O Malandro No Cinema Brasileiro: a Representação Como Mediação Em Madame Satã1
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia - GO – 22 a 24/05/2019 O malandro no cinema brasileiro: A representação como mediação em Madame Satã1 Iago, PORFÍRIO2 Márcia Gomes, MARQUES3 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande – MS Resumo Este artigo apresenta uma reflexão quanto à representação da figura do malandro no cinema brasileiro, para compreender as representações do malandro em diferentes momentos do cinema. Nesse sentido, são selecionamos os filmes Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos, Vai trabalhar, vagabundo (1973), de Hugo Carvana, e Ópera do malandro (1985), adaptação da obra homônima de Chico Buarque por Ruy Guerra, na base da análise e interpretação da representação mimética do malandro em Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz. A representação é compreendida a partir de sua matriz cultural e constituição do personagem, e elevada a um nível interpretativo de mediação do seu contexto sócio-histórico construção do personagem a partir do malandro-tipo, no sentido weberiano. Palavras-chave: Representação; Mimesis; Malandro; Cinema brasileiro; Madame Satã. Introdução Este artigo se debruça em compreender a representação da figura do malandro no cinema, tornando evidente o universo da malandragem enquanto processo de trocas simbólicas na constituição da personagem e o lugar histórico em que se constitui. Nesse sentido, a representação é entendida aqui como aspecto que propõe novos significados através da aproximação do real incorporado aos elementos miméticos, tensionando as instâncias ficcionais e possibilidades reais de existência. Dessa maneira, a representação mimética está na pêndulo das matrizes culturais e no processo de construção de sua personagem, o malandro-tipo, no 1 Trabalho apresentado na DT4 – Comunicação Audiovisual (GP Cinema) do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste, realizado de 22 a 24 de maio de 2019. 2 Autor do artigo. Jornalista e mestrando em Comunicação pelos Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGCOM/UFMS). A pesquisa tem apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Professora Dra. da UFMS. E-mail: [email protected]. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia - GO – 22 a 24/05/2019 sentido weberiano do tipo-ideal, que é “uma tentativa de apreender os indivíduos históricos ou seus diversos elementos em conceitos genéticos” (WEBER, 2006, p. 76). Ou seja, o malandro- tipo estaria condicionado a uma representação que demarcasse suas características histórico- sociais com relação à ginga, estratégias e táticas de sobrevivência inseridos na boêmia, nos jogos como saída para ganhar dinheiro fácil, na lábia ao aplicar o conto do vigário, o malandro lapeano (carioca) dos finais do século XIX. Nesses aspectos, para discutir essas questões, este artigo se estrutura por três caminhos de reflexão e interpretação. No primeiro deles, apresentamos alguns pressupostos teóricos quanto à representação e mimesis, para chegarmos ao fenômeno da representação mimética como mediação do malandro na sua compreensão de representante da nacionalidade, a partir do vórtice representativo entre seu contexto histórico e a constituição de sua personagem, com seus atributos, características e conjuntos de significados. No segundo momento, apresentamos abordagens da figura do malandro no cinema brasileiro, com destaque para o período da chanchada cinematográfica com foco para Grande Otelo que representou o papel de malandro em filmes desse período. Nessa perspectiva, destacamos os filmes Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos, Vai trabalhar, vagabundo (1973), de Hugo Carvana, e Ópera do malandro (1985), adaptação da obra homônima de Chico Buarque por Ruy Guerra, para pensar as diferentes formas de representação do malandro. Desse modo, o último ponto que pretendemos discutir reside em considerar o filme Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz para identificar momentos de representação mimética na personagem Madame Satã (Lázaro Ramos). No fio da representação mimética A dimensão da vida social é guiada por padrões de comportamento constituídos e organizados por algumas instituições sociais. Nesse sentido, os meios de comunicação têm tido papel principal na configuração de interpretações e reconhecimentos daquilo que é consumido e compartilhado de conteúdos simbólicos – que direcionam a diferentes maneiras de representar a realidade. Quando se considera a representação como aspecto que