DANÇA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE CEILÂNDIA-DF/BRASIL

Dissertação elaborada com vista à obtenção do Grau de Mestre na Especialidade de Performance Artística/Dança

Orientador: Professora Doutora Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro

Júri: Presidente Professora Doutora Ana Paula Paiva Barata de Almeida Batalha

Vogais: Professora Doutora Adriana de Faria Gehres Professora Doutora Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro Professora Doutora Margarida da Conceição de Jesus Moura Fernandes

Antonio Marcos Silva Santos 2007

Dança nas escolas públicas de Ceilândia-DF/Brasil

AGRADECIMENTOS

ƒ Primeiramente, quero agradecer ao Programa Internacional de Bolsas de Pós- Graduação da Fundação Ford (International Fellowships Program – IFP) e toda a equipe da Fundação Carlos Chagas pela oportunidade que me concederam, por terem apostado, investido e acreditado na minha capacidade. A todos o meu muitíssimo obrigado! ƒ Agradeço, também, à orientadora desta dissertação, Professora Doutora Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro, pessoa singular que se fez plural, sempre pronta a prestar auxílios nos momentos em que precisei durante todo o processo de elaboração do referido estudo. ƒ À Professora Doutora Jane Dulius (UnB) por ter me dado atenção quando todos pareciam ocupados, indicando-me o caminho certo quando tudo parecia errado. ƒ À Professora Olga pelos incentivos e leituras do meu esboço de projecto inicial. ƒ Às Professoras Zuila e Madalena, a primeira por ter me apresentado o Projecto Esporte à Meia-noite e a segunda por ter intercedido ao meu favor sempre que precisei. ƒ Não poderia deixar de agradecer aos frequentadores, professores e monitores do Esporte à Meia-noite, local onde surgiu as primeiras ideias acerca deste estudo. ƒ Expresso meus agradecimentos a toda equipe da DRE de Ceilândia representada por Leila Mansur e Ana Rosa pelo apoio incondicional. ƒ Manifesto minha gratidão a todos os professores do Mestrado em Performance Artística-Dança da Faculdade de Motricidade Humana pelos conhecimentos e informações prestadas. ƒ Meus agradecimentos aos profissionais de educação e alunos das escolas públicas de Ceilândia pela a atenção e preciosa colaboração sem as quais não seria possível a realização deste trabalho. ƒ Expresso ainda os meus agradecimentos aos meus colegas e amigos bolsistas do IFP, meus colegas e amigos do Mestrado e todos os funcionários da Faculdade de Motricidade Humana, que directa e indirectamente contribuíram para o resultado final desta dissertação.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, Celina, mulher sábia e guerreira que soube me ensinar a praticar o bem, a verdade e o respeito de forma que até hoje, mesmo vivendo num mundo conturbado, repleto de inversões de valores, consigo trazê-los comigo da forma como aprendi. À memória do meu pai, Guilherme, que me incentivou pela negativa. Só depois de algum tempo consegui perceber que isso foi positivo. À minha filha, Lívia, meu alívio, minha identidade, minha continuidade. Aos meus familiares, irmãos, amigos, ex-professores e ex-alunos, por terem sido a razão e o estímulo para eu ter chegado até aqui.

Muito Obrigado!

ii Dança nas escolas públicas de Ceilândia-DF/Brasil

ÍNDICE GERAL

AGRADECIMENTOS ...... i DEDICATÓRIA ...... ii ÍNDICE GERAL ...... iii ÍNDICE DE GRÁFICOS ...... v ÍNDICE DE ANEXOS ...... vi CAPÍTULO I ...... 1 1- INTRODUÇÃO ...... 1 1.1- Problemática ...... 3 1.2- Objectivo ...... 5 1.3- Justificação e Pertinência do estudo ...... 5 1.4- Estrutura e organização ...... 6 CAPÍTULO II ...... 8 2-REVISÃO DA LITERATURA ...... 8 2.1- Breve história da educação brasileira ...... 10 2.2 - A Educação Física no contexto brasileiro ...... 17 2.3- O corpo na Escola e na Educação Física ...... 22 2.3.1- A educação centrada no indivíduo ...... 25 2.3.2- A cultura racionalizante ...... 29 2.3.3- A Educação Física e o Desporto ...... 30 2.4 – A dança e o corpo que dança do brasileiro ...... 36 2.4.1- A Força centrípeta e centrífuga ...... 38 2.4.2 – Das danças populares ao ballet ...... 43 2.4.3 - O Projecto nacionalista do Estado Novo ...... 46 2.4.4 - O movimento nacionalista na cidade de São Paulo ...... 49 2.4.5 - A Dança moderna: Entre a busca da identidade e os clichés ...... 52 2.4.6- O Corpo na dança contemporânea brasileira ...... 54 2.4.7 – Do samba reggae ao axé: uma outra identidade ...... 60 2.5– O corpo na dança, a dança na escola ...... 63 2.5.1- Dança na escola. Para que? ...... 68 2.5.2- Quem pode ensinar dança nas escolas? ...... 71 2.6 - Em síntese ...... 74 CAPÍTULO III ...... 77 3 – METODOLOGIA ...... 77 3.1- Objectivos ...... 78 3.2- Protocolo de actuação ...... 78 3.3- Critério de selecção ...... 80 3.4- Amostra ...... 80 3.5- Instrumentos e métodos ...... 81 3.6- Modelo estatístico ...... 82 3.7- Recursos materiais ...... 83 3.9- Limitações e condicionantes ...... 83

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CAPÍTULO IV ...... 84 4- APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...... 84 4.1- A cidade palco da investigação ...... 84 4.2- As escolas escolhidas ...... 86 4.3- Os discursos produzidos ...... 88 4.3.1 – A fala dos professores ...... 88 4.3.2- Das recordações às reclamações...... 89 4.3.3- O lugar da dança nas escolas ...... 92 4.3.4 – Para que serve a dança nas escolas? ...... 94 4.4- O perfil dos alunos inquiridos ...... 100 4.4.1- Do gosto dos alunos inquiridos ...... 100 4.4.2- Onde dançam? O que dançam? ...... 105 4.4.3- Como as conheceram? ...... 108 4.4.4- As danças que mais se destacam ...... 110 4.4.5 – Dança na escola, da corporeidade à promoção dos corpos...... 112 4.4.6 – Da corporeidade à liberdade dos corpos...... 116 4.4.7- Dança, Educação Física e suas diferenças ...... 119 4.4.8 – Se pudessem escolher… ...... 124 4.5 - Em síntese ...... 126 CAPÍTULO V ...... 128 5- CONCLUSÕES ...... 128 5.1 - EXTENSÕES DO ESTUDO ...... 132 CAPÍTULO VI ...... 133 6- BIBLIOGRAFIA ...... 133 CAPÍTULO VII ...... 137 7 - ANEXOS ...... 137

iv Dança nas escolas públicas de Ceilândia-DF/Brasil

ÍNDICE DE GRÁFICOS Pg. Gráfico nº 01 – Factores que limitam a prática da dança 91 Gráfico nº 02 – Disciplinas que deveriam ensinar dança 93 Gráfico nº 03 – Finalidades da dança na escola 95 Gráfico nº 04_ Reagrupamento das finalidades da dança na escola 96 Gráfico nº 05 – Significado sociocultural da dança 97 Gráfico nº 06 – Conteúdos da dança nas escolas 98 Gráfico nº 07 – Disciplinas mais importantes e que mais gostam 101 Gráfico nº 08 – Actividades que gostam de praticar no tempo livre 102 Gráfico nº 09 – Porquê gostam de dançar 103 Gráfico nº 10 – Porquê gostam mais ou menos de dançar 104 Gráfico nº 11 – Porquê não gostam de dançar 105 Gráfico nº 12 – Quem dança ou já dançou regularmente 105 Gráfico nº 13 – Locais onde dançam ou já dançaram 107 Gráfico nº 14 – Danças que praticam ou praticaram 108 Gráfico nº15 – lugares onde conheceram as danças 109 Gráfico nº 16 – Danças que mais se destacam 111 Gráfico nº16.1 – Reagrupamento das danças que mais de destacam 111 Gráfico nº 17 – Opinião sobre a dança na escola 112 Gráfico nº 18 – Porquê é excelente dançar na escola 113 Gráfico nº 19 – Porquê é bom dançar na escola 114 Gráfico nº 20 – Porquê consideram ser mais ou menos dançar na escola 115 Gráfico nº 21 – Porquê é ruim dançar na escola 116 Gráfico nº 22 – O que sentem quando dançam 117 Gráfico nº 23 – O que mais se destaca nas danças 117 Gráfico nº 24 – O que as danças expressam 119 Gráfico nº 25 – Diferenças entre educação física e dança 120 Gráfico nº 26 – Porquê preferem dança ou educação física 125

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ÍNDICE DE ANEXOS Pg. Anexo nº 01 – Classificação das danças baianas 137

Anexo nº 02 – Inquérito por questionário aos alunos 143 Anexo nº 03 – Guião da entrevista para professores e directores das escolas 147 Anexo nº 04 – Pedido de autorização junto à DRE para investigação nas 148 escolas Anexo nº 05 – Pedido de autorização junto às escolas para investigação 149 Anexo nº 06 – Grelha síntese das entrevistas realizadas com os professores, directores e assistentes das escolas. 150 Anexo nº 07 – Idade e Sexo dos Alunos Inquiridos 168 Anexo nº 08 – Quadros das disciplinas mais importantes e a que mais gostam 170 Anexo nº 09 – O que gostam de fazer no tempo livre. 171 Anexo nº 10 – Quando inquiridos se gostavam de dançar 172 Anexo nº 11 – Onde dançam, o que dançam 174 Anexo nº 12 – Conhece um pouco da história dessas danças 175 Anexo nº13 – Gostaria de conhecer ou praticar outro tipo de dança 176 Anexo nº14 – Dançar na escola 177 Anexo nº15 – O que sentem quando dançam 179 Anexo nº16 – O que mais lhe destaca nestas danças 180 Anexo 17 – O que as danças expressam 181 Anexo 18 – Porquê dança, porquê educação física 182

vi Capítulo I – Introdução

CAPÍTULO I

1- INTRODUÇÃO

A preparação do homem para a vida passa pela escola, instituição que tem como missão contribuir para o processo de formação do sujeito. A formação do homem por meio da educação, em vários níveis, é um grande desafio no mundo globalizado, e para que este se transforme em um mundo humanizado necessita-se, também, do uso do corpo como via pedagógica. O desenvolvimento da corporeidade, também, tem como proposta levar esse sujeito a se conhecer por meio de leituras e releituras corporais, inclusive no ambiente escolar, despertando suas potencialidades, respeitando suas histórias, suas vivências, suas realidades corporal, cultural e social. O brasileiro, de um modo geral, carrega o rótulo de ser “bom de bola e ter samba no pé”, e, de facto são actividades praticadas por uma grande parcela da sociedade desde a tenra idade, informalmente, nos momentos de interacções sociais e de lazer, sobretudo pelos mais jovens. No que diz respeito à dança, esta vai além do samba e seus subgéneros, a corporeidade do brasileiro está directamente ligada à diversidade étnica e cultural na qual foi estabelecida. Se por um lado essa denominação nos parece positiva, ou seja, o facto de os brasileiros terem a dança como uma de suas manifestações corporais e culturais, por outro, cria-nos algumas dúvidas e questionamentos, principalmente quando analisamos determinado período da história do Brasil, em um momento em que o mundo encontrava- se mergulhado em crises e mudanças, quando se tentou buscar a identidade da música, da dança e do corpo que dança tendo como referência a ópera e o ballet, isto é, música e dança estrangeiras, elitistas e hegemónicas, período em que o Brasil sofria de “torcicolo” (Veloso, 1999), pois só tinha olhos para o estrangeiro, sobretudo a Europa. Assim, também, aconteceu e se desenrolou todo o processo educacional brasileiro, desde o início com a instalação da companhia de Jesus, representada pelos Jesuítas, passando por várias reformas e modelos de ensino, para além das Leis de Directrizes e Base do Ensino. Sem a intenção de reduzir a arte, nesse caso específico a dança, a um instrumento

1 Capítulo I – Introdução meramente funcionalista, acreditamos ser de grande valia descrevermos e interpretarmos esse movimento artístico e cultural que se assenta dentro dos Estabelecimentos de Ensino da cidade de Ceilândia – DF, com o propósito de compreender, desvelar e desfazer estereótipos que marginalizam algumas danças populares, negando-lhe o seu carácter histórico, social, educativo, artístico e cultural, a partir do momento que se suplanta suas origens, sobretudo as suas origens étnicas. Dessa forma, deixamos de revelar uma realidade até então pouco estudada, mas que já se faz presente, apesar de incipiente, como objecto de investigação das ciências sociais e humanas, e na linha mestra da actual educação brasileira que parte do princípio que o processo de ensino aprendizagem deve levar em consideração as origens dos educandos, suas bagagens e experiências vividas. A dança tem se tornado um atractivo para muitos jovens moradores dos bairros periféricos sobretudo danças populares veiculadas pelos meios de comunicação de massa, sendo que esse fenómeno acontece onde há uma maior concentração de adeptos que se identificam com esses géneros por se tratar de uma prática de seu meio sociocultural. No que concerne à escola, Instituição que tem como finalidade "educar" pessoas portadoras de diferentes especificidades culturais, qual deve ser a sua postura e o seu papel nesse processo de mudança de pensamento e atitude dos educandos? Será que ela tem oferecido aos alunos o que eles almejam? E o que eles almejam? Como a escola tem se preparado para lidar com essa nova versão de aluno? Ela tem se adaptado às transformações do mundo para lidar com os jovens das sociedades contemporâneas, uma vez que a cultura, a arte e as sociedades imprimem um novo modo de ser com o passar do tempo? E, em contrapartida, o que buscam esses corpos actuais, principalmente, dentro do contexto escolar? Com a intenção de responder às perguntas supracitadas e às outras que surgirão ao longo deste trabalho, utilizaremos, como objecto de estudo, a dança e, especificamente, a praticada/ensinada nas Escolas Públicas da Cidade de Ceilândia-DF.

2 Capítulo I – Introdução

1.1- Problemática

Dança, no seu sentido lato, pode ser definida como uma manifestação corporal do homem desde sua existência, e que, por meio dela estabeleceu-se uma linguagem, uma forma de comunicação utilizada antes da linguagem verbal, por ser uma forma de movimento humano culturalmente desenvolvido por diferentes povos e presente nas formas mais diversas na contemporaneidade. Praticadas em diversos espaços com diferentes contextos, artístico, religioso, cultural e educacional, intriga-nos perceber que estas pouco fazem parte dos currículos escolares, em particular, os currículos escolares brasileiros, seja como conteúdo (cultura de movimento) ou disciplina (educação estética), uma vez que o povo brasileiro traz em si o estigma de “ter samba no pé”, como já referimos anteriormente. As danças populares são exemplos de danças que agradam aos jovens do DF, independente dos níveis/factores socioculturais. No caso específico de Ceilândia-DF, alguns Estabelecimentos de Ensino, embora se apresentando, ainda, de forma tímida, tem permitido a prática da dança em seu interior, atraindo os jovens para as salas de aula, optimizando os espaços da escola, inclusive, nos fins de semana, embora a dança, ainda, esteja distante de ser utilizada de forma contextualizada, interdisciplinarizada, de modo a contemplar os educandos nos aspectos biológicos, sociológicos, culturais, históricos e psicomotores. De acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicilio – PDAD1, no ano de 2004, o Distrito Federal apresentava um percentual de 97,4% das crianças com idade entre 07 e 14 anos, matriculadas nas escolas, percentual muito próximo da universalização do ensino básico, uma das metas que deve ser cumpridas até 2015, de acordo com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)2, assumidos por 127 países que assinaram o acordo do Fórum Mundial de Educação em Dacar, no Senegal, em 2000, dentre os quais o Brasil. Apesar do excelente índice de crianças matriculadas na rede de ensino, temos, especificamente, na maior cidade satélite do D.F, Ceilândia, de acordo com a PDAD,

1 Pesquisa Distrital por Amostra de Domicilio. PDAD, acesse: http://www.distritofederal.df.org.br/sites/100/129/planejamento/Tabelas(1).pdf 2 Acesse http:// www.pnud.org.br/odm/index.php

3 Capítulo I – Introdução

3,6% de crianças com idade entre 7 e 14 anos fora da escola, isto é, não matriculadas. Verifica-se ainda 4,2% de analfabetos acima dos 15 anos, constata-se que somente 47% dos jovens concluem o ensino fundamental e, apenas 1,9% desses jovens conseguem completar um curso superior. De acordo com os dados apresentados, não é difícil perceber que um percentual significativo de jovens foi ficando para trás ao longo de sua trajectória escolar, assim como também percebemos que esse fracasso e desestímulo estão associados à factores sociais, económicos, políticos, educacionais, culturais e históricos vividos e/ou não vividos pelos educandos. Pinto (1997) e Zago (2005) dividem opiniões parecidas quando afirmam que a escola tornar-se-ia mais atractiva e mais interessante para os educandos se essa integrasse conteúdos e disciplinas de forma a contemplar os interesses e as necessidades dos educandos, de modo que a escola fizesse sentido para eles. " (…) Neste ponto é preciso interessar o aluno quanto ao significado do conteúdo e sua importância para ele, conforme sua cultura de origem, possa descobrir uma forma que melhor se adapte à criança, em resumo, saber motivá-la." (Pinto, p.299). Assim retornamos ao ponto de partida quando questionamos o que a escola tem oferecido aos alunos. Será que ela tem levado o educando a se sentir participante desse processo ensino/aprendizagem? Ela tem se actualizado na tentativa de acompanhar as transformações das sociedades? O que eles almejam? O que os interessa? Basta dar-lhes o direito a expressarem suas "especificidades culturais", que já trazem em seus corpos? Basta inserir seus corpos no contexto escolar sem informá-los de onde vieram, porquê e para que vieram? Ou ainda, basta ter dança na escola? Como estimulá-los e ao mesmo tempo promovê-los? “É função da escola permitir ao aluno se apropriar dos saberes” (…) a criança só pode se formar, adquirir esses saberes, obter sucesso, se estudar. E ela só estudará se a escola e o fato de aprender fizerem sentido para ela”. (Zago, 2005,p. 34). Acreditamos, assim como Morin (2000), que para que a escola venha a ter sentido para o aluno, essa precisa promover um reagrupamento dos conhecimentos advindos das diversas ciências para além da literatura e das artes. Reconhecer e integrar a história do educando, sua bagagem cultural, seu contexto socioeconómico, para que ele veja sentido

4 Capítulo I – Introdução

naquilo que está sendo ensinado e aprendido. Com base no que foi supracitado, apresentamos a pergunta que norteará o nosso estudo: Qual a finalidade da dança nas Escolas Públicas de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Ceilândia – DF? Como ferramenta didáctico-pedagógica contribuindo para a promoção histórica, cultural, artística, social e psicomotora de jovens alunos excluídos socialmente? Ou ainda, simplesmente com uma razão lúdica com a finalidade de lazer desinteressado?

1.2- Objectivo

O objectivo geral deste estudo consiste em verificar, caracterizar e analisar a real finalidade da dança desenvolvida nas escolas públicas de Ceilândia-DF através de observações, descrições e interpretações de dados colhidos junto ao corpo docente e alunos das escolas que farão parte deste estudo as quais posteriormente especificaremos.

1.3- Justificação e Pertinência do estudo

Consideramos que pesquisas na área de dança, nomeadamente, no que diz respeito à realidade brasileira, ainda são incipientes, carecendo de produção de novos conhecimentos, ampliação do debate acerca da dança na escola seja como componente curricular (cultura de movimento) aplicada pela disciplina de Educação Física, seja como disciplina (educação estética) inserida na disciplina Arte. Considerando que o corpo tem sido descartado do processo ensino/aprendizagem, e que a escola tem privilegiado o conhecimento cognitivo (racional) em detrimento do conhecimento motor, emotivo e expressivo, torna-se necessário legitimar a importância do corpo no processo ensino/aprendizagem por meio das diversas formas do movimento humano, permitindo-o ser trabalhado dentro da noção de tempo e espaço, tratado em sua totalidade, como produtor e catalisador de conhecimentos, uma vez que acreditamos que as Instituições Escolares devem se servir, também, do corpo como via pedagógica.

5 Capítulo I – Introdução

Por se tratar de uma cidade de periferia onde há problemas sociais diversos, porém com uma manifestação e representação cultural bastante significativa, a prática da dança seria de grande valia, de contribuição recíproca, visto que o ensinar e o aprender aconteceria de forma bilateral, acenando para um novo modelo pedagógico no qual aluno e professor seriam autores e actores do processo. Para isso, torna-se necessário difundir, compreender, estudar e aplicar a dança não só como expressão artística, mas também como factor histórico e cultural, conduzindo os educandos a se compreenderem a si próprios, suas histórias e suas culturas. Não podíamos deixar de levar em consideração a nossa formação académica e experiência no âmbito da Educação Física e Dança para desenvolvermos pesquisas nesta área, a fim de discutirmos questões no intuito de encontrar caminhos para lidar com o corpo e com a dança na escola.

1.4- Estrutura e organização

O presente estudo encontra-se dividido em sete partes, sendo a primeira, como pudemos verificar, diz respeito à problemática para além do objectivo, justificação e pertinência do estudo.

A segunda parte trata-se da revisão da literatura na qual pretendemos descrever o processo educacional brasileiro, dentro de um contexto alargado seguindo em direcção à Educação Física brasileira e suas fases culminando com leituras específicas acerca do corpo na escola e na educação física, chegando ao corpo na dança e à dança na escola.

A terceira parte versa sobre a metodologia aplicada para o desenvolvimento da investigação definida por meio dos objectivos e procedimentos metodológicos, amostra, instrumentos de recolha de dados, construção e validação de instrumentos, modelo estatístico, protocolo de actuação, limitações e condicionantes.

6 Capítulo I – Introdução

A quarta parte trata da apresentação dos resultados, caracterização do local de recolha dos dados, o tratamento descritivo e estatístico, para além de sua discussão. Na quinta parte, são apresentadas as conclusões finais, sugestões e extensões do estudo. A sexta e sétima parte correspondem, respectivamente, à bibliografia utilizada e aos anexos, contendo estes últimos todas as informações que permite auxiliar e/ou complementar para uma melhor compreensão do corpo do trabalho propriamente dito.

7 Capítulo II – Revisão da Literatura

CAPÍTULO II

2-REVISÃO DA LITERATURA

Desenvolveremos o referencial teórico para uma melhor compreensão do processo educacional brasileiro baseado nos escritos de Dermerval Saviani (2005), um dos expoentes da pedagogia histórico-crítica brasileira apoiado por Paulo Freire (2005), Otaiza Romanelli (2006), pesquisadora e conhecedora da realidade educacional e sociocultural do Brasil e Moacir Gadotti (2006), pedagogo, historiador e filósofo da educação. Discorreremos de forma clara e breve como foram os vários movimentos da reforma educacional ocorridos no Brasil desde a chegada dos Jesuítas com seus primeiros métodos de ensino, passando pela Reforma Pombalina, pelo movimento da Escola Nova que, dentre outros que foram utilizados para atenuar as assimetrias da educação brasileira que já se faziam presentes. Tendo como directrizes a ciência como base do progresso seguida pelo industrialismo, culminando com uma outra tendência do mundo contemporâneo, a democracia, nasce a escola progressiva, calcada na liberdade do indivíduo. Em seguida, já no Período da Ditadura Militar é criado o Ensino profissionalizante, seguido pela primeira Lei de Directrizes e Bases do ensino brasileiro que vigorou até 1996 quando se deu a reformulação do ensino por meio da actual Lei de Directrizes e Base – LDB 9394/96 e a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN em 1998, despontando uma nova oportunidade para um novo debate político/educacional. No que se trata da Educação Física, disciplina que ganha certa projecção no período da grande revolução brasileira, utilizaremos como base os trabalhos desenvolvidos por Ghiraldelli Jr. (1989), Nomeadamente no que diz respeito às fases pelas quais a referida disciplina passou: Educação Física Higienista/eugenista (1930) e Militarista (1930-1945) desenvolvidas, aplicadas e orientadas por militares e médicos desde a chegada da Academia Real Militar no Brasil; a Educação Física Pedagogicista (1945-1964) que com a desmilitarização passou a ser vista e praticada com fins educativos e pedagógicos; A Educação Física Competitivista (pós 1964), também baseada na obra de Lovisolo (1993) e Valente (1994), quando passou a ser sinónimo de desporto de alto rendimento, de

8 Capítulo II – Revisão da Literatura fabricação e produção de heróis atletas com fins eminentemente políticos; A Educação Física Popular, democrática (década de 1980), que, continuou se descaracterizando dividindo espaço com o desporto nas escolas, e, por fim, as tendências contemporâneas, baseado nos estudos de Oliveira (1997), que nos descreve as principais correntes metodológicas que surgiram, que foram desenvolvidas por profissionais engajados na busca da identidade da Educação Física brasileira. Em seguida, fazendo uma leitura mais específica e actual acerca do tema proposto, trataremos do corpo na escola e na educação física tendo como referencias as obras de Moreira (2005) e Sérgio (1985). Para abordar a questão da educação centrada no indivíduo nos baseamos nas obras de Gardner (1995) e Morin (2000), passando pela cultura racionalizante, assentando a diferença entre Educação Física e desporto sob a perspectiva filosófica e antropológica aplicada ao pensamento de Santim (2003) e Daolio (1995) respectivamente. Analisados dentro de uma visão histórico-crítica, a história da dança e do corpo que dança do brasileiro levar-nos-á a perceber as grandes transformações e manifestações política, social, educacional e cultural que sobrevieram em um período da história bastante semelhante ao da educação. Os aspectos artísticos e culturais, também, encontravam-se na pauta do debate da primeira República, nomeadamente pelos intelectuais e pela sociedade aristocrática da época sendo a dança, em um dado momento, a protagonista, na busca da identidade do brasileiro. Tornar-se-á necessário compor uma contextualização dos períodos nos quais essas manifestações se encontravam inseridas, para além dos movimentos artísticos, políticos e sociais estabelecidos naquela altura. Para tal tomaremos como referências as obras de Pereira (2003) e Reis (2005) para descrevermos como se deu o processo de formação do ballet brasileiro no final da década de 1920, calcado na dança europeia com a introdução de elementos nacionais representados pelos índios, negros e os sertanejos tendo a cidade do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte como palco principal. Baseados na obra de Guerreiro (2000), veremos como uma parcela minoritária da sociedade brasileira representada pelos blocos afros da cidade de Salvador voltava-se para a África e para a América negra, criando um movimento de reacção ao mito da democracia racial no Brasil, dirigindo-se para a busca de referências para a construção de uma identidade nacional por meio da dança, da música e do corpo que

9 Capítulo II – Revisão da Literatura dança na década de 1970, descrevendo assim, momentos diferenciados da busca da identidade do brasileiro. Para finalizarmos, chegamos ao corpo na dança e a dança na escola na intenção de compreender as transformações do corpo por meio desta. Para isto, nos apoiaremos nos trabalhos de Gehres (2001) e Gil (2001) que nos levarão a apreender como a dança metamorfoseia o corpo. Por fim, para percebermos um pouco mais sobre a dança nas escolas brasileiras, como tem se manifestado, como tem sido aplicada no ensino, quem tem ensinado dança nas escolas, nos apoiaremos nas obras de Marques (2001; 2005) na tentativa de compreender e aclarar essa manifestação, pouco estudada, porém presente no sistema de ensino brasileiro que sofreu diversas transformações, embora não tenha conseguido atingir seu ponto máximo de satisfação e contemplação junto à sociedade plural brasileira conforme veremos a seguir.

2.1- Breve história da educação brasileira

“A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.”3

Para que possamos compreender de facto o processo da educação brasileira, torna-se necessário começarmos do princípio, ou seja, de onde o Brasil começou. A educação brasileira vive seus percalços desde o seu início quando da chegada dos jesuítas, na fase intitulada, Brasil Colónia, em 1549, com a implantação dos primeiros colégios contando com incentivo e subsídio da coroa portuguesa. Desfrutando de condições bastante favoráveis, a pedagogia católica, ou “pedagogia brasílica”, assim chamada por Saviani (2005), se instalou no país permanecendo por mais de dois séculos (1549 - 1759). Os padres que formavam a companhia de Jesus tinham como objectivo principal o ensinamento da catequese no Novo Mundo, entretanto acabaram por favorecer a classe dominante, detentora do poder político, económico e, em um curto período, passaria a ser detentora dos bens culturais importados da Europa, sobretudo de Portugal. Depois de terem gozado de uma hegemonia evidente no ensino brasileiro na tentativa de educar/catequizar os nativos, ou seja, a população índia e branca com excepção das mulheres, os jesuítas

3 Beto Guedes, Sol de Primavera. Álbum Meus momentos. EMI (1994).

10 Capítulo II – Revisão da Literatura foram expulsos, porém, a educação por eles aplicada, que se transformou em educação aristocrática rural brasileira, atravessou todo o período colonial, o período imperial, atingindo o período republicano sem ter sofrido grandes alterações. A partir de 1759 começa a ser implantado o modelo de ensino por meio das “reformas pombalinas da instrução pública” que se contrapõem ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias seculares induzidas pelo Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução. A sistemática pedagógica introduzida pelas reformas pombalinas foi a das “aulas régias”, isto é, disciplinas avulsas ministradas por professores que se colocavam em pedestais, determinando e diferenciando assim o lugar daqueles que ensinam e o dos que aprendem no espaço compreendido como sala de aula, modelo tradicional ainda presente em algumas partes do globo. Após 1808 deu-se início à divulgação do método de ensino mútuo que se tornou oficial com a aprovação da lei das escolas de primeiras letras, de acordo com Saviani (2005), os procedimentos didácticos eram baseados no soletrar e no silabar, mecânico tal e qual o ensino da aritmética. Vale a pena ressaltar que até essa data, o Brasil não possuía nenhuma universidade, entretanto, com a chegada do príncipe regente D. João, o quadro das instituições educacionais da época sofreu uma ligeira alteração com a criação dos primeiros cursos superiores não-teológicos. De acordo com Romanelli (2006), embora organizados sob a forma de aulas desconexas, os cursos tinha um sentido profissional prático. A Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar foram as duas primeiras escolas superiores que tiveram a incumbência de formar engenheiros civis e preparar a carreira das armas. Mas foram os cursos médico-cirúrgicos do Estado da Bahia e do Rio de Janeiro que deram origem às primeiras faculdades de medicina. Em 1891, foi promulgada a 1ª Constituição da República que instituiu e estabeleceu a descentralização do ensino, o que Romanelli (ibidem) chamou de “dualidade de sistemas”, uma vez que “ À união cabia criar e controlar a instituição superior em toda a Nação, bem como criar e controlar o ensino secundário acadêmico e a instrução em todos os níveis do Distrito Federal, e aos Estados cabia criar e controlar o ensino primário e o ensino profissional (…) escolas normais (de nível médio) para moças e escolas técnicas para rapazes.” (p.41).

11 Capítulo II – Revisão da Literatura

Na verdade, tais transformações não representaram mudanças substanciais no sistema educativo já praticado pelo império, a educação da classe dominante, representada pelas escolas secundárias académicas e escolas superiores e a educação do povo, representada pelas escola primária, continuavam distantes uma da outra. Já no século XIX, na década de 1920, ainda sob a influência das concepções pedagógicas religiosas e leigas, ganha corpo o movimento da Escola Nova influenciando várias reformas da instrução pública efectivadas no final dessa década em função da dualidade instaurada na 1ª República, porém todas as reformas aplicadas e sugeridas não solucionaram os problemas educacionais. A difusão da Escola Nova encontrou resistência na tendência tradicional representada, na década de 1930, hegemonicamente pela Igreja Católica, visto que esta foi a precursora do ensino no Brasil, o que talvez explique o número elevado de Instituições de Ensino privados dirigidas por ela em todo o Brasil, depois que o ensino secundário passou a ter um carácter propedêutico, destinado ao preparo dos alunos ao ensino superior. Para Gadotti (2006), as ideias pedagógicas brasileiras começam a ser autónomas a partir do desenvolvimento das teorias da Escola Nova, baseada no pensamento iluminista trazido da Europa por estudantes de formação leiga, positivista e liberal. Tal pensamento foi inserido na teoria da educação brasileira, embora de forma superficial quebrando a hegemonia do pensamento religioso e medieval reproduzida até o final do século XIX, graças às reformas realizadas pelos intelectuais na década de 1920, ultrapassando a educação conservadora aplicada pelos jesuítas. De facto o que se intitulou Revolução de 1930, para Romanelli (2006), foi o ápice de uma série de revoluções que aconteceram durante o período compreendido entre 1920 e 1964, período no qual ocorreram vários rompimentos políticos e económicos com a “velha ordem social oligárquica” (Ibidem, p. 47). A escola vista como reflexo da sociedade a que serve, parte-se das transformações sociais para solicitar a exigência da transformação escolar, tendo como directrizes a ciência como base do progresso seguida pelo industrialismo, culminando com uma outra tendência do mundo contemporâneo: a democracia. Saviani (2005) nos descreve que essas tendências, actuaram sobre a escola determinando a exclusão do autoritarismo em favor da liberdade de forma que o indivíduo pudesse ser autónomo, dirigindo-se a si mesmo, fazendo emergir a

12 Capítulo II – Revisão da Literatura necessidade da transformação da escola tradicional em escola progressiva, nas palavras de Freire (2005), a “educação como prática da liberdade” (p. 08), e para Gadotti (2006), não mais uma educação verbalista, retórica, livresca, memorística e repetitiva, não mais a educação perversa que dividia analfabetos dependentes do paternalismo dos letrados intitulados “doutores”. Em 1925, Maria Lacerda de Moura, principal difusora do pensamento pedagógico libertário, propôs uma educação que inserisse a educação física, educação dos sentidos e o estudo do crescimento físico no sentido de estimular associações entre os vários campos do conhecimento humano para além de despertar a vida interior da criança para que ocorresse a auto-educação. Em 1942, durante o período das concepções pedagógicas renovadoras, por iniciativa do Ministro da Saúde e Educação Gustavo Capanema, são reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino profissionalizante. O ensino passou a ter, neste período, cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter introdutório, propedêutico para o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Para Saviani, muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação, dando início a sua ideia de escola-classe e escola- parque; em 1952, em Fortaleza, estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didáctica baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético4; em 1953, a educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e Cultura; em 1961 tem inicio uma campanha de alfabetização, cuja didáctica, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar adultos analfabetos; em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em 1962, é criado o Plano Nacional de

4 Termo empregado para descrever a pedagogia criada a partir das teorias e pesquisas piagetianas. O processo pedagógico modifica-se sucessivamente, de acordo com o estado de desenvolvimento mental (psicogênese). O Nível mental da criança é que determina como o professor deve apresentar as situações didáticas, pois, em cada estádio do desenvolvimento a criança tem uma maneira diferente de aprender.

13 Capítulo II – Revisão da Literatura

Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire5 (teoria da libertação). Percebe-se que a educação brasileira passara por reformas profundas, entretanto, tais reformas não reflectiram de forma substancial no ensino aplicado, talvez pelo facto de essas políticas de governo estarem ainda distantes de se tornarem políticas de estado. Foi justamente durante o período mais conturbado da ditadura militar brasileira, que qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era coibida muitas vezes pela violência física, que foi criada a Lei 5.692, a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar à formação educacional um cunho profissionalizante (concepção pedagógica produtivista) o que, para Saviani (2005) transformou o ensino fundamental em formação de mão-de-obra barata, sem poder de crítica e servil, e quem sabia ler já era o suficiente para operar as tecnologias desenvolvidas no “Primeiro Mundo”, detentores dos poderes económico, bélico e político, dos quais o ensino brasileiro não se prestou ao papel de se desvincular atribuindo a esse um carácter mais nacionalista, ou seja, não se criou uma proposta de ensino que diferenciasse do modelo europeu de educação, criando soluções novas para os problemas velhos em respeito às características e às necessidades do povo brasileiro. Em 1964, um golpe militar embarga todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram comunistas e subversivas. O Regime Militar espalhou na educação o carácter antidemocrático de sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; estudantes foram presos, feridos e calados e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi proibida de funcionar. Todas essas acções foram executadas por meio do Decreto-Lei 477, tudo para manter a “ordem” definida pelo estado. Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Devido ao grande número de alunos excedentes foi criado o vestibular classificatório. Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, servindo- se do Método Paulo Freire, o MOBRAL se propunha a erradicar o analfabetismo no Brasil,

5 O método Paulo Freire é baseado na palavra, uma vez que para ele, a palavra ajuda o homem a tornar-se homem. Assim a linguagem passa a ser cultura. Através da decodificação da palavra o alfabetizando vai se descobrindo como homem, sujeito de todo o processo histórico e atinge a liberdade de forma crítica.

14 Capítulo II – Revisão da Literatura o que não foi possível devido aos desentendimentos políticos, sociais e económico. Em seu lugar foi criada a Fundação Educar, actualmente extinta. No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam perdido os seus sentidos pedagógicos e assumido um carácter político. Pensadores de outras áreas do conhecimento passaram a falar de educação num sentido mais dilatado do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didáctica, à relação directa entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidos de actuar em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar, professores foram substituídos por profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico, que passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber. Esse equívoco iniciado no passado em se misturar política com educação, perdura-se até os dias actuais, reforçando ainda mais os problemas homéricos da educação brasileira. Saviani (2005) descreve que o acto de aprender é formado por leis, e as duas mais importantes são a de prática e efeito e a de inclinação. Pela primeira, concluímos que só se aprende aquilo que dá prazer; e que as atitudes só são aprendidas pela experiência vivida. Pela segunda, notamos que só se aprende aquilo que se quer aprender; e que nunca se aprende uma só coisa: ao lado daquilo que se quer deliberadamente aprender, muitas outras coisas são aprendidas. Entende ele, ainda, que o problema pedagógico deve ser considerado sob três aspectos: o ideal pedagógico que diz respeito aos princípios que devem orientar todo o trabalho educativo; a realidade pedagógica que se refere ao próprio objecto da educação, ou seja, o aluno, e o método pedagógico que envolve a busca dos meios pelos quais poderemos aplicar o primeiro ao segundo. Se é a escola, por meio da pedagogia, que auxilia na formação do homem, na preparação para a vida e “considerando que para se preparar é preciso saber para quê, é necessário, na pedagogia, que haja previamente uma finalidade, um objetivo, um ideal a atingir. (Ibidem. p.11). Daí que, para ele, o problema da pedagogia no Brasil é a ausência completa de um ideal educativo. Uma das principais bandeiras levantadas pelos governos, nomeadamente nos períodos de campanha eleitoral, é a bandeira da educação, todos parecem ter a fórmula, para além da coragem de aplicá-la de forma justa e equânime, entretanto a educação continua a ser o sector que menos recursos recebe, consequentemente, sem investimento,

15 Capítulo II – Revisão da Literatura torna-se obsoleta, sucatada, favorecendo os alunos das escolas privadas em detrimento daqueles que dependem do serviço público, reforçando o objectivo da educação mundial que é o de manter o "status" para os grupos dominantes e oferecer menos condições para os estudantes que dependem do sistema público de ensino. Para Freire (2005) “ a ordem social injusta é a fonte geradora, permanente, desta “generosidade” que se nutre da morte, do desalento e da miséria”. (p.33). Subentende-se essa generosidade como sendo o mal serviço prestado por aqueles que nos governa, que nos submetem ao castigo desumano, separando-nos em dois grupos distintos, os oprimidos e os opressores. Saviani, na pedagogia contra-hegemónica e na concepção pedagógica histórico- crítica (2003, 2005) sugere um sistema de educação que aja com mediação no seio da prática social global: Onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse). (2005, p.26).

Entretanto, o que ocorre na realidade é a aplicação da concepção bancária da educação como instrumento da opressão. Segundo Freire (2005), o educador será sempre o que sabe e o educando será o que não sabe, o educador é o que pensa e o educando o pensado, o educador é o sujeito do processo enquanto o educando é mero objecto, o sujeitado. Com a reformulação do ensino por meio da lei de Diretrizes e Base – LDB 9394/96 e a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN em 1998, criou-se uma nova oportunidade para um novo debate político/educacional suscitada pela problematização, dispondo de instrumentos teóricos na intenção de se alcançar a “catarse”, ou pelo menos parte dela, entretanto, como se trata de propostas e sugestões, pois foi com esse objectivo que os PCN foram criados, acreditamos que os problemas da educação brasileira só serão amenizados quando se criar um modelo único de educação, voltado para a realidade

16 Capítulo II – Revisão da Literatura brasileira, estabelecida sob a forma de política de estado, única e permanente e não mais como políticas de governo rotativas, provisórias e desencontradas como as que temos tido desde o inicio até os dias actuais. Poucas disciplinas do currículo escolar brasileiro sofreram mudanças no que diz respeito à sua finalidade e aplicabilidade durante esse período de reformas, uma delas foi a Educação Física que passou por fases diversas caracterizando períodos da história política e educacional brasileiras como poderemos observar em seguida.

