Universidade Católica de Pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação Curso de especialização em Ciências Políticas.

As faces de um partido: o PFL sob a ótica do Carlismo e do Macielismo.

Waldomiro de Souza Borges

Orientador: Prof. Dr. José Afonso Chaves

Recife/PE 2019.

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Waldomiro de Souza Borges

As faces de um partido: o PFL sob a ótica do Carlismo e do Macielismo.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao programa de pós- graduação em Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco como requisito à obtenção do título de especialista.

Orientador: Prof. Dr. José Afonso Chaves.

Recife/PE 2019

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Dedico este trabalho a uma mão que sempre me segurou em importante fase de minha vida acadêmica. Que foi luz em meio a um nevoeiro de incertezas, que da forma mais simples e significativa acreditou que sempre em minha potencialidade. À essa mão amiga, dedico esta pesquisa. Gustavo Krause.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus pela permissão de concluir esse importante curso de Pós- graduação. Uma caminhada não tão fácil, mas que me trouxe grande aprendizado. Agradeço a minha mãe que sempre foi meu porto seguro, e aos amigos que estiveram comigo em mais um passo de minha formação: Katarina Sampaio, Vitor Duarte, Manuela Mattos, Dalila, João Maria, Victor “ARAPUÔ e a todos que fizeram parte da 10º Turma do curso de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco. Meus agradecimentos especiais ao meu mestre a quem foi dedicado este trabalho, o senhor Gustavo Krause e a sua filha e minha amiga, Priscila Krause. Que Deus abençoe a todos.

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Resumo

O trabalho de pesquisa trata de dois perfis políticos de grandes proporções que se destacaram no cenário político nacional durante a segunda metade do século XX. Antônio Carlos Magalhães e Marco Antônio Maciel são abordados neste trabalho como figuras que auxiliaram a reger os destinos do país. Ambas as biografias são apresentadas como uma característica de que a política já se encontrava nutrida em ambos os perfis desde a puberdade. Preocupados com os temas que afligiam a região nordeste, terão como principal característica a sensibilidade na política junto aos seus estados. Diferentes no tato político, mas semelhantes na essência do amor pela nação. O destino colocaria ambos lado a lado na construção do Partido da Frente Liberal, que se consagrará uma das maiores forças políticas após a redemocratização. Palavras-chaves: Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel, PFL.

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ABSTRACT

The research work deals with two large political profiles that stood out in the national political scene during the second half of the twentieth century. Antônio Carlos Magalhães and Marco Antônio Maciel are approached in this paper as figures that helped to rule the destinies of the country. Both biographies are presented as a feature that politics had been nourished in both profiles since puberty. Concerned about the issues that afflicted the northeast region, their main characteristic will be the sensitivity in politics with their states. Different in political touch, but similar in essence to the love of the nation. Fate would put them both side by side in building the Liberal Front Party, which will become one of the largest political forces afterredemocratization. Keywords: Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel, PFL.

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LISTA DE SIGLAS

PFL: PARTIDO DA FRENTE LIBERAL; PT: PARTIDO DOS TRABALHADORES; UDN: UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL; PSD: PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO; ARENA: ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL; PDS: PARTIDO DEMOCRÁTICO SOCIAL; PMDB: PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO; PSDB: PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO; PRN: PARTIDO DA RECONSTRUÇÃO NACIONAL; FHC: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

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Sumário

Introdução...... Pág.10

1. O Despertar político em uma caminhada constituída paralelamente...... Pág.13 1.1 A política na família Peixoto de Magalhães...... Pág.14 1.2 A chegada ao executivo soteropolitano...... Pág.16 1.3 O desafio do Palácio Rio Branco...... Pág.18 1.4 Dos bancos da faculdade ao centro político...... Pág.22 1.5 A defesa pela democracia...... Pág.24 1.6 O governador de olhar voltado para o futuro...... Pág.27

2. O desafio do país nas articulações de grandes líderes...... Pág.31 3. A Cultura política Local...... Pág.34 4. Principais auxiliares do planalto...... Pág.39 5. Considerações Finais...... Pág.43 6. Referências...... Pág.44

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INTRODUÇÃO

Este trabalho segue um processo de estudos que venho me dedicado desde a conclusão da minha graduação, no curso de história pela Universidade Federal de Pernambuco. Estudar um partido que teve importante papel de destaque no processo de transição política, do regime autoritário para a democracia, nos anos de 1980 é, para mim, uma grande responsabilidade política e acadêmica. A Frente Liberal, como é chamada a ala parlamentar e política que rompe com o regime militar, saindo das hostes do partido do governo, o PDS, para que, em uma aliança programática com o partido símbolo da oposição ao mesmo Regime, constituísse a vitória do candidato representado por esse conjunto opositor, o senhor Tancredo de Almeida Neves. 1 O PFL congregou em sua estrutura política, figuras bastante emblemáticas da política brasileira. Herdeiros de partidos que foram extintos com a promulgação do Ato Institucional2 nº 2, regulamentado pelo Ato complementar3 nº 4. As duas maiores agremiações partidárias que polarizavam a política das décadas de 1950 e 1960: o PSD e a UDN, agora congregavam-se no PFL criado em 1985. Dentre essas importantes figuras políticas, identificamos o baiano Antônio Carlos Magalhães4, e o Pernambucano Marco Antônio Maciel5, ambos frutos da UDN e PSD respectivamente. ACM como era chamado Antônio Carlos Magalhães, sempre teve excelente trânsito pelo gabinete presidencial do planalto com os Presidentes da República. Liderou o que ele chamava de “Revolução de 64”, acreditando que o governo do então Presidente João

1 Tancredo de Almeida Neves foi um advogado, empresário e político brasileiro, tendo sido o 33.º primeiro-ministro do Brasil e presidente da república eleito mas não empossado. Natural do sul de Minas Gerais, formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 2 Os Atos Institucionais foram diplomas legais baixados pelo poder executivo no período de 1964 a 1969, durante a ditadura militar brasileira. Foram editados pelos Comandantes-em- Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ou pelo Presidente da República, com o respaldo do Conselho de Defesa Nacional. 3 Os atos complementares podem ser baixados juntamente com decretos-lei, à qualquer momento, sob a alegação de assuntos relativos à segurança nacional. 4 Antônio Carlos Peixoto de Magalhães foi um médico, empresário e político brasileiro. Foi governador da Bahia, estado que governou por três vezes, além de ter sido eleito senador em 1994 e em 2002. Foi presidente do Senado em 1997 até 2001. 5 Marco Antônio de Oliveira Maciel é um advogado, professor e político brasileiro. Foi deputado, governador de Pernambuco, senador e vice-presidente da República. Exerceu o cargo de senador de 2003 até 2011. Professor de Direito Internacional Público da Universidade Católica de Pernambuco. 10

Goulart6 mergulhava o país em uma ameaça política e moral. Marco Maciel é da escola de formação política do Ex-Governador de Pernambuco Agamenom Magalhães7. Um líder político com fortes laços com o Varguismo8, que governou o estado de Pernambuco por indicação do próprio Getúlio Vargas9 em 1937. Marco Maciel chegará a ocupar importantes cargos durante o Regime Militar, até alçar a presidência da Câmara dos deputados em 1977. Foi um importante articulador da criação da Frente Liberal, de comandou de forma bastante conciliatória a saída do país do regime ditatorial. Ambos os políticos fizeram escola nos seus respectivos estados. Com acentuadas marcas divergentes, ACM e Marco Maciel consagraram-se como figuras de peso inegável nas disputas internas do PFL. Os dois caciques políticos apresentaram uma agenda desenvolvimentista para seus estados, e se projetaram nacionalmente como líderes de apoio aos governos que sucedem a redemocratização. Durante os anos finais da década de 1990, juntos compunham a linha sucessória da presidência da república federativa do Brasil, sendo Marco Maciel Vice-Presidente da República e Antônio Carlos Presidente do Senado Federal. São Com essas biografias políticas riquíssimas, que almejo desenvolver essa dissertação de conclusão de curso de pós-graduação. Apresentando as faces de um grande partido político, que possibilitou a chegada dessa nação a abertura política. Que atuou decididamente na votação da constituinte e promulgação da carta magna de 1988, e que sustentou o projeto de crescimento econômico do país com a criação da nova moeda econômica, o Real, e que, mesmo diante das divergências de suas principais figuras políticas, assumiam o compromisso de união em momentos em que a necessidade de transformação

6 João Belchior Marques Goulart, conhecido popularmente como "Jango", foi um advogado e político brasileiro, 24° presidente do país, de 1961 a 1964. Antes disso, também foi vice- presidente, de 1956 a 1961, tendo sido eleito com mais votos que o próprio presidente, Juscelino Kubitschek. 7 Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães foi um promotor de direito, geógrafo, professor e político brasileiro; deputado estadual, federal, governador de estado e ministro. 8 Relativo ao período em que Getúlio Vargas governou o país. 9 Getúlio Dornelles Vargas foi um advogado, militar e político brasileiro, líder da Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, depondo seu 13.º e último presidente, Washington Luís, e impedindo a posse do presidente eleito em 1.º de março de 1930, Júlio Prestes. Foi presidente do Brasil em dois períodos. 11 e modernização do país os convocava para o mesmo campo de atuação, a dos interesses nacionais.

