UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO DEPARTAMENTO TURISMO

RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR A Bossa Nova e a imagem turística da

Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza

NITERÓI 2012

FLÁVIA BEATRIZ MARQUES CAETANO MACHADO SOUZA

RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Profª. Drª. Karla Estelita Godoy

NITERÓI 2012

S729 Souza, Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Rio de sol, de céu, de mar : A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa / Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza -- Niterói: UFF, 2012. 128p.

Monografia ( Graduação em Turismo )

Orientador: Karla Estelita Godoy, D.Sc.

1. Turismo 2. Imagem 3. 4. Bossa Nova.

CDD. 338.4791

RIO DE SOL, DE CÉU, DE MAR A Bossa Nova e a imagem turística da Cidade Maravilhosa

Flávia Beatriz Marques Caetano Machado Souza

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Drª. KARLA ESTELITA GODOY – ORIENTADORA Universidade Federal Fluminense

Prof. Dr. MARCELLO DE BARROS TOMÉ MACHADO Universidade Federal Fluminense

Prof.ª Drª. HELENA CATÃO HENRIQUES FERREIRA Universidade Federal Fluminense

Niterói, 13 de junho de 2012.

AGRADECIMENTOS

Inicio agradecendo a Deus, a quem dedico minha fé incondicional, pela benção da vida e pela honra e graça de ter “anjos” que estão ao meu lado. À minha família, sou grata por tudo! Pelo amor, dedicação e zelo com que fui criada, ensinando que respeito pelo próximo se aprende em casa, desde pequeno. Mãe, pai e avó: não há palavras para agradecer pelos belos exemplos de caráter, honestidade, garra e fé que me foram dados por vocês! Gestos e palavras de incentivo – e até mesmo os válidos “puxões de orelha” – me fizeram seguir adiante e trazer comigo os valores que me foram ensinados. Maninha, meu orgulho, sinta-se incluída nesse enredo de amor e saiba que tenho aprendido muito com você! É imensa de compartilhar esta e todas as vitórias com vocês, meus amores. A Universidade Federal Fluminense, pela oportunidade de ter me graduado em um importante centro acadêmico federal de ensino público e de qualidade, que agregou muito além de conhecimento e formação profissional a minha vida. Muito me orgulho de ter concluído o ensino superior nesta instituição, na qual espero colar outros graus. Ao corpo docente da Faculdade de Turismo da Universidade Federal Fluminense, mestres e doutores de extremo gabarito, capazes de ensinar, cativar e inspirar a cada um de nós. O conhecimento é de fato uma das maiores riquezas que adquirimos na vida e vocês, professores, são profissionais que tem a grande responsabilidade não apenas de transmitir aprendizados, mas de participar ativamente da formação pessoal e profissional de seus alunos. A sua contribuição foi riquíssima e as lições ensinadas ficarão para sempre como exemplos a serem seguidos, por aqueles que reconhecerem a sua importância e grandiosidade. A professora Karla Estelita Godoy, minha orientadora e grande parceira neste trabalho. A admiração e o respeito por você são anteriores à construção do meu projeto de monografia, no entanto, foi em uma de suas disciplinas optativas, a partir da produção de um artigo científico, que surgiu a ideia de desenvolver este tema como trabalho final, e a parceria entre nós foi formada. Obrigada por ter abraçado o meu projeto e pelo carinho com o qual me orientou desde o início, mas tenha a certeza de que a sua contribuição foi muito além da orientação. Era motivador saber que eu poderia contar com o seu respaldo durante todos os meses de pesquisa e trabalho, com o seu olhar crítico, porém sutil e muito generoso. Fui muito feliz em tê- la escolhido como orientadora e espero dar continuidade a muitos projetos ao seu lado. À socióloga Edinha Diniz, agradeço por ter-me recebido tão gentilmente em sua casa, dispondo-se a me dar uma verdadeira aula sobre a música brasileira, em especial a Bossa Nova e a história por trás deste inspirador e famoso movimento e estilo musical, colaborando de forma valiosíssima para a minha pesquisa. Por fim, agradeço (e muito) aos meus queridos amigos, “irmãos” de longa ou curta data que me foram dados de presente pela vida. Nada teria sido tão prazeroso não fosse a sua companhia, o seu carinho, os seus conselhos – dos mais sensatos aos mais insanos – e o seu apoio. Vocês são e serão sempre as minhas jóias, minha segunda família. Gracias, hermanos!

“Minha alma canta Vejo o Rio de Janeiro Estou morrendo de saudade Rio, teu mar, praias sem fim Rio, você foi feito pra mim”

Antônio Carlos Jobim, 1962.

RESUMO

Este trabalho se dedicou a estudar o processo de construção e difusão da imagem turística da cidade do Rio de Janeiro em sua mais famosa representação: a Cidade Maravilhosa. A partir da observação dos signos e elementos naturais, culturais e históricos inerentes a imagem da cidade carioca, bem como da relevância que a música brasileira assume enquanto difusora desta, foi feita uma análise sobre a relação entre o turismo, o universo das imagens e a Bossa Nova – estilo musical surgido na cidade carioca, entendido como uma importante peça de propagação da imagem do Rio mundo a fora. Para a fundamentação teórica deste trabalho, foi realizado um estudo analítico, descritivo, bibliográfico e discográfico, no qual são contemplados conceitos, autores, especialistas e produções referentes ao tema. Um panorama histórico, social e cultural do Rio de Janeiro, com recorte temporal compreendido entre o início do século XX e a contemporaneidade foi traçado em virtude de destacar marcos, acontecimentos e fatos de relevância para a compreensão da temática abordada neste trabalho e para o alcance dos objetivos ao qual o mesmo estava proposto. Considerou-se pertinente identificar os principais elementos, símbolos e representações associados à cidade do Rio e presentes nas letras de diversas canções da Bossa Nova, para que ponderações respaldadas pudessem ser feitas acerca da relevância da repercussão nacional e internacional deste estilo na reafirmação e propagação de um ideário de belezas, boemia, sensualidade e exotismo, através da fórmula “amor, sorriso e flor”, o que possivelmente exerceu influências no turismo apesar do contexto de caos e desigualdades observado na Cidade Maravilhosa.

Palavras-chave: Turismo. Imagem. Rio de Janeiro. Bossa Nova.

ABSTRACT

This work aims to study the process of construction and dissemination of tourist image of the city of Rio de Janeiro in his most famous representation: the marvelous city. From the observation of signs and natural, cultural and historical elements inherent in the image of the city of Rio de Janeiro, as well as the relevance that the Brazilian music assumes while this stray, was made an analysis on the relationship between tourism, the universe of images and the Bossa Nova – musical style that emerged in the city of Rio de Janeiro, understood as an important piece of image propagation of Rio world outside. For theoretical work, was an accomplished analytical study, descriptive, and bibliographic record, which included concepts, authors, experts, and productions for the theme. A historic, social and cultural landscape of Rio de Janeiro, with temporal clipping from the beginning of the 20th century and the contemporary stroke was due to highlight milestones, events and facts of importance to the understanding of the subject matter covered in this work and to the achievement of the goals to which it was proposed. It was considered appropriate to identify the main elements, symbols and representations associated with the city of Rio and present in the letters of several songs of Bossa Nova, to which weights supported could be made about the relevance of the impact nationally and internationally in this style in the reaffirmation and propagation of an ideology of beauties, Bohemia, sensuality and exoticism, via the formula "love, smile and flower", which possibly has exerted influences on tourism despite the context of chaos and inequalities observed in the marvelous city.

Keywords: Tourism. Image. Rio de Janeiro. Bossa Nova.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 10 1 TURISMO E IMAGENS...... 16 1.1 IMAGENS, ESTEREÓTIPOS E IMAGINÁRIOS SOCIAIS ...... 20 1.2 A FORMAÇÃO DA IMAGEM TURÍSTICA DOS LUGARES...... 24 1.3 O PAPEL DAS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE 27 DOS DESTINOS......

2 A (RE)CRIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E DE SUA IMAGEM...... 31 2.1 MARCOS HISTÓRICOS PRECEDENTES...... 33 2.2 AS REFORMAS E A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA VITRINE 35 NACIONAL...... 2.3 CIDADE MARAVILHOSA: A PRIMEIRA IMAGEM TURÍSTICA DO 40 RIO...... 2.4 ZONA SUL CARIOCA – CENÁRIO DE BELEZAS E CONTRASTES... 43 2.5 SER CARIOCA É ESSENCIAL...... 47 2.6 BOEMIA E MPB – A INFLUÊNCIA DO SOM NA IMAGEM CARIOCA. 50

3 BOSSA NOVA, UM CAPÍTULO À PARTE NA HISTÓRIA DO RIO 53 DE JANEIRO...... 3.1 A DÉCADA DE 50 E A NOVA BOSSA DA CIDADE MARAVILHOSA... 53 3.2 “QUE ISTO É BOSSA NOVA, ISTO É MUITO NATURAL”...... 56 3.3 OS DESAFINADOS...... 58 3.4 DO APOGEU ÀS CRITICAS...... 61 3.5 1964: ANO ÍMPAR...... 64

4 O RIO DA BOSSA NOVA...... 66 4.1 A CIDADE CANTADA...... 68 4.2 OS LEGADOS DA BOSSA NOVA...... 74 4.3 CHEGA DE SAUDADE: ROTEIROS MUSICAIS NO RIO DE 78 JANEIRO...... 4.4 BOSSA NOVA, MÍDIA E MARKETING TURÍSTICO CARIOCA...... 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 88 DISCOGRÁFICAS...... 94

ANEXOS ANEXO A. LETRAS DAS MÚSICAS...... 96 ANEXO B. FIGURAS...... 113 11

INTRODUÇÃO

A motivação primeira deste trabalho é poder analisar a imagem turística da cidade do Rio de Janeiro através de letras da música brasileira, compreendidas como importantes registros e objetos de estudo, a fim de que se possam identificar nelas associações e representações da cidade carioca que respaldem a sua imagem de Cidade Maravilhosa e a sua difusão pelo mundo. O início deste projeto e a decisão de transformar a paixão pelo Rio e pela Bossa Nova1 no tema do trabalho final ocorreram juntas, no decorrer da disciplina eletiva Tópicos Avançados em Turismo I, na qual era proposta a construção de um artigo científico. Já havia cursado algumas matérias que tratavam de patrimônio cultural e das suas possíveis relações com o turismo e houve uma identificação pessoal. Para o artigo, o desafio principal era analisar em que medida a Bossa Nova influenciava no turismo do Rio de Janeiro. O artigo foi feito, porém as análises se tornaram superficiais e havia a intenção de aprofundá-las em um trabalho mais elaborado, com uma estrutura que viabilizasse o estudo das temáticas e contextos relativos ao tema. A hipótese defendida para este trabalho é que a Bossa Nova tenha contribuído significativamente para a difusão da imagem turística Rio Cidade Maravilhosa e para o turismo na cidade através de suas canções, na medida em que reafirmava o ideário de belezas, exotismo, cenários paradisíacos, sensualidade, alegria e boemia, fazendo clara alusão às paisagens e lugares cariocas. Tal temática foi entendida pela orientadora deste trabalho como um olhar interessante sobre a imagem turística da cidade, plausível de ser desenvolvido como trabalho de conclusão de curso e como uma reflexão de extrema relevância para os turismólogos, pois atenta para a grande possibilidade do uso do patrimônio e do legado cultural e musical para o planejamento turístico da cidade do Rio, bem como pelos profissionais de marketing na publicidade da imagem turística carioca.

1 Estilo e movimento musical criado no Rio de Janeiro, em fins da década de 1950. Neste trabalho, quando grafada em letras maiúsculas, a Bossa Nova faz referência ao estilo e movimento musical. No entanto, quando bossa nova surgir grafada em letras minúsculas, fará referência ao ritmo musical, criado por João Gilberto. 12

Ao analisar a história do país, percebe-se que o Rio de Janeiro é de fato um estado de importância ímpar no contexto nacional. Do momento em que passou a ser a capital da colônia, em 1763, até meados da década de 1960, o Rio se manteve como um importante centro irradiador de cultura, tecnologia, tendências, modernidade e progresso para o Brasil. No decorrer destes quase duzentos anos, a cidade carioca presenciou três importantes períodos históricos – o Brasil Colônia, o Império e a República – período marcado por acontecimentos e mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que delinearam o rumo da história do país, mundialmente reconhecido pela sua capital. O século XX é considerado para este trabalho como um período crucial, no qual transformações bastante significativas aconteceram no país e em especial no Rio de Janeiro, que ganhou visibilidade internacional através de uma imagem que mesclava beleza paisagística, exotismo, simbologia e sensualidade – aspectos de uma “terra que a todos seduz2”. O lugar onde mar e montanhas compõem um retrato paradisíaco tornou-se inspiração para diversas manifestações culturais, principalmente para a música e, nesse contexto a Bossa Nova ganha destaque. Discorrer e fazer reflexões sobre a construção e a difusão da imagem da cidade do Rio bem como investigar a sua relação com a Bossa Nova é a grande motivação para este trabalho. Este estilo musical genuinamente carioca teve grande repercussão nacional e principalmente internacional, tornando-se um ícone musical brasileiro de reconhecida qualidade e originalidade. Muitas de suas letras falam íntima e poeticamente da cidade do Rio, afinal seus compositores moravam na cidade e percebiam nela uma fonte inesgotável de inspiração. Para além disso, o contexto vivido no país e em sua então capital federal, às vésperas de ser substituída por Brasília em 1960, estava em sinergia com o otimismo e a exaltação ao composto “amor, sorriso e flor” que muito se adequava as canções do primeiro momento da Bossa Nova. Era um momento de satisfação da população em relação ao governo do presidente Juscelino Kubitschek, que por conta disso ficou conhecido como Presidente Bossa Nova. A proposta de mudanças e melhorias embutidas ao slogan da

2 Trecho da marchinha Cidade Maravilhosa, de André Filho, criada em 1934 em homenagem e exaltação a cidade do Rio de Janeiro. 13 campanha governamental de JK “50 anos em 5”, e as promessas de trazer a modernidade e o progresso para o país refletiam no otimismo do povo e em diversas esferas da sociedade, inclusive a cultural. A Bossa Nova não contrastava em nada com este governo e, apesar das criticas e do tradicionalismo de alguns em relação a este novo e original estilo que mesclava o com o jazz americano, tudo virou Bossa. Se, por um lado a música assume a importante missão de levar imagens capazes de atrair as atenções do mundo ao cantar com uma batida harmônica e genial letras que em geral falam de amenidades e amores que remetem a cenários do Rio de Janeiro, por outro, recai sobre as músicas uma dúvida: se alimentam o imaginário, capacitam-no e são incididas pela sua capacidade de “„inventar o mundo” e tornando-o convincente e desejável. Então, que Rio de Janeiro essas letras representam? A imagem de uma Cidade Maravilhosa estaria ganhando visibilidade mundial atrelada ao sucesso da Bossa Nova? Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de construção da imagem da cidade do Rio de Janeiro como Cidade Maravilhosa, bem como identificar nas letras das músicas da Bossa Nova a presença dos signos culturais e paisagísticos que remetem a Cidade Maravilhosa, investigando a possível influência da música na reafirmação e difusão desta imagem de maravilhas e amenidades. Pretende-se compreender qual ou quais “Rios de Janeiro” foram retratados pela nova bossa de se compor e tocar proposta por João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Menescal, Ronaldo Bôscoli e companhia, em um dos estilos musicais de maior sucesso do país. Apesar desta imagem em muito contrastar com a realidade de desigualdades sócio econômicas da cidade do Rio e os graves problemas urbanos como a violência e a favelização percebidos nela, também resguarda proximidades com o cenário de exuberante beleza natural de uma cidade que é praiana e urbana ao mesmo tempo, e por conta disso particulariza o estilo de vida dos seus moradores, os cariocas, bem como a sua relação com o espaço e com o mar, deixando-a mais leve, boêmia, com ares exóticos de permissividade e sensualidade. Tais características, aliadas a diversidade e riqueza histórica e cultural da cidade carioca atribuem a ela uma “vocação” turística. O turismo, por sua vez, tende a se apropriar da imagem de uma 14 cidade maravilhosa, a fazer a sua promoção e, consequentemente, a produção e reprodução de imaginários e representações do Rio associados a ela. Sob este aspecto, a música – neste caso específico a Bossa Nova – é entendida como uma “ferramenta” de difusão e reafirmação de imagens e imaginários, o que para o turismo representa uma perfeita e valiosa trilha sonora para o marketing carioca. A metodologia adotada para o trabalho foi uma pesquisa bibliográfica, descritiva e analítica, fundamentada e referenciada em livros, artigos e trabalhos científicos, matérias de jornais e revistas (impressos e online), músicas, entre outros materiais relativos ao tema. Os conceitos e considerações dos autores e especialistas nas temáticas propostas embasaram o desenvolvimento do conteúdo deste trabalho. Além disso, foi realizada uma entrevista semiestruturada com a socióloga, pesquisadora e escritora Edinha Diniz, pautada em um roteiro pensado em conjunto com a orientadora deste trabalho visando seguir uma ordem cronológica e de raciocínio que delineasse os rumos da conversa e que nos permitisse respaldar o desenvolvimento deste estudo, em especial do capítulo III. Não houve aplicação de formulário nem questionário de perguntas para que a entrevista ocorresse de forma livre, espontânea e informal. A partir das considerações, objetos e hipóteses de estudo mencionados, compreende-se este tema como uma relevante reflexão para o turismo e para os profissionais da área, visto que servirá de base para estudos e trabalhos futuros acerca da relação entre as imagens, a música e o turismo, enfatizando a importância das representações na percepção dos lugares, especificamente no caso do Rio de Janeiro. Por este motivo, dada a apresentação da temática a ser abordada neste trabalho e em vias de fundamentar o estudo que se segue, no Capítulo I será analisada a relação entre o turismo e o universo das imagens. Serão apresentados os conceitos de turismo – entendido como fenômeno social complexo e atividade econômica comercial altamente lucrativa e propulsora do desenvolvimento e de impactos as comunidades –, bem como a conceituação de imagem, imaginários, representações e estereótipos, ressaltando a relevância de se atrelarem lugares a imagens e identidades visuais e sonoras convergentes e atrativas. Posteriormente, será estudado o processo de 15 formação da imagem turística dos lugares e sua relação com o marketing turístico e a publicidade dos destinos. Autores como Susana Gastal, Rosana Bignami, Philip Kotler, Michel Maffesoli, Krippendorf, John Urry, Mario Beni entre outros, foram de grande valia para a fundamentação, construção e desenvolvimento deste estudo. A título de contextualização, no Capítulo II será apresentada uma análise sobre o processo de construção da imagem da cidade do Rio de Janeiro. Para a realização desta, foi considerado o recorte temporal desde o início do século XX até a contemporaneidade, no qual foram identificados e ponderados momentos históricos, sociais, políticos e culturais no contexto nacional que tenham tido ou expresso alguma relevância para a construção da imagem carioca. Entretanto, foram ressaltados marcos históricos precedentes ao século XX considerados cruciais a compreensão da importância da cidade do Rio no cenário nacional e que possivelmente tenham contribuído para enriquecer e respaldar ainda mais a sua imagem. As reformas urbanas ocorridas no início do século XX, realizadas pelo então prefeito Pereira Passos, objetivavam modernizar a cidade utilizando o modelo de urbanização parisiense, demonstrando a intenção de criar uma nova imagem do Rio. Neste contexto, serão destacados os principais símbolos e elementos presentes direta ou indiretamente na imagem da “Cidade Maravilhosa”, assim como as suas associações e representações ao longo do tempo e na contemporaneidade. A paisagem – principalmente da Zona Sul da cidade – e o próprio carioca, bem como as manifestações culturais e a música brasileira são temáticas que ganham destaque neste capítulo. Autores como Marcello Tomé Machado, Celso Castro, Maurício de Abreu, José Menezes entre outros foram estudados para o desenvolvimento deste capítulo. A seguir, no capítulo III será apresentada e analisada a Bossa Nova – estilo musical criado no Rio de Janeiro em fins da década de cinqüenta – desde o contexto de seu surgimento, passando pela sua relação cultural com a política e a história vivida pelo país naquele momento e destacando as principais ideologias, compositores e composições, bem como ressaltando a sua íntima relação com a cidade carioca. A identificação dos traços da cidade nas canções e o grande apelo que tiveram são fatores que fundamentam a hipótese de que essas músicas foram importantes difusoras de uma imagem 16 poetizada da cidade, que coexiste com uma realidade de belezas e problemas sociais. Nesse sentido, serão apresentados os principais compositores da Bossa Nova e a sua relação com a cidade do Rio de Janeiro. Momentos marcantes desde o apogeu às criticas são relatados e analisados no decorrer deste capítulo, que termina com a chegada da ditadura militar e o “fim anunciado” da Bossa Nova frente ao novo contexto nacional. O movimento perde força, passa a sua segunda fase e com o tempo, as produções musicais são feitas em sua maioria no exterior. Para este capítulo, autores, compositores e músicos, bem como canções e filmes foram utilizados como base teórica. Por fim, no capítulo IV será analisada a relação entre a Bossa Nova e a cidade do Rio de Janeiro através das letras das canções que faziam alusão clara a paisagens, cenários, signos e características cariocas. Após retratar a “cidade cantada”, será enaltecida a importância da Bossa Nova para o país e, em especial para a cidade do Rio, através da analise dos legados cultural, musical e turístico deixados por ela, bem como da sua reconhecida importância como patrimônio nacional e carioca. Em seguida, a criação de roteiros turístico- musicais a partir da Bossa Nova na cidade do Rio de Janeiro será analisada e a obra de Ruy Castro – importante jornalista e escritos que dedicou quatro de suas obras literárias a falar da relação entre o Rio e a Bossa Nova – será utilizada como principal embasamento teórico. Enfim, após analisar tais temáticas, será apresentada a relação específica entre a Bossa Nova, a mídia e o marketing turístico carioca ainda hoje, apesar do fim de sua produção musical. Exposto todo o conteúdo citado e feitas todas as análises e ponderações, este trabalho se encerrará com a apresentação das considerações finais, retomando os objetivos iniciais e pondo à prova as hipóteses que pautaram o presente trabalho. Em anexo ao trabalho, estão as letras das músicas citadas no decorrer do texto, assim como a lista de figuras.

