Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos

Discursos do Museu da Língua Portuguesa: uma língua em movimento nas práticas culturais brasileiras

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo 2019

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos

Discursos do Museu da Língua Portuguesa: uma língua em movimento nas práticas culturais brasileiras

Doutorado em Ciências Sociais

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a

a a orientação da Prof. Dr . – Rosemary Segurado.

São Paulo 2019

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Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos

Discursos do Museu da Língua Portuguesa: uma língua em movimento nas práticas culturais brasileiras

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a

a a orientação da Prof. Dr . – Rosemary Segurado.

Aprovado em: 04/04/2019

BANCA EXAMINADORA

______Dr. NOME COMPLETO

______Dr. NOME COMPLETO

______Dr. NOME COMPLETO

______Dr. NOME COMPLETO

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DEDICATÓRIA

Dedico esta pesquisa a minha mãe Izabel, minhas irmãs Madalena e Izabel Cristina, meus cunhados Ademir e Rafael e aos meus sobrinhos Joseph e Izabela Sophia.

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O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Número do processo: 88887152339/2017-00

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AGRADECIMENTO

Agradeço a minha orientadora Rosemary Segurado pelas indicações bibliográficas, em especial, por me apresentar a perspectiva do discurso a partir do aporte teórico de Michel Focault. Ao professor Miguel Chaia pela orientação inicial desta pesquisa e aos professores Ronaldo Gomes Neves, Silma Ramos Coimbra Mendes, Jacqueline Moraes Teixeira, Renata Sieiro Fernandes, Thiago Prada, Vitor Teixeira; cada um destes pesquisadores, a partir de suas especializações acadêmicas foram importantes interlocutores. Agradeço aos meus amigos Adriana Mendes, Ana Clara Mascarenhas, André Bispo, Bárbara Esmenia, Juliana Salles, Leandro Belini, Luana Maria de Andrade, Luísa Barcelli, Marcos Paulo Amorim dos Santos, Renato Yamaguhi e Yan Rocha, bem como a todos educadores do Museu da Língua Portuguesa e da Pinacoteca de São Paulo que estiveram dia a dia ao meu lado. À coordenadora do educativo do Museu da Língua Portuguesa, Marina Toledo e às atuais coordenadoras da Pinacoteca de São Paulo, Gabriela Aidar e Mila Chiovatto. Também agradeço a minha terapeuta Ana Maria Parri Fatte e ao meu namorado Adilson Augusto de Andrade Júnior, cuja companhia na leitura de Ordem do Discurso de Michel Foucault animou-me a prosseguir nesta jornada. Obrigada à Deus cuja existência misteriosa sempre se fez presente por todos aqueles que colocou em meu caminho, a ponto de que eu chegasse até aqui.

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EPÍGRAFE

“ardeu

ardeu-me a língua em que chamas portuguesas [...] grita tupi grita que quer viva em falar-vocal mas qu’assassinada em palavras portuguesas agora quer mais que chama agora quer mais que arde” (CURARE BORDUNA, 2016)

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RESUMO

Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos. Discursos do Museu da Língua Portuguesa: uma língua em movimento nas práticas culturais brasileiras

Esta pesquisa teve como objetivo refletir os posicionamentos discursivos do Museu da Língua Portuguesa como política de patrimônio imaterial. A partir da análise descritiva de onze vídeos temáticos localizados na instalação da Grande Galeria, segundo andar deste museu buscou-se evidenciar o que era excessivamente visto e silenciado, dito e negado sobre as práticas linguísticas e culturais vividas no território brasileiro. Com base neste recorte verificamos como a opção por determinados enunciados colocava em jogo uma política de verdade, isto é, uma forma de ver a língua portuguesa como expressão da cultura brasileira. Os procedimentos de pesquisa amparam-se nas ferramentas analíticas de Michel Foucault.

PALAVRAS CHAVES: Discurso, Museu, Língua Portuguesa, Patrimônio Imaterial.

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ABSTRACT

Wilmihara Benevides da Silva Alves dos Santos. Discourses of the Museum of the Portuguese Language: a language in movement in Brazilian cultural practices

This research had as objective to reflect the discursive positions of the Museum of the Portuguese Language as intangible heritage policy. From the descriptive analysis of eleven thematic videos located at the Grande Galeria on second floor of this museum sought to highlight what was excessively seen and silenced, said and denied about the linguistic and cultural practices lived in the Brazilian territory. Based on this framework, we see how the option for certain statements puts a policy of truth into play, that is, a way of seeing Portuguese as an expression of Brazilian culture. The research procedures are based on Michel Foucault's analytical tools.

KEY WORDS: Discourse, Museum, Portuguese Language, Intangible Heritage

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REFERÊNCIAS DAS IMAGENS

Figura 1: Texto retiado do site do Museu da Língua Portuguesa (MLP) em 2014.....p.17 Figura 2: Texto retirado do site do MLP em 2018...... p.18 Figura 3: Fachada da Estação da Luz...... p.25 Figura 4: Delimitação urbana para práticas de revitalização...... p.26 Figura 5: Mapa do bairro Luz/Bom Retiro...... p.28 Figura 6: Fotografia de imigrantes japoneses no trem da São Paulo Railway...... p.28 Figura 7: Vista panorâmica da Estação da Luz...... p.30 Figura 8: Sobre os bens tombados pelo CONDEPHAAT...... p.32 Figura 9: Vista Panorâmica Estação da Luz e Pinacoteca de São Paulo...... p.33 Figura 10: Gráfico com dados do aumento de arrecadação de impostos em 2007.....p.34 Figura 11: Sinalização dos Museus na Cidade de São Paulo no Google Maps...... p.35 Figura 12: Entrada do Museu Guggenheim em Bilbao...... p.36 Figura 13: Entrada do Museu do Amanhã...... p.36 Figura 14: Localização da Pedra do Sal, Cais do Valongo e Instituto de Pesquisas e Memória Pretos Novos...... p.37 Figura 15: Carlos Tramontina com imagem da Estação da Luz ao fundo...... p.38 Figura 16: Anúncio de propagandas sobre espaços turísticos em São Paulo, nas linhas de metrô de São Paulo...... p.39 Figura 17: Entrada do MLP com foco na Bilheteria do museu...... p.39 Figura18: Símbolo da SPR nas quinas da Estação da Luz...... p.40 Figura 19: Campanha sobre o restauro das cidades históricas da FRM...... p.43 Figura 20: FRM e o papel da educação em museus...... p.44 Figura 21: Imagem ilustrativa de uma visita ao museu...... p.48 Figura 22 e 23: Instalação Árvore das Palavras...... p.56 e 57 Figura 24: Perspectiva de entrada e saída do segundo andar do MLP...... p.57 Figura 25: Instalação Grande Galeria...... p.58 Figura 26 e 27: Instalação Palavras Cruzadas...... p.59 e 60 Figura 28: Instalação da Linha do Tempo...... p.61 Figura 29: Sinalização do incêndio no prédio da Estação da Luz em 21/12/2015. ...p.64 Figura 30: Vista Panorâmica da destruição na Estação da Luz...... p.64 Figura 31: Atividades desenvolvidas no saguão da Estação da Luz...... p.65

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Figura 32: Sobre a exposição “Língua Portuguesa em nós”...... p.66 Figura 33: Posição discursiva sobre a construção do novo MLP...... p.67 Figura 34: Reportagem sobre Festa de São João na cidade de Campina Grande...... p.71 Figura 35: Videoclipe de ...... p.80 Figura 36: Entrevista com Caetano Veloso...... p.81 Figura 37: Entrevista com repentista Oliveira de Panelas...... p.81 Figura 38: Entrevista com ...... p.81 Figura 39: O uso de palavras no diminutivo...... p.82 Figura 40: Senhora abre a porta de sua casa para receber jornalistas...... p.83 Figura 41-43: Entrevista com senhora que conhecia Juscelino Kubitschek...... p.84 e 85 Figura 44: Interior de Kitnetes e apartamentos...... p.85 Figura 45: Entrada da delegação brasileira na cerimônia de abertura dos jogos Olimpicos no Brasil em 2016...... p.86 Figura 46: Comemorações de jogo de futebol e venda de produtos por feirantes...... p.87 Figura 47: Arqueólogo Claudio Torres...... p.88 Figura 48: Historiador Jorge Couto...... p.88 Figura 49: Linguista Ivo Castro...... p.89 Figura 50: Indígena Anacleto Alves...... p.89 Figura 51: DJ Marlboro...... p.90 Figura 52: Sepultura e Xavantes em videoclipe...... p.91 Figura 53: Trecho de carta de Pero Vaz de Caminha...... p.92 Figura 54: Música Luar com voz de Luíz Gonzaga e Maria Bethania...... p.92 Figura 55: Finalização do filme Festa...... p.93 Figura 56: Procissão de Círio de Nazaré...... p.94 Figura 57: Oração de peão boiadeiro...... p.95 Figura 58: Transporte de pessoas em caminhão conhecido como Pau de Arara...... p.95 Figura 59: Entrada de padres católicos na Igreja para celebração da missa...... p.96 Figura 60: Pagador de promessas e benzedeira...... p.96 Figura 61: Criança em oração...... p.96 Figura 62: Festa de São Gonçalo Amarante...... p.97 Figura 63: Manifestação de fé religiosa católica...... p.97 Figura 64: O cumprimento de uma mão de santo ...... p.98 Figura 65 a 66: Oferendas para festa de Iemanjá...... p.99 Figura 67: Objetos representativos de diferentes práticas religiosas...... p.100

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Figura 68 e 69: Trecho do filme Alô Amigos...... p.101 Figura 70: Queda d´água de uma cachoeira...... p.102 Figura 71: Propagada do Brasil nas Embaixadas e Consulados brasileiros...... p.102 Figura 72: Imagens de rios...... p.103 Figura 73: Cena do filme Alô Amigos...... p.103 Figura 74: Contorno da Baia de Guanabara com palavras...... p.103 Figura 75: Vista panorâmica da Enseada de Botafogo por Marc Ferrez...... p.103 Figura 76: Baia do Rio de Janeiro com o Pão de Açúcar por Friedrich Hagedon....p.104 Figura 77: Vista do Pão de Açúcar por Charles Landseer...... p.104 Figura 78: Propaganda Turistica sobre o Brasil...... p.105 Figura 79: Trecho do filme Alô, Amigos...... p.105 Figura 80: Praça da Língua...... p.106 Figura 81: Obra de arte Musa Paradisíaca de Rosana Paulino...... p.107 Figura 82e 83: Cenas do filme Alô, Amigos...... p.107 e 108 Figura 84: Registro fotográfico do vídeo Danças...... p.109 Figura 85 e 86: Cenas de danças e imagem com explosão de fogos de artifício...... p.110 Figura 87 e 88: Desfile de escolas de samba de carnaval...... p.111 Figura 89: Gráfico sobre causas de óbitos segundo raça/cor...... p.112 Figura 90: Cenas de carnaval de rua em branco e preto...... p.112 Figura 91: Cena de carnaval de rua colorido...... p.113 Figura 92: Gráficos sobre o aumento de assassinatos de travestis e transexuais...... p.114 Figura 93 e 94: Cenas do Maracatu de Impulsão...... p.115 Figura 95 e 97: Cenas do Maracatu de Impulsão...... p.116 Figura 98 e 99: Festa do Bumba Meu Boi...... p.117 Figura 100: Trio elétrico com cantoras brasileiras...... p.118 Figura 101: Bandeiras da escola de samba do Rio de Janeiro...... p.118 Figura 102: Paisagens de lugares turísticos no Brasil...... p.120 Figura 103: Comemorações esportistas...... p.120 Figura 104: Explosão de fogos de artifícios em Copacabana...... p.121 Figura 105: Igrejas católicas em diferentes regiões do Brasil...... p.121 Figura 106: Montagem de cena entre jogadores e pessoas que dançam...... p.122 Figura 107: Recorte de cenas de novelas da Rede Globo...... p.122 Figura 108: Imagens do vídeo Cotidiano...... p.122 Figura 109: Palavra Choppe...... p.123

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Figura 110: Mapa do Brasil com palavras de origem africana...... p.123 Figura 111: Cenas sobre receitas de origem italiana...... p.124 Figura 112: Cenas com nomes de ingredientes de origem na culinária indígena.....p.124 Figura 113 e 114: Manifestação de fé religiosa...... p.125 Figura 115: Palavras que nomeiam as diferentes formas de fazer arroz...... p.126 Figura 116: Preparação de uma feijoada...... p.126 Figura 117: Pessoas sentadas à mesa em diferentes lugares...... p.126 Figura 118: Ilustração das palavras: Mistura e Samba Rock...... p.127 Figura 119: Desfile de Carnaval...... p.127 Figura 120: Desfile de Carnaval, com destaque para sambista japonesa...... p.128 Figura 121: Palavras com referencias ao campo do Carnaval...... p.128 Figura 122: Danças...... p.129 Figura 123: Mestre Candeia...... p.129 Figura 124: Palavras: Rap, Repente, Embolada...... p.130 Figura 125: Palavras: Sagrado, Pagão, Drag Queen e Chimarão...... p.130 Figura 126: Ivo Castro...... p.131 Figura 127: Palavras do campo do carnaval...... p.135 Figura 128: Imagem de palavras que contornam um corpo humano...... p.135 Figura 129: Relato de caça de Sertanejo...... p.136 Figura 130: Relato de Senhora Ribeirinha...... p.137 Figura 131: Diferentes formas de falar um mesmo assunto...... p.137 Figura 132: Diferentes formas de nomear uma festa...... p.138 Figura 133: Diferentes palavras que são ouvidas numa festa de boiadeiro...... p.139 Figura 134/35: Senhor, morador da zona rural...... p.139 e 140 Figura 136/37: Dona Tina, Senhora moradora da zona rural...... p.140 e 141 Figura 138: Diferenças do Português do Brasil e Portugal...... p.143 Figura 139: Português Popular, Culto e expressões nordestinas...... p.144 Figura 140: Cursos oferecidos no MLP...... p.154 Figura 141: Mapa Terras Brasilis...... p.155 Figura 142: Algumas palavras africanas que foram incorporadas ao português...... p.157 Figura 143: Palavras que tem origem no latim...... p.161 Figura 144: Palavras com origem nas línguas indo-europeias...... p.161 Figura 145: Algumas palavras do português que foram incorporadas nas línguas africanas...... p.162

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Figura 146: Etnias Benguelas...... p.162 Figura 147: Vitrine referente a cultura do inglês e francês...... p.164 Figura 148 a 149: Vitrine das línguas indígenas hoje...... p.164 Figura 150 a 152: Buzina Marubo e objetos de diferentes grupos ameríndios...... p.165 Figura 153: A Betinga na vitrine e no uso de uma mulher Yanomami...... p166 Figura 154: Legenda dos objetos das línguas Bantu (Quicongo, Umbundo e Quimbundo)...... p.166 Figura 155: Irukerê e vitrine de objetos referentes ao grupo linguístico Bantu...... p.167 Figura 156 e 157: Cetro e duas estatuetas...... p.167 Figura 158: Objetos com referência nas línguas Iorubá e Evé-Fon...... p.168 Figura 159: Palavras Cruzadas...... p.168 Figura 160: Uso da máscara Geledés...... p.169 Figura 161: Jovem segurando um Ibeji e com pano sobre a cintura...... p.169 Figura 162: Palavras Cruzadas e Grande Galeria...... p.170 Figura 163: Texto alusivo ao pioneirismo do MLP...... p.175

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LISTA DE ABREVIATURAS

CF – Constituição Federal de 1988

CNRC - Centro Nacional de Referência Cultural

CONCRESP - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.

CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico.

CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo

FRM – Fundação

ICOM – International Council of Museums (Conselho Internacional de Museus).

INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística

INRC - Inventário Nacional de Referências Culturais

IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MLP – Museu da Língua Portuguesa

PCI – Patrimônio Cultural Imaterial

PCH - Programa Integrado de Recuperação das Cidades Históricas

PNPI - Programa Nacional do Patrimônio Imaterial

SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SPR - São Paulo Railway

UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 17

1. MUSEUS E POLÍTICAS PATRIMONIAIS: TRAJETÓRIAS DESCONTÍNUAS...... 25

1.1. Os interlocutores das políticas culturais no território da Luz e Bom Retiro ...... 25

1.2. A linguagem política dos espaços museais ...... 45

1.3. A celebração da diversidade e o direito à diferença ...... 67

2. O CORPO DA PALAVRA NO ATO DE LER ...... 78

2.1. O comportamento que as palavras dizem em língua portuguesa ...... 80

2.2. Visibilidade e silenciamento das práticas comunicadas em português...... 94

2.3. Paraíso Tropical e seus bastidores: disputas de enquadramento ...... 100

2.4. Efeitos discursivos para uma unidade brasileira ...... 120

2.5. O desenho da oralidade na sociedade da escrita ...... 135

3. CORPOS CIRCUNSCRITOS PELA EXPERIÊNCIA E AFETO ...... 147

3.1. O jogo de posições no espaço expositivo ...... 147

3.2. A experiência com a palavra na relação com a cultura...... 151

3.3. Para uma leitura sobre o contato entre grupos linguísticos ...... 153

3.4. Os limites da língua em dar forma ao mundo ...... 159

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 176

ANEXOS 1...... 191

ANEXO 2...... 191

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve início quando eu era educadora do Museu da Língua Portuguesa (MLP). A elaboração de visitas temáticas, proposição de jogos educativos, organização de cursos para professores, preparação de educadores para exposição itinerante Estação da Nossa Língua na cidade de Registro e Sorocaba; e o desenvolvimento de projetos com o objetivo de aproximar grupos em vulnerabilidade social do espaço expositivo deste museu inspirou-me nesta escrita. Por meio dela, a experiência de nove anos na ação educativa do MLP foi o estímulo para reinventar esse espaço a partir de um olhar crítico. Esta pesquisa propõe a análise de onze vídeos temáticos localizados na instalação da Grande Galeria, no segundo andar do MLP. Esta instalação dedicava-se à visualidade de diferentes práticas culturais construídas por brasileiros, mas que passaram a ser consideradas como uma forma de ver a História da língua portuguesa no Brasil. A inauguração deste museu ocorreu na parte superior da Estação da Luz em 20 de março de 2006. Houve diferentes projetos com o objetivo de ocupar este espaço. O projeto Estação Luz da Nossa Língua da Fundação Roberto Marinho (FRM) foi escolhido, porém na sua inauguração um novo nome foi apresentado, Museu da Língua Portuguesa, o primeiro museu da FRM. Não se encontra o motivo da mudança do nome do projeto inicial. Em 2014, na primeira página do site deste museu, deparamo-nos com um posicionamento que dialoga com a política de Patrimônio Imaterial, apresentamos abaixo:

Figura 1: Texto retirado da primeira página do site do MLP Fonte: Site do MLP, em 2014

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A atualização do site deste museu não modificou a forma de ver a língua portuguesa como patrimônio imaterial, assim como é possível visualizar na imagem abaixo.

Figura 2: Texto retirado do site do MLP sobre a característica deste museu Fonte: http://museudalinguaportuguesa.org.br/o-museu/

A política de patrimônio cultural brasileiro incluiu a categoria imaterial na Constituição Federal de 1988, no artigo 216. De acordo com o presente artigo define-se como:

[...] patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (BRASIL, 1988, p.134).

O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), criado em 04 de outubro de 2000, a partir da referência da Constituição Brasileira de 1988, inseriu o registro e salvaguarda dos bens culturais imateriais para sua continuidade, manutenção e valorização. Com este registro, os bens culturais de natureza imaterial como danças, festas, ritos, ofícios, determinados saberes, fazeres e locais de referência cultural recebem o título de Patrimonio Cultural do Brasil, uma forma de gerar a identificação, reconhecimento, registro etnográfico e a divulgação destas práticas.

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A ampliação do patrimônio cultural brasileiro favoreceu reconhecer bens culturais das matrizes ameríndias e afro-brasileiras, até então não contemplados nesta política, por exemplo: a Arte Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica dos índios Wajãpi; Cachoeira de Iauaretê: lugar sagrado dos povos ameríndios do Rio Uaupé e do Rio Papuri; Sistema agrícola tradicional do Rio Negro; Ritual Yaokwa do povo indígena Enawene Nawe; Saberes e práticas associados ao modo de fazer bonecas karajá; Ritxòkò: expressão artística e cosmológica do povo Karajá; Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão; Samba de Roda do Recôncavo Baiano; Modo de fazer Viola de Cocho; Ofício das baianas de Acarajé; Jongo do Sudeste Paulista; Feira de Caruaru; Frevo; Tambor de Crioula; Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido- Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo; Modo artesanal de fazer Queijo de Minas nas regiões do Serro e da Serra da Canastra e Serra do Salitre; Ofício das Paneleiras de Goiabeiras; Roda de Capoeira; Ofício do Mestre de Capoeira; entre outros. A comunidade detentora de cada prática cultural é responsável pela anuência de quais bens são representativos da sua história. De acordo com CORÁ (2014), essa seria a característica inovadora do PNPI ao gerar a participação dos detentores dos bens culturais na construção desta política.1 Uma das formas de proporcionar as condições de produção destas práticas culturais é assegurar os territórios em que elas acontecem. O artigo 68 da CF reconhece a propriedade de terra às comunidades remanescentes de quilombos que a ocupa e no artigo 231 da CF diz: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1988, p. 178).

Consequentemente, a preservação do território assegura as línguas e dialetos que nele são vividos, uma vez que toda [...] língua contém nela todo o território onde é falada, na medida em que classifica, nomeia, descreve, avalia, hierarquiza e dá sentido a tudo que nele existe. [...] As línguas não só comunicam informações [...] realizam toda uma série de práticas sociais, construindo discursos que estabelecem vínculos sociais, ritualizam, contam histórias, cantam, brigam, amam e contribuem para criar comunidades que se formam justamente com essas afinidades. (FREIRE, 2016, p.363)

1 A importância da participação da população na elaboração de políticas públicas também teve relevância com a construção do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, lei Estadual n. 5.466 de 24 de dezembro de 1986.

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O Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), decreto federal 7. 387 de dezembro de 2010 foi criado para reconhecer e valorizar as línguas das diferentes etnias e grupos sociais que compõem a sociedade brasileira. Nesta política foram inclusas as línguas Indígenas, de Imigração, das comunidades Afro-Brasileiras, de Sinais, Crioulas e a Lingua Portuguesa com suas variações dialetais.2 Estas práticas políticas favorecem divulgar a perspectiva cultural destas línguas, em especial, na relação com a língua portuguesa. Uma das questões paradoxais é a defasagem que existe entre, de um lado, a importância dessa diversidade para o patrimônio histórico do país e, de outro, a sua representação na memória coletiva. Essas línguas foram não só silenciadas, como também a memória sobre elas foi apagada, deixou de circular, ficou ausente nos currículos escolares e na mídia. (FREIRE, 2016, p.386).

Pode-se dizer que houve certo deslocamento do Estado nacional brasileiro que até então vinculava o território e a nação brasileira ao idioma português. De acordo com FREIRE, “O Estado nacional, depois de um longo debate com o movimento indígena e seus aliados, revelou vontade política de reconhecer e valorizar as linguas e culturas indígenas. ” (2016, p.379). Como fortalecimento destas ações em disputa por legitimidade, houve a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura afro-brasileira e indígena nas escolas pela lei 10.639-03 e 11.645-08; bem como, a introdução da política de ações afirmativas nas universidades brasileiras em 2002. O conjunto destes novos instrumentos jurídicos possibilitaram fortalecer o enfrentamento das práticas de epistemicídeo (CARNEIRO: 2005; SANTOS: 2009;), isto é, o apagamento dos saberes de matrizes africanas e ameríndias na história brasileira. Uma das práticas da colonização europeia sobre os povos colonizados foi negar a produção de conhecimento destes povos. Neste jogo de forças é possível interpelar os posicionamentos adotados no MLP frente à política de patrimônio imaterial. Se a língua é um fenômeno da cultura, este enunciado não é um simples dado, implica em formas de significar esta relação a partir do que é escolhido pensar sobre ela.

2 É importante considerar que em 1942 á 1944, Curt Nimuendaju utilizou o mapa do Brasil para localizar as línguas indígenas nos espaços ocupados por seus falantes em diferentes momentos históricos. Este Mapa Etno-histórico foi publicado por Aloísio Magalhães quando presidente da Fundação Nacional Pró- Memória m 1981 e constituiu o documento inicial para a patrimonialização dessas línguas.

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A escolha de contar a história da língua portuguesa no Brasil a patir das influências recebidas, em especial, das línguas africanas Quicongo, Quimbundo e Umbundo e da língua ameríndia Tupinambá movimenta narrativas em disputa: uma delas pode reconhecer estas influências linguísticas na língua portuguesa falada no Brasil de modo a dissolver a compreensão de suas especificidades culturais em contato com a língua portuguesa; a outra posição pode ressaltar as marcas das línguas ameríndias e africanas na forma de falar a língua portuguesa no Brasil, o que colabora com a política de patrimonio imaterial em evidenciar histórias silenciadas. Neste campo de forças, esta pesquisa não buscou desvelar os interesses de eleger a língua portuguesa como tema museológico, mas em analisar a posição política de sua narrativa para um museu, em especial, ao incluir a relação com as línguas dos povos ameríndios e africanos. Estamos diante de perspectivas que lutam por visibilidade a partir da política de patrimônio imaterial brasileiro. Nesta pesquisa os discursos serão analisados como posições em luta para fazer, ver e pensar determinados assuntos. Na obra Microfísica do Poder, por exemplo, compreendemos que toda produção de conhecimento coloca em cena determinadas lógicas de dominação. A mudança desta produção aponta para novas relações de poder, elas se fazem por meio de: [...] um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, se envenena e outra que faz sua entrada, mascarada. (FOUCAULT, 2015, p.73).

Neste sentido, os discursos também podem movimentar formas de: [...] apoderar-se por violência ou sub-repção, de um sistema de regras que não tem em si significação essencial, e lhe impor uma direção, dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar em outro jogo e submetê- lo a novas regras. (FOUCAULT, 2015, p.70)

Na obra A verdade e as formas jurídicas do mesmo autor entende-se que toda produção de conhecimento são lutas e consequentemente violências entorno das posições que são tomadas diante do que se coloca a ser conhecido. [...] entre o conhecimento e as coisas que o conhecimento tem a conhecer não pode haver nenhuma relação de continuidade natural. Só pode haver uma relação de violência, de dominação, de poder e de força, de violação. O conhecimento só pode ser uma violação das coisas a conhecer e não percepção, reconhecimento, identificação delas ou com elas. (2013, p.27).