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1 O despertar político em uma caminhada construída paralelamente

Neste primeiro capítulo será discutido um pouco da biografia dos atores pesquisados neste trabalho. Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel percorreram seus primeiros trajetos na política com muitas afinidades. Vivenciaram a política dentro de suas casas na companhia dos seus pais, então parlamentares da década de 1940 e 1950. Com os primeiros passos na política estudantil, ambos se destacaram como excelentes oradores nas suas turmas enquanto vivenciaram o período universitário. Antônio Carlos estudante de medicina pela Universidade Federal da Bahia e Marco Maciel estudante da Faculdade de Direito do Recife. O primeiro cargo eletivo ocupado por eles foi o deputado estadual. Acredita-se que com o exercício desse primeiro contato com os problemas que afligiam a política social local de seus estados, se dará o enredo político de ambos. A seca, a pobreza e a desigualdade no tratamento que o Nordeste recebia por parte da federação, serão as bandeiras empunhadas por esses jovens políticos. Ao chegarem à capital federal para exercer o mandato na Câmara dos Deputados, ocuparam por diversas vezes a tribuna daquele parlamento para defender as necessidades que a região e seus estados tanto necessitavam. O destino de ambos os fizeram chegar ao posto de governador de seus estados. Ocupantes do mais alto cargo executivo dos estados da Bahia e Pernambuco respectivamente, ACM e Marco Maciel implementam medidas que enfrentaram diretamente os problemas existentes locais. A determinação encontrada no estilo político de ambos os analisados neste trabalho, já ultrapassava os limites territoriais de seus estados. Suas atuações dentro do jogo político, na intimidade do poder e nas articulações políticas, faziam de Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel figuras notórias do jogo que era orquestrado em Brasília. Em um momento de tensão política, se não fosse a postura firme e corajosa tomada por esses líderes, dificilmente haveria tido o desfecho da transição ao qual se conhece nos dias de hoje.

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1.1 A política na família Peixoto de Magalhães

Antônio Carlos Peixoto de Magalhães nasceu em Salvador, no dia 04 de setembro de 1927, filho de dona Helena Celestino de Magalhães e do Senhor Francisco Peixoto de Magalhães10, o jovem baiano conviveu com a política em sua casa durante a adolescência. Seu pai era médico, professor universitário e Deputado constituinte eleito em 1933, pelo PSD. Por influência do seu pai, ingressou no curso de medicina da UFBA, concluindo o curso no ano de 1952, logo em seguida assumiria a função de professor-assistente. Mesmo formado em medicina, ACM tomaria o gosto pelas letras, tornando-se jornalista. Recebeu cargo de redator de debates da Assembleia Legislativa da Bahia, cargo que deixou para logo assumir a cadeira de Deputado estadual eleito em 1954. Em sua obra: ACM, o mito, José Batista Freitas Mattos11 apresenta a imagem de uma liderança notória já nos primeiros atos como parlamentar. Defensor das causas locais, o jovem ganha visibilidade e alcança já em 1958 o posto de Deputado-federal. Filiado a UDN, partido antagonista do PSD de seu pai. ACM em entrevista concedida nos anos de 1990, a um grupo de jornalistas, que após se tornaria um livro, denominado: Política é Paixão. ACM fala que ao alçar seu primeiro cargo já como Deputado estadual escolheu a UDN como abrigo partidário. [...] em 1959, ao ser eleito deputado, disse: é ali, e me sentei logo cedo na cadeira que escolhera já em 1946. A bancada baiana tinha lugar no plenário do meio para o fim. As bancadas se dividiam: de um lado o PSD, e do outro a UDN. E foi nesse lado que eu marquei o meu lugar. Vou sentar ali, e sentei. (MAGALHÃES,1995,p44)

Essa é a explicação que Antônio Carlos Magalhães deu ao conceder entrevista em 1995 ao grupo de jornalistas na cidade carioca, pelo motivo que o levara à UDN. Em outro trecho de sua entrevista ao mesmo documentário, ele trata da intimidade que possuía com os parlamentares da UDN nos bastidores da Assembleia Legislativa da Bahia, quando exercia a função de redator legislativo.

10 Francisco Peixoto de Magalhães Neto, foi um médico baiano, professor universitário e político que chegou a ser deputado federal por três legislaturas. 11 Jornalista autor da obra: ACM- O mito. 14

Tido como conselheiro dos parlamentares udenistas, Antônio Carlos Magalhães reforça seus laços com o que se tornaria seu futuro partido. Sua chegada à capital federal não foi despercebida. Já que era filho de um brilhante político que já havia passado por aquele plenário. O Deputado Antônio Carlos Magalhães conhece a intimidade do funcionamento do parlamento federal. Em um fato mencionado pelo próprio ACM, ele conta como se deu sua proximidade com o então mandatário do palácio do Catete na época em que exerceu seu primeiro mandato na capital federal. Em 1957, Juscelino foi inaugurar a iluminação do estádio da fonte nova, em Salvador, e, ao subir a escadaria, viu o meu pai sentado na arquibancada. Ele, presidente da república, foi até o meu pai e deu-lhe um abraço. Isso teve uma grande repercussão em toda a Bahia. Eu era deputado-estadual. Depois, fui eleito deputado federal. Foi então que Juracy Magalhães incumbiu-me de uma missão junto a Jucelino. Queria que tratasse do caso do diretor da caixa econômica da Bahia. Pedi audiência, e Jucelino marcou. Cheguei pouco antes da hora determinada e fiquei ali, na guarita do palácio das Laranjeiras, meia hora ou mais, esperando. Entrava militar, saía militar, entrava deputado, saia deputado e eu ali, de saco cheio, já sem paciência, nos meus 31 anos de idade. Ai resolvi cometer uma ousadia. Quando Jucelino, enfim, me atendeu, cumprimentando: “como é que vai?” eu disse: “Bem, vim aqui hoje para ter essa audiência com o senhor, mas é a última a que venho.” Ele, surpreso, perguntou: “Por que, rapaz?” E eu respondi: “Não virei mais aqui, não. Eu sou deputado federal e não posso passar mais por essa humilhação. Fiquei 40 minutos e não vou ficar mais. Passava ministro, deputado, jornalista e eu, constrangido com a demora, dissimulando para não ser notado. Isso não acontecerá mais comigo.” Jucelino, então, me pegou pela mão e levou-me até o seu quarto. Deu-me o número do telefone lá instalado frisando que apenas quatro ou cinco pessoas o conheciam e que também eu o teria. “Só quem atende sou eu ou o Tenesine (era o mordomo dele). O número é 45-6995. Você vai me telefonar três vezes por semana”. (MAGALHÃES,1995,p 42,43)

Seria dessa forma que Antônio Carlos Magalhães receberia do próprio presidente Jucelino12 o cartão de acesso direto as particularidades do gabinete presidencial. Com um prestígio elevado, podendo dizer, graças a ousadia corajosa desse baiano, que se tornará a principal marca presente em sua

12 Juscelino Kubitschek de Oliveira, também conhecido pelas suas iniciais JK foi um médico, oficial da Polícia Militar mineira e político brasileiro que ocupou a Presidência da República entre 1956 e 1961. 15 atuação política, que sua vocação para uma liderança a nível nacional vai ganhando notoriedade. Nas eleições de 1962 e 1966, Antônio Carlos se reelege. A relação com João Goulart que assume o cargo de presidente com 1961 após renúncia do senhor Jânio Quadros13 será de firmeza oposição. Em trechos de seu livro, ACM o chama de um administrador incompetente e permissivo a corrupção.

1.2 A chegada ao executivo soteropolitano A crítica a imagem do presidente João Goulart, que já sofria com fortes pressões do capital exterior, constituirá em 1964 em um golpe civil militar. Chamado de “revolução de 64”, por Antônio Carlos Magalhães, que sucederia após, a sua pavimentação a chegada ao executivo, tornando-se íntimo do General Humberto Castelo Branco14, primeiro presidente do regime militar. Retomando a obra de FREITAS MATTOS (1996), o autor aponta que ACM ganhou a confiança do presidente Castelo Branco, que em 1967 o indica para ocupar o seu primeiro cargo executivo, o de Prefeito de Salvador. Em mensagem enviada pelo próprio presidente, diz: Se a ARENA perdeu por algum tempo um atuante e combativo parlamentar revolucionário, Salvador ganhou administrador que tornará mais presente sua ímpar tradição numa grande cidade moderna, onde progresso esteja com paz social. (MATTOS, 1996, p25)

A cidade torna-se um verdadeiro canteiro de obras, as ações de infraestrutura empregadas pelo jovem prefeito transformam a dinâmica da cidade. Com um canal livre direto com Brasília, a captação de recursos impulsiona a administração. O próprio Prefeito passou a ser o maior fiscal da administração, dividia seu tempo entre o gabinete, para atendimento ao público e auxiliares, e as ruas, inspecionando canteiros de obras e tomando conhecimento da situação dos bairros da cidade.

13 Jânio da Silva Quadros foi um advogado, professor e político brasileiro. Foi o vigésimo segundo presidente do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961, data em que renunciou 14 Humberto de Alencar Castello Branco GOA GColIH foi um militar e político brasileiro. Foi o 26º Presidente do Brasil, o primeiro do período da Ditadura Militar, tendo sido um dos articuladores do Golpe militar de 1964. 16

Não apenas na área de infraestrutura física a gestão Antônio Carlos deixou significativas marcas, mas também no tocante ao social. As áreas de educação e saúde recebem do prefeito o olhar necessário para sua melhoria. Na educação se dará, com aumento das matrículas de alunos do primário, reorganização do quadro de professores, inclusive capacitando os profissionais. Na área da saúde, a prefeitura intensifica os programas de vacinação, equipara os postos de saúde, e a implementação de políticas publicas de enfrentamento a tuberculose, auxiliado por unidades móveis, percorrendo os bairros mais necessitados da capital. A valorização do servidor municipal ganhará notoriedade em sua administração. Com reajustes salariais anuais, reforma do hospital do servidor municipal, que recebeu investimentos para o aumento de sua oferta de cirurgias, atendimentos médicos e acompanhamento dos servidores que necessitavam de apoio e tratamento. Ao tocante a habitação a prefeitura promove mudanças no quadro da situação habitacional em Salvador. Já com a reforma urbana no seu primeiro ano de vigência, foram alienados 1.267.595 metros quadrados de terras públicas sendo que, a maioria situava-se em bairros populares, 40% da área total vendida na liberdade e 38% em São Caetano. Em condições sadias a favor das camadas menos favorecidas da população que tinham prazos longos para poder pagar aquilo que lhes passava a ser devido. O resultado dessa ação será o aumento de 101% o número de dormitórios oferecidos por cada unidade construída. No turismo, onde se tem a atração de investimentos com a chegada de visitantes à cidade. Salvador que possuí uma arquitetura colonial marcante, buscava do poder público incentivos para preservar a memória e assim tornar o espaço cultural baiano mais atrativo. Será fortalecido a superintendência do turismo de Salvador, que tendo o próprio prefeito como articulador de atração de investimentos, que segue uma verdadeira peregrinação junto aos governos estadual e federal para financiar as obras de reforma de um dos principais cartões postais da cidade. O pelourinho que será encontrado pela administração municipal de ACM em situação preocupante, receberia da futura administração de ACM, a frente, agora do governo do estado a liberação e a captação de recursos para sua reforma, tornando-se o que é até os dias atuais, a memória viva de um pais que teve sua história marcada por glorias e reflexões sociais importantes.

