VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS

O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL: LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes

VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS

O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL: LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO

Dissertação de Mestrado apresentada a Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música. Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS, E ORIENTADO PELO PROF. DR. FERNANDO AUGUSTO DE ALMEIDA HASHIMOTO.

ASSINATURA DO ORIENTADOR

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CAMPINAS 2015

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Para Léia, Guilherme e Fernando com carinho.

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Agradecimentos

Aos meus pais, Márcio e Marite, e meus irmãos, Murilo e Felipe, pelo apoio irrestrito sempre.

Ao orientador Prof. Dr. Fernando Hashimoto pela confiança e pelas preciosas intervenções.

Aos professores que integraram as bancas de qualificação, recital e defesa do mestrado, José Alexandre Carvalho, Budi Garcia, Leandro Barsalini e Carlos Stasi.

A família Marçal (Armando e Niltinho).

Aos amigos Rodrigo Morte, Guilherme Marques, Guca Domenico, Rodrigo Marinonio, Leandro Lui, Rogério Boccato, Deni Domenico, Nelton Essi, Rodolfo Arilho, Osvaldo Bigaram, Vana Gierig, Antonio de Almeida (Toniquinho) e Glaúcia Vidal que estiveram presentes desde o principio do me ajudando com o projeto.

Aos meus professores Rui Carvalho (meu primeiro incentivador), Eduardo Gianesella, Luis Caldana, Luiz Guello (pela sugestão do tema), John Boudler, Carlos Stasi, Alberto Ikeda e Gersinho da Banda.

A todos que gentilmente, sem medir esforços se dispuseram a participar com inúmeras contribuições, Barão do Pandeiro, Beto Cazes, Oscar Bolão, Paulinho Bicolor, Vitor Pessoa, Sérgio Barba, Danilo Moura, Teco Martins, Lua Lafaiette, Hélio Cunha. Mário Séve, Profa Liliana Bollos, Camila Bonfim, Fábio Prado, João Mauricio Galindo e Sérgio Freddi.

A todos os entrevistados que muito contribuíram para essa pesquisa, especialmente Marcos Alcides da Silva (Esguleba) que nos apoiou e ajudou com as entrevistas e ensinamentos.

A Contemporânea e seu diretor Roberto Guariglia.

Carlo Careqa que nos introduziu a , bem como Vinicius França, Mário Canivello pelos esforços em fazer essa intermediação.

$0DUN/DPEHUWXP³LUPmR´TXHJDQKHLKiPXLWRVDQRV, que se dispôs a entrar na fase final para ajudar com as entrevistas realizadas com e Chico Buarque.

Aos amigos e companheiros de mestrado, Paola Albano, Nath Calan, Igor Brasil.

Aos amigos e músicos excepcionais participantes desde sempre que enriqueceram meu sonho, Daniel Allain, Gabriela Machado, Rubinho Antunes, Fernando Corrêa, Sidnei Borgani, Marinho Andreotti, Wesley Vasconcellos, Luiz Guello, Danilo Moura, Nelton Essi, Deni Domenico e Leandro Lui.

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E ao Prof. Dr. Fábio Oliveira, amigo e conselheiro que muito me ajudou.

Obrigado a todos que participaram direta ou indiretamente para finalização do trabalho.

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RESUMO

A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal), tendo como enfoque sua performance como ritmista. Apesar da atuação de Mestre Marçal em vários instrumentos de percussão, essa pesquisa é delimitada somente a sua execução ao tamborim. O período que engloba essa pesquisa se encontra entre os anos de 1963 e o final da década de 1980. São discutidos alguns procedimentos musicais adotados pelo músico de forma recorrente, a serem tomados como aspectos distintivos em sua performance e, portanto, vistos como traços característicos de seu estilo. O cruzamento de dados provenientes de transcrições e análises musicais com dados oriundos da história oral, que compõe a base para esta discussão, tem por objetivo responder a hipótese central deste trabalho, que considera Mestre Marçal um dos principais pontos de contato entre duas gerações, uma relacionada com seu pai Armando Marçal e Bide, ambos da Turma do Estácio, e a outra relacionada posteriormente com a Turma do Cacique de Ramos.

Palavras-chave: Mestre Marçal; tamborim; percussão brasileira; estudo interpretativo; performance.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the musician Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal) with emphasis on his performances as percussionist. In spite of Mestre Marçal having a great career playing all kinds of Brazilian percussion instruments, this research is focused on his work with the tamborim. The period in which this research encompasses goes from WRWKHHQGRIWKH¶V5HFXUUHQWPXVLFDOSURFHGXUHVDGRSWHGE\0HVWUH0DUoDO will be discussed and taken as a distinctive aspect of his performance and seen as characteristic of his style. The crossing of data provided by transcriptions and musical analyses with data collected through oral history serve as basis for this discussion. The main objective is to respond to the central hypothesis of this research, which considers Mestre Marçal to be one of the main links between two generations, one that includes his father, Armando Marçal and Bide, both from the Turma do Estácio, and the later one from the Turma do Cacique de Ramos.

Keywords: Mestre Marçal; tamborim; Brazilian percussion; interpretative study; performance.

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Lista de Ilustrações

Figura 1: Repique de anel...... 7 Figura 2: Repique de mão...... 7 Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig...... 8 Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone...... 17 Figura 5: Capa do LP Na Batida do , de Alberto Paz...... 18 Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz...... 18 Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz...... 19 Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo...... 20 Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal...... 22 Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal...... 22 Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes...... 23 Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal...... 25 Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal...... 29 Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal...... 30 Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal...... 30 Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal...... 31 Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal...... 33 Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal...... 34 Figura 19: Capa do LP -enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal...... 36 Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras...... 39 Figura 21: Tamborim com pele de cobra e cabo...... 42 Figura 22: Tamborim com pele fixada por tachinhas metálicas...... 42 Figura 23: Tamborim sextavado com afinadores individuais...... 42 Figura 24: Modelo atual de tamborim...... 42 Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos...... 43 Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free, Aeroporto de Guarulhos...... 43 Figura 27: Tamburica com 8 tamborins...... 66 Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003)...... 68 Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do tamborim...... 69 Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele...... 69 Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada...... 69 Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma...... 69 Figura 33: Levada utilizando notas fantasma...... 70 Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim...... 70 )LJXUD/HYDGDGH0HVWUH0DUoDOVHP³YLUDU´RWDPERULP ...... 70 Figura 36: Grafia para toque virado...... 70 Figura 37: Escrita para tamborim virado...... 71 Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional ...... 71 Figura 39: Tamborim tocado virado...... 71 Figura 40: Levada de teleco teco...... 71 Figura 41: levada de teleco-teco com o toque virado...... 72 Figura 42: Frigideira utilizada no samba...... 72 )LJXUD$FHQWRVFRPVHPLFROFKHLDV³DEHUWR´HWRTXH³DEDIDGR´QRVWDPERULQV ...... 73 Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente...... 73 Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-3:22 (faixa 1 do CD)...... 74 Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-04:18 (faixa 2 do CD)...... 75 Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-1:06 (faixa 3 do CD)...... 76 Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22--4:58 (faixa 4 do CD)...... 77 Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso...... 77 Figura 50: Parte de tamborim. n. 6, Villa-Lobos...... 81 Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, ...... 81 Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim...... 82 Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali ± compassos 7 a 42...... 86 Figura 54: Frase de tamborim médio. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali, compassos 9 a 42...... 86

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Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42...... 87 Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali...... 87 Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. .... 88 Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-138...... 89 Figura 59: Frase de tamborim de teleco-teco...... 89 Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira ...... 91 Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD)...... 95 Figura 62: Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD)...... 97 Figura 63: Microfone Sennheiser 421...... 102 Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna...... 108 Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-0:10 (faixa 7 do CD)...... 109 Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-0:20 (faixa 8 do CD)...... 109 Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03--0:13 (faixa 9 do CD)...... 110 Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-1:09 (faixa 10 do CD)...... 110 Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-1:14 (faixa 11 do CD)...... 111 Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-1:49 (faixa 12 do CD)...... 111 Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-1:58 (faixa 13 do CD)...... 111 Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-0:10 (faixa 14 do CD)...... 112 Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-0:20 (faixa 15 do CD)...... 112 )LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPNão Diga a Minha Residência. 0:37-0:47 (faixa 16 do CD)...... 113 Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-2:38 (faixa 17 do CD)...... 113 Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-0:10 (faixa 18 do CD)...... 114 )LJXUD7DPERULQV³SHUJXQWDVHUHVSRVWDV´Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-1:43 (faixa 19 do CD). .... 114 )LJXUD³&RQYHUVD´HQWUHWDPERULQVDeixa Essa Mulher pra lá. 2:00-2:05 (faixa 20 do CD)...... 114 Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-2:30 (faixa 21 do CD)...... 115 Figura 80: Caixeta ou wood block...... 116 Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963)...... 118 Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-0:27 (faixa 22 do CD)...... 119 Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-0: 41 (faixa 23 do CD)...... 121 Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-0:56 (faixa 24 do CD)...... 123 Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim...... 124 Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis...... 124 Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-1:26 (faixa 25 do CD) ...... 125 Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-1:40 (faixa 26 do CD)...... 126 Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-1:52 (faixa 27 do CD)...... 127 Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-2:05 (faixa 28 do CD) ...... 128 Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-2:59 (faixa 29 do CD)...... 129 Figura 92: Introdução de Pára-raio ...... 130 )LJXUD³3HUJXQWDHUHVSRVWD´GH3iUD-raio, melodia com percussão. 0:51-0:57 (faixa 31 do CD)...... 130 Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-raio. 0:57-1:04 (faixa 32 do CD)...... 131 Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-raio. 1:10-1:23 (faixa 33 do CD)...... 132 Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-0:12 (faixa 34 do CD)...... 132 Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica...... 134 Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato...... 134 Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-0:08 (faixa 35 do CD)...... 136 Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-0:11 (faixa 36 do CD)...... 137 Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-0:15 (faixa 37 do CD)...... 137 Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-0:50 (faixa 38 do CD) ...... 138 Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-0:58 (faixa 39 do CD)...... 138 Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-1:41 (faixa 40 do CD)...... 139 Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-3:05 (faixa 41 do CD)...... 140 Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-0:51 (faixa 42 do CD)...... 141 Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-1:15 (faixa 43 do CD)...... 141 Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-3:10 (faixa 44 do CD)...... 142 Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-0:06 (faixa 45 do CD)...... 143 Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-0:56 (faixa 46 do CD) ...... 144 Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-1:47 (faixa 47 do CD) ...... 144 )LJXUD³3HUJXQWDHUHVSRVWD´WDPERULP O Meu Guri. 0:18-0:25 (faixa 48 do CD)...... 145

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Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-1:15 (faixa 49 do CD) ...... 146 Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008)...... 146 Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012)...... 147 Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003)...... 147 Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-0:57 (faixa 50 do CD)...... 148 Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio...... 148 )LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPGRIUDVHDGRGH0HVWUH0DUoDO ...... 149 Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal ...... 149 Figura 121: Levadas sem utilização dos aros...... 150 Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna...... 150 Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal...... 151 Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal...... 154 Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-0:59 (faixa 51 do CD)...... 155 Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-0:09 (faixa 52 do CD)...... 157 Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes...... 158 Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-2:07 (faixa 53 do CD)...... 161 Figura 129: Tamborins de São Mateus...... 163 Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-0:26 (faixa 54 do CD)...... 165 Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-0:49 (faixa 55 do CD)...... 165

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SUMÁRIO

Introdução 1 Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional ...... 11 Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso ...... 40 2.1. Os Tamborinistas ...... 48 2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos ± Bide ...... 48 2.1.2 Armando Vieira Marçal ...... 49 2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques ...... 50 2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro ...... 53 2.1.5 Elizeu Félix ...... 54 2.1.6 O Trio ...... 55 2.2 O Tamborim na Escola de Samba ...... 60 2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba ...... 67 2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea ...... 81 2.5 O Tamborim na Orquestra ...... 85 2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas ...... 93 2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB ...... 101 Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo ...... 106 3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal ...... 107 3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal ...... 117 Capítulo 4. O Legado ...... 152 Considerações Finais ...... 167 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 171

Introdução

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Introdução

A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (1930-1994), que ficou conhecido no meio musical como Mestre Marçal. Reconhecido por suas contribuições como cantor, passista, compositor, diretor de bateria e ritmista, Mestre Marçal é apontado neste trabalho como o principal ponto de contato entre duas gerações de ritmistas1: 1) os anteriores a ele, vindos da turma do bairro Carioca do Estácio, e que no final da década de 1920 desenvolveram uma nova maneira de tocar o samba; e 2) a geração responsável por consolidar uma variante do samba que aparece a partir da metade dos anos 1970, e representada pelos músicos consagrados do Cacique de Ramos2, segundo o pesquisador e compositor (LOPES, 2003, p. 110).

A primeira geração foi a das primeiras gravações de discos no Brasil e dos primeiros trabalhos nas rádios, que com o tempo foram mudando a programação. O samba era proibido, mas tornou-se entretenimento da classe média e com isso, muitos cantores e cantoras foram levados a programas de auditório. Desta forma, conseguiam patrocínios para manter suas estruturas, além de recursos para investimentos em instrumentos e aparelhos de som, bem como para pagamento de músicos acompanhantes.

De certa forma, esses programas contribuíram para o estabelecimento da música popular. As rádios Nacional e Mayrinque Veiga, duas das mais poderosas do , empregavam a maioria dos músicos da época.

Neste trabalho serão estudados procedimentos musicais associados ao estilo desenvolvido por Mestre Marçal no tamborim, que podem ser tomados como elementos característicos de sua performance enquanto ritmista, bem como o legado que nos deixou.

1 ³ritmista 7HUPR EUDVLOHLUR V P SO µULWPLVWDV¶ 1RPH GR µLQVWUXPHQWLVWD¶ TXH DFRPSDQKD P~VLFDV populares em conjuntos ou orquestras, geralmente executando apenas um instrumento, mesmo quando há D SUHVHQoD GH XP µEDWHULVWD¶ 2 PDLV FRPXP p TXH VH HVSHFLDOL]H HP Xm ou alguns deles, como µDWDEDTXHV¶ µJDQ]iV¶ µPDUDFDV¶ µWDPERULP¶µFODYHV¶HWF2DFRPSDQKDPHQWRpJHUDOPHQWHH[HFXWDGR SRUPHLRGHGHVHQKRVUtWPLFRVUHSHWLWLYRVHFRPSRXFDVYDULDo}HV´ )581*,//2S 2 Cacique de Ramos ± bloco carnavalesco fundado em 1961, no bairro de Ramos, Rio de Janeiro, tendo iniciado seus encontros musicais somente em 1970, debaixo de uma tamarineira, onde seus músicos faziam uma roda de pagode. Ali surge a primeira geração de compositores que não construíram suas carreiras dentro de escolas de samba, tais como Arlindo Cruz, Sombrinha, e Jorge Aragão. No entanto, o principal nome do pagode não se limita somente a um artista. Também oriundo do bloco, o Grupo Fundo de Quintal torna-se a mais importante manifestação do gênero até hoje.

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Introdução

Devido à extensa e diversificada carreira musical de Mestre Marçal e à impossibilidade de realizar um levantamento completo e definitivo de gravações durante o período dessa pesquisa, a pesquisa ficou delimitada à atuação de Mestre Marçal em somente um instrumento: o tamborim ± e seu uso em diversos contextos musicais. Esta decisão deve-se à importância do tamborim para o samba, assim como pela contribuição peculiar de Mestre Marçal no desenvolvimento do instrumento. O tamborim foi um dos primeiros instrumentos de Mestre Marçal, bem como um dos mais utilizados em gravações.

O tamborim tem função muito importante dentro do samba, seja num grupo pequeno ou numa escola de samba. Na avenida, além das coreografias, o tamborim executa difíceis trechos musicais devido à complexidade das frases, além da velocidade atual das baterias, que exigem muita habilidade do ritmista. Numa formação menor, a µlevada¶3 do tamborim é um dos fios condutores da música. Cabe a ele a função de marcar o padrão que identifica o samba. Um exemplo são as levadas do cavaquinho no samba e até mesmo a levada que acabou servindo a João Gilberto, que a incluiu em seu violão na Bossa-Nova, FRQIRUPH FRQWD 0HQHVFDO ³A batida dele [João Gilberto] me surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Ele criou o estilo passando a batida do tamborim para o violão´ 0(1(6&$/

Assim, busca-se verificar, através do levantamento de dados provenientes da análise musical, combinados com informações coletada junto a fontes primárias, especialmente oriundas de história oral, em que medida as contribuições musicais de Mestre Marçal tiveram impacto sobre tal geração de ritmistas. A parte central da pesquisa tem por finalidade realizar um estudo interpretativo sobre a performance musical de Mestre Marçal em gravações de áudio, com foco no tamborim.

Mestre Marçal tornou-se mais conhecido do público brasileiro a partir da gravação do seu primeiro disco como cantor em 1978, numa homenagem ao seu pai,

3 ³1D WHUPLQRORJLD GRV P~VLFRV SRSXODUHV D OHYDGD p XPD FpOXOD UtWPLFD RX UtWPLFR-harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de LGHQWLILFDomRGRVJrQHURVPXVLFDLV´. (TRAVASSOS, 2005, p. 18)

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Introdução

Armando Vieira Marçal, e ao seu parceiro, o compositor e ritmista Alcebíades Maia Barcelos, conhecido como Bide. Anteriormente a isso, Mestre Marçal já frequentava os estúdios diariamente e havia trabalhado em rádio, televisão e bailes. Formou com Roberto Bastos Pinheiro (Luna) e Elizeu Félix um dos trios de ritmistas que mais gravaram nos últimos 40 anos e cuja principal marca era o famoso trio de tamborins. Porém, seu reconhecimento ocorreu através de músicos, produtores, artistas e outras pessoas ligadas ao samba. Após o primeiro LP autoral de 1978, Mestre Marçal gravou outros sete discos. Como diretor de bateria da , Mestre Marçal ganhou o maior prêmio individual do carnaval de 1986, o Estandarte de Ouro. Na década de 1980, integrou a banda de Chico Buarque e, paralelamente, continuou gravando com regularidade em estúdios de gravação e trabalhando na orquestra da Rede Globo como ritmista. Permaneceu na banda de Chico Buarque até 1994, ano em que veio a falecer.

Ainda que a percussão popular brasileira seja reconhecida mundialmente, há uma grande lacuna nos estudos a respeito desse assunto. O mesmo ocorre com a percussão erudita brasileira, como atesta o texto do professor Fernando Hashimoto:

Apesar da percussão popular brasileira ser respeitada e admirada no mundo todo, não acontece o mesmo com a percussão de concerto, ou erudita. O material histórico e documental é falho e escasso. Há poucos registros sobre sua história e poucos estudos sobre a produção de música para percussão no país. Esse primeiro espanto, com o tempo se transformou em indignação e em senso de obrigação pessoal que sinto na manutenção da história e da valorização da percussão sinfônica brasileira (HASHIMOTO, 2003, p. 8).

Até mais ou menos a década de 1970, Mestre Marçal, juntamente com Bastos (Luna) e Elizeu, seu pai Armando Marçal e os músicos Bide, Bucy Moreira, Arnô Canegal, Raul Marques, Heitor dos Prazeres, João Machado Guedes (João da Baiana) e Angenor de Oliveira () representavam os principais nomes da percussão no samba. Deve-se citar seus seguidores e companheiros das gerações atuais de percussionistas, como José Belmiro Lima (Mestre Trambique), Ovídio Brito, Marçalzinho (filho de Mestre Marçal) e Marcos Alcides da Silva (Esguleba) o qaul faz um relato sobre o Mestre Marçal:

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Introdução

E a gente, acho que todos, o rapaz aí que começou a tocar, eu, que tenho 51 anos de idade agora, que começou querer a ser batuqueiro, se inspirou no Marçal. O Marçal era uma pessoa importante; além de ele ser um grande músico, era uma pessoa que dava chance de você poder ouvir ele tocar [...] Eu me inspirei muito no Mestre Marçal [...]. Mestre Marçal pra mim continua sendo o melhor ritmista do Brasil, é imortal, nunca vai sair da mente do brasileiro (SILVA, M., 2015).

Chico Buarque completa:

Conheci o Mestre Marçal nos estúdios da Polygram, no início dos anos 70. Ele formava com Luna e Elizeu o trio de ritmistas mais requisitado para gravações de samba. Não tenho certeza, mas acho que eles participaram da gravação de Apesar de você e Desencontro, lado A e lado B do meu primeiro disco na Polygram, um compacto simples. Antes de conhecê-lo e de me encantar com ele pessoalmente, eu já o admirava como músico, sem contar que ele era filho do compositor Marçal, parceiro de Bide em maravilhas como Agora é cinza e A primeira vez (BUARQUE, 2015).

Conforme já observado, a escolha de Mestre Marçal como objeto deste estudo deve-se à grande diversidade de funções por ele desempenhadas ± ritmista de estúdio, integrante de grupos atuante em shows, diretor de bateria de escola de samba, e por ser uma referência unânime entre os músicos. Ao longo da pesquisa, observamos uma escassez de material sobre Mestre Marçal, tanto em vídeo como em áudio, principalmente no período de 1953 (sua primeira gravação em estúdio) até o final dos anos 1960.

Um possível motivo dessa dificuldade pode ter relação com determinadas gravações desse período em que se estabeleceu a Bossa Nova, em que a maioria das situações, apresenta uma instrumentação básica em formato de trio (, baixo, bateria). Quando havia percussão, era discreta. E até mesmo o baterista possuía uma função de pouco destaque, sendo as vassourinhas sua maior companhia4. Os ritmistas

4 ³Escovinhas 7HUPREUDVLOHLURVI3O3OXUDOGHµHVFRYLQKD¶GLPLQXWLYRGHµHVFRYD¶&RQMXQWRGHILRV GH DUDPH ILQRV FRP R PHVPR FRPSULPHQWR HP PpGLD ´  DPDUUDGRV RX IL[DGRV QXPD GDV extremidades de modo que na extremidade livre as pontas tendam a se afastar, tomando a forma de um kQJXOR TXH VH DEUH FRPR XP OHTXH RX DEDQR 6mR XWLOL]DGDV SDUD SHUFXWLU LQVWUXPHQWRV GH µSHOH¶

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Introdução continuavam trabalhando, mas não com grande frequência. Os bailes, shows e programas de rádio ocorriam, mas essas gravações não eram regularmente registradas e somente no final da década de 1960 e meados da década de 1970, podemos encontrar nas gravações o ressurgimento da percussão.

Dentre as inúmeras gravações daquela época, uma chamou bastante atenção. Trata-se do primeiro disco de Cartola, de 1974, com produção de João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão, e gravado pelo selo Marcus Pereira. Nesse disco, a cuíca de Mestre Marçal ganhou grande destaque.

Com o passar dos anos, a indústria fonográfica foi se desenvolvendo, fazendo com que outros grandes ritmistas se destacassem juntamente com Mestre Marçal. A essa nova maneira de tocar e à criação de novos instrumentos, cita-se alguns criadores, como Edmundo Pires de Vasconcelos, o Doutor, com o repique de anel5, e Ubirany Felix Nascimento, com o repique de mão6. Os instrumentos encontram-se ilustrados nas Figuras 1 e 2, respectivamente.

VREUHWXGR µFDL[DV¶ H µSUDWRV¶  SHORV µEDWHULVWDV¶ (VVD WpFQLFD GH H[HFXomR VXEVWLWXLQGR DV µEDTXHWDV¶ WUDGLFLRQDLVWHYHRULJHPFRPRVLQVWUXPHQWLVWDVGHµMD]]¶QDSURFXUDGHXPDSHUFXVVmRPDLVVXDYHHGH XPD IULFomROHYHGDµSHOH¶SDUDDFRPSDQKDUDVIUDVHV PXVLFDLV S. Prokofieff [sic] XVDµHVFRYLQKDV¶ QR µSUDWRVXVSHQVR¶HPµ3HGURHR/RER¶ ). Na música popular brasileira podem ser usadas percutindo RµFDVFR¶GHµWLPEDV¶FRPXPDGDVPmRVHQTXDQWRDRXWUDSHUFXWHDµSHOH¶&RQKHFLGDVWDPEpPFRPR µYDVVRXULQKD¶ VmR FKDPDGDV GH µEUXVKHV¶ µUK\WKP EUXVKHV¶ RX µZLUH EUXVKHV¶ >LQJO@ µVSD]]ROD¶ µVSD]]ROH¶µVSD]]ROLQR¶µVFRYROR¶µVFRYRORGHILO¶RXµVFRYRORGHIHUUR¶>LWDO@µEURVVHHQILOGHPHWDO¶ µEDODL¶ RX µEDODL PpWDOOLTXH¶ >IU@ µ6WDKOEUVWH¶ µ'UDKWEUVWH¶ µ-D]]EHVHQ¶ µ%HVHQ¶ H µ%HVLQ¶ >DOHP@ µHVFRYLOODV¶>HVSDQ@HµPHWsORFKND¶>UXVVR@9HUWDPEpPµUXWH¶´ (FRUNGILLO, 2003, p. 120). 5 ³5HSLTXHGHDQHOFRQVLVWHHPXPUHSLTXHGHHVFRODGHVDPEDFRPSHOHGHFRXURHPDPERVRVODGRVGH afinação grave e preso ao pescoço com um talabarte. Ao mesmo tempo que percutimos com uma das mãos a membrana inferior, com anéis ou dedais nos dedos da outra mão tocamos no corpo de metal do LQVWUXPHQWR2GHGRSROHJDUGHVVDPHVPDPmRpXWLOL]DGRQDSHOHGHFLPDSDUDID]HUYDULDo}HVQRULWPR´ (BOLÃO, 2003, p. 45). 6 ³5HSLTXHGHPmR6HXFULDGRU8ELUDQ\ Felix Nascimento, do grupo Fundo de Quintal, conta que, não havendo um instrumento disponível pra tocar, utilizou-se de um tom-tom de uma bateria que havia na casa. Mais tarde, num pagode na quadra do bloco Cacique de Ramos, encontrando-se na mesma situação, começou a fazer ritmo num repique comum de escola de samba. Por causa da excessiva ressonância do instrumento, resolveu tirar a membrana de um dos lados, dando-lhe, assim, a forma definitiva que hoje conhecemos. Colocado sobre a perna, o repique é perFXWLGRFRPXPDGDVPmRVQDSHOHHRXWUDQRIXVWH´ (BOLÃO, 2003, p. 51).

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Introdução

Figura 1: Repique de anel. Figura 2: Repique de mão.

Naquela época, como se pode observar em fichas técnicas encontrados em trabalhos de samba, e mais tarde confirmado por músicos e técnicos, existiam músicos especialistas em um único instrumento. Além dos já citados acima, vale destacar nomes bastante comuns nas fichas técnicas, como por exemplo Beterlau no agogô, Geraldo Bongô (que, apesar do nome, era especialista em congas ou atabaques), Wilson Canegal no chocalho, Zeca da Cuíca, e Jorge José da Silva (Jorginho do Pandeiro), entre outros.

A motivação para realizar essa pesquisa teve início há dez anos, em conversa sobre samba e especificamente sobre o tamborim, durante ensaios da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, com o baterista e percussionista Roberto da Silva (Robertinho Silva). O músico é um dos nomes consagrados da história da música brasileira e reconhecido por suas significativas contribuições à banda do cantor e compositor , bem como por trabalhos com João Donato e , assim como contribuiu muito na divulgação do uso em trio de tamborins pelos músicos Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Robertinho Silva gravou vários discos autorais.

Robertinho me mostrou, nesses ensaios, algumas das levadas de tamborim que Mestre Marçal utilizava, as quais conheceu após conversa com Marçalzinho, filho de Mestre Marçal. A partir desse momento iniciei uma busca por material sobre a

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Introdução utilização do tamborim, envolvendo tanto novos aprendizados como também acesso a outras fontes, como por exemplo nessa busca conheci a obra de Bolão (2003), que é escrita para trio de tamborim utilizando algumas dessas levadas.

De certa forma essa pesquisa inicial começou a interferir na minha atuação profissional. No ano de 2005, participei da gravação do CD do grupo Comboio e para a música Futebol de Chico Buarque, fiz um arranjo percussivo na entrada da obra utilizando as três famosas levadas de tamborim, e ao final, uma batucada com diferentes padrões de tamborins copiados de um samba-enredo da Portela. Outra influência direta de Mestre Marçal em meus trabalhos musicais, é a gravação do CD Making Memories (2013), do pianista alemão Vana Gierig, em um contexto fora do samba, onde a diretriz musical principal é realizar experiências envolvendo uma variedade de ritmos junto a um trio de jazz sem que haja nenhum tipo de restrição à performance. No caso desse trabalho, o tamborim aparece com uma dessas levadas na faixa homônima do CD, cuja frase rítmica utilizada se encontra ilustrada na Figura 3 abaixo.

Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig.

A ³OHYDGD´ citada acima, muito usual no samba, era desconhecida por mim, e a descoberta veio através de Robertinho Silva, que tinha Mestre Marçal como referência habitual. Outras levadas tiveram o mesmo efeito, ou seja, a assimilação e inserção em outros estilos musicais. Essa influência sobre sambistas fez com que eu escolhesse Mestre Marçal como figura principal a ser estudada mais profundamente, de modo a divulgar aos futuros percussionistas e ritmistas sua importância no cenário musical brasileiro.

Em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 27 de janeiro de 1988, Jorge Caldeira afirma sobre Mestre Marçal que ³seu trabalho tem, por si só, uma função pedagógica que não deveria ser desprezada, ao menos em função do

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Introdução mercado potencial que representa o aprendizado e aperfeiçoamento dos muitos sambistas deste país´.

Em outro momento, o escritor Paulo Luna discorre:

Vinte e um anos depois de sua morte, já quase não se fala em Mestre Marçal e seus discos não foram reeditados. Para ter acesso à suas gravações é preciso uma atenta e dedicada pesquisa. Quando, na verdade, seus discos deveriam estar sendo tocados constantemente em emissoras de Rádio e Televisão, e seu nome reverenciado a cada carnaval, assim como os nomes de tantos outros sambistas relegados ao esquecimento. Mestre Marçal é uma lenda a ser contada e recontada por todos até o dia em que sua obra brilhe e seja cultuada na intensidade que merece (LUNA, 2015).

