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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA CURSO DE TURISMO DEPARTAMENTO DE TURISMO

JOANA MORAIS PASSOS DE JESUS

SISTEMA DE BONDES DE SANTA TERESA NA CIDADE DO – RELAÇÕES ENTRE MEMÓRIA, IDENTIDADE E SOCIEDADE CIVIL

NITERÓI 2016

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JOANA MORAIS PASSOS DE JESUS

O SISTEMA DE BONDES DE SANTA TERESA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – RELAÇÕES ENTRE MEMÓRIA, IDENTIDADE E SOCIEDADE CIVIL

Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Profa. Valéria Guimarães.

Niterói 2016 3

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

J58 Jesus, Joana Morais Passos de . Sistema de bondes de Santa Teresa na cidade do Rio de Janeiro : relações entre memória, identidade e sociedade civil / Joana Morais Passos de Jesus. – 2016. 80 f. : il. Orientadora: Valéria Lima Guimarães . Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Turismo) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Turismo e Hotelaria, 2016. Bibliografia: f. 59-66. 1. Turismo. 2. Patrimônio cultural. 3. Identidade. 4. Bonde. 5. Santa Teresa (Rio de Janeiro, RJ). I. Guimarães, Valéria Lima. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Turismo e Hotelaria. III. Título.

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O SISTEMA DE BONDES DE SANTA TERESA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – RELAÇÕES ENTRE MEMÓRIA, IDENTIDADE E SOCIEDADE CIVIL

Por

JOANA MORAIS PASSOS DE JESUS

Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

______Profª. Valéria Guimarães, Orientadora – UFF

______Profª. Carla Lana Fraga – UNIRIO

______Prof. Adonai Teles – UFF

Niterói,_____de______de 2016

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Aos meus pais, Natividade e José, que tem me inspirado a ser a melhor versão de mim.

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AGRADECIMENTOS

Ao concluir esta etapa, deixo meus sinceros agradecimentos a todos que caminharam ao meu lado e contribuíram para tornar a faculdade uma experiência memorável. Agradeço primeiramente à minha família, que apesar dos obstáculos apoiou- me durante todo o processo com alegria. Destaque para meus pais, irmãos e para minha tia Catarina, aos quais dedico este trabalho. Às minhas madrinhas Cristina Moreti e Maria São Pedro, que são fundamentais em minha vida. À Catharina Portella, minha melhor amiga e confidente, que compartilha comigo o carinho pelo bairro de Santa Teresa. Aos meus colegas, Beatriz Soares, Jean Viana, Mariana Gimenes, Paula Nascimento e Patrícia Barbosa, que firmemente seguiram pelas atribulações da vida universitária, agradeço pela amizade e companheirismo. À minha namorada Aline Faria, que me acompanhou pelo processo de desenvolvimento deste trabalho sempre com muito carinho, dedicação e palavras de incentivo. À minha orientadora Valéria Guimarães, que auxiliou na construção da minha visão de mundo, e sem a qual não seria capaz de desenvolver este trabalho. A toda equipe da Faculdade de Turismo e Hotelaria por proporcionar-me os ensinamentos necessários. Ao Getúlio Damado e ao Mário Barata, por concederem seu tempo e suas reflexões, que ajudaram a desenvolver este trabalho. Por fim, agradeço à AMAST, à Laura Kemmer e à comunidade do bairro de Santa Teresa, que me inspirou a escrever este trabalho, e receberam-me de braços, portas, estribos e ruas abertas.

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RESUMO

O presente trabalho tem como proposta trazer reflexões sobre o sistema de bondes de Santa Teresa, tradicional bairro localizado na área central da cidade do Rio de Janeiro, e suas interações com os conceitos de memória, identidade e patrimônio cultural. Além disso, traz discussões sobre o papel da sociedade civil na preservação dos patrimônios culturais, sobre os impactos da atividade turística no transporte, bem como sua representatividade para o morador. Para tanto, os procedimentos metodológicos adotados foram: pesquisa bibliográfica, para melhor assimilação dos assuntos abordados; pesquisa qualitativa aberta aplicada com membros da sociedade civil do bairro, com um morador e um ex-morador, permitindo que os entrevistados pudessem desenvolver livremente assuntos em torno do tema apresentado; e observação participante, para compreender como se dá a experiência de andar de bonde atualmente. Ao final deste trabalho, é sugerida a realização de uma pesquisa para observar e descobrir o papel dos turistas no cenário atual de mudanças envolvendo o bonde.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo; Patrimônio Cultural; Identidade; Bonde de Santa Teresa do Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

The present work intends to bring reflections about the system of Santa Teresa, a traditional neighborhood located in the central area of the city of Rio de Janeiro, and its interactions with the concepts of memory, identity and cultural patrimony. In addition, it brings discussions about the role of civil society in preserving cultural heritage, on the impacts of tourism on transportation, as well as its representativeness for the resident. To do so, the methodological procedures adopted were: bibliographic research, to better assimilate the subjects addressed; Open qualitative research applied with members of the civil society of the neighborhood, with a resident and a former resident, allowing the interviewees to freely develop subjects around the theme presented; And participant observation, to understand how the experience of the tram ride is today. At the end of this work, it is suggested to conduct a research to observe and discover the role of tourists in the current scenario of changes involving the .

KEYWORDS: Tourism; Cultural Heritage; Identity; Santa Teresa tram of Rio de Janeiro.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa do bairro de Santa Teresa, RJ ...... 24 Figura 2: Ônibus de 60 centavos...... 30 Figura 3: Projeto de bonde pós-acidente...... 32 Figura 4: Dois anos sem o bondinho...... 33 Figura 5: Novo traçado do bonde...... 34 Figura 6: Novo Bonde...... 35 Figura 7: Divisão do transporte ferroviário...... 37 Figura 8: Santa Teresa Chora...... 42 Figura 9: Trilhos Paralelos – Parque olímpico de Santa Teresa/ RJ...... 43

Quadro 1: Linhas de bondes no bairro de Santa Teresa, no ano de 1921...... 27

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...... 11 1 PATRIMÔNIO CULTURAL: UMA RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E IDENTIDADE ...... 13 1.1 PATRIMÔNIO CULTURAL...... 16 1.2. PATRIMÔNIO, TURISMO CULTURAL E SUSTENTABILIDADE...... 20 2. O BAIRRO DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO ...... 24 2.1 O SISTEMA DE BONDES NO BAIRRO DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO ...... 25 2.2. BONDES DE SANTA TERESA, RJ – TRANSPORTE FERROVIÁRIO URBANO APROPRIADO PELO TURISMO ...... 37 2.3. SOCIEDADE CIVIL E SEU PAPEL NA DEFESA DO BONDE DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO ...... 39 3. REFLEXÕES SOBRE O BONDE DE SANTA TERESA – TRANSPORTE E ELEMENTO DA IDENTIDADE DO MORADOR...... 44 3.1. METODOLOGIA ...... 44 3.2. MORADORES E O BONDE – UMA RELAÇÃO DE IDENTIDADE E AFETIVIDADE ...... 45 3.3. MORADORES E O BONDE - VISÃO DA ASSOCIAÇÃO...... 47 3.4. ANDAR DE BONDE – A EXPERIÊNCIA ATUAL ...... 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 57 REFERÊNCIAS ...... 59 ANEXOS...... 67

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INTRODUÇÃO

O bairro de Santa Teresa está localizado na região central do município do Rio de Janeiro. O bairro, famoso por possuir construções históricas do século XIX, diversos atrativos turísticos e abrigar artistas e intelectuais entre seus moradores, é também conhecido por ser o único bairro da cidade que ainda faz uso dos antigos bondes. O sistema de bonde de Santa Teresa é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC, 1988), e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2012). Logo, é indiscutível a necessidade de preservação dos bondes e de seus trajetos. No ano de 2011, os bondes pararam temporariamente de circular por Santa Teresa, por decisão do governo estadual, responsável pela operação, após um acidente que matou seis pessoas. Durante o período de ausência do bonde, notava- se que manifestações eram realizadas pelos moradores, e que a sociedade civil figurava entre os agentes que discutiam os rumos do meio de transporte. O bonde volta às ruas no ano de 2015 sob pressão dos moradores e de sua associação, que questionavam à época os motivos por parte do governo em efetuar a reestruturação do sistema. Levantavam-se, inclusive, acusações que indicavam a intenção de privatizar, municipalizar, e favorecer somente a atividade turística. Atualmente, continuam sendo realizadas obras para que os bondes voltem a operar, de forma a suprir a demanda de mobilidade do bairro. Assim, deve-se atentar para o fato da influência da atividade turística em relação aos bondes, e de que modo esta relação se desenha no cenário contemporâneo. Desta maneira, surge a hipótese de que os bondes podem representar um elemento constituinte da identidade dos moradores. Tendo em vista que estes, ao longo das exigências para o retorno do transporte, atribuíam ao bonde características que poderiam ser conectadas com os conceitos de memória e identidade. Diante do exposto, o objetivo principal do texto é compreender a relação entre o sistema de bondes e a identidade do morador. Pretende-se ainda, verificar a importância da sociedade civil na preservação dos bondes. 12

Assim, o primeiro capítulo trata sobre as questões de patrimônio, memória e identidade. Bem como expõe como o turismo integra o cenário de localidades que abrigam patrimônios e as influências exercidas pela atividade. O segundo capítulo, por sua vez, trata da questão dos bondes: o surgimento como meio de transporte coletivo no século XIX, na cidade do Rio de Janeiro; sua chegada ao bairro de Santa Teresa; e os desdobramentos ao longo dos anos. Aborda ainda os conceitos de sociedade civil, o que esta representa nas sociedades globalizadas contemporâneas e o seu papel nas lutas em defesa do sistema de bondes de Santa Teresa. O terceiro capítulo, por fim, é reservado para a discussão dos assuntos trazidos nos capítulos anteriores. Estas foram baseadas na pesquisa bibliográfica, e nos resultados obtidos através de pesquisas qualitativas abertas com a associação de moradores de Santa Teresa, com um morador e um ex-morador, elaboradas a fim de verificar se a hipótese pode ser sustentada. Nas entrevistas foram apresentados o tema e o objetivo do trabalho para que os entrevistados pudessem discorrer sobre o assunto. Depois de obtidos os resultados, optou-se também por realizar uma observação participante, andando de bonde. A observação teve como objetivo verificar como se dá a experiência atualmente, uma vez que o transporte é o principal componente deste trabalho.

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1 PATRIMÔNIO CULTURAL: UMA RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E IDENTIDADE

Para tratar de patrimônio cultural é essencial, a priori, conceituar os termos memória e identidade, fatores importantes para a compreensão do referido conceito, pois estão intimamente ligados e dão sustento ao imaginário histórico-cultural e à consciência preservacionista que direcionou os esforços de povos e nações a proteger e exaltar seus bens patrimoniais (tanto naturais quanto culturais), numa tentativa de manter seus elementos herdados do passado livres das consequências negativas trazidas em nome do progresso. Sendo assim, são cruciais na formação da nação e de seu sentimento de continuidade, coerência e reconstrução de si (POLLACK, 1992). Segundo Le Goff (1990, p. 366), “a memória é um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.” Outra característica é o fato de ser seletiva, posto que, de acordo com Pollack (1992), nem tudo fica gravado ou registrado, pois a memória sofre alterações ao ser assimilada. Logo, é possível afirmar que memórias são construídas. Entretanto, além de uma propriedade individual, a memória é também um fenômeno compartilhado social e coletivamente (HALBWACHS, 1990). Pollack [s. d] afirma que os principais constituintes da memória são os acontecimentos vividos individualmente e “vividos por tabela”, isto é, aqueles tão impactantes e/ou traumáticos presenciados pelo grupo ao qual o indivíduo integra, gerando tamanha identificação, que o mesmo tem a impressão que tal memória foi “herdada” mesmo estando fora de seu espaço-tempo. Uma vez que memórias podem ser desenvolvidas em conjunto e, portanto, extrapolam os conceitos biológicos para adentrar na esfera social de interação, criando vínculos entre indivíduos através de momentos compartilhados, é importante que se tenha a sensibilidade de salvaguardar os elementos que auxiliam na reconstituição da memória coletiva. O fenômeno da memória tem papel crucial na formação da identidade, já que tem função de armazenar e organizar os fatos, e através destes, desenvolver conclusões que dão aos indivíduos o senso de pertencimento a um grupo. Hall [s. d] gera essa reflexão ao citar o “sujeito sociológico”, cuja: 14

[...] identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. (HALL, 2001, p. 11).