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A administração municipal saltava nos índices de aprovação, no ano de 1969, numa pesquisa realizada pelo IBOPE, cerca de 99% da população de Salvador, apoiava de forma calorosa e entusiástica o prefeito da capital. O jovem estudante de medicina, que trocou o estetoscópio médico, pelas redações dos jornais, que chegara ao seu primeiro cargo como deputado ainda jovem com seus 26 anos, e que no exercício de seu cargo como deputado- federal, teve a ousadia de enquadrar um presidente da república, mostrou que tinha jeito para a gestão. Sua passagem pela prefeitura lhe credita a ser indicado pelo General Emilio Medici15, a assumir o governo do estado em 1970.

1.3 O desafio do Palácio Rio Branco

Com uma passagem exitosa pela prefeitura municipal de Salvador, Antônio Carlos Magalhães tornava-se o candidato ideal para suceder o então governador Luiz Viana16 nas eleições de 1970. Defensor enérgico da “Revolução de Março de 1964”, ACM desfrutava da simpatia e trânsito entre os militares. Foi que então, recebeu do presidente Emílio Garrastazu Médici a indicação para ocupar o Palácio Rio Branco, então sede do governo e residência oficial dos governadores da Bahia naquela época, sua indicação recebeu o referendo da Assembleia Legislativa da Bahia. ACM sabia que aquela era a mais importante missão da sua vida pública, pelo elo que sempre demonstrou ter pelo estado da Bahia. Em seu discurso de posse ele diz: O exercício desse mandato de governo, presentemente, significa responder ao desafio que a nossa evolução histórica e a consciência das suas necessidades colocaram diante da atual geração de homens públicos da Bahia. A saber, o desafio de ganhar uma corrida contra o tempo. Contudo, a administração, como a política, é apenas a arte do possível, não dos milagres. O administrador não é um taumaturgo. Somente dentro dos limites das suas disponibilidades de recursos humanos e materiais, sempre escassos para atenderem plenamente ao acervo de problemas com que se defrontam, é que, escolhendo os quadros certos, selecionando setores e áreas prioritárias, hierarquizando dispêndios e investimentos, planejando com

15 Emílio Garrastazu Médici foi um militar e político brasileiro. Foi o 28º Presidente do Brasil, o terceiro do período da ditadura militar brasileira, entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974. Participou da Revolução de 1930 liderada por Getúlio Vargas. 16 Político baiano, governou o estado entre os anos de 1967 a 1971. 18

realismo e segurança, pode ele ir muito longe do seu ponto de partida. (MATTOS,1996, p64)

O novo chefe do executivo estadual tinha consciência dos desafios que o palácio Rio Branco colocaria no percurso da sua vida pública. Com a experiência de Salvador, ACM cuidadosamente buscou implementar um novo ritmo e uma nova filosofia de trabalho no âmbito das suas prerrogativas mais urgentes. Por conta disso, foi elaborado o Plano Trienal de Governo, inteiramente ajustado e comprometido com as prioridades maiores da nova administração. Foi através desse planejamento estratégico que surge a necessidade de implantação do parque de indústria motrizes, em redor do qual se organizasse espaços economicamente suficiente, propiciando a abrangência das diversas regiões do Estado, incluindo a modificação nas estruturas de todas as áreas periféricas. A atração de novos investimentos para Bahia faz com que o estado invista na sua estrutura viária e rodoviária. O aeroporto 2 de julho recebe em convênio com o Ministério da Aeronáutica reformas para sua ampliação e modernização, além de elevá-lo a categoria de aeroporto internacional. A malha rodoviária do estado recebe robustos investimentos, onde a grande Salvador se conecta diretamente com os núcleos industriais. O sistema de distribuição hidráulica do estado passa por reformas acarretando a sua extensão da capacidade de distribuição. O Pelourinho é reformado, concretizando um sonho do governador, e impulsionando a exploração turística daquela área. Da mesma forma com que fez na cidade de Salvador, ACM transforma as regiões de todo Estado da Bahia em canteiros de obras descentralizados. Como foi mencionado em seu discurso de posse, a eficiência da administração se fará presente com a construção do centro administrativo. A conexão das secretarias junto ao governador, tornaria mais dinâmica, eficiente e barata os custos da máquina pública estadual. A Bahia é um estado com 564.733,177km2, muitas cidades ainda não possuíam na década de 1970 estradas que as conectassem com as demais regiões do estado. Durante seu primeiro mandato a frente do governo ACM constrói cerca de 9.000 quilômetros de estradas interligando centenas de localidades.

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Em 1974, concluía seu primeiro mandato a frente do executivo estadual. Com uma alta aprovação, e após deixar um rastro de investimentos por todas as regiões do estado, não demoraria muito para que seu regresso ocorresse ao governo. Um ano após descer as escadarias do palácio Rio Branco, recebe agora pelo então presidente Ernesto Geisel17 a indicação para chefiar a Eletrobrás. Será durante sua passagem pela estatal que se observará substancial crescimento na capacidade hidro energética do país. Ao deixar o cargo na Eletrobrás em 1978, com mais uma prova da sua capacidade de gestão moderna e realizadora, Antônio Carlos traça o caminho de volta a Bahia para reassumir o comando do estado. Sua segunda gestão terá no social as marcas transformadoras. As questões socioeconômicas do estado estiveram à frente de todos os projetos do programa de governo de Antônio Carlos. Todos os recursos em disponibilidades foram concentrados na implantação de unidades produtivas, urbanas ou rurais, de alta eficiência e modernos padrões de industrialização, em condições tais, capazes de poder competir com unidades centro-sul, com remuneração adequada aos seus trabalhadores. Se tem um programa que melhor sintetiza esse olhar pelo social assumido pela gestão ACM, esse é o programa: Cesta do Povo. Um programa de abastecimento popular, através da racionalização do sistema de comercialização de alimentos e do estímulo à implantação de atividades hortigranjeiras modernas. Se há uma política pública redistributiva, que atraiu muito a atenção na construção dessa pesquisa, essa foi, a Cesta do Povo. Um dos fatores mais destacado pelo próprio Antônio Carlos no sistema de abastecimento alimentar através da Cesta do Povo, motivo de grande orgulho para o então governador, que lhe dedicou um olhar muito especial, foi o fato desse audacioso empreendimento passar a representar uma economia de cerca de 35% no orçamento da população de menor poder aquisitivo. Durante a administração, o projeto se expandiu, sendo gerenciado por uma empresa que garantisse a efetividade e a organização do projeto. O resultado seria a construção em salvador do primeiro supermercado realmente popular. Com preços baixos, a

17 Ernesto Beckmann Geisel foi um político e militar brasileiro, tendo sido o 29º Presidente do Brasil, exercendo o cargo de 1974 a 1979. 20 população mais carente tinha condições de consumir produtos comuns da cesta básica familiar, a preços justos. Como todo programa redistributivo se depara com uma oposição protagonizada pelo grupo de influência, com o Programa Cesta do Povo não seria diferente. As grandes redes varejistas iniciam uma série de pressões no governo, que resiste, garantindo assim a fundação de novos supermercados populares em dezenas de cidades da Bahia. A chegada da eletrificação ao campo torna a vida do homem do interior mais próspera. Afinal, a produção do campo apresenta acentuados índices de crescimento, e para que isso ocorresse, o governo da Bahia fomenta a criação de uma grande linha de transmissão partindo de Sobradinho, interligando Senhor do Bonfim e Irecê, até alcançar Bom Jesus da Lapa. “O Linhão”, como é conhecido. As ações implementadas durante sua segunda passagem pelo governo, criam um afetuoso laço de admiração e reconhecimento da população baiana junto ao seu governador. Já reconhecido como a maior liderança da Bahia do século XX. Seu segundo governo se encerra em 1982, em meio da efervescência que o país vivia durante o processo de abertura política. Mesmo sem ter sido eleito pelo voto direto, ACM possuía grande aprovação popular, índices estes que serão provados com a eleição do seu sucessor, João Durval18, indicado pelo próprio gabinete do governador e sufragado pelo voto popular. Para o pesquisador que teve o prazer de analisar esse recorte, fica a impressão que o termo legitimidade, presente nos discursos de quem nega as ações desenvolvidas pelos políticos que exerceram mandatos executivos durante o regime militar, caem em campo infértil. ACM ganha notoriedade política para além das fronteiras do estado baiano. Foi o articulador que garante a chegada do General João Batista Figueredo ao cargo de presidente da república. Dono de uma capacidade de conduzir gestões e consolidar grupos de poder, inclusive enfrentando de frente os opositores. Destemido, corajoso, “brigão” como foi chamado pelos aliados e inimigos, recebe o apelido de “Toninho malvadeza”, que era implacável em derrocar aqueles que o

18 João Durval Carneiro é um político brasileiro, foi governador da Bahia entre os anos de 1983 a 1986. 21 enfrentavam nas urnas na tentativa de desmoralizar seu governo, ou colocar em risco as conquistas da Bahia. Com um perfil em particular divergente do estilo carlista, o pernambucano Marco Antônio Maciel moldou sua trajetória política com um estilo pacífico e conciliador. Dono de um jeito calmo, de voz suave e capacidade de dialogar com todos, esse jovem político marca a dinâmica nacional por ser o artífice do entendimento.