É oportuno destacar também a opinião do escritor Tárik de Souza a respeito da importância que Mestre Marçal exerceu na percussão do samba no meio musical EUDVLOHLUR³6HKiRXQkQLPHSUtQFLSH3DXOLQKRGDViola na dinastia do samba, Mestre Marçal seria o duque do baralho, como o Ellington do jazz, um mestre dos timbres inauditos. Senhor das misteriosas afinações de ganzás, cuícas, tamborins e surdos.´ (SOUZA, 2003, p. 81).

Essa dissertação foi organizada da seguinte maneira: no Capítulo 1, realiza- se um levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal; no Capítulo 2 e seus subcapítulos, enfoca-se o tamborim desde sua constituição física, incluindo uma listagem sucinta do seu emprego em diversos contextos musicais; o Capítulo 3 consiste no estudo interpretativo de alguns procedimentos relacionados à performance de Mestre Marçal no período em que a pesquisa foi delimitada. Esses procedimentos foram organizados em: a) utilização de rim shot no tamborim; b) o uso do tamborim fazendo ³FRPHQWiULRV´; c) o uso do tamborim como solista; d) tocando tamborim em duo; e) tocando em trio; e por último, apresentamos as considerações finais.

Para discorrer sobre os procedimentos selecionados foram utilizadas transcrições e análises musicais. Este material musical levantado a partir das

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Introdução transcrições foi confrontado com as informações coletadas junto a fontes primárias, como por exemplo, uma série de entrevistas semiestruturadas realizadas com importantes personagens do meio musical relacionados com a trajetória profissional de Mestre Marçal.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, era o segundo de uma tríade de percussionistas consagrados no cenário musical brasileiro (juntamente com seu pai e seu filho). Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de setembro de 1930, no bairro de Ramos, vindo a falecer no dia 9 de abril de 1994. Mestre Marçal era o segundo de três irmãos; Iara, a irmã mais velha, faleceu quando tinha 12 anos e o outro irmão, Valdir, faleceu com um ano e meio de idade. Seu pai foi Armando Vieira Marçal, compositor, ritmista da Rádio Nacional, lustrador de móveis e parceiro de Alcebíades Barcelos, o Bide. Armando e Bide formaram uma das duplas de maior sucesso na música brasileira, segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015). A terceira geração veio através do seu filho Armando de Souza Marçal, conhecido como Marçalzinho. Considerado um dos percussionistas de maior destaque na música brasileira atual, Marçalzinho tem um currículo invejável, tendo trabalhado com os artistas internacionais Pat Metheny, Stefano Bollani e com praticamente todos os artistas da nossa MPB, dentre eles João Bosco, Djavan, , Lulu Santos, entre outros, segundo ainda o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015). Como forma de esclarecimento ao leitor, ressaltamos que neste texto nomeia-se Nilton Delfino Marçal como Mestre Marçal. O nome Armando Marçal refere-se ao seu pai e Marçalzinho, a seu filho, Armando de Souza Marçal.

Mestre Marçal esteve próximo da música desde criança. Com sete anos, começou a tocar tamborim e ganhou de presente uma cuíca feita por seu pai. Como o próprio Mestre Marçal conta:

Eu comecei no samba com 9 anos de idade. Eu nasci em 30, em 39 eu comecei a militar no samba. Me lembro que meu primeiro ano de desfile foi na Escola de Samba Recreio de Ramos. Nessa época, o desfile era na Feira de Amostra. A feira de Amostra lá no Rio era onde hoje é o Monumento dos Pracinhas. Depois de lá, nós vínhamos pra Praça XI. Onde tinha o famoso Samba Duro. O cara ia buscar o outro lá fora, metia a perna no crioulo pra ver, tu ver aquela montoeira de pano no alto, era pra ver que o crioulo tava descendo. Era famosa a batucada, não existe mais, acabou (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

O ambiente musical da casa promovia o aprendizado. Todo final de semana, Mestre Marçal ficava observando seu pai e Bide tocando e compondo; conforme FRPHQWD³o pagode em casa começava QRViEDGRHDFDEDYDQDVHJXQGD´. Os µEDPEDV¶ do samba da época, Paulo da Portela, Bucy Moreira, Carlos Galhardo, Gilberto Alves, também frequentavam sua casa, e era no quintal que eram realizados os ensaios da escola de samba. Além disso, Mestre Marçal ia sempre aos programas de rádio para assistir a seu pai tocar (CABRAL, 2011, p. 400).

Uma história curiosa relatada por Mestre Marçal no programa Ensaio da TV Cultura, mostra o caminho que ele iria trilhar:

Eu me lembro de uma ocasião... O coroa me deu um dinheiro para eu pagar a mensalidade da escola. E eu saí com o dinheiro para pagar a mensalidade. Cheguei na Rua das Missões e vinha descendo um bloco. Eu não tinha nada na mão. Entrei em uma casa de instrumentos e comprei um pandeiro, entrei no bloco e me desengomei, mas alguém PH³FDJXHWRX´. &KHJXHLHPFDVDHHOHGLVVH³escuta aqui, você foi na escola?´ Eu disse: ³IXL´. ³Você pagou a escola?´ Digo: ³paguei´ ³Cadê o recibo?´ Eu digo: ³perdi [risos]´. Aí o bicho pegou... Alguém MiWLQKDPH³FDJXHWDGR´ que eu estava num bloco. Não tinha nada... Na rua, estou vendo a rapaziada ciscando no tapete, eu comprei um pandeiro e fui à luta também (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

Mestre Marçal desfilou no Carnaval até 1942. Ao mesmo tempo, continuou se aperfeiçoando em vários instrumentos de percussão, como o surdo e o pandeiro, além da cuíca e do tamborim.

No dia 20 de junho de 1947, seu pai, então com 44 anos, foi à RCA Victor para receber pagamentos de direito autoral e, dando um sorriso, caiu no sofá e morreu. Mestre Marçal, que já havia perdido a mãe muito jovem, perdeu então o pai. Nesse dia se desfazia a dupla Bide e Marçal, a qual tinha composto mais de 120 músicas. Bide nunca mais compôs uma música sequer após a morte do parceiro. O que Bide fez em realidade foi ³adotar´ Mestre Marçal como filho. Foi Bide quem conseguiu seu primeiro emprego, tendo-o indicado para o posto de seu pai na Rádio Nacional.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Mestre Marçal foi testado, e aprovado, pelo baterista Luciano Perrone, e a partir de então, Mestre Marçal passou a tocar ao lado de Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Bide, Tião, Caboré e Joça no pandeiro. Tocava nos programas de César Augusto e . Paralelamente, tocava com ou em gafieiras, onde também cantava, segundo relata Cabral (2011, p. 401).

Luciano Perrone foi muito importante para Mestre Marçal: em primeiro lugar por tê-lo aceito na Rádio Nacional, seu primeiro emprego como músico profissional, e em segundo lugar por proporcionar sua primeira gravação, em 1953. Perrone nasceu em 08 de janeiro de 1908 e faleceu em 13 de fevereiro de 2001, e é reconhecido por ser peça central no uso da bateria no Brasil, bem como pela execução de música brasileira no instrumento. Perrone construiu uma carreira sólida, tocando em cinemas, shows, realizando turnês e tocando em programas de rádio. Sua batida de samba ficou notabilizada a partir de 1927, quando tocava na Orquestra de Simon Bountman. Durante uma viagem, conheceu o maestro, arranjador e compositor Radamés Gnattali, com quem trabalhou desde o início da Rádio Nacional. Conselheiro de Radamés, Perrone fez sugestões que mudaram a concepção de arranjo no Brasil, e suas sugestões, sem dúvida, ajudaram a mudar, pelo menos em parte, a concepção musical da época. Não poderíamos deixar de falar de Luciano Perrone.

³1D5iGLR1DFLRQDODRUTXHVWUDQmRSRVVXtDPXLWRVULWPLVWDV/XFLDQR Perrone, baterista da orquestra, se esforçava em suprir o vazio causado pela falta de mais percussões e pediu ao maestro que transferisse a marcação rítmica para os instrumentos de sopro. Em atendimento ao companheiro, a partir de 1937, Radamés começou a utilizar desenhos rítmicos da percussão nos demais grupos de instrumentos da orquestra. Luciano narra com detalhes a história: Íamos, eu e Radamés, andando na Rádio Nacional, em direção à sala do $OPLUDQWHTXDQGRSHGLDHOHXPDUUDQMR³GLIHUHQWH´5DGDPpVFRP DTXHOHMHLWRGHOHFRPHoRXDSHUJXQWDU³'LIHUHQWHFRPR"2TXHpTXH YRFrTXHUTXHHXIDoD"´([SOLTXHLTXHVHHVFUHYHVVHULWPRGHVDPED para os instrumentos de sopro a minha vida ficaria mais fácil na bateria. Quando chegamos na sala do Almirante, havia uns papéis de música na escrivaninha. Radamés pegou e foi logo escrevendo. No dia seguinte, no ensaio da rádio, os pistons, trombones, etc. estavam tocando dentro do ritmo do samba. Nas gravações, porém, o primeiro arranjo desse jeito foi meVPRSDUD³$TXDUHODGR%UDVLO´(OLIVEIRA & MARTINS, 2006, p. 181)

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Logo após ter entrado na Rádio Nacional, Mestre Marçal foi convidado por Luciano Perrone a fazer sua primeira gravação. No livro Escolas de samba do Rio de Janeiro (CABRAL, 2011), seu autor, Sérgio Cabral, pergunta a Mestre Marçal se ele se lembra de quando ocorreu a gravação: ³Claro que lembro. Foi um samba da Unidos da Capela chamado Abre Alas, gravado por Jorge Goulart, na Continental, em 1953. Quem me levou foi o baterista Luciano Perrone. Toquei tamborim.´ (CABRAL, 2011, p. 401).

Infelizmente, não conseguimos documentos que comprovassem outras gravações realizadas por Mestre Marçal nesse período. Somente tem-se a informação dessa gravação por ter sido relatada pelo próprio Mestre Marçal.

A escassez de documentos sobre a vida de Mestre Marçal, aliada à falta de informação nos encartes dos LPs da época, criam um hiato que deixa senão, uma dúvida: Mestre Marçal atuou em diversas gravações nesse período ou não? Nesse mesmo período pré bossa nova, houve grande produção musical de samba com Zé Keti, Geraldo Pereira, Adoniran Barbosa e . Logicamente que a percussão se fazia presente, diferentemente das gravações do começo dos anos de 1930, em que é difícil distinguir quais instrumentos foram utilizados. No período dos anos 1950 é possível distinguir quais instrumentos de percussão foram empregados, apesar de não haver informações sobre os participantes das gravações.

Na década de 1960, de acordo com nosso levantamento, encontramos pouquíssimas gravações com a participação de Mestre Marçal. Duas dessas gravações ocorreram com o mesmo grupo, Sambistas do Asfalto: uma de 1960, no disco Assim é o Samba, e outra de 1967, no disco Sambistas do Asfalto, com Astor Silva (maestro e arranjador) nos arranjos.7 Como dissemos anteriormente, não é possível identificar qual, ou quais, instrumentos Mestre Marçal tocou nessa gravação. No ritmo estavam três dos seus antecessores (Arnô, Bucy e Raul), que talvez tenham sido fonte de inspiração para

7 Disponível em: http://www.toque-musicall.com/?p=159. Acesso em: 14/02/1984.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional o trio de tamborins de Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Completando a sessão, estavam Gilberto na percussão e Wilson das Neves na bateria.

Segundo o levantamento realizado, uma das gravações mais importantes que Mestre Marçal fez nessa década talvez seja justamente com Luciano Perrone. Lançado em 1963, o LP Batucada Fantástica ± Vol. 1 de Perrone, este é um disco exclusivamente de percussão e bateria, cuja capa é mostrada na Figura 4.

Esse disco contém 22 faixas com vários ritmos, e pode ser considerado uma fonte riquíssima tanto para os percussionistas daquela época, quanto para os atuais. Luciano foi acompanhado nessa gravação pelo grupo Ritmistas Brasileiros. Entretanto, o disco não possui encarte com a ficha técnica dos participantes da gravação.

Marçalzinho, ouvindo a gravação, confidenciou que seu pai participou da gravação desse disco tocando o tamborim na faixa número 5, chamada Tamborins (MARÇALZINHO, 2014). Nessa música fica bem perceptível a maneira de tocar tamborim de Mestre Marçal: a escolha de uma afinação mais aguda do que aquelas constantes de gravações anteriores, e também o uso do toque com a baqueta no aro do instrumento. Esses procedimentos se tornariam características marcantes da performance de Mestre Marçal ao longo de sua carreira. Esse recebeu o ³Grande Prêmio InternacLRQDO GR 'LVFR´, concedido pela Academia Charles Cros, de Paris, na França (ROSALEME, 2000).

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone.

Uma das poucas gravações na qual fica identificada claramente a atuação de Mestre Marçal com destaque, é o LP Na Batida do Samba, s/d, de Alberto Paz, onde Mestre Marçal inusitadamente aparece como timpanista. Em conversas informais com ritmistas da velha guarda é possível perceber o orgulho ao comentar essa ousadia, de colocar um instrumento de orquestra sinfônica, como os tímpanos, na avenida junto a uma escola de samba. Não há informação exata de quando isso ocorreu, mas intui-se que foi em meados dos anos de 1960, como relata o Mestre Marçal:

Minha vida é a escola de samba. É um negócio assim, meio [...] vim vindo, vim vindo, vim vindo, passei pela Recreio de Ramos, Unidos da Capela, depois fundamos uma escola de samba em Olaria que saiu com o nome Esquina do Pecado, depois fui pro Império Serrano onde lancei os tímpanos, instrumento de orquestra sinfônica, lancei no samba (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).

A Figura 5 mostra a capa do LP de Alberto Paz, em que Mestre Marçal é a figura inspiradora da capa, além de executar os tímpanos na gravação. Observando-se a

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional capa do disco, nota-se que as baquetas ilustradas na foto se parecem com aquelas usadas na escola de samba para os surdos e não com baquetas tradicionais de tímpanos.

Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.

Não podemos afirmar se essa gravação ocorreu antes ou depois da aparição do instrumento em desfiles na avenida. À convite de Natalino José do Nascimento, mais conhecido como Natal da Portela, Mestre Marçal mudou do Império Serrano para Portela. Por um bom tempo ele permaneceu tocando tímpanos até se tornar o diretor de bateria.

Conforme matéria do Jornal do Brasil GH  GH IHYHUHLUR GH  ³O Império será a sétima escola a desfilar, contando como trunfo para vitória sua bateria, que virá com Marçal destacando-se nos WtPSDQRV´.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo.

Marçal ³[...]tocou o mesmo tímpano sempre alugado à Rádio Nacional até 1977, quando ascendeu à direção da bateria da Portela.´ (matéria na Revista VEJA, 2 de maio de 1979).

Ainda no final da década de 1960, é possível encontrar algumas gravações com mais informações sobre os percussionistas. O LP Gente da Antiga, de , e João da Baiana, conta com a presença não só de Mestre Marçal, mas também de Luna e Elizeu. O produtor foi Hermínio Belo de Carvalho que, em conversa, conta sobre o projeto desta pesquisa e sobre o trio de ritmistas:

Trabalho, aliás, que se faz mais do que oportuno. Costumo dizer que, sem esse trio [Luna, Elizeu e Marçal] e os conhecimentos de Elton Medeiros e , dificilmente eu teria conseguido produzir os discos de Clementina de Jesus. Acrescente-se outros nomes, por justiça: Maestro Nelsinho, e um trio imbatível de cordas: Canhoto, Dino e Meira (CARVALHO, 2013).

A crescente produção fonográfica dos anos de 1970 aumentou muito os trabalhos dos músicos em geral. Wilson das Neves declara que nesse período eles ficavam o tempo todo no estúdio (NEVES, 2014). Naquela época, eles trabalhavam por

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional períodos: das 9:00 às 15:00, das 15:00 às 21:00, e das 21:00 às 3:00, praticamente todos os dias. Interessante notar que apesar das gravadoras terem seus músicos contratados, às vezes, eles só sabiam com quem iriam gravar quando chegavam ao estúdio.

Nesse período, o nome de Mestre Marçal já era relevante nas gravadoras. Ele trabalhou em estúdio com os mais variados artistas: , Alcione, Tião Motorista, , entre outros. É importante ressaltar que procuramos diversificar e restringir os nomes de músicos e artistas com quem Mestre Marçal conviveu, uma vez que em sua longa e rica trajetória, foram muitos os músicos e artistas com quem conviveu.

Em 1972, em comemoração aos 50 anos de carreira, Luciano Perrone gravou outro disco, Batucada Fantástica ± Vol. 3. Os tamborinistas desse disco eram Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que também tocou cuíca em Cuícas loucas. Nessa faixa, 0HVWUH0DUoDOJUDYRXXP³GXHOR´ com outro grande nome do instrumento, o Ministro da Cuíca (José Santiago da Silva). O Ministro da Cuíca foi um dos maiores cuiqueiros das décadas de 40 e 50 e um dos mais requisitados em estúdio. Participou de vários filmes, dentre eles o longa Jangada, de Orson Welles. (Revista VEJA, 27/11/1971, Ed. 167)

Na faixa Tamborins Envenenados é possível ouvir todos os tamborins, cada XPWRFDQGRVXD³levadD´. Em um determinado momento, cada um deles tem um espaço para fazer um solo improvisado. Curiosamente, o LP Batucada Fantástica ± Vol. 2 não foi gravado por Luciano Perrone; trata-se de um LP com várias escolas de samba e não está claro quem foram os responsáveis por essa gravação.

Uma das gravações mais comentadas, que sairia dois anos depois, em 1974, foi o lançamento do primeiro disco de um dos maiores sambistas de todos os tempos, Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Gravou seu primeiro disco pelo selo de Marcus Pereira em 1974, pelo o qual ganhou vários prêmios. (CENTRO CULTURAL CARTOLA, 2015)8 O disco foi produzido por João Carlos Botezelli, o

8 Disponível em: http://www.cartola.org.br. Acesso em: 09 jan. 2015.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Pelão, que conta que precisou implorar para que Marcus Pereira gravasse o disco. Após a gravação, Marcus Pereira reclamou com Pelão que latidos de cachorro tinham sido vazados na gravação, mas quando foram ouvir, o ³ODWLGR´ no disco nada mais era que a cuíca de Mestre Marçal. Em entrevista, João Carlos Botezelli nos disse: ³Esse cara [Marcus Pereira] não entendia nada de música mesmo.´ (BOTEZELLI, 2014).

As Figuras 9 e 10 abaixo mostram a cuíca de barrica utilizada por Mestre Marçal na gravação citada acima. Pelão nos relata que a ganhou de presente após aproximadamente 10 anos de insistência, como presente de Mestre Marçal, e que a guarda com grande carinho em seu escritório.

Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal. Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal.

Em 1975, surge o grupo Partido em 5, liderado por Candeia. O grupo gravou um disco com o mesmo nome, com a intenção de representar uma roda de samba sem muitas pretensões, mas a recepção foi tão positiva que gravaram mais dois álbuns, o primeiro dos quais foi gravado no mesmo ano de 1975. Mestre Marçal e Luna participaram do sucesso desse projeto. No ano seguinte, vários ritmistas resolveram criar o grupo Os Baluartes. Formado por Luna, Elizeu, Mestre Marçal, Doutor, Marçalzinho e Toninho (cavaquinho), com produção musical do baterista Hélcio Milito, gravaram o disco Nira Gongo.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Devido ao grande nível de execução instrumental, essa raridade, depois de muito tempo, foi disponibilizada na internet. Hoje em dia esse LP é tido como referência para a nova geração de percussionistas/ritmistas. Marçalzinho relata sobre o grupo:

A criação desse grupo foi uma vaidade que eles tinham, mas infelizmente não foi para frente. Ensaiavam toda semana e até fizeram paletó numa famosa alfaiataria de Ipanema para a capa do disco. Não chegaram a fazer nenhum show sequer. Como o conjunto não era sobrevivência para eles, acabou não dando certo; talvez, se fosse o contrário, tivesse vingado (MARÇALZINHO, 2014).

Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes.

Nessa JUDYDomRpSRVVtYHORXYLUXPD³aulD´ de tamborins. Luna, Elizeu e Mestre Marçal tocam com muita precisão e velocidade, não mais que Doutor, que também gravou magistralmente o seu repique de anel, que acompanha o trio nessa gravação. Os trabalhos em que o trio estava envolvido conferiam a eles bastante liberdade criação, e possivelmente, por serem todos líderes do grupo, infelizmente esse grupo não seguiu por muito tempo junto, não realizado nenhuma outra gravação além desse primeiro LP.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Em 1978, o produtor Fernando Faro teve a ideia de gravar o primeiro disco solo de Mestre Marçal com o aval do então diretor da Odeon, Milton Miranda. Ele escolheu para o disco Nelsinho do trombone e o Regional do Canhoto. Esse projeto surgiu após Faro ter ouvido Mestre Marçal cantando num programa da TV Cultura, em que cantava músicas de seu pai Armando com parceria de Bide. Para o coro foi sugerido um grupo profissional: a sugestão era que Mestre Marçal convidasse os cantores amigos, mas ele disse que faltava coragem para o convite. Faro acabou entrando em contato com todos e, no dia em que apareceu o coro, Mestre Marçal ficou emocionado com aquele que seria talvez o coro mais caro da história da música brasileira até hoje (TACIOLI, 2002).

Nas décadas de 1970 e 1980, muitos discos relevantes tiveram a participação de Mestre Marçal na percussão. Ele realizou gravações com artistas do porte de Chico Buarque, João Nogueira, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, , Clara Nunes, Elton Medeiros, , Gisa Nogueira, Gonzaguinha, Cristina Buarque, Miúcha, Paulo Cesar Pinheiro, Conjunto Nosso Samba, Roberto Ribeiro, entre tantos outros. Importante relatar que os artistas citados acima fizeram parte do coro do primeiro disco de Mestre Marçal.

Intitulado de coro milionário, esse grupo de artistas se recusou a receber pela gravação. Todos, sem exceção, estavam ali para fazer uma homenagem ás contribuições prestadas por Mestre Marçal em suas gravações. Realmente, ter músicos e cantores desse porte em um disco que celebrou seus 30 anos de carreira, foi algo fantástico para o Mestre Marçal (CABRAL, 2011, p. 402). Nesse disco, além de cantar, Mestre Marçal toca tamborim, cuíca e surdo. A respeito dessa gravação, Chico Buarque nos relata a lembrança daquele momento: ³Foi uma festa, éramos todos fãs e amigos do Marçal. Nessa época eu já convivia com ele, viajava com ele por toda parte, ia com a nossa banda comer feijão na casa dele em Pilares. O disco dele tinha esse clima de confraternização.´ (BUARQUE, 2015).

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal.

Uma situação curiosa que ocorreu durante as gravações desse LP:

O Marçal trocava a letra. A µPlimeira¶. µNão, Marçal, é Primeira¶, então era refeito somente essa palavra. Marçal tinha esse problema com a troca do L pelo R. Isso ocorria quando vinha após uma consoante. Ele até recebeu um convite quando precisava de dinheiro para gravar um comercial para uma caderneta de poupança e a frase seria µpoupe na letra que será preta¶ ,QIHOL]PHQWH QmR GHX FHUWR´ (ACERVO O GLOBO, 19 de janeiro de 1988)9.

Mestre Marçal já cantava havia muitos anos e, a respeito da demora em gravar um disco, ele relata a Sérgio Cabral:

9 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&pagina=2&ordenacaoData=relevancia&all words=mestre+marçal&anyword=&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1980. Acesso em: 28 ago. 2014.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Há uns seis ou sete anos que venho pedindo pra fazer esse disco. Um dizia que ainda não era hora, que esperasse mais um pouco, outro alegava que a direção da casa era contra porque me conhecia como ULWPLVWD H QmR FRPR FDQWRU ³Você há de convir que disco é um LQYHVWLPHQWR´, justificavam os produtores que eu procurava (CABRAL,1979, p. 35).

Antes da gravação de seu primeiro disco solo, Mestre Marçal participou de gravações de música instrumental brasileira, fato diferenciado do foco de sua forte ligação com artistas da MPB. A lista de gravações com cantores ligados ao samba já foi bastante delineada nesse texto, mas a incursão de Mestre Marçal na música instrumental (isentando o projeto de Luciano Perrone, em que havia somente percussão) pode ter ocorrido antes de 1963, ano da gravação de Batucada Fantástica de Luciano Perrone, apesar de não termos encontrado em nosso levantamento gravações antes de 1974. Um exemplo dessa atuação, pode ser atestada no disco Guitarra Fantástica, de 1976, do violonista paraense Sebastião Tapajós, que foi lançado somente no exterior e, pelo que consta, não foi relançado aqui no Brasil. Merece destaque a música Samba em Berlim, em que se sobressai o tamborim e a cuíca de Mestre Marçal, que foi gravada duas vezes no final da música.

Outra gravação relevante é o LP Confusão Urbana, Suburbana e Rural, de 1976, um trabalho do saxofonista e clarinetista paulista , que mostra grande variedade rítmica. O destaque para Mestre Marçal está na faixa Dois sem vergonha, na qual ele toca tamborim. Essa gravação é ³considerada um divisor de águas, principalmente para a música instrumental brasileira devido à fusão de instrumentos de origens completamente opostas, caso da cuíca coPYLROLQR´10.

Ainda, outra gravação que merece ser lembrada é da música Equilibrista, do disco Circense (1980), do piaQLVWD(JEHUWR*LVPRQWL$OLD³EDWXFDGD´ de Luna, Doutor, Robertinho Silva e Mestre Marçal dão um brilho todo especial. Logicamente, as músicas que Mestre Marçal gravou eram todos sambas$OLiVKiGHVHIULVDU³O coroa

10 Disponível em: http://www.institutopaulomoura.com.br/discos.html. Acesso em: 16/03/2015.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional só tocava samba e nem queria aprender a tocar outra coisa, só samba. Igual a chorão que VyWRFDFKRUR´ (MARÇALZINHO, 2014).

Nesse mesmo período, a cantora norte-americana Sarah Vaughan, por muitos críticos considerada uma das maiores divas do jazz, além de amante da música brasileira, gravou um disco chamado O Som Brasileiro de Sarah Vaughan (RCA/BMG, 1978), produzido por Aloysio de Oliveira e Durval Ferreira. Ao encontrarmos o nome de Mestre Marçal na ficha técnica da faixa Someone to light up my life (Se todos fossem iguais a você), uma bossa-nova, nota-se que além de Mestre Marçal, constavam ainda nomes de outros percussionistas, como Chico Batera, Ariovaldo e Luna. Nesse arranjo não se ouve nenhuma percussão, trata-se de uma balada com uma orquestra de cordas e seção rítmica. Imaginando um erro de grafia, notamos que não há no disco nenhuma utilização dessa formação. Na tentativa de descobrir uma possível falha de impressão, ouvimos o restante do álbum, e de fato não encontramos esse tipo de formação em nenhuma das outras músicas. Relato este fato para mencionar quão inexatas são as informações contidas nesses encartes de LP encontrados.

De volta ao samba, no mesmo ano em que gravou o primeiro disco, Mestre Marçal chegou ao cargo de Mestre de Bateria na Portela. Em 1978, Mestre Marçal ± que era diretor da Bateria ± chega ao cargo de mestre e resgata parte da batida da escola. Somente em 1980 é que divide o cargo com Mestre Quincas, ficando na escola até 198611.

A década de 1980 pode ter sido a que mais lhe deu exposição na mídia. Em 1980, começou a trabalhar na Orquestra da Rede Globo, na qual permaneceu por muitos anos. Em 1982, foi convidado a integrar a banda de Chico Buarque de Holanda, mesmo ano em que ganhou o título de Cidadão Samba do Rio de Janeiro.

Em 1984, participou de um projeto de na Itália chamado ³&DQWD %UDVLO´, show que mostrava uma síntese da história da Música Popular Brasileira. Dentre os inúmeros convidados estavam e Raphael Rabello, e Mestre

11 Disponível em: http://www.portelaweb.com.br/escola.php?codigo-11&cod_cat=3. Acesso em 14/06/2015.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Marçal tocava e cantava nesse show. Toquinho relata que na temporada ocorreu uma coisa curiosa com Mestre Marçal:

Na época desse show, ele tinha de desfilar na Portela, onde era diretor de bateria, sob pena de o (empresário) ser ameaçado de morte na próxima vez que pisasse no Brasil se não o liberasse. O Franco ficou apavorado: ³(VFXWD TXH p LVVR GH PRUWH"´ ³Você morre, simplesmente, da SUy[LPDYH]TXHIRUDR%UDVLO´HXH[SOLFDYD ³(OH SUHFLVD YROWDU´ O desfile da Portela era na segunda-feira, e o Marçal já com idade. Domingo à noite, depois do show, uma limusine o esperava para levá-lo ao aeroporto. Chegou segunda feira de manhã no Rio, desfilou pela Portela, e na terça-feira estava em Roma para o espetáculo. E a bateria da Portela recebeu nota 10 (PECCI, 2003, p. 221).

Esse tipo de situação só poderia realmente acontecer com músicos da grandeza de Mestre Marçal. Sua presença tornou-se imprescindível em ambos os contextos. Sete anos depois, em 1985, lançou pela Barclay o seu segundo álbum solo, Recompensa, que chegou à marca de 20 mil cópias (Acervo o Globo. Ao Mestre com carinho. Eliane Lobato 19 de janeiro de 1988. Segundo Caderno, pag. 6)12. Mestre Marçal assina uma composição no final desse álbum, intitulada O bicho vai pegar. Na música Peço a Deus, Mestre Marçal tem como convidado especial, para dividir os vocais, o grande amigo Caetano Veloso. Caetano Veloso, em depoimento, fala um pouco sobre o Mestre Marçal:

Eu conheci Mestre Marçal pessoalmente por causa do Marçalzinho, que é um grande percussionista, refinadíssimo [...] E o pai dele era o grande mestre e tal, que eu conhecia de nome e via às vezes [...] Era um homem espetacular, muito alegre, com uma mente viva. Nós fizemos uma coisa juntos, mais de uma coisa, mais seguramente, ele fez um álbum com uma faixa minha. Gravaram um vídeo pra passar na televisão [...] Entrei e cantei, me vestindo com escola de samba e tudo e ele muito engraçado e muito digno, de muita dignidade. Grande mestre do samba (VELOSO, 2014).