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1 TURISMO E IMAGENS

Fenômeno social complexo, dinâmico e passível de múltiplos olhares, o turismo teve seu desenvolvimento como atividade socioeconômica bastante relacionada aos avanços científicos e tecnológicos, que marcaram a segunda metade do século XIX e o século XX. Neste período, as viagens turísticas passaram a ser um “imperativo social” diante do novo contexto de maior fluxo e troca de informação, dos avanços nos meios de transporte e tecnológicos. No decorrer do século XX, o turismo ganhou força em todo o mundo e, atualmente, destaca-se como um dos mais expressivos fenômenos sociais e uma das atividades econômicas mais lucrativas do setor de serviços, que apresenta em geral crescentes índices de empregabilidade e participação no Produto Interno Bruto (PIB) dos países, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT). Fatores como a globalização e os avanços na área de transportes e de tecnologia da informação também são cruciais para o desenvolvimento da atividade turística, visto que rompem com barreiras geográficas e socioeconômicas, permitindo a difusão e instantaneidade da troca de informação, e a maior mobilidade dos indivíduos pelo mundo. As inovações tecnológicas facilitaram os deslocamentos e estimularam nas pessoas o desejo de viajar, corroborando para que o turismo se tornasse um dos “objetos de consumo mais desejados da população desse novo século”. (CAMPOS, 2005). Diante deste cenário, o turismo passou a ser objeto de estudo de profissionais e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, dispostos a analisá-lo em sua complexidade, definir conceitos, elaborar fundamentos, áreas de abrangência, código de ética, formas de planejamento e técnicas de implementação, observando e minimizando os seus impactos. De acordo com a Organização Mundial do Turismo (2001, p.38), “o turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócio ou outras”. Não se restringindo apenas a uma atividade econômica, o turismo passou a ser compreendido como um fenômeno social, em constante transformação, motivado principalmente pela busca das pessoas pelo melhor 18 aproveitamento do seu tempo livre, pela satisfação de necessidades relativas ao seu bem-estar e por experiências únicas e agregadoras. Segundo Alexandre Panosso Neto, “a melhor forma de definir turismo é utilizando o termo fenômeno, que significa a ação objetiva e intersubjetiva que se manifesta em si mesma, que pode ser apreendida pela consciência e que possui uma essência em si.” (2005, p.144). Já Mario Beni (2003, p.35) afirma que o turismo é um “fenômeno tão grande e complexo que se torna praticamente impossível de expressá-lo corretamente.” Entretanto, o próprio autor conceitua o turismo como um complexo processo, no qual fatores como realização pessoal e social, de natureza motivacional, econômica, cultural, ecológica, entre outros de natureza tanto material quanto subjetiva, influenciam na escolha dos destinos pelo turista. Sob outra ótica, Salah-Eldin Wahab compreende o turismo como:

[...] uma atividade humana intencional, que serve como meio de comunicação e como elo de interação entre os povos, tanto de dentro de um país como fora dos limites geográficos dos países. Envolve o deslocamento temporário de pessoas para outras regiões, países ou continentes, visando à satisfação de necessidades outras que não o exercício de uma função remunerada. Para o país receptor, o turismo é uma indústria cujos produtos são consumidos no local formando exportações invisíveis. Os benefícios desse fenômeno podem ser verificados na vida econômica, política, cultural e psicossociológica da comunidade. (1977, p.63).

De acordo com José Menezes (2004),

É próprio do homem buscar conhecer as diferenças culturais, intentar, compreender significados para as vidas de outros grupos sociais, visitar lugares que não são os seus para compreendê-los em sua espacialização histórica e cultural própria. (2004, p. 20).

Nesse sentido, podemos analisar que a prática do turismo tem um significado especial para os viajantes: representa a busca do “anti-cotidiano”, defendido por Krippendorf (1989, p. 27) como um aspecto das viagens, caracterizadas por serem ou funcionarem como uma válvula de escape do dia- a-dia, um ciclo de reconstituição característico da sociedade industrial, no qual as pessoas buscam aproveitar seu tempo livre para desligar, relaxar, distanciar-se da sua rotina diária. Não é à toa que destinos exóticos, culturas 19 diferentes, paisagens de sol e mar estão entre os mais procurados por turistas e viajantes de todo o mundo. O ato de viajar e a curiosidade do homem em relação ao desconhecido são, sem dúvida, muito antigos. Cada turista é único e, portanto, suas necessidades motivacionais também o são. John Urry, referindo-se às motivações que levam os indivíduos a viajarem, argumenta que:

os lugares são escolhidos para ser contemplados porque existe uma expectativa, sobretudo através de devaneios e fantasias, em relação a prazeres intensos, seja em escala diferente, seja envolvendo sentidos diferentes daqueles com que habitualmente nos deparamos. (1996, p.18).

Contudo, ao analisarmos os motivos que levam as pessoas a viajar, percebemos semelhanças no comportamento e nas expectativas do consumidor de turismo, que ocasionam a possibilidade de traçarmos determinados perfis. Por exemplo, a passividade é percebida como uma característica geral do turista Psicocêntrico – classificação de Stanley Plog (1977) para o turista que procura destinos conhecidos, serviços criados para pensar no turista; não corre riscos e não tem interesse particular em interagir com os residentes – isto é, aqueles que, em suas viagens, têm por objetivo principal distanciar-se do cotidiano, buscar descontração e entretenimento em lugares diferentes do habitual (geralmente destinos turísticos em voga), através de roteiros pré-estipulados, sem a preocupação de conhecer a fundo e interagir com o destino, a cultura e a população local. Já o turista Alocêntrico, de acordo com Plog, tem como principal objetivo a interatividade com o destino de sua viagem, motivado pela sua necessidade de vivenciar novos lugares, conhecer e participar da rotina e cultura dos seus habitantes, e viver experiências memoráveis. Em todo caso, cabe ressaltar que classificações, como as citadas acima, dentre diversas outras, são baseadas na percepção de autores e pesquisadores acerca do perfil comportamental, das motivações e das expectativas das pessoas em suas viagens, que levam a definições genéricas e, por vezes, restritivas. Todavia, pondera-se que o comportamento humano é dinâmico, mutável e até mesmo imprevisível, quando exposto a situações diferentes das habituais, como no caso das viagens, onde o fator emocional e a 20 curiosidade podem (ou não) ficar mais aguçados. Portanto, nos atermos apenas a classificações engessadas significa ignorarmos a dinamicidade do comportamento humano, que pode assumir posturas variadas e divergentes das previamente definidas e comumente percebidas nas classificações e tipologias do turismo. No campo das expectativas, o estudo do turismo e a sua análise como atividade torna-se ainda mais complexa. Frente à intangibilidade dos “produtos turísticos” – destinos com infraestrutura turística criada para atender a demanda de visitantes –, os agentes do trade turístico3 se deparam com o seguinte obstáculo: como trabalhar a promoção de um lugar, de forma a torná- lo atrativo e a ocasionar nas pessoas encantamento e expectativas em relação a ele? A resposta encontrada pelo marketing turístico foi o uso das imagens como a peça chave no processo de compra e venda de viagens e no momento de escolha do destino. A partir das imagens, os lugares são percebidos, lidos e interpretados, criados e recriados no imaginário dos turistas. Outros aspectos relevantes como o senso comum, os estereótipos, a cultura local, a sua paisagem, dentre outros são construídos imaginários sociais – de forma induzida ou não – isto é, referências socialmente compartilhadas que remetem as pessoas a representações e contribuem para a formação de identidades locais. No entanto, é importante termos em mente que, no turismo, “os fatores de motivação, que propiciam esse movimento pelo mundo, são inúmeros. Alguns são facilmente detectados; outros, por envolverem muita subjetividade, são difíceis de ser avaliados” (PANOSSO NETO, 2005). Um mesmo destino é passível de diversas interpretações que mantém uma íntima e dinâmica relação entre dois conceitos-chave: imagem e realidade. Nesse sentido, serão apresentados, a seguir, conceitos, linhas de pesquisa e autores de diferentes áreas de conhecimento, como as da sociologia, da antropologia e do

3 Trade turístico – organizações privadas e governamentais atuantes no setor de "Turismo e Eventos" como os Hotéis, Agências de Viagens especializadas em Congressos, Transportadoras Aéreas, Marítimas e Terrestres, além de Promotores de Feiras, Montadoras e Serviços Auxiliares (tradução simultânea, decoração, equipamentos de áudio visuais, etc.) (EMBRATUR, 1995). 21 marketing, que contribuirão para nos aprofundarmos na compreensão desta complexa relação entre turismo e imagens.

1.1. IMAGENS, ESTEREÓTIPOS E IMAGINÁRIOS SOCIAIS – CONCEITOS

[...] falar de imagem não significa se referir apenas a uma foto ou pintura, mas a todos os elementos que constituem uma narrativa visual específica e com vida (visualidade) independente. (GASTAL, 2005, p.50)

A visão sempre foi o sentido mais explorado e valorizado na comunicação humana, e, a imagem, seu principal produto, se apresenta como uma importante ferramenta de leitura, interpretação e compreensão da vida em sociedade. O fato é que, desde a Antiguidade, estudos vêm sendo realizados por de diversas áreas do conhecimento sobre as temáticas do real e do imaginário, na tentativa de compreender a relação existente entre estes dois universos. Considerado por muitos um tema intrigante, controverso e absolutamente passível de diferentes teorias, a formação ou criação de imagens pelo homem e pela sociedade, assim como pelo Turismo, está bastante relacionada à esfera da subjetividade e das percepções. O filósofo Platão é considerado um dos seus principais precursores, à época de 400 a.C. Estudos revelam que Platão defendia que o homem está em permanente contato com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A partir desta concepção, o filósofo criou a Teoria das Idéias, conhecida também como Teoria das Formas, a qual se constitui uma importante ferramenta para a compreensão deste assunto, visto que denota a existência de dois mundos paralelos – o Mundo das Idéias e o Mundo dos Sentidos. Segundo filósofos e estudantes das teorias de Platão, no Mundo das Idéias, a idéia é considerada pura, perfeita e inteligível, exatamente correspondente à realidade. Em contrapartida, no Mundo Sensível, a percepção do mundo material é considerada distorcida pela influência dos sentidos, que apreendem a realidade apenas em parte e contribuem para que haja uma projeção dela, uma representação do real que corresponde às imagens. As autoras Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins (1997), no livro Filosofando: Introdução à 22

Filosofia, compreendem que o mundo sensível é o universo "das essências imutáveis, que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos". Percebe-se, então, a forte ligação entre as imagens e as percepções, ambas influenciadas pelos sentidos. Com o passar dos séculos, esta temática continuou a ser estudada e, talvez por isso, haja na atualidade uma gama de autores, conceitos e teorias acerca do universo das imagens. Complementando ou pautando-se na teoria de Platão acerca da existência de dois domínios, no que tange ao real e às imagens, Lúcia Santaella e Winfried Nöth fazem a seguinte afirmação:

O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. (SANTAELLA; NÖTH, 2001, p.15)

A compreensão do aspecto abstrato e simbólico das imagens também se faz presente nas análises de Rosana Bignami (2002, p. 12), que afirma que a imagem “pode ser associada a um conjunto de percepções a respeito de algo, a uma representação de um objeto ou ser, a uma projeção futura, a uma lembrança ou recordação passada”. Susana Gastal, (2005, p.46) entende imagem como “visualidade concreta”, porém considera a existência das “imagens mentais, aquelas dos sonhos e de outras formas de trabalhos psíquicos”. Segundo o texto de Gastal, a imagem implica a presença de um observante que, a partir de um ponto de vista estabelecido, constitui visualmente um mundo possível, onde se estabelecem figuras situadas em um determinado tempo e espaço. O autor classifica imagem como uma conjectura de comunicação visual, na qual se materializa “um fragmento do universo perceptivo e que apresenta a característica de prolongar a sua existência ao longo do tempo”. Já na compreensão de Yacarim Barbosa (2001, p.31), “a imagem talvez seja um dos temas de maior relevância quando se trata do turismo”. A partir de suas possíveis criações, recriações e reproduções socioculturais, o turismo 23 trabalha a divulgação dos mais diversos destinos. As imagens, assim como as viagens, são abstratas e estão completamente relacionadas a percepções e identificação pessoal, o que torna o produto turístico singular e diferenciado dos demais. A imagem de um lugar pode ser definida como um conjunto de atributos formado por crenças, idéias e impressões que as pessoas têm sobre determinado local (KOTLER, P. et al., 2005, p.182-183). Segundo o autor, as imagens costumam representar a simplificação de inúmeras associações e fragmentos de informações e são produtos mentais que sintetizam múltiplas informações e impressões de determinados destinos. De acordo com Rosana Bignami (2002, p.16), a imagem sempre irá se constituir a partir de características que “se destacaram ou foram impostas como padrão representativo da realidade e que irão posteriormente caracterizá- la”, o que denota a relação entre imagem e estereótipo baseados em “sinais reconhecíveis do meio”, ou seja, que “representam idéias, às quais irão se unir uma provisão de imagens, escolhidas na grande confusão do mundo exterior com base no que a cultura já definiu”, proporcionando uma visão de mundo estereotipada. Nesse sentido, os estereótipos estariam relacionados a pré-concepções, pré-conceitos sobre alguém ou algum lugar, a partir de crenças que simplificam, classificam e categorizam o todo, respaldando a criação de imagens simplistas. Segundo Kotler:

Qual é a diferença entre uma imagem e um estereótipo? Um estereótipo sugere uma imagem amplamente difundida que é bastante distorcida e simplista, e que provoca uma atitude favorável ou desfavorável em relação à localidade. Uma imagem, por sua vez, é mais uma opinião pessoal que varia de indivíduo para indivíduo. (1994, p. 152)

Um claro exemplo de estereótipo seria o da mulher brasileira, geralmente associado à figura da mulata do corpo “cheio de curvas”, que esbanja sensualidade e anda com molejo e requebrado. Este estereótipo da mulher brasileira é salientado culturalmente pelo Carnaval, pelas músicas e até mesmo pela literatura. Tal percepção toma o todo por uma parte, sendo, então, uma noção generalista, pré-concebidas e não fundamentadas do real. No 24 entanto, apesar de muitas das vezes assumir um teor pejorativo acerca de algo, os estereótipos são comumente difundidos, isto é, socialmente compartilhados, o que, para o turismo, pode ser extremamente prejudicial. O fato é que imagens, estereótipos e imaginários são conceitos aparentemente iguais, por vezes confundidos pelas pessoas. Sob o ponto de vista de Susana Gastal (2005, pag.12-13):

[...] pode-se dizer que também haverá em comum, nos diferentes tipos de deslocamento, a presença de imagens e imaginários. Imagens porque, na própria cidade ou no estrangeiro, antes de se deslocarem para um novo lugar, as pessoas já terão entrado em contato com ele visualmente por meio de fotos em jornais, folhetos, cenas de filmes, páginas da internet ou mesmo por velhos e queridos cartões-postais. Imaginários porque as pessoas terão sentimentos, alimentados por amplas e diversificadas redes de informação, que as levarão a achar um local „romântico‟, outro „perigoso‟, outro „bonito‟, outro „civilização‟.

A criação e difusão de imaginários sociais a partir de imagens e estereótipos, também se constituem uma importante abordagem a ser destacada na relação entre o turismo e o universo das imagens. Michel Maffesoli (2001) defende que “não é a imagem que produz o imaginário, mas o contrário. A existência de um imaginário determina a existência de um conjunto de imagens. A imagem não é suporte, mas resultado”, e em sua fala cita, para exemplificar, a cidade de Paris e o imaginário que a cerca:

Há um imaginário parisiense que gera uma forma particular de pensar a arquitetura, os jardins públicos, a decoração das casas, a arrumação dos restaurantes, etc. O imaginário de Paris faz Paris ser o que é. Isso é uma construção histórica, mas também o resultado der uma atmosfera e, por isso mesmo, uma aura que continua a produzir novas imagens. (Maffesoli, 2001, apud Gastal, 2005).

A partir de tais ponderações, compreende-se que a imagem é trabalhada no sentido de fomentar a curiosidade e as expectativas do turista, utilizando-se de idéias, símbolos e representações mais voltadas aos anseios do turista do que à realidade do espaço. Conforme o entendimento de Gastal (2004) o turista preenche os territórios ou lugares desconhecidos com os imaginários que tem sobre eles. Esta colocação denota que a visão do turista não se furta da imaginação, contudo, também não se prende à retina ou a materialidade do 25 que observa, havendo um misto entre a realidade e a idealização do real no seu olhar e nas suas percepções. De fato, certas vezes, as imagens levantadas pelas campanhas publicitárias “levam o turista a confundir o lugar ideal com o lugar real, fato que somente é elucidado após a consumação da visita” (Coriolano apud Brito, 2002, p.20) e que pode ocasionar situações de desconforto e frustração para os turistas e, consequentemente, um marketing negativo do local visitado. Sendo assim, constata-se que somente ao vivenciar a cidade o turista poderá construir as suas próprias impressões, que possivelmente estejam pautadas na relação entre as suas expectativas e as suas experiências de viagem.

1.2. A FORMAÇÃO DA IMAGEM TURÍSTICA DOS LUGARES

Os olhos são verdadeiros instrumentos de observação. Na medida em que olhamos as paisagens, analisamos também a sua imagem, seja ela prévia ou associada instantaneamente. As tecnologias que geram apelo visual são recursos largamente utilizados no turismo para a promoção de destinos, confirmando a máxima popular de que a publicidade é a alma do negócio. No turismo a maneira como um lugar será visto e percebido pelas pessoas é uma das questões centrais no desenvolvimento da atividade e a produção de imagens turísticas se demonstra como uma prerrogativa inicial. Na tentativa de entender e definir como se processa a formação da imagem turística dos lugares, cabe analisar a visão dos principais autores e estudiosos do tema, contrapondo abordagens diversas. Bignami (2002) afirma que a imagem turística de um lugar deve ser considerada a partir de dois níveis, um orgânico e um induzido, sendo a imagem orgânica a imagem inicial, que se desenvolve a partir dos conhecimentos obtidos acerca de um lugar, por meio da educação, das artes e da socialização, e a imagem induzida, um resultado da divulgação turística de um lugar. Na mesma linha de raciocínio, a autora denomina ainda um outro conceito de imagem – a imagem complexa, que se forma no momento em que o turista mantem uma relação direta com o local. Tal compreensão nos leva a 26 perceber a complexidade da formação de imagens para o turista, a qual se inicia antes mesmo da sua estada. Complementando este viés de entendimento, em seu texto, Bignami (2002, p.16) considera a existência de uma imagem primaria ou inicial construída a respeito do lugar, e que existe previamente à motivação para realizar uma viagem. Bignami (2002, p.16) aponta para uma situação onde o turista não possui nenhuma imagem inicial ou orgânica do local, fazendo com que a primeira imagem coincida com a obtida através da divulgação da localidade, ou seja, com que a imagem primária se torne a imagem induzida. Nesse sentido, acredita-se que a imagem de um lugar é formada a partir de um processo cognitivo que se dá através da assimilação das informações difundidas pelos agentes envolvidos com a atividade turística, bem como de conceitos obtidos por meio da produção cultural, ou dos meios de comunicação, como filmes, músicas ou reportagens. Cabe ressaltar a existência de três principais atores no processo de criação de imagens turísticas – os agentes turísticos, a mídia e os turistas – ambos com participação ativa e dinâmica. Nesse sentido, Gastal (2005) ressalta que, na “sociedade da imagem”, o público não apenas estará “saturado por sofisticados acervos de memória disponibilizado pela fotografia, pelo cinema e pela televisão, criando museus imaginários pessoais”, o que implica no fato de que a formação de imagens seja influenciada não apenas pela percepção das pessoas como também pelo que já existe previamente a este contato, sejam fotografias, músicas, filmes ou demais símbolos e representações. O turismo faz parte de um mundo de símbolos, ideias, sonhos e representações, pois é, antes de tudo, um conjunto de pré-concepções e percepções de imagens e valores de significado cultural, construído por quem viaja antes mesmo da experiência realizada. (Coriolano apud Brito, 2002, p.5). Sob a ótica do marketing, Philip Kotler afirma que:

Os espaços são compreendidos e percebidos de formas distintas, a partir da somatória dos aspectos materiais com os perceptuais ou mentais, que em conjunto formam a imagem do lugar. Definimos imagem de um lugar como um conjunto de atributos formado por crenças, idéias e impressões que as pessoas têm desse local. As imagens costumam representar a simplificação de inúmeras associações e fragmentos de informações e são o produto da mente 27

tentando processar e enquadrar enormes quantidades de dados relacionados a um lugar. (2005, p.182)

Segundo Kotler 2005 (apud Bignami, 2002), a imagem de um lugar pode ser entendida como um conjunto de crenças, ideias e impressões que as pessoas assimilam sobre ele, sendo portanto um síntese das diversas informações relacionadas com o lugar; um somatório de aspectos tangíveis (reais) e de aspectos puramente perceptuais, os quais podem ser manipulados pelos sentidos e por agentes externos como a mídia e a publicidade para fomentar o imaginário das pessoas por meio de representações. Na lógica do marketing, estas representações estão muito mais voltadas para os anseios e expectativas do turista do que à realidade do espaço, tornando-se as imagens muitas vezes mais importantes do que o “produto” a ser consumido, havendo então uma sobreposição e uma projeção da realidade. Há ainda de se considerarem os casos em que o turista não tenha nenhuma imagem formada do destino para o qual viajará, havendo apenas em sua mente informações soltas e difusas. Neste caso, “a imagem primária será a imagem induzida” (BIGNAMI, 2005, p.16) e os estereótipos podem vir a influenciar na percepção final do destino. Ainda conforme a autora, o olhar do observador tenderá a “reproduzir o objeto observado da maneira como ele o entendeu e aprendeu, mediante suas imagens já constituídas e memorizadas em seu processo de aprendizagem.” (BIGNAMI, 2005 p.17). Alguns destinos destacam-se por suas imagens e representações, associações imediatas. Paris, a Cidade Luz, ícone do romantismo, moda e da sofisticação, é sem dúvidas um dos destinos mais procurados por casais em lua de mel; Roma, a Cidade Eterna, roteiro dos adeptos de turismo cultural; e Nova York, a “Cidade que nunca dorme”, sinônimo de compras, negócios, modernidade e entretenimento. A cidade do Rio de Janeiro também se encaixa nesse contexto: a mundialmente conhecida Cidade Maravilhosa é também chamada de Cidade dos Contrastes, Cidade Bossa Nova, Capital do samba, do Carnaval e das mais belas mulheres brasileiras. De acordo com Sandra Pesavento (2007), “é por meio dessas representações que o espaço se transforma em lugar, portador de um significado e de uma memória”. Ainda citando a autora: 28

A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e os representam. Assim, a cidade é um fenômeno que se revela pela percepção de emoções e sentimentos dados pelo viver urbano e também pela expressão de utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade propicia. (PESAVENTO, 2007)

De maneira geral, o termo representação se refere a imagens, signos, símbolos, figuras ou outras formas de substituição restrita da coisa que se quer registrar. Porém, nesse sentido, a representação deverá ser entendida como um objeto material, concreto, que pertence ao domínio das imagens como representações visuais e que se origina e traduz uma representação mental. O fenômeno turístico pode influenciar de forma direta na imagem dos destinos mistificando a realidade dos lugares e revalorizando traços culturais. A imagem turística de um lugar é resultante de um complexo processo que inclui a cognição, as percepções, as expectativas e os agentes externos, dentre os quais a cultura, a mídia e a publicidade se sobressaem.

