A Relação Espaço E Literatura Na Obra De José Luandino Vieira
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Sara Ferreira Marcenes Pozzato CARTOGRAFIA DA PALAVRA: A RELAÇÃO ESPAÇO E LITERATURA NA OBRA DE JOSÉ LUANDINO VIEIRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA São João Del Rei Agosto de 2013 Sara Ferreira Marcenes Pozzato CARTOGRAFIA DA PALAVRA: A RELAÇÃO ESPAÇO E LITERATURA NA OBRA DE JOSÉ LUANDINO VIEIRA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Letras da Universidade de São João del Rei, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural Orientador: Eliana da Conceição Tolentino São João Del Rei Agosto de 2013 Dissertação intitulada “Cartografia da palavra: a relação espaço e literatura na obra de José Luandino Vieira”, de autoria de Sara Ferreira Marcenes Pozzato, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Profa. Dra. Eliana da Conceição Tolentino – Orientadora Prof. Dr. Anderson Bastos Martins – UFSJ Profa. Dra. Ana Maria Clark Peres – UFMG Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo Coordenador do Programa de Mestrado em Letras da UFSJ São João Del Rei, 22 de agosto de 2013 Para os meus pais, com amor. Agradecimentos À minha avó Geralda por despertar em mim o gosto pela literatura. Ao meu pai, Dimas Pozzato, pelo amor incondicional. À minha mãe, Maria Aparecida, pelos cuidados diários. Às irmãs amadas, Eliciane, Graciane e Nícia, pela alegria, pelo apoio e pela amizade. Ao querido Felipe José, companheiro e amigo, pelo amor e apoio. À Lídia, pequena sonhadora que considera “coisa de gente grande muito simples”. Às amigas Gleicienne Fernandes e Emília Carolina pela presença e pelo companheirismo. Ao Programa de Mestrado em Letras, aos professores e colegas com os quais tive a alegria de compartilhar o dia a dia da sala de aula. À CAPES/Reuni pela bolsa de estudos. À professora Maria Zilda Ferreira Cury por fazer parte do percurso que me proporcionou conhecer a beleza de Luanda. E, finalmente, à professora e orientadora, Eliana da Conceição Tolentino, os meus agradecimentos pelo respeito, paciência, alegria, disponibilidade e carinho com que me recebeu. Obrigada! Uma cultura, como uma literatura, nunca está feita, está sempre se fazendo num espaço e num tempo historicamente determinados e determinantes. Por isso, hoje sou um escritor angolano, portanto, um escritor africano. José Luandino Vieira RESUMO Neste trabalho, realizamos uma leitura das obras A cidade e a infância, Luuanda e João Vêncio: os seus amores, de José Luandino Vieira, sob a ótica da relação entre a cidade e a literatura, com o intuito de demonstrar a construção paulatina da cidade literária. A discussão contempla as relações estabelecidas entre Brasil-Angola, bem como defende o papel de intelectual da palavra exercido por Luandino e o trabalho linguístico por ele arquitetado. Apresentaremos discussões preliminares sobre correntes críticas que discursam sobre a tríade literatura/sociedade/cidade, sobretudo no que se refere aos processos de descolonização africana. Nesse sentido, a representação/reconstrução de Luanda nessas obras significa, no plano político, a construção da nação e da especificidade nacional, e, no plano literário, a afirmação de um sistema próprio. Palavras-chaves: Luandino Vieira, Luanda, espaço, cidade, Literatura Angolana, colonização. ABSTRACT In this paper, we’ve done a reading on Luandino Viera’s works A cidade e a infância, Luuanda and João Vêncio: os seus amores, from the perspective of the relationship between literature and the city, in order to demonstrate the gradual building of a literary Luanda. The discussion includes Brazil-Luanda political relationship, as well as defending the role of literate intelectual exercised by Luandino and his linguistic achievements. We presente preliminar discussions on current critical speeches on the triad literature/society/city, with special regard to the processes of African Decolonization. In this sense, the representation/reconstruction of Luanda in these works means, politically, the nation building and the nation specificity, and on the literary frame, the assertion of a personal system. Keywords: Luandino Vieira, Luanda, Space, City, Angolan Literature, colonization. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ________________________________________________________ 1 CAPÍTULO I - Vamos descobrir Angola! 1.1 - Brasil-África – diálogos e intercessões _________________________________ 6 1.2 - Tecido literário – encontro das literaturas e a formação do cânone __________ 33 CAPÍTULO II - De conta em conta: Luandino Vieira em (contra) cena 2.1 - Luandino Vieira: de sua terra escolhida ________________________________ 49 2. 2 - Cenas do espaço colonial – apresentação das obras ____________________ 60 2. 