12 Disponível em: http://acervo.oglobo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords. Acesso em: 20 dez. 2014.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal.

Na capa do disco aparece Mestre Marçal à frente da bateria da Portela, escola que no ano seguinte iria expulsá-lo, mesmo tendo sido agraciado com o Estandarte de Ouro do Carnaval de 1986. O presidente da escola Carlinhos Maracanã o proibiu até mesmo de frequentar a quadra da escola. O Estandarte de Ouro é uma premiação criada pelo jornal O Globo em 1972 para coroar os destaques dos desfiles das escolas de samba do carnaval carioca.

Nesse mesmo ano, Mestre Marçal gravou mais um disco, Senti firmeza. Em poucos dias o disco já tinha boas vendas. Talvez o tenha ajudado bastante, a inclusão da música Facho da esperança na trilha sonora da novela Roda de fogo, da Rede Globo.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal.

Em 1987, já em outra gravadora, a Polydor, e tendo se tornado diretor da Escola de Samba Unidos da Tijuca, onde ficou por dois anos, gravou o LP Sem meu tamborim não vou, uma possível homenagem à música ± sucesso dos anos 1940 ± de seu pai Armando Marçal com J. Portela.

Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

O ano de 1988 foi, sem dúvida, um ano muito especial para Mestre Marçal. Nesse ano ele completou 40 aos de carreira e ninguém menos que seu fã declarado, Chico Buarque, idealizou a homenagem à carreira de Mestre Marçal. O carinho que eles tinham um pelo outro pode ser percebido nos calorosos elogios declarados por ambos nas entrevistas. Chico resolveu fazer uma homenagem na casa de shows Canecão localizada no Rio de Janeiro, onde Mestre Marçal, segundo ele próprio, jamais teria pisado se não fosse por Chico. O show aconteceu no dia 17 de setembro e contou com a presença de alguns dos grandes nomes da MPB, dentre eles Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Simone e Alcione, além, é claro, do próprio Chico. Marçalzinho esteve presente e pôde tocar com o pai.

Com o LP Sem meu tamborim não vou, Mestre Marçal foi ganhador do 1º Prêmio da Música Brasileira na categoria samba.13 Seu quinto disco solo, A Incrível Bateria de Mestre Marçal foi lançado nesse mesmo ano de 1988.

Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal.

Esse disco foi lançado em vários países da Europa e também no Japão. A única faixa do lado A, intitulada A Incrível Bateria, de aproximadamente 19 minutos, é

13 Disponível em: http://www.premiodamusica.com.br/historySite/show/2234 - Acesso em: 24 nov. 2014.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional uma parceria de Mestre Marçal com Durval Ferreira. Como Durval era o produtor e arranjador do disco, pode-se imaginar que foi ele quem sugeriu a variação e organização dos solos dentro da obra e daí a sua coautoria.

Nesse mesmo disco há uma música que gerou um desentendimento entre Mestre Marçal e o cantor Elymar Santos. Nesta época, Mestre Marçal estava movendo um processo pelo uso indevido das bases da música Os Sertões, que foram utilizadas no disco Missão Ato de Amor, de Elymar lançado dois anos depois pela Odeon, em 1990. Mestre Marçal reclamou que nunca fora consultado sobre o uso do material e que não recebera nada relativo aos direitos autorais. Elymar, por seu lado, alegou que tudo fora feito dentro da lei e que o problema estava com a gravadora, a Polygram, que não havia repassado o dinheiro ao Mestre Marçal. O próprio advogado de Elymar tratou de dizer que fora feito tudo de acordo com a lei e que o Mestre Marçal deveria cobrar de sua gravadora (Polygram), que, por sinal, já havia afirmado que o assunto estava encerrado e que não haveria reembolso. Mestre Marçal acabou entrando na Justiça numa situação em que não haveria necessidade alguma. Após esse episódio desagradável, ficou sugerido que tomasse o assunto por encerrado14 (O GLOBO, 1990, p. 07).

Em 1989, já com uma nova gravadora (BMG/Ariola), Mestre Marçal gravou Pela Sombra e, como de costume em seus discos, regravou um sucesso de seu pai, a composição Não Diga a Ela Minha Residência. Assim, ele permaneceu gravando músicas de seu pai, disco sim, disco não. As participações especiais aparecem em duas músicas. Desalento é XP GXHWR FRP VHX ³SDUFHLUR´ Chico Buarque, tendo como destaque a maravilhosa cuíca que Mestre Marçal tocava com muita sutileza e elegância. Essa música tinha um valor especial segundo o empresário de Chico, Vinícius França, que recorda que era a música de abertura do show Francisco, de Chico Buarque. (DOMINGUES, 2002) Outra convidada especial foi Alcione, uma das mais respeitadas cantoras de samba, na belíssima canção Impossível Recomeçar, de Anésio, Wilson Bombeiro e Vera Lúcia.

14 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords=+me stre+marçal&anyword=elymar+santos&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1990 ± Acesso: 28 out. 2014.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

O lançamento do disco ocorreu na famosa casa de shows People, no Rio de Janeiro, com direção e roteiro de Paulinho da Viola.

Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal.

O sexto disco consecutivo de Mestre Marçal, Entre Amigos de 1990, o sétimo de sua carreira e segundo pela BMG, trouxe uma novidade: Mestre Marçal gravou uma música de sua autoria em parceira com o cavaquinista, cantor e compositor Mauro Diniz, chamada Três palavras.

Eu gravava muito com o Mestre Marçal [...] Só dava ele, Luna e Elizeu. [...] Eu gostava muito dele. Mestre Marçal era músico de primeira qualidade. Uma vez a gente tava no estúdio e veio com ele com esVDSULPHLULQKD0HXVREULQKR³você não bota uma segunda pra PLP"´ $t HX GLVVH ³FRP SUD]HU´, aí ele pegou e gravou (DINIZ, 2014).

Nesse mesmo LP, Marçal gravou uma música que se tornou importante dentro do seu repertório, Leviana, grande sucesso de Zé Keti. Em agosto de 1991, o disco já havia vendido 30 mil cópias segundo o jornal Folha de São Paulo de 24/08/91, ³PDLVGRTXHRGREURGDVH[SHFWDWLYDVGDJUDYDGRUD´.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal.

No mesmo ano foi lançado o disco de Chico Buarque Ao Vivo Paris ± Le Zenith. Gravado em maio de 1989 e ganhador do Disco de Ouro, esse disco dá um destaque mais do que especial ao Mestre Marçal.

Além de tocar, Mestre Marçal foi convidado a ir à frente do palco para fazer dueto com Chico em duas músicas. A primeira, que se tornou imortal em sua voz, é Sem Compromisso, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, e a outra é Deixa a Menina, de Chico. É possível encontrar na internet o vídeo dessa performance dos dois e é fácil perceber a felicidade de ambos. É incomum ver um ritmista sair do fundo do palco e ir à frente, ao lado do artista, para cantar e dançar. Antes mesmo de começar a cantar, Chico chamou o Mestre Marçal para mostrar alguns passos de samba, dizendo ser um aluno do µMestre¶. Chico dizia que quando Mestre Marçal estava ao seu lado, passava segurança e que cada vez que cantava, ele interpretava de maneira diferente.

Na edição da Revista Veja de 03/10/1990, encontramos uma declaração de que ³a participação de Mestre Marçal confere brilho especial a um LP em que a seleção musical privilegia o samba e canções de amor´.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Nesse mesmo ano, Mestre Marçal foi convidado a comentar o carnaval pela extinta TV Manchete: Fez duras críticas ao desfile, aos sambas e também à falta de técnica dos instrumentistas15. Em 1991, Mestre Marçal continuou comentando o carnaval pela TV Manchete, mesmo tendo se envolvido em desentendimentos com algumas escolas.

Para Mestre Marçal, a parte mais emocionante do carnaval daquele ano foi o momento em que a bateria da Portela o reverenciou quando da passagem em frente ao camarote onde comentava o desfile. Segundo o Jornal do Brasil, edição de 13/02/91, ele se derramou em lágrimas.

O Carnaval de 1991 não foi bom para a escola de samba Caprichosos de Pilares, e no ano seguinte, Mestre Marçal foi convidado a dividir o comando da bateria da escola com Mestre Paulinho Botelho. Mas essa junção acabou não dando certo. Havia divergências entre os dois e isso gerou muitas brigas. Mestre Marçal, após um ensaio, foi vaiado na quadra da escola e, consequentemente, pediu demissão após três meses de trabalho à frente da bateria16. Ele acabou voltando a comentar pelo terceiro ano consecutivo o carnaval para a TV Manchete.

No ano de 1993, Mestre Marçal participou da gravação dos discos Paratodos, de Chico Buarque, e Paulinho da Viola Ensemble ± Samba e negro para um selo alemão, em que ele tocou cuíca num total de cinco faixas. Paulinho da Viola recorda-se dessa gravação e demonstra sua admiração pelo Mestre Marçal:

Ele já estava doente. Eu gravei um disco que é um projeto que não foi lançado aqui no Brasil. Esse disco foi escolhido por um grupo alemão e eu [fui escolhido] como artista brasileiro para fazer parte desse projeto [...] Cada país tinha um artista que representava, aí me escolheram. [...] Mestre Marçal veio como convidado na cuíca. Fizemos até uma foto juntos. Eu acho que essa foi uma das últimas

15 Fonte: Acervo O Globo. O novo disco do Mestre Marçal. 17 out. 1990, matutino. Jornais do Bairro, p. 23. Disponível em: . Acesso em 23/ 07/2014.

16 Fonte: Jornal do Brasil, 14 fev. 1992. Marçal Deixa a Caprichosos Após Três Meses. Por Mariucha Monero.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

gravações que ele fez. Mas era uma pessoa muito generosa, muito exigente com ele mesmo e com os outros. Diretor de bateria também, ele era muito exigente. Era acima de tudo um excepcional instrumentista e ritmista (FARIA, 2015).

Após um hiato de três anos de discos solo, Mestre Marçal gravou aquele que seria seu último disco. Pela gravadora Velas (1993), com produção de João Carlos Botezelli (Pelão) e Argemiro Ferreira, gravou Sambas-enredo de todos os tempos.

Figura 19: Capa do LP Sambas-enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal.

Pelão relatou que nas produções que fazia, sempre que podia, usava a percussão de Mestre Marçal:

Mestre Marçal gravou o primeiro disco do Nelson Cavaquinho, em São Paulo, se sentindo muito homenageado por isso. Um belo cara. Enquanto isso, eu chegava no Rio. Se ele não entrasse nas gravações, que foram pouquíssimas ou nenhuma, eu botava o nome dele na relação dos cachês para serem pagos. Sacanagem, o cara vai perder gravação porque que eu estava no Rio e iria gravar tal hora, em tal estúdio. Pra eles era bom (BOTEZELLI, 2014).

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Em 1994, Mestre Marçal se juntou ao filho Marçalzinho no projeto chamado Percussão Brasil, para o CCBB do Rio de Janeiro. O título do trabalho de ambos era Brasil, ritmo e percussão. (JB, 04/02/94) Talvez essa tenha sido a última vez em que tocaram juntos. No dia 9 de abril de 1994, Mestre Marçal nos deixou. O jornalista Sérgio Torres do jornal Folha de São Paulo noticia em 10/04/1994:

Mestre Marçal morre aos 64. O sambista Mestre Marçal morreu ontem, aos 64 anos, no hospital Mário Kroeff, na zona norte do Rio. Segundo parentes, Mestre Marçal sofria de câncer nos pulmões e problemas cardíacos. Ele vivia com a companheira Arlete. Mestre Marçal foi internado na tarde de anteontem. Ele estava em casa, no Engenho da Rainha (zona norte), quando começou a passar mal. No hospital, ele sofreu uma parada cardíaca, mas os médicos o reanimaram. A equipe médica não conseguiu recuperar Mestre Marçal após uma segunda parada cardíaca, e ele veio a falecer às 12h de ontem. O enterro está marcado para as 12h de hoje no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap (zona norte). (TORRES, 1994).

[...] Marçal foi o maior ritmista de samba de todos os tempos ± disse o MRUQDOLVWD6pUJLR&DEUDOSDUDTXHP³FRPDPRUWHGe Marçal, o samba perdeu a elegâQFLD´± ele tocava todos os instrumentos de percussão e tinha o sangue azul do samba correndo nas veias. [...] Cerca de 500 pessoas acompanharam o enterro. A cantora Gal Costa foi ao velório à noite e Paulinho da Viola esteve no cemitério de manhã (O GLOBO, 11 de Abril, de 1994).

Realmente isso foi uma perda irreparável para a percussão e para o samba no Brasil. Até hoje Mestre Marçal é tratado pela maioria dos ritmistas como ídolo. Seja numa roda de samba na periferia ou em lugares mais badalados, sucessos ficaram imortalizados em sua voz, no trio de tamborins que tinha com Luna e Elizeu ou até mesmo nas frases de elegância de sua cuíca. Ainda se fala muito do cantor e ritmista. Homenagens nunca faltaram e possivelmente nunca faltarão.

Uma das homenagens póstumas mais destacadas é a que seu filho Marçalzinho organizou juntamente com Moacyr Luz: um show realizado em São Paulo, no SESC Pompeia, em homenagem a Bide, Armando Marçal e Mestre Marçal em 04 e

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

05 de agosto de 2006. Além de muitos convidados, o que mais chamou a atenção foi sem dúvida a participação especial de Elizeu, o único remanescente do famoso trio de tamborins, que, após relutar em voltar a tocar, não deixou de fazer parte dessa bela homenagem. Esse repertório seria posteriormente gravado em CD com o nome de Sem Compromisso pela Deck Disc em 2007.

No CD O Som Sagrado de Wilson das Neves (CID, 1986), o compadre de Mestre Marçal, Wilson das Neves, o ritmista Mestre Trambique e Paulo César Pinheiro gravaram uma música chamada Mestre Marçal, com as frases de efeito que Mestre Marçal usava com bastante frequência. Essa música foi regravada pelo Grupo Semente em 2014. Mauro Diniz, parceiro na composição de Três Palavras, também prestou sua homenagem no CD Samba com Realidade, em 2000.

Dias após o falecimento de Mestre Marçal, Paulinho da Viola fez uma homenagem no disco Bêbado Samba e no Festival Heineken Concerts (FARIA, 1994). ³Em uma homenagem sensível e totalmente merecida, Paulinho voltou mais uma vez ao palco para lembrar Mestre 0DUoDOPRUWRQR~OWLPRViEDGR´, relatou Carlos Calado para a Folha de São Paulo em 13 de abril de 1994.

Oscar Bolão também prestou uma bela homenagem ao trio de tamborins. Ele escreveu uma peça para três tamborins chamada Era Luna, Elizeu e Marçal, na qual incluiu frases de tamborins que eram utilizadas por eles.

Em Rio das Ostras (RJ), foi inaugurado em 1994 o CIEP (Centros Integrados de Educação Pública) Mestre Marçal, que faz parte de um programa de educação do governo do Rio de Janeiro. Essa unidade foi mais uma das homenagens prestadas a Mestre Marçal. Como se vê, as homenagens ultrapassaram o âmbito da música.

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Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional

Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras.

Em 2014 fui convidado a participar do VI Encontro Internacional de Percussão de Tatuí para apresentar uma palestra e um concerto. Ambos foram direcionados à figura de Mestre Marçal. Além da homenagem aos 20 anos da morte de Mestre Marçal, foram arranjadas especialmente para o evento as músicas Agora é Cinza, que completou 80 anos em 2014, e A Primeira Vez. Ambas escritas pelo arranjador, percussionista, pianista e violonista Lua Lafaiette (Anderson Lafaiette), com arranjos para percussão e Big Band com duas das mais famosas parcerias de seu pai, Armando Marçal, com Bide.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Sobre a constituição física do tamborim temos inicialmente as seguintes descrições:

TAMBORIM (s.m.) Instrumento de percussão. Tambor pequeno. Usado no Brasil especialmente nas danças cantadas de origem africana: cucumbis, maracatus (QUERINO, 1922, p. 58).

Morais Filho relata o tamborim como próprio das danças e manifestações dos cucumbis (MORAIS FILHO, s.d., p. 158 ± manuscrito).

Afonso Cláudio, citado por Luciano Gallet, refere-se ao instrumento traduzindo-o por adufe, um pequeno pandeiro quadrado com pele dos dois lados (GALLET, 1934, p. 60).

O tamborim também é descrito como um pequeno aro de metal ou acrílico recoberto com pele em um dos lados e percutido com baqueta ou vareta de bambu ou madeira. É instrumento indispensável na batucada e no samba. Mário de Andrade cita o verso de Paulo &DUGRVR ³e QD EDtucada / Onde impera o tamborim´, do samba Deixa a Nega Pená (DICIONÁRIO MUSICAL MÁRIO DE ANDRADE).

Segundo Frungillo:

membr. perc., s.m., pl.= µtamborins¶9DULDQWHGH³7$0%25,1+2´ GLPLQXWLYRGH³WDPERU´³7$0%25(7(´GH³SHOH´FRPFHUFDGH ´ GH GLkPHWUR ³FDVFR´ GH PHWDO RULJLQDOPHQWH GH PDGHLUD  FRP FHUFD GH ´ GH DOWXUD VHJXUR FRP D PmR HVTXHUGD H WRFDGR FRP ³YDUHWD´GHPDGHLUDQDPmRGLUHLWDGLfundido em todo o Brasil como LQVWUXPHQWRFDUDFWHUtVWLFRGR³VDPED´$SDUWLUGDGpFDGDGHWHP VLGR XVDGD XP WLSR GH ³YDUHWD´ P~OWLSOD FRP   RX  ³YDUHWDV´ unidas numa das extremidades) como forma de aumentar a intensidade das batidas. Usado em conjuntos populares de samba é UHTXLVLWR LQGLVSHQViYHO QD ³HVFROD GH VDPED´ $ ³SHOH´ p PXLWR esticada, produzindo som bastante agudo. Sua técnica de execução LQFOXLDOpPGRXVRGD³YDUHWD´PRYLPHQWRV SDUFLDOPHQWH URWDWyULRV de pulso (fazendo o instrumento chocar-VHFRQWUDD³YDUHWD´ HUiSLGRV DEDIDPHQWRV UHDOL]DGRVQRIXQGRGD ³SHOH´SHORV GHGRV GD PmR TXH segura o instrumento (FRUNGILLO, 2003, p. 332).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

O tamborim e a cuíca não tinham o mesmo formato físico dos que conhecemos hoje em dia. Com o passar do tempo, esses instrumentos, considerados antecessores ao tamborim, foram se desenvolvendo, modernizando e encontrando uma maneira singular de se adaptar ao estilo do samba. Nas Figuras 21 a 24 temos algumas réplicas que retratam os diversos modelos de tamborins ao longo do tempo, até chegar ao formato físico atual que pode ser visto na Figura 24.

Figura 21: Tamborim com pele de Figura 22: Tamborim com pele fixada cobra e cabo. por tachinhas metálicas.

Figura 23: Tamborim sextavado com Figura 24: Modelo atual de tamborim. afinadores individuais.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Podemos ver também a opinião sobre a origem do tamborim de um dos maiores ritmistas e grande pesquisador do samba, o músico Osvaldinho da Cuíca17: ³o tamborim, na minha opinião, é derivado dos tambores orientais. Ele não foi uma invenção, ele foi uma inspiração. O Brasil é um país muito novo, e os países orientais são praticamente os pioneiros na questão da percussão universal´ %$552  . Esse instrumento, que veio a ser uma inspiração na visão de Osvaldinho da Cuíca, tornou-se um dos mais populares no Brasil, sendo praticamente indispensável sua presença em grupos ou rodas de samba, bem como nas escolas de samba.

Em visita a um dos maiores e mais importantes fabricantes de instrumentos musicais no Brasil, A Contemporânea Musical, averiguamos que somente essa empresa produz no período pré-carnaval no Brasil (janeiro a março) por volta de 5.000 tamborins, sendo 2.000 destinados ao mercado externo, tendo Cingapura como o maior consumidor. O tamborim é encontrado como souvenir em lojas de aeroportos no Brasil.

Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free, Aeroporto de Guarulhos.

Outra curiosidade relatada pelo diretor da Contemporânea, Sr. Guariglia, relacionada ao mercado brasileiro, mas que não diz respeito ao contexto musical profissional, é a demanda por parte de empresas que costumam fazer eventos

17 Neste trabalho, identificaremos Osvaldo Barro pelo seu nome artístico, Osvaldinho da Cuíca.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso corporativos para os funcionários, para os quais são contratados percussionistas para ministrar uma aula (onde há interação com os participantes) e o instrumento comumente sugerido é o tamborim. Em média a fábrica produz de 200 até 1.000 tamborins para esse tipo de evento. Geralmente são confeccionados com o emblema da empresa e o custo não é tão alto, devido à qualidade de material utilizado. Logicamente, esse tipo de instrumento jamais servirá de apoio a um músico profissional, dada a qualidade geral do instrumento.

Mesmo que por décadas o tamborim tenha sido utilizado especificamente no samba, podemos perceber que, nos últimos anos, com o advento da crescente globalização musical e experimentalismo, o tamborim é encontrado hoje em dia em diversas categorias musicais. Nessa dissertação fazemos um levantamento abrangente que inclui tanto a música contemporânea como o rock and roll.

Segundo Marianne Zeh (2006)

[...]Os tamborins eram quadrados e, para afiná-los, foram esquentados com fogueiras de jornal antes de tocar. Cada ritmista saía com folhas de jornal no seu bolso e, às vezes, parava no meio do desfile para esquentar. A pele, ainda de couro, não era fixado ao aro com tarraxa como hoje, mas pregado (ZEH, p. 169, 2006).

6HJXQGR2VYDOGLQKRGD&XtFDRWDPERULPIRLVH³LQVSLUDQGR´GDVHJXLQWH forma:

Se fazia tudo manual, era quadrado, sextavado, oitavado, posteriormente passou a ser torneado de madeira de 3 polegadas, era menor que esses convencionais. Era madeira inteiriça, se derrubasse no chão, quebrava. Os tamborins de afinação mais fixa começaram a ser construídos primeiramente com 4 tarraxas, não dependendo mais das fogueiras e jornais (BARRO, 2014).

De acordo com o depoimento de Guariglia (2014):

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

O tamborim sextavado tinha muita demora em fabricar. O som não era bom, e enquanto se fazia um destes, do tradicional, eram trinta. Os tradicionais eram de madeira, metal e fórmica com 12 tarraxas para afinação. Para o mercado japonês, foi feita uma adaptação de WDPDQKR2QRUPDODTXLpGHFPHSDUDRPHUFDGRMDSRQrVGH´ Isso credita-se possivelmente pelo tamanho das mãos, e que também não influencia na qualidade do som do instrumento (GUARIGLIA, 2014).

Possivelmente o relato mais antigo sobre a utilização do tamborim no carnaval seja o depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (MIS) por João da Baiana (João Machado Guedes, nascido no Rio de Janeiro em 1887 e falecido também naquela cidade em 1974). Em um trecho desse depoimento, ele dá destaque ao tamborim:

[...] na época o pandeiro era só usado em orquestras. No samba quem introduziu fui eu mesmo. Isto mais ou menos quando eu tinha oito anos de idade e era Porta-PDFKDGRQR³'RLVGH2XUR´HQR³3HGUDGR 6DO´$WpHQWmRQDVDJUHPLDo}HVVyWLQKDWDPERULPHDVVLPPHVPo era tamborim grande e de cabo (DICIONÁRIO CARVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, apud GIANESELLA, 2009, p. 155).

Logicamente não podemos nos esquecer de Alcebíades Barcelos, o Bide. Cabral conta que foram os sambistas Bide e Bernardo, os criadores do tamborim. Bide foi um dos fundadores da Deixa Falar. Segundo Cabral a ³'HL[D)DODUDSULPHLUDHVFROD de samba, nunca foi escola de samba. Foi, na verdade, um bloco carnavalesco (mais tarde, um rancho) no bairro de Estácio de Sá´ (CABRAL, 2011, p. 41). A Deixa Falar foi muito importante para o desenvolvimento da percussão no samba. Foi ali, em 1928, ano de sua criação, que surgiram o surdo e a cuíca.

O próprio Bide não tem certeza se foi ele que inventou o tamborim e o levou para a escola de samba, como mostra a seguinte citação na entrevista dada a Cabral (2011) ³6HL Oi 5HVROYL ID]HU (QFRXUHL HVTXHQWHL H UHVROYL WRFDU 7RFDYD QD UXD

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso mesmo, sem bloco nem nada. Bem, o tamborim eu encontrei, eu não tenho certeza se fui HXTXHLQYHQWHL´ No entanto, algumas fontes da internet ainda insistem em creditar a criação do tamborim a Bide.

Nas próximas seções desse capítulo, apresentamos alguns exemplos em que o tamborim desenvolve um papel diferente daquele encontrado na atuação do tamborim na roda ou escola de samba.

Primeiramente, na Seção 2.1, mencionamos alguns grandes tamborinistas, que foram os primeiros a deixar um legado para o instrumento. Posteriormente, citamos alguns grandes nomes de tamborinistas da atualidade com o intuito de traçar um panorama dos instrumentistas, assim como fornecemos informações que possam servir de fonte para possíveis pesquisas futuras.

Na Seção 2.2, abordamos alguns aspectos relevantes do uso do tamborim na escola de samba.

Já a Seção 2.3 mostra o emprego do tamborim fora do contexto do samba, em direção ao contexto da música pop (no caso, o pop-rock brasileiro). Elucidamos, através de transcrições das duas primeiras inserções da sua utilização, que isso ocorreu através do filho de Mestre Marçal, o Marçalzinho. Em contexto semelhante, já no rock americano, comentamos a introdução dD ³iUYRUH´ GH WDmborins pelo percussionista brasileiro Mauro Refosco. Ambos utilizaram o instrumento e a rítmica do samba no rock.

Na Seção 2.4, mostramos a utilização do tamborim na música orquestral, bem como em grupos de percussão e em duos de percussão, onde o enfoque está na maior variedade de timbres possível.

Na Seção 2.5 ³2 WDPERULP QD RUTXHVWUD´ diferentemente das outras, a abordagem será a utilização do tamborim ao realizar um samba em um conjunto orquestral. Os exemplos ocorrem em dois contextos diferentes, um mais direcionado à

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso escrita e outro de total liberdade de criação. Outro aspecto que destacamos é a relação entre o tamborim e um instrumento que exerce uma função parecida dentro do samba, o cavaquinho.

Para finalizar esse capítulo, iremos mostrar outro aspecto que muitas vezes não é valorizado e que faz muita diferença no resultado final em produções musicais, que é participação do técnico ou engenheiro de som. Para essa seção, foi entrevistado o responsável por inúmeras gravações em que Mestre Marçal esteve presente e que estava QDSULPHLUDJUDYDomRGR³QRYR´VDPEDIHLWRSHORVP~VLFRVGR&DFLTXHGH5DPRV

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

2.1. Os Tamborinistas

Faremos uma síntese em ordem cronológica de importantes músicos os quais consideramos que deixaram um legado para a geração atual de percussionistas. Com certeza, em um país de dimensões continentais como o Brasil, há um número enorme de músicos e muitos deles podem ter influenciado gerações futuras de tamborinistas. De modo a evitar qualquer equívoco ou omissão de informação, fica a ressalva de que essa dissertação limitou-se aos músicos atuantes nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Há um problema no levantamento sobre a produção artística de um determinado período de nossa história. O caso mais comum encontrado é a falta de informação nas fichas técnicas contidas nos LPs, sem mencionar os casos em que elas sequer existem ou contém informações inconsistentes. Muitas vezes aparecem os nomes de vários percussionistas somente mencionados como ritmo, ou seja sem a divisão por instrumento específico de percussão que cada um tocou nas gravações. Porém é importante ter em mente que naquele período, diferentemente dos dias atuais, existiam especialistas em cada instrumento, o que nos leva a identificar a correta distribuição de instrumentos pelo naipe de percussão. A especialidade é tão latente que podemos reconhecer as características de cada instrumentista ao analisarmos o áudio das gravações.

2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos ± Bide

Compositor e instrumentista, nasceu em Niterói em 25 de julho de 1902. Aos seis anos, foi com a família para o Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Trabalhou como sapateiro ao lado do irmão Rubem.

Em 1928, foi um dos fundadores da primeira escola de samba, a Deixa Falar, ao lado de , Baiaco, Brancura, Mano Aurélio, Heitor dos Prazeres, Mano Rubens, Nilton Bastos e Mano Edgar. Foi, antes de tudo, um pioneiro na instrumentação das baterias de escolas de samba. A ele se deve a introdução do surdo e do tamborim no acompanhamento dos sambas FDQWDGRVSHORVFRPSRQHQWHVGD³'HL[D

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

)DODU´ (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015a).

No final da década de 1920, deixou a profissão de sapateiro, profissionalizando-se na música. Além de projetar-se como compositor, Bide tornou-se um dos primeiros ritmistas brasileiros a gravar em disco. Ele participou na gravação de Na Pavuna, lançada no carnaval de 1930. Cabral (2011, p. 53) UHODWDTXH³PHVHVGHSRLV do lançamento de µNa Pavuna¶, ele [Bide] estreava como tamborinista num estúdio de gravação, integrando o conjunto Gente do Morro, que também fazia sua estreia em GLVFR´ Em outras gravações, Bide também tocou outros instrumentos de percussão, como ganzá, surdo, e cuíca. Naquela época, muitos ritmistas faziam aparições em filmes. Bide aparece tocando cuíca no filme Alô, alô, Carnaval, de 1936, em que a cantora Aurora Miranda (irmã de Carmen) interpreta a música Molha o pano. Nessa música, Bide faz um solo em dois tempos em um compasso de 2/4. No entanto, o instrumento que ficou mais emblemático em suas performances foi certamente o tamborim.

2.1.2 Armando Vieira Marçal

Lustrador de móveis, compositor, ritmista e vice-presidente da Escola de Samba Recreio de Ramos, Armando Vieira Marçal nasceu no Rio de Janeiro em 14 de outubro de 1902 e faleceu em razão de uma parada cardíaca quando estava nos escritórios da gravadora Victor, em 20 de junho de 1947. Segundo a lenda, morreu rindo, pois sofreu o infarto logo após gargalhar de uma piada contada no estúdio (AGENDA DO SAMBA-CHORO, 2014).