1.3. O PAPEL DAS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE DOS DESTINOS

Para além de um fenômeno social altamente consolidado, o turismo é antes de tudo uma atividade extremamente comunicacional que permite a criação e reprodução social de imagens e imaginários. Na percepção de Droguett e Cunha (2004, p.150), há “na práxis do Turismo uma ação comunicativa inscrita nas imagens audiovisuais que a mídia promove para o exercício da crítica a respeito da conquista do espaço físico e humano, do qual somos todos responsáveis”. Ambos os autores consideram que a mídia é “[...] o principal instrumento de mediação entre os agentes humanos e comerciais do Turismo” (2004, p.146). Os lugares ganham a conotação de destinos turísticos e passam a ser a matéria-prima para que se construa e se promova uma imagem atrativa, cuja função é despertar nas pessoas uma vontade irresistível e por vezes a necessidade de conhecer e vivenciar um determinado local. Percebe-se, 29 portanto, que explorar as imagens dos destinos através da divulgação se constitui uma estratégia do marketing turístico. Nesse contexto, o marketing turístico assume um papel de destaque no planejamento e desenvolvimento da atividade, consagrando, redescobrindo e até mesmo (re)criando destinos. Kotler (2005) afirma que “Sem uma imagem original e diferenciada, um lugar potencialmente atraente pode passar despercebido em meio ao vasto mercado de lugares disponíveis”. Ainda de acordo com o autor, a imagem turística de um lugar pode ser classificada da seguinte forma: excessivamente atraente – atrai públicos em demasia, sem ter a condição de atender suas demandas; positiva – o lugar é bem visto por seus públicos; fraca – não é clara a imagem do lugar, não há evidência de aspectos relativos ao lugar; contraditória – quando aspectos negativos e positivos coexistem sobre o mesmo lugar; negativa – a imagem é vinculada a aspectos negativos. Entende-se que a classificação das imagens turísticas é dinâmica e extremamente sensível a percepção da demanda acerca da qualidade e da veracidade das informações publicitárias divulgadas. “A imagem de um lugar pode mudar rapidamente quando os meios de comunicação e a propaganda boca a boca disseminam notícias a seu respeito” (Kotler, 2005, p.182). Sob a compreensão de Ruschmann (1999), o marketing é, portanto, muito mais do que a modernização das técnicas de venda: é um conceito voltado para o consumidor buscando identificar e satisfazer necessidades e desejos. Já Mario Beni afirma que “o marketing de turismo pode ser definido como um processo administrativo através do qual as empresas e outras organizações de turismo identificam seus clientes (turistas), reais e potenciais, e com eles se comunicam para conhecerem e influenciarem suas necessidades, desejos e motivações nos planos local, regional, nacional e internacional em que atuam, com o objetivo de formular e adaptar seus produtos para alcançar a satisfação ótima da demanda” (Beni, 2003). Gastal (2003, p.57), compreende que “Trabalhar no turismo significa alimentar, reforçar ou renovar imaginários, para além das propostas de marketing”. Para “produtos” intangíveis, como é o caso do turismo, a publicidade assume ainda maior importância e, por outro lado, maior risco e dificuldade de se implementar, afinal, vender o intangível é vender imagens. Para atingir os diferentes tipos de público, técnicas como exaltar as 30 características positivas presentes na paisagem, dar ao lugar ares paradisíacos, enfatizar as experiências que poderiam ser vivenciadas na viagem e os sentimentos como a felicidade e a realização são algumas das estratégias adotadas pelos agentes turísticos para criar, consolidar e promover imagens turísticas. A apropriação das características e elementos pré- existentes no espaço, de maneira a mistificar o lugar, agregar-lhe valor turístico e dessa forma, fomentar o imaginário dos turistas torna-se o objetivo específico do marketing turístico e como artifícios são usados a mídia, os canais de comunicação, as fotografias, os cartões postais e os souvenires como meios de tangibilização dos lugares e viagens, conferindo-lhes um aspecto palpável, uma maneira de levar mais do que recordações para casa. Neste momento, é pertinente ressaltar a consideração de Urry:

A fotografia, portanto, está intimamente ligada ao olhar do turista. As imagens fotográficas organizam nossas expectativas ou nossos devaneios sobre os lugares que poderíamos contemplar. Quando estamos viajando, registramos imagens daquilo que contemplamos. Escolhemos parcialmente para onde ir, a fim de capturar imagens em um filme. A obtenção de imagens fotográficas organiza em parte nossas experiências enquanto turistas. Nossas recordações dos lugares onde estivemos são estruturadas em grande medida através das imagens fotográficas e o texto, sobretudo verbal, que tecemos em torno dessas imagens quando as mostramos para os outros. (1996, p.187).

Como se pode notar, trabalhar com a imagem de um destino é algo bastante complexo. O turismo é bastante influenciado por fatores externos e macro-ambientais, tais como propaganda, o clima, tensões políticas, fenômenos naturais, crises, taxas de câmbio, moda, entre outros. Por não ser um consumo essencial, é entendido com supérfluo e sendo substituído. Explica-se assim o fato do turismo ser entendido como elástico, intangível, perecível, inseparável, sazonal, imaterial, heterogêneo e ainda, fazer parte do setor de serviços, por estar intimamente relacionado ao universo das imagens e das percepções.

A comunicação turística serve para entendermos melhor o papel do marketing para o turismo, porque ela é uma portadora de imagens que são feitas. A comunicação se faz através dos veículos da mídia, mas ela é feita também pelos profissionais que trabalham na área, o recepcionista de um posto de informações, o guia de turismo, o monitor de um atrativo histórico-cultural. Os turistas também fazem a 31

comunicação pois emitem mensagens para outros turistas. É esta dimensão humana que faz a riqueza do turismo. (YASOSHIMA, 2004, p.12)

O marketing turístico é, portanto, compreendido como uma estratégia vital, cuja principal função é promover o destino de maneira a encantar, seduzir, emocionar o turista. Porém, nem sempre o marketing é desenvolvido desta forma e o poder de persuasão pode vir a ser usado em virtude de criar falsas imagens dos destinos, ocasionando nos turistas expectativas não correspondidas e frustrações. “Não se trata de informar o real. A publicidade não fala jamais do produto do qual ela construiu a imagem: pela metáfora, que consiste em designar o real fazendo referência a um outro real, a publicidade contorna o real.” (ROSEMBERG, 2000, p.60) É justamente este o cerne da polêmica em torno do marketing turístico. A questão central é de que forma o turismo se apropria das características naturais e culturais do destino para a criação e promoção da imagem turística dos mesmos? Este questionamento será o viés deste trabalho e conduzirá as analises que se seguem acerca da imagem turística da cidade do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa.

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2. A (RE)CRIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO E DE SUA IMAGEM

O Rio de Janeiro é um estado de extrema importância no contexto nacional. Foi eleito a capital do país e assim permaneceu durante um período de quase 200 anos, compreendido entre 1763 e 1960, no qual foi palco de diversos acontecimentos e importantes eventos da história nacional. Localizado na região sudeste do Brasil, o Rio de Janeiro é um estado de pequenas proporções territoriais (43,6 km²), mas que resume bem o país em sua diversidade social, cultural e econômica. A capital fluminense, alcunhada de Cidade Maravilhosa, está atualmente entre as mais belas e famosas do mundo, alcançando uma projeção internacional jamais vista. Descrever a cidade do Rio de Janeiro não é uma tarefa fácil, afinal são várias as características e particularidades deste lugar. A praia é incontestavelmente um espaço de interação e integração entre os cariocas e os visitantes da cidade. São cerca de 30 quilômetros de orla que vai do Leme ao Pontal e forma um cenário paradisíaco, marca registrada do Rio. Nela, é possível encontrar durante todo o dia, inclusive nos dias de inverno, pessoas caminhando ou pedalando nos calçadões da orla, desfrutando da paisagem e da brisa do mar. As praias fazem parte do dia a dia do carioca e possivelmente por este motivo exerçam tamanha influencia tanto no seu estilo de vida quanto na imagem que se faz dele. Quanto a isso, a historiadora e pesquisadora Monica Velloso (1986) afirma que já na década de 1920, o Rio de Janeiro era descrito como uma “cidade contemplativa, cercada de montanhas, olhando o mar” e o carioca como um povo dotado de “instinto de navegação, que o faria debruçar-se saudoso ao cais, sempre em busca de novos horizontes”. Contudo, sintetizar o Rio a belas praias não seria justo, a cidade tem muito mais a oferecer. A supervalorização da orla marítima como o principal atrativo turístico da cidade é também de certa forma uma ação restritiva pois se sobrepõe a diversidade cultural e a rica história carioca. Inclusive, diversidade e o contraste talvez sejam as palavras-chaves para compreender a identidade urbana desta cidade, que apresenta ainda hoje importantes marcas da presença européia no país, desde a época da colonização até o Império. 33

A cidade que nasceu de frente para o mar possui uma topografia privilegiada que a emoldura e ainda mantém viva a maior floresta urbana do mundo, a Floresta da Tijuca, além de Parques e Lagoas em sintonia com o lugar. Bairros boêmios e badalados da Zona Sul e do Centro do Rio aparecem nas suas principais representações e durante os séculos, em especial no século XX, passaram por uma série de intervenções e reformas para adaptarem-se a modernidade, agregando valores e expressões culturais que compuseram o imaginário que ronda esta cidade múltipla e democrática. A construção da cidade do Rio de Janeiro e a atual imagem que se faz dela são frutos de um projeto consecutivo (porém descontinuo) de transformação e modernização, o que possivelmente seja a raiz de problemas urbanos e sociais ainda vistos. Aparentemente não houve o devido gerenciamento unificado das ações relativas a urbanização da cidade, geralmente feitas de forma acelerada, imediatista e pouco planejada. As favelas cariocas são um claro exemplo deste processo e também constituem uma famosa representação da cidade. Apesar de terem sido vistas durante muitas décadas de forma pejorativa, como um lado negativo do Rio, atualmente o que se percebe é a inversão deste conceito através do reconhecimento das comunidades como ambientes mais humanitários e até mesmo turísticos – assunto bastante polêmico e plausível de debates com viés ético e social. No que tange a este assunto, é inegável que as recentes medidas pacificadoras tomadas pelo Governo Federal e Estadual através das instaurações de UPP‟s (Unidades de Polícia Pacificadora) nas comunidades sejam importantes intervenções e estejam contribuído para desmistificar o imaginário de medo e impunidade associados as favelas, ressalvando certas proporções. Rio de tantas maravilhas, de tantas desigualdades; de tantas belezas e de tantos contrastes. “Cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”4. Como se percebe, a vocação turística carioca não está relacionada apenas as suas belezas naturais, mas também a uma série de elementos e símbolos aos quais seremos apresentados a seguir, no intuito de remontar o processo de criação de sua imagem.

4 Trecho retirado da música "Rio 40 Graus”, composta por Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Carlos Laufer, gravada por Fernanda Abreu no álbum Sla 2 Be Sample, em 1992. 34

2.1. MARCOS HISTÓRICOS PRECEDENTES

Logo no início do século XIX, mais precisamente no ano de 1808, a Família Real e a Corte Portuguesa vieram para o Brasil devido a um contexto mundial bastante instável ocasionado pela ameaça de invasão e tomada de territórios pelo francês Napoleão Bonaparte. Segundo o historiador Luiz Alencastro (apud Machado, 2008, p.38) “No total, pelo menos quinze mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período”, somando-se a Família Real, a Corte e seus respectivos servos. Contudo, o Rio de Janeiro – capital do Brasil Colônia – não tinha infraestrutura para receber e acomodar tamanha quantidade de pessoas, acostumadas ao clima e aos padrões de vida europeus. Foi então que teve início uma série de reformas estruturais e arquitetônicas no estado, em especial na cidade carioca. Já nesta época, havia a intenção do então Príncipe Regente, D. Pedro I, de dar “ares” de modernidade ao local, baseados na civilização européia. Tais reformas eram de fato necessárias, afinal o contingente populacional crescera abruptamente e para acomodá-lo a solução encontrada foi em detrimento da população carioca: o confisco de residências feito pelo Príncipe Regente, representado pelas letras “PR” escritas nas casas que seriam tomadas. Estas letras ganharam a conotação de “ponha-se na rua” pela população e o fato já demonstra a história de exclusão vivida pela camada social mais pobre no Brasil. O cenário encontrado na época pela Corte Portuguesa no Rio era extremamente insalubre e melhorias como pavimentação, iluminação pública, abastecimento de água, entre outras, tiveram que ser feitas de imediato. O urbanismo veio acompanhado da arquitetura e do paisagismo típicos europeus, trazidos para o Brasil através de importantes construções como o Palácio da Quinta da Boa Vista, o Jardim Botânico – inicialmente chamado de Real Horto, o Paço Imperial, a Biblioteca Real e o Museu Real – atualmente conhecidos como Biblioteca Nacional e Museu Nacional, a Academia de Bela- Artes, entre outras heranças deixadas para cidade carioca. Além disso, no que tange as melhorias infraestruturais feitas na cidade, foram criados hospitais, igrejas 35 católicas, escolas, bancos (inclusive o Banco do Brasil) e o primeiro jornal carioca, a Gazeta do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro tornou-se a residência fixa da Corte Portuguesa no Brasil e ganhou o status de Reino Unido de Algarves. Nesta época, com a Abertura dos Portos e com os novos Tratados de Aliança e Amizade, muitos imigrantes, dentre eles artistas e comerciantes estrangeiros, vieram para o Rio de Janeiro aumentando ainda mais o número de moradores da cidade que, sem o planejamento urbano adequado, crescia desordenadamente. Paralelamente a isso, eram importados e introduzidos na cultura nacional os padrões de vida e comportamento de diferentes países europeus, o que contribuiu para a diversidade cultural percebida ainda hoje no Brasil, em especial em suas principais capitais, como é o caso do Rio. Percebe-se então que o Porto não desempenhava apenas uma função comercial, pelo contrário, através dele riquezas nacionais eram levadas a baixo custo e “estrangeirismos” eram trazidos e incorporados como o que há de melhor e mais moderno. Ainda neste século, dois grandes marcos ocorreram na história nacional: a Proclamação da Independência do Brasil, por D Pedro I em 1822 e a Proclamação da República, que decretava o fim do Império, em 1889, por Marechal Deodoro da Fonseca. Tais episódios representaram importantes momentos de transição, repletos de pressões políticas, nacionais e internacionais, em meio a um contexto social instável e de descontentamento popular. Contudo, estas mudanças foram consideradas grandes passos rumo a democracia e, por terem se dado na capital nacional, ganhavam maior evidência e visibilidade. Neste meio tempo, por volta do meado do século XIX, iniciava-se no Brasil (em especial no Rio de Janeiro) o período conhecido como Belle Époque, que perduraria até as primeiras décadas do século XX em vias de implementar mudanças e transformações urbanísticas baseadas em moldes europeus para trazer ares de modernidade ao país. O Brasil também beneficiou-se muito com as obras e grandes empreendimentos do banqueiro e diplomata mais famoso do Império: o Sr. Irineu Evangelista de Souza, conhecido como Barão e, mais tarde, como Visconde de Mauá. Responsável pela construção da primeira ferrovia brasileira, nomeada Estrada de Ferro Mauá, e pela Companhia de Iluminação e Gás do Rio de Janeiro, o Visconde de Mauá promoveu inovações que 36 contribuíram significativamente para o avanço da capital do país, atraindo investimentos estrangeiros e imigrantes que instalaram-se nas localidades onde atualmente encontram-se os bairros que formam a Zona Sul do Rio de Janeiro, lugar de privilegiada paisagem. O Rio de Janeiro “reinava” absoluto dentre os demais estados nacionais no início do século XX: era a capital federal do país que vivia um período de desenvolvimento e crescimento econômico. A cidade destacava-se como o principal centro irradiador de cultura para as outras cidades brasileiras, ou seja, era a representação clara de uma vitrine nacional e estava aos poucos sendo adequada aos moldes estrangeiros. O Rio de Janeiro tornou-se a principal representação brasileira, por suas expressões culturais e históricas, e ainda sediava importantes instituições como o Banco do Brasil, indústrias, ferrovias e um porto bastante movimentado. Em contrapartida a todos estes avanços, era notório que a capital do Brasil, em especial o centro da cidade, apresentava uma série de problemas urbanos e estruturais, o que fazia com que fosse considerado insalubre. Havia na cidade um claro “paradoxo” entre as belas paisagens da Zona Sul, com o apelo da vista para o mar, e a situação miserável do centro e dos seus arredores.

2.2. AS REFORMAS E A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA VITRINE NACIONAL

No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro ainda era considerada bastante insalubre e enfrentava sérios problemas urbanos e sociais, portanto era consenso a necessidade de reformas e transformações. Nessa época, doenças graves como febre amarela, varíola, peste bubônica e tuberculose tornavam-se epidemias devido a falta de higiene e a pouca ventilação no centro e, com isso, afetavam grande parte da população que vivia nas ruas do centro da cidade, nos chamados cortiços e em casarões antigos – ambos construções coletivas e precárias com pouco ou nenhum saneamento básico, que abrigavam uma grande quantidade de pessoas à margem do acesso a educação e saúde. Os índices de mortalidade eram muito elevados e 37 o Governo se viu obrigado a tomar medidas para “solucionar” o problema. No entanto, segundo Machado (2008):

Somente no início do século XX, mais precisamente a partir do governo do Presidente Rodrigues Alves, a realidade atrasada da cidade começou a mudar e o projeto da modernidade, não apenas para o Rio de Janeiro, mas para o Brasil, começou então a se tornar realidade. (MACHADO, 2008, p.66)

Em 1902 Rodrigues Alves assume a presidência do país em meio a este contexto e deixa clara a proposta de remodelar a cidade, deixando-a mais bela, moderna e saudável. Ora, acreditava-se que a capital federal necessita ser uma vitrine nacional e, por conseguinte, um belo cartão-postal. Então, nada mais plausível do que reformar a cidade. Tendo por slogan “O Rio civiliza-se!”, criado pelo jornalista Figueiredo Pimentel na coluna Binóculo, da Gazeta de Notícias, esse ideário de transformação da paisagem urbana se refletia também na paisagem social. As reformas urbanas iniciaram-se em 1903, sob administração do então prefeito do Rio de Janeiro, o engenheiro Francisco Pereira Passos, responsável por implementar o Plano de Embelezamento e Saneamento da Cidade do Rio, que visava fazer intervenções sanitárias, viárias e estéticas baseadas na reformulação do Plano de Melhoramentos de 1875, idealizado a partir do Plano de Remodelação parisiense. Dessa forma, fica evidente a intenção do Governo nacional de reestruturar o Rio de Janeiro de acordo com a estética urbana francesa. Tais medidas exerceriam influência na história, na cultura e no comportamento dos cariocas e principalmente, na construção desta nova imagem da cidade, fortemente influenciada pelos ideais modernistas europeus. Ocorreram importantes transformações políticas, sociais, culturais e econômicas que redefiniram a configuração da cidade, a então capital federal.

O projeto do Rio de Janeiro para ser o passaporte do Brasil para o mundo moderno seria construído com o progresso, (...), ou seja, a entrada triunfal do país na modernidade seria através da Cidade do Rio de Janeiro, desde que “radicalmente modificada em seu corpo físico, urbanístico e arquitetônico, com sua população fecundada pelos fluxos imigratórios e sua cultura renovada pela absorção integral do mundo francês”. Há aí a clara intenção de fazer do Rio de 38

Janeiro a “Paris dos Trópicos”. (LESSA, 2000, apud MACHADO, 2008, p.66)

O principal o objetivo do Plano era o embelezamento da cidade e acreditava-se que isso só seria possível com a erradicação dos cortiços do Centro, retirando a população pobre, afastando as doenças e assim revitalizando o lugar. A idéia era alargar, pavimentar e arborizar as ruas principais, transformando-as em avenidas centrais. Para isso, seriam necessárias demolições dos morros e desapropriações das pensões, casas de cômodo e cortiços do centro, conhecidos como “cabeças de porco”. As reformas do Porto do Cais do Rio de Janeiro (obras para drenagem e construção de muralha do cais, além de colocação de trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina e linhas do Cais do Porto), juntamente as obras do Canal do Mangue, a demolição do Morro do Senado e abertura de grandes avenidas como a Avenida Central (atual Av. Rio Branco), Avenida Mem de Sá, Avenida Passos, Avenida Francisco Bicalho e Avenida Rodrigues Alves no Centro, além da Avenida Atlântica, em Copacabana, trouxeram as desejadas melhorias em relação à acessibilidade, estética e ventilação. Além disso, reformas no Passeio Público, Praça XV, Praça Tiradentes e Largo da Lapa foram feitas, paralelamente a obras de escoamento das águas pluviais, demonstrando preocupação com esgotamento sanitário e com o sistema de abastecimento de água, bastante precários na época. Segundo Castro (2001, p.120), “o Rio é transformado em uma metrópole, com boa parte do ar ainda colonial da cidade sendo substituída por uma aparência mais condizente com a belle époque das principais capitais européias”. Estas grandes reformas ficaram conhecidas como o “Bota-abaixo” de Pereira Passos e durante todo o período em que elas ocorreram houve resistência por parte das camadas mais pobres da sociedade carioca, principalmente pelo fato de serem elas as mais afetadas. Dentre as manifestações de resistência popular, a mais conhecida deste período foi possivelmente a Revolta da Vacina em 1904, desencadeada pela imposição do Governo na vacinação obrigatória. A vacina foi criada pelo cientista e sanitarista Oswaldo Cruz, nomeado Diretor Geral de Saúde Pública pelo presidente Rodrigues Alves, para minimizar a proliferação das “pestes” da 39

época, doenças descritas anteriormente, e reduzir as elevadas taxas de mortalidade na população carioca, em especial a população central.