2.2 - A Educação Física no contexto brasileiro

O contexto histórico da Educação Física brasileira apresenta-se dentro dos mesmos moldes da educação, exposto anteriormente, onde pudemos verificar as mudanças que ocorreram no ensino brasileiro ao longo dos anos. Teremos como base os trabalhos desenvolvidos por Ghiraldelli Jr. (1989) Assinaladamente no que diz respeito às fases pelas quais passou a Educação Física brasileira, e as tendências contemporâneas, de acordo com Oliveira (1997), que aborda as metodologias emergentes no ensino da educação física. A primeira fase, higienista e eugenista6, desenvolvida, aplicada e orientada por militares e médicos desde a chegada da Academia Real Militar no Brasil por volta de 1810 era composta apenas por homens, sendo estendida às mulheres em 1874. O higienismo juntamente com o eugenismo tinham a pretensão de gerar e formar indivíduos perfeitos e saudáveis por essa razão, todos estavam aptos a praticar exercícios profiláticos e medicinais. Essa fase foi até a década de 1930, quando se iniciou a fase militarista. Instalada pouco antes do regime denominado “Estado Novo” durante o governo provisório de Getúlio Vargas, a fase militarista tinha como objectivo a militarização e moralização do corpo por meio do exercício físico, era dotada de exercícios mecânicos copiados dos modelos da ginástica sueca, alemã e, principalmente do método francês. Somente por volta de 1945, a Educação Física, passou a ser vista e praticada com fins educativos e pedagógicos, chamada de fase pedagogicista. A formação académica, no

6 A Eugenia é um termo criado por Francis Galton, com princípios que defendiam a melhoria da raça humana, com conceitos que podem ser facilmente aplicados com o uso da genética moderna. Existem diversos problemas na eugenia, o principal problema é ético, pois ela abusa de discriminação, categorizando pessoas como aptas, ou não-aptas a reprodução

17 Capítulo II – Revisão da Literatura entanto, era diferenciada dos outros cursos, enquanto os cursos de direito, filosofia e medicina eram desenvolvidos em 4 anos, o curso de Educação Física era desenvolvido em apenas de 2 anos. Percebe-se aí uma certa marginalização da Educação Física brasileira, da formação do profissional ao posto que o mesmo ocupa dentro das escolas, um certo descrédito, ou ainda, um certo interesse reduzido, visto que os cursos académicos, bem como as disciplinas ditas científicas tinham um valor aristocrático maior em relação às outras. O movimento pedagogicista viria “ reclamar da sociedade a necessidade de encarar a educação física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas de encarar a educação física como uma prática eminentemente educativa”. (Ghiraldelli Júnior, 1989, p.19). Mesmo diante de tal esforço despendido pelo grupo que se baseava nas novas concepções filosóficas e políticas que já tomavam conta do novo mundo fez com que, naquele momento, a Educação Física tivesse um cunho pedagógico reconhecido dentro das Instituições Escolares. Sofrendo por discriminação dentro da escola, o desporto passa a ser o conteúdo principal das aulas, o professor passa a ser treinador e o aluno atleta. Nessa fase, competitivista, iniciada nos anos de 1964, a Educação Física passou a ser sinónimo de desporto de alto rendimento, a fábrica de produção de heróis atletas fez com que o espírito ufanista brasileiro se elevasse, servindo de instrumento utilizado pelo governo para ganhar credibilidade junto ao povo mostrando por meio do desporto a necessidade de se acreditar no país. Nomeadamente, no que concerne à realidade brasileira, com a criação do chavão: “Brasil, o país do futebol”, logo após a conquista do terceiro mundial de futebol em 1970, o regime militar instalado na época, incentivara todas as pessoas, independente de raça, género e condição social a praticar alguma actividade de lazer, esporte ou de recreação em seu tempo livre. Durante a fase popular ou democrática, a Educação Física escolar continuou se descaracterizando dividindo espaço com o desporto nas escolas. Um bom exemplo foi o aumento da participação dos alunos nos Jogos Escolares Brasileiros (JEB’s)7 , actividade

7 Para mais informações ver. DaCosta, L.P. Child, Youth and Sport. Stockholm: Book Project Workshop. ICSSPE-UNESCO: Sport and Leisure Committee, May 7-8th,1993.

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Institucional e extracurricular do esporte-competição realizado entre os alunos do ensino fundamental e médio de todo o país. Segundo Valente (1994), entre os anos de 1984 e 1985, o número de participantes em competições escolares, realizadas em distintas escolas do Brasil, aumentou de 4.693.885 para 6.078.889, os números demonstraram o quanto os JEB’s, principalmente para os alunos de primeiro e segundo graus trouxeram motivações para a Educação Física e o desporto em nível nacional. Lovisolo (1993), identificou em uma de suas pesquisas, que um número expressivo de alunos (47,5% da amostra), após serem inquiridos acerca da diferença entre Educação Física e o Desporto, não foram capazes de identificá-la, enquanto uma outra parcela (34,7% da amostra) não foi capaz de emitir qualquer opinião a esse respeito, para além de um terceiro grupo de inquiridos (12% da amostra) ter declarado existir diferença, embora não soubessem mencionar quais. Lovisolo concluiu que a Educação Física, naquele momento, havia perdido sua especificidade ao repartir com o desporto a sua identidade. Nesse período vários professores começaram a criar métodos para o ensino da educação física, Amauri Oliveira (1997), em seu artigo, Metodologias emergentes no ensino da Educação Física, destaca as principais correntes metodológicas que surgiram, desenvolvidas por profissionais engajados na busca da identidade da Educação Fisica. Veremos de forma resumida do que se trata cada uma das metodologias apresentadas, levando em consideração os seus idealizadores, o referencial teórico, o objecto de estudo e os objectivos de cada uma delas. A Metodologia do ensino aberto8 tem como idealizadores: Reiner Hildebrandt e Ralf Laging (Alemanha) e o Grupo de Trabalho Pedagógico (Brasil), o referencial Teórico é baseado na Teoria Sociológica do Interacionismo Simbólico (Mead/Blumer) e na Teoria Libertadora (Paulo Freire). A metodologia em questão tem como objecto de estudo o mundo do movimento e suas implicações sociais e o objectivo geral é trabalhar o mundo do movimento em sua amplitude e complexidade com a intenção de proporcionar, aos participantes, autonomia para as capacidades de acção.

8 Para saber mais sobre a Metodologia do ensino aberto consultar: Hildebrant, Reiner & Laging, Ralf. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986 e Visão Didática da Educação Física (Grupo de Trabalho Pedagógico, 1991).

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A Metodologia crítico-superadora9 foi idealizada por Colectivo de autores tendo a teoria do materialismo histórico-dialético como seu referencial teórico de base. O objecto de estudo baseia-se nos temas inerentes à cultura corporal do Homem e da Mulher brasileiros, entendendo-a como uma dimensão da cultura. Busca desenvolver a apreensão, por parte do aluno – da Cultura do Corpo, como parte constitutiva da sua realidade social complexa, dessa forma o objectivo Geral do método é desenvolver a apreensão, por parte do aluno, sua Cultura Corporal, vista como parte integrante da sua realidade social conjunta. O conteúdo base é composto de temas que, historicamente, compõem a Cultura Corporal do Homem e da Mulher brasileiros como o Jogo, a ginástica, a dança e o desporto. Idealizada pelo professor de educação Física, João Batista Freire, a Metodologia baseada no construtivismo 10 e fundamentada nas obras: O nascimento da inteligência na criança” e “O possível e o necessário, fazer e compreender, ambas de Piaget, traz como objecto de estudo a motricidade humana, entendida como o conjunto de habilidades que permitem ao homem produzir conhecimento e se expressar. O autor traça como objectivo geral o ensinar as pessoas a se saberem corpo, terem consciência de que são corpo, além de ensinar aos alunos habilidades que permitam as expressões no mundo. Já a metodologia crítico-emancipadora11 do professor Elenor Kunz, baseado na teoria sociológica da razão comunicativa (Habernas), traz o movimento humano, o desporto e suas transformações sociais como objecto de estudo. Para Kunz, a metodologia tem por objectivo libertar o educando das estruturas repressivas por meio do conhecimento e da aplicação do movimento consciente, para além de desconstruir e reconstruir o movimento. Para tal se faz uso do movimento humano através do desporto, da dança e das actividades lúdicas como conteúdos básicos. Em síntese, a Educação Física brasileira vem sofrendo alterações ao longo de sua existência na busca de um modelo que atenda às necessidades biológicas, históricas, sociais e culturais, para além do reconhecimento enquanto disciplina pedagógica dentro das escolas e não meramente uma actividade extra-escolar baseada no desporto de alto rendimento.

9 Para mais informações consultar: Metodologia do Ensino da Educação Física (Coletivo de autores, 1992). 10 Livro que trata do assunto: FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989. 11 KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino & mudanças. Ijuí: Unijuí, 1991. _____ .Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

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Como já nos referimos anteriormente, com a implantação da Lei de Diretrizes e Base – LDB/9394-96 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), nomeadamente no que trata da Educação Física no ensino fundamental (3º e 4º ciclos), pretende-se com isso criar uma “proposta que procura democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos.” (p.15).

Esse discurso é bastante parecido com os dos profissionais engajados da Educação Física, no qual os autores nos mostraram, por meio de métodos e referenciais teóricos diferentes, objectivos semelhantes, entretanto, com certa dificuldade em serem alcançados, visto que todas as propostas visam oferecer uma disciplina de Educação Física recheada de conteúdos significativos de fundamental importância aos participantes, porém não articuladas, pouco fomentadas, pouco difundidas, tampouco partilhadas com os profissionais da área em nível nacional.

Embora seja inegável o valor, o contributo teórico das propostas apresentadas, torna-se necessário utilizá-las como prática formalizada, como praxis, definida por Sérgio (1985) como “ tudo o que, através do contributo indispensável da motricidade, contribui à manutenção e desenvolvimento da humanidade…a teoria, isolada, não tem eficácia real. Só a tem, quando se traduz numa conduta motora. A prática é a teoria materializada e a teoria é a prática formalizada.” (p.317).

Parafraseando Oliveira (1997), é preciso que a ousadia supere o medo ao olharmos para a nossa realidade e reflectirmos sobre ela, entretanto, para fazê-lo, precisamos de compromisso e competência para evitarmos um retrocesso perigoso e comprometedor para as próximas gerações.

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2.3- O corpo na Escola e na Educação Física

“Se Deus quiser, um dia eu quero ser índio Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo Ser um bicho preguiça e espantar turista E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol.”12

O desenvolvimento do corpo tem passado por várias fases de adaptação e influências, seja em função das funções orgânicas e com as condutas funcionais que os corpos adquirem, como exemplo, a forma de andar, de desenvolver certos grupos musculares ou seja, ainda, pelos estereótipos directamente influenciados pela dimensão socio-económica e política das sociedades. Para Moreira (2005), “Se termos como corporeidade, consciência do movimento, corpo e violência, entre outros, estivessem sendo discutidos tempos atrás, não despertariam o menor interesse, e as pessoas que se preocupassem com eles seriam consideradas loucas, teóricas.” (p. 193). A verdade é que o homem tem passado por um processo de descamação profunda já há algum tempo, se pensarmos e reflectirmos acerca do corpo sob o ponto de vista antropológico, histórico, cultural, sociológico, psicológico, afectivo e motor. Por outro lado, esse mesmo corpo que tem sofrido descamações, tem se revestido de marcas, de anexos corporais, vivendo e se comunicando, talvez, de forma mais “politizada que saudável” pela forma como este se manifesta e se comporta. A body art expressa por meio dos piercings, das tatuagens, para além das vestimentas dentre outros acessórios que possuem fins políticos e ideológicos marcantes, apesar de nem sempre sabermos ao certo o que está por trás dessas atitudes tomadas por esses corpos revestidos de objectos (ou seria o próprio corpo o objecto?) parece haver um sinal que vai além desses revestimentos. Mas qual seria a visão de corpo ideal? Tomando como base as reflexões de Moreira no que diz respeito ao fenómeno da corporeidade, discorreremos sobre dois aspectos por ele apresentado, o da corporeidade em relação à antropologia tradicional (corpo pensado) e o da corporeidade em relação à nova visão antropológica (corpo vivido). Para Moreira (2005), a antropologia tradicional aprisionou o corpo sujeitando-o ao comando do pensamento ou ao rigor do espírito, claramente expresso nos pensamentos

12 Rita Lee, Baila comigo. Álbum Meus momentos. EMI (1994).

22 Capítulo II – Revisão da Literatura desde Platão à Descartes, passando pela antropologia cristã que sujeitava o corpo e elevava o espírito. “ Corpo abstrato, coisificado, sem sujeito, corpo do homem sem o humano”. (Ibidem. p. 194). Esta forma de se pensar o corpo ainda é bastante presente tanto na educação como na ciência, isto é, o corpo é um objecto à ideia de corpo, trabalhado pela educação com o intuito de formar tecnocratas, e utilizado pela ciência, de um modo geral, com um fim em si mesmo, resultando num corpo que se transporta pelo espaço, que desafia as leis da física e da natureza, um corpo que se propaga no tempo e no espaço, mas que, ao mesmo tempo, não se situa no tempo e no espaço vivido, não coloca os pés em contacto directo com o chão, não percebe sua respiração básica de sobrevivência, incapaz de notar à pessoa que se senta ao seu lado nas idas e vindas do quotidiano, resultando num corpo que se conhece, mas não se sabe corpo. No que concerne a Educação Física, podemos ver o corpo sendo aprontado para se atingir resultados e desempenhos supremos, a eficiência de forma maçante e opressora, expressando-se de forma sumária, são corpos pensados por outros corpos e não por si próprios, corpos-objectos preparados desde cedo para competir dentro e fora de campo, pois não se deve perder tempo, tampouco dar espaço para os corpos-sujeitos (corpo vivido) desfrutar do sensível, de ser no mundo. A nova visão antropológica, representada por pensadores, filósofos e fenomelogistas como Nietzsche, Freud, Merleau-Ponty e Heidegger fez vir à tona o corpo dito unitário, vivido, o corpo-sujeito, que na visão fenomenológica se apresenta carente e práxico (Sérgio, 1985). Acreditamos que essa mudança (ou seria uma opção?) de visão do corpo- objecto para o corpo- sujeito, deve acender alterações na ciência e na educação. “ O corpo-sujeito exige uma ação científica e educacional estruturada no pensamento dialético, na ciência humana, na produção de conhecimento que produza vida, por isso mesmo holístico, para depois propiciar a possibilidade de especializações.” (Moreira, p.196). Na Educação Física, a visão partilhada por Sérgio (1985), Moreira (2005) e Santim (2005), entre outros pensadores da motricidade humana, é a de que a análise do movimento ou do gesto desportivo não é suficiente, carece de pesquisa para além de acções complexas motrizes, contextualizadas e relacionadas com outras áreas do

23 Capítulo II – Revisão da Literatura conhecimento humano. Para compreendermos as acções do corpo e seus valores, torna-se necessário apreendermos o conceito de Motricidade Humana de forma ampla sem restringi-la apenas à Educação Física, uma vez que essa concebe o homem em todas as suas dimensões e na sua singularidade, e tem como princípio a busca pelo resgate do ser humano. De acordo com Sérgio (1985), torna-se necessário o rompimento de certos paradigmas no que diz respeito à Motricidade Humana, sendo esta, talvez, um dos caminhos viáveis para se unir conceitos básicos como o da educação tradicional e a visão de que o homem é um ser muito mais complexo do que apenas a razão. A Epistemologia da Motricidade Humana suscitou por meio da problemática apresentada, um “corte epistemológico” nas ciências do homem, fazendo despontar um novo conhecimento científico, para além de introduzir um novo conceito, a Ciência da Motricidade Humana. Durante muito tempo a nossa visão ocidental enxergou o homem apenas pelo prisma da racionalidade, da visão dualista mente versus corpo. Os novos caminhos da ciência têm-nos mostrado pela quantidade de teorias e problemas expostos por diversos pensadores e filósofos, nesse caso específico Manuel Sérgio, que estamos nos movendo para uma compreensão maior de ser no mundo. Nesse sentido a Ciência da Motricidade Humana tenta compreender o homem em todas as suas dimensões, e esse novo entendimento está para além do ramo pedagógico das práticas corporais, da ludicidade, da ergonomia, do esporte de alto rendimento, do movimento humano, embora compreenda isso tudo ao mesmo tempo. Se os temas centrais das ciências do homem são a totalidade, a linguagem, a praxis e o futuro, tal se deve o facto de a comunicação, a motivação prática, a consciência da finitude de e da relatividade dos valores e ainda a desse acto político chamado desenvolvimento (…) traduzirem uma certa cultura, uma certa sociedade, uma certa visão do homem, onde inclusivamente o corpóreo desponta, irredutível. Pois, que são a linguagem e a praxis, imediatamente senão corporeidade, motricidade? (Ibidem. p. 283).

O que Sérgio está consolidando como Motricidade Humana, vulgarmente conhecida como Educação Física, é uma nova concepção de homem-mundo, que está no âmbito da Educação, da Saúde, da arte, da Engenharia, do Direito, da Ética, aonde quer

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que o homem esteja. “A motricidade emerge da corporeidade como sinal de quem está- no-mundo-para-alguma-coisa, isto é, como sinal de projecto. Toda conduta motora inaugura um sentido, através do corpo.” (ibidem. p. 315). Desta forma, Sérgio nos mostra que a corporeidade é/pode ser expressa no conjunto das manifestações corporais como jogar, dançar, lutar, apreciar, viver a corporeidade é caminhar para ir ao trabalho ou ao cinema, sem teorizar que está caminhando, apenas caminha, desloca-se, através do movimento, no tempo e no espaço com uma intenção, com consciência. É ter e viver o movimento humano de forma consciente. Todas as manifestações corpóreas se estabelecem por meio do físico, do afectivo, do social e do cognitivo, uma vez que essas dimensões humanas venham a ser vividas, significa dizer que a corporeidade está presente. Sérgio chama de Motricidade esse “ processo adaptativo, evolutivo e criativo de um ser práxico, carente dos outros, do mundo e da transcendência. Intencionalidade operante, segundo Merleau-Ponty. O físico, o biológico e o antropossociológico estão nela, como a dialéctica numa sociedade. (Ibid., Ibidem). Somos um corpo que pensa, sente, aprende, vive em qualquer contexto. Para compreendermos a dinâmica do mundo, do homem contemporâneo, do corpo como instância fundamental (Assmann, 1994), é necessário construir um novo conhecimento que explica, também, as mudanças de valores da sociedade.

2.3.1- A educação centrada no indivíduo

ALVES (2001), percebendo a importância do corpo para o desenvolvimento do educador e do educando, diz que “Ao lado do corpo estão a linguagem e a fala. O educador fala com o corpo e é no corpo de cada educador e de cada educando que estão escritas a sua história. Daí a necessidade de lê-lo e relê-lo constantemente. O corpo é o primeiro livro que devemos descobrir”. (p.03). Ao examinarmos o pensamento de Alves, parece-nos que a escola não tem conseguido estabelecer uma nova comunicação entre o educador e o educando para além da linguagem linear e verbal, para que haja clareza, sobretudo simbiose capaz de interpretar a polissemia instaurada não só no ambiente escolar, de um modo geral, mas também e principalmente, na comunicação entre os agentes do processo, educador e

25 Capítulo II – Revisão da Literatura educando, essencialmente no que diz respeito à linguagem corporal. Essa intersubjectividade presente nos corpos desses agentes é ferramenta indispensável para o desenvolvimento do ser enquanto ser no mundo (Merleau Ponty, 1945). O corpo fala constantemente independentemente de seu estado e de suas sensações e emoções, mesmo que essas sejam indesejadas. Freire (2005) faz o seguinte relato sobre o fato supracitado: A gente vai a uma escola de primeiro grau e as crianças estão submetidas ao castigo de ficarem horas por dia imobilizadas, mas estão falando constantemente. Só que não possuem o poder da linguagem que possuímos. Não são ouvidas porque falam com o corpo e o corpo nunca é ouvido. Querem calar o corpo das crianças submetendo-o à imobilidade mais violenta. (p. 139). Os educandos falam constantemente com seus corpos, mas falam uma linguagem pouco entendida/percebida no meio académico, são linguagens diferentes embora emitidas pelo mesmo canal, o corpo, que deixou de se expressar por meio das acções motoras inerentes dos seres humanos como andar, correr, saltar, pular, rolar, sendo substituídas por “imobilidade mais violenta”, cadeiras enfileiradas, aulas impositivas e conteudistas. Sabemos que essa mobilidade não se encontra apenas na escola, ela também está em casa nos aparelhos electrónicos, nos telemóveis, nos vídeos jogos, dentre outros. Criar, estabelecer regras e situações para o corpo não condizente com a sua própria natureza seria uma forma de escravizá-lo, de obrigá-lo a agir de forma contrária ao que se sente, de limitar e ou esgotar suas competências e suas habilidades. O ser humano pensa, age e sente, sendo assim, em seu modo de ser, ele não deve ser reduzido simplesmente a um depósito de regras e fórmulas preestabelecidas, a deslocamentos físicos estereotipados, a gestos construídos socialmente, que não dizem respeito à sua natureza e à sua realidade, que não faça sentido para ele. Santin (2003), falando sobre a acção do homem no mundo diz que “é necessário vinculá-lo a todo o seu modo de ser, não é apenas o corpo que entra em acção pelo fenómeno do movimento, é o homem todo que age, que se movimenta”. (p.102). Isto tornaria o movimento humano significante pelo facto de haver intencionalidades e significados. O corpo revela e traduz sensações, cabendo à mente apenas registá-las (Bruhns, 1989). Registos indesejáveis podem criar sequelas, couraças, repressões, opressões, conflitos, enfim, condicionamentos diversos no indivíduo limitando-o na sua forma de sentir e agir em virtude dos modelos socioculturais impostos. O bloqueio das

26 Capítulo II – Revisão da Literatura potencialidades do corpo pode torná-lo mecanizado, técnico, menos expressivo, previsível e artificial, impossibilitando-o desenvolver suas práticas corporais mais subjectivas, de sua livre vontade, conforme a sua própria natureza. Para Gardner (1995), a escola teria que desenvolver as múltiplas inteligências de forma que os alunos viessem a alcançar os objectivos de acordo com suas habilidades, em particular, suas inteligências. Para que isso venha a ser possível, a escola deverá estar centrada no indivíduo, uma vez que nem todos possuem a capacidade de aprender da mesma maneira tudo que há de ser aprendido. Gardner considera que os professores deveriam estar livres para planejar suas aulas de forma a ensinar o assunto de sua matéria, em seu estilo de ensino preferido. Para se concretizar a escola centrada no aluno deve-se evitar as pressões actuais para a uniformidade e para as avaliações unilaterais, o que Gardner intitula de preconceitos da sociedade actual. Um desses preconceitos é denominado por ele como Ocidentalista, que ocorre quando se tenta colocar certos valores culturais ocidentais num pedestal (Pensamento lógico). Partindo das suposições de Gardner de que nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades, tampouco aprendem da mesma maneira, e que ninguém pode aprender tudo o que há para ser aprendido, ele divide a inteligência em 8 categorias: Inteligência linguística, predominante nos escritores e poetas; Inteligência lógico- matemática, predominante nos matemáticos, físicos e químicos; Inteligência espacial, característica dos arquitectos, designers e engenheiros; Inteligência musical, característica de quem possui o dom para a música, sons e vozes; Inteligência corporal-cinestésica, predominante nos dançarinos, atletas, artistas e cirurgiões; Inteligência interpessoal, característica daqueles que possuem a capacidade de compreender outras pessoas, como professores e psicólogos, Inteligência intrapessoal, predominante nas pessoas que possuem a capacidade correlativa, voltada para dentro de si e a Inteligência naturalista que se refere à habilidade humana de reconhecer objectos na natureza, em outras palavras, trata-se da capacidade de distinguir plantas, animais e rochas. O conceito de inteligência para Gardner vai além de respostas de testes de inteligência, demonstrando a faculdade geral da inteligência, sendo assim, ele a define como a capacidade de solucionar problemas que são importantes em um determinado ambiente ou cultura.

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Edgar Morin (2000), também nos expõe as suas idéias sobre a educação do amanhã na sua obra intitulada: Os sete saberes necessários à educação do futuro, uma educação que se dirige à totalidade do indivíduo em detrimento das partes. O erro e a ilusão, os princípios do conhecimento pertinente, ensinar a condição humana, ensinar a identidade terrrena, enfrentar as incertezas, ensinar a compreensão e a ética do género humano, constituem, segundo Morin, os sete caminhos para a educação das crianças e dos adolescentes. No que diz respeito ao ensinar a condição humana, Morin descreve que devemos centrar a educação no ser humano, situando-o no universo e não o separando dele, e acrescenta ainda que “ todo conhecimento deve contextualizar seu objeto para ser pertinente”. (p.47). Para ele o “ Quem somos” é inseparável do “Onde estamos” “De onde viemos” e “para onde vamos”, pois questionar a nossa condição humana inclui interrogar a nossa posição no mundo. Para a educação do futuro, é necessário promover grande remembramento dos conhecimentos oriundos dos conhecimentos naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas, bem como integrar (na educação do futuro) a contribuição inestimável das humanidades, não somente a filosofia e a história, mas também a literatura, a poesia, as artes. (ibidem, p.48) A multidimensionalidade e a complexidade humanas passam pela unidualidade do ser humano que é, ao mesmo tempo biológico e cultural, sendo este último que o garante não ser um primata ou um animal como outro qualquer, logo não se realizaria completamente como ser humano sem a cultura, que acumula em si o que é conservado, aprendido e transmitido. De acordo com a tríade apresentada por Morin, existe uma relação, ao nível antropológico, entre indivíduo, espécie e sociedade na qual o indivíduo vive para a sociedade, a sociedade vive para o indivíduo, ambos vivem para a espécie e esta vive para o indivíduo e para a sociedade. “ É a cultura e a sociedade que garantem a realização dos indivíduos, e são as interações entre indivíduos que permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade”. (Ibidem.p.54). É a unidade, esta esfera individual que gera a sociedade por meio do processo reprodutor da espécie humana entre dois indivíduos, cabe a educação do futuro preservar a unidade da espécie humana bem

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como sua diversidade nos seus aspectos biológicos, psicológicos e culturais de forma a garantir às futuras gerações a compreensão do que é ser humano na sua unidade e na sua diversidade, garantindo a sua identidade por meio da cultura e das culturas.

2.3.2- A cultura racionalizante

Para Romero (2003), “o homem não existe, não é educado, não trabalha e não se manifesta separadamente de seu corpo”. (p.90). Embora o homem tenha sido levado à privação dos sentidos, do desenvolvimento da corporeidade, da sensibilidade e tem se negado constantemente, deixando de se sentir para não se emocionar. Os espaços têm sido diminuídos, o tempo tem se tornado escasso e as acções motoras, pouco a pouco, têm sido substituídas por actividades virtuais, cuja as acções são realizadas pelas máquinas, fruto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, consequentemente, de nossa cultura racionalizante, que segundo Gonçalves (1994), tem mais e mais, reproduzido “suas marcas no indivíduo, ditando normas e fixando ideais nas dimensões intelectuais, afectivas, morais e físicas, ideais esses que indicam a educação, o que deve ser alcançado no processo de socialização”. (p.13). Essas marcas podem ser facilmente percebidas no corpo, como nos conta Medina (1990): (…) Essas marcas se fazem sentir mesmo antes do nascimento. Na gestação, no parto e daí por diante, na medida em que se consegue transpor obstáculos existenciais, vamos sendo objetos dos mais diversos condicionamentos, dependendo do contexto de classe em que se vive. Numa perspectiva somática, verificamos que o nosso corpo vai sendo modelado por regras socioeconómicas domesticadoras, sufocantes, opressoras”, “educativas”: as couraças musculares vão surgindo segundo as características socialmente impostas ás pessoas. (p. 82). Parece que toda a sensibilidade, a corporeidade tem sido afastada, negada pelo homem, a espontaneidade tem perdido espaço ou se perdido neste, tudo isso em função de uma forma de vida que não tem uma razão de ser, pois, não paramos para reflectirmos acerca de quem somos e o que somos, uma condição imposta pelo meio que nos circunda e nos absorve. Merleau Ponty (1999) classifica tal forma de vida como uma “estereotipia”a qual o autor compara a um adorno, uma vestimenta. De acordo com Morin (2000), a aniquilação de culturas sob o efeito destruidor da

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supremacia técnico-civilizacional, é uma perda para toda humanidade, visto que a diversidade cultural estabelece uma das maiores preciosidades. Sendo o ser humano, ao mesmo tempo singular e múltiplo, acaba por trazer em si a unidade e a dualidade entre o homo faber e o homo ludens, o homo sapiens e o homo demens, visto que “ o desenvolvimento do conhecimento racional-empírico-técnico, jamais anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético”. (p.59). São essas características que tornam o homem um ser complexo, racional e irracional, infantil e maduro, consumista e económico, violento e amável, objectivo e subjectivo. Morin acredita que a educação indica o destino multifacetado do ser humano, isto é, o destino individual, social e histórico, de forma atrelada e não separada. Desta forma, uma das tendências da educação do futuro seria o estudo da complexidade humana, “ Conduzindo à tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra.” (p. 61). Daolio (1995), fazendo uma abordagem antropológica acerca do assunto, nos diz que " o que caracteriza o ser humano é justamente a sua capacidade de singularização por meio da construção social de diferentes padrões culturais.” (p.36) e que cada sociedade se expressa de uma forma particular, o que quer dizer que não existe o certo e o errado, o melhor e o pior, um modelo sociocultural a ser seguido, mas sim culturas específicas, especificidades culturais essas que se encontram em cada corpo, inclusive naqueles menos conscientes do processo de identificação. Isso é que o faz/ torna humano, o fato de ser diferente um do outro, que é o que o seres humanos têm em comum.

2.3.3- A Educação Física e o Desporto

Como já relatado anteriormente, o corpo tem sido estereotipado em função da situação/posição adoptada pelos movimentos socio-políticos e económicos estabelecidos pela sociedade da época. De acordo com Oliveira (1986), um dos primeiros modelos de corpo formado/moldado pela Educação Física foi o militarista, treinado para defender a pátria, logo tinha de ser forte e musculoso. O movimento higienista, pregou o corpo livre de doença, trazendo consigo a

30 Capítulo II – Revisão da Literatura máxima “mente sã corpo são”, os movimentos deveriam estar voltados para o cuidado do corpo, da higiene e da vida ao ar livre. Já o movimento pedagogista pregava o corpo condicionado, resistente, flexível, ágil e reflexo. No movimento tecnicista utilizado pela Educação Física, o corpo tem se vestido e revertido para prática do desporto praticado como actividade hegemónica e dotado de habilidades corporais capazes de reduzir as formas de expressão do educando pelo uso da técnica excessiva, o que também acontece com a dança, as lutas e a ginástica, seja por factores estéticos, competitivos ou performáticos, pois deixa-se de educar e passa-se a instruir, que são duas formas distintas de transmissão de conhecimentos. O que difere uma forma da outra é que a primeira é aplicada, utilizada como meio, enquanto a segunda é aplicada como um fim em si mesma. A Educação Física está para o desporto assim como o desporto está para Educação Física, entretanto não são actividades sinónimas, cabe a Educação Física diversificar e oferecer aos alunos as mais variadas forma de lidar com o corpo e o movimento humano para além do desporto. Santin (2003), fazendo uma abordagem utilizando-se de componentes antropológicos e de determinadas linhas filosóficas, tenta clarificar as diferenças existentes entre Educação Física e desporto. Quanto aos componentes antropológicos, Santin (2003) diz que existe um entendimento do homem como base teórica para a prática da Educação Física e de uma pedagogia educativa, entretanto há uma dificuldade em se identificar o referencial teórico e as actividades práticas, uma vez que a separação entre o discurso e a prática sofrem de esquizofrenia causada pelo mundo actual., “ Fala-se sobre paz, mas pratica-se a guerra, fala-se de prioridade dos direitos humanos, mas se põe em prática, em primeiro lugar, os elementos económicos…” (ibidem, p.56). No que diz respeito á educação, não é nada diferente, fala-se em priorizar o indivíduo, em sua originalidade e características pessoais, o que incluiria uma educação baseada nas diferenças, no entanto, pratica-se o inverso, dando ao indivíduo um tratamento similar. “ Fala-se do homem como um todo, mas cria-se uma nomenclatura em que o homem é sempre apresentado dividido em duas parcelas, uma psíquica e outra física.” (ibidem, p.56). No Termo “Educação Física”, a palavra física denota e limita o tipo de educação do qual se trata, o que mostra o distanciamento do discurso dito unitário, pois vê-se aqui que o homem pode ser tratado só fisicamente.

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Quando falamos “Educação Física e Desportos”, estamos nos referindo a dois termos distintos, porém interligados por um copulativo, como explica Santin: “ O copulativo “e” indica uma relação, em que duas realidades podem estar juntas e unidas. Isto significa dizer que a Educação Física está dirigida para a prática dos desportos.” (Ibid., ibidem.). Isto não quer dizer que a educação física praticada nas escolas tenha que tomar essa direcção, uma vez que esse copulativo não está determinado e ou estipulado por lei ou decreto, tampouco consta como denominação dos cursos de licenciatura no Brasil, embora tenha sido adicionado por factores sociais, culturais e políticos. Essa Educação Física voltada para o desporto não inclui, de forma directa, o desenvolvimento dos aspectos afectivos, cognitivos e psicomotores, mas sim o desenvolvimento da performance e da produtividade exigida pelas modalidades desportivas. Para se garantir os aspectos supracitados, a Educação Física deveria ser associada a outros elementos como a recreação, o lazer, as ginásticas, a dança e a saúde. O princípio da competição, de acordo com Santin, sugere questões filosóficas ou ideológicas para a compreensão da Educação Física e dos desportos. A competição é uma forma de lutar para se garantir a hegemonia e o controle ideológico, e é justamente ai que entra o papel da Educação Física como formadora do competidor, do “competidor- vencedor” e não como formadora de cidadãos. Ainda, segundo Santin, o desporto foi e continua sendo uma ferramenta sob o ponto de vista nacionalista ideológico, visto que, cada vez mais, se percebe que os jogos olímpicos têm sido dominados pela imposição da nacionalidade, não mais sob o factor racial, como acreditava Hitler, defensor da supremacia da raça ariana, mas pela ideologia que produz o mais elevado grau de desenvolvimento. “ O corpo, com determinado grau de rentabilidade e reforçado pelo princípio da competição, estará a serviço de uma modalidade de esporte para demonstrar a superioridade da nacionalidade ou da ideologia racial ou política.” (ibidem, p.64). A prática do desporto calcado no rendimento parece não ser para todos, mas a prática da educação sim, nas quais as actividades corporais poderiam ser experimentadas como forma de lazer, gesto, harmonia, arte, cultura e socialização, com isso, a Educação Física não estaria limitada somente pelo sistema rígido e mecânico, presente em todas as actividades educativas, mas também pela liberdade, imaginação e criatividade do ser.

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Para isso, ela teria que passar a utilizar os seus conteúdos físico-práticos e políticos, culturais e psicossociais de forma equânime, desvinculando-se assim do desporto. Enquanto as outras disciplinas possuem conteúdos predeterminados para cada série/ano, conteúdos esses que funcionam, na maioria das vezes, como pré-requisitos, a Educação Física, ao contrário, utiliza-se basicamente do mesmo conteúdo durante todas as séries/anos, o que corresponde, no sistema educacional brasileiro, do 5º ao 12ºano escolar. Talvez seja essa falta de diversificação nas aulas de educação física, um dos motivos que tem levado os alunos e os professores à alienação pelas práticas desportivas. As grades curriculares dos cursos de licenciatura em Educação Física são compostas por disciplinas obrigatórias que vão além das actividades desportivas, tais como a psicomotricidade, recreação e jogos, dança, ginástica e as disciplinas que ressalvam a aplicação destas como a fisiologia, a cinesiologia, a biomecânica, a biologia, a bioquímica, a psicologia, a filosofia, a sociologia, a didáctica e os primeiros socorros de urgência. Com uma grade curricular tão diversificada, porquê ainda abdicar-se da maior parcela de conteúdo, que, de certa maneira, levaria o educando a saber mais sobre seu corpo que utilizar a mínima parcela representada pelas actividades desportivas? Os questionamentos não se estancam aí, depois de uma rápida análise onde pudemos evidenciar a diferente situação da Educação Física em relação às outras disciplinas que compõem o currículo escolar e ao próprio desporto, fazendo uma análise voltada para o lado institucional, indagamos, porquê a Educação Física, disciplina obrigatória nas escolas de 1º e 2º graus, fica à margem das demais actividades escolares? Segundo Freire (2005), a Educação Física “é o ramo pedagógico que deve educar as pessoas para se saberem corpo”. (p.141). Entretanto, para se saber corpo é preciso conhecer a sua história nos seus aspectos biológico, sociológico, cultural, psicomotor, para além da aquisição de uma identidade pessoal, desenvolver o esquema corporal, essa forma de se manifestar com o corpo no mundo. “Uma criança vai à escola para aprender um mundo de coisas: matemática, geografia, ciências, mas nunca para aprender sobre motricidade, sobre sensibilidade”. (ibidem, p. 142). Como vimos, há uma infinidade de possibilidades de se trabalhar o corpo nas aulas de Educação Física para além do desporto, mas devido a uma prática cultural

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calcada no futebol13, este acaba por fazer da Educação Física um instrumento segregador das práticas corporais. Ao brasileiro, como já referimos anteriormente, foi atribuído o estereótipo de ser “bom de bola”, do mesmo modo, atribuíram-lhe um outro cliché que é o de “ter samba no pé”, no entanto, sabemos que nem todo brasileiro é bom de bola, tampouco sabe sambar, apesar de serem dois elementos que fazem parte da história e da cultura desse povo, são praticados e ensinados na escola de formas desiguais. “A Educação Física... não é posta como uma real educação humana, mas apenas como um suporte para atividades esportivas”. (Santin, 2003, p.107), valorizando o desempenho, a superação, a competitividade, o status quo. São aulas “convencionais”, voltadas para o desporto. Enquanto os meninos sonham em ser mais um Ronaldinho Fenómeno por meio da prática do futebol, as meninas tampouco sonham em se tornar uma Daiane dos Santos14 pelo facto de as aulas de Educação Física não ensinarem sequer fundamentos básicos da ginástica artística. Não queremos dizer com isso que é função da escola, por meio das aulas de Educação Física, formar atletas, muito pelo contrário, uma das funções da escola é auxiliar na formação de cidadãos livres, autónomos, conhecedores de seus deveres e direitos, e é função da Educação Física educar por meio de acções motoras, para além do desporto. Além de reforçar a imagem corporal, fruto do paradigma dominante, a Educação Física reforça os ideais de ascensão social e económica através do desporto, levando algumas pessoas à ilusão de aquisição de corpos, técnicas, habilidades e status semelhantes aos heróis olímpicos. Esse factor pode ser evidenciado, também, na dança, nomeadamente no ballet clássico quando alguns professores utilizam como exemplos a imagem de bailarinos famosos, tornando-os referências externas para meninos e meninas, sobretudo pobres, deslocados de seu contexto histórico, cultural e social. Para Marques (2003), o ensino do ballet clássico nas camadas menos favorecidas da sociedade brasileira faz com que os praticantes adquiram posturas, atitudes e comportamentos contraditórios aos seus valores e conquistas de forma a menosprezá-los. Para além da inter-relação entre as disciplinas que compõem a grade curricular das

13 Essa é a realidade das aulas de Educação Física na rede de ensino pública no Brasil. 14 Daiane dos Santos é ginasta brasileira, bicampeã mundial em 2004/05 na ginástica artística em solo.

34 Capítulo II – Revisão da Literatura escolas, deve haver a inclusão do educando no processo didático-pedagógico, "o corpo como instância fundamental" (Pinto, 1997, p.127), como um ser único, singular e com a criação de vivências e experiências cognitivas, afectivas e psicomotoras diversas, de modo que ele possa se apropriar dos saberes sem se distanciar de sua realidade. Para Daolio (1995): Se por um lado, a Educação Física coloca-se como diferente das outras disciplinas... por outro lado, sua prática curricular cotidiana parece apresentar dificuldades em lidar com as diferenças apresentadas pelos alunos (…) Uma Educação Física escolar que considere o princípio da alteridade saberá reconhecer as diferenças – não só as físicas, mas também culturais – expressas pelos alunos, garantindo assim o direito de todos á sua prática. (p.100). O direito à prática de forma que o possibilite descobrir e utilizar as várias formas de pensar, sentir e agir para/com o seu corpo, de modo que suas acções, particularmente as acções motoras, tenham significados biológicos, psicológicos e sociais. O homem é corporeidade, é movimento, é gesto, é expressividade. Santin (2003) descreve essa corporeidade do homem como “o movimento que se torna gesto, o gesto que fala que instaura a presença expressiva, comunicativa e criadora. Aqui, justamente neste espaço está a Educação Física.” (p. 35). A Educação Física, que é um “ramo da pedagogia” que deveria ensinar às pessoas a saberem mais sobre corpo, sobre seus corpos. E a dança vista e aplicada como linguagem artística ou como cultura do movimento, independente do estilo, técnica e ou géneros, pode auxiliar nesse processo de busca do conhecimento do eu e do outro, dentro e fora dela, uma vez fundamentada em uma educação renovadora, na qual o aluno possa ser o co-autor do processo de ensino e aprendizagem, motivado por seus próprios interesses, sua cultura e sua história. Olhar para a realidade e reflectir acerca dela com o escopo de garantir, minimamente, os elementos históricos e culturais do brasileiro, foi o que faltou, em certo período da história da dança brasileira, para um sector da sociedade que decidiu produzir, criar dança misturando elementos estrangeiros e nacionais, o que causou, de certo modo, indefinições quanto a identidade da dança e do corpo que dança do brasileiro, conforme veremos a seguir.

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2.4 – A dança e o corpo que dança do brasileiro

“ A gente vem do tambor do índio A gente vem de Portugal, Vem do batuque negro, A gente vem do interior e da capital.”15

Desde 1927, quando foi criada a primeira escola de bailado no Brasil do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que se busca uma identidade nacional na música, na dança e no corpo que dança como forma de representação do brasileiro. Apesar de os teatros de revista já terem idealizado no final do século XIX a música e a dança, representada pelo lundu, o maxixe16, do qual se originou o samba, para além de terem idealizado o corpo que dança do brasileiro, um corpo trigueiro, representado pelo mulato izoneiro e a morena sestrosa, a sociedade brasileira, não satisfeita, resolveu investir em uma “nova” dança que caracterizasse o Brasil. Essa empreitada foi primeiramente motivada e liderada pelos intelectuais, artistas e políticos daquela época que ansiavam por uma ideologia nacionalista que ficou conhecida como Estado Novo (1937-1945). Percebia-se uma certa necessidade, por parte da burguesia brasileira, o desejo de uma cultura autónoma, que caracterizasse o Brasil com certo teor de autenticidade, mas para isso, seria necessário definir quem era o brasileiro e para quais brasileiros essa cultura se aplicaria, uma vez que a ideologia Estado-novista transformava o negro e o índio e o sertanejo em história simbolizada, distante, mítica, cívica e ufanista (Pereira, 2003). Apesar de todo ufanismo dispensado, a camada elitizada da sociedade brasileira, formada, principalmente pelos intelectuais da época, em um dado momento, pensou em “branquear” a população do país incentivando a imigração de europeus. De acordo com o pensamento desse grupo, o Brasil precisava sair do atraso no qual se encontrava e ficar no mesmo patamar dos países desenvolvidos, no que dizia respeito a economia, a sociedade, a arte e a cultura. Mas houve ainda quem acreditasse que tal atraso era o resultado do clima tropical e da mistura de duas “sub-raças”17 (índio e o negro) com uma “raça pura”, ariana

15 Lenine & Quiroga, Sob o mesmo céu. Hino do ano do Brasil na França. Multishow. (2005). 16 Danças que serão referidas posteriormente. 17 Utilizamos o termo raça por estarmos nos referindo à obra do autor citado, escrita naquela altura, entretanto sabemos que o termo etnia é o mais adequado.