De família pobre e infância difícil, cursou com dificuldade o primário e iniciou-se no ofício de lustrador de móveis, no qual se especializou, tendo trabalhado na Casa Pratts e nos Hotéis Avenida, Rio Hotel e Vera Cruz, entre outros locais.

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Formou com Alcebíades Barcelos (Bide) uma das mais importantes duplas de compositores da Música Popular Brasileira, além de serem considerados a maior dupla de tamborins nos estúdios de rádio e gravação.

Primeiro de uma tríade de grandes ritmistas, Armando teve em sua família o filho Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, e o neto Armando de Souza Marçal (Marçalzinho), que não chegou a conhecer e que deu continuidade à dinastia, representando-a muito bem. Em fins dos anos de 1970, já era possível encontrar o nome de Marçalzinho destacado em vários projetos.

Bide e Marçal, além de parceiros, compositores e ritmistas, foram GHILQLWLYDPHQWH R SRQWDSp LQLFLDO GD DVFHQVmR GR WDPERULP QD HYROXomR GR ³QRYR´ samba da Turma do Estácio.

2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques

Esse trio, que podemos considerar contemporâneo de Bide e Marçal, foi formado por aqueles que seguiram mais adiante com a carreira de compositores e ritmistas, possivelmente o primeiro trio de tamborins do samba.

Bucy nasceu no Rio de Janeiro em agosto de 1909 e faleceu em 1984. Tinha como avós maternos, Marciano Eduardo Moreira e Sophia Eduarda Moreira, e paternos, João Batista da Silva e Hilária Batista de Almeida, a .

Tia Ciata tornou-se uma referência histórica por sua inserção na cultura negra, e por fundadar o 1º Bloco Carnavalesco de Rua, o Rosa Branca, que saía na Rua Visconde de Itaúna, rua que desapareceu com o surgimento da Av. Presidente Vargas. Na casa de Tia Ciata reunia-se grande número de artistas, entre compositores, cantores e cronistas da época, como Taffy, João da Baiana, João da Mata, Cândido das Neves, Catulo da Paixão Cearense, , Marinho do Cavaquinho, Heitor dos Prazeres, Mario de Almeida, entre outros.

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A casa e o quintal de Tia Ciata eram, segundo os estudiosos da cultura brasileira, um autêntico reduto do samba18. O local também era frequentado pelo pai de Bucy, excelente violonista. E foi no ambiente deste quintal cultural que surgiu Bucy Moreira como sambista e compositor.

Considerado por todos, como excelente ritmista, Bucy foi contratado pela Columbia e depois pela Continental para acompanhar cantores. Os ritmistas da Continental eram Bucy, Osvaldo Caetano Vasques (Baiaco) e Cartola da . Além desse trabalho como ritmista, ele passou a integrar vários grupos no Brasil e fora do país, apresentando-se, por exemplo, no Uruguai, em 1947 e 1952. Lana Turner, que VH ID]LD SUHVHQWH ³VDPERX DR VRP GD FXtFD GH 0LQLVWULQKR H GR WDPERULP GH %XF\ Moreira.´19

Arnaud Canegal (Arnô) nasceu em 12 de janeiro de 1915 na cidade do Rio de Janeiro, onde faleceu em 21 de março de 1986.

No início da década de 1940, integrou a orquestra do maestro Fon-fon como ritmista, seguindo com o grupo em excursão pela Argentina e Uruguai. Participou de várias excursões com Zacarias e sua Orquestra. Trabalhou como ritmista da Escola de Samba de Herivelto Martins e do Trio de Ouro, em espetáculos no Cassino da Urca. Participou da ILOPDJHPGH³-DQJDGD´ILOPHLQDFDEDGRGH2UVRQ:HOOHVJUDYDGRQR Brasil. Em 1942, seus sambas Só Você em parceria com Ari Monteiro, e Doce de Coco em parceria com J. Batista, foram gravados na Victor por Cyro Monteiro. (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015b)

Irmão de outro grande ritmista, o Wilson Canegal, Arnô também participou de gravações com do Pandeiro ( era o acordeonista nessa gravação), com os Sambistas do Asfalto em Assim é o Samba (1960) e Sambistas do

18 Segundo Sandroni, a importância atribuída a Tia Ciata pelos cronistas do samba se deve especialmente a Pelo Telefone, que, embora tenha Donga com autor oficial, essa música teria sido na verdade uma produção coletiva gestada em sua casa, e considerado unanimemente como a primeira composição GHQRPLQDGDµVDPED¶DDOFDQoDUXPDPSORVXFHVVRQDP~VLFDSRSXODU 6$1'5ONI, 2001. p. 100). 19 Exposição, libreto e show musical, uma realização do Coletivo de Produção Cultural Aracy de Almeida e Família de Bucy Moreira, em parceria com a Arte Nova Produções Artísticas.

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Asfalto (1967), entre outros. Reiterando a ressalva sobre as fichas técnicas, observa-se no disco de Jamelão (Continental, 1980) a seguinte LQIRUPDomR ³5LWPLVWDV Marçal- &DQHJDO´$ILFKDQmRLQIRUPDTXDOGHOHVVH:LOVRQRX$UQ{ Canegal. Também não informa qual Marçal, se Nilton ou Armando. Esse tipo de registro foi observado diversas vezes durante a pesquisa.

Raul Marques nasceu no dia 24 e agosto de 1913 no Rio de Janeiro (no bairro da Saúde) e faleceu em 1991.

[...] Raul Gonçalves Marques teve a sua fase áurea como compositor nos anos 40: era de sua autoria cerca de oitenta por cento dos sucessos do cantor Jorge Veiga. Como ritmista, além de participar de gravações de disco, integrou vários grupos, como o Favela, criado pelo cantor Francisco Alves e que mais tarde, com a incorporação do Trio de Ouro, passou a chamar-VH³&KLFR7rio de Ouro e Escola de Samba´

Pouco depois, Raul Marques participou de um grupo de sambistas liderado pelo grande compositor Geraldo Pereira.

Não foi apenas como compositor que desfrutou dos benefícios profissionais que a ascensão das escolas de samba possibilitava. As gravadoras foram buscar no seio das próprias escolas os instrumentistas de que necessitavam para as gravações de samba. E Raul Marques foi um dos ritmistas mais requisitados, fazendo uma carreira tão longa quanto vitoriosa (História das Escolas de Samba Vol. 4, Som Livre)20 (informação disponível no BLOG RECEITA DE SAMBA, 2014).

Raul nos dá importantes informações sobre o contexto profissional de sua época em entrevista a Cabral (2011, p. 349):

Cabral: Você começou a trabalhar desde cedo como ritmista de gravação?

20 Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2015.

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Raul: Muito cedo. Comecei a trabalhar com o Mister Evans, que era diretor artístico da RCA Victor. Trabalhei muito com o Simão Boutmann também. Gravei muito com a Carmem Miranda na Odeon.

C: Quais eram as craques do ritmo, os caras que estavam em tudo que era gravação?

Raul: O Bide, o Armando Marçal, o Valdemar Silva, o Bucy Moreira, eu mesmo, o falecido Chico da Marcelina, e o Baiaco de vez em quando. Os mais assíduos eram o Bide e o Marçal.

Até no cinema esse trio trabalhou junto. Em 1943, participam do inacabado filme Jangada, de Orson Welles (não foi possível descobrir quais instrumentos tocavam). Posteriormente, Raul (tocando tamborim), Bucy (também no tamborim) e Arnô (tocando cuíca) participaram do filme Pif-Paf, estrelado por Adoniran Barbosa e Walter D¶Ávila (Cinédia, 1945).

Posteriormente ao trio formado por Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques, apareceu um dos mais famosos trios de tamborins, que era o trio formado por Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Infelizmente, não encontramos vídeos dos três juntos em nosso levantamento.

Luna, ElizHXH0HVWUH0DUoDOHUDPFKDPDGRVQRPHLRPXVLFDOGH³7ULRGH 2XUR GR 5LWPR´ RX ³6DQWtVVLPD 7ULQGDGH GR 5LWPR´  5HDOL]DU XP levantamento preciso e definitivo da discografia desse grupo de músicos é uma tarefa difícil. Em primeiro lugar, devido à falta de ficha técnica dos discos e, em segundo lugar, devido à enorme lista de gravações de que participaram desde os anos de 1950 até meados de 1990. Nosso intento não foi realizar nessa dissertação um levantamento extensivo e completo das gravações que esse trio atuou.

2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro

Roberto Bastos Pinheiro é mais conhecido como Luna. Com uma invejável lista de participações em discos, é considerado até hoje pelos sambistas como um dos

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso maiores ritmistas do país. Infelizmente, além das fichas técnicas de discos, há muita dificuldade em encontrar informações mais pertinentes sobre sua carreira e até mesmo sobre sua data de nascimento e falecimento. Não foi possível encontrar muitas informações sobre ele, seja por entrevistas ou por registros em vídeo. Podemos constatar sua presença no Especial de Paulinho da Viola para a TV Tupi, realizado em 1981, com Marçal nos tamborins.

Talvez uma das últimas aparições dele tenha ocorrido no Heineken Festival de 1993, tocando surdo com Rafael Rabello, e também acompanhando o mesmo artista no programa Ensaio da TV Cultura, ao tamborim. Cristina Buarque supõe que a última gravação de Luna tenha sido no CD Resgate (de Cristina Buarque) em 1990, lançado para o mercado japonês, e depois relançado no Brasil em 1994.. Cristina relata que Luna H[FODPRX ³6y YRFr PHVPR SUD FKDPDU D JHQWH QXQFD PDLV WLQKD WRFDGR MXQWR.´ (BUARQUE, 2013)

Segundo Neves (2014), Luna tocava de tudo, até mesmo bateria. Em nossa pesquisa encontramos somente um vídeo na internet onde Luna toca pandeiro em um regional de choro21. Trabalhou na Rádio Mauá no grupo do violonista Cesar Faria acompanhando cantores e calouros, onde se destacava Jacob do Bandolim e, posteriormente juntamente com o mesmo Jacob, teve participações na Rádio Nacional do grupo de Cesar Moreno.

2.1.5 Elizeu Félix

Elizeu nasceu em 14 de junho de 1924 no Rio de Janeiro e faleceu na mesma cidade em 13 de fevereiro de 2009. Seu primeiro instrumento foi um pandeiro fabricado por seu irmão22, o qual Elizeu atesta que o influenciou. Gravou com praticamente todos os artistas importantes de sua época. Elizeu tocou com e , entre muitos outros. Chegou a participar da banda de Paulinho da Viola, tocando bateria ao lado de Seu Dininho, o então baixista da época. Seu último trabalho profissional antes de sair da cena musical foi com Beth Carvalho.

21 Vídeo do YouTube https://www.youtube.com/watch?v=VFLWysjZZpY. Acesso: Junho 2015. 22 Não conseguimos obter o nome do irmão de Elizeu Félix.

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Desiludido, Elizeu se tornou flanelinha nas ruas do Rio de Janeiro, até ser reconhecido pelo compositor Paulo César Pinheiro, com quem já havia gravado vários discos e feito participações em algumas produções musicais. Diante da dificuldade de Pinheiro em convencer Elizeu a voltar a tocar, a cavaquinista Luciana Rabello, esposa de Pinheiro, foi ao encontro de Elizeu e, no ano de 2003, conseguiu que ele voltasse a gravar e tocar. Após essa gravação, houve algumas participações de Elizeu em shows.23 (Acervo O GLOBO, 9 de junho 2003)

Em 2006, Elizeu foi convidado a participar do show de lançamento do CD Sem Compromisso, de Marçalzinho e Moacyr Luz, que ocorreu no SESC Pompeia em homenagem à família Marçal. Um momento ímpar em que os percussionistas mais jovens puderam ver e ouvir, após muitos anos de reclusão, um dos principais protagonistas da percussão brasileira. Diante das dificuldades financeiras e problemas de saúde, Elizeu foi morar no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até sua morte.

2.1.6 O Trio

Luna, Mestre Marçal e Elizeu possivelmente se conheceram na Rádio Clube do Brasil. A partir daí, nascia o trio de percussão que mais gravou no samba; eles praticamente ³moravam´ nos estúdios. Gravavam com Wilson das Neves na bateria, que relata que as sessões de gravação começavam às 9 da manhã e duravam até as 3 da manhã do dia seguinte, quase que diariamente. Wilson era quem fazia dobra de tamborim (quando necessário) junto com o trio.

Os três brigavam bastante entre si. Há uma gravação em que os três não se falavam, mas tocaram olhando um para o outro. O respeito e afinidade entre eles eram enormes, quando um não podia, o outro não gravava o tamborim, mesmo conhecendo D ³OHYDGD´ ³2XWUR GLD HOH YHPHJUDYDDGHOH´³O único que sentava na cadeira quando um não ia era o das Neves´ (MARÇALZINHO, 2014).

23 Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao- acervo/?navegacaoPorData=200020030609 ± Acesso: 03 mai. 2014.

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Sobre a performance do trio na gravação da música Tô Voltando no disco Pedaços, de 1979, o músico Nelson Ayres relata: ³realmente não me lembro exatamente qual dos três fez o tamborim solo. Imagino que tenha sido o Marçal, que era o líder. O que me lembro perfeitamente bem é que parecia que o estúdio ia decolar´ (AYRES, 2013).

Mestre Marçal era o líder do trio. Geralmente, os produtores e arranjadores ligavam para ele avisando das gravações. Não se sabe o porquê disso, mas pode ter sido em razão da importância de Mestre Marçal ser um diretor de bateria, ou ainda por ser ILOKRGHXPJUDQGHFRPSRVLWRUHULWPLVWD(OHHUDRWDPERULP³VROR´(QTXDQWR/XQDH Elizeu permaneciam tocando o mesmo padrão, Mestre Marçal ficava mais livre para criar outras variações.

Quanto às afinações, em algumas gravações é possível reconhecer as diferenças entre os três tamborins, podendo afirmar que na sua totalidade eram utilizados couro animal, até mesmo depois do invento da pele de plástico. Nos anos de 1970, percebem-se algumas mudanças na afinação dos tamborins, que costumavam ser bastante graves até aquele momento. Já nos anos de 1980 a afinação dos tamborins sobe, como de quase todos os instrumentos de percussão. Bolão (2014) relata como ele DSUHQGHXHVVDVYDULDo}HV³IXLFKDPDGRSUDJUDYDUFRPD1DUD/HmRHTXDQGRYLRVWUrV HXIDOHLDtYHPFRLVD3HJXHLXPSDSHOHXPOiSLVHDQRWHLDVWUrV´Perguntado ainda sobre a afinação, Oscar Bolão UHVSRQGHX³2OKDVLQFHUDPHQWHQmRRXYLGLIHUHQoDGH som entre os tamborins´.

Ao longo dos anos em que trabalhou com o trio, Wilson das Neves relata nunca ter ouvido nenhum deles dizer algo sobre afinação ou sobre como tocar. Presume- se que, quando estavam afinando os instrumentos, cada um pensava num som que combinasse com o que o outro percussionista estava afinando. Não havia nada pré- estabelecido, apenas decidido na hora, intuitivamente.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Com relação à quantidade de variações rítmicas, Neves (2014) diz que ³IRUDPVHGHVHQYROYHQGRGXUDQWHDV JUDYDo}HV´&RPJUDQGHYRFDEXOiULR e gravando todos os dias, seria lógico que novas ideias apareceriam. Eles também não tocavam como nas escolas de samba, virando o tamborim. Sobre esse aspecto, veremos exemplos disso posteriormente nessa dissertação.

O sucesso desse trio foi tão marcante que chamou a atenção de um percussionista de Aruba, Michael de Miranda, o qual acabou gravando os três padrões mais usuais do trio em um vídeo encontrado no YouTube. Por curiosidade, em contato com o percussionista, ele relatou ter encontrado essa informação no livro Batuque é um Privilégio, do baterista e percussionista Oscar Bolão. No documentário As Batidas do Samba, Wilson das Neves exemplifica outra variação que ele credita a Mestre Marçal. 2 WULR MXQWDPHQWH FRP RXWURV ULWPLVWDV XVDYD XP ³DSHOLGR´ SDUD HVVD YDULDomR HP JUDYDo}HV³&UHDP&UDFNHUV´

Encontramos durante a pesquisa, uma única aparição em vídeo desse trio, e que foi realizada com Dona Ivone Lara, em 1976, na música Tiê, na qual nem todos tocaram tamborim. Luna estava no surdo, Elizeu no tamborim e Mestre Marçal na cuíca.

Cremos que o livro de Bolão (2003), e posteriormente o vídeo de Wilson das Neves, ajudaram muito novos percussionistas a conhecer um pouco da grandeza do contraponto desses tamborins. Nas rodas de samba, quando há mais de um tamborim, é FRPXPRXYLU³YDPRVWRFDURVWDPERULQVGR/XQDElizeu H0HVWUH0DUoDO"´.

Apesar dessa grande identificação de variações dH³OHYDGDV´QmRSRGHPRV creditar essa invenção a Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques já seguiam esse conceito, em que cada um toca XPD³OHYDGD´7DPEpP nas escolas de samba já se tocava dessa maneira.

Para não nos limitarmos somente a esses grandes nomes que serviram de legado, e também com o intuito de divulgar nomes menos conhecidos dentro do cenário

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso musical atual, citaremos alguns músicos que representam, ou representaram, tão bem esse instrumento, quer seja através de gravações ou de performance ao vivo.

No Rio de Janeiro:

x Manacé José de Andrade (Manaceia, 1921-1995): Velha Guarda da Portela. x Otto Enrique Trepte (Casquinha da Portela, 1922): Velha Guarda da Portela, trabalho autoral. x Wilson das Neves (1936): Elis Regina, Elizeth Cardoso, Chico Buarque, trabalho autoral. x Robertinho Silva (1941): João Bosco, João Donato, Milton Nascimento, trabalho autoral. x José Belmiro Lima (Mestre Trambique, 1945): , Grupo Semente, Elton Medeiros. x Humberto Cazes (1955): Camerata Carioca, Moacyr Luz, Fátima Guedes, Baticum. x Armando de Souza Marçal (Marçalzinho, 1956): Paulinho da Viola, Jorge Vercillo, Simone. x Celsinho Silva (1957): Paulinho da Viola, Nó em Pingo D¶água, Ney Matogrosso. x Sidon Silva (1968): Pedro Luís e a Parede, Monobloco, Ney Matogrosso.

Em São Paulo:

x Osvaldo Barro (Osvaldinho da Cuíca, 1940): Adoniran Barbosa, Germano Mathias, Beth Carvalho, trabalho autoral. x Jorge Henrique da Silva (Jorginho Cebion, 1945): Eduardo Gudin, Vânia Bastos. x Gerson Martins (Gersinho da Banda, 1969): Beth Carvalho, Monarco, Carmen Queiroz. x Yvison Pessoa (1977): Beth Carvalho, Quinteto em Branco e Preto, Nei Lopes.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

x Julio Cesar Barro (1982): Osvaldinho da Cuíca, Germano Mathias, Demônios da Garoa. x Edison Martins Junior (Teco Martins, 1974): Roberta Miranda, Art Popular.

Certamente iremos cometer injustiças com alguns músicos que não conhecemos ou esquecemos, mas apresentamos somente uma pequena lista de grandes percussionistas que desempenham um grande trabalho no tamborim em São Paulo e no Rio.

Vale registrar, de forma breve, dois outros momentos importantes para o tamborim. Deocleciano da Silva Paranhos, o Canuto, e outro ritmista conhecido somente pelo apelido de Andaraí foram os tamborinistas da primeira gravação em 1929 da música Na Pavuna, segundo Henrique Foréis Domingues, mais conhecido popularmente por Almirante. João da Silveira, da União Parada de Lucas, foi eleito o melhor tamborinista do carnaval de 1938, promovido pelo jornal A Pátria.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

2.2 O Tamborim na Escola de Samba

Sobre a atuação dos tamborins nas escolas de samba encontramos a seguinte descrição:

O tamborim é a prima dona da bateria. É ele quem toca os famosos floreios, que fazem com que algumas escolas de samba se destaquem pela criatividade rítmica. Sempre guardando novidades debaixo da manga, os tamborins costumam dar shows à parte sob as cabines dos jurados. Os bons improvisadores no instrumento são os virtuoses do samba. Como o centroavante aparece mais aos olhos da torcida porque é ele quem faz os gols, o tamborim é um dos instrumentos favoritos da arquibancada, pois seu som, mais agudo que dos outros instrumentos de membrana, salta aos ouvidos. Por causa dessa necessidade de cantar alto, ele costuma ser percutido com baquetas que se ramificam em dois ou três pedaços. O teleco teco do tamborim é o cartão de visita de todas as modalidades de samba, e sua voz, improvisada, tem a ginga mais genuína: aquela que é guiada mais pela inspiração do sambista do que pela necessidade de manter o ritmo. (RODHIA - Projeto Cultural, Coordenação Ricardo Ohtake e texto João Gabriel de Lima, Instrumentos Musicais Brasileiros [198-]).

Hoje em dia o mais importante é a velocidade e a quantidade de intervenções que o tamborim faz. Quando se realiza uma busca textual na internet com o termo tamborim, o que se encontra com maior frequência, com pouquíssimas exceções, são vídeos e instruções de como se tocar o tamborim em escolas de samba, não havendo menções aos princípios básicos do instrumento, ou seja, como se toca numa roda de samba.

Segundo Cabral (2011, p. 96)³UDUDPHQWHXPDEDWHULDFRQWDYDFRPPDLVGH 15 ritmistas, HHUDPSRXFDVDVTXHFRQVHJXLDPUHXQLUPDLVGHFRPSRQHQWHV´+RMH em dia, a maioria das escolas sai com no mínimo 300 ritmistas.

Como afirmado anteriormente, o tamborim era quadrado, sextavado ou oitavado, tocado com pele de animal, que alguns ritmistas dizem ser de gato, outros de cabra, ou ainda de boi.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Mestre Marçal comentou que o tamborim usava couro de boi, não couro de gato, como afirmado por muitos sambistas. Para Mestre Marçal, o couro de gato seria um mito. No seu depoimento ao pesquisador Carlos Didier, ele fala a respeito:

Couro de gato não tem resistência, é igual a papo de galinha. É um mito que existe no samba e que não é verdade. [...] Sempre foi couro de boi, que naquela época se chamava de raspa. [...] Para encourar, você molhava a pele, encostava no aro e dava duas tachas no mesmo lado, numa ponta e na outra. Puxava o couro e botava tacha em todo o lado oposto, bem preso. Para os outros dois lados, a mesma coisa. Quando o cara não queria deixar a tacha aparecendo, fazia, com o próprio couro molhada, um viés para cobrir. Botava em cima e dava uma tacha em cada ponto (DIDIER, apud CABRAL, 1996, p. 102).

Na fabricação de seus tamborins de couro, a fábrica de instrumentos musicais Contemporânea utiliza a pele de cabra, que é mais fina do que a pele de boi.

O couro na época influenciou também a sonoridade, pois produz um resultado sonoro diferente do nylon utilizado hoje. Mudou também a baqueta, que era menor, com aproximadamente 10 cm, e de espessura de aproximadamente 3 mm, sem cabeça diferenciada, o que produzia um som mais aveludado. Atualmente a baqueta de tamborim é comprida, mede de 30 a 50 cm de comprimento, dependendo do fabricante, e o nylon que substituiu o bambu é flexível, resultando em um som semelhante a um estalo. Com a flexibilidade da baqueta, transformou-se também a maneira de tocar. Antigamente, tocava-se o tamborim de lado, a batida se encaixando no conjunto do restante da bateria. Havia improvisação, enquanto hoje o arranjo é padronizado. Nas palavras GH 0HVWUH 0DUoDO ³RV WDPERULQV GH DJRUD SDUHFHP metralhadoras.´ (CABRAL apud ZEH, 2006, p. 170).

Osvaldinho da Cuíca (BARRO, 2014) relata que eram usadas várias ³OHYDGDV´GLIHUHQWHV³DGRVDPEDEDLDQRDWHOHFR-teco que era carioca, e variedade tem que ter a síncopa, outro variando e pode ter outro dobrando. Além da afinação, e QLQJXpPID]PDLVLVVRKRMH´3RVVLYHOPHQWHHVVDV³OHYDGDV´VHULDPXPDGDVLQIOXrQFLDV adquiridas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. O percussionista Edison Martins, ao relatar suas experiências em escolas de samba, informa que, ao chegar à Mangueira, viu

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso o pessoal tocando o teleco-teco rodado e outros tocando o carreteiro24 e que, por coincidência, na escola paulista da Vai Vai tinham três fileiras, sendo que as duas primeiras faziam o teleco-teco. E continua relatando:

Quando cheguei lá já, no final dos anos 1980, começo dos anos 1990, já tinha esse som na minha cabeça. [...] Infelizmente não existe mais isso nas escolas, uma vez que andamento não permite mais esse tipo de variações. O que se percebe é uma enorme quantidade de variações, às vezes até exageradas, onde o naipe todo de tamborins toca em uníssono (MARTINS, 2014).

Mestrinel (2009) afirma que em São Paulo, essa levada foi primeiramente introduzida na bateria da Nenê de Vila Matilde, assim como a ida do naipe de tamborins para a frente da bateria.

No fim da década de 1980, o naipe de tamborim passa a ser posicionado à frente da bateria. Joãozinho, antigo tamborinista matildense e dono da loja de instrumentos Redenção, em uma conversa em seu estabelecimento, contou que antes o tamborim era visto como um instrumento pouco imporWDQWH ³VH DOJXpP FKHJDYD SUD tocar na bateria o mestre mandava tocar um tamborim lá DWUiV´1RHQWDQWRRpróprio Joãozinho, juntamente com Betão e Dartgan (importantes tamborinistas da escola Nenê de Vila Matilde), estavam introduzindo em São Paulo a maneira carioca de virar o tamborim, que estava sendo desenvolvida a partir da bateria da Salgueiro (RJ). Eles acharam que era injusto ficar no fundo da bateria e resolveram ir à frente durante um ensaio. Mas o mestre e diretores não queriam aceitar e houve uma discussão que culminou num embate físico. Finalmente, o tamborim conseguiu se manter à frente da bateria e, depois da Nenê de Vila Matilde, outras escolas de São Paulo começaram a WRFDURWDPERULPGDTXHODIRUPDRFKDPDGR³FDUUHWHLUR´XWLOL]DGRDWpKRMe por todas as

24 2 WRTXH ´FDUUHWHLUR´ GH WDPERULP IRL LQWURGX]LGR HP 6mR 3DXOR SHOD EDWHULDGD 1HQr>«@7DO WRTXH consiste na execução de 4 notas (semicolcheias) por tempo (de semínima) com a movimentação do tamborim no eixo do braço. A primeira nota é tocada com a pele posicionada para cima, bem como a segunda, após a execução da segunda nota, o tamborim é virado, e a terceira nota é tocada com a baqueta incidindo na pele pelo lado oposto, desvirando o instrumento. A quarta nota é tocada com o tamborim QRYDPHQWHFRPDSHOHSDUDFLPD(VVHWRTXH³SUHHQFKH´DEDWXFDGDLVWRpFRQGX]HPDUFDRULWPRFRP as subdivisões do pulso (MESTRINEL, 2009, p. 173).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso principais baterias paulistanas (IBIDEM).

No Rio de Janeiro, uma das escolas de samba que deve seu prestígio em grande parte devido à bateria é a Mocidade Independente de Padre Miguel, que também é conhecida entre os sambistas como a bateria da paradinha de Mestre André. Na década de 1990, a bateria ganhou outro destaque: a ala dos tamborins. O diretor de bateria Jonas, cujo nome completo não nos foi possível determinar, foi um dos diretores de tamborins que resolveu inovar, tornando-se assim a ala mais famosa do carnaval carioca.

Assumindo o novo cargo de diretor de tamborim, Jonas sentiu a vontade de inovar e criou a ala mais famosa do Rio. Quando assumiu D DOD RV WDPERULQV WRFDYDP ³VXELGD25´ H ³FDUUHWHLUR´ H QD VHJXQGD SDUWHGRVDPEDSDXVDYDP(OHFULRXDUUDQMRV³HPFLPDGDOHWUD´, mas, DR FRQWUiULRGRV DUUDQMRVGD ,PSHUDWUL]WDPEpPIHLWRV ³HPFLPD GD OHWUD´ -RQDV FULRX DUUDQMRV HP TXH RV WDPERULQV QmR WRFDP DSHQDV junto com a letra, mas nos seus intervalos, num tipo de diálogo. Criou ³GHVHQKRV´ muito sofisticados que agradavam aos ritmistas e jurados e, logo, foram copiados por outras escolas. Inovando sempre, Jonas criou mais do que um arranjo para um samba. No desfile, os tamborins tocavam DWpTXDWUR³GHVHQKRV´GLIHUHQWHV =(+ .

Como mencionado acima, vários modelos de baquetas de tamborins foram criados ao longo dos anos e hoje em dia ficou fixado como padrão, o modelo de baqueta de plástico, seja ela com uma, duas ou três hastes. Algumas escolas preferem utilizar somente o modelo com uma haste, com o desenvolvido de corpo mais largo no intuito de não perder o volume e de ser menos cansativo comparado às demais hastes.

As características físicas das baquetas foram mudando com o tempo. No início, eram pequenas e finas, depois vieram as de bambu, com recortes no meio para ajudar na sonoridade, porém eram mais fáceis de quebrar. Isso fazia com que o ritmista tivesse que andar com várias baquetas no bolso da calça para poder chegar ao término

25 $FRQWHFHTXDQGRRVWDPERULQVH[HFXWDPXPDIUDVHFRPWHUFLQDVSDUD³FKDPDU´DHQWUDGDGRFDUUHWHiro e de outros instrumentos menores como cocalho e agogôs.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

GRGHVILOH1mRKiLQIRUPDo}HVVREUHTXHPFULRXHVVDEDTXHWD³$VEDTXHWDV~QLFDVGH madeira migraram para baquetas de bambu mais longas e maleáveis na década de 60, e depois para material plástico, na década de 70.´ 68'2+0DUFHOR, apud Julio Cesar Farias, p. 85).