Dessa maneira, uma vez que a identidade se forma através da interação entre o sujeito e a sociedade, pode-se afirmar que ela se baseia na interação entre as convenções e normas sociais, memórias individuais e as memórias coletivas, posicionando o indivíduo perante o mundo exterior conforme seus códigos e valores, de acordo com sua cultura. Porém, Hall (2001) também afirma que tal consistência entre indivíduo e sociedade está se rompendo devido ao fenômeno da globalização, o que torna possível que o sujeito não tenha uma identidade fixa, nem permanente, surgindo, então o “sujeito pós-moderno”. Sendo assim, a identidade “[...] torna-se uma ‘celebração móvel’ formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam.” (HALL, 1987, p. 13 apud HALL, 2001). Dito isso, entende-se que esta crise de identidade se dá na perda das referências culturais sofridas pelo sujeito, ao passo que o progresso transforma os lugares em nome da modernização, do progresso técnico e social e da melhoria da qualidade de vida do entorno (CHOAY, 2001). Nora (2009) levanta reflexões sobre a urgência contemporânea vivida pelo homem de conectar-se com o passado:

Em todo o mundo, estamos experimentando a emergência da memória [...] Durante os últimos vinte a vinte e cinco anos, todos os países, todos os grupos sociais e étnicos, passaram por uma profunda mudança, mesmo uma revolução, no relacionamento tradicional que tem mantido com seu passado. Essa mudança tem adotado múltiplas e diferentes formas, […] o culto às raízes, ondas comemorativas de sentimento; conflitos envolvendo lugares ou monumentos simbólicos; uma proliferação de museus; aumento da sensibilidade relativa à restrição de acesso ou à exploração de arquivos; uma renovação do apego àquilo que em inglês é chamado de heritage e em francês patrimoine; a regulamentação judicial do passado. Qualquer que seja a combinação desses elementos, é como uma onda de recordação que se espalhou através do mundo e que, em toda a parte, liga firmemente a lealdade ao passado – real ou imaginário – e a sensação de pertencimento, consciência coletiva e autoconsciência. Memória e identidade. (NORA, 2009, p. 6).

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Logo, torna-se urgente e imprescindível a preservação de referências materiais, imateriais e intangíveis, dos códigos e das origens das sociedades. Tais ações são importantes para que uma pessoa pertencente a uma sociedade não perca seu senso de identidade, mantendo o seu entendimento no meio social em que vive. Nora (1993) ainda apresenta a categoria de “Lugares de Memória”, que surge desta necessidade revestida de imediatismo, do indivíduo identificar-se com o passado. "Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma extrema em que subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora" (NORA, 1993, p. 12). A citação expressa a ideia sustentada pelo autor de que a memória já não mais existe, que é de fato apenas ritualizada pela sociedade a qual busca por meio da história lugares para identificar-se, já que “é o modo mesmo da percepção histórica que, com a ajuda da mídia, dilatou-se prodigiosamente, substituindo uma memória voltada para a herança de sua própria intimidade pela película efêmera da atualidade.” (NORA, 1993, p. 2). Verifica-se que Nora (1993) diferencia história da memória, colocando-as como opostos. Visto que para ele

[...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos, e nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. (NORA, 1993, p. 9)

Por outro lado, a história opõe-se por ser incompleta, mediadora e representar o passado, posto que

A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. [...] pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal [...] só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. (NORA, 1993, p. 9)

Assim, Nora (1993) oferece definitivamente a percepção de que a memória está prestes a ser eliminada das sociedades contemporâneas, devido à velocidade da mudança social, e que os “Lugares de Memória” seriam a solução para tal. Afirma também que

[...] os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, 16

manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais [...] (NORA, 1993, p. 13).

Nora (1993) certifica que a ritualização é um elemento chave na tentativa de reconstrução do sujeito pós-moderno fragmentado em sua identidade. Todas as reflexões apresentadas neste tópico, até o momento, fornecem motivos contundentes para que a memória e, por consequência, a identidade sigam encontrando maneiras de persistir na sociedade contemporânea. Uma ferramenta encontrada para salvaguardar tais signos culturais (imateriais e materiais) é o patrimônio, como será observado no decorrer deste capítulo.

1.1 PATRIMÔNIO CULTURAL Compreendendo a importância da memória, suas diferentes características e seu papel na formação da identidade individual e coletiva, bem como a conexão de ambas com patrimônio, é possível se aproximar da discussão sobre o tema central deste trabalho, o bonde de Santa Teresa - patrimônio cultural tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC). Nesse contexto, é necessário esclarecer, antes de tudo, os conceitos de patrimônio e suas relações com o turismo. A noção de patrimônio clássica considera os legados de gerações passadas que são transmitidos para o futuro. Inicialmente, eram considerados patrimônios apenas os bens materiais de valores econômicos ou familiares, uma vez que, de acordo com Funari (2005), etimologicamente patrimônio significa “herança paterna”, aquilo que foi legado pelo pai. Este significado faz referência ao termo moneo, palavra em latim que significa “levar a pensar”. Assim, é possível perceber a forte conexão entre memória, identidade e patrimônio. Segundo Simões e Carvalho (2011), no decorrer do processo de formação dos estados nacionais, a noção de patrimônio foi confundida com a noção de identidade nacional. Tal fato, exemplifica a razão de ser conferida ao patrimônio a capacidade de representar uma identidade, pois conecta os indivíduos em torno dos sentimentos de igualdade e semelhança e fortalece os laços com o passado (DA SILVA, 2000). Como afirma Choay (2001), citado por Simões e Carvalho (2011, p. 3), “os monumentos, edificações e obras de arte que possuíssem valores excepcionais, 17 artísticos e memorialísticos, que reverenciavam os grandes feitos e personalidades da historiografia nacional eram dignos de salvaguarda.” Porém, contemporaneamente as noções de patrimônio evoluíram e passaram a incluir em sua definição “bem ou conjunto de bens naturais e culturais de importância reconhecida num determinado lugar, região, país ou mesmo para a humanidade, que passam por processo de tombamento para que sejam protegidos e preservados.” (OLIVEIRA, 2011, p. 4). Nesse sentido, Nascimento e Passos (2015) expõem que:

O patrimônio pode ser natural ou cultural. O patrimônio cultural, é interpretado como “um conjunto de valores, como beleza, antiguidade, identidade, estética, curiosidade, entre outros, os quais foram sendo agregados nos últimos séculos (OLIVEIRA, 2011, p. 4). Assim, Oliveira (2011) destaca o fato de que o patrimônio cultural hoje é entendido como “monumento histórico-cultural de interesse dos Estados-nação, e representativo da identidade nacional que se desejava consolidar. Posteriormente, passou a representar culturas.” (NASCIMENTO; PASSOS, 2015, p. 68).

Da mesma maneira, para o IPHAN, o patrimônio cultural é visto como um agrupamento de preceitos morais e históricos, adquiridos ou herdados, os quais são assimilados por uma determinada sociedade, criando uma relação de memória e identidade cultural, através das quais se expressam das mais variadas formas:

A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 216, define o patrimônio cultural como formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Também são assim reconhecidas as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e, ainda, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (IPHAN, 2016, s. p)

Oliveira (2011) considera que o patrimônio deve ser um elo subjetivo capaz de mediar a vida pós-moderna com hábitos do passado: um interlocutor entre os mortos e os vivos, uma vez que conservado, carrega consigo simbolismos e sentimentos de outrora. Oliveira (2011), citando José Reginaldo Gonçalves (2005), destaca os seguintes aspectos do patrimônio:  A ressonância: no qual frisa a importância de um bem patrimonial representar conexão entre o presente e o passado; 18

 A materialidade do bem: não importando se ele é tangível, intangível ou imaterial;  A construção das subjetividades: devido a sua característica de ser algo herdado ou construído socialmente, o patrimônio possui uma gama de ligações, que gera consciência coletiva e individual. Segundo Oliveira (2011), essas características transformam o patrimônio em uma categoria de pensamento e em um meio de analisar a sociedade contemporânea. É válido destacar também que a importância atribuída aos legados históricos se deu de forma gradativa no mundo. Conforme Choay:

Da primeira Conferência Internacional para Conservação dos Monumentos Históricos, que aconteceu em Atenas em 1931, só participaram europeus. A segunda, em Veneza, no ano de 1964, contou com a participação de três países não europeus: A Tunísia, o México e o Peru. Quinze anos mais tarde, oitenta países dos cinco continentes haviam assinado a Convenção do Patrimônio Mundial. (CHOAY, 2001, p. 14).

A convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural foi instituída pela UNESCO em 1972, ao incluir na legislação internacional o conceito de que determinados patrimônios apresentavam demasiado valor para toda humanidade. Sendo assim, sua responsabilidade passa a ser dividida internacionalmente, ainda que a nação que abriga o patrimônio exerça responsabilidade primária (UNESCO, 2016; IPHAN, 2016). Este episódio faz direcionar o pensamento para os esforços de preservação patrimonial ocorridos no Brasil:

A questão relativa à preservação de bens de importância cultural iniciou-se no Brasil na década de 30, como estratégia de afirmação da nacionalidade. A busca pela preservação de alguns bens representativos, que visava proteger elementos da cultura erudita e popular, centrava-se em elementos que poderiam ser dignos de representar a chamada cultura nacional. Para coordenar o esforço que se fazia no sentido de preservar acervos e com o propósito de administrar a memória nacional, foi criado, em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). (SIMÕES; CARVALHO, 2011, p. 3).

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O SPHAN, que teve sua fundação sugerida por Rodrigo de Andrade1, surge a partir do Decreto-Lei 25/1937, assinado por Getúlio Vargas. Tinha por objetivo a preservação de obras de arte, da história do país e do patrimônio cultural, e instituiu o tombamento como ferramenta de preservação. Ainda, de acordo com Simões e Carvalho (2011, p. 4), tais categorias expressavam “resquícios da mentalidade modernista disseminada durante a consolidação do Estado Novo e que sublevava os aspectos intangíveis da cultura”. Atualmente, intitulado de IPHAN, a autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura possui 27 superintendências e 27 escritórios técnicos e suas atribuições são:

Responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. [...] O Iphan também responde pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens culturais brasileiros inscritos na Lista do Patrimônio Mundial e na Lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, conforme convenções da Unesco, respectivamente, a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972 e a Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003. (IPHAN, s. d, s. p).

Assim, nota-se o crescimento da importância atribuída para os patrimônios no Brasil, já que após as alterações dos cenários políticos e sociais da década de 1980, o conceito de cidadania cultural torna-se pauta relevante, como esclarece Fernandes:

Pela primeira vez na história constitucional do País, passou-se a falar em direitos culturais. Isso já se constituiu um grande impacto advindo com a Constituição de 1988, que permitiu à sociedade a reivindicação do acesso aos bens culturais como expressão maior da Cidadania. Por sua vez, o poder público, em suas diversas instâncias, sentiu a necessidade de contemplar, em sua agenda política, ações que garantissem os direitos culturais a todos os brasileiros. (FERNANDES, 2011, p. 3)

Deste modo, coube ao poder público encontrar meios de preservar e divulgar os bens patrimoniais. Fernandes (2011) expressa que entre as medidas adotadas para que o direito à cultura seja garantido, o Plano Nacional de Cultura de 2010 determina em seu artigo 2º, incisos II e IV, “‘proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial” e “promover o direito à memória por meio

1 Advogado, jornalista e escritor. Chefiou o SPHAN desde sua fundação em 1937 até 1968.

20 dos museus, arquivos e coleções’” (FERNANDES, 2011, p. 6). Em meio ao cenário de preservação e divulgação, o turismo pode se tornar uma importante ferramenta para a manutenção do patrimônio cultural na medida em que são realizadas as devidas ações de preservação de atrativos turísticos (que se apropriam do patrimônio), com a finalidade de fomentar a atividade.

1.2. PATRIMÔNIO, TURISMO CULTURAL E SUSTENTABILIDADE. O turismo é um fenômeno complexo e multidisciplinar que abrange desde setores econômicos até aspectos antropológicos e sociais. Nesse sentido, inúmeras são as tentativas de alcançar uma definição única, sendo todas relevantes, pois contribuem na compreensão da atividade turística. Desta maneira, a Organização Mundial do Turismo (OMT) traz a seguinte definição:

O turismo compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um período consecutivo inferior a um ano, com a finalidade de lazer, negócios ou outras (OMT, 2001, s. d).

Tido além de fenômeno social, como atividade mercadológica, o turismo é segmentado em diversas categorias. Neste trabalho será tratado o turismo cultural, que de acordo com o Ministério do Turismo (MTur) é definido pela “motivação da viagem em torno de temas da cultura” (BRASIL, 2010a, p. 15). Ainda, segundo o MTur o “Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura.” (BRASIL, 2006 apud BRASIL, 2010a, p. 15). Da Matta afirma que:

Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo- se parte de uma mesma totalidade. (DA MATTA, 1985, p. 2).