1.4 Dos bancos da Faculdade ao centro político.

Em meio as diversas literaturas que tratam do homem público Marco Maciel, a obra do jornalista Ângelo Castelo Branco19: Marco Maciel - o Artificie do entendimento, é considerada uma das biográficas mais justas e completas sobre este político. Nascido no Recife em 21 de Julho de 1940, o filho de José do Rego Maciel20 e de dona Carmen Sylvia de Oliveira sempre se destacou dentre os seus oito irmãos. O menino de infância tranquila e religiosa, Marco Maciel sempre transitou na adolescência e na juventude os corredores do poder, na companhia daquele que seria a sua maior referência de homem público, seu genitor. Seu pai já nos anos de 1940 e 1950 ocupou cargos importantes, como o deputado-federal e prefeito da capital pernambucana. A ligação de sua família com o PSD, partido hegemônico no estado durante as décadas de 1940 e 1950, mexe com a vida do jovem Marco Maciel, que após morar uma temporada no Rio de Janeiro, ao qual seu pai havia se mudado após ser eleito para a câmara dos deputados em 1948, o traria de volta ao seu estado natal no início da década de 1950, devido a um fato político ocorrido no estado. Após a morte da maior liderança do partido ao qual seu pai era filiado e representante no parlamento, o Ex-governador Agamenon Magalhães, que viria a falecer vitimado por uma infarto em 1952, e sendo assim, mexendo diretamente no jogo político local,

19 Jornalista e escritor, foi secretário de imprensa de Pernambuco entre os anos de 1979 a 1982. 20 José do Rego Maciel, foi um advogado, promotor e político brasileiro. Fez os primeiros estudos no Colégio Nóbrega, na capital pernambucana, e bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Recife, na turma de 1930. 22 como aborda em sua obra Dulce Pandolfi21, o senhor José do Rego Maciel é convidado para assumir o cargo de prefeito da capital em 1953, indicado pelo então governador Etelvino Lins22, sucessor de Agamenon na liderança do PSD. O retorno de Marco Maciel ao Recife traça o destino dele próprio. A política já fazia parte do seu cotidiano ao lado do pai, e agora, somava-se a companhia constante de importantes líderes políticos que sediavam reuniões na casa da família Oliveira Maciel, envolvendo o jovem cada vez mais nas articulações e dinâmica política. Em 1958, candidato a vice-governador na chapa do Senador Jarbas Maranhão23 que concorria ao governo, o pai de Marco Maciel percorre todo o estado, levando sempre que possível o jovem em sua companhia. Mesmo com a derrota para o udenista Cid Sampaio24, que apoiado pela ampla frente de esquerda fortemente representada na capital e região metropolitana, o cenário apresentado por aquele pleito não retira a brilhante experiencia adquirida por Marco Maciel. Logo após o estudante ingressa por meio de vestibular na faculdade de direito do Recife. Será nos bancos dessa importante instituição que o menino que não perdia as missas do domingo, que fez a primeira comunhão, e que nutria laços fiéis aos seus dogmas religiosos católicos, de voz com timbre suave, de alta estatura, mas com o corpo franzino, se constituirá em um jovem de capacidade de diálogo e trânsito entre as polarizações presentes no país durante a turbulenta década 1960. “O estudante de direito Marco Maciel se deixava encantar pela política estudantil, avesso, entretanto, ao jogo radical” (CASTELO BRANCO, 2017). Já nos bancos da universidade, o despertar da vocação política já o convocava a assumir o seu lugar. Já no ano seguinte ao ingressar na universidade, será eleito presidente do diretório central dos estudantes, com

21 Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1975), mestrado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, IUPERJ (1983) e doutorado pela Universidade Federal Fluminense (1994). 22 Etelvino Lins de Albuquerque foi um promotor público e político brasileiro, governador de Pernambuco por dois momentos: 1945 e entre 1952 e 1955. 23 Jarbas Cardoso de Albuquerque Maranhão foi um político brasileiro. Foi professor de Direito Constitucional. Foi aluno do Ginásio Pernambucano. Cursou Direito na Faculdade de Direito do Recife, concluindo em 1940. 24 Cid Feijó Sampaio foi um político brasileiro, governador do estado de Pernambuco. Formou-se em Química no Recife e em Engenharia civil no Rio de Janeiro. Usineiro e industrial, foi o primeiro presidente do Centro das Indústrias de Pernambuco. 23 prerrogativas de participar das reuniões do colegiado e nas votações deliberativas do conselho universitário. Será através desse primeiro espaço de representação política, que o estudante Marco Maciel colocará em prática a sua maior característica política, que irá lhe acompanhar por toda a sua trajetória na vida pública. A capacidade de dialogar mesmo com os que não compartilhavam do seu pensamento. Em registro a alguns fatos importantes citados pelo autor CASTELO BRANCO (2017), ficou marcado o episódio em que tropas do exército ordenadas pelo então presidente da república Jânio Quadros em 1961, estabelecem pressão para desmontar um ato de resistência estudantil, que era contraria aos desmandos ditados pelo então diretor da faculdade de direito do Recife, o senhor Soriano Neto. Um episódio que se fez insustentável após a visita da senhora Celia Guevara, mãe do guerrilheiro revolucionário Ernesto Che Guevara25. O fim do ensejo só não terminou em tragédia devido a capacidade, coragem e coerência do jovem estudante Marco Maciel que assumiu a dianteira das negociações, garantindo a desocupação do prédio da Faculdade de Direito do Recife, conservando a integridade física dos estudantes envolvidos no ato. Estava praticamente concretizado, que a habilidade de dialogar sem se inclinar aos extremos, fazia de Marco Antônio de Oliveira Maciel, um jovem político de um futuro promissor que nem ele mesmo teria tamanha dimensão de seu alcance.

1.4 A defesa pela democracia.

Em 1962 o estado passaria por mais um processo eleitoral, dessa vez o PSD se aproximava de uma candidatura de esquerda. O Ex-prefeito do Recife de Alencar era o nome apoiado pelas forças pessedistas. Mesmo obtendo sua formação política atrelada ao programa partidário do PSD, Marco Maciel não se filiou ao partido, alegando-o, que seu maior compromisso naquele momento

25 Ernesto Guevara, mais conhecido como "Che" Guevara, foi um revolucionário marxista, médico, autor, guerrilheiro, diplomata e teórico militar argentino. Uma figura importante da Revolução Cubana, seu rosto estilizado tornou-se um símbolo contracultural de rebeldia e insígnia global na cultura popular. 24 seria com as forças do movimento estudantil, e que, uma ligação diretamente partidarizada traria um imbróglio para a sua atuação. Mesmo não integrando oficialmente as fileiras do PSD, era inevitável que não ocorresse a intervenção do estudante de direito nas eleições estaduais de 1962. Marco Maciel após o episódio da ocupação da faculdade de direito do Recife, se aproxima do político, ex-pessedista e opositor do governo Cid Sampaio, Miguel Arraes de Alencar26, que mais adiante, ambos, protagonizariam correntes políticas divergentes no cenário eleitoral estadual. Naquele ano a aliança entre a frente de esquerda e o PSD, compuseram o ingrediente importante para a derrota do grupo udenista no estado liderado pelo governador Cid Sampaio, conforme relata o autor José Arlindo Soares, em sua obra: A frente do Recife (1982). Miguel Arraes do PST vence João Cleofas27 da UDN, candidato do governo. Como na época o vice-governador era eleito separadamente do governador, modelo ao qual não se apresenta no formato eleitoral dos dias atuais, onde a chapa é eleita casada com os aspirantes aos cargos executivos, o mais votado para o posto de vice-governador foi o senhor Paulo Guerra28 do PSD, consagrando a aliança entre os dois grupos políticos. Os conturbados anos da década de 1960, se dará já no início da administração de Jânio Quadros, político paulista, de perfil de direita, Jânio enfrentaria polêmicas resultantes de medidas tomadas por seu governo, e um profundo desgaste patrocinado pela própria figura política do presidente. A oposição ao seu governo se fortalecia mediante a agenda apresentada pelo planalto. Sua queda não demorou, e logo em agosto do mesmo ano, o congresso ouvia do presidente Auro Moura29 as palavras que levaria a entrega do cargo. Naquele dia a vacância do cargo se dava pela ausência do vice-presidente João

26 Miguel Arraes de Alencar foi um advogado, economista e político brasileiro. Foi prefeito da cidade de Recife, deputado estadual, deputado federal e por três vezes governador do estado de Pernambuco. 27 João Cleofas de Oliveira foi um engenheiro civil e político brasileiro. Filho de Augusto Teixeira de Oliveira e Maria Florentina de Lemos Oliveira, foi ministro da Agricultura no governo Getúlio Vargas e depois senador por Pernambuco, de 1966 a 1975, presidente do senado de 1970 a 1971. 28 Paulo Pessoa Guerra foi um político brasileiro que foi governador de Pernambuco, estado que também representou no Congresso Nacional. Era pai do também político Joaquim Pessoa Guerra. 29 Auro Soares de Moura Andrade foi um advogado e político brasileiro. Nasceu numa abastada família de fazendeiros do interior paulista, filho do pecuarista Antônio Joaquim de Moura Andrade, conhecido como "o rei do gado". 25

Goulart que estava em viagem internacional a China. João Goulart não causava simpatia a elite política brasileira, que tentou inviabilizar sua chegada ao palácio do Planalto. Marco Maciel, enquanto representante da classe estudantil, reforçou o pleito a pedido para que se garantisse a posse do vice-presidente no cargo deixado por Jânio Quadros. Jango, como era conhecido João Goulart pela classe política, consegue assumir o governo, mas com uma medida cautelar, denominada de parlamentarismo. O modelo parlamentar que é conhecido em especial na Grã- Bretanha, seria imposto ao futuro presidente como forma de limitar seu poder. O Primeiro-Ministro empossado seria o mineiro e ex-ministro da justiça de Vargas, o senhor Tancredo de Almeida Neves, com quem viria a estabelecer uma relação de profunda amizade com Maciel. A medida durou pouco tempo, o parlamentarismo seria colocado em avaliação através de um plebiscito em 1963, cujo o resultado devolveria por meio de 82% dos votos, o poder ao presidente Jango, saindo do processo fortalecido o sistema presidencialista. Esse modelo de governo era a apoiada por Marco Maciel. Em 31 de março de 1964, o golpe Civil-militar retiraria Jango do poder, como também seria retirado do palácio do campo das princesas, o então governador Miguel Arraes. Na obra da autora Andrea Arraes Alencar Pinheiro (2019), ela trata da preocupação que a elite política pernambucana possuía com o governador Arraes. Sua ligação com as ligas camponesas e com o líder desse movimento, o então ex-deputado Francisco Julião30 causava sérios desconfortos com o ocupante do palácio, sendo assim, sua queda deve a participação desse conjunto de forças opositoras. O vice-governador Paulo Guerra assume imediatamente, e na formação do seu secretariado, convida Marco Maciel para assumir uma pasta que trataria de questões ligadas ao social. Diante da idade mínima estipulada pela constituição estadual de 25 anos, Marco Maciel não pode assumir por ter 24 anos ainda incompletos.