Esse modelo novo de baqueta surgiu primeiramente com a intenção de se encontrar um material mais resistente.

(VVH SUREOHPD FRQVWDQWH OHYRX DOJXQV ³WDPERULQLVWDV´ D SURFXUDU soluções com outros tipos de baqueta. Na escola de samba Imperatriz Leopoldinense, uma nova baqueta foi introduzida no final dos anos 70. Um dos ritmistas, responsável pelo naipe, procurou um material mais estável, porém flexível, que não quebrasse. Ele encontrou um PDWHULDO FKDPDGR ³DFHWDO´ TXH VHUYLX ao propósito: Arredondou as pontas, afinou um lado e cortou em 45 a 50 cm de comprimento (as anteriores mediam por volta de 30 a 35 cm). Por ser de uma vara só, VHPUDPLILFDo}HVHQmRQDIRUPDGH³YDVVRXUD´GHWUrVDRLWRYDUDV como usada na maioria das escolas, ela ficou conhecida como a baqueta típica da Imperatriz (ZEH, 2006).

O posicionamento e afinação dos tamborins variam de mestre para mestre. A Mangueira, por exemplo, é uma escola que utiliza o naipe de tamborins posicionados no corredor com 34 ritmistas desde 2007. Trouxe inovação em 2014, com a parada da bateria, que ficou somente com os surdos de marcação, enquanto o resto da bateria trocou seus instrumentos por tamborins. Por volta de um minuto, a bateria contou com 254 tamborinistas fazendo frases em uníssono, e com um efeito de LED nas peles que ao serem percutidas se acendiam. Mestre Odilon Costa costuma intercalar as afinações usando grave e agudo. Diz ele que, no resultado final, cria-se a sensação de mais ritmistas. Na Escola Unidos de Vila Maria, em São Paulo, o Mestre de bateria Rodrigo Neves Alves (Mestre Moleza) usa afinação mais grave nos tamborins desde 2014.

A utilização dos tamborins mais graves pode ser favorável para distinguir de forma mais clara com relação às caixas, que são bastante agudas; podendo gerar maior distinção entre ambos. Os tamborins estariam deste modo, num estágio intermediário entre os instrumentos agudos (chocalhos, caixas e repiques) e graves (surdos).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

De acordo com o Mestre Odilon Costa, em seu livro Batuque Carioca, encontra-se a seguinte informação:

A distribuição geográfica dos instrumentos de uma bateria varia de escola para escola, mas algumas regras parecem ser seguidas pela maioria delas. Os instrumentos leves (pandeiros, tamborins, chocalhos, cuícas, etc.) costumam vir na frente da bateria (COSTA, GONÇALVES, 2000, p. 14).

Uma invenção que acabou não dando muito certo, pelo menos na avenida, IRL D ³iUYRUH´ GH WDPborins. Foi criada a fim de possibilitar que uma única pessoa pudesse tocar vários tamborins ao mesmo tempo, gerando maior massa sonora. Sua primeira versão era uma estrutura de ferro com três tamborins de cada lado. Cada mão tinha uma alavanca ligada a um cabo de aço, que ao ser acionada moviam as baquetas de plástico na extremidade suspensas em frente ao instrumento. Assim, poderiam ser tocados vários tamborins ao mesmo tempo.

Essa estrutura ficava presa na cintura, e talvez fosse incômoda devido ao peso e também ao tamanho da fantasia utilizada durante o desfile. Infelizmente, não é possível afirmar em qual ano e escola esse artefato foi utilizado. Mas, fora da avenida, é SRVVtYHOHQFRQWUDUHVVD³iUYRUH´HPGLYHUVRVJUXSRVGHGLYHUVRVHVWLORV(VVDHVWUXWXUD foi aperfeiçoada, tornando-se fixa numa estante, já não sendo mais necessário prendê-la ao corpo.

Algumas empresas de percussão já fabricam esse artefato, hoje podendo chegar até 10 tamborins no total. O nome mais conhecido é tamburica, mas também já ouvimos o nome de politamborim. Este último nome foi supostamente dado pelo inventor26, que, quando foi registrá-lo, descobriu já haver outro registro com o nome de tamburica.

26 https://www.youtube.com/watch?v=v2huDDJx4NM

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 27: Tamburica com 8 tamborins.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba

Na música brasileira, também podemos destacar o pioneirismo do percussionista Armando Marçal (Marçalzinho). Vindo de família de sambistas, ele aproveitou sua vivência no gênero e aplicou as características rítmicas e estilísticas do samba em outros ritmos. Sua primeira experiência desse tipo foi em uma gravação com o grupo de rock brasileiro Blitz, no começo dos anos 1980, na música Egotrip, do disco Blitz 3, gravado pela EMI-Odeon. Nessa gravação, Marçalzinho utiliza os instrumentos de samba como tamborins, cuíca e surdos. Ele toca a levada do samba enquanto os outros instrumentos da banda continuam tocando do mesmo modo da parte anterior da música. A bateria mantém-se na levada do rock com a tradicional caixa tocada acentuada no segundo e no quarto tempo.

Antes de exemplificarmos as levadas de Marçalzinho através de transcrições musicais, iremos discutir sobre a notação musical para tamborins, já que é um tema bastante debatido de forma pertinente entre músicos e que não se encontra definido até o momento.

A respeito da notação, Moita (2011, p. 139) discorre sobre o problema: ³Mesmo depois de várias publicações abordarem o tema de diversas maneiras, as publicações mais recentes ainda apontam problemas relacionados à notação para instrumentos de percussão com som de altura indeterminada´.

Utilizamos uma escrita já comum e de certa maneira consolidada para o instrumento, que é a indicação dos toques realizados pela baqueta e dos toques realizados pelos dedos embaixo da pele.

O tamborim é provavelmente o instrumento da seção rítmica com maior liberdade na execução. Portanto, uma partitura ou transcrição de tamborim executada na íntegra pode não ter efeito tão positivo no resultado final, como imaginado pelo arranjador ou compositor. Usualmente, o ritmista pensa em formas distintas de tocar quando insere o tamborim dentro de uma música, seja mantendo a levada, que é de

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso predominância do teleco teco, seja com suas variantes dentro de um contexto melódico, seja improvisando.

A Figura 28, mostra um exemplo de notação utilizada por Oscar Bolão em seu livro Batuque é um Privilégio (BOLÃO, 2003). Ele foi muito feliz ao desenvolver uma forma de escrita na qual os toques realizados com os dedos são colocados na linha inferior, ou seja recebendo grande importância, tanto quanto as notas tocadas através da baqueta na pele que são escritas na linha superior da partitura.

Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003).

Partindo do conceito de Gianesella (2009, p. 168):

Dentro de uma linguagem baseada no idioma popular, a fluência é importante para a caracterização do estilo, portanto, um sistema que prioriza a anotação dos movimentos das mãos mais do que a sonoridade resultante pretendida, aumenta a complexidade da leitura e pode atrapalhar a performance (GIANESELLA, p. 168).

Partindo de uma pesquisa que se encontra ainda escassa, decidimos seguir uma sugestão encontrada na dissertação de mestrado do baterista Hélio Cunha (2014), que por sua vez, baseou-se na escrita de Carlos Stasi para representar os sons de platinela do pandeiro. As notas percutidas com os dedos na parte inferior do instrumento serão representas com a figura da haste como no exemplo da Figura 29 abaixo. A diferença entre a que escolhemos com a de Cunha está na relação entre a escrita que sugerimos para as notas percutidas na parte superior da pele. Permanecemos, portanto, utilizando a figura da nota acima da linha. Diferentemente de Cunha, que utiliza a nota na parte inferior.

Abaixo iremos exemplificar as duas maneiras de escrita.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do tamborim.

Abaixo segue a sugestão para escrita do toque com a baqueta na pele.

Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele.

Dentro dessa proposta de escrita, ilustramos abaixo, uma forma mais ampla de como ficariam alguns dos padrões característicos mais utilizados por Mestre Marçal.

Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada.

Quando executamos um toque com uma dinâmica extremamente baixa, utilizaremos a cabeça de nota entre parênteses, comumente chamada de nota fantasma (ghost notes), como mostram as Figuras abaixo.

Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 33: Levada utilizando notas fantasma.

Na Figura 34 há um exemplo onde toques simples com a baqueta convivem com o toque de dedos da parte inferior do tamborim.

Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim.

Sobre a maneira de Mestre Marçal tocar essa levada, faremos uma observação importante. Talvez seja a levada mais utilizada nas escolas de samba, a chamada levada de carreteiro. Mestre Marçal não utilizava o procedimento GH³YLUDU´R tamborim para tocar essa levada, por isso manteremos essa forma de escrita.

Figura 35: /HYDGDGH0HVWUH0DUoDOVHP³YLUDU´RWDPERULP

Para situações onde o ritmista toca a levada de carreteiro, iremos utilizar uma outra grafia, na qual substituiremos a haste que representa o toque com os dedos na parte parte inferior da pele, SHORWRTXH³YLUDGR´, como mostra a figura abaixo.

Figura 36: Grafia para toque virado.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Essa mesma levada, ilustrada na Figura 35, quando tocada com o toque ³YLUDGR´, torna-se a levada demonstrada na figura 37 abaixo.

Figura 37: Escrita para tamborim virado.

Nas Figuras 38 e 39 temos respectivamente a ilustração do toque regular e GRWRTXH³YLUDGR´1RWHTXHQRWRTXHYLUDGRRWDPERULP gira sobre seu eixo voltando a pele para baixo, enquanto a baqueta percute o tamborim de baixo para cima, no curso do rebote do movimento da baqueta.

Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional Figura 39: Tamborim tocado virado.

A levada de teleco-teco por conta de suas inúmeras variações pode ser interpretada de diversas maneiras. Na Figura 40, vemos a levada que é mais presente na obra de Mestre Marçal, com o complemento do toque com os dedos na parte inferior do instrumento.

Figura 40: Levada de teleco teco.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Uma segunda variação é a levada característica tocada na frigideira27, conforme demonstrada na Figura 41.

Figura 41: levada de teleco-teco com o toque virado.

Abaixo segue uma ilustração da frigideira com a baqueta.

Figura 42: Frigideira utilizada no samba.

Temos ainda o exemplo do tamborim sendo tocado executando-se todas as semicolcheias com a baqueta na pele com diferentes nuances de acentos dinâmicos. No caso dos acentos, os dedos não abafam a pele, e para esse tipo de toque utilizaremos o símbolo µ2¶ abaixo da nota específica. Quando executarmos o toque com baqueta na pele abafada pelos dedos utilizaremos o símbolo µ+¶. Veja na Figura 43 um exemplo desse caso.

27 ,GLRISHUFV)SO ´IULJLGHLUDV´- Frigideira pequena de metal, utensilio usado para frituras culinárias, FRPFHUFDGH´GHGLkPHWURVHJXUDGDFRPDPmRHVTXHUGDSHORFDERHSHUFXWLGDFRPXPDYDUHWDGH metal na mão direita (originalmente era utilizada uma faca). Além de percutir o instrumento com movimentos normais, foi desenvolvida uma técnica de rotação do cabo que permite a execução muito UiSLGDGHVXEGLYLV}HVUtWPLFDV)RLPXLWRXWLOL]DGDQD³HVFRODGHVDPED´PDVVHXXVRTXDVHGHVDSDreceu (FRUNGILLO, 2014, p. 128).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 43: Acentos com sHPLFROFKHLDV³DEHUWR´H toque ³DEDIDGR´QRVWDPERULQV

Por fim, ilustraremos a notação do tamborim quando ocorre o toque simultâneo de aro e pele, conforme mostra a Figura 44 abaixo.

Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente.

Os outros instrumentos que aparecem nas transcrições contidas nessa dissertação foram grafados da seguinte maneira:

Anexo ao texto dessa dissertação, há um CD contendo trechos de várias músicas analisadas nesse trabalho. O intuito, além de trazer ao grande público o

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso conhecimento de uma fonte de áudio já selecionada e muitas vezes de difícil acesso, é ilustrar de forma mais completa, as transcrições incluídas no texto. A indicação no número da faixa, bem como a minutagem onde se encontra o trecho tratado dentro da faixa, encontram-se entre parênteses nas legendas das Figuras relacionadas, conforme mostrado abaixo.

Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-3:22 (faixa 1 do CD).

Na Figura 45 acima, ilustramos o primeiro exemplo a ser tratado aqui, e diz respeito à inclusão dos tamborins no cenário pop-rock brasileiro. Primeiramente, 0DUoDO]LQKRID]XPDIUDVHFRPRVHIRVVHXPD³FKDPDGD´GHWDPborim e, na sequência, a cuíca aparece com duas notas tocadas na região aguda do instrumento. A entrada da SHUFXVVmRRFRUUHORJRDSyVRYHUVRTXHGL]³FDQWDQGRRVDPEDGD0DQJXHLUD´.

Após quatro compassos de pausa, Marçalzinho retorna com os tamborins e surdo, fazendo alusão ao surdo característico da escola de samba Mangueira, tocando sempre no segundo ou no quarto tempo. Isso vai acontecendo aos poucos, com a entrada em fade in28, enquanto a cuíca fica livre para improvisar. Após um determinado período em que a melodia se repete várias vezes, a música segue com o propósito de fazer um diminuendo para o final, ou um fade out29.

28 Fade in: recurso utilizado nos estúdios, onde através da mixagem o áudio pode fazer uma dinâmica crescente.

29 Fade out: recurso contrário ao fade in, em que o trecho musical mixado vai sumindo até desaparecer.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-04:18 (faixa 2 do CD).

O segundo exemplo é extraído do disco Selvagem do grupo Paralamas do Sucesso, lançado em 1986 pela EMI. Na ocasião, Marçalzinho aparece em três faixas. Aqui exploraremos a música Alagados, que foi a única em que ele usou somente um instrumento de percussão do samba, o tamborim, diferentemente do exemplo anterior com a banda Blitz, em que se usaram mais instrumentos de uma batucada. Em ambas, ele pensou o tamborim da mesma maneira, ou seja, tocar os três com afinações diferentes sem virar.

[...] Depois de tantos hits inspirados no rock inglês, aumentava o interesse em se criar uma linguagem brasileira para o gênero. Os ritmos africanos e caribenhos invadiam a Europa sob o rótulo de ³world music´HDTXLORMiSDUHFLDPXLWRPDLVLQWHUHVVDQWHGRTXHDV fórmulas desgastadas da new wave. E quando todos pensavam que as bandas daqui já tinham explicado o que era o rock ao brasileiro, os Paralamas resolveram confundir tudo30.

Na transcrição a seguir, ilustrado na Figura 47, o tamborim de Marçalzinho nos faz lembrar as frases comuns utilizadas dentro da bateria de uma escola de samba. Sobre essa gravação, Marçalzinho (2015) explica:

Foram 3 tamborins com afinações diferentes, fazendo o carreteiro sem virar. Foi uma idéia minha. Aquela onda Jamaica (ritmo das congas) do percussionista que tocava muito com o Steve Gadd, Ralph

30 Disponível em: http://osparalamas.uol.com.br/cds/selvagem-1986/ - Acesso em: 06 mai. 2015.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

McDonald. E eu lembrei dessa levada e passei pra eles [Paralamas] essa levada e no refrão e no final eles perguntaram se eu tinha uma ideia. Ai eu pensei em Madureira. Pensei numa bateria. E ai eu posso tentar eessa onda dos tamborins. Voce ve que so tem conga, cowbell e tamborins. Três tamborins com afinações diferentes tocando carreteiro só que sem virar. Eu toco das duas maneiras, quando é essa onda de bateria eu toco virando. Quando é mais MPB se você vira a tendência é chocar. Porque ja tem a bateria, hit hat, ja tem a caixa, isso é a maneira mais limpa de você tocar um tamborim, sem virar. Mas quando a base é de ritmos mesmo ai toca virado. E com a Blitz a mesma idéia (MARÇALZINHO, 2015).

Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-1:06 (faixa 3 do CD).

Na parte final da música, podemos observar uma maior variação dessas frases utilizadas no contexto da escola de samba. Enquanto Marçalzinho faz as levadas conforme ilustrado na figura 48, a bateria continua com a levada de rock, conforme mostra a figura 49.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22--4:58 (faixa 4 do CD).

Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso.

Para demonstrar a importância da possibilidade de inclusão da percussão brasileira no pop-rock nacional, citamos Marcos Esguleba, que se refere a Marçalzinho como o grande representante dos ritmistas em outros contextos musicais além do samba.

Pra mim o melhor e maior percussionista/ritmista do Brasil é o Marçal [Marçalzinho] [...] Porque ele é da nossa geração, ele é sambista igual a gente, conseguiu abrir a porta pra gente pro rock. [...] Ele é

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percussionista de tudo que se vê por ai, é nosso rei do samba igual a gente [...] Primeiro se fala em Armando Marçal [Marçalzinho], depois a gente. O pai [Mestre Marçal] deixou um cara para guiar a gente aí, [...] O melhor cara que tem no Brasil de percussão, sem sombra de dúvida (SILVA, M., 2015).

Deste modo, observa-se que após as primeiras incursões de Marçalzinho em gêneros distintos do samba, outros instrumentos típicos do samba, como a cuíca e o reco-reco, foram introduzidos em outros ritmos.

Percussionista radicado em New York desde 1990, Mauro Refosco foi um dos primeiros a utilizar a tamburica no pop e no rock. Refosco foi para Nova Iorque fazer mestrado na Manhattan School of Music em percussão clássica, e com o tempo foi se tornando conhecido na música popular. Consequentemente, foi deixando a música clássica de lado para trabalhar com grandes nomes da música popular americana.

Com sólida carreira, participou de trabalhos que vão desde o acompanhamento da cantora Bebel Gilberto, até um grupo de forró ± Forró in the Dark, que ele mesmo criou e que virou um sucesso na Big Apple. Mauro usa a tamburica em grupos pop e, por muitos anos, tocou esse instrumento na banda do artista David Byrne, ex-membro do Talking Heads. Por três anos, também usou a tamburica em uma das bandas de maior prestígio no mundo do rock, o Red Hot Chili Peppers. Refosco comenta seu uso da tamburica:

A primeira situação em que eu a utilizei, que não fosse no contexto de música brasileira, foi numa turnê com o David Byrne em 2000/2001. Tinha uma música que nós tocávamos, um beat meio dance music, que no final da música, que era muito comprida, o meu roadie trazia a máquina [de tamborins] montada numa estante de prato e eu tocava alguns compassos do final dessa musica. O efeito sonoro e visual era muito legal, pois a plateia ficava primeiro supercuriosa em saber que porra era aquilo, e depois maravilhada pelo efeito sonoro e rítmico que produzia. Com o Red Hot Chili Peppers, eu levei ao estúdio quando fui gravar com eles. Como eram basic tracks, o input que eu tive foi maior do que se eu fosse chamado para fazer overdubs depois que os basic tracks estivessem prontos. Uma das primeiras músicas que

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

gravamos (aliás, era tudo gravado sem click e com poucos takes) foi a musica Maggie, que acabou virando o single do disco e chegou ao número 1 do Billboard Rock Charts. Maggie tem um ritmo meio New Orleans, DC Gogo vibe. Gravei tudo meio de improviso, [usei] um chequebalde, com cowbell fazendo uma linha bem tradicional de funk, nos chorus coloquei pandereta e na bridge da música a maquininha de tamborim foi o instrumento que mais casou com a vibe que tava rolando. Acabei gravando uma linha de samba reggae, na linha que a batera e o baixo estavam fazendo. Tive que botar um swing para encaixar com o jeito que eles estavam tocando, mas é realmente uma linha de samba. Como a banda é muito popular no mundo inteiro, muitas pessoas vêm me perguntar que instrumento é esse, pois todos ficam fascinados pela sua estética e efeito musical. Uso muito em gravações no meu estúdio e está sempre à mão (REFOSCO, 2014).

O grupo Pedro Luís e a Parede, sediado no Rio de Janeiro e integrado por C. A. Ferrari, Celso Alvim, Sidon Silva e Mario Moura, se caracterizam por ser um grupo que faz a junção de instrumentos do samba com outros ritmos. A partir de então, nasceu o grupo Monobloco.

Essa ideia de pegar os instrumentos da escola de samba e tocar outros ritmos com ele já circulava no Rio de Janeiro, nos anos 90, com os grupos Baticum e Funk em Lata. Quando o PLAP [Pedro Luís e A Parede] foi convidado para fazer um workshop em 2000, no Sesc Vila Mariana, pensamos em pegar os instrumentos do samba e transpor para essa orquestração alguns grooves com o ritmo. Já no carnaval de 2001, rolou uma sensação muito bacana, pois conseguimos fazer um baile bem diferente, que passeava por vários gêneros da música brasileira31.

O Monobloco tem uma escola que ensina batucada e no carnaval, chegam a colocar os alunos para tocar junto com os mais experientes. O grupo virou referência entre as batucadas universitárias. Com grande sucesso, com muita frequência, costumam lotar casas de espetáculo, com uma agenda repleta de shows no país e no exterior.

O grupo é formado por 17 ritmistas liderados pelo percussionista Sidon Silva, sendo 3 deles no tamborim.. No Monobloco, o tamborim é utilizado como uma

31 Dez vezes Monobloco. Guia da Semana. Disponível em: .

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso segunda caixa, respondendo àquela caixa de bateria que toca no segundo e quarto tempos de um 4/4 (mais pop). Sidon disse que se juntou ao grupo, um especialista no instrumento que veio da Mangueira, o Juninho, profundo conhecedor de muitos arranjos para tamborim. A partir de então, começaram a desenvolver formas de tocar outros gêneros. Por serem abertos à mudança todos podem oferecer sugestões. Nas músicas TXH FRQWpP PHWDLV HOHV WHQWDP UHSURGX]LU DV OLQKDV QRV WDPERULQV )UDVHV GH ³8SD 1HJXLQKR´32 também são utilizadas. Outros exemplos imitativos, como citações musicais, são utilizados, como por exemplo, o tema principal do filme Missão Impossível, ou refrãos de músicas do Red Hot Chili Peppers. Quando tocam frevo, geralmente o tamborim dobra com o chocalho ou triângulo, ou ainda transportam uma ³OHYDGD´GHFRQJDODWLQDSDUDo tamborim.

Os tamborins são utilizados com afinação bem alta, e a baqueta que eles utilizam é, na verdade, uma haste com misturas de plástico e outro material, cuja combinação eles mantêm em segredo. A microfonação do grupo também é bastante peculiar. Como seus shows são muito agitados, eles desenvolveram uma microfonação ³PyYHO´ 8WLOL]DQGR PLFURIRQHV VHP ILR DPDUUDGRV DR EUDoR RSRVWR DR TXH SHUFXWH ficando livres para maior mobilidade no palco, sem a necessidade de ficar somente num lugar (SILVA, S., 2014).

Os padrões do tamborim de samba encaixam-se muito bem com os padrões de música pop. O exemplo mais utilizado pelos percussionistas pode ser aquele que se tornou mais famoso entre nós, que é o carreteiro.

32 ³8SD1HJULQKR´HUDTXDVHXPDYLQKHWDTXHVHUYLDGHOLJDomRHQWUHDOJXPDVFHQDV>@. Ao apresentá-la em cena, Guarnieri era acompanhado por um trio de flauta (Neném), violão (Carlos Castilho) e percussão (Anunciação), já tendo a canção, na ocasião, a famosa introdução com o acorde de quinta diminuta sob a TXDUWDQRWDTXHIXQFLRQDYDFRPRXPFKDPDPHQWRSDUDRUHIUmR³8SDQHJULQKRQDHVWUDGDXSDSUDOiH SUDFiYLUJHTXHFRLVDPDLVOLQGDXSDQHJULQKRFRPHoDQGRDDQGDU´ < http://mpbartistas.blogspot.com.br/2006/07/upa-neguinho.h>

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2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea

Depois de ter sido utilizado na orquestra sinfônica em 1926, especificamente na obra Choros n. 6, de Heitor Villa-Lobos, o tamborim foi utilizado em algumas obras sinfônicas e foi sendo gradativamente mais empregado dentro do repertório de grupos de percussão. Na figura 50, a escrita do tamborim foi mantida na forma original da partitura com o intuito de apenas divulgar a utilização do instrumento nesse contexto.

Figura 50: Parte de tamborim. Choros n. 6, Villa-Lobos.

A primeira peça escrita para um grupo de percussão que utiliza o tamborim é a Variações Rítmicas de Marlos Nobre, escrita em 1963 para seis percussionistas e piano. Na figura abaixo apresentamos um pequeno trecho da parte de tamborim. O toque deve ser executado como estiver escrito, utilizando baqueta tocando na pele regularmente, não sendo necessária a utilização dos dedos na parte inferior do instrumento e respeitando a intenção composicional do compositor.

Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, Marlos Nobre.

Além de obras para grupos de percussão, posteriormente podemos observar peças escritas para trios, duos e solo de tamborim. Nessas obras, observa-se muito do

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso que chamamos hoje em dia de técnicas estendidas. O tamborim passa a ser executado de formas que irão além da tradicional que estamos acostumados a tocar, isto é, com uma mão segurando o tamborim e a outra tocando com uma baqueta. Podemos observar na Figura 52 algumas diferentes maneiras de segurar o instrumento.

Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim.

Nessas obras, que classificamos como contemporâneas, o tamborim é utilizado de forma a explorar intensamente suas potencialidades, com a maior amplitude de timbres possível. É comum nessas obras encontrar a utilização de notação específica para efeitos, utilização de gráficos como referência de execução. Quanto a mudança da sonoridade regular do instrumento, encontramos recursos variados como por exemplo o uso de fitas autocolantes no meio da pele. As técnicas também são variadas, como, por exemplo, tocar com duas baquetas simultâneas, duas mãos com diversas regiões de toque, utilização de abafamento com o corpo, entre outras técnicas instrumentais.

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Faremos uma explanação mais detalhada sobre esse aspecto, pois a forma de utilização do instrumento se torna um pouco mais complexa.

Na obra Jegolino, de Carlos Stasi33, escrita para o Duo Ello, há um exemplo da utilização de diferentes partes da mão para tocar o instrumento. Jegolino foi composta em 2009 e tem sua estrutura dividida em duas seções. A primeira parte utiliza dois tamborins e a segunda é escrita para zabumba e pandeiro tocado com um reco reco34.

A primeira parte da obra é a que realmente nos interessa neste momento. Essa seção começa em uníssono nos dois tamborins, que são tocados com as mãos, sem utilização de baquetas. O compositor demanda o uso de tamborins com diferentes tamanhos e afinações, em que ambos devem usar pele animal. A obra utiliza técnicas não convencionais, como, por exemplo, percutir com a ponta dos dedos na borda do instrumento, com o osso da mão no centro, raspar as unhas na pele enquanto embaixo se aperta com a outra mão para gerar glissandos, tapas, entre outras técnicas.

Característica presente em suas obras, Stasi valoriza o uso do conceito de ³PHORGLDGHWLPEUHV´HRXVRGDLPSURYLVDomROLYUHHPDOJXQVWUHFKRVHVSHFtILFRV7XGR é muito claro, podendo se distinguir todas as nuances. Predomina na obra um sentido rarefeito, não dando uma sequência rítmica entre as passagens. Não é um samba, nem uma referência (por causa dos uníssonos dos tamborins na escola de samba), mas tem um impacto maravilhoso. Podemos destacar outras duas obras para tamborins: Três Bambas de Lucas Rosa (2002) e Era Luna, Elizeu e Marçal, de Oscar Bolão (2003). A obra de Lucas da Rosa, com duração de aproximadamente 8 minutos, utiliza diversas técnicas estendidas para o instrumento como, por exemplo, toques em diferentes regiões

33 Carlos Stasi é professor de percussão na UNESP, onde dirige o Grupo de Percussão da UNESP ± PIAP; é também compositor e membro do Duo Ello ao lado do percussionista Guello (Luiz Carlos Xavier Coelho Pinto), outro grande nome da percussão popular brasileira. Esse duo foi formado em 2000 e lançou seu primeiro CD, Link, em 2005. Stasi possui uma obra extensa para percussão nas mais diversas formações. 34 2FRPSRVLWRUGHVFUHYHDWpFQLFDGHVHQYROYLGDSDUDRFKDPDGR³SDQGHUHFR´GDVHJXLQWHPDQHLUDDPmR esquerda segura o pandeiro em posição vertical, ou seja, em pé. Essa mesma mão segura uma baqueta de plástico que passa sobre a pele do pandeiro desde a parte inferior até a superior. A mão direita segura um tipo de reco-reco de superfície plana que raspa determinadas partes do pandeiro (aro, platinelas e a outra baqueta da mão esquerda apoiada sobre a pele) e também percute a pele e outras partes do pandeiro de distintas maneiras.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso tanto na pele como no aro do tamborim, diversos tipos de rulo executados com dedos, modificação de sonoridade através do abafamento ou semi-abafamento do instrumento pelo corpo do próprio instrumentista. Na obra encontram-se bem definidas as partes onde as técnicas tradicionais do tamborim são aplicadas em uma linguagem típica do samba, como também, em contraposição, possui partes onde o principal é a exploração tímbristica do instrumento em uma linguagem contemporânea com relação ao estilo composicional. A obra de Bolão é caracterizada por uma linguagem típica do samba e suas peculiaridades.

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2.5 O Tamborim na Orquestra

Em um levantamento envolvendo o repertório orquestral brasileiro, não encontramos obras que utilizem o tamborim como uma forma de tocar fora do contexto em que é executado na música popular brasileira. Os dois exemplos apresentados são obras em que tive oportunidade de tocar com um conjunto orquestral.

Primeiramente, mencionamos uma obra de Radamés Gnattali, reconhecido principalmente pelos trabalhos dentro das Rádios Nacional e Mayrink Veiga do Rio de Janeiro. A Rádio Nacional criou sua própria orquestra de música brasileira, em que, dentre os abundantes arranjos, aparece o antológico arranjo de Aquarela do Brasil de Ary Barroso, de 1939.

Gnattali escreveu em 1950/51 seu Concerto Carioca n. 1 para piano, violão elétrico e orquestra, dedicado a Laurindo de Almeida. O quarto e último movimento dessa obra, chamado de Samba, é o que tratamos aqui. Nesse movimento, o compositor utiliza um grupo com doze percussionistas, dos quais seis estão nos tamborins. Radamés escreveu três linhas diferentes de tamborins, sendo que cada dois percussionistas executam a mesma frase.

