UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO SOCIAL: JORNALISMO

Tamiris Tinti Volcean

Crônica de guerra: um estudo comparado entre os correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira durante a Segunda Guerra Mundial

Bauru/SP 2017 

Tamiris Tinti Volcean

Crônica de guerra: um estudo comparado entre os correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira durante a Segunda Guerra Mundial

Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, sob a orientação do Prof. Dr. Arlindo Rebechi Junior.

  

Bauru/SP 2017

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Tamiris Tinti Volcean

Crônica de guerra: um estudo comparado entre os correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira durante a Segunda Guerra Mundial

Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, sob a orientação do Prof. Dr. Arlindo Rebechi Junior.

Banca examinadora:

______Prof. Dr. Arlindo Rebechi Junior (orientador)

______Prof. Dr. Marcelo Magalhães Bulhões

______Profa. Ms. Michelle Moreira Braz dos Santos

Bauru/SP 2017

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A minha avó, Josephina Guerrieri Tinti, que sonhou comigo esse momento e, hoje, me benze e protege de onde estiver.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Arlindo Rebechi Junior pelo longo período de orientação, pelos ensinamentos, pela paciência em aceitar a transição da pesquisa em Ciências Biológicas para as Ciências Humanas, bem como pelo incentivo e apoio às minhas pretensões acadêmicas. Ao Professor Dr. Marcelo Magalhães Bulhões pelos conselhos, pela torcida, pelo apoio e por ter acompanhado meu trabalho desde o primeiro ano da graduação. À Professora Ms. Michelle Moreira Braz dos Santos por ter aceitado contribuir para os desdobramentos desta pesquisa com sua participação na banca examinadora. Aos meus mestres por todo o aprendizado. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo fomento ao presente estudo (2015/15036-6), financiamento imprescindível para a execução deste trabalho. Aos meus amigos unespianos pelos quatro anos de companheirismo. Às amizades que construí em Ribeirão Preto pelo incentivo que me fez ter coragem para mudar os rumos do caminho. Aos companheiros de Jornal Jr, principalmente Paula Nishi, Jorge Salhani, Marcos Cardinalli, Bábara Costa, Gabriele Alves e Mariana Fernandes, pela amizade que extrapola os níveis profissionais. Aos meus alunos do PEIC e do Cursinho Ferradura pela admiração recíproca e por reforçar em mim a paixão por ensinar. Às minhas colegas de trabalho que, hoje, são parceiras de vida, Paola Zenati, Anaí Nabuco e Samantha Alves. Aos meus pais por possibilitarem a realização dessa importante etapa da minha vida, pelo amor, apoio, dedicação e pela confiança que têm em mim. À minha tia Neide por estar ao meu lado em qualquer situação, apoiando, acreditando e lutando para que eu consiga realizar todos os sonhos que tenho em mim. Ao meu irmão Guilherme pela torcida discreta e sempre presente. À Universidade Estadual Paulista pelo acolhimento e pelos frutos.

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RESUMO

A crônica especializada de guerra, enquanto gênero discursivo híbrido, intersecção entre a linguagem jornalística e a linguagem literária, ganhou o espaço dos jornais durante a Guerra da Criméia (1854). No Brasil, sua gênese pode ser demarcada com o envio de correspondentes à Guerra do Paraguai (século XIX) e, posteriormente, com ampla participação na Guerra de Canudos (1897). Apesar de já inserida no conteúdo jornalístico do país desde o século XIX, é durante as duas guerras mundiais que esse gênero discursivo ganha destaque e se difunde em larga escala nos periódicos nacionais. Nesta pesquisa, pretende-se abordar as crônicas produzidas durante a Segunda Guerra Mundial pelos correspondentes Rubem Braga, enviado do Diário Carioca, e Joel Silveira, enviado dos Diários Associados, no período de setembro de 1944 a maio de 1945. Rubem Braga, posteriormente, reuniu suas crônicas no livro Com a FEB na Itália, publicado em 1945, enquanto Joel Silveira publicou nesse mesmo ano o compilado dos seus escritos de guerra em Histórias de Pracinhas, dando, ambos, mostras da repercussão e perenidade de tais textos como marcos da crônica brasileira à época. Tendo como córpus privilegiado de pesquisa as crônicas tal como foram originalmente publicadas nos jornais da época, esse estudo, a partir de pesquisa documental, tem como propósito reunir e analisar comparativamente a produção textual de Braga e Silveira a partir do conceito de dialogismo defendido por Bakhtin (1979), demonstrando os pontos de convergência e divergência presentes no estilo narrativo de cada um dos correspondentes. Com vista às diferenças estruturais e semânticas na construção textual de ambos os cronistas, objetiva-se delinear, de modo mais preciso, um possível diálogo textual entre o discurso jornalístico e o discurso literário, com o foco em dois observadores colocados em uma situação-limite e traumática da experiência e vivência da guerra.

Palavras-chave: Joel Silveira; Rubem Braga; crônica de guerra; linguagem literária; linguagem jornalística; gêneros do discurso; dialogismo.

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ABSTRACT

The specialized chronicle of war, as a discursive hybrid genre, intersection between journalistic language and literary language, gained space in the newspapers during Crimean War (1854). In , its genealogy begins with the corresponding sending to the War of Paraguay (XIX century), and, later, with participation in War of Canudos. Although it’s already in the journalistic content of the country, it is during the two wars that the global discourse genre is highlighted in national journals. In this research, we intend to approach the chronicles produced during the Second World War by the corresponding Rubem Braga, sent by the Diário Carioca, and Joel Silveira, sent by the Diários Associados, from September 1944 to May 1945. Rubem Braga later reunited his chronicles in the book Com a FEB na Itália, published in 1996, while Joel Silveira published, in the same year, a compilation of all his writings of war in Histórias de Pracinhas (1945), both books showing the impact of such texts as reference of Brazilian chronicle of war. Having the chronicles as originally published by newspapers as a privileged research corpus, this study, based on documentary research, aims to analyze comparatively the textual production from Braga and Silveira by the concept of dialogism advocated by Bakhtin (1979), demonstrating the convergence points and divergences presented in the narrative style of each one. Bearing in mind the structural and semantic differences in building their chronicles, the objective is to outline, more precisely, a possible dialogue between journalistc discourse and literary discourse, focusing on two observers placed in a limit and traumatic situation of experience of war.

Keywords: Joel Silveira; Rubem Braga; chronicle of war; literary language; journalistic language; discursive genre; dialogism.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Capa do jornal Diário Carioca em 9 de janeiro de 1945, edição 05082...... 31 Figura 2: Capa do jornal Diário da Noite em 17 de janeiro de 1945, edição 03676...... 34

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Principais unidades de registro das categorias formuladas...... 55 Quadro 2: Categorização das crônicas de Rubem Braga compiladas no livro Crônicas da guerra na Itália (1996)...... 56 Quadro 3: Categorização das crônicas de Rubem Braga publicadas exclusivamente no Diário Carioca...... 63 Quadro 4: Categorização das crônicas de Joel Silveira compiladas no livro Histórias de pracinhas (1945)...... 64 Quadro 5: Categorização das crônicas de Joel Silveira publicadas exclusivamente no Diário da Noite...... 74 Quadro 6: Seleção de crônicas dos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira para posteriores análises dialógicas...... 80

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Quantificação e distribuição das crônicas compiladas no livro Crônicas da guerra na Itália (1996) nas categorias propostas...... 62 Gráfico 2: Quantificação e distribuição das crônicas publicadas exclusivamente no Diário Carioca nas categorias propostas...... 64 Gráfico 3: Quantificação e distribuição das crônicas compiladas no livro Histórias de pracinhas (1945) nas categorias propostas...... 73 Gráfico 4: Quantificação e distribuição das crônicas publicadas exclusivamente no Diário da Noite nas categorias propostas...... 76

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SUMÁRIO

 1. INTRODUÇÃO ...... 13 1.1 Metodologia ...... 16 1.1.2 Análise quantitativa e categorização ...... 17 1.1.3 Fundamentos teóricos da análise dialógica do discurso ...... 17 2. A CRÔNICA COMO GÊNERO DO DISCURSO ...... 19 3. OS CRONISTAS RUBEM BRAGA E JOEL SILVEIRA ...... 23 3.1 Rubem Braga ...... 23 3.1.2 Rubem Braga como cronista de guerra ...... 25 3.2 Joel Silveira ...... 26 3.2.1 Joel Silveira como correspondente de guerra ...... 28 4. OS JORNAIS PESQUISADOS ...... 30 4.1 Diário Carioca ...... 30 4.1.1 O estilo editorial do Diário Carioca ...... 31 4.1.2 O Diário Carioca e o Estado Novo ...... 32 4.2 Diários Associados ...... 33 4.2.1 Diário da Noite ...... 33 4.2.2 O estilo editorial do Diário da Noite ...... 35 4.2.3 O Diário da Noite e o Estado Novo ...... 35 5. ENUNCIAÇÃO E ENUNCIADO: OS ELEMENTOS DÊITICOS DA NARRATIVA ...... 37 5.1 O tempo na narrativa ...... 37 5.1.1 Os três planos da narrativa ...... 38 5.1.2 O tempo nas crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira ...... 40 5.2 O espaço na narrativa ...... 42 5.2.1 A atuação do espaço no enredo ...... 43 5.3 A personagem na narrativa ...... 44 5.3.1 A personagem e o ponto de vista narrativo ...... 46 5.4 O espaço de Joel e a personagem de Braga ...... 47 6. CATEGORIZAÇÃO DAS CRÔNICAS DE GUERRA ...... 53 6.1 Análise quantitativa ...... 53 6.2 Análise de Conteúdo ...... 54 6.3 Categorização das crônicas de Rubem Braga ...... 56 6.3.1 Crônicas compiladas na obra Crônicas da guerra na Itália (1996) ...... 56 6.3.2 Crônicas publicadas exclusivamente no Diário Carioca ...... 63 6.4 Categorização das crônicas de Joel Silveira ...... 64 6.4.1 Crônicas compiladas na obra Histórias de Pracinha (1945) ...... 64 6.4.2 Crônicas publicadas exclusivamente no Diário da Noite ...... 74 7. ANÁLISES DIALÓGICAS: ESTUDOS COMPARATIVOS ...... 77 7.1 O dialogismo de Bakhtin ...... 77 7.1.1 Diferenciando os conceitos de intertextualidade e interdiscursividade ...... 79 7.1.2 Monofonia e polifonia ...... 79 7.1.3 Parâmetros analíticos no processo de seleção das crônicas de guerra ...... 79 7.2 Análises dialógicas ...... 83 7.2.1 Deslocamento e descrição do espaço geográfico (D) ...... 83 7.2.2 Personagem (P) ...... 88 7.2.3 Práticas cotidianas (PC) ...... 91 ## 

7.2.4 Estratégias e técnicas militares (ET) ...... 94 7.2.5 Impactos causados pela guerra (I) ...... 97 7.2.6 Impressões pessoais (IP) ...... 99 7.3 Estudo comparativo das crônicas publicadas nos jornais e nos livros: uma análise dos crivos de censura do departamento de imprensa e propaganda (DIP) ...... 101 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 105 8.1 Resultados finais referentes às relações dialógicas entre os discursos dos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira ...... 105 8.2 A presença da mulher enquanto personagem das narrativas ...... 108 8.3 Perfil narrativo dos correspondentes de guerra ...... 111 8.3.1 Rubem Braga ...... 111 8.3.2 Joel Silveira ...... 112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 115 APÊNDICE I...... 119 APÊNDICE II...... 141 



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1. INTRODUÇÃO

Uma característica fundamental da Segunda Guerra Mundial refere-se à existência de outra guerra, paralela à bélica, para a qual foi dada uma gran- de importância por parte dos governos dos países beligerantes. A luta pela dominação das consciências da popu- lação atingiu tamanha proporção que tornou a guerra propagandística um ponto central do conflito. A propagan- da estava inserida em todos os veículos de comunicação, não havendo nenhum órgão de imprensa que escapasse dessa realidade. Desde a veiculação de notí- cias até os anúncios publicitários, tudo fazia parte da propaganda estratégica de guerra (HENN, 2013, p.670).

A crônica de guerra foi, primeiramente, difundida nos cadernos de jornalismo internacional. O primeiro correspondente de guerra nos moldes como conhecemos hoje foi o irlandês William Howard Russel, do jornal The Times, durante a Guerra de Criméia, em 1854. A partir de Russel, muitos outros correspondentes surgiram, compartilhando características semelhantes da atividade, como a capacidade de ver a guerra a partir da observação in loco e comunicá-la da forma mais realista possível, ainda que várias restrições poderiam ser por vezes impostas (BATISTA, 2010). A gênese do gênero no Brasil tem suas primeiras aparições com o envio de correspondentes à Guerra do Paraguai (século XIX) e, posteriormente, com uma grande comitiva de jornalistas na Guerra de Canudos, em 1897. O gênero por aqui ganha destaque com a chegada do jornalista e escritor Euclides da Cunha na Guerra de Canudos, a fim de retratar e documentar o conflito de natureza sócio-religiosa ocorrido no interior do estado da , resultando na sua conhecida cobertura jornalística de 32 crônicas divulgadas em O Estado de S. Paulo, espécie de gênese do seu livro maior, Os Sertões, publicado em 1902. Tanto no Brasil, como no exterior, a produção jornalística de guerra é intensificada no período de guerras mundiais. Na Primeira Guerra, apenas como relato das situações, a fim de sanar a curiosidade dos aqui presentes; na Segunda, a partir da necessidade demonstrada de aproximação e contato com a realidade daqueles que partiram em direção ao conflito como soldados, sem previsão para retornar. As características e propriedades normativas dos textos pertencentes a esse gênero do discurso surgiram com a responsabilidade de deslocar os leitores de sua posição cômoda e neutra, aproximando-os aos fatos que compunham seu conteúdo temático e aos familiares que estavam em campo de batalha. Diferente da cobertura jornalística da guerra responsável pela produção de reportagens, a cobertura realizada por meio de crônicas não tratava apenas das estratégias do exército de forma quantitativa e fria, mas relatavam o dia a dia dos pracinhas, mandavam recados para #% 

as famílias, descreviam as comidas e os locais percorridos pelos nossos soldados, estabelecendo uma crônica, na maior parte das vezes, que permitia o acesso à visão individual e singular daquele que a escreve. Nesse sentido, o formato da crônica, em situações de guerra, pode sugerir uma reflexão sobre as confluências entre jornalismo e literatura, entre o factual e o ficcional, traduzindo numa primeira pergunta relevante: levando-se em consideração as características da modalidade textual, qual a relação entre o factual e ficcional dentro do gênero crônica de guerra? Para o estudo da crônica de guerra, além da análise focada na matriz jornalística, torna- se necessário mapear e estudar aspectos comparativos de natureza linguística presentes em crônicas de correspondentes de guerra. Trata-se, em linhas gerais, de relacionar a prática da correspondência de guerra à forma textual ali gerada, promovendo uma análise das marcas estilísticas do texto e desse gênero do discurso como um todo. Para o desenvolvimento deste trabalho, traçou-se como principal objetivo estudar as crônicas de guerra de autoria de Rubem Braga e Joel Silveira, frutos da correspondência realizada durante a cobertura da Segunda Guerra Mundial ao lado da FEB, Força Expedicionária Brasileira, atentando-se para o regime de diálogo entre discurso literário e discurso jornalístico. Os correspondentes, após retornarem ao Brasil, reuniram suas crônicas em duas obras literárias para que os seus textos não sofressem a efemeridade das edições jornalísticas e pudessem perpetuar por gerações. Braga compilou suas crônicas no livro Crônicas da guerra na Itália (1996), e Silveira, em Histórias de Pracinhas (1945). O material contido nos livros também foi e será utilizado para consultas e posteriores análises comparativas. No âmbito das análises comparativas, utilizou-se o conceito de dialogismo, defendido por Bakhtin (1979), como norteador no desenvolvimento deste trabalho. Além disso, para a delimitação da crônica de guerra enquanto gênero do discurso, utilizou-se como referencial teórico o linguista José Luiz Fiorin e sua obra Introdução ao pensamento de Bakhtin (2008), além, é claro, da obra Estética da criação verbal (1979), de Mikhail Bakhtin. Para o estudo da crônica, recorreu-se também à leitura das seguintes obras: A crônica (1985), de Jorge Sá, A influência da literatura no jornalismo: o folhetim e a crônica (2001), de Héris Arnt, Recortes (1993), de Antonio Candido, além de artigos de periódicos. Posteriormente, seguindo a divisão de capítulos aqui disposta, sistematicamente elaborada para que evidencie a coerência da pesquisa e exponha as fundamentações que colaboraram para que se alcançassem os resultados finais, explorou-se a fortuna crítica dos

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autores, para a qual se fez uso da biografia de Rubem Braga escrita por Marco Antônio Carvalho, Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar (2007), e da obra de Danilo Wenceslau Ferrari, A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944) (2012). Ainda neste capítulo, expõe-se um breve histórico dos jornais para os quais Braga e Silveira correspondiam, o Diário Carioca e o Diário da Noite, etapa na qual pode-se destacar a utilização da obra Diário Carioca: o jornal que mudou a imprensa brasileira (2011), de Cecília Costa, assim como A opinião no jornalismo brasileiro (1985), de José Marques de Melo, obra que possibilitou a diferenciação dos modelos jornalísticos de cada um dos objetos de análise. No capítulo seguinte, inicia-se a discussão acerca dos elementos dêiticos da narrativa que, no caso deste trabalho, são descritos em tempo, espaço e personagem. Descreve-se, a partir de exemplos retirados das crônicas dos correspondentes em questão, as principais convergências e divergências entre as estratégias narrativas utilizadas por cada um deles, garantindo-lhes singularidades, assim como a reprodução de aspectos oriundos das relações dialógicas dos discursos. Em seguida, serão apresentados os resultados finais das análises propostas para o desenvolvimento deste trabalho, os quais são oriundos de uma análise quantitativa das crônicas de guerra compiladas nas obras Crônicas da guerra na Itália (1996) e Histórias de pracinhas (1945), além daquelas publicadas exclusivamente nos jornais Diário Carioca e Diário da Noite. A pesquisa quantitativa possibilitou a categorização de todas as crônicas que compõem o corpus desta pesquisa, facilitando, dessa forma, o estabelecimento de critérios para a seleção de títulos destinados à análise dialógica dos discursos dos correspondentes em questão. Logo após o processo quantitativo, dar-se-á início às etapas qualitativas. Inicialmente, serão descritas as bases teóricas utilizadas para a execução dos estudos comparativos dialógicos, enfatizando o conceito de dialogismo defendido por Bakhtin (1979). Ainda no sétimo capítulo deste trabalho, demonstrar-se-á as relações dialógicas entre as vozes do discurso de Rubem Braga e Joel Silveira. Nestas considerações, traçou-se um panorama sobre a censura do Estado Novo, contexto histórico brasileiro do período em que a FEB esteve na Itália. Ainda nas considerações finais, nota-se a necessidade de discutir o papel feminino no front, uma vez que, ao analisar o uso da personagem, enquanto elemento constitutivo da narrativa, deve-se levar em consideração a omissão da importância das mulheres para o conflito, realizada pelos veículos em questão. Por fim, para finalizar a exposição de resultados

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obtidos, será apresentado um perfil narrativo de cada correspondente, obtido a partir dos resultados alcançados a partir da análise dos elementos constitutivos da narrativa, que indica as principais diferenças entre Rubem Braga e Joel Silveira, além das convergências e divergências de vozes observadas a partir da análise dialógica do discurso.

1.1 Metodologia

Para o desenvolvimento desta pesquisa, que tem caráter documental, dialógico e comparativo, realizou-se, inicialmente, um levantamento e análise de referenciais teóricos e bibliográficos que possibilitam a fundamentação das discussões subsequentes. Esta primeira etapa foi segmentada em quatro instâncias: (a) obras de caráter metodológico referentes às teorias dos gêneros textuais, (b) bibliografia referente à crônica jornalística como gênero textual, (c) levantamento de obras referentes ao espaço e tempo como elementos constitutivos das teorias narrativas, (d) levantamento da fortuna crítica de Rubem Braga e Joel Silveira. No tocante às três primeiras instâncias, incluindo obras sobre o gênero especializado crônica de guerra e teorias narrativas, além daquelas referentes aos gêneros do discurso e às práticas jornalísticas realizadas em situações limites, utilizou-se, principalmente as seguintes referências: Antonio Candido (1993); Bakhtin (1979); Batista (2010); Dimas (1974); Fiorin (2008); Ligia Chiappini Moraes Leite (1985); Melo (1985); Roncari (1990); Sá (1985) e Schneider (2008); Em relação ao segundo nível de pesquisa bibliográfica, destacam-se os seguintes trabalhos e autores: Camila Marchioro (2013); Carlos Ribeiro (2009); Danilo Wenceslau Ferrari (2012); (2006); Marco Antônio de Carvalho (2007) e Simone Paixão Rodrigues (2014). Posteriormente, foi construído o inventário documental1 a partir da seleção, coleta e análise preliminar das crônicas veiculadas nas edições dos jornais Diário Carioca e Diário da Noite, publicadas durante o período da Segunda Guerra Mundial, em que os correspondentes estiveram na Itália, de setembro de 1944 a maio de 1945. Todo o material utilizado nesta etapa, o qual inclui o acervo do Diário Carioca com as crônicas do correspondente Rubem Braga, assim como as edições do Diário da Noite, que apresentam as crônicas de Joel Silveira, encontra-se disponível na Hemeroteca Digital Brasileira2, contida na Biblioteca Nacional.

 1 Verificar apêndices I e II 2 Fonte: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ #( 

1.1.2 Análise quantitativa e categorização  A quantificação, enquanto estratégia metodológica, mostrou-se necessária para que se elencasse os conjuntos de títulos pertencentes a cada categoria definida. A categorização das crônicas permite que possamos identificar temáticas semelhantes, criando critérios para a seleção dos pares, textos de Braga e Silveira, que serão analisados no estudo comparativo proposto inicialmente. Além disso, quantificar os textos a partir de unidades de registro recorrentes em suas narrativas possibilita o reconhecimento de indícios de assuntos preferidos pelos cronistas, o que influencia diretamente em seu estilo narrativo e também nas relações dialógicas estabelecidas entre eles.

1.1.3 Fundamentos teóricos da análise dialógica do discurso

Na última etapa do desenvolvimento deste trabalho, em que consta a análise e interpretação comparativa, realizou-se o estudo das relações dialógicas existentes entre as publicações dos dois cronistas, a partir do cruzamento de dados, comparando e interpretando as temáticas, assim como sua cronologia, compiladas nos livros Histórias de Pracinhas (1945) e Crônicas da guerra na Itália (1996) e aquelas escolhidas para serem publicadas nos jornais que compõem o corpus desta pesquisa.

Para que se cumpra o objetivo de colocar em prática uma análise dialógica do discurso, deve-se, inicialmente, definir uma metodologia para a análise das vozes presentes nas crônicas de cada correspondente, definidos como objetos centrais desta pesquisa, a partir de uma perspectiva dialógica. Beth Brait tenta definir um caminho teórico-metodológico da seguinte maneira:

Sem querer (e sem poder) estabelecer uma definição fechada do que seria essa análise/teoria dialógica do discurso, uma vez que o fechamento significaria uma contradição em relação aos termos que a postulam, é possível explicar seu embasamento constitutivo, ou seja, a indissolúvel relação existente entre língua, linguagens, história e sujeitos que instaura os estudos da linguagem como lugares de produção de conhecimento de forma comprometida, responsável, e não apenas como procedimento submetido a teorias e metodologias dominantes em determinadas épocas. (BRAIT, 2006, p. 10)

Primeiramente, é preciso destinar certa atenção analítica ao contexto mais amplo de

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produção e circulação dos discursos, no caso, em específico, ao período em que a FEB permaneceu na Itália, lutando na 2a Guerra Mundial. A partir do contexto delimitado, pode-se direcionar a análise interpretativa a determinadas categorias que emergem de relativas regularidades de unidades registros, como será demonstrado no capítulo 6, intitulado “Categorização das crônicas de guerra”. De acordo com Brait (2006), a escolha das categorias não pode, em nenhuma hipótese, ser realizada de forma mecânica, uma vez que as unidades de registro pertencem a discursos concretos e únicos, proferidos em um determinado espaço e tempo e por interlocutores distintos, que são considerados sujeitos sócio-historicamente constituídos. Ainda se tratando dos fundamentos teóricos para a análise dialógica do discurso, temos as considerações de Sobral (2007), em seu capítulo Ético e estético: na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas, componente do livro Bakhtin: conceitos-chave (2007). Neste capítulo, o autor destaca alguns aspectos a serem observados em uma pesquisa cuja base teórico-metodológica é o pensamento bakhtiniano, como as relações entre os aspectos gerais do contexto e os aspectos singulares de cada discurso, assim como a inserção do estudo das marcas linguísticas em uma esfera da atividade humana, em que se dão as interações discursivas, tornando a língua um elemento concreto. A análise das relações dialógicas, portanto, apontam para a presença de assimilação de discursos já-ditos e daqueles construídos a partir destes (ROHLING, 2014). No caso deste trabalho, as análises terão cunho comparativo, uma vez que se optou pelo estudos das crônicas de guerra de dois correspondentes distintos. Estas considerações parciais permitem que sejam traçadas as convergências e divergências presentes nos discursos, possibilitando, dessa forma, conclusões sobre as relações entre as vozes do discurso de Rubem Braga e Joel Silveira.

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2. A CRÔNICA COMO GÊNERO DO DISCURSO

Bakhtin, em sua obra Estética da criação verbal (1979), destina um dos capítulos a discutir a definição do conceito de gêneros do discurso. Para o autor, as delimitações são problemáticas, uma vez que há grande heterogeneidade funcional de discursos formados por enunciados relativamente estáveis, os quais são caracterizados por três elementos centrais: o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. O enunciado, classificado como unidade de comunicação verbal e discursiva, difere-se das palavras e orações, entendidas como unidade da língua:

A oração enquanto unidade da língua carece de todas essas propriedades: não é delimitada de ambos os lados pela alternância dos sujeitos do discurso, não tem contato imediato com a realidade (com a situação extraverbal) nem relação imediata com enunciados alheios, não dispõe de plenitude semântica nem capacidade de determinar imediatamente a posição responsiva do outro falante, isto é, de suscitar resposta (BAKHTIN, 2011, p. 278).

Diante dessa riqueza e variedade de gêneros, Bakhtin (2011, p. 279) sugere que “cada esfera de comunicação comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.” De acordo com Fiorin (2008), o interesse de Bakhtin está ligado às relações estabelecidas entre utilização da linguagem e as esferas de atividades humanas. Para cada esfera, um gênero do discurso característico torna-se necessário para estabelecer conexões entre a linguagem e a vida social de seus falantes. Inicialmente, deve-se diferenciar os gêneros primários dos gêneros secundários. Enquanto os primários delimitam gêneros da vida cotidiana, sendo, predominantemente, orais, os secundários pertencem à esfera da comunicação cultural mais elaborada, sendo, predominantemente, escritos. Sabe-se, portanto, que “os gêneros secundários absorvem e digerem os primários, transformando-os” (FIORIN, 2008, p. 70). Para que a crônica seja classificada como um gênero do discurso, é preciso, portanto, encontrar textos que compartilhem características enunciativas em comum, confirmando, assim, a estabilidade de seus enunciados componentes. Deve-se lembrar, nesse ponto, que todo enunciado é individual, apesar de, segundo o conceito de dialogismo de Bakhtin (1979), constituir-se a partir de outros enunciados linguísticos de outrém. Ou seja, dentro de um gênero do discurso, é possível encontrar traços que garantam a estilística do enunciado e revelar a

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personalidade individual daquele que o escreve ou o profere em sua fala. Um gênero do discurso, entretanto, não permanece estagnado, estando sujeito à transformações em sua trajetória histórica e evolucionária. A história de uma sociedade está intrinsicamente relacionada à história da linguagem, por isso, pode-se dizer que as alterações sofridas pelos gêneros do discurso ao longo do tempo refletem as mudanças que transcorrem na vida social. Um gênero do discurso pode, portanto, desaparecer, transformar-se em outro, agrupar-se a outros de acordo com a proximidade de suas características, demonstrando o caráter adaptativo das produções textuais (BRONCKART, 1999). A crônica, enquanto gênero do discurso, também se adaptou às transformações sofridas pela sociedade e pelos veículos de comunicação. De acordo com Walter Benjamin (1985), o cronista é o narrador da história, portanto, transmite sua versão enquanto testemunha dos fatos. Pode-se dizer que as primeiras crônicas chegaram ao Brasil junto de sua colonização, pelas cartas de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel, residente de Portugal, país colonizador de nossas terras. Pela primeira vez, narrava-se o descobrimento do Novo Mundo em tempo presente, aproximando, pela visão de Caminha, o receptor das cartas da paisagem ainda não conhecida. “A história de nossa literatura se inicia, pois, com a circunstância de um descobrimento: oficialmente, a Literatura Brasileira nasceu da crônica.” (SÁ. 1985, p. 7). Herdeira do folhetim, a crônica é classificada, por muitos autores, como “gênero menor”, uma vez que apresenta uma espécie de efemeridade e imediatismo (CÂNDIDO, 1993). Deve-se, neste ponto, chamar atenção ao fato de que, no século XIX, os termos “folhetim” e “crônica” apresentavam relação de sinonímia. Jose de Alencar, por exemplo, referia-se às suas crônicas semanais como “folhetim da semana” (ARNT, 2001). O gênero em questão iniciou, dessa forma, suas aparições nos jornais do século XIX, época na qual a vida urbana se transformava devido ao início da Revolução Industrial no Brasil, momento histórico que acelerou as relações comerciais, profissionais e pessoais dos cidadãos brasileiros. Os jornais foram, a priori, os grandes responsáveis pela divulgação de obras literárias no Brasil, principalmente durante a primeira geração romântica, a qual buscava construir uma identidade nacional para a nação recém-criada. Os novos modelos de relações interpessoais resultantes da industrialização impactaram diretamente no consumo da informação. A notícia, portanto, torna-se, nesse momento, mercadoria rapidamente descartável. Os leitores de hábitos transformados desejam ter acesso facilitado às informações. É nesse cenário histórico que se insere a crônica nos jornais brasileiros, carregando

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consigo o ritmo alucinante da vida moderna. Com a inauguração do Jornal do Comércio, do , em 1852, a crônica ganhou espaço oficial nos folhetins e tornou-se, dessa forma, atividade jornalística no cenário brasileiro. Dentre os primeiros e principais cronistas, destacam-se José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Raul Pompéia e Coelho Neto (MELO, 1985, p.113-114). Da passagem de escritores pelos jornais, prática comum à época, a crônica fica como herança. De acordo com informações contidas no livro A influência da literatura no jornalismo: o folhetim e a crônica, de autoria de Héris Arnt, grandes escritores passaram pela imprensa antes de se tornarem romancistas, como Dickens, e Dostoiévski. Sabe-se que se podia encontrar mais informação política nas crônicas destes autores do que nas páginas propriamente destinadas à editoria informativa (ARNT, 2001). Escrito em linguagem que se aproxima da oralidade, o gênero mostra-se heterogêneo e flexível, abusando da variedade de outros pequenos gêneros do discurso, como diálogos do cotidiano, relatos, narrativas, casos, comentários, confissões, descrições, paródias, etc. (RONCARI, 1990).

