era o “pogresso”50. Em iniciativa de um grupo de ciclistas, foi co- locoda uma roda de bicileta prateada na mão da estátua, substituindo sua antiga lança, e simbolizando a luta dos ciclistas por melhores À direita, sem lança, escultura de índio da Praça Oswaldo Cruz ganha roda condições de circulação pelas ruas da cidade. prateda; à esquerda, bandeirante mostra o coração em semana de atropelamento fatal de ciclista na avenida. Essa iniciativa ficou ali por cerca de três me- ses51, tempo suficiente para ganhar repercussão nos blogs e páginas na internet dos simpatizates 50. GÊ, Luiz. Avenida da prática do ciclismo urbano, sendo registrada Paulista. p.6. inclusive pela grande mídia52. Mesmo a ação de 51. CRUZ, Willian. Só porque desfazer a intervenção repercutiu na comunida- deu no site da Globo? .Blog de. O fato é que a lança original da estátua nun- Vá de bike, 2009. ca foi refeita, e o índio, agora sem roda, volta a 52. G1. Globo.com. Roda ficar de “mãos abanando”, como está há mais de bicicleta é retirada de de duas décadas. escultura em praça na Zona Sul de SP.2009.

69 III. Coração de bandeirante turas, criaram-se lugares de significado e inte- Conhecida como “O Anhanguera”, a estátua de Luigi resse da população, que neles se reconheceu e

53. Em editorial do encarte Brizzolara, representando o bandeirante Bartolomeu interagiu, identificando-os como seu domínio. A

Divirta-se do Jornal O estado Bueno da Silva, também foi alvo de intervenções ao própria brevidade das intervenções nos permi- de São Paulo, de 09 de março longo dos ultimos anos. Em 2008, a popular estátua te refletir sobre a velocidade como as imagens de 2012, a jornalista Camila que guarda a entrada do parque Trianon ganhou e valores circulam e submergem no tempo, se

Hessel comenta: “#aquiba- um inusitado colete salva-vidas do artista Eduardo tornando, instantaneamente, parte do passado teumcoração, dizia a foto que um Srur, em intervenção batizada de “A Arte Salva”. da avenida. amigo colocou no Instagram na Quatro anos depois, em 2012, poucos dias após

última 2ª. A cidade ainda vivia um traumático atropelamento e morte de uma ci- sob o choque do atropelamento clista ocorrerem na Avenida Paulista, o bandeirante da ciclista na Paulista, ocorrido foi novamente utilizado para transmitir uma mensa- na 6ª de manhã (...)Que alívio gem de vida: acordou com um coração vermelho no 53 saber que, em meio à discussões peito , intervenção planejada e divulgada via rede acaloradas e a indecências como social de internet pelo grupo denominado “Aqui reduzir o acidente à quantidade bate um coração”. A iniciativa que também se es- de quilômetros de congestiona- palhou por outras estátuas da cidade e do país fez mento provocados por ele, um referência aos muitos corações que ainda batem e grupo de paulistanos saiu passam pelas estátuas da cidade diariamente. caminhando pelas ruas para dar Sobre esse breve apanhado de intervenções, a

à cidade um pouco do amor que despeito das particularidades e diferenças entre ela tanto precisa.” . Pra começo elas, entendemos que foram concebidas a partir de conversa. In: O Estado de São de aspirações, afetos, interesses e memórias atuais

Paulo, Guia“Divirta-se”, 09 de da população, atualizando o sentido das obras de março de 2012. arte da avenida. Através da subjetivação das escul-

70 71 subindo ladeiras descendo cataratas 72 Quem enfrenta as ruas transversais que descidas velozes, que assustam muitos pedestres, acessam o espigão da Paulista não pode deixar causam comoção em outros skatistas, que gritam, de perceber seu relevo acidentado, pernas can- aplaudem, ou “pegam carona”, formando verdadei- sadas a subir as intermináveis ladeiras. ros comboios de jovens que descem a Rua Augusta, Porém o que é problema para alguns é solução surfando no asfalto e ignorando os semáforos. para outros; as ladeiras que cansam quem sobe Outro grupo que também tira partido do relevo são disputadas por skatistas praticantes de uma do sitio e comemora as ladeiras de acesso à Avenida modalidade perigosa, chamada “downhill”54, em Paulista o faz somente uma vez por ano55. Posiciona- que se arriscam a descer ladeiras em alta ve- dos na Alameda Casa Branca, lateral ao edifício do locidade, em meio a carros, motos e ônibus. As Masp, devidamente trajados com capas de chuva

54. A Federação Paulista de

Skate define:”Downhill Speed

ou Stand-Up: Considerada a

modalidade mais antiga do skate,

é uma prova de velocidade, em

que o skatista tem que descer

a rua, morro ou qualquer outro

tipo de terreno com variação de

inclinação o mais rápido possível,

usando técnicas de curvas”.

55. MARIN, Tiago Rodrigo. A

Acima, ladeira da Rua Augusta é preferida para a prática de down hill cidade na Avenida. p.4.

73 Acima, “Ôla” celebra a passagem de um carro pela alameda transformada em catarata

74 amarelas, estão ali para homenagear um dese- nho animado do personagem Pica-Pau, em que o protagonista visita as Cataratas do Niágara. Cada carro que transpõe a avenida, subindo e descendo a forte declividade da alameda, é saudado pelo grupo com uma “Ôla”: os braços levantados no ar, reproduzindo o movimento contínuo de uma onda, gesto praticado no refe- rido episódio do desenho animado. A ladeira é transformada em catarata, ana- logia bem humorada com o sobe-desce ao es- pigão, revelando que o relevo difícil da região também constrói parte do imaginário lúdico de seus frequentadores.

75 jogo de amarelinha 76 (...) francamente falando, não creio que alguém possa entender a rua sem tê-la palmilhado dia após dia, com primazia sobre outras formas de circulação. Vê-la dos car- ros pouco significa. Só a dimensão do corpo-a-corpo com suas sensações revela prazeres, percepções, conflitos ou humilhações.56

Quem passa apressado pelo cruzamento da Rua Augusta com a Avenida Paulista não re- para no grande curativo vermelho colado na calçada. Ele fica ali apenas por dois dias, mas a singela intervenção parece surtir efeito: o bu- raco da calçada é tapado poucos dias depois do curativo ser retirado. Buraco fechado, calçada “curada”. A ideia de um grupo de amigos começou ali na avenida, mas já visitou calçadas até de ou- tros países. Propondo alertar sobre o grave pro- blema de má conservação das vias de pedes- tres da cidade, seus integrantes colam grandes curativos vermelhos, feitos manualmente com material barato e custeado por eles mesmos.

O projeto é divulgado através de uma página 56. YÁZIGI, Eduardo. O de internet na rede social “Facebook”, e já se mundo das calçadas. espalhou por sites, blogs, jornais, ganhando até Band-aid nas calçadas machucadas da cidade p. 16-17.

77 reportagem na televisão57. Em seu espaço virtual, Que dia lindo para sair de casa e aproveitar os espa- também são divulgadas iniciativas semelhantes ços públicos da sua cidade! realizadas em outros países, fotos de calçadas Que tal ensinar Amarelinha para as crianças? bem cuidadas, e da própria ação do grupo co- Sua calçada está bem cuidada para isso? 58 lando curativos pelos muitos buracos nas calça- das das cidades do Brasil. A página de internet reserva ainda espaço para registrar as calçadas cujos buracos foram tapa- dos, após terem sido sinalizados com um curativo, indicando a eficácia da iniciativa, mas até agora só conseguiu publicar uma única fotografia. Não obstante o insucesso das investidas, a iniciativa aponta simbolicamente para uma ati- tude de mudança, um desejo de reparação, zelo e apropriação dos espaços das calçadas. Porém revela também o revés disso tudo, que é a im- potência da ordem social para as vias de fato, e a grande e nebulosa distância que separa os mecanismos de manutenção e administração 57. SPTV 1ª Edição. pública de nossas necessidades e obstáculos Curativos chamam a atenção cotidianos. O grupo chama a atenção e sinaliza para buracos nas calçadas. 12 para um problema que afeta a muitos, e frequen- Setembro 2012. temente leva tempo demais para ser corrigido, 58. CURATIVOS URBANOS, convocando cada um à ação, seja sinalizando, Facebook, 2012. seja “curando” as calçadas doentes:

78 79 desmatada Após deriva pela Paulista, um dos alunos participantes do Projeto M900 manifestou seu estranhamento com a paisagem vegetal da avenida, mencionando não entender seu paisa- gismo “bizarro”. A geração de paulistanos nas- cida após 1972 nunca poderá imaginar como foi verde a Avenida Paulista nos anos que a ante- cederam. Foi nesse mesmo ano que se cortaram trezentas e vinte e duas de suas árvores, para realizar o alargamento e demais modificações na avenida, conforme o projeto Nova Paulista. O corte das árvores marcou o ínicio das obras do projeto, fato registrado pelo jornal Folha de Foto histórica das araucárias no local onde hoje temos a Avenida Paulista. Livro Flora der umgebung der stadt São São Paulo em outubro de 1972: Paulo (“Flora dos arredores da cidade de São Paulo”). Publicado na Alemanha, 1911.