No único registro encontrado com a Orquestra Sinfônica Continental, do ano de 1965, podemos observar que a gravação está diferente da partitura. A bateria que ouvimos não faz parte da partitura original. Não é de nosso conhecimento a razão da inclusão da bateria em vez de outros instrumentos de percussão.

Essa mesma obra foi regravada no início de 2015 pela Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, que respeitou a formação original da partitura, com seis tamborins, surdo, caixa, pandeiro, dois reco-recos e dois chocalhos. O autor foi convidado a fazer parte do naipe de tamborins para essa gravação, e já no primeiro encontro com os demais surgiu uma dúvida a respeito da interpretação da escrita.

A escrita utilizada pelo compositor necessita de um percussionista que tenha familiaridade com a escrita para bateria. Ele optou por utilizar um sistema no qual o

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

VLQDO³O´VLJQLILFDWRFDUDEHUWRHRVLQDO³´VLJQLILFDDEDIDGR(VVHVLVWHPDpFRPXP numa bula de bateria, que se refere ao uso dos pratos de choque ou chimbal.

Ficou acordado entre o naipe de tamborins que os trechos em que surgissem essas notações seriam interpretados aplicando o conceito de toque aberto e toque abafado como descrito acima. Nas Figuras 53 a 55 apresentamos as três linhas de tamborins que eram executadas sempre com repetição. Quanto à primeira levada, demonstrada na Figura 53, ficou definido que os dois tamborins utilizados nessa frase estariam com uma afinação mais aguda.

Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali ± compassos 7 a 42.

A segunda levada, ilustrada na Figura 54, seria tocada com afinação média.

Figura 54: Frase de tamborim médio. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali, compassos 9 a 42.

A terceira levada, demonstrada na Figura 55, utilizou uma afinação grave. Apesar de termos escrito somente dois compassos na Figura 55, a frase se desenvolve continuamente como se fosse um deslocamento de três sobre quatro, onde temos duas semicolcheias tocadas com baqueta mais uma pausa de semicolcheia, gerando um deslocamento rítmico continuo.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42.

Em outra parte do concerto surgiu uma dúvida com relação à execução, pois há uma indicação de toque na madeira do corpo do instrumento. Uma frase semelhante ritmicamente com a primeira levada mostrada acima. Ver na Figura 56 a indicação de toque na madeira.

Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.

Em decisão conjunta com o maestro, ficou estabelecido que, ao invés de tocar na madeira (o que causava certo desconforto), todos deveriam tocar na borda do instrumento, na parte superior, percutindo na pele e no aro de madeira simultaneamente (rim shot). Assim, os harmônicos se sobressaíam, de maneira similar ao que caracterizava o estilo de tocar de Mestre Marçal.

Outra mudança ocorreu com a interpretação do terceiro tamborim (grave). Ao invés de tocar somente os abertos e fechados, foi determinada a inclusão de um acento a cada dois toques de baqueta, mudando assim a interpretação da levada. Essa alteração corrobora com outra peculiaridade de execução ao tamborim de Mestre Marçal, que iremos observar mais detalhadamente em outro capítulo. A Figura 57 abaixo mostra a mudança. Tanto dos acentos como o da escrita para a minha levada, dando ênfase à importância da utilização dos dedos na parte inferior do instrumento.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.

Além dessa modificação, durante a gravação do Concerto n. 1, a levada de três tamborins causou certo desconforto entre os solistas. As causas podem ter sido o próprio distanciamento físico do naipe de percussão em relação aos solistas, ou até mesmo uma dificuldade de compreensão das frases executadas pelo trio de tamborim. Deste modo, nesses trechos, decidiu-se pela adição do surdo para auxiliar no acompanhamento.

Semelhante à Gnattali, o outro exemplo vem do maestro Cyro Pereira ± pianista, compositor, arranjador, músico de rádio e TV, e que assim como Gnattali era gaúcho. Cyro foi professor de arranjo do Departamento de Música da UNICAMP, e membro fundador da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, onde permaneceu por mais de 20 como compositor residente e maestro titular.

A obra que iremos tratar de Cyro chama-se Jobimniana Fantasia e foi composta sobre temas de Tom Jobim. Essa obra foi escrita para a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas em 1980 e posteriormente acrescida de mais duas versões. A que aqui ilustramos é a ultima versão escrita para a Orquestra Jazz Sinfônica, em que tive oportunidade de trabalhar com o maestro por mais de dez anos, e onde, por diversas vezes, tive o privilégio de tocar sua obra regida por ele próprio.

O trecho a ser comentado é exatamente aquele em que o tamborim é o solista. O compositor deixa que o instrumentista execute o tamborim completamente à vontade em todas as três versões da obra. A única diferença é a exclusão de um compasso quando da entrada do tamborim, cuja mudança na partitura foi autorizada pelo maestro Cyro Pereira.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Neste trecho ocorre uma pausa para a orquestra toda: o compasso 133 é seguido de um solo livre de cinco compassos, ainda na versão antiga, até a entrada da melodia da tuba, com flautim tocando a melodia de Desafinado, como observado abaixo na grade original escrita pelo arranjador.

Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-138.

O que chama a atenção nesses cinco compassos é o cuidado que se deve ter com a frase melódica que seguirá. A levada demonstrada na Figura 59 é a mais usual e a que todos comumente FKDPDPGH³WHOHFR-WHFR´.

Figura 59: Frase de tamborim de teleco-teco.

Se a levada for tocada dessa maneira, no compasso 138 haverá um GHVHQFRQWURHQWUHDPHORGLDHULWPRFKDPDGRQRPHLRSRSXODUGH³FUX]DPHQWR´

Posteriormente, o atual regente adjunto da Orquestra Jazz Sinfônica, Fábio Prado, responsável pelas digitalizações das obras do maestro Cyro Pereira, confidenciou que, na ultima revisão, o arranjador permitiu a exclusão desse quinto compasso. Assim,

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso caso ocorresse a utilização dessa mesma levada, não haveria mais problemas, já que a IUDVHGDPHORGLDVHHQFDL[DFRPDSULPHLUDSDUWHGR³WHOHFR-WHFR´

Segundo Gianesella (2012):

Após Villa-Lobos, vários compositores já utilizaram os instrumentos brasileiros de percussão no contexto orquestral, mas poucos ousaram explorar mais profundamente seus recursos. Acreditamos que em virtude de um desconhecimento geral do idiomatismo desses instrumentos, e, portanto de suas técnicas e possibilidades sonoras, em geral os compositores limitam-se a notar uma rítmica básica, deixando por conta dos percussionistas a execução da articulação apropriada, que realmente fará com que aquela notação simplificada soe musicalmente apropriada. Porém, ao fazer isso, o compositor está delegando ao percussionista uma grande responsabilidade, na esperança de que o intérprete tenha o conhecimento empírico necessário para realizar tal tarefa. Sabemos que mesmo no Brasil, a profundidade do conhecimento técnico e estilístico sobre muitos LQVWUXPHQWRV GH SHUFXVVmR GLWRV ³SRSXODUHV´ FRPR R SDQGHLUR brasileiro, o atabaque, o repinique, o berimbau, a cuíca, a alfaia, o tamborim etc. varia muito entre os percussionistas (GIANESELLA, 2012).

Devido a esse tipo de problema, o próprio maestro Fábio Prado, na reorganização da grade, optou por inserir uma levada para o tamborim, visando auxiliar um possível percussionista que não tenha familiaridade com a linguagem do instrumento. Geralmente as obras do maestro Cyro Pereira são tocadas nas mais variadas salas de concertos e não se sabe de antemão qual tipo de músico irá executá-la; por isso, a preocupação com a inserção da levada. Porém, cabe ressaltar que é uma sugestão que pode ser ou não seguida.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira

Ainda, segundo Gianesella:

Portanto, confiar apenas na famosa ginga do percussionista brasileiro pode ser perigoso, tanto para o compositor, que pode ter sua música tocada de forma inapropriada, quanto para o intérprete, que muitas vezes não têm na partitura os elementos mínimos necessários para compreender a intenção do compositor. Além disso, no caso de uma obra dessa natureza ser tocada no exterior, provavelmente a parte da percussão seria tocada exatamente como escrita, ou seja, apenas a figura rítmica básica sem nenhuma articulação que lembre, mesmo que remotamente, o ritmo pretendido pelo compositor, como já foi testemunhado por diversas vezes (GIANESELLA, 2012).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Cyro sempre deu muita liberdade ao percussionista popular dentro da orquestra. No entanto, quando ele realmente queria um determinado tipo de som, ele escrevia a parte quase que na sua totalidade.

Essa é uma amostra sucinta de dois exemplos onde podemos perceber as duas principais dificuldades de decisão interpretativa que surgem na interpretação de instrumentos típicos brasileiros dentro da música orquestral: aquela em que o percussionista fica à vontade para definir a execução do instrumento, e outra em que ele deve ³UHVSHLWDU´RTXHRDUUDQMDGRU/compositor escreveu. Mas é possível imaginar que Radamés era aberto a mudanças dentro de sua orquestração, fato que pode ser atestado pela inclusão da bateria que ocorreu na primeira gravação dessa obra.

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2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas

Nesta seção, iremos relatar opiniões de alguns dos grandes músicos que não têm o tamborim como primeiro instrumento, mas que tinham, ou têm com ele, uma estreita relação de paixão e respeito, pois fizeram grandes registros com esse instrumento em shows e gravações.

Especificamente trataremos de um baterista, um baixista, um pandeirista, dois cavaquinistas e um cantor. A escolha desses músicos vem da admiração pelos trabalhos que desenvolvem nas bandas dos cantores e sambistas Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho.

O primeiro a ser relatado entre eles chama-se Hércules Pereira Nunes35, um baterista com 61 anos de carreira profissional. Há muitos anos faz do grupo de Paulinho da Viola. Nós o encontramos num show em que tocava tamborim, e não bateria como de costume. Notamos a desenvoltura com que manuseava o instrumento, haja vista que em sua discografia consta uma dezena de aparições no tamborim (BANCO DE MÚSICAS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA, 2015).

Ao relatar sobre a maneira de tocar tamborim, Hércules aproveita e faz um depoimento sobre o Mestre Marçal.

Eu trazia a escola antiga em que me baseei e me baseei também na escola de Mestre Marçal, que é de um tempo antigo também. Só que ele era considerado um dos maiores ritmistas do Brasil. Mestre Marçal era um elemento fabuloso, muito amigo, muito brincalhão e foi uma perda não só para nós músicos, mas também para a música popular brasileira [...] Mestre Marçal foi uma figura imprescindível no mundo do samba (NUNES, 2015).

O segundo músico a que nos referimos é Dininho (Horondino Reis da Silva), companheiro de Hércules na banda de Paulinho, seja no contrabaixo ou em dupla de tamborinistas, em shows e gravações.

35 Disponível em: http://www.discosdobrasil.com.br - Acesso em: 18 abr. 2015.

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Dininho toca com Paulinho da Viola desde 1970. Já tocou com João Nogueira, Elton Medeiros, Rafael Rabello, entre outros. Ele relatou que seu primeiro contato com a percussão foi com o pandeiro, aos 5 anos de idade, na Rádio Nacional, onde seu pai (Dino Sete Cordas) tocava com Jacob do Bandolim. Dininho relembra seu início como músico: ³2SDQGHLULVWDWRGDYH]TXHHXLDDVVLVWLUDRVVKRZVSHJDYDXP segundo pandeiro e me botava na mão. Ficava nós dois tocando junto. E aí o ritmo foi um negócio muito forte desde pequeno.´ (SILVA, H., 2015).

Em alguns discos de Paulinho da Viola, encontra-se uma grande quantidade de faixas gravadas pela dupla, inclusive em algumas em que Mestre Marçal se faz presente tocando cuíca. Dininho conta que, quando entrou na banda de Paulinho, encontrou Mestre Marçal e seu parceiro Elizeu. Foi nessa oportunidade que ele, observando, começou a aprender as levadas.

Então, muitas coisas eu fui vendo o jeito que ele tocava e como eles combinavam dois tamborins, as vezes três, para não embolar, para não ficar fazendo a mesma coisa. Eles tocavam cada um com uma batida diferente, sendo que essas três batidas se entrelaçavam. Aqueles três tocando [Luna, Elizeu e Marçal] davam a impressão de que tinha uns quinze tocando [...] Então, quando a gente ia gravar, que o Luna era incorporado, eu ficava vendo como eles faziam o tipo de batida e aí aprendi isso. Vendo assim, então, às vezes eu toco com eles aqui no conjunto (SILVA, H., 2015).

E a respeito da função do tamborim, Dininho a define desta maneira:

Eu acho que o tamborim é o que dá molho ao ritmo, é porque a maioria dos instrumentos de ritmo são aqueles instrumentos quase que VyQRPHVPRWLSRGHEDWLGDFRPRRVXUGR³SXPSXPSXPSXP´FRP uma variação ou outra. Agora RWDPERULPID]³WDWDWiWLWDWiWFKL´ [...] eles têm várias, eu adoro tocar tamborim justamente por isso, para você ficar mais livre. Sempre respeitando aquilo que eu falei, senão fica um rolo miserável todo mundo tocando. Você não pode pegar três tamborins e todo mundo improvisar ao mesmo tempo, não dá [...] Aí, se você está sozinho, aí é outro negócio (SILVA, H., 2015).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Para ilustrar o idiomatismo da dupla Dininho e Hércules, iremos comentar um pequeno trecho de uma gravação feita para um disco de Paulinho da Viola e Ensemble, chamado Samba e Choro Negro. Trata-se de um disco para um selo alemão, num projeto em que convidavam artistas de diversos países e Paulinho foi o artista brasileiro escolhido. A faixa escolhida, Não é assim, traz participação de Mestre Marçal na cuíca.

Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD).

Outro músico membro da banda de Paulinho da Viola, um dos fundadores do grupo de choro Nó em Pingo D¶água e participante de tantos outros grupos, Celsinho Silva (Celso José da Silva), é reconhecido por ser uma grande referência no pandeiro e tem como influência o mestre e pai Jorginho do Pandeiro.

Celsinho pode ser ouvido tocando tamborim em diversas gravações. O que chama a atenção foi a gravação do grupo Nó em Pingo D¶água em parceria com o pianista e compositor Cristovão Bastos36, do ano de 2002, o CD Domingo na Geral lançado pela Lumiar Discos.

36 Bem Transado, Clique Music UOL. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2015a.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

A partir de então começamos a dar maior atenção à sua maneira de tocar o tamborim. Celsinho comenta como foi o começo por sua admiração pelo tamborim:

Eu ia nas gravações que meu pai ia fazer. Eu sempre acompanhava meu pai e lá eu via o trio de Luna, Elizeu e Mestre Marçal tocando tamborim e gostei muito. Na verdade aprendi tudo ali. Tudo que eu sei fazer, de tocar aprendi vendo aquelas pessoas tocando, que era tudo ao vivo, todo mundo junto. E me apaixonei pelo tamborim, gosto muito de tocar. Aprendi aquelas levadinhas mais ou menos, tinham três levadas (SILVA, C., 2015).

Como constatado, Celsinho também menciona Mestre Marçal como referência. Isso possivelmente deve-se ao convívio de Celsinho com ele desde criança. Seu pai, Jorginho, além de ter trabalhado com Mestre Marçal a vida toda, tinha com ele uma grande amizade. ³E o que eu sabia era tudo em cima de Mestre Marçal, naquela batida dele. Não é igual, não tenho pretensão nenhuma, mas eu tento fazer o melhor possível da batida de Mestre Marçal [...]. Dei sorte de conhecer esses caras e aprender [...]. Foi tudo vendo em gravação.´ (SILVA, C., 2015).

Nessa gravação, Celsinho gravou as duas linhas dos tamborins. A entrada dos tamborins acontece logo após a introdução, por volta dos 35 segundos da faixa, juntamente com a entrada da melodia. Na Figura 62, vemos a frase de início dos tamborins.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Figura 62:

Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD).

Cabe mencionar também Oswaldo Cavalo (Oswaldo Muniz Góes de Carvalho), cantor e ritmista que faz parte do coro da banda do cantor Zeca Pagodinho há décadas. Participou por muitos anos de inúmeras gravações de sambas-enredo para o carnaval do Rio de Janeiro. Como corista, acompanhou também Dona Ivone Lara, o grupo vocal As Gatas, MPB-4, entre outros. Mais recentemente, podemos observar Oswaldo auxiliando a percussão nos vídeos de Zeca Pagodinho, seja nos caxixis, xequerê, ou tamborim.

Oswaldo faz questão de ressaltar o trabalho que realizou na banda de Mestre Marçal e fala da influência deste, quando afirma:

Eu não sou percussionista, sou ritmista, sou vocalista. Tenho facilidade de tocar alguns instrumentos de percussão, até porque fui rodeado de nego bom pra caramba, então pra mim foi fácil tocar. O

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

tamborim é um instrumento que tem um encanto. E eu toquei com um cara chamado de Mestre Marçal e vi Luna e Elizeu tocar também [...] aquele trio era incontestável (CARVALHO, 2015).

Oswaldo também menciona algumas levadas que aprendeu vendo alguns ritmistas tocarem, como os que integravam a bateria da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense do Rio de Janeiro. Menciona ainda uma levada que aprendeu ouvindo de Jorge Benjor, além do teleco-teco. O cantor cita ainda que o ³tamborim tem várias batidas, fui escutando, escutando e como você não lê nada, tem que prestar atenção em tudo, ouvir o máximo possível em casa e tocar em casa também, pra poder fazer alguma FRLVD´ (CARVALHO, 2015).

Paulinho Galeto (Paulo Soares) é cavaquinista profissional há muitos anos. Gravou com inúmeros grupos de samba, dentre eles Samba Som 7, Originais do Samba e Exporta Samba, e há muitos anos é membro da banda de Zeca Pagodinho.

Paulinho menciona que aprendeu muito com os mais experientes, entre eles Belôba (Carlos da Silva Pinto), um dos mais requisitados percussionistas de samba do Rio de Janeiro e que, segundo Paulinho, é um grande tamborinista. A respeito da percussão e da relação entre tamborim e cavaco, Paulinho afirma:

Percussão eu domino um pouco, tamborim, pandeiro, tantã a gente aprende, tu tá ali no meio e você respira isso. [...] o tamborim pra mim é a palhetada do cavaquinho, é minha mão direita, é certinho, não tem pra onde correr. O repicado que tu faz é o lance do tamborim da percussão, na minha opinião (SOARES, 2015).

Paulinho também tocou em shows e gravRXFRP0HVWUH0DUoDO³(XWRTXHL com ele na Polygram a música Peço a Deus. Tive esse prazer. Eu sou um cara feliz.´ (SOARES, 2015)

Alceu Maia é cavaquinista, violonista, arranjador, compositor e produtor musical. Começou tocando violão e depois foi para o cavaquinho. Produziu Roberto Ribeiro, Diogo Nogueira, Agepê, entre outros. Várias de suas composições já foram

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso gravadas por grandes nomes da música popular brasileira. Além disso, ele se diz muito fã de Mestre Marçal.

Alceu diz que, quando começou a tocar profissionalmente como cavaquinista, também começou a tocar tamborim num grupo de samba e conta que se espelhava muito em certas gravações. Somente depois veio a saber que era Mestre Marçal que tocava nessas faixas que ele estudava. Nas ocasiões em que tocava com esse grupo de samba, havia momentos em que somente se fazia percussão para acompanhar os dançarinos e, nesse momento, Alceu tocava tamborim, como disse ele.

A levada de cavaco de Alceu está muito explícita em nossos ouvidos, seja em Vai Passar ou em Feijoada Completa, ambas de Chico Buarque, ou em Tô Voltando, de Paulo César Pinheiro e Mauricio Tapajós, e imortalizada na voz de Simone, somente para citar algumas canções. De volta ao tamborim, Alceu tece seu ponto de vista sobre a relação de função musical entre tamborim e cavaquinho:

Eu vejo uma relação muito forte entre o cavaquinho e o tamborim. Tem muito material didático no YouTube de péssima qualidade [...] Mas tem coisa boa também. O estudante tem um material enorme na internet e tem que saber filtrar o que é bom ou ruim. Uma das coisas que muitos dos professores falam, e é uma coisa que quando eu dava aula eu falava muito pros meus alunos, é justamente a relação entre o tamborim e o cavaquinho (MAIA, 2015).

Assim como o fez Paulinho, Alceu chama a atenção para a levada do tamborim de teleco-teco, para que ambos façam a mesma levada e para que sejam feitas as acentuações em cima disso. Também fala da importância do instrumento dentro de um grupo ou uma gravação.

E o tamborim é aquele instrumento que não aparece na base de muitos instrumentos, quando você tem tantã, repique, surdo, reco-reco, dois pandeiros, mas ele está ali. Ele dá aquele suingue do samba. Ele está com sua personalidade marcada ali. A personalidade marcante dele está fazendo presente ali naquela levadinha gostosa. Às vezes você tem o samba rolando, e você está numa mixagem, você tira o tamborim e muda o sentido todo do samba. Ele dá aquela divisão característica. [...] Um instrumento muito fácil de tocar mal e muito

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

difícil de tocar bem [...] Se você vai fazer uma levada de samba- enredo, uma coisa que o pessoal chama de carreteiro é uma coisa. O teleco-teco é outra, e quando você grava três tamborins, você tem cada um fazer sua batida certinha para não ficar embolado (MAIA, 2015).

Alceu também não deixou de mencionar Mestre Marçal:

Mestre Marçal primava pela elegância ao tocar, ele não tocava de qualquer maneira, ele não tocava assim, tipo, vou tocar para ganhar esse dinheiro. Ele tocava com o coração mesmo. Muito elegante, colocar bem as frases do tamborim ou da cuíca que ele tocava bastante. Eu tive a oportunidade de trabalhar com o Mestre Marçal na banda da Clara Nunes quando eu estava começando, em 1977/78. Ele sempre acolhia a galera mais nova, dando força e sempre com dedicação. Ensaio chegava na hora, era um cara muito pontual, também nessa coisa de profissionalismo mesmo. Sempre muito elegante mesmo, não só no tocar, mas como se vestir, como falar. Ele era muito querido por todo mundo e respeitado por sua competência e pelo jeito de tocar (MAIA, 2015).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB

Visando descobrir maneiras eficazes e comumente utilizadas para captar o som do tamborim, procuramos especialistas em gravação, escolhidos tanto pela experiência de gravação de samba, como também pelo convívio em estúdio com Mestre Marçal.

Conhecido no meio musical como LC ou T Reis, Luiz Carlos Torquato Reis é um dos mais requisitados engenheiros de som do Brasil. De família musical, seu pai Norival Reis era um famoso técnico de som e cavaquinista (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015b). Torquato Reis trabalha com o sambista Martinho da Vila há décadas e com Fafá de Belém desde 1988.

T Reis foi responsável por desenvolver uma nova maneira de gravar o samba a partir do disco Pé no Chão, de Beth Carvalho, com os músicos oriundos do Cacique de Ramos, reduto de uma nova geração que apareceu com uma nova proposta GHVDPEDDOpPGDSHUFXVVmRHVHXVQRYRVLQVWUXPHQWRV³7XGRFRPHoRXDPXGDUFRP o pessoal do Cacique, que trouxe instrumentos de melhor qualidade e diferentes´(REIS, 2015).

T Reis diz que dedicou sua vida profissional a pesquisar uma melhor forma de captar o melhor timbre dos instrumentos de samba. Revela também que os instrumentos de percussão eram de má qualidade, rústicos, e não tinham aparelhagem para fazer uma captação adequada, e declara:

Aí, eu conversando com ela [Beth Carvalho] para pedir um tempo para a gravadora para nós podermos tentar captar melhor o instrumento. Compramos microfones melhores, tendo horas de estúdio para fazer um trabalho, ou seja, uma pesquisa do instrumento para tentar melhorar a qualidade do instrumento e tentar o melhor microfone para aquele instrumento. [...] E na primeira gravação que ela fez conseguiu um sucesso muito grande com Vou Festejar [...] Então, a partir daí, foi que começou a parte do samba a ser melhor gravada, melhor captada (REIS, 2015).

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Sobre o pessoal do Cacique de Ramos, T Reis tem a seguinte opinião:

A turma do Cacique mudou o som do samba. O samba tem uma divisão, pós e antes do Cacique, que é muito diferente, a levada, a tocada. Antigamente não tinha tapa no pandeiro, era liso. Hoje não tem mais educação pra tocar com o swing de antigamente [...] A transformação do samba foi comigo, antes desse tempo era tudo sem muito peso, você pode observar isso (REIS, 2015).

T Reis gravou com todos os grandes ritmistas e Mestre Marçal foi um dos que ele exaltou bastante como tamborinista e cuiqueiro. Sobre a utilização da microfonação dos tamborins, ele ressalta a importância de gravar a batida dos dedos embaixo da pele. T Reis resolveu captar o som, ao invés de colocar o microfone por cima, por achar que a captação melhor era por baixo.

Sobre o desenvolvimento da gravação, T Reis afirma:

Isso foi uma parte importante da captação. A partir daí foi se desenvolvendo outros estúdios também, outros técnicos foram pegando a manha de captar o samba. [...] O som do instrumento era uma coisa, o que ia pro disco era outra totalmente diferente. Hoje em dia, com a tecnologia, com as pesquisas, ficou igual (REIS, 2015).

T Reis utiliza a mesma marca e modelo de microfone até hoje para fazer a gravação embaixo do tamborim, que é um Sennheiser 421 ilustrado na Figura 62.

Figura 63: Microfone Sennheiser 421.

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

T Reis gravou em muitas ocasiões o trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Sobre Mestre Marçal, ele diz que µera uma pessoa muito séria, que tocava muito bem tamborim e que, na cuíca, ele tinha um som imediatamente identificável¶. Diz que sempre usavam pele animal nos instrumentos e que eram feitos de madeira com aro bastante largo, pois não existia aro de metal naquela época. Sobre como gravavam, afirma:

Sempre foi assim, eles iam, ouviam, combinavam a batida e o lugar que iam tocar. Não era sentar e sair tocando. Era uma coisa bem profissional mesmo. Bem pesquisada por eles. [...] Sempre gravavam por ultimo [...] Eles dividiam, cada hora era um para mudar a batida, que eu acho isso muito interessante. Principalmente no disco de Clara Nunes e no da Beth Carvalho. [...] Sempre couro e baqueta curta, levinha, que era o melhor toque na borda. Eles descobriram isso tudo. Os três sempre gravavam juntos e o Mestre Marçal no meio. Era o cabeça. [...] Eles dobravam muito [as levadas], principalmente quando tocavam o carreteiro. [...] Mestre Marçal era ídolo dos percussionistas. 7DQWRTXHGHSRLVTXHHOHIRLJUDYDUHIH]VXFHVVR³ROKDDtR0HVWUH 0DUoDO´WRGRPXQGRTXHULDFDQWDUWDPEpP(REIS, 2015).

Sobre a microfonação para os três tamborins, ele diz preferir utilizar um para cada tamborim, para poder equilibrar o volume dos três. Se ele coloca um para captar os três, aquele que se sobressai é o que toca mais forte. Somente quando tem aquela levada de carreteiro, em que existe a virada entre a segunda e terceira semicolcheia, é que ele utiliza uma microfonação em cima.

Ele também explica que a captação muda de acordo com o tipo de som que se pretende ter no disco. Com pouca ambientação, ele deixa o microfone mais perto, ao contrário, se a intenção é ter bastante ambientação, ele deixa o microfone mais longe.

Ainda sobre gravação, ele diz que antigamente havia tempo no estúdio para se fazer pesquisa; o músico gravava em três tons diferentes e escolhia depois, e com isso as ideias fluíam com mais facilidade. Afirma que antigamente não havia tempo de errar, havia muito profissionalismo, não havia clique (metrônomo) na música e o ritmista ia junto, e os fones para gravação eram de má qualidade. Mas, mesmo com essas

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso adversidades, a qualidade musical era bem superior a de hoje. Hoje é tudo mais fácil, se errou, volta, copia um compasso e dispensa o músico. Reis ainda afirma:

Hoje é um toque por canal, outro em outro. Hoje em dia tem muita facilidade, da gravar trezentos canais de tamborins se quiser. Aí você vai lá escutar o trabalho, não gosta muito. Vai escutar o de antigamente gosta mais, isso eu te garanto, muito mais legal [...] Gosto de gravar toda base junta. Os tamborins é por causa da sala eu não gravo junto, não cabe todo mundo junto. Por causa da grande quantidade de instrumentos de região grave (surdo, tantã, baixo, bumbo de bateria, repique de anel), o engenheiro tem que saber filtrar as frequências e não fazer como pessoas que não conhecem o samba e de pronto eliminam os graves. Se você fosse gravar o tamborim de Mestre Marçal hoje, o som seria outro. Ia ter a unha, o grave ia ser outro, ia ser uma batida mais fiel possível do que ele fazia na época [...] Muita coisa se perde, coisa de dedo, tapinha que nego dava se perde, antigamente a tecnologia não permitia essas mudanças (REIS, 2015).

Alceu Maia, atuando como produtor, disse que a gravação ocorria de acordo com a sala. Havia salas bastante grandes em que era possível gravar varias percussões, mas como hoje em dia os estúdios são pequenos, as percussões são acrescentadas posteriormente.

Mesmo na época que a gente ia gravar três tamborins, eram gravados depois. Por um motivo de vazamento, para não vazar nos outros instrumentos, nos microfones dos outros instrumentos, e também porque você podia caprichar um pouquinho mais. Vamos nessa primeira parte fazer essa levada, na segunda fazer outra, ou fica só um tamborim na segunda parte [...] Acontecendo alguma emboladazinha entre os três, que era muito difícil, aí parava e emendava, que na época também era diferente. Você tinha que emendar de um certo lugar para frente. Hoje em dia você emenda três segundos antes, hoje é muito fácil (MAIA, 2015).