A intenção era a de tornar o Rio uma Europa possível, e para isso era necessário esconder ou mesmo destruir o que significava atraso ou motivo de vergonha aos olhos das nossas elites. Vielas escuras e esburacadas, epidemias, becos mal afamados, cortiços, povo, pobreza destoavam visivelmente do modelo civilizatório sonhado.” (VELLOSO, 1988, p. 11)

Segundo o historiador André Nunes de Azevedo (2003), “Não houve apenas uma reforma urbana. Aconteceram duas reformas em paralelo, dois planos urbanísticos completamente distintos”. O autor acredita que as reformas urbanísticas propostas pelo Presidente Rodrigues Alves e implementadas pelo prefeito Pereira Passos tinham diferentes objetivos. A primeira propunha como idéia central que “a cidade precisava deixar de ser insalubre, pois, visto como porta de entrada da captação de imigração, o Rio preocupava a elite cafeicultora, que nesse momento estava em crise de mão-de-obra e dependia muito da imigração para sanar essa questão”. Já a reforma do prefeito Pereira Passos, segundo o autor, “estava menos preocupada com o tipo de progresso material que Rodrigues Alves buscava e mais centrada na ideia de civilização: Pereira Passos queria civilizar o Rio de Janeiro. Assim, ele convoca a população para se incluir, tomar contato com o Teatro Municipal e com a Escola de Belas-Artes, por exemplo”, afirma Azevedo (2003). No início da década de 20, a demolição do Morro do Castelo no Centro da Cidade do Rio de Janeiro tornou-se um episódio que também ganhou destaque na história carioca, dando continuidade às obras de saneamento e embelezamento iniciadas por Pereira Passos e Rodrigues Alves. Segundo historiadores, no lugar do antigo morro surgiu o bairro do Castelo, e os antigos moradores se deslocaram para o Morro do Borel, no bairro da Tijuca, originando a atual Favela do Morro do Borel. A terra retirada do Morro do Castelo foi usada para aterrar parte da Urca, Lagoa Rodrigo de Freitas, Jardim Botânico, área do Jóquei Clube e muitas áreas da Baía de Guanabara.

Embora fosse um sítio histórico, o morro havia se transformado em local de residência de inúmeras famílias pobres, que se beneficiavam dos aluguéis baratos das antigas construções ali existentes. Situava- se, entretanto, na área de maior valorização do solo da cidade, a dois passos da Avenida Rio Branco. Daí porque era preciso eliminá-lo, não 40

apenas em nome da higiene e estética, mas também da reprodução do capital. (ABREU, 1987, P.)

O fato é que a modernização da cidade ocasionou a perda de território para um enorme contingente de pessoas de baixa renda que moravam nos cortiços do centro da cidade e, por conta da falta de opção e da procura por locais próximos aos seus trabalhos, começaram a fazer construções igualmente precárias nos morros da cidade, formando as primeiras favelas, na região dos morros da Saúde e da Providência, no Centro. Segundo Jacqueline Lima, Doutora em Sociologia e Mestre em História Social da Cultura pela PUC-RJ, “a reforma urbana não só possuía uma dimensão física, mas também simbólica, já que o espaço estava sendo transformado na pretensão de que o Rio de Janeiro se tornasse àquilo que então era entendido como uma capital moderna”. Na construção desta nova imagem da cidade, os indivíduos foram se apropriando dos novos valores e tornando-se um dos seus principais elementos.

Nos projetos, passado e futuro se entrelaçavam, ambos idealizados e ambos no rastro dos modelos e paradigmas estéticos da Europa Ocidental. Ao recolher fragmentos do passado e monumentalizá-los nas edificações propostas, os arquitetos “inventaram uma tradição” que buscava apagar as raízes portuguesas e coloniais para sublinhar uma origem mítica. (HOBSBAWN & RANGER, 1997)

Mais uma vez, como no período da chegada da Família Real e da Corte Portuguesa, percebe-se a intencional tentativa de re-criação da imagem da cidade do Rio de Janeiro através de mudanças e reformas baseadas em moldes europeus, que respaldassem a arquitetura e o paisagismo no planejamento urbano, obviamente colocando a estética do belo em detrimento do “feio”, que seriam a pobreza, a insalubridade e os problemas sociais, mascarando-os ou simplesmente afastando-os das vistas do povo estrangeiro.

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2.3. CIDADE MARAVILHOSA: A PRIMEIRA IMAGEM TURÍSTICA DO RIO

Ainda no início do século XX, mais precisamente no ano de 1908, a cidade do Rio de Janeiro comemorava o centenário da chegada da Família Real Portuguesa no Brasil. Em homenagem ao fato, o jornalista e escritor maranhense Paulo Coelho Neto, conhecido como “Príncipe dos Prosadores brasileiros”, escreveu um artigo para o jornal A Notícia, enaltecendo as belezas da cidade e desviando o foco dos problemas e da série de obras e mudanças pelas quais a cidade passava na época. A repercussão da imagem da cidade fica clara com a publicação do livro Rio: La Ville Merveilleuse, de Jeanne Catulle Mendes, em 1912. O título, se traduzido para o português, resulta na expressão “Cidade Maravilhosa” e acredita-se que a partir deste momento houve a associação do Rio a sua mais famosa representação, o que contribuiu significativamente para a criação da primeira imagem turística do local. O termo foi atribuído pelo escritor Coelho Neto, que publicou em 1928 o livro de contos A cidade maravilhosa. O escritor foi considerado um dos mais lidos de sua época, o que nos permite pensar no papel de sua obra na construção de uma imagem do Rio de Janeiro. A tradição dos Bailes de Carnaval na cidade do Rio tem início em 1932 e, inspirado na atmosfera de desenvolvimento, modernização e exaltação da cidade carioca, André Filho compôs em 1934 a marchinha de Carnaval "Cidade Maravilhosa". A canção de melodia alegre e letra simples complementava a imagem que vinha sendo construída: “cidade maravilhosa, cheia de encantos mil”, a “terra que a todos seduz” tornou-se o “coração do meu Brasil”. A musicalidade havia se tornado mais um símbolo da cidade, já conhecida como o berço do samba, e a marchinha Cidade Maravilhosa popularizou-se e logo foi consagrada como o Hino Oficial da cidade do Rio de Janeiro.

Cidade maravilhosa, Cheia de encantos mil! Cidade maravilhosa, Coração do meu Brasil! Cidade maravilhosa, Cheia de encantos mil! Cidade maravilhosa, Coração do meu Brasil! Berço do samba e das lindas canções Que vivem n'alma da gente, És o altar dos nossos corações 42

Que cantam alegremente. Jardim florido de amor e saudade, Terra que a todos seduz, Que Deus te cubra de felicidade, Ninho de sonho e de luz.

(Andre Filho, 1934)

A temática de mar, sol, música, alegria, boemia, sensualidade e cordialidade compunha a imagem da cidade do Rio, que se expandia e ampliava seus espaços de sociabilidade. Livrarias, cafés e restaurantes a beira-mar eram freqüentados por cariocas, visitantes, artistas, músicos e até mesmo políticos, interessados em experimentar a dolce vita carioca. No decorrer do século, novos símbolos e elementos foram trazidos para a cidade do Rio e contribuíram para complementar e respaldar esta sua imagem. A paisagem da cidade ganha dois dos seus mais famosos e tradicionais ícones e cartões postais: o Bondinho (teleférico) do Pão de Açúcar, ainda em 1912 e o Cristo Redentor, imponentemente colocado no , em 1931. Ambos ofereciam uma vista panorâmica e muito privilegiada da cidade do Rio, deslumbrando assim os seus moradores e estimulando a vinda de visitantes de todo o mundo para apreciá-los. A princípio construídos sem intenção turística, apenas para embelezamento da cidade, estes dois símbolos são ainda hoje cartões postais que exercem fascínio em todo o mundo. Recentemente, no ano de 2007, o Cristo Redentor foi eleito uma das Sete Maravilhas do Mundo Contemporâneo, registrando na história sua importância como um patrimônio da humanidade. Desta forma, se reafirma no imaginário social uma representação carioca que contempla a natureza mas que está respaldada na idéia do Rio de Janeiro ser uma cidade moderna, maravilhosa e aberta para o mundo. A nossa Paris dos Trópicos havia de fato ganhado novos ares e já atraia mais olhares e investimentos estrangeiros. A cidade passa a ter enfim uma imagem repaginada, recriada, que se traduz em belezas, modernidade e diversidade. Neste novo estereótipo, o próprio carioca tem papel de destaque por seu estilo de vida. Um claro exemplo disso é o Zé Carioca – o que de início 43 parece ser só um personagem de desenho animado, possui uma representação simbólica muito maior do que se imagina. Criado na década de 40 pelo próprio Walt Disney em uma turnê pelo Brasil, o personagem José Carioca foi um “presente” que caricaturava a figura do “Bom Malandro Carioca” em um animal que tinha as cores da bandeira nacional, o papagaio. Tinha como principais características ser divertido, boêmio, criativo e piadista, fazendo alusão ao famoso “jeitinho” dos cariocas e dos brasileiros de resolver os problemas do dia a dia. O personagem representava o malandro alérgico a trabalho, o “boa gente” porém “caloteiro” (termo pejorativo usado para designar pessoas que não cumprem com seus compromissos financeiros). Ao que parece, sua construção foi uma crítica disfarçada, uma sátira ao carioca, que assim como o Zé Carioca, era sempre associado a símbolos como a praia, a tradicional feijoada, o gosto pelas mulheres, pelo samba e pelo futebol. A figura típica do “bom malandro” já estava presente no imaginário atribuído ao brasileiro antes mesmo da criação do Zé Carioca. O malandro seria a figura do mulato brasileiro – derivado da miscigenação típica do país – que dribla o preconceito e consegue uma certa ascensão social por meio de favores conquistados com muita ginga e simpatia. O personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, lançado em 1928, já trazia esta essência malandra e mestiça do caráter nacional. Na década de quarenta era notória a presença de grandes hotéis na cidade do Rio de Janeiro, em especial na orla da Zona Sul carioca, dentre os quais o mais famoso e tradicional é sem dúvidas o Copacabana Palace. Construção luxuosa, imponente e de vista privilegiada, data da década de 20 e contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento turístico do Rio de Janeiro. Também nesta década, inaugura-se o Hotel Glória, outro tradicional empreendimento hoteleiro que passa recentemente5 por reformas, com a promessa de trazer de volta o seu glamour característico aliado a modernidade. O imaginário do maravilhoso estava então instaurado e a cidade carioca começava a exportar suas belezas em formato de cartão-postal. Sua paisagem

5 Em 2008, o Grupo EBX, do empresário e empreendedor carioca Eike Batista, adquiriu o Hotel Glória, que passa a se chamar Gloria Palace Hotel. As reformas foram iniciadas logo em seguida a compra e tem previsão para serem encerradas até 2014. 44 e as suas características plurais – e ao mesmo tempo singulares – se destacaram como um dos principais atrativos do lugar, motivando a vinda de turistas e visitantes de todo o mundo para desvendar os segredos mistificados na imagem da Cidade Maravilhosa. A incomparável beleza da cidade, o estilo de vida e a relação do carioca com o mar, a variedade de cenários em um mesmo lugar, os ares de boemia, a musicalidade, a pluralidade cultural, a receptividade e até mesmo o próprio carioca são os símbolos e elementos que compõem a imagem do Rio, conferindo a ela o respaldo para o título de maravilhosa. A sua vocação turística foi sendo aflorada e aprimorada juntamente com as transformações pelas quais a cidade passou, amparada em todo o processo de remodelação desta eterna vitrine nacional. Os anos dourados – período que tem início na década de 50 devido ao acelerado processo de crescimento econômico e desenvolvimento nacional – também foi crucial para a formação da imagem turística da cidade do Rio. Pontos atrativos da cidade como o Jardim Botânico, o Jóquei Clube, a Quinta da Boa Vista, O Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Floresta da Tijuca e as praias de Copacabana, Ipanema e Arpoador tornaram-se pontos turísticos, juntamente com o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.

2.4. ZONA SUL CARIOCA – CENÁRIO DE BELEZAS E CONTRASTES

O imaginário social da cidade do Rio de Janeiro é comumente associado as paisagens da Zona Sul carioca. Cartões postais, fotografias, campanhas publicitárias e souvenires sugerem uma cidade de beleza singular, que mescla em seu território o mar e a urbanização. Neste contexto, bairros como Copacabana, Ipanema, Urca, Flamengo, Gávea, São Conrado, Leme, entre outros, constituem a imagem cênica da Cidade Maravilhosa e neles estão os seus mais famosos e procurados pontos turísticos. Não por acaso. Esta área da cidade é de fato privilegiada pela natureza: combina a vista para o mar com o frescor a abundância de vida da Floresta da Tijuca – a maior floresta urbana do mundo. Quem observa o Rio através da zona sul da cidade percebe que a beleza e os contrastes são características bem marcantes da cidade. 45

De fato a zona sul do Rio era a representação do ideário de modernidade e beleza estética desejado para a cidade e em virtude disso, no decorrer do século XX, recebeu maiores investimentos do Governo para promover o desenvolvimento urbano e viário do local. O impulso dado aos meios de transporte, desde os bondes elétricos até os primeiros carros, permitia as pessoas desfrutar das regalias de se viver na cidade a beira mar e tão logo a praia tornou-se moda e, mais do que isso, passou a fazer parte da programação habitual de finais de semana – o espaço de lazer e socialização preferido do carioca. Adquiriu então importante papel de lugar democrático para convívio social, no qual o culto ao corpo e aos esportes ao ar livre eram feitos cotidianamente.

A história das praias do Rio de Janeiro e de sua fachada marítima é uma seqüência de grandes transformações em contínuo diálogo com a borda do mar. É uma história, como era de se esperar, repleta de fatos contraditórios, muitas vezes inspirada em realizações européias, desde a Nice do século XIX até a Barcelona de finais do século XX, mas com uma magnitude espacial muito superior, que se conjuga com a intensidade de sua paisagem. É, em síntese, uma história apaixonante da engenharia e do urbanismo contemporâneos, que caracteriza essa relação entre a cidade e o mar. (ANDREATTA, V.; CHIAVARI, P.; REGO, H. 2009, p.16)

Já no início do século XX, a zona sul da cidade era considerada um espaço privilegiado, glamouroso, e morar nela tornou-se o desejo de muitos cariocas, principalmente dos que tinham maior poder aquisitivo. Bares, restaurantes, casas de show, cassinos, bingos e prédios residenciais foram sendo construídos com vista para o mar. Na década de 20, com a construção do luxuoso hotel Copacabana Palace, visitantes ilustres vinham se hospedar no Rio e a cidade tornou-se um fervo cultural e social, servindo de inspiração para músicos, poetas, escritores, jornalistas e até mesmo para reuniões políticas. O Túnel Velho, que ligava Botafogo a Copacabana também impulsionou bastante o crescimento demográfico desta área da cidade, que estava em voga e por conta disso atraía um grande número de pessoas interessadas em viver o glamour e ter o status social de moradores da zona sul da capital federal. Neste contexto, o bairro de Copacabana consolidava-se como a “Pérola do Atlântico” e inicia-se também a construção de um loteamento voltado para as classes altas da sociedade para a ocupação de Ipanema e Leblon. 46

O símbolo de modernidade em que se tornou o Rio de Janeiro brevemente teria outras características nas quais se apoiar, além daquelas de renovação de sua área central. Em poucas décadas, a expansão e a construção de um novo bairro, Copacabana, trariam para esta cidade um amplo conjunto de símbolos de modernidade. Com a criação e a ocupação do bairro de Copacabana foi possível “inventar” a Zona Sul, topônimo até então não utilizado, e que só surgiria em fins da década de 1920 em Copacabana, e o seu oposto, o “subúrbio”, termo até então utilizado com outro significado, de arredores ou periferia da cidade, que não lhe conferia ainda uma característica de topônimo no Rio de Janeiro. (CARDOSO, 2010, p.80)

Contudo, não era apenas o belo que atraía as pessoas, mas também as oportunidades que este local oferecia em termos de trabalho – por ter um comércio mais desenvolvido e a proximidade do centro da cidade – e qualidade de vida. Formada por bairros tradicionalmente voltados para as classes mais abastadas, esta área se diferenciava bastante do restante da cidade pela qualidade da infraestrutura que oferecia (econômica, política, cultural e de serviços), e pelo cotidiano que essa estrutura possibilitava. Com tantas vantagens, morar na zona sul do Rio tornou-se caro devido a valorização imobiliária do local. Famílias tradicionais, artistas e políticos fixaram residência em condomínios de luxo e mansões na orla, desde a Urca a Copacabana. Paralelamente a isso, diante do contexto das reformas no centro da cidade e do bota-abaixo dos cortiços e “cabeças de porco”, os antigos moradores passaram a migrar para outras áreas que fossem próximas do Centro e que oferecessem melhores e maiores oportunidades – a zona sul se encaixava perfeitamente neste perfil, mas a valorização imobiliária do local encarecia e muito o custo de vida e, sendo assim, outras formas de habitação foram procuradas pela população de baixa renda. Morar na zona sul “deixou” de ser um privilégio para poucos e o cenário de desigualdades evidentes passou a se constituir: teve início o processo de favelização da zona sul da cidade.

Viabilizou então o desenvolvimento de sua própria negação, ou seja, a proliferação de um habitat que já vinha timidamente se desenvolvendo na cidade e que, por sua informalidade e falta de controle, simbolizava tudo o que se pretendeu erradicar da cidade. Este habitat foi a favela (ABREU e VAZ, 1991, p. 3)

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Segundo Abreu e Vaz (1991, p. 2) “o aparecimento da favela está intimamente ligado a todo um conjunto de transformações desencadeadas pela transição da economia brasileira de uma fase tipicamente mercantil- exportadora para uma fase capitalista-industrial”. E afirma ainda que “trata-se do momento em a cidade passa a ter um crescimento demográfico extremamente rápido (fruto de migrações internas e estrangeiras) que agravava sobremaneira a questão habitacional”. Os morros começaram a ser ocupados verticalmente, de forma inadequada e sem o respaldo do Governo, através de casebres com condições precárias, sem acesso a saneamento básico. O problema do centro da cidade apenas estava deslocando-se e esta é a raiz de graves problemas sociais e das desigualdades percebidas ainda hoje na cidade. A presença de favelas no Rio de Janeiro, especificamente nos bairros da Zona Sul da cidade, se configura atualmente como a expressão de conflitos e contradições no espaço urbano carioca. A partir dos anos de 1930 as favelas ganham maior visibilidade na cidade. O Plano agache foi o primeiro documento oficial a citar a presença de favelas no Rio de Janeiro, quando esta presença já começava a incomodar. Em 1950, as favelas estavam distribuídas por toda a cidade, sendo os pontos de maior concentração a Zona Norte (servida pelo trem), a área central e a Zona Sul. Durante o período que vai de 1940 a 1960, diversas foram as intervenções do Governo no espaço urbano da Zona Sul na tentativa de impedir o avanço das favelas, como as remoções que visavam higienizar a cidade e tirar pessoas de áreas de risco como encostas de morros. Na década de 70, a zona sul passa novamente por um intenso processo de valorização e verticalização da orla em contrapartida ao aumento do número de favelas (e de moradores) e da segregação ocasionada na cidade partida, contexto no qual pobreza e riqueza urbana ocupavam “quase” o mesmo espaço e dividiam as atenções do Governo. Evidências dos contrastes em meio as belezas da zona sul da Cidade Maravilhosa.

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2.5. SER CARIOCA É ESSENCIAL

Como temos visto no decorrer deste capítulo, a imagem da cidade carioca é uma construção composta por uma série de acontecimentos, símbolos, agentes e elementos que estão presentes na chamada identidade cultural carioca – a qual é entendida como “aspectos que surgem de nosso pertencimento a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas, e, acima de tudo nacionais” (HALL, 2001, p. 08). Mediante o contexto de mudanças e intervenções culturais, urbanísticas e sociais que o Rio de Janeiro (em particular a sua cidade homônima) esteve exposto desde que foi intitulado a capital do Brasil Imperial, por consequência, a cultura carioca não poderia ser mais híbrida e multi-facetada. Nessa composição, há que se destacar um elemento chave, uma peça fundamental para o entendimento da Cidade Maravilhosa: o próprio carioca. Ilustre figura do imaginário popular nacional e internacional, o carioca – termo utilizado para designar e definir os moradores da cidade do Rio de Janeiro – possui uma identidade plural que me muito se assemelha a realidade brasileira. Na metrópole “tropicalizada”, os cariocas representam bem mais do que apenas habitantes. Ditam moda, criam e exportam estilo de vida. São adorados e criticados por conseguirem conciliar trabalho e lazer. Trocam o escritório pela praia no final da tarde e batem palmas para o pôr do sol sem o menor pudor; cultivam o estilo de vida peculiar de quem mora no Rio: desfrutam da sua cidade. Os cariocas de fato inspiram. Adriana Calcanhoto, uma não-carioca, expressou sua visão sobre os moradores da cidade do Rio através da música “Cariocas”: Cariocas são bonitos Cariocas são bacanas Cariocas são sacanas Cariocas são dourados Cariocas são modernos Cariocas são espertos Cariocas são diretos Cariocas não gostam de dias nublados Cariocas nascem bambas 49

Cariocas nascem craques Cariocas tem sotaque Cariocas são alegres Cariocas são atentos Cariocas são tão sexys Cariocas são tão claros Cariocas não gostam de sinal fechado.

(Adriana Calcanhoto, 1996)

Bonitos, bacanas, sacanas, modernos, espertos, alegres, bambas, dourados. São várias as características e adjetivos associados aos cariocas, a partir dos quais estereótipos e identidades são criados e recriados. Zé Carioca, o papagaio mais famoso da Disney, é uma clara evidência de como é estereotipado o morador da cidade do Rio, para além, o próprio brasileiro. Esperto, bamba, sacana, alegre, craque, bacana, tal qual a canção de Adriana Calcanhoto. A ideia de recriar e modernizar a imagem da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX trouxe como consequência também a imediata associação do povo brasileiro a imagem e aos estereótipos construídos do carioca. Um povo mestiço, genética e culturalmente, marcado pela alegria, pela boemia e pelo famoso jeitinho brasileiro. Contudo, apesar dos estereótipos e da possível verossimilhança de algumas características presentes neles, o carioca é um povo apaixonado, tanto pela sua cidade, quanto pelo seu estilo de vida. Vinícius de Moraes, um ilustre carioca, descreve o que é ser carioca na prosa Estado da Guanabara, do livro Para viver um grande amor (1962):

Um carioca que se preza nunca vai abdicar de sua cidadania. Ninguém é carioca em vão. Um carioca é um carioca. Ele não pode ser nem um pernambucano, nem um mineiro, nem um paulista, nem um baiano, nem um amazonense, nem um gaúcho. Enquanto que, inversamente, qualquer uma dessas cidadanias, sem diminuição de capacidade, pode transformar-se também em carioca; pois a verdade é que ser carioca é antes de mais nada um estado de espírito . (...) Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa, em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque só a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa do que alta; é 50

dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.

A adoração pelo carioca e pelas singularidades do seu estilo de vida possivelmente serviram de inspiração para o poeta, escritor e compositor Vinícius de Moraes em suas obras que muito relatavam o Rio de Janeiro e complementavam a imagem da cidade maravilhosa. Millôr Fernandes, outro ilustre carioca, jornalista, escritor e desenhista, decifra o carioca no texto O carioca é. Antes de tudo.

“Os paulistanos que me perdoem, mas ser carioca é essencial. Os derrotistas que me desculpem, mas o carioca taí mesmo pra ficar e seu jeito não mudou. Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunicação humana por mais que o agridam, aceitando o pão que o diabo amassou como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia, e São Paulo, sem falar em todos os outros Estados, sobretudo o maior deles o estado de espírito. Tira de letra, o carioca, no futebol como na vida. Não é um conformista -- mas sabe que a vida é aqui e agora e que tristezas não pagam dívidas.”