81 Avenida Paulista: antes e depois do corte das árvores para alargamento da pista

82 Com o auxílio de uma motosserra movida a gasolina e Condenadas ou não, essas árvores compu- óleo, cinco funcionários da Prefeitura iniciaram, ontem de nham um cenário muito diferente daquele que manhã, a remoção das 182 árvores do lado direito da vemos hoje na avenida. Comparando as fotos ao avenida Paulista: assim começaram, às 8h30, as obras lado, vemos como foi drástica a transformação da Nova Paulista, cuja construção alterará todo o espigão da paisagem da avenida, operada pelo projeto da cidade. (...) Nova Paulista60. A remoção das árvores demorará de 20 a 30 dias, Que as qualidades da arborização da via tenham com previsão de dez arvores por dia. (...) As 140 árvores escapado aos responsáveis pelo novo projeto da do lado esquerdo serão removidas pela regional da Sé avenida é prova do quanto esse critério era pouco após o término do serviço do lado direito. importante, entre os valores estabelecidos para uma Os serviços foram iniciados na esquina da rua Haddock boa urbanização, em meados dos anos 1970. Lobo e se estenderão até a praça Oswaldo Cruz. Os fun- A mesma reportagem da Folha de São Pau- cionários começaram cortando as árvores menores. As mais lo, quando entrevista o arquiteto presidente da difíceis, que possuem grandes galhos, serão cortadas aos EMURB na época, somente aborda o potencial sábados e domingos para não prejudicar o trânsito. problema de trânsito a ser causado pelas obras, Das 182 árvores existentes do lado direito, a maioria não menciona a questão da eliminação das ár- não será aproveitada: muitas estão condenadas, e serão vores da avenida: removidas para um depósito de lixo. Pertencem a cinco as espécies: ipê amarelo, ipê ro- Vinte mil veículos atualmente trafegam pela avenida Pau- cho, alfeneiro, ligustre e tipuana. lista. Depois de pronta, ela comportará o triplo – 80 mil. Serão transplantadas apenas 49 arvores: 46 ipês Terá 34 metros de largura em cima e 27 embaixo. amarelos, um ligustre, um alfeneiro e uma tipuana. As Segundo o arquiteto Roberto Cerqueira Cesar, presiden- 59. FOLHA DE SÃO PAULO, 133 restantes (...) serão queimadas, pois foram con- te da EMURB, o tráfego pela avenida Paulista, durante as 3 de Outubro 1972. denadas. (...) 59 obras, será normal: 60. JAYO, Martin. Massacre -“Durante os primeiros serviços não haverá interrupção na avenida.

83 do tráfego. Na colocação das estruturas ele somente será desviado nas esquinas e talvez deva ser interrompido por ocasião do término das obras. Mas isso será por bem pouco tempo.” 61

O tempo mostrou o quanto a exclusiva valo- rização do automóvel, nas intervenções realiza- das nas avenidas de São Paulo, pouco colabo- rou para a criação de ambientes confortáveis para a população. Hoje, a Avenida Paulista conta com cerca de 150 árvores ao longo de toda sua extensão (2.700 metros), mais da meta- de de plantio recente, ainda sem massa vegetal significante. O resultado são calçadas áridas, cuja paisagem é dominada pelos arranha-céus. Ignorou-se o papel importante da vegetação, in- clusive no estabelecimento de uma escala mais humana para a cidade, conforme falava Le Cor- busier, há quase 90 anos atrás:

As imensas construções do urbanismo imediato nos esmagariam; é preciso uma medida em comum entre nós e essas obras gigantescas. Já constatei que a ár-

61. FOLHA DE SÃO PAULO, vore era a coisa que todos nós aprovamos, porque

3 de outubro, 1972. Rua Antônio Carlos: corredor verde a 200 metros da Paulista somos longinquamente seres da natureza; e o fenô-

84 meno urbano, esquecendo totalmente a natureza, se ergueria depressa contra profundas hereditariedades. A árvore cerca o lugar às vezes amplo demais; sua silhueta espontânea contrasta com a firmeza daquilo que nossos cérebros conceberam e nossas máquinas fizeram. A árvore parece realmente ser esse elemento essencial a nosso conforto que proporciona à cidade algo como uma carícia, uma delicada amabilidade, em meio a nossas obras autoritárias.62

Caminhando apenas alguns metros em dire- ção às ruas paralelas à avenida, podemos ex- perimentar um pouco do “conforto essencial” de que nos fala Le Corbusier, nas ruas que ainda mantém a arborização original. O comércio tira proveito do ambiente agradável dessas vias, colocando bancos e mesas nas calçadas, en- feitando as árvores com vasos, flores e ilumi- nação noturna, que estimulam a permanência e passeio mais lento. Essas ruas são, hoje, ver- dadeiros corredores verdes, cujas belas árvo- res crescidas oferecem sombra à população e à barulhenta perequitada, que pinta de verde os céus da região. 62. Le CORBUSIER, Urbanis-

Rua Antônio Carlos: corredor verde a 200 metros da Paulista mo. 2000, p.223.

85 ciclo faixa 86 Um vendedor de bicicletas rouba a cena no fil- vezes maior do que as viagens efetuadas de táxi me Butch Cassidy, ao profetizar que as “magre- na cidade. Mas essas jornadas ainda exigem uma las” seriam o futuro dos transportes individuais. grande dose de coragem do ciclista que encontra A idéia provocava mais risadas na década de pouco espaço e respeito nas ruas da cidade. 1970, quando o filme foi produzido e a utilização Aos motoristas cabe respeitar a presença dos do automóvel estava em franca expansão, trans- ciclistas nas vias, direito garantido pelo código formado em objeto de desejo e símbolo de status de trânsito brasileiro; e à cidade cabe ampliar a social. O que ninguém naquela época previa (ou malha viária de ciclovias, ciclofaixas, rotas de bi- não se falava) era que o crescimento da frota au- cicleta e bicicletários, para dar suporte aos prati- tomotiva se tornaria disfuncional para o meio ur- cantes. É preciso atentar ao fato de que a cidade bano, saturando vias que não foram concebidas carece de transporte público de qualidade, espe- para tamanho volume de tráfego. cialmente nas regiões afastadas do centro, onde A consequente busca por novas opções para se encontra a maior parte da população que uti- o transporte colocou a bicicleta no centro das liza a bicicleta como forma de transporte diário, discussões sobre mobilidade dentro das cida- não apenas para fins recreativos. Não se trata, des. Além disso, em tempos de preocupação portanto, de uma demanda passageira e restrita, ambiental, as bicicletas se apresentaram como um modismo “politicamente correto”, mas de um opção de transporte limpo, barato e autônomo, direito à plena acessibilidade para uma grande e são tão representativas da era em que vive- parcela da população que hoje se encontra en- mos, como a internet e a comida orgânica.63 clausurada em bairros distantes.

Dados da Associação Brasileira dos Fabrican- No entanto, se a presença e adesão desse meio 63. PAIXÃO, André. Pedala, 64 tes de Bicicletas (Abraciclo) revelam que, nos de transporte, hoje, na cidade, é muito maior do São Paulo. Revista 4 Rodas,

últimos anos, São Paulo viu crescer o número de que há poucos anos atrás, a convivência entre setembro 2012. bicicletas como nunca: são aproximadamente duas e quatro rodas ainda não é tranquila. Além 64. III Workshop Abraciclo,

350 000 viagens diárias, número cerca de quatro do desrespeito, muitos motoristas sustentam a 2012.

87 ideia de que as bicicletas provocam o aumento no tações públicas, no ensolarado primeiro domin- trânsito das avenidas da cidade, ignorando sua go do mês de setembro de 2012, a via ganhou causa real, que é o ininterrupto aumento no nú- uma ciclofaixa de passeio, aberta aos domin- mero de veículos automotivos nas ruas. gos, junto ao seu canteiro central, nos dois sen- A Avenida Paulista, ícone urbano da cidade, tidos do fluxo. Hoje, expandida, a ciclofaixa de não poderia ficar imune a essa transformação: final de semana da Paulista se integrou à rotas após traumáticos episódios de atropelamento, que levam os ciclistas ao centro da cidade e ao convivência conflituosa com ciclistas e manifes- parque Ibirapuera, somando uma extensão de 41 quilômetros. A rota da Paulista ainda é voltada apenas ao lazer da população, e tem dia e horários restri- tos de funcionamento. Porém já foi comemora- da, entre outros motivos, pela projeção que deu ao uso das bicicletas na cidade, e por permitir a experiência do ciclismo urbano por usuários com pouca experiência, uma parcela da popu- lação que antes não se arriscaria a experimen- tar andar sobre duas rodas na avenida65. É louvável a iniciativa de convidar o paulistano a pedalar pelas ruas, mas a ausência de um plane- jamento e infraestrutura perenes só favorece a indis- ciplina e estimula o conflito com os demais veículos. Exemplo disso pode ser visto pelo último atropela- 65. EU VOU DE BIKE, Blog. mento na avenida, em março de 2013, que resultou 2012. na perda do braço do ciclista que circulava na ciclo-

88 faixa temporária com destino ao trabalho. ca, a ciclovia de final de semana não se integra A ciclofaixa de lazer é apenas um ponto de a um sistema de transporte com ciclovias funcio- partida, um primeiro passo, mas não é uma che- nais durante a semana, nem a outros meios de gada. A propagada “democratização” da mobi- trasporte público. Ela também não foi implanta- lidade não se realiza com esse tipo de iniciativa, da em todas as regiões da cidade, se tornando que só contempla uma pequena parcela da po- um lazer de poucos privilagiados. Dessa forma, pulação. Operando de forma pontual e cosméti- ela ironicamente não integra, segrega.

