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Moisés Rosa Tássia Gregati

METAFORICAMENTE Cassiano Ricardo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Comunicação, da Univap, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Jornalista.

Orientador: Prof. José Aparecido de Siqueira

Diagramação: Maurício Pancini

Desenhos: Ewerton da Silva

Créditos: Fotografias cedidas pelo Arquivo Público Municipal da Fundação Cultural de São José dos Campos e arquivo pessoal de Ana Teresa Bernardes

Gráfica: Copiadora França – Rua Egle Carnevali, 34 – Jardim das Indústrias – São José dos Campos / SP

São José dos Campos - SP 2009 Metaforicamente - Cassiano Ricardo Este livro-reportagem intitulado “Metaforicamente – Cassiano Ricardo” relata os principais acontecimentos na vida do poeta Cassiano Ricardo Leite. Esta publicação é voltada para o público jovem, de 14 a 18 anos, com desenhos para ilustrarem as passagens do escritor/poeta. A paixão pela escrita começou cedo, aos 9 anos Cassiano Ricardo já permeava pelo mundo da escrita, escrevia e elaborava jornais para a escola, escrevia pequenos poemas. Menino nascido em 26 de julho de 1895, na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, o pequeno Cassiano já mostrava os seus dons na escrita, onde começou a se dedicar à escrita do jornalzinho „O Ideal‟, na Escola Olympio Catão, localizada na região central de São José dos Campos. Naquela época, Cassiano escreveu o jornal utilizando uma caneta bico-de-pena, com muitos detalhes e capricho na confecção dos textos. Menino vindo da zona rural de São José, Cassiano adorava brincar com os demais amigos quando criança. Na fazenda Santa Teresa, no bairro Vargem Grande, morava com o pai Francisco Leite Machado, que vendia os produtos da fazenda, como leite e cadê no Mercado Municipal, e a mãe Minervinha Ricardo Leite, que também escrevia versos. O incentivo para a escrita e leitura vinha da família, que o apoiava o seu aprimoramento cultural. Cassiano Ricardo lança seu primeiro livro, intitulado “Dentro da Noite”, escrevendo outros livros de repercussão, como: “Martim Cererê”, traduzido para muitos idiomas e ilustrado por Di Cavalcanti, se fundamenta no mito tupi do Saci-Pererê, manifestando uma conciliação das três raças formadoras da cultura nacional, a indígena, a africana e a portuguesa. Outro livro de repercussão foi “Vamos Caçar Papagaios”, criado no período da Semana de 22. Em seu momento de ascensão na literatura, Cassiano foi convidado para assumir uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras, no ano de 1937. Na política, criou o movimento Verde-Amarelo, e participou também do Movimento Anta. No Movimento Verde- Amarelo, Cassiano Ricardo tinha como objetivo incentivar o naturalismo brasileiro, em oposição ao nacionalismo „afrancesado‟ proposto pela Semana de Arte Moderna. O poeta lançou 21 publicações entre obras e ensaios, nos mais diferentes assuntos. Cassiano Ricardo faleceu no Rio de Janeiro, em 14 de jan. de 1974. 2

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer primeiramente aos nossos familiares que nos ajudaram durante todos esses anos para que pudéssemos chegar até onde chegamos. Agradecer o apoio do nosso orientador, o professor José Aparecido Siqueira, que nos ajudou muito para a elaboração deste livro-reportagem. Outras pessoas fundamentais foram os pesquisadores Paulo César e Edna Regina, da Fundação Cultural de São José dos Campos.

Agradecimentos também à Ângela Savastano, diretora do Museu do Folclore de São José, que nos indicou um de nossos entrevistados. Também nos ajudaram muito com fotografias, Edna Petri e Erika Siqueira, da Assessoria de Comunicação da FCCR, e também Ana Teresa que nos cedeu algumas fotos de seu arquivo pessoal.

A todos que nos ajudaram, os nossos sinceros agradecimentos

LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Cassiano Ricardo sentado em banco de praça e escrevendo texto ...... 12 Foto 2 – Fotografia de Cassiano Ricardo quando bebê ...... 13 Foto 3 – Cassiano Ricardo na juventude ...... 22 Foto 4 – Cassiano Ricardo como advogado ...... 31 Foto 5 – Cassiano Ricardo na Academia Brasileira de Letras, em 1937 ...... 47 Foto 6 – Cassiano Ricardo na Academia Brasileira de Letras, em 1937 ...... 54 Foto 7 – Capa do disco de “Secos e Molhados” ...... 60

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LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Ilustração 1 – Rascunho de escrita de Cassiano Ricardo ...... 6 Ilustração 2 – Riso e lágrima – poema de Cassiano Ricardo ...... 17 Ilustração 3 – baseado em “Montanha Russa”, de Cassiano Ricardo ...... 29 Ilustração 4 – Poema “A borboleta” escrito no primeiro jornalzinho de Cassiano Ricardo, na escola Olympio Catão ...... 33 Ilustração 5 – Antropogafismo, não – Cassiano Ricardo lutando contra o antropofagismo ...... 42 Ilustração 6 – “Primeiro amor” – Cassiano Ricardo sempre amou São José dos Campos ...... 57 Ilustração 7 – Cassiano na MPB – inspiração para secos e molhados...... 59 Ilustração 8 – Prece cósmica – poema de Cassiano Ricardo e João Ricardo ...... 61 Ilustração 9 – As andorinhas – poema de Cassiano Ricardo e João Ricardo ...... 62 Ilustração 10 – Poema “sinal no céu”, em inglês ...... 64 Ilustração 11 – Poema “onça preta” em alemão ...... 65 Ilustração 12 – Cassiano Ricardo na inauguração da biblioteca municipal em São José dos Campos que leva o seu nome, 1968 ...... 68 Ilustração 13 – Cassiano na Semana Cassiano Ricardo, autografando livros, 1972 ...... 69 Ilustração 14 – Movimento com as mãos que Cassiano Ricardo sempre repetia ...... 71 Ilustração 15 – Olhos de Cassiano Ricardo ...... 73 Ilustração 16 – Lábios de Cassiano Ricardo, característica marcante do poeta ...... 73 Ilustração 17 – Cassiano Ricardo assinando livros na Semana Cassiano Ricardo de 1972...... 75 Ilustração 18 – O poeta Cassiano Ricardo lendo livro ...... 79 Ilustração 19 – Cassiano Ricardo foi um poeta vanguardista ...... 84

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...... 6 2 INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ...... 14 3 CASSIANO ENTRE LETRAS ...... 23 3.1 “Martim Cererê” ...... 24 4 O OUTRO LADO DE UM POETA ...... 32 4.1 Um jornalista...... 32 4.2 Um político...... 37 5 UMA INDIGNAÇÃO QUE ACABOU EM HOMENAGEM ...... 48 6 UM CURIOSO CASSIANO ...... 55 6.1 Inspiração para secos e molhados ...... 59 6.2 Sign in the sky x Die hwarze tigerkatze ...... 63 6.3 A semana de Arte Moderna ...... 66 6.4 Entre Maragatos e Picapaus ...... 67 7 CASSIANO E EU: A HISTÓRIA DE ANA TEREZA BERNARDES ...... 69 7.1 Semana de 22 ...... 74 7.2 Roubo dos livros ...... 76 8 CONCLUINDO...... 80 REFERÊNCIAS ...... 82

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1 INTRODUÇÃO

Ilustração 1 – Rascunho de escrita de Cassiano Ricardo Fonte: Fundação Cultural Cassiano Ricardo 7

A paixão pela escrita começou cedo, aos 9 anos Cassiano Ricardo já permeava pelo mundo da escrita, escrevia e elaborava jornais para a escola, escrevia pequenos poemas. Menino nascido na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, o pequeno Cassiano já mostrava os seus dons na escrita, onde começou a se dedicar à escrita do jornalzinho “O Ideal”, na Escola Olympio Catão, localizada na região central de São José dos Campos. Naquela época, Cassiano escreveu o jornal utilizando uma caneta bico-de-pena, com muitos detalhes e capricho na confecção dos textos.

Menino vindo da zona rural de São José, Cassiano adorava brincar com os demais amigos quando criança. Na fazenda Santa Teresa, no bairro Vargem Grande, morava com o pai Francisco Leite Machado, que vendia os produtos da fazenda, como leite e cadê no Mercado Municipal, e a mãe Minervinha Ricardo Leite, que também escrevia versos. O incentivo para a escrita e leitura vinha da família, que o apoiava o seu aprimoramento cultural.

Na infância, os estímulos para que Cassiano Ricardo escrevesse eram diversos. A mãe, Minervina, escrevia poesias, o tio Manuel Ricardo era poeta, o primo de Cassiano, Zezinho Monteiro era jornalista e dono do jornal “A Cidade”.

Os incentivos só viriam a somar na vida de Cassiano Ricardo. Aos 12 anos, fundou com outros colegas o jornalzinho “Íris” custeado pelo pai, como maneira de incentivá-lo a se aprofundar na escrita e leitura. Com 16 anos, o jovem começou a escrever para o jornal da cidade chamado “4 Paus”, que era impresso na oficina de seu pai chamada “A Tribuna”. Nesse jornal, Cassiano Ricardo começou a ser reconhecido na cidade por suas duras críticas aos políticos e personalidades, criando polêmicas no meio social.

Nos estudos, Cassiano precisou se mudar para a cidade de Jacareí, vizinha de São José, para terminar os estudos do ensino fundamental e médio, já que São José não tinha esse ensino.

Depois de terminar, Cassiano e família se mudaram para São Paulo, onde o jovem vanguardista ingressou na Faculdade de Advocacia e veio a terminar os estudos na cidade Maravilhosa, Rio de Janeiro. Lá, lançou seu primeiro livro intitulado “Dentro da Noite”, escrevendo outros livros de repercussão, como: “Martim Cererê”, traduzido para muitos idiomas e ilustrado por Di Cavalcanti, se fundamenta no mito tupi do Saci-Pererê, 8 manifestando uma conciliação das três raças formadoras da cultura nacional, a indígena, a africana e a portuguesa. Outro livro de repercussão foi “Vamos Caçar Papagaios”, criado no período da Semana de 22.

Em seu momento de ascensão na literatura, Cassiano foi convidado para assumir uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras, no ano de 1937. Na política, criou o movimento Verde-Amarelo, e participou também do Movimento Anta. No Movimento Verde-Amarelo, Cassiano Ricardo tinha como objetivo incentivar o naturalismo brasileiro, em oposição ao nacionalismo „afrancesado‟ proposto pela Semana de Arte Moderna.

Para o pesquisador da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, Paulo César, o livro-reportagem é a melhor forma para os jovens aprenderam detalhadamente sobre a vida de Cassiano.

“Ele (Cassiano Ricardo) era muito à frente do tempo. Intelectual ao extremo. Os jovens de hoje precisam valorizar mais essa cultura de Cassiano Ricardo”.

Segundo ele, o livro-reportagem consegue explorar os acontecimentos mais a fundo do que outras modalidades.

“O livro-reportagem consegue se aprofundar melhor no tema, diferentemente dos outros tipos de modalidades, que exploram o lado superficial. O livro-reportagem é algo mais profundo, assim como Cassiano Ricardo era.”, disse Paulo César, pesquisador da FCCR.

Cassiano foi um homem muito importante para o jornalismo, para a literatura e também para a política. Criou seu estilo próprio de escrever, sempre com dedicação e capricho. Na política, Paulo conta no livro que Cassiano Ricardo serviu ao regime militar, sendo muito criticado por algumas pessoas.

“Ele serviu ao regime militar de Getúlio Vargas. Algumas pessoas o criticaram por essa postura. A sua participação no cenário brasileiro foi de extrema importância.”, conta o pesquisador Paulo.

Para a professora Ana Teresa (que teve o seu primeiro contato com o poeta em uma tarde de autógrafos) a produção deste material para o público-jovem é muito importante para o enriquecimento cultural.

“Este material é muito importante para os jovens. Já trabalhei em 9 sala com diversos temas sobre a vida de Cassiano Ricardo, e sem dúvida, é essencial este tipo de material para o aprendizado”.

Segundo Ana Teresa, as obras do poeta eram além dos pensamentos da época:

Cassiano Ricardo sempre foi de vanguarda. As obras dele eram de atualização, sempre à frente dos tempos, muito preocupado com a sobrevivência do ser humano. Ele gostava de explorar as palavras de uma maneira diferente dos outros autores, esse era o diferencial de Cassiano Ricardo.

Ela conta ainda que sempre admirava as obras de Cassiano Ricardo, mas nunca teve coragem de conversar com ele pessoalmente quando era criança, tendo apenas o primeiro contato em uma tarde de autógrafos em São José dos Campos.

Eu tinha vergonha de chegar e conversar com Cassiano Ricardo. A primeira vez que pude realmente conversar com ele foi em 1972, na Semana Cassiano Ricardo, quando ele veio para São José dos Campos. Eu ainda dava aulas de português na Escola João Cursino, na região central da cidade.

O autor Amilton Maciel Monteiro relata em seu livro “Cassiano Ricardo – Fragmentos para uma biografia”, que no jornalismo, o escritor e poeta Cassiano, conseguiu várias pessoas para ajudá-lo na escrita do Jornal „A Manhã‟.

Conta Amilton Maciel Monteiro em seu livro:

Interessante notar que, nessa verdadeira plêiade de intelectuais que o escritor e poeta de São José conseguiu reunir para formar a elite de colaboradores do jornal que dirigia, havia gente com gosto e matriz político das mais variadas espécies. E principalmente havia gente da índole contrária às idéias e às posturas do Estado Novo de Getúlio Vargas que o órgão (Jornal A Manhã, sob direção de Cassiano Ricardo), de certa forma oficioso representava.

O jornalista Roberto Wagner de Almeida, que teve contato e foi um dos amigos do poeta relata neste livro-reportagem as suas experiências ao lado do poeta, desde o seu primeiro contato, criação da Semana Cassiano Ricardo, jornalismo, até o rompimento de amizade. Conta o jornalista:

No ano de 1965, consegui o endereço dele e fui a São Paulo. À época ele morava em uma casa na Rua Cardoso de Almeida, no 10

bairro de Perdizes, e me recebeu com muita atenção e carinho, só pelo fato de um vir de São José dos Campos. E, antes de começarmos a entrevista, conversou muito sobre a cidade. Aquilo me demonstrou que o que se dizia aqui a respeito dele não era verdade. A partir daquele primeiro encontro, passamos a ser amigos. Eu freqüentava sua casa e, numa dessas ocasiões, lendo uns poemas meus, ele comentou que o que eu estava escrevendo tinha alguma semelhança com o movimento da Poesia Praxis, que havia sido lançada por Mário Chamie.