Neste trecho, o autor faz alusão a tradicional rixa e quase inevitável comparação entre cariocas, paulistas, mineiros e outros brasileiros, que fundamenta e/ou é fundamentada em estereótipos, corroborando em uma visão generalista e bastante simplista da realidade. Em seguida, Millôr continua sua definição (e exaltação) do carioca:

Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na música), vai de olho (é um paquerador incansável e tem um pescoço que gira 360 graus), vai de olfato (o odor é de suprema importância na fisiologia sexual do carioca). Sem falar, que, em tudo, vai de espírito; digam o que disserem, o papo, invenção carioca, ainda é o melhor do Brasil, incorporando as tendências básicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo paulista, a verborragia baiana.

Este texto representa a visão do carioca sobre si mesmo e paralelamente a isso, deixa evidente a pluralidade intrínseca a “carioquice” ou “cariquiocidade”, neologismos que tentam definir o jeito do morador da cidade do Rio de Janeiro. Jovens, sarados, descontraídos, sociáveis, boêmios, descompromissados, espaçosos, ecléticos, musicais, sensuais, receptivos, 51 enfim, seja como forem vistos, os cariocas são considerados fascinantes objetos de estudo e continuam a ditar moda, a inspirar.

2.6. BOEMIA E MPB – A INFLUÊNCIA DO SOM NA IMAGEM CARIOCA

A relevância francesa na construção da imagem da cidade do Rio de Janeiro não se restringiu apenas ao modelo de modernidade e urbanização no qual foram baseadas as reformas do início do século XX. Bem antes disso, ainda no século XIX, Paris surge na história carioca como uma fonte de inspiração cultural: tem origem lá a famosa boemia carioca. Segundo Seigel (1992), a boemia é um fenômeno social e literário que teve lugar em diversos pontos do planeta e em diferentes épocas. O termo diz respeito à artistas que se reconhecem como tais e que procuram definir seus valores em contraposição aos da burguesia, por meio da arte. Os boêmios eram, em sua maioria, jovens que opunham-se aos padrões sociais e políticos convencionais e se expressavam através das artes, seja pela música, pela literatura ou pela pintura. Possuíam hábitos de vida noturna e desregrada, geralmente associada a bebida e até mesmo as drogas, compreendidas como meios alucinógenos de escapismo da realidade. No Rio de Janeiro, mais especificamente na segunda metade do século XIX, a boemia exercia influencias na Belle Époque carioca e também resguardava proximidades com o universo das artes, em especial a literatura e a música. Diversas produções artísticas ilustravam os conflitos políticos, sociais e culturais vivenciados na cidade, pois apesar de considerados pelo senso comum da época como malandros e “vagabundos” por manterem hábitos noturnos e desregrados, os boêmios tinham um cunho intelectual aflorado e muito influenciaram não apenas na imagem que ainda hoje se faz do carioca, bem como na criação de diversos gêneros e estilos da música brasileira, que tem no Rio de Janeiro um de seus berços mais ilustres. São vários os bairros cariocas que ficaram conhecidos como redutos da boemia, dentre os quais a Lapa é considerado o mais tradicional. Vila Isabel, Estácio, Gamboa, Copacabana, Madureira e Tijuca se destacam por terem sido 52 o palco da criação e produção da MPB na cidade no decorrer do século XX e ainda hoje, como legado musical e cultural, seus bares, botequins e casas de show são bastante freqüentados por cariocas e turistas.

Os botequins cariocas são instituições que carregam a alma da nossa Cidade Maravilhosa. Instituições democráticas. Pontos de convergência de pessoas de todas as classes, todos os sexos, todos os times. Em torno dos seus balcões nascem letras e músicas inesquecíveis, gírias influentes, críticas temidas. (STUDART, 2009)

E foi assim, em conversas e encontros despretenciosos de bar – hábito do carioca – que estilos musicais e famosas composições foram criadas, muitos deles tendo a própria cidade como fonte maior de inspiração. Não é por acaso que o Rio e o carioca são “cantados” e homenageados por muitos artistas da MPB. Estilos e gêneros musicais como o choro, as marchinhas de Carnaval, o samba e suas derivações (o samba-canção, samba de raíz e o samba enredo), a bossa nova, o funk, dentre outros, apesar de existirem de diferentes formas em outras partes do país, são entendidos como expressões musicais urbanas do Rio de Janeiro. O samba, por exemplo, extrapola a categoria local e ganha status de símbolo da identidade nacional brasileira a partir da década de 1930. Compositores e músicos como Bezerra da Silva, Braguinha, Carmen Miranda, Cartola, Clara Nunes, Ivone Lara, Martinho da Vila, Noel Rosa, Pixinguinha entre tantos outros tornaram-se ícones da MPB.

Os e as marchinhas ocuparam cinqüenta por cento do mercado de música gravada no Brasil entre 1931 e 1940, o que era uma façanha, sabendo-se que esse período coincidiu com o do apogeu criativo da canção americana [...] Não por acaso, aquela seria depois chamada de a “época de ouro” da nossa música popular. (SEVERIANO; HOMEM DE MELLO, 1997 apud CASTRO, 2001, p.104).

Também na cidade carioca foram realizados diversos Festivais de Música ao longo do século XX, que contribuíram para a descoberta e consolidação de muitos ícones e grandes músicos da MPB, inclusive através de canções de protesto criadas em resposta a ditadura e a censura do regime militar. Tais fatos corroboram com a idéia de que “além de ser veículo para 53 uma boa idéia, a canção (e a música popular como um todo) também ajuda a pensar a sociedade e a história. A música não é apenas boa para ouvir, mas também é „boa para pensar‟” (Napolitano 2005, p. 11). Como se pode perceber, a música tem papel de destaque no cotidiano do carioca, bem como na história e na cultura do Rio de Janeiro. Através dela, imagens são “cantadas” e imaginários sociais da cidade são construídos. Os elementos formados e os símbolos que povoam a escuta musical também não existem sem um espaço imaginário, espaço onde movimentos, velocidades, distâncias, durações, dinâmicas e alturas se medem e se articulam, tal como num sistema lógico e organizado. (RODRIGUES, 2007, p.80) A música é uma manifestação cultural que só vem a contribuir, enquanto registro representativo, para a análise da imagem carioca. Entretanto, se a música alimenta o imaginário e a sua capacidade de recriar e reinventar o mundo, então, qual é o Rio representado através dela? Para responder a tal questionamento, será estudado a seguir o estilo musical genuinamente carioca que, por meio das letras de suas canções, consolidou e propagou a imagem da Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro: a Bossa Nova.

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3. BOSSA NOVA, UM CAPÍTULO À PARTE NA HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO

Em meio a uma nova atmosfera de desenvolvimento e otimismo vivida no país durante a década de 1950, o Rio de Janeiro foi mais uma vez o palco do surgimento de um estilo musical, que muitos autores preferem tratar como movimento musical, a Bossa Nova. Criada por ilustres mestres da música brasileira, a Bossa Nova representou uma interessante inovação, pois harmonizava, em suas canções, ritmos completamente distintos: o jazz e o samba. Através de letras suaves e alegres, a cidade do Rio de Janeiro e o carioca eram bastante exaltados. A Bossa Nova propunha uma mudança rítmica inegável, que pouco foi reconhecida em sua genialidade no Brasil, mas que internacionalmente foi aplaudida de pé. A proposta era uma nova forma de cantar e compor baseada na “sutileza interpretativa” de um cantar baixo, harmonioso, sempre acompanhado de sofisticados arranjos, ao som da nova batida de um violão. Criticada por muitos brasileiros por ser considerada uma música americanizada “partida de jovens da classe média branca” e por ter letras que levantavam a bandeira do “amor, sorriso e flor”, a Bossa Nova foi do apogeu ao fim em pouco tempo, mas chegou ao exterior e contribuiu significativamente para a difusão da música brasileira e da imagem da cidade maravilhosa pelo mundo, como será visto, a seguir.

3.1. A DÉCADA DE 50 E A NOVA BOSSA DA CIDADE MARAVILHOSA

O contexto da década de 1950 era de mudanças e progresso no Brasil. Com o final da Era Vargas e o início do governo de Juscelino Kubitschek (JK), a promessa de desenvolvimento vinha se concretizando, e este período da história nacional ficou conhecido como “Anos Dourados”. Foi um momento de expressiva prosperidade econômica, política e cultural no país, no qual se observava a entrada de novas tecnologias e o crescimento industrial, aliado ao fortalecimento das instituições financeiras. 55

A proposta era fortalecer a imagem do Brasil desvencilhando-o do atraso ao qual era associado. Havia no país um forte apelo nacionalista, impulsionado pelo Governo e expresso através do slogan da presidência de JK: “50 anos em 5”, ou seja, recuperar cinqüenta anos de atraso em cinco anos de governo. Essa era a meta do presidente, que objetivava promover uma política desenvolvimentista, pautada no progresso nacional e na oficialização de um projeto de modernização, mais um na história nacional, em especial na carioca. JK visava romper com os antigos padrões políticos e econômicos vigentes, atraindo capital internacional para o país e intensificando a industrialização e o processo de urbanização. Através do Programa de Metas, ocasionou mudanças na economia nacional, expandindo o parque industrial – principalmente a indústria automobilística. Vivenciava-se a aproximação cultural e política do Brasil com os Estados Unidos, que influenciaria no crescimento econômico nacional e tiraria o Brasil da condição de mero importador de mercadorias e bens de consumo dando-lhe possibilidades de fazer frente junto ao mercado com as grandes potências. O ponto alto do Plano de Metas do governo JK era a criação de uma nova capital federal, Brasília – “a capital do futuro” –, e a sua transferência do Rio de Janeiro para o Centro- Oeste do país, que se deu em 1960. O período em que esteve no governo foi de indubitável importância na história nacional, em especial na história do Rio de Janeiro, que, com a construção de Brasília, deixara de ser a capital federal. No entanto, o estado e a cidade homônima mantiveram-se no posto de centro irradiador de cultura, moda (e modismos) e tendências para todo o país. O Rio havia construído uma imagem de cidade maravilhosa e a sua fama já ultrapassava os limites do Atlântico. Pensar nos “Anos Dourados” é refletir sobre um momento quase lúdico no cenário nacional, onde a política, a economia e as artes estavam atreladas ao otimismo do pós-guerra e ao desenvolvimentismo, aspectos que contribuíam para que o patriotismo fosse exaltado e para que o presidente JK caísse nas graças do povo. Culturalmente, o país também passava por transformações que acompanhavam este ideário de transgressão e modernidade. O conceito de importar largamente, implementado no governo de JK, exercia influências na 56 música. Ritmos como o jazz e o be-bop norte americanos, que chegavam no Brasil através do rádio, contribuiriam para “repaginar” o samba. Em meio a este contexto de novidades e progresso, surgiu a Bossa Nova.

Bossa nova, cinema novo, mentalidade nova, capital nova, enfim, um novo país. Tudo representava a modernidade. Tudo levava a crer que estavam, finalmente, sendo criadas as condições materiais e, provavelmente culturais, para a transformação do país numa grande nação, ou para o cumprimento do seu destino. (MONTENEGRO, 2001, p. 375).

O samba, principalmente o samba-canção, não correspondia a essa nova atmosfera nacional propagada pelo governo JK, mas a Bossa Nova se encaixava perfeitamente neste cenário, tanto em seu nome quanto em sua proposta musical, que se assemelhava a do Governo nas intenções de ruptura com o antigo e de busca pelo novo. De acordo com José Ramos Tinhorão, “esse divórcio [...] atingiria o auge em 1958, quando um grupo de moços, entre 17 e 22 anos, rompeu definitivamente com a herança do samba popular, modificando o que lhe restava de original, ou seja, o próprio ritmo” (1974, p. 222). Não à toa, Juscelino Kubitschek ficou conhecido como “Presidente bossa- nova”, mesmo nome dado à canção de Juca Chaves, compositor famoso por suas sátiras políticas:

Bossa nova é ser presidente Desta terra descoberta por Cabral Para tanto basta ser tão simplesmente: Simpático, risonho, original. Depois desfrutar da maravilha De ser presidente do Brasil, Voar da Velha - Cap pra Brasília Ver o Alvorada e voar de Volta ao Rio. Voar, voar, voar. Voar, voar pra bem distante Até Versalhes onde duas mineirinhas, Valsinhas dançam como debutantes. Interessante... Mandar parente a jato pro dentista, Almoçar com tenista campeã. Também poder ser um bom artista exclusivista, Tomando com Dilermando Umas aulinhas de violão. 57

Isto é viver como se aprova, é ser um presidente bossa-nova Bossa mesmo, bossa nova.

(Juca Chaves, 1958)

O termo bossa nova acabou sendo apropriado para caracterizar a realidade do país entre meados da década de cinqüenta e início dos anos sessenta. O Brasil foi o campeão da Copa do Mundo de 1958, a industrialização ampliava a oferta de empregos e os direitos trabalhistas traziam mais conforto e tranqüilidade à população. Nada mais natural, que a população estivesse satisfeita com o novo governo e tomada pelo otimismo trazido pelas boas novas. A Bossa Nova foi o ritmo que embalou este momento histórico do Brasil, apostando, cantando e propagando um país moderno, alegre, cheio de bossa, cheio de charme. A música tornara-se um elemento de identificação sociocultural, uma forma de internacionalizar o Brasil do progresso.

3.2. “QUE ISTO É BOSSA NOVA, ISTO É MUITO NATURAL”

A palavra bossa vem de uma etimologia popular que significa jeito, e era empregada quando se fazia algo de original. A expressão “cheia de bossa” servia para designar alguém com a capacidade de atitudes ou frases inesperadas que eram recebidas como demonstração de inteligência ou verdadeiro bom-humor. Assim, associa-se a bossa nova a uma nova batida. Musicalmente, a palavra bossa era usada para designar um jeito diferente de cantar ou tocar. O músico João Gilberto criou uma sonoridade que tinha um ritmo original, uma nova estética musical com influências do jazz americano e do samba tradicional. Juntamente ao violão, novos instrumentos e novos arranjos eram trazidos de forma harmoniosa e sofisticada, o que foi considerado uma revolução na música. Sua inovadora “batida” de violão e seu jeito coloquial de cantar baixinho foram incorporados ao estilo, então, a partir desta criação, a nova “bossa” criada por João Gilberto ficou assim conhecida como Bossa Nova. 58

Surgiria uma música mais voltada para o detalhe, baseada quase sempre no canto, violão e pequenos conjuntos; desenvolver-se-ia a prática do 'canto-falado' ou do 'cantar baixinho', do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar da valorização da 'grande voz' ou do solista. (CAMPOS, 1974, p.72)

A idéia era inovar nas melodias e compor letras que, em geral, exaltavam aspectos positivos, belezas naturais e sentimentos que causassem bem-estar, resguardando proximidades com o perfil otimista do governo JK e se distanciando dos tradicionais e melancólicos sambas-canção. Roberto Menescal, no seu jeito simples e objetivo de falar, disse em entrevista, referindo-se ao início da bossa nova e à maneira como e por quem era composta: "no início, a gente tinha o mar como clube, tocava violão e namorava. Esta era a nossa vida de rapazes lá no Rio na década de 50 (...) a música da época – bolero e samba-canção – não entusiasmava o pessoal (entre 18 e 19 anos de idade) e se buscava uma nova música que tinha a ver mais com a gente".

Na Bossa-nova, procura-se integrar a melodia, harmonia e contraponto na realização da obra, de uma maneira a não se permitir a prevalência de qualquer deles somente pela existência do parâmetro posto em evidência [...] o cantor não mais se opõe como solista à orquestra. Ambos se integram se conciliam, sem apresentarem elementos de contraste (CAMPOS, 2005, p. 22).

A Bossa Nova tem dois berços principais: o Beco das Garrafas, uma travessa da Rua Duvivier, em Copacabana, onde se encontravam várias casas de show, ficando conhecida por este curioso nome porque os moradores do local jogavam garrafas nos boêmios que freqüentavam os bares, em que músicos como Billy Blanco e Tom Jobim tocavam, e já adaptavam influências de outros ritmos ao tradicional samba-canção; e o apartamento de Nara Leão, onde os jovens Roberto Menescal, , Chico Feitosa, Ronaldo Bôscoli entre outros e a própria Nara se reuniam para encontros de música e criação. A classe média tinha, por conta de sua condição financeira privilegiada, mais acesso à música erudita, a ritmos americanos, e, naturalmente, trouxeram estas influências para transformar e sofisticar o samba. O grupo compartilhava de uma mesma concepção cultural, ideológica e, principalmente, estética, 59 facilitando a convergência musical. Compreende-se, pois, que, além de berço da Bossa Nova, a cidade do Rio de Janeiro era também fonte de inspiração para os músicos e compositores deste estilo, e, por este motivo, muitas das canções retratam o Rio de forma poética, exaltando suas belezas e contribuindo para a difusão da imagem de uma cidade maravilhosa, envolta em um ideário de belezas, sensualidade (da mulher carioca e suas curvas acentuadas comparadas a topografia da cidade), de musicalidade e alegria. O primeiro registro que se tem da Bossa Nova é o LP Canção do amor demais, da cantora Elizete Cardoso, em 1958, considerado pela crítica como um álbum de transição dos boleros e samba-canções para a Bossa Nova. Segundo Ruy Castro (1990, p.75), o disco é considerado um marco, pois era composto por canções de uma “nova dupla, Tom e Vinícius”, e principalmente porque “João Gilberto acompanhava Elizete ao violão em duas faixas (Chega de Saudade e Outra Vez), fazendo pela primeira vez o que seria a „batida da Bossa Nova‟” (CASTRO, 1990, p. 75). O ano de 1958 de fato marcou a história do país: o Brasil crescia em visibilidade internacional através da música – com a bossa nova – e através do esporte – a nação brasileira comemora a primeira vitória na Copa do Mundo de Futebol. Manteve-se o clima otimista e desenvolvimentista com mais dois bons motivos. João Gilberto lança seu primeiro álbum, “Chega de Saudade”, e a bossa nova torna-se a nova princesinha da MPB. Segundo Nelson Motta (2000), “tudo virou bossa, do presidente à geladeira, do sapato à enceradeira [...]. Amplificada pela sociedade, caiu na boca do povo para designar tudo que era (ou queria ser) novidade.” A canção Chega de Saudade, homônima ao LP considerado o marco inicial da bossa nova, é de autoria de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, com acompanhamento de João Gilberto. Nasce a parceria de três grandes mestres, que mudaria a história da música brasileira.

3.3. OS DESAFINADOS

No início, era apenas um grupo de jovens músicos da zona sul carioca que se inspirava na cidade e em influências do jazz para criar melodias e compor canções. Em pouco tempo, tornaram-se ícones memoráveis da música 60 brasileira, alguns com fama e destaque internacional. Considera-se que a bossa nova tenha sido resultante do encontro entre a poesia de Vinícius de Moraes, os arranjos de Tom Jobim, o jeito de tocar violão e a voz de João Gilberto. Entretanto, não se pode deixar de comentar a importância e a influência de músicos como Nara Leão, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e outros artistas que fizeram da Bossa Nova um diferencial da música brasileira. Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, era maestro, compositor, pianista, cantor, arranjador e violonista, e iniciou sua carreira tocando piano em bares e boates de Copacabana, no famoso Beco das Garrafas, no fim da década de quarenta. Sua parceria com o poeta e compositor Vinícius de Moraes começou na gravação da peça “Orfeu da Conceição”. Deste espetáculo, surgiu a música “Se todos fossem iguais a você”, sucesso da Bossa Nova. Ambos os artistas são ilustres exemplos da produtiva boemia carioca do século XX e deram à Bossa Nova sofisticação musical e poesias em forma de letras. Da parceria, foram criados clássicos da bossa nova como “Só danço samba”, “Garota de Ipanema”, “Ela é carioca”, “Insensatez”, entre outras. Segundo Castro (2001, p.16),

Tom Jobim abriu o piano e libertou dezenas de melodias. Muitas ganhariam letras de um poeta ao mesmo tempo sério e moleque, chamado Vinícius de Moraes e seriam ouvidas pela primeira vez nas vozes de Sylvinha Telles e de um jovem baiano que acabara de inventar uma batida de violão: João Gilberto.

João Gilberto é considerado “o dono da bossa”. O músico inovou com arranjos e harmonia na batida de violão e com o cantar baixo que fazia sobressair mais a música do que o intérprete. João Gilberto juntou-se a Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e esta parceria fez da bossa nova um marco musical de extrema sofisticação. Segundo Campos (1974, p.34), “João Gilberto surgiu em 1958, cantando e tocando violão, conseguindo no instrumento efeitos nunca ouvidos antes quer em jazz ou em qualquer outra música regional ou em nosso populário.” Em 1960, João Gilberto gravou o disco “O amor, o sorriso e a flor”, título que seria uma das principais referências e críticas a/da Bossa Nova.

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A criação original de João Gilberto para o samba, que se internacionalizou com o nome de bossa nova, e que é, até hoje, a contribuição brasileira mais importante à cultura mundial, corre na veia de boa parte da música popular que se faz no mundo. Esse trabalho de transformação do samba e sua consolidação é obra de uma personalidade artística genial, dessas que surgem de tempos em tempos com uma missão civilizadora heróica. (Edinha Diniz).

Ainda na zona sul da cidade carioca, o apartamento de Nara Leão era o ponto de encontro de músicos bossanovistas. Carlos Lyra e Roberto Menescal – compositores e violonistas – foram professores de violão de Nara Leão e, posteriormente, se tornaram seus parceiros juntamente com Ronaldo Bôscoli, Sérgio Mendes e outros músicos. Nara foi intitulada musa da Bossa Nova e, dentre as canções mais conhecidas que interpretou, estão “O barquinho”, “A banda”, “Pobre menina rica” e “Com açúcar e com afeto”. Roberto Menescal é considerado um dos mais importantes compositores da Bossa Nova, ao lado de Tom Jobim, Carlos Lyra, Vinícius de Moraes. Criou clássicos do movimento e da própria música popular brasileira, como “O barquinho”, “Você”, “Nós e o mar”, “Ah, se eu pudesse”, “Rio”, entre outras. Ronaldo Bôscoli foi um dos seus parceiros mais constantes. Mais tarde, tornou- se produtor e arranjador musical de diversos espetáculos. Sylvia Telles foi a primeira intérprete profissional a se integrar à Bossa Nova, em 1958, ao participar de um espetáculo intitulado "Carlos Lyra, Sylvia Telles e os seus Bossa Nova". A cantora gravou um disco com doze canções de Tom Jobim, entre elas “Só em teus braços”, “Dindi” e “A felicidade” (parceria com Vinícius). Baden Powell, violonista da noite da carioca da época, fez parcerias com Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Billy Blanco na composição de sambas. A Bossa Nova também pode ser ouvida nas vozes de – interpretando Corcovado, Águas de março e Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes – e Chico Buarque de Holanda, intérprete e parceiro de Tom e Vinícius em composições. Elis também era apresentadora, ao lado de , do programa de televisão “O fino da Bossa”, da TV Record. Segundo Chediak (1990, p.11), Tom Jobim de fato se destaca, pois “das dez músicas mais gravadas, cinco são de sua autoria: „Garota de Ipanema‟, „Samba de uma nota só‟, „Corcovado‟, „A felicidade’ e „Desafinado’, cada uma com mais de 100 gravações, sendo que „Garota de Ipanema‟ já teve mais de 62

300.” Além das famosas parcerias citadas anteriormente, Tom fez também um LP com Frank Sinatra, chamado Frank Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim – The Complete Reprise Recordings (1967), com faixas como “The Girl From Ipanema”, “Wave”, “Quiet Nights of Quiet Stars”, “How Insensative”, “One Note Samba”, “Desafinado”, dentre outras versões em inglês de grandes sucessos da bossa nova. Os artistas mencionados contribuíram de forma valiosíssima para a produção musical da Bossa Nova através de canções consideradas clássicos da música brasileira.