89 mar de

histór90 ias Todos os estilos ancoraram no cais mole ginar como seria o “oceano” que se desenvolvia do asfalto fidalgo... `a sua borda, em meados de 1958, ano em que Dentro daquele parque Picchia escreve seus versos: era um mar urbano, fuma goiano um califa enriquecido uma cidade em franco processo de metropoliza- com uma fábrica de alpargatas da rua 25 de Março. ção ; São Paulo crescia ao ritmo pulsante e inin- terrupto de seu desenvolvimento industrial. O sr. Conde está bebendo Chianti Quase um século depois, a Avenida Paulista servido por um criado de libré. é outra, mas a analogia náutica ainda se aplica, sendo comum encontrar relatos que se referem à Até as colunas de mármore são de cimento armado. avenida como “mar”, mas “mar de gente”, “mar de carros”, como no comentário de uma partici- E domingo, em Roles Royce ou em Ford pante do projeto M900: “Sabe o que é a prainha? passaremos em revista Uma calçada cheia de bares com mesinhas em na parada do corso frente, enquanto o trânsito faz ondas de automó- todos os candidatos à consagração da Avenida.66 veis nos semáforos da Avenida Paulista”68. Paradoxalmente, o uso da analogia ao mar Não é por acaso que Menotti del Picchia esco- assumiu sentido oposto em duas ações realiza- lheu a Avenida Paulista como ícone urbano para das na avenida, batizadas de “Praia na Paulis- 66. PICCHIA, Paulo Menotti ironizar os hábitos fidalgos das elites paulistanas, ta”. Ambas propuseram justamente o combate del. Chuva de Pedra, 1958, nas primeiras décadas do século XX. A Paulista ao uso dos espaços da avenida somente para a p. 69) foi o cais onde aportaram as famílias mais abas- circulação, propondo a ocupação das calçadas 67. SHIBAKI, Viviane Veiga. tadas da cidade, em uma curiosa convivência e rotatórias com atividades de convívio e lazer, Avenida Paulista, p.57 entre origens historicamente antagonistas67. semelhantes às realizadas à beira do mar... 68. BEHLING, Janaína. A imagem da avenida como cais provoca Sediado na Praça do Ciclista, um dos eventos Relato em sala de aula, curiosidade, sobretudo quando tentamos ima- propôs a não-utilização de automóveis durante Projeto M900, 2012

91 todo o dia 22 de Setembro, denominado “dia mundial sem carro”. Em seu cartaz lia-se o se- guinte:

Praia na Paulista Diversão, mas sem esquecer da segurança Essa praia tem hora para acabar: 18:00 Operação praia limpa Jogue o lixo no lixo! Bikes no paraciclo Por pessoas, para pessoas. Este espaço é apartidário e livre de marcas e patro- cínios corporativos. A praia é das pessoas - das pessoas como eu e você, que acreditam numa cidade diferente, onde carros não ocupam mais espaços do que a gente, com mais espaços públicos de qualidade, que beneficiam a conexão e relação das pessoas com as pessoas para as pessoas.69

Para ocupar a praça como espaço de estar, fo- ram utilizados tapetes, cadeiras de praia, guarda- -sóis e tendas. Os participantes comeram, brinca- ram, tocaram música e até tricotaram no local. 69. Cartaz do evento A atmosfera praiana a que se remeteram am-

Praia na Paulista, 2012 Praia na Avenida Paulista em 2012 bas as iniciativas ressaltou o aspecto lúdico das

92 ações. Os participantes brincaram de transfor- mar a avenida em praia, suspendendo, ainda que de forma temporária, a ordem estabelecida de uso daquele trecho da via. Essas atividades divertidas, que auxiliam a experiência da cida- de de forma afetiva, fazem multiplicar os objetos e sujeitos poéticos,70 e podem auxiliar na formu- lação de novos espaços, e quem sabe até novas cidades, baseadas nas experiências pessoais dos habitantes. Argan71 nos fala da “hipótese absurda”, que seria registrar graficamente a percepção que cada habitante modela sobre a cidade. Em uma espécie de jogo, a sobreposição desses registros pessoais formaria uma imagem semelhante a um quadro de Jackson Pollock :

uma espécie de mapa imenso, formado de linhas e pontos coloridos, um emaranhado inextricável de sinais, 70. DEBORD, Guy. Apud de traçados aparentemente arbitrários, de filamentos tortu- JACQUES, Paola Beren- osos , embaraçados, que mil vezes se cruzam, se interrom- stein (org.). Apologia da pem, recomeçam e, depois de estranhas voltas, retornam deriva, p. 57. ao ponto de onde partiram. 71. ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como

história da cidade, p.231. A imagem é fecunda. As milhares de trajetó- Praia na Paulista em 2009

93 Pintura “Number Five”, 1948, pintor Jackson Pollock.

94 rias e experiências pessoais, ocorridas na Ave- de livros, o Mar de Fios de Histórias era muito mais do que nida Paulista em um único dia, não caberiam um simples depósito de narrativas. Não era um lugar morto, nem em um quadro de Pollock, tamanha sua mas sim cheio de vida.72 dimensão e complexidade. A imagem proposta por Argan, porém, nos traz de volta a analogia com o mar, remetendo à idéia de grande dimen- são, profundidade e dinamicidade. Entendemos que a avenida poderia ser vista como um mar de vivências, que ali se misturariam e se recria- riam; um mar de narrativas, como o belo mar de histórias descrito por Salman Rushdie, em seu livro Haroun:

olhou para a água e reparou que ela era feita de mi- lhares e milhares e milhares de correntes diferentes, cada uma de uma cor diferente, que se entrelaçavam como uma tapeçaria líquida, de uma complexidade de tirar o fôlego; e Iff explicou que aqueles eram os Fios de Histórias, e que cada fio colorido representava e continha uma única narrativa. Em diferentes áreas do Oceano havia diferentes tipos de histórias [...] E como as histórias ficavam guarda- das ali em forma fluida, elas conservavam a capacidade

de mudar, de se transformar em novas versões de si mes- 72. RUSHDIE, Salman.

mas, de se unir a outras histórias e assim se tornar novas Haroun e o Mar de Histórias,

histórias; de modo que, ao contrário de uma biblioteca p. 57.

95 rolê nas calçadas

96 97 Após serem revestidas por um tapete de concreto liso, as calçadas da Avenida Paulista parecem ter assumido de vez sua vocação para passarela de lazer. Pernas disputam espaço com rodas de todos os tipos; skates, bicicletas, patins, carrinhos de bebês, de ambulantes, e cadeiras de rodas circulam com mais facilidade, depois da re- forma finalizada em agosto de 2009 que substituiu seu característico piso de mosaico português por um piso liso e sinalizado, de acordo com as nor- mas de acessibilidade universal73. No entanto a tomada deste, que é o maior espa- ço público da avenida (são cinquenta e cinco mil metros quadrados), pelas rodas tem causado polê- mica. A população se divide entre o medo de ser atropelado durante a caminhada, e o prazer de deslizar de skate, rapidamente, em um piso liso que permite até praticar manobras mais arriscadas, saltando barreiras ou “rampando” nas floreiras. As marcas das batidas constantes dos skates nos canteiros da avenida, além de causar medo

73. Leia mais sobre o novo de acidentes, têm levado alguns condomínios a calçamento da avenida, no tomar medidas que restringem o acesso dos ska- episódio “Se essa rua fosse tistas aos trechos das calçadas que pertencem a Canteiro em frente ao conjunto Cetenco era utilizado como obstáculo por minha”, p. 126 lotes privados. As medidas aplicadas vão do au- skatista na Paulista até a mudança de pavimento.