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Logo, sendo os patrimônios culturais uma representação simbólica da cultura de um grupo, povo ou nação, é de se assumir que sua existência atraia a atenção dos praticantes de turismo cultural, criando assim um mercado dos patrimônios:

O património tornou-se uma componente essencial da indústria turística com implicações económicas e sociais evidentes. A exploração turística dos recursos patrimoniais permite inverter a forte tendência de concentração da oferta turística junto ao litoral, dispersando o turismo para o interior, para as pequenas cidades, com uma distribuição mais equitativa dos seus benefícios, funcionando assim como factor de criação de emprego e de revitalização das economias locais. Representa também benefícios evidentes no que concerne aos custos de preservação do património, que muitas vezes não podem ser assegurados pelos poderes locais. (DA SILVA, 2000, p. 220)

Conforme as reflexões apresentadas na citação acima, constata-se a relevância do turismo cultural para a manutenção do patrimônio e do desenvolvimento econômico local. Porém, há de se atentar à necessidade de operar a atividade de forma sustentável. Como nos adverte Choay (2011), o turismo gera efeitos negativos que podem ser percebidos ao redor do mundo, citando exemplos de patrimônios que tiveram suas portas fechadas devido às consequências, como o Vale dos Reis, no Egito. Segundo Carvalho:

[...] o turismo cultural sem o devido planejamento pode contribuir para a privatização de áreas urbanas, para a segregação geográfica entre os turistas e a comunidade receptora, para a formação de espaços descontextualizados da dinâmica social, bem como para a perda do significado simbólico do patrimônio cultural por parte dos residentes. (CARVALHO, 2010, p. 19)

Tais consequências além de alterarem a relação da comunidade com seu entorno, afetam a experiência turística. Desse jeito, Carvalho (2010) também afirma que a sustentabilidade torna-se imprescindível, de forma a assegurar os lugares de memória e a identidade do destino e sua comunidade. Sachs (1994), citado por Carvalho (2010, p. 20) afirma que:

[...] a sustentabilidade compreende um conjunto de dimensões (social, ecológica, cultural, econômica, tecnológica) capazes de promover a integralidade do meio ambiente em que as práticas sociais e econômicas se manifestam, mantendo as especificidades locais e minorando os efeitos negativos das atividades produtivas; a inserção social atrelada à melhoria da qualidade de vida dos segmentos populares, a visão ao longo prazo e 22

compartilhada em níveis de co-responsabilidade e integração entre os agentes e a manutenção da dinâmica das culturas e valores locais. (SACHS, 1994 apud CARVALHO, 2011, p. 20).

A importância da sustentabilidade no segmento do turismo cultural é definitivamente clara, visto que a cultura e seus elementos significativos são a motivação por trás do segmento. O patrimônio protegido pelas políticas e ferramentas do poder público ao se tornar atrativo turístico, se expõe ao possível desgaste e descaracterização de suas características, sendo estes riscos motivações primeiras para a preservação. Beni (1999) considera que a ferramenta adequada para alcançar o turismo sustentável é o planejamento estratégico, já que “surge como o único instrumento apropriado, eis que propicia os meios e métodos de interferência no ambiente ou nas múltiplas dimensões do fenômeno e do fato turístico para reequilibrá-lo, ampliá-lo ou aperfeiçoá-lo.” (BENI, 1999, p. 9). O autor também destaca a importância da atuação da população neste processo. Vale ressaltar que além do turismo cultural sustentável, a área de preservação patrimonial deve ser munida de profissionais qualificados, a fim de assegurar que as demandas dos bens patrimoniais sejam supridas no cenário contemporâneo. Da Silva, (2000) expõe que:

[...] advém a necessidade da formação adequada de técnicos nas áreas da gestão do patrimônio. A sociedade evoluiu no sentido de uma crescente comercialização do patrimônio. Esse processo é simplesmente inevitável. Pelo que é melhor que sejam as pessoas com formação adequada a geri-lo do que colocá-lo nas mãos de outras pessoas movidas apenas pelo ânimo do lucro fácil que acabarão por defraudar o sentido original dos bens patrimoniais. Cabe ao gestor do património ora definir as regras e os procedimentos necessários à boa execução das acções empreendidas, assegurando uma eficiente afectação de recursos, ora garantir que as iniciativas patrimóniais contemplem a própria diversidade característica do nosso património cultural, funcionando como factor estabilidade, de desenvolvimento e de integração social. (DA SILVA, 2000, p. 222).

Visto isso, a comercialização do patrimônio, através do turismo cultural, pode levar à sua descaracterização, o que pode ser evitado através do planejamento estratégico e da gestão do poder público, aliada à população local e aos profissionais do patrimônio. Como afirma Hall (2001, p. 67), “somente por este comprometimento total pode-se obter uma integração de longo prazo de metas sociais, ambientais e econômicas”. Assim, o turismo cultural pode se tornar uma 23 atividade benéfica para a localidade em que está inserido o patrimônio, seus moradores e demais gestores.

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2. O BAIRRO DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO

Santa Teresa, bairro com características únicas na cidade do Rio de Janeiro, desperta muitas curiosidades por apresentar ladeiras íngremes, casas e prédios que, apesar de não serem altos, possuem andares “negativos” devido à topografia local (FORTUNA, 1998). Além disso, o bairro apresenta uma arquitetura secular, um sistema de bondes elétricos e diversos patrimônios culturais. Em Santa Teresa são encontradas peculiaridades que, à primeira vista, aparentam estar fora de contexto em um centro urbano: não existem sinais de trânsito, faixa de pedestres ou agências bancárias. O bairro, que parece ter congelado no tempo, é conhecido por abrigar artistas, intelectuais e boêmios entre seus moradores, e está localizado na região central da cidade (com uma área total de 5,7 km² e altitude máxima de 362 metros) (INVENTÁRIO TURÍSTICO DE SANTA TERESA, s. d). Na figura 1 é possível observar a área que o bairro abrange.

Figura 1: Mapa do bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro

Fonte: Google Maps (2016).

Antes chamado de Morro do Desterro, o bairro teve seu nome alterado em 1750, passando a ser conhecido como Santa Teresa, devido ao convento feminino Santa Teresa de Jesus lá instalado na época - dedicado à Santa Tereza d’Ávila e 25 abrigo da ordem das Teresianas ou Carmelitas Descalças. O convento foi fundado pelas irmãs Jacinta Pereira Aires (ANEXO A) e sua irmã Francisca após receber apoio do então governador Gomes Freire de Andrade e do Bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz. De acordo com informações encontradas no site da Prefeitura, as religiosas vivem em regime de clausura, pregam descrição e simplicidade e são vistas pouquíssimas vezes pelos moradores do bairro. Distinto por ser o último local do Rio de Janeiro a utilizar o sistema de bondes elétricos, e por ter diversas opções gastronômicas e culturais, Santa Teresa é um bairro turístico, possuindo muitos atrativos como: Parque das Ruínas; Museu Chácara do Céu; Museu Casa de Benjamin Constant; e o próprio bondinho. Conta ainda com sete largos e praças, sempre despertando o interesse dos mais variados públicos: Largo do Curvelo; Largo das Neves; Largo da França; Largo dos Guimarães; Mirante do Corpo de Bombeiros; Mirante do Rato Molhado; e Praça Odylo Costa Neto.

2.1 O SISTEMA DE BONDES NO BAIRRO DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO Os bondinhos retratam uma prática antiga de transporte que foi fundamental para população do Rio de Janeiro, entre meados do século XIX até o século XX. Na época, foi o principal meio de transporte urbano, devido à expansão da cidade e ao seu crescimento populacional (WEID, s. d). A autora afirma que:

O Rio de Janeiro crescia em ritmo vertiginoso, em função das levas de imigrantes e do êxodo rural, sobretudo depois da abolição da escravatura, em 1888. Entre 1872 e 1890, a população urbana praticamente dobrou, passando de 274.972 a 522.651 habitantes, o que correspondeu a um aumento de 90% em dezoito anos. Dez anos depois, a cidade já tinha 691.565 habitantes, e em 1906 atingia 811.444. Era a única cidade no país com mais de 500 mil habitantes. (WEID, s. d, p. 4).

Ainda segundo a autora citada, apesar do crescimento populacional, a cidade dispunha apenas de três tipos de transporte coletivo: as gôndolas, ônibus e as diligências. As gôndolas eram pequenos ônibus de tração animal. As diligências eram transportes para longas distâncias, puxadas por cavalos e com capacidade para poucas pessoas. Já os ônibus surgiam como a primeira opção de transporte voltada para os trabalhadores e para as classes menos favorecidas, transportando 26 maior número de pessoas. Eram carros fechados, puxados por quatro cavalos e de dois andares. O Rio de Janeiro foi primeira cidade a adotar um sistema de transporte de massa sobre trilhos na América do Sul. Em 1868 surge o serviço de bondes na cidade. O primeiro trecho conectava a Rua do Ouvidor ao Largo do Machado, e começa a se expandir e consolidar em 1870. Os bondes chegam ao bairro de Santa Teresa em 1874, após a concessão no Decreto nº 5.126, de 30 de outubro de 1872 (ANEXO B)2, o qual permitiu que o trajeto realizado pelo bonde fosse estendido do centro da cidade do Rio de Janeiro à ladeira de Santa Teresa. Posteriormente, o trecho foi aumentado, seguindo pelas ruas do Aqueduto, Oriente, Áurea e Progresso até atingir o Largo das Neves. A concessionária que operava os bondes em Santa Teresa à época era a Empresa de Carris de Ferro de Santa Thereza (ANEXO C), que teve seu nome alterado futuramente para Empresa do Plano Inclinado de Santa Teresa em 1885. (WEID, s. d; SECTRAN, s. d). Segundo WEID [s. d], os primeiros bondes a transitar pela cidade eram fechados, com capacidade para transportar 30 passageiros, porém, surge em 1870 um modelo adaptado para fumantes. Um carro aberto, mais adaptável à cidade por ser fresco. Fato este, tornou os carros abertos mais populares, subjugando o modelo fechado. Para a autora:

Foi nesta fase que começou a ser utilizado o termo "bond" para designar o novo tipo de transporte. A origem, segundo Dunlop, foi um sistema de bloco de cinco passagens instituído pela Botanical Garden para facilitar o troco, na medida em que as moedas no valor das passagens eram raras. Os blocos eram comprados nas estações e as passagens tinham escrito em cima o nome da companhia, a palavra "bond" (título), o valor e um desenho do veículo. Por analogia, o povo passou a chamar o veículo pela palavra que o acompanhava. Em pouco tempo, o termo generalizou-se. (WEID, s. d, p. 9).

Ainda de acordo com a autora, o novo meio de transporte era percebido pela população como uma mistura de fascínio e medo, e na medida em que mais concessões foram expedidas para expandir o transporte na cidade (ampliando, assim, a mobilidade), há o surgimento de concorrência entre concessionárias para atuar nos trechos mais cobiçados. Essa concorrência levou ao processo de fusão

2 O Decreto concedeu o direito aos engenheiros Januário Cândido de Oliveira e Eugênio Baptista de Oliveira de traçarem o primeiro trecho de bondes no bairro de Santa Teresa.

27 generalizado, causando monopólios de áreas que só podiam ser operadas pela empresa de posse da concessão. Deste modo, a empresa que operava em Santa Teresa teve sua concessão adquirida por outra empresa (WEID, s. d):

Em 1891, foi formada a Companhia Ferro-Carril Carioca, que obteve a concessão da Empresa do Plano Inclinado de Santa Teresa. No ano seguinte, a nova companhia conseguia permissão para prolongar suas linhas até o morro de Santo Antônio, no centro, através de um viaduto, o que levou à construção, na base desse morro, da estação terminal da companhia no largo da Carioca. (WEID, s. d, p. 11).

A empresa substituiu a tração animal por tração elétrica em 1896, em razão dos transtornos impostos pelo anterior sistema de tração, e também da tendência de eletrificação da época. Como ressalta Weid (s. d, p. 19), todas as companhias viriam a substituir a tração animal por elétrica, uma vez que era prometido o aumento de tempo de concessão ao ser adotada tal mudança e por causa de uma cláusula comum nos contratos de renovação de concessões a partir de 1890. Apesar da concessão para estender a linha até o morro de Santo Antônio, somente em 1895 os bondes receberam a permissão para atravessar o viaduto dos Arcos da Lapa (antigo aqueduto)3. A Companhia Ferro-Carril Carioca foi também pioneira em unificar o serviço de tração elétrica em todas as linhas, que operavam 12 km de área até o Silvestre. Dessa maneira, o bairro passou a ser operado por bondes elétricos em 19 de setembro de 1896, fato este que contribuiu para o crescimento populacional no bairro (ANEXO B). O sistema se expandiu de modo tal, que no ano de 1921 o bairro contava com cinco linhas, como é possível observar no Quadro 1.

Quadro 1: Linhas de bondes no bairro de Santa Teresa, no ano de 1921.