30 Francisco Julião Arruda de Paula foi um advogado, político e escritor brasileiro, que liderou politicamente o movimento camponês conhecido como Ligas Camponesas.. Nasceu no Engenho Boa Esperança, no agreste pernambucano. Advogado formado em 1939, em Recife, foi líder em 1955 das Ligas Camponesas, no Engenho Galileia. 26

Em 1965 eleito deputado-estadual, recebe o convite do governador Nilo Coelho31 para liderar a bancada governista da Casa de , sede do poder legislativo estadual na época. O destaque assumido pelo jovem deputado impressiona o governo que mantem um diálogo profundo com sua base por intermédio da perfeita articulação construída por Marco Maciel. Já no ano de 1970, seu caminho estaria sendo pavimentado para chegar à capital federal, assumir a cadeira que um dia havia sido de seu pai, a de deputado- federal por Pernambuco. Seu segundo mandato conquistado após ser reeleito em 1974, lhe conduziria ao cargo de presidente da câmara dos deputados, um dos momentos ditos pelo próprio Maciel como mais tensos de sua vida. O pacote de abril, apresentado em 1977 pelo presidente Geisel, coloca em recesso o congresso, as tensões dos debates internos no parlamento, tornam o clima tenso entre as forças internas daquela casa. Mesmo assim, com o estilo apaziguador e sereno, o chefe do poder legislativo daquela legislatura e 1977, garantiu que nenhum embate mais radical ocorresse nos corredores do congresso. A postura equilibrada assumida por Marco Maciel que presidia a câmara dos deputados, torna ele o candidato viável a sucessão do governador Moura Cavalcanti32 em 1979.

1.6 O governador de olhar voltado para o futuro.

Em 1974, Marco Maciel acompanhou o presidente da ARENA, o senador Petrônio Portela33 em vários estados da federação, no que foi chamada, “Missão Portela”. Que foi responsável por montar os palanques de consenso para a sucessão estadual. Naquele mesmo ano, já havia indícios que indicassem o nome de Marco Maciel ao posto de governador de Pernambuco, mas devido ao estabelecimento do consenso no estado, foi aprovado o nome do então ministro

31 Nilo Augusto de Moraes Coelho foi um político e empresário brasileiro, foi governador da Bahia, deputado federal e três vezes prefeito da cidade natal. 32 José Francisco de Moura Cavalcanti foi um advogado e político brasileiro que foi indicado governador do Amapá em 1961 e de Pernambuco em 1974. 33 Petrônio Portella Nunes, mais conhecido como Petrônio Portella, foi um advogado e político brasileiro de atuação destacada como fiador da distensão política empreendida pelos presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo. 27 da agricultura José Francisco de Moura Cavalcanti. O senador piauiense Petrônio Portela seria junto a Marco Maciel um dos principais articuladores a estabelecer o plano de distensão proposto pelo presidente Ernesto Geisel e pelo General Golbery de Couto e Silva34, e que caberia ao seu sucessor, João Figueredo35 a conclusão do processo de abertura. A candidatura de Marco Maciel foi apresentada no ano de 1978 e aprovada pela assembleia legislativa do estado. No dia 15 de Março de 1979 toma posse o novo governador acompanhado pelo seu vice-governador, o senhor Roberto Magalhães36, a quem dedica em seu livro, Memórias (2012), um relato impressionante da relação de aprendizado que adquiriu nos anos em que acompanhou o governador na condição de seu vice. Secretário de imprensa do governo Maciel, o autor Ângelo Castelo Branco, com clareza em sua fala, retrata o rastro de crescimento do estado durante a passagem de Marco Maciel pelo campo das princesas. Marco Maciel foi maestro de uma orquestra afinada que concluiu o terminal de passageiros do bairro do Curado, o Centro de Convenções de Pernambuco, obras de ampliação do aeroporto internacional dos Guararapes- Gilberto Freire, melhoria no porto do Recife e um intenso elenco de obras estratégicas no complexo industrial portuário de Suape, onde ele assistiu à chegada do primeiro navio e onde até 2016 já haviam sido instaladas mais de uma centena de industrias dos mais diversos segmentos, alavancando o PIB pernambucano como um dos maiores do Nordeste. (CASTELO BRANCO, 2017, p94)

Um político sutil, de capacidade de liderança impressionante. A frente do governo estadual, sua autenticidade torna a administração mais próxima das pessoas, sob o slogan: “Administração com Participação”, Marco Maciel torna a gestão mais inclusiva. Pode-se afirmar que uma das maiores marcas deixadas por sua gestão, além daquelas que projetaram o estado para o futuro, serão as ações de combate à seca do sertão pernambucano. O projeto Asa branca

34 Golbery do Couto e Silva foi um general e geopolítico brasileiro. Tornou-se reconhecido como um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional, elaborada nos anos 50 pelos militares brasileiros da Escola Superior de Guerra, sendo um dos criadores do Serviço Nacional de Informações. 35 João Baptista de Oliveira Figueiredo foi um geógrafo, político e militar brasileiro. Foi o 30º Presidente do Brasil, de 1979 a 1985, e o último presidente do período da ditadura militar. 36 Roberto Magalhães Melo é um político brasileiro. Filiado ao DEM, Roberto Magalhães obteve quatro mandatos de deputado federal. Ele também foi governador do estado de Pernambuco de 1983/1986 e prefeito da cidade do Recife de 1997/2000. 28 apoiava o produtor nos períodos de seca, além de financiar grandes obras de engenharia para capitanear a água que garantia o sustento do homem do campo. Em uma demonstração de gratidão, receberá uma importante homenagem do cantor sertanejo pernambucano, da cidade de Exu, o saudoso Luiz Gonzaga, que na composição de uma música denominada: Projeto Asa Branca, faz referência ao jovem governador, que, de forma decisiva e articulada, traz para o sertão a água aonde não chegava de forma perene. A visão do governador alcançava um espaço de tempo bem além daqueles vividos durante a década de 1970 e 1980. O desejo de colocar o estado na rota dos destaques econômicos do país, levaram por diversas vezes o chefe do executivo do estado a se impor diante do regime ditatorial. A composição do seu secretariado é exemplo disto. Se Marco Maciel tivesse submetido os nomes de alguns executivos das pastas a apreciação da Secretaria Nacional de Informação, muitos deles são chegariam se quer a assumir os cargos. Mesmo assim, Marco Maciel que sempre trilhou os caminhos do consenso político, irá abrigar figuras em seu governo pelo critério de competência e conduta ilibada. Os acertos promovidos pelo governo eram muitos, foi através desse conjunto operacional, liderado pelo governador que os pernambucanos acolhem em 1980 o papa João Paulo II, em primeira visita de um líder religioso mundial da igreja católica ao continente americano. No livro do Ângelo Castelo Branco (2017), ele reproduz uma reportagem realizada anos após da vinda do Santo Padre, em que Maciel revela que o estado havia sido retirado da rota de visitas de João Paulo II. A articulação foi imediata, e o governador escalou o secretariado para não deixar que a notícia se espalhasse, garantindo que haveria a reversão da situação. E foi assim que ocorreu, e no dia 7 de Julho de 1980, o Papa era recebido no aeroporto dos Guararapes pelo governador e pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara37. O governo Marco Maciel foi sensível a um dos pleitos mais nítidos existentes na capital do estado. O problema habitacional era motivo de preocupação para os prefeitos do Recife. Indicado em 1979, o advogado e ex-secretário da fazenda

37 Dom Hélder Pessoa Câmara foi um bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife. Foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Pregava uma Igreja simples, voltada para os pobres, e a não-violência. 29 de Pernambuco, Gustavo Krause38 leva ao governador essa realidade. Os estudos demográficos apresentavam um assustador crescimento urbano das capitais do país, Recife não suportava a demanda que chegava de várias localidades do estado e da região. O déficit de moradia era motivo de intensos conflitos, como é o caso da vila de pescadores no Pina, que construída no mesmo ano em que a capital federal dava seus primeiros suspiros de vida, a comunidade que convivia com a polícia diariamente reprimindo as construções de madeiras dos casebres, batizou a localidade de Brasília Teimosa. O prefeito Krause por diversas vezes interveio para que as ações da Polícia não fossem truculentas. Juntos, Prefeito e Governador buscaram no arquiteto que projetou a capital federal, um plano urbanístico que pudesse resolver os conflitos ali presentes. Essa medida foi crucial para que o bairro ganhasse a disputa que travava com Boa Viagem. Em 1982 chegava a hora que transmitir o cargo de governador, a um sucessor, que dessa vez passaria pela avaliação popular. Com 53,69% Maciel se elege Senador e garante a eleição de seu sucessor, o seu companheiro de chapa nas eleições de 1979, Roberto Magalhães se elege juntamente com Gustavo Krause na vice com 52,56%. Foi a demonstração de que o governo havia alcançado a aprovação por parte da população pernambucana. De volta a Brasília, Marco Maciel terá protagonismo junto a importantes figuras da política nacional nos desdobramentos que garantem a transição democrática do país. No próximo capítulo irá se debater o papel de as lideranças nordestinas como Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel desempenharão nos destinos do país, que encontrava-se em uma constante agitação de massas por várias partes do Brasil, almejando o fim do regime militar.

