Jean Francois Germain Tible

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Jean Francois Germain Tible UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Jean Francois Germain Tible MARX E AMÉRICA INDÍGENA: Diálogo a partir dos conceitos de abolição e recusa do Estado Campinas, SP 2012 1 2 3 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR SANDRA APARECIDA PEREIRA-CRB8/7432 - BIBLIOTECA DO IFCH UNICAMP Tible, Jean François Germain, 1979- T434m Marx e América indígena : diálogo a partir dos conceitos de abolição e recusa do Estado / Jean François Germain Tible. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012. Orientador: Marcelo Siqueira Ridenti Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 1. Marx, Karl, 1818-1883. 2. Clastres, Pierre, 1934- 1977. 3. Índios da América do Sul - Brasil. 4. Antropologia. 5. Estado. I. Ridenti, Marcelo Siqueira, 1959-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em Inglês: Marx and indigenous America: dialogue from the concepts of abolition and refusal of the state Palavras-chave em inglês: Indians of South America - Brazil Anthropology State Área de concentração: Sociologia Titulação: Doutor em Sociologia Banca examinadora: Marcelo Siqueira Ridenti [Orientador] Laymert Garcia dos Santos Mauro William Barbosa de Almeida Beatriz Perrone-Moisés Peter Pál Pelbart Data da defesa: 11/10/2012 Programa de Pós-Graduação: Sociologia 4 5 6 Para Martha 7 8 Agradecimentos Aos funcionários, professores e colegas do IFCH/Unicamp, em particular ao meu orientador, Marcelo Ridenti, e a Laymert Garcia dos Santos, Mauro Almeida e Fernando Lourenço. Aos membros da banca. À Capes, pelos auxílios concedidos. A Sonia Dayan-Herzbrun e Michael Löwy que me receberam para o estágio doutoral em Paris. Lá pude conversar e aprender com Barbara Glowczewski, Catherine Alès, Emmanuel Renault, Guillaume Sibertin-Blanc, Hélène Clastres, Isabelle Stengers, Jérome Baschet, Judith Revel, Maurizio Lazzarato, Miguel Abensour, Philippe Descola, Philippe Pignarre, Ranabir Samaddar, Ruy Fausto, Sandro Mezzadra, Yann Moulier-Boutang e Yvon Le Bot. À hospitalidade de Olivia Corsini, Serge Nicolai, Arman Saribekian e Erika Campelo. A Giuseppe Cocco. A Beatriz Perrone-Moisés, Marilena Chaui, Marta Amoroso, Peter Pál Pelbart, Renato Sztutman e Sérgio Cardoso pelos ensinamentos antropológicos, clastrianos e políticos. A Adalton Marques, Alana Moraes, Carlos Ruiz, Carolina Branco, Clara Charf, Claudio Nascimento, Daniel Angelim, Eduardo Tadeu, Eduardo Valdoski, Elias Stein, Fernanda Papa, Fernando Santomauro, Flavio Jorge, Gustavo Codas, José Szwako, Josué Medeiros, Luisa Valentini, Petra Costa, Ramon Szermeta, Raul Pont, Regis Moraes, Sara Antunes, Salloma Jovino, Salvador Schavelzon, Sebastião Neto, Sergio Godoy e Terra Budini. Aos companheiros do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), Fundação 9 Friedrich Ebert, Fundação Santo André e Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores. A Edenis Amorim do Espírito Santo. À minha família. 10 Resumo É proposto nesta tese um encontro entre Karl Marx e América Indígena. Partindo de José Carlos Mariátegui, precursor de um marxismo afetado pelas lutas indígenas, a pesquisa conta com um ponto metodológico fundamental: a contribuição de Marx para o pensamento reside nos seus contatos com as lutas e nos deslocamentos que estas produzem nele. Lutas principalmente operárias, mas Marx chegou a considerar outros sujeitos e deixou um campo aberto para uma perspectiva (o marxismo) fazê-lo. Nesse sentido situa-se o papel da antropologia, como certa mediação entre ciência e elaborações indígenas. Para preparar tal encontro, estuda-se, no primeiro capítulo, os escritos de Marx e Friedrich Engels acerca das formações sociais ―outras‖, que encontram-se para além da Europa Ocidental. Isto permite entrar no cerne da pesquisa, a saber, o diálogo entre os conceitos marxiano de abolição do Estado e clastriano de Sociedade contra o Estado. Após tal diálogo teórico, pensa-se o encontro em curso nas Américas, por conta da expansão do capitalismo e das resistências a este. Desse modo, produz-se uma interlocução entre Marx, lutas Yanomami e perspectivismo amazônico. Conclui- se discutindo as tensões entre a multiplicidade das lutas e seus diferentes mundos e propondo uma chave antropófaga para trabalhar Marx nas Américas. 11 Abstract This thesis aims to produce an encounter between Karl Marx and Indigenous America. Departing with José Carlos Mariátegui, precursor of a marxism affect by the indigenous struggles, the research works with a fundamental methodological point: Marx's contribution to reflection rest on his links with the struggles and the changes those produces on him. Workers' struggles mainly, but Marx considered other subjects and let an open space to a perspective (marxism) do to it. By this way is seen the role of anthropology, as mediation between science and indigenous creations. To prepare the encounter, is made a study, on the first chapter, of Marx and Engels's writings about ―others‖ social formations (outside Occidental Europe). This permits to enter at the core of the research, the dialogue between concepts, the marxian abolition of the state and the clastrian Society against the state. After this theoretical dialogue, is analyzed the encounter in course in the Americas, due to the capitalism expansion and the resistances against this system. So, are produced exchanges between Marx, Yanomami struggles and amazonian perspectivism. At the end, are discussed the tensions between the multiplicity of the struggles and the different worlds, a cannibal key being proposed as a way of working with Marx in the Americas. 