No Brasil ela tem uma boa história, e até se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu. Antes de ser crônica propriamente dita, foi “folhetim”, ou seja, um artigo de rodapé sobre as questões do dia – políticas, sociais, artísticas, literárias (CÂNDIDO, 1993, p. 24).

De acordo com Melo (1985), existem dois momentos bem demarcados da história e trajetória da crônica no Brasil. Até os anos 30, período pré-modernista, praticava-se a crônica de costume, nas quais os cronistas relatavam os fatos cotidianos em linguagem majoritariamente literária; já os cronistas após a geração de 30, que se encontravam na fase de consolidação do movimento modernista, iniciaram a produção da chamada crônica moderna, a qual apresentava intenção de integrar a significação das matérias noticiadas no jornal. Sabe-se, portanto, que o gênero do discurso em questão não é rigidamente delimitado, demonstrando intersecções entre a linguagem literária e a linguagem jornalística. De acordo com Beltrão (1980, p. 68), há duas maneiras de se classificar a crônica: a) Quanto à natureza do tema: Crônica geral: é aquela com espaço fixo no jornal, onde o autor aborda assuntos variados; Crônica local: também conhecida como “urbana”, trata dos temas cotidianos da cidade; $# 

Crônica especializada: o autor, trata de assuntos referentes a um campo especifico de atividade. b) Quanto ao tratamento dado ao tema: Analítica: nesta os fatos são expostos e dissecados de modo breve e objetivo; é dialética; Sentimental: o autor apela à sensibilidade do leitor; os fatos comovem e influenciam a sensibilidade; Satírico-humorística: critica, ironiza, ridiculariza fatos ou pessoas com a finalidade de advertir ou entreter o leitor.

Quando delimitamos o nosso objeto de estudo à crônica de guerra, produzida no período de maio de 1944 a setembro de 1945, pode-se dizer que tratamos de uma crônica especializada, uma vez que os cronistas correspondentes trabalham com assuntos relacionados à Segunda Guerra Mundial, aos pracinhas brasileiros e às situações enfrentadas no front. Partindo para o segundo item de categorização da crônica, diz-se que o tratamento dado ao tema é relativo ao uso dos elementos constitutivos da narrativa por cada correspondente. Ou seja, uma crônica especializada pode, dessa forma, ser classificada como analítica, sentimental ou satírico-humorística, de acordo com o estilo adotado pelo cronista. No período delimitado para a realização deste trabalho, o Brasil encontrava-se em meio ao regime ditatorial de Getúlio Vargas, o Estado Novo. Dessa forma, deve-se levar em consideração todas as instâncias de censura instauradas por este modelo governamental, as quais ditavam as regras a partir do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Pode dizer, então, que os jornais aos quais Rubem Braga e Joel Silveira reportavam os fatos do front, o Diário Carioca e o Diário da Noite, respectivamente, sofreram transformações e restrições em estruturas editoriais de produção jornalística, as quais são responsáveis por direcionar o estilo, o conteúdo temático e a construção composicional do texto, unidades componentes do corpo semântico e sintático dos enunciado



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3. OS CRONISTAS RUBEM BRAGA E JOEL SILVEIRA

3.1 Rubem Braga

Rubem Braga, filho de Francisco Carvalho Braga e Raquel Coelho Braga, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim (ES) no dia 12 de janeiro de 1913. Apresentando uma vida em constante atividade, Braga percorre inúmeros territórios brasileiros em busca de formação profissional e pessoal. Como principal fonte de informações biográficas de Rubem Braga, utilizou-se a obra Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar (2007), de Marco Antonio de Carvalho, a qual narra primorosamente sua trajetória, desde o nascimento até a morte. Deve-se lembrar que o conhecido Rubinho Braga viu seu primeiro texto publicado em 1926, aos catorze anos incompletos. Como aluno de Xavier do Valle, deveria escrever uma redação sobre a lágrima. O resultado foi tão satisfatório que o professor decidiu que a redação de Braga seria publicada no jornal O Itapemirim. Pode-se dizer, portanto, que essa é a primeira crônica veiculada de Rubem Braga, que trabalharia com o gênero por mais de sessenta anos. Segue texto original:

“A Lágrima” “Quando a alma vibra, atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da desgraça, este, numa explosão irremediável, num desabafo sincero de infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo e consoladora com a esperança; e esta pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência do sofrimento: é a lágrima. E a lágrima, de homem e de mulher, de alegria e de tristeza, é sempre reveladora indiscreta, tradutora insconsciente dos segredos d’alma. A lágrima transpõe todas as dificuldades: amolece os corações mais duros com o seu poder maravilhoso com a mesma facilidade com que endurece os corações mais moles com seu brilho ardente. No homem, é ao mesmo tempo a consolação e o desespero, a confissão suprema da impotência humana contra os golpes da sorte, ante os quais os mais orgulhosos se curvam humildemente. Ela foi sempre, através da história, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão.” Rubem Braga, 30 ano ginasial

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Certo dia, durante uma aula do professor Ávila Júnior, famoso em Cachoeiro de Itapemirim, Rubinho Braga sentiu-se ofendido. Levou a alcunha de “burro” por ser fraco em matemática. Desse dia em diante, insistiu que não voltaria a estudar naquele colégio e preparou-se para a despedida da cidade natal. Muda-se para o Rio de Janeiro, onde terminaria o ginásio. Na cidade de Niterói, nascia o jornal Correio do Sul, o qual tinha como dupla de gerentes os irmãos de Braga. Foi neste periódico que o cronista adolescente iniciou seu flerte com a vida jornalística. No dia 11 de agosto de 1928, publica Carta do Rio. Como vários de sua geração, Braga inicia seus estudos na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, em 1929, e, em 1931, transfere-se para a Faculdade de Belo Horizonte, onde conclui seu curso e acompanha os desdobramentos da Revolução de 30. Deve-se lembrar que a proximidade com seu irmão, Newton Baga, fez Rubem interessar-se ainda mais pelo jornalismo, apresentando-o à direção do Diário da Tarde, em Belo Horizonte, um dos mais jovens títulos dos Diários Associados de , o Chatô. Rubem Braga, entretanto, nunca gostou de ficar preso às mesas da redação. Após um longo percurso como cronista em diversos jornais brasileiros, aos 23 anos, seu livro de estreia, O Conde e o Passarinho (1936), reunia suas melhores crônicas publicadas. Posteriormente, Braga contou com diversas outras obras em seu portfólio, como Ai de ti, Copacabana (1960), 200 crônicas escolhidas (1978), A borboleta amarela (1955) e 50 crônicas escolhidas (2009), considerada sua última antologia. Tratando-se de características e estilo narrativo singular, Braga sempre foi reconhecido por seus críticos por realizar crônicas com intensa presença lírica, o que as aproximava do texto literário permeado por aspectos de subjetividade. Reconhecidamente em sua fortuna crítica, Rubem Braga, em suas crônicas, preocupava-se menos com a precisão das informações, preferindo alcançar o leitor por meio de metáforas e narrativas próximas ao discurso ficcional. Os escritos de Rubem Braga tinha um humor particular, diferente daqueles contidos nas crônicas modernas de Luís Fernando Veríssimo, por exemplo. O humor de Braga era certeiro, direcionado às críticas políticas e sociais, sem a intenção de, necessariamente, fazer rir, mas com o objetivo de incomodar o leitor, a ponto de tirá-lo de sua zona de conforto. Nota-se que, desde o início da carreira, Braga expôs suas posições, fato que mostra o quanto o conteúdo de suas crônicas estiveram intimamente ligados a seus conflitos pessoais e intelectuais. Diante dessa informação, vale lembrar das desavenças entre Rubem Braga e Chatô, o que fez com o que o cronista se afastasse definitivamente de qualquer veículo relacionado aos

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Diários Associados nas décadas de 30 e 40. Uma crônica a respeito de Nossa Senhora de Lurdes, padroeira de Belo Horizonte, irritou o proprietário do conglomerado comunicacional. Braga nunca negou seu posicionamento anticlerical. De acordo com Simon (2011), os escritos de Rubem Braga foram um marco que redefiniu os caminhos e traços do gênero crônica, transformando o cenário no qual a crônica podia, então, estar contida não só nos periódicos, mas também nos livros, livrando-se, pouco a pouco, de seu caráter efêmero. Antonio Candido, neste aspecto, mostra-se favorável ao novo espaço ocupado pela crônica “quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava” (CANDIDO, 1993, p. 14-15).

3.1.2 Rubem Braga como cronista de guerra

Durante a realização do levantamento bibliográfico da vida e estilo de Rubem Braga, é curioso notar que em sua principal biografia, escrita por Carvalho (2007), o primeiro capítulo, destacado da linha cronológica em que o livro segue, faz referência ao período em que esteve com a FEB na Itália. A atuação como corresponde de guerra foi tão intensa e transformadora na vida do cronista que aparece antes mesmo de seu nascimento. Rubem Braga, no entanto, só foi correspondente de guerra na Europa devido ao desejo de Horácio Carvalho Júnior, dono do Diário Carioca, de enviar um jornalista do periódico ao front. Braga diria, mais tarde, que só chegou à Itália porque Horácio superou todas as dificuldades impostas pela Agência Nacional da ditadura Vargas. Durante todo o tempo em que esteve na Itália, Rubem Braga tinha como principal objetivo contar, dia a dia, a vida e a luta dos pracinhas em uma linguagem simples e clara. Foi o único jornalista que dependia inteiramente da via aérea para enviar seus trabalhos. Dessa forma, sua produção era limitada e suas crônicas demoravam a chegar até o Brasil, o que justifica o atraso entre a escrita e a publicação dos textos. No inventário documental3 de Braga nota-se tal divergência. Em alguns casos, uma crônica demorava mais de um mês para chegar ao Brasil, passar pelos crivos da censura e ser publicada, finalmente, no jornal. A velocidade na transmissão das reportagens influenciava na linguagem utilizada e, na maioria das vezes, o correspondente escrevia sobre temas já transcorridos, demonstrando sua

 3 Verificar apêndice I $' 

visão pessoal enquanto narrava os fatos de guerra, as precárias condições e os treinamentos insuficientes dos pracinhas. Um dos fatos mais marcantes de sua cobertura, segundo ele próprio, foi a tomada do Monte Castelo, já que Braga foi o único correspondente que aceitou assistir à disputa, exposto ao ataque.

Rubem escreveu uma longa e minuciosa reportagem de 21 páginas, em cinco vias, à luz de vela, sobre esse ataque, minuto a minuto. A censura militar, na Itália, não encontrou problemas; a censura do DIP, no Rio, proibiu a publicação. E o Monte Castelo só foi conquistado meses depois, em fevereiro, sem a presença do repórter – que estava em Nápoles, enjoado daquela guerra paralisada pelo inverno (CARVALHO, 2007, p. 24).

Aos olhos dos outros correspondentes, que viajaram junto de Braga, o cronista era inquieto, inadaptado e impaciente. Escrevia suas crônicas baseadas em conversas com soldados que, em sua maioria, eram homens simples e do povo. (CARVALHO, 2007). Solitário e silencioso, Rubem Braga preferia coletar informações entre os homens comuns a ouvir discursos oficiais, fato que influencia diretamente em seu estilo discursivo, o qual preocupa-se, a todo instante, com as minusciosidades do comportamento de cada pracinha do front. O cronista faleceu no dia 19 de dezembro de 1990 na cidade do Rio de Janeiro.

3.2 Joel Silveira

Após realizar pesquisa bibliográfica referente à fortuna crítica de Rubem Braga, foi necessário conhecer também a trajetória e estilo de Joel Silveira. Há de se ressaltar, no entanto, que o material disponível sobre o jornalista sergipano é escasso diante das informações compiladas sobre Braga. Encontrou-se poucas obras que tratassem exclusivamente do trabalho de Joel Silveira. Dá-se destaque para o livro de Danilo Wenseslau Ferrari, A atuação de Joel Silveira na Imprensa Carioca (1937-1944) (2012), o qual foi intensamente utilizado para compor os fichamentos deste momento da pesquisa. Joel Silveira, jornalista e escritor brasileiro, filho da professora primária Jovita Ribeiro e do comerciante Ismael Silveira, nasceu em 23 de setembro de 1918, no município de Lagarto, Sergipe. Precursor do jornalismo internacional no Brasil, Joel optou por essa atividade numa época de intensa censura, sendo considerado, por muitos, militante de esquerda. $( 

Percorreu diversas regiões brasileiras como jornalista desde os 19 anos e escreveu para inúmeros veículos, entre eles, Diários Associados, Última Hora, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias, Correio da Manhã e Manchete. Foi no Rio de Janeiro, no entanto, que sua carreira jornalística teve início. No estado carioca, conheceu Escragnolle Taunay, diretor supervisor das publicações do complexo jornalístico capitaneado pelo diário A Noite, do qual faziam parte as revistas Vamos Ler, Carioca e a Noite Ilustrada. Sua primeira publicação ocorreu justamente na revista Vamos Ler, a novela de autoria do aspirante a jornalista, intitulada Desespero. Em um documentário intitulado Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças (2013) e dirigido por Geneton Moraes de Melo, na época repórter especial do Fantástico, programa da TV Globo, Joel expõe claramente sua personalidade. Um dos poucos amigos que lhe restou, Geneton consegue captar a essência desse jornalista que ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de víbora, graças aos seus comentários ácidos. Carregando também o título de “maior repórter brasileiro”, são poucos os que se dedicaram tanto à arte da reportagem como Joel, que nunca aceitou cargos de maior status ou salário devido à sua paixão pelo factual e pela transmissão e veiculação da informação. Aprendeu, desde cedo, que um bom repórter se faz na rua, presente no fato. Apesar de Joel identificar-se com Rubem nesse ponto, ambos não gostavam de permanecer em redações fechadas, notou-se, durante a pesquisa bibliográfica, que a veia jornalística de Joel era muito mais evidente, assim como a tendência literária de Braga nada deixava a desejar. Ao considerarmos os dois como grandes cronistas de guerra, pode-se enxergar, claramente, as confluências entre jornalismo e literatura neste gênero do discurso híbrido, que é a crônica. O sergipano foi contratado por Assis Chateaubriand para compor o quadro de jornalistas dos Diários Associados em 1942, um dos principais momentos de sua carreira. Segundo Rodrigues (2014), Chatô tinha a intenção de reunir em seu grupo de comunicação os melhores profissionais da área e, nesse caso, Joel já tinha destaque suficiente para ser procurado pelo empresário. Enquanto esteve no grupo comunicacional de Chateaubriand, pode-se dizer que sua escrita atendia aos interesses dos patrões, ou seja, durante o governo Vargas, não podia expressar abertamente suas opiniões pessoais. Somente em 1952, quando fundou o jornal Comício, juntamente com Rubem Braga e Rafael Corrêa de Oliveira, o jornalista ganhou

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espaço e liberdade para expor sua incisiva oposição a Getúlio Vargas. Além da atividade jornalística, Joel Silveira também realizou incursões pela prosa de ficção. Seu livro de estreia, Onda raivosa (1939), reunia seus melhores contos publicados. Após a publicação do primeiro livro, Joel apresenta um vasto conjunto de obras que reúnem memórias de fatos por ele testemunhados, sendo considerado, por muitos autores consultados na pesquisa bibliográfica, como sendo o fundador do jornalismo literário no Brasil. A crítica mais especializada, em torno dos seus textos, já notou um apreço de sua parte pelo texto conciso e com uma função de expor a visão geral dos fatos de modo o mais realista possível. Joel Silveira, por meio de suas crônicas e narrativas, conseguia transmitir uma imagem mais humana e civil do confronto, uma vez que, ao utilizar as memórias representativas daqueles que participavam do cenário bélico como estratégica de composição textual, obtinha proximidade entre os fatos de caráter noticioso e o real sentimento dos protagonistas da guerra. Quando falamos do estilo de Silveira, nota-se, em grande parte das opiniões de seus críticos, a importância dada à preocupação estética e ao cuidado com o processo narrativo. O jornalista sergipano, que se dizia livre de qualquer influencia de correntes literárias e escritores, era o mais preciso possível e suas crônicas, principalmente as de guerra, eram repletas de detalhes objetivos sobre a cena narrada (MIRANDA, 2007).

3.2.1 Joel Silveira como correspondente de guerra

Joel foi o escolhido de Assis Chateubriand, aos 26 anos, para a cobertura da Segunda Guerra Mundial como correspondente internacional. Antes de partir para a Itália, ouviu as seguintes palavras do fundador do grupo Diários Associados: “Seu Silveira, me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra, mas não morra. Repórter não é para morrer, é para mandar notícias.” 4 Durante o período de guerra, os textos de Joel, assim como os de Rubem Braga, passavam pelo crivo da censura a partir de três instâncias: a primeira era o repasse das correspondências para que fossem analisadas pelas Forças Armadas Aliadas, órgão que objetivava barrar qualquer informação relacionada à estratégia militar. Em seguida, o alto comando da FEB tomava posse dos textos e, por fim, estes chegavam ao poder do DIP, quando a correspondência já estava no Brasil (RODRIGUES, 2014).

 4 Citação presente no livro O inverno da guerra (2005), de Joel Silveira $* 

A ida de Joel Silveira à Itália e à cobertura da Segunda Guerra Mundial marcaram a memória do jornalista, o qual demonstra em grande parte de suas obras o seu desejo de ser lembrado por meio dos relatos de guerra. Algumas de suas obras são: As duas guerras da FEB (1965), Fatos e homens da Segunda Guerra (1966), O Brasil na Segunda Guerra Mundial (1976), A luta dos pracinhas (1983), Segunda Guerra Mundial: todos erraram, inclusive a FEB (1989), Segunda Guerra: momentos críticos (1986) e, finalmente, O inverno da guerra (2004), sua última obra (FERRARI, 2012, p. 37-38). A morte levou, quase aos 89 anos, o jornalista Joel, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 15 de agosto de 2007.

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4. OS JORNAIS PESQUISADOS  4.1 Diário Carioca

Fundado por José Eduardo de Macedo Soares, em dezessete de julho de 1928, próximo ao fim da República Velha e início dos novos tempos de governo, o Diário Carioca é considerado o jornal que transformou a imprensa brasileira, contribuindo para a sua modernização. Foi criado, inicialmente, para fazer oposição ao governo de Washington Luís, participando de momentos decisivos da história da República. Macedo Soares contou com o auxílio administrativo de Horácio Carvalho Júnior, que atuou como sócio e proprietário do veículo de comunicação. Considerado um jornal de elite, de poucos leitores, o Diário Carioca, em seus 37 anos de vida, esteve, quase sempre em oposição ao governo. De acordo com Medeiros (2011), o jornal abrigou grande parte de jornalistas ilustres do Brasil, denunciando desmandos administrativos em nome da liberdade. Essa é, aliás, uma característica crucial para um veículo que envia Rubem Braga como correspondente de guerra, uma vez que o cronista, de estilo lírico, precisaria driblar a censura varguista para poder publicar seus escritos cheios de envolvimento emocional com suas personagens. Apesar do caráter liberal e de, historicamente, nunca terem ferido a liberdade de imprensa ou censurado seus repórteres, o Diário Carioca era repleto de matérias que satisfaziam os interesses de seus proprietários, poderosos latifundiários conservadores fluminenses, fato que não impediu a criação de um estilo próprio e memorável. Comecemos a história do veículo de comunicação apresentando-lhes o idealizador e dono do famoso DC. Macedo Soares era também dono da publicação O Imparcial, criado com a intenção de fazer oposição ao governo de Hermes da Fonseca e influenciar o país politicamente, e, diante de sua participação opositora na imprensa carioca, foi preso três vezes, a mando dos governantes de nosso país. Macedo Soares utilizou sua criatividade e habilidade com as palavras para lutar por suas causas. Era homossexual e não fazia questão de esconder o fato. Cecília Costa, em sua obra Diário Carioca, o jornal que mudou a imprensa brasileira (2011), faz referência ao fundador: Um jornalista das arábias, portanto, considerado por algumas testemunhas de sua época – entre elas o grande conspirador Virgílio de Melo Franco e o poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt – o maior entre todos os profissionais da imprensa brasileira na primeira metade do século XX (COSTA, 2011, p. 32).

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O Diário Carioca funcionou em quatro redações durante sua existência. Primeiramente, na rua Alcindo Guanabara, n0 5, Cinelândia. Depois, mudou-se para a praça Tiradentes, para a Avenida Getúlio Vargas e, por fim, viveu seus últimos dias na Avenida Rio Branco, esquina com a rua São Bento. Em todos os endereços, empregou aliados de esquerda, dando início a uma prática comum na imprensa brasileira: o patrão, conservador, emprega jornalistas com vieses libertários (COSTA, 2011). A primeira publicação do veículo já demonstrava seu caráter essencialmente político. No editorial de inauguração, primeira edição, Macedo Soares declarou suas intenções: “servir ao país, traduzindo lealmente seus sentimentos, esclarecendo e interpretando as correntes de opinião, e assumindo com honestidade e firmeza a parcela de responsabilidade que lhe coubesse nas lutas da política brasileira”.

Figura 1: Capa do jornal Diário Carioca em 9 de janeiro de 1945, edição 05082.

4.1.1 O estilo editorial do Diário Carioca %# 

O jornal atuou como redação modelo para a introdução de técnicas redacionais desenvolvidas nos Estados Unidos, adquirindo, então, matriz construtivista. De acordo com o jornalista Paulo Francis, o jornal era revolucionário e colocou fim nas reportagens intermináveis, em que a estrela era o repórter. Preocupados com a disseminação democrática da informação, os editores do Diário Carioca adotaram critérios e normas que, no início da década de 70, seriam seguidas por outros grandes veículos, como O Globo e Folha de S. Paulo. Tal reforma no estilo editorial permitiu que o jornal de Macedo Soares e Horácio Carvalho Júnior apresentasse lead adaptado, tomando como referência os jornais ingleses e franceses e posteriormente aperfeiçoado pelo Jornal do Brasil. Outra característica que chamou atenção à época foi a presença da crônica, com sua escrita que se aproximava da fala cotidiana. A partir de propostas modernistas, surgidas em 1922, o manual de redação do periódico, elaborado na década de 50 pelo jornalista Pompeu de Souza, torna-se menos rígido e apresenta- se mais enxuto, inspirado na escrita de autores modernos, como Graciliano Ramos. Dessa forma, abriu-se espaço para a incorporação de novos gêneros, como a crônica de guerra de Rubem Braga. Atenta-se ao fato de que o manual de redação do Diário Carioca constituiu o primeiro manual de redação moderno da imprensa brasileira. Aliás, o veículo foi pioneiro em outros aspectos socialmente importantes, como a escolha de uma figura feminina para assumir o cargo de chefe de reportagem. Ana Arruda assumiu justamente no período em que eclodia o movimento feminista no Brasil.

4.1.2 O Diário Carioca e o Estado Novo

As crônicas publicadas no Diário Carioca e utilizadas como objeto de análise dessa pesquisa situam-se no período de setembro de 1944 a maio de 1945, durante a cobertura dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Neste momento histórico, atuava no Brasil a ditadura varguista e seu Estado Novo. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas dissolveu o Congresso e outorgou uma nova constituição ao país, rompendo com princípios da democracia. Deve-se lembrar que, contraditoriamente a sua trajetória ideológica, a partir de 1938, o Diário Carioca passou a prestar incondicional apoio ao governo, tecendo elogios às medidas e realizações do governo

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federal. Com o tempo, entretanto, a linha política do jornal se transformou gradualmente. Durante a cobertura da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a Agência Nacional, órgão do governo Vargas, era contrária ao envio de correspondentes brasileiros para o front. Rubem Braga, no entanto, embarcou com o segundo escalão da FEB à caminhão de Nápoles, graças ao esforço e desejo de Horácio Carvalho Júnior. A cobertura da Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvidas, um fato de muita importância para o Diário Carioca, encerrou sua existência de quase quatro décadas em 1965.

4.2 Diários Associados

Francisco de Assis Chateaubriand, também conhecido como Chatô, fundou os Diários Associados em 1924, alguns anos antes do surgimento do Diário Carioca. Pretendia-se, com o conglomerado de comunicação de massa, promover a integração do Brasil e da América Latina por meio da palavra escrita. Até meados de 1960 a grande mídia era dominada praticamente pelo grupo de Chateaubriand, que, em seu auge, contabilizaria 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão. Para a realização desta pesquisa, elencou-se um dos periódicos do grupo para construção do inventário documental: o Diário da Noite, jornal carioca que publicou as crônicas do correspondente Joel Silveira durante o período que esteve junto à FEB na Itália.

4.2.1 Diário da Noite

Fundado no Rio de Janeiro, no dia 5 de outubro de 1929, o Diário da Noite, pertencente ao grupo dos Diários Associados, foi um veículo vespertino, considerado um complemento para o matutino O Jornal, para o qual dava-se maior importância. Suas edições também eram redigidas e veiculadas no estado de São Paulo. De acordo com Romero (2011), em sua obra Inúteis e Perigosos no Diário da Noite, o Diário da Noite era um periódico sensacionalista e era destinado, principalmente, às camadas populares. Exercendo papel fundamental e estratégico na difusão de informação, assim como na formação de opinião e na produção de consenso, o veículo constituía a imagem do consumo diário. Suas reportagens eram heterogêneas, apresentando narrativas objetivas, estruturadas a

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partir de um lead, e, simultaneamente, textos profundamente adjetivados, transmitindo ao leitor as sensações de um mundo naturalmente trágico. Na publicação, por exemplo, escreveu seus folhetins com o pseudônimo de Susana Flag. O jornal era considerado membro da vanguarda liberal da época, uma vez que, em seus textos, expunha opiniões contrárias ao governo conservador no qual estava inserido. Era um periódico explicitamente articulado com a Aliança Liberal, órgão contrário aos avanços da República Velha, sustentada pela política do café com leite, e à candidatura de Júlio Prestes à presidência da república.

Figura 2: Capa do jornal Diário da Noite em 17 de janeiro de 1945, edição 03676.

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4.2.2 O estilo editorial do Diário da Noite

Não foi encontrado um manual de redação exclusivo do jornal em questão, apesar de suas edições estarem disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira, contida na Biblioteca Nacional Digital. A partir das análises do acervo original no período proposto para realização desta pesquisa, pode-se observar uma estruturação editorial semelhante a do Diário Carioca, bem como a disposição das informações nas páginas do periódico. No entanto, um dos fatos que chama a atenção, apesar das matérias, em sua maioria, apresentarem o lead, é a coloquialidade da linguagem na qual são redigidas. Sabendo que o periódico era destinado para as classes populares e considerado um dos principais veículos de massa da época, pode-se dizer que havia maior liberdade linguística para experimentar diferentes gêneros discursivos, um dos motivos pelos quais as crônicas do correspondente Joel Silveira foram inseridas durante a cobertura da Segunda Guerra Mundial. Uma outra característica que chamou a atenção durante a análise, foi o intenso apoio à Revolução de 30 demonstrado nas manchetes do jornal, tais como Viva o Brasil! Viva a República nova e redimida! e Os ideais da pátria venceram!.

4.2.3 O Diário da Noite e o Estado Novo

Com o início do Estado Novo, os veículos componentes do grupo Diários Associados, incluindo o Diário da Noite, passaram a sofrer forte intervenção estatal em seus modelos editoriais, o que resultou em algumas divergências entre Chateaubriand e o governo varguista. No entanto, seguindo o perfil do Diário Carioca, o grupo de Chatô apoiou, por um período, Getúlio Vargas, com a intenção de amenizar os efeitos da censura, consequente do apoio à Revolução Constitucionalista de 1932, o que, na prática, nunca aconteceu. A ida do correspondente Joel Silveira à Itália e a cobertura da Segunda Guerra Mundial marcaram a memória do jornalista, o qual demonstra em grande parte de suas obras o seu desejo de ser lembrado por meio dos relatos de guerra. Após conseguir um emprego nos Diários Associados, o jornalista foi escolhido por Assis Chateaubriand para acompanhar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália durante os momentos finais da Segunda Guerra Mundial, enviando seus textos para serem publicados, principalmente, no Diário da Noite. Tal como Rubem Braga, Joel quase foi impedido de embarcar pelos órgãos da ditatura.