Em relação à criação da Semana Cassiano Ricardo, homenagem ao poeta em São José dos Campos, o jornalista Roberto Wagner explicou como surgiu a idéia. Disse Roberto Wagner:

Luiz e eu tivemos, na verdade, duas intenções. Queríamos, de fato, criar uma semana anual de homenagem a Cassiano, a exemplo da que Taubaté realizava para homenagear Monteiro Lobato. Mas nós queríamos também a oportunidade de mostrar ao prefeito Elmano Veloso que éramos capazes de organizar um evento de grande expressão, que mobilizasse toda a parcela mais culta da cidade. Nós éramos jovens e os intelectuais respeitados nessa época, aqui em São José, eram bem mais velhos do que nós e já estavam acomodados. Acabamos convencendo o prefeito a nos dar essa oportunidade. O texto do projeto de lei que criou a Semana Cassiano Ricardo foi escrito por mim e por Luiz, no escritório de advocacia que eu então mantinha na Rua Sebastião Hummel. No mesmo prédio, por sinal, em que também mantinha escritório o advogado e escritor Altino Bondesan. Nós levamos o texto ao prefeito Veloso, sua assessoria fez as adaptações necessárias, e o projeto foi enviado à Câmara Municipal, que o aprovou. Cassiano, é claro, sentiu-se muito lisonjeado.

Outro jornalista, também conhecedor da vida de Cassiano Ricardo, Júlio Ottoboni, fala sobre a contribuição de Cassiano para a cultura da cidade e como o poeta entrou para a política.

(A contribuição foi) Imensa e até hoje pouquíssimo explorada. Ele conseguiu os recursos necessários para a constituição da Biblioteca Pública Cassiano Ricardo, assim como parte do acervo. Só o fato de São José ser a primeira cidade do Vale do Paraíba a ter um imortal na ABL já era um estrondo com ecos em todas as partes.

Na política, Cassiano Ricardo ingressou na política após ser servidor de carreira e tinha até a intenção de sair como deputado pela cidade. Conta Ottoboni: 11

Como consequência por ser funcionário público de carreira, ele teve uma participação intensa na revolução de 32 ao lado de Pedro de Toledo. Depois disto, passou a redigir os discursos de Adhemar de Barros e foi requisitado por Getúlio Vargas ( que fora seu oponente em 32). Mas Cassiano nunca foi candidato a nada, tentou ser a deputado por São José dos Campos, mas o coronel João Cursino, enciumado, barrou o processo. Depois disto desistiu de cargos eletivos.

Júlio Ottoboni revela ainda que o poeta era curioso e adorava as tecnologias da época. Revelou o jornalista:

Era extremamente curioso, principalmente por novas tecnologias. Também adorava conhecer o funcionamento de brinquedos de seus netos, os quais ele escondia em sua gaveta na escrivaninha para ficar por horas a fio olhar e brincar com os objetos, particularmente os que traziam alguma novidade como movimentos.

Permeando estes fatos e outros acontecimentos marcantes, este livro-reportagem foi dividido em sete capítulos, para melhor ser explorado, para narramos os momentos deste nobre poeta, sendo assim dividido: Infância e Adolescência; histórias da infância de Cassiano Ricardo, o início do aprendizado, a família, o „gosto‟ pela leitura e escrita, o primeiro jornal elaborado por Cassiano Ricardo, entre outros fatos.

O segundo capítulo faz um panorama das principais obras de Cassiano Ricardo, das quais algumas foram premiadas pela originalidade do poeta.

O terceiro capítulo trata-se da importante passagem de Cassiano pela Política e pelo Jornalismo; Cassiano Ricardo dirigiu alguns jornais do país, a crítica da sociedade logo cedo, a credibilidade. Na política, o poeta e jornalista foi extremamente criticado por servir ao Regime Militar de Getúlio Vargas.

No quarto capítulo, aborda a Semana Cassiano Ricardo, realizada em São José dos Campos, em que o autor Cassiano Ricardo veio à São José dos Campos para uma tarde de autógrafo, mostrando o seu lado bem-humorado de viver a vida.

O quinto capítulo deste livro-reportagem conta os mitos e curiosidades sobre a vida de Cassiano, acontecimentos que marcaram a trajetória do poeta, e que ao mesmo tempo causaram polêmicas. 12

No sexto e último capítulo, mostra a história de Ana Teresa Bernardes ao encontrar Cassiano Ricardo pela primeira vez na Semana Cassiano Ricardo, no ano de 1972. Ela conta do primeiro contato com o poeta, das manias que ele tinha ao falar em público, do seu jeito bem- humorado de tratar as pessoas e nos relata de um acontecimento que a deixou muito triste: o roubo de alguns livros autografados por Cassiano Ricardo.

Para concluir este livro, a última parte conta com a conclusão e pensamentos deste trabalho. Nesses capítulos, o leitor conhecerá Cassiano Ricardo por outro olhar, embasado em relatos dos entrevistados.

Este livro-reportagem é destinado aos jovens de 14 a 18 anos, que estão se estão em um momento decisivo de suas vidas: decidir sobre os estudos, sonhos, etc. Nessa mesma linha de raciocínio, Cassiano Ricardo também transitava, sendo um jovem vanguardista e com pensamentos além para a época.

Boa leitura a todos!

Moisés Rosa e Tássia Gregati.

Foto 1 – Cassiano Ricardo sentado em banco de praça e escrevendo texto

Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 13

Foto 2 – Fotografia de Cassiano Ricardo quando bebê Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 14

2 INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

No século XVI uma cidade que ainda se chamava Aldeia do Rio Comprido, e agora São José dos Campos, no interior do Estado de São Paulo, ali nasceu um menino que começou cedo a traçar os passos da literatura e do jornalismo, Cassiano Ricardo Leite, este é o nome do ilustre autor joseense Cassiano Ricardo. Ter pensamentos vanguardistas para a época não era para qualquer pessoa. Cassiano nasceu em 26 de julho de 1895.

Vindo de uma família humilde, o pequeno Cassiano chamava a atenção de todos por sua esperteza. Um menino muito inteligente, que gostava de ler e escrever, mas também não abandonava de jeito nenhum o seu hobby: brincar com os amigos na rua.

O menino de origem humilde morava com os pais Francisco Leite Machado e Minervina Ricardo Leite em uma fazenda na região norte de São José dos Campos, fazenda esta que vendia leite e derivados para o comércio da cidade. A família do pequeno Cassiano também era adepta à leitura e escrita. A mãe de Cassiano, por exemplo, era poeta, algo que incentivou o pequeno a seguir este caminho.

Para o jornalista, Júlio Ottoboni, os grandes incentivadores de Cassiano Ricardo sempre foram a mãe Minerva e o tio Manoelzinho, que sempre estimulavam o pequeno Cassiano a ler e escrever. Disse Ottoboni:

Seu tio Manoelzinho Ricardo, o farmacêutico e poeta, foi fundamental neste processo, mas sua mãe, Minervina, também era dada às letras e pianista exemplar. O jornalismo era uma consequência do exercício literário, um meio de sobreviver, poucos foram os poetas de projeção do século 20 que não exerceram o jornalismo. O Manoelzinho Ricardo colaborava com os jornais da cidade, que eram poucos, e hoje é lembrado por um poema abolicionista publicado na lei áurea. O tio e a mãe eram sempre presenças marcantes neste processo.

O jornalista diz que a família de Cassiano era uma família tradicional na cidade, que tinha como principal sustento o cultivo de café. Relata Júlio:

A família de Cassiano era tradicional em São José dos Campos e isto pode ser aferido nos almanaques do começo do século 20. Eram fazendeiros, políticos e cultivadores de café, principalmente em meados dos séculos 19 e início do século 20. Há membros da família Ricardo, Gomide e Leite até hoje vivendo em São José dos Campos. 15

A sua paixão pela escrita foi aflorando-se na infância, quando aos 7 anos de idade juntamente com outros colegas de classe elaborou a produção de um jornalzinho para a escola Olympio Catão; escola onde estudou durante sua infância, apenas até o ensino fundamental.

Júlio Ottoboni conta que o jornal elaborado pelo poeta fazia parte das atividades escolares, o que Cassiano fazia com muita vontade. Conta Júlio:

O jornal manuscrito por Cassiano Ricardo era oriundo das atividades estimuladas dentro das escolas, coisa que inexiste atualmente. Esses pequenos folhetos eram afixados em murais. Conta a história que cerca Cassiano, que um destes folhetinhos produzidos manualmente e distribuídos junto com seu irmão Aristides (com autoria apócrifa), chegou até um dos bares da cidade que reunia a intelectualidade da época e chegou a provocar uma imensa briga no estabelecimento. Mas creio que isto tenha sido uma discussão acalorada, não o tipo de enfrentamento existe hoje.

Para concluir os estudos do ensino fundamental e médio, Cassiano precisou mudar-se para Jacareí, já que a sua cidade natal não possuía na época ensino a partir da quinta série do ensino fundamental, e concluindo o ginásio no Colégio Nogueira da Gama. O seu dom para a escrita era algo formidável e visível no capricho com sua letra de mão. Algo que sem dúvida chamava a atenção de milhares de pessoas, ao verem um menino se dedicando dia-a-dia para a leitura e escrita. Relata o jornalista:

Era excelente aluno, já que dispunha de uma educação clássica e muitíssimo refinada, São José dos Campos só tinha o primeiro grau, ou seja, a formação básica. A conclusão de seus estudos foi em Jacareí. Ele, inclusive, faz referências a seus professores na obra autobiográfica "Viagem no Tempo e no Espaço". Evidente que ele teve muitos amigos em sua infância e adolescência por aqui, depois outros em sua fase adulta.

Cassiano Ricardo começou a ter destaque nos jornais de São José dos Campos. Ele adorava escrever artigos e cartas para os jornais e a partir daí começou a ter repercussão em todas as cidades os seus textos, que muitas vezes eram criticados pela sociedade. Explicou o jornalista Júlio Ottoboni:

Como era prática do começo do século passado (1915), esses pequenos folhetins eram repletos de artigos. O Cassiano se divertia com isto, era muito mais algo de um pré-adolescente atrevido que tendo contornos profissionais. A prática editorial destes manuscritos 16

(pois não eram rodados em gráficas) sempre partia para a abordagem política local.

O poeta, que tinha o dom da escrita, começou a escrever para jornais da cidade. Entre os jornais para qual enviava alguns textos está o do seu primo, Napoleão Monteiro, que era dono do “Correio Joseense”. Sua linguagem utilizada nos textos era vanguardista. Com doze anos de idade seu interesse pela literatura estava ligado às condições intelectuais e sociais da produção cultural do período. São José dos Campos era uma cidade pequena, que tinha como principal lucro a agricultura, em particular o cultivo do café, os únicos meios de estudo e divulgação da literatura eram as reuniões entre amigos e, a confecção de revistas e jornais.

Cassiano Ricardo também usava o seu dia-a-dia para escrever poesias. Aos 16 anos, o jovem poeta lançou o seu primeiro livro de poesias intitulado “Dentro da Noite”.

A seguir, um texto retirado da Academia Brasileira de Letras, do livro “Dentro da Noite”, primeiro livro publicado pelo jovem poeta joseense. 17

Ilustração 2 – Riso e lágrima – poema de Cassiano Ricardo Fonte: Academia Brasileira de Letras

Comentários retirados do Livro Cassiano Ricardo – “Fragmentos 18 para uma biografia”, de Amilton Maciel Monteiro:

Mas é ainda como estudante de Direito, que em 1915, Cassiano Ricardo lança seu primeiro livro de poesias denominado Dentro da Noite. Composto em plena juventude, quando o poeta mal chegara aos vinte anos, evidentemente que traz versos próprios da adolescência, mas muito bem recebidos pela crítica.

Com a publicação deste livro, Cassiano se tornou um reconhecido escritor, com o conhecimento do poeta ; o maior poeta vivo até então. No ano de 1901, também com 16 anos, o jovem poeta começou a escrever para o jornal “4 Paus”; a impressão do jornal era feita na gráfica do pai de Cassiano Ricardo, chamada “A Tribuna”.

“Cassiano inicia sua vida literária (1925) dentro da escola neoclássica, em muito por sua formação erudita e baseada nos valores europeus que ditavam as normas de educação da elite brasileira.”, disse o jornalista Júlio.

Para o pesquisador da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, Paulo César, Ricardo se portava de uma maneira diferente dos demais meninos. Conta o pesquisador:

Cassiano foi o diferencial para a época, dos outros meninos. Começou muito cedo, aos 9 anos de idade, criando um jornalzinho na escola. Isso sem dúvida era algo inovador e criativo para a época, levando também essas características para a vida toda. Ele era muito caprichoso nos seus trabalhos. Ele era muito à frente do tempo, intelectual ao extremo. Os jovens de hoje em dia precisam valorizar mais essa cultura de Cassiano Ricardo.

Ainda na adolescência, Cassiano e outros amigos lançaram a Revista Íris, que era basicamente para expressar a opinião do grupo, e também participação diretamente da opinião pública. A revista tratava também das tendências literárias da época, como a perspectiva parnasiana (Movimento oriundo da França, rimas ricas, e pelas formas fixas, em especial o soneto. Interessado nessa nova tendência, Cassiano aprofundou-se no lirismo poético (Trata-se de gêneros como cantigas de amor – admiração e submissão à mulher amada, cantigas de amigos – expressão feminina).

Segundo a pesquisadora da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, Edna Regina dos Santos Martelo, o poeta apresentava um texto rico e com vanguardismo. “O que fica nos textos do Cassiano Ricardo são palavras 19 que representam o quanto Cassiano é do bem e sempre valorizava a cidade de São José dos Campos”.

Ela conta que o poeta sempre foi uma pessoa crítica, mas com pensamentos bem fundamentados:

Cassiano era uma pessoa bem crítica, não gostava de injustiça, por isso algumas pessoas o criticavam na cidade. Ele tinha uma visão diferenciada dos acontecimentos. Um ponto que me chama muito a atenção é o dinamismo de Cassiano no uso das palavras.