38 Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho é um político e advogado brasileiro. Foi Ministro da Fazenda do governo , Ministro do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente do governo FHC, governador de Pernambuco e prefeito do Recife. 30

2 O destino do país diante nas articulações de grandes líderes.

A abertura política brasileira já era algo que não poderia aguardar mais tempo. As intensas movimentações sociais em busca da legitimidade política e da participação agitavam a nação durante o final da década de 1970. Em pesquisa anterior, ao qual, o tema abordado e discutido em referência a transição democrática, fica claro que a participação do movimento operário que eclodiu após as greves do ABC paulista, importante centro de concentração de grandes empresas montadoras e de serviços, mudam a dinâmica do poder na capital federal. A dupla Geisel e Golbery já sinalizavam pela intenção de iniciar um processo de distensão. Durante os anos em que o regime precisou endurecer diante dos embates realizados com os civis, crimes e violações aos direitos sociais e humanos foram praticados pelo estado, em nome de uma disciplina de estado. Muitos brasileiros foram mandados embora para outras nações, se exilando, e não podendo retornar ao país. Familiares dos exilados que permaneceram no Brasil, promoveram uma verdadeira peregrinação em busca de apoios internacionais, apresentando a realidade vivida pelo Brasil sob o comando dos militares. Congressos e encontros foram realizados em outros países. Em pesquisa recente, Borges (2017), trata do Tribunal de Russell II. O tribunal Bertrand Russell foi um espaço de denúncias das ditaduras latino-americanas que destacou o papel do Brasil como centro fomentador desses regimes e produziu orientações visando a influir no ordenamento jurídico internacional. (BORGES, 2017, p.6)

Aprovada em 1979, a Lei de número 6.683/79, conhecida como a lei da anistia tornou-se um marco legal para o início da transição. Uma das mais importantes obras que trata de democracia, contribuirá para compreender as circunstâncias que endossam a medida adotada pelo presidente Geisel e seu principal auxiliar, o general Golbery. Robert Dahl39 em seu livro Poliarquia, um clássico escrito na década de 1970 trata dos movimentos de transição. Aos olhos do autor, enquanto escrevia seu livro, a américa latina convivia com regimes totalitários, não havia um modelo de democracia plena, para que se fosse

39 Robert Alan Dahl foi um cientista político norte-americano. Formulador do conceito de "poliarquia", Dahl foi professor emérito da Universidade Yale. 31 discutida pelo autor, é daí que ele apresenta o conceito de poliarquia, que seria um modelo que mais se aproximava de uma democracia. Segundo DAHL (2015) existem regimes hegemônicos fechados, de oligarquias competitivas, hegemonias inclusivas e poliarquias. O grau regulador desses modelos é a participação das diversas estratificações da sociedade. Em uma hegemonia fechada a participação é mínima a nula, já em uma poliarquia, há uma integração da sociedade com o governo, que legitima sua representação através de um processo de escolha e competição. O cenário apresentado era de que, havia chegado a hora de se instalar um processo que fosse: lento, gradual, seguro garantindo o retorno dos militares aos quartéis, perdendo assim alguns “anéis, mas conservando-o os dedos”. Uma alusão que representa bem o resultado da lei da anistia foi, ter amparado os crimes cometidos pelos militares, os chamados de “crimes conexos”, no qual, a defesa do estado é usada como argumento explicativo para tais atos. As disputas de poder entre as classes sociais que enxergavam na abertura a oportunidade de retomar o poder, junto ao governo que tinha como missão, sustentar a transição nos conformes como foi apresentada, criaram um campo de intensos debates e disputas. O condutor desse processo deveria ser o presidente da república, nesse caso, o senhor João Batista Figueredo, eleito em 1979 para ser o último presidente militar, preparando assim, o país para que o próximo mandatário fosse um civil. João como gostava de ser chamado, segundo BORGES (2017), possuía uma frágil capacidade de liderança, e isso, foi circunstanciado pelas crises que o partido do governo, o PDS, ex-ARENA, protagonizará durante as articulações para a sucessão. A eleição presidencial que se aproximava, teria como aval para a escolha do novo chefe do executivo nacional, o colégio eleitoral. Oportunizando essa medida, o governo articulava para que o sucessor de Figueredo saísse do interior do regime. Com maioria no congresso, o partido situacionista o PDS, seria o vencedor da eleição indireta marcadas para 1985. Se não fosse as falhas cometidas no processo de escolha interna. Na obra do professor Arsênio Eduardo Côrrea (2006), é exposto por meio de entrevistas com líderes do partido que não se chegava a um consenso sobre a escolha do candidato que representaria a sigla governista no processo sucessório. Um desses líderes era o então senador eleito pelo estado de

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Pernambuco Marco Maciel, que unindo forças a outras importantes figuras do partido, irão compor uma frente parlamentar que tentará estabelecer o consenso partidário que o momento necessitava. São apresentadas quatro candidaturas. A do vice-presidente da república, senhor Aureliano Chaves40, do senador Marco Maciel, do ministro do interior Mario Andreazza41 e do empresário paulista e ex-governador do estado de São Paulo, o senhor Paulo Salim Maluf42. João Batista Figueredo ausente em grande parte das articulações, tenta sem muito sucesso, retomar o controle sucessório. O que relata o autor com base das entrevistas contidas em seu livro, foi a de que, já se instalava uma crise política e institucional no centro do governo. Era perceptível que o presidente Figueredo não acolhia o nome do seu Vice como o majoritário a sucessão. Aureliano representava a unidade entorno do seu nome, mas não a do presidente. Na tentativa de buscar o entendimento partidário, o presidente da sigla, o senador maranhense José Sarney43 propõe uma prévia com os nomes postos para que os mais votados fossem conduzidos para a convenção. As prévias não encontram ambiente acolhedor, e principalmente por parte do chefe do executivo federal. As tensões se apresentam diante de um cenário preocupante para os que almejavam a manutenção do processo transitório para a abertura política. Com a coragem de homens comprometidos com o projeto democrático, a frente parlamentar liderada pelos senadores Marco Maciel, Jorge Bornhausen44, Guilherme Palmeira45 e José Sarney decidem romper com o governo. O rompimento pelo que diz o ex-senador do estado de Santa Catarina Jorge

40 Antônio de Mendonça foi um político brasileiro, 29.º Governador de Minas Gerais entre 1975 e 1978 e o 19.º Vice-presidente do Brasil entre 1979 e 1985. 41 Mario David Andreazza foi um militar e político brasileiro. Militar e militante anti-getulista, em 1952 participou das desordens que levaram à queda do ministro Estillac Leal e do presidente em 1955. 42 Paulo Salim Maluf é um político, engenheiro e empresário brasileiro, filho de pais de origem libanesa. Governou o estado de São Paulo entre 1979 a 1982, Prefeito da cidade de São Paulo e Deputado-federal. 43 José Sarney de Araújo Costa, nascido José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é um advogado, político e escritor brasileiro, que serviu como o 20.º vice-presidente do Brasil durante 1985 e como o 31.º Presidente do Brasil de 1985 a 1990. 44 Jorge Konder Bornhausen é um advogado e político brasileiro. 45 Guilherme Gracindo Soares Palmeira é um advogado e político brasileiro. Foi governador de Alagoas entre 1979 e 1982. No seu governo, nomeou Fernando Collor como prefeito de Maceió, fato que levaria este último a iniciar uma trajetória que o levaria a ser eleito presidente da República num espaço de dez anos. 33

Bornhausen em entrevista concedida para CÔRREA (2006), foi para que os planos contidos na então candidatura do empresário Paulo Maluf não se concretizassem. Nasce a Frente Liberal, um grupo de políticos afinados no discurso e nas ideias, que juntos percorrem o país ao lado do escolhido como o candidato da união democrática brasileira, o governador mineiro Tancredo de Almeida Neves. A capacidade de agregar valores que o candidato da oposição ao regime possuía, trouxe para junto do seu projeto os dissidentes do governo. Após a convenção do PDS, o resultado que já era esperado se concretizou. Saia vencedor o político paulista Paulo Salim Maluf, que através de mecanismos desregulares, se torna o candidato oficial do governo. Com o resultado desfavorável a alguns políticos do PDS que ainda apostavam em uma vitória do ministro Mario Andreazza, ocorre um verdadeiro êxodo para o palanque do PMDB. Com a chegada do líder baiano Antônio Carlos Magalhães na campanha de Tancredo, os índices apontavam para a vitória das forças de oposição. O grupo político abrigado na Frente Liberal cria o Partido da Frente Liberal, que consagra a vitória da chapa e José Sarney no colégio eleitoral de 15 de janeiro de 1985. Será dessa vez que os caminhos dos líderes trabalhados por esta pesquisa vão compor o mesmo time administrativo. Com a experiência de terem sido governadores, e por destacado papel no processo eleitoral, ACM e Marco Maciel são convidados a assumir as pastas de comunicação e educação respectivamente no futuro governo. O destino guardaria uma surpresa à política brasileira. A morte do presidente eleito traria novamente a insegurança institucional e política ao centro das atenções. Em mais uma demonstração de equilíbrio e liderança, os atores protagonistas desse enredo, garantem a posse do presidente José Sarney, que enfrentaria em seu governo os desafios sociais, econômicos e políticos que foram herdados dos seus antecessores, além de apresentar a sociedade brasileira uma nova carta constitucional.