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(europeus). Para Silvio Romero, em sua obra “O caráter nacional e as origens do povo brasileiro” (1881), esse resultado da mistura do brasileiro, o qual chamou de “descompasso evolutivo”, foi a causa do atraso mental, da pobreza cultural, para além da falta de unidade nas artes, pensamento que foi partilhado por vários intelectuais da década de 1920 que viam na supremacia branca, o progresso desejado. A super intelectualização das elites devido à divisão social do trabalho que já vinha ocorrendo no início do século XX fez com que a classe dominante se tornasse proprietária exclusiva da cultura, das artes e das ciências, enfatizando de forma brutal as diferenças de classe, ofuscando e tentando substituir uma cultura por outra. A parcela marginalizada, vitimada pelo preconceito daqueles que não se identificavam como negro, mulato ou o índio, passara a ser submetida às políticas públicas excludentes que super valorizavam a mínima parcela da sociedade que compunha o paradigma dominante, isto é, nesse caso, aqueles que possuíam o padrão estético europeu, branco, como relatou Roberto Pereira (2003): E todo movimento das questões raciais parece ter diagramado a cidade do Rio de Janeiro, em suas questões urbanas (...) a política de regeneração e do bota-abaixo e a conseqüente criação de favelas, assim como a inauguração, em 1904, da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, são alguns dos fatos que assinalam a preocupação de se dar ao Brasil a feição europeizante e civilizada, tão almejada, através da sua capital federal. Junto com esses fatos, claro, acompanhava a proibição de qualquer manifestação referente às tradições de origem africana, como seus rituais religiosos, seus cantos e suas danças. (p. 161-162).

Entretanto, apesar da repressão cultural, étnica, social e religiosa aplicada na cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal, a música e a dança que iriam dar margem à busca da identidade do povo brasileiro proveria justamente dos marginalizados e excluídos que compunham maxixes e sambas nos quintais dos casarões das tias baianas, de forma clandestina, localizados na famosa Praça Onze do Rio de Janeiro, para mais tarde serem tocados e dançados nos teatros de revista, nas rádios, no cinema, até serem reconhecidas como expressão da cultura nacional. E o corpo que dança seria representado por Eros Volúsia, brasileira, mestiça, que ficou conhecida como a criadora do bailado nacional. Segundo Pereira (2003), o teatro de revista passou a ser o meio de veiculação da manifestações culturais, laboratórios de experimentações cénicas, principalmente

37 Capítulo II – Revisão da Literatura coreográficas, para além de quebrar barreiras entre classes e etnias, estabelecendo um espaço de criação de identidade do brasileiro em detrimento aos projectos europeizantes do início do século. A cultura popular e a cultura erudita se intercambiavam nos teatros de revista de tal forma que chegou ao ponto de o sotaque lusitano ser substituído por uma linguagem coloquial presente na música popular e no carnaval por meio dos sambas de enredo. Tal ideia preconceituosa, de estimular a imigração de europeus, foi abandonada no momento em que algumas manifestações populares como o maxixe, o samba e a capoeira começaram a interessar alguns segmentos da sociedade europeia e norte americana, consequentemente a sociedade intelectual brasileira, para além da implantação dos conceitos distintos entre cultura e raça, expressos na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933). Foi quando se viu uma pequena valorização da cultura negra e uma certa aceitação do seu carácter mestiço, apesar de que tal discussão, centrada na miscigenação do brasileiro, não se esgotaria ali. Em contrapartida, na tentativa de se buscar uma identidade própria, a dança brasileira acabou por ser estigmatizada como sendo samba e carnaval, criando uma tarefa difícil para as companhias de dança moderna e contemporânea brasileiras, de provar que desenvolviam, naquela altura, dança autêntica, com elementos de carácter nacional, para além do samba e carnaval. Partindo da contextualização acima descrita, analisaremos como se estabeleceu essa busca de criação do ballet brasileiro e do corpo que dança, desde a escola de bailado nacional do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, passando pelo Balé IV Centenário de São Paulo, no período moderno, representado pelo Ballet Stagium seguido pela companhia O Corpo, representando o período contemporâneo.

2.4.1- A Força centrípeta e centrífuga

A ideia de criação de um bailado brasileiro nasceu justamente no século XIX, quando o ballet romântico já havia se estagnado na Europa, entretanto, a primeira companhia de bailado nacional só veio se concretizar no século XX, tendo o Theatro Municipal do Rio de Janeiro como sede. “A criação da 1ª escola oficial de bailados no

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Brasil, é vista como o início, um marco histórico, primeiro passo para a construção de uma história, de uma tradição de dança no país.” (Pereira, 2003, p.91). Assim como aconteceu na Rússia quando desejou construir uma técnica de balllet que representasse seu ideal de cultura, de nação, como tanto quis Serge Lifar, no Brasil não foi diferente, o interesse em formar um ballet contextualizado com a cultura e história do país foi o estímulo primeiro para que se adicionasse as danças nacionais dentro da base do ballet romântico ocidental. Embora as diferentes escolas de ballets (russa, francesa e italiana), desenvolvidas no século XIX, tivessem em comum o romantismo embutido por meio das danças e temas nacionais, estas criaram duas forças simultâneas, uma força que introduziu variedade e riqueza ao ballet por meio das danças e manifestações tradicionais e folclóricas chamada de força centrífuga, e outra que tencionava subordinar esses diversos elementos a uma regra geral, padronizando todos os elementos dessa arte cénica, por meio da técnica codificada chamada de força centrípeta. Para Pereira (2003), esta segunda prevaleceu, o que não foi satisfatório para o ballet. Havia uma razão para que a força centrípeta imperasse de forma hegemónica, conquistando o mundo, com sua expansão, sendo apresentado para o mundo e pelo mundo de forma a conquistar o status, de preferência internacional durante muito tempo, o ballet espalhava-se pelo mundo ganhando novos adeptos e modelos estilísticos, sendo assim, tornou-se referência no que diz respeito a dança. A primeira companhia de ballet a se apresentar no Brasil foi a companhia do bailarino russo e coreógrafo Sergei Diaghilev no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1913, seguida da companhia de Ana Pavlova em 1918, 1919 e 1928 (Pereira, 2003). Não foi por acaso que o modelo de escola seguido pelo Brasil foi o russo, influenciado pelas companhias de Diaghilev e Anna Pavlova para além das companhias pós-Diaghilev. Enfim, a história da dança clássica no Brasil inicia-se no dia 11 de Abril de 1927, com a inauguração da primeira escola oficial de bailados tendo como professora e coreógrafa, a bailarina russa Maria Olenewa18.

18 Maria Olenewa (1893-1965) - Bailarina russa, actuou na Companhia de Anna Pavlova e criou a Escola de Danças e o Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

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Em princípio, na escola de bailado do Rio de Janeiro, a força centrípeta prevaleceu até o momento em que novos bailarinos, os corpos dos brasileiros, passaram a actuar com maior intensidade, fazendo com que a força centrífuga, através dos temas nacionais, mesclados á técnica clássica resultasse em uma variedade e riqueza para o ballet brasileiro proveniente das “ambições patrióticas desta primeira geração e das peculiaridades psicofísicas distintas das diferentes raças humanas e nações.” (Ibid. p.83). Porém, as peculiaridades psicofísicas e as diferentes etnias, características do brasileiro, não faziam parte do corpo de baile do Theatro Municipal, pois essa actividade era desenvolvida apenas por moças e rapazes da elite da cidade, para além de o corpo de baile ser composto, nesse primeiro momento, por bailarinos estrangeiros. A primeira obra coreográfica sinalizando para o corpo que dança do brasileiro foi baseada no “anfitrião nacional”, o índio em 1930. O terceiro ato da ópera-ballet “ O Guarani”, de Carlos Gomes, tratava da libertação de Pery, líder da tribo Guarani. Para Pereira (2003), o detalhe era que, assim como a voz estrangeira cantava a música brasileira, corpos estrangeiros dançavam, interpretavam o índio brasileiro, o que causou certo estranhamento, uma vez que os movimentos não reproduziam com fidedignidade os gestos dos índios, para além de os bailarinos terem de usar vestimentas que simulavam a pele avermelhada do aborígene brasileiro. Podia-se perceber nessas obras a presença da nacionalidade brasileira não só nas danças como nas músicas, pois estas eram cantadas em português valorizando assim a língua oficial, a história nacional contextualizada com temas relacionados ao índio e ao anti-escravismo, no entanto continuava inspirada nas músicas europeias. “ Não havia nenhum indício, nenhum tingimento de uma música indígina original, mas podia-se notar que o índio tornava-se “romanticamente” o símbolo da cultura brasileira, expressa desde Gonçalves Dias e José de Alencar na literatura, até chegar aos bailados do século XX.” (Ibid. p. 106). Teria sido o momento em que a força contrária, ou seja, a força centrífuga começou a agir num sentido de impor uma marca nacional nos bailados Brasileiros? Foi somente com a coreografia Ibampara (1934) com música de Lorenzo Fernandez que Maria Olenewa conseguiu dar uma certa autenticidade ao bailado brasileiro, utilizando música com instrumentos indígenas, para além de utilizar um figurino mais original. Diversas coreografias com temas indígenas foram apresentadas, inclusive por outros

40 Capítulo II – Revisão da Literatura coreógrafos como foi o caso de Pierre Michailowsky e sua esposa Vera Grabinska que compuseram “Flor de Ipê” em 1937, “Alvorada do Brasil” em 1940, ambas com músicas do compositor brasileiro Heitor Vila Lobos, para além de um bailado ameríndio, intitulado “Hino ao Sol” em 1943 com música de Lourenzo fernandez. Em 1932, Olenewa cria uma coreografia sobre os motivos brasileiros, Festa no Arraial, com música de Francisco Braga. Primeiro bailado desconectado da cultura indígena, utilizando-se de uma terceira vertente do povo brasileiro, o sertanejo. Esse período, da década de 1930, foi considerado a “ Era do Romance Brasileiro”, dotada de regionalismo léxicos e sintácticos, representado por escritores nacionais como José Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz e Érico Veríssimo. Vale ressaltar que, até essa altura, A escola de ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, não possuía um corpo de baile, ou seja, o corpo que dançava era representado tanto pelo corpo nacional (centrífugo) como pelo corpo estrangeiro (centrípeto), sendo que este último desempenhava sempre o papel principal. No ano de 1936, o corpo nacional de baile do Theatro Municipal foi criado e no ano seguinte, em 1937, Madaleine Rosay, brasileira, recebeu o título de primeira bailarina, para além de ter sido convidada para desenvolver o papel principal do ballet “Petroushka” de Michel Fokine, pela então bailarina e coreógrafa Bronislava Nijinska, filha de Vaslav Nijinsky. Em 1939, com Maracatu do Chico Rei, com música de Francisco Mignone, a coreógrafa russa levou ao palco um bailado que contava, de forma erudita, uma lenda sobre os negros forros, na qual os bailarinos foram pintados de preto para dar um tom mais realista à temática em questão. Mais uma vez o corpo nacional foi forjado. Os críticos da época não pouparam palavras para classificar os trabalhos de Olenewa.

Se no conjunto a criação de Maria Olenewa é aceitável, não nos parece que a personificação do Chico Rei e da Rainha Ginga, por Vaslov Veltlchek e Juliana Yanakieva tivesse tido muita verossimilhança, O negro é mais solene, leva-se mais a sério (…) A balbúrdia dançante das pretas e dos moleques, das macotas e das macumbas, tornam esses episódios impróprios para exportação e para as propagandas das coisas do Brasil (…) Se já existe no estrangeiro o prurido costumário de nos julgar um prolongamento da África, podemos facilmente imaginar o que sucederia com semelhante bailado. (Ibidem, p.145).

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Parecia que o ballet brasileiro deixava de ser romântico e mergulhava nas questões nacionalistas, deixando de ser apenas ameríndio estendendo suas criações para um outro representante do povo brasileiro, o negro, o que de certa maneira, causou constrangimentos desde a estética forjada ao caricaturismo ingénuo da sua figura, para além de mostrar por meio de um bailado um dos aspectos de nossa história não muito aceita pela sociedade, a busca da identidade nacional por meio da cultura, o que, de certa maneira, poderia vir a ser uma forma de popularização da dança utilizando-se dos temas nacionais.

O invento de uma coreografia adequada, sem descambar para uma estilização forçada e ridícula, tornou o trabalho de Maria Olenewa muitíssimo árduo, afinal era quase impossível produzir algo estético para essas danças exóticas, excêntricas e primitivas, de caráter quase hilariante, e não obstante ingénuo, como o próprio negro. (Ibid., p.146).

A estilização das danças populares apresentadas dificilmente agradaria ao público brasileiro. A força centrípeta parecia imperar no pensamento dos críticos de arte e em boa parte do público em detrimento da força centrífuga que caracterizava o autêntico ballet brasileiro, que pela primeira vez, abordava um tema desafiante para o corpo de baile do Theatro Municipal, que era o da cultura negra do Brasil. Entretanto, nem tudo foi de total desagrado, ao final da coreografia, para atender às necessidades daqueles que se identificavam tão mais com a cultura europeia que com a cultura brasileira, apesar de ter sido apresentada de forma descontextualizada da obra original, em seu desfecho final, dois bailarinos caracterizados de camponeses europeus adentraram no palco, o que, segundo o crítico, deu “ maior variedade à cena, permitindo o emprego episódico e descansante de música de caráter europeu.” (ibidem, p.148). A cultura e a arte nacional, ficaram limitadas ao campo restrito de actuação dos actores sociais da época, era como se continuassem em senzalas, talvez um pouco mais modernas, entretanto continuavam sem o direito de se expressar livremente. A arte brasileira, desde o início da colonização, esteve associada à condição de escrava, aprisionada nas senzalas, afastada do convívio social, perseguida e discriminada até aparecer alguém para convencer “os feitores” de que a arte e a cultura são inerentes a todo e qualquer ser humano, como veremos a seguir.

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2.4.2 – Das danças populares ao ballet

Enquanto dúvidas e anseios se multiplicavam na tentativa de se descobrir o elixir que caracterizasse de uma vez por todas a autenticidade da música, da dança nacional e do corpo que dança, como forma de expressão de um ballet romântico brasileiro, do outro lado da cidade, em uma região do Rio de Janeiro também conhecida como Pequena África Negra, “ O lundu, o maxixe e o samba aparecem deflagrando uma atitude corporal que, devido às próprias origens dessas manifestações musicais, traziam consigo marcas de uma gestualidade negra, ou mestiça, que aos poucos se torna, também, brasileira.” (Pereira, 2003, p. 163). Para que possamos compreender melhor essas manifestações populares que se apresentavam na cidade do Rio de Janeiro, paralela a escola de bailado do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, por meio dos corpos nativos, mestiços, sistematizaremos de forma sucinta o lundu, o maxixe e o samba para melhor situar o cenário na qual estas danças encontravam-se inseridas. De acordo com alguns autores como Andrade (1992), Valença (2000), Ellmerich (1964), Tinhorão (1998), Vianna (2004) e Lopes (1992), o lundu, ou lundum, é classificado como um ritmo musical contemporâneo criado a partir dos batuques dos negros escravos que habitaram o Brasil mesclado aos ritmos portugueses e espanhóis. Proveniente da África, o lundu manteve sua básica rítmica original, a malemolência de carácter travesso caracterizado pela umbigada e rebolados sensuais. Considerado o primeiro ritmo afro- brasileiro, o lundu-dança passa a ser difundido e praticado para além dos terreiros e senzalas, chegando a ser classificado como canção e dança urbanas vindo a ser praticada de forma popular como dança de salão, tornou-se o precursor do maxixe e, consequentemente do samba. Dança contemporânea da Polca,19o maxixe, também conhecido como “tango brasileiro” esteve presente nos salões de dança durante o final do século XIX e o início do século XX, teve sua origem em 1870 na cidade do Rio de Janeiro. Os maiores compositores de maxixe foram a maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935), inspirava-se no lundu, o

19 Estilo musical e de dança, de compasso binário, com uma figuração rítmica característica no acompanhamento. Originou-se na região da Boêmia (Império Austríaco), no início do século XIX, com difusão posterior por toda a Europa e parte da América.

43 Capítulo II – Revisão da Literatura qual frequentava as rodas de umbigadas desde jovem, para compor modinhas e maxixes e Ernesto Nazareth (1863-1934). Tratava-se de uma dança/canção desenvolvida aos pares composta de meneios e umbigadas, reconhecida como a primeira dança urbana criada no Brasil. A sensualidade era o traço característico do maxixe-dança, a rotação das ancas e a liberação da cintura pélvica possibilitava o encaixe perfeito. A dança conquistou a sociedade carioca por meio do teatro de revista que promovia concurso entre os pares. O ritmo chegou a ser exportado para a Europa e os Estados Unidos da América no início do século XX. O mais curioso é o fato de a sociedade brasileira somente atribuir o status de dança nacional ao maxixe depois desta ter sido aceita e praticada no estrangeiro. Já o samba, ritmo que, de acordo com os autores supracitados, nasceu da evolução do lundu-dança e do maxixe, e que, para Guerreiro (2000) nasceu no estado da Bahia, proveniente do “ batuque, estilo musical do passado colonial, próprio da população de escravos e libertos, permaneceu vivo até as primeiras décadas do século XX.” (p.67), trata- se de um ritmo percussivo, relacionado com danças e cantos do candomblé20. Com a transferência da mão-de-obra escrava da Bahia para as plantações de café situadas no Rio de Janeiro, o ritmo ganhou uma diversidade de subgéneros, sendo que nos limitaremos a tratar de alguns desses, considerados os mais conhecidos e praticados até os dias actuais, dentre eles, o “samba reggae”, proveniente da cidade de Salvador, juntamente com a formação dos blocos afro, por meio dos negros mestiços daquela cidade que intentavam conscientizar a sociedade brasileira quanto à questão do preconceito para além de se auto afirmarem por meio da música e da dança produzida por eles, que foi o ponto de partida para a criação do movimento artístico, social, cultural e popular denominado Axé Music,21que será analisado mais adiante. Em um ambiente repleto de manifestações culturais, era quase inevitável a troca de informações, naquela altura, os teatros de revista abriam espaços para as danças populares, dando corpo e forma à cultura de rua, consequentemente ao carioca mestiço que se tornou “ a imagem símbolo” do brasileiro, e o lundu, o maxixe e o samba, danças dos negros,

20 Religião afro-brasileira praticada pelos devotos dos orixás. Para saber mais a respeito ler “Verger, Pierre. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981”. 21 Para mais informações, ler “A trama dos tambores: A música Afro-Pop de Salvador” de Goli Guerreiro, Editora 34 (2000).

44 Capítulo II – Revisão da Literatura passaram a ganhar mais espaço na cidade. A partir do momento em que o maxixe passa a ser reconhecido como dança nacional, a aproximação do teatro de revista com as manifestações culturais passam a funcionar conforme a fala de Pereira (2003) como “ um verdadeiro laboratório de experimentações cênicas, musicais e principalmente coreográficas.” (p.162). A cidade do Rio de Janeiro muda a cara da cultura do Brasil e recria um modelo de nacionalidade que, até então, se pintava como uma cidade europeia. Muitos bailarinos e coreógrafos já mantinham relação mais estreitas entre o Theatro Municipal e teatro de revista, o popular e o erudito, quando o assunto era dança, adquiriam singularidades interessantes, já que o corpo nacional se expressava ali contaminando o ballet e, ao mesmo tempo, sendo contaminado por este. O resultado foi, a já citada, coreografia Marcatu do Chico Rei, em 1939, que representou de forma erudita as questões do negro, retratando o corpo do escravo africano, com sua dança “primitiva e bárbara”, o que causou questionamentos quanto a autenticidade do ballet brasileiro, colocando em dúvida o seu status de nacional. Diante das mudanças culturais que ali se estabeleciam, uma ex-aluna da escola de dança de Maria Olenewa, tornou-se pesquisadora de danças brasileiras, logo após abandonar as aulas de técnica clássica por considerar que não era o estilo de bailado que gostaria de apresentar. Em 1939, Eros Volúsia realiza uma conferência na cidade do Rio de Janeiro que teve como tema: “a criação do bailado nacional” na qual aborda temas relacionados á dança como a história do ballet e sua técnica, para além de relacionar as danças brasileiras descrevendo-as de forma didáctica. Eros, mesmo demonstrando uma defesa das danças brasileiras, acreditava/acredita que a técnica clássica era/é de suma importância para o bailarino assim como a técnica do desenho é para o pintor, o solfejo é para o cantor e a gramática é para o escritor. (Pereira, 2003). Considerada a pioneira do bailado brasileiro, Eros, dona de um corpo mestiço, dizia que arte nacional não se inventava, tampouco se praticava por qualquer influência racial, dizia que impor as formas de danças africanas e europeias era fazer arte estrangeira (Ibidem), e completa afirmando que a estilização das danças nacionais seria o melhor meio para torná-las arte nacional, entretanto sem se utilizar de plágios ou cópias das danças académicas, pois para ela não seria copiando formas e métodos de velhas civilizações que

45 Capítulo II – Revisão da Literatura um país realizaria sua própria arte, mas sim estilizando as manifestações espontâneas do povo através de criações individuais. (Ibidem). Para Eros, as forças centrífugas e centrípetas teriam que actuar de forma harmoniosa para assim garantir a mestiçagem entre as danças brasileiras e o ballet clássico, a técnica, o ambiente, a história e o folclore: teoria e prática. Buscava-se assim o que se chamou de “mestiçagem atávica”, esse reaparecimento das danças populares e folclóricas brasileiras na intenção de transformá-las em bailados estilizados ao nível da criação simbólica, gestual, do corpo expressivo que dança do brasileiro, especificamente do carioca, ou seja, do sambista, do maxixeiro e da “morena sestrosa” e do “mulato izoneiro”. A dança de Eros Volúsia e sua avidez em criar uma dança brasileira, encontrava-se em sintonia com a ideologia do Estado novo, utilizar o folclore e a arte com um sentido educativo, que de certa maneira, já influenciava os bailados compostos por Olenewa em 1939 e também nos bailados da temporada de 1943, com o então coreografo, substituto de Olenewa, Vaslav Veltcheck, que compôs Uirapuru (1943) com música de Heitor Vila Lobos. Apesar de ter sido a expressão mais explícita de um bailado brasileiro, não só pela música e pela dança, mas também pelos corpos que dançaram: Eros Volúsia, Décio sturat e Carlos Leite, um corpo de baile formado por brasileiros, inclusive nos papéis principais, a obra se deparou com questões por demais discutidas sobre a falta de autenticidade, do carácter forjado da vida cultural do país, embora a força centrífuga estivesse presente por meio do corpo que ali dançava, corpos nacionais tentando expressar uma dança nacional.

2.4.3 - O Projecto nacionalista do Estado Novo

Em 1937, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, mostrando seu interesse e sua estreita relação com a arte, decide investir na valorização da cultura e da educação do povo brasileiro por meio de um projecto nacionalista denominado Estado Novo, em um momento em que ainda não existia unanimidade quanto a representação do corpo que dança do brasileiro, o que fez nascer, apesar de já ter sido bastante discutida, a necessidade em se “estabelecer uma conexão entre a ideia de bailado brasileiro e o seu contexto histórico.” (Pereira, 2003, p. 276).

46 Capítulo II – Revisão da Literatura

Apesar de o corpo de baile já existir há quase 10 anos, de já ter formado bailarinos, coreógrafos, professores, repertórios, para além de críticos em dança e público, lacunas ainda existiam no que dizia respeito à definição do ballet autêntico nacional, as forças centrífuga e centrípeta ainda careciam de ajustes para que pudessem estabelecer a autenticidade e a difusão da dança e do corpo que dança do brasileiro. O regime do Estado Novo, tentou investir na educação e na cultura com a intenção de despertar um sentimento de identidade nacional aliado ás questões políticas e ideológicas do Estado. Esse modelo de identidade nacional, “buscava transformar a nação em um todo orgânico, em entidade moral, política e económica, cujos fins se realizavam no Estado. “ (Ibid, Ibidem). O sentimento de pertencimento, por meio da cultura, e a educação foram as duas bandeiras levantadas pelo Estado Novo. A educação, como vimos anteriormente no tópico que versa sobre o assunto, deveria constituir os símbolos nacionais e a valorização da brasilidade através de três aspectos: de um conteúdo nacional, expedido para todo os Estabelecimentos de Ensino na intenção de deter as práticas regionalistas; da padronização do ensino, igualando o saber e garantindo o “abrasileiramento” em todas as regiões do país; da erradicação das minorias étnicas, no que concerne à língua e a cultura dessas minorias. A padronização, o enquadramento e a uniformização cultural, impossibilitaria qualquer forma de organização que viesse se realizar sem a intervenção do Estado, caracterizado pelo seu poder de exclusão e repressão. Nesse processo, a dança teve seu espaço, representado por Eros Volúsia que ansiava por criar um bailado que fosse autenticamente brasileiro, suas idéias casavam com a ideologia do Estado Novo, uma vez que as danças folclóricas estudadas e mapeadas por Eros, além de conterem um carácter erudito, tinham também seu carácter educativo aplicado. Arte, cultura, folclore e educação, todas essas informações contidas em sua dança, também estiveram presentes nos bailados brasileiros do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro na temporada de 1939, como em “Maracatu do Chico Rei”, se estendendo para a temporada de 1943, como em “Uirapuru”de Vaslav Veltcheck, onde se percebeu a ampliação dos temas que compunham a cultura nacional “ á medida que aparecem, , o índio, o negro, o branco e o sertanejo.” (Pereira, 2003, p.278). Esses acontecimentos, de certa maneira, contribuíram para que o Ministro da Educação e

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Saúde encomendasse ao Colonel de Basil,22 o projecto de criação do “Teatro Nacional de Bailado” Pela primeira vez suscitou-se a ideia de se praticar dança nas escolas de todo o país, a organização do projecto continha um Órgão Nacional que deveria ser composto pelos profissionais do ballet de escolas privadas de todas as regiões do Brasil, seleccionados por uma comissão especial, essas escolas denominadas “preliminares” deveriam ser visitadas pelos professores seleccionados para ali ensinarem a técnica clássica. Os alunos com mais habilidade, seriam transferidos para a escola regular do Teatro Nacional, o que poderia vir a acontecer com outros alunos das escolas públicas de qualquer região. Nota-se, portanto, que a dança aplicada nas escolas por meio do projecto do Colonel de Basil, tinha um carácter de homogeneidade por se tratar de uma técnica específica, o que vinha de encontro com o projecto de educação desenvolvido pelo Estado Novo, isto é, homogéneo e padronizado, porém essa técnica clássica estaria assentada maioritariamente nos moldes do ballet russo, com uma pequena participação das danças folclóricas brasileiras, o que descaracterizava todo o projecto nacionalista do Estado Novo. “ Nesse sentido, a Escola do Teatro Nacional, acompanhava perfeitamente esses passos, visto que também elegia uma técnica uniformizadora, a partir da qual tudo deveria ser submetido, inclusive o folclore.” (Ibidem, pp. 279, 280). Mesclando-se a técnica clássica com as danças folclóricas nacionais, obter-se-ia o autêntico bailado nacional. Entretanto, não era bem essa a ideia do projecto apresentado pelo Colonel de Basil, nesse caso a força centrípeta prevaleceria de forma a negar a “diversidade dos corpos”, a “diversidade das expressões possíveis”, “mas antes um padrão importado, russo, que garantiria uma instituição perfeita com os resultados esplêndidos e exemplares para todos os países do mundo.” (Ibid. p.280). Será que a proposta de nacionalização do ensino criada pelo Estado Novo destacada pela feição “conservadora e autoritária”, baseado nos pontos relativos à educação presentes no projecto onde o “conteúdo nacional, a padronização do ensino e a erradicação das minorias étnicas, o particular, o diferente seria sucumbido pela “unidade homogeneizante, na cultura, nos costumes, na língua, na ideologia e, claro nas artes,”

22 Colonel de Basil, empresário responsável pelo Original Ballet Russo, elaborou um projecto intitulado: Projet pour L’organisation du “Teatro Nacional de Bailados”, ao que parece, encomendado pelo então Ministro da Educação e Cultura entre os anos de 1942 e 1944.

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(Ibidem, p. 277), nos garantiria o estatuto de novo corpo, de nova dança autêntica em detrimento da pluralidade cultural e corporal presentes na cultura e no folclore brasileiros? A nacionalização do ensino defendida pelo Estado Novo dotado de autoritarismo e conservadorismo não garantiu a integração das regiões do país, tampouco reuniu o que se encontrava decomposto, uma vez que se combateu as iniciativas pluralistas e diversificadas, justamente o que tornava rica a cultura brasileira. Quanto a escolarização da dança, esta não se aplicou a grande maioria mesmo sendo difundida em todo o país, pois o sistema de formação proposto pelo projecto do Teatro Nacional de Bailado, apesar de primar pela formação integral do educando, do ensino da técnica, para além do gosto e do interesse pela arte do ballet, contava apenas com os alunos seleccionados, isto é, os capazes, os aptos, enquanto os inaptos, os incapazes seriam dispensados. A ideia de se criar exemplares para actuarem por todo o mundo, entretanto, gerou exclusão, o preconceito negativo, para além de criar a hegemonia da arte hegemónica, uma vez que o ballet, naquela altura, era o “único modo de se fazer dança, um único modo de se pensar dança.” (Ibidem, p. 289). Ver-se-á a seguir como se desenvolveu o ballet nacional no Estado de São Paulo, que durante o período de modernização, sobretudo para comemorar os seus quatrocentos anos, resolveu apostar na arte para tornar a capital paulista não só uma capital industrial, mas também a capital cultural do Brasil.

2.4.4 - O movimento nacionalista na cidade de São Paulo

O movimento nacionalista também esteve presente na cidade de São Paulo em um período em que houve uma crescente política de industrialização e urbanização, mais precisamente na década de 1950, quando a burguesia paulistana tencionou transformar a capital industrial em capital cultural, criando, de certo modo, uma rivalidade com a capital federal, o Rio de Janeiro. Nesse período, a cidade de São Paulo já possuía o Teatro Brasileiro de comédia (TBC), A companhia de Teatro Vera Cruz, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Museu de Arte Moderna (MAM), para além de ter realizado a Bienal de Artes Plásticas, o que deu credibilidade para que, em 1953, a cidade realizasse o Ballet IV Centenário,

49 Capítulo II – Revisão da Literatura recheado de modernidade, característica da cidade que completava quatrocentos anos de existência. E para (re)produzir a ideia de um ballet brasileiro, foi importado o coreógrafo italiano Aurélio Milloss, além de grandes artistas nacionais do período, diga-se de passagem que, alguns já haviam actuado em projecto semelhante anos atrás na cidade do Rio de Janeiro, dentre eles Heitor Vila Lobos e Francisco Mignone, ambos compositores musicais. A questão da identidade nacional na dança em São Paulo também ficou a desejar, uma vez que “ O ballet clássico reforçava todo um quadro de ideias e práticas de um pensamento burguês que associava essa dança a ‘fina educação’, direccionada para um público específico, ‘arte de elite e para a elite’.” (Reis, 2005, p.11). Como essa autenticidade seria expressa utilizando-se da cultura brasileira, renegada por alguns, por meio de uma dança académica para um público elitizado? O Theatro Municipal do Rio de Janeiro já havia utilizado a figura do índio, do negro e do sertanejo como símbolo nacional, o que de certa maneira causou estranhamento no público naquela época, entretanto o coreógrafo Milloss resolveu aplicar a mesma fórmula na tentativa de ressaltar a identidade nacional, o que era legítimo, uma vez que a identidade de um povo passa pela cultura, pelos indivíduos e sua sociedade, o que ficou definido durante a vigência do Estado Novo. O que não parecia legítimo era o corpo que estava a dançar não ser o corpo de um brasileiro, como já havia ocorrido com o corpo de baile da, então, capital federal. Assim como já havia acontecido no Rio de Janeiro, o público paulista e alguns bailarinos reagiram com estranheza à algumas propostas de Milloss, como por exemplo na obra coreográfica “ A cangaceira” (1954), visto que todos estavam acostumados a ver príncipes e princesas trocando juras de amor por meio de gestos e pantomimas, características do ballet romântico europeu, depararam-se com uma bailarina trajando um figurino extravagante típico da mulher do sertão agreste do nordeste brasileiro, contrariando todos os padrões estéticos da dança teatral ocidental. Mais uma vez o discurso da autenticidade passou pela questão do autor quando se diz que “ o fato de o coreógrafo não ser brasileiro não o legitima como um coreógrafo capaz de trabalhar com ‘coisas do Brasil’.” (Ibid., p.13). As coisas do Brasil pareceram não agradar à elite brasileira, pois esta

50 Capítulo II – Revisão da Literatura ansiava por uma dança nas pontas dos pés, cenários com campos silvestres e músicas clássicas suavizantes, para além de figurinos cintilantes, claros e brandos, reproduzindo o etéreo. O discurso da alta sociedade paulista era de um identidade nacional imbricada no europeu, para não dizer uma cópia do que se produzia do outro lado do oceano. De acordo com Veloso (1999), a sociedade brasileira sofre de torcicolo, por direccionar seu olhar para a Europa e para a América do Norte, esquecendo-se de olhar para si própria e para a América latina o que faz com que a brasilidade se torne um conceito permanentemente em crise. A busca da identidade nacional tornou-se inviável, uma vez que os elementos nacionais, mesmo passando por estilizações, não eram aceitos pelo público e pela crítica, demonstrando uma certa resistência, uma negação da realidade, ou melhor, da identidade. Com efeito, notava-se a presença do colonizador no gosto da sociedade brasileira, nesse caso específico, do paulista. Mais uma vez, os elementos nacionais utilizados pelo coreógrafo Milloss não estavam de acordo com o desejo de uma parte da sociedade brasileira que buscava um ballet romântico ao contrário dos apresentados, representados por “aborígenes, selvagens e caipiras”. A busca da identidade nacional por meio do ballet encontrava-se com seus dias contados, visto que a dança moderna despontava-se em alguns países, oferecendo mais uma oportunidade de criação e expressão de uma dança mais livre das técnicas codificadas do ballet clássico, embora estas continuassem a fazer parte da formação dos bailarinos. O Ballet Stagium foi um dos representantes desse novo género de dança no Brasil, na cidade de São Paulo, num período de contestações e manifestações sociais e políticas, o que fez mudar o enfoque da identidade nacional, mas que permaneceu presente na dança moderna brasileira. Vale ressaltar que, a essa altura, o Brasil já carregava o estigma de ser o país do futebol, do samba e do carnaval, o que se transformou em mais uma tarefa para o bailado nacional, mostrar que a dança desenvolvida no Brasil poderia ser tão moderna quanto qualquer outra elaborada em qualquer parte do mundo e que poderia ser apreciada como dança, sobretudo brasileira.

51 Capítulo II – Revisão da Literatura

2.4.5 - A Dança moderna: Entre a busca da identidade e os clichés

Após a instauração da ditadura por meio do golpe militar de 1964, o tema da cultura e identidade nacional, além de resistir, parecia mais engajada tendo como seus principais representantes os artistas do teatro, do cinema, da música, das artes plásticas e também da dança, sendo que nesta a identidade nacional era expressa de formas diversas, em contextos e situações distintas. O mundo das artes vivia em reformulação, na dança, o expressionismo de Mary Wigman, Marta Graham e as notações de Rudolf Laban eram utilizadas para compor peças coreográficas no Brasil, sendo que Laban, no que diz respeito à Dança Educativa, foi um dos defensores de que a mesma deveria ser ensinada nas escolas como parte integrante do ensino nas mais diferentes formas. Durante esse período, a dança nacional acenava para uma linguagem estética renovada, na tentativa de romper com a técnica codificada do ballet romântico, procurando estabelecer uma relação com os acontecimentos sociais e políticos da época, que denunciasse e contestasse a ditadura e a repressão, como escreveu Reis (2005), “Uma tarefa que localiza no corpo do brasileiro um lugar de possíveis respostas para um nacionalismo que ia ganhando outros tons, um tom de denúncia e contestações (…) em que a arte engajada ganhava espaços maiores, em um ambiente de ditadura e repressão.” (p. 04). Essa nova linguagem estava relacionada, directamente, com os artistas estrangeiros que chegaram no Brasil após a segunda guerra mundial, período no qual pouco se produziu na Europa em termos de dança, ficando a criação do pós-modernismo por conta dos norte americanos como Merce Cunningham, a criação de novas idéias de uma dança moderna baseada, principalmente, em “contestações estéticas.” A cidade de São Paulo passou a ser o “palco” da dança moderna e pós-moderna com a colaboração de artistas nacionais e internacionais como Renée Gumiel, Maria Duschenes, Maurice Veneau e Marika Gidali juntamente com Décio Otero, que fundaram a Companhia de Ballet Stagium em 1971. Outras companhias também foram fundadas no mesmo período como o Cisne Negro Companhia de Dança e o Balé da Cidade de São Paulo. Com a preocupação em se desvincular dos temas do ballet romântico, o Stagium23 tencionava trabalhar com temáticas brasileiras sem priorizar estilos de danças, cenários sem

23 Otero, Décio. Stagium: as paixões da dança. São Paulo: hucitec, 1999

52 Capítulo II – Revisão da Literatura luxos e ostentações dando um tom mais realista ao espaço e ao corpo, apesar de que neste último, a inscrição da técnica codificada do ballet era evidente. Em contrapartida, a companhia expressava em seu repertório temas sociais e políticos que ainda são recorrentes na sociedade brasileira como o racismo, a violência e a opressão, como “ Navalha na Carne” (1975) de Plínio Marcos, “Jerusalém” (1974), “Diadorim” (1972) sobre o romance de Guimarães Rosa: Grande Sertão Veredas, para além de D. Maria I, a louca (1974) e Kuarup ou a questão do índio (1977). O repertório era composto por meio de textos proibidos pela censura, o que não acontecia com a dança por essa ser uma linguagem que possibilita várias interpretações. A tentativa de criar uma linguagem brasileira nas artes, sobretudo na dança, estava imbricada nas questões socio-políticas da época. A estética nacionalista do Ballet Stagium era baseada nas obras de artistas de renome como Vila Lobos e Egberto Gismonti na múscia, Portinari na Pintura, Plínio Marcos e Carmem Miranda no teatro. Dessa maneira, Décio Otero deixou clara sua intenção em desenvolver uma dança diferente daquela apresentada em décadas anteriores, isto é, sem romantizar e caricaturar os personagens que representavam a identidade nacional, mas sim utilizá-la para denunciar, criticar as acções políticas e sociais do momento. Porém, assim como todos os outros coreógrafos que tentaram desenvolver uma dança brasileira autêntica, Décio utilizou-se da técnica clássica, como base preparatória e de treinamento para seus bailarinos, o que, para Reis (2005) sinalizou um tanto contraditório: “…A companhia mesmo optando por uma dança brasileira, primeiro por meio da temática e segundo pela corporalidade, adotou, como técnica base preparatória e treinamento diário de seus bailarinos, o balé…Dessa forma, seu discurso possui embates e contradições. (p.12). A utilização da figura do índio pelo Balllet Stagium demonstrou uma ligação histórica entre o folclórico e o popular, mas desenvolvida dentro de um contexto social e político da época, o que para Reis (2005) apontou um outro embate da companhia Stagium:

Mesmo afirmando uma “autenticidade” em sua arte, o Stagium almejando o “novo”, estaria se aproximando do que a música erudita brasileira e mesmo o balé, em seu empenho nacionalista teria almejado desde o começo do século XX: Ligações com o passado histórico – o folclore e o popular – resultando na ideia destes como símbolos brasileiros.” (pp. 12 -13).

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No ballet Kuarup (1977), Décio Otero apropriou-se da imagem do índio como sendo este um operário. Segundo Reis (2005), Décio conta que “...os bailarinos usavam macacões de operários verde-amarelo e somente no final transformavam-se em índios, para celebrar a cerimônia da morte.” (p. 13), demonstrando assim que a opressão de ontem sofrida pelos índios, encontrava-se presente nos dias actuais nos operários, contextos diferente para acções semelhantes, cidadãos de segunda classe de ontem e hoje. A dança do Ballet Stagium, por mais que tenha apresentado inovações, expressando um certo realismo por meio de temas sociais presentes na sociedade brasileira continuava a apresentar sinais de dependência da dança europeia, baseado em “coreografias inseridas em uma linguagem neoclássica”. (ibidem, p. 10). Os corpos codificados pela técnica do ballet clássico ainda eram evidentes, porém de forma menos sistematizada, mais livre, mais natural, visto que o contexto em que a dança foi desenvolvida, possibilitava o aparecimento de certos factores estéticos que coadunavam com o tema, demonstrando um certo avanço qualitativo da dança brasileira, o que a tornou um referencial para as companhias de bailado brasileiras da época. A essa altura, uma outra companhia de bailado nacional se despontava em uma região que não tinha tradição em produção artística, mas que tinha a intenção de mostrar uma forma de fazer dança utilizando-se clara e abertamente dos códigos do ballet clássico, das músicas clássicas para então encontrar o movimento e o gesto próprio que caracterizasse a dança e o corpo que dança do Brasil, enfim a sua própria identidade.