Após terminar os estudos no Colégio Nogueira da Gama, em Jacareí, Ricardo decidiu também permear em outra área: na advocacia. Cassiano entrou para a faculdade de Direito, em 1913, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, com 19 anos. Porém, o jovem Ricardo permaneceu na faculdade até o terceiro ano, tendo que se mudar para o Rio de Janeiro com a família. A mudança se deu porque o pai de Cassiano Ricardo, Chico Leite, ter gasto todo o dinheiro que possuía em política. A solução encontrada foi mudarem para o Rio, onde Cassiano continuou os estudos na Universidade do Brasil, e conclui o curso em 1917.

Apesar de ter concluído a Faculdade de Direito, Cassiano Ricardo praticamente não chegou a exercer a profissão, chegando a trabalhar apenas por 4 anos. Um fato curioso quando Cassiano estava morando no Rio Grande do Sul foi quando um homem tentou lhe matar, quase lhe rendendo a própria vida.

O criminoso tentou matar Cassiano, colocando a arma em um buraco da parede da cozinha. A sorte de Cassiano foi que o que cachorro que tinha em sua residência conseguiu pegar o pistoleiro, evitando a tragédia. Depois deste acontecimento, Cassiano passou a considerar o cachorro como um de seus melhores amigos, com direito a uma poesia.

A pesquisadora Edna fala sobre atuação de Cassiano Ricardo no ramo da advocacia. “Cassiano Ricardo, chegou alguns trabalhos no Rio Grande do Sul, mas ele sem dúvida já tinha a sua vocação”, conclui a pesquisadora.

O ocorrido no Rio Grande do Sul serviu para Cassiano Ricardo refletir e retornar a São Paulo, definitivamente no ano de 1923.

No mesmo período que acabou a faculdade, Cassiano lançou o livro “Flauta de Pã”, com ligações ao parnasianismo. Também em São Paulo, o 20 jovem poeta e escritor lançou a Revista “Panóplia”, também ligada ao movimento parnasianista.

O jornalista Ottoboni fala sobre as amizades de Cassiano Ricardo por onde o poeta passou.

“Evidente que ele teve muitos amigos em sua infância e adolescência por aqui, depois outros em sua fase adulta. O melhor amigo de Cassiano Ricardo foi .”

O melhor amigo de Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia foi escritor e pintor modernista brasileiro. Participou da Semana de Arte Moderna de 1992, em São Paulo. (você pode acompanhar outras informações no próximo capítulo – Semana de 22).

Cassiano mostrava na adolescência o que seria mais tarde: um poeta e escritor, conhecido internacionalmente por sua linguagem vanguardista.

O próprio escritor também revelou seu amor pela cidade natal em um discurso que de agradecimento no aniversário de 200 anos de São José dos Campos. Declarou o poeta Cassiano Ricardo em seu discurso, em 1967.

Não há livro meu, de poesia, em que São José não esteja presente, [e ainda].como não haveria eu de amar, acima de todas a coisas, este São José que me serviu de berço e é meu orgulho? Se aqui nasci poeta é porque São José me fez poeta,

Para o jornalista Ottoboni, o fato mais importante foi a inspiração do poeta no seu dia-a-dia da na cidade onde nasceu.

“Intensa vivência numa São José dos Campos pequena, mas bucólica e inspiradora. Aqui ele forjou sua alma de poeta.”, comenta Ottoboni.

Sobre a linguagem utilizada por Cassiano em seus livros, o jornalista fala das várias transações da linguagem do poeta.

Cassiano foi o único poeta brasileiro que transitou por todas as tendências e escolas de sua época, basta ler a obra ( o que a maioria dos críticos e analistas de Cassiano não o fazem por preguiça, presunção ou falta de cultura para compreender seus momentos distintos). Ele vai do neoclássico a introdução do concretismo. 21

No jornalismo, Cassiano permeou sua adolescência escrevendo artigos e matérias para diversos jornais do país. O primeiro expressivo trabalho de Cassiano Ricardo no jornalismo foi no Correio Paulistano (de 1923 a 1930), onde trabalhou como redator do jornal. Os jornais da época abriam espaço para a participação popular, inserindo a população no debate. O periódico lançado era praticamente colocado em uma prova de fogo, já que a estabilidade do jornal era o sinal da aprovação das idéias defendidas pelo jornal.

Sobre imparcialidade no jornalismo na época, o jornalista Júlio Ottoboni afirma que não existia imparcialidade, já que o jornalismo era rígido pela mistura da literatura com o jornalismo. Comenta o jornalista sobre o período em que Cassiano Ricardo escreveu para os jornais durante a sua adolescência:

Não existia imparcialidade no jornalismo até a década de 60, com a chegada do padrão norte-americano desenvolvido pela Universidade de Columbia. Neste período ainda havia uma mistura muito grande da literatura com a prática jornalística (que era absolutamente diferente da atual). Cassiano, por sua vasta cultura e defensor ferrenho do brasilianismo, defendia todos interesses nacionais, principalmente a manutenção de uma cultura brasileira genuína.

A poesia e o jornalismo são duas vertentes que sempre estiveram presentes na vida de Cassiano Ricardo, sendo fomentada durante a sua juventude. Segundo o pesquisador da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, Paulo César Fernandes, o público jovem precisa saber do lado jornalista de Cassiano Ricardo. Ressalta o pesquisador:

O público jovem precisa saber desse outro lado de Cassiano Ricardo, o lado jornalista, que foi muito importante. Cassiano como poeta já foi fixado na memória das pessoas. Agora precisamos deixar o lado jornalista, com os ótimos textos de Cassiano para as pessoas. 22

Foto 3 – Cassiano Ricardo na juventude Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 23

3 CASSIANO ENTRE LETRAS

Ousado e sem medo de mudar, Cassiano Ricardo passou por várias fases e tendências da literatura. Diferentemente dos poetas brasileiros, ele conseguia se desvencilhar da antiga maneira de pensar para embarcar numa nova época da escrita.

Levava em cada obra um pouco de si, do Brasil, de São José, dos sonhos e das lembranças de menino. É verdade que apenas em um capítulo é difícil comentar de todos os livros e momentos do poeta, para tanto é necessário um livro inteiro.

Para se atingir o sucesso na vida, muitas vezes é preciso mudar. Mudar os conceitos, a visão, os objetivos, planos. E parte do sucesso de Cassiano talvez tenha sido essa atitude de ir sempre em busca do novo, deixando os velhos conceitos para trás.

Um eterno adolescente que está andando curioso pela vida, assim era o autor em suas obras. Do estilo neoclássico de “Dentro da Noite” ao concretismo apocalíptico em “Os Sobreviventes”, suas obras podem ser estudadas juntamente com as aulas de história, já que revelam verdadeiras lições sobre a origem, a cultura e uma perspectiva social do povo brasileiro.

Um rapaz sensível que se transformou num senhor maduro e “antenado”, Cassiano nunca deixou que os males da idade afetassem seu humor, estava sempre disposto a descobrir as novidades da juventude, da “galera” que parecia andar cada vez mais em alta velocidade.

A seguir destacaremos e abordaremos, algumas obras de Cassiano Ricardo que podem facilmente demonstrar a ligação entre a cultura e a história de um povo.

Em 1915, quando publicou seu primeiro livro de poesias, Cassiano ainda cursava Direito e mal tinha completado vinte anos. Era um tempo novo. O Brasil ainda respirava o ar puro da república, caminhava pelo início de um novo século, e o poeta, como qualquer adolescente, tinha grandes planos.

Nesta obra, Cassiano, que já estava maduro o suficiente para começar a carreira de escritor, ainda levava em sua maneira de ser moldes conservadores. Foi muito elogiado por grandes escritores da época como 24

Olavo Bilac e .

Estreou na literatura brasileira utilizando a forma neoclássica, baseado em muito por sua formação erudita e pelos valores da educação européia que ditavam a moda na época. Esta fase permaneceu durante poucos anos e abrangeu as obras “Frauta de Pã” (1917) e “Jardim das Hespéride” (1920).

Quatro anos depois, Cassiano surge com uma nova obra, “A Mentirosa de Olhos Verdes” que dá início a sua fase modernista- nacionalista, sendo confirmada dois anos mais tarde com “Vamos Caçar Papagaios” e logo em seguida com “Borrões de Verde e Amarelo”. A partir de então, o autor se estabelece definitivamente nesta escola literária.

Em 1928, o poeta lança “Martim Cererê”, que se transformou numa espécie de “Os Lusíadas” (Camões) na versão brasileira. A obra vem carregada pela disputa entre o antropofagismo e movimento da anta, liderado pelo autor.

Como já explicamos no capítulo sobre os movimentos políticos (como o verde-amarelismo) nos quais Cassiano Ricardo se envolveu, do modernismo surgiram duas vertentes que de dispunham a cultivar ou o fascínio pelo europeu (antropofagismo) ou pelo Brasil primitivo (verde- amarelismo).

“Martim Cererê” foi quase um „mascote‟ do movimento. Mas apesar de tamanha influência política, o livro é um romance épico que narra a história do Brasil de uma forma criativa, dinâmica e cheia de imaginação visual, já que Cassiano abusa dos detalhes.

3.1 “Martim Cererê”

Imagine uma história de amor entre uma princesa e um guerreiro estrangeiro. É mais ou menos nesse sentido que Cassiano inicia a história de amor brasileira. No início, tudo o que temos são os índios e a terra, como mostram os versos

De primeiro no mundo Só havia sol mais nada Noite não havia

Havia só manhã 25

Uma manhã espessa Com a coroa de plumas Vermelhas à cabeça Só manhã no mundo (Coema piranga)

Havia uma moça de nome Uiara que morava nesta terra. Aimberê, o índio que “nascido crescido sem nunca chorar”, se apaixonou pela moça. Para se casar com Uiara, a jovem lançou um desafio

“Se você, meu amigo, quer se casar comigo, Tenho uma condição. É haver Noite, na Terra.

“Sem Noite, não e NÃO.” (Sem Noite, não)

A Noite nada mais eram que os negros africanos. No final das contas, o índio Aimberê não trouxe a noite e, portanto não obteve o direito de se casar com Uiara. Nas estrofes que contam tal história, Cassiano utiliza da mitologia indígena e de palavras em Tupi, o que „carimba‟ sua ideia do movimento em que vivia no momento.

Ya só pindorama Koti Itamarana pó anhatin, Yara rama recê!

E sem mais teretetê Troaram os maracacás... (Canto de Guerra)

E encontrou Pererê: “Seu idiota, não percebe Que a Cobra Grande te deu Um oco, dentro do coco?” (A Onça Preta)

A partir de então, Cassiano começa a narrar a chegada dos portugueses ao Brasil através do marinheiro “Martim”. No início do capítulo, o poeta faz uma comparação ao Os Lusíadas com o seguinte texto: “Certo dia, chegou um marinheiro e ouviu o canto da uiara. não se fez amarrar ao mastro do navio, nem mandou tapar os ouvidos dos demais marinheiros. saltou logo em terra e ofereceu-se para casar com ela”.

Neste, há uma metáfora para o “caso de amor” entre os portugueses 26 e o Brasil. Assim que chegaram, os lusitanos imediatamente se encantaram com a beleza e a riqueza da nova terra. O espanto dos nativos pela chegada dos homens brancos é evidenciada na estrofe de O “Achamento”:

Agora se debruçam, Reunidos, ombro a ombro, Sobre a Serra do Mar, E espiam, com assombro, O dia português Que saltara das ondas Qual pássaro marinho Ruflando a asa enorme Das velas redondas Por errar o caminho, E os homens cor do dia Que saíram de dentro Do pássaro marinho!

Enquanto Martim se declara para Uiara, os jesuítas começam seu ensino cristão aos índios. O Poema A Missa e o Papagaio explica muito bem como a cultura portuguesa entra na cultura local, através do papagaio, ave tipicamente nativa, que aprende a falar latim, idioma utilizado pelo clérigo.

Terra papagalorum... Bem que vem de Belém... Currupaco, papaco.

Em Ladainha, a proposta é contar as mudanças de nomes pelas quais a terra passou.

Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome de Ilha de Vera-Cruz.

Ilha cheia de graça Ilha cheia de pássaros Ilha cheia de luz. (...) Depois mudaram-lhe o nome Pra Terra de Santa Cruz. (...) ...e como a Terra fosse de árvores vermelhas E se houvesse mostrado assaz gentil, Deram-lhe o nome de Brasil. 27

Uiara então propõe o mesmo desfio a Martim: buscar a noite. Fazendo uso da obra de Camões, Cassiano cita mais um trecho de uma das estrofes de Os Lusíadas sobre o povo africano. Martim segue, então, em sua empreitada pela busca da “Noite”.

Então o novo pretendente, Épico só no mar, lírico em terra, Partiu em seu navio aventureiro E foi buscar a Noite... (Onde estaria a Noite?)

Durantes os próximos poemas, Cassiano conta o comércio pelos negros africanos. Os portugueses iam levando pau-brasil e voltavam trazendo mão de obra escrava.

Com a chegada dos africanos, ou da Noite, Uiara casa-se co o português Martim e em seguida nascem os “gigantes de botas”, filhos mestiços de índios e portugueses.

A partir deste momento, podemos encontrar a aventura dos desbravadores, os bandeirantes, que exploraram as terras paulistas, levando o cafezal verde e cada vez mais a modernidade. Nordestinos, imigrantes, caiçaras, caboclos, as várias raças que ajudaram a formar a „raça brasileira‟ tem sua vez em “Martim Cererê”.

Essa história épica-lírica-romântica foi de tamanha importância para o Brasil que chegou a ser considerada importante também fora do país. Traduzida para vários idiomas e estudada em universidades estrangeiras, a obra tornou-se rica pelo fato de unir a linguagem escrita (indígena, lusa e afro), a linguagem visual e o encontro das culturas que, numa fusão acabou tornando-se uma só.

Estudar história com a ajuda de “Martim Cererê” pode ser um recurso divertido para quem precisa conhecer como nasceu o “Brasil Menino”. O livro recebeu elogios de grandes nomes como Drummond de Andrade e Emilia Bernal. Além disso, recebeu prêmios aqui no Brasil e em outros países, foi usado em discursos por grandes personalidades como Juscelino Kubitschek, e usado sempre que necessário para acentuar qualquer sombra de modernismo.