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Na época, os textos de Joel, assim como os de outros correspondentes, passavam pelo crivo da censura a partir de três instâncias: a primeira era o repasse das correspondências para que fossem analisadas pelas Forças Armadas Aliadas, órgão que objetivava barrar qualquer informação relacionada à estratégia militar. Em seguida, o alto comando da FEB tomava posse dos textos e, por fim, estes chegavam ao poder do DIP, quando a correspondência já estava no Brasil (RODRIGUES, 2014).

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5. ENUNCIAÇÃO E ENUNCIADO: OS ELEMENTOS DÊITICOS DA NARRATIVA

Fiorin (2004) diferencia o conceito de enunciação e enunciado em seu texto O Pathos do enunciatário. Conforme descrito no segundo capítulo deste trabalho, todo gênero do discurso é composto por enunciados estáveis. Deve-se, portanto, compreender que a enunciação contempla o ato de dizer e/ou escrever, enquanto o enunciado, o conteúdo linguístico. Para o autor, há a instância do eu-aqui-agora, a qual contém os elementos dêiticos da narrativa, ou seja, indica a pessoa, espaço e tempo que compõe determinado ato de narrar. Dessa forma, a fim de compreender a composição da narrativa e dos enunciados de cada correspondente escolhido como objeto dessa pesquisa, esmiuçar-se-á cada uma dessas categorias a partir da pesquisa bibliográfica realizada anteriormente, como primeira etapa proposta nos caminhos metodológicos deste trabalho.

5.1 O tempo na narrativa

Primeiramente, trataremos do tempo como elemento constitutivo da narrativa. Encontramos, nas teorias literárias, inúmeras formas de categorização deste elemento. Para compor essa discussão, no entanto, utilizamos como referencial teórico a obra O tempo na narrativa, de (1988). “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu o sei; se eu quiser explicá-lo a quem me fizer essa pergunta, já não saberei dizê-lo.” (AGOSTINHO apud NUNES, 1988, p. 16). O tempo é um elemento de difícil abordagem e estabelece relações íntimas com o ato de narrar. De acordo com Metz (2004, p. 32), “a narração é, entre outras coisas, um sistema de transformações temporais”. Muitos ramos do conhecimento, como a Filosofia, Física, Linguística e Literatura, buscam a compreensão dessa categoria, que pode, inicialmente, ser classificada de acordo com a sucessão dos fatos na narrativa, diferenciando-se em tempo físico e tempo psicológico. O primeiro, relacionado a um ordem objetiva e lógica, baseada em mensurações cronológicas precisas; o segundo, marcado por uma permanente descoincidência

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com as medidas temporais tradicionais, sendo, dessa forma, considerado subjetivo e qualitativo. O tempo físico tem medidas precisas e constantes, por isso, diz-se que é um tempo de ordem direta e irreversível. No tempo psicológico, em contrapartida, as medidas temporais variam de indivíduo para indivíduo. Uma outra forma de classificação é a dicotomia entre tempo cronológico e tempo histórico. O tempo cronológico é aquele que forma o sistema dos calendários, ou seja, é uma sequência sem lacunas, contínua e infinita. O tempo histórico, em contrapartida, diz respeito a um determinado período, podendo ser dividido em intervalos curtos ou longos, de acordo com a duração dos fatos. Por fim, pode-se classificar, de acordo com a obra de Nunes (1988), o tempo em linguístico e verbal. Quando nos referimos ao tempo linguístico, diz-se que está organicamente ligado ao tempo do discurso, demarcando o presente da enunciação. Nesta categorização do tempo, atrelamos o elemento constitutivo da narrativa à fala:

Da enunciação procede a instauração da categoria do presente, e da categoria do presente nasce a categoria do tempo. Ele é essa presença no mundo que somente o ato da enunciação torna possível, porque, é necessário refletir bem sobre isso, o homem não dispõe de nenhum outro meio de viver o “agora” e de torná-lo atual senão realizando-o pela inserção do discurso no mundo (BENVENISTE, 1989, p. 85).

Mas não se trata apenas de uma estruturação lógica ou subjetiva. O tempo pode apresentar variações, transformar o ritmo, a frequência e a duração. Genette (1972), faz uso das noções de ordem e duração para sistematizar algumas estratégias temporais escolhidas pelos narradores a fim de atribuir significação ao conteúdo da narrativa.

5.1.1 Os três planos da narrativa

Ao falarmos de tempo na narrativa, devemos levar em consideração os seguintes planos: a) História: categorizado como o plano do conteúdo, o qual contém o enredo da narrativa. b) Discurso: plano relacionado à forma de expressão e à escolha das categorias da enunciação (pessoa, tempo e espaço). c) Narração: o ato de narrar propriamente dito.

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“O tempo do discurso é, num certo sentido, linear, enquanto que o tempo da história é pluridimensional. Na história muitos eventos podem desenvolver-se ao mesmo tempo” (TODOROV, 1980). Dessa forma, podemos dizer que é no plano da história que o narrador ganha liberdade para lidar com as variações do tempo, uma vez que, neste plano, o tempo da obra literária é outro que não o real. Retomando ao conceito de Genette (1972) citado anteriormente, pode-se considerar a existência de uma ordem de acontecimentos do discurso e uma ordem de acontecimentos da história. Sabe-se que há concordâncias e discordâncias entre essas duas ordens. Quando o plano da história e plano do discurso mostram-se discordantes, dizemos que há uma anacronia temporal. As anacronias temporais são definidas da seguinte maneira:

O recuo pela evocação de momentos anteriores, como também o avanço pela antecipação de momentos posteriores aos que estão sendo narrados, são denominados por Genette, respectivamente, de analepse (retrospecção) e prolepse (prospecção) (NUNES, 1988, p. 32).

Durante posteriores análises em que se utilizou as teorias relacionadas ao tempo, levou- se em consideração, além de todas as propriedades já mencionadas, as figuras de duração, que definem o tempo de narrar e o tempo narrado e podem ser classificadas como sumário, alongamento e cena. Quando um cronista faz uso do sumário, abrevia os acontecimentos em um tempo menor do que sua suposta duração, conferindo rapidez à narrativa. No alongamento, o discurso dura mais do que a própria história, técnica muito utilizada em descrições ou nas combinações entre narração e digressão. Por fim, optar pela cena faz com o discurso corresponda, aproximadamente, ao tempo dos acontecimentos. Nos textos escolhidos para compor os resultados dessa pesquisa, nota-se intensa presença de anacronias temporais, tanto nas crônicas de Rubem Alves, quanto nos escritos de Joel Silveira. Dessa forma, de acordo com os referenciais teóricos escolhidos para os estudos relacionados ao tempo, sabe-se que este elemento não está relacionado apenas com o posicionamento dos fatos da narrativa em uma ordem sucessória. O tempo está também atrelado à maneira como o autor opta por narrar e reportar os acontecimentos e fatos cotidianos em determinado gênero do discurso. Há de se considerar, por fim, a temporalização do discurso seguida de sua debreagem

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temporal, ou seja, a instalação do tempo no texto. Necessitou-se observar, durante as análises, as definições de tempo utilizadas por cada correspondente. Narrativas do presente, do pretérito e do futuro, cada qual com suas particularidades de efeito e significação.

5.1.2 O tempo nas crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira

Nota-se a necessidade de escolha de um tempo físico nos escritos de ambos os correspondentes, indicando uma convergência entre a maneira de narrar de Braga e Silveira. Para relatar os acontecimentos e as estratégias da guerra, utilizam, em maior ou menor grau de objetividade, o princípio de causalidade. Joel Silveira mostra-se um cronista mais sincronizado com os relógios. Durante suas narrativas, há predominância da cena, enquanto figura de duração temporal. Ou seja, o discurso corresponde, aproximadamente, ao tempo dos acontecimentos, o que pode ser afirmado pela exatidão de horários ou dias transcorridos entre uma ação e outra (LEITE, 1985). Na crônica O livro da guerra, publicada na edição 03681 (23/01/1945) do Diário da Noite, encontramos trechos como “De 4 da tarde às 6 da manhã do dia seguinte, eles ficaram passeando pela neve, espalhados em pequenos grupos, e de minuto a minuto as balas nazistas assoviavam sobre suas cabeças e os morteiros explodiam ao redor.”, o qual indica a intensa presença do tempo físico. Uma das maiores evidências da utilização de uma temporalidade unidirecional e com demarcações cronológicas, é a estruturação da crônica O golpe de mão, publicada na edição 03727 do Diário da Noite (20/03/45), a qual faz uso de horários precisos para a sucessão dos fatos, comprovando a irreversibilidade do tempo físico. Como no seguinte trecho:

“Às 3,15 da madrugada a pressão dos atacantes continuava a fazer-se sentir com maior intensidade, particularmente à frente da 7a Cia., mas nossa defesa, muito bem controlada, persistia firme, coberta por fogos bem ajustados. Às 4,10, depois de uma luta intensa, os nazistas começaram a retirar-se desordenadamente, em verdadeiro pânico, castigados pelos fogos de defesa. Às 4,25 os alemães haviam desistido completamente do seu intento, tendo deixado no campo da luta um morte e um cabo ferido, que foi aprisionado (SILVEIRA, 1945, p. 85)

Já em O Anjo Postal, publicada no Diário da Noite, edição 03701 do dia 17/02/45, deparamo-nos com recursos de variações do tempo. O fluxo temporal, neste caso, apesar de conter ordem objetiva, apresenta certos recuos, quando evoca momentos anteriores aos que

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estão sendo narrados. “Uma noite dessas, eu ESTAVA num ponto qualquer da frente quando um grupo de soldados e um sargento voltava de uma patrulha.”, a presença do verbo no pretérito imperfeito do indicativo aponta uma analepse, ou seja, uma anacronia temporal, discordância entre a ordem temporal do discurso e da história (GENETTE, 1995). As digressões presentes nas crônicas de Silveira são, portanto, em sua maioria, frutos de analepses, nas quais o correspondente resgata histórias ocorridas anteriormente. Além disso, devido à exatidão das demarcações temporais, todas as discordâncias entre presente e passado tornam-se intensamente evidentes. Rubem Braga, em contrapartida, não faz uso constante de advérbios de tempo e demarcações temporais, portanto a utilização de tempo físico e da sucessão de acontecimentos não é tão evidente quanto nas crônicas de Silveira. Há, entretanto, convergência entre os dois correspondentes quanto ao uso do alongamento, figura de duração temporal que aglutina a narração e digressão, fazendo com o que discurso tenha maior duração que a história propriamente dita. As anacronias temporais de Rubem Braga, assim como as de Joel Silveira, baseiam-se também em analepses (NUNES, 1988). Na crônica Um espião que é um moço prendado, publicada na edição 05077 do Diário Carioca (03/01/1945), Rubem Braga faz uso da analepse para narrar a história de como um espião foi apanhado pelos soldados brasileiros. Para marcar o final do retrospecto, o cronista faz uso de advérbio temporal correspondente ao presente: “Agora, está perfeitamente calmo e aceita de bom grado o cigarro americano que lhe ofereço.”. Ainda discutindo o tempo como elemento constituinte da narrativa, deve-se dar destaque à crônica Mestre Pracinha e a neve, publicada por Braga, na edição 05095 do Diário Carioca. Nesta, excepcionalmente, nota-se a utilização de um tempo psicológico. Enquanto Rubem Braga observa a relação do pracinha brasileiro com a neve, coloca na narrativa uma digressão permeada por seu fluxo de consciência, o qual revive memórias de sua infância. Neste caso, não há sucessão lógica dos fatos, baseada no princípio de causalidade:

“Mas um correspondente é, afinal, um turista. Sim, eu sou um boa-vida e posso confessar que no primeiro dia em que vi essas montanhas totalmente cobertas de neve, e as fontes que saltavam das pedras transformadas em faíscas de gelo – embora fosse um dia ruim em toda a frente, um dia de apreensões – fiquei incapaz de escrever qualquer coisa sobre a guerra. Voltei à minha infância, lembrei a primeira vez que vi o mar – e deixei um refúgio aquecido, inventando uma visita e uma bateria onde não tinha nada o que fazer, só para caminhar na neve funda, sob o céu esplêndido em que a lua crescia.” (BRAGA, 1996, p. 87)

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Conclui-se, portanto, que a escolha do tempo transforma significativamente o estilo narrativo de cada correspondente. Enquanto Joel mostra-se um cronista mais lógico em relação ao acontecimento dos fatos, Rubem Braga coloca, em seus escritos, a condição humana de descontinuidade de pensamentos, uma vez que inclui memórias e digressões juntamente aos episódios narrados.

5.2 O espaço na narrativa

O espaço, no romance, tem sido – ou assim pode entender-se – tudo que, intencionalmente disposto, enquadra a personagem e que, inventariado, tanto pode ser absorvido como acrescentado pela personagem, sucedendo, inclusive, ser constituído por figuras humanas, então coisificadas ou com a sua individualidade tendendo para zero (LINS, 1976, p. 72)

O espaço é um importante elemento para delimitar a percepção do entorno das personagens. Na literatura, principalmente nos romances, o espaço seria constituído pelas objetos, bem como suas relações entre si. Nota-se, no entanto, a partir da pesquisa bibliográfica realizada, uma preferência dos autores pelos demais elementos constitutivos da narrativa, tempo e personagem, em detrimento dos estudos relacionados ao espaço. De acordo com Dimas (1994), o espaço é formado por denotações da linguagem, ou seja, apresenta-se de forma objetiva e explícita ao receptor ou leitor do enunciado no qual está inserido. No entanto, não se deve confundir o espaço com a ambientação, conceito revestido de conotação utilizado para criar a noção de um determinado ambiente. A ambientação pode ser subdividida em (LINS, 1976): a) Ambientação franca: composta por um narrador que não participa da ação; b) Ambientação reflexa: aquela em que as coisas são percebidas por meio da personagem, ou seja, há uma visão compartilhada entre personagem e narrador; c) Ambientação dissimulada: o espaço nasce a partir dos gestos e ações da personagem.

Enquanto a ambientação apresenta um quadro de significados mais complexos, o espaço contém dados da realidade que, em uma instância posterior, podem alcançar uma dimensão simbólica.

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Bachelard, em sua obra A poética do espaço (1989), diz que o estudo deste elemento constitutivo da narrativa na literatura pode ser chamado de topoanálise. Em seu texto, o filósofo francês também delimita algumas funções dessa categoria narrativa. Iniciaremos a discussão abordando a perspectiva de que o espaço é a categoria responsável por situar as personagens em um contexto histórico, socioeconômico e psicológico. Dessa forma, a partir do espaço no qual a personagem está inserida, aquele em que moram ou frequentam nos fatos narrados, pode-se prever algumas de suas futuras ações. Um exemplo clássico ocorre no romance Senhora (1874), de José de Alencar. O quarto da personagem Fernando Seixas, quando descrito, demonstra traços de seu caráter, posicionando-o socioeconomicamente na sociedade. Em outros casos, ocorre a situação contrária. É o espaço que determina e influencia as ações das personagens, como em O cortiço (1890), de Aluízio Azevedo. O determinismo daquele espaço causa mudanças no comportamento das personagens. Pode-se dizer que há uma via de mão dupla entre a caracterização das personagens e sua inserção em determinado espaço. Ou seja, a personagem pode, a partir de caráter ou conduta, traçar características espaciais na obra, enquanto que, possivelmente, em sentido inverso, o espaço possa também determinar ações das personagens do enredo. O espaço, entretanto, pode não influenciar ou ser influenciado pelos demais elementos do enredo. Nesse caso, apenas situa as personagens geograficamente, assumindo função denotativa. Não há nenhum aspecto simbólico, psicológico ou social, o que torna, nessa situação, o espaço uma categoria meramente factual.

5.2.1 A atuação do espaço no enredo

Quando trabalhado em obras literárias, o espaço pode ser classificado de acordo com seu grau de ficcionalidade. É considerado realista quando o narrador vale-se de espaços existentes na vida real; o espaço imaginativo, no entanto, é aquele imaginado pelo autor, ou seja, não há referências no mundo concreto, apesar de se assemelhar aos lugares que estamos, cotidianamente, habituados. Por fim, temos o espaço fantasista, o qual não apresenta nenhuma semelhança com a realidade (BORGES FILHO, 2008). Independentemente do espaço escolhido para compor a narrativa, há de se considerar o percurso espacial que se relaciona com as partes do enredo. Tal percurso acompanha o desenvolvimento da narrativa e permite que os pontos de introdução, apresentação,

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desenvolvimento e clímax estejam situados espacialmente. No caso das crônicas de guerra, sabe-se que os correspondentes fazem uso do espaço realista, uma vez que presenciaram as situações descritas em seus textos diretamente do front. Dessa forma, acompanham o percurso espacial dos pracinhas para desenvolver o enredo, comprovando a eficácia do gênero em aproximar os leitores aos fatos vivenciados na Itália. Ainda de acordo com Borges Filho (2008), as teorias espaciais permitem que se diferencie o macroespaço do microespaço. O primeiro está relacionado às grandes delimitações espaciais ou regionais; já o segundo restringe-se aos cortes cirúrgicos realizados pelo narrador, os quais situam e localizam cenas, situações que demarcam os acontecimentos necessários para o desenvolvimento da narrativa e momentos específicos de cada personagem. Pode-se afirmar, a partir desta dicotomia, que, nas crônicas escolhidas como objetos dessa pesquisa, tem-se a Itália, assim como as grandes regiões do país percorridas pelos pracinhas e correspondentes, como macroespaço; como microespaço, nesse caso, os correspondentes focam em aspectos e temáticas bem demarcados por motivos situacionais ou envolvimento emocional com as personagens.

5.3 A personagem na narrativa

Utilizando as obras A personagem (1985), de Beth Brait, e A personagem de ficção (2007), com ênfase no segundo capítulo, A personagem do romance, de autoria de Antônio Cândido, traçou-se as primeiras delimitações teóricas acerca do assunto. Diante das possíveis funções exercidas pela personagem na narrativa, elencou-se, como mais relevante para a análise em questão, a possibilidade de adesão intelectual e afetiva do leitor ao enredo. Para Cândido (2007), a personagem é a concretização de um ser fictício. Deve-se lembrar a diferença entre personagens planas e personagens esféricas. Enquanto a personagem plana é centrada em uma única ideia, apresentando-se de forma pouco complexa ao leitor, a personagem esférica apresenta características baseadas em dimensões complexas, físicas, psicológicas, ideológicas, sociais e morais, as quais dão-lhe o aspecto de vivência real. A personagem plana pode apresentar-se de duas maneiras. A primeira delas são as personagens tipo, reconhecidas por suas características típicas, econômicas ou profissionais, como quando, por exemplo, Euclides da Cunha apresenta o sertanejo em suas obras. A segunda maneira de representação de uma personagem plana está centrada na imagem de uma

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caricatura, ou seja, a personagem é reconhecida por características fixas e ridicularizadas (GANCHO, 1995). Diferentemente do romance, a crônica não permite tamanho trabalho de construção de uma personagem. Com tamanho enxuto e foco centralizado em um acontecimento cotidiano, a crônica, muitas vezes, utiliza a personagem como representante de uma metáfora maior. Rubem Braga, por exemplo, faz uso da imagem dos pracinhas para figurar experiências vividas no front, aprofunda-se em suas emoções, mas, no entanto, o curto período temporal narrado em uma crônica não permite que essa mesma personagem seja desenvolvida por meio das palavras do correspondente. No âmbito das teorias literárias, pode-se classificar a personagem de uma narrativa a partir de diversas perspectivas. Tomando-se, primeiramente, como base uma noção semiológica, a personagem é classificada em (BRAIT, 1985):

a) Personagem referencial: imobilizadas por uma cultura, remetem a um sentido fixo. São conhecidas também como personagens históricas. b) Personagem “embrayeur”: atuam como elementos de conexão e só ganham sentido na relação com outros elementos da narrativa. c) Personagem anáfora: só são completamente compreendidas a partir da rede de relações formadas pela obra.

Habitante da realidade ficcional, a personagem realiza as ações do enredo. Há, entretanto, uma outra perspectiva de classificação das personagens. De acordo com Gancho (1995), pode-se classificar essa categoria de acordo com o papel desempenhado no enredo:

a) Protagonista: classificação fornecida à personagem principal. b) Antagonista: aquele que se opõe ao protagonista, atrapalhando suas ações. c) Personagens secundários: apresentam participação menos frequente no enredo, auxiliando as ações do protagonista do ou antagonista.

Assim como o espaço, a personagem é um elemento constitutivo da narrativa que pode ser caracterizado detalhadamente em trechos narrativos. De acordo com o estilo do autor, atribui-se maior ou menor importância aos detalhes dessas categorias. Veremos, posteriormente que, enquanto Joel Silveira dedica-se ao detalhamento espacial, a fim de posicionar o leitor

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perante os fatos, Rubem Braga prefere minuciar as ações e reações das personagens.

5.3.1 A personagem e o ponto de vista narrativo

Ao realizarmos a classificação do conceito de personagem, foi necessário levar em consideração o ponto de vista narrativo, uma vez que de acordo com o posicionamento desse elemento na narrativa, muda-se a significação da categoria no enredo. De acordo com a tipologia de Norman Friedman, apresentada no livro O foco narrativo (1985), de Ligia Chiappini Leite, em uma obra literária é possível que exista as seguintes possibilidades:

a) Autor onisciente intruso: presente nas obras de Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Camilo Castelo Branco, é considerado o eu que tudo sabe e tudo comenta, analisa e critica. b) Narrador onisciente neutro: aquele que fala em terceira pessoa, entretanto tem acesso a todo os pensamentos, ações e comportamentos das personagens. c) Narrador testemunha: narra em primeira pessoa, de forma direta e verossímil, e vive os acontecimentos da narrativa, simultaneamente. d) Narrador protagonista: aqui desaparece a onisciência, como em Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, obra na qual Riobaldo não tem acesso ao estado mental das demais personagens. e) Onisciência seletiva múltipla: neste caso, não há propriamente um narrador, perde- se, portanto, o “alguém” que narra. A história vem diretamente da mente das personagens, ou seja, há pontos de vista narrativo de acordo com cada personagem. f) Onisciência seletiva: diferente do item anterior, trata-se do ponto de vista de um único personagem, há, portanto, uma simbiose entre narrador e personagens, a ponto de não podermos distingui-los.

Quando entramos no âmbito da teoria da visão da narrativa, denominada visão com, visão de fora e visão de trás, notamos que há certo distanciamento entre as visões utilizadas pelos correspondentes escolhidos como objetos dessa pesquisa. Enquanto Rubem Braga apresenta a visão com, ou seja, coloca-se como o narrador que aceita o saber da personagem sobre si mesma e sobre os acontecimentos, Joel aposta na visão

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de fora para narrar suas temáticas, renunciando ao saber da personagem e limitando-se a descrever os acontecimentos do exterior, sem adentrar nos pensamentos e emoções daqueles que, juntamente a ele, vivenciaram a experiência. A pesquisa bibliográfica auxiliou, portanto, nas delimitações significativas adquiridas pelas crônicas analisadas, a partir de cada ponto de vista narrativo escolhido pelos correspondentes, proporcionando, dessa forma, diferenciações estilísticas entre os textos de cada um deles.

5.4 O espaço de Joel e a personagem de Braga

Prosseguindo com a análise dos elementos constitutivos da narrativa, deparamo-nos com o posicionamento do espaço e da personagem nas crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira. De acordo com Lins (1976), há, tratando-se do espaço, uma diferenciação entre o elemento propriamente dito e o conceito de ambientação, o qual apresenta um quadro de significados mais complexos. O espaço, nas crônicas de Silveira, ocupa lugar de destaque e é apresentado com informações objetivas e bem delimitadas. Na crônica O livro da guerra, publicada na edição 03681 do Diário da Noite (23/01/45), por exemplo, nota-se completa descrição do posicionamento dos pracinhas: “Quando calamos, o silêncio volta pesado e sinistro. Um silêncio que parece esconder ameaças e armadilhas / - Estamos a 480 metros dos alemães.”. Um dos aspectos espaciais marcantes da obra de Silveira é a intensa utilização de marcadores e advérbios de lugar. Ao longo da narrativa, acompanhamos o deslocamento dos pracinhas, a partir de um aqui para marcar outros espaços. Em A sala dos segredos, publicada na edição 03696 do Diário da Noite (09/02/45), encontramos o pronome demonstrativo “este”, enquanto marcação espacial da primeira pessoa, como no trecho: “Esta é a sala aonde todos os mistérios da frente podem ser revelados.”. Neste caso, a instalação do espaço no texto cria a sensação de que o narrador encontra-se na cena. Dessa forma, e juntamente com a descrição detalha da sala, o leitor, que se encontra no Brasil, sente-se mais próximo e familiarizado com o local dos conflitos, na Itália. Além da objetividade quantitativa com que trata o espaço de suas narrativas, Joel Silveira também faz uso da ambientação, a qual pode ser classificada em: franca, reflexiva e dissimulada. Na ambientação franca, presente nas crônicas do correspondente, o narrador é

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independente, ou seja, a percepção da cena não é feita através do olhar de uma personagem, mas pautada no descritivismo (DIMAS, 1994). Ao escrever O poeta Joe, crônica publicada na edição 03702 do Diário da Noite (19/02/45), o correspondente torna a ambientação uma aliada do desenvolvimento do espaço enquanto elemento central de sua narrativa. “Estamos precisamente a 2.962 pés de altura, o gelado vento das montanhas não nos deixa em paz.”, ainda que sinalize a localização de forma quantitativa, utiliza atributos e características físicas do espaço, as quais ambientalizam o leitor por meio da crônica. No compilado de escritos de Joel, nota-se que o espaço pode ocupar o lugar de protagonista da narrativa, a partir da relação de intimidade que o correspondente desenvolve com os locais por onde passa junto à FEB. Uma das crônicas em que o espaço é protagonista é Pistoia, a cidade do pracinha brasileiro, publicada na edição 03693 do Diário da Noite (06/02/45). A relação intimista de Silveira com o local pode ser percebida no trecho “Nas minhas andanças pela Itália, Pistoia tem sido ponto obrigatório de parada, e hoje a cidadezinha me é tão familiar como o Lagarto ou o meu bairro do Botafogo.”. Notamos ainda a presença da personificação, figura de linguagem que atribui sentimentos ou ações próprias do ser humano a objetos inanimados, reafirmando o valor do elemento espaço para a narrativa de Silveira. Um característica exclusiva desta crônica, é a ambientação por meio das estações climáticas. Na obra de Joel Silveira a ambientação e seus motivos livres, aqueles recursos periféricos em que a exclusão não compromete o enredo, age em conjunto com o espaço.

“Eram belos os cipestres da via Giosué Carducci, mas agora eles estão escondidos atrás do gelo. No fim do outono, depois da chuva que invariavelmente despencava todas as manhãs, o sol sem calor inundava Canto alla Porta Vecchia, e pardais se aqueciam sobre os muros e ameias de um castelo quase destruído.” (SILVEIRA, 1945, p. 195)

A partir do trecho supracitado, podemos notar que as estações climáticas ocupam o lugar da passagem do tempo físico, uma vez que ocorrem em uma sucessão lógica de fatos. Dessa forma, até mesmo quando Joel Silveira vale-se de estratégias temporais conotativas, não deixa de fazer uso da causalidade, típica do tempo físico. Ainda nesta crônica, outras construções enunciativas evidenciam que o espaço ocupa o lugar de personagem, tornando-se protagonista da narrativa, como em:

“Mas de repente Pistoia entristeceu: o inverno, tão rigoroso, veio &* 

encontrar a cidade com pouca reserva de carvão, e as janelas e portas se fecham temerosas para o vento gelado que desce das montanhas e para as tempestades de neve, que se repetem duas ou três vezes por semana.” (SILVEIRA, 1945, p. 195)

Neste trecho, não são os habitantes de Pistoia que se entristecem, mas sim a própria cidade. O temor não é humano, mas transposto para elementos espaciais, como as portas e janelas, os quais ocupam papéis essenciais nas descrições das crônicas de Joel. A precisão desta descrição espacial, baseada no conceito de microscopia, promovido pelo correspondente, fornece àquele que descreve a função de observador da cena e do espaço. Na crônica Capítulo do canhão, publicada na edição 03701 do Diário da Noite (17/02/45), deparamo-nos com o seguinte trecho: “O projétil atravessara a parede externa, logo abaixo do letreiro, e explodira lá dentro, entre as cadeiras.”, o qual promove no leitor a sensação de enxergar o acontecimento narrado com exatidão, consequência de uma descrição incisiva e precisa feita por Joel Silveira. Enquanto o correspondente do Diário da Noite dedica-se a trabalhar o espaço com mais afinco, investindo em longas explanações sobre estratégias bélicas quantitativas, pouco sabemos sobre posições exatas ou descrições detalhadas das situações narradas por Rubem Braga. Em suas crônicas enviadas ao Diário Carioca, outro elemento constitutivo da narrativa ocupa lugar de destaque – a personagem. Braga protagoniza suas narrativas com informações sobre o cotidiano dos pracinhas, suas ações e sensações humanas, descritas a partir de discurso direto ou indireto livre. A falta de advérbios temporais e espaciais fazem com que a atenção do leitor seja direcionada para as pessoas que praticam ou sentem as ações presentes na crônica. Classifica-se como fábula o conjunto de acontecimentos ligados entre si e que nos são comunicados no decorrer da obra. Os motivos livres, apontados na ambientação de Joel Silveira, são agora essenciais para as crônicas de Braga, que, enquanto esteve com a FEB no front, relatou, na maioria de seus escritos, fatos a partir de vivências de personagens, afastando- se de acontecimentos oficiais e concentrando-se na individualidade e particularidades dos pracinhas brasileiros. Ou seja, cônicas como O pracinha Juan, publicada na edição 05021 do Diário Carioca (26/10/44), que apresentam um personagem único como protagonista, são recursos periféricos para constituir a experiência e expressividade do cronista, por isso, são consideradas motivos livres na trama, enquanto a guerra pode ser considerada um motivo associado, aquele que não pode ser excluído da narrativa sob pena de lhe arruinarem a sequência causal.