3.4. DO APOGEU ÀS CRITICAS

Posteriormente ao lançamento do LP “Chega de Saudade”, compreendido como o marco inicial da Bossa Nova no Brasil, o ritmo passou a dividir opiniões. Alguns autores e estudiosos consideram que a Bossa Nova tenha se tornado um movimento musical, isto é, extrapolado os limites de um estilo diante da sua amplitude inicialmente nacional e, em pouco tempo, internacional. A Bossa não era apenas uma novidade musical, mas representava uma nova realidade, uma nova conjuntura vivida pelo país, congruente com a política desenvolvimentista de JK e com o progresso econômico observado durante o seu governo. A música era feita por jovens do Rio de Janeiro e tornou-se “moda” entre eles, a partir dos shows de Tom, Vinícius e João Gilberto, feitos nos bares da zona sul e em palcos universitários. O primeiro festival de bossa nova foi realizado na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), em 21 de maio de 1960, produzido e apresentado por Ronaldo Bôscoli, com a participação de Nara Leão e Johnny Alf, entre outros mestres reunidos em torno de João Gilberto, que acabara de lançar O Amor, o Sorriso e a Flor, seu segundo LP. Cerca de duas mil pessoas compareceram ao anfiteatro a céu aberto para assistir ao show, que ficou conhecido como “a noite do amor, do sorriso e da flor”. Fazer parte da juventude bossa nova era cool, moderno e pop. 63

A partir de então, como afirma Nelson Motta (2000), “tudo virou bossa” e nem a moda ficou de fora da “onda que se ergueu do mar”. Para além da música, uma estética e um modo de vida foram inventados. As moças imitavam o cabelo de Nara Leão, sua franja, seus arcos. Era chique usar sapatos mocassins sem meias, como Tom Jobim. Surgiu o terno bossa nova, uma composição de duas calças e um paletó que procurava ser, ao mesmo tempo, elegante e despojado, e que se tornou o sonho de consumo dos rapazes da época, conforme relata a historiadora Micheliny Verunschk. Musicalmente, segundo Campos (1974, p.143), “a Bossa Nova deu uma virada sensacional na música brasileira, fazendo com que ela passasse de influenciada a influenciadora do Jazz”. As músicas brasileiras deste estilo logo foram internacionalizadas e, em 1962 (aos vinte e um de novembro, mais especificamente), a Bossa Nova foi consagrada com um show na mais tradicional sala de concertos de Nova York, o Carnegie Hall. O concerto “Bossa Nova - New Brazilian Jazz” teve um público de cerca de três mil pessoas que superlotou a casa e foi comandado por Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Luiz Bonfá e outros músicos, aplaudidos de forma entusiasmada, conforme a matéria “Fãs americanos aplaudem com entusiasmo „show‟ de bossa nova em Nova Iorque”, do Jornal do Brasil, de 22 de novembro de 1962. Ainda segundo a matéria do JB,

O Itamarati recebeu despachos dos EUA informando que ao concerto compareceram nada menos que 300 repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e críticos especializados de toda a América do Norte e da imprensa mundial, o que deverá garantir grande repercussão ao show da bossa nova.

Canções como “Corcovado”, “O barquinho”, “Samba da minha terra”, “Desafinado”, “Influência do Jazz”, “Manhã de Carnaval”, “Ah se eu pudesse”, “Samba de uma nota só” e “Outra vez” foram cantadas no show e deixaram o público impressionado, mais até do que no Brasil. Tom Jobim já era reconhecido nos Estados Unidos como “o compositor de „Desafinados‟” e cantou “Corcovado” em português e inglês. Segundo conta a matéria do JB, os ingressos já estavam esgotados uma semana antes do concerto. Durante o espetáculo, foram servidas xícaras de café (o tradicional cafezinho preparado à moda brasileira) como uma iniciativa para apresentar mais um derivado da 64 cultura nacional que, assim como a bossa nova, foi apreciado pelo público do show. A Bossa Nova ganhara projeção internacional e, com o show, potencializara a sua repercussão nacional. Era o apogeu da inovação musical que mesclava com harmonia a música e a poesia, genuinamente carioca, “[...] conseguindo que o Brasil passasse a exportar para o mundo produtos acabados e não mais matéria-prima musical, „macumba para turistas‟, segundo a expressão de Oswald de Andrade.” (CAMPOS, 1974, p.143). Foi intensa a produção musical da Bossa Nova, brilhantes parcerias foram feitas e clássicos compostos e tocados em muitos festivais de música. A canção “Garota de Ipanema” é um claro exemplo de sucesso. Criada por Vinícius de Moraes e Tom Jobim, inspirados em uma jovem carioca que os encantava com seu caminhar pela orla da zona sul. A música “nasceu” no Bar do Veloso, tradicional local onde os ilustres bossanovistas compunham e “praticavam” a vida de boêmios. A garota de Ipanema era Helô Pinheiro, modelo lembrada ainda hoje por ter sido a inspiração para a canção brasileira mais gravada e traduzida de todos os tempos, considerada, na época, a música mais ouvida no mundo inteiro. O bar recebeu posteriormente o nome da canção, Garota de Ipanema e a música, por sua vez, contribui para a difusão da imagem do Rio através das paisagens da zona sul e da mulher carioca, de forma romantizada. Apesar de considerada por muitos artistas como uma evolução harmônica, melódica e poética do samba, uma forma genial de se tocar e compor, a Bossa Nova dividia opiniões. Recebeu muitas críticas por sua proposta de se desvencilhar do samba – colocado como ultrapassado e melodramático – e foi considerada por muitos como um subgênero do samba. O segmento musical de oposição ao movimento e de defesa do samba fazia, inclusive, restrições à sua classificação como MPB – o movimento musical era considerado elitista demais para ser compreendido como música popular brasileira.

Os nacionalistas mais radicais procuraram desclassificar a bossa- nova enquanto manifestação musical brasileira e popular. Para isso, apresentavam-na como “modismo” e apontavam as influências do Jazz e da música erudita, presentes na melodia e na harmonia, bem como seu caráter de manifestação promovida por um grupo social 65

afastados das “raízes brasileiras”, a pequena burguesia da zona sul carioca. (RODRIGUES, 1996, p. 30)

A primeira fase da Bossa Nova mostra um Brasil sem mazelas, associado à imagem do Rio de Janeiro, mais precisamente à paisagem e ao cotidiano da juventude de classe média da zona sul da cidade carioca, o que ocasionavam questionamentos e críticas em relação ao otimismo exagerado e à “alienação poética” promovida através das composições. Tais visões sobre a Bossa Nova levaram a uma ruptura sem conserto.

3.5. 1964: ANO ÍMPAR

O ano de 1964 foi um marco na história nacional. Momento em que se instaura o regime ditatorial mais severo da história nacional, que teve reflexos, inclusive, no campo das artes, em especial na música, por seu poder de difusão de idéias e persuasão do povo para causas defendidas pelos compositores. O período de 1962 (com o fim do governo JK) a 1964 foi de grande turbulência política, e sinalizava que mudanças estariam por vir não apenas no campo político, como também no social e no cultural. O cenário de otimismo do governo JK (1955-1961) daria lugar ao medo e à censura advinda do Golpe Militar de 64. Muitos artistas, professores, estudantes universitários, ativistas partidários foram reprimidos, perseguidos e alguns se tornaram até presos políticos. A Música Popular Brasileira foi afetada pelo novo regime político, e os músicos tinham de ter suas composições e álbuns aprovados pela censura, para que pudessem lançá-los. O ano de 1964 representou também o momento em que Bossa Nova teve seu “fim” anunciado no Brasil, resistindo até 1965, ainda que de forma redesenhada. Paradoxalmente ao sucesso dos primeiros anos da década de sessenta, a Bossa Nova passou por um período de divisão, no qual alguns cantores e compositores, como Nara Leão e Carlos Lyra, surgiram com uma nova proposta musical: as canções de protesto, uma resposta à instauração da ditadura militar no país e à situação de miséria e alienação política de grande parte da população brasileira. Nesta divisão, o movimento perdeu força e a fórmula “amor, sorriso e flor” passou a ser ferrenhamente criticada no país. 66

Tais canções, contemporâneas da explosão da vida universitária verificada a partir de 1965, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo (onde é lançada a moda dos shows nas Faculdades, despertando desde logo o interesse comercial das televisões), vinham atender a um propósito de protesto particular da alta classe média contra o rigorismo do Regime militar instalado no país (TINHORÃO, 1974, p. 233).

Ainda na década de sessenta, a Bossa dá lugar a uma nova moda: o Rock nacional, recém-nascido em Brasília. De acordo com Castro (2001), nas décadas de setenta e oitenta, muito ou quase tudo do que se produziu de Bossa Nova não foi gravado no Brasil, mas sim nos Estados Unidos, por artistas brasileiros e americanos. Apesar disso, a bossa nova deixou um legado musical e cultural de extremo valor para o país, para a música popular brasileira e para a cidade do Rio de Janeiro, cuja imagem foi tão amplamente divulgada nas canções de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto e companhia.

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4. O RIO DA BOSSA NOVA

A Bossa Nova tornou-se a cara do Rio, e vice-versa. A cidade, além de berço do movimento musical, passou a ser, paralelamente, sua grande musa inspiradora – tal como a garota de Ipanema. Paisagens, atrativos naturais e culturais, quiçá o próprio carioca, estão dentre as principais temáticas abordadas nas canções. E o Rio passava a ser Bossa Nova! Estava nas músicas, nos versos de Tom e Vinícius, e até mesmo nas melodias de João Gilberto, Menescal, Bôscoli, Lyra e companhia. Tudo o que era referente à Bossa Nova remetia a Rio de Janeiro, afinal essa era a nova bossa do momento: a atmosfera era propícia a isso e o clima de “amor, sorriso e flor” foi instaurado durante os Anos Dourados, na Cidade Maravilhosa. O otimismo em seu auge, o país estava bem economicamente, politicamente satisfeito e havia acabado de conquistar, em 1958, o título de campeões da Copa do Mundo de Futebol. O brasileiro estava feliz e, apesar de problemas graves e crônicos do país, como a desigualdade social, a má distribuição da renda, a violência e a desordem urbana (inclusive no Rio com a presença das favelas), o clima era de contentamento e crença no progresso do Brasil. O presidente se mostrava comprometido com a população, elaborando e implementando políticas públicas e melhorias em infraestrutura. A Bossa Nova, a exaltação nacional e, em especial, da antiga capital federal, encaixavam-se como uma luva nos Anos Dourados. Mesmo passado este momento de euforia, com o fim do governo JK, a transferência da capital para Brasília e o início da ditadura militar, a Bossa Nova construiu, até 1964, um importante e valioso legado para o país, tanto no aspecto cultural, quanto no musical e turístico – sim, turístico, se analisarmos sob a ótica de que a imagem do Rio Bossa Nova se consolidou e, com o sucesso nacional e internacional da música, expandiu-se mundo a fora. Ipanema nunca mais foi o mesmo bairro, mas sim, passou a ser o lar da Garota de Ipanema. Tamanha foi a importância da Bossa Nova que, quase cinqüenta anos mais tarde, do que se considera ter sido o seu marco inicial (1958), este gênero musical foi escolhido como Patrimônio Cultural Carioca, e ainda ganhou uma data em sua homenagem – uma dupla homenagem, pois o dia escolhido é a 68 data de aniversário de um dos mais completos e brilhantes artistas da música popular brasileira, o maestro carioca (e apaixonado pelo Rio), Antônio Carlos Jobim, o Tom. A Bossa Nova adquiriu tão grande relevância e reconhecimento que turistas e fãs de todo o mundo vinham ao Rio de Janeiro em busca da música e dos lugares cantados nela: o Beco das Garrafas, os bares e boates da Zona Sul carioca, o mar de Copacabana, as moças dos corpos dourados de Ipanema, o pôr do sol no Arpoador, o Cristo Redentor e o Corcovado retratados por Tom da janela do avião e da janela de seu quarto no apartamento na famosa Rua Nascimento Silva, também em Ipanema. Alguns dos mais belos cartões postais do Rio de Janeiro eram frequentemente cantados nas músicas bossanovistas e associados ao amor, às belezas, ao sentimento de orgulho e felicidade de se viver na Cidade Maravilhosa, também conhecida como Rio de Janeiro. Tal repercussão fez da Bossa Nova uma importante “ferramenta” de promoção da imagem do Rio de Janeiro, aquela que vinha sido construída desde o início do século XX, conforme se mostrou no desenvolvimento do presente trabalho. E foi além, consolidou uma imagem que vinha sendo formada, dando a ela um toque especial de qualidade musical e poesia, mostrando o Rio de uma forma ideal e quase romântica. Roteiros musicais foram pensados a partir disso e a importância em criá-los é ressaltada pelo autor Ruy Castro, em algumas de suas obras dedicadas a analisar a relação entre o Rio, a Bossa Nova e os seus compositores – rica fonte de informações e referências para este trabalho. Analisando este contexto sob o ponto de vista do turismo, percebe-se que a Bossa Nova foi, dentre outros importantes elementos, fatos históricos, políticos e culturais, um valioso difusor de imagens, estimulando imaginários sobre o Rio e contribuindo para que o marketing turístico carioca se respaldasse em suas canções e melodias para representar a cidade. A mídia e os meios de comunicação também estão atrelados a este contexto, visto que reafirmam essa mensagem, através da trilha sonora de filmes, novelas, campanhas publicitárias e turísticas, dentre outros. Enfim, após termos estudado e analisado toda a trajetória e o processo de produção musical da Bossa Nova, posteriormente ao estudo do processo de 69 construção (e reconstrução) da imagem da cidade do Rio de Janeiro no decorrer do século XX – amparado nos conceitos de imagens, imaginários, marketing turístico e publicidade – este último capítulo será dedicado a analisar e compreender a relação entre o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa (e todo o simbolismo inerente a esta alcunha), e a Bossa Nova. O subcapítulo a seguir, chamado “A cidade cantada”, expressa essa relação, para que, em seguida, ressaltemos o(s) legados deixados pela Bossa e a sua relevância como consolidadora e difusora desta imagem, a gerar influências no turismo carioca, e que incontestavelmente tornou-se a sua trilha sonora, apesar da importância do samba, no contexto musical.

4.1. A CIDADE CANTADA

A inovação musical e a genialidade harmônica dos arranjos e melodias foram de fato cruciais para que a Bossa Nova alcançasse a projeção nacional e principalmente internacional, que atingiu. Entretanto, todo o contexto político, social, econômico e cultural vivido em meados do século XX, no Rio de Janeiro – a então capital federal –, exerceu grande influência na construção ideológica do movimento bossanovista. A cidade não fora apenas o berço da Bossa Nova, estava presente nas músicas e era uma notória fonte de inspiração. Nesse sentido, para a melhor compreensão da relação existente entre o Rio, a Bossa Nova e o universo das imagens, as letras das canções serão mais enfatizadas neste capítulo do que a sua inegável contribuição em termos de música.

Mas, apesar de todo esse saudável caos de ritmos e sons, nada mais carioca do que a Bossa Nova e nada mais Bossa Nova do que o Rio – como pode constatar quem se veja num fim de tarde à beira-mar, com o Arpoador ou o Dois Irmãos ao fundo, vários sotaques e línguas diferentes ao alcance dos ouvidos e, nas proximidades, um bando de gente bonita, de todas as cores de pele e cabelo. Isso é o Rio, e a eterna batida sincopada é a trilha sonora que o mundo inteiro conhece e adora. (CASTRO, 2006, p.19)

“Nada mais carioca do que a Bossa Nova e nada mais Bossa Nova do que o Rio”. A frase é de Ruy Castro, autor que considera em sua fala a existência de uma imediata associação entre a Bossa Nova e a cidade carioca. 70

De fato, ao ouvir as canções de Tom, Vinícius, João Gilberto e companhia, identificamos e nos remetemos aos mais conhecidos cenários da cidade do Rio de Janeiro. As letras retratavam de forma suave e poética aspectos característicos do Rio de Janeiro e da geração carioca da década de cinquenta, descrevendo não apenas lugares e pontos turísticos da cidade, como também situações comuns à vida dos moradores do Rio, recriando uma espécie de identidade carioca através das canções. Segundo a pesquisadora, antropóloga e historiadora Simone Luci Pereira (2004), a Bossa Nova se enquadra nas “canções que evocam imagens, sonoridades e poesias” e que, por conseguinte, “nos remetem a uma experiência visual, sugerindo impressões e sentimentos, e ao mesmo tempo imagens [...] do cenário natural da cidade do Rio de Janeiro”, o que fica evidenciado na música “Samba do Avião”:

Minha alma canta // Vejo o Rio de Janeiro // Estou morrendo de saudade // Rio, teu mar, praias sem fim // Rio, você foi feito pra mim // Cristo Redentor // Braços abertos sobre a Guanabara // Este samba é só porque // Rio, eu gosto de você // A morena vai sambar // Seu corpo todo balançar // Rio de sol, de céu, de mar // Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão. (Tom Jobim, 1962)

A canção foi composta em 1962, por Antônio Carlos Jobim, enquanto admirava encantado a vista, de dentro de um avião, no momento da chegada ao Rio de Janeiro. A partir da observação da letra, verifica-se a idealização da imagem da cidade do Rio de Janeiro, através da exaltação de sua beleza cênica e de lugares específicos como o Cristo Redentor, a Baía de Guanabara e o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro6, imediatamente associados a sentimentos de reverência, orgulho e alegria por chegar à Cidade Maravilhosa. A música de Tom Jobim pode ser considerada uma bela e explicita declaração de amor ao Rio, assim como a música “Rio”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. A canção, que desde seu título já faz referência direta ao local, descreve o cenário da cidade e a sua relação com o mar, resguardando proximidades com a combinação “amor, sorriso e flor”, tradicionalmente presente nas canções bossanovistas.

6 O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro foi rebatizado em janeiro de 1999 como Aeroporto Galeão – Antônio Carlos Jobim, em homenagem ao compositor Antonio Carlos Jobim, falecido cinco anos antes. 71

Rio que mora no mar Sorrio pro meu Rio Que tem no seu mar Lindas Flores que nascem morenas Em jardins de sol Rio serras de veludo Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo Que é adorado quase todo dia E alegre como a luz Rio é mar, eterno se fazer amar Oh meu Rio, é lua Amiga branca e nua É sol, é sal, é sul São mãos se descobrindo em tanto azul Por isso é que o meu Rio da mulher beleza Acaba num instante com qualquer tristeza Meu Rio que não dorme por quem não se cansa Meu Rio que balança Sorrio, sorrio, sorrio

(Rio, Roberto Menescal & Ronaldo Bôscoli)

Muitas outras composições fazem alusão direta ao Rio e contribuíam significativamente para reafirmar a imagem de uma cidade maravilhosa, cercada por ideário de amores, belezas, poesia e música. Neste contexto, há de se destacar a música “Corcovado”, cuja letra relata exatamente essa combinação e é considerada, por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1998, p.37), como “um cartão postal do Rio de Janeiro, poética e musicalmente impregnado pelo espírito da Bossa Nova”.

Num cantinho um violão/ Este amor, uma canção/ Pra fazer feliz a quem se ama/ Muita calma pra pensar/ E ter tempo pra sonhar/ Da janela vê se o Corcovado/ O Redentor, que lindo! [...]. (Antonio Carlos Jobim, 1960)

Essa tendência da Bossa Nova em evocar as paisagens da cidade e o próprio carioca pode ser percebida em diversas letras que destacam o cenário específico da zona sul, justamente onde as músicas eram compostas. Os bairros de Copacabana e Ipanema eram os mais retratados, afinal, segundo 72

Castro, “isso era muito natural: estavam apenas falando da vizinhança, de sua realidade próxima” (CASTRO, 1999, p.59). Estes bairros eram considerados o reduto da Bossa Nova e da produtiva boemia carioca da época e ganharam notoriedade e visibilidade internacional através das vozes dos bossanovistas. Em Copacabana, estavam o famoso Beco das Garrafas e o apartamento da Nara Leão, além das boates, bares e casas de show – lugares nos quais os músicos e compositores se apresentavam. Segundo Castro (2006, p. 83), “há um sabor de Bossa Nova em tudo que se refira a Copacabana”. Tal fascínio pelo bairro está refletido em muitas canções, como “Sábado em Copacabana”:

Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana // Pra passear, à beira- mar, Copacabana // Depois um bar à meia-luz, Copacabana // Eu esperei por essa noite uma semana // Um bom jantar, depois dançar, Copacabana // Pra se amar, um só lugar, Copacabana // A noite passa tão depressa // Mas vou voltar lá pra semana // Se eu encontrar um novo amor, Copacabana. (Sábado em Copacabana, Carlos Guinle & Dorival Caymmi, 1956)

e “Copacabana de sempre”:

Copacabana, praia dourada // Marcada a sol em mim // Sei do seu corpo de areia // Sei das amargas sereias // Asas atadas aos pés // Ondas dos meus jacarés // Copacabana, berço da bossa // Coisa tão nossa (Copacabana de sempre, Roberto Menescal & Ronaldo Bôscoli)

Copacabana era considerada “a vitrine da Bossa Nova”, enquanto Ipanema era considerada “o coração musical do movimento”, segundo Ruy Castro (1999, p.30). Tom e Vinícius mantinham uma relação de adoração e plena familiarização com estes bairros, e foi da vista propiciada por eles que surgiram grandes composições. A famosa moça do corpo dourado que desfilava sua beleza e encantava o músico e o poeta com o seu balançado era a jovem Helô Pinheiro, inspiração para a música Garota de Ipanema, uma das mais gravadas, ouvidas e traduzidas da Bossa Nova, quiçá da música brasileira. Vinícius (apud Castro, 1990, p.58), referindo-se a Helô Pinheiro, afirma que “para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez da nossa querida Ipanema uma palavra mágica para os ouvintes estrangeiros”.