E por que “Martim Cererê”? Na 14ª edição do livro, o próprio autor revela o motivo:

O seu nome indígena era Saci-Pererê. Devido à influências do 28

africano, o Pererê foi mudado para Cererê. A modificação feita pelo branco foi pra Matinta Pereira; e não era de estranhar (diz BarbosaRodrigues, no seu Poranduba Amazonense) que ele viesse a chamar-se ainda Matinta Pereira da Silva. Daí Martim Cererê. É o Brasil-menino, a quem dedico este livro de histórias e de figuras.1

Após “Martim Cererê”, Cassiano apresenta “Canções de minha ternura” (1930), “Deixa estar, jacaré” (1931) e “O Sangue das horas” (1943). A partir desta obra, o autor se afirmou na sua fase modernista. Porém, a próxima obra que marca na memória dos brasileiros é “Um dia depois do outro” (1947). É nesta obra que o joseense declara seu amor pela cidade natal:

Era em São José dos Campos. E quando caía a ponte eu passava o Paraíba numa vagarosa balsa como se dançasse valsa. O horizonte estava perto. A manhã não era falsa como a cidade grande. Tudo em um caminho aberto. Era em São José dos Campos no temo em que não havia comunismo nem facismo pra nos tirarem o sono. só havia pirilampos imitando o céu nos campos. Tudo parecia certo. O horizonte estava perto. Havia erros nos votos mas a soma estava certa. Deus escrevia direito por pequenas ruas tortas. A mesa era sempre lauta. Misto de sabiá e humano o meu vizinho acordava tranqüilo, tocando flauta. Era em São José dos Campos. O horizonte estava perto. Tudo parecia certo

1 MONTEIRO, Amilton Maciel. Cassiano fragmentos para uma biografia. São José dos Campos: Univap, 2003..p. XI. 29

Admiravelmente certo.

(A frauta que me roubaram)

Três anos depois Cassiano publica “Poemas Murais”, “A face Perdida” e “O Elefante que Fugiu do Circo”, todos no mesmo ano. Partindo para a fase formal modernista, surgem, em seguida, “25 Sonetos” (1954) e “O Arranha-céu de Vidro” (1956) que ganhou o Prêmio Paula Brito. Ainda no mesmo ano, publica “João Torto e a Fábula”. Deste momento em diante, a preocupação do autor em se fixar nas experiências vanguardistas torna-se claro.

Ilustração 3 – baseado em “Montanha Russa”, de Cassiano Ricardo Ilustrado por: Ewerton da Silva

As suas próximas obras são “Poesias Completas” (1957), “Montanha Russa” (1960) que ganhou o Prêmio Carmem Dolores Barbosa, “A Difícil Manhã” (1960), obra que levou o Prêmio Jaboti e “Jeremias Sem Chorar” (1964), que também foi vencedora, no Prêmio Jorge Lima (1965).

Em “Jeremias Sem Chorar”, Cassiano propõe uma lamentação pela humanidade da época, levando em conta acontecimentos como a bomba atômica e a Guerra-Fria. O título foi baseado no livro da Bíblia “Lamentações de Jeremais” e a obra faz uso do linossigno, fugindo dos moldes tradicionais da escrita. 30

Jeremias se encontra numa situação de lástima pela humanidade. A solução encontrada por ele para reverter a situação foi vestir-se de urso “automático” e cantar para crianças. Enquanto o resto dos homens estão cada vez mais distantes do próximo e mais perto de máquinas, Jeremias faz uso do “mal” (máquina) para agir contra a desumanização.

Usando a máquina de forma lúdica, o personagem tenta ir contra a maré do momento e influenciar aqueles que seriam “a esperança” do mundo. Elas não conhecem como funciona a máquina, apenas se divertem e jogam.

Porque hoje o mundo automático É bem mais para as crianças Do que pra nós que conhecemos O seu mecanismo, o que há, nele, De lunatismo & abismo.

Através deste livro, Cassiano mostra o rumo da humanidade, o vazio e a secura dos mecanismos modernos. Aponta para o perigo da “facilidade” e do “prático” que tornaria os homens mais artificiais. Os olhos do poeta no momento estavam para o caminho que a sociedade estava tomando com a invasão da tecnologia e a “adoração” do homem pelas máquinas, esquecendo-se do que é mais importante do que estas, a própria humanidade.

No mesmo ano em que escreveu “Jeremias Sem Chorar”, o poeta publicou “Poemas Escolhidos”. Sua última obra de poesia foi “Os Sobreviventes” (1971), fechando sua história no mundo da poesia na iniciação do concretismo.

“Os Sobreviventes” segue a mesma linha de “Jeremias Sem Chorar”, mas de uma forma mais apocalíptica. Cassiano, no fim de sua vida, se preocupava com o fim da humanidade. Esta ideia fica evidente neste livro, de que todos somos sobreviventes da nossa própria catástrofe.

Do conservadorismo de “Dentro da Noite” ao vanguardismo de “Os Sobreviventes”, Cassiano pode provar que não era um poeta qualquer. Não era alienado, omisso ou passivo. Mostrou que a arte acompanha a história e que mudar é preciso. 31

Foto 4 – Cassiano Ricardo como advogado Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 32

4 O OUTRO LADO DE UM POETA

4.1 Um jornalista....

Cassiano Ricardo Leite, além de poeta e ensaísta era jornalista e político. Nasceu numa família de escritores e jornalistas, era o berço certo para desenvolver seu dom pela escrita. Desde criança mostrava uma incrível capacidade de coordenar as palavras e as formas.

Seu destino não poderia ser outro. Seria jornalista! Arrisco a dizer que não foi exatamente por escolha ou um acaso do destino, já que das letras, redações e jornais, não podia fugir.

Desde cedo, conhecia de perto as impressoras de jornais e já estava acostumado ao cheiro de chumbo. Para fazer parte desse universo, precisou apenas dar mais um passo adiante. Seu primo, Napoleão Monteiro era dono do Correio Joseense, em meados do século XX, seu pai também era jornalista e a mãe de Cassiano, poetisa. Algum “DNA das letras” existia nesta família.

Excelente aluno, aos 9 anos de idade, enquanto estudava no Colégio OLympio Catão, criou seu primeiro jornalzinho “O Ideal”, incentivado pelas atividades escolares e escrito juntamente com seu irmão Aristides, com autoria apócrifa. Era escrito á mão e distribuído de mão em mão. O jornal foi apenas um pequeno ensaio para um grande jornalista. Curioso era o fato da noção da escrita e estética do pequeno Cassiano.

A seguir, uma poesia escrita pelo poeta para o jornal. 33

Ilustração 4 – Poema “A borboleta” escrito no primeiro jornalzinho de Cassiano Ricardo, na escola Olympio Catão Fonte: Primeiro Jornalzinho de Cassiano Ricardo.

Como todo adolescente, Cassiano tinha muitos sonhos, planos e 34 muita coragem. Criou também, aos 12 anos o jornal “Íris” e aos 16, o jornal “4 Paus”, custeado pelo pai e produzido na mesma redação que o jornal da cidade, de propriedade do pai do autor. Prática comum da época, esses pequenos folhetins costumavam ser repletos de artigo, abordando a política local.

Esses jornais eram mais uma diversão que um ofício, de acordo com o jornalista Ottoboni “Cassiano se divertia com isto, era muito mais algo de um pré-adolescente atrevido que tendo contornos profissionais”

Para a criação do folhetim “4 Paus”, o poeta contou com a ajuda de seus dois amigos, José Delias Sobrinho e Bittencourt de Sá.

Em certa ocasião foi cercado pelo Doutor Isaac (um dos alvos de Cassiano), na Praça Cônego Lima. Por não ter gostado da crítica feita pelo poeta, o doutor foi tirar satisfações com o jovem, que quase levou uma surra.

Esse era apenas um reflexo do que viria mais adiante. Cassiano Ricardo foi um jornalista polêmico. Não era para chamar atenção, de maneira alguma. Ele simplesmente não tinha medo de dizer o que pensava e de defender suas ideias.

Cassiano terminou seus estudos fundamentais em Jacareí, já que a cidade dispunha apenas do ensino básico. Em seguida, partiu para São Paulo, onde começou a cursar Direito, mas transferindo-se um tempo depois para a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.

Durante a faculdade, ele encontra-se novamente com seu antigo colega Bittencourt de Sá (o mesmo que o ajudara a criar o jornal “4 Paus”), que o encaminha para trabalhar na grande imprensa, como cronista parlamentar através do jornal “O Dia”.

Neste período teve a oportunidade de conviver com grandes políticos, aprendendo a lidar com questões da área e o incentivando a crescer, não somente como poeta, mas como jornalista e propriamente como político.

O poeta ainda garantia que como estudante de direito e mais tarde como advogado, foi uma espécie de treinamento ou fusão entre o jurista e o advogado. Anos mais tarde, analisando esse fato em discurso, disse:

Nas faculdades de Direito nascem, pois, muitos poetas do Brasil. Nascem misturando códigos parnasianos com códigos do processo 35

civil e comercial. Um deles chega mesmo a reduzir o regulamento 737 a versos alexandrinos, talvez obedecendo ao capricho de algum destino mágico que faz o jurista e o poeta dois irmãos tão parecidos2

Em 1919, após o término do curso de Direito mudou-se com seus familiares para uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul chamada Vacaria. Lá, iniciou seu trabalho como advogado, além de dar continuidade ao jornalismo e se envolver com mais intimidade á política.

Nesta época, ainda um jovem sonhador, fundou o jornal A Pátria, junto com André Carrazoni. Durante os 4 anos seguintes, Cassiano desenvolveu um intenso trabalho dentro do jornalismo. Em seus periódicos era declaradamente a favor de Assis Brasil na luta entre os maragatos e picapaus.

Cassiano assume a atitude, mas acaba se tornando alvo de duras críticas. Não somente foi ameaçado de morte, como sofreu tentativa de assassinato. Naquela época e ocasião, a política era algo muito mais ferrenho. E, além disso, o jornalismo ainda não tinha assumido o papel da imparcialidade que só teve seu início após os anos 60 com a escola norte- americana.

Como jornalista, ser a favor de um determinado partido político era muito mais do que apenas “apoiar”, era levantar a bandeira. E por isso, Cassiano foi aconselhado em plena praça pública (e também por amigos e familiares) a deixar a “política gaúcha com os gaúchos”.

Mas mesmo com todos esses acontecimentos, Assis Brasil derrotou Firmino Paim, seu oponente. Cassiano volta, então, para a capital São Paulo, onde inicia seu trabalho como repórter no jornal Correio Paulistano.

Fora o fato de ter defendido Assis Brasil, o autor também teve uma participação intensa na revolução de 1932 ao lado de Pedro Toledo. Chegou a redigir os discursos de Adhemar de Barros e tempos depois foi requisitado por Getúlio Vargas pelo mesmo motivo.

Com o tempo, Cassiano ganhou a simpatia do presidente e de uma certa forma, acabou tornando-se mais um “apoiador” de Vargas, assim como a maioria dos brasileiros.

2 RICARDO, Cassiano. O homem cordial e outros pequenos estudos brasileiros. Instituto Nacional do Livro/MEC, 1959. p.90. 36

Durante todos esses anos, o poeta aprendeu muito sobre a arte do jornalismo e conviveu com grandes mestres e pessoas influentes da área. Com uma excelente bagagem, Cassiano é então convidado a dirigir o maior e mais moderno jornal de circulação da época, “A Manhã”.

Cassiano conseguiu formar uma “elite intelectual” de colaboradores, tais como , Vinicius de Morais, , Gilberto Freyre, Umberto Peregrino, Ribeiro Couto, Djacir Menezes, Múcio Leão, Jorge de Lima, , Euryalo Cannabrava, José Lins do Rego, de Melo Franco, entre outros.

O diretor e poeta adotou uma política de liberdade na conduta do jornal. Entre os colaboradores, podia encontrar-se os mais variados tipos de pensamentos e linhas políticas. No mesmo periódico existiam ideias favoráveis e contrárias ao regime, o qual o país enfrentava.

Alguns dos colaboradores, inclusive, diziam-se contrários ao regime, que era ditatorial, no governo de Vargas. Por esta razão, até hoje, é possível encontrar quem pense que Cassiano trabalhava contra o presidente. Mas basta um pouco mais de pesquisa para saber que, ao contrário, Cassiano era a favor, como já vimos neste mesmo capítulo.

O que aconteceu foi apenas um mal entendido. Não necessariamente a opinião dos jornalistas e colaboradores era a mesma que de Cassiano, mas nem todos conseguem entender essa diferença.

Durante 4 anos, o escritor manteve-se na direção do jornal, desvinculando-se quando o prédio em que se estabelecia a sede foi transferida para outro local, apesar das contestações de Cassiano. Manuel Bandeira chegou a comentar que o poeta não nascera para a política e que durante a estadia no então Distrito Federal, essa verdade tornou-se evidente.

Chega ao fim, então a fase mais intensa de Cassiano Ricardo e o jornalismo. Obviamente, ele continuou publicando textos, inclusive para o jornal de seu primo, Napoleão Monteiro, de São José dos Campos, os quais eram muito comentados, mas a atividade permaneceu esporádica na vida do poeta.

Interessante lembrar que ao lado de Francisco Patti e José Lannes, Cassiano fundou a Revista Novíssima, em 1925. Este era o período em que ele começou a aprofundar-se no modernismo e como o próprio nome da revista diz, o “novíssimo” tinha grande espaço no almanaque. 37

4.2 Um político...

Além de seu envolvimento na política apoiando candidatos, Cassiano teve sua parcela na defesa á cultura brasileira. Apoiou e criou movimentos, mas não era chegado às repartições, assim como relatou Ottoboni,

“Mas Cassiano nunca foi candidato a nada, tentou ser a deputado por SJCampos, mas o coronel João Cursino, enciumado, barrou o processo. Depois disto desistiu de cargos eletivos.”

É possível ouvir muitos rumores de que Cassiano Ricardo era contra a Semana de Arte Moderna de 1922. Este é apenas mais um dos mitos que rondam a vida do poeta. A verdade é que ele apoiava o movimento.

Dos que afirmam que Cassiano era a favor, alguns dizem que ele somente não participou da Semana por estar longe (Neste período morava no Rio Grande do Sul) e outros ainda, que ele era novo demais para ter alguma influência no evento, já que apenas a elite da cultura estava presente.

O maior problema era o fato de incorporar influências da cultura européia na literatura brasileira. Em relação á isso, Cassiano era contra. Em toda sua vida, nunca deixou de ser patriota.

Em contraposição ao movimento Pau-Brasil, Cassiano Ricardo fundou o “Movimento Verde-Amarelismo”. Formado em 1926, juntamente com Menotti Del Picchia, Plínio Salgado e , o grupo tinha como objetivo ser uma resposta ao “nacionalismo importado” de Oswald de Andrade.