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Assim como ocorre numa pesquisa, os museus mobilizam formas de ver algo e pensar sobre um assunto; são estes pensares que disputam posições a serem assumidas pelos sujeitos. Entre os discursos que são assumidos existem os que não são falados ou vistos nos espaços de legitimação dos saberes. Por isso, o exercício de lançar-se na análise do que é dito num museu é identificar também o que é silenciado, segundo seus contextos e modos de dizer. Uma forma de mapear estas práticas é explicitar o lugar de onde a nossa fala também é enunciada, este lugar marca a tensão existente entre o olhar do pesquisador perante o objeto analisado. Neste jogo de forças parte-se de um lugar de análise com a intenção de mobilizar determinados sentidos. Esses não foram estabelecidos a priori, foram construídos na análise do material e que de algum modo, localizam as forças que também nos atravessam. A experiência de leitura, embora seja um ato individual, traz em si as marcas de como cada um aprendeu a ver e a pensar determinados assuntos, assim como a problematizá-los. Estas marcas estão nas formas como foi atribuído determinado sentido à esta pesquisa. Com estas palavras, pode-se dizer que a análise fala do museu e de quem fala no museu, seja os pesquisadores, curadores, educadores e todos aqueles que compuseram os áudios da Grande Galeria, enfim, todos concorrem a desafiar o sentido da língua portuguesa como tema museológico. Nestes desafios, esta pesquisa provoca pensar o MLP a partir da organização de três capítulos. No primeiro capítulo, Museus e Políticas patrimoniais: trajetória descontínuas é apresentado a rede de relações que se insere o MLP, desde o discurso relacionado a sua localização na Estação da Luz à proposta cenográfica do segundo andar. Estas faces distintas e complementares são igualmente importantes na reflexão sobre a produção de novos museus na cidade de São Paulo, no início do século XXI. Estas novas condições de produção discursiva também se relacionam a importância de circulação dos enunciados sobre a diversidade da cultura brasileira e seus efeitos nas políticas patrimoniais. Estas políticas aliadas aos projetos urbanos movimentam interesse sobre quais corpos são visualizados como interlocutores do discurso da diversidade, uma cartografia de ações que envolvem a perspectiva dos museus, das políticas patrimoniais e dos projetos urbanos. No segundo capítulo, cujo título O corpo da palavra no ato de ler refere-se a reflexão sobre o que diz uma palavra, a partir do seu contexto de enunciação e das

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condições de produção de determindos enunciados. Assim como os corpos dos sujeitos são efeitos de diferentes relações de força, o mesmo ocorre com as palavras, elas são atravessadas por sentidos construídos nas relações sociais de cada contexto histórico. Neste aspecto, os onze vídeos temáticos da Grande Galeria foram tomados como análise neste capítulo. Esta instalação era composta por uma tela de 106 metros localizada na parede esquerda do segundo andar. A tecnologia audiovisual possibilitava ver e ouvir brasileiros de diferentes lugares, classes sociais e faixas etárias distintas, que foram selecionados de documentários diversos para ilustrar seus modos de falar e significar a relação com a língua portuguesa a partir de suas práticas culturais e sociais. Cada cena foi vista a partir do enquadramento colocado, evidenciando o sentido em disputa para o reconhecimento de determinados enunciados e silenciamento de outros. A descrição das cenas de cada vídeo levou em consideração tanto o texto verbal quanto o visual como formas de ver o discurso. Após a descrição, foram observados os discursos de maior frequência e realizado a aproximação entre eles. Estas aproximações possibilitaram formar cinco novos eixos temáticos: O comportamento que as palavras dizem em língua portguesa; Visibilidade e silenciamento das práticas comunicadas em português; Paraíso tropical e seus bastdores: disputas de enquadrmento; Efeitos discursivos para uma unidade brasileira; O desenho da oralidade na sociedade da escrita. Na pluralidade de vozes apresentada foi possível identificar a ordem discursiva que as regiam, isto é, os sentidos comuns que os enunciados apontavam sobre o que deveria ser visto no museu. No terceiro capítulo, Corpos cicunscritos pela experiência e afeto é apresentado algumas tensões políticas presentes na posição do educador do MLP, uma posição concorrente e complementar ao discurso curatorial. O que era deixado a ver, significar e silenciar aparece como formas de ordenar alguns enunciados referentes ao saber linguístico e cultural dos povos ameríndios e africanos em contato com a língua portuguesa no Brasil. Estes ordenamentos tendem a apagar aspectos da subjetividade, sempre presente na forma como cada um se relaciona com algo. A subjetividade de cada educador é efeito de diferentes relações de poder, forças que atravessam sua ação colocando-o a tomar determinadas posições discursivas. O educador Museal faz escolhas e uma delas é levar os visitantes a pensar nas bordas dos discursos que se colocam na narrativa de um museu. Discutir o corpo do educador como um saber localizado (HARAWAY:1995) é vê-lo inserido em relações de sujeição capaz de produzir insurgências.

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No dia 21 de dezembro de 2015, o curto circuito que ocorreu na troca de uma lâmpada da exposição “O tempo e eu e (vc) ”, em homenagem ao etnólogo e historiador Câmara Cascudo, no primeiro andar do MLP, provocou um incêndio que tomou os três andares do prédio da Estação da Luz. Devido à torre do relógio, as chamas do fogo não alcançaram a parte oeste do prédio, o que evitou a sua total destruição. De acordo com informações divulgadas pelos meios de comunicação em massa, no final de 2019 ocorrerá a reinauguração do MLP e espera-se encontrar novos desafios que tratem a língua portuguesa como tema museológico. Ao mesmo tempo, a imaterialidade da língua que se materializa em corpos, imagens, palavras e pensamentos, continuam a desenhar arranjos de sua manifestação no cotidiano de diferentes pessoas. Nestas possibilidades de devir, trago para esta pesquisa posicionamentos construídos a partir da experiência como educadora do MLP.

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1. MUSEUS E POLÍTICAS PATRIMONIAIS: TRAJETÓRIAS DESCONTÍNUAS

1.1. Os interlocutores das políticas culturais no território da Luz e Bom Retiro

Por que um museu da língua portuguesa em pleno início do século XXI? A quem ele se destina? Quais palavras poderiam provocar o olhar para as práticas políticas que o constitui? Para contextualizar a existência deste museu optou-se por apresentá-lo a partir da relação com o território da Estação da Luz. Os museus são efeitos de diferentes interesses e que podem se aproximar tanto das políticas de planejamento urbano de um lado com das políticas de patrimônio de outro, isso significa que eles em si mesmo não são lugares de poder, mas resultam e movimentam relações de poderes e saberes. O MLP esteve localizado na parte superior do prédio da Estação da Luz, inicialmente ocupada pela administração da companhia inglesa chamada The São Paulo Railway Company Ltd, entre o período de 1867 a 1946. Esta primeira administração ferroviária na cidade de São Paulo foi sucedida pela administração da Estação de Ferro Santos Jundiaí (1946-1975), e a partir da década de 90 foi escritório administrativo da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O escritório da CPTM foi transferido para Estação Brás deixando a área superior da Estação da Luz desocupada.

Figura 3: Fachada da Estação da Luz Fonte: http://museudalinguaportuguesa.org.br/o-museu/

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A escolha de ocupar esta área em 2006 responde ao projeto de urbanização chamado Nova Luz. Este projeto propunha regras de ocupação do espaço público, visando preservar e recuperar o patrimônio histórico do território da Luz. Também previa aumentar calçadas e áreas de arborização, criar ciclovias, bulevares etc. Ao mesmo tempo, a questão social não seria resolvida com a desapropriação de imóveis considerados degradados, para construção de espaços culturais e de lazer. 3 A ideia de “revitalização” estava prevista em pontos considerados de moradia precária, tais como cortiços, área de prostituição e venda de drogas, tendo em vista que desde a década de 90, em particular, a Rua Helvétia, próxima da Estação da Luz, passou a ser identificada como “Cracolândia” devido à presença de grande número de pessoas que fazem uso problemático de drogas lícitas e ilícitas, como o álcool e o crack.

Figura 4: A área em branco são espaços que visam práticas de revitalização na região da Luz, Bom Retiro, Campos Elíseos, Santa Ifigênia. A seta vermelha indica a localização da Estação da Luz. Fonte: Região da Luz em disputa: mapeamento dos processos em curso. Uma realização do Laboratório espaço público e direito à cidade, em 8 de junho de 2017.

3 O Projeto Nova Luz teve início em 2005, na gestão do prefeito de São Paulo José Serra (PSDB) com continuidade na prefeitura de Gilberto Kassab (2006 à 2012). Comerciantes e moradores locais se opuseram a implantação desse projeto uma vez que previa desapropriação de alguns imóveis. Por meio de ação judiciária conseguiram suspendê-lo duas vezes, até que foi arquivado definitivamente na prefeitura de Fernando Haddad (PT) em 2013. Informações sobre o Projeto Nova Luz poderão ser encontradas em: . Último Acesso 2 jan. 2018

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O discurso da “revitalização” e “restauração” dos centros urbanos envolve prática de marketing cultural para valorização do turismo e atração de novos públicos nestas regiões. De acordo com Francisco de Oliveira: Qualquer revitalização, cujo nome já trai seu significado, pois quer dizer que, antes, ali não havia vida, significa apenas o deslocamento do conflito, não sua resolução [...] Tiraram-se os pobres, mendigos, prostitutas, bares de má fama com seus rufiões, botecos sujos e tristes, pensões baratas com suas fileiras de redes, substituídos por maquiagens do que se considera, então, os velhos bons tempos. Esvazia-se a história de quem viveu lá; em lugar da memória, o esquecimento. Trata-se de operações de elevação de renda da terra urbana, vale dizer, de uma acumulação primitiva pela via do investimento público [...] A justificativa está sempre à mão: novos empregos, aumento da renda, da segurança, da convivilialidade. Entre iguais. E distância dos desiguais (2002, p.20-21).

É possível dizer que os projetos urbanos são compostos por disputas políticas por apresentarem um conjunto de atitudes e ideias relacionadas ao controle social sobre os espaços. Este controle pode conflitar com as políticas patrimoniais pela forma de intervenção nos espaços urbanos. A Lei de Zoneamento Z-8 de 1972, por exemplo, possibilitou preservar áreas históricas diante de intervenções radicais nos centros urbanos. Em 1974, a Z-007 impedia que as linhas de metrôs fossem construídas próximas a estes espaços, no entanto, não foi possível evitá-las. Em outros momentos, a disputa pela gestão do espaço urbano pode colaborar com a preservação de determinados patrimônios culturais. Em 1975 foram definidas zonas especiais de preservação chamadas de Z8-200, que englobaram edifícios isolados e manchas urbanas. Vários imóveis do bairo da Luz foram incluídos, como o Mosteiro da Luz, a Pinacoteca de São Paulo, o Parque da Luz, a Estação da Luz, a antiga Estação Sorocabana, atual Júlio Prestes. O CONDEPHAAT, órgão estadual de preservação, realizou medidas similares ao tombar vários imóveis na região. 4

4 Neste aspecto, antes do Projeto Nova Luz houve o Projeto Monumenta com o intuito de promover o desenvolvimento urbano das áreas históricas. Na região da Luz propôs restaurar os espaços de lazer e culturais da região.

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Figura 5: O mapa sinaliza roteiro de ação da prefeitura, Operação Cata-bagulho no Bom Retiro. Ele foi utilizado para ilustrar o distrito do Bom Retiro entre a Luz, Santa Ifigênia, Campos Elíseos. Fonte:https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=33555.

Na imagem acima, a rua Mauá é indicada com a seta vermelha. Ela localiza tanto o fundo da Estação da Luz, como a fronteira entre a Luz e o Bom Retiro na direção sudeste. A mesma rua também faz fronteira entre o distrito de Santa Ifigênia, Campos Elíseos e o Bom Retiro na direção noroeste. A intensa relação entre estes bairros era realizada pela movimentação de imigrantes que desembarcaram no porto de Santos e adentraram em São Paulo pela ferrovia e dos migrantes de diferentes Estados do Brasil que chegaram a São Paulo pela Rodoviária da Luz inaugurada em 1961 no Campos Elíseos.

Figura 6: Imigrantes japoneses embarcam na The São Paulo Railway em 1935 Fonte: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=288309

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Muitos imigrantes, inclusive italianos e japoneses, utilizaram a Estação Ferroviária São Paulo Railway (1867), hoje Estação da Luz e a Estação de Ferro Sorocabana (1938), atual Júlio Prestes, para trabalharem nas fazendas no interior de SP e no setor industrial do séc. XX. A via férrea favoreceu a construção de galpões, depósitos, fábricas, indústrias e pequenos comércios como barbearia, sapataria, alfaiataria, tinturarias, armazéns e a primeira Hospedaria dos Imigrantes. Estes espaços compõem uma das camadas de história do Bom Retiro, também conhecido como bairro operário. Em 1921, por exemplo, na rua Sólon, no Bom Retiro, foi inaugurada a primeira linha de montagem de automóveis da Ford. No século XIX predominantemente na Luz/Bom Retiro além do comércio local, o território era utilizado para retiro da elite do café, com várias chácaras na paisagem local. Com o passar do tempo, a dificuldade de manutenção da infraestrutura possibilitou a transferência desta elite para outras áreas da cidade. As chácaras que deram origem ao bairro dos Campos Elíseos, por exempo, foram compradas pelos alemães Nothmann e Glette, que as arruaram nos anos de 1880.[...] a chácara que pertenceu ao brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar originou partes da Santa Ifigênia. [...] Parte do bairro da Barra Funda e bairro do Bom Retiro originaram-se do sítio que pertenceu ao Barão de Iguape, e que foi comprado pelo judeu alsaciano Manfred Mayer, responsável pelo seu arruamento e loteamento. (MANGILI, 2011, p.32-33)

A presença de imigrantes e migrantes que continuaram neste território possibilitou ampliar as narrativas sobre o espaço, a partir dos novos investimentos inseridos neste território. A partir de 1920 tem-se a forte presença de judeus e japoneses, em 1960 a de sírios, armênios, gregos, coreanos, chineses, haitianos, congoleses e grande número de nordestinos. No início do século XXI o país recebe um alto fluxo de imigrantes latino-americanos como bolivianos, peruanos e paraguaios, os quais são visíveis no Bom Retiro. Os fatores que impulsionaram o deslocamento de grande número de pessoas, relacionam-se a busca por moradia, oportunidades no mercado de trabalho e fugas de guerras e governos ditatoriais em seus países de origem. Em 2008, a equipe técnica da Superintendência Regional do IPHAN realizou com os moradores do Bom Retiro o inventário de algumas das práticas culturais vividas nas ruas deste bairro, e que foram inclusas na lista do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).

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Existem diferentes narrativas que concorrem visibilidade, entre elas a proposta do ex-prefeito da cidade de São Paulo, João Dória, ao anunciar no dia 12 de abril de 2017 que o nome do bairro Bom Retiro passaria a partir de junho de 2017 para “Little Seul”. Esta seria uma forma de dar destaque a empresas comerciais sul-coreanas na região, assim como na reportagem dedicada ao bairro do Bom Retiro realizada no dia 18/07/2018, no Programa da Rede Globo Mais Você com o título a “Coréia Paulista”. O Bom Retiro é um território que ainda marca a presença de pessoas que vieram de diferentes lugares do Brasil e do mundo, em postos de trabalho diferente. A característica de São Paulo como cidade cosmopolita deve-se a esta forte presença de migrantes e imigrantes em condições diferenciadas, em especial, nos bairros Bom Retiro, Brás, Mooca e nas últimas décadas, o bairro de Guaianases, na zona leste da cidade com alto número de imigrantes haitanos, congoleses e angolanos. A grande marquise da Estação da Luz, que tem na frente o Parque da Luz, projeta sombra nas suas margens, não deixando ver o contraste social da paisagem do seu entorno.

Figura 7: Vista aérea da Estação da Luz Fonte: https://engeduca.com.br/463-anos-parabens-sao-paulo/

De um lado, a frente da Estação da Luz torna-se a fronteira de uma paisagem urbana e patrimonial e que se diferencia da paisagem do outro lado da Estação, considerada os fundos. A frente é explorada pela rede de turismo que se coloca em diálogo com diferentes museus que ocupam os prédios tombados. Nesta região, em ordem cronológica de inauguração de um museu ou de um centro cultural em espaços que até então carregavam funções diversas ocorre na Pinacoteca de São Paulo (1905), Museu da Obra Salesiana, Casa do Povo (1953), Museu da Polícia Militar de São Paulo (1958), Museu de Saúde Pública Emílio Ribas (1965), Museu de Arte Sacra (1970), Museu do Transporte, Gaetano Ferolla (1985),

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Oficina Cultural Oswald de Andrade (1986), Universidade Livre de Música, atual Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom Jobim (1989), Sala São Paulo (1999), Estação Pinacoteca (2004), Museu da Energia de São Paulo (2005), Museu da Língua Portuguesa (2006), Memorial da Resistência (2008), SESC Bom Retiro (2011), Memorial da Imigração Judaica (2012), dentre outros. Neste território há espaços que representam uma memória de crítica às práticas autoritárias do Estado político brasileiro como a Casa do Povo, construída em homenagem aos que morreram na Segunda Guerra Mundial e tornou-se um espaço de resistência à ditadura civil militar brasileira na década de 70. O Memorial da Resistência, espaço que abrigou de 1940-1983 o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), dedica-se a preservar, por meio de relatos orais, a memória da resistência e repressão política de 1889 aos dias atuais. A região do Bom Retiro carrega diferentes espaços de memória.5 As políticas culturais ao incentivar o surgimento de novos museus, que tendem a ocupar prédios tombados, favorecem que outros espaços do seu entorno sejam também preservados. A Estação da Luz, por exemplo, foi tombada em 1982 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAT), ao lado de outros prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Conselho Municipal de Preservação de Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).

5 Foi no Bom Retiro que operários fundaram o time de futebol Corinthians em inspiração ao Corinthian FC de Londres que havia jogado no Brasil. O monumento que marca a história deste time brasileiro continua preservado no bairro. Em 1982, na presidência de Adilson Monteiro Aves, os jogadores apresentavam no começo do jogo uma faixa que dizia “ganhar ou perder, mas sempre com democracia” e atrás da camiseta “Dia 15 vote” uma chamada para que houvesse eleições diretas para governador Estadual no dia 15 de novembro de 1982. Essa prática chamada de Democracia Corinthiana engrossou o movimento de Diretas Já contra a manutenção da ditadura militar.

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No mapa abaixo, vemos os prédios tombados pelos três órgãos por meio das sinalizações das cores. Em lilás os prédios tombados pelo CONPRESP, em verde os prédios do CONDEPHAAT e em azul os tombados pelo IPHAN. No círculo em vermelho está a Estação da Luz, representada no retângulo verde, na sua frente a Pinacoteca de São Paulo e Parque da Luz, ambos localizados no quadro maior em verde. O número vermelho 145 localiza a Pinacoteca de São Paulo.

Figura 8: Destaque para os bens tombados pelo órgão do CONDEPHAAT nas mediações da Estação da Luz. Veja este mapa ampliado no anexo 1 Fonte:http://condephaat.sp.gov.br/benstomba dos/estacao-da-luz-2/.

O prédio da atual Pinacoteca abrigou o antigo Liceu de Artes e Ofícios, responsável por oferecer cursos gratuitos e profissionalizantes no início do século XX.6 O curso de artes do Liceu abrigou um pequeno acervo de obras artísticas oriundas do Museu Paulista, até então o primeiro museu da cidade de São Paulo. A extensão dedicada à exposição dessas obras no Liceu foi chamada de Pinacoteca e, posteriormente, todo o prédio se transformou no primeiro museu de arte de São Paulo.

6 A Sociedade Propagadora de Instrução Popular foi fundada em 1873 com aulas noturnas e gratuitas, tinha como objetivo ensinar as primeiras letras à classe populares. Em 1882 ganhou o nome de Liceu de Artes e Ofícios.

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Figura 9: Vista panorâmica entre a Pinacoteca e Estação da Luz Fonte:https://teoriacritica13ufu.wordpress.com/2010/12/17/pinacoteca-do-estado-de-sao-paulo/

A entrada principal deste museu, na Avenida Tiradentes, foi transferida para a Avenida da Luz, em 1998. Com a inauguração do MLP na Estação da Luz em 2006 podia-se observar a sua entrada principal na mesma direção da entrada da Pinacoteca, o que compôs uma comunicação favorável entre estes museus. Muitos visitantes saíam do MLP e continuavam o seu passeio na Pinacoteca, o inverso também acontecia, principalmente durante a organização do fluxo de visitantes com as novas exposições. O sábado, com entrada gratuita em ambos espaços, favorecia essa comunicação que era indicada pelos próprios funcionários. A proximidade destas instituições facilitava para ambas a orientação dos turistas de modo a terem o contato com temas da cultura brasileira em acervos distintos. Em 1995 estes espaços culturais passaram pelo processo de restauro como resposta às políticas de “revitalização”. A valorização destes espaços tombados dependia do incentivo do turismo na região. A articulação entre as práticas de preservação do patrimônio histórico e as políticas de urbanização tornaram-se possível diante da perspectiva de movimentar a economia dos centros urbanos. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o turismo passou a ser considerado como setor estratégico de acúmulo de capitais. O Ministério do Esporte e Turismo deveria direcionar a Política Nacional do Turismo como fator de desenvolvimento social e econômico. Para isso contou com o uso de recursos externos, oriundos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e interno dos Municípios, Estados e setor privado, de modo a ampliar a infraestrutura dos centros históricos com potencial turístico e investir em novos equipamentos culturais. A imagem abaixo foi retirada do relatório de gestão do Instituto Brasileiro de Turismo, exercício de 2007.

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Figura 10: Gráfico com o aumento de arrecadações com o turismo brasileiro em 2007 Fonte:http://www.embratur.gov.br/lai_embratur_secom/export/sites/lai/galerias/download/Relatorio GestaoEmbratur2007.pdf

Na imagem acima vemos a valorização do turismo como prática de desenvolvimento da economia do país. Esta imagem compôs a segunda página do relatório da EMBRATUR, exercício 2007. Nela consta o aumento de arrecadação de tributos com as práticas de turismo para estrangeiros de 3,222 bilhões de dólares em 2004 para 4,945 bilhões de dólares em 2007.7 As leis de incentivo fiscal acompanham este movimento ao incentivar empresas brasileiras a divulgarem o Brasil no exterior. Esta perspectiva de substituição do Estado pela ação de empresários revela-se na Lei Sarney, a qual ficou em vigor de 1986 a 1990; depois a lei Rouanet, regulamentada apenas em 1995 e a lei do Audiovisual de 1993. As práticas culturais tornaram-se meio de não só atrair investimento na infraestrutura dos centros urbanos como também na produção do marketing da imagem do país no exterior. “Como resultado, a chegada de turistas no Brasil em 1998 teve um incremento de 69% em relação aos anos anteriores” (KARA-JOSÉ, 2007, p.149).

7 Disponível em: . Último Acesso 26 nov. 2018.

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Figura 11: Sinalização da localização dos Museus na Cidade de São Paulo Fonte:https://www.google.com.br/maps/search/museu+na+cidade+de+s%C3%A3o+paulo/@- 23.5642889,-46.7353778,12z/data=!3m1!4b1

No mapa acima, verifica-se que a Luz e Bom Retiro concentram o maior número de museus na cidade de São Paulo e por isso uma área privilegiada para roteiros histórico-culturais. Existe também a rede de comerciantes e consumidores de roupas vendidas em atacado e varejo. Há turistas que visitam os museus e que também são consumidores destas lojas. A rua chamada Rua dos Italianos, no Bom Retiro, indicava a forte presença de imigrantes que chegaram pela Estação da Luz. Hoje, essa mesma rua é formada por uma sequência de lojas de roupas de baixo custo que atende consumidores de diferentes lugares do país. Em paralelo, encontra-se a rua José Paulino, ocupada pelos antigos estabelecimentos comerciais portugueses, os quais passaram para mãos de judeus da Polônia e Lituânia nas primeiras décadas do século XX. A partir da década de 60 vemos uma grande presença de sul-coreanos na administração do comércio local. Nos últimos anos, a rede de comércio das mencionadas ruas passou a incorporar a estética das lojas dos Shoppings Centers. Essas zonas comerciais movimentam o fluxo de diferentes produtos e pessoas pela região, assim como é almejado por algumas políticas de urbanização. Estas são práticas que também colocam em disputa qual interlocutor se deseja privilegiar neste bairro, em especial, nos museus.

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Ao pensar sobre os interlocutores dos espaços museais, o turista nacional e o estrangeiro tendem a ocupar o maior número de visitantes no lugar dos visitantes que moram nas mediações dos museus. De acordo com artigo publicado por Lúcio Marcelo Mendes, em pesquisa realizada pelo grupo JLeiva Cultura & Esporte, a inauguração do Museu Guggenheim, em Bilbao, em 1997, colocou em evidência o alto número de turistas que procuram museus e exposições, em especial, as chamadas exposições blockbusters.8 As megaexposições internacionais e que circulam em diferentes países chamam a atenção assim como a alteração na fisionomia dos novos museus, da arquitetura à expografia. No que diz respeito ao investimento na arquitetura, o referido Museu Guggenheim e o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (2015), são alguns exemplos desta estratégia de atração de turistas como forma de movimentar a economia da cidade. Estes museus ocupam zonas portuárias cujo planejamento urbano está voltado a práticas de “revitalização”.

Figura 12: Entrada do Museu Guggenheim Bilbao Figura 13: Entrada do Museu do Fonte: https://www.guggenheim-bilbao.eus/pt- Amanhã pt/informacao-util/como-chegar/ Fonte:http://portomaravilha.com.br/ museu_amanha

Os espaços que tratam da memória da escravização dos povos africanos no Rio de Janeiro, como a Pedra do Sal e Cais do Valongo, localizam-se na mesma zona portuária do Museu do Amanhã, com a diferença de que a arquitetura deste museu destoa em relação aos outros espaços de memória do seu entorno. O distanciamento da arquitetura também pode representar o distanciamento das memórias que envolvem a população presente neste território como bairro da Gamboa, Morro do Livramento, Providência e Conceição. A própria escolha pela palavra “futuro” também colabora com a expectativa de encontrar coisas novas/novidades, o que provoca outra forma de ver e

8 Lúcio Marcelo Mendes é jornalista e desde 2011 atua com pesquisa de desenvolvimento de público e novas tecnologias nos museus. A Jleiva Cultura & Esporte, foi fundada em 2004 com o objetivo de realizar pesquisa sobre os hábitos culturais dos brasileiros. A última pesquisa foi publicada em 2018 com o nome Cultura nas capitais: como 33 milhões de brasileiros consomem diversão e arte. Disponível em: . Último Acesso 21 nov. 2018

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se relacionar com um museu e seu acervo. Em virtude do uso da linguagem interativa pode reforçar esta posição como mais atraente do que os outros espaços de memória presentes neste território e que carregam outras narrativas em disputa por visibilidade.

Figura 14: Localização da Pedra do Sal, Cais do Valongo e Instituto de Pesquisas e Memória Pretos Novos, próximos ao Museu de Arte do Rio e Museu do Amanhã indicado com a seta sobre o mapa. Fonte: https://www.google.com.br/maps/@-22.8977456,-43.1866995,16z

Na cidade de São Paulo, o “Efeito Bilbao”, isto é, a alta circulação de turistas como prática que se tornou comum de determinadas exposições e que marcam a superlotação dos museus, apareceu na exposição Porta do Inferno na Pinacoteca de São Paulo em 1995. Esta exposição tratava das esculturas de Auguste Rodin e foi visitada por volta de 300 mil pessoas. Outros exemplos foram a exposição MASP 50 anos – Destaques do Acervo, Monet e Michelangelo em 1997 e a Mostra do Redescobrimento – Brasil+500 anos, no Parque do Ibirapuera, no ano 2000. As condições de usufruir dos espaços de lazer e de consumir mercadorias que se enquadram nos bens duráveis e não duráveis foram beneficiadas, particularmente, no ano em que o MLP foi inaugurado. A política de crédito estava com baixa taxa de juros, o que gerou o incentivo dos brasileiros a comprar carros, financiar casas, comprar os

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novos modelos de televisão LCD, geladeiras com baixo custo de energia; bem como investir em viagens para diferentes lugares turísticos.9 Neste contexto era recorrente a imagem da Estação da Luz como tela de fundo no jornal televisivo “SP TV” apresentado pelo jornalista Carlos Tramontina, tanto na primeira como na segunda edição. Estas imagens divulgavam não apenas a Estação da Luz, mas o museu como cartão postal da cidade de São Paulo, o que fortalecia a rede de turismo na região.

Figura 15: Carlos Tramontina na apresentação de telejornal com imagem da Estação da Luz ao fundo. Fonte: Blog On média de Felipe Pinheiro jornalista da wordpress.com https://fpinheirojornalista.wordpress.com/2 011/11/

As propagandas nas paredes das estações de metrô de São Paulo, no segundo semestre de 2018, passaram a divulgar a imagem da Estação da Luz como espaço da cultura, a imagem do Pátio do Colégio como o local da História de São Paulo e a Avenida Paulista como espaço do agito dos paulistanos. Os enunciados escolhidos para cada lugar favorecia vê-los como espaços para investimento do marketing cultural e que se voltam para o mercado de turismo.

9 Ver em: SINGER, André. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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Figura 16: Na primeira imagem propaganda da Estação da Luz, na segunda imagem propaganda do Pátio do Colégio e na última imagem visualizamos a propaganda da Avenida Paulista. Estas propagandas encontrá-se em diferentes estações de metros da linha azul (eixo norte e sul) e vermelha (eixo leste e oeste) de São Paulo, a partir do segundo semestre de 2018 e no ano de 2019. Fonte: Câmera pessoal

O MLP ao ocupar a parte superior da Estação da Luz favorecia que a sua entrada principal fosse confundida com a bilheteria da CPTM e do Metrô, tanto pelo público do museu como pelos usuários destes serviços. A confusão entre estes espaços sinaliza o alto fluxo de pessoas que passam diariamente pela região da Estação da Luz.