98 mento do número de vigilantes em frente aos edi- fícios, até a troca do pavimento privativo, como se viu no conjunto Cetenco Plaza, localizado na es- quina da Avenida Paulista com a Alameda Minis- tro Rocha Azevedo, fotografada acima ainda com seu piso liso original. A faixa de calçada nesse trecho da avenida, localizada dentro do lote do condomínio, teve par- te do piso original substituído por placas cimentí- cias, cuja textura em relevo impediu a circulação de rodas. A resposta dos skatistas veio através de uma pichação no canteiro da avenida, em fren- te ao edifício, logo apagada, onde se lia: “skatista não é vagabundo é artista”. A mediação entre os interesses dos diversos usuários das calçadas não acontece com clareza na Avenida Paulista, o que propicia o conflito. A opinião pública e a imprensa parecem divididas, quando o assunto é a presença dos skatistas nas calçadas da via. Coletamos artigos de jornais e conteúdo de internet que revelam como o assunto vem sendo abordado, desde 2008, quando o volu- me de skatistas começou a aumentar na avenida, ainda durante a substituição de seu piso:

99 Reformadas, com pavimento lisinho e de concreto, as calçadas da Avenida Paulista atraem cada vez mais ska- tistas em busca de manobras radicais, lazer e treinamento para campeonatos. Desde o início das obras, há um ano, é comum vê-los desviando de pelo menos 1,7 milhão de pessoas que circulam diariamente pelo local. O zigue-za- gue dos esportistas assusta os desavisados. Mas, segundo a Subprefeitura da Sé, não há lei que impeça os skatistas de andar nas novas calçadas da Paulista, cujo custo de reforma está orçado em R$ 8,1 milhões. Mas pode ha- ver limite. A subprefeitura avisa que, se houver dano ao patrimônio público, a administração “agirá no sentido de coibir ou educar os esportistas” 74

Em 2009, o então vereador Adolfo Quin- tas (PSDB) apresentou o projeto de lei número 116/2009, de 05 de março de 2009, que propunha proibir a utilização dos skates em todas as calça- das do município75. A proposta de lei foi intensa- mente combatida por skatistas e mídia especiali-

74. Jornal da Tarde, 11 de zada, motivando manifestações públicas e muita julho de 2008 discussão na imprensa. Cerca de um ano depois,

75. Jornal da Tarde, 11 de Walter Feldman, secretário de esportes do muni- julho de 2008 cípio (na época afastado), publicou um artigo em seu site, em defesa dos skatistas:

100 Leis de boa convivência serão sempre bem-vindas Hoje os skatistas continuam frequentando as numa cidade tumultuada como São Paulo. Mas cuidado, calçadas da Avenida Paulista, juntamente com muito cuidado com o extremo rigor que não leva a nada patinadores e bikers, que também disputam o e com a busca de culpados fáceis para nossos velhos espaço com os pedestres. Todos eles enfrentam desacertos urbanos. Há muita diferença entre proibir teori- protestos de seguranças, policiais, moradores 76. FELDMAN, apud MACHADO, camente de cima para baixo e buscar acordos razoáveis e passantes, mas até agora não se chegou a Giancarlo M.C. De carrinho pela com a realidade. Uma coisa é vetar pura e simplesmente nenhuma proposta de organização dos tráfe- cidade, p. 223. a prática de skate em lugares tradicionais, onde os pro- gos que seja satisfatória para todos. A idéia 77. RODRIGUES, Artur. Grupo de blemas são eventuais e mínimos, e outra, muito diferente, de se criar um espaço circunscrito na avenida skinheads agride skatistas na Avenida estabelecer algumas regras, desde que sejam razoáveis específico para a prática do skate esbarra na Paulista. O Estado de São Paulo, 14 e compatíveis.(...) Nada contra uma certa ordenação na própria carcaterística da atividade de peram- de outubro, 2012. prática do skate, mas nossa preocupação maior deve ser bular pelas ruas da cidade, conforme seu pró- 78. A Federação Paulista de Skate a de pensar novos espaços, promover eventos e torneios.76 prio nome indica: o percurso urbano é o supor- define street skate: é“ a modalidade te obrigatório para a prática do street skate78, mais praticada pelos skatistas. Diante de muita polêmica, o vereador Quintas não podendo ser realizado confinado em pistas Consiste em ultrapassar obstáculos desistiu da idéia e a lei não chegou a ser san- fechadas. Além disso, trata-se da modalidade urbanos como bancos de rua, corrimões cionada em 2009. Mas a controversa presença mais praticada pelos skatistas no Brasil, con- de escadarias, rampas de garagem, dos skatistas na avenida só vem aumentado, e forme informa a Federação Paulista de Skate, monumentos, barrancos, muros peque- continua a ser assunto constante na imprensa, sendo o meio de iniciação da maioria dos es- nos, paredes com pequenas inclinações, ganhando especial destaque, quando se torna portistas, que começa treinando nas ruas pró- dentre outras construções e obstáculos”. “caso de polícia”, em episódios de conflito, como ximas à sua casa, e só vem a enfrentar uma Disponivel em . Acessado praça Oswaldo Cruz, em outubro de 2012, que cima das pranchas pelas ruas da cidade. em 03/01/2013. culminou na hospitalização de dois skatistas e Em sua dissertação de mestrado79,dedicada ao 79. MACHADO, Giancarlo M.C.. detenção de onze skinheads. estudo da prática do street skate na cidade de São Op. Cit. p.224.

101 Paulo, Giancarlo Machado comenta que o maior sempre em mutação, e a nossa pista está sempre com obs- ídolo do esporte na atualidade, o brasileiro Bob táculos novos para a gente brincar um pouquinho mais.81 Burnquist, começou a andar de skate pelas ruas do bairro paulistano Brooklin, e, ainda hoje, reco- Eu pego ônibus ou até mesmo metrô, e vou vendo nhecido esportista internacional, tem que fugir dos aquele pico que talvez dê para andar, se arrumaram a seguranças, quando sai para praticar o esporte calçada e se agora dá para andar. Desço com minha pelas ruas. Machado aproxima a prática do street namorada de carro e ela racha o bico: “meu, eu fico ven- skate com a das pichações urbanas, em contraste do as coisas bonitas e você fica vendo se dá para andar com a aceitação social do grafite urbano e da prá- de skate!”. Olho de skatista é para olhar a arquitetura da tica de skate em pistas ou rampas.80 cidade, para ver se dá para rolar skate.82 Olhando além da questão do conflito, a práti- ca do street skate nos interessa ,quando conside- Outra coisa engraçada também, mas também é nor- rada uma atividade que estabelece uma relação mal: você sabe o asfalto da cidade, os caminhos que íntima com o meio urbano. A própria maneira de você sempre passa, você já sabe: aquela faixa, aquela 80. MACHADO, Giancarlo olhar as ruas, sempre procurando locais adequa- rua. Inconscientemente você já sabe o caminho para o M.C.. Op. Cit., p.29. dos para a realização de manobras, faz do skatis- skate andar. Você nem pára para pensar, mas já sabe.83 81. Marcelo “Mug”, 2011 ta um observador interessado da cidade, que dela apud MACHADO, Giancarlo registra um mapa mental muito diferente do de um Interessada em investigar e registrar as inte- M. C. Op. Cit. p.13. pedestre comum. Por isso, nos parecem preciosos rações dos skatistas com a cidade, a exposição 82. Alexandre “Nicolau”, os relatos sobre o espaço, coletados por Machado “Destroy and Create”, realizada na galeria Mati- 2010. apud MACHADO, Gian- em sua pesquisa, que reproduzimos parcialmente lha Cutural entre agosto e setembro de 2010, exi- carlo M. C.. Op. Cit. p.115 a seguir: biu o resultado do contato entre os skates e a cida- 83. Fábio Brandão, 2010, de, através da exposição dos shapes (as pranchas apud MACHADO, Giancarlo A gente vê a cidade como uma pista de skate gigante. de madeira dos skates), pintados por artistas prati- M. C.. Op.Cit. p.116 O grande lance é que a cidade está sempre em reforma, cantes do esporte e desgastados pelo uso nas ruas

102 de São Paulo. Muitos dos skatistas participantes se dirigiram à Paulista para “gastar” os shapes artís- ticos, e o processo foi registrado com belas fotos da avenida como pano de fundo para as manobras ousadas dos esportistas. A exposição também apresentou uma escul- tura especialmente produzida para ser utilizada como obstáculo urbano pelos praticantes, sen- do o público convidado a testá-la e avaliá-la du- rante a exposição. Após a exposição, a escultu- ra foi instalada em uma praça da cidade. Cabe observar que essa exposição foi patroci- nada por uma empresa de equipamentos esporti- vos estrangeira, revelando o interesse no merca- do de equipamentos para esse esporte no Brasil, Escultura criada para ser suporte de manobras de skate. Exposição Destroy and Create, 2010. que hoje se expande e tem gerado muito lucro.

103 os cegos Performance “Executivos de Pedra”, Av. Paulista, 2012.

Quando convidado a falar sobre a ética das já não conhecem essa modalidade de olhar, foram imagens, no seminário Ética, de 1992, Nelson Bris- moldadas a partir da visão dinâmica e serial das sac nos fala para “ver o invisível”, chamando a imagens propagadas pelas mídias, apresentadas atenção para a metáfora da cegueira que atinge com a velocidade dos automóveis: a condição do homem contemporâneo: – estamos cegos pelo excesso de imagens que se mostram a “Nós nos acostumamos a só ver aquilo que é di- nós diariamente. Segundo o autor, o emprego do nâmico, que se agita ante nossos olhos, que acon- olhar tradicional já não encontra espaço na cida- tece. (...) Mas e quando nada, aparentemente, está de, nossa sensibilidade e percepção da realidade acontecendo? O vento soprando nas árvores ou uma

105 106 Trecho do trabalho “Coletivo”, de Cássio vasconcellos. mulher que levanta a mão, com graça, como se fos- cidade genérica, indiferenciada, contemporânea. se soltar um balão. Aí não se vê nada. Mas de fato, Ao leitor de Saramago cabe assistir à trajetória tudo está acontecendo. Essas cenas são delicadas de personagens sem nome que cegos de si pró- demais ou grandiosas demais para ficarem impres- prios, padecem no caos criado por eles mesmos; sas na retina habitual ao que é passageiro. São a cidade resultante da indiferenciação e da mas- cenas praticamente imperceptíveis (...)”84 sificação contemporânea, convertida em selva, é habitada por feras que perderam os valores Não se trata de necessariamente frear ou ace- morais que permitiam conviver em sociedade. lerar. As imagens vertiginosas que vemos hoje na Cegos no labirinto vertiginoso que é a condição televisão fazem parte de nossa sensibilidade con- contemporânea, os homens se perdem, inclusive temporânea, elas correspondem à aceleração do de sua natureza humana. mundo. O problema está na uniformização dessa A mesma metáfora parece ter inspirado uma velocidade, no ritmo único que desconhece as di- performance silenciosa, realizada na Avenida 84. PEIXOTO, Nelson ferentes nuances das ações, do pensamento, da Paulista, em outubro de 2012. Denominada Brissac. BRISSAC, Ver o vida cotidiana. Essa sobreposição de um padrão Executivos de Pedra, se inspirou no quadro Os invisível: a ética das imagens.