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Uma das crônicas em que mais fica evidente a preferência de Braga por desenvolver e trabalhar a personagem, é A procissão de guerra e a desgraça monótona, publicada na edição 05085 do Diário Carioca (12/01/45). Nesta, o cronista não faz descrição exata do espaço em que se encontra, em contrapartida, promove uma reflexão sobre o papel da figura humana naquela situação:

“As estradas da Itália são boas, mas estreitas. É preciso paciência. A esta hora, em milhares de outras estradas do mundo os caminhões estão assim, em comboios, rodando para a guerra ou para a retaguarda. Temos, de repente, a consciência de tomar parte em uma estranha e lenta procissão – homens e máquinas rodando para a guerra.” (BRAGA, 1996, p. 48)

Utilizando como referencial a poética de espaço de Bachelard (1993), discutida anteriormente juntamente ao desenvolvimento da pesquisa bibliográfica, encontramos, na crônica em questão, um processo de desfolhamento gradual e paciente das situações narradas, até atingirmos o seu significado mais íntimo. Dessa forma, podemos dizer que Rubem Braga trabalha no nível psicanalítico e filosófico do espaço, como no trecho “Nestes montes de escombros estão soterrados os reinos íntimos, as antigas ternuras, as inúteis e longas discussões domésticas.”. Ao contrário de Joel Silveira, que foca no processo de ambientação, Braga sobrepõe os próprios sentimentos e ações das personagens à descrição espacial. Ainda na crônica A procissão de guerra e a desgraça monótona, podemos encontrar outra grande sobreposição do elemento personagem ao elemento espaço: “Da primeira vez, confrangem essas ruas de casas estripadas que mostram as vísceras de suas paredes íntimas, num despudor de ruína completa. Parecem mulheres de ventres rasgados.”, aqui, Rubem Braga utiliza uma metáfora de forma a expor ao leitor que a destruição causada pela guerra na Itália não fica restrita somente às construções, mas pode, também, causar danos físicos e psicológicos aos habitantes que ali residem. Há, nas crônicas de Rubem Braga, preocupação com a descrição e identificação da personagem. Apesar de não especificar a quilometragem exata de onde se encontra, faz questão de localizar a cidade natal daquele que utiliza como protagonista ou coadjuvante de sua narrativa. Na crônica A turma da água trabalha, às vezes, debaixo do fogo, publicada na edição 05145 do Diário Carioca (25/03/45), Rubem apresenta as personagens da seguinte forma: “Outro homem na equipe é Jovercino Maximiliano Leite, filho do Pará de Minas (...).”, tornando-o conhecido de seus leitores. Devido à grande importância atribuída ao elemento personagem, Braga apresenta um

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posicionamento definido em relação à representação dos pracinhas. Na crônica Mestre pracinha e a neve, explicita seu ponto de vista:

“A esta hora, lá está o pracinha, no seu foxhole solitário. Não o pintem como um belo herói, um formoso guerreiro da neve. Não é o super- homem. É exatamente um sujeito – um desses sujeitos não muito fortes, não muito altos, não muito brancos – um sítio do interior.” (BRAGA, 1996, p. 87)

Notamos, no trecho retirado dos escritos do correspondente, a caracterização do pracinha brasileiro enquanto homem comum. Não há idealização ou distanciamento da realidade quando Braga faz uso da personagem em sua narrativa, utiliza-a em sua essência e colocando-a em primeiro plano. De acordo com a noção semiológica de personagem, aqueles que aparecem na obra de Braga, de maneira geral, são classificados como “embrayeurs”, uma vez que que funcionam como elementos de conexão e só ganham sentido na relação com outros elementos da narrativa, no caso, as situações e os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial (BRAIT, 1985). A preferência pela ênfase espacial em Joel Silveira, assim como a propensão de Rubem Braga pela personagem, demarca as divergências e, acima de tudo, a identidade narrativa de cada correspondente. Enquanto o primeiro apresenta uma visão analítica dos fatos, Braga fornece ao leitor proximidade emocional com as situações vivenciadas pelos pracinhas da FEB. A partir da contraposição de crônicas, é, portanto, possível evidenciar características pessoais a partir do ponto de vista narrativo de cada autor, ou seja, há divergências e convergências entre os elementos da estrutura narrativa, como a construção do personagem e a questão temporal, presentes nos textos dos correspondentes em questão. Pode-se dizer, por fim, que o gênero crônica, enquanto gênero discursivo híbrido, intersecção entre a linguagem jornalística e a linguagem literária, permite flexibilidade de estilos narrativos, ou seja, uma mesma temática cotidiana pode chegar ao leitor com diferentes vieses e causar sensações diversas, dependendo da forma de narrar do cronista. Neste trabalho, especificamente, foi dado enfoque no uso dos elementos da narrativa realizado por cada correspondente, tornando possível a identificação de suas marcas linguísticas e semânticas. No entanto, deve-se levar em consideração que há pontos de convergência nos textos de Rubem Braga e Joel Silveira, os quais, de maneira dialógica, conversam entre si na temática e nas perspectivas causadas pela proximidade com o front. Ao realizarmos uma análise das crônicas originalmente publicadas nos jornais Diário

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Carioca e Diário da Noite, conclui-se, portanto, que este gênero do discurso foi, devido à flexibilidade de formas de narrar e posicionamento na formatação editorial de cada jornal, o responsável pela aproximação dos brasileiros que permaneceram em solo nacional com os pracinhas que partiram para a Itália.

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6. CATEGORIZAÇÃO DAS CRÔNICAS DE GUERRA

O presente capítulo visa apresentar a metodologia escolhida para auxiliar a execução de dois objetivos deste projeto de pesquisa, que consistem em, primeiramente, realizar um estudo comparativo dialógico entre as crônicas de guerra produzidas pelos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira, identificando suas particularidades narrativas, e, posteriormente, no estudo comparativo entre as crônicas publicadas originalmente nos jornais Diário Carioca e Diário da Noite e aquelas compiladas nos livros Com a FEB na Itália (1945) e Histórias de pracinhas (1945).

6.1 Análise quantitativa

Para que fosse realizada a análise quantitativa do corpus da pesquisa, fez-se uso do inventário documental5. Os dados coletados consistem nas crônicas publicadas durante o período em que Rubem Braga e Joel Silveira estiveram na Itália junto à FEB, de maio de 1944 a setembro de 1945. Rubem Braga, em seu livro Crônicas da guerra na Itália (1996) publicou 84 crônicas. Outros 10 títulos foram veiculados apenas no jornal Diário Carioca, enquanto realizavam a cobertura da atuação da FEB na Segunda Guerra Mundial. O correspondente Joel Silveira publicou, em Histórias de pracinhas (1945), 107 crônicas, sendo apenas 15% delas veiculadas no Diário da Noite. Nota-se uma grande diferença entre a visibilidade do material de Braga e de Silveira na imprensa brasileira. Enquanto o veículo que contratara o primeiro fornecia espaço periodicamente para suas publicações, Silveira não contava com a mesma frequência e destaque. As conclusões finais acerca do perfil narrativo e da visibilidade editorial de cada correspondente, bem como suas principais divergências, serão apresentadas e desenvolvidas nas “Considerações finais” deste trabalho. Por ora, devemos nos deter à justificativa da escolha e cumprimento da análise quantitativa no desenvolvimento da pesquisa em questão. A categorização das crônicas permite que possamos identificar temáticas semelhantes, criando critérios para a seleção dos pares, textos de Braga e Silveira, que serão analisados no estudo comparativo proposto inicialmente. Além disso, quantificar os textos a partir de unidades de registro recorrentes em suas narrativas possibilita o reconhecimento de indícios de

 'Verificar apêndices I e II '% 

assuntos preferidos pelos cronistas, o que influencia diretamente em seu estilo narrativo e também nas relações dialógicas estabelecidas entre eles.

6.2 Análise de Conteúdo

A análise de conteúdo, realizada no corpus desta pesquisa, é uma etapa importante para que se possa, posteriormente, quantificar e categorizar as crônicas de guerra de Rubem Braga e Joel Silveira. A aplicação da análise de conteúdo requer inicialmente a estruturação de categorias, que viabilizarão o mapeamento dos temas recorrentes nas crônicas de guerra que compõem o corpus deste trabalho. No caso dessa pesquisa, serão 6 no total e estão descritas a seguir. As categorias foram elencadas a partir das temáticas descritas no inventário documental, que pode ser visualizado nos apêndices I e II, ao final deste trabalho. A primeira concentra-se no deslocamento e descrição do espaço geográfico (D). Esta categoria reúne as crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira que retratam os trajetos percorridos pelos pracinhas brasileiros, bem como a descrição dos espaços geográficos que fizeram parte do roteiro estabelecido pela estratégia militar. Neste conjunto, pretende-se agrupar títulos que deem ênfase para o espaço. A segunda categoria enfatiza a personagem (P). Neste conjunto, estarão presentes as crônicas que apresentam uma personagem protagonista da narrativa, ou seja, títulos em que os cronistas individualizam o fato narrado na perspectiva de pracinhas identificados pelo nome e cidade de origem. Esta segunda categoria afirmar-se-á as considerações parciais, que demonstravam a preferência de Braga pela personagem enquanto elemento narrativo. A terceira reúne as práticas cotidianas (PC) realizadas no front durante a estadia dos correspondentes. O correspondente de guerra era o responsável por enviar informações que destoavam das generalidades das agências de notícias tradicionais, por isso, ao narrar as práticas e hábitos dos pracinhas, transportava os familiares e amigos que permaneceram no Brasil para longe de sua zona de conforto, aproximando-os às terras italianas por meio das palavras. Na quarta categoria, descreve-se as estratégias e técnicas militares (ET), reunindo os títulos que apresentarem temática referente às práticas adotadas pelos comandantes da FEB, bem aqueles que narrem a utilização de mecanismos bélicos e suas finalidades. A quinta categoria apresentará um conjunto de crônicas que expressem o impacto causado pela guerra (I). Nesta categoria, incluir-se-á os títulos que representem as modificações

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espaciais, como a destruição de alguns territórios, bem como as transformações pessoais sofridas pelas vivências durante o período de conflito. Por fim, na sexta e última categoria, pretende-se agrupar as impressões pessoais dos correspondentes (IP). Neste conjunto, as crônicas expressarão críticas e pensamentos de Rubem Braga e Joel Silveira enquanto estiveram no front. A intenção é analisar se há espaço na imprensa tradicional, da qual o Diário Carioca e o Diário da Noite fazem parte, para informações baseadas em perspectivas singularizadas. O quadro a seguir descreve as unidades de registro mais relevantes em cada uma dessas categorias:

distância; quilômetros; localização; meios de Deslocamento e descrição do espaço geográfico (D) deslocamento; pontos de referência; condições físicas; trajeto. nome; cidade de origem; descrição física; Personagem (P) preferências; características comportamentais; situações vivenciadas; pertences. rotina de trabalho; comportamentos usuais; Práticas cotidianas (PC) rituais; alimentação; relacionamento interpessoal. materiais bélicos; decisões; Estratégias e técnicas militares (ET) desfecho das ações; cálculos matemáticos. consequências espaciais; modificações territoriais; Impacto causado pela guerra (I) consequências emocionais; exposição comparativa. críticas; emoções; expectativas; Impressões pessoais dos correspondentes (IP) correspondências. Quadro 1: Principais unidades de registro das categorias formuladas

A identificação dos núcleos temáticos dar-se-á, inicialmente, nos títulos das crônicas. Em seguida, será realizado o mesmo procedimento para o restante do conteúdo. Como procedimento de contagem, optou-se por trabalhar com a noção de presença e ausência de temas. Isso significa que caso seja averiguada a sua existência, será inserida a marcação (1). Do contrário, quando houver a sua inexistência, não será feito nenhum registro.

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Existe também a possibilidade de uma crônica apresentar mais de uma temática em seu conteúdo, por isso, pode-se enquadrar um título em mais de uma categoria

6.3 Categorização das crônicas de Rubem Braga

6.3.1 Crônicas compiladas na obra Crônicas da guerra na Itália (1996)

Data Título D P PC ET I IP

09/1944 A partida 1

09/1944 A noite proibida 1

09/1944 Viagem do pracinha 1 1

09/1944 O pracinha Juan 1

09/1944 Fotografias 1

09/1944 Gibraltar 1

10/1944 Os moleques de Nápoles 1

10/1944 De Nápoles a Livorno 1

10/1944 Primeiras impressões 1 1

10/1944 Em Tarquinia 1 1

10/1944 Em Barga 1

11/1944 Luminárias 1

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11/1944 A procissão de guerra 1

11/1944 Minas 1

11/1944 O teco-teco 1

11/1944 Ataque ao Castelo 1 1

11/1944 Um espião 1 1

11/1944 Cartas 1

12/1944 “Partigiani” 1 1

12/1944 No Palazzo Venezia 1 1

12/1944 Em Florença 1 1

12/1944 Nossa gente 1

12/1944 Infantes Inimigos 1

12/1944 Imprensa de trincheira 1

12/1944 Linguagem 1 1

12/1944 Enfermeiras 1 1

12/1944 Mestre Pracinha e a neve 1 1

12/1944 Prisioneiros fáceis 1

12/1944 Fim de ano ') 

1 1

01/1945 Confusões 1

01/1945 Despojos 1

01/1945 Artilharia 1

01/1945 Pedras 1

01/1945 Neve 1

01/1945 Comidas 1

01/1945 Bateria de 105 1

01/1945 Um caso 1

01/1945 O inverno para os italianos 1 1

01/1945 Um boiadeiro 1

01/1945 Frente calma 1

01/1945 Gente de Cachoeiro 1

02/1945 Água 1

02/1945 Passeio aéreo 1

02/1945 Na engenharia 1 1

02/1945 Plantações 1

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02/1945 Aventuras de rotina 1 1

02/1945 Artilheiros da Infantaria 1

02/1945 Patrulha de ligação 1

02/1945 O Sampaio 1 1

02/1945 A menina Silvana 1 1 1

02/1945 O castelo caiu 1

02/1945 Um mal-entendido 1

03/1945 O chão 1

03/1945 Torre di Nerone 1 1

03/1945 Em Castellazo 1

03/1945 Visita a posições 1

03/1945 Correspondência 1 1

03/1945 Luzes 1

03/1945 O cemitério 1

03/1945 Impressões de moça 1

03/1945 O tenente Trota 1

03/1945 No Belvedere '+ 

1 1

03/1945 Prisioneiros 1

03/1945 Passeio na Montanha 1 1

03/1945 A Patrulha sai 1

03/1945 O cabo Clarindo 1 1 1

03/1945 No Batalhão Sizeno 1 1

03/1945 No Batalhão Ramagem 1 1

03/1945 Primavera 1 1

03/1945 Fins de março 1 1 -

03/1945 Refugiados 1

04/1945 Cristo morto 1 1

04/1945 Árvores 1 1

04/1945 O tenente Amaro 1 1

04/1945 Uma aldeia esquecida 1 1

04/1945 Os alemães em Vidiciatico 1 1 1

04/1945 Os alemães Ca'Berna 1 1 1

04/1945 No 20 do 11 1

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04/1945 Ataque a Montese 1 1

04/1945 Ainda em Montese 1 1

04/1945 O inimigo some 1 1

04/1945 Em Bolonha 1 1 1

04/1945 Fim de guerra 1 1 1 1

Quadro 2: Categorização das crônicas de Rubem Braga compiladas no livro Crônicas da guerra na Itália (1996).

Nas crônicas compiladas na obra Crônicas da guerra na Itália (1996), nota-se a predominância da categoria que reúne a temática das estratégias e técnicas militares (ET), agrupando 30 títulos. Logo em seguida, temos a preferência pela primeira categoria, a qual refere-se à temática do deslocamento e da descrição do espaço geográfico (D), reunindo 25 títulos. Em terceiro lugar, temos a categoria práticas cotidianas (PC) com 23 títulos, seguida das impressões pessoais (IP) com 17 títulos. Por fim, observamos um empate entre a categoria referente aos impactos da guerra (I) com 16 títulos e a categoria personagens (P) com, também, 16 títulos. Numa primeira investigação desta pesquisa, os quais apresentaram uma análise do perfil narrativo de Rubem Braga e Joel Silveira a partir da utilização dos elementos constitutivos da narrativa, observou-se intensa presença da personagem nas crônicas de Braga. Nesta categorização, no entanto, nota-se que, a partir da identificação das unidades de registro, a categoria personagem (P) apresenta menos títulos que as demais. Uma justificativa para essa divergência, constatada a partir desta quantificação, concentra-se no fato de que, ao preferir a temática das estratégias e técnicas militares (ET), Rubem Braga faz uso de personagens, ainda que não nomeados, portanto, não categorizados como (P), para contextualizar e ambientar as experiências de batalha descritas. O uso da personificação, enquanto figura de linguagem, também corrobora os resultados parciais desta pesquisa.

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" D P PC ET I IP

Gráfico 1: Quantificação e distribuição das crônicas compiladas no livro Crônicas da guerra na Itália (1996) nas categorias propostas.

Enquanto esteve no front, o correspondente Rubem Braga foi um grande observador, descrevendo, em grande parte de seus títulos, as estratégias e técnicas de guerra (ET). A proximidade do corresponde com a situação narrada permitiu que detalhes sobre os próximos passos da batalha fossem enviados frequentemente ao Brasil, possibilitando, dessa forma, que os familiares e amigos dos pracinhas pudessem acompanhar seus passos, resultados e consequências. Os textos que se referem ao deslocamento e à descrição do espaço geográfico (D) também ocupam lugar de destaque, uma vez que são os responsáveis por retirar os leitores da zona de conforto, transportando-os, por meio das palavras, para o espaço percorrido e vivenciado pelos pracinhas. Tal função de deslocamento do leitor é também atribuída à descrição das práticas cotidianas (PC), as quais aparecem em terceiro lugar na análise quantitativa, reunindo, aproximadamente, 27,4% dos títulos compilados. Finalmente, temos um equilíbrio entre as categorias referentes às impressões pessoais (IP), aos impactos causados pela guerra (I) e pela narrativa centrada em uma personagem (P). Reúnem, respectivamente, 20,2%, 19% e 19% dos títulos da obra Crônicas da guerra na Itália (1996). Esse resultado quantitativo demonstra o perfil temático preferencial dos correspondentes, centrado na própria guerra e distante das consequências e personagens do conflito.

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6.3.2 Crônicas publicadas exclusivamente no Diário Carioca

Data Título D P PC ET I IP

01/1945 Uma reportagem fora da guerra 1

01/1945 De baixo de fogo, recolhendo feridos 1 1

01/1945 “Fiz pontaria e o bicho esticou” 1 1

02/1945 O áspero setor onde lutam os brasileiros 1 1

No meio do pinheiral coberto de neve, uma 02/1945 1 1 aldeia brasileira

Um avião nazista matou soldados 02/1945 1 1 brasileiros

Se há anjos neste mundo, um deles se 02/1945 1 1 chama Fiorella

Movem-se os caminhões e lá se vão os 02/1945 1 1 soldados brasileiros rumo às montanhas, à guerra

Numa central de tiro, ouvindo explicações 03/1945 1

O observador –um alvo fácil para o inimigo 03/1945 1 1

Quadro 3: Categorização das crônicas de Rubem Braga publicadas exclusivamente no Diário Carioca.

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Nas crônicas publicadas exclusivamente no Diário Carioca, nota-se concordância com os títulos escolhidos para a composição de Crônicas da guerra na Itália (1996), o que sugere predominância da categoria referente às estratégicas e técnicas militares (ET), reunindo 7 títulos. Em segundo lugar, há empate de 3 títulos para as categorias (D) e (I). Logo em seguida, as categorias (P) e (PC) reúnem 2 títulos cada. Finalmente, temos um único título que expressa a impressão pessoal (IP) de Rubem Braga. As análises referentes ao estudo comparativo entre as crônicas publicadas nos livros e nos jornais, incluindo a interpretação das temáticas selecionadas para este ou aquele formato de divulgação, serão melhores descritas e discutidas no capítulo 7 deste trabalho.

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Gráfico 2: Quantificação e distribuição das crônicas publicadas exclusivamente no Diário Carioca nas categorias propostas.

6.4 Categorização das crônicas de Joel Silveira

6.4.1 Crônicas compiladas na obra Histórias de Pracinha (1945)

Data Título D P PC ET I IP PRIMEIRA PARTE O TRANSPORTE

- Experiências para o recruta 1

- O mundo é muito pequeno (& 

1

- A guerra está mais próxima 1 1

- Exigências domésticas num transporte 1 de guerra

- Um “Mitchell” ataca o transporte 1 1

- Netuno no transporte de guerra 1

- A gaita e o pracinha de Taubaté 1 1

- A carta do pracinha Felix 1

- Casablanca atrás do mar 1

- Sossego no “Mare Nostrum” aliado 1 1

- Diante de Nápoles 1

SEGUNDA PARTE HISTÓRIAS DE PRACINHA

- Chegada ao front 1 1

- A guerra dos telefones 1

- Presente da quinta coluna 1

- Não silenciaram as baterias no Natal 1 1

Jornal:

23/01/25 Data de O livro da guerra 1 escrita não citada no (' 

livro

- “Partigiani” 1 1

- Florença não é Guaratinguetá 1 1

Jornal:

03/02/1945 Data de Sugestões aos arrumadores de caixinhas 1 1 escrita não citada no livro

- O mar sem tamanho 1 1

Jornal:

17/02/1945 Data de O anjo postal 1 1 escrita não citada no livro

Jornal:

09/02/1945 Data de A sala dos segredos 1 escrita não citada no livro

- Conversa com Fritz 1

Jornal:

17/02/1945 Data de Capítulo do Canhão 1 escrita não citada no livro

- Fumaça e nevoeiro 1

- A Esperança 1

Jornal: (( 

19/02/1945 Data de O poeta Joe 1 escrita não citada no livro

- O “rum” e o coração 1

- Um carnaval 1

- Lama, metralhadora e morteiro 1

- O pracinha Geraldo 1

- O pracinha Carlos Scliar 1

- A música 1

- Uma história 1

Jornal:

20/03/1945 Data de O “golpe de mão” 1 1 escrita não citada no livro

- “Aquilo lá é Bolonha” 1 1

- Um dia com o esquadrão de 1 reconhecimento

Jornal:

26/03/1945 Data de O “jeep” e o pracinha Adão 1 escrita não citada no livro

- 23 de dezembro: 86 granadas 1

() 

- “Dora”; o “teco-teco” 1

- História da Conquista do Monte Castelo 1

- Abetáia 1

- O coronel Franklin 1

- A fera 1 1

- O discurso do major 1 1

- Prisioneiros 1

Jornal:

18/04/1945 Data de Noite na Igreja 1 escrita não citada no livro

- Castelnuovo (I) 1

- Castelnuovo (II) 1

- Castelnuovo (III) 1

- Soprassasso (I) 1

- Soprassasso (II) 1

- A volta do “paisano” 1

- A carta de Engelbert 1

(* 

- Samba na trincheira 1

- Um jornal nazista 1

- Conversa sergipana 1

- A morte do “partigiano” 1

Jornal:

25/04/1945 Data de A primavera 1 1 escrita não citada no livro

- O Hospital 16 1

- Laura e o Cemitério 1 1

Jornal:

19/04/1945 Data de Americanos escrevem sobre brasileiros 1 escrita não citada no livro

- No PC do Major Oest 1

- O pracinha Perácio 1

Jornal:

05/04/1945 Data da O cachimbo da cobra e o cachimbo do 1 1 escrita não povo citada no livro.

- Ninguém vasculhou 1

- O tempo retrocede (+ 

1

Jornal:

10/05/1945 Data de Eu vi morrer o sargento Wolf 1 1 escrita não citada no livro

- Montése 1 1

TERCEIRA PARTE VIAGEM PELO MUNDO DA MORTE

- Lama e fome na “Bela Napoli” 1 1

- Cartazes sobre as ruinas 1

- As ruinas de Cassino 1 1

- Badoglio e o Fascismo 1 1

- Florença espera a primavera 1 1

- O ano novo 1 1 1

- Roma faminta 1 1

- A censura fascista 1

- “Nenhum comentário sobre...” 1

- A Itália desgraçada 1 1

- Os bons amigos 1

- Mezassona contra o Brasil )" 

1 1

- O camarim de Mussolini 1

- Os olhos da nova Itália 1 1

- Os tedescos passaram em Livorno 1 1

Jornal:

06/02/1945 Data de Pistoia, a cidade do pracinha brasileiro 1 1 escrita não citada no livro.

- O Duce esteve em Pistoia 1

- O “Cruzeiro do Sul” 1

- As vozes de Pistoia 1

- Imprensa clandestina 1 1

- O povo também escreve 1

- Morte aos fascistas 1

- Mussolini é condenado 1 1

- “A noi! A noi!” 1

- Mary, Norma, Emengarda e Marie Clarie 1

- O trágico rol 1

- Florença domingo )# 

1 1

- Hans, do 87 batalhão 1 1 1

- Tudo agora é negro e inimigo 1 1

- Fichário de polícia 1

- O homem do norte 1 1

- A desgraçada Itália 1

- Outra vez o telefone de Mezassona 1

QUARTA PARTE A ÚLTIMA OFENSIVA

Jornal: 25 e 26/02 e Despachos 08/03/1945 telegráficos enviados da frente italiana 1 1 Livro: entre fevereiro e maio de 1945 17/02 a 06/03/1945 QUINTA PARTE O CAMINHO DE VOLTA

- O caminho de volta 1 1

- Miséria, falta d’água e censura 1 1 1

- As verdades caem do céu 1 1

- O pracinha fala qualquer língua 1 1

Quadro 4: Categorização das crônicas de Joel Silveira compiladas na obra Histórias de pracinha (1945).

Carregando o título de “maior repórter brasileiro”, são poucos os que se dedicaram tanto à arte da reportagem como Joel Silveira, que nunca aceitou cargos de maior status ou

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salário devido à sua paixão pelo factual e pela transmissão e veiculação da informação. Nas análises referentes aos elementos constitutivos da narrativa, observou-se a preferência do correspondente pelo espaço. Em contraposição às narrativas de Rubem Braga, que, em sua maioria, enfatizam as personagens. Este resultado parcial é corroborado pelo resultado desta categorização e análise quantitativa das crônicas de Silveira, uma vez que a categoria deslocamento e descrição do espaço geográfico (D) apesenta a maioria de títulos, totalizando 32 deles. Em seguida, temos a categoria práticas cotidianas (PC) com 31 títulos, o que indica a perspectiva sempre atenta do cronista em relação aos acontecimentos do front. Na sequência a categoria que reúne os títulos sobre estratégias e técnicas militares (ET) compila 28 crônicas, os impactos causados pela guerra (I), 22 crônicas e, finalmente, as categorias personagem (P) e impressões pessoais (IP) apresentam, respectivamente, 19 e 18 crônicas.

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Gráfico 3: Quantificação e distribuição das crônicas compiladas no livro Histórias de pracinha (1945) nas categorias propostas.

Joel Silveira foi escolhido para ser correspondente de guerra do grupo Diários Associados aos 26 anos, diferente de Rubem Braga, que desenvolvia um trabalho associado ao lirismo literário desde o início de sua carreira. Dessa forma, é notável a intensa presença de elementos jornalísticas na escrita de Silveira, o que justifica sua preferência pelo deslocamento e descrição do espaço geográfico (D), uma vez que esta categoria reúne unidades de registro relacionadas a informações factuais e quantitativa acerca da movimentação dos pracinhas em solo italiano. Conforme apresentado anteriormente, a preferência de Joel pelo espaço, enquanto

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elemento constitutivo da narrativa, é um indício do perfil narrativo analítico e menos subjetivo do autor, uma das divergências que serão tratas nas análises das relações dialógicas do discurso de cada correspondente. O cronista apresenta, assim como Braga, preocupação em transmitir o maior número possível de elementos e situações reais aos leitores, que, geralmente, eram familiares e amigos dos pracinhas que permaneciam no front. Dessa forma, justifica-se a concentração de, aproximadamente, 29% dos títulos compilados na obra Histórias de pracinha (1945) na categoria práticas cotidianas (PC). Quando tratamos das impressões pessoais (IP) de cada correspondente, Joel Silveira apresenta, aproximadamente, 16,8% de suas crônicas categorizadas dessa maneira, enquanto Rubem Braga apresenta 20,2%. Essa observação, apesar da pequena diferença entre as porcentagens, sugere que Braga tinha mais liberdade para expressar opiniões pessoais no Diário Carioca. Silveira, ao contrário, teve poucas crônicas sobre suas perspectivas em primeira pessoa publicadas no Diário da Noite. Em muitos títulos, como A censura fascista (p. 174), Joel explicita seu posicionamento diante das decisões tomadas pelo DIP, mas a crônica não é veiculada no jornal, estando presente apenas em sua obra literária.