Figura 17: Entrada da bilheteria do MLP Fonte:http://www.cariocandoporai.com.br/2015/09/sao-paulo-museu-da-lingua- portuguesa.html

Era comum entre os educadores do museu e seus diretores construírem a metáfora sobre a língua portuguesa como uma plataforma, local de encontro e desencontro de diferentes pessoas, tal como uma plataforma ferroviária onde circulam

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diferentes falares. A língua portuguesa no Brasil representava essa plataforma, a passagem de diferentes povos que deixaram suas marcas por meio das palavras que falamos. De fato, as estações de trens realizaram o que os navios e canoas também puderam desenvolver, o intercâmbio entre pessoas de espaços distantes, assim como favoreceram estender as ações de dominação e controle sobre um território.10 Um museu que ocupa uma estação ferroviária administrada inicialmente por ingleses envolve mobilizarmos estas memórias. A sua arquitetura é de origem inglesa: os tijolos, madeiras (Pinho de Riga encontrado nos países nórdicos da Europa) e os seus funcionários vieram da Inglaterra; a marca da Companhia inglesa – SPR - continua em todas as quinas da Estação.

Figura 18: símbolo da SPR, Companhia inglesa São Paulo Railway na Estação da Luz Fonte: http://www.ferroviaspr.com.br/estacao-da-luz/

Os contrastes sociais, culturais e linguísticos, principalmente do entorno do museu, eram comentados apenas pelos educadores, particularmente formados em História e Ciências Sociais nas visitas sobre a história da Estação da Luz, que aconteciam apenas em dois horários aos finais de semana. Embora o MLP não representasse o espaço de fruição artística dos museus de artes, aproximava-se da cultura que se popularizava nos espaços da vida privada como o uso de computadores e celulares de tecnologia digital. Além de receber alunos de escolas públicas e privadas bem como visitantes de diferentes regiões do Brasil e do mundo, os museus tornaram-se o ponto de encontro de amigos, casais e famílias. O início do século XXI trouxe a inserção de novas linguagens nos espaços de lazer das cidades brasileiras e que acompanhavam outros países como: a entrada crescente de exibição de filmes comerciais em 3D nos cinemas, à popularização dos celulares e com eles o estímulo para realizar registro de fotos e pequenos vídeos pelas

10 “Quem controla a estrada de ferro controla o território envolta”. (HARAWAY, 1995, p.9)

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câmeras digitais, posteriormente enviados para redes sociais (Facebook, Instagram) e o incentivo de contratar canais de televisão “fechados” (pagos) com o amplo uso da internet. Nas primeiras décadas do ano 2000, o aparelho da televisão analógica recebeu o conversor digital e passou a ocupar grande parte dos bares, restaurantes, ônibus, metrôs e elevadores de prédios comerciais. Da linguagem televisiva, cada vez mais presente nos diferentes espaços sociais, aos discursos dos museus de tecnologia digital, houve um aprofundamento de certas tendências, isto é, discursos que visam amplo número de pessoas. Para Meneses, os museus passaram a conviver num cenário de grande número de empreendimentos da indústria cultural e do entretenimento, os quais contam com forte marketing. Nesta convivência seu discurso pode beirar uma posição discursiva próxima ao populismo. Nas palavras deste pesquisador: [...] A diretriz educacional, na procura de atrair público, parece ser a infantilização da linguagem. Assim para redimir-se do elitismo, o museu pode, muitas vezes, iludir-se por um populismo sem responsabilidade política, esquecendo-se de que populismo e elitismo têm a mesma matriz autoritária – imprópria para a verdadeira educação (2000, p.96).

Para Gonzáles, os espaços museológicos continuam a reforçar seu caráter pedagógico na construção de subjetividades: É assim que o museu, como lugar de educação, como fato essencialmente pedagógico, é chamado a construir sujeitos capazes de se reconhecer, de reconhecer o outro, de viver em comunidade, de desenvolver a capacidade de se abrir ao mundo, de interpelar seus próprios valores culturais acumulados, para confrontá-los, para enriquecê-los, para desprezá-los também. A experiência museal, conforme já dissemos, tem que ser mobilizadora (p.5).

Os museus tornaram-se uma importante estratégia da política da Secretaria da Cultura de São Paulo, em especial, com as gestões das Organizações Sociais (OS). Como já foi comentado aqui, esta realidade foi consolidada a partir do final da década de 90, momento que o turismo como política cultural é valorizado. O século XXI sinaliza um paradoxo para os museus sob a administração pública, ao mesmo tempo em que há a diminuição sistêmica no repasse de verbas, precarização

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na manutenção do acervo, tem-se a criação de novos museus administrados por organizações sociais.11 A Secretaria da Cultura de São Paulo junto com empresas privadas, Fundações e Organizações Sociais (OS) passaram a dividir a responsabilidade da gestão dos museus, assim como a elaboração de novos museus, as regras de exposição e organização do conteúdo.12 Esta prática foi incentivada pela Declaração Universal da Diversidade Cultural da UNESCO. No artigo 11 é dito: As forças do mercado, por si só, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse ponto de vista, convém fortalecer a função primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade civil (UNESCO, 2001, p.3).

A parceria entre esferas públicas e privadas possibilitou atribuir importância aos museus no cenário das políticas culturais e com isso incentivou novas tipologias. Na cidade de São Paulo, podemos citar alguns exemplos como: Museu da Pessoa (1991), o Museu do Imigrante (1993), o Museu Afro Brasil (2004), Memorial da Resistência (2009), Catavento Cultural (2009) e Museu da Diversidade Sexual (2012). Novos museus tornam-se um bom negócio com a parceria público-privado, sobretudo para as entidades que os elaboram cuja expertise nesta articulação é antiga. Este é o caso da Fundação Roberto Marinho (FRM) inaugurada em 1977 com projetos de restauração das cidades históricas. Esta fundação inicia a sua história articulada ao Programa Integrado de Recuperação das Cidades Históricas (PCH) implementado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan) e Ministério da Educação (MEC) em 1970.

11 O incêndio no Museu Nacional no Rio de Janeiro em setembro de 2018 coloca em evidencia a dificuldade de manutenção de alguns museus não geridos pelas Organizações Sociais. Sobre o incêndio, ver em: Último Acesso 02 set. 2018 12 Apesar da lei complementar nº 846 e do decreto 43.493 datar de 1998, a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, iniciou a implantação do modelo de OS (Organização Social) somente a partir de 2004. Outras informações sobre isso podem ser acessadas em: MONTEIRO, Juliana. Gestão de Museu: contribuição do modelo de organização social ao desempenho das instituições museais da secretaria de Estado da cultura de São Paulo. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Gestão Pública. São Paulo, 2008.

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O PCH tinha como objetivo “recuperar” as cidades históricas para fins turísticos, a primeira delas foi Salvador. Em 1977 este programa foi absorvido pelo IPHAN, o que possibilitou ampliar a ação para as cidades da região sudeste do Brasil, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Com isso, a Fundação Roberto Marinho pode investir em práticas de “restauração” das cidades históricas de Minas Gerais no ano de sua inauguração. Esta ação foi retomada em 2004 com a restauração da Casa de Cultura de Paraty e, em 2014, com o Centro de Referência e Difusão do Frevo, Paço do Frevo, em Recife.

Figura 19: Campanha de Preservação da Memória Nacional Fonte: http://www.frm.org.br/linha-do-tempo/

Entretanto, apenas em 2006 a FRM inaugurou o seu primeiro museu, um espaço de experimentação e de expansão dos seus interesses na área da cultura. Após a experiência pioneira do MLP (2006), a Fundação Roberto Marinho também criou o Museu do Futebol (2008), Museu do Frevo (2014), Museu do Amanhã (2015) e Museu de Arte do Rio – MAR (2013). Todas estas ações só foram possíveis por meio de parcerias entre setores públicos e privados.

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Figura 20: Museu como espaços de educação Fonte: http://www.frm.org.br/linha-do-tempo/

Os museus continuam públicos, porém concebidos por entidades privadas, como a FRM, e administrados por Organizações Sociais (OS). Exemplos referentes à entrada das OS na gestão dos museus ocorreu na Pinacoteca de São Paulo em 2005, no Museu de Arte Sacra em 2007, entre outros. O MLP passou por três administrações privadas, o Instituto Brasil Leitor entre 2006 e 2009; a Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura à Língua e à Literatura entre 2009 e 2012; e por último o ID Brasil- Cultura, Educação e Esportes a partir de 2012 e se manteve após o incêndio. A presença de Organizações Sociais interfere no papel das instituições culturais colocando-as na missão de prestadoras de serviço à sociedade. [...] os museus (no seio da economia dos serviços culturais) ocupam cada vez mais um lugar de destaque na economia dos serviços em geral, a qual representa atualmente 50 a 70% do PIB dos países mais desenvolvidos e um lugar crescente na maioria dos outros países (MOUTINHO, 2014, p.425-426)

Neste sentido, uma das formas dos museus movimentarem a economia do país é na ampliação do público.13 A última definição de museu amplamente utilizada em diferentes países foi estabelecida no estatuto do ICOM, aprovado na 22.ª Assembleia Geral, em Viena, Áustria, em 2007. Nela, a quantidade de público tornou-se uma das

13 Compreendemos que o assunto de uma exposição e a forma escolhida de expô-la pode favorecer como atrativo para ampliação de público.

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funções principais dos museus ao defini-lo como “[...] aberto ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”.14 Garantir a diversidade de público ou o estabelecimento de relações com a sociedade depende da maneira que os museus se colocam como um canal de comunicação. Quais interlocutores são privilegiados em seus discursos? Na perspectiva de promover uma prática de democracia cultural, compreende-se que a gratuidade não é suficiente para atrair o público, se a exposição não corresponde a visibilidade de diferentes lugares de fala, com seus saberes e fazeres geralmente silenciados e que lutam por visibilidade e participatividade nas políticas culturais. Já na perspectiva da democratiação cultural, o público é compreendido apenas como fruidor de uma cultura vista como legítima. 15 Pode-se dizer que o público não é apenas número para Secretaria de Cultura e patrocinadores, envolve um investimento de ordem discursiva, uma relação entre posições discursivas em luta. Deste modo, pensar sobre o porquê da existência de um MLP também envolve ver o que era excessivamente dito e concontaminente silenciado neste museu como estratégia de aderência de um amplo número de interlocutores.

1.2. A linguagem política dos espaços museais

Não apenas os livros orientam formas de pensar um assunto. O ato de ler não se restringe a palavras, mas gestos, cheiros, toques, sons, imagens, bem como a arquitetura dos espaços. Lemos com todo o corpo e com ele participamos de diferentes relações sociais. A cada espaço em que nos inserimos, o nosso corpo é dado a ler e a responder de uma forma. As formas como somos instigados a ler são responsáveis também pelo modo como aprendemos a participar da vida social, a nos relacionarmos. As esferas subjetiva

14 Disponível em: http://www.museus.gov.br/os-museus/o-que-e-museu/. Último Acesso 7 nov. 2018 15 Em 2013 o Sistema Integrado de Museus (SISEM) identificou como possíveis causas do aumento de público nos museus, a diversificação de atividades oferecidas, a ampliação do horário de funcionamento e a abordagem de temas contemporâneos de destaque. As exposições “ Mostra Sua Cara”, no Museu da Língua Portuguesa e “Stanley Kubrick”, no Museu da Imagem e do Som seriam exemplos desta ação de democratização cultural. Disponível em: https://www.sisemsp.org.br/bilheteria/ Último Acesso 02 mai. 2018. Para mais informações sobre as perspectivas de Democracia Cultural e Democratização da Cultura é indicado a seguinte referência bibliográfica: LOPES, João Teixeira. Da democratização da Cultura a um conceito e prática alternativos de Democracia Cultural. Saber & Educar. 2009.

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e objetiva andam juntas, não se separam. Ao pensar a língua como tema museológico, essas relações são retomadas, uma vez que os processos cognitivos, sociais, culturais e políticos não são indissociáveis na constituição dos indivíduos. Se a linguagem conduz os sentidos que atribuíamos às coisas, é possível pensar que novos sentidos sobre as mesmas coisas são possíveis a partir de novas linguagens que incidem sobre elas. A língua portuguesa como tema museológico torna-se esse objeto em que os curadores atribuem determinados sentidos a sua história, ao mesmo tempo em que por meio dela é possível materializar diferentes linguagens. Seja como meio ou produto dos processos de significação, o funcionamento da língua como discurso está sempre em jogo. Deste modo, não apenas novos sentidos podem movimentar a narrativa da língua portuguesa num museu, como a própria noção de museu pode ser revista. Tanto nos espaços em que se localizam, como em suas coleções, os museus continuam consagrando valores e ideias. Para o visitante, o que é exposto num museu é a posição legítima, não é comum questionar o ponto de vista de uma exposição, principalmente quando o objeto museológico é a língua que se fala, que se aprende e se estuda nos espaços de educação formal. Por outro lado, também devemos lembrar que os museus são espaços de educação não formal e por isso podem criar modos de aprender diferentes do modelo escolar. Esses diferentes modos de aprender envolvem a sua importância já conhecida no imaginário coletivo de teatralizar certas memórias. Segundo Corrêa: Os museus têm um papel cada vez mais importante na construção do imaginário das sociedades e na teatralização das memórias coletivas. Os novos museus se difundem por todo o mundo provocando mudanças na relação das populações com o seu passado, presente e futuro (2008, p.76).

Os museus organizam os assuntos que são autorizados a serem pensados em seu espaço, desde a sua localização, arquitetura, à sua organização interna. São escolhas de como os sujeitos podem ser afetados a olhar e a pensar nestes espaços. Constituem práticas de saber, espaços onde se conta, faz ouvir e ver determinadas leituras. As escolhas do que é exposto e como é exposto num museu também tratam de epistemologia. Compreende-se como epistemologia as regras acordadas sobre as formas científicas de aquisição de conhecimento. Geralmente, por meio destas regras é possível determinar quais temas merecem atenção, quais interpretações poderão ser legitimadas,

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quais maneiras poderão ser usadas para produção deste conhecimento. Define não somente como é possível produzir conhecimento visto como legítimo, mas também quem produz esse conhecimento tido como verdadeiro.16 Estes aspectos favorecem pensar a ordem do discurso mencionado por Michel Foucault [...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (2012, p.8-9).

Pelo olhar da ciência naturalista realizaram-se expedições em alguns países da América, Ásia e África com o intuito de estudar seus recursos naturais e a população nativa no século XVIII e XIX. O conteúdo destas expedições possibilitou formar os acervos dos museus de botânica, zoologia, mineralogia, etnografia e arqueologia dos países europeus. O sistema de classificação de animais, aves e plantas valorizava tanto a ciência racionalista como o experimentalismo na construção do discurso dos primeiros museus públicos. O leitor era inserido numa perspectiva de leitura que valorizava um discurso objetivo e eurocêntrico, facilmente tomava-se como verdade osojetos selecionados para contar uma narrativa.17 Grande parte de seus diretores tinha interesse no desenvolvimento do pensamento científico. O paradigma das ciências naturais favorecia tensionar o monopólio do discurso religioso. Não é coincidência que a história natural tenha sido não apenas a ciência que imporá a epísteme da época, isto é, os critérios de verdade, mas também por isso mesmo, o modelo para a própria definição do conhecimento científico e suas condições. [...] O conhecimento não mais se produz especulativamente a partir de pressupostos teológicos, teóricos ou filosóficos, mas do sensível é que se chega ao inteligível: daí a consolidação das coisas materiais como documentos, fontes de informação (MENESES, 2017, p.6).

16 Estas são posições apresentadas por Grada Kilomba na palestra chamada Descolonizando o conhecimento. Disponível em: http://www.goethe.de/mmo/priv/15259710-STANDARD.pdf. Último Acesso 2 jul. 2018 17 O primeiro museu público foi organizado pela coleção de Elias Ashmole (1617-1692) doada para a universidade de Oxford, na Inglaterra, em 1683. O interesse de divulgar coleções privadas aparecem na história dos diferentes museus como: o British Museum (1753) na Inglaterra, o Ermitage em São Petesburgo (1764), o Museu Clementino do Vaticano (1773), o Museo del Prado, em Madri (1785), Museu do Louvre (1793), em Paris. MUSEU. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: . Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85- 7979-060-7. Último Acesso 4 nov. 2018 47

Os museus europeus no século XIX representavam o espaço de consolidação do capital cultural de um país, a moeda de prestígio e distinção em relação ao poder político que cada país pleiteava para si diante de outros povos. Suas coleções eram adquiridas por meio de doações, compras e raptos de objetos dos povos que foram colonizados.18 Tanto nos museus de arte como de ciências naturais era gerado um comportamento de reconhecimento de antemão dos discursos científicos e estéticos expostos, bem como a partir destas referências reforçavam no seu público o ideal de pertencimento a uma nação civilizada, principalmente diante de objetos e mobiliários pertencentes à nobreza, realeza e de origem eclesiástica. Por meio do discurso científico e estético em voga expõe-se uma expressão de saber sobre os objetos de diferentes culturas, um reforço da dominação colonial. De acordo com FANON, frases como: [..] “eu conheço-os”, “eles são assim” traduzem esta objetivação levada ao máximo. Assim, conheço, os gestos, os pensamentos, que definem estes homens. O exotismo é uma das formas desta simplificação. Partindo daí nenhuma confrontação cultural pode existir (1956, p.39).

A construção do exotismo no olhar dos europeus sobre os povos africanos e ameríndios, por exemplo, teve como reforço uma perspectiva de saber tida como legítima e que desautorizava outros saberes, práticas e corpos ao colocá-los como exóticos. Esta era a posição que também encontrava-se nas exposições universais que duraram até a década de 1950.

Figura 21: Imagem ilustrativa de uma visita ao museu. Fonte: Google imagens

18 Entre as várias práticas que constituíam as coleções dos primeiros museus nos países europeus, não ignoramos a importância dos gabinetes de curiosidades que os antecederam. Como referência de estudo sobre isso citamos o trabalho de Mariana Françoso, De Olinda à Holanda: o gabinete de curiosidades de Nassau. Campinas: Editora Unicamp, 2014.

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Os espaços museológicos contribuíram em disciplinar o comportamento do visitante sobre como se relacionar com as informações expostas de modo a tomá-las como verdade. Observar peças de um museu, nas vitrines, aquários ou galerias indicava um comportamento que foi ensinado a reconhecer nos objetos expostos algum valor intrínseco e por isso deveriam gerar certa identificação com a narrativa visualizada ao mesmo tempo, alimentava um olhar de exotismo diante da exposição de peças de culturas diferentes do olhar do observador. O critério da seleção não era evidenciado para o público. As legendas dificilmente relatavam as circunstâncias de escolha que levavam determinados objetos a pararem numa vitrine de museu. Ao contrário, as legendas informam, às vezes, o nome do artista, o ano e material que as obras foram feitas. Há um silêncio quanto às múltiplas histórias que envolvem uma coleção, em especial, o critério do que é selecionado e exposto. No Brasil, a criação do Museu Real no Rio de Janeiro transformado no Museu Nacional, em 1818, teve como acervo uma pequena coleção de história natural e quadros pintados durante o período colonial sobre a paisagem sul americana. Estes quadros foram doados por D. João VI. O importante para os diretores deste museu era representar a nação brasileira em consonância com a ciência em voga na época. Isso significava investir em pinturas que retratassem a paisagem natural. No final do século XIX surgiram outros museus que disputavam com o Museu Nacional a leitura científica da realidade brasileira, em especial, a compreensão do caráter do povo como base da nação. Por exemplo, o Museu Paulista (1892) em São Paulo, Museu Paraense Emílio Goeldi (1894), Museu do Exército (1864), Museu da Marinha (1868), Museu do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (1894). Havia uma perspectiva de reproduzir os padrões europeus de visibilidade de uma nação: um povo homogêneo, branco e católico. Os intelectuais brasileiros responsáveis em dizer qual cultura era legítima nos espaços museais, também diziam como seria esta caracterização? Com estas questões colocavam-se diante do sentimento de repulsão e inclusão simultânea de populações não brancas, consideradas bárbaras e inferiores. Uma relação ambígua pelos corpos vistos como abjetos.19

19 O conceito de abjeção trata das práticas de negação de direitos, de reconhecimento e legitimidade de determinado grupo de pessoas. Segundo Judith Butler, o corpo abjeto é aquele que se nega a entender, ouvir, conceber existência em determinada matriz cultural, considerado um corpo sem vida. Visto em: BUTLER, Bodies That Matter: On the Discursive Limits of "Sex". New York: Routledge, 1993.Disponível:

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Com a República, novas leituras sobre a História do Brasil foram construídas, em oposição ao modelo usado durante o regime monárquico, os museus tiveram importante papel na rede de produção discursiva sobre o imaginário da nação brasileira, colaborando com as regras sobre o que poderia ser dito. Até meados do século XX, a equiparação entre povo, raça e nação possibilitou o discurso da mestiçagem, no lugar de ressaltar as especificidades étnicas. Reconhecer as especificidades culturais dos povos que conviveram no território brasileiro, poderia romper com o discurso assimilacionista construído por diferentes instituições, por exemplo, no acervo do museu de história (Museu Paulista inaugurado em 1895) e no acervo do museu de arte (Pinacoteca de São Paulo, inaugurada em 1905). O interesse sobre as culturas dos povos colonizados restringia-se aos museus de etnologia, estes possuíam uma posição inferior em relação ao prestígio discursivo que representavam as tipologias dos museus mencionados.20 A mudança de paradigma veio com o fim da Segunda Guerra Mundial e que acompanha, na sequência, a descolonização dos países da África e Ásia, o movimento dos direitos civis da população negra nos EUA e os movimentos de resistências aos governos autoritários nos países da América Latina. Em 1946, após um ano de término da Segunda Guerra Mundial, a preocupação com a preservação dos bens patrimoniais e a possibilidade de usá-los como forma de aproximação entre as nações para fortalecer a paz e o respeito a diversidade entre os povos possibilitou a criação do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e as Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ambos na cidade de Paris, França. O convênio de cooperação mútua entre ICOM e UNESCO possibilitou a Conferência realizada em Santiago do Chile, em 1972. Esta conferência introduziu o conceito de “museu integral”, o qual conferia aos museus o papel político de atuar na preservação da natureza e do seu território junto às comunidades locais. Neste seminário também foi discutido o conceito de “museu ação”, concebendo aos museus uma aproximação com as comunidades do seu entorno para pensar com elas os problemas econômicos e políticos que as afligem e, então, propor soluções sustentáveis. Estas medidas estão atreladas, especialmente, à força que os movimentos http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/9979/8380. Último Acesso 30 ago. 2018. 20 Os museus de etnologia surgiram como espaços de celebração dos impérios coloniais e ao tratarem das culturas colonizadas, tornaram-se importantes centro de estudos antropológicos.

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sociais adquiriram em diferentes países na década de 60 e com isso, amplia-se o questionamento sobre o papel dos museus na relação com seus territórios e quais discursos assumiriam. A defesa de um novo papel dos museus na sociedade fomentou seminários promovidos pela UNESCO no Rio de Janeiro (1958); em Jos na Nigéria (1964); e em Nova Déli (1966). No Brasil, houve uma forte mobilização da sociedade folclorista, do movimento feminista, do movimento negro, de defesa dos diretos indígenas e descendentes de imigrantes em diferentes debates políticos incluíram suas perspectivas que não eram consideradas na política cultural brasileira. Simultaneamente, ocorre o mesmo em outros países.21 Os movimentos antinucleares, antibelicistas, a luta pelos direitos civis, movimentos ecológicos, o movimento de libertação contra a colonização dos países africanos e asiáticos favoreceu questionar os espaços de representação política, assim como críticar o modelo europeu de alta cultura europeia diante de outros saberes e práticas culturais até então desprestigiadas. A descolonização dos países africanos, por exemplo, acompanhou movimentos artísticos, políticos e filosóficos como o pan-africanismo e o destaque para o conceito de negritude. Referências que se destacaram neste contexto foram o poeta e intelectual senegalês Leopold Sedar Senghor (1906-2001) e o poeta da Martinica Aimé Césaire (1913-2008). Estas referências intelectuais irão inspirar outros intelectuais na valorização da produção artística e intelectual da Diáspora Africana, que escapa aos eixos tradicionais da arte considerada Ocidental. O Museu Nacional do Niamey no Níger foi construído com a independência deste país em 1960 e teve como um dos seus objetivos proteger seu patrimônio local contra os vandalismos e tráficos de objetos. O Museu da Anacostia Community Museum, em Washington DC (Estados Unidos) nasceu com reivindicações políticas da população afro-americana. A Conferência da Terra realizada em Estocolmo em 1972, na Suécia, potencializou o surgimento de ecomuseus como prática que vincula o desenvolvimento sustentável ao patrimônio cultural. A Convenção da Diversidade Biológica de 1992 e a Plataforma Intergovernamental da Biodiversidade e Serviços Ecosistêmicos de 2013 passaram a reconhecer o saber dos povos indígenas em assuntos sobre o meio ambiente.

21 Tem-se em 1948, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Dentro os serviços ecossistêmicos, destaca-se a contribuição das populações tradicionais à agrobiodiversidade, a diversidade agrícola. São elas que valorizam e conservam a diversidade dos cultivadores; coleções de mandioca e de pimentas no Rio Negro e de batata-doce entre os Kraho são exemplos dsso. Essa diversidade é elemento central da segurança alimentar do mundo e faz prte de uma modernidade avançada, aquela que não privilegia simplesmente a produtividade. (CUNHA, 2016, p.19)

De acordo com Hall (2003), os movimentos identitários fomentaram um modernismo nas ruas dado pela valorização de outras narrativas, as quais impunham certos deslocamentos das antigas hierarquias pautadas nas narrativas oficiais. As novas políticas culturais voltadas para as diferenças sexuais, raciais, culturais e étnicas ganharam visibilidade em diferentes países. No final do século XX novos conceitos passaram a rever a função dos museus e de seus discursos. O edifício, a coleção e o público, continuam sendo importantes ao lado de novas categorias como os conceitos de território, patrimônio e comunidade. Com estas novas categorias incentiva-se uma mudança epistemológica para construção de novos museus. O conceito de território possibilitava destacar as relações vividas por uma comunidade, sendo estas práticas os bens materiais e imateriais a serem preservados. Esta perspectiva foi defendida por Georges Henri Rivière e Hugues de Varine-Bohan, diretores do ICOM, ao priorizarem a população como agente das atividades museológicas, esta é a perspectiva que passou a ser vista como uma ação à favor da democracia cultural.22 Em meio às novas formas de pensar a função dos museus na sociedade, há os debates que inserem práticas de repatriação de objetos culturais dos povos que foram colonizados e que hoje tem suas peças em museus estrangeiros, assim como há novos museus com a perspectiva de valorizar as culturas locais, os chamados museus comunitários e imateriais. Curadores e diretores de museus passam a rever as narrativas que expõem, em especial, sobre a relação com os povos colonizados e propõem novos exercícios de leitura que desestabilizem formas de olhar e pensar, porém, como realizam isto? O Museu da Língua Portuguesa, por exemplo, surge no processo destas diferentes respostas que circunscrevem o campo da nova museologia. Entre elas,

22 O historiador e museólogo, Hugues de Varine Bohan foi diretor do Conselho Internacional de Museus (ICOM) entre 1965-1974. É responsável pelo conceito de Ecomuseus, também conhecido como museu comunitário e que compõe o Movimento Internacional da Nova Museologia da década de 80.