Bondes de Santa Teresa - 1921 Linhas Tempo de percurso Riachuelo/ Paula Matos 15 minutos França / Largo da Carioca 23 minutos Carioca/ Paula Matos 23 minutos Lagoinha/ Largo da Carioca 36 minutos Silvestre / Largo da Carioca 45 minutos Fonte: Elaboração própria, baseada em SECTRAN [s. d].

3 O Governo da União concede a permissão para que a linha da Companhia Ferro-Carril Carioca passasse sobre os Arcos da Carioca. 28

Porém, Freire (2012) destaca que o avanço dos bondes na cidade do Rio de Janeiro sofreu uma desaceleração em virtude das políticas nacionalistas do governo Vargas, que levaram a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd (empresa canadense que detinha controle do sistema de bondes na cidade) a recuar em seus projetos de monopólio nos meios de transporte da cidade, pois:

De uma maneira geral, a nova orientação governamental, fosse ela federal ou municipal, dizia respeito ao interesse dos entes públicos em estabelecer maior controle e, consequentemente, maior regulamentação sobre as atividades econômicas que estivessem a cargo de empresas privadas. (FREIRE, 2012, p. 122).

Tais medidas, em conjunto com o crescimento do ônibus como transporte nas décadas de 1930 e 1940 e com o cenário pós 2ª Guerra Mundial, levaram ao favorecimento do transporte rodoviário como meio de suprir as necessidades do crescimento industrial do país, como destaca Migliorini (2014):

O Plano de Metas, implementado durante o Governo de Juscelino Kubitschek pode ser considerado o primeiro plano de ordenamento plenamente posto em prática no País e foi fundamental para a supremacia do setor de transportes rodoviário. A opção feita por JK em desenvolver a indústria de bens de consumo duráveis, eletrodomésticos e, sobretudo automóveis, via na expansão da infraestrutura rodoviária o atendimento das necessidades dos complexos industriais automobilísticos que se instalaram no Brasil, uma vez que o desenvolvimento das infraestruturas de transportes era de suma importância tanto para facilitar a aquisição de matéria-prima, necessária à referida indústria, quanto para a venda da produção de automóveis e caminhões. (MIGLIORINI, 2014, p. 1).

Juscelino Kubistchek (JK), igualmente, priorizava o transporte rodoviário como forma de desenvolver a indústria automobilística que se instalava no país naquela época. Consolidava-se, assim, o final da era dos bondes na cidade, extinto em 1964 e resistindo apenas no bairro de Santa Teresa e em outros poucos lugares na cidade do Rio de Janeiro. Todavia, em 1980, os bondes de Santa Teresa foram substituídos por ônibus que faziam o mesmo trajeto, o que gerou uma indignação por parte dos moradores do bairro e da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (AMAST), os quais lutaram para que o bonde voltasse a circular no bairro (ANEXO D). No final do mesmo ano, a câmara municipal, por meio da lei nº 210 de 29 de dezembro de 1980, estabeleceu a reestruturação dos bondes em Santa Teresa. Em 29 matéria publicada em Jornal [s.d.] 4 (ANEXO E), é possível observar que a população do bairro demonstrava preferência pelo modelo de bondes abertos, e que o hábito de viajar no estribo do bonde se deu como consequência de ações tomadas pela Companhia de Transportes Coletivos (CTC), empresa que administrava o sistema desde 1964. A Companhia cortou linhas, e os passageiros ao sentirem-se lesados decidiram adotar o estribo como forma de protesto, pois não desejavam pagar a passagem e viajar mal acomodados. Em 1981, a AMAST encaminha um pedido de tombamento dos bondes do bairro para o IPHAN (ANEXO F) e, posteriormente, os bondes de Santa Teresa foram tombados como bem cultural pelo INEPAC, pela Resolução nº 047 de 25 de março de 1988, que abrange:

O tombamento inclui todo o sistema de transporte, inclusive os trilhos, mecanismos e acessórios ligados ao funcionamento dos bondinhos abertos (as duas linhas em que trafegam os bondes: Dois Irmãos e Paula Mattos, esta última chegando ao Corpo de Bombeiros – bairro de Santa Teresa – e Centro), bem como a garagem e oficina situados no final do pequeno ramal que sai do largo do Guimarães. (INEPAC, s. d, s. p).

Em 2012 o IPHAN tomba o sistema de bondes em caráter provisório:

O tombamento preserva o trajeto que, de acordo com o processo do Iphan, inicia “na estação junto ao Largo da Carioca, seguindo até o Largo dos Guimarães, onde se bifurca em direção ao Largo das Neves, no Paula Mattos e em direção ao ponto denominado Dois Irmãos, prolongando-se daí até o Silvestre, ambos os trechos incluídos, retornando, em seu traçado de volta, até a estação junto ao Largo da Carioca.” [...] Em prol da segurança, o tombamento não especifica que tipos ou modelos de trilhos ou bondes devem ser usados no percurso no que diz respeito a tecnologia. Assim, serão possíveis as atualizações dos equipamentos. (IPHAN, 2012, s. p).

Contudo, apesar da luta dos moradores e de sua associação, os bondes seguiram enfrentando dificuldades para manter-se em operação. A partir de 2008, o sistema de bondes começa a apresentar irregularidades. Os chamados bondes Frankenstein5, reformados em 2008 pela TTrans6 (ARAÚJO, 2011), tornaram-se protagonistas de um acidente que levou à morte uma passageira em 2009, que ao

4 Matéria de Jornal [s.d.] - 87 Anos de História nos Trilhos do Bonde (ANEXO E). 5 Nome dado pelo motivo dos bondes na época serem veículos sem manutenção, pesados para subirem e descerem as ladeiras do bairro, e por fazerem um barulho irritante nas curvas. 6 A empresa TTrans, Sistemas de Transportes S.A., localizada em Três Rios (RJ), atua no segmento metroferroviário realizando serviços nas áreas de Energia, Sinalização e Controle, Telecomunicações, Sistemas Auxiliares, Bilhetagem Eletrônica e Material Rodante.

30 descer de um bonde em uma ladeira, foi atropelada pela composição que havia perdido controle do freio (MASCARENHAS, 2013).

Segundo Luis Cosenza, presidente da Comissão de Segurança do CREA e ex-presidente da Central, o freio utilizado pelo tal Frankenstein era de última tecnologia, no entanto, foi utilizado de forma inadequada pela TTrans. O contrato da TTrans para entrega de novos bondes antes do acidente, inclusive, foi considerado ilegal pelo Tribunal de Contas do Estado em 2009. (MASCARENHAS, 2013, s. p).

Neno (2011) expõe que “desde 2008 o governo do Rio foi condenado a recuperar todo o sistema de bondes de Santa Teresa - que inclui rede aérea, trilhos, gradis e 14 bondes -, chegou a recorrer e perdeu, mas até agora nada foi feito”7. Mais uma das consequências dessas irregularidades foi o fatal acidente em 27 de agosto de 2011 (ANEXO G): o bonde descarrilhou e colidiu com um poste, matando seis pessoas (incluindo o condutor, Nelson Corrêa da Silva) e deixando mais de 50 passageiros feridos. Em razão disso, o governo do estado do Rio de Janeiro para as atividades dos bondes, providenciando uma reforma e reestruturação da linha, com a finalidade de tornar o sistema mais seguro. Conforme Leitão (2011), o acidente levou às investigações para apontar a causa que recaiu sobre o sistema de freios. O Ministério Público, inicialmente, implicou cinco funcionários da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (CENTRAL)8. Porém, os moradores seguiram insistindo que as ações para evitar a tragédia anunciada estavam nas mãos dos gestores e que o Ministério Público estaria culpando “o lado mais fraco” (SINDPREVRJ9, 2012). Este fato levou a Justiça a bloquear em 2015 os bens do então Secretário de Transportes do governo do Rio, Julio Lopes10, e outros três executivos da CENTRAL, em valor de 6,3 milhões de reais a ser dividido entre os réus. O processo visava apurar a possibilidade de omissão de manutenção preventiva dos bondes (AMAST, 2015).

7 Declaração de Elzbieta Mitkiewicz, presidenta da AMAST em 2011, ao G1. 8 Criada em 2001, a CENTRAL administra os bondes de Santa Teresa. 9 Sindicato dos trabalhadores da Saúde, Trabalho e Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro. 10 Julio Lopes (PP/RJ), atuou como secretário de transportes do estado do Rio de Janeiro entre 2007 e 2014. Atualmente, exerce o mandato de Deputado Federal (2015 – 2019). 31

Em novembro de 2011, são adicionados à frota de ônibus do bairro veículos para substituir os bondes durante sua ausência11. As passagens custavam R$0,60 (sessenta centavos), e a diferença para a tarifa padrão era subsidiada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Na Figura 2, nota-se que os ônibus apresentavam cor amarela, característica dos bondes.

Figura 2: Ônibus de 60 centavos.

Fonte: Diário do transporte (2011).

Em 2012, como é possível verificar na Figura 3, foi apresentado um projeto de reestruturação do transporte que retratava estribos somente na entrada e na saída das composições, além de reduzir o número de assentos e reativar a estação do Silvestre, que faria ligação com os bondes do Corcovado (NOVO BONDE REDUZ 30% DOS ASSENTOS, 2012). Segundo o Governo do Estado “14 novos bondes terão 24 assentos, capacidade menor que os antigos. Alguns tinham 32 lugares,

11 O consórcio Intersul, operava as linhas SE 006 (Silvestre-Castelo) e SE 014 (Paula Matos-Castelo). (Diário do Transporte, 2011, s. p) 32

outros, 36, além de transportar pessoas penduradas nas laterais, que se seguravam pelos estribos.” (NOVO BONDE REDUZ 30% DOS ASSENTOS, 2012, s. p). O projeto foi mal recebido pelos moradores que exigiam que o bonde permanecesse com suas características originais, como expôs Elzbieta Mitkiewicz, presidente da AMAST à época: “Inventaram um bonde novo, não é o original, o tradicional. Eles vão descaracterizar o bonde, que é tombado, e estão descumprindo uma sentença judicial.” (NOVO BONDE REDUZ 30% DOS ASSENTOS, 2012, s. p). Em relação à redução de assentos e à mobilidade, a associação se posicionou: “A Amast acusa o governo de priorizar o turismo, em prejuízo aos moradores. Segundo a associação, a redução dos assentos, aliada à extensão da linha até o Silvestre, reduzirá em mais de 30% a quantidade de passageiros atendidos.” (NOVO BONDE REDUZ 30% DOS ASSENTOS, 2012, s. p).

Figura 3: Projeto de bonde pós-acidente.

Fonte: Site Band (2012).

Em 2013, ao completar dois anos da data do acidente (27/08), o bairro ainda encontrava-se sem o sistema de bondes. Moradores, ativistas e engenheiros ressaltavam a possibilidade de privatização do sistema e a falta de transparência do governo. Além disso, o governo discutia a possibilidade de municipalização, 33 enquanto que, os moradores realizavam protestos e aplicavam pressão para que o bonde voltasse a circular (MASCARENHAS, 2013). Na Figura 4 observa-se um cartaz feito por moradores de Santa Teresa, em 2013, reivindicando o retorno do bonde no bairro, para que este não caia no esquecimento e volte a compor o cenário único da cidade do Rio de Janeiro.

Figura 4: Dois anos sem o bondinho.

Fonte: Jornal do Brasil (2013).

As obras para reestruturação do sistema de bondes iniciaram-se somente em novembro de 2013 (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2013).

A nova fase de reestruturação do sistema de bondes de Santa Teresa começa na próxima segunda-feira (11/11). Ao todo, serão investidos pelo Governo do Estado R$ 110 milhões. Inicialmente, cerca de 10 quilômetros de trilhos serão substituídos pelos modelos originais, assim como a rede aérea. A primeira parte das obras, que vai dos Arcos até a Praça Odylo Costa Neto, será finalizada até março de 2014. Já o trecho entre a praça e o Dois Irmãos ficará pronto até junho do ano que . O espaço até o Silvestre, desativado desde a década de 1990, será entregue no segundo semestre de 2014. A previsão é de que os bondes voltem a circular no mês de junho, para a Copa do Mundo. (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2013, s. p

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Tal declaração fez com que os moradores entendessem que, por parte do governo, a intenção era de priorizar os megaeventos. Assim, a AMAST acusou o governo de priorizar a atividade turística em desfavor dos moradores, uma vez que é abordada a reativação da linha Silvestre, que possibilita a conexão ao Corcovado, e consequentemente, com o Cristo Redentor, importante atrativo turístico da cidade. Este fato tornou explícito o interesse em fazer o bonde circular na Copa do Mundo. Também leva a supor que, uma vez reativada a linha, a procura pelo acesso ao Corcovado será amplamente divulgada, gerando assim, maior fluxo de visitantes, podendo comprometendo a mobilidade dos moradores, além de seu acesso aos bondes. Na Figura 5, observa-se o projeto do novo traçado do bonde.