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3 A cultura Política Local Neste capítulo a discussão será focada no livro que foi o embrião para a construção desta pesquisa. Na obra de Antônio Sergio Araújo Fernandes46 (2004), ele trata da gestão municipal e a participação social, tendo como referência o Recife e Salvador. É surpreendente a abordagem cultural que as duas cidades manifestam durante o período analisado pelo escritor, entre os anos de 1986 a 2000, as gestões municipais de Recife e Salvador são estudadas sob a ótica da gestão participativa. A implementação de políticas públicas voltadas ao social são cruciais para a êxito das administrações. Nesse recorte, observa-se que o Recife consegue estabelecer uma dinâmica participativa com os agentes sociais do município de forma bem mais efetiva do que a capital baiana. A cultura política recifense está muito mais circunstanciada ao envolvimento popular devido as ações implementadas durante as gestões Pelôpidas Silveira e Miguel Arraes durante a década de 1950 e 1960. Dos Movimentos de cultura popular aos centros administrativos descentralizados, as gestões municipais do Recife criaram ligações que conquistavam o reconhecimento da população. Ações que serão resgatadas durante a gestão do aliado e indicado por Marco Maciel para o posto de Prefeito do Recife em 1979, Gustavo Krause Gonçalveis Sobrinho, como já foi aqui mencionado, recebeu das mãos, do na época governador, a missão de administrar uma complexa cidade que sofria com o crescimento desordenado. O Recife do final dos anos de 1970, era uma cidade complexa e repleta de problemas urbanos e sociais. O prefeito Gustavo Krause através da formação de uma equipe de secretários afinados com a inovação no serviço público buscará no meio social as medidas de urgência na edificação de um plano de intervenção no município. O problema de moradia, saneamento básico, transporte, saúde e educação se uniam aos pleitos dos mais de 1 milhão

46 Professor Associado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) no Núcleo de Pós- Graduação em Administração da Escola de Administração da UFBA. Possui Pós-Doutorado em Administração Pública pela University of Texas at Austin (2012), Doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2003), Mestrado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (1998) e Graduação em Administração pela Universidade Federal da Bahia (1994). 35 habitantes do município. Sob a condução do prefeito Krause, a administração municipal trouxe as caraterísticas nutridas no perfil do líder Marco Maciel. Para fazer valer o princípio de administrar nas comunidades ao cais do Apolo, invertendo o conceito geopolítico que fazia do gabinete do prefeito o centro da organização política há décadas, a administração fez o uso de mecanismos importantes como a valorização das lideranças dos bairros, numa espécie de aliança pela qual ganhavam as comunidades, através das demandas realizadas, e os gestores, pelo reconhecimento social ao trabalho executado; a implantação de programas de obras de urbanização firmadas através de parcerias entre o poder público e os cidadãos entre o símbolo “Um por Todos”- e a ocupação das comunidades mais carentes e populosas , destaque para Brasília Teimosa, coelhos, Coque, Córregos e morros da grande Casa Amarela – por núcleos comunitários administrados pela prefeitura e posteriormente denominados de barracões, espécie de subprefeitura nos bairros. (MEDEIROS, 2012, p25).

A principal característica marcante da administração do Recife, foi a de vislumbrar a necessidade de estimular o sentido nativista do povo recifense. A gestão participativa do município se incumbiu de resgatar a autoestima do seu povo, relembrando seus feitos históricos, suas qualidades, sua cultura, e objetivando a personalidade da capital pernambucana. Sendo assim, através do protagonismo da sociedade recifense, os problemas que afligiam o município serão enfrentados juntamente com a população. O lançamento do programa “Viva o Recife”, em setembro de 1979, tinha como objetivo fazer com que a população conhecesse melhor a própria cidade, passasse a divulgá-la e apreciá-la. As peças publicitárias eram veiculadas nos jornais e nas emissoras de rádio e televisão. Não tão diferente do Recife, a capital do estado da Bahia também passaria por intensas movimentações civis em busca de direitos sociais. Salvador possuía no final da década de 1970 população acima de 1 milhão de habitantes, que em sua maioria viviam com renda familiar baixa, muitas residindo em condições precárias. Esse cenário encontrado pelo Prefeito Mario Kertész47 não seria tão diferente do que se depararia os prefeitos das principais cidades do país naquela

47 Mário de Melo Kertész, ou simplesmente MK, é um político, professor, administrador de empresas, empresário e radialista brasileiro, filho de judeus, pai húngaro e mãe amazonense. Foi prefeito de Salvador entre os anos de 1979 a 1981 e 1985 a 1988. 36

época. As agitações sociais que eclodiram diante do processo de abertura política envolveram de forma significativa as massas. O marco que diferencia a postura dos dois gestores tratados nesse capitulo é a de em Recife se houve o estabelecimento de um diálogo, diante de uma gestão aberta, diferentemente do que se assiste em Salvador, que fracassa na implantação de uma gestão participativa por não descentralizar o poder que girava entorno de caciques políticos. A figura de ACM sempre foi muito forte na Bahia com seu estilo personalista e centralizador, verdadeiro chefe político, não admitia diversidade de lideranças, nem divergência à sua opinião. Mario Kertész não encontraria as prerrogativas que Krause receberia de Marco Maciel da parte de Antônio Carlos. Ambos os governadores indicaram os prefeitos, mas cada um ao seu estilo, criaram o campo de atuação para que os chefes do executivo municipal pudessem criar mecanismos administrativos. Gustavo Krause e Mario Kertész eram jovens políticos, oriundos da tecnocracia, e estritamente ligados às forças conservadoras dos estados da Bahia e Pernambuco. Apesar de, aparentemente, possuírem estratégias de gestão parecidas, o exercício do mandato, do ponto de vista decisório, diferencia-se bastante nos dois governos. Krause, com todas as suspeitas de populismo que possa receber sua gestão como prefeito de Recife, efetivamente abriu um canal de diálogo entre a prefeitura e os grupos organizados, incentivando a participação popular na gestão municipal. Diferentemente de Krause, o que se percebe, foi que o prefeito Kertész apenas ensaiou exercer uma gestão municipal com programas de participação social. Na verdade, sua forma de administrar nada tinha de democrática; era exatamente fechada, limitando ao mínimo possível a discussão com a sociedade civil. Em uma análise comparativa, pode-se constatar o estilo de tratamento adotado pelos prefeitos diante das movimentações sociais ocorridas nas duas cidades sobre o tema moradia. As comunidades de Brasília Teimosa no Recife e o Calabar em Salvador. No caso de Brasília Teimosa, o acolhimento por parte do governo municipal com protagonismo para o Prefeito do Recife e do governador de Pernambuco, que criaram o Projeto Teimosinho, encaminhado pelo movimento de bairro junto com a secretaria técnica do centro de Pesquisa e Ação Social, abriu caminho para a aprovação, em 1983, da Lei das Zeis em Recife, e também para a criação de políticas de participação social na gestão

37 pública, que aconteceria a partir de 1986. Já no caso Calabar a postura do prefeito Mário Kertész, contraria à de Krause em Recife, ou seja, fechada, unilateral e até repressora em alguns momentos, resultando na não solução do problema. Fica compreendido que a dinâmica adotada por Recife, difere do jeito que Salvador irá se comportar diante do caso, em que, a população em busca de moradia vai se defrontar com a indiferença por parte do poder público soteropolitano. É exatamente nesse paralelo cultural que se dará o enredo do estilo de cada localidade. O Recife se sucederá administrações bem-sucedidas diante de projetos de inclusão como: Prefeitura nos bairros, que fora implementado nas gestões de Jarbas Vasconcelos48 e o orçamento participativo que ganhou significativa proporção na gestão de Roberto Magalhães. Salvador assistirá inúmeras tentativas de implementação de projetos de descentralização da administração, com a inclusão das camadas sociais nas decisões de governo durante a segunda gestão de Kertész e nas gestões de Lídice da Mata49 e de Antonio Imbassahy50 com acentuados insucessos. Ambas as duas cidades terão gestões pefelistas testadas sob a ótica da participação, da mesma forma que os gestores de 1979 a 1982, os senhores Antonio Imbassahy e Roberto Magalhães que governaram entre 1997 a 2000, correligionários do mesmo partido, o PFL, irão protagonizar ambos estilos de gestão com grande destaque aos perfis dos seus padrinhos políticos: ACM e Marco Maciel. O PFL será o principal partido de sustentação dos governos federais. Com uma presença forte na política regional das principais capitais dos estados, e com uma bancada significativa no congresso.Será o principal fiador dos governos que sucedem a redemocratização. Veremos no próximo capítulo como

48 Jarbas de Andrade Vasconcelos é um advogado e político brasileiro. Cofundador do MDB, governou Pernambuco de 1999 a 2006 e representou no Senado de 2007 a 2014. Nas eleições de 2014 foi eleito deputado federal para o mandato 2015-2018. 49 Lídice da Mata e Souza é uma política e economista brasileira, exercendo atualmente o cargo de Deputada pelo estado da Bahia. Filiada ao Partido Socialista Brasileiro, é presidente do diretório estadual de seu partido, também no estado da Bahia. 50 Antônio José Imbassahy da Silva, ou simplesmente Antônio Imbassahy, é um engenheiro eletricista e político brasileiro. Imbassahy foi o 45º Governador da Bahia e, entre 1997 e 2005, o 67º Prefeito de Salvador. 38 o estilo de ambos os líderes ACM e Marco Maciel serão representativos na dinâmica política dessas duas décadas de conquistas para o país.