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citamos a crescente importância dada aos visitantes nos museus, os interlocutores das narrativas museológicas. Os museus passaram a investir nas formas de comunicação com seu público. Desde a inclusão de legenda nas peças expostas e textos que acompanham as exposições até a existência de acervos digitais. Estes aspectos fortalecem o papel educativo dos acervos museológicos e a existência de setores educativos. Os museus imateriais, também conhecidos como museus intangíveis, museus vivos, contadores de história, museus interpretativos ou interativos; apareceram no cenário da cultura brasileira com a tecnologia audiovisual e digital. Estes novos recursos ampliam o campo enunciativo dos objetos expostos e as antigas galerias museológicas ganharam nova performance discursiva. Ao proporcionar primazia à experiência sensorial, o bem musealizado em si mesmo torna-se meio para educação emocional e não um fim em si mesmo. Há uma mudança de foco, o acervo digital torna-se meio para valorizar experiências pessoais com o tema exposto. Neste aspecto, Lúcia Gonzáles menciona o desafio de quem faz a curadoria de uma exposição: [...] não se trata mais de enfileirar alguns quadros, alguns vídeos ou performances, e sim, de propor uma teia de oportunidades de leitura que possam comover ao outro, isto é, tirá-lo de seu lugar, de suas certezas, abrindo-lhe o mundo; criar uma instabilidade para que haja movimento, ou seja, para que a experiência no espaço museal seja transformadora (p.4).

O designer norte-americano Ralph Appelbaum foi responsável pela cenografia do MLP. A Ralph Appelbaum Associates, com sede em Nova York, tem experiência larga na concepção de museus interativos, com o objetivo de propor uma experiência sensorial e afetiva ao público.23 Cabe ressaltar que os museus de ciências foram os primeiros a instaurar processos interativos dentro deles. Na entrevista realizada por CAVALCANTE (2001), na Revista Super Interessante, com o designer Ralph Appelbaum, a constituição de uma exposição é

23 Exemplos desta atuação: Museu Americano de História Natural - Sediado em Nova York. Biblioteca Presidencial Clinton, voltada para a memória da gestão de Bill Clinton na Presidência dos EUA (1993- 2001). Museu Memorial do Holocausto, voltado para o estudo e a preservação da memória do genocídio praticado na Alemanha nazista (1993). Memorial do Rio Grande do Sul, construído em 2000 no antigo prédio dos Correios em Porto Alegre, abriga exposições e mostras que valorizam a cultura gaúcha. Exposição da TV na OCA - Mostra realizada em novembro de 2000, celebrando os cinqüenta anos da televisão no Brasil. 53

valorizada como aquela capaz de gerar uma linguagem atrativa na relação com o público. De acordo com Ralph Appelbaum: Tudo começa com muita pesquisa, colaboração de especialistas, enfim, busca de informação. O que nós fazemos é transformar essa informação em uma narrativa e depois essa narrativa em uma experiência de imersão. A arquitetura e o design do museu são fundamentais para provocar essa experiência. Museus modernos, na maioria das vezes, são museus de interpretação, precisam de um contexto, de um entorno. São mais parecidos com uma peça de teatro com a diferença de que você pode caminhar pelo palco.24

A produção de novos museus, na perspectiva deste designer, envolve não apenas a linguagem interativa, mas a arquitetura dos espaços. Ambos funcionam como novas linguagens museológicas. Nesta mesma entrevista ele diz: Além do mais, a criação de museus como o de Bilbao é mais do que a criação de um museu, é o nascimento de uma nova arquitetura e o renascimento de uma cidade, uma oportunidade de atrair as pessoas de volta para o centro urbano. Museus tornam a vizinhança segura, atraem lojas, restaurantes e pessoas para relaxar, numa convivência pacífica. Estamos falando do renascimento de espaços sociais, da arquitetura e da qualidade de vida que vem com tudo isso.

Para Poulot, a nova tipologia de museus, como os museus imateriais, coloca-se em disputa com os museus etnológicos, como pode ser visto no trecho abaixo: [...] a evolução aparentemente terminológica – a do patrimônio imaterial que toma o lugar do patrimônio etnológico – venha a implicar mudanças que têm a ver, simultaneamente, com uma orientação disciplinar e com uma vontade de intervenção política (2013, p.54).

Esta nova intervenção política é espacial, verbal e visual. Para os sujeitos que produzem os novos museus compreendem que estão construindo uma nova forma destes espaços serem vistos pela sociedade. Isso pode ser encontrado na posição de Hugo Barreto, secretário geral da Fundação Roberto Marinho e responsável pela concepção do MLP. Para ele, o MLP não se define como um museu histórico, etnológico, antropológico, segundo algumas das tipologias conhecidas nos estudos museológicos, mas como um “museu experiência”.25

24 Disponível em: . Último Acesso 21 jan. 2018 25 Hugo Barreto foi responsável pela criação do Telecurso 2º grau, Canal Futura, Museu da Língua Portuguesa, Museu do Futebol, Museu da Arte do Rio e Museu do Amanhã. Durante 2004-2007 foi presidente do Conselho do GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas).

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Essa tipologia insere uma nova relação com o processo de musealização, por exemplo, não há como preservar uma língua. O setor de preservação (seleção, aquisição, gestão e conservação do acervo) deixa de existir no espaço do museu. A ausência de um acervo ou de coleções fez com que o núcleo de pesquisa (curadoria e catalogação) e comunicação (exposição, publicações) ganhasse formatos pouco visíveis nas dependências desta instituição, não havendo também uma reserva técnica. No lugar do acervo há um conjunto das instalações expositivas de base digital; a presença de objetos materiais é compreendida como cenográfica. A dimensão intangível, variável, capaz de se modificar impossibilita falar de uma coleção que possa ser preservada. Entretanto, os museus imateriais/intangíveis continuam se autodenominando museus, mesmo com estes novos formatos que se diferenciam dos museus caracterizados por uma coleção e reserva técnica. Os recursos audiovisuais e a narrativa em primeira pessoa do singular também são marcas da nova comunicação museológica que se diferencia das regras adotadas até então para comunicação de um acervo. Esta nova linguagem museológica divide pesquisadores sobre a legitimidade dos museus imateriais, a ponto de não serem considerados museus. O MLP recebeu críticas de museólogos e historiadores que o colocam na linha de entretenimento. Na opinião do designer Ralph Appelbaum: Sempre há críticos para os quais os museus devem ser tradicionais e que o lazer deve ser outra coisa. O que nós queremos mostrar é que os museus são atrações baseadas na realidade, que permitem um aprendizado fundamentado na História. E eles podem ser tão excitantes quanto atividades de lazer baseadas na ficção e no entretenimento (Entrevista com o cenógrafo do MLP Ralph Appelbaum).

Para Appelbaum, os museus vivem uma interseção singular entre patrimônio, educação e turismo. Num museu imaterial, por exemplo, não há como preservar um acervo. Sua função seria outra: O que nós queremos é que os museus se juntem às demais atividades de lazer. Ninguém precisa se queixar de deixar de ir ao cinema ou de praticar esportes porque tem que visitar um museu. Isso deve ser um prazer. Para tanto, buscamos formas de melhorar essa experiência e fazer com que as pessoas se sintam à vontade no ambiente do museu (Entrevista com o cenógrafo do Museu da Língua Portuguesa Ralph Appelbaum).

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Neste caso, não há a preocupação de preservar uma coleção ou organizá-la por meio dos recursos digitais, mas provocar uma educação emocional, por meio de um espaço que alia uma perspectiva de educação e lazer. A associação entre museus e espaços de lazer, segundo Ralph Appelbaum, iniciou nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, sem que isso representasse uma ruptura com a forma de promover cultura. Quase a metade dos museus norte-americanos foi construída após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, a partir dali, foram utilizados pelas famílias como forma de passar seu tempo de lazer. Conforme as pessoas tinham mais tempo livre, os museus passaram a ser freqüentados por crianças e jovens, ricos e pobres, tomaram-se palco de eventos sociais, lugares onde encontrar os membros de sua comunidade. (Entrevista com o cenógrafo do Museu da língua Portuguesa Ralph Appelbaum).

Novos comportamentos são instigados. Ao lado da fruição insere-se o estímulo por descobertas e jogos. A cenografia, cada vez mais, ganha o espaço da organização dos museus que trabalham com temas intangíveis. A perspectiva educativa continua como função das exposições museais responsáveis por criar relações entre informações tiradas de diferentes lugares. Estas podem estar em forma de objeto, imagens, texto escrito e audiovisual; e que constituem uma forma de ver um assunto pelo arranjo produzido entre elas. Os recursos audiovisuais também são utilizados com a finalidade de gerar a experiência afetiva nos visitantes em relação ao conteúdo exposto. Sobre esta organização, o MLP desde a sua inauguração até o incêndio em 2015, contou apenas com alterações realizadas na expografia do segundo andar que se referiam à adequação ao novo acordo ortográfico. Não houve mudança de conteúdo. Para apresentação do segundo andar deste museu, compomos um percurso de visita em quatro instalações. A primeira refere-se à instalação Árvore das Palavras.

Figura 22: Fotografia da instalação Árvore das Palavras Fonte: http://museudalinguaportuguesa.org.br/memoria/exposicao-principal/

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Quem chegava ao museu, ao entrar no elevador panorâmico, visualizava na lateral do elevador a instalação chamada Árvore das Palavras. A imagem acima foi retirada do site do museu, visualizamos a perspectiva desta instalação sendo registrada do seu interior, num ângulo que nenhum visitante acessava. Esta instalação percorria os três andares do museu entre os dois elevadores panorâmicos.

Figura 23: Fotografias da instalação Árvore das Palavras. Na primeira imagem temos a visualização do segundo andar do museu com a Árvore das Palavras entre os dois elevadores. Na segunda imagem visualizamos visitantes que ao saírem do elevador passavam na frente desta instalação. Fonte: André Bispo

No térreo, o visitante já no elevador poderia ver entre um galho e outro, palavras escritas em latim. Nos demais andares visualizava palavras que tem origem nas línguas africanas e indígenas. O fato de a raiz não tocar totalmente o solo permite pensarmos no encontro entre raízes: latinas, africanas e ameríndias uma vez que na raiz visualizava-se palavras do latim e no corpo da árvore palavras que tem origem nas línguas africanas e ameríndias.

Figura 24: Na primeira imagem temos a perspectiva de quem sai do elevador e vai em direção À Grande Galeria. Na segunda imagem a perspectiva de quem retorna para o elevador. Fonte: Acervo de estudos dos educadores do MLP

O visitante ao descer do elevador, no segundo andar, deparava-se com a exposição fixa (de longa duração) cujo tema principal era “A língua como retrato de um

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povo”. Para compor este tema o MLP selecionou influências linguísticas e características culturais dos povos formadores do povo brasileiro. A primeira imagem a ser visualizada era uma tela que percorria toda a extensão do corredor do segundo andar. Esta imensa tela nomeada de Grande Galeria divide-se em três partes. Em cada parte, são exibidos quatro vídeos temáticos que se revezam durante o dia. Neste revezamento, o vídeo Raiz Lusa era transmitido uma vez a mais em relação aos outros três.

Figura 25: Grande Galeria Fonte: André Bispo

Cada vídeo, com duração de seis minutos, foi composto por recortes retirados de diferentes produções audiovisuais da Fundação Roberto Marinho, da TV Cultura, Videocabines do projeto Parabolic People26 e de filmes como Língua Além-Mar, entre outros. Os visitantes, geralmente escolhiam ver uma sequência destes vídeos, reconhecendo imagens retiradas de trechos de novelas, filmes e videoclipes. Na primeira parte, os temas exibidos são: “Relações Humanas”, “Músicas”, “Carnavais” e “Festas”. Na segunda parte: “Raiz Lusa”, “Religiões” e o único com nome duplo “Natureza e Cultura”. Na terceira parte: “Futebol”, “Culinária”. “Danças”, “Cotidiano”. Existe um narrador para cada vídeo temático que conecta as falas expostas dos diferentes documentários selecionados para compor cada vídeo. Assim evitou-se perder a articulação entre os enunciados. Deste modo, o visitante ao chegar no segundo andar do MLP depara-se com cenas contemporâneas de falantes da língua portuguesa, exibidas na parede de um longo

26 Este projeto é da cineasta Sandra Kogut, especialista em vídeo arte e documentários. Ela convidou transeuntes de diferentes cidades do mundo, a utilizar uma cabine por 30 segundos equipada com uma câmera.

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corredor. Recortes de diferentes vídeos que exibiam aspectos da língua portuguesa e da cultura brasileira. A ideia de uma língua viva e de um museu vivo era colaborada pelas imagens contemporâneas de diferentes falantes da língua portuguesa. Percebe-se, nos vídeos, a combinação entre experiências culturais e palavras que as acompanham, imagens de diferentes locais do Brasil e a particularidade de sotaques dos seus habitantes. As múltiplas imagens ilustrativas de algumas culturas regionais favoreciam a estimulação, nos visitantes nacionais, da identificação imediata e o orgulho de ser brasileiro e falante da língua portuguesa. Somava-se a esta percepção o impacto que a cenografia despertava no olhar dos visitantes nacional e estrangeiro. O mesmo acontecia no terceiro andar com o levantamento da tela e sequência de poesias narradas e projetadas no teto do edifício com imagem e som; a tecnologia digital, no seu apecto viaual, parecia disputar a atenção em relação ao próprio discurso textual do museu. Entre a Grande Galeria e a Linha do Tempo, no centro do segundo andar, encontramos a instalação Palavras Cruzadas.

Figura 26: Palavras Cruzadas Fonte: André Bispo

Ela era organizada em oito totens (chamados de lanternas). Cada lanterna era composta por um monitor dedicado às palavras que contribuíram para formar o vocabulário da língua portuguesa no Brasil. Havia duas lanternas dedicadas às línguas indígenas (uma para o Tupinambá e a outra para Línguas Indígenas hoje), duas lanternas para as línguas africanas (uma para Quicongo, Quimbundo e Umbundo e outra para Iorubá, Eve e Fon), uma lanterna para Espanhol, uma para Inglês e Francês, uma dedicada às línguas dos imigrantes (Chinês, Árabe, Italiano, Alemão, Japonês e

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Hebraico) e a última mostrava vídeos e textos sobre a língua portuguesa em países que ela é língua oficial ou língua de base para a formação das línguas crioulas. Nesta instalação, presenciava-se as adaptações morfológicas e fonéticas das palavras oriundas destes povos na estrutura da língua portuguesa, bem como a mudança de significado de cada palavra, devido ao novo contexto de uso. Do outro lado do monitor eram expostos objetos representativos de suas práticas culturais. Ao clicar sobre a palavra via-se o seu significado e ouvia-se o som da palavra falada na língua portuguesa do Brasil; na sequência, era visto e ouvido o seu significado e som na língua de origem. Este aspecto sinalizava a migração das palavras de uma língua para outra e as adaptações de sentido diante do novo contexto cultural de uso. Ao apresentar o sentido original e suas mudanças fortalecia a ideia de uma língua viva, cujos significados não são fixos afastando da sua matriz de origem. Atrás de cada lanterna havia uma vitrine, onde era exposto objetos antigos e contemporâneos, escolhidos para representar a cultura material e imaterial dos povos formadores do povo brasileiro. Os visitantes não apenas descobriam a origem das palavras faladas em português como um pouco da característica cultural destes povos.

Figura 27: Palavras Cruzadas Fonte: André Bispo

Na parede da frente da Grande Galeria tínhamos a Linha do Tempo. Ela, inicialmente, era dividida em três partes na horizontal, a primeira dedicada a aspectos culturais dos povos indígenas; a segunda à formação do povo português e de sua língua; e a terceira parte referia-se a aspectos da cultura africana.

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Fonte: Acervo de estudo dos educadores do MLP Figura 28: Linha do Tempo Fonte: André Bispo

A partir de 1500, a cronologia prioriza fatos da História do Brasil em cinco partes divididas verticalmente. Estas divisões acompanham um tablado na horizontal com informações selecionadas para cada período histórico. No conjunto, encontra-se na Linha do Tempo os seguintes recursos: mapas de diferentes tamanhos, mapas animados (vídeos), iconografia variada (cartografia náutica, iluminuras, documentos históricos, fotos, gravuras, desenhos), documentos antigos, fotografia e fac-símiles de artefatos. No seu tablado havia monitores (telas interativas) com pequenas apresentações temáticas com pesquisadores renomados como: Ataliba Teixeira Castilho, Aryon Rodrigues, Yeda Pessoa de Castro, entre outros. A expografia do segundo andar do MLP recepcionava o público com a cultura da oralidade por meio dos diferentes vídeos da Grande Galeria. Em paralelo a esta instalação, como representação da cultura da escrita, havia a Linha do Tempo com documentos e fatos históricos, como se registrasse a história que acompanha os processos da comunicação oral visualizado na parede paralela. Entre os textos escritos da Linha do Tempo e os falados na Grande Galeria, no centro do segundo andar, a instalação Palavras Cruzadas permitia que se ouvisse e visualizasse as palavras em português, bem como a possível origem de sua grafia e a escrita de palavras de cultura ágrafa.27 A palavra como objeto é um signo importante nas três instalações. Ela é ouvida, vista e tocada em cada setor. A palavra é acionada dentro de cada visitante. Na Grande Galeria, ela promove o reconhecimento do falante da língua portuguesa em cenas que lhe são cotidianas. Na Linha do Tempo, muitas palavras eram examinadas em seus

27 É importante dizer que a ausência de tradição escrita não ignifica ausência de tradição gráfica, ao contrário, existe uma forte prática de grafismos nestas sociedades que participam como forma de registro da memória social.

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registros iconográficos, fotográficos e textual. Na instalação Palavras Cruzadas, ao ver as palavras sobre a tela, despertava-se uma curiosidade em tocá-las e, com isso, suas origens eram descobertas. O MLP, ao enfatizar o aspecto sensorial da expografia, envolvia o público num movimento de ser atingido por palavras, sejam as palavras escritas como as faladas, em seus sotaques regionais ou ritmos que não obedecem a norma escrita. A escrita da Linha do Tempo e a oralidade da Grande Galeria, são linguagens diferentes que foram colocados uma na frente da outra, tendo como centro o setor dos objetos e das palavras referentes as suas línguas e culturas de origem. Para iniciar a visita pelo acervo, não existe um único percurso, não há uma proposta de começo, meio e fim. O começo da Linha do Tempo, por exemplo, está na contramão de quem chega no espaço expositivo pela Grande Galeria. O que importa neste caso não é a direção, mas o sentimento que o espaço gera. O museu só faz sentido no seu conjunto ao provocar encantamento nas narrativas fragmentadas, a ligação é emotiva, visual e sonora. Da relação emotiva com a língua portuguesa para imagens em movimento, os visitantes ficam na expectativa de um espetáculo. Ao mesmo tempo, sua participação é esperada no toque dos monitores espalhados pelo centro do segundo andar e tablados da Linha do Tempo. O seu discurso provoca deslocamentos de sentidos do linguístico para o museológico, e deste para o sociológico, antropológico e arqueológico. Os curadores sabem que tratam de algo que não se controla ou guarda, por isso escolheram privilegiar a história da língua portuguesa por meio das práticas de seus falantes. As estratégias que dão visibilidade a estas práticas presentes no acervo do MLP são: textos escritos e falados, imagens em movimento (rotação normal e câmera lenta), fotografias, iconografias e objetos. Nestes materiais é possível evidenciar as posições que estão em diálogo, assim como o significado construído na relação entre imagem e texto e o que se deseja assegurar. Os recursos audiovisuais beneficiam a imagem de uma língua dinâmica. Neste aspecto há um encantamento pelas tecnologias digitais, elas provocam uma mudança no comportamento do público por meio da interatividade com o que está sendo exposto. Em virtude disso, de acordo com Sobrinho (2013), a definição mais representativa do Museu da Língua Portuguesa, é aquela que toma o lugar da imagem dos museus como um templo das musas, para uma imagem mais alinhada aos processos tecnológicos da comunicação: a de um templo das mídias.

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A linguagem audiovisual e a presença de programas educativos nos museus refletem a adaptação destes espaços em atrair um grande número de visitantes, uma bandeira levantada no final do século XX para democratização cultural e promover a acessibilidade destes espaços. Entretanto, não apenas a linguagem utilizada pelo museu, mas as informações selecionadas podem gerar a identificação do público com o que é exposto. Os sujeitos são interpelados pelas posições expostas, a ponto de se tornarem “fiadores do discurso” apresentado. O recurso audiovisual como projetores e monitores permitia essa aproximação.28 No projeto do MLP, considera-se como público alvo diferentes faixas etárias, trabalhadores e camadas populares de diferentes níveis de instrução. O alvo é a média da população brasileira, mulheres e homens provenientes de todas as regiões e faixas sociais do Brasil e cujo nível de instrução é, na maioria, médio ou baixo. Essas pessoas utilizam o português – sua língua materna – das mais diversas maneiras: comunicam-se com muita criatividade, usam neologismos, inventam imagens, têm humor. Operam a língua com muita soltura, mas não tem ideia de sua história, de como ela se construiu e continua a construir-se. Deseja-se que, no museu, esse público tenha acesso a novos conhecimentos e reflexões, de maneira intensa e prazerosa. (FRM, 2006, p.3).

A escolha pela palavra “instrução” no lugar de “educação” no texto do projeto do MLP, sinaliza a perspectiva de transmissão de conhecimento. O museu coloca-se como instrutor de um discurso, enquanto o público é colocado na posição de adquirir essa instrução, como uma orientação prática. Enquanto a palavra educar, cuja origem vem do latim “ducere” significa “conduzir para fora de”, proporcionar novos estados de consciência, estimular a relação entre os saberes, proporcionar espaços de questionamentos. Estas diferenças são significativas nas escolhas deste museu, assim como a perspectiva de uma linguagem que possa padronizar o interesse de difrentes públicos. Identificamos como um dos seus objetivos, sensibilizar o visitante para o reconhecimento de ser um usuário e agente da língua portuguesa, aquele que produz diferentes culturas com esta língua. Nas palavras de Ralph Appelbaum: O que estamos celebrando ali é a capacidade única de cada pessoa contribuir para a criação de uma cultura. E ela faz isso por meio da

28 A ideia de “fiadores de um discurso” encontramos em Dominique Maingueneau, a qual pressupõe que todo discurso é assumido por um sujeito. Exemplo, “[...] um enunciado bem elementar como “Chove” é estabelecido como verdadeiro pelo enunciador, que se situa como o responsável, como o fiador de sua verdade”(MAINGUENEAU, 2015, p.27).

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linguagem, que é a alma da cultura. Para quem está de fora, esse museu traz muito do Brasil” (Entrevista com o cenógrafo do Museu da língua Portuguesa Ralph Appelbaum).

Na citação destacada, nota-se que o visitante do MLP deve se sentir parte do acervo e construtor da história da língua portuguesa. A interrupção das atividades deste museu ocorreu com o incêndio no final do ano de 2015, o qual destruiu as salas ocupadas pelo educativo, administração do museu, setor de manutenção, infraestrutura, copa, sala de aula do museu. O primeiro incêndio na Estação da Luz ocorreu em 1942, após noventa anos da administração inglesa da São Paulo Railway.

Figura 29: Áreas atingidas pelo incêndio 21/12/2015 na Estação da Luz Fonte:http://www.frm.org.br/app/uploads/2018/06/Relatorio-Atividades- 21017_FRM_versao-web.pdf

Figura 30: Vista panorâmica do incêndio no MLP, na Estação da Luz Fonte:http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/12/estacao-luz-da-cptm-permanece- fechada-nesta-terca-veja-alternativas.html

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Com a sua reconstrução, novas equipes foram contratadas de modo a adaptar ações do museu, mesmo na ausência do seu espaço físico, como, por exemplo, algumas atividades educativas do MLP, em março de 2017, mês do seu aniversário no saguão da Estação da Luz. Foi elaborada uma programação de atividades na data de celebração do dia internacional da Língua Portuguesa (05 de maio), data de referência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Figura 31: Atividades desenvolvidas no saguão da Estação da Luz em data comemorativa do MLP Fonte:http://www.frm.org.br/app/uploads/ 2018/06/Relatorio-Atividades- 21017_FRM_versao-web.pdf

Várias outras ações foram promovidas durante o período de reconstrução do seu espaço físico, assim como a sua presença na 16º edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) em 2018. A exposição itinerante Língua Portuguesa em Nós, do MLP, dá continuidade ao discurso principal deste museu, quando localizado na Estação da Luz: a importância do contato da língua portuguesa com outros idiomas e a relação da língua portuguesa do Brasil como expressão dos países que pertencem a CPLP. Esta exposição percorreu Angola, Cabo Verde, Moçambique e Portugal, colocando-se como um museu vivo nos países lusófonos.

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Figura 32: Divulgação da exposição “Língua Portuguesa em Nós” Fonte: http://museudalinguaportuguesa.org.br/exposicao-itinerante- do-museu-da-lingua-portuguesa-chega-a-lisboa

Observa-se, no texto destacado do site do MLP, a escolha pelo pronome “nós” como forma de trazer a voz dos diferentes falantes da língua portuguesa e dos que representaram as grandes navegações. São duas posições diferentes, a relação entre elas pode transformar o “nós” num “nó”. O “nó” da difícil relação entre colonizador e colonizado, o “nó” dos silenciados da história oficial e o “nó” da seleção do que se espera ouvir, a partir de quem se permite falar. A aproximação com os falantes da língua portuguesa em territórios distintos envolve reconhecer posicionamentos políticos que estão marcados nas palavras e práticas culturais como resultado das formas de apropriação e sobreposição dos sistemas linguísticos e culturais, por exemplo, a inserção da palavra igreja e cristão no vocabulário das línguas africanas. Traz-se outra forma de ler a frase de José Roberto Marinho no texto retirado do site do museu. Confirma-se, então, que existem “embaraços” das relações entre povos de culturas e línguas diferentes, mas é preciso entendê-los como parte da história da língua que falamos. Podemos olhar para o “nó” formado e reconhecer o que não se visibiliza nele ao tratar da história da língua portuguesa nos países em que ela se tornou língua oficial. Na imagem abaixo é apresentada a perspectiva apresentada para o novo MLP a partir das palavras do Relatório de Atividades Anuais da Fundação Roberto Marinho, página 77:

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Figura 33: Posição discursiva sobre a construção do novo MLP Fonte:http://www.frm.org.br/app/uploads/2018/06/Relatorio-Atividades-21017_FRM_versao-web.pdf

O desafio para construção de um pensamento ético está em tomar posições discursivas que não silenciem pensamentos, práticas e saberes de culturas que se colocam em contato, de modo a evitar novos epistemicídios (CARNEIRO:2005). Por isso, as formas de confrontar narrativas da história de um país, é confrontar com as formas de contá-las. De acordo com Rago, “libertar-se do passado traduz-se, então, como um libertar-se da construção autoritária do passado, que suprime o contato direto com as experiências da liberdade inventadas e usufruídas por nossos antepassados (2015, p.31). Deste modo, é importante considerar que novas narrativas nos museus dependem de práticas de desindentificação, isto é, deixar de se identificar com as mesmas referências de produção de conhecimento para gerar outras formas de conhecer. Por isso, acreditamos que a função política dos museus, nos reais esforços em rever suas narrativas, está em se colocar em outras posições nas histórias que contam, isto é, dando visibilidade a lugares de fala silenciados nestas narrativas.

1.3. A celebração da diversidade e o direito à diferença

Ao tratar do reconhecimento político das matrizes linguísticas e culturais, particularmente, dos povos ameríndios e afro-brasileiros, deve-se levar em conta a

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construção da cidadania que envolve estes povos, uma relação, sobretudo, política com o Estado brasileiro. A cidadania como direitos e deveres a serem exercidos pode ser uma retórica quando não visualizamos que este exercício passa necessariamente por práticas que as alimentam. Nas palavras de CARVALHO: A luta pelos direitos, todos eles, sempre se deu dentro das fronteiras geográficas e políticas do Estado-nação. [...] Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado. (2018, p.18).