2.4.6- O Corpo na dança contemporânea brasileira

A dança contemporânea brasileira começou a ter sua representação ainda com o Ballet Stagium, entretanto foi por meio do Grupo Corpo que essa nova forma de se dançar obteve repercussões a nível nacional e internacional. O Corpo foi concebido no ano de 1975, ainda durante a ditadura militar, pelos irmãos Pederneiras, para além de um grupo de amigos que durante anos nutriram, cuidaram e investiram em um Projecto autónomo e em 1976, o Grupo encontrou-se apto para apresentar ao público a sua primeira obra coreográfica, intitulada “Maria Maria”, assinada

54 Capítulo II – Revisão da Literatura pelo coreógrafo argentino Oscar Araiz que retornou a assinar outra obra coreográfica, “Último Trem”, em 1980. Percebe-se aí uma característica que esteve presente em todos os momentos de criação da dança brasileira, desde quando se pensou em criar um bailado nacional, a dependência de recursos humanos sempre foi evidente, uma certa escassez de coreógrafos brasileiros e profissionais da dança. Apesar do primeiro trabalho do Grupo ter sido desenvolvido sob a música popular brasileira, com um corpo de baile nacional, o coreógrafo ainda era estrangeiro, embora fosse Latino-americano. O Grupo não tinha intenções nacionalistas, porém objectivava obter uma marca nacional, essa fase foi o alicerce que precisava para galgar degraus na busca de sua própria identidade, partindo para a busca da movimentação própria, para a percepção corporal necessária. É curiosa a forma como a companhia começou a pôr em prática um projecto familiar, regionalista, que, pouco a pouco, foi tomando dimensões internacionais. Totalmente diferente do que aconteceu com a companhia de bailado nacional do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e com o Ballet IV Centenário em São Paulo, a concepção do Grupo Corpo partiu de dentro para fora, como conta Rodrigo Pederneiras (2000) durante entrevista concedida à Fundação Calouste Gulbenkian: Era um grupo de pessoas amigas que faziam dança numa cidade, Belo Horizonte, que não tinha um mercado de trabalho, tínhamos que ser nós a criá-lo. Foi uma loucura absoluta, mas tínhamos tanta certeza do que estávamos a fazer, tanta vontade, que nada foi capaz de nos impedir. Em 1975, criámos o Grupo Corpo, a sede foi na casa dos meus pais, eles saíram e cederam a casa, e começámos a trabalhar. A primeira obra, «Maria, Maria», foi um grande sucesso. Nesse período entrava muito dinheiro, tínhamo-nos formado enquanto companhia profissional desde o início, as pessoas tinham um salário fixo e o dinheiro restante era todo investido no crescimento da companhia, para que ela fosse tendo o seu lugar próprio. Em 1978, conseguimos inaugurar a nossa própria sede que fomos aumentando, e é hoje uma sede fabulosa, tem uma galeria de arte, uma possibilidade imensa para trabalhar a vários níveis. (p.01). Em 1985 o Grupo Corpo inaugura uma nova fase assentada na busca da técnica do ballet clássico com a coreografia “Prelúdios” com música de Frederic Chopin, em 1986 “Bachianas” com música de Heitor Vila Lobos, 1987 “Canções” com música de Richard Strauss, “Duo e Pás-du-Pont” com músicas de Heitor Vila Lobos, e, ao final dessa fase

55 Capítulo II – Revisão da Literatura voltada para as Danças Teatrais Ocidentais, em 1988 o Grupo apresenta “Rapsódia” com música de Joannes Brahms, “Uakti” com música de Marco Antônio Guimarães e “Mulheres” da coreógrafa Alemã Susanne Linke, com música de Krysztof Penderecki. No ano de 1984 Susanne Linke esteve no Brasil como directora da Folkwang Dance Studio, que apresentou com grande sucesso quatro peças de sua autoria. Ela voltou em 1986 como solista e novos contactos foram feitos assim, em Agosto de 1988, Susanne Linke criou uma coreografia com a companhia, intitulado: Mulheres.24 Consequentemente, os resultados dessa parceria apareceriam nos próximos trabalhos do Grupo como foi em “Missa do Orfanato” (1989) com música de Amadeus Mozart. Sobre essa coreografia, Rodrigo Pederneiras (2000) relata que: Foi com «Missa no Orfanato» que acabou por se revelar outro grande acontecimento nacional e a partir daí nós começámos esse processo de busca de uma identidade própria. Esse processo foi acontecendo com o tempo no sentido de procurarmos quem nós somos, quais são os nossos estilos, cores... A partir daí tornou-se mais sólido. (p. 01).

Mas foi a partir da obra coreográfica “21”, que o Grupo atingiu sua identidade, sua técnica pessoal, expressando e estabelecendo no palco uma “conversação mais directa com as danças que não sobem aos palcos dos teatros” (Katz, 2000, p. 314). A participação inicial do argentino Oscar Araiz, o aprimoramento da técnica clássica, a colaboração de Susanne Linke mais a contemporaneidade presentes nas músicas e nas danças populares e urbanas resultou nesse Corpo híbrido, que pode ser visto na obra “Nazareth” (1993), em que se mistura música do compositor popular de maxixe, Ernesto Nazareth, dança e música bastante contestadas nas décadas de 1930, mas que acabou por ser considerada a primeira dança nacional brasileira, antes mesmo do samba, depois de ter sido apresentada em Paris. Em “Parabelo” (1997), com música de Tom Zé em parceria com José Miguel Wisnik, o coreógrafo retrata o sertão e o imaginário brasileiro. Sobre essa obra, Rodrigo Pederneiras (2000) considera ser a mais brasileiras das obras criadas: “ Acho que

24De acordo com Maria Cândida Braz, responsável pela documentação do Grupo Corpo: Susanne chegou a Belo Horizonte e começou a trabalhar imediatamente, preparando o espectáculo "Mulheres". Era um tributo e um questionamento acerca da situação de opressão das mulheres em todo o mundo. Panos e textos foram usados para colorir o cotidiano das mulheres. Sem querer fazer uma denúncia ou uma crítica desse cotidiano, Susanne mostrou uma outra forma diferente de percebê-lo.

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«Parabelo» tem uma coisa que as outras peças não têm, que é quando escutamos a música reconhece-se de onde vem, é mais localizada, é música do sertão. Acho que «Parabelo» tem origem num determinado lugar.” (p.01). E em 1998 a companhia apresenta “Benguelê”, com música do compositor e cantor João Bosco, tema voltado para cultura afro-brasileira, trabalhado de forma mais “diluída”, isto é, foi feita uma releitura, dando um tratamento mais contemporâneo das danças folclóricas e populares brasileiras, para além de utilizar muito o chão, assim como na coreografia: “O Corpo” (2000). Uma obra urbana, dotada de fisicalidade, conflitos, necessidades e desejos do corpo humano por meio de uma movimentação às vezes violenta, agressiva, às vezes suave e branda. O coreógrafo Rodrigo Pederneiras, no depoimento dado para próprio site da companhia25, revela que o grupo Corpo aprendeu a dançar na rua, e a linguagem do grupo corpo é um “mix” das regiões do País, sendo que essa brasilidade é uma característica nas composições coreográficas, nas cores, nas luzes, nos corpos e nos movimentos dos bailarinos e, sobretudo na música, geralmente feita por encomenda, que é a grande fonte de inspiração do coreógrafo para compor um bailado. No seu trabalho mais recente “Onqotô”26 (2005), com trilha sonora eclética assinada por Caetano Veloso em parceria com José Miguel Wisnik, na qual utilizaram desde fragmentos do poema épico “Os Lusíadas” de Camões27 ao ritmo contemporâneo do hip-hop, levando-nos a reflectir sobre a fragilidade do homem diante da força da natureza e do universo. As trilhas sonoras compostas por músicos contemporâneos brasileiros fazem nascer uma aproximação do público com as obras apresentadas pelo Grupo Corpo, uma vez que o compositor é sempre uma figura de renome no meio artístico e o tema é, geralmente, focado dentro de um contexto da história o que faz com que se amplie e diversifique o público, para além de criar uma identidade social, cultural e corporal do brasileiro pelo facto de estar apreciando algo que é de seu conhecimento.

25 http:// www.grupocorpo.com.br 26 Onqotô é uma forma reduzida utilizada pelos mineiros (aqueles que nascem no Estado de Minas Gerais) de dizerem: onde é que eu estou. 27 “Onde pode acolher-se um fraco humano/ onde terá segura a curta vida/ que não se arme e se indigne o céu sereno/ contra um bicho da terra tão pequeno?” (Camões, 1572,canto I, estância106)

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Para além dos trabalhos desenvolvidos no palco, em 1998, o Grupo cria a Organização Não Governamental (ONG), Corpo Cidadão, que atende a 700 crianças e jovens com idades entre seis e dezoito anos em instituições de Belo Horizonte e na região metropolitana, na intenção de dar formação artística, educativa e profissional, para além de contribuir com mudanças na vida desses jovens por meio de aulas de dança contemporânea e dança de rua (street dance, hip-hop), musicalização, percussão, flauta, violão e construção de instrumentos. Os alunos acima de 16 anos abrem os olhos para o mercado da arte e têm aulas de mecânica cénica, electricidade, iluminação, e pesquisa de figurino, aprendem a ver o mundo do espectáculo por todos os ângulos e lados. Entre os participantes já foram criados dois grupos experimentais: um de música, com 9 integrantes, e outro de dança, com 26. Muito mais que descobrir talentos, a intenção da ONG é promover jovens por meio da arte, para além de complementar o atendimento aos jovens em situação de risco daquela região. O Corpo atingiu seu ponto de culminância quando conseguiu se estabelecer como a companhia que representou o Brasil no exterior, conquistando uma residência internacional na Mayson de la Danse, em Lyon na França durante os anos de 1995 à 1999. A técnica do ballet clássico, que é, sem dúvida, a base dos trabalhos do Grupo, vai dando espaço e forma aos movimentos do folclore e das danças populares brasileiras com uma estética contemporânea. Depois de décadas à procura de uma linguagem artística nacional, uma companhia de bailado, começa a levar para o palco certa maneira particular do brasileiro se mover, resultando em numa linguagem própria do corpo que dança do bailarino, originando assim a marca registada do Corpo, ou seja, o seu “tique estilístico”. Seria essa a movimentação buscada durante décadas para legitimar uma dança e um corpo que dança do brasileiro? Apesar de todo o nacionalismo aplicado à cultura do Brasil durante a vigência do Estado Novo e das manifestações artísticas durante a ditadura militar, a questão da identidade nacional por meio da música, da dança e do corpo que dança não teve de facto um final de consenso. Mesmo quando se associou a figura do índio, do negro e do sertanejo, utilizados como representantes do povo brasileiro pelas companhias de Ballet do Rio de Janeiro e São Paulo, e a figura do índio estilizado, proletário utilizada pelo Ballet Stagium na obra coreográfica Kuarup de 1977, como forma de denúncia da opressão

58 Capítulo II – Revisão da Literatura vigente naquele período, fez com que despontasse uma dança que viesse a contemplar os anseios da sociedade brasileira de forma democrática e plural. Um Brasil mestiço, diversificado, com dimensões continentais, dividido em cinco regiões com hábitos e costumes distintos onde os mesmos variam de norte a sul, de leste a oeste, torna-se difícil coser as partes desse tecido para se buscar um ponto em comum que possa representar a identidade desse povo, desse corpo brasileiro na intenção de criar uma nova dança, que fosse estilizada, assim como aconteceu com o ballet romântico ocidental, e que pudesse vir a ser o autêntico ballet brasileiro. Percebe-se que a busca da identidade do brasileiro perpassou/perpassa o campo da Educação, da Educação Física, da Música, da Dança e do Corpo que dança, passando por determinados conflitos políticos, sociais, étnicos e culturais, alimentando e demonstrando uma crise de identidade nacional. A resistência à cultura, à religião e certos costumes e tradições foram/são factores que determinaram e asseguraram a identidade nacional de um povo, identidade essa que deve passar pela consciência colectiva das sociedades despindo-se de arbitrariedades e qualquer tipo de preconceito. Nesse caso específico, a música e a dança desenvolvem papéis fundamentais como meio de informação e de comunicação entre os povos de uma determinada sociedade e diferentes classes, para além de ser um instrumento de inclusão social e cultural principalmente nos dias actuais onde a síndrome da identidade nacional atinge uma grande parcela das nações. No que diz respeito ao Brasil, essa síndrome continuou com outros movimentos, os chamados movimentos sociais de classe, que até meados do século XX, permaneceram em silêncio quando resolveram criar manifestos contestando e pedindo o seu reconhecimento social, político e artístico por meio dos movimentos que funcionavam como uma arma, ou seja, sua história, sua cultura e sua arte, até então renegadas aos guetos, marginalizadas e excluídas.

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2.4.7 – Do samba reggae ao axé: uma outra identidade

“O Brasil não conhece a África, O Brasil não sabe bem do Brasil… Não sabe ou não quer saber, tá cara da gente a gente vê, Não sabe ou não quer saber tá na dança da gente a gente vê”28.

Paralelo ao desenvolvimento da dança contemporânea brasileira, os afro-brasileiros, representantes da cidade de Salvador/Bahia, iniciaram o movimento de afirmação da identidade afro-baiana. Assim como aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, os negros e mestiços da cidade de Salvador, também foram proibidos de se expressar por meio de suas músicas e danças pelo facto de a sociedade da época julgar que tais manifestações eram sinónimas de violência e desordem, para além de possuir uma estética que lembrava a África. Depois de alguns anos, passaram a se organizar em Blocos Afro Carnavalescos, movidos por um orgulho racial que surgiu na década de 1970, seguindo o exemplo dos negros norte americanos que durante décadas sofreram do mesmo preconceito que os afro- brasileiros sofriam naquela altura. O bloco afro Ilê Aiyê, cuja música e a dança, que provinham dos terreiros de candomblé como o samba de roda, o samba duro e o ijexá, viria ganhar espaço mediático na década de 1980, representado pelo bloco afro Olodum, o criador do samba reggae. Para Guerreiro, “A nova produção de cultura negra na Bahia, a partir do sucesso crescente da estética percussiva, sai dos espaços tradicionais como o candomblé, a capoeira e o carnaval, passando a atuar no cenário da mídia, a invenção do samba-reggae – o ritmo dos blocos afro – é pivô desse processo” (2000, p.54). Enquanto uma parcela da sociedade brasileira voltava-se para a Europa na busca de referências para a construção de uma identidade nacional por meio da dança, da música e do corpo que dança, uma outra parcela, representada pelos blocos afro de Salvador voltava- se para a África e para a América negra, criando um movimento de reacção ao mito da democracia racial. O presidente do bloco afro Olodum, José Jorge, identificou tal movimento como cultura de resistência contra a “Babilónia”, referindo-se ao ocidente, visto como lugar de opressão e de desigualdade étnica e social.

28 Gonzaguinha. Tanacara. O melhor de Gonzaguinha. EMI/Odeon. (1994).

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O fim da colonização da África portuguesa na década de 1970 foi um marco representativo para revalorização das raízes africanas em Salvador desencadeando o movimento panafricanista que tinha como objectivo “ a unidade dos povos negros e o retorno à pátria mãe. Mas a força do intercâmbio entre África e Bahia é a estética afro, que traz implícita a intenção de se afastar de um eurocentrismo tão presente no imaginário brasileiro.” (Ibid. p. 89). Os negros e mestiços da cidade de Salvador também buscavam afirmar sua identidade nacional e para isso utilizaram da música, da dança e do corpo que dança para expressar seus protestos, sua cultura e sua arte. O samba-reggae tornou-se o ritmo de referência, derivado dos sambas urbanos provenientes dos terreiros de candomblé, das influências das músicas negras americanas, jamaicanas e africanas, para além das informações produzidas na cidade de Salvador, resultado da organização política e artística, chamada de “arma musical”. A originalidade da música e dança são latentes quando se percebe a presença de léxicos do dialecto africano (Ioruba e Bantu) nas canções e os gestos dos orixás presentes na dança e no corpo que dança, como expressa Guerreiro (2000): O recurso à língua africana, muito presente nas canções, funciona como sinal afirmativo da identidade africana, pois remete imediatamente à cultura ancestral partilhada pelos membros dos grupos (…) Nos blocos afro, as danças são estilizadas, trabalhadas de uma maneira muito mais livre. Nas coreografias afro-baianas, pode-se ver alguns elementos da dança africana, na qual o sentido do movimento se volta para a terra, o chão. (p. 51)

Devido à profusão de ritmos e géneros musicais que tomavam conta das ruas da cidade de Salvador, as músicas e danças baianas deixaram de ser pagãs quando o jornalista Hagamenon Brito resolveu dar nome ao movimento artístico, social e cultural que crescia a cada carnaval. O género musical crescente foi baptizado com o nome de Axé Music, por considerar que o fenómeno já tinha projecção internacional. A música contagiante do ritmo malemolente tomou conta, primeiramente, da cidade de Salvador e, a partir daí, tornou-se referência nacional, ganhando projecção nos meios de comunicação sendo cantado e dançado em todas as regiões do Brasil e em algumas partes do mundo, inclusive por figuras da música pop internacional como Paul Simon e Michael Jackson.

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Com o surgimento do Axé music, a hegemonia cultural e discográfica do eixo Rio /São Paulo foi quebrada e uma nova safra de cantores, compositores e instrumentistas baianos ganham destaque nacional e internacional como é o caso de Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e Margareth Menezes, amparados por personalidades da música popular brasileira como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa, cantores e compositores que vieram do movimento tropicalista na década de 1960 que se caracterizou por protestos durante a ditadura militar contra a estética da música popular brasileira da época (Bossa Nova), para além da repressão e opressão vivida pelo povo brasileiro naquele período. Grupos como o Ilê aiyê, Olodum, Muzenza, Banda Reflexus e o cantor Luis Caldas construíram a primeira base para o género de dança que ali surgia. Com uma forte influência das danças africanas, a Dança Afro e o Samba Reggae, foram as primeiras formas de danças veiculadas pelos meios de comunicação, mas foi a partir do Deboche que as músicas e as danças baianas receberam o nome de Axé. Marcado pela batida forte dos instrumentos de percussão (timbal, repique, atabaque, xequerê e surdo), misturado com ritmos caribenhos e os elementos afro-brasileiros, o Axé firmou-se. A princípio, relatava a história afro-brasileira nos seus aspectos históricos, culturais e sociais por meio das letras das músicas e as expressões corporais diversas das danças afro-brasileiras, movimentos e gestos baseados nas danças dos orixás e na forte presença histórica narrada, cantada e dançada por multidões em forma de cortejos urbanos. Com o tempo, foram surgindo novas bandas com outros géneros musicais acompanhados de uma variedade de coreografias, algumas recheadas de posturas e gestos sensuais e irónicos, outras dotadas de figurativismo, o que facilitava a assimilação do público que apreciava. Actualmente podemos classificar o axé em diferentes géneros de danças: Dança Afro, Samba reggae, Deboche, Samba de Roda, Samba Duro, Pagode (Quebradeira) e Suingueira. Assim a estética da dança africana foi se misturando com outros elementos contemporâneos, enriquecendo as coreografias do Axé, mas sem perder o estilo afro- brasileiro de se dançar, é o caso da Dança Afro desenvolvida pelo Balé Folclórico da Bahia, que tem uma preparação assentada no ballet clássico e, em um outro extremo, temos a Suingueira, dança popularizada que mescla alguns elementos das Danças Baianas com

62 Capítulo II – Revisão da Literatura elementos da dança Jazz, do hip-hop e funk carioca e a própria música popular brasileira (MPB), para além das influências da música electrónica.29

2.5– O corpo na dança, a dança na escola.

“Prefiro ser essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo Sobre o que é o amor Sobre o que eu nem sei quem sou.”30

O corpo sempre esteve em busca de novas possibilidades, preenchendo lacunas, conquistando espaço, relacionando-se com a natureza, com os elementos desta natureza, abstraindo sentimentos, criando relações consigo e com , explorando as infinitas possibilidades de ver, sentir e agir no tempo e no espaço, tornou-se objecto de estudo e trouxe com ele, outras manifestações desenvolvidas, sendo uma delas, a dança, actividade que sempre esteve presente na vida do ser humano independente da cultura desenvolvida. A dança praticada na contemporaneidade deu um longo salto, saindo das cavernas, dos campos, das senzalas, dos cortiços, ultrapassando as paredes dos pomposos teatros dos séculos passados, rompendo com valores tradicionais, chegando até às ruas. Popularizou-se, criou vertentes, hoje praticada e assistida por uma grande parte da população mundial seja em academias, parques, igrejas e ruas, tornando-se acessível a todos os níveis sociais e culturais, utilizada com diversos fins e por diversos meios, tem sido discutida no âmbito da produção de conhecimento das ciências sociais e humanas pela sua ampla participação nas sociedades antigas e actuais. Venâncio e Costa (2005), fazendo uma rápida trajectória da história da dança descrevem que: O corpo encorajou a dança, e ao dançar ele quebrou normas da igreja e da nobreza... o corpo retirou dos pés as mencionadas sapatilhas e passou a dançar descalço. Ele começou a explorar o chão e a descobrir que outras partes do corpo, além dos pés, podiam tocar o solo. (p. 158).

29 Para mais informações acerca do Axé, consultar anexo nº1 (Clasificação das danças bainas). 30 Raul Seixas. Metamorfose ambulante. Universal.(1988).

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Se a dança transforma o corpo, podemos então dizer que o corpo se refaz por meio desta, faz eclodir outras formas de realizar movimentos levando o corpo novas descobertas de movimento, de espaço, novas descobertas de outros corpos no próprio corpo. Acerca dessas transformações do corpo na dança, nos apoiaremos nos trabalhos de Gehres (2001) e Gil (2001) na intenção de perceber como a dança metamorfoseia o corpo. Ao realizar seu discurso descritivo sobre a dança e dos corpos que dançam em duas Instituições de Ensino na cidade de Salvador/Bahia, fazendo uso da literatura recorrente, Gehres identificou que a dança no ensino dessas Instituições se apresentava de diversas formas e com diversos significados, que, consequentemente levava à transformação do corpo que dança. Gehres (2001) pôde perceber que a dança como actividade física ou do metacorpo ginástico se apresentava como condição da beleza estética e da saúde produzida dentro dos padrões ocidentais actuais, domesticados pelas academias de ginástica. A autora atribui esse factor de solidificação da dança como actividade física aos modelos de ensino da dança moderna, criados no início do século XX nos Estados Unidos da América de forma oposta ao que se pretendia, ou seja, à busca dos corpos livres dotados de movimentos naturais para compor dança, visto que as técnicas de ensino da dança eram compostas por extensas sequências de movimentos ginásticos. “ O metacorpo ginástico, portanto, é um corpo alugado pelas técnicas ginásticas principalmente alongamento e força, sobre um corpo sujeito/percebido, o qual contribui para a construção do corpo que dança.” (Ibidem, p.84). A dança como técnica corporal ou dos metacorpos baléticos, modernos e abstractos, utiliza-se das técnicas do ballet clássico e da dança moderna para além de outras técnicas e outros elementos de preparação, o que, para Gehres quer dizer uma significação para a dança no ensino, ou seja, o domínio de elementos técnicos necessários ao desenvolvimento da dança. A autora evidenciou que a dança clássica destaca-se como a técnica mais utilizada para o treinamento corporal (força centrípeta), seja em companhias de dança moderna ou contemporânea, seja em grupos profissionais ou não. “ Se sob um ponto de vista os metacorpos baléticos, modernos abstractos são corpos alugados, numa outra perspectiva, tornam-se corpos sujeitos/percebidos através da constatação pelos alunos e

64 Capítulo II – Revisão da Literatura pelas alunas de que são capazes de executar as diferentes técnicas.” (Ibidem. p.87). A dança como criação ou dos corpos provisoriamente executores de si mesmos, se estabelece nas escolas, investigadas pela autora sob duas formas: a improvisação e a composição. A primeira utilizada como técnica possibilita o aluno descobrir, vivenciar, criar e executar o seu próprio vocabulário de movimento. “Nesse sentido, como técnica/instrumento, a improvisação é responsável pela criação/constituição de um corpo, ao qual denominamos provisoriamente executor de si mesmo”. (Ibidem. p.88). A dança como coreografia ou dos corpos mensageiros (Ibidem) é o produto/resultado das aulas de dança e, geralmente, possui um formato parecido com o de um texto literário, isto é, consiste na apresentação de um tema com início, meio e fim, desenvolvidas pelo o conjunto composto por professor/coreógrafo, aluno/bailarino que por meio de seus corpos dotados de movimentos (léxicos) tentam passar mensagens. A constituição do discurso por meio dos corpos mensageiros acaba por atribuir significados ao nível pessoal por se tratar das ideias do professor/coreógrafo juntamente com a participação dos alunos/bailarinos, ao nível artístico por se tratar de criação espontânea, livre e desinteressada, e Institucional por se tratar de conhecimento desenvolvido, aprendido e ensinado dentro da Instituição reconhecida pela sociedade que é a escola. Na dança como espectáculo ou dos corpos apreciados (Ibidem), os corpos que dançam são avaliados, admirados e contemplados aos olhos daqueles que os materializam, uma vez que a arte, também, é vista como um produto consumível encontrado no mercado e a dança no ensino acaba por reproduzir essa tendência nos moldes dos espectáculos. No que diz respeito à realidade da grande parte das escolas brasileiras, esse fenómeno acontece em, pelo menos duas situações durante o ano lectivo: nas festas juninas e nos festivais de fim de ano. Momentos os quais os processos tornam-se produtos, os alunos artistas e a comunidade escolar os espectadores. Para Gehres, o produto e o sentido artístico acabam sendo banalizados pela noção de espectáculo, mas analisando pelo outro lado, facilita o acesso à dança e arte de um modo geral, “transformando os corpos objectos em corpos que fazem /são dança.” (Ibidem. p.94). A dança como transcendência ou dos corpos possuídos (Ibidem) funciona como catarse, é o momento em que os corpos se transfiguram, se transportam, transcendem no

65 Capítulo II – Revisão da Literatura

tempo e no espaço, um momento dotado de subjectivismo visto que cada corpo sente, age e reage de uma forma particular ao estímulos advindos da dança. Um exemplo claro da dança como transcendência ou dos corpos possuídos são as palavras da personagem do filme Billy Elliot (2000)31 quando indagada, ao final de sua audição por uma das juradas que compunha a banca examinadora, quanto ao que sentia quando dançava. Assim responde a personagem: “I don’t know. I sort of feel good. It’s sort of stiff of and that, but once I get going, I like forget everything and sort of disappear…sort disappear. Like a feel a change in my whole body, like there’s a fire in my body. I’m just there, flying like a bird, like electricity…Yeah…electricity.”32O corpo da personagem é tomado por sentimentos diversos quando se coloca a dançar ao ponto de se esquecer de tudo e tudo desaparecer, percebe seu corpo se modificar, sente ardor, voa como pássaro, sente-se energizado por uma carga de electricidade, transcende-se, transmuta-se, metamorfoseia-se. A dança como profissão ou dos corpos projectados (Gehres, 2001), tem a ver com a relação estabelecida entre a arte produzida com este fim e o mercado consumidor. Com a popularização da arte, consequentemente da dança, o que pode ser percebido nas sociedades contemporâneas de todo o mundo. A dança como profissão ou dos corpos projectados pode ser visto como uma forma de inserção social onde o ensinar e o aprender torna-se uma constante para aquele que fazem da dança seu ofício, sua vocação. A dança como conhecimento ou dos corpos apreciadores está sujeita á apreciação estética e artística, cultural e histórica, política e social, e a partir do momento que a dança gera conhecimento seja em qualquer aspecto supracitado, teremos corpos representando tais aspectos, “ nesse sentido, vemos o corpo apreciador, um corpo objectificado pelo conhecimento, o qual, contudo, pode torna-se sujeito no uso deste conhecimento.” (Gehres, p. 99). A dança no ensino, por exemplo, pode ser aplicada como forma de promover o aluno ao nível social, político e cultural, por mais que seja/ pareça uma visão funcionalista é uma forma de conscientizar os alunos acerca dos assuntos que fazem parte de sua realidade tornando-os corpos sujeitos.

31 Filme que retrata a história de um garoto de 11 anos que abandona as aulas de boxe para fazer aula de dança clássica escondido de seu pai. 32 Tradução: eu não sei, é uma sensação boa. É tudo um bocado rígido e assim, mas quando eu entro bem na coisa então me esqueço de tudo e...como que desapareço...como que desapareço. É como se sentisse uma mudança em todo o meu corpo. É como se houvesse um fogo nele. Ali estou eu a voar como um pássaro, como electricidade...é...como electricidade.

66 Capítulo II – Revisão da Literatura

A dança como manifestação de género ou dos corpos assexuados e/ou ultrassexuados (Gehres, 2001) é, para Hanna (1999), algo que existe desde o surgimento da dança, sendo que esta relação acontece durante a execução/visualização, sejam elas danças rituais ou teatrais. Recorremo-nos às palavras de Gil (2001) para fazermos uso de sua concepção de corpos assexuados e ultrassexuados, para ele dessexualizados e erotizados. A dessexualização dos corpos acompanha o desenvolvimento de agenciamento, quer dizer muito simplesmente do movimento dançado como movimento do desejo. Se a dança deserotiza os corpos é porque o movimento dançado se tornou desejo (desejo de dançar, desejo de desejo, desejo de agenciar). Quando o erotismo irrompe e possui os corpos (nomeadamente nas danças populares), é porque o movimento de agenciamento de agenciamentos foi ele próprio tomado num agenciamento concreto erótico. (p.73)

Essas noções de corpo na dança, para serem compreendidas deforma mais apurada, precisaríamos adquirir uma ideia desse corpo, como expressa Gil ao elencar os diversos modelos de corpos analisados por diferentes pontos de vista indo do corpo anátomo- fisiológico ocidental ao corpo fisiológico-energético oriental. Ao descrever sobre esse corpo “paradoxal”, atesta que a fenomenologia teve o mérito de considerá-lo no mundo possibilitando a compreensão do próprio como sendo, ao mesmo tempo, corpo percebido e corpo vivido ou sensível. O corpo fenómeno, percebido, concreto e visível que evolui no espaço cartesiano objectivo, compreendido e analisado por Merleau-Ponty (1996) e Strauss (1978), diferencia-se do corpo compreendido pelos corpos dançantes dos bailarinos, chamado, por Gil (2001) de “ corpo metafenómeno, visível, virtual (…) transformador de espaço e de tempo (…) emissor de signos e transemiótico, comportando um interior ao mesmo tempo orgânico e pronto a dissolver-se ao subir à supercfície.” (p.68). Um corpo dotado de versatilidade e possibilidades de vir a ser uno, dual, bilateral, simples, complexa, real, virtual, um corpo humano metafórico, metonímico, enfim, paradoxal, esguio, atlético, sexuado, assexuado. E nessa evolução, tanto do Homem quanto da dança, podemos perceber uma diversidade de estilos e coreografias, de conceitos, de modelos de ensino e formação. E para melhor compreendermos sobre o seu ensino e formação, descreveremos a seguir alguns tópicos que falam sobre o ensino da dança na escola.

67 Capítulo II – Revisão da Literatura

2.5.1- Dança na escola. Para que?

Presentemente, a dança tem sido utilizada de forma diversa não só com fins artísticos, mas também com fins educativos, visto que há cursos de dança nas universidades em vários países; com fins terapêuticos, prescritos por médicos, psicólogos e fisioterapeutas para se obter recuperações físicas e ou musculares, com fins sociais e políticos como é o caso da companhia Arnie Zane Dance Company de Bill T. Jones, que utiliza a dança para denunciar as mazelas do mundo e seus efeitos medonhos, como as guerras, a fome, a HIV/SIDA, o racismo, sexualidade e a religião, porém, sem abandonar a técnica, o virtuosismo e a beleza, elementos que fazem parte de suas obras coreográficas. Os temas utilizados por Bill T. Jones são contemporâneos e estão presentes em nosso dia-a-dia, seja em casa, nas ruas, seja no trabalho, nas escolas e nas artes. E tem sido nas artes, de um modo geral, que temos encontrado manifestações sociais, educacionais e políticas, principalmente, desenvolvidas pelos mais jovens na tentativa de compreender as várias facetas do mundo que temos vivido. Actualmente, quando falamos em ensino da dança na escola, estamos nos referindo às danças que o jovem educando conhece e reconhece como sendo da manifestação de sua própria cultura, nas palavras de Daolio (2005), trata-se da capacidade de "singularização por meio da construção social de diferentes padrões culturais.” (p.36) desenvolvida no seu entorno, de um modo geral. A dança tem sido negligenciada, renegada a informalidade das ruas, dos guetos e dos programas de televisão, ao mesmo tempo que tem crescido o número de adeptos pela sua prática apesar da pouca literatura produzida. A prática da dança está muito mais presente nas sociedades que os estudos têm demonstrado, talvez pelo facto destes, bem como sua história, estar voltada para a dança simplesmente como expressão artística, o que nos faz pensar a dança apenas como arte, dentro de um padrão de racionalidade que apenas interessa a uma específica parcela da sociedade, quando essa tenciona se apropriar da mesma, transformando-a, estilizando-a para que esta se torne racional e hegemónica. Para Verderi (1998) e Nanni (2003), ao trabalharem com dança nas escolas,

68 Capítulo II – Revisão da Literatura

constataram que ela é, também, um meio de demonstrar papéis sociais, para além de desempenhar relações dentro da sociedade, seja ela qual for, quebrando paradigmas, preconceitos, informando e formando cidadãos objectivando o fortalecimento do movimento artístico e social de determinados povos. Dentro desta perspectiva, podemos citar como exemplo de arte e movimento social, os blocos afro-carnavalescos Olodum e Ilê aiyê, como já descrito anteriormente. Outro género de dança que ganhou espaço na cena urbana brasileira foi o hip hop, com suas letras denunciadoras das desigualdades e na diversidade de sons e ritmos, os adeptos da música e da dança urbanas mostram um retrato do Brasil “fragmentado marcado pela dinâmica sociocultural contemporânea” (Herschmann, 2005 p.205). Esses jovens falam com o corpo, dançam as músicas que expressam uma realidade que uma parcela da sociedade não quer ver, não quer ouvir, tampouco compreender. As histórias das danças populares brasileiras têm sempre o mesmo enredo, mudam-se os panos de fundo, os géneros da música e da dança, mas permanece a resistência, os estigmas, a negação por parte de uma parcela da sociedade. “No que se refere aos raps do hip hop produzidos no Brasil, há de modo geral, um compromisso “engajado” em retratar a realidade, o “avesso do País”, os preconceitos e os privilégios que pautam as relações dentro de uma estrutura social.” (Ibid., Ibidem). Mais uma vez, o movimento sociocultural foi/é utilizado para se fazer notar e ouvir. O engajamento dos raps, assim como dos b-boys33, dá-se pela consciência e pela atitude, palavras indispensáveis no vocabulário do movimento hip-hop. Podemos perceber essas práticas de danças informais como meio de resistência de uma parcela da sociedade, como vimos anteriormente, onde as danças tradicionais, populares e folclóricas sobreviveram graças aos movimentos de resistência criados por determinados grupos sociais em detrimento da dança estrangeira importada no início do século XX. Podemos perceber que tal sistema de significados e padrões culturais criados historicamente encontram-se nos corpos dos educandos, inclusive quando utilizam a linguagem corporal e expressam sua realidade pouco estudada e compreendida no meio educacional e académico, tampouco aceita. Nesse sentido, Marques (2005) interroga: “O

33 B-boy é o termo utilizado para designar o público do hip-hop com seus estilos dotados de indumentária, uma vez que adoram usar roupas de marcas famosas, principalmente as marcas desportivas.

69 Capítulo II – Revisão da Literatura que está no rock, no reggae, no axé, no forró, na música e dança do hip hop que não está em nossas escolas? O que está na Capricho que não pertence ás nossas salas de aula?... O que está na MTV que não faz parte de nossas metodologias educacionais?” (p. 126). (grifo nosso). De acordo com os PCN (1987), a dança na escola seria o conjunto de todas as questões expostas por Marques, já que a proposta da dança nas escolas passa pela interdisciplinaridade e a transversalidade de conteúdos. Marques (2005), referindo-se à dança na escola, questiona se esta é área de conhecimento, recurso educacional, exercício físico, uma forma de terapia ou ainda catarse. Na verdade, a dança dentro do contexto educacional é tudo isso, uma vez que é utilizada com diversos fins, porém não assumida por nenhuma disciplina, isto é, fica à margem das disciplinas que, às vezes, a utiliza como recurso pedagógico em situações específicas. Fazer uso da interdisciplinaridade, dos temas transversais, do background dos alunos e professores, para além de suas competências e habilidades, seria de grande valia para se atingir objectivos pedagógicos nas escolas. A interdisciplinaridade, nesse contexto, refere-se à utilização, de forma conjunta, dos diversos conteúdos aplicados pelas disciplinas que compõem a grade horária das escolas fazendo com que o educando aprenda a produzir, a apreciar e a contextualizar tais conhecimentos remetendo-se às diversas formas que este conteúdo possa vir a aparecer nas diversas disciplinas, entretanto, para que isso possa vir a acontecer, o professor deve abandonar o ostracismo pedagógico e passar a interagir com os seus pares a fim de fazer valer as propostas interdisciplinares, situando sua disciplina no contexto do curso, utilizando dos diversos meios para se chegar ao fim proposto. A transversalidade, ou temas transversais, podem ser trabalhados, também, como meio para se discutir e problematizar questões presentes no imaginário social, tal como a formação das culturas, das sociedades, dos sistemas económicos, políticos e religiosos e artísticos, temas esses que possuem ligações directas com assuntos como, por exemplo: etnia, idade, sexualidade, género, classe social, religião, arte e meio ambiente. Todos esses temas estão presentes no nosso dia-a-dia seja na literatura, na história, na física, seja na química, na geografia, na política, nas artes, nos meios de comunicação, enfim, estão no nosso mundo e nas coisas nele contidas.

70 Capítulo II – Revisão da Literatura

Por meio dos temas transversais, por exemplo, seria possível entender porquê algumas danças estão ligadas histórica e geograficamente à esta ou àquela classe social, o que seria um passo importante para compreendermos os processos sociais existentes em nossa sociedade. Para Marques (Ibid.) “poderíamos perceber em nossos corpos que a convivência e a equidade entre classes são necessárias e possíveis, sem deixarmos, contudo, de lutar por uma sociedade mais justa”. (p.43). Há inúmeras referências e parâmetros para se trabalhar com os temas transversais, porém, parece haver pouco interesse e conhecimento por parte dos docentes em trabalhá-los.

2.5.2- Quem pode ensinar dança nas escolas?

De certa maneira, a dança encontra-se dentro das escolas de forma multifacetada, assim como nas grades curriculares dos cursos de graduação em Arte, Educação Física, Pedagogia e, claro, nos poucos cursos de dança existentes no país. Sendo assim, ela, geralmente, aparece sob o título de movimento expressivo, corpo e movimento, rítmica e dança, expressão corporal, danças folclóricas brasileiras, história das danças populares, entre outras designações. Uma vez a dança ensinada nas universidades e faculdades dos cursos supracitados, em qual disciplina deveria estar inserida nas escolas de ensino fundamental e médio? Na Arte ou na Educação Física? Ou ainda em ambas, visto que enquanto uma trabalha a dança com fins estéticos, a outra trabalha como fins de cultura do movimento? Questionamentos como estes nos faz reflectir acerca de algumas danças estarem sendo praticadas nas ruas, para além de produzidas e reproduzidas pelos meios de comunicação de massa, uma vez que poderiam ser melhor aproveitadas se contextualizadas dentro das escolas. Mas quem estaria habilitado a ensinar dança? O professor de Arte, de Educação Física? Qual tipo de dança? A dança praticada pela ínfima parcela da sociedade hegemónica ou as danças populares, tradicionais praticadas pela massa, difundidas pelos meios de comunicação? Questões difíceis de serem respondidas principalmente quando voltamos os olhos para as diversas regiões do Brasil e notamos a pluralidade de ritmos que são desenvolvidos e praticados dentro e fora da escola.