4 Principais auxiliares do planalto.

Protagonistas de um grupo político que pavimentou o trajeto do país em direção à sua abertura democrática, Antônio Carlos Magalhães e Marco Antônio Maciel se tornaram os pilares dos governos que sucedem o fim do regime ditatorial. Neste capítulo iremos debater com Eliane Cantanhêde51 autora do livro O PFL, da coleção Folha Explica, como também será retomado a discussão com o autor Arsenio Eduardo Corrêia, que já ofertou sua contribuição neste trabalho. O PFL surgiu como um partido não puramente ideológico, mas para ser uma saída regimental de figuras políticas que não mais congratulavam das ações do governo militar. Já foi esclarecido neste trabalho que sem o PFL, dificilmente os rumos do país teriam seguido caminhos democráticos e pacíficos. Não obstante, esse partido se tornará um importante aliado dos presidentes que sobem a rampa do palácio do planalto dos anos da década 1980 e 1990. O Presidente José Sarney foi o primeiro a acolher os dois líderes tratados nesta pesquisa em sua equipe ministerial. ACM assume o Ministério das Comunicações, Marco Maciel será designado para o ministério da educação, e posteriormente assume o ministério da casa civil, importante pasta responsável pela articulação política do governo. O PFL se destacará nas discussões referente a elaboração da nova carta magna, que diante das mudanças sociais e econômicas que o mundo recém inserido na corrente globalista, necessitava de uma renovação em seu plano econômico e social. Os liberais como eram conhecidos os pefelistas, levaram para a constituição brasileira a leitura de um estado responsável com gastos e investimentos. A dinâmica econômica, a promoção da igualdade, o estímulo ao crescimento do mercado sempre estiveram presentes no plano de ação deste grupo político. O cruzado aprovado por Sarney logo nos primeiros anos do seu governo objetivava sufocar a inflação que fora herdada dos militares na casa dos 300% ao ano. O empenho do governo em acalmar o mercado, retomar investimentos e apresentar a nação a

51 Eliane Cantanhêde é uma jornalista e comentarista brasileira. 39 sua futura carta constitucional tiveram o apoio dos parlamentares do PFL. Na liderança dos processos institucionais estava o pernambucano Marco Maciel, que diante da efervescência que gravitava os hostes do palácio, garantiu a seguridade necessária que o momento requeria. Após o governo Sarney, o país será posto em teste logo em 1989, afinal, após mais de duas décadas os brasileiros iriam às urnas para eleger o futuro presidente do país. A grande festa da democracia como muitos chamam, tornaram as grandes cidades verdadeiros centros de mobilizações de massas. Aquele pleito seria disputado em dois turnos, sendo os vencedores da primeira etapa: o operário, líder do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva52, e o político alagoano Fernando Collor de Mello53. Entretanto saiu vitorioso do processo o alagoano Fernando Collor. ACM apoiou o governo Collor, articulando para que o PFL desse sustentação a sua administração, mesmo exercendo o terceiro mandato a frente do governo baiano, ACM possuía grande prestígio nos corredores do congresso, influência está que será importante mecanismo de barganha no processo de impeachment54, que resultará na renúncia do titular do cargo da presidência e a qualificação ao cargo do senhor Itamar Franco55. O governo Itamar foi conhecido como a administração conciliatória, afinal, além de assumir a vaga deixada pelo seu sucessor que acumulava acusações de corrupção, herdava um país de alta inflação e desestímulo social. Para a equipe de governo políticos de partidos diversos integraram a esplanada dos ministérios, Gustavo Krause, político ligado ao então senador Marco Maciel, é designado para a pasta da fazenda, se incumbindo da missão de controlar a “feroz” inflação que afligia o governo e a sociedade em geral. ACM até então governador da Bahia se posicionava

52 Luiz Inácio Lula da Silva, nascido Luiz Inácio da Silva e mais conhecido como Lula, é um político, ex-sindicalista e ex-metalúrgico brasileiro, principal fundador do Partido dos Trabalhadores e o 35º presidente do Brasil — tendo exercido o cargo entre 2003 e 2011. 53 Fernando Affonso Collor de Mello, mais conhecido como Fernando Collor, é um político brasileiro. Foi o 32º Presidente do Brasil, de 1990 até renunciar em 1992. Filiado ao PROS, é desde 2007 senador por Alagoas. Foi presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado de 2017 até 2019. 54 Impeachment é um termo inglês que corresponde a um processo político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a responsabilidade do presidente da República. 55 Itamar Augusto Cautiero Franco foi um engenheiro, militar e político brasileiro. Foi o 33.º presidente da República, tendo governado entre 1992 e 1995 após seu antecessor, Fernando Collor, ter sido afastado da presidência por um processo de impeachment. 40 antagonicamente diante do governo Itamar Franco, com seu perfil bastante enérgico, o baiano que já alcançava meus mais de sessenta anos, não demonstrava cansado na política, e mais uma vez, protagonizava fortes divergências a Marco Maciel. A sucessão presidencial de 1994 colocaria o cacique político e populista Antonio Carlos Magalhães entre os cotados para o cargo presidencial. Com um currículo reconhecido, e prestigiado, o governador da Bahia que exerceu três mandatos à frente do palácio Rio Branco, Ministro de estado, Presidente de uma das maiores estatais do país, era o candidato do PFL. O PSDB tinha na candidatura do sociólogo paulista Fernando Henrique Cardoso56, então ex- ministro da fazenda, que se consagra após a criação do Plano Real, que estabiliza o mercado, derrubando a alta inflação, as bençãos do presidente Itamar para ser o candidato do governo. ACM identificado com a política baiana, decide abrir mão da sua candidatura, elevando o nome do seu herdeiro político, o Deputado Luís Eduardo Magalhães57 como indicação ao posto de vice na chapa encabeçada com Fernando Henrique Cardoso. Por negação do próprio Luís Eduardo, que decide abertamente não pleitear ao cargo, ACM decide se candidatar ao senado federal pelo seu estado natal, e apoia juntamente com Marco Maciel que será o indicado a vice-presidente a candidatura do PSDB. O apoio do PFL foi decisivo para que o então político de origem do sudeste, se consagrasse vitorioso nos estados do Nordeste, que até então o desconheciam. Será durante o governo FHC, como é conhecido o presidente da república, que o entrosamento político entre ACM e Marco Maciel ganhará uma proporção interessante. Ambos alcançam a linha sucessória da presidência da República. Marco Maciel era o vice-presidente, primeiro na lista sucessória, o filho de ACM, o deputado Luís Eduardo era o presidente da câmara dos deputados, segundo na lista sucessória, e o próprio ACM se posicionava na terceira posição sucessória como presidente do senado federal.

56 Fernando Henrique Cardoso, também conhecido como FHC, é um sociólogo, cientista político, professor universitário, escritor e político brasileiro. Foi o 34º presidente da República Federativa do Brasil entre 1995 e 2003. 57 Luís Eduardo Maron Magalhães foi um político brasileiro. Filho do ex-governador da Bahia e ex-senador pelo estado, Antônio Carlos Magalhães, era considerado o provável sucessor de seu pai no meio político. 41

Uma marca característica sempre norteou a atuação de Antônio Carlos Magalhães, que segundo a autora CANTANHÊDE (2001), a do seu individualismo. Se marco Maciel, Bornhausen e Guilherme Palmeira, no primeiro momento, agiam em bloco, combinando previamente os resultados das reuniões, ACM sempre fez questão de independência, de ter voz própria e impor decisões sozinho. Sozinho em termos, porque ACM reuniu durantes anos a maior “bancada individual” do congresso. O PFL da Bahia, sinônimo de PFL do ACM. (CANTANHÊDE, 2001, p. 72).

O poder de Antônio Carlos era oriundo de três fontes: uma intrínseca, dele próprio, por instinto e vocação, outra da Bahia, que ele comandou anos a fio, com mãos de ferro e de forma com que não houvesse quem colocasse em jogo o futuro da sua terra, que não fosse peitado por ele, e a terceira da imprensa, com quem teve estreita convivência. O estilo de ACM traria ao governo FHC momentos de sérias tensões políticas, principalmente após a trágica morte do deputado Luís Eduardo, que servia como um termômetro de controle as explosões emocionais que seu pai tinha. Uma perda não só para os baianos, mas a morte do jovem político baiano, sinaliza para o fim de uma trajetória política incomparável. Um político que transitava entre as correntes ideológicas em manifestação de respeito e diálogo. Por diversas vezes o próprio ACM admitia que seu herdeiro político era muito diferente de si. Sem Luís Eduardo Magalhães os rumos do governo com a presença de ACM em sua estrutura de sustentação ficou cada vez mais tenso. Marco Maciel era incumbido da missão de estender a bandeira de paz ao senador, com alguns sucessos e insucessos. Com fortes declarações de desonestidade por parte de alguns integrantes do alto escalão do governo, se era instalado um gabinete de crise política, no qual no epicentro estava Antônio Carlos Magalhães.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O PFL foi decerto, um dos eixo condutores que garantiram a abertura democrática do país. O partido integralizou políticos identificados com a agenda reformista que se manifestava na candidatura de oposição ao regime, inaugurado em 1964 e que entregaria um país com péssimos indicadores sociais e econômicos. O clamor pela instalação de uma nova constituinte, que apresentasse um documento em substituição a constituição de 1967, apelidada por muitos de cocha de retalhos, devido a forma como foi emendada e burlada pelos Atos Institucionais, pavimentou a travessia de importantes figuras do jogo político para o campo das oposições. Os anos da década de 1980 exigia da classe política uma posição diante do cenário de dualidade. Sem a Frente Liberal e com a ausência dos senhores Antônio Carlos Magalhães e Marco Antônio Maciel, a eleição de Tancredo de Almeida Neves dificilmente alcançaria a vitória conquistada em 15 de Janeiro de 1985. Com perfis distintos, mas sintonizados nas questões tocantes ao desenvolvimento regional do Nordeste e do Brasil, ambas as figuras analisadas nesse trabalho conseguiram imprimir uma marca que ainda não obteve herdeiro à altura que reunisse condições de representar. Antônio Carlos Magalhães faleceu em 2007, deixando um estilo na Bahia de fazer política, marca sua intrasferível. Já Marco Maciel deixou o cenário político após ser acomodado por uma doença degenerativa, o Mal de Alzheimer. Sua ausência em momentos de acirramentos dos ânimos políticos, torna reflexivo a sua maior herança deixada a comunidade política do país, memórias deixadas em uma das suas frases mais tocantes para a política nacional: “Devemos buscar sempre, entre o que nos separa, aquilo que pode nos unir, porque, se queremos viver juntos na divergência, que é um princípio vital da democracia, estamos condenados a nos entender.”

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