único de edição das imagens uniformiza todos Cegos, do pintor holandês Pieter Brueguel (1528- In: NOVAES, Adauto (org.). os gestos, uniformiza todos os discursos, faz com 1569), e foi organizada pelos grupos teatrais Ética. p.301-320. 85 que todas as expressões sejam iguais . Desvio Coletivo e Coletivo Pi, coordenados pelos 85. PEIXOTO, Nelson Bris- 86 O romance Ensaio sobre a Cegueira abor- professores Marcos Bulhões e Marcelo Denny, sac. Ética das imagens. In: da tema semelhante. O primeiro personagem do Laboratório de Práticas Performativas da Ética. Ciclo de conferências, 87 de José Saramago a perder a visão está inserido Universidade de São Paulo. 1991. em um contexto totalmente ordinário, mas não O deslocamento do Parque Trianon até a Rua 86. SARAMAGO, José. Ensaio menos representativo: um congestionamento em da Consolação de um conjunto de vinte e cinco sobre a Cegueira. uma grande cidade que, assim como os próprios artistas de olhos vendados, vestidos em trajes so- 87. Website do Coletivo PI, personagens da narrativa, não terá nome - é a ciais da mesma cor, recobertos de argila, chamou 2012.

107 a atenção da população. A procissão de cegos em um processo de desmaterialização ao longo cruzando a Avenida Paulista formou uma ima- da avenida. A medida em que os executivos se gem impactante, particularmente em virtude da encaminharam para a “Rua da Consolação”, materialidade e textura dos corpos: o barro mole foram perdendo sua carapaça opaca de pedra, que cobriu inteiramente os artistas ativou sensa- expondo trechos de pele e cores humanas, sua ções de nojo à aflição no público, que também carne nua, lisa e indefesa de vítimas. pôde acompanhar a transformação do material em crostas endurecidas, quando exposto ao sol. Ao tomar como personagem central da pro- posta a população que comumente frequenta a avenida, os executivos, a performance artística construiu uma paródia provocativa sobre a pre- sumida dureza e desumanidade dessa classe de trabalhadores, a serviço do capital, e “feitos de pe- dra”. Ao vendar todos os membros, estabeleceu uma referência direta com a metáfora da ceguei- ra contemporânea, manifestada na completa sub- missão dessa população às regras do sistema em que está inserida – o sistema de produção capita- lista, no qual ocupa posição privilegiada. Uma reflexão pode nos levar além, se consi- derarmos a evasão poética que se desenrolou, durante a prática da performance: o suave mo- vimento ritmado do grupo foi vagarosamente ra- chando as duras cascas de barro de seus corpos,

108 “Os Cegos”, do pintor holandês Pieter Brueguel (1528-1569)

109 É proibido sentar 110 (...) A providência mais elementar para capacitar as pessoas a se apossarem de seu ambiente imediato é pro- vavelmente o assento (sentar-se tem tudo a ver, linguistica- mente, com assentamento).88

Quem caminha pelas ruas da cidade, em algum momento vai desejar sentar. Mas o ca- minhante preguiçoso que percorre a Avenida Paulista logo se frustra com a enorme quanti- dade de muretas, canteiros e degraus, delibera- damente gradeados para o impedir de fazê-lo. Ainda que não aparentemente concebidos para servirem de assento, esses elementos arquitetô- nicos presentes nas cidades são, no dia-a-dia, grandes promotores de usos criativos e de apro- priação pela população. No entanto temos visto iniciativas cada vez mais antipáticas à sua utili- zação pelos passantes, e a Avenida Paulista não poderia deixar de ser alvo dessa triste atitude. Não se trata de defender a retirada do gradil que reveste quase toda mureta da avenida, para permitir a utilização desses elementos como solu-

ção paleativa que contorne o problema de ausên- 88. HERTZBERGER, Her- cia de mobiliário urbano na via, mas de atestar man. Lições de arquitetura, a contribuição que determinadas características p. 177.

111 formais dos espaços e dos edifícios exercem, na plo desse tipo de mobiliário pouco amistoso. So- criação de condições proprícias à ocupação cria- bre o autoritarismo funcionalista desse tipo de tiva dos espaços construídos na cidade. Uma mu- mobiliário, Hertzberger nos fala o seguinte: reta ou um degrau com altura e largura confortá- veis servem para tudo: neles se senta, se apoia, É como se já estivesse decidido a priori o que se es- se resguarda, se exibe. As potencialidades de pera do usuário, o que ele pode e o que ele não pode uso desse tipo de componente arquitetônico são fazer. O usuário é, deste modo, subserviente à forma e tão conhecidas como ilimitadas.89 à concomitante ‘aceitação’ dada a priori; ele só pode Na mesma lógica, a instalação de grades cor- usar o objeto, apropriar-se dele temporariamente, quando tantes e hostis repele a população, ainda que mui- o que deseja fazer com ele corresponde ao que a forma tas vezes não a impeça de tentar encontrar um está ditando. novo uso para o espaço, ainda que seja através da depredação e mal uso, como vimos anteriormente, O assunto atraiu o interesse de vários alunos quando testemunhamos o emprego dos canteiros do Projeto M900, e deu origem a diversos deba- desconfortáveis como “cemitérios de bitucas”90. tes sobre o tema, que claramente influenciaram

89. HERTZBERGER, Her- O problema está na lógica autoritária que não no resultado dos artigos publicados pelos alu- man. Op. Cit., p. 176. somente tem impedido a utilização e o acesso nos, no final da atividade.

90. Ler mais sobre os público aos espaços, através da repressão ativa Dentre eles, encontramos temas como “O cemitérios de bitucas na que envolve a implantação de grades, guardas, guia do não-estar na Avenida Paulista”, traba- página 44. câmeras, como tem orientado a concepção de lho que expandimos e publicamos como artigo 91 91. COSTA, Vivian; mobiliário urbano voltado a utilizações especí- em co-autoria com a aluna autora.

MONFERDINI, Juliana. O ficas, e cujas características formais impedem Outro trabalho que aborda as dificuldades guia do não-estar na Avenida qualquer tipo de uso alternativo ou criativo. Os de se sentar na Paulista relatou a história de um

Paulista. Rrevista digital bancos antimendigos, instalados nos pontos de cidadão que dorme sentado, diariamente, nos

Vitruvius, 2013. ônibus da Avenida Paulista, são um claro exem- bancos do Conjunto Nacional, impedido pelas

112 regras do condomínio de ali se deitar. Entrevis- tado, o personagem descreveu-se como privi- legiado, por conseguir espaço em um dos dis- putados assentos da galeria, e revelou preferir dormir sentado, a se espremer dentro do metrô, no horário em que sai do trabalho. Insatisfeito com o desconforto do banco, que usa com tanta constância, o usuário não deixou de reclamar: “a pessoa que desenhou estes bancos só pen- sou na estética, no design. Não no conforto de quem senta”.92

92. BERNARDES, Fabrício.

O Conjunto Nacional te dá

sono? Projeto digital M900,

2012.

113 f alTA o só ascensor A conexão da Avenida Paulista com as mo- vimentadas vias que a cortam transversalmen- te em muitos momentos não ocorre em espaços convidativos à circulação de pedestres, como é o caso do anel viário que interliga a Paulista às avenidas Consolação, Rebouças e Dr. Arnal- do. Tal situação se agrava na conexão entre a Paulista e a Avenida 9 de Julho, dificultada pelo grande desnível que existe entre elas. Encontramos alguns trabalhos acadêmicos de leitura urbana93 da área que colocam em evidência o eixo transversal que pretensamente liga as regiões do “centro, atravessa a Paulista e corta o Parque Siqueira Campos, alcançando novamente a 9 de Julho pela praça Alexandre Túnel da Avenida 9 de Julho e MASP, década de 1970 de Gusmão”94. Segundo Ursini, tal eixo seria for- mado “somente por espaços públicos”. No en- blico, é viário, e mesmo este apresenta uma com- tanto tal leitura ignora a grande dificuldade de plicada conexão entre as duas avenidas. transposição da barreira geográfica que corta Ao pedestre que deseja transpor a barreira esse eixo no meio. geográfica restam escadarias mal cuidadas e 93. URSINI, Marcelo LUIZ. Se existe um eixo ali, ele só é perceptível por caminhos pouco frequentados nas laterais do Entre o Público e o Privado, uma vista aérea, ou através de uma planta do MASP ou do Parque Trianon. p.65 e AMARAL, Marina local, já que seu relevo está longe de integrar Porém a difícil transposição vertical entre as Barros. Limites e Possibili- os espaços e tornar o percurso confortável para avenidas poderia ser vencida com a instalação dades, p. 131. o pedestre. O eixo mencionado não é para o pú- de um sistema de transporte público vertical 94. URSINI, op. Cit. p. 65.