6.4.2 Crônicas publicadas exclusivamente no Diário da Noite

Data Título D P PC ET I IP

Uma carta no front aquece mais do que a 01/1945 1 1 melhor lareira

Martelando as posições inimigas, a 02/1945 1 artilharia da FEB

O fascismo é sempre um só, no Brasil ou 03/1945 1 na Itália, observa um oficial expedicionário

Balanço das baixas da FEB 03/1945 1 1

Grande vitória do Scratch expedicionário 04/1945 1 brasileiro )& 

04/1945 Grande entusiasmo no front brasileiro 1 1

Como a imprensa fascista, na Itália, 04/1945 1 divulgou os acontecimentos brasileiros

04/1945 Bravos da FEB citados na ordem do dia 1

Como a FEB recebeu a notícia da morte 04/1945 1 1 de Roosevelt

04/1945 Baixa mais elevada do que em Monte 1 1 Castelo

Como os brasileiros conquistaram 04/1945 1 1 1 Montese

Conquistada uma das últimas portas de 04/1945 1 1 Bolonha

Nosso QG em uma semana mudou três 04/1945 1 1 vezes de posição

Mensagens dos conquistadores de Zocca 04/1945 1 1 às suas famílias

Velocíssima marcha dos exércitos aliados 04/1945 1 1 na Itália

Detalhes impressionantes da sensacional 04/1945 1 operação de guerra dos brasileiros

Quadro 5: Categorização das crônicas de Joel Silveira publicadas exclusivamente no Diário da Noite.

Nas crônicas publicadas exclusivamente no Diário da Noite, nota-se discordância com

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os títulos escolhidos para a composição de Histórias de pracinhas (1945). Neste caso, há predominância da categoria sobre estratégias e técnicas militares (ET), que reúnem 10 títulos, o que sugere a preferência temática editorial do veículo de comunicação, concentrando-se na batalha e seus desdobramentos. Na sequência, temos empate entre as categorias deslocamento e descrição do espaço geográfico (ET) e impactos causados pela guerra (I), as quais apresentam 4 títulos. Há também empate entre as categorias práticas cotidianas (PC) e impressões pessoais do correspondente (IP), cada uma com 3 títulos. Finalmente, temos a categoria personagem (P) que, assim como no conjunto de títulos compilados na obra Histórias de pracinhas (1945), mostra-se pouca expressiva, com apenas 1 título. As análises referentes ao estudo comparativo entre as crônicas publicadas nos livros e nos jornais, incluindo a interpretação das temáticas selecionadas para este ou aquele formato de divulgação, serão melhores descritas e discutidas no capítulo 7 deste trabalho, conforme destacado anteriormente.

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Gráfico 4: Quantificação e distribuição das crônicas publicadas exclusivamente no Diário da Noite nas categorias propostas.

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7. ANÁLISES DIALÓGICAS: ESTUDOS COMPARATIVOS

7.1 O dialogismo de Bakhtin

As propriedades dialógicas são intrínsecas à língua. De acordo com Bakhtin (1979), o conceito de dialogismo baseia-se nas relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados. Nota-se, sobretudo, a necessidade de lembrar a definição de enunciado, diferenciando-a do conceito de unidades linguísticas. Os enunciados são formados por três elementos essenciais, sendo eles o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional, o que caracteriza-os como unidades da comunicação discursiva. As unidades da língua, em contrapartida, ficam restritas às palavras e orações, constituindo relações semânticas ou lógicas. Quando entramos no âmbito dialógico, portanto, devemos levar em consideração as unidades que produzem sentido no discurso, ou seja, os próprios enunciados (FIORIN, 2008). Para Bakhtin (1979), as unidades da língua são repetíveis, enquanto os enunciados mostram-se de forma singular, uma vez que dependem da combinação exclusiva dos três elementos essenciais supracitados. Dessa forma, pode-se dizer que, cada vez que se produz um enunciado, replica-se um diálogo, pois a produção leva o enunciador a participar de um diálogo com outros discursos, estabelecendo, assim, uma relação dialógica (FIORIN, 2008). Diz-se que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, ou seja, todo discurso é ocupado pelo discurso alheio. Por isso, a concepção dialógica da língua é fator essencial para o desenvolvimento de qualquer estudo no campo da linguagem. A dialogia mostrou-se tão indispensável a ponto de servir de pano de fundo para outras definições formuladas pelo teórico russo, como a monofonia e a polifonia. Para que a relação dialógica seja concretizada, no entanto, é necessário que ela se materialize nas vozes de diferentes sujeitos e, ao se concretizarem, entram no campo do discurso e saem do plano unicamente linguístico. Bakhtin ressalta o estatuto da palavra do outro, ou seja, a importância do discurso do outro no estabelecimento de relações dialógicas. A discussão sobre o papel da compreensão ativa e a presença do outro como constituintes do discurso constitui a base de sua teoria dialógica da linguagem ao relacionar o discurso ao diálogo, sustentando a noção de que o discurso tem eminentemente uma natureza dialógica

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(ROHLING, 2014). Dessa forma, o dialogismo bakhtiniano pode ser dividido em três conceitos centrais, descreveremos cada um deles a partir do capítulo O dialogismo, presente na obra Introdução ao pensamento de Bakhtin, de Fiorin (2008). O primeiro conceito baseia-se na ideia de que o dialogismo é o princípio constitutivo do enunciado, o qual é composto, minimamente, por duas vozes. Diante do primeiro conceito, conclui-se que um enunciado, é, portanto, heterogêneo. Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizou-se, para análise, dois objetos teóricos, sendo eles os correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira. Dessa forma, nota-se que há relações dialógicas convergentes e também relações dialógicas divergentes entre os textos, o que significa que as vozes do discurso podem estar em concordância ou discordância. Nas análises dialógicas, serão indicados os encontros e desencontros das vozes do discurso de cada cronista. O segundo conceito de dialogismo, apresentado por Fiorin (2008), trata das maneiras de inserir o discurso do outro no enunciado. Essa inserção pode ocorrer quando o discurso alheio é abertamente citado e nitidamente separado, ou seja, quando o texto apresenta discurso direto, indireto, aspas ou travessão. No entanto, há também a possibilidade de desenvolver um discurso bivocal, o qual é marcado pelo discurso indireto livre e não apresenta separação nítida. Ao elencarmos a crônica enquanto gênero do discurso analisado nesta pesquisa, devemos levar em consideração que o gênero permite maior liberdade linguística e utilização da primeira pessoa do singular, ou seja, dificilmente veremos uma inserção nítida no enunciado deste ou daquele cronista. Bakhtin (1979) afirma que há relações entre textos e dentro do texto, diferenciando os conceitos de intertextualidade e intratextualidade, que são discutidos e exemplificado durante as análises. Finalmente, o terceiro conceito é aquele marcado pela subjetividade dos enunciadores. De acordo com Fiorin (2008), este conceito define que o mundo interior de um sujeito é a dialogização da heterogeneidade das vozes sociais, o que comprova a teoria bakhtiniana inicial, baseada na constituição discursiva do sujeito a partir da apreensão de vozes sociais que constituem a realidade na qual está imerso. Para as análises realizadas nesta pesquisa, o terceiro conceito é aquele que mais se relaciona com as possibilidades de intertextualidades entre os correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira, uma vez que permite uma assimilação das vozes sociais do discurso de cada correspondente.

)* 

7.1.1 Diferenciando os conceitos de intertextualidade e interdiscursividade

Realizar-se-á um estudo comparativo dialógico entre as crônicas de guerra de Rubem Braga e Joel Silveira, portanto, devemos levar em consideração que as relações dialógicas dar- se-ão em textos distintos, o que nos permite dizer que há intertextualidade entre eles. Segundo Fiorin (1994), tanto a intertextualidade como a interdiscursividade são conceitos que resultam da presença de duas vozes no mesmo texto discursivo ou textual, porém apresentam diferenças entre si: “a intertextualidade é a incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo” (FIORIN, 1994, p.30). E, em relação à interdiscursividade, Fiorin (1994), afirma que este conceito não implica a intertextualidade, embora o contrário seja verdadeiro, pois ao se referir a um texto, o enunciador se refere também ao discurso que ele manifesta. Pode-se, dessa maneira, definir que a interdiscursividade é formada pelas relações dialógicas entre enunciados, enquanto a intertextualidade é definida pelas relações dialógicas entre textos.

7.1.2 Monofonia e polifonia

Ao formular a teoria dialógica do discurso, o linguista Bakhtin apresentou desdobramentos a partir da concepção de que todo texto resulta do encontro de várias vozes. Os conceitos de monofonia e polifonia fazem parte das conclusões investigativas do pensador russo e, nesta pesquisa, mostram-se como critérios de análise dialógica. De acordo com Barros (2003), tanto a monofonia, quanto a polifonia de um texto, são efeitos dos procedimentos discursivos dialógicos. Assim, os textos caracterizados como polifônicos são aqueles em que as várias vozes que os constituem se explicitam, enquanto os textos considerados monofônicos ocultam as vozes que os compõem sob a aparência de uma única voz. Neste caso, retomamos as bases teóricas que sustentam o segundo conceito de dialogismo definido por Fiorin (2008).

7.1.3 Parâmetros analíticos no processo de seleção das crônicas de guerra

O início do percurso analítico desta pesquisa deu-se a partir da construção do inventário )+ 

documental, resultado da seleção e coleta das crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira. A partir do inventário documental, foi possível traçar a ordem cronológica de publicação das crônicas nas edições do Diário Carioca e do Diário da Noite, identificando quais títulos foram publicados unicamente nas obras Crônicas da guerra na Itália (1996), de Rubem Braga, e Histórias de pracinhas (1945), de Joel Silveira, aqueles veiculados apenas nos jornais impressos e, ainda, as narrativas presentes em ambos os espaços. O inventário documental serviu também de base para a posterior categorização das crônicas de cada correspondente, metodologia que viabilizou as conclusões acerca das preferencias temáticas de Rubem Braga e Joel Silveira. Neste momento, deve-se justificar os parâmetros analíticos elencados para a escolha e análise comparativa do corpus desta pesquisa. Levando em consideração a delimitação de seis categorias a partir da constância de certas unidades de registro, sendo elas: deslocamento e descrição do espaço geográfico (D), personagem (P), práticas cotidianas (PC), estratégias e técnicas militares (ET), impactos causados pela guerra (I) e, finalmente, impressões pessoais dos correspondentes (IP), teremos seis análises comparativas dialógicas, as quais serão referentes a cada uma das categorias supracitadas. Intenciona-se apresentar as relações dialógicas estabelecidas entre os discursos dos correspondentes em cada temática recorrente nas obras literárias e nas edições jornalísticas dos veículos que compõem o corpus desta pesquisa. Para a escolha das crônicas analisadas, utilizou-se o critério de semelhança temática, além da importância da experiência narrada diante do contexto histórico-social amplo, no qual os correspondentes estavam inseridos. A partir da fundamentação teórica defendida por Brait (2006), sabe-se da importância contextual na elaboração de uma análise com perspectiva bakhtiniana. No quadro a seguir, dispõe-se os títulos escolhidos para a análise e resultados finais deste projeto, bem como uma breve justificativa histórica sobre cada escolha temática comparativa:

Categoria Rubem Joel Silveira Temática Justificativa Braga Histórica

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Ao serem escolhidos

como os

correspondentes que

acompanhariam a Deslocamento FEB, na Itália, e descrição do A partida Experiências Primeiros dias a Rubem Braga e Joel espaço (p.15) para o recruta bordo, em Silveira tornaram-se geográfico (p.13) direção à Itália importantes fontes de (D) informação acerca

dos movimentos dos pracinhas em batalha. Esta temática mostra a perspectiva de cada um diante dos primeiros dias fora de solo brasileiro, além de relatos sobre o deslocamento para chegar ao front, indicando as principais dificuldades enfrentadas na viagem.

*# 

A Resistência Italiana

foi um movimento de

oposição ao fascismo

e à ocupação da Itália

pela Alemanha Apresentação nazista. Nas crônicas, Personagem “Partigiani” “Partigiani” dos membros da os correspondentes (P) (p. 63) (p. 50) Resistência apresentam os Italiana membros deste

movimento enquanto personagens, possibilitando que seus leitores conheçam estas figuras importantes para o desdobramento das batalhas da Segunda Guerra Mundial. Historicamente os partigiani foram vistos a partir de diversas perspectivas, uma vez que a atuação do grupo era apoiada por alguns e desaprovada por outros.

*$ 

Quando as pracinhas

deixaram o Brasil

para lutar na Segunda

Guerra Mundial,

Descrição do enfrentaram muitos Práticas Cartas O anjo postal sistema de problemas, cotidianas (p. 61) (p. 59) correspondências principalmente o (PC) no front, uma distanciamento da

prática cotidiana cultura brasileira e de na vida dos seus familiares, por pracinhas. isso, as correspondências, cartas e telegramas eram muito importantes para que as informações fossem compartilhadas entre os soldados e suas famílias, que permaneceram em solo brasileiro. A troca de correspondências tornou-se, portanto, uma prática rotineira imprescindível para mantê-los focados na batalha.

A tomada do Monte Descrição das Castelo foi uma Estratégias e Ataque ao História da estratégias e batalha decisiva para técnicas Castelo conquista de técnicas que os Aliados na militares (p. 54) Monte Castelo militares Itália, incluindo os (ET) (p. 98) utilizadas na pracinhas brasileiros, tomada do conseguissem Monte Castelo. alcançar Bolonha e expulsar os alemães nazistas daquela região. Foi uma das últimas conquistas, antes do retorno da FEB ao Brasil.

*% 

A liberação da cidade

de Montese dos Descrição da alemães ficou cidade de Impactos Ainda em conhecida como Montése Montese logo causados pela Montese Ofensiva da (p.156) após o ataque à guerra (p. 246) Primavera e contou cidade, (I) com a participação apresentando aos intensa dos pracinhas leitores os brasileiros, que viram impactos da de perto os impactos guerra. e as consequências da

guerra na cidade. Esse resultado vitorioso possibilitou que os pracinhas retornassem para o Brasil, em maio de 1945.

Enquanto estavam no

front, os pracinhas

brasileiros

Mudança da encontraram Primavera Impressões A primavera estação do ano dificuldades ao (p. 211) pessoais (p. 135) no front de enfrentar o inverno (IP) guerra. europeu rigoroso, com o qual não estavam acostumados a lidar. Quando a primavera chegou, os correspondentes descreveram, a partir de suas próprias perspectivas, as transformações ocorridas no campo de batalhas.

Quadro 6: Seleção de crônicas dos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira para posteriores análises dialógicas.

7.2 Análises dialógicas 7.2.1 Deslocamento e descrição do espaço geográfico (D)

*& 

Nesta primeira categoria, foram escolhidas as crônicas, a partir da importância desta temática para o contexto histórico, conforme descrito no Quadro 6, A partida (BRAGA, 1996, p.15) e Experiências de um recruta (SILVEIRA, 1945, p.13). Inicialmente, faremos uma síntese da perspectiva de cada correspondente sobre a partida dos escalões da FEB, rumo à Itália. Rubem Braga expressa, logo no início do texto, sua perspectiva da viagem. Está, ainda, no Rio de Janeiro e, de dentro do navio, sente-se tão distante da terra firme. O correspondente narra a ansiedade da espera, enquanto observa os pracinhas subindo a bordo, como no trecho “Os homens sobem para os navios. Sobem por várias escadas, em fila indiana; sobem lentamente. Passam-se os minutos, as horas, os dias, os anos, os séculos, e o navio não sai. Os homens sobem.” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.15). Nota-se, na narrativa de Braga, um direcionamento do olhar para elementos significativos da cena. Brockmeier e Harré (2003), no artigo intitulado Narrativa: problemas e promessas de uma paradigma alternativo, discutem o papel da narrativa como descrição e tradução daquilo que o narrador vivencia. No caso de Braga, particularmente, a partida do Rio de Janeiro em direção à Itália. Os autores do artigo em questão afirmam que:

Em outras palavras, a ordem discursiva através da qual nós tecemos nosso universo de experiências emerge apenas como um modus operandi do próprio processo narrativo. Ou seja, estamos lidando primariamente não com um modo de representação, mas com um modo específico de construção e constituição da realidade, como Bruner (1991) apontou. A fim de estudar esse modo de construção, nós devemos examinar cuidadosamente as maneiras pelas quais as pessoas tentam dar sentido às suas experiências. Elas o fazem, entre outras formas, narrando-as (BROCKMEIER; HARRÉ, 2003, p. 531).

Dessa forma, diz-se que Rubem Braga, ao observar a cena na qual estava inserido, traduzia-a em narração, com a finalidade de dar sentido e significar o fato. Como no trecho “Vamos para o outro lado, olhamos a água suja e quase imóvel. A tarde cai. Vejo, boiando na água, um gorro de marinheiro. É triste, esse gorro branco perdido na água suja do cais: faz pensar em abandono, em afogamento” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.15). Nas análises dos elementos constitutivos da narrativa, afirmou-se que Rubem Braga era adepto do uso das personagens como elemento constitutivo mais frequente de suas narrativas. O que pode ser corroborado quando o correspondente inclui, em seu relato inicial, a apresentação daqueles que seriam seus companheiros de camarote no navio:

*' 

E como o Brasil é uma grande aldeia, descubro ligações. No beliche embaixo do meu vejo uma cara conhecida, não sei de onde. Ele diz que se chama Renato, é do Banco do Brasil, e afinal apuramos que nos conhecemos de vista: somos ambos “inocentes do Leblon”, colegas dos ônibus 66 e 67. No primeiro beliche à minha direita – 90 centímetros a boreste – estica-se um jovem tenente desconhecido; mas logo fico sabendo que é casado, há alguns meses, com Jussara, aquela menina loura de minha terra, filha, pelos dois lados, de gente de Cachoeiro de Itapemirim (BRAGA, 1996, p.16).

Um outro aspecto observado na crônica de Braga é a indicação do humor dos pracinhas, o que extrapola suas impressões pessoais e permite que os leitores tenham acesso ao clima da cena narrada. Na obra A personagem (1985), de Beth Brait, discute-se as diferentes possibilidades do processo de construção da personagem. De acordo com Brait (1985), as tentativas de caracterizar personagens esbarram necessariamente na questão do narrador. É preciso, portanto, classificar Rubem Braga como um narrador que conduz em primeira pessoa, tornando-se personagem envolvida nos acontecimentos, o que lhe permite exteriorizar sua percepção acerca daqueles que o rodeiam.

Por esse processo, os recursos selecionados pelo escritor para descrever, definir, construir os seres fictícios que dão a impressão de vida chegam diretamente ao leitor através de uma personagem. Vemos tudo através da perspectiva da personagem, que, arcando com a tarefa de “conhecer-se” e expressar esse conhecimento, conduz os traços e os atributos que a presentificam e presentificam as demais personagens (BRAIT, 1985, p. 60).

Para finalizar, Braga dá adeus à cidade do Rio de Janeiro, enfatizando a humanidade daquele espaço, como no trecho:

A voz gordurosa de um padre, ampliada pelo alto-falante de bordo, convida-nos a erguer os olhos para Deus. Mas olhamos a cidade, olhamos obstinadamente para a Cidade dos Homens. Que Cidade dos Homens sobre a Terra é mais humana que vós, Rio de Janeiro? Todos cantam o Hino Nacional (BRAGA, 1996, p. 17).

Joel Silveira, em sua crônica Experiências de um recruta (SILVEIRA, 1945, p.13), a primeira logo depois de embarcar, trata da partida e viagem em direção à Itália de maneira distinta. Ao contrário de Braga, o correspondente oferece uma visão do navio a partir de sua própria perspectiva, na primeira pessoa do singular, evitando a observação do comportamento de terceiros.

*( 

“É um mundo estranho e misterioso que possivelmente levará muito tempo pra ser inteiramente revelado. Ando pelos seus porões, me perco nos seus corredores que parecem não terminar, e cada porta de ferro se abre para uma nova surpresa” [grifo nosso] (SILVEIRA, 1945, p.13). O trecho demonstra a visão de Braga, que, de acordo com a teoria desenvolvida por Brait (1985), coloca-o como a personagem testemunha do fato narrado.

O narrador, de forma discreta, vai criando um clima de empatia, apresentando a personagem principal de maneira convincente e levando o leitor a enxergar, por um prisma ao mesmo tempo discreto e fascinado, a figura do protagonista (BRAIT, 1985, p. 64).

Em convergência com Braga, o correspondente do Diário da Noite também faz a apresentação de seu camarote a bordo. No entanto, nota-se, neste momento, apesar da relação dialógica entre a ambientação realizada pelos cronistas, uma visão mais analítica por parte de Silveira:

O tenente Antonio Caldeira Vitral, oficial de ligação, me leva até o gabinete de comando, num dos compartimentos de baixo, e me enche de dados sobre minha atual pessoa. Vejo-me, de repente, transformado numa série de números: sou o C.G., o camarote 107, beliche 146, e em caso de perigo (isola) já sei o que tenho que fazer – não perco a calma, ajeito o cinto salva-vidas, se houver tempo, e corro para o “life-boat” 9, a bombordo (SILVEIRA, 1945, p.13).

Silveira narra a partida do Rio de Janeiro sem muitas preocupações com seus companheiros de navio, uma vez que centra seu discurso em suas próprias ações e sentimentos, evitando transmitir, por meio de sua crônica, qualquer julgamento acerca do humor daqueles que lhe acompanharam neste escalão. Para exemplificar essa característica, que diferencia seu perfil narrativo do de Rubem Braga, podemos citar a descrição da primeira camaradagem que fez a bordo:

Lembro-me perfeitamente da primeira camaradagem que fiz a bordo: foi um praça, vindo da Bahia e que me apresenta croquis do sr. Getulio Vargas, apanhado quando de sua visita, ontem de tarde. É um desenho mais ou menos e ele me pergunta se deve mostrar a obra ao presidente. Sugiro-lhe, em resposta, que se entenda com qualquer oficial graduado e ele se perde em um dos corredores da frente (SILVEIRA, 1945, p.14).

Nota-se que, enquanto Braga detém-se aos dados da personagem, apresentando ao leitor seu nome, cidade de origem e outra informação acerca da vida pessoal daquele pracinha, *) 

Silveira não evidencia tais detalhes, preocupando-se, principalmente, com sua perspectiva pessoal sobre a cena. Finalmente, quanto à descrição do espaço geográfico, ambos citam o fato de ainda estarem atracados ao Rio de Janeiro, o que demonstra um ponto convergente entre os discursos. No entanto, enquanto Rubem Braga faz uso da cena narrativa, Joel dá preferência ao sumário. Quando um cronista faz uso do sumário, abrevia os acontecimentos em um tempo menor do que sua suposta duração, conferindo rapidez à narrativa. Em contrapartida, optar pela cena faz com o discurso corresponda, aproximadamente, ao tempo dos acontecimentos (NUNES, 1988).

7.2.2 Personagem (P)

Para realizar a análise dialógica do discurso das crônicas pertencentes à categoria personagem (P), optou-se por selecionar dois títulos que têm o objetivo de apresentar os partigiani ao leitor. Ambas as crônicas são intituladas “Partigiani” e demonstram a perspectiva de cada cronista em relação a estes personagens de grande importância para o combate ao fascismo italiano e alemão, durante a Segunda Guerra Mundial. Os partigiani eram os membros da chamada Resistência Italiana, um movimento armado de oposição ao fascismo e à ocupação da Itália pela Alemanha nazista. Joel Silveira os identifica da seguinte maneira:

Na hora do combate, o civil italiano anti-fascista se transforma no soldado combatente, e com seu fuzil e uma metralhadora luta ao lado dos ingleses, norte-americanos, brasileiros, neozelandeses, poloneses e indianos (SILVEIRA, 1945, p.50).

Os dois correspondentes estão de acordo quando afirmam que os partigiani apresentam grande importância para as batalhas, pois estão munidos de grande quantidade de informação acerca da linha inimiga. No entanto, apesar deste ponto convergente, que pode ser corroborado pelos seguintes trechos: “Prestam serviços muito úteis pelas informações que dão, não raro depois de atravessar duas vezes as linhas” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.63).

“Seus elementos se infiltram nas linhas tedescas, vão e vêm pela terra de ninguém, disfarçados em “sfolati”, e voltam sempre carregados de informações preciosas. Pode-se mesmo dizer que é ** 

impossível qualquer ofensa de êxito e de envergadura, sem o concurso dos “partigiani” (SILVEIRA, 1945, p.50).

No entanto, os discursos apresentam certas divergências em relação à apresentação destes personagens da Segunda Guerra Mundial, principalmente na classificação da narrativa destes cronistas em monofônica ou polifônica. Segundo Rechdan (2009), o dialogismo não deve ser confundido com polifonia, porque aquele é o princípio dialógico constitutivo da linguagem e esta se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso. Diz-se, portanto, que há polifonia quando as várias vozes que compõem um discurso estão explícitas, como em um diálogo precedido por travessão, por exemplo. Dessa forma, sabemos que, para a apresentação dos partigiani, Joel Silveira apresenta discurso polifônico, que é também recorrente em outros títulos do autor, como podemos observar no seguinte trecho:

É um rapaz imberbe (naturalmente o leitor compreenderá porque não posso dar o seu nome e características) que até 1939 era estudante numa das principais universidades italianas. Ele me diz: - Fui “partigliano” quando era estudante e continuo “partigliano”. Não serei outra coisa até saber que ainda há um soldado nazista dentro da Itália (SILVEIRA, 1945, p. 51).

Em contrapartida, Rubem Braga faz uso da monofonia durante a apresentação das personagens, ou seja, ainda que, dialogicamente falando, é possível afirmar que um discurso é resultado das relações de discursos de outrem, essas vozes não são explícitas no texto: “Um de nossos soldados me disse que deve a vida a um partigiano, que conseguiu salvá-lo com um golpe de habilidade ou audácia, quando já estava à mercê do nazista” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.63). Além das diferentes formas de expor os discursos componentes de seus discursos, os cronistas, a partir de seus pontos de vista pessoais, podem influenciar a juízo de valores que os leitores atribuirão aos partigiani após as leituras das crônicas. Rubem Braga, em seu texto, aponta as cautelas que se deve tomar ao aceitar a presença de um partigiani na frente brasileira, enquanto Joel Silveira exalta a importância da existência deste grupo guerrilheiro para que o fascismo seja combatido. Além disso, Silveira proporciona uma descrição mais detalhada da forma de trabalho do grupo, facilitando, assim, o entendimento do leitor. Deve-se ressaltar que esta crônica não foi veiculada pelo Diário da Noite, na época em que foi escrita. Em contrapartida, Rubem Braga *+ 

teve seu texto publicado na edição 05081, veiculada no dia 17 de janeiro de 1945, do Diário Carioca. Os motivos que, possivelmente, levaram à publicação do texto de Braga e à censura do texto de Silveira serão descritos mais detalhadamente no item 7.3 desta pesquisa, no qual tratar- se-á do estudo comparativo entre as crônicas publicadas nos jornais e nos livros. Quando discorremos sobre os elementos constitutivos da narrativa, foi possível observar a preferência de Rubem Braga pela personagem, conforme já citado anteriormente. No entanto, nesta categoria, em específico, Joel Silveira, de forma não usual, desenvolveu a imagem dos partigiani com maior afinco.

Lembro-me do antigo estudante, hoje transformado num guerrilheiro das montanhas, tenho diante de mim seus olhos azuis e tranquilos, sua voz sêca e dura, a solidez de pedra dos seus pontos de vista – há milhares como ele, e será impossível ao fascismo, tão desmoralizado, vencer uma gente assim (SILVEIRA, 1945, p. 51).

Silveira faz uso de uma personagem caracterizada e adjetivada, ainda que diante da impossibilidade de divulgar seu nome. A adjetivação da personagem é algo a ser discutido, principalmente no âmbito jornalístico: A narração centrada na intensidade costuma ter um sentido que vai além do simples noticiar. Geralmente as notas (nas colunas de informes) e as reportagens (de revistas, principalmente) adotam esse tipo de enfoque, explorando um lado humano do fato. Conforme a orientação estilística, o texto pode resultar em matérias muito boas, mas, em contrapartida, correrá o risco de cair num tratamento piegas, indesejável como efeito comunicativo (SODRÉ e FERRARI, 1982, p.78).

Diz-se que, ao atribuir características à personagem, contribui-se para ao índice de dramatização da cena, proporcionando um tratamento passional à narrativa (CHARAUDEAU, 2009). Dessa forma, ao disponibilizar informações sobre os olhos e a voz da personagem ao leitor, Silveira causa sensação distinta em relação aos partigiani. Rubem Braga, que costuma desenvolver suas personagens com maior ênfase nas demais crônicas, detém-se, neste caso em especial, nas estratégias de atuação dos partigiani, de modo generalista, como no trecho inicial da crônica:

Os partigiani agem tanto na retaguarda do inimigo como em sua frente. Muitos se escondem em montanhas que margeiam linhas de comunicação nazista, e as atacam de quando em vez, ou fazem excursões contra aldeias, depósitos etc. Outros passam para o nosso lado e funcionam junto das patrulhas aliadas ou recebem, de +" 

comandantes aliados, missões especiais a cumprir (BRAGA, 1996, p. 63).

Esta categoria é de extrema importância para demonstrar que o gênero especializado da crônica de guerra permite que o leitor tenha diferentes perspectivas, a partir do enfoque escolhido pelo cronista para o mesmo tema. Neste caso, um leitor de Braga não teria uma visão humanizada dos partigiani, enquanto, o leitor da obra Histórias de pracinha (1945), de Joel Silveira, compreenderia com maior clareza as intenções do grupo no período de guerra. Por fim, vale ressaltar a presença feminina na crônica de Silveira, que apresenta o discurso da personagem por meio de polifonia:

Uma “signorina” de cabelos soltos e negros, o rosto sujo de terra, que acaba de voltar dos povoados ocupados pelos alemães, assim justificou, muito singelamente, sua condição de “partigiana”: - Sou”partigiana” porque meu noivo foi um bom “partigiano”. Os nazistas mataram-no num dos últimos combates (SILVEIRA, 1945, p. 51).