71 Capítulo II – Revisão da Literatura

Para Marques (Ibidem), essa pluralidade é que tem assinalado as práticas de dança e ensino no Brasil, práticas essas que vão do ballet clássico às danças da Televisão, das ruas aos teatros. Actividades que, às vezes, se interrelacionam, às vezes se estranham, se cruzam, criando facetas tanto no universo da dança como no universo escolar. Seria a escola o local ideal para fazer culminar essa pluralidade de actividades das danças encontradas no Brasil, que ás vezes se estranham, se interrelacionam e se multifaceteiam? Sabemos que existem outras possibilidades de espaços para se ensinar dança como já tem sido ensinada em academias, institutos, grupos independentes, entretanto são espaços restritos, de acesso limitado, geralmente voltados com um fim em si mesmo, fazendo com que as funções e os papéis da dança se tornem reduzidos. “Talvez seja esse o momento mais propício para também refletirmos criticamente sobre a função e o papel da dança na escola formal, sabendo que este não é – e talvez não deva ser – único lugar para se aprender dança com qualidade, compromisso, amplitude e responsabilidade”. (Ibidem, p.17). Certamente, se analisarmos criticamente as estruturas físicas e humanas de nossas escolas, perceberemos que tornar-se-ia difícil ensinar dança com qualidade, compromisso, amplitude e responsabilidade, atributos expostas por Marques em relação à dança nas escolas. A falta de material humano, sobretudo sem especialização na área, a estrutura física inadequada, para além de uma grade horária desproporcional, chegaríamos à conclusão de que não há condições para o desenvolvimento da dança ao nível descrito, embora a autora, em um outro momento, afirme que a escola é, actualmente o lugar ideal para que essa dança aconteça. “…A escola é hoje, sem dúvida, um lugar privilegiado para que isso aconteça, e, enquanto ela existir, a dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de festinhas de fim de ano”. (Ibid., Ibidem). Ensinar dança na escola não significa, necessariamente, a formação de bailarinos, mas pode significar um caminho para novas possibilidades de se atingir um conhecimento histórico, corporal, cultural e artístico por meio da cultura de movimento e da arte, obter uma visão do mundo e das coisas nele contidas. Em uma escola onde a arte e a educação são fomentadas não se deve buscar a perfeição artística, a criação ou performances espectaculares, mas sim os resultados benéficos da actividade criativa na personalidade do aluno. A dança na educação não deve existir simplesmente pelo prazer de dançar, mas

72 Capítulo II – Revisão da Literatura também, por meio da criatividade, dar forma estética às experiências significativas, com a intenção de os alunos incrementarem a criatividade para serem melhores como pessoas, agindo directamente no seu meio social como um cidadãos actuantes. A dança, reconhecida como linguagem artística a ser trabalhada nas escolas ainda não foi reconhecida pela mesma. Sobre esse aspecto, Marques (Ibidem), diz que a dança parece apresentar um risco à educação institucional, visto que ela ainda é desconhecida para a escola. Tais propostas voltadas para os aspectos criativos e transformadores, ainda apavoram os que são regidos pela didáctica tradicional. Tradicionais também são os clichés que descrevem um Brasil dançante e corpóreo o que faz com que diminua as possibilidades de se estudar dança com maior profundidade e clareza e seriedade nas escolas. “ A ideia de que dançar se aprende dançando é, na verdade uma postura ingénua (no sentido freireano) em relação aos múltiplos significados, relações, valores pessoais, culturais, políticos e sociais literalmente incorporado às nossas danças”. (Ibidem, p. 19). No que diz respeito ao conteúdo da dança, a escola pode proporcionar parâmetros para uma apropriação crítica, consciente e transformadora, dessa forma a dança na escola poderia deixar de ser praticada como forma de lazer desinteressado, reprodutora, para ser instrumentalizada, de forma a construir conhecimento em/por meio da dança com os alunos, partindo de seus próprios conhecimentos, possibilitando-os construir novos conhecimentos por meios de seus vocabulários de movimentos, proporcionando-os adaptações críticas, conscientes e transformadoras dos conteúdos da dança. Percebendo a importância social, cultural, artística e política do corpo nas sociedades, não podemos ignorar o papel da dança que está directamente ligado ao corpo que por meio deste podemos descobrir “quem somos, o que querem de nós, por que estamos neste mundo e como devemos nos comportar diante de suas demandas”. (Ibidem, p. 26)

73 Capítulo II – Revisão da Literatura

2.6 - Em síntese:

Em síntese, podemos perceber que as diversas reformas ocorridas no sistema educacional brasileiro não foram suficientes para erigir uma educação que viesse absorver às necessidades da sociedade com um todo. Vimos que o período compreendido entre 1920 e 1964 foi o cume de uma série de acontecimentos políticos, económicos, sociais, culturais e artísticos na sociedade brasileira. Uma delas foi a mudança no sistema de ensino passando a ter como directrizes a ciência como base do progresso, seguida do industrialismo e a democracia, tendência percebida em todo o mundo contemporâneo, e a educação como prática da liberdade e não uma educação bancária na qual o professor é o único que sabe, o único que informa. Passadas as fases eugenista e militarista, a Educação Física enfrentou certas dificuldades em se estabelecer como disciplina com função pedagógica dentro da escola e não somente uma prática com fins profiláticos e disciplinar. Na fase competitivista, o desporto passou a ser conteúdo principal, em um período que o Brasil se destacava no campo do futebol e que o governo aproveitou-se da situação para encabeçar uma campanha oferecendo desporto para todos. Tal facto contribuiu para se criar uma crise de identidade na Educação Física, visto que a mesma passava a ser sinónima de desporto, o professor passava a ser técnico e o aluno atleta. Em seguida surgem as Metodologias emergentes da Educação Física do ensino aberto, crítico superadora, do construtivismo e crítico emancipadora, caracterizando a fase popular na qual um grupo de professores engajados elaboraram metodologias que viriam contemplar o educando nos aspectos psicológico, sociológico e motor, livrando-o do estigma que diz que o Brasil é o pais do samba e do futebol. No que diz respeito ao corpo na Escola e na Educação Física, evidenciamos que este tem passado por processos de descamações profundas sob o ponto de vista antropológico, sociológico, histórico, cultural e afectivo-motor (Moreira, 2005). Ao mesmo tempo esse corpo tem se revertido de signos e sinais que, para serem compreendidos, como nos mostrou Sérgio (1985), devemos utilizar a motricidade

74 Capítulo II – Revisão da Literatura humana de forma ampla e não restrita à Educação Física, uma vez que as manifestações corporais ocorrem e se estabelecem por meio do corpo como um todo, ou seja, por meio do físico, do afectivo, do social e do motor, a educação centrada no indivíduo, o que levaria a inclusão do educando no processo didático-pedagógico, utilizando-se do corpo como instância fundamental. Durante o período de transformações mundiais, a sociedade brasileira arriscou criar a sua identidade por meio da música, da dança e do corpo que dança do brasileiro, entretanto o que mais se evidenciou nessa empreitada foi a vontade da sociedade aristocrática brasileira em manter e copiar uma arte importada em detrimento de se criar uma dança que representasse o povo brasileiro. Para tal foi necessário estilizar o índio, o negro e o mestiço, representados pelos sertanejos. Durante o processo de criação, duas força se contrapunham, a força centrípeta, representada pela dança clássica europeia, padronizada, rígida e codificada, que serviu de base para a criação do ballet brasileiro, e a força centrífuga representada pelas danças e pelos corpos que dançam temas nacionais, de manifestações tradicionais e folclóricas. Na tentativa de se juntar as duas forças, os elementos nacionais foram forjados. A sociedade ansiava por um ballet brasileiro com características europeias sem levar em consideração as diferenças, sobretudo as diferenças étnicas e culturais. Enquanto a cultura nacional era banida, perseguida a cultura estrangeira era desejada e copiada. Utilizando-se da técnica importada, as companhias de dança brasileiras continuavam na busca de se fazer um ballet brasileiro, depois da escola de dança do Theatro municipal do Rio de Janeiro, foi a vez do Ballet do Estado de São Paulo, seguida do Ballet Stagium, no período moderno/contemporâneo, com uma proposta crítica e social indo contra o sistema político brasileiro e o Grupo Corpo, em Belo horizonte, para além de outras companhias que foram surgindo, representando o período contemporâneo. Paralela a essa busca da identidade do brasileiro por meio da dança, uma outra manifestação se erigia na cidade de Salvador, Bahia, onde os negros e mestiços buscavam afirmar sua identidade nacional e para isso utilizaram da música, da dança e do corpo que dança para expressarem sua cultura, sua arte por meio de protestos, movidos por um orgulho racial que surgiu na década de 1970, em um período em que alguns países

75 Capítulo II – Revisão da Literatura africanos postulavam liberdade e deixavam de ser colónia. O corpo na dança, a dança na escola servindo-se do signos, das inscrições presentes nesse corpo que possui a capacidade de se metamorfosear, de acordo com Gil (2005) e Gehres (2001), em um dado momento tornam-se metacorpo ginástico, balético, executor de si mesmo, de se tornar mensageiro, corpo apreciado, possuído, projectado, assexuado, ultrassexuado. Vimos também, como base nos escritos de Marques (2005) que esse mesmo corpo trabalhado na escola expressa-se por meio da dança com diversas finalidades, sejam elas artísticas, sociais e educativas, sendo que esta última passa pela interdisciplinaridade e pela transversalidade de conteúdos, já que a dança praticada nas escolas no Brasil, ainda, não foi assumida por uma disciplina, entretanto tem sido trabalhada de forma multifacetada. Marques levou-nos a questionar quem pode ensinar dança nas escolas, se há recursos humanos e espaço físico para desenvolver tal actividade, se haveria reconhecimento escolar por parte dos docentes e direcção da escola na implantação e execução, uma vez implementada, qual seria seu conteúdo. Estas questões para além de outras é o que tentaremos responder por meio da pesquisa realizada junto ás escolas de Ceilândia-DF.

76 Capítulo III – Metodologia

CAPÍTULO III

3 – METODOLOGIA

Na intenção de respondermos à pergunta inicial do trabalho quanto à finalidade da dança praticada/ensinada nas Escolas Públicas da Cidade de Ceilândia-DF, se como lazer desinteressado ou como ferramenta de promoção social, cultural, histórica e artística, utilizamos a metodologia assentada num modelo eminentemente descritivo e interpretativo, logo qualitativo.

Sendo assim, adentramos no campo da investigação munidos de instrumentos de forma a realizar pesquisa qualitativa baseada em algumas características descritas por Bogdan & Biklen (1994), tais como: “Na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o ambiente principal”. (p.47) Em nosso caso a fonte directa dos dados são os Estabelecimentos de Ensino Público de 1º e 2º graus da cidade de Ceilândia, contexto no qual a dança se desenvolve.

“A investigação qualitativa é descritiva”. (Ibidem, p. 48). Ou seja, a partir do momento que esses dados são expostos e dispostos de forma explicativa, seja por meio de palavras, imagens, quadros ou gráficos engendrando o âmbito em análise, exigirá do investigador um olhar apurado, criativo, sensível e reflexivo para se atingir o escopo desejado; “ O significado é de importância vital na abordagem qualitativa”. (Ibidem. p. 50). Os actos, as palavras, os gestos, os contextos são de grande valia no processo de condução da investigação. A interacção entre investigador e sujeito não deve ser neutra, mas sim dotada de certa cumplicidade para haver significado, pois “para o investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto é perder de vista o seu significado”. (Ibidem, p.48).

77 Capítulo III – Metodologia

3.1- Objectivos

Os objectivos específicos podem ser definidos da seguinte forma: 3.1.1- Identificar e caracterizar as escolas de ensino fundamental e médio de Ceilândia que fazem uso da prática da dança; 3.1.2- Analisar os interesses dos alunos e a finalidade da dança para o corpo docente das Escolas Públicas da cidade de Ceilândia no que concerne a prática da dança; 3.1.3 – Identificar e fundamentar as relações que se estabelecem entre os géneros de danças praticados nas escolas e as origens étnicas e culturais (identidade social) dos alunos e professores, para além da dança como produção de conhecimento.

3.2- Protocolo de actuação

Para que um trabalho de investigação tenha validade junto á comunidade científica, para além de a sua execução vir a ser coroada com êxito, torna-se necessário considerar uma série de procedimentos previamente definidos, testados, aferidos e estruturados com rigor. Para alcançarmos os objectivos formulados, bem como a averiguação da hipótese definida, traçámos um protocolo de actuação com todas as fases de planeamento da metodologia, descritas abaixo, cronologicamente.

1º. Contacto informal com a Divisão Regional de Ensino de Ceilândia do Distrito Federal -DRE-DF, fomos informados da existência de 85 Estabelecimentos de Ensino Públicos na região, palco da investigação proposta; 2º. Verificação das escolas, que, de alguma forma, trabalham com dança, escolas essas escolhidas para o desenvolvimento da referida investigação; 3º. Estabelecimento, a partir dos dados informais, do critério de selecção da amostra relativo à escolha dos alunos e dos professores; 4º. Elaboração do inquérito por questionário com perguntas abertas, de múltipla escolha e mista para ser respondido pelos alunos, elaboração do inquérito por entrevista semi-estruturada aplicada aos professores e direcção das escolas;34

34 Verificar anexos 02 e 03.

78 Capítulo III – Metodologia

5º. Aplicação experimental e aferição dos referidos instrumentos de colecta de dados para garantir a validade de conteúdo, assim como a exequibilidade no tempo previsto antes de serem aplicados à amostra; 6º. Elaboração e entrega do documento informativo à DRE-DF,35 sobre a natureza e objectivos da investigação, com fins de formalização do pedido de autorização para desenvolvê-la junto às escolas escolhidas; 7º. Apresentação pessoal e formal do investigador junto à DRE-DF, para assim formalizar o pedido de autorização para além de explicar a natureza da investigação e sua finalidade; 8º. Apresentação pessoal e formal do investigador junto às escolas que serão alvo das investigações, para formalizar o processo de investigação para além de explicar pessoalmente a natureza da pesquisa e sua finalidade.36 Momento aproveitado para que o investigador também conheça os professores que serão entrevistados; 9º. Definição de data, local e hora para aplicação dos inquéritos juntos aos alunos e às entrevistas com os professores; 10º. Aplicação do inquérito por questionário antecedido pela explicação de preenchimento tomando os cuidados e garantindo as condições necessárias para que todos os inquiridos tivessem as mesmas condições de execução da tarefa. Os procedimentos explicados e aplicados na presença do investigador, assegurando assim maior condição de igualdade para o preenchimento individual do inquérito por questionário e maior eficiência na entrega do mesmo respondido. Em princípio, foi estabelecido um tempo de 40 minutos para o preenchimento do inquérito; 11º. Realização de teste das condições técnicas e ambientais antes da realização das entrevistas com os professores da amostra; 12º. Aplicação das entrevistas com os referidos professores e directores da amostra em local, data e hora previamente definidos; 13º. Realização de teste das condições técnicas e ambientais antes da observação e registo das aulas; tentando reduzir ao mínimo o efeito da presença do observador, dispondo a câmara fora do local de intervenção e em um local seguro;

35 Verificar anexo nº04. 36 Verificar anexo nº05.

79 Capítulo III – Metodologia

14º. Informação e familiarização dos participantes quanto à presença da câmara de vídeo para evitar o efeito surpresa e para que agissem da forma mais natural possível de forma que os fenómenos, que por ventura viessem surgir, fossem espontâneos; 15º. Registo audiovisual das aulas de dança.37 16º. Armazenamento dos dados por meio de recurso material informático para a obtenção de uma base de dados adequada à investigação definida; 17º. Tratamento estatístico dos dados, com a intenção de verificar a hipótese estabelecida; 18º. Análise e conclusões.

3.3- Critério de selecção

O critério de selecção que orientou à escolha da amostra no que diz respeito à recolha de dados por meio de entrevistas ocorreu sobre todos os professores que trabalham com dança nas escolas, para além de um membro da direcção de cada escola. Quanto aos alunos inquiridos por questionário, foram escolhidos de forma aleatória, porém equilibrada entre alunos e alunas, um percentual de 25% (vinte e cinco) o que correspondeu a uma média de 10 (dez) alunos/as por turma.

3.4- Amostra

Depois de um contacto informal feito junta à Divisão Regional de Ensino de Ceilândia – DRE-DF, foram escolhidas 10 (dez) escolas que declararam trabalhar com dança dentre as 85 (oitenta e cinco) escolas existentes na região, conforme quadro apresentado no capítulo que trata da apresentação dos resultados.

37 Não houve registo audiovisual pelo facto de a pesquisa ter sido realizada no início do ano lectivo, não havendo aulas práticas nesse período.

80 Capítulo III – Metodologia

3.5- Instrumentos e métodos

O inquérito por questionário, instrumento elaborado para ser utilizado com os alunos, é composto por uma carta explicação para que o informante se situe acerca do que lhe está sendo solicitado. Compõe ainda o inquérito por questionário itens de identificação do respondente, itens sobre questões a serem respondidas do tipo: sim ou não, abertas, de múltiplas escolhas e mistas. O inquérito por questionário é um instrumento de investigação frequentemente utilizado na psicologia e ciências socais que visa interrogar um determinado número de pessoas tendendo a uma certa generalização, partindo do discurso individual produzido pelo inquirido, discurso esse que constitui o material bruto a ser trabalhado pelo investigador com o auxílio de outros métodos e ferramentas. O somatório das respostas individuais conduzir-nos-á às respostas das questões apresentadas de forma generalizada. Para Ghiglione e Matalon (2005):

O inquérito pode ser definido como uma interrogação particular acerca de uma situação englobando indivíduos, com o objectivo de generalizar. Neste caso, o investigador intervém colocando questões, mas sem intenções implícitas de modificar a situação na qual actua enquanto inquiridor. (pp. 7e8).

De forma mais sucinta e objectiva, Quivy e Campenhoudt (2005) nos diz que um inquérito por questionário consiste em

Colocar um conjunto de inquiridos, geralmente representativo de uma população, uma série de perguntas relativas à sua situação social, profissional ou familiar, às suas opiniões, à sua atitude em relação a opções ou questões humanas e sociais, às suas expectativas ao seu nível de conhecimento ou de um problema, ou ainda sobre qualquer outro ponto que interesse os investigadores. (p.188)

Já o inquérito por entrevista é de carácter exploratório, logo semi-estruturada de forma que as informações necessárias sejam colhidas. O referido instrumento foi aplicado aos professores e membros da direcção das escolas como já foi anteriormente referido;

81 Capítulo III – Metodologia

Considerada ferramenta indispensável para o processo de comunicação, a entrevista exploratória permite ao investigador colectar informações pertinentes para dar respostas às perguntas originadas ao longo do estudo, sobretudo às hipóteses de trabalho dentre outros elementos de análise imprescindíveis que poderão vir a surgir durante a sua aplicação. Esses elementos de análise poderão ser úteis para o desenvolvimento das reflexões que suscitarão durante e depois da sua aplicação, o que, de certa maneira, dará corpo ao trabalho respondendo às questões iniciais. Os conteúdos colectados por meio das entrevistas foram devidamente tratados por meio de análise de conteúdo com a intenção de testar a hipótese inicial do trabalho. De acordo com Bardin (2006):

A análise de conteúdo é um método muito empírico, dependente do tipo de fala a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objectivo. Não existe o pronto- a- vestir em análise de conteúdo, mas somente algumas regras de base por vezes dificilmente transponíveis. Técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objectivo pretendidos tem que ser reinventada a cada momento. (p.26).

Em relação aos instrumentos utilizados tivemos o cuidado de aplicar alguns procedimentos éticos durante suas aplicações na intenção de assegurar e preservar a integridade dos investigados sem expô-los a qualquer risco, conforme Bogdan & Biklen (1994) sugerem, ou seja, tentamos proteger a identidade dos sujeitos inquiridos contemplando o anonimato de todo o material escrito e verbalizado, bem como respeitando- os e informando-os quanto aos meios utilizados para a colecta dos dados.

3.6- Modelo estatístico

Como já referimos, por se tratar de pesquisa de natureza predominantemente qualitativa, os dados, ou seja, o material que se apresenta por meio de quadros e gráficos resultante dos inquéritos por questionário aplicados aos alunos das escolas seleccionadas e as entrevistas aplicadas aos professores e directores dessas mesmas escolas, foram analisados por um ângulo descritivo.

82 Capítulo III – Metodologia

Quanto aos dados quantitativos, estes foram tratados por meio do programa informático Excel tanto para o tratamento dos dados contidos nos inquéritos por questionário aplicados aos alunos, como para os dados contidos nas entrevistas aplicadas aos professores e directores das escolas investigadas. Servimo-nos também do programa informático SPSS para fins de cálculo do desvio padrão da amostra referente aos alunos das escolas investigadas.

3.7- Recursos materiais

Foram utilizados para a execução da pesquisa e recolha de dados os seguintes recursos materiais:

Gravador digital de voz Sony modelo ICD – P320 Câmara de vídeo DVD Canon modelo DC 100 Computador portátil Toshiba modelo Satélite- M70-150 MS Windows XP HE Impressora Multifunções HP modelo PSC 1410.

3.9- Limitações e condicionantes

Podemos destacar algumas dificuldades apresentadas para a realização do presente estudo: ƒ A escassa literatura sobre dança, nomeadamente, dança no sistema educativo brasileiro; ƒ O facto de o investigador estudar num país estrangeiro, fisicamente distante do local onde a investigação se realizou; ƒ A demora na obtenção de informações e dados, uma vez que se tratava de informações advindas, primeiramente, de gabinetes da Divisão Regional de Ensino de Ceilândia; ƒ A mudança de governo na capital federal o que desencadeou momentos de incerteza quanto à ocupação dos cargos comissionados, nomeadamente as Directorias Regionais de Ensino.

83 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

CAPÍTULO IV

4- APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Este capítulo é dedicado à apresentação e discussão dos resultados obtidos após a colecta das informações feitas por meio de entrevistas exploratórias, nomeadamente com professores, directores e coordenadores das escolas investigadas e por meio de inquéritos por questionário aplicados aos alunos com a intenção de responder à pergunta inicial deste trabalho que versa sobre a real finalidade do fenómeno investigado, neste caso, a dança nas escolas públicas da cidade de Ceilândia- DF. Como a “realidade é mais rica e mais matizada do que as hipóteses que elaboramos ao seu respeito, uma observação séria revela frequentemente outros factos além dos esperados e outras relações que não devemos negligenciar.” (Quivy & Campenhoudt, 2005, p. 211), dessa forma partimos para a análise das informações com a intenção de interpretá-las, discuti-las de forma crítica e reflexiva com o escopo de poder sugerir, contribuir com novas reflexões acerca do fenómeno estudado. Para tal, preparamos os dados por meio de descrições e agregações por categorias (temas) colocadas em quadros e gráficos, evidenciando assim as características das diversas variáveis para além de originar um novo dado pertinente às futuras reflexões acerca dos resultados. De forma a validar e qualificar os dados obtidos, utilizamos a estatística descritiva juntamente com a expressão gráfica dos dados como método de exposição dos resultados, contribuindo para as reflexões teóricas imprescindíveis para o fornecimento, sobretudo, das interpretações dos dados, evidenciando a coerência pretendida do estudo.

4.1- A cidade palco da investigação

A cidade palco de nossa investigação, Ceilândia-DF, nasceu há 36 anos, em 27 de Março de 1971 como solução de um grave problema gerado pelas invasões habitacionais que se alastravam por toda a recém criada capital federal. Brasília passou a ser vista como uma cidade promissora atraindo representantes de diversas regiões do Brasil,

84 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

principalmente do nordeste, do norte e do centro oeste do País, todos em busca de melhores condições de vida. De acordo com Adírson Vasconcelos38, na década de 1970, Brasília contava com uma população de mais de 100 (cem) mil pessoas vivendo em condições precárias e a solução encontrada para minimizar o problema que se alastrava foi a criação da Campanha de Erradicação Das Invasões (CEI) que em Março de 1971 efectuou a primeira remoção de famílias para o local que passou a se chamar Ceilândia, junção do acrónimo CEI com Lândia, termo baseado na palavra “land”de origem anglo-saxónica, para significar cidade, num período que o uso da referida palavra encontrava-se em voga (Lopes, 2001). Medidas como essa já tinham sido adoptadas em outras cidades do Brasil, já relatada no início desse trabalho, sobretudo no Rio de Janeiro, justo no período em que a cidade era a sede do poder. Depois de mais de três décadas desde a sua fundação, Ceilândia apresenta, ainda, uma série de problemas, nomeadamente o desemprego, a violência, deficiências educacionais e médico-hospitalares. A cidade possui mais de 332.455 (trezentos e trinta e dois mil e quatrocentos e cinquenta e cinco) habitantes, representando mais de 16% (dezasseis) da população do Distrito Federal, destacando-se como a cidade mais populosa. O universo sociocultural é bastante característico marcado pelas fortes influências das regiões norte e nordeste, mesclado com alguns costumes do centro oeste. É evidente a predominância dos costumes nordestinos percebidos na fala, carregada por léxicos típicos da região, na alimentação, nos hábitos, manifestações socioculturais e religiosas tal qual a feira livre de Ceilândia, o forró comunitário, hoje estendido às festas juninas realizadas em homenagem aos Santos aniversariantes do mês de Junho que são: Santo António, São João e São Pedro. Ainda no que diz respeito à cultura, a cidade dispõe de diversificadas infra- estruturas nomeadamente: • 01 (uma) biblioteca pública; • 02 (dois) espaços culturais;

38 Adírson Vasconcelos é jornalista, historiador e advogado, foi presidente do Instituto histórico e Geográfico do Distrito Federal, autor do livro: “Cidades-Satélites de Brasília” (1990).

85 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

• 01 (um) museu; • 02 (dois) clubes particulares; • 14 (catorze) praças públicas; • 48 (quarenta e oito) quadras de desporto; • 02 (dois) ginásios polidesportivos; • 01 (um) estádio de futebol; • 50 (cinquenta) campos de futebol society e • 48 (quarenta e oito) campos de futebol amador. Quanto aos aspectos educacionais, Ceilândia possui 85 (oitenta) escolas públicas, sendo: • 02 (dois) jardins-de-infância e Escolas Classe simultaneamente; • 55 (cinquenta e cinco) Escolas Classe que atende às crianças desde a fase pré- escolar à 4ª série (1º e 2º ciclos); • 17 (dezassete) Centros de Ensino Fundamental (3ªe 4ª ciclos); • 08 (oito) Centros de Ensino Médio (2º Grau); • 01 (um) Centro de Ensino Especial para crianças com necessidades especiais; • 01 (um) Centro Interescolar de Línguas (CILC); • 01 (um) Centro de Educação para o Trabalho. • 05 (cinco) Escolas conveniadas e • 44 (quarenta e quatro) Escolas particulares.

4.2- As escolas escolhidas

Por meio de sondagem informal realizada no mês de Outubro de 2006 junto à Divisão Regional de Ensino de Ceilândia fomos informados que dentre as 85 escolas públicas da cidade, 10 desenvolviam actividades com dança, requisito básico para se fazer parte de nossa investigação. Depois de identificarmos as escolas que atendiam às nossas expectativas, seguimos o protocolo de actuação, fazendo o pedido formal e pessoalmente junto à Divisão Regional de Ensino de Ceilândia no dia 23 de Fevereiro de 2007 para actuarmos junto às escolas seleccionadas e logo em seguida, fazermos o pedido formal e pessoal junto às

86 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

mesmas para realizarmos entrevistas e aplicarmos inquéritos por questionários para professores/directores e alunos respectivamente. Das 10 (dez) escolas visitadas, 09 (nove) confirmaram trabalhar com dança de alguma maneira. Neste sentido, apresentamos um quadro síntese da caracterização das escolas investigadas, em que se destaca não só o elevado número de alunos por escolas, bem como algumas formas de danças preferenciais. Quadro nº 01 – Caracterização das escolas investigadas Escolas Ensino Número Forma de Tipo de Professor/disciplina oferecido de alunos dança actividade responsável Escola classe 1º ao 4º 850 Géneros Professor de actividades nº 02 ano variados Interdisciplinar Ed. infantil Escola classe 1º ao 4º 910 Folclórico Professor de actividades nº 44 ano Interdisciplinar Ed. infantil Escola classe 1º ao 4º 927 Hip Hop Professor de actividades nº 17 ano Interdisciplinar Ed. infantil Ensino 5º ao 8º Professor de fundamental ano 1.250 Hip Hop Extra classe Educação Física nº 13 Ensino 5º ao 8º fundamental 1ºao3º ano 1.320 Quadrilha Extra classe Direcção da escola nº 17 ensino Axé médio Ensino 5º ao 8º 1.134 Folclórica Coordenadora fundamental ano Regionais Extra classe pedagógica e nº 18 Hip Hop Professora de Arte Ensino 5º ao 8º 1.246 Street Dance Professor voluntário fundamental n ano Extra classe (amigo da escola) º19 Ensino médio 1º ao 3º 1.150 Hip Hop Extra classe Professora de Educação nº 03 ano ensino Ritmos Física médio variados Ensino médio 1º ao 3º 1.275 Folclóricas nº 10 ano do Regionais Interdisciplinar Professor de história ensino médio

87 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

As danças de rua, nomeadamente, o hip hop e as danças tradicionais apresentam-se como as mais praticadas dentro das escolas, a primeira deve-se ao facto de a cidade apresentar uma parcela da sociedade significativamente jovem, tendo em vista o número elevado de alunos matriculados nas escolas descritas acima. Esses jovens adoptaram o modelo vigente das comunidades jovens urbanas espalhadas por todo o globo, na qual reproduzem, adaptam, criam e desenvolvem signos e significados conforme pensam, sentem e agem. Já a segunda, as danças tradicionais, embora também passem por adaptações e criações, são transmitidas por hereditariedade, visto que são manifestações presentes desde as gerações passadas, adaptadas para a época vigente, para além do lugar na qual essas se manifestam, nesse caso, a cidade de Ceilândia, localizada na periferia da mais jovem cidade, construída para ser a Capital Federal, Brasília.

4.3- Os discursos produzidos

Com base nas palavras de Bardin (2006), iniciamos a nossa análise de conteúdo das entrevistas realizadas com os profissionais da área de educação das escolas públicas de Ceilândia investigadas, levando em consideração as regras de base. Entretanto, criámos uma grelha39 onde dispusemos as perguntas correlacionadas com as respectivas respostas e seus respondentes de modo a facilitar a identificação. Dessa forma pudemos visualizar as várias verbalizações dos entrevistados e agrupá-las, em um segundo momento, por grupos correlatos, o que nos deu condições de gerarmos os temas a serem trabalhados por meio de reflexões e inferências.

4.3.1 – A fala dos professores

Foram entrevistados 18 (dezoito) profissionais da área de educação entre professores, directores, coordenadores e secretários das escolas escolhidas como objecto de nossa investigação. Em princípio foram solicitados a falar acerca de suas formações académicas, profissões e funções que ocupam actualmente dentro das escolas, para além do tempo de serviço. A intenção da pergunta foi ficarmos a par da formação dos profissionais

39 Verificar anexo nº 06

88 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados em relação às actividades que executam. No final, perguntámos qual era a vivência e formação em dança dos entrevistados, que em princípio ficou decidido que seria uma pergunta feita apenas para os professores. Contudo no decorrer da aplicação das entrevistas resolvemos fazê-la a todos por acharmos que as informações colectadas seriam pertinentes, pois nos ajudariam a revelar factos contidos nas entrelinhas das demais respostas.

4.3.2- Das recordações às reclamações.

Todos, sem excepção, quando questionados acerca da vivência e formação em dança reponderam não ter nenhuma. Alguns demonstraram paixão pelo que fazem baseados em suas vivências pessoais advindas dos costumes familiares, dos momentos de interacções sociais presentes no âmbito familiar desde a infância. Eis alguns recortes discursivos dos entrevistados que ilustram estes momentos:

Minha família é do interior do Goiás, então eu convivi muito visitando parentes, com a questão do forró, da música sertaneja, moda de viola, onde eu convivi mais. A questão de quadrilha está inserida muito na minha família.40

Desde de criança eu sempre adorei a dança, eu lembro de épocas de grupo de rua eu sempre fui muito fascinado por isso.41

Embalados pela pergunta, alguns entrevistados acabaram trazendo seus sentimentos, seja de saudosismos ou frustrações quando rememoraram períodos em que a dança passou a fazer parte de suas vidas, relataram seus desejos de ter aprendido dança de forma mais eficaz, mais profissional e não terem seus sonhos concretizados, absorvendo-os de outra maneira ou ainda, conformando-se com o facto de não terem podido concretizá- los.

É uma coisa que está em mim, né? Eu nunca fiz dança, tive sempre vontade de fazer dança, mas eu nunca entrei em nenhuma instituição para aprender dança, vem mais pelo instinto mesmo.42

40 Recorte discursivo do entrevistado nº 9 41 Recorte discursivo do entrevistado nº 8 42 Recorte discursivo do entrevistado nº 6

89 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Em dança…eu sou frustrada (risos). Quando eu era criança, meu sonho era fazer balé, desde pequena… A minha experiência vem de casa, eu e o disquinho. Eu e minha prima, a gente inventava coreografias e dançava no dia das mães, no dia dos pais, dançava para todo mundo da família.43

Apesar de não terem formação em dança, alguns dos entrevistados justificaram suas práticas baseados nas experiências vivenciadas durante o período de licenciatura, seja no curso de Arte ou de Educação Física, como podemos verificar nos discursos descritos abaixo.

Na faculdade a gente vê as danças, o balé, a área de expressão corporal durante um semestre, tudo muito rápido, tenho apenas a noção.44

Nunca fiz, nunca fui bailarina… Minha formação de ser professora de Educação Física veio do atletismo, de dança vem do que eu vejo, observo....eu sempre crio em cima daquilo que vejo, tento melhorar e nunca faço a mesma coisa.45

Verificamos por meio das respostas que os sujeitos entrevistados não possuem o conhecimento sistematizado em dança e que suas práticas estão voltadas para o conhecimento adquirido através das suas próprias vivências empíricas, nomeadamente, no âmbito familiar, onde a tradição, os costumes e valores foram passados, assimilados pelo processo de incorporação de comportamentos e conhecimentos cognitivos e motores, ou seja, a incorporação da cultura por meio de seus próprios corpos. Para Daolio (2005) é “mais que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo cultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões.” (p.40). Apesar de o terem instalados em seus corpos esse conjunto de expressões culturais e de o fazerem com vontade, profissionalismo e dedicação, Marques (2005) afirma que “ o professor que ensina dança nas escolas públicas ainda é um solitário buscando caminhos e fazendo o que sabe e o que pode…sem assessoria, orientação, acompanhamento”. (p.103). Percebemos na fala de muitos entrevistados essa necessidade em se buscar auxílio por parte de profissionais com formação, a grande maioria dos entrevistados vêem a formação profissional como um dos factores limitadores da prática da dança nas escolas, seguido da falta de espaço físico adequado, assim como de factores políticos e económicos.

43 Recorte discursivo do entrevistado nº16 44 Recorte discursivo do entrevistado nº 13 45 Recorte discursivo do entrevistado nº 15

90 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Esses factores configuram-se como o tripé limitador da prática da dança nas escolas públicas de Ceilândia – DF e por isso, não podemos analisá-los separadamente, visto que um está ligado directamente ao outro, o que pode ser verificado tanto na fala dos entrevistados como no gráfico apresentada logo abaixo.

Poderia ser mais aprofundado? Poderia se tivesse um profissional mais capacitado. Acho que isso falta na SEDF. 46

Acho que tem a ver muito com política, gastos, o governo pensa em reduzir gastos. Até os laboratórios, os projectos que tem a escola eles querem cortar, porque acham que professor é na sala de aula, e sala de aula é quadro e giz, não é dançar, não é se expressar, não é fazer arte.47

Os alunos também corroboraram com as opiniões dos profissionais de educação quando expuseram seus pontos de vista acerca dos factores que limitam a prática da dança nas escolas evidenciados pelos recortes discursivos abaixo.

Que tivesse mais ajuda do governo, os custos ficam todos com os diretores.48 Seria bom se tivéssemos melhores condições pra isso, e um professor qualificado.49

N=18

100% 90% 83,3% 80% 70% 60% 50,0% 50,0% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Formação do Professor Espaço físico e material Político/económico

Gráfico nº 01 – Factores que limitam a prática da dança.

46 Acrónimo de Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEDF. 47 Recorte discursivo do entrevistado nº 17 48 Recorte discursivo do aluno nº 38. 49 Recorte discursivo do aluno nº 79.

91 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

As entrevistas revelaram que, para além de o profissional que trabalha com dança nas escolas não possuir formação específica, não há um espaço físico adequado para a prática e desenvolvimento dos projectos, tampouco possuem apoio político e económico para o desenvolvimento desses projectos, ou seja, presencia-se a ausência do ideal educativo já relatado no capítulo que versa sobre a revisão de literatura. Essa ausência de ideal pedagógico pode ser notada dentro das próprias escolas que acabam por reproduzir as atitudes do sistema no qual se encontram subordinadas. O que queremos exprimir é que, das 9 (nove) escolas investigadas, a dança como conteúdo, faz parte da proposta pedagógica de apenas 4 (quatro), enquanto as outras apenas é permitida a sua prática, isto é, como relatou Marques (2005), o professor, na sua prática docente torna-se um solitário, fazendo o que pode e o que sabe, sem um respaldo oficial da escola, notadamente, da direcção e do corpo docente, mesmo cientes de que a dança, como conteúdo, pode e deve fazer parte das disciplinas Arte e Educação Física, conforme expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998).

4.3.3- O lugar da dança nas escolas

Quanto a este aspecto que trata da disciplina que deve ou pode ensinar dança nas escolas, conforme foi exposto no Quadro nº 01 que trata da caracterização das escolas, no início deste trabalho, podemos perceber que a dança nas escolas públicas de Ceilândia encontra-se em diversas disciplinas, não só na Arte ou na Educação Física, mas também na História, nas actividades extra classes ministrada por professores voluntários, usualmente conhecidos como “amigos da escola”, quando não ministrada pelos próprios alunos sob a coordenação do professor, já que este, por não possuir a habilidade prática, delega competência para aquele ou aqueles alunos que a possui. Sendo assim, quisemos saber dos sujeitos entrevistados em qual disciplina a dança deveria ser ensinada. Uma questão eminentemente simples de ser respondida se levássemos em consideração os elementos que compõem a dança e o que está estabelecido nos PCN’s acabou por causar incertezas em alguns entrevistados. A primeira concepção de dança era a que vinha à tona, geralmente, aqueles que viam a dança como movimento, ritmo, por ser uma actividade aeróbica que queimava calorias, ou viam-na como representação,

92 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados encenação, arte, ou ainda como algo socialmente desenvolvido podendo estar inserida em qualquer disciplina. Após reflexões acerca do assunto, os resultados apresentaram-se conforme gráfico abaixo, elegendo, de forma maioritária, o casamento da Arte com a Educação Física como as disciplinas que devem ensinar dança nas escolas. Desta forma, caracterizam-se os elementos da dança presentes na Educação Física, desenvolvida sob a forma de cultura de movimento e na Arte desenvolvida como educação estética, conforme consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), já citados anteriormente.

N=18

Arte; 11,1%

Ed. Física; 16,6% Arte e Ed. Física; 44,4%

Todas as disciplinas; 27,7%

Gráfico nº 02 – Disciplinas que deveriam ensinar dança.

Entretanto, não podemos deixar de comentar os valores que dizem respeito ao ensino da dança em todas as disciplinas. Por ser vista por alguns profissionais da educação como um atractivo para os alunos, a dança, para eles, acaba por fazer parte de outras disciplinas que não a Arte e Educação Física, como já nos referimos. Para Marques (2005), o facto de a dança ter sido deixada a cargo de professores de Pedagogia, Educação Física e Educação Artística, fez com que essa se tornasse “escolarizada e descaracterizada enquanto arte” (p.36), embora a autora considere que o trabalho com os temas transversais na área de dança incluídos pelos PCN’s tenha ligação com outras disciplinas que fazem parte do currículo, nas quais o corpo também é um dos principais eixos de articulação e trabalho, nomeadamente, a Educação Física, as ciências Naturais, a História e a Geografia, pois “na dança também estão contidas as possibilidades de compreendermos, desvelarmos, problematizarmos e transformarmos as relações que se estabelecem em nossa sociedade entre etnias, gêneros, idades, classes sociais e religiões. (Ibidem, p. 38).

93 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

O factor interdisciplinar passa a ser o mote da dança nas escolas utilizado por diversos professores das diversas disciplinas como meio para avaliar o nível de assimilação do conteúdo trabalhado, ou ainda como meio de enxergar a realidade que se assenta nas sociedades através dos temas transversais tais como meio ambiente, orientação sexual, ética, pluralidade cultural, saúde, trabalho e consumo.

4.3.4 – Para que serve a dança nas escolas?

Acerca da resposta dos entrevistados quanto à pergunta que versava sobre a finalidade da dança nas escolas, depois de um reagrupamento prévio, percebemos que os temas socialização, desenvolvimento artístico/cultural e liberdade apareceram de forma equilibrada evidenciando o escopo maior da prática da dança nas escolas. Apesar de o tema socialização ter sido o mais frequente no discurso dos entrevistados, que vêem a dança como um meio para estabelecer interacções entre alunos, professores e servidores das escolas, para além do envolvimento com a comunidade local que, de alguma forma, acaba por participar da vida escolar dos alunos, não podemos deixar de levar em consideração os demais, particularmente o tema liberdade, visto que, nos discursos de alguns entrevistados percebeu-se de pronto a necessidade de se utilizar a dança como forma de se melhorar a auto-estima dos alunos, ou seja, o amor próprio, a valorização de si mesmos, enfim, a superação de seus próprios limites. Para os sujeitos entrevistados, os alunos têm sofrido de baixa estima. Trata-se de alunos que moram na periferia da cidade e que são, constantemente, segregados pelas barreiras sociais impostas. Quanto a esse aspecto da segregação do corpo do brasileiro, Medina (1990) denominou de “Corpo-Marginal: corpo de milhões e milhões de brasileiros, excluídos ou afastados dos bens e benefícios materiais e culturais gerados pelo nosso modo de produção capitalista”. (p.84). De certa maneira, verificando a fala dos sujeitos entrevistados e fazendo um paralelo com a fala de Medina, podemos dizer que os temas socialização, liberdade e desenvolvimento artístico e cultural se sobrepõem de forma que podemos deduzir que o interagir (socialização), o trabalhar a auto estima (liberdade) e o se expressar corporalmente (desenvolvimento artístico e cultural) são aspectos que devem ser desenvolvidos nos alunos para a garantia de condições sociais dignas, para além dos bens e benefícios materiais e

94 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados culturais. Corroborando com a fala de Medina, percebemos nos discursos dos entrevistados, a necessidade em banir os sintomas psicossomáticos presentes nos corpos dos alunos.

Temos uma clientela que tem uma baixa auto-estima muito grande e alguns alunos problemáticos, e ai a gente tentou e foi uma coisa que deu certo, pegar esses alunos e trazer para o grupo de dança.50

Muitas vezes a criança é retraída na sala, ela tem dificuldade de se expor oralmente, se apresenta muito tímida e essas características dificultam na alfabetização.51

N=18

desenvolv. artístico/cult.. 61,1% Liberdade 55,5%

Socialização 66,6%

Gráfico nº 03 – Finalidades da dança na escola

Em termos numéricos, podemos perceber em ambos os gráficos o destaque para o aspecto social da dança, mesmo no gráfico abaixo, depois de uma reclassificação, na qual expusemos todas as formas de respostas, como estas se apresentaram, de acordo com a fala dos entrevistados, o tema socialização sobressaltou-se em relação aos demais aspectos, confirmando-se como o factor mais importante, de acordo com as opiniões do sujeitos inquiridos, para além de demonstrar o papel social que a dança desempenha.

50 Recorte discursivo do entrevistado nº 9 51 Recorte discursivo do entrevistado nº 1

95 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Liberdade, socialiazação e 27,8% desenvolvimento art/cult. socialização

Desenvolvimento art./cult. 22,2% Liberdade e socialização

N=18 Liberdade e desenv. Art./cult

16,6% Socialização e desenvolvimento art/cult. Liberdade 11,1% N=total de entrevistados 11,1% 5,5% 5,5%

Gráfico nº 04 – Reagrupamento das finalidades da dança na escola.

Sendo assim, a dança como significado sociocultural foi definida pelos entrevistados de forma equilibrada sob dois aspectos: a interacção entre alunos, professores, funcionários da escola, pais e ou responsáveis, assim como quanto ao resgate cultural. Quanto ao primeiro, a interacção, podemos classificá-la em níveis diferenciados de acordo como as relações/interacções que se estabelecem e que podem ser observadas. São elas: a necessidade de convivência, caracterizada pelo acto de se estar juntos, conversar, respeitar o outro e suas diferenças; a necessidade de vivência, caracterizada pela participação da vida escolar e comunitária, possibilitando a participação efectiva dos alunos e da comunidade nos assuntos ditos da escola, estimulando e desenvolvendo o protagonismo juvenil ao estabelecer uma relação de co-responsabilidade entre professor e aluno, resultando em uma acção conjunta; para além da identificação dos princípios ideológicos, caracterizado pelo projecto político da comunidade que a escola, como um todo, tende a participar pelo facto de esta fazer parte daquela. Para Demo (1988), esses procedimentos podem ser desenvolvidos individualmente ou ainda através de diálogos partindo de uma conversa informal até os debates organizados, seja no plano individual ou comunitário.