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Olha que coisa mais linda // Mais cheia de graça // É ela a menina // Que vem e que passa // Num doce balanço, a caminho do mar // Moça do corpo dourado // Do sol de Ipanema // O seu balançado // É mais que um poema // É a coisa mais linda que eu já vi passar [...]. (Garota de Ipanema, Antônio Carlos Jobim & Vinícius de Moraes, 1962)

A garota de Ipanema tornou-se um símbolo da Cidade Maravilhosa, um mito da feminilidade e da sensualidade natural da mulher carioca, caracterizada pelo seu balançado – pelo seu jeito de andar – e pela sua pele morena do sol. Tais aspectos também são associados à beleza da mulher carioca na canção “Ela é Carioca”, dos mesmos compositores, cuja letra diz:

Ela é carioca/ Ela é carioca/ Basta o jeitinho dela andar/ Nem ninguém tem carinho assim, para dar/ Eu vejo na cor dos seus olhos/ As noites do Rio, ao luar/ Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu/ Vejo o mesmo mar [...]. (Antonio Carlos Jobim & Vinícius de Morais, 1963).

A orla do Rio de Janeiro também assume grande relevância nas composições e o vai e vem das ondas no mar da Zona Sul juntamente ao balançar das moças que desfilavam na imortalizada Ipanema da década de sessenta condiz com a temática da Bossa: une a beleza, a leveza e a harmonia, como mostra a música Balanço Zona Sul, de Tito Madi (1963), na qual mais uma vez são citados bairros da Rio como o Leme e o Leblon:

Balança toda pra andar/ Balança até pra falar/ Balança tanto que já balançou/ Meu coração/ Balança mesmo que é bom/ Do Leme até o Leblon/ [...] Balance os cabelos seus / Balance e vai, mas não vai/ E se cair vai caindo, caindo / Nos braços meus.

Além de ser o ponto de encontro da juventude carioca, a praia era um cenário democrático, em que desfilam belas moças de corpos dourados de sol e onde deslizam barquinhos, “no macio azul do mar”, como na composição de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli (1961), “O barquinho”. A canção também relata a atmosfera característica do Rio e da própria Bossa Nova, em uma letra que fala de verão, céu e mar azuis, amor e um barquinho:

Dia de luz/ Festa de sol/ E o barquinho a deslizar/ No macio azul do mar/ Tudo é verão/ O amor se faz/ Num barquinho pelo mar/ Que desliza sem parar/ [...] E o sol beija o barco e luz/ Dias tão azuis. 74

A beleza da cidade do Rio de Janeiro era constantemente relatada pela Bossa Nova e a cidade, que já possuía importância ímpar no contexto nacional, consolida-se como o principal cartão-postal do país, um símbolo máximo de brasilidade. A Bossa Nova se transforma, segundo Ruy Castro, na “trilha sonora que o mundo inteiro conhece e aprova”. Em consonância com a opinião de Castro, Nelson Motta (2000, p.10) também ressalta que “a bossa nova era a trilha-sonora que nos faltava” e a cidade, enfim, produz uma música que projeta a sua imagem e o estilo de vida do próprio carioca. Diversas composições fazem alusão clara e direta a lugares, paisagens e pontos turísticos do Rio, e, até mesmo as que não o fazem, traduzem de forma indireta o “estado de espírito” e o clima da cidade, de forma de que o ouvinte facilmente identifique esta proximidade. “Wave”, de Tom Jobim, é um belo exemplo disso.

Vou te contar, os olhos já não podem ver coisas que só o coração pode entender Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho

O resto é mar, é tudo que eu nem sei contar são coisas lindas que eu tenho pra te dar vem de mansinho a brisa e me diz é impossível ser feliz sozinho

da primeira vez era a cidade da segunda o cais e a eternidade

Agora eu já sei da onda que se ergueu no mar e das estrelas que esquecemos de contar o amor se deixa surpreender enquanto a noite vem nos envolver

(Wave, Antônio Carlos Jobim,1967)

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4.2. OS LEGADOS DA BOSSA NOVA

Diante de sua incontestável importância para a música e para a cultura brasileira, a Bossa Nova deixou importantes legados com o fim da sua produção musical. Passado mais de meio século desde o seu surgimento, em 1958, a Bossa Nova foi instituída como Patrimônio Cultural Carioca, por decreto publicado no Diário Oficial do Município, do dia 16 de outubro de 2007, pelo então prefeito César Maia, sob a declaração de que a Bossa Nova “é um dos gêneros musicais brasileiros consagrados mundialmente e uma referência para várias gerações de artistas.” O reconhecimento de bens como patrimônio material e imaterial pode ser feito por órgãos da esfera federal, estadual ou municipal, como o Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (INEPAC) e a Secretaria Extraordinária de Promoção, Defesa, Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória Histórico- Cultural da cidade do Rio de Janeiro (SEDREPAHC), criada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2006, e responsável pelo “tombamento” da Bossa Nova como patrimônio cultural da cidade. Tal feito confere à Bossa Nova o reconhecimento pelo valioso legado cultural deixado para o país e para a cidade do Rio de Janeiro, devendo ser preservado como um patrimônio cultural imaterial, definido de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como:

as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." (apud IPHAN)

Compreenda-se patrimônio imaterial como sendo o legado cultural transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana, segundo informa o Instituto do Patrimônio 76

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A Bossa Nova teve a sua relevância cultural compreendida como patrimônio carioca, conforme o Decreto citado anteriormente, reconhecendo, portanto, a necessidade de preservação deste importante legado para o país, mantendo viva a memória social, musical e cultural da cidade do Rio de Janeiro. Em 2008, foram realizados diversos eventos no Brasil e em outros países, como os Estados Unidos e o Japão, em comemoração aos 50 anos da Bossa Nova. Apresentações, shows, palestras, lançamentos de livros, exposições, filmes entre outros marcaram a data como uma iniciativa para reavivar a importância e a representatividade deste movimento musical. No Rio de Janeiro, tais eventos apoiaram-se em uma temática que relacionava a Bossa Nova como um valioso cartão-postal carioca, na tentativa de reaproximar os moradores da cidade deste gênero musical. Um circuito musical foi feito no antigo Beco das Garrafas, em Copacabana, com entrada gratuita e ao ar livre, relembrando os tempos em que a Bossa Nova era alí criada por Jobim, Vinícius, João Gilberto e companhia. Centros culturais de instituições financeiras, como o Centro Cultural do Banco do Brasil e o Itaú Cultural, também promoveram ações comemorativas, como exposições e mostras virtuais, remontando o surgimento e a história da Bossa Nova, apresentando imagens, músicas, composições e reflexões de estudiosos e especialistas do tema. A MPB Marketing criou o projeto Bossa Nova 50 anos, promovendo espetáculos na cidade do Rio e no interior do estado, em Volta Redonda, no ano de 2008. O show no Rio foi realizado ao ar livre na Praia de Ipanema, no dia 01 de maio de 2008, também em comemoração ao aniversário da cidade do Rio, e contou com a participação de músicos consagrados como Carlos Lyra, Roberto Menescal, , Leila Pinheiro, João Donato e da nova geração, como Maria Rita, Fernanda Takai e Bossacucanova. A prefeitura da cidade estimou o público em cerca de setenta mil pessoas. A Folha de São Paulo lançou a Coleção Folha 50 Anos de Bossa Nova, disponibilizando nas bancas aos fãs uma coleção com mais de vinte CD’s e livros dos maiores artistas e compositores da bossa. Já a Som Livre, gravadora musical brasileira, lançou o CD “Um cantinho, um violão e bossa nova” com canções que marcaram a música brasileira. Segundo o produtor cultural e 77 criador do projeto “Agenda Bossa Nova”, Fred Rossi, que trabalhou com nomes como Vinícius de Moraes, as homenagens à Bossa Nova são justas, pois “ela abriu espaços em todo o mundo, com ênfase no Japão, Europa e Estados Unidos, e todos nos beneficiamos disso”, afirmou Rossi. Outra importante iniciativa, no que tange ao reconhecimento do legado cultural deixado pela Bossa Nova, foi o dia 25 de janeiro, instituído como o Dia Nacional da Bossa Nova, pelo Congresso, no dia 17 de abril de 2009, através de aprovação de um projeto que resultou na Lei 11.926. A data foi escolhida por ser o dia de aniversário do maestro Tom Jobim, um dos maiores ícones do movimento. Entende-se também que a Bossa Nova deixou um valioso legado musical através de clássicos da música: composições de grande sucesso que foram aplaudidas nacional e internacionalmente, ganhando o status de jóias da música brasileira. A obra, seus compositores e intérpretes foram imortalizados e deixaram sua marca registrada na história. A genialidade musical de João Gilberto, a bossa poética de Vinícius de Moraes, o “tom” e a sofisticação do maestro Antônio Carlos (Brasileiro) Jobim, entre outros atributos e mestres da Bossa Nova, conquistaram fãs em todo o mundo, levando um “produto” brasileiro de qualidade para o exterior. Foram e ainda são aplaudidos e lembrados por músicas como “Garota de Ipanema”, “Corcovado”, “Desafinado”, “Ela é carioca”, “Wave”, “Samba do Avião”, “Se todos fossem iguais a você”, “Só tinha de ser com você”, “Mas que nada”, “Copacabana”, “Eu sei que vou te amar”, “Chega de Saudade”, regravadas, traduzidas e com várias versões criadas em países de todo o mundo. Hoje, viva e “repaginada”, a nova Bossa Nova continua mantendo e conquistando fãs pelo mundo, e, no Brasil, ela pode ser ouvida através de uma nova geração de artistas como Bebel Gilberto (filha de João Gilberto), Maria Rita (através de regravações das canções de Elis Regina) e Bossacucanova. A música brasileira é lembrada internacionalmente pela Bossa Nova, e a sua repercussão foi maior fora do que dentro do próprio país. Além do legado cultural e musical citados anteriormente, considera-se que a Bossa Nova também tenha deixado a sua marca no turismo, especialmente para a cidade do Rio de Janeiro, através de um valioso e potencial legado turístico. As músicas que muito “cantavam” a cidade carioca 78 fizeram grande sucesso e contribuíram significativamente para a projeção e difusão de uma imagem poética da Cidade Maravilhosa, pautada no ideário de belezas naturais, musicalidade, no estilo de vida alegre e boêmio e no próprio carioca. Uma importante ação que considera valioso o legado deixado pela Bossa Nova e seus compositores no que tange ao turismo é a mudança no nome do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro que foi rebatizado e passou a ser denominado Aeroporto Internacional Tom Jobim. O Projeto de Lei previa no Artigo 1º que “O Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, passa a ser denominado Aeroporto Internacional Tom Jobim. Esta lei entrará em vigor após a sua aprovação”, conforme expõe o pronunciamento do parlamentar Sr. Júlio Campos, parlamentar do Partido da Frente Liberal (PFL/MT), em 28/06/1995, disponível no Portal Atividade Legislativa do Senado Federal. Tal Projeto de Lei foi aprovado pelo Senado e em 1999 houve a renomeação do mais importante aeroporto carioca, principal portão de entrada de turistas estrangeiros no Rio de Janeiro. Ainda segundo o pronunciamento dado pelo Sr. Júlio Campos, a justificativa para a alteração do nome do aeroporto:

Tal providência associa o aeroporto da principal cidade turística do Brasil ao nome do nosso compositor mais conhecido no mundo afora. Músico, maestro, compositor, Tom Jobim é o mais internacional dos cidadãos cariocas. Por intermédio de sua obra admirável celebrou o Brasil, celebrou o Rio de Janeiro em algumas obras-primas do cancioneiro popular nacional. E a sua música, viajando pelo mundo todo, levou consigo as indeléveis imagens da cidade, passando a fazer parte do imaginário de milhares de pessoas que, todo ano, chegam dos quatros cantos do mundo em busca das belezas naturais do Rio. Nada mais adequado, portanto, que o nome do mais internacional dos compositores brasileiros seja conferido à porta de entrada da cidade com a qual manteve ligações especiais. [...] Nesse sentido, parece-me indiscutível a pertinência de se conceder ao Aeroporto do Rio de Janeiro, cidade que constituiu fonte de permanente inspiração para a sua obra, o nome de Tom Jobim. Julgando, pois, o presente projeto de lei oportuno, meritório, esperamos seu acolhimento pelos ilustres Pares do Senado Federal e do Congresso Nacional. (apud Senado Federal – Pronunciamentos)

Tais ações denotam que apesar do fim da produção bossanovista e do seu movimento musical no Brasil, há um reconhecimento do seu valor cultural e da importância deste estilo musical para o país, percebida também no turismo. 79

Muitos visitantes ainda vêm ao Rio em busca dos redutos da boemia e dos lugares presentes nas canções de Tom, Vinícius e companhia. A criação de roteiros turísticos baseados nos famosos berços da Bossa Nova e nos lugares que os compositores costumavam freqüentar constitui-se como um válido investimento para o setor de turismo. Desta forma, seria proporcionada a turistas e fãs a oportunidade de vivenciar experiências, que remetessem às histórias da Bossa Nova, conhecendo e estando em lugares como o Beco das Garrafas, em Copacabana, ou no antigo Bar do Veloso, atual Garota de Ipanema, em homenagem à mais famosa canção composta lá, ou na Toca do Vinícius, um Centro de Referência da Bossa Nova endereçado na Rua Vinícius de Morais, em Ipanema. Muitos destes lugares não mantêm sua estrutura original e, em alguns casos, de acordo com Castro (2006, p.15), “as construções originais ainda existem, mas sua transformação em banco ou churrascarias desfigurou-as de tal forma que nada mais restou da sua antiga identidade”. Entretanto, Castro ressalta que “apesar disso, vale uma visita aos velhos endereços, pra entender como a Bossa Nova sempre se nutriu da paisagem carioca, física e humana, e a inseminou em troca”. Com o intuito de preservar esta memória e apresentar aos cariocas e fãs da Bossa Nova um guia turístico do Rio de Janeiro da Bossa Nova, o próprio Ruy Castro escreveu o livro Rio Bossa Nova – Um Roteiro Lítero-Musical, que possui grande relevância para o turismo e o desenvolvimento potencial do segmento de turismo cultural e do turismo musical no Rio de Janeiro.

4.3. CHEGA DE SAUDADE: ROTEIROS MUSICAIS NO RIO DE JANEIRO

Uma interessante forma de “reencontrar” a Bossa Nova no Rio de Janeiro hoje em dia é através do escritor Ruy Castro, que dedicou quatro de suas obras a este gênero musical. Depois de livros como Chega de Saudade, A onda que se ergueu no mar e Ela é carioca, que contam as histórias e estórias da Bossa Nova, o autor lançou, em 2006, o livro Rio Bossa Nova – Um Roteiro Lítero-Musical, de grande valor cultural e turístico. Segundo o autor, a principal motivação para escrever esse livro foi sua inconformação com a 80

“insistência (das pessoas) em condenar a bossa nova ao passado. Ela está em todos os lugares, dentro e fora do Brasil”. A idéia de produzir o livro surgiu de conversas do autor com amigos e turistas em bares, nas quais se lamentava o fato de não existir um guia turístico-musical com referências dos lugares associados à Bossa Nova, no Rio de Janeiro. Ruy Castro remonta um mapa urbano-musical com roteiros e dicas baseados na Bossa Nova e nos lugares onde ainda hoje se pode encontrar e ouvir as famosas canções bossanovistas. Além disso, o autor presenteia os leitores com depoimentos de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Roberto Menescal e outros mestres da bossa, e com imagens da época e dos músicos em seu cotidiano de composição. Bairros da zona sul como a Urca, Copacabana, Ipanema, Leblon, entre outros, bem como bairros do Centro e até mesmo da zona norte da cidade são citados nos roteiros e dicas presentes no livro, entretanto, como não poderia ser diferente, seis capítulos do livro são dedicados a lugares e pontos da zona sul carioca. Bares e boates do Rio, que guardam relíquias e lembranças deste estilo musical, também estão presentes no roteiro criado por Ruy Castro. Segundo a matéria publicada no jornal online Folha.com (09/12/2006), Castro afirma que "o livro tem uma seqüência geográfica. A pessoa pode fazer um tour e, naturalmente, ver os endereços. Se a construção original não existir, vale fazer um exercício de imaginação e pensar que Tom, Vinicius, Carlinhos Lyra e Nara Leão viveram e trabalharam naqueles sítios históricos". Na mesma entrevista, Castro reitera a presença da Bossa Nova na cidade e afirma também que “ainda dá para fazer uma incursão sentimental pela Bossa Nova, no Rio. Poucas cidades no mundo têm essa consciência preservacionista que o Rio passou a ter de dez anos pra cá”. A Bossa Nova continua sendo uma referência forte para a cidade do Rio de Janeiro: as músicas cantam uma cidade realmente maravilhosa, afrodisíaca e paradisíaca. A composição “amor, sorriso e flor” combina com “sol, mar e céu azul”, tipicamente carioca, conquistou muitos fãs em todo o mundo e ainda atrai muitos visitantes para a cidade do Rio. Como diria , em “Aquele abraço” – uma canção composta em 1969 com “tom” de Bossa Nova – “o Rio de Janeiro continua lindo // o Rio de Janeiro continua sendo...”, e a cidade está de “braços abertos” para o mundo. Em consequência deste fato, o turismo se 81 apropriou da imagem da Cidade Maravilhosa, cantada na Bossa Nova, para fazer o marketing e as campanhas publicitárias do Rio, como veremos a seguir.

4.4. O MARKETING TURÍSTICO CARIOCA, A MÍDIA E A BOSSA NOVA

O universo das imagens, a produção e a propagação de imaginários acerca de um local ou até mesmo de uma viagem são fatores que impulsionam o turismo. A experiência turística se inicia na imaginação do viajante, na sua intenção de conhecer e vivenciar o destino. Nesse sentido, aspectos e signos sociais, culturais, naturais e históricos, referentes a um dado local que se deseje conhecer, exercem influência direta ou indireta na motivação e nas expectativas das pessoas em relação a ele. Analisando especificamente o aspecto cultural e a sua influência na imagem que se faz de um lugar, percebe-se que elementos e características típicas se encarregam de distinguir e tornar único um local. A relação entre o espaço e seus moradores, as manifestações tradicionais, o seu idioma, o seu cotidiano entre outros aspectos denotam a interação de uma sociedade com o espaço e o contexto no qual se inserem. O sentimento de pertencimento de um povo a uma dada comunidade fica notório através da manutenção destes hábitos culturais e tradicionais, passados de geração em geração, que diferenciam e conferem singularidade. No Rio de Janeiro, tal fato é percebido através da adoração da maioria dos cariocas pelo seu estilo de vida e pela sua cidade. A fama boêmia, praiana e a vocação artística e turística da cidade, caracterizada por suas belezas naturais, pela alegria do seu povo e pela tradição do bem receber, do estar de bem com a vida. Neste contexto, os aspectos culturais estão bastante aliados a presença do mar e pela exuberante natureza vista e apreciada na cidade carioca. Urbana e praiana, a paisagem tem uma influência singular em diversos aspectos no Rio, inclusive na atividade econômica da cidade, onde business e lazer estão lado a lado através do turismo. Nesse sentido, a imagem turística da cidade está também associada a componentes naturais e a manifestações culturais genuinamente cariocas. No 82 que tange à música, o Rio pode até ser a cidade do samba e do Carnaval por seu caráter popular, mas a Bossa Nova acaba sendo mesmo a famosa trilha sonora da Cidade Maravilhosa, e está bastante presente no imaginário coletivo que se faz dela. De acordo com Vaz (1999, p.104):

A música [...] é um forte ingrediente na constituição da imagem mercadológica de uma localidade. Cidades, regiões e países ficaram marcados no imaginário popular em função de algumas canções de grande repercussão [...] “Garota de Ipanema” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes) popularizou um bairro e uma praia do mundo inteiro. E que dizer de “Corcovado”, dos mesmos autores [...].

“Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil”; “Coração do meu Brasil”; “Rio de sol, de céu, de mar”; “Cariocas são, bonitos, cariocas são bacanas”; “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro”; “Cristo Redentor, braços abertos sob a Guanabara”; ”Dia de luz, festa de sol”; “Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema”; “Ela é carioca, ela é carioca”; “Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana”; “Olha que coisa mais linda que vem e que passa [...] num doce balanço, a caminho do mar”; “Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!”. Estes são versos de composições famosas como “Cidade Maravilhosa”, “Cariocas”, “Corcovado”, “Rio”, “Samba do avião”, “Ela é carioca”, “Garota de Ipanema”, “O barquinho” e “Sábado em Copacabana”, que retratam, recriam e enchem de simbologia e poesia o Rio de Janeiro e a cidade carioca. Todas tiveram uma participação na propagação deste ideário, que é de imediato associado ao Rio de Janeiro, o que possivelmente influencia no fato do local ser o principal destino turístico nacional. A alcunha de Cidade Maravilhosa, recebida no início do século XX e consagrada como hino da cidade por meio da marchinha homônima, surgiu aparentemente sem grandes pretensões e, no entanto, agregou à cidade do Rio uma simbologia que, até hoje, bem mais de meio século após a sua composição, mantém uma espécie de mistificação da sua paisagem e de seus moradores, a partir do ideal de maravilhas e belezas. Se analisarmos a história do Rio de Janeiro, em especial durante o século XX – salvos os marcos e acontecimentos que antecederam a sua chegada –, perceberemos que houve uma construção desta imagem e do imaginário ao qual o Rio de Janeiro é frequentemente associado. Tal construção, cabe ressaltar, passou por períodos 83 de recriação, de renovação, de exaltação, muitas vezes intencional e respaldada politicamente, o que resultou na construção de uma imagem forte, no país e no exterior, apesar das evidentes desigualdades e dos graves problemas socioeconômicos enfrentados no Rio de Janeiro, percebidos através da proliferação de favelas em meio à cidade, inclusive e tradicionalmente na Zona Sul, ocasionando verdadeiras contradições e paradoxos. No entanto, apesar destes pesares, o Rio de Janeiro se mantém como o principal destino turístico do país, e a publicidade ainda se respalda na imagem Rio Cidade Maravilhosa. Durante o século passado, em paralelo à construção dessa imagem, o turismo se desenvolveu e se estabilizou como um fenômeno social complexo, como uma lucrativa atividade comercial e como uma “indústria de sonhos”, ao fomentar o imaginário das pessoas em relação aos destinos e às viagens. É válido considerar que há autores e pesquisadores que condenam a associação do turismo com o termo indústria – “a indústria do turismo” –, pois consideram que o turismo não deva ser compreendido desta forma, nem sequer resumido a isto, justamente por se tratar de um fenômeno social complexo. Em consonância a este ponto de vista, justifica-se a utilização da expressão “indústria dos sonhos” como uma mera analogia, pois, de fato, a atividade turística estimula a produção e a reprodução de imagens e imaginários, que, por sua vez, geram sonhos, expectativas e motivações nas pessoas em viajar. Na análise de Aoun (2001, p.32), é possível observar a relação entre o turismo, as imagens e a publicidade:

As diversas imagens que em grande parte são fabricadas secretamente pela fantasia e pelo desejo humanos, como resposta à insatisfação da vida urbana, são resgatadas pela publicidade e convertidas em realidade na forma de espaços turísticos apresentados como alternativos e postos à disposição para o consumo.

