Etnografia Urbana E Memória Social Da Gafieira Estudantina
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF CENTRO DE ESTUDOS GERAIS - CEG INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA - ICHF PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA - PPGA “O Ambiente Exige Respeito”: Etnografia Urbana e Memória Social da Gafieira Estudantina Felipe Berocan Veiga Niterói Maio de 2011 ii “O Ambiente Exige Respeito”: Etnografia Urbana e Memória Social da Gafieira Estudantina Felipe Berocan Veiga Tese de Doutorado submetida por Felipe Berocan Veiga ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA), do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF) como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Antropologia. Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello. Niterói Maio de 2011 iii “O Ambiente Exige Respeito”: Etnografia Urbana e Memória Social da Gafieira Estudantina Felipe Berocan Veiga Tese submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA), do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF), como parte dos requisistos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Antropologia. Banca examinadora: _________________________________________________ Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello – PPGA/ICHF-UFF (Orientador) _________________________________________________ Profª. Drª. Simoni Lahud Guedes – PPGA/ICHF-UFF _________________________________________________ Prof. Dr. Hélio Raymundo Santos Silva – UFSC e IH-UCAM _________________________________________________ Prof. Dra. Soraya Silveira Simões – IPPUR/UFRJ _________________________________________________ Profª. Drª. Filippina Chinelli – IFCS/UFRJ e FIOCRUZ Niterói Maio de 2011 iv Veiga, Felipe Berocan. “O Ambiente Exige Respeito”: etnografia urbana e memória social da Gafieira Estudantina / Felipe Berocan Veiga. - - Niterói, RJ: UFF / ICHF/ PPGA, 2011. xxviii, 438 p. : il. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal Fluminense - UFF, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia - ICHF, Programa de Pós-Graduação em Antropologia - PPGA, 2011. 1. Gafieira Estudantina. 2. Gafieiras cariocas. 3. Dança social. 4. Praça Tiradentes, RJ. 5. Antropologia Urbana - Tese. I. Mello, Marco Antonio da Silva (Orient.). II. Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Antropologia. III. Título. v Dedico esta Tese de Doutorado em Antropologia a dois mestres insubstituíveis dos palcos e salões: Paulo Moura e Maria Antonietta Guaycurús de Souza. Ele dançando com sua clarineta transparente, ela de saia rodada sentindo a música vibrar na alma. Tempos felizes... Se suas mortes durante a realização desta pesquisa me abalaram profundamente, diante da fragilidade do tempo e da finitude da existência, suas vidas bem vividas me serviram como grande motivação, diante da dedicação amorosa a seus ofícios, exemplos maiores de elegância, de arte e de paixão pelo ambiente das gafieiras. F. B. Veiga, 10/Abr/2010 e 22/Out/2008. Fotos A.1 e A.2 – Paulo Moura (1932-2010) e Maria Antonietta (1927-2009), saudosos mestres das gafieiras, na música e na dança. vi AGRADECIMENTOS Não existe gafieira sem mesuras ao microfone, sem o exercício oratório da hospitalidade e das provas recíprocas de gratidão. Faz parte da lógica de atração do público desses “ambientes que exigem respeito” os agradecimentos, a distribuição de troféus, as chuvas de pétalas de rosas, a coroação de “rainhas”, “madrinhas”, “padrinhos”, o descerramento de placas, as valsas de honra, os brindes com champanhe, numa espécie de quadro vivo de uma corte real no salão. Ali estão as homenagens em vida, em contraponto a outros espaços públicos da cidade, como são as ruas, as praças, os memoriais, os cemitérios, assentados em reverências funéreas. Em um baile memorável, restos de tecido brilhante e luzinhas brancas decoravam a cena, deixados mais de um ano após a gravação da novela Caminho das Índias. Era o aniversário de Glória Perez, autora do folhetim e “madrinha vitalícia” da casa. Na ocasião, o jornalista e empresário Boni, ex-diretor geral da Rede Globo, receberia também um troféu da Estudantina Musical. O apresentador Jesus, vestindo um paletó azul de lantejoulas, sacou do bolso páginas com informações de algum portal da internet sobre televisão e, convocando os dois ao palco, começou a enumerar em detalhes a biografia do homenageado: “José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Nasceu em 30 de novembro de 1935 na cidade de Osasco, São Paulo. Foi apelidado pela mãe de Boni e, desde muito cedo, acompanhou o trabalho do pai em estações de rádio. Quando seu pai morreu, o garoto tinha só sete anos, e então foi enviado para um colégio interno, o Liceu Coração de Jesus. Aos quinze anos, se mudou para o Rio de Janeiro e começou a