A presença da figura feminina no discurso permite que o leitor do brasileiro crie consciência de que a mulher teve significativo papel nas batalhas. Não só em participações efêmeras, mas também no front. Rubem Braga não faz menção da presença das mulheres no grupo dos partigiani, apresentando-o unicamente como masculino, o que aponta uma divergência de vozes entre os discursos dos cronistas.

7.2.3 Práticas cotidianas (PC)

Para descrever uma situação que se encaixe na categoria de práticas cotidianas (PC), foram escolhidas as crônicas Cartas (BRAGA, 1996, p. 61) e O anjo postal (SILVEIRA, 1945, p. 59). Nestes títulos, ambos os cronistas descrevem o serviço postal desenvolvido no front, explicando ao leitor qual o procedimento necessário para que as notícias do Brasil cheguem até os pracinhas. Esta categoria mostra um sinal de convergência na relação dialógica existente entre os discursos dos correspondentes de guerra. Rubem Braga e Joel Silveira destacam a importância das cartas e telegramas para a estabilidade emocional dos pracinhas, no período em que se encontram distantes de casa. Como podemos observar nos seguintes trechos:

Era preciso que a gente aí do Brasil assistisse a uma +# 

distribuição de correspondência aqui para ver o quanto vale uma carta. “Chegou correio” é uma frase que mobiliza mais gente que qualquer ordem de general aliado ou inimigo. A cara do sujeito que não recebe carta nesse dia é uma cara de náufrago (BRAGA, 1996, p. 61).

Uma noite dessas eu estava num ponto qualquer da frente quando um grupo de soldados e um sargento voltava de uma patrulha. Estavam todos cansados e cobertos de neve. Alguém, então, avisou ao soldado: “Chegou uma carta para você”. Os olhos do soldado brilharam muito e ele esqueceu todos os seus cansaços e frios (SILVEIRA, 1945, p. 59).

Outro ponto de convergência entre os discursos é a preocupação em informar ao leitor qual o caminho que as correspondências percorrem. Neste ponto, no entanto, Rubem Braga enfoca na diferença entre uma carta e um telegrama, demonstrando, a partir de exemplos reais, como é a recepção da informação em cada um dos casos. “Quanto aos telegramas, está visto que eles podem dar muita alegria e são muito úteis, mas em geral o que fazem é aumentar a sede de carta” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.62). Sabe-se, de acordo com informações disponibilizadas por Braga, que as cartas demoravam muita a chegar e, por isso, as famílias, bem como os pracinhas, davam preferência aos telegramas, ainda que soassem com, nas palavras de Braga, abraços mecânicos. Joel Silveira, quando faz a opção de descrever o procedimento do serviço postal, opta por traçar os caminhos realizados pelas cartas e telegramas, como no trecho:

Os caminhões esperam na porta e distribuem tudo isto [a correspondência] pela frente. A carta que veio de Guaratinguetá, por exemplo, passou pelo Rio, tomou lá o avião, saltou em Nápoles, de Nápoles seguiu para Livorno, de Livorno veio aqui para o Recuado. Do Recuado seguirá para o destino certo: um ponto qualquer num ponto mais avançado da frente, um “fox-hole”, um “PC”, um esquadrão de reconhecimento (SILVEIRA, 1945, p. 59).

Neste fragmento da crônica, Joel faz uso do tempo físico, definido por Nunes (1988) como aquele que se baseia em uma sucessão lógica de eventos. Desta forma, corrobora-se os resultados parciais desta pesquisa, uma vez que estes apresentam a preferência de Joel pela variação física do tempo, enquanto elemento constitutivo da narrativa. Quanto à classificação dos discursos em polifônico ou monofônico, temos a presença da polifonia na crônica de Rubem Braga, enquanto Joel aposta da monofonia. Braga enfatiza a reação dos pracinhas, quando inclui travessões de falar que pertencem diretamente a eles. Joel, em contrapartida, utiliza a sua própria reação para demonstrar a sensação de não receber

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correspondências do Brasil:

E já que falamos em cartas, citemos aqui um exemplo mais próximo e concreto: o exemplo deste pobre correspondente. Vinte e dois dias sem uma única notícia, e eis que hoje pela manhã o Santo Ivan mandou me avisar: “Tem uma carta para o senhor”. Modestas e discretas linhas de um amigo não muito íntimo, mas conhecido. Notícias geras do Brasil, tudo muito esfarinhado. Mas é como se fosse um tesouro (SILVEIRA, 1945, p. 60).

Neste caso, o correspondente torna-se personagem de sua própria crônica, atuando como agente na cena em que descreve. De acordo com Candido (1989), em sua obra A educação pela noite & outros ensaios, colocar-se como personagem da própria escrita, utilizando a primeira pessoa, é uma maneira de apagar as distâncias sociais. Dessa forma, Joel Silveira aproxima-se do pracinha, possibilitando, assim, que os leitores brasileiros conheçam de perto a realidade de seus familiares e amigos que se encontram em solo italiano. Além disso, utilizando Rubem Fonseca como exemplo, Candido (1989) apresenta a utilização da primeira pessoa como recurso para confundir autor e personagem, adotando uma espécie de discurso direto permanente e desconvencionalizado, que permite fusão maior que a do indireto livre. Por fim, na análise dialógica destes dois textos, podemos apontar o apelo de Braga aos leitores, com os quais fala diretamente. Enquanto Joel Silveira explora a proximidade a partir da inclusão de si mesmo na cena narrada, Braga, utilizando referências machadianas, abre diálogo com aqueles e aquelas que os lê. “Escrevam, telegrafem, meus senhores e – muito especialmente - minhas senhoras! Escrevam cartas numerosas e enormes contando coisas, muitas coisas, coisas de todas as espécies” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p.62). Nota-se, portanto, que, a partir da estratégia escolhida por cada cronista, é possível transmitir um enfoque distinto para a cena narrada, ainda que ambas compartilhem da mesma temática. De acordo com o terceiro conceito de dialogismo, defendido por Fiorin (2008), a realidade pode ser considerada heterogênea, portanto, a consciência do correspondente, que resulta em seu discurso final, é formada a partir dos discursos sociais e do conteúdo sígnico, ou seja, cada indivíduo tem uma história particular de constituição de seu mundo interior. Dessa forma, pode-se dizer que os enfoques escolhidos por Rubem Braga e por Joel Silveira para descrever algumas práticas cotidianas dos pracinhas dependem, essencialmente, do conjunto de relações sociais do qual participaram antes da partida para a Itália (FIORIN,

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2008).

7.2.4 Estratégias e técnicas militares (ET)

Esta categoria reuniu grande quantidade de títulos oriundos das obras Crônicas da guerra na Itália (1996) e Histórias de pracinhas (1945), assim como nos escritos selecionados para publicações no Diário Carioca e no Diário da Noite, conforme pode-se observar no inventário documental6 e também nos quadros de categorização, presentes no capítulo 6 desta pesquisa. Para que fosse realizada a análise dialógica dessa temática, foram escolhidas as crônicas Ataque ao Castelo (BRAGA, 1996, p. 54) e História da conquista de Monte Castelo (SILVEIRA, 1945, p. 98). A batalha do Monte Castelo foi um importante episódio do período em que a FEB esteve na Itália. Foi, antes de mais nada, uma disputa entre as tropas aliadas, incluindo os brasileiros, e as forças do exército alemão, que tentavam expandir seus domínios para o norte. Elencou-se essa temática, pois a tomada do Monte Castelo marcou a presença da FEB e, consequentemente, dos pracinhas na batalha. Foram, ao todo, seis ataques e uma enorme baixa nos soldados brasileiros. Após algumas tentativas fracassadas, as tropas aliadas conquistaram sua missão, marcando, assim, a fase final da Segunda Guerra Mundial. A cobertura da batalha, inclusive por meio das crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira, foi amplamente divulgada nos veículos de comunicação. Ambos escreviam em tom de comemoração, sentindo a proximidade do retorno às terras brasileiras. A visão de Rubem Braga é voltada estritamente para as técnicas e aparatos militares utilizados durante o ataque, concentrando-se nas condições oferecidas pelo terreno, bem como na preparação dos batalhões. Fazendo uso da polifonia, presente em muitos títulos de Braga, que, geralmente, atribui grande valor às personagens, o correspondente preocupa-se em transmitir informações acerca do cotidiano dos pracinhas durante os ataques:

Encontro um capitão conhecido: tempos atrás estive no PC de sua companhia, e pergunto pelos seus homens. - Estão descansando. Passaram quarenta dias no fogo. É demais, com esse frio. Eu reclamei. Você quer saber de uma coisa? Quando meus meninos voltarem à frente, eu vou dizer para eles não lutarem tão bem. Gente boa aqui tem castigo: os chefes ficam com pena de tirar da frente (BRAGA, 1996, p. 55).  6 Verificar apêndices I e II +& 

  Essa estratégia narrativa permite que o cronista envie uma imagem do front por meio de suas crônicas, tirando os leitores da zona de conforto, distante do ambiente de batalha. Em contrapartida, Joel, como de costume, investe na linguagem menos lírica e mais factual, advinda de sua experiência jornalística, narrando a história da conquista em ricos detalhes. A crônica de Silveira mostra-se mais densa e mais extensa. A partir do trecho “Daí por diante, os acontecimentos se sucederam nesta ordem, conforme me dizem os quase indecifráveis apontamentos que fui tomando, às carreiras, entre uma olhada no binóculo e uma informação dos rádios” [grifo nosso] (SILVEIRA, 1945, p. 99), o correspondente começa a indicar o horário exato do acontecimento, seguido de sua descrição:

- Às 12,30, o major Uzeda, que avança pela esquerda, pede proteção da artilharia para que possa alcançar um ponto na sua frente, e o general Cordeiro ordena às baterias: “Cinco rajadas de morteiros sobre 813”.  - 13,55 um dos batalhões avisa que foram avistados reforços alemães que começam a chegar a Castelo. Ao lado direito, o coronel Franklin está detido com o seu terceiro batalhão. O major Uzeda previne pelo rádio que tentará envolver Castelo pela esquerda (SILVEIRA, 1945, p. 99).

Um outro ponto de divergência entre os discursos é a escolha da voz dominante. Ao fazer uso da polifonia, Braga permite que os pracinhas ocupem lugar de destaque na crônica, transmitindo, assim, prioritariamente, suas dificuldades e perspectivas do conflito:

- Parece que os tedescos adivinham quando a gente leva munição. Um colega meu que levava um reboque com munição pegou tanta bomba aqui, que resolveu correr, meteu o jipe num buraco e se feriu. É bobagem querer correr numa estrada assim. A gente tem é que aguentar firme e ir tocando o carro como se no lugar de canhão de tedesco esses estouros fossem foguetes numa festa (BRAGA, 1996, p. 54).

De acordo com Brait (1997), o dialogismo diz também respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos. Para o jornalismo, assumir a característica de que o discurso depende dos sujeitos para existir, ou seja, não é produzido apenas pelo autor da fala ou enunciador, é uma maneira de reconhecer que o texto objetivo é apenas uma intenção do jornalista, restando-lhe elaborar um texto que no máximo direcione a leitura para um determinado sentido.

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Dessa forma, apesar de narrarem o mesmo acontecimento, a tomada do Monte Castelo, é a partir da escolha das vozes dominantes que o cronistas fornecem o direcionamento ao leitor. Cada qual seguindo sua própria trajetória até o desfecho do fato (MACHADO, 2006). Deve-se, nesta análise, ressaltar a nota de rodapé presente na crônica de Rubem Braga, na obra Crônicas da guerra na Itália (1996). Ali, o correspondente alega que escreveu uma crônica de mais de vinte páginas, a partir do que vivenciou durante o grande ataque de 29 de novembro. No entanto, este material nunca chegou ao jornal Diário Carioca, uma vez que todos os textos enviados do front passavam pelos crivos da censura do DIP ao chegar ao Brasil, justificando, assim, o tamanho de seu escrito. Conclui-se, neste caso, que a linha editorial do veículo para qual cada correspondente escreve influencia nas características narrativas presentes em seus textos. Enquanto a crônica de Rubem Braga foi enxugada para menos da metade dos caracteres inicialmente previstos, Joel Silveira conseguiu desenvolver seu texto com maior desenvoltura, ainda que isso lhe custasse a publicação no Diário da Noite. Para finalizar esta análise comparativa, é preciso demonstrar que, apesar de se mostrar mais preciso nos trechos finais de sua crônica, Joel Silveira, no início do texto, segue, em convergência com Rubem Braga, a tendência de narrar os preparativos cotidianos dos pracinhas para enfrentar a batalha, como no trecho:

Vejo, através da luneta, os nossos pracinhas agachados lá na frente, grupos aqui e ali rastejando em direção ao cume de onde atiram, com suas curtas e sinistras gargalhadas, as terríveis “lurdinhas” alemãs. Agora mesmo um deles encostou-se em um pedaço de muro destruído e aponta sua “Thompson” para qualquer lugar lá em cima (SILVEIRA, 1945, p. 98).

Apesar de não seguirem os padrões das notícias factuais enviadas pelas agências internacionais, os correspondentes eram também fonte de informação para o leitor. Por meio das crônicas, era possível ter acesso às atuais situações do confronto, bem como à rotina e, em alguns casos, aos sentimentos dos pracinhas, ainda que com atraso, já que os textos de Braga e Silveira dependiam do serviço postal para chegar ao Brasil. Deve-se, neste momento, observar que, quando se trata de títulos que se encaixam na categoria estratégias e técnicas militares (ET), as crônicas aproximam-se do discurso jornalístico, uma vez que transmitem, muitas vezes, informações precisas sobre localização, equipamentos, munição e baixas sofridas pelo exército brasileiro.

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7.2.5 Impactos causados pela guerra (I)

Escolheu-se o cenário de Montese, uma cidade italiana de pequeno porte onde desenvolveu-se a famigerada Batalha de Montese, para descrever a análise dialógica dos discursos referentes aos impactos causados pela guerra (I). Esta categoria, no entanto, não apresentou, nos resultados da análise quantitativa, presença significativa entre os títulos dos correspondentes. A cidade em questão situa-se em uma região que apresentou muita importância durante o conflito. Faz fronteira com Modena e Bolonha, além de apresentar, à época, vegetação e terreno propícios para a batalha que pretendia tirar o território do domínio alemão. Rubem Braga não cita, em nenhum momento, aspectos da cidade antes da batalha. Em contrapartida, Silveira traça uma linha comparativa do espaço antes deste ser atingido pelos ataques de guerra:

Em Montése encontramos apenas vestígios de uma cidade que, na paz, deveria ter sido um belo lugarzinho, espetado numa crista suave, com sua torre medieval, o vale se estendendo lá embaixo, suas coloridas bancas de jornal e seus monumentos antigos. Brasileiros e alemães, na recíproca luta ofensiva e defensiva, cobriram Montése de ruínas (SILVEIRA, 1945, p. 156).

Na crônica Ainda em Montese (BRAGA, 1996, p. 246), Rubem Braga cita o estrago nas estradas como o principal impacto da guerra naquela região. Além disso, atribui a causa dos estragos, na maioria das vezes, aos ataques de canhão. Dessa forma, o correspondente preocupa-se em descrever tais ataques, com a finalidade de que o leitor compreenda o funcionamento do front de batalha. Neste ponto, há uma divergência entre o ponto de vista narrativo de Braga e Silveira, pois o segundo enfatiza alguns aspectos cotidianos do mesmo fato, como:

Hoje pela manhã o armistício nazista demorou mais de uma hora. Aproveitei para conhecer de perto outras ruas de Montése e entrar em algumas de suas casas ainda razoavelmente intactas. Estive também numa de suas igrejas, que uma inscrição na sacristia me diz ter mais de trezentos anos (SILVEIRA, 1945, p.157).

Sabe-se que ambos os correspondentes desejaram, em suas crônicas, narrar a destruição da cidade em questão. No entanto, Caimi (2001), em seu artigo intitulado A representação dialógica do discurso em A rainha dos cáceres da Grécia, de Osman Lins, discute o processo

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de deslocamento da significação do discurso, a partir do momento em que o narrador assume a dimensão de autor/narrador e de personagem ao mesmo tempo:

Essa postura leva à perda da dimensão lógica da significação, deslocando-se o discurso para a desarticulação da mesma, como se o narrador, seu discurso e, conseqüentemente, a própria obra retornassem ao caos, impossibilitando o discurso através da eliminação do significado que se mantém no outro. Ou seja, quando o autor/narrador do ensaio identifica-se como personagem do livro que comenta, perde a alteridade, autor e personagem se identificam num único discurso que também é o discurso do narrador, não há mais a exotopia que possibilita o processo de significação estética (CAIMI, 2001, p.13).

A divergência entre as vozes dos discursos de Rubem Braga e Joel Silveira, neste caso, dá-se pelo caminho narrativo escolhido por Joel, que se coloca em cena, confundindo-se com as personagens de sua narrativa, conforme definiu Caimi (2001). Rubem Braga, em contrapartida, apesar de também estar presente no front, mantem certo distanciamento do fato narrado, como se estivesse transmitindo uma informação que lhe foi passada por um tenente ou major, conforme podemos observar no trecho a seguir:

Agora, o tenente Rosa (Antônio Rosa de Almeida) está pedindo artilharia sobre Bortolino, que hostiliza Possessione. Entra um major italiano que lida com as mulas, e conversa com o major Argens do Monte Lima. Aparece o coronel Silvino, do 60; uma companhia de seu batalhão vai entrar em linha, ele vem rapidamente conferenciar com o major Sizeno, que está com duas companhias progredindo (BRAGA, 1996, p. 247).

O cronista supracitado trata dos impactos da guerra unicamente do ponto de vista estratégico e bélico, como quando afirma que “(...) aqui e ali as granadas explodirão sem cessas sobre as posições conquistadas durante o dia: o tedesco cuspindo a sua raiva sobre a terra que perdeu” [grifo nosso] (BRAGA, 1996, p. 248). Esse enfoque influencia diretamente o processo de significação e construção de sentido do leitor sobre as consequências do confronto. Dialogicamente falando, o discurso de Joel Silveira também é composto pelas vozes oficiais de comando, que fornecem as coordenadas de cada ataque e defensiva. No entanto, ainda que compartilhem esta ou aquela voz, a crônica, enquanto gênero do discurso, permite que o autor acrescente ou retire alguns elementos de sua narrativa. Rubem Braga deu preferência ao ataque do cemitério de Montése, por isso, este fato significou o impacto bélico em sua crônica. Joel Silveira, no entanto, enfatizou sua visita à

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igreja da cidade, fazendo com que esta cena narrada demonstrasse as consequências do combate ao leitor. As consequências da escolha deste ou daquele enfoque significativo para expor os impactos causados pela guerra são explicadas por Di Fanti (2003), no seguinte trecho:

Os sentidos, a partir da abordagem dialógica, projetam-se como efeitos, sendo assim, irredutíveis a uma só possibilidade, apesar de em determinados contextos enunciativos haver sentidos predominantes. Com isso, os efeitos de sentidos existem a partir de construções discursivas, das quais o sujeito “não é a fonte de seu dizer”, uma vez que se constitui, de modo dinâmico, com a instituição histórico-social. Em outras palavras, o sujeito e os sentidos constroem-se discursivamente nas interações verbais na relação com o outro, em uma determinada esfera de atividade humana (DI FANTI, 2003, p. 98).

7.2.6 Impressões pessoais (IP)

Pode-se dizer que o cronista de guerra tem certa liberdade para expressar algumas opiniões pessoais acerca dos fatos narrados. Em alguns títulos, é possível notar colocações opinativas sobre as condições do front, exposição de ideologias políticas, além de explanações sobre os próprios sentimentos. Para esta última análise, foram escolhidas crônicas que tratam da mudança da estação climática no front, narrando a chegada da primavera, são elas: Primavera (BRAGA, 1996, p. 211) e A primavera (SILVEIRA, 1945, p.135). De acordo com Leite (1985), em sua obra O foco narrativo, o ponto de vista narrativo de um narrador-testemunha é baseado em hipóteses, informações de coisas que viu ou ouviu. Ainda nesta categoria, um narrador-testemunha pode fazer uso da cena ou do sumário narrativo para descrever as situações vivenciadas. Sabe-se que a cena é definida como uma representação dramática, em que a ação se apaga em proveito da caracterização psicológica e social, o que ocorre na crônica de Braga:

À sombra de uma árvore, sentado, com vários homens, fiquei espiando a terra de ninguém e a terra do alemão. O sol que descia para as montanhas em nossas costas, não deixaria que o inimigo lá da frente nos visse. No grande vale havia, aqui e ali, casinhas solitárias ou pequenas aldeias. Outras subiam pelas montanhas do outro lado e azulavam longe, subindo-se em vagas marchas (BRAGA, 1996, 211).

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Cria-se, na crônica de Braga, uma descrição do estado de espírito dos homens com a chegada na primavera, ampliando a visão do narrador-testemunha para além do que se pode ver a olho nu, adentrando nos sentidos daqueles que, por tanto tempo, enxergaram apenas suas próprias trincheiras. Em contrapartida, o sumário é definido como narração breve e concisa de um período da história, ou seja, o narrador-testemunha, ao fazer o uso desta técnica para narrar os acontecimentos, deixa de lado os pormenores das ações e palavras, citando apenas o que enxerga de imediato na situação vivenciada (LEITE, 1985). Como podemos notar no trecho da crônica de Silveira:

O tenente Sinval Pinheiro, da capital de S. Paulo, me levou ontem até o seu observatório avançado. Deu-me um binóculo forte e com ele fiquei, durante longos minutos, percorrendo a “terra de ninguém”. Vi uma ambulância nazista passar, rápida, pela estrada vermelha que corta, reta, os campos verdes. E vejo flores. (SILVEIRA, 1945, 135).

O autor não aprofunda nas emoções daquele que encontra pela situação que narra, apenas faz uma descrição de narrador-testemunha que acompanha os personagens da crônica, o que apresenta um ponto de divergência entre seu discurso e o discurso de Braga. Existem, tanto na obra de Braga, quanto na de Silveira, outros títulos que expressam suas impressões acerca da batalha e das condições dos pracinhas, no entanto, nesta categoria, especialmente, justifica-se as divergências discursivas dos autores a partir da subjetividade dos sujeitos, uma vez que a realidade na qual Braga estava inserido antes de subir a bordo do navio de seu escalão era distinta daquela na qual vivia Joel Silveira. As impressões pessoais (IP), no entanto, aparecem em pequena quantidade na categorização dos títulos de ambos os cronistas. Sabe-se que na obra Histórias de pracinha (1945), Joel Silveira apresenta mais crônicas reunidas nesta categoria. No entanto, a maioria delas não foi veiculada nas edições do Diário da Noite, durante o período em que esteve no front de guerra. No próximo item deste trabalho, tratar-se-á do estudo comparativo entre as crônicas compiladas nas obras literárias dos correspondentes, aquelas publicadas também nos jornais pelos quais foram enviados à Itália e, finalmente, as exclusivamente veiculadas pela imprensa brasileira. Este item é complementar à análise das relações dialógicas presentes nos discursos da categoria impressões pessoais (IP), uma vez que trata das instâncias e crivos do DIP, durante o governo de Getúlio Vargas, sugerindo, assim, uma justificativa para a escolha temática #"" 

do Diário Carioca e do Diário da Noite, além de certos indícios de censura apontados pelos próprios correspondentes.

7.3 Estudo comparativo das crônicas publicadas nos jornais e nos livros: uma análise dos crivos de censura do departamento de imprensa e propaganda (DIP)

Durante o Estado Novo, período em que Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil de forma ditatorial, o Departamento de Imprensa e Propaganda, amplamente conhecido como DIP, era o canal utilizado pelo Estado para realizar o controle sobre os meios de comunicação e as informações veiculadas no país. Vinculado diretamente à Presidência da República, o DIP, criado por decreto presidencial em dezembro de 1939, produzia e divulgava o discurso destinado a construir certa imagem do regime, das instituições e do chefe do governo, identificando-os com o país e o povo.

Para garantir o monopólio e a uniformização das notícias e dos serviços de propaganda e publicidade dos ministérios, departamentos e estabelecimentos da administração pública federal e entidades autárquicas, tudo era produzido e distribuído pela Agência Nacional. Sua distribuição era gratuita, saindo muitas vezes como matérias subvencionadas, dificultando assim o trabalho das empresas particulares que possuíam pontos de vistas contrários ao regime governamental (PASCHOAL, 2010, p.6).

Neste trecho, podemos notar a grande influência que o órgão governamental exercia sobre os meios de comunicação. Não era diferente com o Diário Carioca e o Diário da Noite, que compõem o corpus desta pesquisa. A Agência Nacional acompanhava de perto as tomadas de decisões dos jornais e, de acordo com Paschoal (2010), em seu artigo Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil, realizava o controle destes veículos por meio de bloqueios financeiros, ou seja, concedia favores fiscais apenas àqueles jornais que seguissem a orientação política governamental. Durante o período de guerra, os textos de Joel, assim como os de Rubem Braga, antes de ocuparem seus lugares nas páginas do Diário Carioca e do Diário da Noite, passavam pelo crivo da censura a partir de três instâncias: a primeira era o repasse das correspondências para que fossem analisadas pelas Forças Armadas Aliadas, órgão que objetivava barrar qualquer informação relacionada à estratégia militar. Em seguida, o alto comando da FEB tomava posse dos textos e, por fim, estes chegavam ao poder do DIP, quando a correspondência já estava no Brasil (RODRIGUES, 2014). #"# 

De acordo com a finalidade do DIP, definida no primeiro parágrafo deste item, sabe-se que algumas temáticas eram instantaneamente barradas pelo departamento, para que alguns aspectos fossem garantidos por toda a comunicação realizada pela imprensa neste período. Segundo Maynard (2014), o Decreto-Lei n.171 atribuía ao DIP algumas atribuições, cabe-nos, no momento, destacar as seguintes:

a) Promover, centralizar e coordenar a propaganda geral do Estado, realizando campanhas de defesa e divulgação; b) Divulgar por todos os meios a seu alcance os trabalhos culturais e econômicos necessários à informação, educação, orientação comercial, industrial e agrícola bem assim tudo quanto passa interessar à saúde e educação do povo; c) Fornecer largas informações das nossas atividades sociais, culturais, econômicas e administrativas; d) Distribuir comunicados e serviço telegráfico à imprensa do país e do estrangeiro sobre as atividades administrativas, econômicas, sociais e culturais do Estado; e) Selecionar e classificar dentre as publicações e periódicos de evidente utilidade, nacionais e estrangeiros, tudo quanto constituir matéria de interesse para o fim de propaganda e de permuta.

Diante destas características selecionadas a partir do Decreto-Lei, inicia-se um processo de identificação de possíveis temáticas que se mostram contrárias aos objetivos do DIP, sendo, portanto, reprovadas nos instâncias de censura promovidas pelo departamento. A intenção da propaganda, do marketing e também das informações que circulavam na imprensa tradicional era exaltar a imagem do presidente Getúlio Vargas, bem como sua forma de administrar o país. O DIP barrava tudo aquilo que manchasse a imagem de progresso e desenvolvimento brasileiro, proporcionados pelo vigor do Estado Novo. Levando em consideração o inventário documental desta pesquisa, o qual nos apresenta a relação completa de títulos escritos por Rubem Braga e Joel Silveira, durante o período em que acompanharam a FEB na Itália, podemos identificar quais crônicas foram compiladas nas obras Crônicas da guerra na Itália (1996) e Histórias de Pracinhas (1945), quais delas foram também publicadas nos jornais Diário Carioca e Diário da Noite, quais não foram veiculadas na imprensa nacional e, ainda, aquelas que estiveram presentes exclusivamente nas páginas dos jornais.

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Cabe-nos, neste momento da pesquisa, apresentar uma contraposição entre alguns títulos não veiculados na imprensa nacional e aqueles presentes exclusivamente nas edições publicadas de setembro de 1944 a maio de 1945. Deve-se levar em consideração a ideologia supracitada, a qual vigorava à época, estabelecendo, assim, possíveis justificativas para a exclusão ou inclusão de determinados temas. Joel Silveira tem apenas 15% de suas 104 crônicas publicadas no Diário da Noite. O correspondente carregou, em vida, o apelido de víbora, o qual lhe foi concedido por Assis Chateaubriand, que afirmava ser a destilação de veneno e ironia em doses industriais um dos esportes prediletos do jornalista. Dessa forma, encontram-se, em seus escritos, alguns indícios que seriam barrados pelos crivos da censura do DIP e, portanto, da publicação no jornal. Neste caso, um bom exemplo é a crônica A censura fascista (SILVEIRA, 1945, p. 174), que se encontra exclusivamente na obra Histórias de pracinha (1945). Categorizada como título que carrega unidades de registro do conjunto de crônicas pertencente às impressões pessoais dos correspondentes (IP), a narrativa fala sobre as normas impostas pela Seção de Imprensa do Ministério da Cultura Popular aos jornais de Roma, à época em que Silveira estivera em solo italiano. O autor cita as instruções que lhe chegavam dia após dia, no front de batalha, encerrando o conteúdo com o seguinte trecho:

Ficamos por aqui, nesta primeira reportagem. O leitor nos desculpará a maneira ríspida pela qual estamos apresentando as “normas” do Ministério da Cultura Popular Italiana, mas a verdade é que elas são tão claras que não necessitam de comentários. Retiradas da secção de Imprensa, precisamente recolhidas e guardadas no providencial arquivo do nosso colega romano, reconstituem aos nossos olhos um típido instantâneo fascista, qual seja o da sujeição da imprensa aos caprichos da imbecilidade autoritária (SILVEIRA, 1945, p. 177).