propõe novos significados através da aproximação do real incorporado aos elementos miméticos, superpõem- se as instâncias ficcionais e possibilidades reais de existência, e o seu ponto convergente é a representação tensionada pela mimesis. Pensando as relações entre representação e mimesis, Luiz Costa Lima (1981) faz uma divisão dos dois polos. Para Lima (1981), o fenômeno da representação é um sistema de 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia - GO – 22 a 24/05/2019 classificação, pois ocorre a partir de critérios classificatórios disponíveis, ou seja, os meios pelos quais são atribuídos significados a seres e objetos, tornando o mundo mais significativo e com mais elementos para leitura da realidade. Desse modo, as classificações – atualizadas através das representações e funcionando como espécie de grille, de acordo com o autor –, trazem uma orientação iminente sobre o mundo. Assim, os aspectos da representação concernem a maneira pela qual são organizadas as redes de classificações (grilles) e as molduras de convenções (frames), e dão forma ao modo como se processam as interações humanas. O processo de representação está no pêndulo da construção do simbólico e atribuição de um novo sentido a determinado objeto. Para Moscovici (2003), surge para tornar familiar algo não familiar. Os meios de comunicação de massa – aqueles produzidos em grandes escalas pelo capitalismo informacional a partir do século XX para atingir um número significativo de pessoas – está em permanente organização e construção da realidade social – e incluímos o cinema nessa perspectiva. Dessa maneira, o cinema opera como uma representação cujas imagens estão em constante movimento para criar o efeito de realidade. Esta concepção já era trabalhada na teoria realista do cinema na década de 1950 em André Bazin, que procurou discutir a conservação natural e essencial da realidade representada com os pressupostos do realismo cinematográfico, com base na franca representação da real. A observação é pertinente, pois trata-se da discussão de uma realidade em movimento que foi construída através de outras imagens elaboradas a partir da realidade propriamente dita. “A realidade da coisa transfere-se para a imagem (este é o modelo) e, na reprodução, dada a impassividade da câmera, esta imagem é oferecida livre de preconceitos” (XAVIER, 2005, p. 82), resultando em um objeto puro, que revela aquilo que pressupõe a sua essência4. A representação mimética fornece visões diferentes e complementares quanto à representação da representação. Precisamente, isto se estabelece com a não completude da equivalência da verossimilhança ao identificar uma aproximação e diferença entre a realidade representada e a maneira como ocorre a mise-en-scène. A encenação e personificação a partir das convenções cinematográficas de fatores que caracterizam o protótipo do malandro-tipo ideal. 4 Este aspecto é o polo da problemática do efeito de realidade na representação: a questão da ideologia. Em Cinema e ideologia, Jean-Patrck Lebel (1972) ressalta que nesse sentido o processo cinematográfico de acumulação de diferentes elementos que constituirão a significação de um filme (montagem, adaptação, roteiro, etc.), é uma produção ideológica. Nosso interesse, portanto, está nas implicações e capacidade de criar um universo ficcional que organize o real na perspectiva de produzir seu efeito de realidade, isto é, a representação mimética. 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia - GO – 22 a 24/05/2019 Para Lima (2003), a mimesis, em sua concepção grega, é atrelada a uma relação entre linguagem e realidade como ação imitativa. Vista em si mesma, a mimesis não tem um referente como guia, é ao contrário uma produção, análoga à da natureza (o limite aristotélico da metáfora orgânica). Não sendo o homólogo de algum referente, tanto ao ser criada, quanto ao ser recebida, ela o em função de um estoque prévio de conhecimentos que orientam sua feitura e sua recepção [...]5” (LIMA, 2003, p. 70). Enquanto a mimesis, segundo o autor, opera como a representação de representações, o que significa que, enquanto encenação representacional do sujeito, ela enuncia condições, a priori, de conhecer e questionar o que é representado, a identificação com a encenação das ações. A partir da experiência mimética, é possível reconhecer uma semelhança que pode não pertencer à essência daquilo que é representado. Nesse aspecto, de acordo com Lima (1981), o modo de atribuir significados aos outros se constitui por parâmetros de classificação que resulta em uma quebra de harmonia da