As políticas patrimonias tem como um dos seus papéis a escolha dos símbolos representantes do imaginário da nação. Os discursos de pertencimento a uma nação geralmente passavam pela escolha de uma língua, de um território e histórias comuns, portanto na definição de um povo. Estas são referências, por exemplo, da construção da nação alemã e italiana em 1870. A construção do imaginário da nação brasileira por intelectuais do século XIX e XX estabeleceu uma hierarquia de posições entre os diferentes grupos formadores do povo brasileiro e que ganharam respaldo das políticas patrimoniais. Apenas em Mário de Andrade (1893-1945) e Aloísio de Magalhães (1927- 1982), que os estudos das práticas culturais dos povos ameríndios e de matrizes afro- brasileiras como patrimônio cultural brasileiro ganharam iniciativa no IPHAN. Mário de Andrade, em 1936, propôs estudar as práticas dos povos ameríndios, afro-brasileiros, o modo de vida popular, os costumes, as crenças populares; bem como a história das palavras como política de patrimônio cultural brasileiro. Este anteprojeto previa a construção do próprio SPAN.29 De acordo com CORÁ, “o monumento de pedra e cal” é um bem cultural, mas são igualmente bens culturais a técnica, o saber fazer, a dança, a música, a mitologia, a religião, a língua, o nome, a vida”. (CHAGAS, apud cit CORA 2014, p.101). Essa posição não foi levada adiante. Um dos motivos desta recusa, segundo, Corá (2014), estava na invisibilidade física do bem imaterial como capaz de marcar a grandiosidade do poder do Estado brasileiro. Para Corrêa (2008), o pioneirismo de Mário de Andrade sucumbia às conveniências políticas. A causa mais evidente do abandono das ideias originais do anteprojeto de Mário de Andrade se deveu, antes de tudo, ao papel imobilizador que a burocracia do SPHAN acabou exercendo. Isto já era previsto pelo próprio escritor, que foi consciente das dificuldades com o

29 Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (SPAN), é o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

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funcionalismo, sofrendo na pele tais dificuldades com seu afastamento do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, em 1938. (CORRÊA, 2008, p.59).

O anteprojeto foi modificado e a sigla tornou-se SPHAN, a inauguração ocorreu em 1937, em meio à emergência do Estado Novo e sob direção do advogado Rodrigo de Mello Franco de Andrade.30 Os intelectuais modernistas que estiveram nos primeiros anos deste órgão “preocupavam-se, sobretudo, com a atualização da inteligência brasileira em âmbito mundial, debatendo sobre as fronteiras entre o erudito e o popular, a importância do passado colonial e a nascente industrialização”. (CORRÊA, 2008, p.58). Na história do SPHAN, diferentes práticas orientaram sua política. Desde o destaque para igrejas barrocas, pinturas e esculturas do período colonial brasileiro, como a atenção aos sítios e centros históricos, palácios e casas-grandes como Patrimônio Cultural Brasileiro. Em 1938 as cidades de Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, Tiradentes, Sabará, Diamantina e Serro, foram tombadas. Novos museus foram criados neste período e estreitaram a relação com os discursos do patrimônio cultural orientado pelo SPHAN.31 Para Corrêa (2008) e Chagas (2015), desde as primeiras décadas do regime republicano, representantes políticos de diferentes Estados brasileiros, também apresentaram no Congresso Nacional projetos sobre o que deveriam ser considerado como patrimônio cultural brasileiro. Nem todos os projetos foram consolidados, mas esta ação favoreceu o campo de discussão sobre quais bens deveriam ser preservados e como inibir as constantes ações de depredação de determinados imóveis, bem como a transferência para outros países dos objetos que tratavam da história das nações indígenas presentes no território brasileiro. Neste debate, os intelectuais conhecidos como modernistas posicionavam-se na construção de uma tradição cultural brasileira. Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Costa, , Manoel Bandeira e outros, por exemplo, assumiram esta perspectiva. A criação de novos espaços culturais colaborava para alimentar o projeto.

30 Houve a inclusão da categoria “histórico” no nome do novo órgão federal. A sigla de SPAN tornou-se SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional e a nova orientação não incluiu a perspectiva etnográfica referente ao folclore e arte popular indicada por Mário de Andrade. 31 Museu Mariano Procópio (1921), Museu Histórico Nacional (1922), Museu Casa de Rui Barbosa (1923) Museu Republicano de Itu (1923), Museu do Estado (1929), Museu Nacional de Belas Artes (1937).

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Câmara Cascudo e Edison Carneiro criaram, em 1958, o Centro Nacional de Folclore e o Movimento de Cultura Popular. Entretanto foram fechados no período de 1945 a 1964, assim como o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo em 1935 a 1938. De acordo com Ruibim: As culturas populares, indígenas, afro-brasileiras e mesmo midiática foram muito pouco contempladas pelas políticas culturais nacionais, quando elas existiam. Por certo, eram consideradas manifestações não dignas de serem reconhecidas e tratadas como cultura, quando não eram pura e simplesmente reprimidas e silenciadas. (2010, p.228).

Apenas em 1975 Aloísio Magalhães, como diretor da Fundação Nacional Pró- Memória, possibilitou mapear e documentar os saberes e fazeres de matrizes africanas no Brasil. Em 1982 houve o tombamento do terreiro da Casa Branca na Bahia, e o tombamento da Serra da Barriga, no município de União dos Palmares no Estado de Alagoas. Na gestão de , como ministro da cultura em 2003, às matrizes afro- brasileiras e indígenas foram inclusas na política de patrimônio imaterial, seus bens culturais passaram a ter direitos de serem salvaguardados. Ao mesmo tempo, algumas leis foram sancionadas como a 10.639-03 que tornou obrigatória o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana; e a lei 11.645 que se referiu ao ensino da história e cultura ameríndia nas redes de ensino. 32 Estas leis fortaleceram a produção de materiais e cursos para professores de modo a valorizar as narrativas que envolvem estas novas leis.33 É possível dizer que no ano 2000, o Sistema Nacional de Cultura, lei nº 3551 possibilitou que as diferentes práticas culturais recebessem financiamento do poder público, o que fortaleceu a continuidade de suas produções. As práticas culturais que aconteciam nas periferias das cidades de médio e pequeno porte passaram a ser divulgadas como programas da rede de turismo dessas

32 O uso da palavra raça também ganhou uma nova conotação ao mobilizar o enfrentamento das desigualdades sociais entre brancos e negros por meio da política de ações afirmativas nas universidades brasileiras. Em 1996 foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos, onde se procurou desenvolver a política de ações afirmativas com o objetivo de promover o acesso aos cursos de graduação e tecnologias como políticas públicas compensatórias para a comunidade negra. Disponível em: . Último acesso em: 11 de jun. 2017. 33 Em 2012 foi instituído pelo Ministério da Cultura, o Prêmio Funarte de Arte Negra que objetivou proporcionar condições e meios de produção artística, conforme Plano Nacional de Cultura – Lei 12.343/2010 e pelo Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288/2010.

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regiões e transmitidas em programas da Rede Globo como Globo Repórter e em séries especiais do Fantástico da mesma emissora.

Figura 34: Reportagem sobre Festa de São João na cidade de Campina Grande Veiculada no Programa do Fantástico em 24 de jun. 2012 Fonte: https://globoplay.globo.com/v/5964006/

No momento em que estas práticas ganham o relevo de consumo e atrativos turísticos, há um deslocamento da forma como passam a ser vistas. Novos sentidos são gestados tanto dentro das comunidades produtoras de determinados bens culturais como negociados na dinâmica do mercado de turismo e lazer. Estas mudanças geram diferentes discursos. Há aqueles que expressam certo cuidado neste deslocamento, para que essas culturas não se transformem num mero espetáculo, esvaziando seus significados originais. [...] o teor do imaginário, da originalidade, da inovação que a cultura de massa pode oferecer é limitado não por uma fatal carência de talentos dos realizadores artísticos, mas por força da organização industrial-burocrática que a rege estruturalmente. (BOSI, 2009, p.63).

Há outros pesquisadores que veem nessas mudanças outros efeitos e acreditam que o significado de toda prática cultural pode ser reelaborado, assim como toda cultura concebida como viva. A regulação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) pela Portaria nº 307, de 30 de julho de 2018, possibilitou salvaguardar os bens de cultura imaterial, como: saberes, fazeres, ofícios, além de locais de referência e expressão de diferentes grupos culturais. Desde a sua regulamentação, novos bens foram registrados nesta política. Por outro lado, não há consenso nas políticas de preservação cultural sobre a definição dos patrimônios imateriais. Até o presente momento, as diferenças entre

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patrimônio material e imaterial são discutidas por museólogos e historiadores. Fala-se em Patrimônio Cultural, Patrimônio Etnográfico, Patrimônio Etnológico, Novos Patrimônios, com usos e nuances diferentes. É possível afirmar que houve uma matriz de sentido comum entre as propostas do Patrimônio Cultural Imaterial e a criação de novos museus para temas que exaltam as especificidades das práticas culturais brasileiras. Com isso, uma nova ideia de cultura passa a ser divulgada nos museus chamados de imateriais. Ela ganha a dimensão de “viva”, uma vez que o patrimônio imaterial está em uso em oposição a ideia de antiguidade ou relíquia de uma época histórica. Os discursos produzidos sobre os objetos continuam exigindo contextualizações diante das escolhas políticas que os envolvem, entretanto, o que se visualiza pode ser compreendido como uma prática contemporânea, próxima do visitante. A intenção de cultivar múltiplos olhares e diferentes narrativas incentiva celebrar o que se vive no presente, portanto há um discurso que orienta estes múltiplos olhares para determinadas formas de pensar, bem como o que dee ser visto. A perspectiva de preservar um patrimônio imaterial está em apresentar os seus usos e apropriações, a história presente não é menos importante do que a história passada em virtude da possibilidade de recriação destes bens, cuja responsabilidade é atribuída aos portadores destes saberes e fazeres salvaguardados.34 Enquanto o patrimônio material trabalha com o processo de tombamento, a autenticidade e imobilidade dos bens tombados porque se relacionam com fatos de um passado histórico, o mesmo não pode ser aplicado aos bens de natureza intangível. Esses são vivenciados como forma de expressão, criações científicas, artísticas, tecnológicas, musicais, culinárias, ritos. O Estado tem o compromisso de legislar, documentar e assegurar a continuidade desses bens, sem obrigar a sua continuação. Há um novo movimento que sai das mãos do poder público, na seleção e escolha do patrimônio cultura nacional, para concentrar- se nos interesses e escolha dos grupos que almejam esse reconhecimento. Objetiva-se “incorporar o olhar de quem produz esses bens culturais, e não apenas de quem os está examinando ou identificando”. (SANT´ANNA, 2007, p.142).

34 “Existe a possibilidade dos detentores dos bens registrados serem contemplados pelo Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, para que implantem um Ponto de Cultura, ampliando os recursos financeiros para atividades de pesquisa, difusão e promoção dos bens culturais”. (CORÁ, 2014, p.27).

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A possibilidade do MLP contribuir com esta política está em referendar, por meio da língua portuguesa, práticas e saberes culturais que são vivenciados e estão espalhados em diferentes regiões do país. Este é o objetivo da instalação Grande Galeria. Ela apresenta uma língua que está fora do museu, na vida dos seus diferentes falantes, com isso dá visibilidade a outros espaços legítimos de produção de cultura. Esta ação também envolve ver a língua portuguesa nos seus usos e formas de produção de subjetividade. O museu coloca-se na posição de gerar em nós, falantes da língua portuguesa, uma reflexão sobre como esta língua opera em seus falantes, com palavras que também vieram de outras línguas, mas que funcionam na nossa forma de pensar e produzir em português.35 Entre estas posições discursivas, as práticas reconhecidas pela política de patrimônio imaterial tendem a misturar-se com discursos que valorizam a diversidade brasileira. O conceito de diversidade cultural foi empregado pela União Europeia em 1999 como estratégia de promover e proteger expressões culturais e culminou numa agenda internacional, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, escrita pela UNESCO, em 2001. Entretanto, o discurso da diversidade como forma de definir a brasilidade pode impossibilitar que se veja como as situações de conflito social, cultural ou linguísticos acontecem no território brasileiro. A imagem de fácil acomodação entre línguas e culturas pressupõe que as relações vividas neste extenso território não são permeadas por exclusões das diferenças linguísticas e culturais nas instituições públicas; uma forma de silenciar as relações de violências que estas práticas envolvem. Assim como colocado por Carrera, “[...] o Estado não é neutro em relação à classe social, gênero, raça/etnia, diversidade sexual, sustentabilidade etc., como denunciado por movimentos de mulheres, negros, indígenas, ambientalistas, LGBTs, de deficientes, etc.” (2017, p.38) O direito à diversidade como uma pauta das políticas de direitos humanos responde a demandas dos movimentos sociais e identitários fortalecidos com a abertura democrática. Ao mesmo tempo, faz-se necessário questionar os discursos que tendem a essencializar as subjetividades, os sujeitos destas políticas, transformando-os em

35 O vídeo de abertura da Praça da Língua, narrado por e exibido no auditório do MLP, num determinado momento da narração, ouvimos a seguinte frase: Pensamos em português, sonhamos por meio desta língua.

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estereótipos quando se deseja alterar e, porque não, mobilizar novas referências e percepções sobre as diferenças étnicas, de gênero e raciais. Podemos dizer que novos sentidos são cada vez mais negociados em função do surgimento de novos sujeitos. É exatamente nessa interface que surgem dilemas acerca das medidas adequadas e justas para o tratamento de demandas não mais orientadas pelo ideal igualitário abstrato liberal, mas justificadas pelas necessidades culturais concretas de determinados grupos. (COSTA, 2001, p. 154)

Este movimento coloca-se em luta com outras práticas, por exemplo, a exposição Brasil+500 A Mostra do Redescobrimento realizada no Parque da Ibirapuera, no ano 2000. Segundo entrevista de Antônio Risério esta exposição inspirou vários projetos como o MLP.36 A análise do título desta Mostra já implica a perspectiva de um olhar estrangeiro que ao chegar nesta terra se vê como descobridor dela. O convite a redescobri-la coloca o visitante a assumir a posição dos colonos portugueses. Em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, o presidente desta exposição disse: “Mostraremos ao mundo um Brasil desconhecido”.37 Segundo a perspectiva do jornal Folha de São Paulo, antes da abertura oficial, essa Mostra já estava marcada pela polêmica de tornar-se uma Disneylândia das artes plásticas. Considerava-se que o trabalho dos cenógrafos, colocava os objetos expostos numa cultura de entretenimento.38 Com o fim desta exposição, em entrevista concedida ao jornal Estado de São Paulo, Edemar Cid Ferreira diz: “Foi realmente uma ação muito importante, pois

36 Antônio Risério é antropólogo, poeta e historiador, trabalhou no Ministério da Cultura com Roberto Pinho na implantação das Bases de Apoio à Cultura durante a gestão de Gilberto Gil. Esteve na elaboração geral do projeto do MLP e do Museu Cais do Sertão , no Recife. De acordo com entrevista concedida ao site da Terra, Antônio Risério afirma que a ideia do MLP já estava latente no livro Museu Aberto do Descobrimento: o Brasil Renasce Onde Nasce36, publicado em 1994. Disponível em Último Acesso 15 out. 2018 37 Disponível em: Último acesso 15 out. 2018 38 A “Mostra do Redescobrimento: Brasil+500” esteve entre os dias 23/04/2000 a 7/09/2000 em São Paulo, depois de outubro a dezembro no Rio de Janeiro. Visto em: Último Acesso 15 out. 2018

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conseguimos dar uma visão completa do Brasil tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros. Isto acaba revigorando a autoestima do País, afirmou Ferreira.”39 Essa megaexposição desdobrou-se em exposições de menor porte expostas em 12 capitais brasileiras e viajou para museus na França, Inglaterra, Espanha. Nos Estados Unidos, por exemplo, teve o título a “Brazil Body and Soul” exposta no Museu Guggenheim de Nova York, ao mesmo tempo, pode representar o interesse de consagrar artistas brasileiros no mercado de arte internacional. De acordo com Fialho, a exposição Brasil+500 foi um “(...) desejo de projeção na cena internacional de certos agentes brasileiros e servia de indicador da abertura do campo artístico brasileiro aos especialistas internacionais”. (2015, p.695). Desde a década de 50 a Primeira Bienal Internacional de São Paulo possibilitou a projeção de artistas brasileiros, porém, tentava-se: [...] quase sempre, fugir à ameaça de receber a rotulação de “arte brasileira” – a produção local andava então pari passu com o que acontecia no exterior e buscava ser vista como uma arte mundial, que apenas era produzida por brasileiros. (WERNECK, 2011, p.18).

Na década de 70, o circuito internacional das artes dominado pela tradição europeia e norte-americana, passou a incluir artistas que representavam países da América Latina, África e Ásia. Por outro lado, críticos e historiadores, de arte da América Latina opuseram-se a seguir os modelos europeus e norte-americanos nas produções destinadas a este circuito. Como resultado duas propostas foram acordadas, uma que eliminava características nacionais nas produções artísticas, cabendo aos museus reforçar o valor estético e a outra a possibilidade de afirmar características nacionais, regionais e locais.40 Esta abertura progressiva representou para alguns setores brasileiros a possibilidade de divulgar o Brasil como sinônimo da diversidade cultural. Para FIALHO (2015), a diversidade e a globalização tornaram-se termos não excludentes ao favorecer a inclusão de artistas, curadores e produtores culturais no mapa internacional das artes. Para essa entrada, “os agentes brasileiros estão, em geral, sempre prontos

39Disponível em: Último Acesso 15 out. 2018 40 A arte produzida por brasileiros começou a alcançar projeção internacional, através dos trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Em especial, “Hélio Oiticica criava seus parangolés como uma das maneiras de transformar a arte em um campo de ação, além de aproximar a “alta cultura” e as manifestações populares, como, por exemplo, o samba”. (WERNECK, 2011, p.19).

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para fazer concessões excessivas: aceitar e/ou participar na promoção de estereótipos da cultura brasileira”. (FIALHO, 2015, p.706). Para Michetti, pesquisadora da inserção da moda brasileira no mercado internacional da alta costura, ocorreu o mesmo fato: [...] as características negativas atribuídas ao jeitinho brasileiro se tornam virtuosas, de maneira que ele será reafirmado como virtude tipicamente brasileira. A nossa suposta disposição à gambiarra passa a ser operada junto ao mercado mundial – o que inclui, insistimos, o mercado doméstico – como um dos predicados da brasilidade. (2015, p.179).

Segundo esta pesquisadora, as noções de multiculturalidade e criatividade brasileira eram utilizadas como justificadas da entrada das grifes brasileiras no mercado de moda. Em suas palavras: “Em um mundo faminto de diversidade, um buffet vem mais a calhar do que um melting pot.” (MICHETTI, 2015, p.188). Com isso, o conceito de diversidade brasileira ganhou espaço para materializar formas de ver a cultura brasileira. Em diferentes contextos, este discurso foi utilizado com interesses distintos, evidenciando inúmeras apropriações diante do avanço da economia globalizada.41 A posição discursiva que via na globalização econômica uma possível homogeneização cultural foi tema igualmente debatido no final do século XX, gerando movimentos que marcavam o seu inverso, a anti homogeneização de valores, comportamentos e emoções. Algumas propostas artísticas passaram a reafirmar temas locais, subjetivos, com “questionamentos pessoais ou autobiográficos, ligados às origens, ao universo cultural, raízes e histórias mais regionais” (WERNECK, 2011, p.12).42 Nos diferentes movimentos discursivos que envolveram críticas à globalização, identifica-se alguns posicionamentos do projeto do MLP apresentados abaixo: O segundo eixo é a universalidade da língua portuguesa. A ideia de globalização surgiu após Portugal ter chegado na África, Índia e Ásia, com as grandes navegações. A viagem de circunavegação revelou a esfericidade da Terra. E o português foi introduzido em vários pontos do planeta. (FRM, 2006, p.2).

41 Nos museus, as práticas de comparações da quantidade de visitantes entre instituições museológicas, número de objetos de acervo e recursos humanos são uns dos efeitos deste discurso. Fala-se em cocuradoria e participação de público na elaboração das exposições, mas essa prática pouco se confirma. 42 Exemplos de alguns artistas que tiveram estas motivações: Sandra Cinto, Beth Moisés, José Rufino, Efrain Almeida e Marepe.

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[...] num momento em que o mundo passa por uma homogeneização cultural trazida pela economia globalizada, podemos valorizar – e até exportar – a aceitação da diversidade, característica que nos é tão cara. (FRM, 2006, p.3).

Na análise da primeira citação, a globalização estaria presente no processo de expansão da língua portuguesa através da colonização dos povos portugueses. Na segunda citação, a economia globalizada é uma ameaça a homogeneização dos povos, sendo que a prática de “aceitação da diversidade” estaria atrelada a característica da língua portuguesa no Brasil. Esta característica local resultante do movimento de colonização portuguesa deveria ser “exportada” na crítica a globalização contemporânea. A migração atual É curioso verificar que a aceitação da diversidade colocada na segunda citação é vista como resultado da imigração de povos de diferentes lugares, enquanto a migração contemporânea decorre dos processos de globalização, não é mencionada. Os motivos que levaram aos movimentos de imigração, seja no passado como no presente são silenciados. Em outro trecho do mesmo projeto encontramos a seguinte posição: A mensagem central contida no museu é que essa língua portuguesa que unifica um país do tamanho do Brasil é a forma de expressão de uma cultura rica e diversa que carrega consigo uma mensagem singular em meio às nações. Pois, apesar das grandes desigualdades sociais e econômicas em que está imerso, o Brasil tem como um de seus mais relevantes traços distintivos a capacidade de tolerância. Nesse território, desenvolveram-se formas de convivência e respeito às diversidades de que o mundo necessita. (FRM, 2006, p.3).

Na citação, o autor do projeto do MLP não mobilizou o conceito de diversidade como uma política cultural, mas como um adjetivo do comportamento brasileiro resistente à submissão de uma ordem econômica. A língua portuguesa refletiria uma cultura rica e diversa, além de carregar em si práticas de tolerância, portanto são adjetivos atribuídos à história da língua portuguesa no Brasil e que se materializaria na característica do povo brasileiro. Diante destes posicionamentos, é proposto neste trabalho que sejam analisados os onze vídeos da Grande Galeria do MLP, de modo a evidenciar as estratégias discursivas em fazer ver a língua portuguesa como agente e produto da cultura brasileira.

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2. O CORPO DA PALAVRA NO ATO DE LER

Eu falo a língua do colonizador, mas preciso dela para me comunicar bell hocks

A Grande Galeria possuía 106 metros do corredor do segundo andar do MLP. Ela se dividia em 3 partes. Cada parte exibia quatro vídeos temáticos com duração de seis minutos cada um. Estes vídeos eram compostos por cenas recortadas de diferentes produções audiovisuais, como videoclipes, shows, entrevistas, cenas de documentários, filmes e novelas. A reunião destas diferentes linguagens favorecia captar e manter a atenção do público do museu, durante o tempo estimado de exibição. Embora fossem cenas retiradas de produções audiovisuais distintas, os mesmos materiais serviram para montar os temas: Carnavais, Músicas, Relações Humanas, Festas, Natureza e Cultura, Raiz Lusa, Religiões, Futebol, Cotidiano, Danças, Culinária. A repetição de narrativas entre os vídeos possibilitou visualizarmos a conexão entre eles compondo alguns eixos de discursos que sugerem. Os enunciados que se repetem no museu se conservam fora dele, graças a certo número de suportes materiais e institucionais que os mantém. Mesmo que a enunciação nunca seja repetida, o enunciado é uma materialidade repetível. Por isso, a análise foi desenvolvida nas aproximações entre os discursos que compõem cada vídeo, os subtítulos deste capítulo resultam desta nova sequência discursiva. Nesta pesquisa não foram problematizadas as motivações que levaram a construção das cenas exibidas na Grande Galeria do MLP, como mencionado, elas resultam de contextos diversos. O que é ressaltado se refere à nova contextualização discursiva em que estas imagens se inseriam no museu, isto é, como os diferentes recortes temáticos serviram para reforçar determinadas posições discursivas. Estas posições eram faladas pelos narradores, pessoas escolhidas da grande mídia como: a cantora Adriana Calcanhoto no vídeo Música; o artista e músico Antônio Nóbrega no vídeo Danças; o ex-futebolista Edson Arantes do Nascimento (Pelé) no vídeo Futebol. A familiaridade de grande parte das vozes deve-se também pela escolha de atores das novelas da Rede Globo, como Antônio Fagundes no vídeo Natureza e Cultura, Lázaro Ramos no vídeo Festas, Marco Nanini no vídeo Cotidiano, Regina Casé no vídeo Relações Humanas, Zezé Motta no vídeo Culinária; provavelmente os narradores

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menos conhecidos no meio de comunicação de massa eram Carlos Nader43 e Camilo Genro. Em algumas cenas, o discurso do narrador é o eixo principal na conexão entre uma cena e outra, em outras cenas o seu discurso complementa os recortes audiovisuais escolhidos. Estas diferentes falas nomeamos de “locução”. O vídeo Raiz Lusa é o único que não tem um narrador, ele foi construído de modo a estabelecer uma narrativa comum entre a fala de três pesquisadores portugueses, o arqueólogo Claudio Torres,44 o historiador Jorge Couto45 e o linguista Ivo Castro.46 Para a análise das imagens em movimento foi necessário realizar a descrição do texto do narrador e das locuções, melhorando a visualização do discurso narrado. Não foi feito uma transcrição, ou seja, a escrita exatamente de como se fala. Esta ação dependeria de uma formação de quem é graduado em letras com formação específica em transcrição para realizá-la. Em algumas cenas foi possível descrever aspectos que ocorrem apenas na fala, entretanto, reconhecemos a utilização dos modos da língua escrita. Nesta descrição, algumas palavras aparecerão sublinhadas, uma forma de mencionar que elas apareciam sobre as cenas exibidas na Grande Galeria em grandes letreiros. Como educadora do MLP, facilmente observava nos visitantes brasileiros o sentimento de pertencimento às cenas da Grande Galeria. Havia certa emoção em deparar-se com imagens conhecidas e que favoreciam compor o discurso sobre a diversidade da cultura brasileira. Provavelmente, algumas cenas eram mais conhecidas do que outras, devido à grande circulação em jornais; nos programas da televisão; em anúncios de turismo; cartão postal; novelas; minisséries; Facebook; Instagram etc. Estas

43 Carlos Aziz Nader, roteirista de TV e jornalista. Desenvolve videoarte, documentários e videoinstalação para centros culturais e museus. Disponível em: . Último Acesso 30 out. 2016 44 Cláudio Torres, arqueólogo, diretor do Museu Islâmico de Mértola. Disponível em: . Último Acesso 18 ago. 2018 45 Jorge Couto, historiador, presidente do Instituto Camões e diretor da Biblioteca Nacional de Portugal. Disponível em: . Último Acesso 10 ago. 2018 46 Ivo Castro, licenciado em Filologia Românica e doutorado em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa. Disponível em: . Último Acesso 18 ago. 2018

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imagens são tratadas como estratégia discursiva para produção de determinados sentidos sobre o que somos como brasileiros falantes da língua portuguesa. Pode-se dizer que a Grande Galeria, particularmente, contribuía com dois reforços discursivos: o primeiro refere-se às narrativas dos vídeos temáticos que vinculavam certo imaginário de Brasil. O segundo reforço ocorre nas imagens selecionadas de modo a caracterizar a língua portuguesa falada no Brasil, a partir de determinadas práticas da cultura brasileira, uma forma de ver o vínculo entre língua e cultura. Cabe evidenciar qual imaginário de país se colocava ao público e quais linguagens culturais também produziam uma forma de ver a especificidade da língua portuguesa no Brasil?

2.1. O comportamento que as palavras dizem em língua portuguesa

“Flor do Lácio Sambódromo, Lusamérica Latim em pó. O que quer, o que pode esta língua? Se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção, está provado que só é possível filosofar em alemão, blitz quer dizer corisco, Hollywood quer dizer Azevedo.”

Figura 35: Videoclipe de Caetano Veloso cantando a música Língua Fonte: Vídeo Músicas

O videoclipe de Caetano Veloso é visualizado no vídeo Músicas com recorte no trecho acima. Neste trecho da música, ouvimos a possibilidade de filosofar apenas em alemão, o que reforça positivamente a imagem das línguas sucessoras do grego clássico, as quais foram investidas na construção de conhecimentos considerados legítimos. Ao mesmo tempo, a característica “doce” e “musical” do português brasileiro, garantiria o seu reconhecimento no mundo inteiro como é mencionado na sequência da cena. Locução de Caetano Veloso: “O português brasileiro é mais musical, ele resultou numa língua mais doce e através da música popular passou a ser reconhecida por um número considerado de pessoas pelo mundo todo.”