Figura 5: Novo traçado do bonde.

Fonte: Site do jornal O Globo (2013).

Outras mudanças estão incluídas na reestruturação do sistema: a substituição de 17, 5 km dos trilhos (bilabiados); substituição dos 46 aparelhos de via e 28,6 km de cabos e fios de energia; substituição de 39 postes de energia por mais 39 novos postes de concreto; reforma da subestação para acomodar os 14 novos bondes previstos; e reforma dos equipamentos eletroeletrônicos. Além de reforma de estações e paradas, a antiga estação carioca passa a receber o nome de estação 35

Nelson Correa da Silva, em homenagem ao condutor morto no acidente em 2011. (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2016). Na Figura 6 é ilustrado um novo projeto para os bondes, após as pressões dos moradores.

Figura 6: Novo Bonde.

Fonte: Site do jornal O Globo (2013).

Como exibido na Figura 6, o novo bonde, diferentemente da primeira proposta, conserva as características originais. Como medida de segurança, foram inseridos estribos retráteis (ação para evitar a superlotação do veículo). Também é possível observar que há dois modelos: um acessível com 25 lugares (além do espaço para o ocupante com necessidades especiais) e outro padrão, com 32. (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2016). As obras seguiram lentas durante os anos, causando muito transtorno no dia a dia dos moradores: buracos, trânsito, escassez de transporte, baixa do movimento de visitantes e questões de segurança foram os problemas mais apontados pelos moradores. Como relatou Cláudia Schuch, moradora e Diretora de Comunicação da AMAST, em matéria do jornal O Globo: “os moradores sofrem para andar nas ruas 36 esburacadas. O importante não é quando vão inaugurar o bonde, e sim evitar que ocorram acidentes, doenças, assaltos e todo tipo de transtorno por que estamos passando” (CANDIDA, 2015, s. p). O atraso das obras também gerou multas para o consórcio:

Com obras atrasadas, que resumem o bairro de Santa Teresa a um grande buraco, o consórcio Elmo Azvi, que realiza as obras do bonde de Santa Teresa, no Centro do Rio, foi multado mais uma vez pelo governo do estado. Desta vez, a multa é de R$ 450 mil pelas falhas operacionais na execução do trabalho. Somadas, todas as multas já aplicadas ao consórcio este ano somam R$ 1,35 milhão. (MENDONÇA, 2015, s. p).

Os bondes só voltaram a circular no bairro em agosto de 2015, não cobrando passagens e com um novo funcionamento, que desagradava aos moradores ao percorrer apenas um trajeto curto, em horário que não atendia à demanda da população. Assim, os bondes passavam a fazer um “[...] trecho que vai do Largo da Carioca até o Largo do Curvelo, um percurso de 1,7 km. O bonde está em fase de testes e vai operar de segunda a sábado, das 11h às 16h, com intervalos de 20 minutos.” (BRASIL, 2015b, s. p). De acordo com um morador, em entrevista ao jornal Estadão, “Pelo menos os comerciantes do bairro estão felizes, a clientela chegou. E o transporte público? Só os ônibus mesmo, que mal servem o bairro” (NUNES, 2015, s. p). Em relação aos motorneiros, a Secretaria de Transportes do Estado declarou que manteve o quadro de funcionários, e que os mesmos “trabalharam no sistema ferroviário de trens urbanos” (AÍ SOBE NESSE BONDE, 2015, s. p). Atualmente, as obras seguem em ritmo desacelerado12, e a Secretaria Estadual de Transportes afirma que devem ser concluídas em dezembro de 2017. Já o preço das passagens dos bondes, que antes dos acidentes custava menos de um real, e a partir de seu retorno (em 2015) operava gratuitamente, passará a custar R$20,00 (em 15 de dezembro de 2016) para não moradores do bairro. Moradores terão direito à gratuidade desde que previamente cadastrados. Segundo o site G1 “no decreto que estabelece o novo valor, o Governo do Estado justifica o preço cinco vezes maior do que o do Bilhete Único citando “a necessidade de reequilíbrio das finanças estaduais, abaladas pela forte crise que atingiu o Estado".” (BARREIRA, 2016, s. p).

12 O andamento do processo de reestruturação do sistema de bondes de Santa Teresa, abrangendo o período de 2011 a 2014, pode ser conferido no ANEXO H). 37

Enquanto a reforma integral do sistema de bondes não se concretiza, os moradores seguem reivindicando que o meio de transporte histórico e patrimônio cultural do bairro seja reintegrado à sua paisagem de forma plena. O trabalho dos moradores e de sua associação foi e continua sendo imprescindível para a permanência do bonde.

2.2. BONDES DE SANTA TERESA, RJ – TRANSPORTE FERROVIÁRIO URBANO APROPRIADO PELO TURISMO Como já visto, o transporte ferroviário expandiu-se durante o século XIX na cidade do Rio de Janeiro, como uma solução à mobilidade coletiva urbana (WEID, s. d). Porém, seu uso não se restringe ao espaço das cidades, é utilizado também para transporte de passageiros de longa distância, cargas e exclusivamente pelo turismo (PALHARES, 2002), como é possível observar na Figura 7 a seguir:

Figura 7: Divisão do transporte ferroviário.

Fonte: Palhares (2002).

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O elo entre transportes ferroviários e o turismo remonta a 1841, quando Thomas Cook organiza a primeira viagem charter a ser realizada em trem na Inglaterra (Palhares, 2002, p, 287).

Visto que a relação de Santa Teresa com os bondes se dá desde 1872 - e que hoje esse meio de transporte, no Rio de Janeiro, é encontrado somente nas ladeiras do bairro -, o bondinho de Santa Teresa é considerado patrimônio cultural pelo INEPAC e pelo IPHAN (além de ser protagonista de diversas ações desenvolvidas pela sociedade civil, visando sua preservação). No entanto, outro ator também se destaca no cenário do bairro e nas composições do bonde: o turismo. O bonde de Santa Teresa e o turismo têm relação de longa data (desde 1882), como cita Weid:

Paralelamente ao serviço de bondes de tração animal que realizava o transporte no centro urbano e nos subúrbios das zonas norte e sul, foi feita, em 1882, a concessão de uma linha férrea com tração a vapor ligando o ao Corcovado, com finalidade exclusivamente turística. A Companhia Ferro-Carril e Hotel Corcovado teve seu primeiro trecho inaugurado em outubro de 1884, indo do Cosme Velho às Paineiras, onde já existia um hotel que foi inaugurado no mesmo dia. O presidente da companhia era Francisco Pereira Passos, que anos depois foi prefeito do Rio de Janeiro. No ano seguinte foi aberto o tráfego para toda a linha até o alto da montanha. (WEID, s. d, p. 17).

Apesar da posterior desativação da linha, o interesse turístico pelos bondes ainda é percebido. Palhares (2002, p. 284) coloca que “o transporte de passageiros urbano apresenta, em geral, pequena importância do ponto de vista do turista”. Fato que aponta para a singularidade do sistema de bondes do bairro, já que o autor afirma que o sistema de Santa Teresa está entre os poucos lugares do mundo em que bondes são “grande interesse turístico” (PALHARES, 2002, p. 285). Logo, vale ressaltar o lugar do turista na questão dos bondes. O recente aumento da passagem para os turistas e visitantes, nos leva a questionar como será afetada a experiência dos turistas no transporte. É bem possível que esse aumento restrinja o acesso aos bondes, que além de excluir os moradores da cidade do Rio de Janeiro no uso deste meio de transporte, pode também reduzir o números de turistas nacionais e internacionais.

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2.3. SOCIEDADE CIVIL E SEU PAPEL NA DEFESA DO BONDE DE SANTA TERESA, RIO DE JANEIRO A partir do exposto na seção anterior, observa-se o papel ativo que os moradores do bairro de Santa Teresa desempenham na supervisão dos sistemas de bondes, ao longo do tempo. Serão discutidos neste tópico o conceito de sociedade civil, sua atuação na reivindicação de direitos, no exercício da cidadania, e sua importância na preservação da memória, da identidade e de seus patrimônios na conjuntura globalizada atual, com foco na comunidade do bairro de Santa Teresa. O cenário contemporâneo das sociedades é baseado no conceito de Estado- Nação soberano. A democracia, por sua vez, está ligada ao Estado Nação, como expõe o sociólogo Liszt Vieira em seu livro “Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização”, de 2001. Para o autor o mundo e sua ordem como conhecida atualmente se dá devido ao Tratado de Vestfália, ocorrido em 1648, que determinou os princípios de territorialidade, soberania, autonomia e legalidade. Entretanto, a globalização alterou as bases da cidadania tradicional, visto que alterando os “laços territoriais” entre o indivíduo e o Estado, a identidade nacional é enfraquecida (VIEIRA, 2001). A cidadania, direito de todos em uma democracia, por sua vez, pode ser entendida como aquilo que

Expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedade organizada. É a qualidade do cidadão de poder exercer o conjunto de direitos e liberdades políticas, socio-econômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe são impostos. Relaciona-se, portanto, com a participação consciente e responsável do indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados. (DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA - PR, s. d, s. p).

Desta forma, para ser um indivíduo atuante na sociedade, deve-se cumprir os deveres e lutar pelos direitos instituídos constitucionalmente. No Brasil, a Constituição de 1988 reserva cinco capítulos para tratar dos direitos e deveres do cidadão, sendo um importante marco na participação civil na sociedade brasileira. Porém, segundo Vieira (2001), no cenário da globalização, há problemas que se tornam globais e fogem da alçada nacional de qualquer Estado-Nação. Esta realidade cria no cidadão o sentimento de impotência e desinteresse político, o desestimulando a exercer a cidadania apropriadamente, como explica Vieira (2001):

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Diante desse quadro, a grande maioria da população dos diversos Estados, marginalizada social e economicamente pela globalização, perde interesse e energia para participar das lutas políticas internas, que percebe como secundárias, mergulhando em passividade e alienação. À parte essa maioria inerte, surge entre outros, um grupo desorientado que vai servir de massa de manobra para políticas direitistas e, de outro lado, uma minoria de militantes idealistas que oferece resistência à globalização dominante, propondo uma globalização alternativa, um projeto emergente de construir uma sociedade civil global visando à democratização das relações internacionais. (VIEIRA, 2001, p. 28).

Surge, então, um novo tipo de cidadania, oriundo da concepção de “direito a ter direitos” (DAGNINO, 2004, 104), não se limitando a exigir direitos já instituídos previamente, mas lutando por novos direitos e ampliando o direito à igualdade e à diferença. Após exposto o conceito de cidadania, deve-se discursar sobre as concepções de sociedade civil. Vieira (2001, p. 36) aponta que, segundo a teoria marxista, a sociedade civil é a “esfera não-estatal de influência que emerge do capitalismo e da industrialização”. Já segundo as ciências sociais, é a “esfera de discurso público dinâmico e participativo entre o Estado, a esfera pública composta de organizações voluntárias, e a esfera do mercado referente a empresas privadas e sindicatos.” (VIEIRA, 2001, p. 36). Desta forma, a sociedade civil ao organizar-se e buscar posições políticas, impor-se e empenhar-se para alcançar uma sociedade mais justa, auxilia a alcançar uma cidadania próxima à plenitude. Já uma sociedade civil de estrutura fraca torna-se facilmente subjugada aos interesses do Estado (Vieira, 2001). Compreendendo, portanto, os conceitos de cidadania e sociedade civil, entendem-se como estas são fundamentais para a preservação dos direitos dos cidadãos na contemporaneidade globalizada. Uma vez diante do fracasso dos sistemas neoliberais em garantir a sustentabilidade dos recursos naturais e da memória para as próximas gerações, torna-se urgente que as populações posicionem-se na tentativa de alcançar, junto ao poder público, estratégias para viabilizar a permanência humana de forma consciente na Terra. Assim, pode-se dizer que a memória tem função na formação de sociedades mais sustentáveis, visto que o indivíduo ao reconhecer que integra uma sociedade é mais propenso a tornar-se sujeito cidadão atuante (FERNANDES, 1993). Logo, nota- se a importância da sociedade civil na preservação dos patrimônios culturais, a fim de preservar a história e a memória. No caso do bairro de Santa Teresa, os 41 moradores e a AMAST destacam-se neste cenário. Além de dedicarem-se à preservação do bonde e de suas características, lutam pela melhoria dos transportes, segurança e para manter o bairro como o refúgio bucólico, tal como o consideram. Diversas ações foram tomadas pela sociedade civil em relação à preservação e manutenção dos bondes. São exemplos de manifestos: “O bonde que queremos para Santa Teresa”; “Para onde vai esse bonde?”13; e “Parque Olímpico de Santa Teresa - Rio de Janeiro 2016”14. Além de diversas outas ações tomadas anterior e posteriormente ao acidente de 2011. O manifesto, disponível no site da AMAST, cita exigências feitas por moradores sobre o sistema de bondes:

1. É o principal meio de transporte do bairro. Um serviço público, destinado prioritariamente ao transporte dos moradores de Santa Teresa, que deve ter capacidade para atender às suas diversas comunidades. 2. Funciona das 05 horas às 24 horas, com intervalo máximo de 10 minutos, em cada uma de suas linhas, no horário de pico. 3. Tem duas estações de embarque na cidade – a Estação Nelson Correa da Silva (Carioca) e Francisco Muratori – e pontos finais no Silvestre e no Largo das Neves. 4. É subsidiado pelo poder público, de modo a manter sua tarifa simbólica, e integrado aos demais transportes da cidade pelo bilhete único. 5. É avaliado periodicamente pelos usuários e tem gestão transparente e participativa, que envolva as lideranças das diferentes associações de moradores do bairro e técnicos por elas indicados. 6. Tem acesso facilitado para idosos, crianças e pessoas com deficiência, através de soluções tecnológicas adaptadas que não comprometam o Item 8. 7. Tem todo o sistema recuperado, mantido e fiscalizado: bondes, estações, vias aéreas, trilhos, subestação de energia, Museu do Bonde, carro especial com finalidade cultural (bonde palco) e de utilidade pública e oficinas de manutenção e aprendizagem. 8. Preserva o modelo estético e técnico dos veículos, com aperfeiçoamento tecnológico dos seus itens de segurança, e as características firmadas no tombamento registrado no processo nº E-03/31 269/83 e a Resolução nº 047, de 25 de março de 1988, publicada no DOE de 8/4/1988. 9. Aproveita a experiência dos funcionários antigos na nova fase de operação e no treinamento dos novos quadros. 10. Voltará a funcionar no menor prazo possível suficiente para o cumprimento de todos os pontos anteriores. Pode ser reativado em fases, por trecho, de acordo com as obras e as reformas necessárias. O prazo máximo para a reativação total do sistema deve ser de dois anos, a partir da data de interrupção (27/8/2011). (AMAST, s. d, s. p)

13 Samba do tradicional Bloco das Carmelitas de autoria de Luiz Fernando e Luiza Fernanda (Sebastiana, s. d). 14 Vídeo elaborado pela Casa Coletiva em 2015. 42

Aliado ao manifesto, imagens de bondes pretos chorando (Figura 8) tornou-se um símbolo amplamente usado como forma de protesto, pelos moradores e apoiadores do bonde após o acidente.

Figura 8: Santa Teresa Chora.

Fonte: O Globo (2016).

O Samba “pra onde vai esse bonde?”, levado às ruas pelo Bloco das Carmelitas, retrata o sentimento do morador, em torno do retorno do bonde ao bairro (NITAHARA, 2016). Alguns trechos podem ser conferidos a seguir:

Matar aquela saudade Do bonde de verdade, Do seu Nelson Motorneiro. O povo na rua exige respeito. [...] Pra onde vai esse bonde? O bonde voltou, Mas não serve pra mim… Sou carioca, sim, eu sou de Santa! Será que esse bonde é só pra gringo ver? Estou cansado de me… conformar LUIZ FERNANDO, LUIZA FERNANDA.

Já o vídeo “Parque Olímpico de Santa Teresa - Rio de Janeiro 2016”, desenvolvido pelo grupo Casa Coletiva, publicado em maio de 2015 e disponível no 43 canal PosTv, no YouTube, alcançou até o momento 15.789 visualizações ao ironizar o atraso das obras para reestruturação do sistema no bairro. O vídeo, criado para convidar a população a participar de um ato que debatia o atraso das obras e suas consequências, retrata um suposto atleta realizando provas olímpicas, como: “Salto de areia”, “Arremesso de pedra” e “Marcha sobre trilhos”, nos sítios de obras (YOUTUBE, 2015). Na Figura 9 é exibida uma imagem do vídeo “Parque Olímpico de Santa Teresa - Rio de Janeiro 2016”, onde um “atleta” pratica a modalidade “Trilhos Paralelos”.

Figura 9: Trilhos Paralelos – Parque olímpico de Santa Teresa/ RJ.

Fonte: Época Negócios (2015).

Logo, é possível observar a importância da sociedade civil no papel de preservação de identidade e memória do bonde de Santa Teresa, tendo em vista as ações tomadas para atrair a atenção pública (com criatividade e desenvoltura nas formas de reinvindicação), a fim de que se resolvam todos os transtornos causados desde o acidente de 2011, obtendo o sistema de transportes de bondes (que é único na cidade do Rio de Janeiro) reintegrado ao bairro.

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3. REFLEXÕES SOBRE O BONDE DE SANTA TERESA – TRANSPORTE E ELEMENTO DA IDENTIDADE DO MORADOR.

Após os conteúdos teóricos expostos nos capítulos anteriores, este capítulo tratará sobre as pesquisas desenvolvidas neste trabalho. Serão apresentadas a metodologia, discussões e reflexões sobre os resultados obtidos envolvendo as questões relacionadas ao sistema de bondes do bairro de Santa Teresa, e as conexões existentes entre a identidade do morador e a sociedade civil.

3.1. METODOLOGIA Com o objetivo de averiguar a relação entre os bondes e a identidade dos moradores do bairro de Santa Teresa, e a relação da identidade com a sociedade civil, optou-se por realizar pesquisas de caráter qualitativo. Segundo o autor Michael Angrosino (2009), este método não possui definição concreta, mas se caracteriza por “abordar o mundo ‘lá fora’ […] e entender, descrever e, às vezes, explicar os fenômenos sociais”. O autor acima citado também afirma que a pesquisa qualitativa não tem como objetivo delimitar conceitos apurados do que se estuda, e entende que os métodos devem ser ajustados aos temas e objetivos de pesquisa. Podendo, assim, os métodos e técnicas serem adaptados de acordo com a necessidade. Deste modo, foram realizadas as seguintes atividades: pesquisa bibliográfica; entrevista qualitativa aberta com duas integrantes de uma associação de moradores do bairro; entrevistas qualitativas abertas com um morador e um ex-morador local; e pesquisa etnográfica de observação participante. Cada técnica foi escolhida para tratar de tópicos específicos, que serão discutidos e explicados a seguir. A pesquisa bibliográfica, de acordo com Boni e Quaresma (2005), reúne informações pertinentes em trabalhos científicos, desenvolvidos até o presente momento, que tratam do tema que se deseja estudar. Assim, a pesquisa bibliográfica desenvolvida nos capítulos anteriores, aliada aos conhecimentos prévios da autora como ex-moradora do bairro, serviram de munição teórica para o desenvolvimento da pesquisa. As entrevistas abertas segundo Boni e Quaresma (2005) são utilizadas para aprofundar os conceitos estudados. Nesta técnica, introduz-se o tema e o 45 entrevistado tem liberdade para discursar. Assim, a entrevista é feita em tom de conversa informal, e “a interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, este deve assumir uma postura de ouvinte e apenas em caso de extrema necessidade, ou para evitar o término precoce da entrevista, pode interromper a fala do informante” (BONI; QUARESMA, 2005, p. 7). Desta forma, esta técnica foi escolhida para abordar as questões de identidade e sua relação com os bondes do bairro de Santa Teresa (assim como a relação de identidade e de sociedade civil), uma vez que se buscava encontrar no discurso dos entrevistados a maior quantidade de elementos que possibilitassem a compreensão do tema. Já a pesquisa etnográfica de observação participante foi eleita para tratar da experiência atual vivida pelos usuários dos bondes de Santa Teresa. Conforme afirma Angrosino (2009, p. 28), este método caracteriza-se por ser baseado em pesquisa de campo. Vale destacar que a observação participante segundo Angrosino (2009, p. 34), não é um método, mas um estilo de pesquisa etnográfica adotada pelo pesquisador. Neste estilo o pesquisador se insere na comunidade que pretende estudar e a partir deste momento começa sua coleta de dados. Angrosino (2009, p. 36) ainda aponta que “métodos etnográficos são especialmente úteis quando pesquisadores precisam entrar numa situação de campo na qual as questões sociais ou os comportamentos ainda não são claramente entendidos”. Portanto, o caso dos bondes de Santa Teresa enquadra-se neste contexto, já que há conflitos de interesse em relação à sua operação. Visto isto, a seguir serão expostos e discutidos os resultados encontrados nas pesquisas.

3.2. MORADORES E O BONDE – UMA RELAÇÃO DE IDENTIDADE E AFETIVIDADE Com o objetivo de ajudar na compreensão da relação de identidade que os residentes de Santa Teresa possuem com o sistema de bondes do bairro, entrou-se em contato com um morador e um ex-morador, a fim de averiguar a representatividade dos bondes no seu entendimento quanto cidadão pertencente ao meio em que vive. Para tanto foram feitas duas únicas perguntas, deixando os entrevistados livres e à vontade para desenvolverem de forma ampla a sua resposta: “O bonde tem representatividade do ponto de vista pessoal”? Se sim, qual? 46

Ambos os entrevistados são artistas e possuem o bonde de Santa Teresa reproduzidos em suas obras. Com o ex-morador, Mário Barata, o primeiro contato foi feito através de sua página pessoal no Facebook, no dia 12 de novembro de 2016. Desta forma, ao conhecer o tema do trabalho, dispôs-se a enviar um relato em texto (ANEXO I), expondo que “o transporte é aberto, sem paredes ou divisórias visível a todos, todos se veem, se reconhecem, se apresentam sem diferenças e desfrutam das mesmas paisagens, mesmas experiências” (BARATA, 2016). Assim, através de sua recordação, Barata destaca que no bonde experiências são vividas coletivamente. Nesse contexto, o bonde pode ser um elemento que fortalece o sentido de integração social, visto que a “identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade” (HALL, 2001, p. 11). Sendo o bonde um palco de integração social para os moradores do bairro, pode-se supor que tem papel na formação da identidade do morador. Em seguida, Barata faz apontamentos de caráter afetivo “[...] o bonde é poesia, uma imagem lúdica, um belo momento espiritual, um sentimento difícil de se materializar. Fica a boa saudade. [...] Bom de lembrar”. Tais apontamentos, além de ressaltar o valor afetivo do bonde para o ex-morador, fazem refletir sobre as observações de Nora (2009), discutidas na página 12, sobre a necessidade dos indivíduos ligarem-se com elementos do passado. O contato com Getúlio Damado, o segundo entrevistado, deu-se pessoalmente em seu ateliê15, na Rua Leopoldo Fróes. O ateliê com formato de bonde abriga além de diversas esculturar de bondinhos, outros artesanatos como bonecos batizados pelo artista, casas e carrinhos de brinquedo. Tudo é produzido com sucatas adquiridas pelo artesão. A entrevista não foi gravada em áudio, a pedido do entrevistado. Ao chegar ao ateliê (no dia 11 de novembro de 2016), por volta de 13h da tarde, a pesquisadora apresentou-se, e expôs a proposta do trabalho, indagando a Getúlio se este gostaria de responder à algumas questões. O entrevistado, então, concedeu alguns minutos para a pesquisa. Assim, ao perguntar sobre a representatividade do bonde para ele, Damado tem como resposta: “sou suspeito pra falar, né… Amo o bonde, é só olhar em volta” – apontando para as diversas esculturas de bondes. Esta fala pode evidenciar o laço

15 Foto do ateliê do Getúlio Damado pode ser encontrada em ANEXO J. 47 afetivo mantido em relação ao transporte. Quando questionado sobre o possível motivo deste afeto, o entrevistado não soube responder. Já sobre as esculturas em formato de bonde, afirmou que as vende por trinta reais cada, e em seguida retirou- se. Apesar do breve contato, é possível comprovar a influência exercida pelos bondes sobre os entrevistados, inclusive sobre o ex-morador que, embora, não viva mais em Santa Teresa, leva em sua memória os tempos em que morava no bairro, retratando em suas obras o bonde que um dia fez parte do seu dia a dia.