96 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=18

Resgate à Interacção cultura 50% 50%

Gráfico nº 05 – Significado sociocultural da dança.

Quanto ao segundo aspecto, percebemos que a diversidade cultural do Brasil continua sendo tema de estudos, debates e pesquisas nos vários segmentos da sociedade brasileira, inclusive no âmbito educacional. Os conflitos étnicos, internos e externos, sobrepuseram-se ao mito da democracia racial que perdurou por décadas, mascarando a realidade sociocultural do País, colocando-a em segundo plano. O resgate à cultura aparece como forma de valorização, respeito e afirmação, principalmente do negro e do índio, protagonistas ofuscados pela própria história. Passa também pela necessidade de resgate de brincadeiras e jogos, danças e cantigas de roda que com o desenvolvimento e modernização dos centros urbanos, foram se perdendo, dando lugar aos jogos electrónicos, às actividades isoladas, ao individualismo, característica do mundo globalizado. De acordo com as respostas dos entrevistados, a dança aparece como meio de integração, união e respeito, para além do resgate cultural do brasileiro. Entretanto, apesar da importância que os temas relatados apresentam, indispensáveis para serem trabalhados no âmbito educacional, principalmente dentro das escolas de primeiro e segundo graus, constata-se que os projectos de dança nas escolas públicas de Ceilândia investigadas, pouco fazem parte da proposta político pedagógica, configurando-se mais como uma prática permitida. Independentemente de a dança fazer parte dos Projectos Pedagógicos das escolas, perguntamos aos entrevistados qual deveria ser o seu conteúdo. As respostas corroboram com que foi exposto nos gráficos nº 03,04 e 05, revelando uma certa coerência dos

97 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados discursos que, também, contempla o objectivo geral e a hipótese apresentados, no início deste estudo. Entretanto, isto não significa que é o que está sendo aplicado nas escolas, visto que, há um vão que separa a teoria da prática, nomeadamente os factores expostos anteriormente que dizem respeito à falta de um profissional habilitado, espaço físico adequado e apoio político/económico. Através dos discursos produzidos, na sua maioria, percebemos que o conteúdo da dança nas escolas deve ir além da mera reprodução dos diversos géneros presentes na vida dos alunos, visto que é papel da escola construir conhecimentos contando com a participação efectiva dos alunos e não somente reproduzi-los. De acordo com os PCN de Arte (1998), a escola tem condições de prover auxílios tanto práticos quanto teóricos para que as danças criadas ou aprendidas no ambiente escolar possam “contribuir na formação de indivíduos mais conscientes de seu papel social e cultural na construção de uma sociedade democrática”. (p.71). Definido maioritariamente pelos entrevistados como ferramenta social, cultural e artística, como podemos ver no gráfico abaixo, o conteúdo da dança, poderá ser trabalhado como forma de conhecimento, fornecendo aos alunos condições para que estes possam compreender e desvelar relações que se estabelecem entre corpo, dança e sociedade, principalmente dentro do seu contexto cultural plural e multifacetado. Entretanto, para se alcançar tais conhecimentos, torna-se necessário ter noção de si próprio, se auto conhecer, ter noção de seus próprios limites.

N=18

Auto conhecimento; 22,2% Ferramenta social, artística e cultural; 55,6%

Lazer; 22,2%

Gráfico nº 06 – Conteúdos da dança nas escolas.

98 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

O auto conhecimento também aparece como uma opção de conteúdo da dança nas escolas o qual deve ser encarado e trabalhado não só na dimensão neurofisiológica como também na dimensão sociocultural, juntamente com o lazer, que para alguns entrevistados, a dança, por se tratar de algo prazeroso e espontâneo, não deve ter conteúdo como as demais disciplinas, pois perderia o seu carácter lúdico. A dança na escola deveria ser só para diversão e relaxamento, não como estudo, disciplina mesmo, com conteúdo, com essas coisas, não.52

Esta é uma visão totalmente contrária ao que versa nos PCN de Arte (1998) quando este diz que ainda é frequente, no senso comum, perceber a dança como puro divertimento, descontextualizada de mensagens culturais, sendo utilizada, na maioria das vezes, nas datas comemorativas e nos festivais reproduzindo modelos veiculados pela televisão, sem se importar com os factores socioafectivos e culturais presentes, “eximindo os professores de qualquer intervenção para que a dança possa ser dançada, compreendida de maneira crítica e construtiva”. (Ibid., Ibidem). Quanto a esse aspecto, alguns alunos quando inquiridos acerca da dança na escola, posicionaram-se contrário à mesma, seja como conteúdo, seja como disciplina, por acharem que a dança aplicada de forma “obrigatória” não seria tão prazerosa como ela é desenvolvida de forma livre, como lazer desinteressado.

Odiaria dança como aula obrigatória…Penso que não é o mais importante a se fazer na escola.53 A dança opcional só faz bem aos praticantes, quando obrigada, a escola pode fazer com que os alunos tomem raiva da dança.54

A dança como vem sendo aplicada nas escolas, por um profissional não habilitado, com falta de recursos físicos e materiais, consequentemente sem o apoio político e económico, pode dificultar o trabalho criativo em sala de aula, levando os próprios alunos, que de certa maneira, apreciam a arte de dançar, a “odiarem” dança.

52 Recorte discursivo do entrevistado nº 4 53 Recorte discursivo do Aluno nº 85 54 Recorte discursivo do Aluno nº 86

99 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Veremos a seguir o que esses alunos gostam pensam, sentem e expressam quando dançam, o que e onde dançam, como conheceram as danças que dançam e o que sabem acerca delas, para além de suas predilecções quanto à dança e educação física.

4.4- O perfil dos alunos inquiridos

Dando continuidade ao nosso escopo de verificar a hipótese para além de responder a nossa pergunta inicial trataremos os dados dos inquéritos conforme fizemos com as entrevistas utilizando dados quantitativos e qualitativos. Salientamos ainda que, foi concedida uma maior ênfase aos valores que se mostraram mais produtivos e pertinentes no que diz respeito ao objectivo deste trabalho, contudo, não deixamos de analisar outros valores que por ventura vieram a nos oferecer dados que nos remetessem às contradições ou confirmações dos discurso dos sujeitos inquiridos. Das 9 (nove) escolas investigadas conseguimos aplicar inquéritos em 7 (sete) delas, o que representou um número de 95 (noventa e cinco) alunos. O motivo da não aplicação dos inquéritos às outras duas escolas ficou a dever-se ao facto de os alunos não terem habilitações literárias suficientes por estarem nas séries iniciais, o que dificultaria o preenchimento do mesmo. Verificamos que o intervalo de idade dos alunos inquiridos ficou entre 08 a 28 anos, ou seja, uma média de 15,6 anos com um desvio padrão de 3,22. Quanto ao sexo, 64 inquiridos (67,4%) são representantes do sexo feminino, representando uma média de 14,7 anos e um desvio padrão de 3,28. Já os 31 inquiridos (32,6%) são representantes do sexo masculino, representando uma média de 17,6 anos com um desvio padrão de 2,05. A série escolar varia entre a 3ª série (2º ciclo) ao 3º ano (finalistas) do ensino médio/secundário. 55

4.4.1- Do gosto dos alunos inquiridos

Com a intenção de nos inteirarmos quanto aos interesses e gostos dos alunos inquiridos, para além de fazermos uma relação com o recorte discursivo dos mesmos

55 Verificar anexo nº 07

100 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados citados acima, quando expressaram que odiariam dança obrigatória na escola por acharem que há algo mais importante a se fazer, iniciamos o inquérito perguntando qual a disciplina escolar que mais lhes interessavam e a que mais gostavam para a partir daí partirmos para as questões da dança na escola. Quanto à primeira questão decidimos trabalhar com as quatro variáveis que mais se evidenciaram, o que resultou na seguinte configuração conforme expressa o gráfico abaixo:56

100% N=95 90% 80% 70% Mais importante 60% Mais gostam 47,40% 50% 40% 30% 22,7% 20% 18,6% 20% 16,8% 8,40%7,4% 10% 5,30% 0% Português Matemática História Ed. Física

Gráfico nº 07 – Disciplinas mais importantes e que mais gostam.

Podemos perceber que as disciplinas mais importante para os inquiridos são, na ordem de preferência, Português, Matemática, História e Educação Física. A importância atribuída pelos inquiridos à disciplina de Português está directamente ligada ao nível de necessidade da fala, da escrita e da leitura, ou seja, a importância em se estabelecer uma comunicação, nomeadamente, por meio da linguagem linear, verbal. Ao justificarem a importância da disciplina de Língua Portuguesa, atentaram-se, sobretudo, aos factores profissionais e académicos que, por acaso vivenciarão, especialmente, no que diz respeito aos concursos públicos e vestibulares, para além de entrevistas de emprego. O mesmo acontece com a disciplina de Matemática, quando afirmam que esta é importante para garantir um espaço no mercado de trabalho e para os exames dos vestibulares.

56 Verificar anexo anexo nº08.

101 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

A disciplina de História é tida como importante por possibilitar o resgate das origens do país e do mundo, o resgate das diversas culturas, enquanto a disciplina de Educação Física é vista, pela amostra em estudo, como importante por ajudar a manter a auto-estima, a liberar energia e, por possibilitar aos alunos um ambiente diferente de aula, ou seja, fora das salas de aula convencionais. Há mesmo uma certa inversão de valores quando a pergunta passa a ser a disciplina que mais gostam, em que a Educação Física aparece como a mais votada por acharem as aulas divertidas, estimulantes, por aprenderem se divertindo, por ser bom para a saúde. Daolio (2005) chama atenção para a especificidade apresentada pela Educação Física, que, em alguns casos chega a ter o perfil de uma disciplina caracterizada pelo “não-curricular”, pelo “diferente” em relação às outras disciplinas escolares. A disciplina de Matemática mantém-se na mesma colocação seguida das disciplinas de Português e História. Ainda, acerca do gosto pessoal, fornecemos-lhes diversas opções de actividades que poderiam vir a praticar em seu tempo livre, conforme exposto no gráfico abaixo.57

N=95

100% 90% 89,5% 80% 70% 65,3% 61,1% 60% 54,7% 50% 43,1% 41,0% 40% 32,6% 30% 20% 10% 0% r t . * ca a e rte tro tr s si nç rn o a ec tro ú a te sp /te el u r m D /in E a s O vi or em go u ad in jo O ut C t./ p pu m m Co o C Gráfico nº 08 – Actividades que gostam de praticar no tempo livre.

As actividades relatadas em outros foram: ler (7,4%), namorar (5,2%), brincar (4,21%), dormir (3,1%), passear com a família (3,1%). Serviço voluntário, escrever, assistir Tv., comer, conversar com os amigos cada um com (2,1%) e pintar, descansar, completar palavras cruzadas, frequentar festas, grafitar, sair, caminhar, tendo cada uma (1%).

57 Verificar anexo nº09

102 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Quanto às actividades que os alunos inquiridos gostam de fazer no tempo livre, é nítida a preferência pela prática das actividades correlatas ouvir música e dançar, mais que despender tempo na frente do computador acessando a Internet ou ainda na prática de desporto. Fica corroborado no gráfico abaixo que demonstra que 76 (setenta e seis) dos 95 (noventa e cinco) alunos inquiridos gostam de dançar e expressam os motivos pelos quais o fazem.58

N=76

Manifestação Mostrar- artística e se/Exibir-se cultural 7,9% 14,4%

Actividade física 13,1% Prazer/ Liberdade 77%

Gráfico nº 09 – Porquê gostam de dançar

Os valores prazer/liberdade destacam-se como sendo os motivos pelos quais os alunos gostam de dançar, visto que para eles é uma actividade divertida, que denota alegria, bem-estar, contentamento. É o que os fazem sentirem-se livres, libertos dos problemas pessoais e do mundo, é quando se tornam plenos, melhoram a estima por si próprios. Recorrendo mais uma vez aos estudos de Gehres (2001), aqui podemos perceber e corroborar com a autora no que se refere aos significados da dança e dos corpos que dançam. No caso dos valores prazer/liberdade, podemos relacioná-los com a “dança como transcendência ou dos corpos possuídos” (p.96), ou seja, o deslocar-se no tempo e no espaço, diferente da situação real. Ainda de acordo com a autora, podemos fazer a relação dos valores mostrar-se/exibir-se com o que ela chama de “dança como espectáculo ou dos corpos apreciados” (p. 94); actividade física com “dança como actividade física ou dos corpos ginásticos (p. 81) e manifestação artística e cultural com “dança como

58 Para mais informações acerca dos gráficos 8,9 e 10 consultar anexo nº 10.

103 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados conhecimento ou dos corpos apreciadores” (p. 98), caracterizando-se como condições do corpo fractal (Cunha e Silva, 1999). O estudo revelou-nos também que há aqueles alunos que por falta de habilidade, por não dominarem certos movimentos e ritmos, por não conhecerem outros géneros, limitam- se a apreciar e praticar apenas o que dominam, conhecem e reconhecem como dança. Como pode ser visualizado no gráfico abaixo, os que se enquadram no valor: selectivos, demonstraram gostar mais ou menos de dança e justificaram tal posicionamento ao expressarem interesses apenas pelos géneros de sua preferência, ou seja, só gostam de dançar se for a dança de seu agrado, ao seu modo, no seu tempo, com a pessoa escolhida e quando lhes apetecem.

N=13

Falta de habilidade Selectivos 46,1% 53,9%

Gráfico nº 10 – Porquê gostam mais ou menos de dançar.

Os que alegaram falta de habilidades justificaram gostar mais ou menos de dança por não saberem dançar muito bem, por não terem coordenação motora e por timidez, entretanto, torna-se importante ressaltar que, apesar da falta de habilidade apresentada pelo grupo, isto não se tornou motivo para que se privassem de dançar, de se expressarem corporalmente, mesmo não sendo da maneira como gostariam que fosse.

Porém, há os que não gostam de dançar e não o fazem pelo mesmo motivo dos que gostam mais ou menos, ou seja, por falta de habilidade, para além da falta de interesse em dançar por acharem que dançar não é importante, conforme nos mostra o gráfico abaixo.

104 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=5

Falta de interesse 20%

Falta de habilidade 80%

Gráfico nº 11 – Porquê não gostam de dançar.

4.4.2- Onde dançam? O que dançam?

Decerto que a dança é uma actividade presente na vida dos alunos inquiridos, tendo em vista o percentual daqueles que se identificaram com ela, conforme evidenciado anteriormente. Para além de termos perguntado se gostavam de dançar, perguntámos-lhes também se dançam ou já dançaram de forma regular, em que local. Os gráficos que seguem (nº11, 12 e 13) nos apontam os resultados.59

N=95

100%

80%

60% 45,3% 45,3% 40%

20% 4,2% 5,2% 0% Dança Já dançou Não dança Sem resposta

Gráfico nº 12 – Quem dança ou já dançou regularmente.

É bastante significativo o número de alunos que dançam de forma regular, assim como o número de alunos que já o fizeram. Percebe-se que tanto para aqueles que dançam ou já dançaram, a escola aparece como o local que possibilita e possibilitou a manifestação da dança.

59 Para mais informações consultar anexo nº 11.

105 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Diferente do que Marques (2005) expôs, ao expressar que a dança parecia apresentar um risco às Instituições Educacionais por esta ser desconhecida para a escola, as instituições investigadas, tanto pelas informações prestadas pelos alunos, expressas no gráfico acima, como na fala dos profissionais de educação entrevistados, revelaram a necessidade e a importância da dança tanto para os alunos como para a escola como um todo, ou seja, a dança vista e aplicada como ferramenta para promoção dos estudantes. Para os alunos inquiridos, a dança possibilita um maior estreitamento das relações professor e aluno, o envolvimento da comunidade escolar, possibilitado o saber ser, o saber conviver, o saber fazer e o saber produzir, estimulando o desenvolvimento do protagonismo juvenil, conforme descrito anteriormente, quando tratámos dos valores relacionados à socialização. Além de dançarem na escola, os alunos também praticam/praticaram dança em grupos independentes, o que, por um lado demonstra a descoberta de valores como a auto- estima, a auto-imagem, a autoconfiança, o tornar-se apto a conviver em grupo, o desenvolver da capacidade de se relacionar, para além do desenvolver da capacidade de cognição, consequentemente o desenvolvimento da autonomia, da criatividade e da autogestão. Com um valor inferior, porém significativo, compete-nos fazer uma breve inferência, acerca da igreja como um dos locais onde a dança se manifesta e que os alunos inquiridos a utilizam para dançar. Incorporada como um elemento litúrgico nas celebrações católicas e evangélicas, a dança na igreja contemporânea assegura, de certa maneira, a permanência dos jovens no caminho dito do “bem”, onde a ideia de corpo-pecado, pregado por teólogos da idade média desaparece, dando lugar a um “corpo ungido” que dança em prol do Senhor.

106 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=95

100% 90% 80% 70% dançam 60% já dançaram 50% 39,5% 40% 34,8% 30% 23,2% 20% 8,1% 9,3% 8,1% 10% 4,2% 4,6% 0% Escola Grupo Igreja Academia independente

Gráfico nº 13 – Locais onde dançam ou já dançaram.

Quanto às danças praticadas pelos sujeitos inquiridos, o forró aparece como aquela que mais praticam ou praticaram. Como vimos no inicio do tratamento dos dados no quesito que versa sobre a caracterização do local investigado, justifica-se a prática do forró como a dança mais desenvolvida pelos alunos inquiridos por se tratar de um ritmo regional, nordestino, assim como a maior parcela dos habitantes daquela região, para além de ser um ritmo que tem estado em evidência, difundido e veiculado pelos meios de comunicação, ritmo esse que já ganhou outras denominações como forro pé de serra, ou seja, o forró de raiz, tipicamente nordestino e, actualmente classificado como forró universitário, estilizado e elitizado por uma parcela da sociedade brasileira. O axé e o hip hop também entram em cena confirmando a força das danças popularizadas no contexto social urbano hodierno. Chamamos a atenção também ainda em relação ao gráfico abaixo para a variável outros. Nesta categoria, as danças que mais aparecem são o Funk carioca (Rio de Janeiro) com 8,4%, a dança Jazz com 6,3%, seguida da dança de Quadrilha e do Ballet ambos com 4,2%. Também foram citadas danças como rock, dança de salão como salsa, samba, dança do ventre, frevo, catira, country, reggae e ginástica rítmica, sendo que esta última, apesar de apresentar algumas características similares à dança, não é classificada como tal.

107 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=95 100% 90% 80% 70% 60% 51,6% 46,3% 50% 38,9% 35,8% 40% 29,5% 30% 16,8% 20% 7,3% 10% 3,1% 3,1% 0%

ró xé p ca ea a s a ta or A ho ri ân ern tro um os F ip lcló or od Ou nh sp t /h Fo mp m Ne re ee te ça em Str on an S C D Gráfico nº 14 – Danças que praticam ou praticaram.

4.4.3- Como as conheceram?

Apesar do grande índice de incidência da prática da dança nas escolas, para além da grande diversidade de danças praticadas por esses alunos no ambiente escolar, a grande maioria não conhece a histórias dessas danças60 o que demonstra um aspecto de prática desinteressada, visto que na maioria das escolas investigadas a dança não faz parte dos Programas Pedagógicos sendo apenas permitida a sua prática, como já tivemos a oportunidade de referir. Ainda no que diz respeito a esse aspecto, quando perguntamos aos profissionais de educação entrevistados acerca de qual deveria ser o conteúdo da dança nas escolas e como esta deveria ser ensinada, obtivemos como resposta maioritária o factor histórico das danças, como surgiu, suas raízes, ou seja, a manutenção dos costumes que fazem parte do contexto social, histórico e cultural, principalmente do contexto dos alunos, o que, de certa maneira evidencia um discurso diferente da prática. Eu vejo da seguinte forma, eu acho que tudo tem que se buscar a raiz, o histórico é importante, você fazer um paralelo da nossa cultura dentro do nosso contexto, eu acho que cabe, é lógico, a essa ou aquela disciplina no seu grau de importância adentrar um pouco mais.61

O gráfico nº 14, anteriormente exposto deu-nos uma visão geral acerca das danças mais praticadas pelos alunos, no qual verificamos que o forró, o axé e o hip hop, sendo os

60 Ver anexo nº12. 61 Recorte discursivo do entrevistado nº 8

108 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados dois primeiros citados ritmos originário da região nordeste, praticados com bastante frequência nas demais regiões do Brasil, aparecem como géneros mais difundidos e conhecidos segundo a visão dos inqueridos. Mais de oitenta por cento (86,3%) dos alunos admitiram conhecer outros géneros de dança que nunca praticaram, para além de revelarem o meio pelo qual passaram a conhecê-los. A televisão aparece como o meio de comunicação e informação mais frequente entre os alunos inquiridos, seguido pela escola, conforme informa o gráfico abaixo (gráfico nº 15).62 Podemos inferir que, os meios de comunicação, nomeadamente, a televisão, o rádio e o cinema e, mais actualmente a Internet, desencadearam um processo sublevador no que diz respeito à transmissão da informação, influenciando no modo de ser e de agir das pessoas de tal forma que se chegou a cogitar o fim da arte (Lima, 2000) devido às grandes reproduções em série, causando a desvalorização da peça única, da obra prima. Os meios de comunicação, visto como meio de controlo social, desenvolvem uma série de papéis nos quais podemos perceber os efeitos concebidos sobre a cultura popular e o gosto estético de seu público. O que se percebe é que outros meios de controlo social, como a escola, tem perdido espaço, ou melhor seria dizer que, tem se utilizado dessa ferramenta como meio (educar com a mídia) e como fim (educar para a mídia), capacitando o aluno a uma apreciação crítica em relação aos meios de comunicação, para se atingir objectivos propostos pela escola, visto que a cultura de massa está intimamente presente nas sociedades hodiernas.

Teatro 17,9% Escola 32,6%

N=95 Televisão 60,0%

Outros lugares 6,3% Rua 15,3%

Gráfico nº15 – Lugares onde conheceram as danças.

62 Para mais informações verificar anexo nº12.

109 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Por se tratar de uma pergunta que possibilitava mais de uma resposta, obtivemos uma percentagem superior a 100%.

4.4.4- As danças que mais se destacam

Percebemos que o tango aparece como o género de dança que os inquiridos mais gostariam de conhecer e/ou praticar o que nos chama a atenção, por se tratar de um género importado e, de certa maneira, praticado por pessoas que se encontram dentro de uma faixa etária mais elevada, para além de possuírem um nível socioeconómico diferenciado em relação aos jovens inquiridos.63 Arriscamos algumas explicações para tal resultado, a primeira seria o facto de, como vimos no gráfico que descreve os locais onde os inquiridos conheceram tais danças, lá podemos observar com clareza que a televisão é o meio pelo qual os inquiridos mais recorrem para obterem conhecimentos/informações. Programas de auditório exibidos pela televisão brasileira como Domingão do Faustão e Domingo Legal promovem concursos de dança de salão com pessoas famosas (uma espécie de “Dança Comigo” actualmente exibido em Portugal), o que, de certa maneira, pode vir a influenciar no gosto do espectador que tem por hábito copiar as atitudes e comportamentos das celebridades. O segundo seria o recente filme “ Take the lead”64, inspirado na história verídica de Pierre Dulaine, protagonizado por António Banderas que encarna a personagem de professor de dança de salão para um grupo de estudantes de uma escola do Subúrbio de Nova Iorque, tendo como resultado final uma coreografia apresentada pelos seus alunos que mistura tango com dança de rua (hip hop). Embora recheado de clichés, o filme mostra um professor empenhado que acredita no potencial dos jovens excluídos, que, por meio da dança resgata o que parecia perdido.

63 Para mais informações ver anexo nº 13. 64 Filme exibido em Portugal com o título: “Ritmo e sedução”, no Brasil com o título: “Vem dançar”

110 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=95

Tango; 16,8% Forró; 12,6% Axé; 11,6%

Hip hop; 13,6% N Ballet; 10,5%

Dança de salão; 10,5% Outras; 37,9%

Gráfico nº 16 – Danças que mais se destacam.

As danças de salão parecem assim estar em evidência para os alunos inquiridos, levando em consideração que o tango é uma dança de salão e estas se encontram, de acordo com a classificação da tabela acima, no mesmo nível do hip hop, do forró e do ballet. Encontramos ainda em outras, a valsa, figurando um número expressivo por se tratar de uma dança europeia e antiga que ainda chama a atenção talvez por estar relacionada com a idade, isto é, o debute das mocinhas que sonham com o momento de dançá-la ao completarem 15 anos. Entretanto, se levarmos em consideração que o tango é uma dança social, ou seja, uma dança de salão, assim como outras danças referidas na variável “outras”, tais como a valsa, a salsa, o samba e, no que concerne à realidade brasileira, o forró, fica evidenciado que as danças de salão são as danças que, no momento, mais despertam interesse dos alunos inquiridos em conhecê-las ou praticá-las, conforme nos mostra o gráfico abaixo.

N=95 Axé; 11,6% Outras; 22,1%

Hip Hop; 13,6%

Ballet; 10,5%

Dança de salão; 52,6%

Gráfico nº 16.1 – Reagrupamento das danças que mais se destacam.

111 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

As danças que compõem a variável outras no gráfico acima são, para a amostra em estudo, dança afro, lambada, dança moderna, contemporânea, flamenco, dança jazz, funk carioca (Rio de Janeiro), dança do ventre, country e teatro, sendo este último, erroneamente descrito como dança por algum inquirido.

4.4.5 – Dança na escola, da corporeidade à promoção dos corpos.

Após verificarmos e confirmarmos que a dança se manifesta dentro das escolas públicas de Ceilândia, e que este é o ambiente mais utilizado pelos alunos inquiridos para praticá-la, mesmo com todas as deficiências e obstáculos apresentados anteriormente pelos profissionais de educação entrevistados e pelos alunos inquiridos, apresentaremos as opiniões destes últimos acerca do que pensam e do que sentem a respeito da dança na escola.

O estudo demonstrou que dançar na escola é, para a grande maioria dos inquiridos, excelente,65 demonstrando que o ensino da linguagem artística, dança, apesar de muitas vezes não absorver as necessidades e as potencialidades dos educandos, acaba por levar esses jovens a se valorizarem e a serem valorizados pelas suas atitudes e comportamentos, tornando-os autónomos.

N=95

Excelente; 55,8%

Bom; 29,5%

Mais ou Sem resposta; menos; 9,5% 2,1% Ruim; 3,1%

Gráfico nº 17 – Opinião sobre a dança na escola.

65 Para mais informações ver anexo nº14 referente aos gráficos 17,18,19, 20e 21.

112 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

Se partimos da concepção de que toda e qualquer comunidade é portadora de preciosos saberes e valores culturais representados por manifestações como festas populares e tradicionais, costumes dos mais antigos, artesanato, comidas típicas, monumentos históricos, todos esses elementos que compõem a arte e a cultura local podem e devem ser utilizados para fomentar a bagagem cultural e artística dos alunos. A dança como factor estimulante, faz com que eles aprendam mais, que desenvolvam a cognição, percebendo novas possibilidades de sentir, pensar e agir com o corpo. Com isso passam a se envolver mais com os assuntos da escola, melhoram o desempenho, consequentemente a auto-estima e adquirem senso de responsabilidade tanto para a vida pessoal como para a vida escolar. Ainda de acordo com os alunos inquiridos, a dança na escola proporciona prazer, ou seja, o corpo visto e manifestado por meio da dança como emoção, expressão e comunicação, fruição de valores estéticos, éticos e afectivos (Santin, 2003), em que as relações se estabelecem por meio de linguagens, signos e significados próprios de cada um, provocando diferentes sentimentos e sensações nos diferentes corpos que se movem de diferentes formas, onde o prazer passa ser sinónimo de se conhecer, de se descobrir.

N=53

Interacção; 15,0%

Estimulante; Prazer; 20,7% 45,2%

Mostrar-se; 22,6%

Gráfico nº 18 – Porquê é excelente dançar na escola.

Ainda, analisando pela positiva, há aqueles que consideraram que dançar é bom, por esta prática estar directamente ligada às questões de qualidade de vida, melhoria da condição física e mental, descontracção, distracção e relaxamento. Percebe-se que as justificações dos inquiridos ficam ao nível dos sentimentos e sensações aparentes, caracterizados pela catarse produzida pela prática da dança, embora saibamos que há outros sentimentos, sensações e significados latentes nos corpos que dançam e nas danças desses

113 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados corpos que precisam ser desvelados, construídos e reconstruídos, cabendo ao profissional habilitado levar os alunos a aprofundarem os seus conhecimentos acerca da dança desenvolvida/praticada na escola.

Conhec./ Reconhec. N=28 21,4%

Qualidade de vida; 42,6%

Solução de problemas; 39,3%

Gráfico nº 19 – Porquê é bom dançar na escola.

As soluções de problemas tais como, ajudar a concentrar nos estudos, acabar com a timidez ou, ainda, afastar os jovens do mundo da violência e do crime. Todas essas questões passam pela compreensão e apreensão de como e porquê o problema se origina, do corpo e do meio no qual este se insere, analisados dentro de contexto no qual esses elementos surgem.

Fazendo uma análise pela negativa, queremos dizer, ao analisarmos as respostas dos inquiridos sobre os aspectos negativos levantados por eles, percebemos que dançar na escola é, às vezes, motivo de desconforto gerado pela exposição do corpo, pelas formas, pelos gestos e movimentos, assim como pela necessidade do contacto físico com o outro, pela maneira de se vestir, pela exposição de certas partes do corpo, dentre outros aspectos. Levando em consideração que boa parte das danças brasileiras são dotadas de movimentos e gestos considerados sensuais e, em alguns casos, lascivos, isto já faz com que aquele que está a apreciar a performance responda de tal maneira, gerando certos desconfortos por parte de quem a executa. Por outro lado, também, poderíamos inferir que esse sujeito, a partir do momento que se predispõe a executar tal dança não se sente preparado, corporalmente psicologicamente para se expor diante de outras pessoas, conforme relata um dos sujeitos inquiridos:

114 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

A exclusão que a dança causa…enquanto os que dançam bem estão sendo elogiados os que dançam mal são criticados e deixados de lado sem contar que ainda vira motivo de gozação.66

N=9 Irrelevante 44,4%

desconforto 88,8%

Gráfico nº 20 – Porquê consideram ser mais ou menos dançar na escola.

Já que a dança, conforme já descrito nesse estudo, tem a capacidade/finalidade de melhorar a auto-estima, a auto imagem, de socializar, interagir, de libertar, cabe à escola, nomeadamente ao professor, que durante todo o processo de ensino aprendizagem leve o aluno a se libertar de certas barreiras e preconceitos, visto que, estar diante de um público não é tarefa fácil, notadamente, quando se trata de um público jovem em que os comportamento são diversos. As chacotas, os comentários impertinentes recheados de preconceitos contra os que dançam, são motivos que levam alguns alunos inquiridos a não se interessarem pela dança na escola por acharem vexatório. Expressar a corporalidade por meio da dança requer atitude, coragem e empenho, para além de um conhecimento de si mesmo para que a dança e o corpo que dança tenham significados, sem deixar de levar em consideração o contexto em que estes corpos venham estar inseridos. Contudo, apenas 3 dos 95 inquiridos manifestaram tão negativa atitude perante a dança, o que, de certa forma, atenua alguma desilusão pela falta de representatividade a que corresponde.

66 Recorte discursivo do aluno nº 84

115 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=3

Inapetência; 33,3%

Vexatório; 66,7%

Gráfico nº 21 – Porquê é ruim dançar na escola.

4.4.6 – Da corporeidade à liberdade dos corpos.

São diversos os sentimentos expressos pelos alunos no que concerne à prática da dança. Não é nenhuma novidade o facto de a dança proporcionar bem estar, sensação de liberdade, prazer, energia, auto-estima, dentre outros sentimentos, no entanto, é instigante perceber que os efeitos da sua prática, seja ela qual for, na sua grande maioria, tende a causar certas sensações e sentidos. Gil (2001), quando escreveu sobre “a dança e a linguagem” descreveu que a dança cria um plano de imanência nos corpos de forma que o sentido se casa com o movimento, ou seja, a dança não expressa o sentido, ela é o sentido por ela ser o movimento do sentido. A imanência se estabelece por meio de uma energia que vem do fundo do corpo, do inconsciente, chegando à superfície do corpo, nos músculos, na pele, nas articulações. Isto implica “vários pontos de imanência possíveis, bem como vários regimes de expressão do sentido”. (P.97). Quando os alunos inquiridos descreveram seus sentimentos e sensações experimentados ao dançarem,67 percebemos que são coisas que parecem não fazer parte de seu mundo real, da sua vida cotidiana. Expressões como “libertar-se, desprender-se das coisas do mundo material” são exemplos de que, de acordo com Merleau-Ponty (1999), o corpo pode afastar-se do mundo e aplicar suas actividades nos estímulos que se assentam em suas superfícies sensoriais, para além de situar-se no virtual.

67 Ver anexo nº 15.

116 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

O gráfico abaixo mostra o que os alunos sentem quando dançam. Lembramos que o resultado se apresenta diferente de 100% pelo facto de os respondentes terem dado mais de uma resposta, visto que o inquérito não limitava a uma única opção.

N=95

3,1% 2,1% 9,4%

10,5% Bem-estar/Liberdade Energia/Deteminação Auto-estima 18,9% 110,5% Mal-estar/desconforto Nada Sem respostas

Gráfico nº 22 – O que sentem quando dançam.

Ao serem questionados acerca do que mais se destacava nas danças, nomeadamente, nas danças as quais os inquiridos dançam e/ou conhecem, obtivemos uma gama de respostas que, após serem classificadas configuraram-se conforme expresso no gráfico abaixo.68

N=95

100% 90% 80% 70% 60% 50,5% 50% 40% 29,5% 30% 20% 11,5% 7,4% 10% 5,2% 0% Estética Alegria Cultura Desafio Interacção

Gráfico nº 23 – O que mais se destaca nas danças.

68 Consultar anexo nº 16.

117 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

O valor, estética, destaca-se como o de maior expressão para os alunos. “Os passos”, "o conjunto”, “a maquiagem”, “os trajes”, “o suingue”, “ o ritmo”, “o estilo”, “as cores”, “os corpos”, “ a postura”, são algumas expressões de juízo de valor expostas por eles que denotam manifestações de sentimentos tais como gosto, empatia e beleza, elementos que estão associados à estética, independente de sua forma ou seu conteúdo (Adorno, 2003), vista pelo prisma do sentido fundamental, ou seja, a estética, enquanto filosofia da arte, designada, pela etimologia da palavra, definida como sensibilidade (Huisman, 2005), criada com a intenção de fundamentar criticamente tudo que ainda não tinha sido tornado objecto de reflexão. Nesse sentido, o corpo na dança deve ser visto e analisado não como um objecto físico, mas como uma obra de arte (Venâncio e Costa, 2005), dotado de sensibilidade motriz reveladora de essências afectivas, comunicação e expressão. Essa sensibilidade advinda dos factores estéticos já citados, faz suscitar outros sentimentos, aqui representados pelo valor alegria, que, pela forma e ou conteúdos apresentados faz nascer, dependendo do estado de espírito, no momento em que se aprecia a obra ou se a vivência, sentimentos como “energia”, “empolgação”, “motivação”, “emoção”, “carisma”, definidos e classificados como estado de alegria. Esses valores, anteriormente citados, acabam por gerar outros sentimentos que, de alguma forma, dão completude, para além de dar sentido ao que está sendo vivenciado ou apreciado, nesse caso específico, por meio da dança, que seria a relação com o outro, com o grupo e consigo mesmo, representado pelo acréscimo de estima por si mesmo, para além de segurança e confiança. Para a maior parte dos alunos inquiridos, o valor satisfação é o que melhor denota o que as danças expressam para eles. Santin (2003) descreve que o movimento que assumimos com facilidade é o que traz o prazer em si mesmo de ser e ter sido feito, e este jamais será frustrante. A sensação de dever cumprido, o auto reconhecimento e o reconhecimento por parte daqueles que apreciaram o trabalho, que colaboraram com o feito, o companheirismo representado pela colaboração mútua, além da alegria e do prazer incorporados, formam o conjunto de expressões representadas, aqui, pelo valor satisfação, de forma que podemos verificar no gráfico seguinte.69

69Consultar anexo nº 17

118 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=95

100% 80% 71,5% 60% 40% 15,7% 20% 9,5% 5,2% 0% Satisfação determinação Beleza Cultura

Gráfico nº 24 – O que as danças expressam.

4.4.7- Dança, Educação Física e suas diferenças

A maior parte dos alunos inquiridos percebem diferenças entre Educação Física e Dança e justificam as suas respostas baseadas em diferentes concepções. Para muitos a Educação Física aplicada na escola é um tipo de desporto, é correr, fazer ginástica, enquanto a dança é uma forma de expressar sentimentos, de alegria, de se apresentar para o público. A dança chega a ser definida como uma actividade ensinada por uma professora de dança, isto significa que, para alguns alunos inquiridos, implica a existência de um profissional habilitado para ensinar dança nas escolas e ainda, que seja do sexo feminino, identificando assim a dança como uma actividade específica para mulheres, demonstrando, mesmo que inconscientemente, que ainda há preconceitos quanto ao género. Contudo, não é objectivo desse trabalho tratar deste assunto, logo não aprofundaremos neste aspecto. A educação física é um esporte e a dança é uma coisa muito legal que a gente aprende com uma professora de dança.70 Na dança eu encontro mais desafio sempre uma coisa nova para aprender.71 Na Educação Física você tem de ralar para tirar sua nota sem ter que ter carisma (…), expressão, roupas iguais e na dança você não rala isso tudo.72

70 Recorte discursivo do aluno nº 03 71 Recorte discursivo do aluno nº 32 72 Recorte discursivo do aluno nº 55

119 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

A diferença entre Educação Física e Dança para os inquiridos, também, está no gesto, ou seja, o gesto desportivo, mecanizado, repetitivo, fundamentado nas regras, no rigor. Já a Dança, para eles, pode ser expressiva, pode possibilitar a criação livre do movimento, sem regras, com menos rigor, dependendo do que se dança e para quê se dança. Entretanto, em se tratando da Educação Física, esta também pode e deve desenvolver movimentos e gestos expressivos, desprendidos de regras e técnicas desportivas por sabermos que a Educação Física está para além do desporto, uma vez que este é, ou deveria ser, apenas um elemento, uma parte do conteúdo dentro da Educação Física.

N=95

Sim; 65,3%

Não; 32,6% Sem resp.; 2,1%

Gráfico nº 25 – Diferenças entre educação física e dança.

Por outro lado, a dança, que também é/deveria ser conteúdo da Educação Física, dependendo de como e, com qual objectivo é ensinada, pode estar impregnada de movimentos e gestos mecanizados, repetitivos, rigorosos e fundamentados em regras. Um exemplo típico são as competições e festivais de dança organizados nas escolas, onde a dança perde o seu carácter de fruição, quando os sentimentos deixam de ser experienciados e passam a ser executados com fins competitivos no sentido de demonstração de superioridade. Os festivais e as amostras de dança realizados nos quais as escolas públicas de Ceilândia participam, acabam ganhando um cunho competitivo levando professores e alunos a verem e trabalharem a dança como competição, assim como aconteceu com a Educação Física brasileira no final da década de 1960 conforme relatado na revisão de literatura (Lovisolo, 1993; Oliveira, 1997; Oliveira, 1986). Essas actividades podem tornar

120 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados a dança menos natural, menos subjectiva e mais técnica, racional, o que reflectiria como um problema para a futura implantação da dança nas escolas Santin (2003), quando trata dos componentes intencionais internos da articulação do movimento humano, constituídos por significações e valorações presentes no próprio movimento, afirma que todo movimento humano é, de certa maneira competitivo quando “ele se coloca com uma busca de equilíbrio, de harmonia, de beleza. A competitividade não deve ser entendida como competição na demonstração de superioridade.” (p.48). O movimento humano deve ser visto como “um esforço para o encontro, para a aproximação, buscando superar distâncias, obstáculos, sejam físicos ou psíquicos”. (Ibidem). Divergindo do ponto de vista de Santim, alguns alunos inquiridos, dizem que na prática da Educação Física tem que se esforçar mais (ralar) para conseguir nota, ou seja, tem que demonstrar, de forma concreta, habilidade na execução dos fundamentos, dos exercícios propostos conforme as regras estabelecidas e o que foi ensinado, o que, para eles, parece não acontecer com a dança por esta ser trabalhada com um nível maior de subjectivismo. A subjectividade destacada na dança por parte dos alunos inquiridos também está presente na Educação Física, seja no seu conteúdo, seja na sua forma de avaliar, basta que esta reconheça o princípio da alteridade, visto que “a diferença deixará de ser critério para justificar preconceitos, que causam constrangimentos e levam à subjugação dos alunos”. (Daolio, 2005, p.100).

A dança é você refletindo o corpo e a Educação Física é você exercitar as suas partes do corpo humano.73

Nas falas acima, nota-se que a Educação Física não é vista como uma actividade que possibilita a reflexão do corpo, limitando-a à prática corporal sem reflexão, cabendo à dança essa função. O corpo foi dividido pelos alunos inquiridos em corpo físico e corpo mental reforçando a filosofia de Descartes e a antropologia de Platão. O homem é um ser vivo, dotado de um sistema complexo e orgânico, ou seja, as partes não agem

73 Recorte discursivo do aluno nº60

121 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados separadamente do todo, tanto os movimentos executados na dança como aqueles executados na Educação física são reflectidos no corpo, possuem significados e intencionalidades (Canfield, 2005). Percebemos que as opiniões dos alunos, suas experiências e conhecimentos acerca da dança, bem como da Educação Física praticadas nas escolas investigadas parecem um tanto limitadas. Confunde-se o Homem com a razão, a educação é reduzida à racionalidade, mas sabemos que o Homem é um ser no mundo e todo o movimento humano, significativo e intencional ultrapassa os limites da motricidade. Para Sérgio (1985), a ciência da motricidade humana visa o estudo da mesma a fim de desenvolver, de forma global, tanto o indivíduo quanto a sociedade fundamentada, simultaneamente, nos aspectos “físicos, biológicos e antropossociológicos”. (p.309), e conclui, referindo-se às ciências do desporto que têm inferiorizado as demais condutas motoras não desportivas, configurando-se como um modismo utilizado para dominar qualquer área ou aspecto da motricidade humana. (ibidem). Entretanto, esse modismo ao qual Sérgio se refere, já tem estado em moda por séculos e até então não fora substituído, tornou-se hegemónico e tem sido ele, o desporto, a única referência da Educação Física assim como o Ballet foi (ou ainda é?) para a Dança.