A anta foi escolhida como símbolo do movimento, o qual acabou por, mais tarde, transformar-se em “Escola da Anta”. Outra característica do movimento era a grande admiração pelo Tupi e a busca por tudo o que era primitivamente brasileiro.

Mais tarde o movimento acabou evoluindo para o integralismo, que foi extinto em 1937.

Oswald de Andrade, em resposta às críticas do movimento de Cassiano, publicou em fevereiro de 1927, no Jornal do Comércio, o artigo “Antologia”. Este artigo foi escrito de maneira em que uma série de 38 palavras era iniciadas ou finalizadas com a terminologia “anta”. No ano seguinte, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral escreveram o “Manifesto Antropófago”, que deu origem á Revista de Antropofagia.

Manifesto Antopófago Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa. O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará. Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande. Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil. Uma consciência participante, uma rítmica religiosa. Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar. Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem. A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls. Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao 39

Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.. Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia. O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores. Só podemos atender ao mundo orecular. Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem. Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. O instinto Caraíba. Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia. Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. Catiti Catiti Imara Notiá Notiá Imara Ipeju* 40

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais. Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava- se Galli Mathias. Comia. Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso? Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César. A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue. Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas. Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida. Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti. Se Deus é a consciência do Universo Incriado. Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais. Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social- planetário. As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo. De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia. O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa. É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci. O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso? Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.Contra o índio de tocheiro. O índio filho de 41

Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz. A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada. Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas. Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI. A alegria é a prova dos nove. A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos. Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.3

3 ANDRADE, O. Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha..Revista de Antropofagia, ano 1, n.1, maio 1928. 42

Ilustração 5 – Antropogafismo, não – Cassiano Ricardo lutando contra o antropofagismo Ilustrado por: Ewerton da Silva

Dois anos mais tarde, o movimento liderado por Cassiano retoma a discórdia através de outro manifesto publicado no jornal “Correio Paulistano”:

Nhengaçu Verde-Amarelo (Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta) A descida dos tupis do planalto continental no rumo do Atlântico foi uma fatalidade histórica pré-cabralina, que preparou o ambiente para as entradas no sertão pelos aventureiros brancos desbravadores do oceano. A expulsão, feita pelo povo tapir, dos tapuias do litoral, significa bem, na história da América, a proclamação de direito das raças e a negação de todos os preconceitos. Embora viessem os guerreiros do Oeste, dizendo "ya so Pindorama koti, itamarana po anhatim, yara rama recê", na realidade não desceram com a sua Anta a fim de absorver a gente branca e se fixarem objetivamente na terra. Onde estão os rastros dos velhos conquistadores? Os tupis desceram para serem absorvidos. Para se diluírem no sangue da gente nova. Para viver subjetivamente e transformar numa prodigiosa força a bondade do brasileiro o seu grande sentimento de humanidade. Seu totem não é carnívoro: Anta. É este um animal que abre caminhos, e aí parece estar indicada a predestinação da gente tupi. Toda a história desta raça corresponde (desde o reino Martim Afonso, ao nacionalista "verdamarelo" José Bonifácio) a um lento desaparecer de formas objetivas e a um crescente aparecimento de 43

forças subjetivas nacionais.O tupi significa a ausência de preconceitos. O tapuia é o próprio preconceito em fuga para o sertão. O jesuíta pensou que havia conquistado o tupi, e o tupi é que havia conquistado para si a religião do jesuíta. O português julgou que o tupi deixaria de existir; e o português transformou-se, e ergueu-se com fisionomia de nação nova contra a metrópole: porque o tupi venceu dentro da alma e do sangue português. O Tapuia isolou-se na selva, para viver; e foi morto pelos arcabuzes e pelas flechas inimigas. O tupi socializou-se sem temor da morte; e ficou eternizado no sangue da nossa raça. O tapuia é morto, o tupi é vivo. O mameluco voltou-se contra o índio, para destruir a expressão formal, a exterioridade aborígine; porque o que há de interior no bugre subsistirá sempre na alma do mameluco e se perpetuará nos novos tipos de cruzamento. É a fisionomia própria da gente brasileira, não fichada em definições filosóficas ou políticas, mas revelada nas tendências gerais comuns. Todas as formas do jacobinismo na América são tapuias. O nacionalismo sadio, de grande finalidade histórica, de predestinação humana, esse é forçosamente tupi. Jacobinismo quer dizer isolamento, portanto desagregação. O nacionalismo tupi não é intelectual. É sentimental. E de ação prática, sem desvios da corrente histórica. Pode aceitar as formas de civilização, mas impõe a essência do sentimento, a fisionomia irradiadora da sua alma. Sente Tupã, Tamandaré ou Aricuta através mesmo do catolicismo. Tem horror instintivo pelas lutas religiosas, diante das quais sorri sinceramente: pra quê? Deram-lhe uma casaca da Câmara dos Comuns, durante mais de meio século, e a República encontrou-o igualzinho ao que ele já era no tempo de D. João, ou no tempo de Tiradentes. Não combate nem religiões, nem filosofias, porque toda a sua força reside na sua capacidade sentimental. A Nação é uma resultante de agentes históricos. O índio, o negro, o espadachim, o jesuíta, o tropeiro, o poeta, o fazendeiro, o político, o holandês, o português, o índio, o francês, os rios, as montanhas, a mineração, a pecuária, a agricultura, o sol, as léguas imensas, o Cruzeiro do Sul, o café, a literatura francesa, as políticas inglesa e americana, os oito milhões de quilômetros quadrados... Temos de aceitar todos esses fatores, ou destruir a Nacionalidade, pelo estabelecimento de distinções, pelo desmembramento nuclear da idéia que dela formamos. 44

Como aceitar todos esses fatores? Não concedendo predominância a nenhum. A filosofia tupi tem de ser forçosamente a "não-filosofia". O movimento da Anta baseava-se nesse princípio. Tomava-se o índio como símbolo nacional, justamente porque ele significava a ausência de preconceito. Entre todas as raças que formaram o Brasil, a autóctone foi a única que desapareceu objetivamente. Em uma população de 34 milhões não contamos meio milhão de selvagens. Entretanto, é a única das raças que exerce subjetivamente sobre todas as outras a ação destruidora de traços caracterizantes; é a única que evita o florescimento de nacionalismos exóticos; é a raça transformadora das raças, e isso porque não declara guerra, porque não oferece a nenhuma das outras o elemento vitalizante da resistência. Essa expressão de nacionalismo tupi, que foi descoberta com o movimento da Anta (do qual resultou um sectarismo exagerado e perigoso), é evidente em todos os lances da vida social e política brasileira. Não há entre nós preconceitos de raças. Quando foi 13 de Maio, havia negros ocupando já altas posições no país. E antes, como depois disso, os filhos de estrangeiros de todas as procedências nunca viram os seus passos tolhidos. Também não conhecemos preconceitos religiosos. O nosso catolicismo é demasiadamente tolerante, e tão tolerante, que os próprios defensores extremados dele acusam a Igreja Brasileira de ser uma organização sem força combativa (v. Jackson Figueiredo ou Tristão de Athayde). Não há também no Brasil o preconceito político: o que nos importa é a administração, no que andamos acertadíssimos, pois só assim consultamos as realidades nacionais. Os teoristas da República foram os que menos influíram na organização prática do novo regime. No Império, o sistema parlamentar só se efetivou pela interferência do Poder Moderador. Dentro da República os que mais realizam são os que menos doutrinam. Ainda agora, nas plataformas dos nossos candidatos, não procuramos os traços de uma ideologia política, porém o que nos interessa é apenas a diretriz da administração. País sem preconceitos, podemos destruir as nossas bibliotecas, sem a menor conseqüência no metabolismo tupi, da não-filosofia, da ausência de sistematizações. Somos um país de imigração e continuaremos a ser refúgio da humanidade por motivos geográficos e econômicos demasiadamente 45

sabidos. Segundo os de Reclus, cabem no Brasil 300 milhões de habitantes. Na opinião bem fundamentada do sociólogo mexicano Vasconcelos, é de entre as bacias do Amazonas e do Prata que sairá a "quinta raça" e "raça cósmica", que realizará a concórdia universal, porque será filha das dores e das esperanças de toda a humanidade. Temos de construir essa grande nação, integrando na Pátria Comum todas as nossas expressões históricas, étnicas, sociais, religiosas e políticas. Pela força centrípeta do elemento tupi. Mas, se o tupi se erigir em filosofia, criará antagonismos, provocará dissociação, será uma força centrífuga. E o Brasil falhará, pois precipitará acontecimentos. Toda e qualquer sistematização filosófica entre nós será tapuia (destinada a desaparecer assediada por outras tantas doutrinas) porque viverá a vida efêmera das formas ideológicas de antecipação, das fórmulas arbitrárias da inteligência, tendo necessidade de criar uma exegese específica, unilateral e sem a amplitude dos largos e desafogados pensamentos e sentimentos americanos e brasileiros. Foi o índio que nos ensinou a rir de todos os sistemas e de todas as teorias. Criar um sistema em nome dele será substituir a nossa intuição americana e a nossa consciência de homens livres por uma mentalidade de análise e de generalização característica dos povos já definidos e cristalizados. A continuação do caminho histórico tupi só se dará pela ausência de imposições temáticas, de imperativos ideológicos. O arbítrio mental não pode sobrepor-se às fatalidades cósmicas, étnicas, sociais ou religiosas. O estudo do Brasil já não será o estudo do índio. Do mesmo modo que o estudo da humanidade, que produziu o budismo, o cristianismo, a Grécia, a Idade Média, o romantismo e a eletricidade, não será apenas a pesquisa freudiana do homem da pedra lascada. Se Freud nos dá um algarismo, a história da Civilização nos ofereceu uma equação em que esse algarismo entra tão-só como um dos muitíssimos fatores. Assim, também o índio é um termo constante na progressão étnica e social brasileira; mas um termo não é tudo. Ele já foi dominado, quando se agitou entre nós a bandeira nacionalista, - o denominador comum das raças adventícias. Colocá-lo como numerador seria diminuí-lo. Sobrepô-lo será fadá-lo ao desaparecimento. Porque ele ainda vive, subjetivamente, e viverá sempre como um elemento de harmonia entre todos os que, antes de desembarcar em santos, atiraram ao mar, como o cadáver de Zaratustra, os preconceitos e filosofias de origem. 46

Estávamos e estamos fartos da Europa e proclamamos sem cessar a liberdade de ação brasileira. Há uma retórica feita de palavras, como há retórica feita de idéias. No fundo, são ambas feitas de artifícios e esterilidades. Combatemos, desde 1921, a velha retórica verbal, não aceitamos uma nova retórica submetida a três ou quatro regras, de pensar e de sentir. Queremos ser o que somos: brasileiros. Barbaramente, com arestas, sem auto-experiências científicas, sem psicanálises e nem teoremas. Convidamos a nossa geração a produzir sem discutir. Bem ou mal, mas produzir. Há sete anos que a literatura brasileira está em discussão. Procuremos escrever sem espírito preconcebido, não por mera experiência de estilos, ou para veicular teorias, sejam elas quais forem, mas com o único intuito de nos revelarmos, livres de todos os prejuízos. A vida, eis o que nos interessa, eis o que interessa à grande massa do povo brasileiro. Em sete anos a nossa geração nova tem sido o público de si mesma. O grosso da população ignora a sua existência e se ouve falar em movimento moderno é pelo prestígio de meia dúzia de nomes que se impuseram pela força pessoal se seus próprios talentos. O grupo "verdamarelo", cuja regra é liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva;- o grupo "verdamarelo", à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua alforria e amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira. Nosso nacionalismo é de afirmação, de colaboração coletiva, de igualdade dos povos e das raças, de liberdade do pensamento, de crença na predestinação do Brasil na humanidade, de fé em nosso valor de construção nacional. Aceitamos toas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável renovação do Brasil, como fez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas. Nosso nacionalismo é "verdamarelo" e tupi. O objetivismo das instituições e o subjetivismo da gente sob a atuação dos fatores geográficos e históricos.4

4 PICCHIA, Menotti Del; SALGADO, Plínio; ÉLIS, Alfredo; RICARDO, Cassiano; MOTA FILHO, Cândido. Jornal Correio Paulistano, 17 maio 1929. 47

Mas engana-se quem acredita que entre estes grandes poetas existia uma luta cerrada. Cassiano Ricardo e Oswald de Andrade, juntamente com Tarsila do Amaral eram amigos e admiradores. Tarsila chegou a desenhar ilustrações para um das edições de “Martim Cererê”. Eram visões diferentes sobre o modernismo e a disputa chegava apenas às redações e à literatura.

Foto 5 – Cassiano Ricardo na Academia Brasileira de Letras, em 1937 Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 48

5 UMA INDIGNAÇÃO QUE ACABOU EM HOMENAGEM

E a posse na Academia Brasileira de Letras

Poucos sabem como a Semana Cassiano Ricardo começou a ser realizada em São José dos Campos. Ela foi criada pelos jornalistas Roberto Wagner de Almeida e Luiz Gonzaga, que tiveram a idéia de homenagear o poeta em sua cidade natal.

O jornalista conta sobre o primeiro contato que teve com Cassiano Ricardo quando o visitou em São Paulo, para entrevistar o poeta. Na época, o jornalista também trabalhava no Jornal “O Valeparaibano”; veículo de comunicação com sede na cidade de São José dos Campos. Relata Roberto Wagner:

Meu primeiro contato com ele foi antes da publicação desse artigo. Em 1965 Cassiano estava completando 50 anos de poesia e esse fato vinha motivando comemorações em várias cidades brasileiras. Em Belo Horizonte, por exemplo, houve uma festividade ao ar livre, na Praça Raul Soares, com encenação de uma peça teatral que se intitulava “Um Pássaro no Chapéu”, toda com trechos de poemas de Cassiano. Certo dia, quando eu me encontrava na redação do jornal “O Valeparaibano” lendo mais uma notícia a esse respeito, o jornalista Jorge Lemes me contou que Cassiano era natural de São José dos Campos, o que até então eu não sabia. Estranhei que, recebendo homenagens em tantas cidades, ninguém aqui estivesse interessado nos seus 50 anos de poesia. Jorge me explicou que se dizia aqui que Cassiano não gostava de São José. Eu resolvi conferir se era verdade. Consegui o endereço dele e fui a São Paulo. À época ele morava em uma casa na Rua Cardoso de Almeida, no bairro de Perdizes, e me recebeu com muita atenção e carinho, só pelo fato de um vir de São José dos Campos. E, antes de começarmos a entrevista, conversou muito sobre a cidade. Aquilo me demonstrou que o que se dizia aqui a respeito dele não era verdade. Após este encontro com o poeta, o jornalista publicou a matéria e também escreveu um artigo criticando o esquecimento da cidade em relação ao poeta, que estava comemorando 50 anos de poesia. Ao retornar, não apenas publiquei a entrevista com ele, mas também um artigo de teor indignado, em que relatava minha experiência no contato com o poeta e cobrava uma homenagem da cidade ao seu filho ilustre. Foi esse o artigo que intitulei “A Cidade Esquece o Poeta. 49

Sobre a repercussão do artigo, Wagner disse que o poeta anos mais tarde chegou a citar o seu artigo em uma de suas publicações.