3.3. MORADORES E O BONDE - VISÃO DA ASSOCIAÇÃO. Tendo em vista a associação de moradores do bairro como uma das protagonistas na luta pela permanência dos bondes em Santa Teresa, optou-se por realizar uma entrevista com duas de suas representantes. A entrevista se deu de forma aberta, permitindo que as entrevistadas pudessem se expressar sem interrupções, na qual as perguntas iam surgindo conforme os assuntos abordados pelas representantes. Os resultados foram analisados a partir dos conhecimentos obtidos na pesquisa bibliográfica e dos conhecimentos da autora sobre o bairro, na qualidade de ex-moradora. O objetivo da entrevista foi definir o papel da associação na luta pelos bondes e de que modo seus integrantes percebem o transporte. As identidades das entrevistadas não serão reveladas, mantendo a sua privacidade, de forma que elas pudessem ter a oportunidade de posicionar-se livremente, dentro de seus princípios sobre a questão. O primeiro passo para a realização da entrevista foi a procura por meios de contato com a associação. Através de buscas no site Google, com as palavras- chave “associação de moradores de Santa Teresa RJ”, o site retornou diversos resultados, entre eles o site oficial da associação, para o qual direcionou-se a busca. No site da associação, na seção “fale conosco”, observou-se a ausência de telefone de contato ou sede. Desta forma, o primeiro contato, informando o interesse de agendar uma entrevista e seus objetivos, foi estabelecido pelo formulário de mensagens do site e pelo Facebook, cujo link encontrava-se na mesma seção. A mensagem foi respondida pelo Facebook, e através da rede social, a entrevista foi agendada com dois membros da associação. 48

A entrevista foi realizada no dia 15/05/2016, domingo, na casa de uma das entrevistadas em Santa Teresa16 (às 11h, horário de Brasília). Ambas as entrevistadas são do gênero feminino, e estão designadas pela letra A e B. Vale ressaltar também que a gravação em áudio foi autorizada por ambas as entrevistadas. Após as devidas apresentações e exposição por parte da pesquisadora sobre o trabalho e seus objetivos, a entrevistada A começa destacando, sem a necessidade de qualquer pergunta específica, sua visão sobre a questão dos bondes no bairro: “[...] é incrível que a estratégia que o governo, quer dizer, desde sempre o governo quis acabar com o bonde. Estratégia econômica dos interesses corporativos das indústrias do transporte via ônibus. [...] As empresas de ônibus do caso do Rio de Janeiro, inclusive são as maiores contribuintes das campanhas eleitorais, junto com as (empresas) de construção. Então, isso remonta até sei lá quando... [...] O desmonte de todo o transporte que tava direcionado para trilho (sic), por questões de interesse econômico, e hoje nós estamos voltando para o VLT. E dá uma noção de como essa área aqui, desde aquela época, resistiu a isso. Porque o bonde só existe aqui por conta de uma desobediência civil capitaneada pelos funcionários do sistema (do bonde) de Santa Teresa e pelos moradores.” (Entrevistada A).

Assim, percebe-se nesta primeira fala o aspecto crítico adotado pela entrevistada em relação às ações da esfera pública sobre os bondes, a partir da substituição do sistema (assunto discutido no tópico 2.2 deste trabalho, onde também é apontado para o fato de que as ações tomadas para a preservação do transporte no bairro remontam à década de 1980). Ao falar sobre o acidente ocorrido em 2011, a entrevistada A afirma que: “[...] já existia uma estratégia, uma intenção de passar para o município a administração e em última instância, terceirizar o sistema e ele virar realmente um brinquedo de turista, um bonde de admiração, passeio”. A entrevistada B completa: “Pra desinfetar o morador de lá”. Tais apontamentos levaram a supor que a associação compartilha de visão negativa da atividade turística do bairro. O que é coerente com a discussão presente no tópico 1.2, sobre a importância do planejamento do turismo cultural, ao passo que se o mesmo não for devidamente planejado, e preze pelos interesses de todas as esferas envolvidas, pode vir a tornar-se indesejado pela comunidade receptora (CARVALHO, 2010).

16 Transcrição autorizada pelas entrevistadas. 49

Ao serem questionadas sobre o número de membros na associação, a entrevistada B responde: “São uns 9 ou 12… Muita gente entra pra formar a formalidade, mas não se dispõe, entende? Então fica assim, por conta de umas ‘locomotivas’.” A entrevistada A complementa ressaltando as dificuldades encontradas pela associação atualmente:

Assim, a gente vive de fama e cansaço, né? (sic). Porque é uma associação muito reconhecida, que tem uma história imensa, tem 30 anos de existência, lutas etc. Porém, o que sobra é que aqui é um bairro de classe média, né (sic), e tá tendo uma tendência de terceirizar a cidadania, né (sic). Ela quer que outro alguém lute por ela, alguém faça por ela. Ela fica reclamando para a associação, para que a associação faça alguma coisa. (ENTREVISTADA A).

Tais afirmações corroboram os apontamentos do autor Vieira (2001), ao afirmar que na sociedade contemporânea globalizada, o cidadão perde o interesse em tomar ação nas reivindicações políticas internas. Já ao questionar as entrevistadas sobre o envolvimento da população do bairro nas reivindicações para a preservação dos bondes, a entrevistada A responde: “Atualmente a gente que tá ali… Só quando vem uma notícia de que vão parar o bonde, ou algo assim que vem muita gente… Ainda tem um grande poder de magnetismo”. A entrevistada B indica também que não é de desejo de todos os moradores que o bonde permaneça no bairro: “[...] tem aquelas pessoas que querem que se exploda mesmo… Os moradores mais novos, acho, né (sic). Falam: Isso tem que sair daqui, como vou fazer com o meu carro? Pra que bonde? Uma coisa velha, uma tecnologia velha… Gente que tem essa visão.” Assim, pode-se notar que nem todos os moradores do bairro enxergam no bonde, algo a ser preservado, nem tampouco, o transporte representa para estes moradores um lugar de memória, conceito trazido por Nora (1993). No decorrer da entrevista, a entrevistada A ressalta uma das ações tomadas pela sociedade civil para tentar impedir que o sistema de bondes fosse desativado, afirmando que corre pelo bairro um boato de que moradores e funcionários do bonde seriam responsáveis por furtar peças da Leopoldina, prevendo a necessidade de manutenções futuras dos bondes:

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Você sabia que quando acabaram com os bondes, era a light que mandava energia, né! (sic). A light fechou a chave pra acabar com a energia lá de baixo, mas aqui o pessoal da garagem junto com os moradores já tinham feito um circuito fechado elétrico, já tinham conseguido sucata, peças de maquinário, que eles foram catar lá na Leopoldina e em outros lugares. E já estavam com tudo preparado aqui pra não parar (o bonde). Senão a gente tava (sic) sem bonde igual a todos os bairros. Então já veio da sociedade civil a manutenção, não foi um desejo do Estado. (ENTREVISTADA A).

O boato, apesar de não comprovado, é sustentado pela entrevistada. Neste caso, a ação tomada pela sociedade civil, mesmo envolvendo atividades suspeitas, como sucatas e maquinários “catados da Leopoldina” (antiga estação ferroviária), apoia a hipótese de que os moradores de Santa Teresa reconheceram naquela época no bonde um meio de transporte que deveria ser preservado. Um aspecto a ser destacado, é como o relato enquadra-se na noção de eventos “vividos por tabela”, trazido por Pollack [s. d]. O conceito afirma que eventos ocorridos mesmo fora do espaço-tempo da vida de um indivíduo tornam-se “herdados”, devido ao impacto gerado no grupo ao qual aquele indivíduo integra. Outros apontamentos chamaram a atenção, ao passo que a entrevistada A relatava sobre o histórico do bonde no bairro:

“Tinha festa de aniversário, casamento dentro do bonde. Pela relação que se tinha com o bonde. Os motorneiros conheciam os moradores pelo nome e vice-versa. Então era a alma do bairro. E ele, a existência dele, criava a relação do bairro como um todo…” (ENTREVISTADA A).

Assim, observa-se que a relação do morador com o bonde está ligada em certo ponto, além da relação de mobilidade, com aspectos afetivos. A expressão “alma do bairro” confere ao bonde, nas palavras da entrevistada, um caráter identitário, podendo-se supor desta forma, que há alguma relação entre o bonde e a identidade do bairro e de seus moradores. Outro aspecto a ser destacado neste trecho é o fato do bonde ser protagonista em acontecimentos tidos como importantes na esfera social, contribuindo, desta maneira, para a formação do sentido de comunidade do grupo e para a constituição da identidade do mesmo. A entrevistada A ainda traz a observação do bonde como um transporte capaz de ditar o ritmo de vida e integrar a comunidade do bairro:

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Então muita coisa era pautada pela existência do bonde, o trânsito, a vida, mesmo. E não existe aqui no ônibus, linha que rode internamente o bairro. Uma vai pra um lado, e outra pra outro… Se você mora no Largo das Neves e quer visitar seu amigo no dois irmãos, você tem que pegar dois ônibus. No bonde, você vinha, saltava e pegava outro. (ENTREVISTADA A).

Mais uma vez, o bonde é apontado como um elemento que auxilia na constituição do sentido de grupo, ao conectar indivíduos. Já ao indagar às entrevistadas sobre a representatividade do bonde para as mesmas, a entrevistada A segue ressaltando que:

Ah (sic), o bonde é um sobrevivente, né. Um símbolo de resistência muito forte pra mim, por todos esses aspectos. Porque ele junta pra mim a questão econômica, porque ele é barato, […] a questão do transporte limpo, juntava a questão cultural, histórica, a paz. Muita coisa num negócio só. Ele é agradável, porque é arejado, aberto… A paisagem que você tem acesso. Nesse bairro então, que a paisagem é tão bonita, né (sic). Você tá se transportando e ao mesmo tempo você tá admirando, alimentando seu pensamento, sua criação… (ENTREVISTADA A).

Assim, percebe-se mais uma vez, o destaque dado para o bonde. Pode-se afirmar, portanto que o patrimônio (bonde) exerce influência em sua vida, seja despertando o olhar para admirar o entorno, ou uma causa pela qual lutar, ou um meio de transporte histórico, que se deseja continuar utilizando. Vale ressaltar, assim, com os resultados obtidos na entrevista, que os bondes de Santa Teresa atuam como uma via de mão dupla na perspectiva cidadã. A partir dos bondes, o morador reconhece um elemento no qual se identifica e que auxilia na constituição do meio ao qual integra. Assim, tal elemento, ao ser ameaçado de alguma maneira, gera no indivíduo uma causa pela qual lutar. E desta forma, caminha em direção do exercício da cidadania mais plenamente. Pois como afirmou Fernandes (1993), a partir do sentimento de pertencimento a um grupo, o sujeito está mais propenso a ser cidadão atuante.

3.4. ANDAR DE BONDE – A EXPERIÊNCIA ATUAL Após obter os resultados da pesquisa bibliográfica, da entrevista e dos relatos, foi sentida pela pesquisadora a necessidade de ter a experiência de andar nos bondes de Santa Teresa. Os conflitos de interesse relatados pelas entrevistas sobre a questão do transporte no bairro, perceptíveis também na pesquisa bibliográfica, foram aparentes no decorrer da observação participativa. 52

Devido à disponibilidade da autora, escolheu-se um dia de sábado para realizar a observação. É importante ressaltar que para obter reflexões mais aprofundadas, a observação deve ser realizada também em dias de semana. O que caracteriza a observação mais apropriadamente como um ensaio de observação participativa. Ao procurar o horário de funcionamento do transporte, nota-se que os bondes, aos sábados, estão funcionando das 10h às 18h00, com intervalos de 20 minutos, o que imediatamente chamou a atenção, já que de segunda a sexta o bonde opera de 6h30 às 16h15, e é de se supor, que em dias de trabalho a demanda pelo transporte, por parte do morador, deva se estender por mais horas do que as disponíveis. Deste modo, a pesquisadora optou por embarcar na primeira composição a deixar a estação Nelson Corrêa (Carioca), às 10h em direção ao bairro. Era um dia nublado, com temperatura amena. No trajeto da Rua da Lapa até a estação via-se poucas pessoas na rua. Já ao se aproximar da estação, cerca de 10 minutos antes da partida do bonde, já era possível notar pequenos grupos de pessoas dirigindo-se de forma alegre para lá. Adentrando a estação, via-se um grande cartaz intitulado “Bonde de Santa Teresa – Um percurso do coração à memória”, que indicava a presença de exposição do acervo do Museu do Bonde. Composta por partes de antigas composições, a exposição encontrava-se espalhada pela estação e aparentemente não capturava a atenção das pessoas que lá chegavam. Em contraste com o cartaz, uma folha de papel sulfite em preto e branco informava a mudança no preço do bonde e indicava aos moradores como efetuar o cadastro para garantir o acesso de forma gratuita. Dirigindo-se à fila, encontravam-se cerca de oito pessoas à frente da pesquisadora. Os passageiros eram recebidos por um dos funcionários, que alegremente os auxiliavam a girar a catraca. Após passar, via-se aproximadamente, cinco passageiros já sentados. Assim que todos acomodaram-se, um fator comum entre a maioria dos passageiros era notado: celulares em punho, muitas poses e olhares atentos ao redor. Poucos passageiros não compartilhavam dos mesmos gestos e aguardavam a saída do veículo da estação ocupando-se de outras atividades como mexer no celular, ou observar os outros passageiros. 53