Sua ideia contraditória ao fascismo é também evidenciada em outros títulos, como Morte aos fascistas (SILVEIRA, 1945, p. 207) e Um jornal nazista (SILVEIRA, 1945, p.128), os quais deixam claro a ideologia política do autor. Diante do contexto histórico da época, ser contrário a um regime totalitário era sinal de negação ao Estado Novo de Getúlio Vargas. Por isso, os motivos pelos quais tais textos não foram veiculados no Diário da Noite mostram-se claros, uma vez que seriam considerados obstáculos para a realização dos objetivos do DIP, que estão supracitados neste item. Na relação de títulos de Rubem Braga, em contrapartida, encontra-se menos críticas #"% 

diretas ao regime político vigente na Itália e no Brasil, o que se deve ao fato de que o Diário Carioca, a partir de 1938, passou a prestar incondicional apoio ao governo, tecendo elogios às medidas e realizações do governo federal. Essa estratégia, apesar de contrária às vertentes ideológicas do jornal, era uma maneira de garantir que não houvesse mudanças na linha editorial do veículo. Dessa forma, grande parte dos títulos de Braga estão contidos tanto no livro quanto nas edições do Diário Carioca, durante o período de setembro de 1944 a maio de 1945. Muitas das crônicas não publicadas no jornal sofreram com o atraso permanente do serviço postal, ou seja, demoraram mais do que o previsto para percorrerem o caminho entre a Itália e o Brasil. Dois títulos, em especial, no entanto, apresentam temáticas contrárias aos objetivos do DIP e, portanto, barradas pelos crivos da censura do Estado Novo. As crônicas Prisioneiros (BRAGA, 1996, p. 191) e Visita a posições (BRAGA, 1996, p. 171) não foram publicadas nos jornais e contêm informações muito específicas sobre as estratégias das bases militares brasileiras, apresentando as dificuldades e algumas consequências de ataques mal sucedidos. Tais informações não contribuiriam para a imagem idealizada dos pracinhas, que os caracterizava como super-heróis, difundida pelos agentes da Agência Nacional. Construir a imagem de um país forte e independente, colaborando, assim, para a consolidação do governo ditatorial de Getúlio Vargas, dependia de um trabalho intenso da Agência Nacional da execução do controle das mídias. Durante a Segunda Guerra Mundial, a atuação da FEB da Itália foi de extrema importância para que se cumprissem os objetivos getulistas. Todo o material que não estivesse de acordo com a imagem que se pretendia transmitir aos brasileiros, era descartado e substituído por conteúdo advindo de agências de notícias internacionais. Dessa forma, aconselha-se um estudo posterior e mais aprofundado sobre os critérios estabelecidos pelo DIP para a aceitação ou exclusão de determinados títulos de Rubem Braga e Joel Silveira.

 

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

8.1 Resultados finais referentes às relações dialógicas entre os discursos dos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira

Diante das análises apresentadas no capítulo anterior, pode-se levantar algumas considerações acerca do conceito de dialogismo, defendido por Bakhtin (1979). Neste momento, pretende-se compilar as observações e conclusões finais sobre as relações dialógicas existentes entre o discurso de Rubem Braga e Joel Silveira, as quais foram obtidas após todo o percurso de pesquisa. Diz-se que o dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo, uma vez que todos os nossos enunciados são compostos de discursos proferidos, anteriormente, por outrem. Por isso, mesmo antes de iniciarmos a metodologia de análises, tínhamos em mente a existência de pontos convergentes entre as crônicas de cada correspondente. A análise dialógica, no entanto, permitiu que se pudesse identificar alguns padrões de convergência e divergência entre Rubem Braga e Joel Silveira, possibilitando, assim, a construção de um perfil narrativo de cada autor, o qual será apresentado nas conclusões finais desta pesquisa. Rubem Braga e Joel Silveira estiveram, durante o período de setembro de 1944 a maio de 1945, no mesmo espaço e contexto histórico. Como correspondentes de guerra, puderam vivenciar o front, estabelecendo grande proximidade com as batalhas, estratégias de guerra e, principalmente, com os pracinhas. A função de ambos era enviar informações aos veículos para os quais trabalhavam, a partir de suas observações e descobertas realizadas em solo italiano. Apesar de partirem do Brasil com o mesmo destino, os correspondentes de guerra tinham autonomia para perambular pelos postos de controle brasileiros. Dessa forma, os relatos enviados por meio do serviço postal diferenciavam-se de acordo com o itinerário de cada autor. Essa é uma das justificativas para que, em alguns momentos, não houvesse regularidades enunciativas entre os discursos de Rubem Braga e Joel Silveira, o que permitia que este ou aquele tratasse de um tema exclusivo ou uma situação não vivenciada pelo outro colega de trabalho. Nesta pesquisa, em especial, o enfoque foi direcionado para as relações dialógica entre textos distintos, o que caracteriza a intertextualidade. No artigo intitulado O problema do texto em Linguística, Filologia e Ciências Humanas: um experimento em análise filosófica, Bakhtin (1986) propôs a seguinte ideia acerca do conceito de texto:

Cada texto pressupõe um sistema de signos geralmente compreendido #"' 

(isto é, convencional dentro de um determinado coletivo), uma linguagem compreendida de modo geral... (quem dera também a linguagem da arte). E então por trás de cada texto, há um sistema de linguagem. Tudo no texto que é repetido ou reproduzido, tudo o que é repetível ou reproduzível, tudo que pode ser dado fora de um determinado texto (o dado) está em conformidade com esse sistema de linguagem (BAKHTIN, 1986, p. 105).

Assim, deve-se levar em consideração que a estrutura textual é singular e pode se desenvolver a partir do estilo narrativo de cada autor. Por isso, nota-se padrões linguísticos individuais nos textos de Rubem Braga, assim como nos de Silveira. Podemos citar, como exemplo, a utilização da primeira pessoa do singular nos trechos de Braga. Na crônica O castelo é nosso, publicada na edição 05147, do Diário Carioca, em 28 de março de 1945, e também presente na obra Crônicas da guerra na Itália (1996, p. 155), o correspondente demonstra sua preferência por omitir a primeira pessoa do discurso, direcionando todo o foco narrativo aos acontecimentos e situações vivenciadas pelos pracinhas, o que garante as marcas da subjetividade do autor testemunho, uma vez que não utiliza um pronome pessoal de primeira pessoa do singular como voz principal de seu texto. Joel Silveira, em contrapartida, apresenta outras estratégias narrativas que singularizam sua estrutura textual, como na crônica História da conquista de Monte Castelo, que não foi veiculada no Diário da Noite, mas faz parte da compilação da obra Histórias de pracinhas (1945, p. 98). Neste texto, Silveira utiliza o tempo físico, que, de acordo com Nunes (1988), apresenta medidas precisas e constantes, por isso, diz-se que é um tempo de ordem direta e irreversível. Essa preferência diferencia a produção de sentido dos textos deste e daquele correspondente. A escolha das estratégias narrativas realizada por cada autor para narrar os fatos e situações vivenciadas faz parte do processo de construção textual, proposto por Bakhtin (1986). No entanto, a partir dos resultados apresentados nas análises dos elementos constitutivos da narrativa, sabe-se que as convergências ou divergências textuais podem ser frutos da forma como cada correspondente faz uso dos elementos constitutivos da narrativa, que , neste trabalho, são descritos em: tempo, espaço e personagem. Dessa forma, deve-se dizer que, para a identificação das regularidades e irregularidades enunciativas presentes nas análises dialógicas, apresentadas anteriormente, é necessário observar a construção semântica, sintática e contextual do conteúdo investigado. Ou seja, a primeira hipótese, que parte do pressuposto de que todos os textos e discursos são influenciados por conteúdos anteriores, deve ser, de alguma forma, reformulado, de maneira a deixar claro o

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fator de particularidade de cada autor. Para cara categoria proposta (D, P, PC, ET, I e IP), há um conjunto de concordâncias e discordâncias entre os textos de Rubem Braga e Joel Silveira. De maneira geral, o que se pode observar claramente é a importância das singularidades de cada narrativa para a construção da memória coletiva sobre a atuação da FEB, na Segunda Guerra Mundial. Assim, as relações dialógicas dão-se nessa construção, uma vez que, conforme defendeu Fiorin (2008), o terceiro conceito do dialogismo baseia-se no conjunto de relações sociais das quais participa o sujeito. Tratando-se ainda da análise dialógica dos textos, a pesquisadora observou que o contexto histórico é um importante fator na construção do discurso dos correspondentes. Conforme apresentado no item anterior, no Brasil, à época em que Rubem Braga e Joel Silveira estiveram na Itália, vigorava o Estado Novo, o qual contava com o auxílio do DIP para controlar a propaganda e a veiculação de informações no país. Consequentemente, ambos os correspondentes transformaram em crônicas algumas de suas críticas à censura, títulos que foram categorizados como impressões pessoais (IP) nesta pesquisa. Por fim, outro aspecto relacionado ao contexto histórico e relevante para a conclusão destas análises é a preferência pelas categorias ET, PC e D. Nota-se que Rubem Braga e Joel Silveira, em concordância, mergulharam no cotidiano da guerra, levando para os brasileiros informações detalhadas sobre o front e a situação dos pracinhas, o que lhes garantia um diferencial das agências de notícias tradicionais. Quando submetidos à análise dialógica, Rubem Braga e Joel Silveira apresentaram concordância de ideias. Ambos criticaram a censura fascista e a presença nazista em solo italiano, assim como escreveram comentários sobre as dificuldades de guerra, julgando certas estratégias e decisões dos comandantes do exército brasileiro. No entanto, deve-se também levar em conta o enfoque preferido por cada autor para narrar tais momentos históricos, as estratégias sintáticas, assim como suas preferências pelos elementos constitutivos da narrativa, o que lhes garantiu particularidade e originalidade textual. No início desta pesquisa, levantou-se a questão dos limites entre o factual e o ficcional existentes no gênero ao qual pertence a crônica de guerra. A partir das análises dialógicas, é possível, previamente, estabelecer parâmetros comparativos responsáveis por informar o que é historicamente comprovado por meio das repetições. Quando um fato é repetido nos textos de ambos os correspondentes, apresentando as mesmas informações históricas, diz-se que é o referencial factual da crônica. À parte dele, cada cronista pode incluir sua própria perspectiva narrativa, que pode incluir ou não elementos ficcionais.

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8.2 A presença da mulher enquanto personagem das narrativas

Após realizar o levantamento de crônicas para a construção do inventário documental, notou-se, inicialmente, a pequena incidência de menções à figura feminina no título das crônicas de Rubem Braga e Joel Silveira. Deve-se, no entanto, ressaltar que                      ! Rubem Braga, na obra Crônicas da guerra na Itália (1996), apresenta dois títulos direcionados à figura feminina, são eles: Enfermeiras (BRAGA, 1996, p. 83) e A menina Silvana (BRAGA, 1996, p. 152). Joel Silveira, em contrapartida, apresenta apenas um título, Laura e o cemitério (SILVEIRA, 1945, p. 140). Sabendo que os títulos de Rubem Braga totalizam em 94, somando os textos publicados na obra Crônicas da guerra na Itália (1996) e aqueles veiculados exclusivamente no Diário Carioca, e Joel Silveira publicou 107 crônicas em sua obra Histórias de pracinhas (1945), nota-se a quase inexistente presença feminina entre as temáticas consideradas relevantes pelos autores. Considerando que um dos títulos de Braga diz respeito a uma criança, partiremos da premissa de que a mulher, enquanto personagem do discurso, aparece somente uma vez, quando são mencionadas as enfermeiras do front de guerra. Na crônica em questão, Braga utiliza, a priori, a enfermeira Neuza Melo Gonçalves como protagonista, dando-lhe, inclusive, voz ativa em um discurso direto. Foram enviadas 73 enfermeiras junto à FEB, uma estratégia de Getúlio Vargas para mobilizar a população civil a participar ativamente da Segunda Guerra Mundial. Mundialmente falando, temos:

Pode-se considerar que o envio das mulheres ao front militar na Primeira e na Segunda guerras mundiais integra o processo de constituição do front interno ou civil. Por meio de uma série de políticas de Estado, todos os indivíduos e todos os recursos civis podem ser mobilizados. Igualmente, tornam-se alvos de ataques e bombardeios. É esta nova lógica da guerra na qual se dá a participação das enfermeiras, neste caso relacionado ao intenso imaginário que associa as enfermeiras a uma presença materna (a imagem da pátria- mãe) no campo de batalha, aliviando a dor e o sofrimento dos soldados feridos (CYTRYNOWICZ, 2000, p 73).

Sabe-se que as enfermeiras atuantes na Itália foram as primeiras mulheres a ingressar no serviço ativo das Forças Armadas do país. Os jornais e revistas de 1944 publicavam fotografias do treinamento das enfermeiras no Rio de Janeiro, em que elas aparecem fazendo exercícios de educação física, além de exibir as aulas de medicina e de instrução militar. Ou seja, as #"* 

mulheres que partiram junto aos escalões de pracinhas estavam preparadas para o combate e não poderiam, em nenhuma instância, ser consideradas um obstáculo para o desenvolvimento de estratégias ou a personificação da fragilidade no front. De acordo com o texto de Braga, o único que cita a participação feminina no confronto, as enfermeiras, com sua tagarelice, alegravam um pracinha ferido. Em outros momentos, quando cita a preferência das mulheres, Braga diz:

A enfermeira Altamira Valadares me diz que está muito satisfeita com aquele novo hospital: - Eu estava cansada de dormer em barracas. Aqui temos a nossa casa. A gente passa melhor e os doentes também. Arranjamos uma cozinha italiana muito boa (BRAGA, 1996, p. 84).

Nota-se que a atuação feminina fica restrita aos espaços fechados e quase nunca se fala sobre a participação da mulher no confronto direto. Entretanto, de acordo com a Teoria do Mundo Social, de Pierre Bourdieu, a participação de mulheres na guerra, na condição de enfermeiras militares, ao tempo em que representou a ocupação de um espaço homologado por mandatários do poder, também contribuiu para consagrar a inserção de mulheres em espaços públicos consagrados aos homens, ainda que na retaguarda (BOURDIEU, 1998). A Segunda Guerra mundial contribuiu, dessa maneira, para a inserção da mulher no mercado de trabalho. O primeiro país a reconhecer a necessidade do emprego da mão de obra feminina durante este episódio histórico foi a Inglaterra. Na Grã-Bretanha, a grande maioria dos postos de trabalho ainda era ocupada pelos homens. A maior parte das mulheres não trabalhava e limitava-se cumprir sua função de mãe e esposa No entanto, a guerra iria mobilizar 5,5 milhões de homens. A força de trabalho feminina passa a ser decisiva para que o país se mantenha nesse período conturbado. Em 2016, a vencedora do prêmio Nobel de Literatura, Svetlana Aleksiévitch, lançou a obra A guerra não tem rosto de mulher, na qual problematiza o fato de que todos os conflitos são sempre narrados a partir de um ponto de vista masculino. A crítica deve-se à circunstância de, apesar de estarem, em grande parte das vezes, na retaguarda, as mulheres também ocuparem, em alguns conflitos, a linha de frente. De acordo com a obra de Aleksiévitch (2016), quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas sua história nunca foi contada. No front italiano, no entanto, as mulheres brasileiras ocupavam posição desvantajosa em relação às de outra nacionalidade, uma vez que ocupavam apenas a enfermaria. Devido à

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questões hierárquicas, as enfermeiras do Brasil apresentavam baixo nível de competência técnica, além da falta de domínio do idioma oficial, o que lhes colocava hierarquicamente abaixo das representantes femininas norte-americanas (OLIVEIRA; SANTOS, 2007). Na imprensa brasileira, inclusive nos jornais Diário Carioca e Diário da Noite, que compõem o corpus dessa pesquisa, a atuação das enfermeiras foi tema de inúmeroas publicações, entretanto, os critérios do DIP para que as mulheres ocupassem posição de destaque eram baseados na imagem da figura feminina como representação da Pátria-Mãe. A função da mulher era, exclusivamente, cuidar dos soldados na guerra. Diante da imposição social do instinto maternal a todas as mulheres, o que pode ser comprovado ainda atualmente, justifica-se a precoce desmobilização das enfermeiras febianas logo após o término da guerra, antes mesmo de retornarem ao país, recolocando-as, novamente, no ambiente doméstico. As mulheres foram protagonistas de algumas narrativas somente para fortalecer a propaganda da ditadura varguista, que pretendia vender a imagem de um país unificado em prol dos interesses do Estado Novo (OLIVEIRA; SANTOS, 2007). Rubem Braga e Joel Silveira utilizaram a figura feminina apenas como apoio nos textos produzidos durante o período em que estiveram no front de guerra. Citaram alguns nomes e mencionaram algumas ações, no entanto, a mulher, com exceção da crônica de Braga supracitada, sempre ocupou o papel de apoio ou esposa dos pracinhas, distanciando-se, assim, das decisões e ações desenvolvidas para o desfecho da batalha. O fato é corroborado na crônica Cartas (BRAGA, 1996, p. 61), na qual o autor faz um apelo para que as senhoras enviassem cartas para aliviar a saudade dos pracinhas. Finalmente, deve-se ressaltar, como resultado desta pesquisa, que a Segunda Guerra Mundial foi um conflito de homens e também de mulheres, as quais ocuparam posições importantes, como engenheiras, supervisoras de produção, motoristas de caminhões, além dos alistamentos nas forças armadas. É preciso que as narrativas históricas reposicionem a figura feminina no desenrolar dos conflitos. Assim, corrobora-se essa necessidade a partir do número ínfimo de títulos que apresenta mulheres como protagonistas da narrativa. No corpus desta pesquisa, apenas 1 para um conjunto de, aproximadamente, 200 crônicas, quando somadas as publicações de autoria dos dois correspondentes de guerra em questão, Rubem Braga e Joel Silveira.

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8.3 Perfil narrativo dos correspondentes de guerra

Após percorrer todo o caminho metodológico proposto para a realização desta pesquisa, foram reunidas informações, observações e conclusões essenciais para a construção de um perfil narrativo dos correspondentes de guerra que serviram de objetos de estudo para este trabalho. Conhecer o estilo narrativo, bem como parte da trajetória profissional dos correspondentes, fundamentou as análises dialógicas realizadas posteriormente, uma vez que tais informações permitiram que a pesquisadora identificasse alguns aspectos intrínsecos a Rubem Braga e outros particulares de Joel Silveira. Nos próximos itens, apresentar-se-á um breve perfil de cada autor, baseado nas informações obtidas e organizadas ao longo do desenvolvimento desta pesquisa.

8.3.1 Rubem Braga

Rubem Braga, filho de Francisco Carvalho Braga e Raquel Coelho Braga, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim (ES) no dia 12 de janeiro de 1913. Apresentando uma vida em constante atividade, Braga percorre inúmeros territórios brasileiros em busca de formação profissional e pessoal. Como vários de sua geração, Braga inicia seus estudos na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, em 1929, e, em 1931, transfere-se para a Faculdade de Belo Horizonte, onde conclui seu curso. Após um longo percurso como cronista em diversos jornais brasileiros, seu livro de estreia, O Conde e o Passarinho (1936), reunia suas melhores crônicas publicadas. Tratando-se de características e estilo narrativo singular, Braga sempre foi reconhecido por seus críticos por realizar crônicas com intensa presença lírica, o que as aproximava do texto literário permeado por aspectos de subjetividade. Reconhecidamente em sua fortuna crítica, Rubem Braga, em suas crônicas, preocupava-se menos com a precisão das informações, preferindo alcançar o leitor por meio de metáforas e narrativas próximas ao discurso ficcional. O cronista só foi correspondente de guerra na Europa devido ao desejo de Horácio Carvalho Júnior, dono do Diário Carioca, de enviar um jornalista do periódico ao front. Braga diria, mais tarde, que só chegou à Itália porque Horácio superou todas as dificuldades impostas pela Agência Nacional da ditadura Vargas. Durante todo o tempo em que esteve na Itália, Rubem Braga foi o único jornalista que dependia inteiramente da via aérea para enviar seus trabalhos. Dessa forma, sua produção ### 

era limitada e suas crônicas demoravam a chegar até o Brasil. A velocidade na transmissão das reportagens influenciava na linguagem utilizada e, na maioria das vezes, o correspondente escrevia sobre temas já transcorridos, demonstrando sua visão pessoal enquanto narrava os fatos de guerra. Durante as análises dialógicas, notou-se certa preferência por algumas unidades de registros, utilizadas para definir as categorias propostas no capítulo 6 deste trabalho de pesquisa. Rubem Braga realiza, em grande parte de seus títulos, um direcionamento do olhar para elementos significativos da cena narrada. É um cronista de detalhes, pois preocupa-se em descrever componentes responsáveis pela produção de sentido. Ao realizarmos a categorização de seus títulos, notamos que, no conjunto de crônicas correspondentes ao deslocamento e descrição dos espaços geográficos (D), o cronista faz uso da personificação de tais espaços, humanizando, assim, sua narrativa. Característica esta que lhe confere singularidade diante de Joel Silveira. Rubem Braga, apesar de inserido nas situações que descreve em suas crônicas, é um autor-testemunha e, por isso, quase nunca se coloca como personagem das ações. Afasta-se para que os próprios pracinhas e demais participantes da cena tenham protagonismo. Dessa forma, o cronista valoriza a personagem como principal elemento narrativo, na mesma medida em que nomeia cada indivíduo, atribui-lhes características físicas e emocionais e, por fim, transmite mensagens em terceira pessoa do singular para familiares e amigos que permaneceram no Brasil. Presume-se que o leitor, ao se deparar com uma crônica do correspondente Rubem Braga, tenha a oportunidade de aproximar-se dos pracinhas, como se estes estivessem falando diretamente com aqueles, a partir do intermédio textual.

8.3.2 Joel Silveira

Joel Silveira, jornalista e escritor brasileiro, filho da professora primária Jovita Ribeiro e do comerciante Ismael Silveira, nasceu em 23 de setembro de 1918, no município de Lagarto, Sergipe. Precursor do jornalismo internacional no Brasil, Joel optou por essa atividade numa época de intensa censura, sendo considerado, por muitos, militante de esquerda. Percorreu diversas regiões brasileiras como jornalista e escreveu para inúmeros veículos, entre eles, Diários Associados, Última Hora, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias, Correio da Manhã e Manchete.

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Além da atividade jornalística, Joel Silveira também realizou incursões pela prosa de ficção. Seu livro de estreia, Onda raivosa (1939), reunia seus melhores contos publicados. Após a publicação do primeiro livro, Joel apresenta um vasto conjunto de obras que reúnem memórias de fatos por ele testemunhados. A crítica mais especializada, em torno dos seus textos, já notou um apreço de sua parte pelo texto conciso e com uma função de expor a visão geral dos fatos de modo o mais realista possível. Joel Silveira, por meio de suas crônicas e narrativas, conseguia transmitir uma imagem mais humana e civil do confronto, uma vez que, ao utilizar as memórias representativas daqueles que participavam do cenário bélico como estratégica de composição textual, obtinha proximidade entre os fatos de caráter noticioso e o real sentimento dos protagonistas da guerra. Durante o período de guerra, os textos de Joel, assim como os de Rubem Braga, passavam pelo crivo da censura a partir de três instâncias: a primeira era o repasse das correspondências para que fossem analisadas pelas Forças Armadas Aliadas, órgão que objetivava barrar qualquer informação relacionada à estratégia militar. Em seguida, o alto comando da FEB tomava posse dos textos e, por fim, estes chegavam ao poder do DIP, quando a correspondência já estava no Brasil (RODRIGUES, 2012). A ida de Joel Silveira à Itália e à cobertura da Segunda Guerra Mundial marcaram a memória do jornalista, o qual demonstra em grande parte de suas obras o seu desejo de ser lembrado por meio dos relatos de guerra. Após conseguir um emprego nos Diários Associados, o jornalista foi escolhido por Assis Chateaubriand para acompanhar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália durante os momentos finais da Segunda Guerra Mundial. Joel Silveira foi um correspondente de guerra amplamente influenciado pela perspectiva jornalística, que desenvolvera em sua trajetória profissional inicial. Por isso, faz uso de linguagem analítica, evitando a observação de comportamentos de terceiros. O cronista prefere sua própria perspectiva para narrar o fato, característica presente no texto de muitos repórteres que atuam como correspondentes internacionais. Enquanto esteve no front, Silveira participou de discussões estratégias, assim como acompanhou patrulhas, vasculhando a frente brasileira e também o território inimigo. Rubem Braga também o fez, mas, no texto de Silveira, os elementos jornalísticos, as distâncias exatas, os horários sincronizados com os relógios e os dados técnicos da cena narrada mostram-se mais evidentes. Em relação à temática preferida pelo cronistas, notamos, por meio da categorização das crônicas, realizada no capítulo 6 desta pesquisa, que Joel Silveira atribui importância

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significativa aos títulos referentes ao deslocamento e descrição do espaço geográfico (D) e também àqueles relacionados às práticas cotidianas (PC) dos pracinhas. Uma justificava para o alto índice dessas categorias, é o estilo adotado pelo correspondente, que valoriza o espaço e permite que as situações vivenciadas nele sejam esmiuçadas a partir do ponto de vista narrative do autor, conforme foi descrito anteriormente, com a utilização de Leite (1985) como referencial teórico. Um outro fator relevante para a composição do perfil narrativo do autor é sua habilidade de descrever as estratégias e técnicas militares, títulos compilados na categoria (ET). Distante do lirismo utilizado por Braga, Joel não mistura emoções, direcionando todo o enfoque textual para as táticas bélicas. Como consequência, o leitor das crônicas do correspondente em questão teria, possivelmente, um panorama menos humanizado e personificado, na mesma medida em que receberia informações mais detalhada sobre os próximos passos e as consequências sofridas pelos pracinhas de cada PC brasileiro.

 

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RODRIGUES, Simone Paixão. Joel Silveira: traços da história de um jornalista sergipano na imprensa carioca. Revista do IHGSE, Aracaju, n. 44, p. 87-106, 2014.

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RONCARI, Luiz. Sermão, folhetim e crônica. Revista Ciência Hoje, São Paulo, v. 11, p. 41- 48, 1990.

SCHNEIDER, Claércio Ivan. A crônica jornalística: um espelho para a história do cotidiano?. Advérbio (FAG), Cascavel, v. 5, p. 01-07, 2007

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VIEIRA, A. G. Do conceito de Estrutura Narrativa à sua Crítica. Revista Psicologia: reflexão e crítica, Porto Alegre, n. 14, p. 599-608, 2001.

##* 

APÊNDICE I

Título Edição do publicado no Notas de Índice do livro Data Diário Diário Pesquisa Carioca Carioca A crônica, que relata a partida de Rubem Braga, A partida Livro: 09/1944 - - juntamente com Jornal: - o segundo escalão da FEB, não foi publicada no jornal Diário Carioca. Temática: viagem do Brasil à Itália Aparição no livro: p.18 à p. A noite proibida Livro: 09/1944 05020 Dentro da 19. Jornal: 25/10/1944 noite, no fundo Não houve do navio mudanças escuro textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro. Temática: crítica ao navio no qual os pracinhas viajavam. Aparição no Viagem do Livro: 09/1944 05025 Além do C- livro: p. 20 à p. pracinha Jornal: 31/10/1944 503-L é o 22 fundo do mar Rubem Braga descreve a precariedade dos navios, dando ênfase ao compartimento C-503-L. Temática: enfoque na personagem do pracinha Juan, soldado de Sorocaba (SP), ##+ 

de 22 anos. Aparição no livro: p. 23 à p. 25 Na edição O pracinha Juan Livro: 09/1944 05021 O pracinha publicada no Jornal: 26/10/1944 Juan jornal, Rubem Braga faz um resumo da trajetória e futuros planos de Juan, centralizando na imagem de um soldado o desejo de vitória de todos os outros. Temática: práticas para driblar o tempo enquanto estavam a bordo, desejo de enviar notícias às Saia da frente, famílias. Fotografias Livro: 09/1944 05027 se não mamãe Aparição no Jornal: 02/11/1944 não me vê no livro: p. 26 à p. cinema 27 Não houve mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro. Temática: dia seguinte à passagem pelo estreito de Gibraltar e O episódio do anúncio do Gibraltar Livro: 09/1944 05028 submarino e as destino dos Jornal: 04/11/1944 luzes de pracinhas, Tânger Nápoles. Aparição no livro: p.28 à p.30 Há, na edição 05026, publicada #$" 

em 01/11/1944, algumas impressões específicas sobre o estreito de Gibraltar, informações que complementam esta crônica publicada no livro.

Temática: descrição do cotidiano da população de Nápoles. Aparição no Os moleques livro: p. 31 à p. Os moleques de Livro: 10/1944 05061 de Nápoles 33 Nápoles Jornal: 13/12/1944 libertaram a Não houve cidade mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro.

Temática: percurso de Nápoles a Livorno, descrevendo o LCI, barco de transporte dos Um LCI é bem pracinhas. De Nápoles a Livro:10/1944 05062 menor que Aparição no Livorno Jornal:14/12/1944 uma barca da livro: p.34 à p.35 Cantareira Não houve mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro.

#$# 

Temática: apresentação do pracinha Nélson Neves, de Barbacena, e dos Um homem de partigiani. Primeiras Livro:10/1944 05037 Barbacena e Aparição no impressões Jornal: 15/11/1944 outros assuntos livro: p. 36 à p. 38 Essa crônica inicia a segunda série de crônicas de Rubem Alves publicadas no Diário Carioca.

Temática: Aparição no livro: p. 39 à p. 41 Não houve Em Tarquinia Livro: 10/1944 05638 Naquela mudanças Jornal: 16/11/1944 cidade sem textuais no nome que conteúdo parecia Ouro publicado no Preto jornal para o conteúdo publicado no livro.

Temática: organização da estratégia militar para conter o ataque inimigo na frente de Barga. Prelúdio da Aparição no Em Barga Livro: 10/1944 05055 áspera luta livro: p. 42 à p. Jornal: 06/12/1944 45 De acordo com nota de rodapé do livro, a crônica foi bastante truncada pela censura. Após sua publicação, dificultou-se a ida dos correspondentes #$$ 

ao front.