Não me recordo se fez naquela ocasião. Porém, muitos anos mais tarde, ao publicar em 1970 seu livro de memórias “Viagem no Tempo e No Espaço”, ele atribuiu a esse meu artigo seu reencontro com a cidade natal. É incrível, porque eu próprio não me preocupei em guardar o artigo, mas ele certamente o guardou, pois o menciona no livro de memórias, inclusive com a data de publicação. Ele diz, na página 255: Foi, porém, Roberto Wagner de Almeida quem, em artigo „A Cidade Esquece o Poeta‟, publicado no O Valeparaibano, em 15 de outubro de 65, chamou a atenção dos joseenses para a conveniência de São José marcar com uma festa o reencontro da cidade „com o seu filho ilustr‟. A idéia de Roberto saltou das colunas do jornal e tomou vulto. Conquistou adeptos. De fato, pouco tempo depois, a Câmara Municipal prestou homenagem a Cassiano.

Depois da publicação, a relação do jornalista com o poeta começou a se estreitar, tornando-se amigos. Disse Wagner:

A partir daquele primeiro encontro, passamos a ser amigos. Eu frequentava sua casa e, numa dessas ocasiões, lendo uns poemas meus, ele comentou que o que eu estava escrevendo tinha alguma semelhança com o movimento da Poesia Praxis, que havia sido lançada por Mário Chamie. Até então, eu nem tinha ouvido falar nesse movimento. O próprio Cassiano providenciou um encontro, na sua casa, em que me apresentou ao Chamie, de quem também me tornei amigo e, após me inteirar por completo do que era esse movimento literário, passei a integrá-lo. Nessa fase, ambos, tanto Cassiano quanto Chamie, me puseram em contato com a alta intelectualidade de São Paulo e acabei escrevendo artigos para o prestigioso “Suplemento Literário” do jornal “O Estado de S. Paulo”, onde me tornei amigo também do dramaturgo Bráulio Pedroso. Cassiano sempre foi muito generoso comigo e fez menção aos meus poemas em vários artigos que publicou naquela época, me elogiando até de forma exagerada, a meu ver. Mais tarde ele se mudou para um apartamento na Rua Haddock Lobo, quase na esquina da Avenida Paulista, e eu continuei freqüentando a sua casa.

O jornalista nos conta como tiveram a idéia de criar o evento e como o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal de São José. Disse o jornalista:

Luiz e eu tivemos, na verdade, duas intenções. Queríamos, de fato, criar uma semana anual de homenagem a Cassiano, a exemplo da 50

que Taubaté realizava para homenagear Monteiro Lobato. Mas nós queríamos também a oportunidade de mostrar ao prefeito Elmano Veloso que éramos capazes de organizar um evento de grande expressão, que mobilizasse toda a parcela mais culta da cidade. Nós éramos jovens e os intelectuais respeitados nessa época, aqui em São José, eram bem mais velhos do que nós e já estavam acomodados. Acabamos convencendo o prefeito a nos dar essa oportunidade. O texto do projeto de lei que criou a Semana Cassiano Ricardo foi escrito por mim e por Luiz, no escritório de advocacia que eu então mantinha na Rua Sebastião Hummel. No mesmo prédio, por sinal, em que também mantinha escritório o advogado e escritor Altino Bondesan. Nós levamos o texto ao prefeito Veloso, sua assessoria fez as adaptações necessárias, e o projeto foi enviado à Câmara Municipal, que o aprovou. Cassiano, é claro, sentiu-se muito lisonjeado. Eu preciso ser sincero: quem diz que Cassiano era uma pessoa modesta não o conheceu de perto. Cassiano era muito vaidoso, adorava essas homenagens.

Ele fala de como foi a elaboração e a apresentação do projeto ao Prefeito da época Elmano Ferreira Veloso (Prefeito de São José dos Campos entre os anos 1966 e1970), e também da importância de se criar uma entidade para fomentar a cultural na cidade. Explica o jornalista:

Bem, como nós tínhamos que mostrar competência ao prefeito, eu, Luiz e mais uma plêiade de amigos, todos jovens, organizamos um evento espetacular. Teve concerto da Orquestra Filarmônica de São Paulo, encenação da peça “Édipo Rei” com Paulo Autran no papel principal, e vários outros espetáculos, para os quais chegava a faltar lugares para o público. Nós provamos ao prefeito Veloso duas coisas: havia um público na cidade ávido por espetáculos culturais de alto nível e havia aqui um grupo de jovens capazes de organizar esses espetáculos com muita competência. Algum tempo depois, passamos à segunda etapa do plano que tínhamos na cabeça desde o início. Convencemos o prefeito de que não fazia sentido movimentar culturalmente a cidade apenas uma semana por ano, era preciso criar uma entidade que promovesse eventos culturais em caráter permanente, não só trazendo artistas de fora, mas principalmente revelando os que existissem aqui. E assim surgiu o Conselho Municipal de Cultura, cujo projeto de lei também foi redigido em meu escritório, dessa feita por mim, pelo Luiz e pelo professor José Madureira Lebrão, que era diretor do Colégio Estadual “João Cursino”. E foi um sucesso extraordinário, a ponto de Cassiano Ricardo, que era membro do Conselho Federal de Cultura, aprovar uma moção em que o CFC apontava a programação do nosso CMC como modelo a ser seguido por todas as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes. 51

A primeira Semana Cassiano Ricardo foi realizada no ano de 1966, em São José dos Campos.

O jornalista Roberto Wagner fala sobre a época da ditadura e também anos depois do rompimento com o poeta Cassiano Ricardo. Contou o jornalista:

Quando a ditadura militar afastou o prefeito Veloso para empossar aqui o Coronel Sérgio Sobral de Oliveira, o novo chefe do Executivo ouviu falar que o Conselho Municipal de Cultura era um antro de comunistas – o que não era – e resolveu fechá-lo. Ou “desativá-lo”, como ele preferiu dizer, porém com o mesmo sentido. Assim que soube disso, Cassiano marcou uma audiência com o prefeito Sobral e veio lá de São Paulo para esse encontro, em que obteve a garantia de que a Semana Cassiano Ricardo seria mantida. Na seqüência, o Luiz Gonzaga, que havia se tornado também delegado regional junto ao Conselho Estadual de Cultura, foi demitido do cargo. Nós dois estávamos juntos, almoçando no “Margarida‟s”, um barzinho que ficava exatamente ao lado da sede do jornal “Agora”, do qual éramos diretores juntamente com Joacyr Beça, lá na Rua Major Antônio Domingues, quando nossa secretária veio dizer que Cassiano estava ao telefone querendo falar comigo. Fui atender e Cassiano me disse que já havia acertado tudo lá em São Paulo para que eu assumisse o cargo de delegado regional de cultura. Eu disse que ele deveria ter conseguido que Luiz fosse reintegrado ao cargo. Ele disse, muito bravo: “Não discuta comigo!” E eu, indignado, respondi: “Eu vou aí à sua casa, porque preciso lhe dizer algumas coisas pessoalmente”. Luiz resolveu ir junto e, poucas horas depois, lá no apartamento da Rua Haddock Lobo, eu disse a Cassiano que não me conformava dele ter vindo a São José falar com o prefeito Sobral só para preservar a Semana Cassiano Ricardo, sem ter feito nenhum esforço para que fosse reaberto o Conselho Municipal de Cultura. Ele deu lá algumas desculpas, que eu considerei esfarrapadas, e não aceitei. Fui embora e nunca mais voltei a ter contato pessoal com ele. Apesar disso, ele continuou me enviando os livros que publicou a partir de então, inclusive o de memórias, sempre com dedicatórias muito carinhosas para mim. Mas eu entendi, e ainda entendo, que ele deveria ter usado o prestígio intelectual que tinha para, pelo menos, tentar a reabertura do Conselho Municipal de Cultura. E ele não o fez. Eu achei imperdoável. Quando Sobral, mais tarde, sob pressão da população mais culta, resolveu reativar um Departamento de Cultura, foi para promover eventos recreativos. Gincanas, por exemplo. Sobral foi muito importante para a modernização de São José dos Campos, esse mérito não lhe pode ser negado. Mas para a cultura da cidade ele teve o efeito de uma bomba atômica, foi destruidor, uma autêntica hecatombe. 52

Importante salientar, que no ano de 1937, o poeta foi imortalizado ABL (Academia Brasileira de Letras), assumindo a cadeira de número de 31, em 1937. Em seu discurso de posse, Cassiano Ricardo disse:

Senhores acadêmicos, A cadeira que venho ocupar tem, para o meu caso, além de sua imensa significação cultural e moral, dadas as glórias imortais que tanto a ilustram, uma significação particular não menos tocante. Nela sentou Paulo Setúbal. Paulo Setúbal, para mim, realizava a beleza a dois modos: como amigo e como escritor. Ele era o meu escritor, não porque fosse o meu amigo. A amizade, por mais fraterna que seja, não nos faz descobrir escritores. Muito ao contrário, os críticos que o digam, cria uma situação terrível entre nós e os nossos amigos que dão para escritores ou poetas e que brigam conosco quando saltam pela porta da amizade adentro, num dia de muita festa, e não pela porta da admiração quando esta não se justifica, não se impõe vitoriosamente por si mesma. Porém, não há nada que mais conspire em favor da amizade do que a admiração, quando as duas se encontram juntas; isto é, quando o escritor nos apresenta o amigo. O amigo escritor vive em desencontros insanáveis com a nossa sensibilidade. O escritor amigo é um amigo que sempre se encontra conosco, embora através de todos os disparates de tempo e de lugar.

Em outro trecho do discurso, Cassiano fala de Paulo Setúbal ocupa um lugar permanente em sua sensibilidade.

...Paulo Setubal ocupa, portanto, em minha sensibilidade quotidiana, um lugar permanente. E, na estande que dedico aos escritores de cada momento, o momento mais bonito: aquele que reservo para os meus exercícios de sinceridade.

Cassiano Ricardo também cita em seu discurso a sua cidade natal, São José dos Campos.

Depois de muitos encontros e desencontros consigo mesmo Paulo Setúbal passou a residir em São José dos Campos. Foi em minha cidade natal que ele viveu a última fase de sua vida. O ambiente pacato e pitoresco, a certeza de que a saúde era um bem precário a maior compreensão do mundo, as horas de silêncio (um silêncio paradoxal, em meio tanta alegria espetaculosa), tudo isso terá influído na reconquista que, aos poucos, ele vinha realizando de sua própria personalidade. 53

Um dia, porém, revendo papéis acumulados na gaveta, deu com os originais de um romance de costume que escrevera alguns meses atrás. Não o publicara por ter re conhecido que o assunto, embora interessante (a fixação de certos vícios sociais) não era dos mais...católicos.

Esses trechos foram retirados da Academia Brasileira de Letras, onde Cassiano ficou de 1937 a 1974.

O jornalista Júlio Ottoni, comenta sobre a posse de Cassiano Ricardo na ABL: “Foi indicado em 36 e empossado em 37, logicamente pelo conjunto extraordinário de sua obra tanto em prosa quanto em versos.”, disse.

O jornalista Roberto Wagner fala da imagem que Cassiano passa aos jovens, sempre com a vontade de criar algo diferente. Conclui Wagner:

Exatamente aquela inquietude, a sempre renovada vontade de criar algo novo e de alto significado artístico. Cassiano Ricardo foi um grande poeta e merece ser reverenciado por todos os brasileiros, em especial pelos seus conterrâneos de São José dos Campos. Mas não nos esqueçamos de que, após a morte de Cassiano, os dois prefeitos do período da ditadura, Sérgio Sobral e Ednardo de Paula Santos, não deram o nome dele sequer a um beco da cidade. À época, eu escrevi seguidos artigos no jornal “Agora” cobrando essa homenagem, sem que ela fosse jamais considerada por esses prefeitos. Foi preciso que chegasse à prefeitura o Joaquim Bevilacqua, que é um homem culto e joseense nato, para dar o nome de Cassiano Ricardo à extensão da Avenida São João. Hoje, felizmente, o nome dele está por todas as partes da cidade, a começar pela Fundação Cultural, que é uma extensão do que foi outrora o inesquecível e seminal Conselho Municipal de Cultura. Eu me sinto feliz por ter colaborado, a partir daquele artigo de 1965, para que isso começasse a acontecer por aqui. Cassiano era um poeta inquieto, que nunca se contentou com o prestígio já alcançado. Daí alguns dizerem que ele permanecia sempre jovem. Porém, dizia-se isso nesse sentido da inquietude, da permanente busca de atualização. Ele se interessava pelas novas tendências, pela Poesia Concreta, pela Poesia Praxis, a respeito das quais escreveu dois livros teóricos. E outro, muito interessante, chamado “Algumas Reflexões Sobre Poética de Vanguarda”, em que lançou o que seria uma nova forma de escrever poesia, o linosigno, que deveria substituir o verso. E foi 54

assim que escreveu seus últimos livros, “Jeremias Sem Chorar” em 64 e “Os Sobreviventes” em 1971,

Foto 6 – Cassiano Ricardo na Academia Brasileira de Letras, em 1937 Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 55

6 UM CURIOSO CASSIANO

Ele preferia ser uma metamorfose ambulante a ter uma velha opinião formada sobre tudo. Se Raul Seixas tivesse conhecido Cassiano Ricardo, diria que esta música foi em sua homenagem. Cassiano não era assim para se adequar ao mundo exterior. O ser era que mudava permanentemente. De um jovem autor e sonhador á um maduro político, não tinha medo de mudar sua vida e tão pouco suas obras.