12 Sumário Introdução: qual encontro entre Marx e América Indígena Marx, teoria-lutas Mariátegui como ponto de partida da pesquisa Antropologia como mediação e subversão Caminhos da investigação 1. Marx, Engels e os “outros”: uma leitura dos seus escritos que vão além da Europa Ocidental 1.1 Clastres crítico do marxismo 1.2 Entre o estudo dos estágios de desenvolvimento e a crítica do colonialismo 1.2.1 Evolução histórica 1.2.2 Crítica crescente do colonialismo 1.3 Marx transformado: vitalidade das ―outras‖ formas sociais 1.3.1 Comuna rural russa (mir) 1.3.2 Leitura de Morgan 1.4 Comunismo primitivo? 1.4.1 Propriedade comum, na América e no mundo 1.4.2 Evolução, contemporaneidade, simetria 1.5 Conclusão 2. Marx e Clastres contra o Estado 2.1 Marx e a abolição do Estado 2.1.1 Existe um pensamento político marxiano? 2.1.2 Manifesto Político de 1843-1844 2.1.3 Militância comunista e período revolucionário de 1848 2.1.4 A crítica da economia política 2.1.5 A Comuna de Paris como paradigma 2.2 A Sociedade contra o Estado de Pierre Clastres 2.2.1 Revolução copernicana 2.2.2 Chefia ameríndia 2.2.3 Sociedade-para-a-guerra 13 2.2.4 Parentesco e mitos contra o Estado 2.2.5 Leituras de Clastres 2.3 O Um e o contra o Um 2.3.1 Marx e o estatismo 2.3.2 Origem do Estado em debate 2.3.3 Recusa do Estado, recusa do Um 2.4 Conclusão 3. Cosmopolíticas 3.1 Lutas 3.1.1 A Comuna de Paris e a forma-comuna 3.1.2 A Liga dos Iroqueses e a forma-confederação 3.1.3 Forma-conselho 3.2 Discurso cosmopolítico de Davi Kopenawa 3.3 Política, natureza, perspectivismo: Viveiros de Castro e a imaginação conceitual amazônica 3.3.1 Parentesco, afinidade, canibalismo 3.3.2 Economia da alteridade e perspectivismo contra o Estado 3.4 Predação e produção: Marx e as cosmopolíticas 3.4.1 Crítica de Viveiros de Castro a Marx 3.4.2 Marx, natureza, produção 3.4.3 Marx e a crítica Yanomami do capitalismo: produção cosmopolítica 3.5 Conclusão Conclusão: Marx selvagem Referências bibliográficas 14 Introdução Qual encontro entre Marx e América Indígena? O objetivo desta pesquisa é o de produzir um encontro entre Karl Marx e a América Indígena. O que acontece com este pensador revolucionário europeu ao defrontar-se com lutas ameríndias e com uma certa antropologia? Existem pontos mínimos de conexão para concretizar tal proposta? De que leitura de Marx se trata? Não se situam as teorias em mundos radicalmente distintos, inviabilizando tal diálogo? Não tratam uns dos coletivos indígenas e outros da ―sociedade-mundo‖ capitalista? Existem pontos de contatos reais? Em que se sustenta esse diálogo? Ou, ainda, perguntar com Deleuze e Guattari, ―porque voltar aos primitivos, já que se trata de nossa vida‖ (1980, p. 254)? A América Indígena se situa aquém da América Latina – por ser uma parte desta – e além, pois a antecede no tempo e a extrapola no espaço (Perrone-Moisés, 2006). Propõe-se pensar a obra de Marx neste contexto, algo como Walter Benjamin colocou, lendo Johann Jakob Bachofen, sobre o ―interesse superior‖ para ―os pensadores marxistas da evocação de uma sociedade comunista na alvorada da história‖ (1935, p. 124). O marxismo sempre pretendeu alcançar todo o planeta numa universalidade ancorada pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela expansão do capitalismo. Entretanto, se pensarmos Marx a partir das lutas – eixo metodológico desta pesquisa –, o universal (ou, melhor, o comum) passa a não ser mais dado, mas sim a construir coletivamente, pela conexão das múltiplas lutas. Pensa-se, assim, que para utilizar a potência de Marx hoje, deve-se conectá-lo com uma série de lutas, ―concretas‖ e ―conceituais‖. Isto significa, aqui, um Marx em diálogo com o fundo cultural comum pan-americano, sua unidade histórico-cultural. Um Marx transformado por estas lutas. O próprio capitalismo contemporâneo coloca tal questão em seu ímpeto de permanente expansão atingindo todas as populações. Ninguém mais está fora e os processos de globalização levam as relações sociais capitalistas a ―penetrar todos os espaços do planeta e a interferir ou a poder interferir no modo de vida de todos, inclusive das 15 populações mais isoladas e refratárias, como os povos indígenas‖ (Santos, 2003, p. 10), lembrando a idéia de um capitalismo como sistema imanente que não para de afastar seus limites (Deleuze, 1990a, p.
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