Temática: encantamento pelas luzes provocadas pelo ataque aéreo dos alemães. Livro: 11/1944 Ah, que Aparição no Luminárias Jornal: 11/01/1945 05084 extraordinárias livro: p. 46 à p. noites eles 47 recordarão! Rubem Braga, nesta crônica descreve, inicialmente, seu incômodo por não estar no front de batalha.

Temática: descrição do caminho realizado de jeep nas estradas italianas. Aparição no A procissão de livro: p. 48 à p. A procissão de Livro: 11/1944 05085 guerra e a 49 guerra Jornal:12/01/1945 desgraça Essa é uma monótona importante crônica para a observação da preferência de Rubem Braga pela personagem. No texto, personifica os espaços por onde passam.

Temática: o trabalho da equipe de limpadores de minas. Aparição no Minas Livro: 11/1944 05086 A paisagem livro: p.50 à p. Jornal: 13/01/1945 proibida 51 Não houve mudanças #$% 

textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro.

Temática: descrição de como eram os “técos-técos”, aviões utilizados pela FEB. Aparição no “O téco-téco” livro: p. 52 à p. O teco-teco Livro: 11/1944 05087 – pássaro 53 Jornal: 14/01/1945 indefeso da Nota-se, nesta guerra crônica, o lirismo presente na obra de Rubem Braga. A visão poética com a qual trata até mesmo os elementos de guerra.

Temática: preparação para o ataque ao Monte Castelo. Aparição no livro: p. 54 à p. 57 A crônica Ataque ao Livro: 11/1944 A guerra publicada no Castelo Jornal: 15/12/1944 05063 dentro do livro é fruto da nevoeiro junção de dois leitoso textos publicados no jornal. Este, da edição 05063 e outro da edição 05066, publicada em 19/12/1944, com o nome “A Lurdinha está cantando”. Temática: conversa entre Rubem Braga e #$& 

um espião inimigo capturado. Aparição no livro: p. 58 à p. Um espião Livro: 11/1944 05077 Um espião que 60 Jornal: 03/01/1945 é um moço Nota-se, mais prendado uma vez, o intenso uso da personagem. A crônica dedica-se por inteiro ao desenvolvimento de Giulio, nome dado ao rapaz na narrativa.

A crônica não foi publicada no Cartas Livro: 11/1944 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: apresentação dos partigiani, soldados italianos clandestinos. Aparição no Livro: 12/1944 Como lutam os livro: p. 63 à “Partigiani” Jornal: 17/01/1945 05081 “partigiani” p.64 Não houve mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

Temática: descrição das obras artísticas do Palazzo Venezia. Aparição no livro: p. 65 à p. No Palazzo Livro: 12/1944 O Palazzo 66 Venezia Jornal: 10/01/1945 05083 Venezia, Não houve ontem e hoje mudanças #$' 

textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

A crônica não foi publicada no Em Florença Livro: 12/1944 jornal Diário Jornal: - - - Carioca.

Temática: o efeito da censura nas publicações relacionadas à guerra. Aparição no livro: p. 72 à p. Livro: 12/1944 05094 A mais negra 74 Nossa gente Jornal: 23/01/1945 das censuras A crônica demonstra a insatisfação dos pracinhas da FEB diante da atuação da imprensa brasileira.

Temática: descrição do medo causado pelos soldados nazistas. Aparição no Não é medo, - livro: p. 75 à p. Livro: 12/1944 05091 é cansaço e 76 Infantes Inimigos Jornal: 19/01/1945 falta de Não houve esperança mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

Temática: a atuação da imprensa no front #$( 

de guerra. Aparição no livro: p. 77 à p. 79 Na crônica, diz- Imprensa de se que não houve Imprensa de Livro: 12/1944 05088 trincheira caso de deserção trincheira Jornal:16/01/1945 promete tudo de pracinhas aos desertores brasileiros, na edição do livro, entretanto, diz-se que houveram dois casos ocorridos na FEB.

Temática: transformação linguística causada pela situação de O pracinha guerra. evita os Aparição no “cartolas”, os livro: p. 80 à p. Livro: 12/1944 05117 “chapéus de 82 Linguagem Jornal: 21/02/1945 coco” e os Exemplo de “traquejados” como o ambiente que o podem transforma a “enquadrar” no linguagem do código pracinha disciplinar brasileiro. Rubem Braga demonstra como os soldados incorporaram o vocabulário italiano.

A crônica não foi publicada no Enfermeiras Livro: 12/1944 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: relação de Mestre Pracinha com a O pracinha, neve. fantasma Aparição no Mestre Pracinha Livro: 12/1944 05095 branco na livro: p. 86 à p. e a neve Jornal: 24/01/1945 paisagem 88 branca, está Rubem Braga #$) 

sozinho no delimita a buraco de neve descrição de uma situação cotidiana às ações de uma personagem.

Temática: captura de prisioneiros alemães e italianos. Aparição no livro: p. 89 à p. Os 23 92 Prisioneiros Livro: 12/1944 prisioneiros do Para demonstrar fáceis Jornal: 25/02/1945 05121 Sargento a atuação da Caputo FEB, Rubem Braga utiliza as personagens capturadas, personificando- as, ou seja, não são meras estatísticas numéricas de combate. Temática: acontecimentos do último dia do ano. A neve e o Aparição no gelo esfriam livro: p. 93 à p. Livro: 12/1944 05098 muita coisa, 95 Fim de ano Jornal: 27/01/1945 mas não Não houve congelam o mudanças ânimo dos textuais no brasileiros conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

Temática: Rubem Braga conta a história A história de de uma patrulha uma pequena de dois patrulha sargentos, nove #$* 

soldados e um partigiano. Confusões Livro: 01/1945 05104 Aparição no Jornal: 03/02/1945 livro: p. 96 à p. 97 Nota-se a preferência do cronista pela ação das personagens, aproximação com os homens comuns, em detrimento da exaltação de estratégias oficiais. A crônica não foi publicada no Despojos Livro: 01/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: descrição de como funciona uma central de tiros. Aparição no O assunto livro: p. 100 a p. Livro: 01/1945 05096 eram os tiros 101 Artilharia Jornal: 25/01/1945 dos alemães Uma das poucas crônicas em que Rubem Braga faz uso de elementos quantitativos para compor seu enredo, apostando em uma narração lógica e objetiva. O título e o desenvolvimento narrativo dele destoa de todo o resto. Temática: descrição da paisagem da região Emilia. Aparição no livro: p. 102 à p. #$+ 

Cada casa 103 pode ser Exceção diante Pedras Livro: 01/1945 05103 transformada das preferências Jornal: 02/02/1945 numa fortaleza do autor. Nesta crônica, utiliza o espaço como protagonista, descrevendo-o tal como é. Rubem, na maioria das vezes, prefere protagonizar seus textos com personagens. Temática: dificuldades causadas pela neve aos pracinhas brasileiros. Nas estradas Aparição no Livro: 01/1945 05105 de gelo, o jeep livro: p. 104 à p. Neve Jornal: 04/02/1945 tem 105 movimentos de Encontra-se uma Sonja Hennie conversa entre Joel Silveira e Rubem Braga, na qual o jornalista sergipano reclama da importância dada por Braga à neve. Temática: descrição de um almoço e a rotina de uma casa tipicamente italiana. A grande Aparição no irmandade é livro: p. 106 à p. Livro: 01/1945 05107 feita em torno 107 Comidas Jornal: 07/02/1945 de pratos que Não houve fumegam na mudanças imaginação textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro #%" 

Temática: descrição do trabalho para manter um canhão 105. Aparição no livro: p. 109 à p. Para dar um 112 Livro: 01/1945 05115 tiro são Rubem Braga Bateria de 105 Jornal: 18/02/1945 necessários poderia ter quatro homens descrito somente o mecanismo do canhão 105, mas seu estilo permite que haja diálogos com os pracinhas e aproximação do cotidiano daqueles que ali passam seus dias. Temática: o dia em que o pracinha João Santana foi prisioneiro dos alemães. Aparição no livro: p. 113 à p. 117 Um caso Livro: 01/1945 05114 João Santana É comum Jornal: 17/02/1945 foi prisioneiro encontrarmos dos tedescos enfoque em casos de uma só personagem, enaltecendo as ações do homem do povo. A crônica não foi publicada no O inverno para os Livro: 01/1945 jornal Diário italianos Jornal: - - - Carioca. Temática: diálogo com o motorista Um boiadeiro Livro: 01/1945 05128 No front Otacílio Braz Jornal: 06/03/1945 dirigindo Leite. caminhões e Aparição no pensando na livro: p. 121 à p. noiva e em 122 #%# 

boiadas Não houve mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

Temática: descrição de uma patrulha e da captura de alguns soldados alemães. Aparição no livro: p. 123 à p. 125 Livro: 01/1945 05110 A noite não é No último Frente calma Jornal: 10/02/1945 tão calma parágrafo da assim crônica, Rubem Braga desmente os dados divulgados pela imprensa tradicional. Ao se aproximar do cotidiano dos pracinhas é que se pode visualizar verdadeiramente o que passam. Temática: apresentação dos pracinhas que são da mesma cidade natal de Rubem. Aparição no livro: p.126 à p. Cachoeiro do 128 Itapemirim no Não houve Gente de Livro: 01/1945 front de mudanças Cachoeiro Jornal: 07/03/1945 05129 batalha italiano textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no #%$ 

livro

Temática: descrição de como as equipes responsáveis por adquirir água para consumo atuam. Aparição no livro: p.129 à p. A turma da 130 Livro: 02/1945 05145 água trabalha Estrategicamente, Água Jornal: 25/03/1945 às vezes esse não era um debaixo do assunto tratado fogo pela imprensa tradicional durante uma cobertura de guerra. Entretanto, pode- se dizer que a existência dessa crônica é a afirmação da percepção dos detalhes feita por Rubem Braga. A crônica não foi publicada no Passeio aéreo Livro: 02/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Na engenharia Livro: 02/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Plantações Livro: 02/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Aventuras de Livro: 02/1945 jornal Diário rotina Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Artilheiros da Livro: 02/1945 jornal Diário Infantaria Jornal: - - - Carioca. Temática: outra história de #%% 

acontecimentos das patrulhas. Aparição no livro: p. 145 à p. ... E os 147 Patrulha de Livro: 02/1945 05132 alemães foram Não houve ligação Jornal: 10/03/1945 saindo com os mudanças braços para textuais no cima conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

A crônica não foi publicada no O Sampaio Livro: 02/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: o encontro de Rubem Braga com a menina Silvana. Livro: 02/1945 É preciso Aparição no A menina Silvana Jornal: 08/03/1945 05130 acabar com livro: p. 152 à p. isso de uma 154 vez por todas Para justificar seu desejo pelo fim da guerra, Rubem Braga utiliza a menina Silvana como protagonista e seus ferimentos como justificativa. Mais uma confirmação de sua preferência pela personagem. Temática: tomada do Monte Castelo, fato decisivo para a vitória dos pracinhas brasileiros. Aparição no livro: p.155 à p. #%& 

157 Nesta crônica, Rubem Braga O castelo caiu Livro: 02/1945 05147 “O Castelo é lamenta pela Jornal: 28/03/1945 nosso!” demora da publicação de suas crônicas no Brasil, fato que impedia que tivesse “furos” jornalísticos. Os brasileiros só tiveram acesso às suas crônicas do Monte Castelo dias depois do ocorrido. Temática: mal- entendido entre brasileiros e alemães Aparição no livro: p. 158 à p. 159 Um mal- Livro: 02/1945 05147 Um mal- Não houve entendido Jornal: 28/03/1945 entendido mudanças textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

Temática: a agonia de caminhar sobre um campo minado. Aparição no Caminhando, livro: p. 160 à p. Livro: 03/1945 05148 em campo 163 O chão Jornal: 29/03/1945 minado, na É possível notar, terra e a partir desse ninguém relato, que os pracinhas brasileiros são homens comuns, com seus medos e angústias, tanto #%' 

quanto o correspondente que não é um soldado. Temática: rotina do front, como escapar das investidas alemãs. Aparição no livro: p. 164 à p. Os alemães 166 Torre di Nerone Livro: 03/1945 05164 tocam a Mais uma Jornal: 18/04/1945 alvorada muito exceção. Nesta cedo crônica, podemos notar o uso da noção espacial precisa e quantitativa, traço não recorrente nas crônicas de Rubem Braga. A crônica não foi publicada no Em Castellazo Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Visita a posições Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Correspondência Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: explicação do que é de como funciona um boobytrap. Aparição no livro: p. 177 à p. 178 Livro: 03/1945 Feixes de luz Até mesmo para Luzes Jornal: 03/04/1945 05151 no front contar um fato exato ao leitor, como o funcionamento de uma arma bélica ou #%( 

estratégia, Rubem Braga deixa seu rastro lírico no desenvolvimento do enredo. Temática: visita ao Cemitério Militar Brasileiro. Aparição no livro: p. 179 à p. No cemitério 180 O cemitério Livro: 03/1945 05149 militar Ao final da Jornal: 30/03/1945 brasileiro, em crônica publicada Pistóia no livro, Rubem Braga acrescenta a informação de que, ao final da guerra, o nosso Cemitério estava com cerca de 500 mortos. A crônica não foi publicada no Impressões de Livro: 03/1945 jornal Diário moça Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no O tenente Trota Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no No Belvedere Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Prisioneiros Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no Passeio na Livro: 03/1945 jornal Diário Montanha Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no A Patrulha sai Livro: 03/1945 jornal Diário Jornal: - - - Carioca. Temática: atuação do cabo Clarindo em uma #%) 

investida de guerra. O oficial Aparição no nazista tentou livro: p. 199 à p. O cabo Clarindo Livro: 03/1945 05179 inutilmente 202 Jornal: 06/05/1945 impedir que Esta foi a última seus homens crônica de se rendessem Rubem Braga publicada no Diário Carioca no período de sua cobertura dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. A crônica não foi publicada no No Batalhão Livro: 03/1945 jornal Diário Sizeno Jornal: - - - Carioca. A crônica não foi publicada no No Batalhão Livro: 03/1945 jornal Diário Ramagem Jornal: - - - Carioca. Temática: chegada da primavera. Aparição no livro: p. 211 à p. Na grande 212 Primavera Livro: 03/1945 05174 noite azul de Não houve Jornal: 29/04/1945 uma primavera mudanças temporã textuais no conteúdo publicado no jornal para o conteúdo publicado no livro

A crônica não foi publicada no Fins de março Livro: 03/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. Temática: como os refugiados italianos foram recebidos pela FEB. Aparição no Livro: 03/1945 Com os livro: p. 216 à p. #%* 

Refugiados Jornal: 28/04/1945 05173 refugiados 218 surgem O autor também os preocupa-se em espiões expressar em sua inimigos crônica a opinião pessoal de alguns pracinhas em relação aos refugiados, personificando o fato e tornando-o mais humano e emocional. A crônica não foi publicada no Cristo morto Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no Árvores Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no O tenente Amaro Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no Uma aldeia Livro: 04/1945 - - jornal Diário esquecida Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no Os alemães em Livro: 04/1945 - - jornal Diário Vidiciatico Jornal: Carioca. A crônica não foi publicada no Os alemães Livro: 04/1945 - - jornal Diário Ca'Berna Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no No 20 do 11 Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. Temática: preparação para o ataque à Livro: 04/1945 05170 Os tanques Montese. Ataque a Jornal: 25/04/1945 surgiram de Aparição no Montese repente livro: p. 242 à p. surpreendendo 245 brasileiros e Essa crônica foi alemães dividida e #%+ 

publicada em partes nas edições do Diário Carioca. A crônica não foi publicada no Ainda em Livro: 04/1945 - - jornal Diário Montese Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no O inimigo some Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no Em Bolonha Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. A crônica não foi publicada no Fim de guerra Livro: 04/1945 - - jornal Diário Jornal: - Carioca. Inventário documental das crônicas de Rubem Braga publicadas no Diário Carioca durante cobertura da Segunda Guerra Mundial.                          

#&" 

APÊNDICE II

Título Edição do publicado no Notas de Pesquisa Índice do livro Data Diário da Diário da noite noite Primeira parte O transporte

A crônica não foi Experiências para publicada no jornal o recruta - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O mundo é muito publicada no jornal pequeno - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A guerra está publicada no jornal mais próxima - - - Diário da Noite.

Exigências A crônica não foi domésticas num publicada no jornal transporte de - - - Diário da Noite. guerra

A crônica não foi Um “Mitchell” publicada no jornal ataca o transporte - - - Diário da Noite.

Netuno no A crônica não foi transporte de publicada no jornal guerra - - - Diário da Noite.

A gaita e o A crônica não foi pracinha de publicada no jornal Taubaté - - - Diário da Noite.

A carta do A crônica não foi pracinha Felix publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi #&# 

Casablanca atrás publicada no jornal do mar - - - Diário da Noite.

Sossego no A crônica não foi “Mare Nostrum” publicada no jornal aliado - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Diante de publicada no jornal Nápoles - - - Diário da Noite.

Segunda Parte Histórias de Pracinha

A crônica não foi Chegada ao front publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A guerra dos A crônica não foi telefones publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Presente da publicada no jornal quinta coluna - - - Diário da Noite.

Não silenciaram A crônica não foi as baterias no publicada no jornal Natal - - - Diário da Noite.

Temática: a história de um Natal brasileiro no front. Aparição no livro: p.48 à p.50 Como citada anteriormente, a principal característica de O Natal dos Joel é priorizar o O livro da guerra Jornal: 23/01/25 03681 soldados do espaço, enquanto Data de escrita sargento Ircio elemento de sua não citada no livro narrativa, apesar de #&$ 

ouvir alguns pracinhas. Há presença de anacronia temporal.

A crônica não foi “Partigiani” publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal - - - Diário da Noite. *No livro há uma Florença não é nota sobre essa Guaratinguetá crônica: diz-se que foi mutilada pelo DIP quando publicada pela primeira vez.

Temática: presentes recebidos pelos pracinhas e Jornal: Chegam no correspondentes. Sugestões aos 03/02/1945 03691 front os Aparição no arrumadores de Data de escrita presentes dos livro: p. 54 à p. 55 caixinhas não citada no livro colegiais Diálogo direto com cariocas aos o leitor, que se expedicionários encontrava no brasileiros Brasil, aproximando-o do cotidiano dos pracinhas.

A crônica não foi O mar sem publicada no jornal tamanho - - - Diário da Noite.

Temática: funcionamento do serviço postal no front. Aparição no Havia neve em livro: p. 59 à p. 60 seu capote e Nesta crônica, Joel lama grossa ao coloca-se como Jornal: sapato... mas o “eu” testemunha, 17/02/1945 03701 pracinha se ou seja, narrador #&% 

O anjo postal Data de escrita esquecia de testemunha, uma não citada no livro tudo porque vez que se coloca recebera sua na situação, carta juntamente com os pracinhas, e descreve sensações próprias. Temática: descrição da sala onde traçava-se as estratégias de guerra. Jornal: A sala onde se Aparição no A sala dos 09/02/1945 03696 revelam os livro: p. 60 à p. 61 segredos Data de escrita mistérios da Em primeira não citada no livro frente pessoa, descreve minuciosamente os detalhes daquele espaço, atribuindo valor simbólico a ele.

A crônica não foi Conversa com publicada no jornal Fritz - - - Diário da Noite.

Temática: como um canhão 170 alemão atacou a frente brasileira. Aparição no livro: p. 64 à p. 65 Exemplo de como Joel Silveira faz Jornal: 170, o uso de informações Capítulo do 17/02/1945 03701 misterioso precisas e Canhão Data de escrita canhão das informações não citada no livro horas mortas estratégicas de guerra em seus textos. Há pouca carga emocional quando descreve um processo específico.

A crônica não foi Fumaça e publicada no jornal nevoeiro - - - Diário da Noite.

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A crônica não foi publicada no jornal A Esperança - - - Diário da Noite.

Temática: acidente e resgate feito pelo soldado Joe. Aparição no livro: p. 69 à p. 71 Nota-se a presença de anacronias temporais, assim como a utilização de um tempo verbal distinto das Jornal: outras crônicas, o O poeta Joe 19/02/1945 03702 Desastre com o pretérito perfeito. Data de escrita auto do Aqui, também não citada no livro correspondente podemos entrar em do Diário da contato com Noite na Itália informações precisas, apesar da narrativa ser protagonizada por uma personagem.

A crônica não foi O “rum” e o publicada no jornal coração - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Um carnaval publicada no jornal - - - Diário da Noite.

Lama, A crônica não foi metralhadora e publicada no jornal morteiro - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O pracinha publicada no jornal Geraldo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O pracinha publicada no jornal #&' 

Carlos Scliar - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A música publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Uma história - - - Diário da Noite.

Temática: descrição de um ataque alemão fazendo uso da técnica do golpe de mão. Aparição no livro: p. 84 à p. 87 Jornal: O golpe de Nesta crônica, tem- O “golpe de 20/03/1945 03727 mão é uma se a confirmação mão” Data de escrita obra prima da de que Joel era um não citada no livro quinta coluna narrador em nacional sintonia com relógios. O tempo físico, altamente determinado, aparece em muitos parágrafos.

A crônica não foi “Aquilo lá é publicada no jornal Bolonha” - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Um dia com o publicada no jornal esquadrão de - - - Diário da Noite. reconhecimento Temática: a importância dos jeeps para as estratégias bélicas. Aparição no livro: p. 91 à p. 93 Nota-se uma Jornal: Sem jeep os exceção. Pela O “jeep” e o 26/03/1945 aliados não primeira vez, Joel pracinha Adão Data de escrita 03732 venceriam a personifica um #&( 

não citada no livro guerra elemento inanimado do espaço, como o jeep, adotando a personagem como elemento central de sua narrativa.

A crônica não foi 23 de dezembro: publicada no jornal 86 granadas - - - Diário da Noite.

A crônica não foi “Dora”; o “teco- publicada no jornal teco” - - - Diário da Noite.

História da A crônica não foi Conquista do publicada no jornal Monte Castelo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Abetáia - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O coronel publicada no jornal Franklin - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A fera publicada no jornal - - - Diário da Noite.

O discurso do A crônica não foi major publicada no jornal - - - Diário da Noite. *Nota-se que Joel Silveira dá mais importância aos discursos oficiais que o cronista Rubem Braga.

A crônica não foi publicada no jornal #&) 

Prisioneiros - - - Diário da Noite.

Temática: exploração de uma igreja abandonada feita por Joel. Aparição no livro: p. 111 à p. 112 Na mesma edição, foi publicada outra Jornal: Uma noite na crônica de maior Noite na Igreja 18/04/1945 03752 igreja importância nas Data de escrita destroçada primeiras páginas. não citada no livro pelos nazistas Esta é, portanto, considerada secundária, uma vez que Joel não tratava costumeiramente de assuntos triviais.

A crônica não foi publicada no jornal Castelnuovo (I) - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Castelnuovo (II) - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Castelnuovo (III) - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Soprassasso (I) publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Soprassasso (II) publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A volta do publicada no jornal #&* 

“paisano” - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A carta de publicada no jornal Engelbert - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Samba na publicada no jornal trincheira - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Um jornal nazista - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Conversa publicada no jornal sergipana - - - Diário da Noite.

A morte do “pa A crônica não foi rtigiano” publicada no jornal - - - Diário da Noite.

Temática: a chegada da primavera. Aparição no livro: p. 135 à p.137 Nota-se uma Jornal: grande diferença 25/04/1945 03759 As duas na maneira como A primavera Data de escrita primaveras Rubem Braga não citada no livro descreve a chegada da primavera daquela escolhida por Joel, que prioriza a mudança no espaço às emoções causadas pela neve nos pracinhas.

A crônica não foi O Hospital 16 publicada no jornal - - - Diário da Noite. #&+ 

A crônica não foi Laura e o publicada no jornal Cemitério - - - Diário da Noite.

Temática: o soldado brasileiro sob a perspectiva Uma norte-americana. Jornal: reportagem Aparição no Americanos 19/04/1945 norte- livro: p. 141 à p. escrevem sobre Data de escrita 03753 americana 143 brasileiros não citada no livro sobre o soldado Podemos entrar em brasileiro no contato com outro front ponto de vista acerca de nossos soldados.

A crônica não foi No PC do Major publicada no jornal Oest - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O pracinha publicada no jornal Perácio - - - Diário da Noite.

Temática: oposição ao governo varguista e exposição de visão estrangeira sobre o fato. Jornal: Aparição no O cachimbo da 05/04/1945 A cobra está livro: p. 147 à p. cobra e o Data da escrita 03741 fumando... 148 cachimbo do não citada no Desmascarada Há diferenças na povo livro. no front a estrutura e ditadura conteúdo do texto Vargas publicado no jornal daquele disponível no livro. Os cortes demonstram a atuação da censura da época.

A crônica não foi publicada no jornal Ninguém - - - Diário da Noite. #'" 

vasculhou

A crônica não foi O tempo publicada no jornal retrocede - - - Diário da Noite.

Temática: morte do sargento Wolf Junior. Eu vi morrer o Jornal: O fim heroico Aparição no sargento Wolf 10/05/1945 03785 do sargento livro: p. 154 à p. Data de escrita Wolf Junior 156 não citada no livro Não houve mudanças nos textos disponíveis no livro e no jornal Diário da Noite.

A crônica não foi Montése publicada no jornal - - - Diário da Noite.

Terceira Parte Viagem pelo Mundo da Morte

A crônica não foi Lama e fome na publicada no jornal “Bela Napoli” - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Cartazes sobre as publicada no jornal ruinas - - - Diário da Noite.

A crônica não foi As ruinas de publicada no jornal Cassino - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Badoglio e o publicada no jornal Fascismo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Florença espera a publicada no jornal primavera - - - Diário da Noite.

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A crônica não foi publicada no jornal O ano novo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Roma faminta - - - Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Diário da Noite. A censura *Importante notar fascista - - - todos os crivos da censura à imprensa naquela época.

“Nenhum A crônica não foi comentário publicada no jornal sobre...” - - - Diário da Noite.

A crônica não foi A Itália publicada no jornal desgraçada - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Os bons amigos publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Mezassona contra publicada no jornal o Brasil - - - Diário da Noite.

O camarim de A crônica não foi Mussolini publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Os olhos da nova publicada no jornal Itália - - - Diário da Noite.

Os tedescos A crônica não foi #'$ 

passaram em publicada no jornal Livorno - - - Diário da Noite.

Temática: apresentação da cidade de Pistoia. Jornal: Aparição no Pistoia, a cidade 06/02/1945 livro: p. 194 à p. do pracinha Data de escrita 03693 Pistoia – cidade 196 brasileiro não citada no do pracinha Uma das crônicas livro. brasileiro mais expressivas do estilo de narrar de Joel Silveira. Nela, é possível identificar sua preferência pelo espaço, protagonizando-o e personalizando-o.

O Duce esteve A crônica não foi em Pistoia publicada no jornal - - - Diário da Noite.

O “Cruzeiro do A crônica não foi Sul” publicada no jornal - - - Diário da Noite.

As vozes de A crônica não foi Pistoia - - - publicada no jornal Diário da Noite.

A crônica não foi publicada no jornal Diário da Noite. *Mais uma vez, Joel cita a censura e as estratégias Imprensa - - - para a driblar e clandestina disseminar verdadeiras informações, comprovando seu incômodo perante aos métodos fascistas.

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O povo também escreve A crônica não foi publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Morte aos publicada no jornal fascistas - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Mussolini é publicada no jornal condenado - - - Diário da Noite.

A crônica não foi “A noi! A noi!” publicada no jornal - - - Diário da Noite.

Mary, Norma, A crônica não foi Emengarda e publicada no jornal Marie Clarie - - - Diário da Noite.

A crônica não foi O trágico rol publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Florença publicada no jornal domingo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Hans, do 87 publicada no jornal batalhão - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Tudo agora é publicada no jornal negro e inimigo - - - Diário da Noite.

A crônica não foi Fichário de publicada no jornal polícia - - - Diário da Noite.

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O homem do A crônica não foi norte publicada no jornal - - - Diário da Noite.

A desgraçada A crônica não foi Itália publicada no jornal - - - Diário da Noite.

Outra vez o A crônica não foi telefone de publicada no jornal Mezassona - - - Diário da Noite.

Quarta Parte A última ofensiva Temática: tomada do Monte Castelo. Aparição no A FEB livro: p. 237 à transformou o p.244 Monte Castelo Série de despachos num vulcão telegráficos que constituíras as Despachos Jornal: 25 e 26/02 03707 Duas vezes crônicas sobre a telegráficos e 08/03/1945 03708 bravo o coronel tomada do Monte enviados da Livro: 17/02 a 03717 Franklin Castelo. Pela frente italiana 06/03/1945 Rodrigues de primeira vez, os entre fevereiro e Moraes despachos maio de 1945 chegaram quase Depois de instantaneamente Monte Castelo: ao Brasil, para que estou bem e fossem publicados feliz com os em tempo real e, acontecimentos assim, o Diário da de hoje Noite informasse, em primeira mão, os desdobramentos de um dos fatos mais importantes e decisivos da guerra. Quinta Parte O caminho de volta

A crônica não foi O caminho de publicada no jornal volta - - - Diário da Noite. #'' 

Miséria, falta A crônica não foi d’água e censura - - - publicada no jornal Diário da Noite.

A crônica não foi As verdades - - - publicada no jornal caem do céu Diário da Noite.

O pracinha fala A crônica não foi qualquer língua - - - publicada no jornal Diário da Noite.

Inventário documental das crônicas de Joel Silveira publicadas no Diário da Noite durante cobertura da Segunda Guerra Mundial.

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