115 automatizado, utilizando elevadores, escadas de circulação vertical com diversificadas capa- rolantes, funiculares ou outras tecnologias dis- cidades de transporte: de cadeiras de rodas a bi- poníveis. Embora alguns desses sistemas não cicletas. Bem projetados, esses sistemas podem sejam novidade na cidade, nunca houve uma inclusive se converter em elementos urbanos de ação municipal concreta, no sentido de conectar interesse, que agregue valor cênico e turístico verticalmente essas duas avenidas, que são ei- ao local onde se instalam, como ocorreu com o xos importantes de circulação na cidade. Porém, pioneiro elevador público Lacerda, em Salva- se ainda não houve ação, houve a intenção; pelo dor; os belos elevadores que o engenheiro Eiffel menos é o que encontramos no Plano Estratégico desenhou para Lisboa; os elevadores inclinados Regional da Sé (PRE-Sé), formulado em 2004, que de Foster, em Bilbao; e as escadas rolantes, nos apresentou as seguintes diretrizes: monumentos históricos de Toledo. Facilitando o acesso, mais pessoas também po- -Facilitar a articulação para os pedestres entre os níveis derão visitar o antigo mirante construído por Pres- da Avenida 9 de Julho com a Avenida Paulista em função tes Maia, encabeçando a entrada dos túneis da dos equipamentos dos setores de saúde, educação e cultu- avenida 9 de Julho, além das praças que beiram ra existentes na região; a entrada dos túneis, cujas fontes desativadas fa- 91 95. Plano Estratégico -Facilitar a circulação de pedestres entre as áreas de ziam referência ao córrego Saracura , hoje invisí-

Regional da Sé in ZAN- grandes desníveis, considerando, dentre outras, a ligação vel na paisagem, tamponado sob a avenida.

ETTI, Valdir Zonta. Planos e do Pátio do Colégio com o Parque Dom Pedro II; projetos ausentes, p.206 -Garantir a articulação para o pedestre, entre as áreas

96. BARTALINI, Vladimir. rompidas pelo sistema viário leste/oeste, no trecho compre-

Os córregos ocultos e a rede endido entre a Praça Roosevelt e o Glicério.90 de espaços públicos urbanos.

Revista digital Vitruvius, Existem, hoje, para facilitar a circulação e

2009.. transporte de pedestres, sistemas automatizados

116 117 marcha sensível 118 A procura constante da população pelo de espaço público moderno - burguês e de ins- espaço da Avenida Paulista, para se manifestar piração iluminista. O Brasil, católico e ibérico, publicamente, fez do local um espelho de ten- utilizou as festas para organizar minimamente dências, “um dos espaços públicos mais conec- sua estrutura de nação, especialmente as festas tados às transformações recentes observadas religiosas. Esse tipo de ocorrência foi comum em na sociedade brasileira”97. A convivência entre todas as colônias ibéricas na América Latina. No manifestações de cunho político e eventos lúdi- Brasil essas procissões extravasavam as igrejas cos se tornou característica da Paulista, sobre- e levavam às ruas populações mestiças, negras tudo durante as décadas de 1980 e 1990, sendo, e pobres, que, em sua prática religiosa, matiza- hoje, parcialmente reprimida, devido ao impac- vam a fé imposta e artificial dos colonizadores to que causa no trânsito da cidade. com suas tradições e símbolos. Ainda assim é para lá que as torcidas de fu- Recamán conclui que percurso, teatralidade e tebol se deslocam, quando querem celebrar um artificialidade são marcas da dimensão coletiva 97. FRÚGOLI JR., Heitor. título conquistado; manifestantes gritam por me- da formação brasileira que não se alteraram, es- Centralidade em São Paulo, lhores salários; homossexuais, pelo direito ao ca- tando ainda hoje muito presentes no dia-a-dia p. 141. samento; e fiéis pedem salvação para o Senhor. da Avenida Paulista. Talvez a ocorrência que 98. RECAMÁN, Luis. Debate

Esse uso combinado do espaço é, segundo melhor represente essas três características, na com o grupo teatral “Cia 98 99 Luiz Recamán , consistente com a própria com- atualidade, seja a Parada do Orgulho Gay , que Auto-Retrato”, 14 Abril de preensão histórica do espaço público no Brasil. ocorre na Paulista há 16 anos. Transformada em 2012

Em palestra pública realizada na Alameda verdadeira festa popular, a marcha só aumenta 99. A Parada do Orgulho

Rio Claro, esquina com a Avenida Paulista, o de volume ano a ano, contando com ampla par- GAY hoje é denominada professor comentou sobre a diferença do país ticipação da população homo ou heterossexual, “Parada do Orgulho LGBT” em relação aos países do hemisfério norte, que multidão animada pelo som alto de trios elétricos. cuja sigla significa durante o século XVIII se estruturaram coletiva- Embaixo da enorme bandeira colorida, que “Lésbicas, Gays, Bissexuais mente, baseados na construção de um conceito a parada extende pela avenida, somos imersos e Transgêneros”.

119 em um mar de gente, mas a sensação não é a de temor da multidão de desconhecidos. Veem- -se cabeças e braços agitados, desenhados em silhueta, dançando. O arco-íris que cobre a todos é o lema da marcha pela diversidade, e é o céu e o horizonte comum de quem segue. Pouco im- porta se falta ar, se se transpira. Chocar-se com o vizinho só perturba temporariamente o ritmo. O espaço naquele momento é habitado por iguais, e se negocia instantaneamente, com astúcias in- visíveis e gentis, a la Michel de Certeau100. A sen- sação compartilhada é de amizade, mesmo entre desconhecidos, uma alegria entusiasmante. Experiências como essas renovam nossa per- cepção da avenida, cuja espessura simbólica não pode ser analisada sem se levar em conta um entrelaçamento permanente e simultâneo

Multidão toma a Avenida Paulista entre o que decorre dos sentidos, das sociabili- dades, do habitar101.

100. CERTEAU, Michel de.

A invenção do cotidiano.

101. CHÊNE, Aurelie. Per- cepções corporais do mundo urbano. p. 145.

120 121 castelo de um homem só

122 O encontro da Rua Augusta com a Avenida Paulista conforma, sem dúvida, quatro das esqui- nas mais movimentadas da região. A proximidade das entradas do Metrô Consolação, do Shopping Center 3, Conjunto Nacional, cinemas e bares da Rua Augusta são as razões mais prováveis para a animação do local. A despeito dessa popularidade e intensa cir- culação de pedestres, o estreitamento da calça- da, promovido por largos canteiros nas esqui- nas, rouba dos pedestres um valioso espaço de estar, em uma localização tão procurada. Isso sem falar nas muretas desses canteiros, propo- sitalmente estreitas para impedir o pedestre de sentar-se, problema que mereceu ser abordado em um episódio específico deste trabalho.102 É o espaço absolutamente vazio, porém, de- fronte à torre de granito rosado do Banco Safra em uma dessas esquinas, que nos chama a aten- ção, pelo constraste com o entorno movimentado. baixos que facilitam o acesso e a acomodação, Ao analisar os fluxos de pedestres e ocupa- intensa concentração de grupos e indivíduos na

ção do espaço da praça frontal ao Seagran Buil- região próxima à esquina; que ficam ali para 102. Para ler mais sobre as ding, em Nova Iorque, Willian H. Whyte descre- exercitar a atividade que Whyte identificou como muretas gradeadas, con- ve um padrão de ocupação semelhante ao da a prática mais popular em espaços públicos: ver sulte episódio “É proibido faixa frontal ao Edifício do Banco Safra: degraus outras pessoas passarem. sentar”, p.110.

123 Se as semelhanças de localização e usos existem, do prédio chama a atenção. O intenso policia- elas param por aí. Se na plaza projetada por Mies mento, que inibe o recostar da população du- Van der Rohe o espaço público é aberto e tem aces- rante o dia, também é evidente. O espaço se so livre, a situação não se repete no espaço frontal torna pouco convidativo, conforme descreve o ao prédio do Banco Safra, na Avenida Paulista. pesquisador Marcelo Luiz Ursini: A diferença de qualidade entre a vulgar cal- çada da Paulista, marcada por chicletes, e o belo O patamar que ocupa toda a extensão frontal do grafismo de Burle Marx na calçada de entrada terreno se justifica muito mais para uma observação

124 da monumentalidade pretendida pelo edifício, pois por Burle Marx, somente visível para as poucas não convida ao fluxo ou permanência. O piso externo almas que têm acesso à vista, a partir de uma e interno, projetados por Burle Marx, apresentam con- das torres, nas proximidades. tinuidade em seu desenho, mas não percebemos pois Enquanto o terraço-jardim, inevitavelmente, as portas em vidro refletivo os separam.103 permanecerá oculto à maioria da população, a faixa verde de canteiro que ocupa parte da fai- No tempo em que o relato do pesquisador foi xa frontal do prédio, voltada à Avenida Paulista, escrito, a frente do prédio provavelmente per- seria melhor aproveitada, se fosse remodelada e manecia aberta à calçada da avenida duran- aberta para a população. Esse espaço poderia ser te todo o dia e noite. Hoje ex(os)tensivamente repensado, para ampliar a alça de acesso e con- cercado após as 19 horas e durante os finais de torno da esquina pelos pedestres, ou simplesmen- semana, nesse grande espaço vazio de frente te permitir sua acomodação e permanência junto ao prédio só é permitida a circulação dos fun- à esquina movimentada, ocupação que Whyte re- cionários que realizam a segurança do banco, gistrou como uma das mais populares nos espaços verdadeira caixa-forte afastada da avenida por públicos. Quaisquer dessas alternativas contribui- uma faixa de isolamento, à maneira dos poços riam substancialmente para o aprimoramento da dos castelos medievais. A alarmante inutilidade esquina, especialmente se notarmos que o espaço do local contrasta fortemente com a ocupação permanece vazio, ocupado apenas por um cantei- maciça da faixa de degraus, à sua borda, e com ro e o tótem dourado do banco. a própria calçada defronte. Ninguém que se espreme nos degraus ou circula nessa disputada calçada pode sequer imaginar o oásis deserto que se mantém qua- 103. URSINI, Marcelo Luiz. se secreto, cinco pavimentos acima do nível do Entre o público e o privado, chão. Trata-se de um terraço-jardim projetado p.59.