Era dinâmico, esperto e vanguardista, pensava fora da caixa, explodia em criatividade sem perder o senso crítico e nem o trem da história. Não era um alienado que vivia num mundo paralelo, mas um grande pensador, totalmente inserido no momento, no tempo, porém sem se deixar levar pela moda da época.

Cassiano viveu rodeado por boatos, mitos e curiosidades. Desde o seu nascimento fatos engraçados e curiosos delinearam a vida do autor. Sabe-se que nasceu no dia 24 de julho de 1985, certo? Errado! Através de pesquisas realizadas pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo, descobriu- se um achado de ouro num dos cartórios da cidade. O documento datava o nascimento de uma criança do sexo masculino, no dia 24 de julho de 1894. Seu nome era CASSIANO, escrito assim mesmo, em letras maiúsculas, como o prenúncio de que um grande homem havia nascido.

Passou parte de sua adolescência em São José e outra em Jacareí. Curioso também o fato de ter passado apenas os primeiros 8 anos de sua vida na cidade, pela qual era apaixonado. Ninguém sabe o motivo e não tem como explicar, é como amor de mãe. Da terra mãe, cidade querida por Cassiano.

A partir daí, outro mito surge na vida do poeta. Não foi decisão sua sair da cidade, mas saiu. Estudou na região e logo após mudou-se para a capital do Estado, depois para a então capital do país, Rio de Janeiro e em seguida para uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. E após uma estada na terra dos maragatos e pica-paus que lhe rendeu grandes sustos e aventuras, retornou a São Paulo.

Na época, a cidade de São José não era famosa pelas tecnologias, pelos grandes centros de pesquisa e muito menos pela modernidade. Muito pelo contrário, a cidade era atrasada, pequena e sem nenhum potencial para investimentos. Caro leitor, você acha que um lugar com este perfil era propício para um homem como Cassiano Ricardo? 56

Quem assistiu “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” vai encontrar uma metáfora para Cassiano. No filme, Edward Bloom, personagem principal, se encontra com um gigante, Karl, que vive escondido numa caverna, já que os moradores da cidade tinham medo do que ele poderia fazer e entraram num consenso de expulsar o “monstro” da cidade.

Como não havia nenhum homem de coragem, a não ser Edward Bloom, ele se voluntariou para conversar com Karl e convencê-lo a deixar a cidade. A frase chave usada por Edward foi “Você acha que esta cidade é muito pequena para você? Bem, ela é muita pequena para um homem de ambições tão grandes como as minhas. Eu adoro cada canto deste lugar. Mas eu sinto que seus limites se fecham em direção a mim. A vida de um homem só pode crescer até um certo ponto num lugar como este”

Cassiano não era um monstro, mas era um gigante. Um gigante com ideias gigantes, com uma gigante vontade de viver. E por ser “tão gigante”, logo, a cidade de São José, como já disse, era pequena demais para ele. Talvez tenha sido melhor que o poeta buscasse novos caminhos, mais amplos, em que pudesse se desenvolver. E apesar de amar a cidade (mesmo muitos afirmando o contrário), ele partiu em busca de “suas grandes ambições”.

Meu primeiro amor “Sou poeta porque nasci em São José” Cassiano Ricardo. 57

Ilustração 6 – “Primeiro amor” – Cassiano Ricardo sempre amou São José dos Campos Ilustrado por: Ewerton da Silva

Como não dizer que era amor o que Cassiano sentia por São José? Mesmo tendo passado apenas parte da infância na cidade, o poeta nunca se esqueceu da aura terraque generosa em que nasceu.

A paixão que Cassiano nutria pela cidade era algo ingênuo e que não o impediu de buscar novas possibilidades. Buscou o rumo da vida em outros lugares, mas seu coração era azul, branco e amarelo.

Não partiu por vontade própria. E mesmo forçado a deixar a terra, o poeta nunca esqueceu quem primeiro lhe ensinou os passos da vida. Foi fiel até a morte. Suas melhores lembranças eram de uma terra de gente simples, humilde, mas á frente de seu tempo.

Como um grande representante, Cassiano faz jus á fama da cidade de ser vanguardista e guardar o olhar humilde do caipira. Seria, então, a cidade, influência na personalidade do poeta ou teria ele firmado a identidade de São José? Ou melhor ainda, teriam compartilhado do mesmo destino?

Numa declaração de amor, Cassiano disse: “Não há livro meu, de poesia, em que São José não esteja presente”. A terra natal é nosso canto, porto seguro, onde sabemos que somos sempre bem-vindos, ainda que como filho pródigo saiamos, ela está sempre de braços abertos a nos esperar. 58

Cassiano sabia disso, apesar de ter sido vítima de preconceito por parte dos joseenses. E voltou, mas não para ficar. Ele não queria ser o brilho da cidade. Sempre que aparecia na cidade era anonimamente.

Com seu chapéu, paletó, muito bem vestido e acompanhado de sua esposa Lourdes, o poeta caminhava pelas praças do centro da cidade simplesmente para observar. Para namorar a terra.

Como alguém pode dizer que Cassiano não se importava? Meus leitores, vocês já devem ter ouvido falar ou ainda ouvirão que o poeta não dá a mínima importância para esta cidade. Em reportagem publicada no jornal “O Valeparaibano”, o então repórter Roberto Wagner, resolveu investigar o real motivo pelo desgosto da cidade em relação a Cassiano Ricardo.

Certo dia, quando eu me encontrava na redação do jornal “O Valeparaibano” lendo mais uma notícia a esse respeito, o jornalista Jorge Lemes me contou que Cassiano era natural de São José dos Campos, o que até então eu não sabia. Estranhei que, recebendo homenagens em tantas cidades, ninguém aqui estivesse interessado nos seus 50 anos de poesia. Jorge me explicou que se dizia aqui que Cassiano não gostava de São José. Eu resolvi conferir se era verdade. Consegui o endereço dele e fui a São Paulo. À época ele morava em uma casa na Rua Cardoso de Almeida, no bairro de Perdizes, e me recebeu com muita atenção e carinho, só pelo fato de um vir de São José dos Campos. E, antes de começarmos a entrevista, conversou muito sobre a cidade. Aquilo me demonstrou que o que se dizia aqui a respeito dele não era verdade.

Roberto Wagner publicou no jornal, a entrevista e um artigo de teor indignado em que relatava a experiência no contato com o poeta e ainda cobrava uma homenagem por parte da cidade. Para esse artigo, o título mais apropriado e escolhido foi “A Cidade Esquece o Poeta”. 59

6.1 Inspiração para secos e molhados

Ilustração 7 – Cassiano na MPB – inspiração para secos e molhados Ilustrado por: Ewerton da Silva

Mesmo para aqueles nascidos após os anos 90, Ney Matogrosso é um cantor conhecido. Mas para quem não conhece, ele é um músico que se lançou na carreira através do grupo “Secos e Molhados”. Junto com João Ricardo, Gerson Conrad, Marcelo Frias, Sérgio Rosadas, John Flavin, Zé Rodrix, Willi Verdague e Emilio Carrera, em 1973 a banda arrancou olhares surpresos da sociedade através de uma atitude rebelde e moderna, levando a mensagem de um novo conceito de vida.

Mas o que esse grupo musical tem a ver com Cassiano Ricardo? Tem tudo a ver! Além da atitude do grupo, a busca pelo novo, pela “modernização da cultura”, duas músicas do disco de lançamento eram parte de autoria do poeta. E foi uma boa escolha, já que o autor representava muito bem essa fase da música popular brasileira.

Um fato curioso era que as duas músicas “Prece Cósmica” e “As Andorinhas”, tinham como compositores Cassiano Ricardo e João Ricardo. Não havia nenhum parentesco entre os dois, mas o destino deu um jeito de uni-los através do que sabiam fazer de melhor, a arte. 60

Foto 7 – Capa do disco de “Secos e Molhados”

61

Ilustração 8 – Prece cósmica – poema de Cassiano Ricardo e João Ricardo Fonte: Academia Brasileira de Letras 62

Ilustração 9 – As andorinhas – poema de Cassiano Ricardo e João Ricardo Fonte: Academia Brasileira de Letras 63

6.2 Sign in the sky x Die hwarze tigerkatze

Como já vimos em capítulos anteriores, o livro “Martim Cererê”, representava nada mais que o “menino brasileiro”. E este livro foi tão importante para a história da literatura, que não somente era objeto de pesquisa nas universidades brasileiras como em faculdades pelo mundo afora. O livro foi traduzido para muitos idiomas e Cassiano ficou conhecido em várias partes do planeta.

Espanha, Hungria, Alemanha, Suécia, Portugal, Estados Unidos. As palavras de Cassiano viajavam ao redor do mundo e encantavam platéias, ouvintes, leitores, doutores, professores, jovens, idosos e crianças. Quem não se encantaria com poemas tão cheios de sonhos, de boas lembranças e de um jeito caipira que só o poeta tinha?

Poema “Sinal no Céu”, em inglês: 64

Ilustração 10 – Poema “sinal no céu”, em inglês5 Fonte: GRIFFIN, (1957).

5 GRIFFIN, W. J. A Working Bibliography of . Gainesville, Fla., 1957. p.232-33. 65

A seguir, “A Onça Preta”, um dos poemas da 5ª edição, em alemão:

Ilustração 11 – Poema “onça preta” em alemão6

6 TELTSCHER, Ignes. Von der brasilianischen Selle, 1938. 66

6.3 A semana de Arte Moderna

Como os leitores sabem, a Semana de Arte Moderna aconteceu em 1922, em São Paulo. Ficou conhecida por ser o marco entre a velha e a nova maneira de “se fazer arte”.

Nesta época, Cassiano estava no Rio Grande do Sul, trabalhando ora como advogado, ora como jornalista e não teve a oportunidade de estar presente na sede do acontecimento revolucionário.

Muito se diz da relação do poeta com a Semana. Eis mais um dos mitos que andam sobre a vida de Cassiano. Alguns afirmam que ele era contra (talvez até por influência de Monteiro Lobato, que era declaradamente contra). Outros afirmam que ele era favorável e que apenas não participou ativamente do movimento por não estar na cidade de São Paulo.

Em entrevista concedida á Pedro Bloch para a Revista Manchete em 1964, Cassiano confessou que a princípio se sentiu um pouco desconfortável com o modernismo.

“Ao voltar do Sul, a princípio, custei a aceitar o movimento modernista. Vi, depois, que era uma forma de me encontrar e ingressei nele. Eu tinha falsificado a minha personalidade no Parnasianismo”.

Como um menino tímido, o autor preferiu conhecer primeiro do que se tratava o tal movimento e após o crivo positivo, adaptou-se facilmente á nova ideologia. Lógico, é necessário destacar que na verdade, Cassiano não tinha falsificado sua personalidade no parnasianismo. Esta era apenas uma afirmação um tanto modesta de sua obra até então. Ele produziu trabalhos maravilhosos no parnasianismo.

Em 1925, Cassiano, na companhia de Francisco Patti e José Lannes funda a Revista Novíssima. E este foi o primeiro passo incisivo para o modernismo, abrindo as portas para o movimento.

Mas engana-se quem pensa que o poeta mergulhou de cabeça no movimento. Apesar de ser a favor do modernismo, Cassiano não concordava em usar a revolução para introduzir na literatura brasileira o “dadaísmo francês”, o “expressionismo alemão” e o “futurismo italiano”, como declarou na mesma entrevista a Pedro Bloch. 67

A partir de então, torna-se o precursor do movimento do “Verde- Amarelo”, que posteriormente se transformara em “Movimento da Anta”, no qual priorizava a cultura brasileira em vez da “torre de marfim” da literatura européia.

Portanto esse mito de quem Cassiano era contra o modernismo, foi detonado! Até porque, após a Semana, o autor entrou em sua própria fase modernista, como ele mesmo disse. E como seu espírito sempre jovem e vanguardista iria permitir que ele retrocedesse no tempo?

6.4 Entre Maragatos e Picapaus

Em 1919, Cassiano Ricardo muda-se para Vacaria, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Exercendo seus conhecimentos em Direito e suas habilidades como jornalista através do jornal A Pátria (Fundado pelo autor e por seu amigo, André Carrazoni), entrou no meio da história na luta entre maragatos e pica-paus.

Resumidamente, essa “luta” nada mais era do que a Revolução Federalista gaúcha, ocorrida entre 1893 e 1895. Como herança para o estado, os dois movimentos permaneceram vivos durante anos.

Enquanto Cassiano trabalhava em seu jornal, outra revolução estourava no estado. Foi a Revolução de 1923, na qual lutavam os partidários liderados por Borges de Medeiros (borgistas ou chimangos, ex- pica-paus) e os aliados a Joaquim Francisco de Assis Brasil (assisistas ou maragatos).

Tradicionalistas, o movimento dos chimangos, liderado por Borges de Medeiros acabou vencendo. Mas, Cassiano esteve ao lado de Assis Brasil declaradamente. Durante toda a revolução, o jornalista e autor usou todo seu dom a favor da campanha de Assis Brasil.

E foi esse idealismo todo que quase colocou a vida do poeta em risco. Passou por inúmeras situações embaraçosas e até perigosas como quando foi salvo por um cão de guarda dos vizinhos, que impediu um pistoleiro de atirar contra o poeta através de um vão da parede.

Além disso, foi ameaçado de morte e “convidado” a deixar a política gaúcha com os gaúchos em plena praça pública. Cassiano não era covarde e isso mostrava á quem quisesse ver desde que era adolescente. 68

Mas mesmo aos mais valentes guerreiros às vezes é recomendado recuar e não provocar o inimigo.

Foi o que ele fez. Após o período, volta definitivamente para a capital São Paulo.

Ilustração 12 – Cassiano Ricardo na inauguração da biblioteca municipal em São José dos Campos que leva o seu nome, 1968 Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 69

7 CASSIANO E EU: A HISTÓRIA DE ANA TEREZA BERNARDES

Ilustração 13 – Cassiano na Semana Cassiano Ricardo, autografando livros, 1972 Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 70

A professora de português Ana Teresa Bernardes recebeu a nossa visita em sua casa, na região oeste de São José dos Campos para a entrevista deste capítulo. A entrevista começa com um papo sobre a admiração de Ana Teresa por Cassiano Ricardo. Ela nos conta que sempre teve a curiosidade de conversar com o poeta, mas tinha vergonha de se aproximar dele.

“Quando eu era criança eu tinha vergonha de chegar e conversar com Cassiano Ricardo. Eu e meu avô íamos à Gráfica de Napoleão (Amigo de Cassiano) e ele nos dava notícias dele.”, conta Ana Teresa.