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Figura 36: Entrevista com Caetano Veloso Fonte: Vídeo Músicas

Em outros momentos do mesmo vídeo é ouvida a locução do cantor Oliveira de Panelas: “Não há limites. Você pode cantar das constelações aos germes que estão no chão, da parapsicologia à guerra do golfo pérsico. Na sequência ele canta: “Neste mundo atual que nós vivemos já se fabricam a bomba de neutrônio destruindo o mais rico patrimônio do tecido das células que nós temos”. Após esta cena segue comentário deste cantor: “Você tem que levar a palavra e o pensamento, a música, a palavra e o pensamento, numa sintonia e numa sincronia perfeita. Na hora que você canta, o cantador pensa tanta coisa que ele não sabe o que está pensando.”

Figura 37: Entrevista com repentista Oliveira de Panelas Fonte: Vídeo Músicas

Pelo recorte acima, cantar em língua portuguesa é a possibilidade de sensibilizar-se pela vida em suas diferentes dimensões, “das constelações aos germes que estão no chão”, acessar aspectos do inconsciente a situações de conflito como a guerra do Golfo Pérsico. Outras posições trouxeram a ideia de plasticidade da língua portuguesa, a capacidade de recriar estilos musicais, sem que isso implicasse alguma dificuldade na forma de comunicá-los. Locução de Arnaldo Antunes: “Se você quiser fazer rock and roll em português isso é totalmente possível, a língua você sempre pode torcer ela, como você quiser”.

Figura 38: Entrevista com Arnaldo Antunes Fonte: Vídeo Músicas

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As narrativas citadas indicam a impossibilidade de haver limites na forma como pensamos e nos comunicamos em português, uma amplitude e desenvoltura incapaz de ser controlada, assim como vemos na seguinte parte: “Na hora que você canta, o cantador pensa tanta coisa que ele não sabe o que está pensando”. Esta forma de caracterizar a língua portuguesa impede que seja visualizado como seria seus contornos culturais, os sentidos que são compartilhados em português como especificidades da cultura brasileira. Por isso, levantamos narrativas dos vídeos que indicam estes limites, isto é, como se comunicar em português diz também sobre uma prática cultural. O que quer? O que pode esta língua? Estas respostas dependem de quais comportamentos foram selecionados a serem vistos no museu? Quais palavras/expressões foram escolhidas como experiências culturais de brasileiros de norte ao sul do país? A observação sobre como nos comunicamos nesta língua é a possibilidade de identificar nas palavras/expressões/frases as relações de poder que as permeiam, as formas de sujeições dadas pelos sentidos que as palavras vinculam nas relações sociais. No lugar de justificá-las como traço cultural, ressaltamos uma posição política do museu em fazer ver determinados comportamentos. Deste modo, a escolha de algumas palavras, dependendo do contexto e os comportamentos sociais associados a elas, pode carregar diferentes sentidos. Nesta seara, chama-se a atenção para o seguinte trecho do vídeo Cotidiano. Para tanto, descrevemos a cena abaixo: Narrador: “Em geral, temos mania com diminutivo, café vira cafezinho, pão vira pãozinho, pequeno vira pequenininho, o filho vira filhinho e o pai, paizinho”.

Figura 39: Cenas de diferentes estabelecimentos comerciais com uso de palavras no diminutivo Fonte: Vídeo Cotidiano

Há diferentes práticas sociais que utilizam o diminutivo no final das palavras. A fonética das palavras que ganham o uso de “inha”, “inho” é estudado como um dos aspectos melódicos da língua portuguesa falada no Brasil e que tem origem no latim. Quando este aspecto linguístico é associado a uma “mania” dos brasileiros, podemos ter

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outra informação. Falar em diminutivo pode responder a situações de relações assimétricas, assim como a possibilidade de reproduzir hierarquias sociais com o interlocutor. No vídeo Relações Humanas, o uso do diminutivo na terminação das palavras é apresentado na seguinte cena: Visualiza-se uma senhora negra, com óculos, inicialmente com um pano branco na cabeça, e que depois aparecerá com visíveis cabelos brancos. Ela abre a porta de sua casa para o entrevistador entrar e afasta seus cachorros. O seu nome não é mencionado, o entrevistador está na posição da câmera, não é possível visualizá-lo, assim ele se coloca junto com o público sendo recepcionado por ela. As palavras grifadas aparecem na tela conforme são pronunciadas. Locução:- Alô meus benzinhos, lindos, maravilhosos, pode entrar, por favor. - E o cachorro? - Saí daí, oh, pode sair todo mundo, saí! Já vão tudo embora esta semana, entra, amorzinho, pode entrar, por favor, pode, claro, pode entrar.

Figura 40: Senhora abre a porta de sua casa para jornalistas Fonte: Vídeo Relações Humanas

A próxima cena é a entrevista no interior de sua casa, que segue descrita: - Eu trabalhei na casa do Doutor Vinícius Valadares, eles eram muito amigos do Juscelino Kubitschek. - Quer dizer que a senhora conheceu o presidente? - Muito. Então era aquela festa fim de semana, sabe, apartamento duplex, três andares, triplex, uma boate no primeiro andar de cima, ia todo mundo pra lá só saia de manhã. Juscelino quando ia pra lá, ninguém tinha coragem, ninguém tinha coragem de panhar ele lá fora, - Tô falando muito alto? - Que nada, tá ótimo. - O Juscelino quando ia lá quem colocava ele dentro do apartamento era eu, porque ninguém tinha, todo mundo tinha vergonha de buscar, eu ia lá na avenida

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Atlântica assoviava ele e ele vinha todo vestidinho de presidentinho, eu botava ele pra dentro.

Figura 41: Entrevista com senhora que trabalhou para Jucelino Kubitschek Fonte: Vídeo Relações Humanas

Observa-se, nesta cena, que o uso do assobio é um gesto que marca a aproximação desta senhora com o presidente Juscelino Kubitschek. Este gesto inverte a sua posição de subordinação, ao mesmo tempo, apresenta certa aproximação afetiva ao igualar o tratamento dado ao presidente, a forma como provavelmente essa senhora trataria seus cachorros. Repetindo a descrição desta parte: “Eu ia lá na avenida Atlântica assoviava ele e ele vinha todo vestidinho de presidentinho, eu botava ele pra dentro”.

Figura 42: Entrevista com senhora que trabalhou para Jucelino Kubitschek Fonte: Vídeo Relações Humanas

O uso de palavras afetivas e no diminutivo como “benzinhos”, “lindo”, “amorzinho”, “vestidinho de presidentinho” também sinalizam um comportamento afetivo de proximidade com pessoas que não eram próximas a ela. O foco da narrativa é uma pessoa que não está presente, um homem branco que tem o seu nome citado. A entrevistada, uma mulher negra, não tem seu nome mencionado. Ela segue no anonimato no trecho escolhido, assim como grande parte das empregadas domésticas na história das personalidades políticas brasileiras. O que é visto, mas não é dito nesta cena, são as condições desta senhora após longo período de dedicação à família do Doutor Vinícius Valadares. A relação afetiva com esta família não se mantem nas políticas públicas com ações que pudessem alterar as condições de trabalho das empregadas domésticas na década de 50. Grande parte delas permaneciam a total disposição das famílias para as quais trabalhavam, um

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resquício da cultura patriarcal e escravocrata brasileira de ter empregados à disposição 24h. Outro aspecto que nos chama a atenção na cena é a seguinte fala: - Tô falando muito alto? - Que nada, tá ótimo.

Figura 43: Entrevista com senhora que trabalhou para Jucelino Kubitschek Fonte: Vídeo Relações Humanas

A preocupação em adequar a altura da sua voz a partir de uma avaliação que é dada pelo entrevistador traz sentidos de vigilância que estão presentes, mas não são ditos. De um lado, estão na presença da câmera e no entrevistador, do outro, na presença de cachorros e nesta senhora. São vários os sentidos em jogo que são acionados na pergunta: “estou falando muito alto?” O controle sobre a altura da voz, tom e modos de falar, envolve regras sociais que se impõem sobre os corpos em determinados espaços sociais e pessoas, com isso produz sujeições, um modo de falar em língua portuguesa que produz sujeições. Outra cena do mesmo vídeo traz espaços privados como apartamentos e kitnets. A narração aborda o uso de diminutivo nas palavras em português, como é descrito abaixo:

Figuras 44: Interior de kitnets e apartamentos Fonte: Vídeo Relações Humanas exibido na Grande Galeria

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A perspectiva desta cena é colocada naquele que abre a porta de um apartamento mobiliado, enquanto uma luz natural entra pela janela do fundo. Por meio dela identifica-se um final de tarde, anoitecer e amanhecer. Esta sensação de passagem do tempo se faz sob a seguinte narração: “O português do Brasil é caloroso, caseiro, como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, nossa língua é em nhã, em nhoi, em amba, em umba, e, sobretudo, inho, de amorzinho, benzinho, dá-se um jeitinho”. Novamente o uso do “inho” na terminação das palavras sinaliza não apenas o uso do diminutivo, mas o comportamento que deseja relações de proximidade entre as pessoas, assim como podemos ver na expressão “jeitinho brasileiro”. Esta expressão diz sobre quem está pronto para dar um jeito, uma solução improvisada, fazer um favor, agilizar uma ação, em outras palavras, contornar processos burocráticos ou uma situação difícil. Segundo Damatta (2003), a versão negativa deste comportamento estaria em heranças do comportamento patriarcal brasileiro como na pergunta, você sabe com quem está falando? um comportamento corrupto que não obedece a leis e regras ao beneficiar algumas pessoas em detrimento de outras. Evidenciar a expressão “jeitinho” no museu, é uma forma de acionar as memórias entorno dos comportamentos sociais definidos por esta expressão e legitimá- la como algo específico do povo brasileiro. A palavra “gambiarra”, por sua vez, costumeiramente utilizada como resposta a um “modo” ou “jeito de fazer” que deu certo, não foi escolhida para compor os vídeos da Grande Galeria. Esta palavra esteve na cerimônia de abertura da Copa do Mundo no Rio de Janeiro em 2016. A entrada de cada delegação foi realizada tendo à frente uma pessoa numa bicicleta adornada de forma a simbolizar a “gambiarra” brasileira.

Figura 45: Entrada da delegação brasileira na cerimônia de abertura dos jogos olímpicos no Brasil em 2016 no Rio de Janeiro Fonte: http://blogs.correio24horas.com .br/mesalte/rio-2016-a- olimpiada-mais-lgbt-da- historia/

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De um modo geral, as duas expressões tratam de enquadrar o comportamento dos brasileiros orientados por afetos de flexibilidade, descontração, criatividade e familiaridade entre as pessoas para exercer trocas de favores, necessidade de vínculos etc. Estes comportamentos sociais apareceriam não apenas no uso de palavras no diminutivo, mas na própria caracterização do português do Brasil como “caloroso”, “caseiro”, “doce”. Em outros trechos do vídeo Cotidiano, identificam-se outros exemplos que relacionam uma maneira de ver a língua portuguesa a partir de determinados comportamentos sociais. Para tanto, destaca-se o trecho abaixo:

Narrador: “No Brasil, a língua é um esporte jogado em equipe, com malícia, ginga, excesso, tato, técnica, é pela língua que a gente vende o nosso peixe e a nossa banana”. Entra cena de feirantes cuja locução é: “Oh a banana, tá boa, tá boa, pega dona, oh o tamanho da nanica, oh o tamanho da prata, tá boa”; “Pega o abacaxi bem doce, o lugarzinho abafado, como é duro vender pra duro, meu Deus, oí”; “ Tem xuxu, tem abobrinha, tem verdura boa, vamo”; “O xuxu serve pra comer, serve pro nené, serve pro porco, quando sobra muito dá pro porco, o porco adora também, é o legumes que mais vende na feira, por ser barato, nutritivo, tem três vitamina, A, B e C, é casca, bagaço e água.”

Figura 46: Comemoração de partida de futebol e apresentação de um feirante Fonte: Vídeo Relações Humanas exibido na Grande Galeria

Na primeira cena, aqueles que assistiam à imitação dos gestos dos jogadores pelos jovens na segunda tela, confirmavam hábitos entre gerações que acompanham as partidas de futebol e reconhecem no comportamento dos jogadores práticas de imitá-los. Na sequência, o ambiente das feiras, em que cada vendedor disputa com a barraca ao lado a atenção do cliente para vender o seu produto. A familiaridade destas cenas favorece a identificação com comportamentos que também definiriam o português do Brasil, descrevemos novamente: “No Brasil, a língua é um esporte jogado em equipe, com malícia, ginga, excesso, tato”. Estas palavras aproximam-se da forma de contar a história da formação dos povos portugueses. Estes pelas relações comerciais teriam aprendido gestos de

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aproximação com outros povos como “tocar, pôr a mão, dar a mão”. Descrevemos abaixo: Vídeo Raiz Lusa: (Cláudio Torres – Arqueólogo) “A partir, digamos, do século XI, o árabe já é quase metade do que se fala nesta zona de Portugal. E começa a organizar-se outro tipo de civilização diferente, ligadas ao grande comércio mundial, ao grande comércio do mediterrâneo. É cultura, é língua. Os saberes vêm sempre pela troca, pelo intercâmbio. Depois, ainda, uma forma de estar no mundo – um contato humano fortíssimo entre as pessoas e que tem que passar pelo tocar, pelo pôr a mão, por dar a mão.”

Figura 47: Arqueólogo Claudio Torres Fonte: Vídeo Raiz Lusa

Na narrativa apresentada, os povos portugueses seriam resultado do “grande comércio mundial”, na sequência, este comércio é localizado no mediterrâneo, espaço de trocas de saberes que passaram pela língua e pela cultura. A experiência comercial teria constituído nos povos portugueses gestos de proximidade como “tocar, pôr a mão, dar a mão.” Por outro lado, a continuidade da narrativa frisou relações de “sobreposição” de pessoas no lugar de reconhecer o que se aprende no contato com outros povos, como segue abaixo: (Jorge Couto – Historiador) “A própria origem dos portugueses é uma origem muito diversificada. Tivemos uma ocupação por povos muito remotos, como os celtas- iberos, e aqui se sobrepuseram sucessivas camadas de populações originárias de outras áreas.”

Figura 48: Historiador, Jorge Couto Fonte: Vídeo Raiz Lusa exibido na Grande Galeria

A frase “sobrepuseram sucessivas camadas” é colocada como síntese de diferentes relações não visualizadas, mas que estão marcadas pelo comportamento de

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“sobrepor” povos. Esta ação teria continuidade na forma de pensar o contato com línguas diferentes. É possível ver essa relação no trecho seguinte: (Ivo Castro – Linguista) “Há uma população antiga de povos que não deixaram nenhum registro escrito. Essas pessoas todas aprenderam a falar latim quando os romanos a cá chegaram. Já temos aqui duas camadas. Junta a uma terceira camada quando o Império Romano começa a morrer e entram os chamados bárbaros, germânicos. E esses, em vez de nos ensinarem a falar a língua deles, aprenderam a falar a nossa língua. ”

Figura 49: Linguista Ivo Castro Fonte: Vídeo Raiz Lusa exibido na Grande Galeria

No trecho acima, o latim é visto como uma língua que se aprende e se impõe sobre os povos que avançam sobre o território da Península Ibérica, neste sentido, sobrepõe as línguas dos povos germânicos no lugar de se submeter.47 Encontram-se posições similares na ideia de sobrepor línguas em outros trechos do vídeo Músicas: Este vídeo inicia com música de Villa Lobos e imagens do rio amazonas. Na sequência, ouvimos o texto do narrador: “A música brasileira e o português passaram séculos sem se conhecer, mas quando se conheceram”. Entra locução de Anacleto da nação indígena Tukano: “Eu acho mais bonito é a língua portuguesa, inclusive meus filhos estão falando o português, é a língua nacional brasileira, né.”

Figura 50: Anacleto Alves Fonte: Vídeo Músicas

47 É importante considerar as perseguições entorno das pessoas que falavam línguas diferentes. Em contextos históricos diferentes, por exemplo, na ditadura de Franco na Espanha, proibiu-se que as pessoas falassem o catalão. No Brasil, imigrantes italianos e alemães foram proibidos de falar suas línguas no território brasileiro, decorrente da Campanha de Nacionalização do Brasil empreitada por Getúlio Vargas.

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Na história de contato e convivência entre portugueses e ameríndios, houve momentos que os portugueses chamavam estes povos de brasileiros. Na narrativa do vídeo, a relação entre o encontro da “música brasileira” com o “português” traz esta memória quando deveria representar o encontro de um ritmo, gesto e forma de falar das línguas ameríndias com a língua portuguesa. Não são comentadas as características das línguas ameríndias, particularidade fonética que tenha influenciado a forma como falamos ou produzimos músicas em português do Brasil. A escolha do texto reforçou uma perspectiva da história colonial, isto é, como os povos ameríndios eram vistos pelos colonos. A cena é construída com foco no indígena Anacleto. O recorte realizado, não permite reconhecermos qual pergunta lhe foi direcionada, a câmera e o entrevistador estão na perspectiva do público que o assiste. Neste ângulo, Anacleto diz aos visitantes do museu que reconhece a língua portuguesa como sua língua e justifica esta escolha por ser a “mais bonita”.48 Esta posição desprestigia a características das línguas ameríndias, bem como apaga as formas de como os povos ameríndios influenciaram a língua portuguesa no Brasil.49 Esse discurso legitima o uso da língua portuguesa para próximas gerações ameríndias, como pode ser observado no seguinte trecho: “Eu acho mais bonito é a língua português, inclusive meus filhos estão falando o português, é a língua nacional brasileira, né”. A percepção dos povos ameríndios como brasileiros se mostra em uma produção em língua portuguesa que retorna no mesmo vídeo, como pode ser visto na cena descrita:

Figura 51: DJ Marlboro Fonte: Vídeo Músicas

48 A escolha da cena, quem está nela e o nome que carrega (não usual) permitiu pesquisarmos a origem deste nome. Anacleto é um nome de origem grega e significa aquele que foi convocado. Disponível em: . Último acesso 19 dez. 2018 49 Encontramos no artigo de Fernanda Spozito a ação dos caciques Tupi-Guarani na relação com os europeus, em especial, como interferiram na política de colonização da América portuguesa e espanhola no século XVI a XVIII. Ainda que numa condição de dominação, não deixaram de exercer sua forma de interferência no modo de pensar e agir dos europeus. Disponível em: . Último Acesso 16 dez. 2018

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Locução do Dj Marlboro: “Se alguém discutir que o funk não é música brasileira, eu vou falar que a única música brasileira que eu conheço então é a música dos nossos tupis guaranis”. Entra cena da banda Sepultura tocando com nação indígena. Narrador: “Música brasileira é assim, quanto mais linguagens mistura, mais brasileira fica”.

Figura 52: Sepultura tocam com Xavantes Fonte: Vídeo Músicas

Na narração, a definição sobre o que é a música brasileira ficaria entre o funk e a música dos tupis guaranis. Entretanto, o que visualizamos é uma banda de rock brasileira, Sepultura, com o grupo Xavante. A narração que acompanha a cena valoriza a “mistura” de produções musicais. Não há um discurso sobre as características sonoras das línguas Tupi em contato com a língua portuguesa. A ideia de “misturar” vira uma linguagem que impede perceber as particularidades culturais e linguísticas, assim como a história dos povos que estiveram em contato com os portugueses. Esta posição tem continuidade no vídeo Danças. Descrevemos a cena: De acordo com a encenação referente ao encontro dos portugueses com indígenas no Brasil, nota-se que este encontro acompanhou a narrativa de um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha: Narrador: “Quando o Brasil foi descoberto, portugueses e índios dançaram juntos na praia, quem conta é o escrivão Pero Vaz de Caminha. Além do rio, andavam muitos índios dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diego Dias, que é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita”. (“Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha”).

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Figura 53: Carta de Pero Vaz de Caminha Fonte: Vídeo Danças

A escolha pelo Pero Vaz de Caminha reforça a posição de quem deve ser ouvido na história sobre o contato entre portugueses e ameríndios. A perspectiva da história oficial é refeita e vários trechos da referida Carta são pulados, desconsiderando como foi o primeiro contato descrito pelo escrivão. Somos colocados a ver na posição dos povos portugueses, no olhar de quem chega neste território pelo enunciado “quando o Brasil foi descoberto”. O uso da gaita para “tomá-los pelas mãos” no envolvimento musical e gestual, faz parte deste conjunto de práticas que direcionam uma forma de pensar a relação entre indígenas e portugueses no Brasil. Nos diferentes vídeos da Grande Galeria, os temas e as narrativas favorecem separar do argumento cultural o fator político que o contém. No vídeo Músicas, por exemplo, ouvimos a seguinte narração: “A rica mistura de linguagens fez da canção brasileira uma forma de literatura refinada e popular”. Entra música de Luiz Gonzaga mixado com Maria Bethânia: “Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão”. (“Luar do Sertão”).

Figura 54: Referência à música Luar com voz de Luiz Gonzaga e Maria Bethânia Fonte: Vídeo Músicas

Na narrativa, o “popular” não carregaria o sentido de elaborado como a ideia de “refinada” trouxe nesta comparação. A palavra refinada desprestigiaria o popular. Com

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isso, a mistura de linguagens na canção brasileira orienta ver e manter posições em desigualdade. Há um outro exemplo, que segue abaixo descrito. Neste momento, na última narração do vídeo Festas, ouve-se do narrador: “Nossa língua é nossa mãe, nossa língua é nossa pátria”. Termina o vídeo com som de estouros de bexigas e a frase falada é vista com as cores da bandeira do Brasil.

Figura 55: Finalização do filme Festas Fonte: Vídeo Festas

Compreende-se como língua materna (idioma materno) a língua nativa ou a primeira língua que se aprende. O idioma geralmente é considerado a língua oficial de um país, mas para as nações indígenas, por exemplo, o seu idioma não é representado na língua oficial da nação, exceto, em algumas cidades do país. Em 2010, o Guarani foi reconhecido como língua oficial do município de Tacuru (MS) e o Xerente no município de Tocantínia (TO) em 2012. São Gabriel da Cachoeira, localizada na região noroeste do Estado do Amazonas, reconheceu como língua oficial três das dezoito línguas indígenas faladas neste município: a língua Tukano, Baniwa e Nheengatu. A preocupação com o desaparecimento das línguas indígenas, por exemplo, é uma das discussões que possibilitaram desenvolver estratégias políticas para evitar a sua total destruição. O registro das línguas indígenas é uma forma de salvaguardar a identidade cultural destes grupos. Em 1989, a UNESCO se colocou como organismo coordenador das ações de salvaguarda do Patrimônio Imaterial na Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e do Folclore, porém apenas em 1993 inseriu o programa: Línguas em perigo no mundo com o objetivo de fomentar nos seus países signatários práticas voltadas para a preservação das línguas em extinção em seus territórios. O atual contexto é permeado de práticas que buscam dar visibilidade às particularidades culturais e linguísticas de alguns povos, bem como há o avanço de outras práticas em silenciá-las. Segundo Hall, o contexto que segue a globalização

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econômica também trouxe o retorno às grandes narrativas da história, da língua e da literatura (2003, p.340). Diríamos que são os três grandes pilares que sustentam imaginários de uma cultura nacional, por isso, ver a comunicação em língua portuguesa no Brasil com comportamentos hierárquicos a ela associados, encontrou nos exemplos que citamos uma relação eficaz para dissimular histórias de conflitos, resistências e violências simbólicas. Cada um teria o seu lugar em condições sociais desiguais, essa posição discursiva tende a deslocar o fator político das narrativas. Isto ocorre em trechos como o da senhora que trabalhou para o doutor Vinícius Valadares, na narrativa do ameríndio Anacleto, na forma de caracterizar a música brasileira como refinada e popular. Encontramos estes posicionamentos não apenas no que as cenas dizem, mas como elas dizem, fazem ver um determinado enunciado a partir da relação entre o texto e a imagem escolhida.

2.2. Visibilidade e silenciamento das práticas comunicadas em português.

O presente estudo entende que o corpo é palavra em movimento, que todo gesto é uma forma de materializar determinados sentidos. Entretanto, alguns corpos e gestos eram mais vistos do que outros na Grande Galeria. A relação pessoal dos brasileiros com os santos católicos, por exemplo, traduz práticas de intimidade. Neste sentido, a Romaria do Círio de Nossa Senhora de Nazaré que ocorre no Belém (PA) foi um dos exemplos escolhidos do vídeo Religiões.

Figuras 56: Procissão de Círio de Nazaré Fonte: Vídeo Religiões

Essa festa expressa forte devoção religiosa e foi incluída na política de patrimônio imaterial brasileiro, Livro de Registro das Celebrações em 2004 e na lista de

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referência do Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO em 2013. Essa inserção política fortaleceu ainda mais a sua divulgação em todo o país e no exterior. Como consequência festas religiosas não cristãs não são vistas com a mesma proporcionalidade em agregar fiéis e turistas em espaços públicos. A prática de Rodeios também é conhecida pela ampla divulgação em espaços públicos. Na cena abaixo, a proximidade com a santa no papel é vista no gesto do peão de boiadeiro ao trazê-la para seu peito em oração e depois ao carregá-la dentro do chapéu.

Figura 57: Peão boiadeiro Fonte: Vídeo Religião

Em outra cena é mostrado o transporte de pessoas na carroceria de um caminhão e com elas o quadro do Sagrado Coração de Jesus.

Figura 58: Transporte de pessoas em caminhões conhecido como Pau de Arara Fonte: Vídeo Religião

O quadro religioso da imagem acima não apenas compõe a decoração interna da carroceria do caminhão, ele está ao lado das pessoas transportadas compondo com elas a cena. Nota-se que as práticas relacionadas à fé católica são exibidas compondo outras práticas, isto é, estão presentes seja num Rodeio ou num transporte de pessoas. Estas cenas reforçam a autoridade da religião católica em ocupar diferentes espaços de visibilidade, em especial, os espaços públicos. Ao mesmo tempo que são vistas as diferentes práticas religiosas, o narrador diz: “O Brasil é um país de muitos credos e religiões. Por aqui, a fé tem diversas línguas”. Na sequência comenta: “Com seus diferentes sotaques, o Brasil é o maior país católico do mundo.” Entra cena com Cristo Redentor, uma missa com canto gregoriano e a oração do Pai Nosso realizada por fiéis.

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Figura 59: Entrada de padre católico para celebração da missa Fonte: Vídeo Religião

Há um reforço sobre o lugar legítimo de cada religião na sociedade brasileira, aquela que possuí maior visibilidade e ocupa diferentes espaços públicos, como as práticas relacionadas ao Catolicismo, e aquelas cuja existência continua em espaços restritos. A posição discursiva que afirma a diversidade religiosa brasileira é significada na relação com o catolicismo, como na cena abaixo: Narrador: “Aqui, o catolicismo não apagou outras tradições. Em toda parte, são fortes as marcas africanas e indígenas e seu linguajar”. Entra a cena de pagador de promessas e oração de benzedeira. Locução: “Água fria corre de noite e de dia, assim passou no ventre da virgem Maria, assim curai Wagner de todo o mal que ele sofre, pelo amor de Jesus Cristo”.

Figura 60: Pagador de promessas e Benzedeira Fonte: Vídeo Religiões

Embora o narrador afirme “as marcas africanas e indígenas e seu linguajar”, quem assiste vê um pagador de promessas e escuta, na oração da benzedeira, referências aos santos católicos. Grande parte das cenas escolhidas reforça o catolicismo como regra comum das orações e das práticas religiosas. A transcrição abaixo é um exemplo: Narrador: “Na missa, as palavras seguem regras compartilhadas por todos. As procissões são como longos cordões de vozes que repetem palavras mágicas e creem no seu poder”. Entra cena de romaria e cantos dos romeiros. Narrador: “ Mas nas romarias, cada romeiro inventa o seu próprio modo de falar com Deus.” Entra a cena de oração cantada por uma criança, na sequência, por uma mulher num caminhão em movimento.

Figura 61: Criança em oração. Fonte: Vídeo Religiões

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As “marcas africanas e indígenas e seu linguajar” estariam como extensão das práticas religiosas católicas, seja na oração de uma benzedeira ou na forma das orações dos romeiros. Estes se diferenciam do linguajar das missas, local onde “as palavras seguem regras compartilhadas por todos.” No vídeo Danças, por exemplo, visualizamos a festa de São Gonçalo. Nesta cena, o narrador sugere a “devotos” não cristãos que tenham como exemplo o santo católico São Gonçalo. Descreve-se a narração: Narrador: “Dançando se reza. Dançarinos devotos podem imitar o movimento de seus deuses ou celebrar o exemplo de um santo, como são Gonçalo, o santo português que gostava de tocar viola e convertia prostitutas dançando com elas.”