Nesse sentido, o marketing turístico é entendido como uma importante e estratégica ferramenta de divulgação dos destinos e das suas respectivas imagens, contribuindo para consolidá-las e reafirmá-las. A partir da compreensão de que o turismo é uma atividade bastante sensível à demanda, e esta, por sua vez, é, em certa medida, influenciada pela mídia e pelo 84 marketing, Rosana Bignami (2002, p.19) afirma que “vários lugares, após terem sido vistos ou conhecidos por meio dos meios de comunicação, tiveram aumentos significativos no número de turistas”. Como se percebe, os meios de comunicação são outra importante forma de propagar imagens e destinos: são diversos os tipos de meios para a veiculação de ideias, seja através das mídias tradicionais, da mídia digital, da mídia impressa, da mídia virtual, enfim, a comunicação do marketing tem um amplo leque de ferramentas para informar, seduzir, persuadir e influenciar opiniões e comportamentos. A todo instante, são passadas ao público mensagens, que têm por objetivo convencer o expectador da “verdade” que está sendo transmitida. À luz dessa compreensão, a mídia e a publicidade podem ser consideradas linguagens de sedução direcionadas a emocionar, impressionar e atrair o público, nem sempre de forma verossímel. Em sinergia a este raciocínio, Gastal (2004) observa que o autêntico seria aquilo que se constrói coerente consigo mesmo, o que é exemplificado com o caso da cidade de Gramado (RS), considerada a “Alemanha brasileira”. Segundo a compreensão da autora, não há uma pretensão de Gramado em ser comparada à Alemanha, apenas construiu-se este imaginário por haver autenticidade e coerência nesta representação. Em se tratando de Rio de Janeiro, a imagem de uma cidade maravilhosa se perpetua através de filmes, novelas, campanhas publicitárias, sites da internet e até mesmo de campanhas públicas para incentivo e fomento do turismo na cidade carioca, inclusive por algumas promovidas pelo Governo do Estado ou pelo Ministério do Turismo (MTur), nas quais se percebe-se que a trilha sonora geralmente utilizada são as famosas canções da Bossa Nova. Exemplo recente de que a Bossa Nova ainda representa o Rio é o filme “Rio”, uma mega produção Hollywoodiana, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha, um dos produtores de “A Era do Gelo”. A animação retrata o Rio em suas paisagens e pontos turísticos, como a Vista Chinesa, a Pedra da Gávea, o Corcovado e a Praia de Ipanema, tendo como trilha sonora o ritmo e a batida sincopada do violão da Bossa Nova. Além disso, signos culturais, naturais e musicais cariocas também têm sido percebidos em campanhas publicitárias de empresas privadas de diferentes ramos, desde bancos a fabricantes de bebidas, como é o caso do 85

Itaú e da Diageo, dona da marca de uísque Johnnie Walker. Tais marcas se apropriam de características relativas à cidade carioca para promover campanhas publicitárias. O banco Itaú, por exemplo, percebeu nas ciclovias da orla do Rio de Janeiro o costume carioca de praticar esportes ao ar livre que propiciem a apreciação da paisagem e lançou, em 2010, um programa de aluguel público de bicicletas, não restrito apenas à orla, que se tornou a nova mania dos moradores do Rio, percebido principalmente nas ciclovias da Zona Sul carioca. As bicicletas laranjas – a cor símbolo do banco – foram uma estratégia de marketing e publicidade, que fez sucesso e agradou não apenas aos cariocas, como também aos turistas da cidade do Rio, que agora podem desfrutar mais da paisagem e praticar exercício físico, sem impacto ao meio ambiente. Já a Diageo, empresa famosa pelas campanhas publicitárias da marca de uísque Johnnie Walker, lançou em 2011 uma propaganda na qual o Pão de Açúcar, chamado de Gigante adormecido, se levanta e anda, a partir do slogan “Keep walking, !” (que traduzido para o português significa “Siga em frente, Brasil”, fazendo alusão à força da imagem do Rio de Janeiro – representação internacional do Brasil –, mesmo diante dos problemas de diferentes naturezas que o país enfrenta. “Escolhemos o Rio de Janeiro não só como cartão-postal, mas também como ícone da retomada do país”, diz Leonardo Medeiros, diretor de marketing de uísques da empresa, para a matéria “O resgate da marca RIO”, da revista online Exame.com (22/12/2011). Para o turismo, nada mais vantajoso do que ter a cidade do Rio de Janeiro na mídia, associada à mensagem de renovação e de força embutidas no slogan e na simbologia do levantar de um gigante adormecido para seguir em frente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou analisar a construção da imagem turística da cidade do Rio de Janeiro, bem como identificar nas letras das músicas da Bossa Nova a presença dos signos culturais e paisagísticos que remetam à Cidade Maravilhosa. Para contextualizar o estudo e facilitar a sua compreensão pelos leitores, o tema foi estruturado, buscando fazer uma conexão entre as variáveis: turismo, imagens, Rio de Janeiro e Bossa Nova, percebidas como peças-chave para a compreensão da dita vocação turística carioca. Nesse sentido, a relação entre o turismo e o universo das imagens foi analisada como fundamental e extremamente relevante, visto que a natureza turística de um destino se respalda em uma imagem que o identifique como atrativo. Observa-se que a imagem turística de um lugar é fruto de construções históricas e culturais que não necessariamente condizem fielmente à realidade, porém se apropriam dela ressaltando os seus aspectos positivos visando encantar, seduzir e contemplar as aspirações dos turistas, gerando expectativas e motivações em relação aos lugares e ao tipo de experiência que se possa vivenciar neles. Analisando o caso do Rio de Janeiro, através de um panorama histórico, social e cultural, com recorte temporal compreendido entre o início do século XX e a contemporaneidade, foi possível observar que a construção da imagem da cidade carioca se deu de maneira intencional e gradual, porém descontínua, fruto de iniciativas públicas de vieses políticos que, apesar de distintos, tinham o intuito aparente de desviar o olhar do atraso e dos graves problemas sociais percebidos no Rio, levando o foco para intervenções que prometiam trazer modernidade, “ares estrangeiros” e progresso para a cidade, exaltando as suas belezas naturais e manifestações culturais. A partir da observação deste panorama, a imagem Cidade Maravilhosa, baseada na alcunha homônima dada ao Rio em 1934, foi percebida como a maior representação da cidade. Nesse sentido, foram identificados como símbolos presentes na imagem turística carioca: a beleza natural e paisagística da cidade, entendida como seu principal cartão-postal; o exotismo tropical singular de uma cidade rodeada pelo mar; a sensualidade e a beleza da mulher 87 carioca; a boemia; e a relação do carioca com a sua cidade, refletida em seu estilo de vida alegre, receptivo. Tendo analisado tais aspectos, constatou-se que a Bossa Nova contribuiu para a reafirmação e difusão da imagem do Rio descrita anteriormente, exaltando seus principais símbolos e ressaltando o sentimento de orgulho de ser carioca, de estar no Rio. Muitas dentre as suas composições retratam a cidade de forma poética, fazendo alusão clara as suas paisagens, pontos turísticos, bairros e até mesmo ao próprio carioca e, com isso, associam o Rio a um cenário de belezas e amenidades. É válido destacar que a imagem referida está atrelada e restrita ao cenário da Zona Sul da cidade do Rio, uma área marcada por belezas e contrastes que muito se assemelha a realidade nacional. A imagem da Cidade Maravilhosa ganhou força e maior visibilidade atrelada ao sucesso nacional e internacional da Bossa Nova, confirmando a hipótese inicial deste trabalho. A partir dos estudos e análises feitas, concluiu- se que a Bossa Nova contribuiu significativamente para a difusão da imagem Rio Cidade Maravilhosa e, consequentemente, atraiu olhares de diferentes países do mundo para o Brasil e para o estado. Cabe ressaltar que o objetivo deste trabalho não era analisar a influência da Bossa Nova na demanda de turistas da cidade do Rio de Janeiro e, justamente por isso, não há a presença de dados estatísticos e pesquisas neste sentido. No entanto, constatou-se que, através das músicas, a imagem da cidade do Rio tornou-se reconhecida mundialmente e possivelmente tenha se tornado mais atrativa. Para além da reafirmação e da difusão da imagem carioca, a Bossa Nova é compreendida como um importante patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro, por sua riqueza musical resguardada através do valioso legado deixado para a cidade. A inovação que mesclava o tradicional samba brasileiro com o “moderninho” jazz americano foi considerada genial e marcou a história da música brasileira. Finalizando os estudos, concluiu-se, portanto, que, apesar do fim da produção musical da Bossa Nova e dos problemas de ordem urbana, econômica e social ainda percebidos no Rio de Janeiro, o marketing turístico da cidade e a mídia ainda associam a imagem turística carioca à Bossa Nova 88 em campanhas publicitárias, filmes, propagandas e outros. No entanto, apesar disso e do reconhecimento da relação entre a cidade e a Bossa, constata-se que ainda haja muito a ser trabalhado no sentido de desenvolver roteiros turístico-musicais e empreendimentos pela cidade do Rio, que permitam aos turistas, fãs e visitantes viverem experiências e terem contato com a história e as músicas bossanovistas.

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Título: Presidente Bossa-Nova Autor da canção: Chaves, Juca. Ano: 1958

Título: Rio Autor da canção: Bôscoli, Ronaldo; Menescal, Roberto.

Título: Sábado em Copacabana Autor da canção: Caymmi, Dorival; Guinle, Carlos. Ano: 1957 Título: Samba de verão Autor da canção: Valle, Marcos; Valle, Paulo Sérgio Ano: 1964

Título: Samba do avião Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos; Moraes, Vinícius de. Ano: 1962

Título: Se todos fossem iguais a você Autor da canção: Jobim, Antônio Carlos; Moraes, Vinícius de. Ano: 1956

Título: Só tinha de ser com você Autor da canção: Jobim, Antônio Carlos. Ano: 1964

Título: Wave Autor da canção: Jobim, Antonio Carlos. Ano: 1967

97

ANEXO A – LETRAS DE MÚSICAS ANALISADAS

BALANÇO ZONA SUL, TITO MADI, 1963.

Balança toda pra andar Balança até pra falar Balança tanto que já balançou Meu coração

Balança mesmo que é bom Do leme até o leblon E vai juntando um punhado de gente Que sofre com seu andar

Mas ande bem devagar Que é pra não se cansar Vai caminhando Balam balançando sem parar

Balance os cabelos seus Balance e vai mas não vai E se cair vai caindo caindo Nos braços meus

98

CORCOVADO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1960.

Num cantinho um violão Este amor, uma canção Prá fazer feliz a quem se ama Muita calma prá pensar E ter tempo prá sonhar Da janela vê-se o Corcovado O Redentor, que lindo!

Quero a vida sempre assim Com você perto de mim Até o apagar da velha chama E eu que era triste Descrente deste mundo Ao encontrar você eu conheci O que é felicidade Meu amor

99

CHEGA DE SAUDADE, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINÍCIUS DE MORAES, 1958.

Vai minha tristeza E diz a ela que sem ela não pode ser Diz-lhe numa prece Que ela regresse Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade A realidade é que sem ela não há paz Não há beleza É só tristeza e a melancolia Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar Que coisa linda, que coisa louca Pois há menos peixinhos a nadar no mar Do que os beijinhos que eu darei Na sua boca

Dentro dos meus braços Os abraços hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calado assim Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim

Não há paz Não há beleza É só tristeza e a melancolia Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Dentro dos meus braços Os abraços hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calado assim Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim

Não quero mais esse negócio de você longe de mim Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim.

100

COPACABANA DE SEMPRE, ROBERTO MENESCAL E RONALDO BÔSCOLI.

Copacabana, praia dourada Marcada a sol em mim Sei do seu corpo de areia Sei das amargas sereias Asas atadas aos pés Ondas dos meus jacarés Copacabana, berço da bossa Coisas tão nossas

Ficou tão lindo o seu rosto Posto que bem mais mulher Venha comigo pra ver Tudo que eu quero dizer Inda que seja breve Ou que leve a vida e mais Vamos por esses becos Esquinas, bares que eu sei demais Toda Copacabana que mora em frente

Ao mar azul de anil Nada é mais carioca que a nossa copa Que o seu perfil Copacabana, de mar inteiro Do mar primeiro bem Eu me confesso pequeno Face a seu corpo moreno Face ao Atlântico Sul, Copacabana

101

DESAFINADO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E NEWTON MENDONÇA, 1958.

Se você disser que eu desafino amor saiba que isso em mim provoca imensa dor só privilegiados têm ouvido igual ao seu eu possuo apenas o que Deus me deu

Se você insiste em classificar meu comportamento de anti-musical eu mesmo mentindo devo argumentar que isso é Bossa-Nova que isso é muito natural

O que você não sabe nem sequer pressente é que os desafinados também têm um coração fotografei você na minha rolleyflex revelou-se a sua enorme ingratidão

Só não poderá falar assim do meu amor esse é o maior que você pode encontrar, voce com a sua música esqueceu o principal que no peito dos desafinados no fundo do peito bate calado que no peito dos desafinados também bate um coração

102

DIZ QUE EU FUI POR AÍ, NARA LEÃO E ZÉ KÉTI, 1964.

Se alguém perguntar por mim Diz que fui por aí Levando o violão embaixo do braço Em qualquer esquina eu paro Em qualquer botequim eu entro Se houver motivo É mais um samba que eu faço Se quiserem saber se volto Diga que sim Mas só depois que a saudade se afastar de mim

Tenho um violão para me acompanhar Tenho muitos amigos, eu sou popular Tenho a madrugada como companheira A saudade me dói, o meu peito me rói Eu estou na cidade, eu estou na favela Eu estou por aí Sempre pensando nela

103

ELA É CARIOCA, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINICIUS DE MORAES, 1963.

Ela é carioca Ela é carioca Basta o jeitinho dela andar Nem ninguém tem carinho assim para dar Eu vejo na cor dos seus olhos As noites do Rio ao luar Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu Vejo o mesmo mar

Ela é meu amor, só me vê a mim A mim que vivi para encontrar Na luz do seu olhar A paz que sonhei Só sei que sou louco por ela E pra mim ela é linda demais E além do mais Ela é carioca Ela é carioca

104

GAROTA DE IPANEMA, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINICIUS DE MORAES, 1964.

Olha que coisa mais linda Mais cheia de graça É ela menina Que vem e que passa Num doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado Do sol de Ipanema O seu balançado é mais que um poema É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho Ah, porque tudo é tão triste Ah, a beleza que existe A beleza que não é só minha Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse Que quando ela passa O mundo sorrindo se enche de graça E fica mais lindo Por causa do amor.

105

MAS QUE NADA, SÉRGIO MENDES, 1966.

O ariá raió Obá obá obá

Mas que nada Sai da minha frente Eu quero passar Pois o samba está animado O que eu quero é sambar Esse samba Que é misto de maracatu É samba de preto velho Samba de preto tú

Mas que nada Um samba como este tão legal Você não vai querer Que eu chegue no final

O ariá raió Obá obá obá

106

O BARQUINHO, ROBERTO MENESCAL E RONALDO BÔSCOLI.

Dia de luz Festa de sol E o barquinho a deslizar No macio azul do mar

Tudo é verão O amor se faz Num barquinho pelo mar Que desliza sem parar Sem intenção nossa canção Vai saindo desse mar E o sol beija o barco e luz Dias tão azuis

Volta do mar Desmaia o sol E o barquinho a deslizar E a vontade de cantar

Céu tão azul Ilhas do sul E o barquinho é um coração Deslizando na canção Tudo isso é paz Tudo isso traz Uma calma de verão e então

O barquinho vai A tardinha cai O barquinho vai

107

RIO, RONALDO BÔSCOLI E ROBERTO MENESCAL.

Rio que mora no mar Sorrio pro meu Rio Que tem no seu mar Lindas Flores que nascem morenas Em jardins de sol

Rio serras de veludo Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo Que é adorado quase todo dia E alegre como a luz

Rio é mar, eterno se fazer amar Oh meu Rio, é lua Amiga branca e nua É sol, é sal, é sul São mãos se descobrindo em tanto azul Por isso é que o meu Rio da mulher beleza Acaba num instante com qualquer tristeza Meu Rio que não dorme por quem não se cansa Meu Rio que balança Sorrio, sorrio, sorrio

108

SÁBADO EM COPACABANA, CARLOS GUINLE E DORIVAL CAYMMI, 1955.

Depois de trabalhar toda semana Meu sábado não vou desperdiçar Já fiz o meu programa pra essa noite E já sei por onde começar

Um bom lugar pra se encontrar, Copacabana Pra passear, à beira-mar ,Copacabana Depois um bar à meia-luz, Copacabana Eu esperei por essa noite uma semana Um bom jantar, depois dançar, Copacabana Pra se amar, um só lugar, Copacabana

A noite passa tão depressa Mas vou voltar lá pra semana Se eu encontrar um novo amor, Copacabana

109

SAMBA DE VERÃO, MARCOS VALLE E PAULO SÉRGIO VALLE.

Você viu só que amor Nunca vi coisa assim E passou, nem parou Mas olhou só pra mim... Se voltar vou atrás Vou pedir, vou falar Vou dizer que o amor Foi feitinho prá dar...

Olha, é como o verão Quente o coração Salta de repente Para ver A menina que vem...

Ela vem sempre tem Esse mar no olhar E vai ver, tem que ser Nunca tem quem amar Hoje sim, diz que sim Já cansei de esperar Não parei, nem dormi Só pensando em me dar...

Peço, mas você não vem Bem! Deixo então! Olho o céu Falo só Mas você vem...

Deixo então! Olho o céu Falo só Mas você vem...

110

SAMBA DO AVISÃO, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1962.

Minha alma canta Vejo o Rio de Janeiro Estou morrendo de saudade Rio, teu mar, praias sem fim Rio, você foi feito pra mim

Cristo Redentor Braços abertos sobre a Guanabara Este samba é só porque Rio, eu gosto de você A morena vai sambar Seu corpo todo balançar Rio de sol, de céu, de mar Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Cristo Redentor Braços abertos sobre a Guanabara Este samba é só porque Rio, eu gosto de você A morena vai sambar Seu corpo todo balançar Aperte o cinto, vamos chegar Água brilhando, olha a pista chegando E vamos nós Aterrar

111

SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ, ANTÔNIO CARLOS JOBIM E VINÍCIUS DE MORAES, 1956.

Vai tua vida Teu caminho é de paz e amor A tua vida É uma linda canção de amor Abre os teus braços e canta A última esperança A esperança divina De amar em paz

Se todos fossem Iguais a você Que maravilha viver Uma canção pelo ar Uma mulher a cantar Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir A beleza de amar Como o sol, como a flor, como a luz Amar sem mentir, nem sofrer

Existiria a verdade Verdade que ninguém vê Se todos fossem no mundo iguais a você

112

SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1964.

É, só eu sei Quanto amor eu guardei Sem saber que era só prá você É, só tinha de ser com você Havia de ser prá você Senão era mais uma dor Senão não seria o amor Aquele que a gente não vê O amor que chegou para dar O que ninguém deu pra você

É, você que é feita de azul Me deixa morar nesse azul Me deixa encontrar minha paz Você que é bonita demais Se ao menos pudesse saber

Que eu sempre fui só de você Você sempre foi só de mim

Que eu sempre fui só de você Você sempre foi só de mim

113

WAVE, ANTÔNIO CARLOS JOBIM, 1967.

Vou te contar, os olhos já não podem ver coisas que só o coração pode entender Fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho

O resto é mar, é tudo que eu nem sei contar são coisas lindas que eu tenho pra te dar vem de mansinho a brisa e me diz é impossível ser feliz sozinho

da primeira vez era a cidade da segunda o cais e a eternidade

Agora eu já sei da onda que se ergueu no mar e das estrelas que esquecemos de contar o amor se deixa surpreender enquanto a noite vem nos envolver

114

ANEXO B. LISTA DE FIGURAS

Vista aérea orla do Leblon, década de 1960

Disponível em

Praia de Ipanema – RJ, década de 1960

Disponível em

115

Vista aérea da Orla de Copacabana – RJ

Disponível em

Vista aérea da Praia de Ipanema - RJ

Disponível em 116

Calçadão de Copacabana – RJ

Disponível em

Vista aérea do Calçadão de Copacabana – RJ

Disponível em

117

Vista aérea da orla de Ipanema e da Lagoa Rodrigo de Freitas – RJ

Disponível em

Vista aérea do Cristo Redentor (Morro do Corcovado) e da Baía de Guanabara

Disponível em

118

Cartaz publicitário da Bossa Nova

Disponível em

Cartaz publicitário Bossa Nova

Disponível em 119

Caricatura de João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Disponível em

A Bossa Nova do Rio de Janeiro

Disponível em

120

Antônio Carlos Jobim

Disponível em

Vinícius de Moraes

Disponível em

Tom & Vinícius

Disponível em

121

Nara Leão

Disponível em

Encontro entre Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal e Carlos Lyra.

Disponível em

122

João Gilberto

Disponível em

Carlos Lyra, Roberto Menescal, Marcos Velle e João Donato.

Disponível em

123

Vinícius de Moraes e a Garota de Ipanema, Helô Pinheiro.

Disponível em

Esboço da composição Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Disponível em

124

Bar do Veloso, década de 1960. Atual Garota de Ipanema, Ipanema – RJ

Disponível em

Vista frontal do Bar Garota de Ipanema, na Rua Vinícius de Moraes, Ipanema - RJ

Disponível em 125

Vista frontal da Toca do Vinícius, em Ipanema – RJ

Disponível em

Toca do Vinícius, em Ipanema – RJ

Disponível em

126

Rio Bossa Nova

Disponível em

“Bossa Nova – Puro Sabor Brasileiro”

Disponível em 127

Folder Guia da Bossa Nova

Disponível em

Folder de divulgação Show de Bossa Nova

Disponível em 128

Imagem turística orla Rio de Janeiro

Disponível em

Publicidade turística carioca – a pluralidade da Cidade Maravilhosa

Disponivel em

129

Cartão-postal Carioca – Cristo Rdentor, Baía de Guanabara e Pão de Açúcar

Disponível em

Cartão-postal do Morro do Pão de Açúcar

Disponível em