Ana relata o seu primeiro encontro com Cassiano Ricardo, que aconteceu na Semana Cassiano Ricardo, em 1972, em São José dos Campos. Detalha a professora:

A primeira vez que pude realmente conversar com ele foi em 1972, na Semana Cassiano Ricardo, quando ele veio para São José dos Campos. Eu ainda dava aulas de português na Escola João Cursino, na região central da cidade. Meu pai tinha um restaurante chamado Chi-fi (Chico do Bar – Sócio de meu pai e Fifi – meu pai que se chama Francisco Teixeira de Almeida Joaquim Bernardes), localizado em frente ao hotel onde Cassiano iria se hospedar (na Praça da Igreja Matriz).

Ela fala sobre o encontro que teve com Cassiano Ricardo e dos assuntos que conversaram neste encontro.

Meu pai já havia conversado com Cassiano e me chamou para irmos no final da tarde. Fui no final da tarde e conversamos sobre o livro que estava lançando. Batemos papo sobre poesia. Nesse nosso encontro, ele me passou ser uma pessoa muito calma, meiga e muito consciente do que falava. Ele gesticulava muito com as mãos e gostava de ficar de pé. Sempre bem-humorado nas conversas e não gostava de pessoas com pensamentos antigos. 71

Ilustração 14 – Movimento com as mãos que Cassiano Ricardo sempre repetia Ilustrado por: Ewerton da Silva

Nesta participação de Cassiano Ricardo, na Semana Cassiano Ricardo, estava presente também a esposa de Cassiano Ricardo, Lourdes.

“No encontro também estava presente a sua esposa, Lourdes, sempre atenta a todos e visivelmente „fechada‟ para conversar com as pessoas.”, conta Ana Teresa, que participou da Semana Cassiano Ricardo, de 1972.

Na Semana, Ana Teresa tirou algumas fotos e levou alguns livros que foram autografados por Cassiano. A professora também conta que no ano de 1969, Menotti del Picchia esteve na Semana Cassiano Ricardo, para fazer uma palestra.

“Menotti del Picchia (amigo de Cassiano) também participou da Semana Cassiano Ricardo, onde desenhou o Juca Mulato em uma das publicações, na qual me cedeu um autógrafo.”, disse a professora. 72

Em relação aos livros e a linguagem de Cassiano Ricardo, Ana fala sobre a criação de uma nova linguagem, na qual Cassiano explorou mais as palavras.

Ele criou o linossigno, explorou as palavras. A poesia de Cassiano é colorista, parte sonhadora. Cassiano Ricardo sempre foi de vanguarda. As obras dele eram de atualização, sempre à frente dos tempos, muito preocupado com a sobrevivência do ser humano. Um dos livros de Cassiano que mais me chamou a atenção foi Martim Cererê, pois conseguimos descobrir o Brasil neste livro.

Na Semana Cassiano Ricardo, uma característica do poeta marcou Ana Teresa.

“Ele tinha uma característica que me marcou, ficava com as mãos juntas, repetidamente as movimentava, mas sempre as deixando próximas.”, comenta Ana.

Depois do encontro de Ana Teresa e Cassiano Ricardo, o poeta chegou a enviar uma carta à professora.

“Depois de nosso encontro e de minhas observações, ele nos enviou uma carta, agradecendo o encontro conosco, sempre muito gentil e educado. Atualmente não sei onde a carta está, mas lembro muito bem da carta.”, afirma. 73

Ilustração 15 – Olhos de Cassiano Ricardo Ilustrado por: Ewerton da Silva

Ilustração 16 – Lábios de Cassiano Ricardo, característica marcante do poeta Ilustrado por: Ewerton da Silva 74

7.1 Semana de 22

A Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo, aconteceu de 11 a 18 de fevereiro, no Teatro Municipal. Muito se comentou que Cassiano Ricardo era contra a Semana de 22, como é mais conhecida. A professora Ana Teresa conta que Cassiano sempre foi incentivador da Semana de 22. A Professora disse:

As pessoas disseram que Cassiano Ricardo era contra a Semana de 22, mas ele tinha muito interesse, e sempre mantinha contato, só não pode participar porque não estava na cidade no dia do evento. Ele sempre incentivava. O seu livro era o mais moderno para a época e trazia isso em seus pensamentos, apoiando a realização da Semana de 22.

Na época da Semana de 22, Cassiano Ricardo se aproximou de Plínio Salgado e Menotti Del Pichia, que viriam a ser seus grandes amigos. Ana conta que um autor que era contra a Semana de 22 era Monteiro Lobato, que não apoiava a causa.

“Um autor que era contra a Semana de 22 foi Monteiro Lobato, que viajou para Santos no dia e sequer deu explicações. Em relação ao expressionismo, não era divulgada nenhuma desavença entre Anita Malfati e Cassiano Ricardo.”, conta Ana. 75

Ilustração 17 – Cassiano Ricardo assinando livros na Semana Cassiano Ricardo de 1972 Foto cedida por Ana Teresa Bernardes. 76

7.2 Roubo dos livros

Outro fato que marcou a vida da professora Ana Teresa foi o roubo de livros do seu acervo. Ela nos conta emocionada sobre o acontecido, que levou de seu acervos livros autografados por Cassiano Ricardo.

Ela conta que em sua casa criou uma sala chamada “Martim Cererê”, em homenagem à publicação de Cassiano Ricardo, e que sempre teve cuidado com os livros de sua biblioteca.

Sempre guardei meus livros com muito carinho. Tenho uma biblioteca com mais de 2 mil exemplares, no qual cerca de 200 livros eram sobre Cassiano Ricardo. Guardava livros autografados por Cassiano Ricardo, algo que para mim era sem dúvida muito importante. Em minha biblioteca intitulei de „Sala Martim Cererê‟.

Ana Teresa relata que tinha uma empregada, que cuidava de todos os afazeres de sua casa, com a confiança dela. Sem nenhuma suspeita até então, Ana Teresa começou a achar estranhas algumas atitudes. Relata a professora:

Sem ao menos eu ter algum tipo de suspeita, minha empregada que pegava meus livros e estava vendendo para os sebos da cidade. Ela sabia do valor que esses livros tinham na vida, algo que sinceramente não sei descrever. Ela sempre limpava a minha biblioteca, sempre ajeitava meus livros, mas nunca passaria pela minha cabeça que ela pudesse fazer tal algo.

A professora conta de como foi descobrir que seus livros estavam sendo roubados e vendidos.

Um dia entrei em minha biblioteca e resolvi mexer em alguns livros da minha prateleira para dar uma olhada em minha coleção, quando me deparei com um vazio de livros no canto dos fundos da prateleira. Pra mim foi algo muito ruim, uma dor muito grande.

Depois de se dar conta do sumiço dos livros, a professora visitou alguns sebos da cidade.

Depois desse acontecimento, saí à procura de meus livros em todos os possíveis sebos da cidade. O primeiro sebo que procurei foi próximo à UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba) e ao Fórum, onde acabei achando alguns livros. Os identifiquei logo de vista, já que sempre os marcava na página 77

100, com minha assinatura, mas não foi tão fácil recuperá-los. Separei uns 30 livros deste sebo e comuniquei para a proprietária de que os mesmo avisam sido roubados de minha biblioteca e que gostaria de levá-los.

Ana Teresa encontrava mais e mais exemplares quando mais ia mexendo nas prateleiras, mas a dona do sebo não queria saber sobre este fato.

“A proprietária do sebo não autorizou que eu levasse os livros e queria que eu pagasse uma quantia pelos livros. Ela não queria nenhum tipo de diálogo, só deixaria levar os livros com o pagamento.”, disse.

Em seguida, Ana precisou acionar a polícia para registrar boletim de ocorrência e tentar recuperar os livros que lhe pertencia.

“Tive que chamar a Polícia e registrar boletim de ocorrência, onde nos encaminharam para a delegacia, para que eu realmente pudesse ser ouvida e provar que os livros eram da minha biblioteca.”

Na delegacia, Ana teve que comprovar que os livros eram seus. “Precisei fazer alguns testes, como reconhecimento de letras, de anotações, entre outras, para levá-los para a casa.”, explicou Ana Teresa.

Após realizar os testes, Ana conseguiu recuperar os livros que estavam no sebo. “Enfim, consegui recuperar apenas 30 livros de 200 exemplares que eu tinha.”, conta.

Sobre este assunto, a professora disse que sempre fica emocionada e triste quando tocam nesse assunto.

Sempre quando tocam nesse assunto comigo eu fico triste. Eu cuidava com tanto carinhoso dos meus livros que esse acontecimento me deixou muito aborrecida. No final das contas, demiti a empregada que estava há mais de 4 anos comigo e nunca mais coloquei alguém para fazer a limpeza de casa.

Ana Teresa durante a entrevista nos mostrou algumas fotos dos encontros que teve com Cassiano Ricardo. Também nos levou até a sua Biblioteca, intitulado “Martim Cererê”, em homenagem ao poeta. O bate- papo com Ana Teresa durou aproximadamente 2 horas, com relatos sobre este magnífico poeta Cassiano Ricardo. Para encerrar a entrevista, Ana também fala sobre Cassiano e os comentários de que o poeta não gostava da cidade. E finaliza: 78

Quero tirar essa impressão de que Cassiano Ricardo não gostava da cidade, pelo contrário, ele colocava São José em todos os momentos de sua vida. Um fato curioso é que Cassiano Ricardo queria comprar um jazido na cidade, no cemitério do centro. Ele vinha anonimamente para São José. O seu amigo Napoleão sempre tentava ajudá-lo, mas a tentativa foi em vão e não conseguiu efetuar a compra. Esse é mais um ponto que confirmar o amor de Cassiano por São José dos Campos.

Após o bate-papo, Ana gentilmente nos ofereceu um suco e algumas bolachas doces, para saciar o calor da tarde que estava fazendo no dia da entrevista. Por fim, terminamos a entrevista e saímos por volta das 19h. Curiosamente chegamos a Ana Teresa, depois de fazer alguns contatos e de falarmos com a diretora do Museu do Folclore de São José dos Campos, Ângela Savastano, que nos indicou para falar com ela. Outro fato que também curiosamente aconteceu no mesmo dia, foi que a irmã de Ana, Lígia Bernardes estava presente no Museu, onde conversamos e ela passou os contatos da irmã.

Pudemos conhecer nesta entrevista o lado simples de Ana Teresa e de uma pessoa que admira verdadeiramente o ilustre poeta e escritor Cassiano Ricardo. 79

Ilustração 18 – O poeta Cassiano Ricardo lendo livro Foto cedida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo 80

8 CONCLUINDO...

Podemos olhar Cassiano Ricardo não apenas como um poeta joseense, mas como um cidadão brasileiro que lutou pelos seus ideais. Todo jovem deveria ter essa mesma postura, não se esquecer que a vida foi feita para lutar, assim como o nosso autor fez.

Vemos nesta geração uma acomodação com as circunstâncias da vida e do mundo. Mas é preciso levantar a cabeça e acreditar que é possível mudar.

Como disse Roberto Wagner, “Cassiano era um poeta inquieto, que nunca se contentou com o prestígio já alcançado”, ele poderia apenas ter feito livros de poesias, apenas ter feito faculdade, apenas ter sido um jornalista, mas ele buscou mais.

Enfrentou situações difíceis, pessoas complicadas e diversos obstáculos, mas nunca desistiu. Devemos admirá-lo e conhecê-lo “Cassiano Ricardo foi um grande poeta e merece ser reverenciado por todos os brasileiros, em especial pelos seus conterrâneos de São José dos Campos”, conta Wagner.

Cassiano, apesar de ter sido durante muito tempo vítima de preconceito por parte de seus conterrâneos, trouxe títulos para a cidade que ninguém conseguiu. É de extrema importância esse ilustre filho para a nossa cidade, como nos revela Júlio Ottoboni:

Ele conseguiu os recursos necessários para a constituição da Biblioteca Pública Cassiano Ricardo, assim como parte do acervo. Só o fato de São José ser a primeira cidade do Vale do Paraíba a ter um imortal na Academia Brasileira de Letras já era um estrondo com ecos em todas as partes.

Pessoas que o conheceram e estudiosos da vida do poeta afirmam unanimemente que ele não era uma pessoa comum. Esse não era o objetivo de Cassiano, e não deveria ser o de ninguém. De pessoas comuns, o mundo está cheio. Precisamos de grandes pensadores, grandes escritores, jornalistas, políticos, líderes, que provavelmente neste exato momento estão em escolas, faculdades e quem sabe até lendo este livro.

Não somente a cidade de São José dos Campos, mas como todo o país precisa reconhecer o valor de Cassiano Ricardo, primeiramente como literato e também como referência de vida. O objetivo dos autores deste 81 livro não era simplesmente contar, mais uma vez, sobre a „vida do poeta‟, apesar de ser de extrema importância, mas mostrar que o seu valor vai muito além das letras.

Só lembramos de Cassiano durante a Semana Cassiano Ricardo ou quando vamos à biblioteca, ou ainda quando vimos qualquer anúncio da Fundação Cultural que leva o nome do autor. Não conhecemos suas obras nem sua história. Como compatriotas, deveríamos estudá-lo nas escolas e usufruir de seu talento.

Também podemos perceber que a cidade está mais receptiva com o poeta, mas ainda é preciso reforçar a relevância de sua vida para a cidade, e especialmente, entre os jovens, que têm a missão de levar o nome do autor para frente.

Ainda existem pessoas que olham com uma certa desconfiança para Cassiano, mas se cada pessoa fizer sua parte, podemos mudar essa situação, assim como uma de nossas entrevistadas faz, como nos diz Ana Tereza, “Quero tirar essa impressão de que Cassiano Ricardo não gostava da cidade, pelo contrário, ele colocava São José em todos os momentos de sua vida.”

Se Cassiano demonstrava tamanho amor à cidade, não era à toa e nem fingimento. E nós devemos retribuir todos esses anos de carinho e homenagens.

Nós, os autores, terminamos este livro homenageando este grande homem da cidade, muitas vezes esquecido.

CASSIANO RICARDO LEITE, um menino curioso, um grande líder, um homem valioso. Poeta, por ter nascido em São José... 82

REFERÊNCIAS

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TELTSCHER, Ignes. Von der brasilianischen Selle, 1938. 84

Ilustração 19 – Cassiano Ricardo foi um poeta vanguardista Foto cedida por Ana Teresa Bernardes