125 se essa rua fosse minha... 126 Onde fosse pelo mundo, conhecer era por meio do passo. Vim a descobrir, efetivamente, cada polegada quadrada das calçadas de meu quarteirão, rachadu- ras nos muros; ervinhas que grassavam; os musgui- nhos. Um modo sensualíssimo de me relacionar com as coisas da cidade.104

Em 2009, a última reforma da Avenida Paulista substituiu as antigas calçadas de mosaico portu- guês já degradadas por piso de concreto, mais liso e acessível, incluindo 120 rampas de acesso nas esquinas e faixas de pedestre, e uma faixa de piso tátil em toda a extensão das calçadas, para auxiliar no deslocamento de pessoas com deficiência visual. Ainda foi mantida uma faixa de piso original, reparos, resultando em remendos que saltam na frente de quatro prédios tombados – Casa aos olhos, junto com as manchas de chicletes jo- das Rosas, edifícios Paulicéia e Três Marias, gados no chão, que também impressionam pela Conjunto Nacional e Parque Trianon - para pre- enorme quantidade. servar seu valor histórico. No entanto a convi- Porém quem anda olhando para o chão, como vência entre os pisos não apenas estimulou a muitas crianças e arquitetos, não sente falta ape- nostalgia de quem hoje só vê encanto na faixa nas da policromia das antigas calçadas ladrilha- de mosaico antigo, como também pouco favo- das em pedra, também lamenta a remoção dos receu o revestimento mais novo, cuja própria pequenos mosaicos, encontrados em diversos 104. YAZIGI, Eduardo. O natureza monolítica dificulta a manutenção e pontos do caminho, instalados nos locais onde mundo das calçadas, p. 15.

127 as pedras portuguesas se soltavam da calçada, dução dos ladrilhos foi feita pelo próprio grupo, consertando o pavimento com graça. a partir de azulejos velhos e placas de argila. A O projeto que deu origem à instalação desses atividade foi financiada pelo Banco Real, cuja mosaicos, denominado “Trilhas Urbanas”105, foi sede ocupava a esquina da Avenida Paulista implantado na avenida em 2001 por um grupo de com Alameda Rio Claro, local onde se instala- voluntários junto com alunos da Escola Estadual ram mais de 1.500 peças, restando até hoje par- Rodrigues Alves, localizada na esquina da Ave- te do mosaico, instalado nos pés dos bancos do nida Paulista com a Rua Teixeira da Silva. A pro- jardim privado do prédio.

105. YURI, Débora. Nas trilhas da cidade. Revista da Folha em 16 dezembro

2001, p. 39.

128 Mas, se o novo piso de concreto eliminou, em meio ao concreto cinza, malhado pela goma com sua uniformidade monocromática, as ve- de mascar. São apropriações temporárias e, na lhas marcas e apropriações da população es- maioria das vezes, apelam para o humor do pas- palhadas pelas calçadas, uma nova prática de sante, que não raro retribui com um sorriso, às pintura da calçada com extêncil vem imprimin- vezes até com uma foto do local. do suas pegadas na via. Carregadas de men- sagens criativas, essas iniciativas pontuais vêm desenhando novos marcos singelos na avenida,

129 COnCLUSÃO Ao andarmos pela cidade, vemos e somos Esse olhar invoca a necessidade de uma postu- vistos, criamos a cenografia que desejamos, em ra de todos que desenham os espaços da cidade um palco preexistente, do qual nos apropria- – públicos e privados – de acomodar as diferen- mos, na maior parte das vezes, de improviso. No tes formas de interação do sujeito com os espaços entanto esses cenários particulares dependem urbanos, dando oportunidade à sua expressão e tanto dos elementos materiais do espaço, quan- compartilhamento de seus valores e desejos. to de nós, os atores que os utilizamos. Ambos es- Para que isso ocorra é preciso revisar as possi- tamos em constante transformação. bilidades de inclusão que o meio urbano oferece Os desejos e necessidades cambiantes que à população, o que remete a um dos propósitos carregamos conosco inevitavelmente podem deste trabalho, que é o de se questionar sobre a entrar em conflito com a realidade material possibilidade de uma cidade que comporte não da cidade construída, que demora mais tempo somente as funções utilitárias, as instituições e para ser transformada, e é fundamentalmente seus discursos, mas que seja palco aberto para compartilhada com outros atores, que carregam seus habitantes. outros desejos, compreensões e espectativas. Vi- Se a arquitetura introduzida na Avenida Pau- ver na cidade é dividir o palco, e não é tarefa lista nas últimas décadas estava intrinsecamente fácil; esbarramos em tensões constantes. relacionada com sua função prática, nossa in- Aprender a conviver e se adaptar, porém, é vestigação apresentou diversas características e a arte do cotidiano, e nossas aprendizagens se- ocorrências cotidianas que revelaram que, hoje, rão tão mais profícuas quanto a qualidade do sua feição não responde unicamente à presen- espaço público o permitir, sendo essa qualidade ça dos bancos e empresas que lhe deram forma. medida através da diversidade dos usos, encon- Trata-se de um espaço marcado pelas práticas tros, apropriações e vivências que os espaços de seus habitantes, dentre os quais estão os exe- da cidade podem propiciar. cutivos (de pedra ou não), mas também os uni-

131 versitários, os turistas, os skatistas, todos conside- seus espaços. Essas “pistas” estão nas ruas, são rados como sujeitos com desejos e necessidades. a “fala dos passos perdidos” que nos conta Mi- Limitar as intervenções no espaço da cidade chel de Certeau. a questões estritamente técnicas pode provocar Assim, concluímos este trabalho, em meio a consequências desfavoráveis imprevistas, como uma galeria de imagens de práticas e mensa- vimos na última reforma da via, cuja substituição gens capturadas nas ruas da cidade, encontra- do calçamento intensificou seu uso por skates, bi- das também pelas calçadas da Avenida Paulista cicletas e outras rodas, gerando conflitos com os e nos espaços virtuais. Acreditamos que mesmo pedestres, ainda hoje não resolvidos. as iniciativas mais singelas podem ter um gran- Encontrar espaço para todos esses sujeitos na de efeito simbólico, reacendendo as esperanças cidade significa estabelecer coalizões, se opor e motivações para continuar, de alguma forma, a uma concepção de arquitetura e urbanismo buscando construir uma cidade mais humana. autoritários, limitantes. Para tanto, é fundamen- tal estabelecer um diálogo contínuo com outras áreas do conhecimento que auxiliem no enten- dimento das populações e suas demandas. Isso significa expandir os limites da arquitetura como disciplina, incorporando aportes de outras áreas, para conceber espaços da cidade que não des- conheçam a condição de subjetividade do ho- mem, que dêem espaço para as redes invisíveis construídas por ele. Nossa investigação tentou ler as marcas dei- xadas pela população na Avenida Paulista como informações preciosas para o aprimoramento de

132 133 134 4/19/2013 6:54PM 4/19/2013 https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/pkg_impcv.trata  

135 Currículo Lattes 1 of 2 of 1 w

Galeria de IMAGENS 134 w

135 136 137 138 139 140 141 Bibliografia

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YAMAJI, Fábio. Niagara, São Paulo. 29 de Agosto de 2004. Disponível em: Acesso em 10/12/2012.

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Lista de imagens

Capa - Caminhos na Paulista. LEE, Petrus, 2013.

p. 22/23 - Belvedere MASP - KOLLER, Henrique, 2013

p. 24 - Panorama de São Paulo visto do Belvedere Trianon, em 1916. [s.n.].- Disponível em . Acesso em 2 janeiro 2013.

p. 25 - Relevo verticalização - VASCONCELLOS, Cassio. Noturnos São Paulo. Disponível em: http://cassiovasconcellos.com.br/ gallery/noturnos-sao-paulo-galeria/>. Acesso em Março 2013.

p. 27 - Meditação MASP - ZILBERMAN, Caroline. Cásper Líbero, 2012.

p. 28 - O Abandono do Túnel 9 de Julho. NASCIMENTO, Douglas. Website São Paulo antiga. Disponível em.

p. 29 - Cones de concreto do MASP - Foto da autora, 2012.

p. 29 - Aquarela MASP, Lina Bo Bardi. FERRAZ, Marcelo Carvalho. Lina Bo Bardi. São Paulo, Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1993.