Figura 62: Festa de São Gonçalo de Amarante Fonte: vídeo Danças

A narrativa desconsidera a compreensão do transe religioso ao utilizar a palavra “imitar”. A referência aos orixás é substituída por “deuses”. A palavra “devoto” sobrepõe os significados que definem os “filhos de santos”, estes são comparados a dançarinos. As palavras são convertidas como se os significados de transe, orixá e filho de santo, por exemplo, pudessem ser equiparados à conversão realizada pelas palavras imitar, deuses, devotos; são gestos e sentidos diferentes que se colocam em jogo. Em outra cena do vídeo Religiões, visualizamos santos católicos, cordéis e a fachada de diferentes igrejas, ouve-se o trecho da música de Caju e Castanha, A diferença entre o crente e o cachaceiro. Locução Caju e Castanha: “Quero ouvir você contar para o povo brasileiro a diferença que tem do crente pro cachaceiro. O crente vai pra igreja, levando a bíblia na mão, no coração vai a fé, no juízo a salvação sempre esperando Jesus para partir com o irmão”.

Figura 63: Manifestação de fé religiosa católica Fonte: Vídeo Religiões

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Neste trecho da música nota-se que o crente e o cachaceiro estão em posições distintas, cada um tem um lugar no imaginário cantado. O crente é colocado numa posição moralista e superior ao cachaceiro. As práticas religiosas geralmente não são questionadas pelos fiéis que as reproduzem. Aqueles que não passam pelo batismo de alguma religião cristã, por exemplo, tendem a serem vistos como pagão. A diferença entre o crente e o cachaceiro reforça este imaginário que separa cristãos de não cristãos. O crente é associado ao cristão e o cachaceiro às crenças não cristãs. Na sequência desta cena vê-se a imagem de um centro de Candomblé. Narrador: “O candomblé trouxe palavras e sotaques africanos que ajudaram a construir a língua do Brasil.” Entra locução da mãe de santo: “Axé é a dona do mundo, é a deusa da felicidade, da alegria, do amor, da amizade.”

Figura 64: O cumprimento de uma mão de santo Fonte: vídeo Religiões

Nesta narração, ouve-se a definição de Axé no gênero feminino e como “deusa da felicidade, da alegria, do amor, da amizade”. Estes são afetos utilizados pelo narrador para identificar a herança do Candomblé na construção da “língua do Brasil”. O Candomblé representa o local de resistência das diferentes nações africanas que foram trazidas para o Brasil em condições de escravidão. Estas resistências são marcadas nas palavras utilizadas em Iorubá e que falam sobre Babalaôs Babalorixás, Ebó, Exu, Ialorixá, Iansã, Ibêji, Iemanjá, Ifá, Nanã, Odara, Ogum, Omulu, Oriqui, Orixá, Oxalá, Oxóssi, Oxum, Oxumaré, Vodum, Xangô, Xinxim. Houve contribuições das palavras do Candomblé na língua portuguesa, porém são palavras que carregam uma cosmologia diferente da religião cristã ensinada em língua portuguesa. Estas diferenças não são compreendidas, pelo contrário, reforça-se a distância entre elas. Assim, observamos na narrativa que fecha o vídeo Festas. Descrevemos abaixo:

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Visualizam-se cenas de devotos de Iemanjá em direção à entrega de suas oferendas no mar. Narrador: “Mesmo quando as palavras sobem ao céu e nos faltam, a língua pode continuar rica e generosa”. Locução, voz de uma mulher: “Eita, mãe, axé mãe, luz mãe, viva mãe (...)”.

Figura 65: Oferendas para festa de Iemanjá Fonte: Vídeo Religiões

As imagens selecionadas dão destaques para orações e os gestos de oferenda, uma prática que “faltariam” palavras para significar em língua portuguesa. Ainda assim esta língua continuaria “rica e generosa” diante deste ritual. Descrevemos esta parte novamente: “Mesmo quando as palavras sobem ao céu e nos faltam, a língua pode continuar rica e generosa”.

Figura 66: Oferendas para festa de Iemanjá Fonte: Vídeo Religiões

O Iorubá é considerado uma língua ritual no Brasil devido às contínuas perseguições às práticas religiosas de matriz africana. Devido a essa restrição, não é comum que sejam vistas suas diferentes práticas culturais na sociedade brasileira. A festa de Iemanjá, como apresentada em dois vídeos da Grande Galeria, é a única de visibilidade nacional por aproximar-se das práticas de sincretismo, isto é, de contato com referências da religião católica. Por isso, a narrativa não evidencia as condições de recriação das práticas religiosas dos diferentes povos africanos que foram escravizados no Brasil, há uma forma de ver que restringiu outras histórias. A perspectiva de promover o reconhecimento numa cena como aproximação ao tema visualizado era facilmente possível entre os que professam a fé na religião

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católica. Os nãos cristãos podiam identificar-se com suas referências religiosas exibidas no museu, como as ilustradas na imagem abaixo.

Figura 67: Objetos de referencias religiosas Fonte: Vídeo Religiões

A possibilidade de registrar a diversidade de religiões não isenta a forma como cada uma era vista, narrada e quais práticas eram mais repetidas. Observar estas escolhas posiciona o discurso do museu ante a realidade brasileira, principalmente, com o aumento da intolerância religiosa no Brasil devido ao crescente número de igrejas cristãs pentecostais.50

2.3. Paraíso tropical e seus bastidores: disputas de enquadramento

É possível que se diga que grande parte do que se visualiza na Grande Galeria compunha práticas discursivas construídas entre uma geração e outra pelos meios de comunicação de massa. Entretanto, há imagens que repetem padrões de visualidade do Brasil, antes mesmo das descritas e popularizadas pela televisão. As cenas escolhidas para o vídeo Carnavais dialogam com estes discursos. O carnaval é uma das festas brasileiras, porém na Grande Galeria do MLP ele é um dos temas em destaque. Esta escolha sinaliza uma diferenciação em relação às outras festividades que foram reunidas e apresentadas no vídeo Festas, Danças e Músicas. Essa fragmentação temática evidencia as aproximações entre os discursos destes vídeos. Também se observa o que está atrelado particularmente a essa festa brasileira, cuja repercussão internacional possibilitou divulgar certa imagem do Brasil no exterior, em especial, como propaganda turística.51 O vídeo inicia com a seguinte pergunta: “Quem nasceu primeiro? O carnaval ou o Brasil?” É possível identificar produções textuais que relacionaram certa ideia de carnaval a história brasileira, por exemplo, na marchinha de carnaval de Lamartine

50 Disponível em: . Último Acesso 23 nov. 2018 51 O Carnaval compôs uma das referencias da identidade cultural do país no governo de Getúlio Vargas.

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Babo (1904-1963), História do Brasil (1934) e no poema de Oswald de Andrade (1890 – 1954) escrito em letra minúscula chamado brasil (1927), porém na sequência da pergunta do narrador visualizamos 48 segundos de trechos do filme Alô Amigos, (Saludos Amigos). 52 Este curta metragem foi produzido pelos estúdios Walt Disney em 1942 e funcionava como propaganda do Brasil feita pelos Estados Unidos, uma imagem para ser exportada para países estrangeiros. Ele inicia com uma mão que desenha a vegetação brasileira, a qual só depois ganha sua cor.

Figura 68: Trecho do filme Alô Amigos Fonte Vídeo Carnavais

As diferentes cores saem de um único pincel permitindo dar movimento às formas preenchidas. Esta relação inicial entre forma e preenchimento reforça o imaginário de um povo que tem suas formas desenhadas na história e marcadas com a cor da miscigenação racial. O cenário da cena é construído por um único e mesmo pincel, todas as cores estão concentradas num único lugar. Nestas primeiras cenas destaca-se uma cachoeira que ganha movimento após o seu desenho. A queda d´água da cachoeira vai ao encontro do espectador como se fosse invadi-lo do outro lado da tela.

Figura 69: Trecho do filme Alô Amigos Fonte: Vídeo Carnavais

52 Alô, amigos foi formado por quatro animações, cada uma representando um país e tinham os seguintes nomes: "Lago Titicaca" (Peru), "Pedro" (Chile), "O Gaúcho Pateta" (Argentina) e "Aquarela do Brasil" (Brasil). Essas produções da Walt Disney tinha o objetivo de aproximar estes países dos Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e contra a influência comunista e fascista. Visto em: . Último Acesso 30 out. 2016

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A posição de valorização das águas abundantes no Brasil teve em Pero Vaz de Caminha sua primeira versão, portanto, a partir de um olhar estrangeiro certo imaginário do país foi divulgado como legítimo. Abaixo, um trecho da referida carta: Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Assim, no vídeo Natureza e Cultura vê-se a repetição da imagem de quedas d´água volumosas no início do vídeo.

Figura 70: Queda d´água de uma cachoeira. Fonte: Vídeo Natureza e Cultura

Na imagem acima não é possível reconhecer o local em que ocorre esta cena, a ausência desta identificação a transforma na representação de todas as cachoeiras brasileiras. Não é à toa que diferentes imagens das cataratas é uma das estratégias de divulgação do país.

Figura 71: Cartaz de divulgação do Brasil nas embaixadas e consulados brasileiros Fonte: http://www.bocamaldita.com/1119756797/belissima-propaganda-poster-oficial-de-foz/

Em 2012, o pôster acima com as cataratas do Foz do Iguaçu foi divulgado nas Embaixadas e Consulados brasileiros no exterior pelo Instituto Brasileiro de Turismo, EMBRATUR. As imagens de rios caudalosos entre espaços de areias e entre a

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vegetação verde são recorrentes nos vídeos da Grande Galeria. Esta escolha dá continuidade a valorização das águas brasileiras já mencionadas.

Figura 72: Imagens de rios. Fonte: Registro fotográfico do vídeo Natureza e Cultura.

Após a imagem da queda d´água no vídeo Carnavais, do lado esquerdo da tela, forma-se o contorno do Morro do Urca e Pão de Açúcar. Estes espaços na imagem são preenchidos com as seguintes palavras: Brasil, brasileiro, bamboleio, gingar, amor, mulato, samba e acompanham o som da música Aquarela do Brasil, de .

Figura 73: Cena do filme Alô Amigos. Fonte: Registro fotográfico do vídeo Carnavais.

A imagem formada finaliza com a presença da linha de teleférico que liga um ponto ao outro. Os teleféricos são importantes meios para exploração turística neste lugar.

Figura 74: Contorno da Bahia de Figura 75: Fotografia Marc Ferraz, Guanabara Vista panorâmica da enseada do Fonte: Video Carnavais Botafogo, 1880.

Fonte: Instituto Moreira Salles, . A entrada da Bahia de Guanabara foi retratada por artistas viajantes e fotógrafos no século XIX. Entre os artistas viajantes citamos: Augustus Earle (1793-1838), em Vista do cume do Corcovado, realizada em 1822; Conrad Martens (1801-1878), Pão de

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Açúcar e Corcovado, 1833; Oswald Brierly (1817-1894), Entrada do Rio de Janeiro, presente em seus diários de viagem de 1842-1867; John Septimus Roe (1797-1878), Vista com Pão de Açúcar pela proa, lado oeste da entrada do Rio de Janeiro, realizada entre 1813-1829; Friedrich Hagedorn (1814-1889), Baía do Rio de Janeiro com Pão de Açúcar, segunda metade do século XIX; Charles Landseer (1799-1879), Vista do Pão de Açúcar tomada da Estrada do Silvestre, 1827.

Figura 76: Friedrich Hagedorn, Baía do Rio de Janeiro com Pão de Açúcar Fonte: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/20009/baia-do-rio-de-janeiro-com-pao-de-acucar- atribuido

Figura 77: Vista do Pão de Açúcar tomada da Estrada do Silvestre Fonte: https://www.brasilianaiconogr afica.art.br/obras/19988/vista- do-pao-de-acucar-tomada-da- estrada-do-silvestre-atribuido

Estes artistas transformaram a Baia de Guanabara num dos principais cartões postais da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil no exterior. Em 2007, o cartaz abaixo foi elaborado com a intenção de ser instalado na Times Square em Nova Iorque com o objetivo de atrair turistas para o Brasil, depois percorreria outras cidades dos Estados Unidos.

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Figura 78: Propaganda Turística Fonte: http://goo.gl/images/tvpMxH

Ainda sobre aspectos da exuberância da natureza brasileira como forma de construção de um imaginário sobre o Brasil, apresentamos a sequência do vídeo Carnavais. Na cena, retirada do filme Alô Amigos, há um cacho de bananas invertido para cima, uma forma de dizer sobre uma natureza que, além de transbordar como na imagem da cachoeira, se exalta.

Figura 79: Trecho do filme Alô Amigos Fonte Vídeo Carnavais

O foco no cacho de banana faz referência a uma terra fértil, ideia que também aparece no poema de Gonçalves Dias, Canção do Exílio e que se tornou base para a paródia de Oswald de Andrade, Canto de Regresso à Pátria e de Murilo Mendes, Canção de Exílio. Na contramão destes escritores, Carlos Drummond de Andrade em A Nova Canção do Exílio investiu na construção de uma paráfrase.53

53 Paráfrase significa recriação de uma ideia já retratada num texto-base, enquanto a Paródia representa esta mesma recriação, porém como crítica a ideia do texto base.

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Texto base: Canção do Paródia: Canto de regresso à Paródia: Canção de Exílio, Murilo Mendes, Exílio, Gonçalves Dias pátria, Oswald de Andrade Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Minha terra tem palmeiras Minha terra tem palmares Os poetas da minha terra Onde canta o sabiá, onde gorjeia o mar As aves que aqui gorjeiam são pretos que vivem em torres de ametista, os passarinhos daqui os sargentos do exército são monistas, cubistas, Não gorjeiam como lá não cantam como os de lá. os filósofos são polacos vendendo a prestações.

Na Praça da língua, terceiro andar do MLP, estes poemas eram ouvidos com projeção de imagens no teto do edifício.

Figuras 80: Duas imagens ilustrativas da Praça da Língua, terceiro andar do MLP Fonte: acervo de estudos dos educadores do MLP

Por outro lado, a ideia de “bananas” já foi utilizada como paródia de outras construções discursivas. A banana é típica dos países tropicais e foi utilizada para exportação em larga escala. Os Estados Unidos e os países da União Europeia são os principais compradores de bananas dos países tropicais, em especial, do gênero Musa. Essa condição gerou a expressão “República de bananas” como forma de retratar os países latino-americanos e do Caribe com governos corruptos, submissos a interesses estrangeiros e de economia baseada na monocultura voltada para a exportação, como a de bananas.54 A artista plástica Rosana Paulino também utilizou a referência do cacho de banana como paródia da construção da imagem do Brasil, em sua obra Musa Tropical de 2018. Abaixo temos a referida obra.

54 O verbete “República de bananas”, no dicionário Priberaam é descrito como crítica às instituições políticas dos países latino-americanos. “País ou região em que há corrupção e desrespeito pela legalidade e interesse público, (expressão originalmente aplicada a países latino-americanos). in: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: . Último Acesso 20 nov. 2018.

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Figura 81: Musa paradisíaca Fonte: Revista Bravo https://medium.com/revista-bravo/rosana-paulino-e-a-sutura-da-arte-no-tecido-social-brasileiro- 9bdb7f744b4e

Ao analisar as obras desta artista, em especial, aquelas reunidas no álbum História natural? (2016) identifica-se uma posição crítica ao discurso dos artistas e fotógrafos do século XIX, sobretudo por utilizarem os recursos naturais e a população escravizada como tema de divulgação do Brasil em outros países.55 Entretanto, neste momento manter-se-á na análise do vídeo Carnavais com cenas retiradas do filme Alô Amigos. Após a imagem do cacho de banana, o personagem Zé Carioca é desenhado entre as telas laterais e ganha vida quando recebe a sua cor. Passa a tocar instrumentos musicais e a realizar pequenos passos de diferentes danças.

Figura 82: Criação de imagens para acompanhar cenas do filme Alô Amigos Fonte: Vídeo Carnavais

Ele toca acordeom e mexe o pé direito, bate o guarda-chuva na cabeça, coloca a mão no peito e continua mexendo o pé. É possível visualizar em seus gestos uma valsa, um forró, um samba; além de usar o guarda-chuva como uma flauta. Cada parte do corpo, como cabeça, corpo e pé representam estilos musicais diferentes, o que

55 Esta tradição imagética do país teve nas fotografias de José Christiano de Freitas Júnior (1832-1902), por exemplo, um dos expoentes responsáveis pela construção destes temas em cartões postais.

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demonstra agilidade em realizar cada passo, bem como a fácil apropriação dessas diferentes expressões culturais marcadas em cada parte do corpo.

Figura 83: Criação de imagens para acompanhar cenas do filme Alô Amigos Fonte: Vídeo Carnavais

O papagaio escolhido como símbolo do brasileiro tem no rabo penas na cor vermelha e azul, indicando a cor da bandeira norte-americana, sinal da origem desta construção discursiva. Zé Carioca traz na roupa chapéu Panamá e no seu balanço do corpo um estereótipo do “Malandro Carioca”. De acordo com Roberto Damatta:56 Conviviam assim duas imagens contraditórias da malandragem mestiça. A primeira, e mais negativa, era aquela que associava a malandragem à falta de trabalho, à vagabundagem e à criminalidade potencial. [...]. Na segunda, o malandro aparecia definido como um sujeito bem-humorado, bom de bola e de samba, carnavalesco zeloso. Por meio da versão "Zé Carioca" da malandragem, reintroduzia-se, nos anos 50, o modelo do "jeitinho" brasileiro, a concepção freyriana de que no Brasil tudo tende a amolecer e se adaptar. (2000, p.14)

A malandragem como recusa ao trabalho regular pode ser vista na peça de teatro A ópera do malandro, de de Holanda, e nas histórias dos sambistas perseguidos pelas autoridades policiais por serem vistos como suspeitos.57 O recorte realizado sobre o filme Alô Amigos destacou um sujeito bem-humorado e dançante, uma forma de caracterizar o brasileiro como aquele capaz de harmonizar as diferenças culturais ao assimilá-las com facilidade. [...] Enfim, o malandro parece personificar com perfeição a velha fábula das três raças, numa versão mais recente e exaltadora. Diferentemente dos prognósticos negativos de certos teóricos do século passado, a mistura teria gerado um tipo singular de civilização. (SCHWARCZ, 2000, p.14).

Durante a cena escuta-se um trecho da música Aquarela do Brasil (1939) em que são repetidos pronomes possessivos “meu” e “para mim”. Estes pronomes indicam uma posição pessoal entre enunciador e interlocutor da cena. Descrevemos abaixo:

56 Disponível em: Último Acesso 27 nov. 2017 57 Como exemplo destas perseguições, citamos João Machado Guedes, conhecido como João da Baiana (1887-1974) e Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como (1890-1974).

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“Meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos. O Brasil que samba que dá, bamboleio que faz gingar, ó Brasil do meu amor, Terra de Nosso Senhor. Brasil, pra mim, pra mim, pra mim”. O tom de proximidade favorece adesão ao discurso exposto na possibilidade de reproduzi-lo. No verso, “Meu Brasil brasileiro” indica que quem fala não é um brasileiro, mas um discurso para os brasileiros. Embora a música seja de Ary Barroso, ela foi escolhida para compor um filme da Walt Disney, uma empresa cinematográfica que assumia seu interesse político e econômico na relação com o país na década de 40. Outro aspecto referente à letra da música diz respeito ao verso “meu mulato inzoneiro”. A palavra “mulato” cuja origem se refere à mula, cruzamento entre raças diferentes, é empregada como representação da cor da pele do povo brasileiro, portanto como resultado de relações interraciais. O verbo “inzoneiro” significa “manhoso”, o brasileiro visto como “inzoneiro” responderia a uma relação de submissão a alguém. As palavras “ginga” e “bamboleio” que fazem alusão ao movimento do corpo, “o bamboleio que faz gingar” não recebe nenhuma intervenção sobre a imagem que pudesse trazer a origem da palavra ginga (Nzinga). Essa palavra refere-se ao nome da rainha africana do reino do Congo que veio para o Brasil na condição de escrava no século XVI. No Dicionário Aurélio, a ginga é descrita como “bambolear (-se), saracotear- (se)” (1993, p.273) e no dicionário Houaiss como “molejo, requebro de corpo”. (2010, p.389). Não foram encontradas histórias sobre essa palavra como movimento de resistência ao enquadramento do corpo a uma forma de andar. Também não encontramos no dicionário etimológico nenhuma referência a rainha Nzinga. Essa história foi apagada da historiografia oficial brasileira e das diferentes tipologias de dicionários brasileiros. O uso da palavra ginga passou a significar movimento bamboleante do corpo em que o andar e dançar se confunde, assim como foi visto no jogo da capoeira, presente no vídeo Danças.

Figura 84: Registro fotográfico do vídeo Danças Fonte: Vídeo Danças

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Há um trecho deste vídeo em que o narrador diz: “Dançando a gente também é capaz de expressar revolta. A capoeira, por exemplo, é uma luta e uma dança, seus golpes têm nomes de passos.” No ponto de capoeira como nos versos do rap as palavras sabem dançar brincando. Neste trecho, os pontos da capoeira e do rap são vistos como a capacidade de “dançar brincando”. Esta frase dilui a relação de resistência destas práticas culturais e transforma a ginga do rap e da capoeira numa brincadeira do corpo e das palavras, desloca sutilmente a “expressão de revolta”. Não foram encontradas outras histórias relacionadas à palavra ginga, ou seja, a narrativa legitima o significado que encontramos nos dicionários em língua portuguesa, isto é, de como essa palavra passou a ser enquadrada nas narrativas oficiais. Na continuidade da cena do vídeo Carnavais na imagem abaixo tem-se um efeito especial dado com o movimento entre as cenas que estão nas telas laterais.

Figura 85: Cena de danças com trecho do filme Alô Amigos Fonte: Vídeo Carnavais

Na tela da esquerda, uma mulher negra dança com uma bandeira na mão, no centro a imagem do Zé Carioca vai sumindo com o movimento da tela da esquerda em direção ao centro. Na tela da direita, vemos a imagem de um jovem negro com passos que lembram um frevo, sua tela também se move em direção ao centro. Essas duas imagens que estavam nas telas laterais movimentam-se uma ao encontro da outra até se cruzarem no centro. Uma cena se perde dentro da outra cena, neste momento tem-se uma explosão de fogos de artifícios. O movimento da câmera transforma-se num discurso: o encontro de um casal de negros que sambam.

Figura 86: Cenas de danças e explosão de fogos de artifícios Fonte: Vídeo Carnavais

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Não é visto um casal formado por uma pessoa branca e outra negra que representasse o resultado da cultura brasileira cantada na música de Ary Barroso, em nenhum momento esta relação se coloca visualmente nos vídeos. Retoma-se, então, a primeira fala do narrador desse vídeo, quem nasceu primeiro? O Carnaval ou o Brasil? A festa ou um país? A ideia de um ambiente festivo favorece ver a fácil relação entre povos de culturas e línguas diferentes, entretanto, nas imagens que são movimentadas, uma em direção a outra, destacam-se pessoas negras e não um casal interracial. Novamente a tela se divide em três partes. No centro, a princesa da bateria de uma escola de samba e, nas telas laterais, a palavra Sambódromo possibilita a identificação do local desta cena, o espaço fechado onde ocorre o desfile das escolas de Samba de São Paulo. Também são vistos foliões na arquibancada e o abre alas na avenida.

Figura 87: Desfile de escolas de samba de carnaval Fonte: Registro fotográfico do vídeo Carnavais

Na sequência, mantém-se o carnaval de São Paulo indicado pela palavra Sambódromo nas laterais e na tela central um casal de negros Mestre-Sala e Porta Bandeira da escola de samba do Rio de Janeiro Estação Primeira de Mangueira.

Figura 88: Desfile de escolas de samba de carnaval Fonte: Registro fotográfico do vídeo Carnavais

Esta cena indica uma aproximação entre os carnavais desses dois Estados diferentes, porém de uma mesma região do Brasil, como se fosse vista uma mesma cena que em 15 segundos se coloca aos olhos do público. Não é possível identificar o samba enredo, apenas o som dos instrumentos musicais.

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Nesses carnavais são vistas pessoas negras na posição de princesa, reis e rainhas, uma inversão do que ocorre na realidade desta população no Brasil. De acordo com pesquisa realizada por Júlio Jacobo Waiselfisz, divulgada no Mapa da Violência 2016, o número de homicídio por armas de fogo no Brasil cresceu, particularmente entre aqueles que se autodeclaram como pardos (negros que se autodeclaram como pardos). O gráfico que apresentamos abaixo foi retirado do livro Mapa da Violência 2016: homicídio por armas de fogo no Brasil. Destaca-se a diferença entre brancos e pardos, que são assassinados por armas de fogo no Brasil.

Figura 89: Causas de óbitos segundo raça/cor Fonte: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf

Sobre a violência de gênero e orientação sexual, nas cenas em preto e branco, há blocos de carnaval do início do século XX, com a grande presença de pessoas brancas e a ausência da mudança de gênero nas fantasias dos foliões.

Figura 90: Cenas de carnaval na rua Fonte: Vídeo Carnavais

No carnaval das cenas coloridas, destaca-se a mudança de papéis sociais e visualizamos pessoas negras, além de destacar homens vestidos de mulher. A cor da imagem é responsável pela identificação de mudança de contexto histórico, embora a

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continuação de uma cena para outra fosse acompanhada por canções que são referências da história do carnaval de rua do Rio de Janeiro, como Zé Pereira (final do século XIX) e Alá-lá-ô de Nássara (1939).58 O narrador diz: “Desde sempre, o carnaval embaralha os sentidos. Os sentidos das pessoas e os sentidos das palavras. No embalo da festa peão é rei, pobre é doutor e homem é mulher.”

Figura 91: Cenas de carnaval na rua Fonte: Vídeo Carnavais

O enunciado coloca como prática comum dos carnavais urbanos a troca de posições sociais e de gênero, independentemente do local em que elas possam ocorrer, seja num espaço público ou privado desta festa. Se há mudanças sociais e de gênero elas acontecem apenas como “inversões” permitidas para o contexto festivo, não são alimentadas no cotidiano social e por isso não impactam sobre a diminuição da discriminação que ocorre no país contra homossexuais, lésbicas, travestis, transgêneros, queers e intersexo. De acordo com reportagem publicada no Correio Braziliense, o Brasil lidera ranking mundial de assassinatos de transexuais. Essa pesquisa foi realizada pela ONG Internacional Transgender Europe e publicada em novembro de 2016.59 O gráfico abaixo sinaliza o aumento de assassinatos de travestis e transexuais no Brasil entre 2008 a 2017 e foi divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

58 "Zé Pereira" era o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes, que em um Carnaval, por volta de 1850, reuniu amigos e agitou as ruas do Rio de Janeiro ao som de bumbos, zabumbas e tambores. Era o que faltava para a popularização definitiva dos festejos na cidade [...]. No ano seguinte já havia vários imitadores do Zé Pereira. As primeiras sociedades carnavalescas também abriram as portas para o novo costume. Disponível em: . Último Acesso 10 nov 2018. 59 Disponível em: . Ultimo Acesso 04 nov. 2018

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Figura 92: Mapa dos Assasinatos de travestis e transexuais no Brasil Fonte: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos-2017-antra.pdf

A escolha de representar os carnavais de ruas com destaque para homens travestidos de mulheres apenas reforça que este momento festivo é o único espaço de aceitação da mudança de gênero, o que explica a forte homofobia e transfobia no país. A rua continua sendo o espaço comum que se vive a fantasia do carnaval, uma transgressão para o divertimento e não para a crítica às normas sociais que silenciam a violência contra a identidade de gênero, racial e orientação sexual. Seja no ambiente das ruas, seja nos espaços privados, o cenário de uma sociedade de caráter autoritário e repressora faz do carnaval mais um momento em que as violências são continuadas pelas práticas de silenciamento.60 Enquanto a narrativa sobre o carnaval urbano foi exibir a mudança de gênero e posições sociais, na cena sobre o carnaval rural, a narrativa escolhida foi de reforçar sentidos que não se alteram. Descrevemos trecho dedicado ao Maracatu de Impulsão.61

60 Algumas escolas de samba trazem em seu samba enredos uma forma de denúncia da desigualdade social, violência racial e de gênero que ocorre na sociedade brasileira. Este foi o exemplo da Beija Flor, do Rio de Janeiro, Campeã em primeiro lugar em 2018 ao trazer o tema “Brasil Monstruoso”. 61 As diferentes práticas do Maracatu não são evidenciadas nas cenas escolhidas para serem expostas no museu. É importante ressaltar que existem diferentes modalidades de Maracatu, o Maracatu Rural também é conhecido de Baque Solto, o qual foi registrado e salvaguardado como patrimônio imaterial em 2014. Há também o Maracatu Nação chamado de Baque Virado entre outros não comentados no vídeo Carnavais da Grande Galeria do MLP, como: Leão das Cordilheiras, Leão Formoso, Leão Mimoso, Leão Coroado, Leão das Flores, Devorador da Floresta.

