Glauber Rocha, Hélio Oiticica E Tropicália
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Bruna Machado Ferreira INVENÇÃO EM TRÂNSITO/TRANSE: GLAUBER ROCHA, HÉLIO OITICICA E TROPICÁLIA Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área de concentração em Literaturas, linha de pesquisa Arquivo, Tempo, Imagem, para a obtenção do Grau de Mestre em Literatura. Orientador: Prof. Dr. Jair Tadeu da Fonseca. Florianópolis, 2013 Ao Bacaninha, porque o afeto maior é sobretudo irracional. Aos meus pais, Marlene e Juscelino, pela desconstrução do amor. AGRADECIMENTOS Ao prof. Jair Tadeu da Fonseca, pela orientação livre e compreensão. Ao prof. Mauro Pommer, por ter aceitado o convite para participar da banca. Ao prof. Luiz Felipe Guimaraes Soares, pelas críticas e sugestões ao trabalho desde a qualificação. Ao Curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina, ao corpo docente e servidores. A CAPES/REUNI, pelo apoio financeiro. A Flávia Cera e Alexandre Nodari: a Flávia, pelos caminhos apontados na qualificação, a ambos, pela imensa generosidade acadêmica e paciência. A Victor da Rosa, pelas leituras críticas incentivadoras e intensa amizade. A Artur de Vargas Giorgi, pelo breve gesto da (não) teorização afetiva do exílio. Aos demais amigos e colegas, pela possibilidade do encontro. A política e a poesia são demais para um só homem. (SARA, personagem de Terra em Transe) RESUMO Terra em Transe, Tropicália. É já conhecida a relação criadora, propulsora entre o filme e a canção. Em retrospectivas tropicalistas, é oficial esta associação: o longa-metragem de Glauber Rocha – a música que desencadeou o tropicalismo – a instalação de Hélio Oiticica - a montagem do texto de Oswald de Andrade, O Rei da Vela, pelo teatro Oficina. Pretendemos aqui, além desse reconhecimento, compreender de que forma a obra cinematográfica de Glauber Rocha e a cena, o momento, o comportamento tropicalista, em alguns de seus aspectos, abrem pontos de aproximação e distanciamento, (des)encontram-se. Propomos, para isso, algumas leituras que partem primeiramente da análise de Terra em Transe, filme de 1967; seu impacto, fissura aberta em contexto, cenário cultural/estético/político, e dentro do próprio cinema do diretor; sua relação com os desdobramentos do conceito Tropicália, de Hélio Oiticica, vinculados às ideias políticas em torno da construção/arquitetura de Brasília, que desembocam na letra da composição de Caetano Veloso. Em um segundo momento do trabalho, é a análise mais detida de Deus e o Diabo na Terra do Sol (longa- metragem de Glauber, de 1964) que abre uma série de diálogos – em transe pela terra - com os processos de criação-invenção de Hélio Oiticica: os Penetráveis (marcadamente os de sua Tropicália); os Bólides (a proposição de obra aberta no Contra-Bólide N°1 Devolver a terra à Terra, e o “momento ético” no Bólide B33 Caixa 18 Homenagem a Cara de Cavalo); o Parangolé. É este que, através da dança, leva/conduz ao corpo, como elemento de desestruturação da linguagem cinematográfica, da música popular brasileira, e dos parâmetros estabelecidos do que seja arte. Nesses exercícios de aproximação e distanciamento, muitas vezes, o que entendemos por “teoria” sobressai dos escritos, críticas, pensamentos dos próprios criadores, colocados em (des)espelhamento no processo de apagamento das fronteiras entre vivência do cotidiano/criação artística, vida/obra. Palavras-chave: Glauber Rocha. Hélio Oiticica. Tropicália. ABSTRACT Terra em Transe (Earth Entranced), Tropicália. It's already known about the creative and propulsive relation between movie and song. In tropicalista retrospectives, this association is official: Glauber Rocha's movie – music that triggered tropicalismo – Hélio Oiticica's environmental project - Oswald de Andrade's play, O Rei da Vela, staged by Oficina theater. We intend here, beyond this recognition, understanding how Glauber Rocha's film work and the tropicalista scene, moment, behavior, in some of its aspects, open approach and detachment points. We propose to do so, leaving some reading first analysis Terra em Transe (Earth Entranced), 1967 film, its impact, rift in context, in the cultural/aesthetic/political landscape, and inside own director's cinema; its relation to the developments of Hélio Oiticica's concept, Tropicalia, linked to political ideas around Brasilia's building/architecture, which end in the Caetano Veloso's lyrics of Tropicália song. In a second part of this work, it's the more detailed analysis of Deus e o Diabo na Terra do Sol (Black God and White Devil, movie by Glauber, 1964) that opens a series of dialogues – entranced by the land - with Helio Oiticica's processes of creation-invention: the Penetrables (especially those of his Tropicalia); the Bolides (the “program-work in progress” in