3 - A intelectualidade e a escrita _______________________________________ 66 CAPÍTULO III - A cidade que a palavra fotografa 3.1 - Panorama da categoria espaço na Teoria da Literatura ___________________ 88 3.2 - Literatura e cidade: da relação entre sociedade e cidade __________________ 92 3. 3 - A escrita da cidade ______________________________________________ 106 CAPÍTULO IV – Um colar de cores amigadas: poética e mestiçagem 4.1 - Geografias da memória ___________________________________________ 143 CONCLUSÃO ______________________________________________________ 154 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _____________________________________ 157 0 Introdução Nossa identidade é relacional: somos porque nos relacionamos, existimos porque ocupamos espaços. Percebemos nossa individualidade quando em contraste com o que nos diferencia do outro. Somos à medida que nos localizamos: o ser encontra-se intimamente ligado ao estar. Ao nos propor a estudar o espaço na análise de uma narrativa literária, pensamos imediatamente no espaço físico por onde os personagens circulam. Essa lição básica me foi transmitida por Santos e Oliveira (2001) quando li, no início do curso de Letras, o livro introdutório à teoria literária: Sujeito, tempo e espaço ficcionais. Essa perspectiva é uma prova de que privilegiamos as relações estabelecidas pelos nossos sentidos - sobretudo pela visão. Logo, a primeira definição de espaço poderá ser: espaço como aquilo que percebemos, sentimos, vivenciamos. Meu espaço seria essencialmente aquilo que vejo. Essa visão não é diferente quando lemos uma obra. Para ela, buscamos identificar espaços concretos. Ao situar um personagem, estamos atribuindo um estar ao ser: para ele, produzimos um espaço. Concebemos, então, uma segunda definição de espaço: conjunto de indicações, concretas ou abstratas, que constitui um sistema variável de relações. Se situarmos um personagem fisicamente, definimos um espaço geográfico; se o situarmos temporalmente, definimos um espaço histórico; em relação a outros personagens, definimos um espaço social; em relação a suas características existenciais, um espaço psicológico; em relação à forma como é expresso ou se expressa, definimos um espaço da linguagem. As relações espaciais emaranham nossa vida. Mas é preciso atentarmos para o fato de que, associado à existência do espaço físico, está o modo como ele é percebido, ou seja, quando vemos algo, projetamos significados sobre aquilo que vemos. Esses significados não são apenas individuais, mas condicionados/amparados por um modo de olhar que é, também, cultural. 1 Esse é um risco que resolvi assumir ao buscar analisar a relação de uma cidade (que conheço apenas pela literatura, por fotos e demais textos) com um autor que a concebe como personagem central de sua obra. Mais do que isso, reconheço que meu lugar de enunciação pode me colocar em uma armadilha de sensos comuns e discursos moldados. A cidade - tema/personagem - principal dessa análise não é algo que senti pelo corpo: pelo toque dos pés ou das mãos, não senti seu cheiro, não ouvi seus ruídos, não vi suas cores. A cidade que me encantou foi a LUUANDA, aquela que se ampara no fio da vida, aquele mesmo do cajueiro - de muitos braços, muitos caminhos, muitas sombras. Aquela das ruas dispostas nas narrativas; aquela que abriga o griô e suas estórias. Decidi, então, excursionar já de início pelo texto de Luandino. Elejo, por hora, o poema “Canção para Luanda”, do então poeta José Graça. O poema, publicado pelo Boletim Mensagem, da Casa dos Estudantes do Império, número 3, de fevereiro de 1958, às páginas 27-291, apresenta-nos o mote da obra do autor: Luanda. O ficcionista, então, busca ao longo de sua produção, responder à pergunta do poeta: A pergunta no ar / no mar/na boca de todos nós: / – Luanda onde está? / Silêncio nas ruas / Silêncio nas bocas / Silêncio nos olhos. Luanda está por inteiro em suas narrativas e delas irrompem as vozes dos seus habitantes, principalmente daqueles que habitam os musseques e outros bairros periféricos: mana Rosa peixeira, mana Maria quitandeira, mulata Zefa prostituta, mano vendedor de jornais, os meninos nas ruas brincando. Todos esses personagens reaparecem nas cenas subsequentes de sua obra: sofrem violências, como Zeca Santos de Luuanda (2009), transpõem a fronteira de asfalto, como Ricardo de A cidade e a infância (2007), riem, como os meninos Xico e Beto, de Luuanda. Vivem nessa terra de Luanda e a sonham, como o singular personagem João Vêncio, de João Vêncio: os seus amores (1987). Reconheço os perigos dessa excursão, mas observo, sobretudo, a construção da cidade literária. O objetivo central do presente trabalho será, portanto, percorrer os 1 Informação obtida em PADILHA, Laura Cavalcanti. A face identitária