Foi escolhido um assento no último banco, de modo que se pudesse observar os demais passageiros, os funcionários e suas respectivas ações durante o trajeto. Ao voltar o olhar para os funcionários, notava-se que todos os dez presentes no momento eram homens de meia idade e mantinham o olhar atento aos passageiros, cumprimentando-os e exibindo sorrisos (alguns ofereciam pipoca, que os passageiros aceitavam alegremente). Dois bondes estavam estacionados, um atrás do outro, no ponto de partida. Mais três encontravam-se estacionados afastadamente, junto a um reboque. Atentos à pontualidade, às 09h08min os funcionários abaixavam a grade de segurança do bonde. Os passageiros acomodavam-se e abaixavam a cortina impermeável devido à garoa que começava a cair. Dois funcionários dirigiram-se para a parte traseira, outro para a parte dianteira, para operar o veículo. Logo os motores foram acionados, emitindo um ruído metálico contínuo. O que gerou um burburinho entre a maioria dos passageiros, que sacavam suas câmeras à medida em que o bonde avançava. A passagem pelos arcos despertou, no geral um momento de contemplação. Enquanto passageiros seguiam tirando fotos e apontando para os diferentes pontos da cidade visíveis pelas “janelas”, os dois funcionários que encontravam-se logo atrás comentavam aspectos históricos da cidade entre si, chamando a atenção de alguns passageiros que juntaram-se à conversa. Os funcionários rapidamente foram questionados sobre o aumento do preço da passagem. Um deles respondeu: “É, vai aumentar... mas os moradores não vão pagar.” Atentando para as vozes, português era a língua que sobressaía. Ao entrar no território do bairro, no entanto, a quietude predominava. Ouvia-se somente o ruído do bonde, e de alguns carros e ônibus. Ao passo que subia a rua Joaquim Murtinho, o bonde atraía o olhar dos que estavam na rua, alguns cumprimentavam os maquinistas com acenos, e estes devolviam o cumprimento. Já os passageiros continuavam a voltar seus olhares para a paisagem. Chegando no Largo do Curvelo, o bonde fez sua segunda parada. Um dos funcionários informava aos passageiros os atrativos que encontravam-se mais próximos. Alguns passageiros desceram, porém, a maioria permaneceu. Outros poucos que aguardavam na estação, subiram no bonde, deixando o transporte com poucos lugares vazios. 54

Enquanto avançava pelo bairro, os acenos entre funcionários e transeuntes continuavam. Assim como as fotografias dos passageiros, que conversavam animadamente entre si. Quando o bonde chegou ao Largo dos Guimarães, foi anunciado que tratava-se do ponto final. Nota-se, que nenhum dos anúncios foi feito em outra língua, somente em português. Os passageiros gradualmente deixavam o bonde. Quando esvaziou-se por completo, os funcionários começaram a mudar a direção dos bancos, preparando o carro para a volta à estação final. Decidiu-se observar da praça do Guimarães o embarque dos novos passageiros. Estes que aguardavam sentados nos bancos, ou de pé na praça, rapidamente subiram no bonde. Porém, a quantidade de pessoas que pegavam o transporte dirigindo-se ao Centro do Rio de Janeiro era consideravelmente menor do que as que o utilizavam para chegar ao bairro. Após todos acomodarem-se, a barra de proteção foi posicionada, os estribos retráteis recolhidos, e o bonde seguiu descendo a ladeira. Os passageiros que haviam descido do bonde espalhavam-se entre as lojas e ruas do bairro, enquanto artesões e vendedores montavam suas barraquinhas, e restaurantes e lojas abriam as portas. Optou-se por dirigir-se, então, para o Largo do Curvelo, onde encontra-se um centro de atendimento a visitantes com três funcionários, uma mulher e dois homens. O local chama atenção por ter as janelas gradeadas. Não se sabe, porém, se a instalação já apresentava as grades ou se estas foram instaladas junto com o centro de atendimento. Chegando lá, outro bonde passava seguindo para o Largo dos Guimarães, desta vez mais cheio, com pessoas que aparentavam ser visitantes. Enquanto aguardava a chegada do bonde em direção ao centro, por volta de 10h40min, já era possível notar um maior número de visitantes, em maioria aparentemente estrangeiros, percorrendo os arredores do Largo. Uma modesta fila começava a ser formada para tomar o bonde em direção ao centro. Assim, decidiu- se que este seria um momento propício para interagir. Perguntando a uma senhora se esta sabia que horas o bonde passaria, a mesma respondeu em tom levemente irritadiço: “Minha filha, deve aparecer já já... Mas tem que dar sorte, essa hora já tá lotado (sic)”. 55

Fato que constatou-se ao lançar o primeiro olhar para o bonde. O mesmo estava com os assentos cheios, não fazendo parada no Largo, dirigindo-se diretamente para o Centro do Rio de Janeiro. A senhora aconselhou então, que dirigisse-me ao Largo dos Guimarães, pois as chances de conseguir entrar no transporte eram mais altas. Aos poucos, a fila desfez-se, enquanto algumas pessoas dirigiam-se para a Rua Joaquim Murtinho, outras seguiram para o Largo de Guimarães. Chegando lá, notava-se o aumento do número de pessoas no bairro. A quietude não mais predominava, havia sido substituída pelo som das pessoas nas ruas, dos carros, ônibus e músicas que vinham de diversos ambientes, em uma atmosfera aparentemente harmônica. Tal percepção de atmosfera alterava-se no momento em que o bonde surgia no campo de visão daqueles que o aguardavam. Notava-se pessoas que poderiam ser consideradas tanto como visitantes, quanto como moradores. Alguns, alinharam- se em fila, conferindo para que sua posição não fosse tomada por outro, outros permaneceram amontoados displicentemente no Largo. Assim que os passageiros desceram do bonde, e os funcionários começaram a aprontá-lo para a viagem de volta, alguns já subiam em seus estribos, com a intenção de garantir o assento. Outros direcionavam-se diretamente aos bancos, virando o encosto por conta própria e sentando-se. Em poucos instantes todos encontravam-se sentados. Não houve portanto, a oportunidade de escolher um assento, ficou-se com aquele que se conquistou, por assim dizer. Ao direcionar o olhar para fora do transporte, notava-se que algumas pessoas haviam ficado de fora. Algumas continuaram a exibir olhares contemplativos, outras demonstravam irritação ao se comunicarem. Desta forma, o bonde seguiu em direção ao Centro da cidade. Desta vez, línguas como italiano, espanhol e inglês foram percebidas. Os passageiros observavam a paisagem, tiravam fotos e conversavam entre si. Mais uma vez, o bonde não fez parada no Largo do Curvelo. As pessoas que lá aguardavam, observavam enquanto viam o transporte passar. Ao chegar na parada chamada “Portinha”, os funcionários informavam que aquele era o acesso à Lapa. Apenas uma pessoa desceu, e o bonde seguiu pelos 56

Arcos, local em que os olhares, que já estavam voltados para fora, foram perpetuados pelas inúmeras fotografias tiradas pelos passageiros. Chegando na estação final, o motor foi desligado, o estribo posicionado e a barra de proteção retirada. Os três funcionários desceram no bonde junto de seus passageiros, e auxiliavam alguns a tirar fotos com o bonde, e outros a sair da estação. Decidiu-se então perguntar a um dos funcionários sobre o aumento da passagem. O senhor, amigavelmente responde: “Vai aumentar, mês que vem, já! Tem que aproveitar enquanto é de graça! (risos).” Ao ser questionado sobre a divisão entre moradores e visitantes na hora do embarque, o funcionário diz acreditar que haverá uma fila exclusiva para moradores, e que estes deverão pagar um preço mínimo. Completa, ainda, afirmando não saber exatamente como as mudanças vão ocorrer, uma vez que não foi informado oficialmente. Ao girar a catraca, em direção à saída da estação, via-se uma fila de aproximadamente vinte pessoas aguardando para utilizar o bonde. Percebiam-se diversas idades e idiomas, e aparentemente, a maioria encontrava-se ali a passeio. A partir do exposto, nota-se que a utilização dos bondes por parte dos visitantes, é possivelmente vista com certo incômodo por uma parcela de moradores de Santa Teresa. Vale destacar, no entanto, que não é possível afirmar como a atividade turística é percebida no bairro. Tal questão demanda um estudo específico. Sobressai portanto, o fato de que o bonde é protagonista em diversos pontos de vista: do morador que utiliza-o como meio de transporte diário, e disputa pelo seu acesso com os visitantes; da sociedade civil, que luta pela sua permanência; dos moradores que o consideram inadequado; dos comerciantes que contam com sua operação para a viabilização de seus negócios; do governo, que enxerga no meio de transporte uma oportunidade de arrecadação para o equilíbrio das contas públicas; dos funcionários, que têm no bonde uma forma de sustento; e do visitante, que o utiliza para acessar o bairro. Tais conflitos inserem o sistema de bondes em uma disputa de interesses. Sendo imprescindível, assim, que sua operação não prejudique a comunidade do bairro, que o significa de diversas maneiras. 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado expôs o caso do Sistema de Bondes de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Pode-se verificar que o sistema tombado como patrimônio cultural é uma marca registrada do bairro, sendo relevante, desta forma, a sua preservação. Primeiramente, porém, antes de ser considerado como patrimônio, constatou- se que os bondes figuram principalmente como um meio de transporte, que enquanto operavam de forma plena, aparentemente supriam as necessidades de mobilidade do bairro sendo esta, sua função existencial. Tal funcionalidade é aguardada por moradores que reivindicam o seu retorno. De acordo com os resultados obtidos, pode-se dizer que o bonde gera certa influência no sentido de coletividade do bairro, atuando como um transporte capaz de reunir a comunidade e contribuindo para que memórias coletivas sejam formadas. Em relação à sociedade civil e seu papel na preservação do bonde, pode-se notar que esta é uma das principais responsáveis na supervisão do sistema e de como este foi e é apropriado por diversos interesses ao longo dos anos. Supõe-se assim, que a sociedade civil (a qual reivindica a permanência dos bondes) é, em primeiro lugar, composta por moradores que enxergam no transporte valores afetivos e de identidade, e devido a isso, desejam sua permanência, tomando ações na esfera da cidadania. Em relação aos interesses por parte do governo, supõe-se que os bondes são enxergados prioritariamente como um atrativo turístico, ao passo em que ocorrem investimentos e ações que visam à sua apropriação por visitantes. Nota-se também, que além de transporte e patrimônio cultural, o bonde representa um chamariz de visitantes e turistas, que são levados pelo transporte para o bairro. Logo, vale ressaltar que o turista também tem espaço na questão dos bondes, que se mostra cada vez mais complexa com diversos atores enxergando no transporte uma significância diferente. Percebe-se assim, que há opiniões divergentes em relação ao transporte no bairro. Desta maneira, sugere-se que um levantamento das opiniões sobre o bonde seja realizada com os moradores. Outra sugestão é que seja realizado um 58 levantamento sobre a questão do uso turístico do bonde, e dos conflitos que geram- se a partir da atividade para os moradores, visitantes, comerciantes e gestores. Dificuldades foram encontradas para testar a hipótese, visto que os aspectos de desarmonia eram percebidos fortemente no decorrer do trabalho. Mesmo assim, pode-se constatar que o bonde é capaz de exercer influência na identidade do morador. Seja na esfera individual, ou na esfera coletiva, contribuindo para a integração da população do bairro.

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ANEXO A - MADRE JACINTA (1715-1768) FUNDADORA DO CONVENTO DAS CARMELITAS DE SANTA TERESA.

Fonte: Mosteiro de São José (2016)

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ANEXO B - ASPECTOS HISTÓRICOS DOS BONDES (SECTRAN).

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ANEXO C - EMPRESA DE CARRIS DE FERRO DE SANTA THEREZA.

Fonte: O Guia Legal (2016).

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ANEXO D - MATÉRIA DO JORNAL DO BRASIL (18/10/1980) - BOM COMBATE

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ANEXO E - MATÉRIA DE JORNAL [S.D.] - 87 ANOS DE HISTÓRIA NOS TRILHOS DO BONDE

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ANEXO F - PEDIDO DE TOMBAMENTO DOS BONDES DE SANTA TERESA (AMAST 1981).

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ANEXO G – ACIDENTE DO BONDE EM 27 DE AGOSTO DE 2011.

Fonte: Google imagens (2016).

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ANEXO H – OBRA DE TROCA DAS VIAS PERMANENTES E AÉREAS DO SISTEMA DE BONDES DE SANTA TERESA, UMA RETROSPECTIVA DE DESRESPEITO AOS DIREITOS DOS MORADORES DO BAIRRO (AMAST, 2014).

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ANEXO I – RELATO SOBRE O BONDE (MÁRIO BARATA).

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ANEXO J – ATELIÊ GETÚLIO DAMADO.

Fonte: Acervo pessoal (2016). 80