Educação Física é mais o lado esportivo, já a dança é algo mais complexo, mais intenso.74

A educação está reduzida à prática do desporto, como já podemos perceber de acordo com a fala dos inquiridos enquanto a dança, para os alunos inquiridos, trabalha o corpo de forma mais completa.

Dançar é algo instintivo por mais que você tenha que seguir passos e instruções, ela é uma consequência, faz sentir livre, já a Educação física, você segue todos os precedentes para um tal fim.75

Para aqueles que não vêem diferença entre Dança e Educação Física, ou seja, consideram-nas congéneres, embora não sejam, já que a dança é linguagem artística

74 Recorte discursivo do aluno nº 90 75 Recorte discursivo do aluno nº 74

122 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados presente como conteúdo nas disciplinas Arte e Educação Física, em outras palavras, dança é conteúdo e Educação Física é disciplina. Os recortes discursivos passaram pela questão do trabalho do corpo de forma integral, apesar de ter sido apresentado de forma fragmentada nos discursos dos sujeitos inquiridos, representado pelo corpo criativo, o corpo espiritual e emocional. Para Freire (2005), é função da Educação Física, enquanto ramo da pedagogia, educar as pessoas a saberem, a se perceberem enquanto corpo, e a dança, enquanto conteúdo, desenvolvida como prática da cultura corporal de movimento pela Educação Física, possui um leque de possibilidades de ensino/aprendizagem ainda pouco utilizado pela escola para se alcançar este fim.

As duas ajudam na saúde espiritual, corporal e ainda por cima emocional.76

O corpo como sede de emoções e sensações pode ser percebido na fala dos inquiridos, elementos que devem ser contemplados como conteúdo permitindo o sentido da dimensão emocional que se expressa nas práticas da cultura corporal e na percepção do corpo sensível e emotivo (PCN Educação Física, 1998).

A dança é apenas um tipo de esporte que não é incluído como esporte nas escolas nas aulas de educação física.77

De acordo com o recorte discursivo do inquirido, inferimos que ele quis dizer que a dança, assim como o desporto, faz parte do bloco de conteúdo da Educação Física, e, de facto faz, porém não é desenvolvida de forma satisfatória ao longo do ensino, nomeadamente, do ensino fundamental, visto que das 85 (oitenta e cinco) que compõem a rede de ensino público da cidade de Ceilândia, apenas 9 (nove) declararam desenvolver alguma prática de dança, conforme já comentámos. Acerca do conteúdo da Educação Física no ensino fundamental das escolas públicas brasileiras, de acordo com os PCN de Educação Física (1998), esse está dividido em três blocos que se interrelacionam que são: conhecimento sobre o corpo ao nível da

76 Recorte discursivo do aluno nº 29 77 Recorte discursivo do aluno nº 52

123 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados anatomia, fisiologia, bioquímica, para além das habilidades motoras, hábitos e atitudes corporais; Esportes, jogos, lutas e ginásticas, e ainda as actividades rítmicas e expressivas.

A própria dança é uma educação física, só que ela é uma subdivisão da educação física, pois essa envolve teoria e outros tipos de exercícios.78

Parece que a educação física, em algumas escolas de Ceilândia, apenas desenvolvem aulas práticas. A praxis, sugerida por Sérgio (1985) na epistemologia da motricidade humana, só tem eficácia real quando se transporta para uma conduta motora, sendo que a prática é a teoria materializada e a teoria a prática formalizada.

4.4.8 – Se pudessem escolher…

Dos 62 inquiridos que responderam sim, que existe diferença entre Educação física e Dança, 54 deles, se pudessem escolher, escolheriam a dança, enquanto 8, escolheriam a Educação Física. As justificações para esta questão são diversas como podemos apreciar logo abaixo.79 Lembramos que não existe a possibilidade, no momento, para que a dança se efective como disciplina nas escolas. Como já esclarecemos anteriormente, a dança é reconhecida como uma linguagem artística, trabalhada como conteúdo pela disciplina Arte (educação estética) e Educação Física (cultura do movimento). O que pode/deveria acontecer é/seria a dança passar a ser aplicada como conteúdo compulsório nas disciplinas supracitadas fazendo valer a legislação que a legitimou como linguagem artística a ser trabalhada nas escolas, para além dos resultados de pesquisas como esta acerca da dança nas escolas, demonstrando que os alunos se identificam com a prática, sentem-se bem, libertos, interagem, aprendem, para além de a enxergar como profissão.

78 Recorte discursivo do aluno nº 77 79 Verificar anexo nº 18.

124 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

N=62

100%

80% Dança 60% Ed. Física 37,5% 40% 35,2% 18,5% 25% 20% 12,5% 5,5% 0% Idetificação/Predilecção Prazer/Liberdade Profissão/Profissão

Gráfico nº 26 – Porquê preferem dança ou educação física.

Assim como Hanna (1987), escreveu e comprovou por meio de seus estudos antropológicos das formas de arte que dançar é humano, mostrando-nos que a dança é mais que um comportamento físico, é um comportamento cultural, social, religioso, económico e político, cabe à escola garantir o desenvolvimento de sua prática como cultura do movimento e educação estética fazendo valer os novos conhecimentos sobre o corpo e suas relações consigo, com o outro e com o meio, fortalecendo os seus aspectos histórico-sociais por meio da construção do movimento crítico e expressivo, para além da manutenção e preservação das manifestações culturais.

125 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados

4.5 - Em síntese:

Das 85 (oitenta e cinco) escolas de Ceilândia-DF investigadas, 09 (nove) declararam desenvolver/trabalhar com dança. O hip hop seguido das danças tradicionais e folclóricas brasileiras foram as danças mais praticadas nas escolas investigadas. Das nove escolas investigadas, apenas quatro têm a dança inserida no Projecto Pedagógico aprovado pela escola. Os professores que trabalham com dança nas escolas públicas de Ceilândia não possuem formação profissional em dança e reconhecem que os factores limitadores da prática da dança nas escolas são: a falta de profissionais habilitados, falta de espaço físico adequado e falta de apoio político e económico. Para os profissionais de educação entrevistados, a finalidade da dança nas escolas passa pela necessidade de socialização (viver e conviver em sociedade), necessidade de libertação, ou seja, da conquista da auto estima, da auto imagem, do tornar-se autónomo, para além do desenvolvimento artístico e cultural. Para os entrevistados, o significado sociocultural da dança, está ligado directamente ao resgate da cultura da qual os alunos fazem parte e a interacção entre alunos, professores e comunidade escolar, caracterizando o exercício da cidadania. No que diz respeito à disciplina na qual a dança deve/deveria ser ensinada, de acordo com a visão dos profissionais entrevistados, compete tanto à disciplina Arte quanto à disciplina Educação Física ensiná-la, segundo a opinião manifestada pela nossa amostra. Quanto ao conteúdo da dança nas escolas, os sujeitos entrevistados, de forma maioritária, elegeram a teoria, a busca das raízes, das origens das danças, coadunadas com a prática como conteúdo ideal, apesar deste ainda não ser aplicado de forma que contemple as necessidades dos alunos. Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN) estabelecerem que a dança deve ser ensinada pelas disciplinas Arte e Educação Física, a dança, hoje, nas escolas investigadas, encontra-se, também, em outras disciplinas, como História, Língua Portuguesa ou ainda ensinada/desenvolvida em actividades extra classe por professores voluntários (amigo da escola), quando não pelos próprios alunos, como forma de promover o

126 Capítulo IV – Apresentação e Discussão dos Resultados protagonismo juvenil, estabelecendo uma relação de co-responsabilidade entre os alunos e os professores que orientam as práticas e condutas desses alunos. Em se tratando dos inquéritos por questionário respondido pelos alunos das escolas públicas de Ceilândia investigadas, percebemos que eles consideram a disciplina de Língua Portuguesa como a mais importante e, a disciplina Educação Física, a que mais gostam. Vimos também que no tempo livre, preferem ouvir música e dançar, mais que utilizar Internet ou fazer uso de jogos electrónicos. A escola é o lugar onde os alunos inquiridos mais praticam dança, seguida dos grupos independentes e a igreja. O forró é a dança mais praticada por eles, seguida do axé e do hip hop, danças que estão inseridas no contexto histórico social vivido por eles, embora não conheçam a verdadeira história dessas danças. A televisão é o meio de comunicação mais utilizado por eles para obterem conhecimentos acerca das danças, de acordo com as respostas dadas pelos próprios inquiridos. O estilo de dança que passaram a conhecer por meio da televisão que gostariam de aprender é a dança de salão, nomeadamente o tango, que, se comparado aos demais géneros dançados por eles no dia-a-dia possui características bastante diferentes. Ficou evidenciado que os alunos inquiridos gostam de dançar e o que mais se destaca nas danças que eles dançam é o factor estético, seja na forma ou no conteúdo. Também ficou comprovado para o âmbito da amostra do estudo que, para eles, a dança expressa satisfação voltada para o bem-estar, o orgulho de dançar, para além do prazer. A maioria dos inquiridos percebe a diferença entre dança e Educação Física e se pudessem escolher entre as duas optariam pela dança por se identificarem mais, pelo prazer que a dança lhes proporciona e, ainda, por questões profissionais, como destacaram.

127 Capítulo V – Conclusões

CAPÍTULO V

5- CONCLUSÕES

Durante todo o processo de elaboração deste estudo tentamos nos afastar da subjectividade presente em nossas aspirações, inspirações, vontades e desejos de busca de respostas para as nossas inquietações acerca da dança nas escolas púbicas de Ceilândia que, para serem aclaradas tivemos de passar por esse processo de separação, de distanciamento entre o objectivo e o subjectivo. Porém, a experiência adquirida na realização da pesquisa em questão mostrou-nos que o objecto de estudo, neste caso a dança nas escolas de Ceilândia, dotada de subjectivismo na sua própria essência uniu-se à objectividade, resultando no que Byington (2006) chama de busca da totalidade. Acreditamos ter sido a aplicação objectiva dos métodos científicos juntamente com a subjectividade do objecto estudado que nos possibilitou alcançar a totalidade, ou seja, o produto final deste estudo. Depois de termos caminhado todo esse percurso com o objectivo de desvelar qual a verdadeira finalidade da dança nas escolas públicas de Ceilândia, de termos identificado e caracterizado as escolas de ensino fundamental e médio que fazem uso da mesma, analisado os interesses dos alunos e a opinião do corpo docente das escolas investigadas, no que concerne à sua prática nas escolas, chegamos a algumas conclusões que, no momento, são as que visualizamos, embora saibamos que a cada leitura deste estudo outras ideias e sugestões suscitarão das entrelinhas dos discursos dos sujeitos investigados, seja como complemento das quais, para já, faremos uso, ou mesmo novas reflexões provocadas por novos olhares. A pesquisa de cunho qualitativo com características descritivas, revelou-nos que das 85 Instituições de Ensino da Cidade de Ceilândia, apenas 9 trabalham com dança, o que corresponde a 10,6% das escolas. Foram inquiridos por meio de entrevistas 18 profissionais de educação entre professores e directores, para além de terem sido inquiridos por meio de questionário 95 alunos com faixa etária entre 08 a 28 anos, ou seja, uma média de 15,6 anos com um desvio padrão de 3,22. A dança nas escolas públicas de Ceilândia tem sido utilizada e desenvolvida sob a égide de um pequeno grupo de educadores que por acreditarem nas várias possibilidades e

128 Capítulo V – Conclusões meios para se educar, vêm apostando nessa que é uma actividade inerente ao ser humano, intimamente ligada ao contexto sociocultural dos alunos, e que tem sido aproveitada de forma a diminuir as simetrias educacionais, os conflitos pessoais e colectivos gerados dentro e fora da escola, utilizada como meio de promoção e libertação dos corpos desses sujeitos-actores que habitam esse espaço-palco que é a escola. São corpos sem vozes, sem direitos, excluídos, mas que falam por meio do movimento corporal, nomeadamente, as danças, embora essas danças que os corpos marginalizados (Medina, 1990) dançam também sejam classificadas, pelo senso comum, como danças marginalizadas. A pesquisa revelou-nos também que a dança encontra-se distante de ser desenvolvida nas escolas consoante estabelece os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN), ou seja, dentro do contexto no qual se estabelece e se manifesta de maneira que se perceba as relações que se constituem entre corpo, dança, escola e sociedade, carecendo de estudos, análises e mais atenção e aproximação do Governo, das Universidades, do profissionais da área, para além de toda a comunidade escolar. De acordo com os dados analisados, embora os professores tenham considerado importante o ensino da dança desde sua raiz, sua origem, a maior parcela dos alunos inquiridos não conhecem a história das danças que eles dançam, para além de não relacionarem os aspectos de seus corpos com a dança que dançam e com os aspectos sociais e culturais presentes no quotidiano. Percebemos que a prática da dança nas escolas investigadas é muito bem aceite pelos alunos quando dizem sentir prazer, alegria, satisfação e liberdade ao praticá-la, assim como os profissionais de educação se manifestaram de forma positiva atribuindo valores socioculturais e afectivos, visto que o local, palco de nossa investigação está permeado de problemas sociais, políticos e económicos, conforme relatamos no início da caracterização do local investigado. Embora essas pequenas acções estejam causando efeitos positivos, porém em doses homeopáticas, a forma como a dança vem sendo aplicada e desenvolvida requer maior atenção e cuidado, uma vez que ela deve ser encarada com mais seriedade e compromisso, visto que nela estão inseridos comportamentos e elementos que se encontram no nosso dia- a-dia e que não devem passar desapercebidos, tampouco descartados do processo

129 Capítulo V – Conclusões ensino/aprendizagem, tornando necessário a actuação de profissionais com experiência técnica e pedagógica, habilitados para desenvolverem tais funções. Esbarramos aí, no que diz respeito à formação profissional, num dos obstáculos que limita a aplicação da dança nas escolas de Ceilândia: a formação do professor. Constata-se que na Capital Federal não há faculdade específica de dança e, caso houvesse, a legislação actual (LDB), embora reconheça a dança como linguagem artística a ser praticada/ensinada na escola, não permitiria a prática docente de forma legal, visto que a dança não é disciplina do Currículo das escolas públicas do Distrito Federal, no entanto faz parte dos conteúdos de Arte, trabalhada como educação estética, e do conteúdo da Educação Física, trabalhada como cultura corporal do movimento. Ambas foram eleitas pelos docentes entrevistados como as disciplinas habilitadas a ensinarem dança nas escolas, porém, de acordo com nosso levantamento, das escolas investigadas, apenas um professor de arte e três professores de Educação Física estão à frente de projectos envolvendo dança. Percebemos que são poucos os professores das referidas disciplinas supracitadas que se sentem preparados/ à vontade para lidar com a dança na escola, consequentemente, a maioria dos professores de Arte limitam sua prática docente ao ensino da arte visual enquanto que a grande maioria dos professores de Educação Física limitam sua prática docente ao ensino do desporto, conforme percebemos na parte experimental do estudo, bem como na revisão de literatura. Esses comportamentos estão directamente correlacionados aos currículos dos cursos de licenciatura de ambos os profissionais, uma vez que tiveram acesso a uma ou outra disciplina, semestral, voltada para a questão do corpo e movimento e/ou do corpo em movimento, o que não os habilita a ensinar dança com propriedade. Logo, verificamos a incongruência do sistema educacional brasileiro, nomeadamente na legislação e nos currículos. Apesar da Lei de Directrizes e Base da Educação (LDB) ter reconhecido a dança como linguagem artística, essa mesma lei não legitimou a actuação do professor licenciado em dança para que este pudesse desenvolver sua prática docente junto às escolas, tampouco sugeriu mudanças nos currículos dos cursos de Arte de forma a contemplar a linguagem artística em questão, deixando a prática da dança aos cuidados daqueles profissionais que, por livre, espontânea vontade e vocação resolvem desenvolver projectos, mesmo sem o respaldo da escola, mesmo sem muitos

130 Capítulo V – Conclusões conhecimentos sobre o assunto, para além da falta de espaço físico adequado e apoio político e económico. Independentemente da dança ser trabalhada dentro das escolas, seja como conteúdo ou disciplina, sendo que esta última não se aplica à realidade das escolas públicas de Ceilândia, os valores educativos devem estar presentes não só no discurso teórico, mas na praxis diária, possibilitando ao aluno diversos meios para que possa se auto descobrir, descobrir-se no outro, praticando o principio da alteridade, e descobrir-se com o outro, participando de forma efectiva das transformações do seu meio ambiente, não como um simples coadjuvante, mas como protagonista da realidade que se instaura diariamente da qual ele faz parte. Nesse sentido, percebemos que a dança nas escolas públicas de Ceilândia tem sido utilizada com diversas finalidades, tanto de lazer desinteressado sem um fim em si mesma, mas também como meio para o desenvolvimento do protagonismo juvenil, participação construtiva dos jovens quanto aos temas que se apresentam e fazem parte da sua realidade, conforme estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). As oportunidades que alguns alunos estão tendo de desenvolver trabalhos em parceria com os docentes pode ser definida como a busca da autonomia e da promoção. Significa a possibilidade de o aluno construir a sua própria linguagem ao nível comportamental, conceptual e procedimental, ou seja, à sua maneira de ser, agir e reagir, sua forma de ver, julgar, pensar e proceder ao seu modo, ao contrário de reproduzir e memorizar conhecimentos que não dizem respeito à sua realidade. Ficou claro tanto nas falas dos profissionais em educação como na fala dos próprios alunos que a dança tem a capacidade de socializar, transformar as pessoas e as coisas, interagir, informar, ensinar, transmitir prazer, alegria e conhecimento. Vimos que a dança é mais que catarse, é mais que fruição, é mais que movimento e que pode/deve, ser utilizada com diversos fins e meios, adequando-se à realidade do contexto na qual está sendo aplicada. Cabe aos profissionais da área de educação buscarem subsídios e apoios legais para fomentar a prática docente de forma a atender e contemplar as necessidades dos educandos de forma integral, desde a corporeidade à liberdade, resultando no exercício pleno de sua cidadania.

131 Capítulo V – Conclusões

5.1 - EXTENSÕES DO ESTUDO

A dança nas escolas ainda precisa ser revelada, desvelada e reconstruída de forma que possa ser ensinada visando desde os aspectos biológicos, fisiológicos e cinesiológicos aos aspectos sociais, culturais e artísticos do indivíduo. Porém, antes, esta deve ser reconhecida pelas Instituições de Ensino, principalmente pelos professores das disciplinas eleitas a trabalharem com dança, queremos dizer, as disciplinas de Arte e Educação Física. Por acreditarmos que iniciativas de pesquisa como esta fará eclodir maior interesse e participação por parte da sociedade brasileira, representada por seus vários segmentos, para além de complementar e aprofundar estudos voltados para a dança em contexto escolar, apontaremos algumas sugestões que poderão vir a complementar este estudo baseado na problemática apresentada. Primeiramente, realizar um trabalho semelhante a este abrangendo todas as escolas públicas das 29 Regiões Administrativas do Distrito Federal com o intuito de verificar e analisar qual a finalidade da dança praticada/ensinada nesses Estabelecimentos de Ensino. Paralelo a isto, avaliar qual a utilidade e a utilização dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nomeadamente os de Arte e Educação Física, uma vez que foram elaborados visando o respeito às diversidades regionais, culturais e políticas dos brasileiros, para além de servir de suporte para o desenvolvimento de projectos pedagógicos de cada escola. Importa saber, também, qual é o interesse e o ponto de vista dos profissionais e licenciados em Dança e Educação Física em desenvolver actividades pedagógicas nos Estabelecimentos de Ensino públicos, visto que, para desenvolver tais tarefas tem de haver motivação e vocação, factores imprescindíveis para o bom desempenho das actividades educativas.

132 Capítulo VI – Bibliografia

CAPÍTULO VI

6- BIBLIOGRAFIA

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133 Capítulo VI – Bibliografia

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136 Capítulo VII – Anexo nº 01

CAPÍTULO VII

7 - ANEXOS

Anexo nº1 – Classificação das danças baianas

As Danças Baianas (Axé) tiveram origem, principalmente nas danças africanas e, com o passar do tempo foram sofrendo modificações e influências diversas de acordo com as novas tendências e culturas. As danças que eram praticadas nas senzalas foram, mais tarde, transferidas para os terreiros, depois para as ruas e hoje, podem ser encontradas nas escolas, nos meios de comunicação de massa e até nas igrejas. Sofreram modificações de cunho estético, social e cultural. Actualmente, podemos subdividir o Axé em diferentes géneros e defini-lo como veremos abaixo. Dança Afro – Dança religiosa, originada nas senzalas, inspirada nas danças africanas, nos orixás e nos elementos da natureza, com os quais estes se relacionam. Com movimentos acentuados de tronco, flexão e extensão dos membros superiores e inferiores, imitando animais como o tigre, a águias, o movimento das águas e do vento. Dançada descalço, com roupas coloridas e adornos ao som dos instrumentos de percussão, traçando uma relação com o divino, passando mensagens com as mão e face por meio de gestos. Tem uma influência directa da leveza do jazz e da energia e força das danças africanas. Essa forma de dança reflectiu-se como expressão artística em meados da década de 1960 na cidade de Salvador, Rio de Janeiro e Recife, sendo os processos técnicos e artísticos desenvolvidos diferentemente, mais jazzístico no Rio de Janeiro, mais moderno em Salvador e mais rústico em Recife. Para fins deste trabalho, nos centraremos na dança Afro desenvolvida em Salvador pelos Blocos Afros com Ilê aiyê, Olodum e Muzenza, apresentada nos desfiles de bloco do carnaval da cidade. Samba Reggae - Com coreografias inspiradas nos movimentos do Ijexá80, do Samba e do Reggae, o Bloco Afro Olodum criou um ritmo centrado na batida do tambor com uma forte intenção de afirmar a negritude brasileira. Juntamente como ritmo, criou-se uma forma peculiar de se dançar que, apesar do nome, os movimentos vão além do samba e do reggae, criando uma plasticidade elaborada, desenvolvida com beleza e ritmo.

80 Estilo de Dança Afro-brasileira proveniente dos terreiros de candomblé da cidade da Bahia – Brasil.

137 Capítulo VII – Anexo nº 01 (cont.)

O Samba reggae é dotado de uma significante e diversificada movimentação do tronco e da cintura escapular com flexões e extensões seguida de rotações e deslocamentos laterais. Os percussionistas, além de tocarem os instrumentos, dançam e elaboram coreografias que interagem directamente com os instrumentos. Quando executado em um ritmo mais acelerado, a forma de dançar passa ser muito parecida com o samba, porém com uma movimentação de quadris e membros inferiores mais abduzidas. De um modo geral, as coreografias do Samba Reggae trazem elementos da Dança Afro, do ijexá, do Samba e do Reggae. Deboche - O deboche foi o íncone para a difusão e a afirmação da música e dança baiana, com mistura dos ritmos africanos e caribenhos, tornou-se um fenómeno nacional com aspirações internacionais. Com sua movimentação calcada basicamente nos quadris, nos braços e nas pernas, em que as partes se movem simultaneamente de forma independente com a flexão do tronco ao mesmo tempo em que as pernas. A dança é desenvolvida nos planos alto, médio e baixo e em alguns momentos, há um gesto frenético executado pelos ombros muito parecidos com os executados nas danças caribenhas. Apesar da grande importância do deboche para a projecção da cultura baiana, esse ritmo pouco tem sido praticado nos últimos tempos, pois depois dele outros vieram calcados no figurativismo, como veremos a seguir. Samba de Roda – Uma das primeiras formas de samba brasileiro, dança folclórica derivada do samba africano (semba). Originalmente, sua forma de dançar era em círculo onde um participante dirigia-se ao centro da roda sambando e convidava um outro lhe dando uma umbigada. Actualmente, descaracterizado em conteúdo e forma, o samba de roda foi incorporado à capoeira, para além de ter servido de base para uma nova forma de expressão. Tem sido dançado por meio de coreografias libidinosas, dotada de gestos

138 Capítulo VII – Anexo nº 01 – (cont.) sensuais e com as letras das músicas com duplo sentido, para além do figurativismo exacerbado por conta do próprio conteúdo. As partes do corpo mais exigidas nessa dança são os membros inferiores e quadris, com grande ênfase na “bunda” propriamente dita. A partir do momento que ganha uma grande projeção mediática, esse género, centrado nas zonas erógenas (“segura o tchan, amarra o tchan...”), passou a ser sinónimo de dança popularizada ou danças da mídia. Podemos dizer que esse é o segundo grande marco do Axé, enquanto os blocos afros e outras bandas continuavam a desenvolver um trabalho centrado em um contexto histórico-cultural com o intuito de resgatar às tradições afro- brasileiras, esses novos ritmos desenvolvidos por novos grupos, trilhavam o caminho do mercado fonográfico, centrado no populismo e no modismo. Samba Duro - Derivado do Samba de Roda, sobretudo da cultura africana, porém mais energético e mais frenético em que o movimento do quadril torna-se intenso assim como os membros inferiores. Diferentemente da maioria das danças africanas e suas derivações. No samba duro as pontas dos pés são mais exigidas que os calcanhares, talvez pela imposição de um ritmo intenso. É uma dança desafiadora, pois se segue o ritmo da música e quanto mais essa acelera, os quadris e pernas, devem segui-lo até que diminua o ritmo ou cesse a música. Chega a ser lúdico e desafiador. Os movimentos centram-se nos quadris e pernas. Pagode (Quebradeira) - Trata-se de uma mistura de ritmos com base no samba, porém adiciona movimentações mais livres, logo amplia as possibilidades de se dançar. Com predominância do uso dos membros inferiores conjugados ao quadril e tronco, a dança ganha uma nova estética, coreografias mais elaboradas ao se imprimir uma certa malemolência, garantindo uma plasticidade diferente do samba, pois há uma utilização acentuada do tronco com movimentos mais soltos. O figurativismo passa a ser menos presente e a sensualidade dos gestos prevalece. Suingueira – É a junção de todos os ritmos citados e mais alguns elementos contemporâneos como o hip-hop e o jazz e a música electrónica, e ao mesmo temo a diluição dos elementos que originaram o axé, distanciando-se das características das danças afro-baianas. É a forma mais popular de se dançar, na actualidade. Percebe-se nesse género que o elemento samba propriamente dito é muito pouco utilizado nas composições coreográficas, bem como os outros elementos de raiz.

139 Capítulo VII – Anexo nº 01 (cont.)

Organização

Classificar e sistematizar as danças independentes do género acaba por ser tornar uma maneira de conhecê-la em nível estético, artístico, histórico e cultural, para além de contextualizar e situar as mesmas no tempo e no espaço. Actividade como essa praticada no ambiente escolar pode colaborar com o desenvolvimento dos aspectos cognitivos, afectivos e psicomotores, levando o educando a conhecer o objecto em estudo e o contexto no qual ele e a dança se inserem A seguir definiremos as danças baianas para além de classificarmos as mesmas baseando-nos na obra de Batalha & Xarez (1999) segundo Serre (1984), quanto à forma ou função, Humphrey (1959), classificação centrada no significado e função, Classificação Centrada nas Habilidades de acordo com Poulton (1975) e Knapp (1963/1980) e Classificação das Acções Motoras em Dança Teatral Ocidental, de acordo com Xarez (1999).

VARIAÇÕES DAS DANÇAS BAIANAS (AXÉ) FORMAS DE DANÇA Dança afro Danças rituais Samba de Roda81 Dança popular Samba reggae Dança popularizada Deboche Dança popularizada Samba duro/ Pagode/Quebradeira Dança popularizada Suingueira Dança popularizada

A organização das danças supracitadas segue uma ordem cronológica na qual a dança afro, ou seja, a dança que representa os orixás do panteão africano possibilitou o desenvolvimento de outros géneros, como exemplo, o samba de roda tornou-se popular ao ser praticado fora dos terreiros de candomblé, sofrendo influências diversas dando origens à outros géneros praticados por uma larga parcela da população brasileira, para além de ser veiculado pelos meios de comunicação de massa.

81 O samba de roda na sua estrutura original é classificado como dança folclórica, a sua base musical ainda é bastante utilizada no pagode e na quebradeira, que teve o seu maior representante o Grupo de Axé É o Tchan na década de 1990.

140 Capítulo VII – Anexo nº 01 (cont.)

Classificações Centradas no Significado ou Função

As Danças Baianas, de uma forma geral trazem em si próprias uma significação e função peculiar, pois se percebe nitidamente nos gestos as relações representativas dos antepassados através das características dos orixás, principalmente no que diz respeito à suas posturas e gestos, geralmente presentes nas diversas formas de Danças Baianas, para além da comunicação estreita que essas danças trazem por meios dos gestos funcionais e sociais (Humphrey, 1959). As Danças Baianas (Axé), geralmente estão envolvidas em contexto histórico, social e cultural muito forte que nos remete ao período da colonização, desde a chegada do negro africano ao Brasil até os dias actuais. Tem como finalidade descrever a importância, para além da contribuição do negro na cultura brasileira utilizando a música e a dança. Essas duas linguagens se interagem de forma que uma esclarece a outra, ou seja, a dança interpreta a mensagem que a música passa, sendo a dança dotada de figurativismos, de verbalização, poesia, apelação e sentimentos. As Danças Baianas interpretam as músicas que cantam a história do povo daquela região especificamente. Segue abaixo, uma classificação genérica das Danças Baianas quanto aos seus significados e funções, de acordo com Humphrey (1959, in Batalha & Xarez,).

CATEGORIAS VARIAÇÕES DA DANÇA BAIANA Dança Afro,Samba Reggae, Samba de Roda, Samba Gestos Sociais Duro,Pagode, Quebradeira ,Suingueira

Samba Reggae, Dança Afro. Gestos Funcionais Deboche Pagode, Quebradeira Suingueira. Dança Afro, Samba Reggae. Gestos Rituais

Dança Afro, Samba Reggae. Gestos Emocionais Samba de Roda, Pagode, Quebradeira, Samba Duro, Suingueira, Deboche.

Classificação Centrada nas Habilidades

Autores como Poulton (1975), Knapp (1963/1980), e outros classificam as habilidades em fechadas e abertas sendo que o que diferencia uma da outra é o grau de previsibilidade das condições do meio que as envolve, que por ventura virão a exigir e/ou

141 Capítulo VII – Anexo nº 01 (cont.) condicionar de forma distinta as respostas motoras. Sendo assim, as habilidades fechadas são aquelas que se desenvolvem em situações de grande estabilidade do meio envolvente e as habilidades abertas são aquelas que reagem em maior proporção aos estímulos externos. Dentre os vários género das Danças Baianas (Axé), podemos perceber o tipo de habilidade que se destaca em cada um. Os género mais populares (Samba de Roda, Samba Duro, Quebradeira, Suingueira) em que há maior inter-relação pessoal, como no carnaval, nos shows ao vivo, tendem a predominar habilidades abertas, enquanto os estilos de dança com fins artísticos, estéticos e ritualísticos, para além de espectáculos para um público mais reduzido em teatros predominam as habilidades fechadas. Nesse aspecto, somente a Dança Afro e o Samba Reggae podem ser classificadas como Habilidades Fechadas.

Classificação Centrada nas Acções Motoras:

Com base nas Acções Motoras em Dança Teatral Ocidental (DTO), (Xarez, 1999), faremos de forma generalista uma classificação dos géneros que compõem o Axé, na intenção de perceber se esses géneros se enquadram nas categorias criadas para as DTO.

Categorias Descritor Géneros do Axé Posturas Acções de imobilidade realizável sobre Todos os Géneros apoio estável Equilíbrios Acções de imobilidade realizável sobre Dança afro, Suingueira. apoio reduzido Gestos Acções de movimentos segmentares Todos os Géneros realizadas sobre apoio fixo Voltas Acções de mudanças de direcção realizadas através da rotação do apoio Todos os Géneros Saltos Acções com fase aérea entre os apoios Dança Afro, Suingueira. Passos Acções de transferência de peso entre os pés Todos os Géneros que estabelecem o apoio Deslocamentos Acções de transferência de peso entre dois apoios realizados cíclica e sucessivamente Todos os Géneros Quedas Acções de transferência de peso entre dois Dança Afro apoios contínuos de diferentes partes do Samba Reggae, Samba de Roda, corpo Quebradeira, Suingueira, Contactos Acções de interacção em que o apoio é Samba Reggae82 essencialmente suportado pelo outro

82 Pelo fato de os percussionistas dançarem ao mesmo tempo em que tocam, passa a haver o contacto com os instrumentos, porém não há contacto entre dois dançarinos instrumentistas, apesar de que pode acontecer ocasionalmente, mas o contacto com o outro não faz parte da dança. Quanto aos outros géneros, desconhecemos qualquer tipo de contacto, salvo se alguma coreografia específica assim o exigir.

142 Capítulo VII – Anexo nº 02

Anexo nº 02 – Inquérito por questionário – alunos

Este inquérito insere-se em um estudo de dissertação final do IV Mestrado em Performance Artística – Dança a realizar na Faculdade de Motricidade Humana – FMH cujo objectivo é compreender qual o papel das danças desenvolvidas nas escolas públicas de Ceilândia-DF. Com o presente inquérito por questionário pretende-se saber qual o seu conhecimento no âmbito da dança do ponto de vista teórico, prático/vivencial, garantindo a total integridade e anonimato das respostas se assim o desejar, uma vez que o preenchimento do nome do inquirido é opcional. O preenchimento completo do questionário com respostas verdadeiras e claras, de acordo com o seu ponto de vista sobre o assunto, vai nos possibilitar obter dados importantes que poderão, num futuro próximo, serem usados para a melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas do DF. Preencha com um “X” as questões reservadas para este efeito ou então preencha as linhas, caso seja esse o caso, respeitando, se possível, os espaços determinados, mostrando precisão nas respostas. Sempre que solicitado, não se esqueça de fundamentar/ justificar as respostas. Agradecemos a sua colaboração.

______Antonio Marcos S. Santos Elisabete Monteiro (Orientando) (Orientadora)

143 Capítulo VII – Anexo nº 02 (cont.)

I- SEUS DADOS PESSOAIS

1-Nome (opcional): ______2-Idade: ______3-sexo: 3.1 ( ) Fem. 3.2( ) Masc. 4- Série Escolar: ______

II – A SUA OPINIÃO

5- Qual a disciplina mais importante para você? 5.1- Justifique sua resposta. ______

6- Qual a disciplina que mais gosta? 6.1- Justifique sua resposta. ______

7- O que geralmente gosta de fazer no seu tempo livre (lazer)? 7.1- ( ) esporte 7.2- ( ) computador/jogos electrônicos 7.3- ( ) computador/internet 7.4- ( ) ouvir música 7.5- ( ) dançar 7.6- ( ) cinema/teatro 7.7- ( ) outros. 7.8- ( ) qual?______

8- Gosta de dançar? 8.1- ( ) Sim 8.2- ( ) Não 8.3- ( ) Mais ou Menos 8.4-Justifique sua resposta: ______

9- O que sente quando dança? ______

10 - Você dança ou já dançou em algum grupo ou outro lugar de forma regular? 10.1- ( ) danço 10.2- ( ) já dancei

11- Se já dançou ou dança mencione o local: 11.1- ( ) academia 11.2- ( ) grupo Independente 11.3- ( ) escola

144 Capítulo VII – Anexo nº 02 (cont.)

11.4- ( ) outro lugar. 11.4.1-Onde? ______

12- Que tipo de dança já praticou ou pratica? 12.1- ( ) folclore 12.2- ( ) Street/Hip Hop 12.3- ( ) axé 12.4- ( ) forró 12.5- ( ) dança moderna 12.6- ( ) contemporânea 12.7- ( ) outro 12.8- qual? ______

13- Conhece um pouco da história dessa(s) dança(s)? 13.1- ( ) sim 13.2- ( ) não 13.1.2- Se sim, quais e o que sabe? ______

14- O que mais lhe destaca nessa(s) dança(s)? 13.1- Por quê?______

15-Que essa(s) dança(s) expressa(m) para você? ______16- Existem outros tipos de dança que você conhece e nunca praticou? 16.1- ( ) sim 16.2- ( ) não 16.1.2 Se marcou sim, como conheceu? 16.1.3-( ) no teatro 16.1.4-( ) na escola 16.1.5-( ) na televisão 16.1.5-( ) na rua 16.1.6-( ) outros lugares? 16.1.6.1 Refira quais lugares______

145 Capítulo VII – Anexo nº 02 (cont.)

17- Gostaria de conhecer ou praticar algum outro tipo de dança? 17.1 ( ) sim. 17.1.1 Refira qual(is) ______17.2 ( ) não

18- Para você, dançar na escola é: 18.1 ( ) excelente 18.2 ( ) bom 18.3 ( ) mais ou menos 18.4 ( ) ruim 18.5 Justifique sua resposta ______

19. Para você, existe diferença entre dança e educação física? 19.1 ( ) sim, 19.2 qual(is)? ______

19.3 ( ) não, 19.4 Por quê? ______

20- Se respondeu sim à pergunta anterior e se pudesse escolher, qual preferiria? 20.1 ( ) Educação Física 20.2 ( ) Dança 20.3 Justifique sua resposta ______

21- Que outro aspecto gostaria de referir sobre a dança na escola que não tenha sido mencionado ao longo do questionário? ______

146 Capítulo VII – Anexo nº 03

Anexo nº 03 – Guião da entrevista para professores e directores das escolas

1-Quais as finalidades da dança na escola? 2- Qual o significado sociocultural da dança em contexto escolar? 3-A dança, como conteúdo, faz parte da proposta pedagógica da escola ou é apenas permitida sua prática? 4- Se faz parte da proposta pedagógica, como conteúdo, a dança encontra-se na disciplina de artes ou na educação física? Por quê? 5- Qual é, ou qual deveria ser, o conteúdo da dança na escola? Como deve ser ensinado? 6- Quais são os problemas da prática dança como conteúdo? 7- Para você, o que impede a dança de ser disciplina nas escolas? 8- Quais são os factores que limitam a prática da dança na escola? Pensa ser um delas a formação dos professores? Como solucionaria a situação? 9- Quais os objectivos específicos do projecto de trabalho e o que propõem os processos de aprendizagem? (pergunta específica para os professores) 10- Quais as metodologias aplicadas para alcançar os objectivos propostos? 11- Qual a vivência e a formação que possui em dança? (pergunta específica para os professores).

147 Capítulo VII – Anexo nº 04

Anexo nº 04 – Pedido de autorização para investigação nas escolas

DIVISÃO REGIONAL DE ENSINO DE CEILÂNDIA-DF

DE: Antonio Marcos Silva Santos Faculdade de Motricidade Humana – Lisboa/Portugal

Para: Srº Director da Divisão Regional de Ensino de Ceilândia

ASSUNTO: investigação científica

Venho por meio deste solicitar a V.Sº, autorização para ter acesso às escolas pertencentes a esta Divisão regional para fins de investigação científica tendo em vista a realização do curso de mestrado em performance artística – dança na faculdade supracitada. Essas visitas são de grande importância para o prosseguimento da tese de mestrado em curso, no campo das “ Danças nas Escolas Públicas de Ceilândia-DF”, sob a orientação científica da Profa. Doutora Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro, professora do Departamento de Dança da Faculdade na qual estudo. O presente estudo justifica-se pelo facto de o mesmo estar sendo realizado por um docente lotado nessa Divisão Regional de Ensino, o que faz com que os dados recolhidos possam ser usados para a melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas do DF num futuro próximo.

Contando com vossa colaboração, desde já agradeço.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2007.

Antonio Marcos Silva Santos

148 Capítulo VII – Anexo nº 05

Anexo nº 05 – Pedido de autorização para investigação nas escolas

DE: Antonio Marcos Silva Santos Faculdade de Motricidade Humana – Lisboa/Portugal

Para: Sr.(a) Director(a) da Escola: ______

ASSUNTO: investigação científica

Venho por meio deste solicitar a V.Sº, autorização e colaboração no sentido de viabilizar a aplicação de inquérito por questionário e entrevista, respectivamente, para alunos e professores deste Estabelecimento de Ensino. As aplicações desses instrumentos de pesquisa são de grande importância para o prosseguimento da tese de mestrado em curso, no campo das “ Danças nas Escolas Públicas de Ceilândia-DF”, sob a orientação científica da Profa. Doutora Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro, professora do Departamento de Dança da Faculdade de Motricidade Humana. O presente estudo justifica-se pelo facto de o mesmo estar sendo realizado por um docente lotado nessa Divisão Regional de Ensino, o que faz com que os dados recolhidos possam ser usados para a melhoria da qualidade do ensino das escolas públicas do DF num futuro próximo.

Contando com vossa colaboração, desde já agradeço.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2007.

Antonio Marcos Silva Santos

149

Capítulo VII – Anexo nº 06 Anexo nº 06 – Grelha síntese das entrevistas realizadas com os professores, directores e assistentes das escolas. Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola A O desenvolver da criança, Interacção entre eles, Não. Dentro de todas as Eu acho que a dança o soltar, interagir, aprender respeito, disciplina disciplinas não tem como ser Entrevistado a respeitar o outro… Desenvolvimento da ensinada ela tem que Nº 01 Muitas vezes a criança é memória, valorização ser tirada de dentro retraída na sala, ela tem poética dificuldade de se expor

oralmente, se apresenta muito tímida e essas características dificultam na alfabetização.

Trabalha o corpo, trabalha A integração, estar em Não, é uma prática Eu acho que está ligada as Eu acho que seria Entrevistado a expressão corporal dos harmonia, todos tem que se permitida duas coisas, poderia ser de mais uma coisa para Nº 02 meninos. dar bem… trabalharem arte e educação física. descontracção, juntos. integração, disciplina também, né,

satisfação e prazer.

Primeiro a liberdade, a Resgata muito a cultura A gente por acreditar a Eu acho que em tudo, eu A expressão corporal, criança se sente mais livre, brasileira dentro das gente faz com que ela acho que a dança envolve a criança conhecer o Entrevistado mais solta, com isso ela vai danças, o respeito, a faça parte do currículo tudo, todos os seu corpo, valorizar o Nº 03 se respeitar mais, se questão do racismo, não só dentro da escola… por movimentos, tanto na seu corpo, né? valorizar mais ela vai se a questão do negro, mas acreditar. educação física como nas sentir importante… passa a também do índio. artes

se sentir mais útil, uma criança melhor.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola B A disciplina eles se Integrar os alunos mais Não. É uma prática só, Eu acho que educação A dança na escola concentram mais, não indisciplinados e interagir não faz parte do física, porque... os deveria ser só para Entrevistado ficavam tão dispersos, professor, aluno, escola e conteúdo dois...ou o professor de diversão e Nº 04 comunidade arte ou de EF, os dois… relaxamento, não como estudo,

disciplina mesmo, com conteúdo, com essas coisas, não.