E sobre a gravação dos tamborins, ele compartilha da mesma opinião de T Reis:

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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso

Por incrível que pareça, hoje em dia você não consegue um trio de tamborins que tenha a disciplina que os três tinham [Luna, Elizeu e Mestre Marçal]. Difícil, hoje em dia você pode pegar três grandões, ótimos músicos de tamborins e passar pra eles: fulano faz essa batida, ciclano faz essa, e beltrano faz essa aqui pra ficar certinho. Mas eu acho que não rola disciplina da galera. Eu já ouvi várias tentativas de três tamborins, algumas bacanas, outras lamentáveis, de embolar direto (MAIA, 2015).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Este capítulo foi organizado com a intenção de expor dois tempos distintos: 1) o período anterior à atuação profissional de Mestre Marçal, com a identificação das peculiaridades interpretativas que o tamborim apresenta no período que se inicia com o lançamento de Na Pavuna, em 1930, até a primeira gravação de Mestre Marçal, que ocorreu em 1953; e 2) o período de atuação profissional de Mestre Marçal que se inicia na década de 50 e vai até 1994, ano de sua morte ± o material utilizado para identificar o idiomatismo da performance de Mestre Marçal ao tamborim foi baseado em uma discografia selecionada, incluindo tanto o trabalho com artistas renomados da MPB como seus LPs autorais.

3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal

Apesar de termos na figura de Bide o protagonismo desse instrumento durante esse período, justamente na primeira gravação do tamborim ele não se faz presente, como atesta Sandroni (2001a, p. 9) em artigo sobre análise dessa canção:

Os intérpretes de Na Pavuna eram o ³Bando de Tangarás´, jovens brancos de classe média do bairro carioca de Vila Isabel, capitaneados precisamente por Almirante. Mas a grande novidade na gravação do samba foi a utilização ostensiva de uma batucada no acompanhamento: era a primeira vez que se pretendia registrar em estúdio ³os sons dos batuques dos negros´. É difícil saber a composição exata dessa batucada. Almirante, em seus depoimentos, fala de ³pandeiros, tamborins, cuícas, ganzás, surdos etc., que as escolas de samba utilizavam´. Jairo Severiano fala de uma ³ampla seção de tamborins, cuícas, surdos, pandeiros e recos-recos´. Mas a audição da gravação não mostra conjunto tão diversificado. Como diz Cabral, ³destacam-se o tamborim e o surdo, ou seja, o agudo e o grave´. Também é possível identificar um som médio que deve corresponder ao pandeiro. De fato, quando Almirante detalha os participantes da gravação, fala de ³Andaraí, preto forte, tão compenetrado em seu instrumento que tocava tamborim de olhos fechados, como em êxtase´; e de Canuto, também preto, lustrador de móveis e morador do morro do Salgueiro, também no tamborim aqui não tinha nada, eu coloquei (SANDRONI, 2001).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Sandroni (2001a) teve também o cuidado de transcrever e elucidar os instrumentos de percussão presentes na gravação, mostrando que já havia duas levadas de tamborins. Apesar disso, podemos observar que a função do segundo tamborim é mais de reforçar a levada do primeiro do que ter uma levada individual.

Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna.

Os próximos exemplos apresentados nesse capítulo foram escolhidos respeitando-se o período já mencionado, assim como gravações em que o tamborim estivesse em evidência. Outro fator importante que observamos é a falta de fichas técnicas com os nomes dos músicos dessa época.

Por ordem cronológica, iniciamos nossa lista de músicas com um dos grandes cantores e compositores sambistas das décadas de 1940 e 1950, Ataulfo Alves, mineiro de Miraí. Leva Meu Samba foi um de seus maiores sucessos e também gravado por outros grandes nomes da música popular brasileira. Composta em 1941, foi uma das

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo primeiras gravações dele como intérprete (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015c).

Uma característica da época era a afinação bastante grave dos tamborins, o que fazia com que o tamborim, por vezes, se confundisse com a caixa da bateria, que às vezes não utilizava a esteira, e sim, como o tamborim, a pele de couro animal.

Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-0:10 (faixa 7 do CD).

A transcrição mostrada na Figura 66 de Leva Meu Samba, que se refere aos oito primeiros compassos da parte instrumental, já demonstra a levada básica a ser utilizada em toda a música, tendo no último compasso a maior variação, uma ³chamada´ para a entrada de voz a seguir.

Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-0:20 (faixa 8 do CD).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo No trecho ilustrado na Figura 66 podemos perceber a repetição da levada. Somente no compasso de número dez é que notamos uma pequena variação. Entre os compassos 13 a 16, observa-se uma frase que se repetirá diversas vezes até o final da música.

Na sequência, apresentaremos a composição da dupla Bide e Marçal Vira Esses Olhos pra Lá, do ano de 1943 e interpretada por Cyro Monteiro em LP lançado pela gravadora Victor.

Já no terceiro compasso da introdução da música, ocorre um solo de tamborim. A mesma frase se repete novamente no quinto compasso, como mostra a Figura 67.

Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03--0:13 (faixa 9 do CD).

A Figura 68 abaixo mostra a levada que será executada por quase toda a música.

Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-1:09 (faixa 10 do CD).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Semelhante ao que observamos em Leva meu samba foram encontradas em meio à levada principal, algumas pequenas variações, mostradas abaixo. Na Figura 69, vemos a primeira variação que ocorre na minutagem de 1:10; na Figura 70 a segunda variação; e na Figura 71 a terceira variação, que é seguida pela levada principal, que seguirá até o final da música.

Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-1:14 (faixa 11 do CD).

Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-1:49 (faixa 12 do CD).

Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-1:58 (faixa 13 do CD).

O próximo exemplo é uma música também composta pela dupla Bide e Marçal, Não diga a minha residência. Essa música foi um grande sucesso de Mestre Marçal como cantor. Porém, Carlos Galhardo a gravou bem antes disso, em 1944, pela RCA Victor, gravadora onde Galhardo começou a fazer parte do coro (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015d).

Nessa gravação encontramos uma forma diferenciada de utilização do tamborim para época. Na introdução instrumental podemos observar uma nova levada, mais precisamente para o trecho a partir do compasso 5, em que predominam as semicolcheias, e que coincidem com a execução do pandeiro. Outro aspecto que merece

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo destaque na gravação é a utilização do tamborim numa afinação bastante grave. Podemos chamar atenção para as frases de colcheias nos 4 primeiros compassos da música. Nesse caso, o tamborim está fazendo uma frase de resposta e não uma levada. Não há nesse caso a utilização dos dedos tocando a parte inferior da pele do instrumento.

Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-0:10 (faixa 14 do CD).

Em outro trecho da música, mostrado na Figura 73, ocorrem frases que comumente não são encontradas em execuções características do tamborim.

Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-0:20 (faixa 15 do CD).

Na Figura 74, vemos um trecho em que uma variação daquela apresentada na Figura 73 nos remete não a uma levada, mas sim a ³comentários´, como pergunta e resposta da frase anterior.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 74³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPNão Diga a Minha Residência. 0:37-0:47 (faixa 16 do CD).

A Figura 75 abaixo mostra o final da música, em que a introdução instrumental é repetida, mas observa-se que as quatro primeiras frases são idênticas à da introdução, apenas começando em lugares diferentes. Somente nos últimos quatro compassos da música é que aparecem frases que lembram a síncope comumente usada no samba.

Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-2:38 (faixa 17 do CD).

A última gravação que iremos citar como exemplo é outra composição de Ataulfo Alves, intitulada Deixa Essa Mulher pra Lá. Foi gravada em 1952, também pela RCA Victor.

A novidade nesta gravação é a inclusão de um segundo tamborim. Na maior parte da música, os tamborins tocam em uníssono. A transcrição abaixo se inicia no terceiro compasso, em que a levada principal aparece, já que nos primeiros dois compassos os tamborins tocam juntamente com os acentos da melodia.

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Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-0:10 (faixa 18 do CD).

Na Figura 77, temos um trecho da música no qual, após uma grande sequência dos tamborins tocando em uníssono, ocorre uma série de ³perguntas´ e ³respostas´, como podemos observar a partir do terceiro compasso da figura abaixo.

Figura 77: TaPERULQV³SHUJXQWDVHUHVSRVWDV´, Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-1:43 (faixa 19 do CD).

Na próxima seção da música, retratada na Figura 78, essa ³conversa´ entre os tamborins tem uma dimensão maior. Entre uma seção e outra, a levada principal permanece.

Figura 78³&RQYHUVD´HQWUHWDPERULQVDeixa Essa Mulher pra lá. 2:00-2:05 (faixa 20 do CD).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Na última seção, a variação das levadas é maior, além de ser a primeira vez em que podemos observar o acréscimo de acentos. Após essa seção, que agora conta com oito compassos, a levada principal volta a ser como no começo da música, seguindo assim até o final.

Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-2:30 (faixa 21 do CD).

Importante registrar que durante o levantamento de obras que continham a execução do tamborim selecionamos, à exceção da canção Na Pavuna, lançado em disco em 1930, as outras quatro músicas citadas foram gravadas nas décadas de 1940 e 1950. Após analisar dezenas de gravações datadas da década de 1930, não foi encontrada nenhuma que utilizasse o tamborim. As poucas levadas encontradas nesse período que poderiam ser do tamborim, ou seja, possuíam características de frases semelhantes às executadas no tamborim, foram gravadas com uma caixa de madeira, que pode ser chamada de caixeta ou wood block, instrumento esse ilustrado na Figura 80 abaixo.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 80: Caixeta ou wood block.

Outro objeto de pesquisa foi o livro Samba de sambar do Estácio: de 1928 a 1931, de Humberto M. Franceschi, que foi relançado pelo Instituto Moreira Salles (FRANCESCHI, 2010). Acompanha o livro, um DVD multimídia, que reúne 100 músicas. Ouvindo todas as músicas e na tentativa de encontrar mais exemplos, constatamos apenas uma única música, a Homenagem, de 1940 de Carlos Cachaça na interpretação de Cartola, O tamborim aparece em dois momentos da música e ambos tocam a mesma levada de teleco-teco com variações.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo 3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal

Partimos agora para a identificação de um idiomatismo na performance do Mestre Marçal, obtida através de transcrições oriundas de gravações selecionadas de diversos períodos da vida profissional do artista.

Devido aos motivos explanados anteriormente, não iremos abordar a primeira gravação devido à baixa qualidade do áudio. A primeira gravação de que trataremos é a contida no LP de Luciano Perrone, intitulado Batucada Fantástica Vol. 1, de 1963, ou seja, 10 anos após aquela que consideramos a primeira gravação utilizando tamborim.

Nessa gravação podemos ter um panorama das principais características de seu estilo, além da perceptível utilização dos dedos na parte inferior da pele. A faixa leva o nome de Tamborins, possuindo aproximadamente um minuto de duração e apresenta somente instrumentos de percussão, a saber: caixa com vassouras, surdo e tamborim. Talvez a principal novidade na época tenha sido a utilização do toque com a baqueta na parte superior da borda do corpo do tamborim (feito de madeira) percutida simultaneamente com a pele esticada, gerando XPVRP³HVWDODGR´$MXGDUiEDVWDQWHQD execução se o aro de metal que exerce a tensão da pele estiver abaixo do corpo de madeira. O corpo do tamborim utilizado pelo Mestre Marçal era de madeira e um pouco mais largo em relação aos atuais, o que facilitava esse tipo de efeito.

Talvez se fosse gravado hoje em dia por algum outro ritmista, poderia ser utilizada pele de nylon na gravação, opção que não existia na época. Mestre Marçal, mesmo tendo vivenciado posteriormente esse advento (ele o usou na escola de samba), jamais utilizou nylon em seus instrumentos pessoais. (MARÇALZINHO, 2014) Na figura 81 o tamborim de Mestre Marçal utilizado na gravação de Tamborins.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963). Arquivo pessoal de Marçalzinho

A música Tamborins possui no início um crescente de instrumentação. O surdo toca uma colcheia em anacruse, o que chamamos comumente no samba de ³HOHYDU´HDSyVTXDWURFRPSDVVRVELQiULRV, tem-se a entrada da caixa executada com vassourinha. O tamborim entrará somente oito compassos adiante.

Essa primeira seção, que podemos chamar de introdução, vai do inicio até a entrada do tamborim solista e tem 12 compassos. Antes da entrada do tamborim, a caixa já aparece com a levada que se pode destacar como elemento principal dessa música, que é denominada dentro do samba de teleco-teco, levada imprescindível a qualquer batucada. Abaixo na Figura 82 iremos exemplificar a partir da entrada do tamborim, compasso 13. A levada da vassoura na caixa está exemplificada de forma reduzida, uma vez que o que nos importa nesse momento é a parte rítmica sobre a qual faremos as análises.

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Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-0:27 (faixa 22 do CD).

O surdo permanece com a mesma levada, do principio ao fim da música. O diálogo nessa música está entre a caixa e o tamborim. A forma da música apresenta três

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo subseções. Denominamos esses primeiros 16 FRPSDVVRV GH SDUWH ³$´ 2EVHUYDQGR todos os compassos pares desse trecho, nota-se que todos são exatamente iguais. Os compassos impares nos remetem a variações do teleco-teco, levada essa que servirá de base para toda a obra. Destaca-VH GHVGH R SULQFLSLR R VRP ³HVWDODGR´ GR DUR H SHOH característica bastante comum na performance do Mestre Marçal. Logo no início e no compasso 17, há notas que estão in box por não ser possível ouvir os dedos percutidos na parte inferior do instrumento. Nos próximos 16 compassos após a parte µA¶ podemos constatar uma JUDQGHTXDQWLGDGHGHWRTXHV³HVWDODGRV´VXJHULQGR, portanto XPDVHomRPDLV³OLYUH´GR tamborim, executando um breve improviso. Denominamos assim, essa parte de µB¶.

Ocorre uma frase que se repete incluindo algumas variações de timbre, que nos remete a levada do agogô do ritmo de cabula, que é influência direta do candomblé. Este trecho se encontra entre os compassos 33 e 34, e também nos compassos 37 e 3837.

De acordo com o depoimento de Wilson Das Neves para o documentário As Batidas do Samba, as escolas de samba tinham forte ligação com o candomblé, cada qual com seu orixá38, que tinham suas levadas características e estas foram incorporadas às suas respectivas baterias. Essa mesma levada do agogô, porém aqui com variação de timbres, pode ser encontrada no livro Ritmos do Candomblé39.

37 ³7DPEpP WHPRV D KHUDQoD GLUHWD QD QRVVD P~VLFD TXH SRGH VHU SHUFHELGD HP IUDVHV JHUDGDV SHOR agogô no ritmo Cabula, antecedentes diretos do tamborim, presente no Samba de Roda da Bahia e do Rio GH-DQHLUR´'LVSRQtYHOHP http://www.afreaka.com.br/notas/o-candomble-na-musica-brasileira. Acesso em 13/06/2015. 38 Divindade da religião iorubana, intermediária entre os devotos e a suprema divindade, inacessível ás súplicas humanas. Simboliza as forças naturais, e é lógico que suas atribuições sejam confundidas no entusiasmo dos fiéis. Os orixás residem na costa da África e, atraídos pelo cântico e ritmo dos tambores em sua honra, encarnam-se, apossam-se dos seus instrumentos vivos, médiuns, cavalos, intérpretes, falando, tomando o aspecto que tiveram na terra e ainda têm nas paragens onde vivem [...] Os orixás tem cada um, cânticos e ritmos dos tambores próprios, chamando-os ou anunciando sua presença no candomblé. ( Cascudo, C. Luís. Dicionário do Folclore brasileiro. 10 ed.,2001; p. 453. 39 Lulla Oliveira, Tania Vicente, Raul de Souza Ogan. Rio de Janeiro, 2008. p. 57.

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Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-0: 41 (faixa 23 do CD).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Outra característica do fraseado de Mestre Marçal é encontrada nos compassos de 39 a 41, que podemos denominar como uma hemíola40. Em outro trecho, DSDUHFHXP³WRTXH´QmRPXLto usual no tamborim. Segundo Cunha (2014), esse efeito é mais comum na caixa que normalmente chamamos de Buzz Roll41. Na música toda aparece somente uma única vez no compasso 43. Veja a Figura 83.

Finalizando a música, podemos identificar a volta à parte ´$´ RQGH ressurge a levada de teleco-teco e suas variações e com uma menor ocorrência de sons ³HVWDODGRV´

40 Na teoria da música antiga, a proporção 3:. No Moderno sistema métrico, significa a articulação de dois compassos em tempo ternário, como se fossem três compassos em tempo binário. Costuma ser usada em danças barrocas, como a courante e a sarabanda, em geral imediatamente antes de uma cadência; também aparece na valsa vienense (ZAHAR, J. Grove, Dicionário de Música. Ed. 1994). 41 O Buzz Roll também conhecido como Rulo de PressmRGDtRQRPHGH³WRTXHUXODGR´PHQFLRQDGRSRr Bolão, é um dos rudimentos mais importante da caixa clara. Como esse instrumento não tem uma grande sustentação sonora o Buzz representa uma forma eficaz de produção de notas longas. No caso da execução do samba esse era um recurso muito utilizado até a década de 1950 quando o ritmo era conduzido basicamente na caixa (CUNHA, 2014).

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Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-0:56 (faixa 24 do CD).

Nas próximas duas músicas que abordaremos, observa-se uma forma de tocar não muito comum dos tamborinistas anteriores à Mestre Marçal, mas que é uma característica dele. Marçal por vezes toca juntamente com a melodia ou com as frases executadas na bateria. Trata-se de um estilo mais fraseado, que acrescenta um sentido GHFRPSOHPHQWRGHIUDVHV³FRQYHUVDV´FRPa melodia ou com a bateria ou percussão.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Sapato de Trecê é um samba médio, composto por João Nogueira e Nonato Buzar, do álbum Bem transado, lançado no ano de 1983 pela gravadora RCA Victor. O motivo da escolha dessa música é a utilização do tamborim juntamente com a bateria.

Normalmente, quando isso ocorre, seja em gravações ou shows, ouvem-se FRPHQWiULRVGHSURGXWRUHVHP~VLFRVDUHVSHLWRGR³FKRTXH´que poderá ocorrer entre a frase executado no aro de caixa e com a que é executada no tamborim. O que não é verdade totalmente se ambos são familiarizados com o vocabulário, como acontece nesta gravação com Robertinho Silva e Mestre Marçal. Robertinho é reconhecido por sua carreira como baterista e percussionista, tendo participado de inúmeras gravações com o famoso trio de tamborins Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Gravou com eles em produções de Egberto Gismonti e Milton Nascimento, entre outros. Robertinho gravou vários CDs em carreira solo.

Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim.

Como mencionado, a função do tamborim não é a de permanecer numa levada característica do samba e sim de dialogar com a melodia e ritmo, deixando para a bateria o papel principal na condução da música.

Logo no início da música podemos perceber que o tamborim faz um diálogo que complementa a melodia. A característica citada anteriormente de tocar a nota no aro do tamborim já aparece logo no segundo compasso.

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Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-1:26 (faixa 25 do CD)

Na segunda parte da música, a bateria passa a utilizar a baqueta cruzada sobre a caixa tocando o aro. Mestre Marçal toca exatamente as mesmas frases, com H[FHomRGRVFRPSDVVRVH(OHID]XPDHVSpFLHGH³SUHSDUDomR´HPFDGDTXDWUR compassos. O restante do fraseado é igual, e tem a função de complementar o desenho rítmico da melodia ou a de preencher os trechos em silêncio ou pausas do grupo. Já a bateria permanece na mesma intenção do fraseado de tamborim durante o mesmo trecho.

Observando a partir do compasso 11 até 13, a frase executada no aro de bateria nos remete à levada dos tamborins de escola de samba, que normalmente é GHQRPLQDGDSHORVULWPLVWDVGH³YROWDSDUDRWHOHFR-WHFR´

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Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-1:40 (faixa 26 do CD).

Nas duas subseções apresentadas, percebemos que a bateria é a responsável pelo fraseado que supostamente seria do tamborim. O baterista e percussionista Márcio Bahia, que participou de muitos trabalhos com Maria Bethânia, Hamilton de Holanda e Roberto Menescal, foi por várias décadas membro do grupo do multi-instrumentista Hermeto Pascoal. Em depoimento a Bergamini (2014, p. 41), ele fala sobre a importância do conhecimento da percussão pelo baterista:

Eu acho que nossos ritmos vêm todos da percussão, o que a gente faz é adaptá-los para a bateria, mas eles vêm todos da percussão. Por isso eu acho super importante que o batera toque percussão. Eu não tocava tanto quanto depois que eu entrei para o grupo. Acho que o baterista que toca percussão, ele vê a bateria de um outro jeito, vê mais amplo, porque o universo da bateria pode ser muito restrito dependendo do jeito que você focaliza. Então, se você pensar a bateria como percussão, você tem várias possibilidades em cada peça individual, de explorar o timbre de cada uma, assim como juntas também. A coisa de tocar percussão mudou muito minha cabeça (BERGAMINI, 2014).

Na repetição desses oito últimos compassos, como demonstrado na Figura 89, a bateria reaparece nos compassos de 19 a 20 e executa a mesma levada que ocorre nos compassos 11 a 13 (ver Figura 88), mas agora com o auxílio do prato nos acentos.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Somente a partir do compasso 21 da música é que aparece o tamborim com frases maiores e mais características do samba. Se excluirmos a primeira colcheia do compasso 21, podemos caracterizar uma imitação da frase do aro de bateria. Na maior parte do trecho, o tamborim continua com a função GH³UHVSRVWD´GDPHORGLD

Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-1:52 (faixa 27 do CD).

Na volta da música para a parte A, as funções se invertem; ver a Figura 90 abaixo. O tamborim passa a ser o condutor e a bateria (tocando no aro) passa a ter a IXQomR GRV ³FRPHQWiULRV´ 2 WDPERULP WRFDQGR HVVH JUXSR GH VHPLFROFKHLDV FRPR condutor, nos remete a uma maneira bastante utilizada até fins dos anos de 1960 e que hoje em dia não é muito frequente nas gravações.

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Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-2:05 (faixa 28 do CD)

Na quinta subseção, que é a parte final da música, podemos perceber como a performance de Mestre Marçal ao tamborim se relaciona com a melodia. Sem esse entendimento, não seria possível analisar com amplitude as levadas, pois sua função é de interagir completamente com a melodia. Em sua dissertação de mestrado, Cunha (2014) relata os conceitos desenvolvidos por Stanyek e Oliveira (2011) sobre a interação entre os músicos de samba. O primeiro exemplo do conceito de Stanyek e Oliveira, que se encaixa nessa subseção é o de variação. Esse é o termo utilizado para descrever uma variação em que o músico completa os espaços deixados pela melodia

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Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-2:59 (faixa 29 do CD).

A próxima música que analisaremos é Pára-Raio, que é um samba de andamento médio e que faz parte do primeiro LP de Djavan, A Voz, o Violão, a Música de Djavan, lançado pela Som Livre em 1976. Nessa música, como na maior parte do LP, não há especificação exata de qual instrumento cada ritmista toca. Neste caso são três percussionistas: Mestre Marçal, Luna e Hermes. Aliás, descobrimos essa música devido a uma sugestão do próprio filho do Mestre Marçal, que nos relatou a forma diferente com a qual o pai tocou tamborim na música.

Como foi visto anteriormente em Sapato de Trecê aqui o tamborim de Mestre Marçal assume quase a mesma função, exceto em alguns trechos em que ele mantém as levadas um pouco mais contínuas. Na introdução instrumental, podemos notar a interação do tamborim com o agogô, repetindo a levada a cada dois compassos. Somente no último tempo do oitavo compasso percebe-se a intenção de uma preparação para uma nova seção.

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Figura 92: Introdução de Pára-raio

Esse procedimento se torna muito recorrente durante a música toda. No próximo trecho iremos abordar uma característica presente que podemos chamar de ³SHUJXQWDHUHVSRVWD´$PHORGLDpUHVSRQGLGDSHORVDFHQWRVGRFKLPEDOFRPWDPERULP e agogô.

Figura 93: ³3HUJXQWDHUHVSRVWD´GHPára-raio, melodia com percussão. 0:51-0:57 (faixa 31 do CD).

O trecho acima é uma continuidade daquele mostrado na Figura 92, portanto, podemos imaginar que houve uma preparação para uma nova seção. Stanyek e Oliveira (2011) denominam isto como variações cadenciais, definidas como levadas criadas com intenção de preparar uma conclusão.

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Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-raio. 0:57-1:04 (faixa 32 do CD).

Essa cadência pode ser percebida nos compassos 21 e 22 com o mesmo sentido, os acentos juntos do chimbal e tamborim. Na repetição da volta da melodia, a SURSRVWDGH³FRQYHUVD´HQWUHRWDPERULPHRDJRJ{FRQWLQXD

Mestre Marçal, nesses oito compassos, executa o tamborim com suas peculiaridades. Primeiro, os acentos no aro e na pele de couro e a utilização de grupos de semicolcheias, como mostra a Figura 95.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-raio. 1:10-1:23 (faixa 33 do CD).

A seguir vamos analisar os primeiros compassos da canção Amor Barato, de Chico Buarque e Francis Hime, gravada em 1983 no álbum Almanaque. Mestre Marçal teve nesta gravação a parceria com talvez alguns dos seus maiores parceiros: Luna, Elizeu, Doutor e Wilson das Neves.

Na introdução da música surge o trio de tamborins nos primeiros oito compassos. A cada dois compassos, acrescenta-se uma voz de tamborim tocando a mesma levada do já familiarizado teleco-teco, sendo que nos compassos 7 e 8 não há o acréscimo de um quarto tamborim. No trecho mostrado a seguir iremos elucidar a melodia, isto é, o acompanhamento do violão com os tamborins.

Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-0:12 (faixa 34 do CD).

Utilizaremos este trecho para mostrar outra maneira de analisar as subdivisões presentes aqui, que é o conceito de imparidade rítmica, também já tratada por Sandroni, e por autores como Simhá Aron no seu livro Polyphonies et Polyrhythmies. (2004) Sandroni cita o estudioso de música africana A. M. Jones, que fez a seguinte comparação:

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo [...] a rítmica ocidental é divisa, pois se baseia na divisão de uma dada duração, como ensinam todos os manuais de teoria musical. Uma semibreve se divide em duas mínimas e cada uma destas em duas semínimas e assim por diante. Já a rítmica africana é aditiva, pois atinge uma dada duração através da soma de unidades menores, que se agrupam formando novas unidades, que podem possuir um divisor comum (é o caso 2 = e e 3 = e) (SANDRONI, 2001, p. 26).

A subdivisão da frase rítmica pode ser observada na notação acima da partitura como 7+9+9+7. Nota-se a antecipação do acorde na última semicolcheia. Devido a essa entrada do violão, percebe-se que a frase do tamborim irá também mudar. Ressalta-se a figura do compasso 10, que está diferente dos outros, dando a entender que haverá uma mudança de fraseado, gerando, portanto, uma contrametricidade42. Se mantivermos o PHVPR SDGUmR GR FRPHoR LUHPRV VHQWLU XP ³FUX]DPHQWR´ SDODYUD muito comum no meio popular quando há um desconforto entre melodia e ritmo.

Numa conversa informal com o engenheiro de som T Reis, ao ouvir esse trecho, ele nos confidenciou que a mudança da levada dentro da música seria complicada. Portanto, ele sugere que tenha sido feita uma pausa e os ritmistas entravam com uma nova levada; no caso, começariam ao contrário e se ajustariam com o fraseado da melodia.

Sobre a imparidade no samba, Sandroni (2001) descreve que:

1R VDPED HVVD ³LPSDULGDGH´ VH FRQILJXUD QDV IRUmas rítmicas das levadas de tamborim, cuíca e agogô, por exemplo. Essa imparidade se dá pela divisão das oito semicolcheias de um compasso binário ou das dezesseis semicolcheias de dois compassos binários e grupos de dois ou três gerando grupos como (3+2+2) e (+3+2+2+2).

Geralmente a divisão pode estar nas somas de 7+9 ou na sua inversão, 9+7.

42 Esse termo serve para entender o deslocamento rítmico estabelecido no samba. Num compasso binário, onde 8 semicolcheias servem de base para o pulso de semínima. As semicolcheias impares (1,3,5,7) são denominadas de cometricidade e as pares de (2,4,6,8) de contrametricidade.

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Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica.

Segundo Sandroni, esse padrão foi denominado pelo musicólogo Samuel Araújo µciclo do tamborim¶ ou µpadrão do tamborim¶. Foi também adicionado ao choro UHODWDGRSRU6qYH S ³2VP~VLFRVGHFKRURTXHDWXDYDPQDVJUDYDo}HVGH samba, acabaram por estar entre os mais importantes mediadores na assimilação do novo paradigma rítmico.´

Em Amor barato, já na introdução, podemos pensar na imparidade 7+9.

Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato.

Pode parecer um pouco confuso em razão da última semicolcheia do primeiro compasso fazer parte já da frase do segundo. Isso se dá pelo fraseado da harmonia e melodia, como atesta Cunha (2014, p. 53):

O que deve ficar claro é que a imparidade se estabelece no fraseado do ritmo do samba através de seus instrumentos característicos. A execução desses instrumentos por agrupamentos de 2 e 3 subdivisões mantém relação direta com melodia e acompanhamento. Como a prática musical do samba é orientada por múltiplos pontos de referência, tanto o ritmo melódico pode influenciar o ritmo dos demais instrumentos como também ser orientado por eles. Independente da RUGHPKLHUiUTXLFDRIDWRpTXHD³LPSDULGDGHUtWPLFD´VHPDQLIHVWD como uma lógica rítmica e fraseológica tanto no ritmo harmônico como no ritmo melódico do samba.

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Já é nítida essa semelhança, mas não custa enfatizar o que Sandroni relata sobre a aproximação dos ritmos brasileiros com os africanos. Portanto, a fórmula aditiva está muito mais relacionada com a rítmica brasileira do que a divisa.

As próximas duas músicas escolhidas para análise são Vai Passar, de Chico Buarque e Francis Hime, e Coração Oprimido, de Paulinho da Viola. Diferentemente de Pára-Raio e Sapato de Trecê, o principal foco aqui está em elucidar uma diversidade de frases que estejam mais próximas da performance de um ritmista e das frases características do Mestre Marçal.