acompanhar sua tia nos estúdios da Rádio Clube do Brasil. Em 1950, foi redator do Clube Juvenil Toddy, na Rádio Nacional. Em 1953, passou a trabalhar em programas da Rádio Tupy e, depois disso, foi para a Rádio Bandeirantes. Em 1955...” Glória Perez e Boni, veteranos da indústria do entretenimento, riam no palco às gargalhadas do insólito script, diante do currículo infindável e das atividades de um passado tão longínquo que eram enumeradas ao microfone por Jesus. O produtor artístico Paulinho se vii irritava com as trapalhadas do apresentador contratado, que, para completar, anunciou repetidas vezes a presença do cantor “Vagner”, ao invés de Fagner. O artista também ficou visivelmente contrariado com a troca do nome, o desagrado estampava rugas em seu rosto. Logo depois de seu show, quando Jesus tirou do bolso mais um papel e começou a ler: “Raimundo Vagner, cantor e compositor cearense; em 1971, gravou seu primeiro compacto simples...”, o homenageado, num gesto de cólera, arrancou das mãos do apresentador sua biografia interminável e desceu do palco com a papelada, na frente de todos, na base do “me dá isso aqui!”. Um fiasco total! Paulinho ficou vermelho de raiva e me encontrou em frente ao palco fotografando. Quando, para minha surpresa, me disse em tom exaltado: “Não dá para trabalhar assim! Da próxima vez, eu vou chamar você para apresentar!!!”. Semanas depois, atordoado, me vi num sonho assumindo essa função de mestre de cerimônias, enquanto pensava nos agradecimentos da tese. Encarnaria eu a figura do patético “orador de gafieira”?... Sem acreditar no que estava acontecendo, era agora então o personagem ironizado por Nelson Rodrigues em suas crônicas futebolísticas, um exemplo cômico do excesso de floreios e dos exageros de linguagem. Em um salão que comporta até 1.500 pessoas, via muitos de meus entrevistados, colegas e amigos, mas a luz era insuficiente para reconhecê- los com clareza, as fichas se embaralhavam e o medo dos exageros, das repetições, dos esquecimentos e dos lapsos na leitura parecia assumir proporções gigantescas. Sabia que iria me exceder – ou pior, me emocionar – como era de se esperar de um “orador de gafieira”... Ao invés do paletó mirabolante de Jesus, vestia meu terno inacabado em tecido Oxford bege, com as marcas de giz deixadas por um de meus entrevistados, Walter Alfaiate, pouco antes da terceira prova, quando ele lamentavelmente se internou no hospital e veio a falecer. Quase um ano depois, consegui finalmente recuperar o terno sem gola nem mangas por meio de um encontro casual com sua filha Maria Cláudia, quando a peça já estava em exposição numa vitrine do Rio Scenarium em homenagem ao autor! Vestia a própria tese em processo de costura, ou seja, a própria “academia de bordados”, para relembrar a expressão usada pelos Profs. Mello e Arno – rindo com escárnio no sonho, sentado na primeira mesa em frente ao palco, com uma garrafa de uísque etiquetada com dois emes maiúsculos, privilégio de antigos frequentadores. Relembrei algumas ocasiões em que encontrava simultaneamente com oito, dez entrevistados ao mesmo tempo, como nos bailes de aniversário da Estudantina ou do 13º Batalhão da PM, ou no velório de Paulo Moura perto dali, no Teatro Carlos Gomes. Talvez fosse um baile para celebrar a defesa da tese, pois estavam todos juntos no salão: dançarinos, músicos, frequentadores, profissionais da casa, amigos da Praça Tiradentes, professores, colegas, familiares e amigos. E eu ali, suando sob holofotes, deveria de um só fôlego prestar viii contas das relações que me possibilitaram trilhar os passos desta pesquisa, navegando em múltiplas direções, na certeza plena de que a investigação era muito maior do que a tese. F. B. Veiga, 19/Dez/2010. Foto 3 – Jesus e os intermináveis agradecimentos. * * * * * Em primeiro lugar, agradeço ao Prof. Marco Antonio da Silva Mello pela relação de confiança, pela amizade frutífera, pelo aprendizado intenso e pelo espírito de parceria em diversas pesquisas, ao longo de doze anos de trabalho conjunto. Propus a arriscada mudança de tema no meio do percurso do Doutorado basicamente para satisfazer seus interesses voltados para a metrópole carioca, escolhendo propositadamente uma vizinhança imediata de nosso quartel-general da pesquisa empírica, o Laboratório de Etnografia Metropolitana – LeMetro/IFCS-UFRJ. Fico imensamente grato ao Prof. Mello por aceitar essa proposta e me possibilitar conhecer, a partir desta pesquisa, outras realidades urbanas. Só mais tarde, viria saber que o tema lhe tocava diretamente: seus pais Zélia e Antônio Pedro iam assiduamente dançar na antiga Gafieira Mimoso Manacá, que funcionou no centro de Niterói de 1920 a 1972, na Rua São João quase esquina com a Rua Visconde de Uruguai. Mello também esteve muitas vezes na Estudantina Musical na década de