Motivação, alegria e auto A gente procura trabalhar Ela se encontra dentro Eu acho que caminham Acho que a dança estima. mostrando assim os vários da proposta pedagógica. juntas essas duas. deveria fazer parte Entrevistado ritmos, mesmo do currículo Nº 05 como uma actividade, não necessariamente a

dança, mas a questão da arte de um modo geral

Entrevistado A socialização dos alunos, Resgatar a cultura, no caso Aqui, no caso é uma Como aqui no DF não tem Os ritmos, Nº 06 o movimento corporal, a de cada estado tem uma prática permitida, não EF de 1ª a 4ª série, então movimentos. coordenação motora... dança diferente, e com isso faz parte. deveria ser em arte, né?... eles aprendem costumes de Mas para mim teria de ser outras regiões, o linguajar, na EF. como se vestem, como dançam.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola C Que eles se soltem e não É questão mesmo da arte É apenas permitida a Olha...eu até tenho dúvida Deveria se buscar a fiquem somente ali para que eles conheçam prática, não está no com relação a isso, se origem teórica, passar sentados em sala de aula e vários ritmos porque tem papel. dentro da Ed. Física ou para eles, não só aprendam mesmo á questão muitos alunos que estão ali dentro de Arte....Acho que chegar na sala de aula Entrevistado do corpo a trabalhar com o só com o Axé. dentro dos dois porque vai e “ ah tá, vamos lá, corpo e a se expressarem estar mexendo com o qual a música que Nº 07 corporalmente a tirar a corpo, né, então... mais eu vocês gostam”? timidez. acho mais mesmo para arte.

Escola D A gente tenta trazer isso A dança é uma questão Hoje ela faz parte da Se nós analisarmos de Eu vejo da seguinte para motivar o aluno, cultural do povo brasileiro, proposta pedagógica da uma forma geral, de uma forma, eu acho que Entrevistado através de algo que ele é onde você expressa escola, como oficina forma social mesmo, ela tudo tem que se Nº 08 goste, para que ele mude emoções… você relaxa está inserida em todas as buscar a raiz, o sua concepção do que é com a dança, você interage disciplinas, porque é um histórico é

estar na escola…A dança é com a dança, atractivo a mais para o importante, você uma forma de trazer o aluno está inserido na fazer um paralelo da menino para o lado social, escola… nossa cultura dentro dele interagir na sociedade do nosso contexto, eu no meio que ele vive. acho que cabe, é lógico, a essa ou aquela disciplina no seu grau de importância adentrar um pouco.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola E A questão da auto- Resgatar muita coisa que Sim, fazem parte da Todo mundo em Trabalhar o histórico, estima… a questão de ficou… a questão dos proposta pedagógica. igualdade, eu acho que como surgiu, questão envolver a comunidade, a jogos, as cantigas de roda, (dança quadrilha e axé) isso que é o principal, unir de ritmo, de…até esse Entrevistado questão da socialização de então nós estamos todo mundo em prol de controle, né? de… pais com professores, com resgatando um pouquinho uma função, se vai ser coordenação motora, Nº 09 direção, com servidor, da nossa cultura brasileira. beneficiado o aluno, então vai envolver óptimo! uma série de coisas, que não só isso, questão histórica, geográfica

Contribui na disciplina dos Seria mais ligada a alunos, para estar Desenvolver projectos Sim educação artística, arte e Entrevistado participando a gente diz sócios educativos. educação física, porque na Nº 10 que tem que ter bom questão de Educação comportamento Artística que aborda a

parte cultural da coisa, falaria sobre os estilos, o surgimento, o porque daquilo ali e na Educação Física por causa da parte até mesmo aeróbica da coisa que requer muito preparo.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança?

Que eles conhecessem a Procurar outros horizontes, Não, apenas uma prática Educação física. A dança, Deve partir do diversidade da dança. uma cultura diferente da permitida. querendo ou não, você teórico, você começa Entrevistado que eles vivem fora da tem uma queima calórica com o histórico da Nº 11 escola enorme…tem a arte na dança, porque ela é dança, mas ela é como se desenvolvida desse

fosse um esporte. jeito,

Escola G Primeiro é uma vontade A questão da união, Não, é uma prática Na verdade, a dança ela Primeiro é a questão que os meninos têm, eles perceber as diferenças, que permitida. seria um …quase que um do auto Entrevistado sempre pedem atividades todos são diferentes, que elo interdisciplinar, conhecimento, Nº 12 com dança e é uma forma pensam diferentes, gostam porque ela não vai estar só conhecer o seu também de unir as tribos. de coisas diferentes, nem na Arte nem só em próprio corpo e a

respeitar essas diferenças. EF., Porque todos os questão dos limites demais professores também e vencer quando pedem para os esses limites, então alunos fazerem uma chega a questão da actividade diferenciada, auto estima. eles sempre apresentam dança.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança?

A dança, além de A cultura brasileira é muito Não. Ela é prevista, mas Olha...eu acho que pode Não existe em artes, sociabilizar ela tem, na diversificada, nós temos você trabalha se quiser ser nos dois, pode ser um pelo menos na minha minha visão, ela tem a influência de diversos ou não. trabalho em conjunto visão… função de trabalhar o Eu, o povos e esses meninos, indivíduo tem muitas danças e ritmos Entrevistado que eles não conhecem e ai Nº 13 quando você começa a ensaiar … ele descobre que é uma coisa boa.

A dança faz parte da Acho que de Artes, Acho que teria que Escola G Eu acho que ela sensibiliza Acho que a questão da proposta pedagógica da porque a questão de…não ser algo relacionado à os alunos, ela os socialização mesmo de escola. Há esse sei acho que seria cénica, cultura local, no torna...melhora a auto- melhorar as relações objectivo de trabalhar a talvez, né? …Nesse viés primeiro momento estima principalmente interpessoais no âmbito da dança como um aí da cénica, um pouco de acho que seria uma porque acho que lidando Instituição, o grupo em si o instrumento de teatro alguma coisa assim, questão local, a arte

com o corporal a pessoa grupo da escola frente aos socialização de mas que fosse local, a dança local Entrevistado vai se conhecendo mais e outros alunos eu acho que melhorar as relações e relacionado...eu acho no e… esse conteúdo Nº 14 vai se gostando mais, né? a questão de melhorar as até a questão de família meu entendimento teria de poderia se ampliar relações interpessoais também ser dentro da grade de depois, às questões mesmo. arte. regionais, eu acho que poderia ser implementado desse modo.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola H É trabalhar o aluno que É de mostrar por meio das Me desculpe, mas é Olha os dois fazem muito Olha a gente tem de Entrevistado está fora da escola diversas danças, dos apenas uma prática parte porque a gente trabalhar a nossa Nº 15 géneros de dança a história permitida. trabalha...como é que se cultura, então tudo e as culturas dos diz...não só o corpo, em cima do frevo, brasileiros, para além da trabalha o gesto, o tudo em cima daquilo socialização estabelecida movimento, não tem que vem de nossa por meio das aulas dança sem a gente cultura... temáticas. transmitir o que está dançando

Vem com o objectivo de A dança ela já existe na Ela é uma prática Educação Física, eu sou Bom, rítmica, unir as pessoas, tirar do comunidade…todos eles permitida. suspeita por ser professora actividades com Entrevistado adolescente aquela ideia do tem sua turma, sua tribo, de Educação Física, mas música, não sei que Nº 16 ridículo, que tem medo de algumas tribos são eu considero a dança algo nome daria a isso, ai aparecer, tem medo de se classificados pelo tipo de que você tem que ter entraria as danças

expor, gosta muito de música que eles noção de ritmo… especificamente, que cobrar do colega, malhar curtem...pela roupa, pelo eu acho que teria que do colega, mas tem medo tipo de música que eles ter forró, sertaneja, de se expor dançam...isso já é cultural axé, break, é…o que de cada um, onde eles se mais….pagode, todas identificam eles se essas músicas que a unem...e você traz isso gente tem desde as para escola. nacionais, rock…Até as mais populares que a gente importou.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Qual a Finalidade da Qual o Significado Faz parte da Encontra-se em qual Qual deveria ser o dança? sociocultural? Proposta disciplina? conteúdo da Pedagógica? dança? Escola I A sociabilidade, Contribui para unir mais os Ela faz parte do projeto EF e Arte, eu acho que Eu acho que deveria desenvolvem a parte física alunos, também a Festa Folclórica que faz deveria estar dentro das ter a parte teórica, a Entrevistado também já que eles comunidade que começa a parte da proposta duas, porque educação origem das danças, de Nº 17 ensaiam durante muito participar pedagógica, física, a dança já é uma onde elas vieram, tempo durante o ano. actividade física e a Arte como elas surgiram,

eu vejo assim a questão da depois o trabalho desenvoltura. quanto os passos das danças, preparação física para que eles consigam dançar direito.

Desenvolver potenciais Fazer parte da formação Ela faz parte da Encontra-se em todas as artísticos, habilidades que o total do indivíduo. O proposta pedagógica da disciplinas por se tratar de Entrevistado aluno tem, tipo de indivíduo que não tem essa escola porque a uma actividade Nº 18 habilidade que nem sempre percepção artística do proposta pedagógica da multidisciplinar, você nota em sala de aula, mundo ele enxerga o escola contempla todos interdisciplinar.

naquele contacto ali mundo em preto e branco, os projectos que a gente né? tem na escola, projectos e actividades pedagógicas

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Escola A A gente procura Questões religiosas Política A gente procura tirar Nossa! são muitas, como Não tenho formação buscar questões Formação dos da literatura e trazer eu falei a gente parte da nenhuma em dança, a culturais… e professores, vida para as literatura, a gente não ser da vida. através deste crianças… nós selecciona livros conteúdo é que a utilizamos música e literários, escritores… Entrevistado gente insere a dança, porque a quando eu digo texto Nº 01 dança gente sabe que a literário qualquer tipo de música aproxima texto… trabalhamos todas mais a criança. as outras disciplinas, incluindo história, geografia, ciências e assim por diante.

Poderia ser dado Espaço (físico) Contratação de A integração de Olha, a gente não tem Eu não tenho essa pelo professore de pessoal todas as artes, não só uma metodologia, a gente formação em dança, no Entrevistado EF como de artes, (profissional), a dança ou só a tem as teorias, as teorias caso a gente tem um Nº 02 desde que ele sistema educacional cénica ou só a do Piaget, não é assim pouco de noção um tivesse plástica, o objectivo métodos, trabalhamos pouco de como...na

conhecimento de é trabalhar todo o com essas questões do faculdade né. dança, pudesse processo dentro das desenvolvimento da ensinar direitinho, artes pessoa. tanto faz.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Sabendo escolher Fazer uma criança O professor acreditar, É tornar a criança A literatura é o início de Formação em dança eu o repertório se apaixonar por se ele acha que pode mais independente, tudo, é através da leitura não tenho, nada de musical aquele tipo de trabalhar todos os uma criança que que vamos puxar todos os específico, nada de trabalhando a letra dança, aquele tipo conteúdos, se ele pode dar sua opinião, outros complementos, concreto mesmo, mais da música com as de música que, às pode modificar uma mais solta, mais achamos também que a a paixão mesmo desde

crianças para as vezes não é o estilo questão disciplinar extrovertida, leitura liberta. criança. Entrevistado crianças dela... dentro da escola, eu defendendo suas Nº 03 entenderem aquela acho que ele pode idéias, seus direitos, dança, sabendo tudo com a dança. ela vai ter voz mais porquê estão ativa, vai dizer o que dançando, não A formação do ela quer, o que ela dançar por dançar, professor. pensa, mas tudo né? dentro de… um respeitando, tendo cidadania sem fugir as normas da escola.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola? Escola B A obrigatoriedade A questão de roupas, Mais a interacção A dança surgiu mais Nenhuma, eu adoro da nota, avaliação figurinos, os dos alunos com como forma de dança! Eu acho lindo! recursos/ Não, alunos, professor brincadeira, não foi com Queria até saber dançar porque a gente tinha com alunos e dos um objectivo específico forró, mas sou um cabo o professor com a pais também para exigir isso do aluno, de vassoura no meio do

formação de EF ele não. Da brincadeira que salão… Entrevistado estava sempre surgiu a dança e ai formou Nº 04 atuando com a outra o grupo. professora que pratica dança também tanto na vida pessoal quanto na escola.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Com um professor A questão de A questão mesmo Fazer nosso projeto A gente trabalhou muito Eu sou suspeita, pois mais específico pessoal que não financeira, não é uma interventivo que é com reforço, desde que eu me Entrevistado num horário tem, o espaço, o coisa que gasta tanto, um projeto que você agrupamento, entendo por gente eu Nº 05 contrário em que o próprio material... mas no mínimo você busca trabalhar esses reagrupamentos dos amo dançar, a dança aluno tivesse tem que deslocar alunos com essas alunos. para mim é a minha

opções de teatro, profissional, tem que dificuldades na parte vida, dança na escola ter um ambiente escrita, na parte de como uma favorável, tem que ter dificuldades mesmo alternativa, um aparelhagem… cognitiva, auto professor mais estima… preparado.

No resgate O espaço, o Eu acho que é cultura É o maior interesse Eu vou mais pelo É uma coisa que está Entrevistado cultural, trabalhar profissional mesmo do nosso mesmo do aluno em instinto...eu escolho um em mim, né? Eu nunca Nº 06 a dança dessa designado para dar país… tem estados vir para escola, ele tema a ser trabalhado ai fiz dança, tive sempre forma de conhecer dança que não tem, que já faz parte, a estar fazendo uma eu busco músicas que tem vontade de fazer dança, um estado, uma é difícil, o apoio, dança já faz parte da atividade diferente e a ver com esse tema ai eu mas eu nunca entrei em

região, conhecer a material, o apoio disciplina é um meio que eles gostam de escolho os alunos, não me nenhuma instituição história da escola, da de trazer os alunos fazer, então aumenta preocupo se eles têm para aprender dança, regional e da para escola/ formação o interesse neles na habilidades ou não, quero vem mais pelo instinto Secretaria de do professor também. escola, é a que tenham vontade de mesmo. Educação socialização deles. querer, de aprender.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola? Dos alunos Tem pais que É essa questão Seria a oportunidade Bom, seria mesmo a parte Eu não tenho formação Escola C mesmos, eles acham que estar mesmo da gente deles conhecerem teórica, trazer a prática assim na questão da mesmos montam dançando na escola achar que é ali só vários ritmos, teórica, seria também dança e de música, as coreografias é ruim, ele tinha conteúdo, conteúdo, porque… para que buscar gente de fora que então a partir deles que estar conteúdo e...conteúdo ele não fiquem já está mais envolvida a gente aperfeiçoa. estudando, já não e a gente também ter somente no hip hop, com essa questão

relaciona a dança que ficar um no axé e no rap, que Entrevistado com estudo professor só de 1ª a 4ª é o que eles Nº 07 mesmo. série tendo que conhecem e assim...dar conta de dominam tudo.teria que ter mais profissionais.

Porque não os Acho que o O que impede hoje é Tirar o nossos alunos Primeiro a conquista do Desde de criança eu Escola D professores de problema maior é falta de vontade da das ruas. aluno, segundo: sempre adorei a dança outras disciplinas que nós somos escola e dos desenvolver um processo eu lembro de épocas de utilizarem a dança atrelados ao profissionais que ali gradativo, passo a passo grupo de ruas eu Entrevistado como atividade conteúdo como ele estão fazerem. Nós de iniciação sempre fui muito motivacional? Um vem, a gente pode podemos ter a dança multidisciplinar, depois fascinado por isso. Nº 08 professor de hoje dentro dos como disciplina nós vamos ver em que português procurar temas transversais curricular, acho que nível a gente se encontra e uma música, um trabalhar a dança, nada impede… o que a gente pode galgar texto de uma nada impede que as ainda mais. música, fazer uma escolas criem uma coreografia, que só oficina de dança. vai enriquecer o papel do professor, o trabalho dele.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Escola E Antigamente se O ambiente físico, Poderia ser mais Participação, Bom, primeiros nós Minha família é do tinha aulas de artes porque como você aprofundado? conscientização e convidamos os alunos interior do Goiás, então plásticas, artes viu a estrutura da Poderia se tivesse um responsabilidade. para ensaios e ali nós eu convivi muito cénicas e teatro. escola ela tem profissional mais vamos vendo quem tem visitando parentes, com Para mim deveria muito barulho… A capacitado. Acho que mais habilidade ou não, a questão do forró, da

haver essa divisão questão da isso falta na SEEDF porque todo ano é música sertaneja, moda Entrevistado e ainda sim a mentalidade de (profissionais da renovado, não se mantém de viola, onde eu Nº 09 questão da dança algumas pessoas área). sempre os mesmos, convivi mais, a questão também, porque (professores, pais e Questão financeira. de quadrilha está antes trabalhava-se alunos) que não inserido muito na a dança um entendem, acham minha família pouquinho no que é enrolação, teatro, mas acham que é a hora sabemos que são da diversão. coisas diferentes.

Eu não tenho... se bem Entrevistado O espaço físico, que durante a minha Nº 10 dificuldades vida toda eu estive financeiras participando de alguma coisa envolvida com

dança

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Prático e A infra-estrutura, A formação dos Mostrar culturas de Trabalho de pesquisa, Minha formação teórico…o um espaço físico professores, infra- danças diferentes, o quis que eles académica em dança, Entrevistado professor deve próprio para uma estrutura, a falta de ponta pé inicial foi, pesquisassem histórico da nenhuma, mas prática Nº 11 induzir o aluno a dança, a escola vontade do corpo já que eles gostam, dança, onde surgiu, estilo sempre dancei desde querer dançar pública não pedagógico da eu sou do tipo de de música, vestimentas pequena, sempre gostei

aquilo ali, praticar proporciona. escola…pra professor que gosta adequadas, tudo isso… de dançar. Forró, axé, aquele estilo solucionar é de trabalhar com que pagode, tudo que você musical. complicado. o aluno gosta e não me botar para dançar eu que ele seja obrigado danço. a fazer

Escola F Primeiro deveria O conhecimento, o Deveria existir esses Conviver dentro dos O protagonismo juvenil é Não tenho formação trabalhar o auto professor que se movimentos pilares da educação, uma das metodologias, nenhuma. conhecimento, dispor como envolvendo tanto os saber ser, saber dentro do programa reconhecer o seu orientador ele deve professores como os fazer, o saber SUPERAÇÃO, a outra corpo, o corpo do buscar alunos, como se diz: conviver, então tudo seria incentivar também, Entrevistado outro até mesmo a conhecimento e “A escola se redefine isso a dança pode eu digo como Nº 12 parte teórica para depois vem a por dentro.” proporcionar dentro coordenadora, incentivar você poder questão do espaço Também a formação do ambiente escolar. os professores a se aprender a físico na escola, do professor. envolverem nas respeitar a outra porque não existe actividades. tribo, e essa um espaço questão do apropriado. protagonismo juvenil.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria ser Quais os O que impede a Objectivos Metodologias aplicadas Vivência e formação ensinada? problemas da dança de ser específicos da em dança dança na escola? disciplina na escola? dança na escola

Mas, tudo que eu Falta de espaço e É questão de Na faculdade a gente vê trabalho vem falta de material. interesse. Falta de as danças clássicas, o Entrevistado primeiro da parte profissional com balé, a área de Nº 13 histórica, de onde formação em dança. expressão corporal veio aquilo? Como durante um semestre,

surgiu? tudo muito rápido, tenho apenas a noção.

Escola G Como já falei Acho que não teria No meu As aulas eram ministradas Eu sou baiana, eu tenho anteriormente, problema no meu entendimento talvez em horário contrário para raízes africanas então talvez ela pudesse entendimento seria por esse motivo é que alunos regularmente eu gosto muito. Gosto ser desenvolvida algo bastante não há a disciplina matriculados… a gente de samba de axé, gosto dentro da grade de producente… dança na escola, pelo observava eu e a de dança, acho que é

arte, como cénica, digamos que 99% facto de não ter um assistente pedagógica e algo que nos mas aí, dos alunos gostam profissional tinha também o feedback desestressa, é algo que obviamente teria de dança, nós qualificado, dos alunos, do trás leveza para o corpo Entrevistado de ter o temos o intervalo habilitado que a professor…ocasionalment e para a alma. Nº 14 profissional musical e até a Secretaria de e a gente assistia e no capacitado para troca do sinal é Educação faça a mais a gente conversava trabalhar essas musical, a gente selecção e a falta do para ver justamente esse questões, cultua muito a espaço adequado. retorno. desenvolver um questão da dança trabalho mesmo, do específico, as musical. coreografias e ter todo uma sustentação teórica para trabalhar.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola?

Escola H A gente tem que Não, eu não vejo, O pessoal, as pessoas Em principio A gente tem que trabalhar Nunca fiz, nunca fui ser muito aberto… se fosse como de cima que montam trabalhar os alunos em cima do que eles estão bailarina… Minha você sempre tem conteúdo eu essas coisas que iniciantes....mostrar querendo e em cima formação de atleta de Entrevistado que estar criando, trabalharia épocas, passam para gente... que existe daquilo que eles estão ser professora de EF buscando...trabalh trabalharia temas, você sabe que tudo é movimento, que querendo você coloca o veio do atletismo, de Nº 15 ar sempre com eu trabalharia tudo de cima pra baixo, existe uma história que você está querendo dança vem do que eu eles, não você ser que a escola e a nunca vai de baixo dentro do vejo, observo....eu o centro e sim eles história estava para cima, então eles movimento, fazer sempre crio em cima serem o centro... pedindo jogam uma coisa que com que eles criem. daquilo que vejo, tento no papel fica bonito, melhorar e nunca faço a mas na prática fica mesma coisa. muito difícil

Conteúdo?...Bom, Se eu estivesse Bom, eu não sei A gente respeita o Aula expositiva, Em dança…eu sou Entrevistado rítmica, dando aula de EF o quanto à questão do andamento de cada explicação acerca da frustrada. Quando eu Nº 16 actividades com problema seria só a currículo, né? Do aluno… disputar um história do movimento hip era criança, meu sonho música, não sei questão de PCN, não sei se ele campeonato, outro hop. era fazer balé, desde que nome daria a disponibilidade de permite essa quer disputar um pequena… A minha isso, ai entraria as sala. flexibilização… racha com o colega, experiência vem de danças agora se for liberada, o outro só quer casa eu e o disquinho, especificamente… acho que vai aprender para se eu e minha prima a Nunca parei para depender só da sentir bem e tem gente inventava pensar num habilidade do pessoas que querem coreografia e dançava currículo para a professor, ou do de aprender só para dia das mães, dia dos dança… EF ou de arte fazer uma actividade pais, dançava para todo física. mundo da família.

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Capítulo VII – Anexo nº 06 (cont.) Escolas Como deveria Quais os O que impede a Objectivos Metodologias Vivência e formação ser ensinada? problemas da dança de ser específicos da aplicadas em dança dança na escola? disciplina na dança na escola escola? O trabalho quanto Bom, falta que os Acho que tem a ver Questão da Primeiro é eles mostrarem Praticamente nenhuma Escola I os passos das professores de EF muito com política, socialização, da interesse em fazer a festa, formação, a danças, preparação se interessem por gastos, o governo busca da origem… depois que acontece isso vivência…é o que eu física para que eles isso, eu não vejo pensa em reduzir da busca da origem, marco uma reunião com adquirir na Escola consigam dançar assim muito gastos, até os porque eu sou quem estar interessado em Normal, eu fiz normal e direito, também a interesse, eles laboratórios, os professor de história, organizar…depois vem a lá eu fiz festa folclórica Entrevistado questão da ficam mais na parte projectos que tem a por exemplo, quando fase de pesquisa, Depois também … A minha Nº 17 espontaneidade, do da teoria e dos escola eles querem ele busca a origem da pesquisa é a etapa dos dança, foi no SESI que sorriso que a gente jogos, basquete, cortar, porque acham da dança ele está ensaios das danças. fiz aula de dança lá sempre trabalha vôlei, futebol de que professor é na buscando a origem durante um tempo, isso com eles, a salão, essas coisas sala de aula, e sala de do Brasil. aprendi forró que eu sensualidade na todas Não tem aula é quadro e giz, gostei para caramba, hora da dança, ela incentivo do não é dançar, não se forró, bolero, o bolero geralmente governo, não tem expressar, não é fazer já era… transmite incentivo nenhum. arte. sensualidade, né?

O problema de Os problemas são os O envolvimento, a São metodologias espaço físico mesmos. interacção entre a específicas para cada dentro da escola, comunidade escolar. projecto, o básico é buscar Entrevistado elas não são o envolvimento, a equipadas para interacção como os Nº 18 isso… Uma outra alunos…. seria a qualificação do profissional,

167 Capítulo VII – Anexo nº 07

Anexo nº 07 – Idade e Sexo dos Alunos Inquiridos

Idade

Cumulative Frequency Percent Valid Percent Percent Valid 8,00 1 1,1 1,1 1,1 9,00 1 1,1 1,1 2,1 10,00 7 7,4 7,4 9,5 11,00 4 4,2 4,2 13,7 12,00 6 6,3 6,3 20,0 13,00 1 1,1 1,1 21,1 14,00 3 3,2 3,2 24,2 15,00 15 15,8 15,8 40,0 16,00 12 12,6 12,6 52,6 17,00 22 23,2 23,2 75,8 18,00 14 14,7 14,7 90,5 19,00 5 5,3 5,3 95,8 21,00 1 1,1 1,1 96,8 22,00 1 1,1 1,1 97,9 24,00 1 1,1 1,1 98,9 28,00 1 1,1 1,1 100,0 Total 95 100,0 100,0

Descriptive Statistics

N Minimum Maximum Mean Std. Deviation Idade 95 8,00 28,00 15,6947 3,22910 Valid N (listwise) 95

168 Capítulo VII – Anexo nº 07 (cont.)

Idade * Sexo Crosstabulation

Count Sexo 0 Masculino Total Idade 8,00 1 0 1 9,00 1 0 1 10,00 7 0 7 11,00 4 0 4 12,00 6 0 6 13,00 1 0 1 14,00 2 1 3 15,00 12 3 15 16,00 9 3 12 17,00 12 10 22 18,00 8 6 14 19,00 0 5 5 21,00 0 1 1 22,00 0 1 1 24,00 0 1 1 28,00 1 0 1 Total 64 31 95

Descriptive Statistics

N Minimum Maximum Mean Std. Deviation IdadeFeminino 64 8,00 28,00 14,7500 3,28053 IdadeMasculino 31 14,00 24,00 17,6452 2,05829 Valid N (listwise 31

169 Capítulo VII – Anexo nº 08

Anexo nº 08 – Quadros das disciplinas mais importantes e a que mais gostam Disciplinas mais f (%) Disciplinas que mais f (%) importantes gostam Português 45 47,4% Ed. Física 22 23,15% Matemática 19 20% Matemática 18 18,9% História 08 8,4% Português 16 16,8% Ed. Física 05 5,3% História 07 7,4% Química 03 3,1% Química 05 5,3% Inglês 02 2,1% Filosofia 05 5,3% Geografia 02 2,1% Ciências 04 4,2% Ciências 02 2,1% Biologia 04 4,2% Biologia 02 2,1% Arte 04 4,2% Filosofia 02 2,1% Sociologia 03 3,1% Arte 01 1% Inglês 03 3,1% Física 01 1% Física 02 2,1% Sociologia - - Geografia 01 1% Todas 03 3,1% Nenhuma 01 1% Nenhuma - - Todas - - N 95 100% N 95 100%

170 Capítulo VII – Anexo nº 09

Anexo nº 09 – O que gostam de fazer no tempo livre.

f % Ouvir música 85 89,5% Dançar 62 65,3% Computador/internet 58 61,1% Esporte 52 54,7% Cinema/teatro 41 43,1% Computador/jogos electrónicos 31 32,6% Outros* 39 41,0% Total 368 387,3%

171 Capítulo VII – Anexo nº 10

Anexo nº10 – Quando inquiridos se gostavam de dançar

Respostas f % Sim 76 80% Não 05 5,3% Mais ou menos 13 13,7% Não respondeu 01 1% Total 95 100%

10.1- Sim. Gosto de dançar porque: % Temas (categorias) Verbalizações Sinto-me mais alegre/Sinto-me feliz. Porque é divertido/Uma forma de demonstrar alegria. Porque gosto/É muito legal/É ótimo. A dança me relaxa (acalma) /É algo prazeroso. Faz-me bem/Amo dançar. Por passar uma emoção muito grande. Gosto de aprender coisas novas. Libera energia/Sinto-me livre. É uma forma de me libertar do mundo. Fico mais leve /Porque esqueço meus problemas. Tira o nervoso/ Porque perde a vergonha. Quem dança está sempre inspirado, buscando um novo 77,6% Prazer / liberdade dentro de si mesmo. Porque a dança é uma inspiração do nosso corpo e mente. É o que me completa no dia-a-dia. É como se fosse parte de mim. Porque me identifico com alguns estilos de dança e música. É importante para mim. Porque quando crescer quero ser dançarina Porque a gente apresenta na escola. Porque participo de campeonato. É maravilhoso dançar, sinto-me feliz em frente a um espelho. Porque as mulheres adoram um dançarino de Axé. 14,4% Mostrar-se/exibir-se É uma forma de me expressar, de passar para aos outros o que estou sentindo. Adoro aparecer. Porque tenho um grupo na minha igreja e dançamos para Deus. Sinto vontade de travar batalhas com alguém melhor que eu.

Ajuda a desenvolver o corpo. É como esporte. Traz-me benefícios físicos e mentais. 13,1% Actividade física Porque me ajuda a manter um pouco a forma. É condicionamento físico. É bom para a saúde. Porque aprende a ter mais coordenação motora. Por uma questão cultural. Danço desde criança, vem de família. 7,9% Manifestação artística e Porque a dança é uma manifestação artística, linda e cultural expressa bem os sentimentos humanos. A dança é deslumbrante.

172 Capítulo VII – Anexo nº 10 (cont.)

10.2- Mais ou menos, porque:

% Temas Verbalizações Danço só o que me interessa, hip hop, axé. Danço mais em baladas (discotecas). Só se for forró. Não gosto de todos os tipos de dança. 61,5% Selectivos Porque gosto de esporte que me faz bem à saúde. Tem dias que quero dançar, outros não. Depende do lugar, com quem estou, quando me sinto bem.

Eu não sei dançar algo muito bem, não tenho ainda uma prática certa. Não tenho jeito para dançar, gosto de dançar livremente, 46,1% Falta de habilidade sem coreografia alguma porque não pego nenhum passo. Por conta de não saber dançar muito bem. Não tenho coordenação motora. Porque às vezes fico com vergonha.

10.3- Não gostam de dançar porque:

% Temas Verbalizações Sou um fracasso dançando. Não levo jeito para a dança. 80% Falta de habilidade Não sei dançar nada, sou muito dura, não consigo remexer. Não tenho coordenação motora.

Nunca quis aprender a dançar, porque não acho muito 20% Desinteresse importante.

173 Capítulo VII – Anexo nº 11

Anexo nº 11 – onde dançam, o que dançam

Dança ou já dançou de forma regular?

f % Danço 43 45,3% Já dancei 43 45,3% Não 4 4,2% Sem resposta 5 5,2% Total 95 100%

11.1- Local local dança Já dançou escola 34 30 Grupo independente 19 7 Academia 4 7 Igreja 8 4

11.2- Tipo de dança que já praticou ou pratica

f % Forró 49 51,6% Axé 37 38,9% Street /hip hop 34 35,8% Folclórica 28 29,5% Contemporânea 16 16,8% Dança moderna 7 7,3% Outros 44 46,3% Nenhuma 3 3,1% Sem resposta 3 3,1%

174 Capítulo VII – Anexo nº 12

Anexo nº 12 – Conhece um pouco da história dessas danças?

f % Sim 37 39% Não 54 57% Sem resp. 4 4% Total 95 100%

12.1 - Existem outros tipos de dança que conhece e nunca praticou? f % Sim 82 86,3% Não 10 10,5% Sem resp. 3 3,2% Total 95 100%

12.2- Como as conheceu? f % Televisão 57 60% Escola 31 32,6% Rua 20 21% Teatro 17 17,9% Outros lugares 6 6,3% Total 131 137,8%

175 Capítulo VII – Anexo nº 13

Anexo nº13 - Gostaria de conhecer ou praticar outro tipo de dança?

f % Sim 72 75,8% Não 21 22,1% Sem resp. 2 2,1% Total 95 100%

13.1 -Em relação a pergunta anterior, as danças que mais se evidenciaram foram: f % Tango 16 16,8 Forró 12 12,6 Axé 11 11,6 Hip hop 10 10,5 Ballet 10 10,5 Dança de salão 10 10,5 Outras 36 37,9 Total 105 110,4%

176 Capítulo VII – Anexo nº 14

Anexo nº 14 – Dançar na escola é: f % Excelente 53 55,8% Bom 28 29,5% Mais ou menos 9 9,5% Ruim 3 3,1% Sem resposta 2 2,1% Total 95 100%

14.1-É excelente porque:

% Temas Verbalizações Qualquer pessoa com força de vontade pode dançar, e assim não nos envolvemos com drogas/Aprendo mais/Ao invés de ficar na rua fazendo coisa errada, vai estar se exercitando e conscientizando. Estimula a imaginação e a vontade de quem vê/Com a dança podemos expandir outras ideias/Dá mais ânimo de vir à escola/Faz com que os alunos tomem gosto pelos estudos/Nos tira um pouco do estudo e do estresse. O aluno vai estudar mais para participar/Pelo interesse que os alunos expressam/Pois se tiver alguma coisa para fazer o aluno vai estudar mais para participar. Pela qualidade do espaço/Ajudaria as pessoas no rendimento escolar principalmente 45,2% Estimulante Posso estimular outros a experimentar/Além de ser um incentivo para o aluno ajuda a ser uma coisa diferente na escola/Ótimo para estimular os alunos Se houvesse projetos de dança com certeza nos estimularia mais a estudar Varia, não fica só naquela monotonia e também através da dança a gente aprende muita coisa boa. Levanta a auto estima/Temos apoio dos professores e directores. A escola está nos ajudando a ocupar os tempos livres e está nos ajudando a aprender mais sobre outras coisas fora do conteúdo escolar/A gente aprende muita coisa boa Nos dá atitude de responsabilidade Porque eu era tímida e aprendi que timidez não ia mostrar o meu talento Assim nós podemos mostrar a cultura hip hop, essa cultura é linda para quem assiste e ou participa. Danço na frente das pessoas e elas sentem vontade de dançar e entram na dança Ficam pessoas te dando atenção Porque chama bastante atenção Vou mostrar minhas habilidades diante de todos 22,6% Mostrar-se As pessoas ficam sabendo o tipo de trabalho que você está fazendo. Expresso que tenho cultura Me expresso Mostra o que faz Fica conhecido e pega várias gatinhas. Legal /Amo, adoro/Me divirto/ gosto Qual o b boy que não gosta? Assim eu faria atividade física que eu gosto, pois não são todos os esportes que eu gosto 20,7% Prazer Perfeita para todos Estamos sempre interagindo com a comunidade e com os funcionários da rede pública. É uma forma de ajudar a escola a fazer algo diferente É um modo de interagir Os alunos terão uma boa interacção com os outros Existe mais entrosamento entre as pessoas 15% Interacção Ajuda os alunos a se confraternizarem Sente-se mais a vontade com quem conhece.

177 Capítulo VII – Anexo nº 14 (cont.)

14.2 - É bom porque:

% Temas Verbalizações Fico com o corpo mole Relaxa, descontrai 39,3% Qualidade de vida A dança distrai Melhora a condição física

39,3% Solução de problemas Ajuda-nos a concentrar melhor nos estudos Ajuda a acabar com minha timidez Irá tirar os jovens da criminalidade Existe mais entrosamento entre as pessoas. Tem pessoas que podem te dar várias ideias Porque na dança todos ajudam Aprende passos que não conhece. A rotina chega a ser muito cansativa então com a dança podemos nos distrair.

Nós vamos para vários lugares mostrar o que aprendemos. Tem muita gente que sabe de dançar e gosta de dançar na escola então poderia mostrar o talento dessas pessoas. As pessoas conhecem mais o seu trabalho e a verdadeira essência das coisas. 21,4% Conhecimento/ Para que as pessoas saibam como é a dança e talvez até Reconhecimento interessa a elas aprender Adquiri um novo conhecimento na dança Tem a ver com a música.

14.3 - É mais ou menos porque:

% Tema Verbalização Ás vezes tem de mostrar a barriga e eu não gosto Não me sinto a vontade dançado na escola Quando você tem gingado é bom, mas ás vezes também é 66,7% Desconforto horrível, pois acaba passando vergonha. Não sei dançar bem, fico com vergonha e meus amigos ficam rindo. Não gosto muito de dançar na frente dos outros Não sei dançar direito. Por ser uma coisa meio amadora, mas é divertido sim. 33,3% É legal, mas não temos esse tipo de atividade… Irrelevante Não é o mais importante a se fazer na escola.

14.4 - É ruim porque:

% Tema Verbalização 66,7% Vexatório As pessoas e seus comentários me incomodam, se a pessoa dançou certo ou errado não cabe a ela julgar. Existem pessoas que não sabem dançar e acabam sendo prejudicadas por causa disso. 33,3% Inapetência Não é do meu agrado e prazer.

178 Capítulo VII – Anexo nº 15

Anexo nº 15 – O que sentem quando dançam?

% Temas Verbalizações Alegria, feliz / /Euforia, Entrega, prazer, satisfação, Emoção (muito forte), Descontraída, Calma, tranquilidade, bom humor, Conforto, Harmonia, espontâneo, Bem, Bem-estar, disposta, Divertindo, Distracção, Completa, Inspiração, algo inexplicável. 107,3% Bem-estar/liberdade Quando a dança é espontânea, me sinto bem. Livre, liberdade, solta(o), leve, alívio, paz, Esqueço os problemas (como se nada mais existisse), outra pessoa, Expressão da alma e do corpo e mente, Algo surreal …é como se o tempo parasse por alguns minutos. Você se liberta do mundo material e simplesmente dança, é óptimo! Força, Raça (coragem), vigor, Energia (boa, acumulada), adrenalina, disposição, calor, Vontade de aprender mais, 17,8% Energia/Determinação vontade de dançar mais, capaz de aprender mais, Aprendendo, nunca desistir.

Reconhecimento, Orgulho, ego melhorado, Que sou uma das melhores, Importante, 10,5% Auto estima Perco a vergonha, desinibo, Comigo mesmo, Sinto-me a melhor pessoa.

Nervosismo, frio na barriga, Dores, vergonha, Quando é coreografado me sinto abrigado a fazê-la e isto 9,4% Mal estar/desconforto não é bom Não gosto de dançar…não levaria jeito.

3,1% Nada Nada de especial, Nada, porque eu não danço

179 Capítulo VII – Anexo nº 16

Anexo nº16 – O que mais lhe destaca nestas danças

% Tema Verbalização As coreografias (axé, hip hop). Os movimentos especiais chamados power movies (street dance, hip hop). Os passos/movimentos/ o requebrado. Sincronismo. (folclórica) Passos. (forro) O suingue (axé) O ritmo agitado (forró, quadrilha e axé) A maneira como se dança e se entrega ao parceiro (forro). 50,5% Estética O conjunto todo. Expressão Elegância (dança de salão) A postura (dança moderna e forró) O jeito de dançar O corporal Os trajes / roupa Maquiagem As cores

Estilo (folclórica, hip hop)

Empolgação. Animação Energia Desenvolvimento Alegria (forró) A diversão (axé) 29,5% Alegria Motivação Carisma Leveza Calma/sossego Liberdade imaginária Emoção Reconhecimento O modo como a cultura é transmitida. Cultura (forro) Raízes (foclore) As letras da música 11,5% Cultura Música

Campeonato, desafio, as batalhas2, Controle,

Exibicionismo (hip hop), Um pouco de dever 7,4% Desafio

A dança a dois A sensualidade e (dança do ventre, axé) A interacção (forro) 5,2% Interacção União/Intimidade.

180 Capítulo VII – Anexo nº 17

Anexo nº 17 – O que as danças expressam % Temas Verbalizações Alegria / felicidade / amor /diversão /emoção Adrenalina /animação /paz / harmonia/prazer

Sentimentos bons 71,5% Satisfação Gratificação/ inspiração/ sintonia Bem-estar/vida Orgulho/ companheirismo/ liberdade

Força de vontade/responsabilidade e compromisso Capacidade /vontade de crescer /vitória/ força/ Disputa/

Desafio/ confiança 15,7% Determinação Dor/esforço/controle Para que os jovens saiam dessa vida de crime A dança pode até tirar do mal caminho que são as drogas

Beleza da mulher /elegância/charme/sensualidade 9,5% Beleza Carisma. Corpo/movimentos/expressão do corpo/saúde

Cultura /perpetuar a cultura / tradição /história Modernidade. 5,2% Cultura

181 Capítulo VII – Anexo nº 18

Anexo nº18 – Porque dança

% Tema Verbalizações Me indentifico Me simpatizo Faz parte da minha vida É a minha vida Chama minha atenção 35,2% Identificação Porque é melhor que educação física Mais produtivo Posso exercitar mais meu corpo Estimularia mais minha atenção sobre as coisas É mais artístico, espontâneo Não gosto muito de esporte É mais divertido que esporte Mexe/ rebola Alegra/ sente-se feliz/mais divertido É mais atraente Passa a ser livre 18,5% Prazer Traz energia É algo pleno Sinto-me mais viva (o) Porque gosto (gosto muito) Dança faria com prazer, já educação física eu faço por obrigação

Quero ser uma grande dançarina 5,5% Profissão Podemos apresentar Fico mais conhecido

19.1 - Porque educação física

% Tema Verbalizações Gosto mais de esportes 37,5% Predilecção Gosto dos processos para se chegar a ser um bom jogador de handebol.

Liberdade Odiaria dança como aula obrigatória 25% EF não exige que aprendamos isso ou aquilo é algo livre

12,5% Profissão Pretendo fazer faculdade de EF

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