Counter-Bolide N°1 Returning the soil to the land, and the “ethical moment” in Bolide-Box B33 18 Homage to Cara de Cavalo); the Parangole. This last one, through dance, leads to the body as an element of disruption of cinematic language, Brazilian popular music, and the established parameters of what constitutes art. In these exercises of approximation and distancing often what we mean by “theory” emerges from the writings, criticisms, thoughts of the creators themselves, put on (dis)mirroring in the process of erasing the borders between everyday experience/artistic creation, life/works. Keywords: Glauber Rocha. Hélio Oiticica. Tropicália. SUMÁRIO “PORQUE NÃO?” .......................................................................... 11 TERRA EM TRANSE COMO BARRAVENTO ............................ 15 ELDORADO (EN)CENA ................................................................ 29 BRASIL(IA) – TROPICAL(IA) ..................................................... 47 A LETRA TROPICÁLIA ................................................................ 63 NA TERRA-TRÓPICO SOL ........................................................... 103 TRANSE EM TERRA ...................................................................... 125 DO “UNDERGROUND DA AMÉRICA LATINA” PARA “O MUNDO MAIOR DO QUE SE PENSA”........................................ 147 IN(CORPO)R(AÇÃO) ..................................................................... 171 REFERÊNCIAS ................................................................................ 211 10 11 “POR QUE NÃO?” A curiosidade, o lado onívoro. É por isso que eu tenho esses dentes, é por isso que eu como os mais heteróclitos e bizarros materiais e tento fundi-los no meu crisol e isso dá propulsão. Recordar não é viver. (Waly Salomão) Terra em Transe, Tropicália. É já conhecida a relação criadora, propulsora entre o filme e a canção. Em retrospectivas tropicalistas, é oficial a associação: o longa-metragem de Glauber Rocha – a música que desencadeou o tropicalismo1 – a instalação de Hélio Oiticica - a montagem do texto de Oswald de Andrade, O Rei da Vela, pelo teatro Oficina. Entretanto, nesse reconhecimento, pouco se especulou sobre as várias relações (estéticas, históricas, teóricas, políticas), possibilidades criativas, (des)associações entre essas respectivas criações. Pretendemos aqui, além desse reconhecimento, compreender de que forma a obra cinematográfica de Glauber Rocha (não apenas Terra em Transe, imediatamente associável à Tropicália, mas também alguns de seus outros filmes, como Câncer, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, A Idade da Terra, e principalmente Deus e o Diabo na Terra do Sol, em análise mais detida), a canção e música do tropicalismo (a Tropicália de Caetano Veloso, algumas de seu período no exílio, e outras composições), e a cena, o momento, o comportamento tropicalista – e seu contexto -, em alguns de seus aspectos, relacionam-se, interpenetram-se; ou seja, abrem pontos de aproximação e distanciamento, (des)encontram-se. Compreender esse instante - como pretendia a autodefinição do poeta Waly Salomão em seu Contradiscurso2 _ como míssil, e não como fóssil. Em retrospectiva, uma 1 Aqui o termo “tropicalismo” refere-se ao movimento musical. Passaremos mais adiante pela discussão entre o que cada sufixo – ismo e ália - pode implicar. 2 Em sua fala no evento promovido pelo Itaú Cultural, Anos 70 – Trajetórias, posteriormente transformada no texto Contradiscurso: do cultivo de uma dicção da diferença, Waly afirma, em relação à ideia de “engessamento” 12 prospecção. Que (im)possibilidades ainda cabem na ália do conceito de Hélio Oiticica, que continua a propor o diverso, o plural, as “polinizações cruzadas”3, em passados – presentes – futuros, não lineares, mas em constelação temporal? A própria antropofagia, perspectiva modernista reincorporada nessa cena, sugere a não linearidade, não cronologia – devorar no presente o passado, transformando em futuro (im)possível. Nessa abordagem do que, de certa forma, já está oficializado/institucionalizado como marco e matriz tropicalista, há uma tentativa, desejo, busca de abertura para o novo, lampejos de um instante que não se pretende engessar, fossilizar. Propomos, então, algumas tentativas de leitura que partem primeiramente da análise de Terra em Transe, filme de 1967; seu impacto, fissura aberta em contexto, cenário cultural/estético/político, e dentro do próprio cinema do diretor; sua relação com os desdobramentos do conceito Tropicália, de Hélio Oiticica, vinculados às ideias políticas em torno da construção/arquitetura de Brasília, que desembocam na letra da composição de Caetano Veloso (do álbum Caetano Veloso, de 1968). Em um segundo momento do trabalho, é a análise mais detida do segundo longa-metragem