154 p. 31 - Av. Paulista 1902. GAESLY, Guilherme. Avenida Paulista looking towards Rua da Consolação, 1902. Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. Apud SHIBAKI, Viviane Veiga.

p. 33. - Escavação Projeto Nova Paulista. - D’ALESSIO, Vito; SOUKEF, Antônio; ALBARELLO, Eduardo. Avenida Paulista: a síntese da metrópole. São Paulo: Dialeto Latin American Documentary, 2002, p.83.

p. 36/37 - Lotação no metrô. LEE, Petrus, 2013.

p. 39 - Cow parade na enxurrada. MARIANO, Julio. Disponível em

p. 40 - Caminhando na enxurrada. Disponível em .

p. 41 - Chovendo na Paulista. LEE, Petrus, 2013.

p. 42 - Congestionamento na R. Augusta x Av. Paulista. Disponível em .

p. 42 - Guarda-chuvas. PALLONE, Kaue. Disponível em:

p. 43 - Enchente no túnel. Portal Globo.com. Disponível em:

p. 45 - Homem bituca. SOUZA, Leonardo. Portal de notícias na internet Uol. Disponível em: .

p. 46 - O Bituqueiro Pet, Blog. Disponível em:< http://obituqueiropet.wordpress.com/2011/03/23/bituqueiro-na-av-paulista/>.

155 p. 47 - Bituqueiro público. Foto da autora, 2013.

p. 50/51 - Caverna do automóvel. LEE, Petrus, 2013.

p. 52 - Vista aérea do complexo viário Av. Paulista. blog Quando a cidade era gentil.Disponível em:

p. 53 - Tunel dos grafites. CAFFÉ, Carla. Avenida Paulista. São Paulo: Cosac Naify/Edições Sesc SP, p.2.

p. 55 - Luzes azuis túneis. UOL. Disponível em:

p. 57 - Trianon aérea. Website “sampaonline.com.br” in : site Paulista 900. Disponível em

p. 59 - Trianon. CAFFÉ, Carla. Avenida Paulista. São Paulo: Cosac Naify/Edições Sesc SP, p.14.

p. 61 - Grafite Michês. LEE, Petrus, 2013.

p. 64 - Bandeirante. LEE, Petrus, 2013.

p. 65 – Carlitos dorme do colo da estátua. Filme Luzes da Cidade. Disponível em: < http://www.boloji.com/index.cfm?md=Content&sd=Articles& ArticleID=13559>.

p. 68 - Canga na escultura. Foto da autora, 2012.

156 p. 69 - Coração de bandeirante. Coletivo Aqui bate um coração. Disponível em:

p. 69 - Índio biker. Blog Apocalipse Motorizado. Disponível em:

p. 73 - Descendo R. Augusta. ARAKAKI, Sidney. Site “Almasurf”. Disponível em .

p. 74 - Olha a Ôla! FAGA, Cris. Estadão Uol. Disponível em .

p. 77 - Curativo na Paulista. Coletivo Curativos Urbanos. Disponível em: < https://www.facebook.com/curativosurbanos?ref=ts>.

p. 79 - Buraco na calçada. LEE, Petrus, 2013.

p. 81 - “Flora der umgebung der stadt São Paulo”. USTERI, Alfred, Alemanha, 1911. Apud JAYO, Martin.Disponível em:< http://quandoacidade. wordpress.com/2012/10/19/olhando-as-figuras/#jp-carousel-3376>

p. 82 - Av. Paulista preto e branco, 1957. ACERVO ELETROPAULO, Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. Apud SHIBAKI, Viviane Veiga.

p. 82 - Av. Paulist em cores, déc. 1970. JAYO, Martin. Blog “Quando a cidade era mais gentil”.Disponível em: .

p. 84 - Rua Antônio Carlos arborizada. Foto da autora, 2013.

157 p. 85 - Rua Antônio Carlos de cima. Foto da autora, 2013.

p. 86 - Mais amor, menos motor. Foto da autora, 2012.

p. 88 - Bicicletada na Paulista. Foto da autora, 2012.

p. 89 - Panorâmica bicicletada. ALKMIN, Carlos. Disponível em:

p. 90 - Mar de gente. LEE, Petrus, 2013.

p. 90 - Praia na Paulista, 2012. Foto da autora, 2012.

p. 93 - Praia na Paulista, 2009. CANALE, Felippe. Yahoo, coluna Para Curtir. Disponível em: .

p. 94 - Number Five, 1948, Jackson Pollock. Disponível em: .

p. 97 - Rolê na calçada. XAVIER, Marco. Disponível em: .

p. 98-99 - Tombo na Paulista. Fotos da autora, 2012.

p. 100 - Fotos do acervo da exposição Destroy and Create, Matilha Cultural, 2011. Disponível em:

p. 103 - Fotos do acervo da exposição Destroy and Create, Matilha Cultural, 2011. Disponível em:

158 p. 105 - Atores cobertos de argila fazem caminhada na Paulista. FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: .

p. 106 - Trecho da obra “coletivo”. VASCONCELLOS, Cassio. Disponível em: < http://cassiovasconcellos.com.br/coletivo- serie/>. Acesso em 17 de Março 2013.

p. 109 - “Os Cegos”, BRUEGUEL, Pieter (1528-1569). Disponível em: .

p. 110 - É proibido sentar. Foto da autora, 2013.

p. 111 - Sentados no canteiro. Foto da autora, 2013.

p. 113 - Dormindo no Conjunto Nacional. BERNARDES, Fabrício. Projeto M900, Faculdade Cásper Líbero, 2012.Disponível em: .

p. 114 - Vista do túnel e MASP Av. 9 de Julho. LEE, Petrus, 2013.

p. 115 - Vista histórica do túnel e MASP Av. 9 de Julho. Website São Paulo Antiga. Disponível em:

p. 117 – Escadaria de acesso Av. 9 de Julho. LEE, Petrus, 2013.

p. 118 - Marcha sensível. Foto da autora, 2012.

159 p. 120 - Passeata na Paulista. SOUZA, Luiz P. M.. Disponível em: .

p. 122 - Terraço jardim Banco Safra. Foto da autora, 2012.

p. 123 - Multidão na esquina com R. Augusta. Foto da autora, 2012.

p. 124 - Grades do Safra. Foto da autora, 2013.

p. 127 - Brincando na calçada. BARICHELLO, Leo. in Flickr. Disponível em:

p. 128 - Recicle seu coração. Foto da autora, 2012.

p. 129 - Obrigado, voltaremos sempre. GUERRA, Abilio, 2012.

p. 129 - Caminho podotátil. HAYASAKA, Eli. in Flickr. Disponível em:

160 Galeria de imagens

Página 135 (sentido horário):

1. - Disponível em : . 2. Balões da liberdade - Disponível em: . 3. Recicle seu coração. Foto da autora, 2012. 4. Galeria de arte no pilar. Foto da autora, 2013. 5. Hear nothing, see nothing, say nothing. Disponível em: . 6. Mais amor, por favor. Foto da autora, 2013.

Página 136 (sentido horário):

1. Cadeirante almoça na lixeira. COSTA, Vivian. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 2. Admirando o eixo monumental. Disponível em: . 3. Simpático Rastafari. SCUDELLER, Aline. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 4. Já existiu hoje? Foto da autora, 2012. 5. Dormindo pra fora. GUERRA, Abílio, 2013.

161 Página 137 (sentido horário):

1. Cerva com amigos. SCUDELLER, Aline. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 2. O palco de Milton. COSTA, Vivian. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 3. Close no fumante. SCUDELLER, Aline. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012.

Página 138 (sentido horário):

1. Zona de Recepção. COSTA, Vivian. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 2. Silhuetas na calçada. Disponível em: . 3. Piso podotátil. Disponível em: . 4. Não pise na grama. Foto da autora, 2013. 5. Levanta esse olhar! Foto da autora, 2013.

Página 139 (sentido horário):

1. Relevo do paredão da Gazeta. Disponível em: . 2. Canal 9 de Julho. Montagem fotográfica. Disponível em: . 3. Passagem subterrânea sob Rua da Consolação. Foto da autora, 2012. 4. Intervenção colorida próximo túnel 9 de Julho. Coletivo Muda. Disponível em: . 5. Paulista aérea. Disponível em: .

162 Página 140 (sentido horário):

1. Panorâmica esquina do MASP. LEE, Petrus. 2013. 2. Moradora de rua na porta do banco. Foto da autora, 2012. 3. Mirante obstruido por palmeira. Foto da autora, 2012. 4. Espelho d’água do MASP. LEE, Petrus, 2013.

Página 141 (sentido horário):

1. Rescostado para fumar. COSTA, Vivian. Projeto M900 - Faculdade Cásper Líbero, 2012. 2. Estação Consolação. LEE, Petrus, 2013. 3. Panorâmica do terreno Matarazzo. LEE, Petrus, 2013. 4. Vão do MASP. Foto da autora, 2012.

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