Vai Passar foi gravada no ano de 1984 no disco Chico Buarque. Trata-se de um samba de andamento rápido, considerado um samba-enredo, devido também às levadas utilizadas pela percussão e cavaco. Nessa música o tamborim toca as levadas mais à vontade, dentro do seu estilo mais tradicional. Na parte introdutória da música, com repetição de oito compassos, percebe-se que o tamborim na segunda repetição exerce uma função mais de improviso, enquanto na primeira ele aparece mais restrito à figura do teleco-teco. No trecho mostrado a seguir na Figura 99, nota-se também a interação entre o acompanhamento do violão com os tamborins.

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Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-0:08 (faixa 35 do CD).

A característica do fraseado do Mestre Marçal já está presente no segundo e quarto compassos no retorno da introdução, como mostra a Figura 100.

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Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-0:11 (faixa 36 do CD).

Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-0:15 (faixa 37 do CD).

Nos trechos mostrados abaixo nas Figuras 102, 103 e 104, notamos uma variedade de frases atuando como variações da levada. Novamente, é possível notar nesses exemplos como o cavaco interage com o WDPERULPQRFRQWH[WRGH³SHUJXQWDH UHVSRVWD´

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Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-0:50 (faixa 38 do CD)

Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-0:58 (faixa 39 do CD).

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Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-1:41 (faixa 40 do CD).

Como podemos notar nos exemplos acima, o cavaco tem uma pequena variação dentro da levada do samba-enredo, enquanto o tamborim está completamente OLYUHSDUD³VRODU´'LDnte dessa afirmação, resolvemos perguntar ao próprio compositor Chico Buarque se ele designava alguma função na hora de tocar ou gravar, já que o 0HVWUH0DUoDOFRQYLYHXFRPHOHDWpRILQDOGDFDUUHLUD%XDUTXHUHVSRQGHX³4XHPVRX eu para designar funções ao Mestre Marçal? O diretor musical podia instruí-lo a entrar QRFRPSDVVRWDOPDVGDtHPGLDQWHHUDFRPHOH´$LQGDVREUHDJUDYDomRRQGH0HVWUH Marçal canta, BuarquHGL]³1RHVW~GLRGHSRLVGHJUDYDUDVSHUFXVV}HVHOHDLQGDILFDYD para o coro, e não me esqueço da sua participação em Vai passar. A certa altura, por FRQWDSUySULDHOHPDQGRXXPµRUDVHYDL¶,VVRHUDR0HVWUH0DUoDO(FRPRVHQmR bastasse, ele ainda nos deixou o Marçalzinho.´ (BUARQUE, 2015)

Na parte final da música, em um determinado momento, onde já está presente o coro adicionado a vários instrumentos de escola de samba, percebe-se vários tamborins tocando a levada em uníssono em meio à melodia. Geralmente, essa maneira de interagir dos tamborins é associada à letra da melodia, logicamente quando se trata do contexto de escola de samba.

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Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-3:05 (faixa 41 do CD).

Coração Oprimido, de Paulinho da Viola, foi gravada no ano de 1979 para o álbum Zumbido. Trata-se de um samba de andamento médio, no qual o tamborim do Mestre Marçal toca, na maior parte, variações da levada do teleco-teco. Esse caso já mostra outra característica da performance do Mestre Marçal, que são as frases com as quatro semicolcheias na variação.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Observamos um fato incomum em dois trechos recorrentes em Coração Oprimido. Se recorrermos ao princípio da introdução da percussão nas gravações, quando a maioria dos ritmistas dificilmente fazia variações, poderíamos encarar isto com naturalidade. Porém, principalmente no caso do estilo do Mestre Marçal, essa repetição dos oitos compassos é no mínimo curiosa.

Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-0:51 (faixa 42 do CD).

Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-1:15 (faixa 43 do CD).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Se direcionarmos a atenção para os três últimos compassos da música, onde começa a nota longa do final da melodia, podemos perceber a frase do tamborim indicando já uma resolução. Para Stanyek e Oliveira esse trecho se caracteriza como uma chamada, mas nesse caso é uma chamada final, determinada pelos músicos.

Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-3:10 (faixa 44 do CD).

A próxima música selecionada para análise é Esta Melodia, um samba de andamento médio composto em 1951 por Bubú da Portela e Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos). Essa canção foi regravada várias vezes por grandes nomes da música popular brasileira. A regravação à qual iremos nos ater é a de Cristina Buarque no LP Prato e Faca, do ano de 1976, lançado pela RCA/Ariola, e relançado em 2004 em CD.43 Essa gravação foi a primeira que nos chamou atenção com relação à maneira de tocar duas vozes distintas em dois tamborins.

Apesar de repetitiva, há diversos pequenos trechos que merecem ser destacados. Podemos perceber com nítida precisão as diferenças (rítmicas e sonoras) entre os dois tamborins. Aqui Mestre Marçal divide essa música com um dos seus eternos parceiros, Elizeu. Sugere-se que o tamborim mais grave era tocado por Elizeu, e

43 Discografia selecionada e organizada por Maria Luiza Kfouri e disponível em .

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo a levada é a mesma que ele tocava com trio de tamborins, segundo Marçalzinho. (MARÇALZINHO, 2014) Com relação à escrita, manteremos a mesma forma. A única diferença será a inclusão de mais um pentagrama, inserindo a linha do tamborim mais grave.

Essas duas levadas são bastante mencionadas como as utilizadas pelo trio Mestre Marçal, Luna e Elizeu. Podemos observar essa menção em Bolão (2003), na sua peça de tamborim Era Luna, Elizeu e Marçal, bem como na citação de Wilson das Neves no documentário As Batidas do Samba.

Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-0:06 (faixa 45 do CD).

Essas levadas serão bastante recorrentes dentro das gravações, principalmente a da linha suplementar, utilizada no samba-enredo. No caso de Esta Melodia, a levada do primeiro tamborim não se faz da virada na terceira semicolcheia, recurso utilizado normalmente. Segundo Marçalzinho, seu pai nunca utilizou o recurso de tocar o tamborim virado (MARÇALZINHO, 2014).

Retomando nossa análise, veremos uma característica muito utilizada quando temos dois tamborins tocando juntos. Podemos constatar a figura da hemíola agora nas duas vozes. Nota-se que, se fizermos uma comparação entre o primeiro compasso do segundo sistema e posteriormente o segundo do primeiro, podemos concluir que há uma imitação. Isso se percebe por um longo tempo dentro dessa seção.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Essas frases da linha superior são recorrentes no estilo do Mestre Marçal, como elucidado no exemplo da música Tamborins, na subseção B. A única diferença está na variação dos timbres.

Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-0:56 (faixa 46 do CD)

Na parte final da música, ocorrem várias repetições até um diminuendo (fade out). Na segunda repetição, trata-se da única vez em que ambos tocam em uníssono. Isso nos remete a uma característica do instrumento nos dias atuais nas escolas de samba (toque em uníssono), mesmo que num pequeno trecho. Isso, dentro do conceito de Stanyek e Oliveira, é denominado de chamadas, que se incluem dentro de seção de marcação. Essas chamadas, segundo os autores, servem como formas de comunicação entre os músicos para finalizar ou começar uma seção. Neste caso um recomeço da seção.

Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-1:47 (faixa 47 do CD)

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Por fim, iremos analisar pequenos trechos da música O Meu Guri, de Chico Buarque, do álbum Almanaque (1981). A primeira vez em que aparece o tamborim é juntamente com a entrada da voz. Somente violão e flauta estão presentes durante DOJXQV FRPSDVVRV 6H UHPHWHUPRV DR FRQFHLWR GH ³SHUJXQWD H UHVSRVWD´ SRGHPRV associar a essa levada do tamborim, pois é perceptível a interação entre a frase principal (tamborim) com os complementos na pele da parte inferior (dedos). Não foi possível ouvir os dedos nas colcheias in box do primeiro tempo.

Figura 112³3HUJXQWDHUHVSRVWD´WDPERULP O Meu Guri. 0:18-0:25 (faixa 48 do CD).

O trecho mostrado na Figura 113 abaixo ilustra mais um conceito de Stanyek e Oliveira, que foi denominado de imitação por variação. O músico deixa de tocar a levada para tocar junto com a melodia. No caso abaixo, a melodia acentuada fornece essa possibilidade ao músico para a imitação.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-1:15 (faixa 49 do CD)

Os acentos tocados pelo primeiro tamborim aparecem exatamente junto com a voz e cavaco tocando acorde de Si maior. O único lugar onde não acontece esse ³XQtVVRQR´pQD~OWLPDVHPLFROFKHLDGRVHJXQGRWHPSRRQGHQDPHORGLDDSDUHFHDQRWD Mi ligada ao terceiro compasso. Portanto, a partir desse momento o tamborim já retoma a levada.

A última seção é a que elucida o famoso trio com Luna e Elizeu, no qual cada um usava afinações diferentes. Mestre Marçal era o que usava a mais aguda. Isso nos remete ao candomblé, em que os atabaques são de tamanhos e afinações diferentes. O rum é o mais grave (atabaque maior), rumpi, o médio e o lé são agudos (menor), além do agogô. Como exemplo, iremos ilustrar as três levadas da cabula, ritmo que deu origem ao samba. A primeira linha é o agogô, a segunda, o lé, a terceira, o rumpi e a última, o rum.

Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo Outra semelhança em relação aos tamborins são as frases dos três surdos utilizados na escola de samba, que, assim como os atabaques, são de afinações e levadas diferentes.

Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012).

Como primeiro exemplo da levada dos três tamborins, reproduzimos a transcrição feita por Oscar Bolão durante uma seção de gravação que ele presenciou do trio.

Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003).

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Finalmente, a Figura 117 abaixo mostra outra variação que transcrevemos dos três tamborins de Luna, Mestre Marçal e Elizeu.

Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-0:57 (faixa 50 do CD).

Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio.

Os exemplos a seguir, Figuras 119 a 121, servem para ilustrar alguns dos traços característicos de Mestre Marçal. Primeiramente na Figura 119 temos os ³FRPHQWiULRV´RVTXDLV podem ser observados principalmente nas músicas Pára-Raio de Djavan e Sapato de Trecê de João Nogueira.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 119: ³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPGRIUDVHDGRGH0HVWUH0DUoDO

Na Figura 120, encontram-se ilustradas três diferentes levadas com a utilização dRV WRTXHV ³HVWDODGRV´ GH DUR H SHOH HQFRQWUDGDs em músicas como Tamborins de Luciano Perrone, Vai Passar de Chico Buarque e Francis Hime, dentre outras.

Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal

Na Figura 121 temos várias levadas de tamborim comumente tocadas por Mestre Marçal de maneira mais tradicional, ou seja, sem a utilização de aros e sem os comentários entre tamborins. Essas levadas foram mostradas por Marçalzinho durante uma passagem de som.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 121: Levadas sem utilização dos aros.

Na Figura 122, em duo com Luna num programa com Paulinho da Viola para a Tv Tupi nos anos de 1970. Mestre Marçal toca a primeira linha repetidamente, enquanto Luna alterna as levadas.

Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna.

Na Figura 123, um exemplo do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que Marçalzinho diz ter sido XP³PDQWUD´RXXP³SLQJSRQJ´HQWUH/XQDH(OL]HXSRUFRQWD do deslocamento dos acentos entre os tamborins dois e três. Marçalzinho disse que Mestre Marçal tinha a função de manter a levada como mostra o tamborim um. Em alguns momentos, Mestre Marçal parava de tocar essa levada para ficar improvisando.

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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo

Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.

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Capítulo 4. O Legado

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Capítulo 4. O Legado

Mestre Marçal foi sem dúvida uma grande influência para muitos percussionistas, ritmistas e até cantores brasileiros. O objetivo deste capítulo é fazer um breve relato de alguns dos grandes ritmistas/percussionistas que tinham relação próxima ao Mestre Marçal, seja através do convívio próximo, tocando ou gravando, seja por conhecê-lo somente através de gravações que serviram de influência e inspiração. Essa influência será demonstrada através da identificação de traços idiomáticos da performance de Mestre Marçal ao tamborim encontrados na execução dos músicos citados a seguir.

A primeira música é de autoria do cantor e compositor João Bosco, artista que teve em suas gravações a presença constante de Mestre Marçal. O título da música é De Mamadeira do CD Malabarista do sinal vermelho, do ano de 2003, lançado pela . Nessa faixa os tamborins são tocados por Marçalzinho e também por Robertinho Silva.

A influência de Mestre Marçal está aqui sintetizada em alguns poucos compassos, valorizando a entrada dos tamborins, que ocorre no terceiro compasso da volta da parte A, excluindo-se assim a introdução do violão e voz, que na partitura foi adaptada para trombone. O violão aparece numa levada que sugere batida de partido alto e, neste caso, mantém a regularidade da levada transcrita. Logo na primeira parte da letra A aparece o primeiro instrumento de percussão, que é o Tantã44.

Na sequência aparecem os dois tamborins, cada qual com sua própria levada, acompanhando a melodia e o violão. A levada do tamborim da linha superior indica que este ficará mais constante, ou seja, uma forma mais padronizada em cima da levada do teleco-teco como ilustrada nos compassos de números 5 a 8, como mostra a Figura 123.

44 ³'HDILQDomRJUDYHHOHWHPDIXQomRGHPDUFDURULWPRGDPHVPDIRUPDTXHRVXUGRQRVFRQMXQWRV de VDPEDWUDGLFLRQDLV´ %2/­2S

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Capítulo 4. O Legado Já no tamborim da linha inferior, observamos maior liberdade em relação à interpretação ± que, no curto trecho mostrado na Figura 122 remete em uma das variações utilizadas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.

Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal.

Nota-se que no compasso de número 9 aparece a haste com x, que denota o rim-shot (pele e aro tocados simultaneamente), outro elemento característico do toque de Mestre Marçal.

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Capítulo 4. O Legado

Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-0:59 (faixa 51 do CD).

Percussionista profissional desde 1976, Humberto Cazes (ou, como é conhecido artisticamente, Beto Cazes) tem uma carreira bastante sólida, seja em estúdio de gravação, seja nos palcos, tocando com grandes nomes da música popular brasileira.

O próximo exemplo é uma gravação de 1996 do CD Zé Keti: 75 anos de samba (último antes da morte do compositor), produzido por Henrique Cazes e lançado pela gravadora Rio Arte Musical. A música que iremos ilustrar é Leviana, com participação especial do cantor e compositor Wilson Moreira. Somente a introdução será mencionada aqui, apesar de a levada reaparecer no final da música. Optamos pela introdução devido à interação de outros instrumentos com os tamborins ser menor e de melhor compreensão.

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Capítulo 4. O Legado

Beto nos confidenciou tempos atrás, em conversa informal, que aprendeu essas levadas com o Mestre Marçal durante um período em que estavam gravando juntos.

E o meu interesse e minha admiração pelo trabalho do Marçal, Nilton Delfino Marçal, Mestre Marçal, começou mais ou menos em 1986. Minha aproximação com ele foi quando comecei a produzir com um pesquisador japonês, Katsunori Tanaka, que eu havia conhecido no Japão em 1985. Em 86 a gente começou a fazer uns discos de samba aqui no Rio. Fizemos um disco do Wilson Moreira, um do e outro da Velha Guarda da Portela. Nos discos do Wilson Moreira e Nelson Sargento, nós gravamos, eu gravava de pandeiro as bases e chamávamos sempre o trio dos grandes percussionistas de samba da época, Luna, Marçal e Elizeu, o trio mítico da percussão de samba, e eles botavam os complementos de percussão, tamborins, cuíca, agogô, etc. A gente gravava a base, eu de pandeiro, o gordinho de surdo e depois eles botavam as percussões. E eu ficava muito no estúdio olhando o trabalho deles, e tinha uma determinada batida que os três faziam que se completavam e dava pra perceber, ouvindo de uma gravação que eles tinham feito com o cantor Monarco na década de 70. (CAZES, 2015)

Os tamborins da gravação de Leviana foram usados com diferentes afinações, o primeiro com a afinação bastante alta, enquanto o segundo tamborim tem afinação média, ambos com pele de couro animal. Ouvindo a gravação em estéreo, em 2 canais separados, são perceptíveis as diferenças e a junções entre ambos.

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Capítulo 4. O Legado

Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-0:09 (faixa 52 do CD).

Cazes descreve sobre a estrutura do trio de tamborins:

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Capítulo 4. O Legado

Eu percebi nas gravações e na convivência com Marçal, Luna e Elizeu (os três tamborins mais clássicos do samba) que eles faziam uma célula. Geralmente dois desses tamborins faziam uma célula que era repetida e que era deslocada dentro do compasso. Elas começam em lugar diferentes essas células, que juntas se completavam espetacularmente [...] Uma iniciava no tempo e a outra no contratempo. Eles faziam isso instintivamente mas que dava um resultado muito incrível. Em termos de polirritmia e de complemento dentro do samba principalmente na gravação do samba enredo. [...] Fazer a introdução com essa rítmica e eu gravei com dois tamborins de couro, mas com afinações um pouquinho diferentes e gravando no estéreo em 2 canais bem separados para notar mesmo essa diferença dos dois e a junção. Tanto no começo da música como no final acaba fazendo essa composição rítmica, que, embora sendo com a mesma célula, ela deslocada dentro do compasso dá uma impressão espetacular. Eles faziam instintivamente, isso era uma coisa que o Mestre Marçal devia fazer desde que ele existia (CAZES, 2015).

Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes.

Marcos Esguleba e Mestre Trambique tocaram juntos na banda que acompanhava Mestre Marçal. Músicos sempre presentes nas gravações de estúdios, esses dois fazem dobradinha na percussão do Grupo Semente, cujo primeiro CD homônimo foi lançado recentemente, e que com frequência acompanha a cantora de samba Teresa Cristina. Neste CD do Grupo Semente aparece uma composição do

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Capítulo 4. O Legado Mestre Trambique em parceria com Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro. O nome da música rende homenagem ao mestre ± titulo da música: Mestre Marçal.

Tomaremos como exemplo Nas asas da canção, composição de Dona Ivone Lara e Nelson Sargento. A gravação é de 2001, do álbum Nasci pra sonhar e cantar, de Dona Ivone Lara, para o selo Natasha Records. A participação de Esguleba e Trambique aparece logo na introdução instrumental, onde há um diálogo entre os dois tamborins, ambos utilizando pele de couro animal. O diálogo reaparecerá na entrada da voz de Dona Ivone Lara. Ilustraremos o trecho em que somente estão presentes os tamborins, juntamente com o surdo, a melodia e o acompanhamento do violão. Os tamborins neste trecho são bastante perceptíveis, assim como em Leviana, pois a quantidade reduzida de outros instrumentos ajuda no entendimento da execução.

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Capítulo 4. O Legado

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Capítulo 4. O Legado

Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-2:07 (faixa 53 do CD).

Na transcrição ilustrada na Figura 126 é importante ressaltar que os tamborins transcritos se referem somente ao primeiro retorno, ou seja, casa 1 na forma

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Capítulo 4. O Legado da canção. O que seria a repetição da letra A (começo da música) não está transcrito e, portanto, os tamborins foram omitidos, somente retornando no segundo pentagrama da segunda página (casa 2). Observa-se aqui que somente no início e no final os tamborins estão convencionados com a mesma frase.

Na zona leste da cidade de São Paulo, mais precisamente no bairro de São Mateus, reduto de grandes sambistas e ritmistas, foi criado na década de 1990 o Trio de Tamborins de São Mateus por Jorge Bernardino da Cruz (Jorge Neguinho), Gerson Martins Dias (Gerson da banda) e Ivisson José Pessoa Bezerra (Ivisson Casca). Este trio de tamborins pode ser ouvido nos discos do Quinteto Branco e Preto (grupo que ao longo dos anos virou referência do samba em São Paulo, do qual Ivisson foi um dos fundadores) e também do Berço do Samba de São Mateus e da cantora Beth Carvalho, entre outros.

Gravado em 2001, Nome Sagrado é o CD da cantora Beth Carvalho, lançado pela gravadora Jam Music em homenagem ao cantor e compositor Nelson Cavaquinho. Dentre os ilustres convidados, está o Trio de Tamborins de São Mateus, que Beth compara com a formação clássica, integrada por Luna, Elizeu e Mestre Marçal45.

'LDV  UHODWD³$JHQWHWHYHDKRQUDGHWHQWDUUHSURGX]LUDOJXPD coisa dentro daquela ideia que o trio fazia. Foi um marco na vida da gente de cada um de nós como músicos´ Também sobre o convite de Beth Carvalho para gravar, Bezerra (2015) GHFODUD ³&ODUR TXH QXQFD YDL VHU D PHVPD FRLVD TXH HOHV ID]LDP LPSRVVtYHO SHOo talento e genialidade que eles tinham. A gente tentou da nossa maneira aqui reproduzir e até hoje tenta fazer o trabalho que eles faziam. No caso do ritmo a gente se inspira muito neles´.

Durante uma sessão de gravação que participei com o Trio de Tamborins de São Mateus, solicitei ao trio que reproduzisse as três inspiradoras levadas que eles

45Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2015.

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Capítulo 4. O Legado utilizaram em gravações. No vídeo registrado, Ivisson tocou a primeira linha, mais aguda, Jorge tocou a segunda, média, e Gerson, a terceira, no grave. A transcrição do trecho se encontra na Figura 127.

Figura 129: Tamborins de São Mateus.

Bezerra relata claramente a influência musical que Mestre Marçal tem em sua formação:

Mestre Marçal foi importantíssimo na minha vida, porque os discos dele influenciaram muito minha carreira musical, aprendi a escutar muito nos discos dele, aprender os sambas, as levadas, também a época do Carnaval quando ele era mestre de bateria, que via os desfiles pela Rede Manchete das baterias que ele comandava e a gente ficava maravilhado com a postura do Mestre Marçal e o respeito que todo mundo tinha. Então, é... Tenho um agradecimento a esse mestre porque ele foi essencial na minha vida e inspirou como sambista e como artista (BEZERRA, 2015).

Registramos aqui a admiração de Gerson, que sempre elogiou Mestre Marçal informalmente:

Grande importância na minha vida, na minha formação como músico. Eu que desde criança já venho escutando aquelas gravações do Mestre Marçal. Ora tocando pandeiro, ora tocando cuíca, enfim, era um multi- ritmista (sic). E um bom gosto nas frases, e tudo que tocava, tocava bem. Eu cresci nessa atmosfera do samba, ouvindo o Mestre Marçal. Quando eu tive o contato com o trio Luna, Marçal e Elizeu, através dos tamborins do disco do Partido em 5 e em várias outras gravações, fiquei encantado (DIAS, 2015).

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Capítulo 4. O Legado

Um grupo de jovens músicos de São Paulo resolveu formar em 2011 o grupo Cadeira de Balanço, cuja finalidade era desenvolver uma maneira diferente de tocar o choro com roupagem mais moderna, segundo um dos membros do grupo, o percussionista Rafael Toledo. No ano seguinte, gravaram o primeiro CD, com o nome de Bagunça Generalizada.

Além de Rafael, o grupo conta com dois outros grandes talentos na percussão: Léo Rodrigues e Douglas Alonso. Este trio é bastante requisitado para os mais diversificados projetos musicais da cena paulistana. Completam o grupo o flautista Enrique Menezes, o violão de sete cordas Gian Correa e Henrique Araújo, cavaco/bandolim. Segundo Toledo:

Escutando no samba, não tem como você não se identificar com o que Mestre Marçal fazia, não se emocionar com o que ele fazia, tocando tamborim, cuíca, diversos instrumentos de percussão [...] Sempre que escutava eu ficava atento, tentando tirar o que ele fazia, as levadas que ele tocava, às vezes só com tamborim, ou com o trio com Luna e Elizeu. E isso é o que eu carrego na minha musicalidade. Daí pra frente eu tentei colocar no máximo possível das gravações que eu fazia e uma delas é num grupo chamado Cadeira de Balanço [...] Dentro desse disco, eu e os outros dois percussionistas, Léo Rodrigues e Douglas Alonso, resolvemos citar o trio de tamborim glorioso que foi Luna, Mestre Marçal e Elizeu, fazendo uma levada que eles costumavam fazer muito (TOLEDO, 2015).

A música a ser tratada aqui é O Mancebo, composta pelo acordeonista Toninho Ferragutti. Após os oito primeiros compassos de introdução, os três tamborins aparecem junto da primeira exposição da melodia, em uníssono com cavaquinho e flauta. Rafael relata que foram definidas as afinações de acordo com a levada de cada tamborim, como transcrito abaixo: o primeiro agudo, o segundo médio, e o terceiro grave. A levada de carreteiro é encontrada na parte do segundo tamborim, na qual é assinalado por um retângulo, e uma seta indicativa ց, o para o momento em que o tamborim ³vira´.

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Capítulo 4. O Legado

Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-0:26 (faixa 54 do CD).

Como mostrado na Figura 129, nos compassos sete e oito, observa-se que os tamborins tocam em uníssono como se fossem uma chamada para retornar ao tema.

Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-0:49 (faixa 55 do CD).

Na volta ao tema dessa música identifica-se outra influência de Mestre Marçal. Observa-se que dois dos três tamborins continuam mantendo uma das levadas, enquanto o terceiro tamborim fica mais livre improvisando.

Como podemos observar nesses cinco pequenos exemplos, o legado deixado pelo Mestre Marçal se estendeu por várias gerações: a geração de Mestre Trambique e Robertinho Silva, nascidos na década de 1940, passando por Marçalzinho, Beto Cazes e Marcos Esguleba. Todos esses tiveram convívio direto com o Mestre Marçal, no Rio de Janeiro. Gerações posteriores receberam a influência indiretamente (através de discos ou vídeos), como os paulistas da geração da década de 1970 do Trio de Tamborins de

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Capítulo 4. O Legado São Mateus, a juventude da década de 1980, bem como os percussionistas do grupo Cadeira de Balanço.

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Considerações Finais

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Considerações Finais

O presente trabalho teve como principal questionamento o possível legado da atuação de Mestre Marçal para sua geração posterior. Ao desenvolver a tarefa principal dessa pesquisa, outros objetivos secundários foram se apresentando. Um levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal de forma mais sistemática, algo inédito até o momento, assim como um estudo sobre os principais tamborinistas do eixo Rio-São Paulo, se mostraram pertinentes e se traduzem em uma importante contribuição desse trabalho.

Concluímos, ao final da pesquisa, que através da análise musical comparativa entre o período anterior à atuação de Mestre Marçal e a geração contemporânea e posterior, que essa influência e importância se confirmam.

Podemos perceber que Mestre Marçal exerceu um papel fundamental e foi um elo entre as gerações de ritmistas aos quais esteve ligado. Exemplo importante são seus antecessores, como seu pai e Bide, e seus contemporâneos Luna, Elizeu, Doutor e Wilson das Neves, dentre outros. Posteriormente, ao utilizar em suas gravações os ritmistas inovadores do Cacique de Ramos como Ubirany Felix Nascimento, Sereno e Bira Presidente, Mestre Marçal alcançou uma nova geração de ritmistas, dentre os quais se inclui Marcos Esguleba.

Esse elo, como pode ser observado, não nos remete a nenhum outro ritmista, até mesmo aos seus contemporâneos. Uma evidência dessa influência única é uma comparação entre a primeira gravação de Mestre Marçal como cantor e sua terceira gravação. Enquanto na primeira estavam seus contemporâneos, como Doutor no repique de anel, na terceira já estava o repique de mão de Ubirany Felix Nascimento.

Qual seria o diferencial entre Mestre Marçal e seus contemporâneos? Além de ter desenvolvido uma maneira peculiar de tocar tamborim, sua visão ampla da atuação musical e sua abertura para participar de diferentes projetos, fez com que ele atingisse os diretores de bateria, os cuiqueiros e os ritmistas que viraram cantores.

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Considerações Finais No final deste trabalho, observa-se que o papel de Mestre Marçal no samba foi de fundamental importância, principalmente por ter vivido com várias gerações de sambistas e ter desenvolvido uma maneira peculiar de tocar. Ao longo desta dissertação, procuramos mostrar a extensão da sua influência e seu campo de atuação.

Mestre Marçal tocou com Luciano Perrone em rádio e gravações. Foi cantor em bailes, mestre de bateria e comentarista de carnaval em televisão. De ritmista a interprete de música inclusa em novela da Rede Globo. De passista e ritmista a intérprete com Chico Buarque.

Classificar Mestre Marçal como um elo entre os músicos na história do samba significa que ele se apropriou dos padrões de execução comuns até os anos de 1950, desenvolvendo-os com requinte e originalidade, e posteriormente seu idiomatismo ao tamborim serviu de referência para a geração posterior.

As transcrições que fizemos sobre sua performance nos serviram de ferramenta para compreender e retratar a virtuosidade e originalidade de Mestre Marçal. Algumas delas, utilizadas na dissertação, elucidam minuciosos pontos técnicos, outras proporcionam uma idéia mais ampla de conceitos musicais empregados por Mestre Marçal.

Ao longo da dissertação, foi possível fazer uma análise compreensiva, partindo das performances e primeiras gravações e relacionando-as com o legado que seus traços idiomáticos característicos deixaram para gerações seguintes. É nítida a contribuição de Mestre Marçal para o que ocorre hoje em dia na utilização do tamborim como complemento melódico RXOLYUHSDUD³VRODU´MXQWRFRPDPHORGLD

O envolvimento com esse traço característico de Mestre Marçal já foi assimilado, ultrapassando o samba e atingindo outros ritmos, em trabalhos que podem ser encontrados no mercado.

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Considerações Finais O tamborim de Mestre Marçal também aparece em duo e em trio com seus parceiros Luna e Elizeu, que tanto sucesso fizeram dentro das centenas de gravações. As gravações desse trio também nos influenciaram na maneira de pensar diferentes linhas para outros instrumentos e compreender a função que cumpriam em relação à composição.

A utilização dos toques de aro com pele simultânea e as adaptações das linhas de tamborins passaram com frequência a fazer parte do vocabulário musical, independentemente do estilo, ajudando-nos a inseri-las em novos contextos criativos.

Gostaríamos de salientar que não tivemos a pretensão de obter conclusões definitivas e nem de esgotar o assunto. Pretendemos, isto sim, que a pesquisa realizada seja entendida como uma contribuição para a discussão dos problemas relativos à percussão brasileira.

Temos certeza de que muitos outros trabalhos virão oportunamente para enriquecer ainda mais o debate, acrescentando outras informações, abordagens e até mesmo pontos de vista diferentes e contributivos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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