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Figura 93: Cantador de Loas Fonte: Vídeo Carnavais

Locução do cantador de loa: “Oh minhas mão calejadas que nele tem confiança daqui e da minha aliança e Nazareta é honrada. A cidade colocada onde tem condição. Maracatu de impulsão não precisa de um porto e onde um barco solto domina esta região”. As palavras pronunciadas pelo cantador trazem uma relação de aliança, compromisso, contrário à perspectiva de mudanças. Esta posição é vista nas seguintes palavras: “(...) tem confiança”, “(...) minha aliança” “(...) é honrada”. Em outro momento do mesmo vídeo o narrador diz: “Na zona da mata pernambucana, os sentidos não se invertem, eles se exaltam. Lá, cachaça é azougue, lança é guiada e cabra é macho.”

Figura 94: Cena de Maracatu Fonte: Vídeo Carnavais

O narrador coloca-se como alguém que fala de fora da cultura narrada. O uso do advérbio de lugar “lá” marca essa ação, ou seja, uma apresentação que é feita de longe. Também se observa a ideia de uma cultura que não se altera, as palavras teriam seus sentidos fixos como as práticas. Para melhor análise, segue novamente sua descrição: “Na zona da mata pernambucana, os sentidos não se invertem, eles se exaltam. Lá, cachaça é azougue, lança é guiada e cabra é macho.”

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Figura 95: Cena de Maracatu Fonte: Vídeo Carnavais

No momento em que visualizamos o Maracatu, ouvimos o cantador de loas e imagens dos personagens desta festa com suas roupas. O “caboclo de lança” sai de um canavial, a perspectiva da câmera impede conhecer todo o cenário, os recortes realizados no vídeo tentam sintetizar a história.

Figura 96: Cena de Maracatu Fonte: Vídeo Carnavais

O “caboclo de lança” com flor amarela na boca, salta diante da câmera e desafia com sua lança o espectador da cena. Entra outro caboclo, com cravo vermelho na boca. Ambos simulam uma luta. A cena finaliza com destaque para o que cai no chão, como aquele que deita, cede nesta relação de forças.

Figura 97: Cena de Maracatu Fonte: Vídeo Carnavais

No vídeo Festas, a narração da festa do Bumba Meu Boi é apresentada no momento em que o Boi deita no chão e deve ser curado pelo pajé. Descrevemos abaixo: Narrador diz: “Boi não fala, mas tem língua. No mito do Boi Bumba, Catirina, uma mulher grávida fica com desejo de comer língua de boi, e o boi quase morre pela própria língua, mas é pela língua do pajé que ele é curado”.

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Figura 98: Festa Bumba Meu-Boi Fonte: Vídeo Festas

Entra a explicação da função do pajé. Locução de integrante da festa: “É o pajé, (...) quando o boi adoece, ele faz a medicina e levanta o boi.” Entra uma música típica e locução escrita na lateral da tela: “pra levanta boi, deita a dor no chão”.

Figura 99: Festa Bumba Meu-Boi Fonte: Vídeo Festas

É importante destacar que na tela a palavra descrita é Bumba Meu Boi como é chamado no Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí; mas na fala do narrador aparece a palavra Boi Bumba, como é chamado no Pará, Rondônia e Amazonas. Existem outras formas de nomear esta festa dependendo do Estado onde ela ocorre. Sobre seus personagens, Catirina refere-se a uma mulher portuguesa e seu esposo, Pai Francisco, um homem negro. Esta característica de um casal interracial não é visualizada na imagem, mas retoma o imaginário sobre as relações interraciais no país. Na narrativa, deitar a dor no chão é a condição para o boi voltar a viver, portanto aquele que cede, submete-se a ação do outro. Por isso, na cena escolhida do Maracatu, o “caboclo de lança” cai no chão, assim como na festa do Bumba Meu Boi ao destacar a narrativa em que o boi “deita a dor no chão” e renasce após perder a sua língua. Essa relação torna-se paráfrase das várias construções discursivas em que o país é visto, ele renasce na descrição de sua natureza realizada pelo olhar dos artistas estrangeiros, submetido aos parâmetros e interesses dos naturalistas europeus, na posição dos colonizadores ou mesmo na descrição do personagem Zé Carioca feito por Walt Disney.

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Ao tratar do carnaval de Salvador, visualizam-se blocos de ruas na Praça Castro Alves. O narrador diz: “No carnaval, a língua trafega por todas as vias. Da cidade ao corpo, da boca ao pé. Em Salvador, música popular brasileira é música prá pular brasileira.”

Figura 100: Trio Elétrico com cantoras brasileiras Fonte: Vídeo Carnavais

As cenas apresentam shows com Margareth de Menezes, , Caetano Veloso e Ivete Sangalo. Estes cantores estão em trios elétricos, ouvimos a música: “Ele, Ele, Elegibo, Elegibo, Elegibo, cidade florescente, Elegibo, cidade reluzente, Elegibo”.62 A música cujo refrão é destacado chama-se “Uma história de Ifá”. Ela foi lançada nos Estados Unidos e no Reino Unido em 1990, compondo o gênero musical conhecido como Samba Reggae. A escolha por este gênero reforça a relação entre formas musicais diferentes, mas que se harmonizam. Por isso, a cena traz cantores diferentes, com vozes diferentes e com um mesmo som de fundo a conectá-los, assim como diz o narrador “a língua trafega por todas as vias da cidade ao corpo, da boca ao pé”. A língua é a mesma capaz de trafegar, movimentar-se nas diferentes formas, mesmo que os corpos sejam diferentes, o ritmo, como sugere a narrativa do vídeo, seria o mesmo. O vídeo Carnavais finaliza com o ensaio da bateria e imagens de bandeiras das escolas do Rio de Janeiro como a Beija Flor, Império Serrano, Acadêmicos do Salgueiro e , num movimento da esquerda para a direita. Entre uma bandeira e outra o uso de diferentes instrumentos musicais parecem universalizar a língua do carnaval, embora as bandeiras os particularizem com indicação às escolas de samba do Rio de Janeiro.

Figura 101: bandeiras das escolas de samba do Rio de Janeiro Fonte: Vídeo Carnavais

62 Elegibó refere-se a um antigo reino localizado na região da atual Nigéria.

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Existem diferentes narrativas sobre os carnavais com apropriações distintas em cada contexto histórico, país e classe social. Esta história pode passar pelos carnavais dos clubes, salões de dança, entrudo, cordões, corsos, ranchos, trios elétricos e escolas de samba. A opção do vídeo exibido no MLP foram os espaços como Sambódromo em São Paulo, Sapucaí no Rio de Janeiro, o Maracatu de impulsão festejado em Pernambuco e o trio elétrico em Salvador. Portanto, foram privilegiados os carnavais para exportação, isso explica porque uma festa não originária do Brasil, fez com que o país passasse a ser visto por meio dela. Houve um movimento de objetivação da linguagem ao passar do discurso em primeira pessoa (meu, minha) para o de terceira pessoa. O popular é visto como o “pra pular” e “cabra é macho”, esta prática não estaria no carnaval de desfile ordenado das escolas de samba que ocorrem em lugares específicos (Sambódromo e Sapucaí) e com fantasias que performatizam o carnaval para “não pular”. Na cena do Maracatu, o “caboclo de lança” cai no chão, perde a luta para que outra cultura vença. Vencer também pode ser visto como nascer de novo, assim como é colocado pelo narrador do filme Festa ao tratar da festa do Bumba Meu Boi. Entretanto, a pergunta inicial do vídeo é: quem nasceu primeiro o Carnaval ou o Brasil? São apresentadas cenas de exuberância da natureza brasileira, Zé Carioca e carnavais que possuem grande destaque na mídia. Sendo um museu que tem a língua portuguesa como tema, as imagens e narrativas deste vídeo não explicam a história das palavras que envolvem os carnavais apresentados, os instrumentos ou o carnaval de cada lugar exibido. As cenas puderam ilustrar carnavais diferentes e que facilmente favorece a ideia de diversidade da cultural brasileira. Esta diversidade não é explicada na história de cada carnaval em si mesmo, mas na forma como foram diferenciados, as escolas de samba do sudeste (SP, RJ) em relação ao trio elétrico e Maracatus dos carnavais do nordeste. Ficamos numa determinada superfície destas festas e que deixam outras histórias de lado sobre elas. Com isso, as práticas culturais apresentadas e como foram apresentadas na Grande Galeria também provocam um efeito de descontinuidade com as condições históricas que as produziram. Os carnavais, neste sentido, transformam-se em alegorias para o olhar estrangeiro já que silenciam as discriminações e violências raciais e de gênero.

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2.4. Efeitos discursivos para uma unidade brasileira

Os cenários apresentados na Grande Galeria permitiam gerar certa familiaridade aos visitantes de diferentes lugares do Brasil, mesmo diante de cenas que tratavam de práticas culturais com localização distante uma da outra, cada narrativa propunha formas de conexão entre elas, impedindo de serem vistas isoladas. A repetição de imagens e certas narrativas possibilitavam posicionar “afetos de reconhecimento”. No vídeo Relações Humanas, por exemplo, visualizamos alguns espaços turísticos, entre eles, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, o amanhecer no Planalto Central em Brasília, a cidade histórica de Tiradentes, entre outros.

Figura 102: Paisagem de lugares turísticos no Brasil Fonte: Vídeo Relações Humanas

Narrador: “De porto Alegre a Manaus de Campo Grande a Natal, de São Paulo ao Rio, em português a gente se entende.” Em outros momentos do mesmo vídeo ouve-se do narrador: “A língua liga os brasileiros. É ela que faz do Brasil, o Brasil”. Entram imagens de comemorações esportivas.

Figura: 103: Cenas de comemorações de práticas esportistas Fonte: Vídeo Relações Humanas

A linguagem afetiva dos enunciados possibilita o reconhecimento dos lugares e práticas a ela veiculada, principalmente quando se trata de lugares intensamente divulgados como atração turística no Brasil. Na imagem abaixo, o Réveillon em Copacabana é um dos exemplos: Locução de um homem: “3, 2, 1, Feliz Ano Novo, o Brasil é a Maravilha”.

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Figura 104: Explosão de fogos de artifício em Copacabana Fonte: Vídeo Festas

No vídeo Religiões há imagens de diferentes igrejas católicas no Brasil, algumas delas são consideradas pontos turísticos, como a Igreja São Francisco de Assis da Pampulha em Belo Horizonte, Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul, Igreja de São Francisco de Assis na Bahia.

Figura 105: Igrejas católicas localizadas em diferentes regiões Fonte: Vídeo Religiões

No vídeo Futebol palavras como “samba”, “molecagem baiana”, “capoeiragem pernambucana” e “malandragem carioca” definiria a ginga brasileira. Esta referência retorna novamente como sinônimo de dança, habilidade com as pernas como uma característica do povo brasileiro, assim é possível notar no enunciado da cena: Narrador: “A reinvenção dos moleques, a vitória do improviso e da inspiração, criou um novo jogo. Um pouco de samba, um pouco de molecagem baiana e até um pouco de capoeiragem pernambucana ou malandragem carioca. Com esses resíduos é que o futebol brasileiro se afastou do bem ordenado original britânico, para tornar-se a dança cheia de surpresas irracionais e de variações dionisíacas que é.” Entra montagem de cenas divididas ao meio. A primeira parte ilustra o movimento de um jogador da cintura para baixo, a segunda parte, homem dançando da cintura para cima.

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Figura 106: Montagem de cena entre pessoas dançando e jogando futebol Fonte: Vídeo Futebol

A produção de sentimento de reconhecimento, isto é, com imagens que são conhecidas também era estimulada por meio de cenas de novelas e minisséries transmitidas pela Rede Globo. Na imagem abaixo, da esquerda para direita visualizamos a minissérie Anos dourados (1986), a novela Terra Nostra (1999) e a série A Grande Família (2001). Narrador: “A língua aqui pode ser usada de um jeito ainda mais caloroso, no sentido real e no sentido figurado, no fato e na ficção”.

Figura 107: Cenas de novelas Fonte: Vídeo Relações Humanas

No vídeo Cotidiano ouvimos o quanto a língua portuguesa renasce na boca de brasileiros de diferentes Estados do país, por meio de velhos e novos imigrantes. Narrador: “Todo dia cento e oitenta milhões de pessoas no Brasil levam suas vidas em português. Fazem negócios, escrevem poemas, brigam no trânsito, contam piadas e declaram amor. Todo dia, a língua portuguesa renasce nas bocas paranaense, pernambucanas, baianas, gaúchas, catarinenses, paulistas, goianos. Novas línguas temperadas com exotismo de todos os continentes. Línguas de novos e velhos imigrantes que levam consigo para dizer certas coisas que nas outras não cabem.”

Figura 108: Imagens do vídeo Cotidiano Fonte: Vídeo Cotidiano

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Nesta narração, a especificidade da língua portuguesa deve-se a mistura com as línguas consideradas “exóticas” justamente por trazerem “certas coisas que nas outras não cabem”. No lugar de diferenciar a condição social de cada grupo no contato e aprendizagem desta língua, o visitante nacional e estrangeiro no museu poderia aproximar-se de uma experiência comum com a língua portuguesa. As narrativas que provocam afetos de reconhecimento também vinculam formas de ver a língua portuguesa no Brasil a partir da relação desta língua com outras línguas. Isso pode ser visto no trecho seguinte. Narrador do vídeo Festas: “Tradicionalmente, nossa língua celebra a mistura”. Entram as palavras: chopp chope, uma ao lado da outra.

Figura 109: Palavra Chope. Fonte: Vídeo Festas

Palavra escrita e falada na sua origem Alemã Palavra escrita e falada em português

Nota-se que houve uma mudança da palavra “chopp” em alemão para a sua forma escrita em português “chope”. Esta mudança sobre a palavra escrita é justificada pelo discurso de mistura como caracterização da língua portuguesa no Brasil. Outros enunciados reforçam esta posição discursiva, tais como os que seguem abaixo. No vídeo Festas, vê-se o mapa do Brasil preenchido com palavras em português, mas que tem origem, majoritariamente, nas línguas africanas do grupo Banto e Kwa.

Figura 110: Mapa do Brasil com palavras de origem africana, com exceção da palavra “dance”. Fonte: Vídeo Festas

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A imagem acima acompanha o seguinte comentário do narrador: “A receita da língua portuguesa sempre misturou frutos da terra e ingredientes de fora. Primeiro eles vieram de Portugal e da África, depois, vieram de quase todos os outros lugares”. A ideia de realizar uma receita da língua portuguesa colocou os povos portugueses na ação de misturar ingredientes para se obter um produto final. A “mistura” neste caso foi incorporar palavras dos povos africanos à estrutura da língua portuguesa. No vídeo Culinária encontramos narrativas sobre receitas que viajaram de um território para o outro e compõem a culinária brasileira. Na descrição da receita ouvimos o nome do prato Tordelli e Entrevero que são de origem italiana.

Figura 111: Cenas de receitas italianas Fonte: Vídeo Culinária

Na sequência da cena são apresentados ingredientes como Tucupi, Jambú e Pequi, palavras com origem nas línguas ameríndias, para receitas não nomeadas no vídeo. Segue a descrição da cena: Narrador: “Nas várias regiões de nosso país, as comidas tradicionais de índios, negros, portugueses e de outros povos imigrantes se misturaram com as coisas da natureza e se transformaram numa delícia de prazeres“.

Figura: 112 Cenas com nomes de igredientes Fonte: Vídeo Culinária

A narrativa aborda “as comidas tradicionais de índios, negros, portugueses e de outros povos imigrantes” que teriam se misturado e gerado a variedade de receitas brasileiras. A ideia de mistura, neste caso, propõe que se veja o produto, valorize o resultado, este é o caso do Tortelli e Entrevero. Os nomes das receitas italianas indicam condições de existência que lhes foram possíveis fora de seus territórios de origem, enquanto os nomes dos ingredientes que

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fazem referência à culinária ameríndia estariam numa condição desigual na manutenção de seus saberes na sociedade brasileira. No vídeo Festas, a palavra cachaça é apresentada a partir de outras formas de como ela é ouvida. A substituição de uma palavra pelas suas variações reforça uma invenção de brasileiros realizada em língua portuguesa.

Figura 113: Manifestação de festa religiosa Fonte: Vídeo Festas

Narrador: “E em todas as festas têm sempre, é claro, a água que passarinho não bebe, a apaga tristeza, arrebenta peito, a engasga gato, a venenosa, o remédio, a boa, abre coração, a danada da cachaça”.

Figura 114: Manifestação de festa religiosa Fonte: Vídeo Festas

Observa-se um homem com um litro de garrafa na cabeça, dentro de um círculo formado por mulheres de um lado e homens do outro. Todos cantam e batem palma de modo que este homem do centro mantenha o equilíbrio da garrafa até que se deite no chão em frente ao altar. A relação com a língua portuguesa aparece como exemplo das diferentes expressões criadas para nomear bebidas destiladas, enquanto a prática cultural que é vista na cena não é nomeada, mas facilmente percebida como resultado de outras práticas que se misturaram. As expressões comprovariam o que teria sido resultado de encontro de diferentes povos, assim como os diferentes modos de fazer arroz. No vídeo Culinária, a história da palavra arroz, de origem árabe, é contada a partir de outras palavras que puderam completá-la devido às receitas feitas por brasileiros. Estas invenções eram apresentadas com grandes letreiros sobre as cenas. Abaixo apresentamos a cena descrita.

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Figura 115: Palavras que nomeiam as diferentes formas de fazer arroz Fonte: Vídeo Culinária

Narrador: “O arroz, palavra que veio da língua árabe, no Brasil ganhou novos gostos e apelidos”. Entra cena de grãos de arroz caindo, como se enchesse um pote, ao mesmo tempo, aparecem nomes que referenciam as formas de fazer arroz no Brasil: carreteiro, de moça pobre, arroz doce, grego. No mesmo vídeo encontramos relação similar com a palavra feijão: Narrador: “A palavra feijão vem do latim. Aqui entre outras coisas virou feijoada”. Entra cena de preparação de uma feijoada.

Figura 116: Preparação de uma feijoada Fonte: Vídeo Culinária

A feijoada neste vídeo é vista como invenção de brasileiros, falantes da língua portuguesa. Optou-se pelos sentidos veiculados ao seu consumo contemporâneo, como a venda de feijoadas aos sábados em diferentes restaurantes e bares de São Paulo e Rio de Janeiro. Sob a perspectiva de generalizar alguns pratos como predileção nacional encontramos também na seguinte cena: Narrador do vídeo Culinária: “Mesas e roda de comida são os melhores lugares para convivência e para uma boa conversa. Vindos de muitas partes, cheiros e sabores variados enchem de lembranças e desejos a nossa imaginação. Mas de ponta a ponta, nesse nosso imenso território todas as bocas pedem mesmo é um gostoso arroz com feijão”.

Figura 117: Pessoas sentadas à mesa em diferentes lugares Fonte: Vídeo Culinária

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O arroz e feijão não é a comida típica dos brasileiros de norte a sul do país, que convivem com outros costumes alimentares, como a Baixaria do Acre; o Surucu de Capote em Alagoas; Pescada de gurijuba no Amapá; Arroz com Pequi em Goiás; Feijão Tropeiro em Minas Gerais; Tacacá do Pará; Cabeça de Galo da Paraíba etc. A escolha pelo arroz e feijão se coloca numa posição de diálogo com a prescrição do Ministério de Saúde, segundo o qual estes alimentos representariam a alimentação mais completa de nutrientes. A necessidade de combinar elementos diferentes, mas que se harmonizam, espalha-se nos outros vídeos, como Músicas: Locução de Gilberto Gil: “Vamos misturar, vamos levar o samba do Rio de Janeiro para misturar com o samba de roda da Bahia. Vamos misturar o chiclete eu misturo com banana e o meu samba vai ficar assim. Bebop, Bebop, Bebop, é o samba-rock, meu irmão”.

Figura 118: Palavras “Mistura” e “Samba Rock” Fonte: Vídeo Músicas

A proposta de combinar elementos diferentes também se faz presente em dois poemas de Carlos Drummond de Andrade escolhidos para compor o vídeo Carnavais. Segue a descrição da cena: Narrador: “O carnaval, se alguém não sabe ver, muito mais do que um intervalo de prazer, é rito, é liturgia, é coração um frenesi de rítmica paixão.”

Figura 119: Cenas de desfile de Carnaval Fonte: Vídeo Carnavais

De acordo com a poesia narrada, o carnaval é ao mesmo tempo um “rito” representante da regra e da razão, mas que dialoga com expressões da “emoção” e do “coração”. O sentimento de “paixão”, além de ser um “frenesi” (desvario) tem “ritmo”,

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portanto, não é um sentimento desordenado. O carnaval apresentado no MLP fala de rito, regra e razão, mas também de emoção e coração, torna-se outra paráfrase sobre a combinação entre elementos diferentes. O segundo poema, também de Carlos Drumond de Andrade, é falado pelo narrador: “Em qualquer parte, Recife ou Bahia, de lança ou estandarte, vamos à porfia. Lutamos em prol da nossa utopia. Queremos o sol, pura joalheria. Queremos a terra, taça de alegria, sem medo, sem guerra, nem que seja por um dia”. Enquanto se escuta o poema, imagens em câmera lenta apresentam diferentes pessoas num desfile de carnaval, brancos, negros e descendentes de asiáticos, tal como na imagem abaixo.

Figura 120: Cena de desfile de carnaval Fonte: Vídeo Carnavais

A imagem destaca a cena de uma mulher japonesa dançando samba, o que favorece a ideia de apropriação cultural, enquanto o narrador reforça a ausência de conflitos nas relações vividas no país. Esta posição é colaborada pelo verso “Queremos a terra, taça de alegria, sem medo, sem guerra [...]”. Na sequência desta imagem, são vistas as seguintes palavras: alegoria, bandeira, fantasia, camarote, torcida, mulata, estandarte, comissão, escadaria, chapéu, cordão, enredo, instrumento, velha-guarda. Ao ocuparem as três telas, ouvimos a seguinte narração: “Palavra, prosódia, ritmo, gesto, passo, sorriso, qual é a língua que se aprende numa escola de samba? ”.

Figura 121: Palavras com referência ao campo do carnaval Fonte: Vídeo Carnavais

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A palavra prosódia significa “pronúncia correta das palavras, quanto à acentuação e à entonação, parte da gramática que estuda a emissão dos sons da fala”. (Dicionário Houaiss, 2010, p.635). Após citar a palavra “prosódia” outras palavras completariam os sentidos possíveis que se aprenderia num carnaval. Além dos instrumentos musicais, adereços, fantasias, ritmos, gestos e passos, há o “sorriso” citado pelo narrador como uma comunicação entre os corpos. Assim compreende-se que o som das palavras é carregado de ritmos e gestos como também a ideia de prosódia, entretanto, esta é engolida com o sorriso, a espontaneidade que foge do controle da métrica. A cultura da “cordialidade” ou “jeitinho brasileiro”, que expressa certa descontração e flexibilidade sobre formas rígidas, retorna neste exemplo para pensar a relação entre os corpos do carnaval e nele, aqueles que com um sorriso cedem a um momento de informalidade na comunicação em língua portuguesa. A relação entre ritmos, gestos e passos que se harmonizam retorna em trecho do vídeo Danças. Visualizamos passos de dança de rua e de uma roda de capoeira, eles aparecem lado a lado, os jovens realizam os mesmos gestos e formam um mesmo plano de imagem.

Fonte: Vídeo Danças Figura 122: Danças

Em outros trechos, a proximidade entre grupos musicais diferentes é reforçada. No vídeo Músicas, por exemplo, encontramos os seguintes enunciados descritos abaixo: Locução de Mestre Candeia: “Samba de partido alto, em algumas formas existe uma grande semelhança com a música nordestina, repentistas nordestinos, porque o samba de partido também tem aquela forma da improvisação e da Mangueira tem um partido que diz assim.” Mestre Candeia canta: “Quem mandou duvidar? Quem mandou, quem mandou duvidar? Quem mandou duvidar?

Figura 123: Mestre Candeia Fonte: Vídeo Músicas

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Narrador vídeo Músicas: “A referência do rap brasileiro pode ser estrangeira, mas a linguagem é tão brasileira quanto a do repente, da embolada, do samba ou do funk”. As palavras grifadas aparecem na tela, em pares indicando aproximações entre elas.

Figura 124: imagem de palavras “rapa”, “repente” e “embolada” Fonte: Vídeo Músicas

Estas posições discursivas fazem ver, pela repetição, a ideia de filiações comuns entre determinados ritmos musicais e entre aqueles que os produzem sob o signo da “mprovisação”. É possível dizer que os discursos apresentados sobre a mistura da língua e do povo brasileiro na construção de um imaginário de Brasil silenciam as relações entre os brasileiros de Estados diferentes, cidades, classes sociais, gênero, religião etc. Se o discurso da mestiçagem racial favorece a versão sobre uma mestiçagem linguística, ambos dissimulam as posições de desigualdade social presente nas práticas culturais e suas expressões linguísticas. No vídeo Festas, por exemplo, ressaltam-se palavras que tratam de realidades diferentes, mas que conviveriam sem conflito como: sagrado e pagão, drag queen e chimarrão. Descrição: Narrador: “Na língua da festa brasileira, as palavras convivem sem problema. Chifrudo e sapatão, sagrado e pagão, drag queen e chimarrão”.

Figura 125: Imagens de palavras “chifrudo”, “sapatão”, “sagrado”, “pagão””drag Queen” Fonte: Vídeo Músicas

Dessa maneira, a narrativa sobre a língua portuguesa num museu torna-se um dispositivo capaz de materializar uma forma como se pensa e as relações sociais são vividas em português. Isso equivale a dizer que não existe um discurso sobre a língua portuguesa como expressão da cultura brasileira cristalizado no tempo, assim como não

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parti-se da compreensão de que houve no desenvolvimento de uma mentalidade brasileira dada pela miscigenação racial. A posição que assume a fácil assimilação cultural e linguística pressupõe um princípio de coerência e determinação entre uma geração a outra, essa posição silencia as relações de poder presentes no contato e convivência entre pessoas de uma mesma língua, mas de posições sociais diferentes. Num contexto de globalização, as práticas discursivas que ressaltam a mistura como unidade brasileira e que foram apresentadas nos vídeos podem direcionar modos de ver a aproximação entre pessoas, sem levar em conta as condições que ocorrem estas aproximações. No vídeo Raiz Lusa, por exemplo, encontramos o discurso sobre a fácil adaptação dos povos portugueses nos trópicos e a sua predisposição a miscigenar-se. Nele ouvi-se o seguinte discurso: Locução de Ivo Castro: “Quando o português chega ao Brasil, já leva uma longa experiência de se misturar, inclusivamente na cama, com outras raças, e outras religiões, e outras línguas. Talvez por ter convivido 500 anos com os árabes. E depois ter estado a ocupar praticamente todo o contorno da África, o português não tinha muita resistência à mistura com outras nações e outras raças e talvez não tivesse muito pelo o que escolher.”

Figura 126: Linguista Ivo Castro Fonte: Vídeo Raiz Lusa

A posição de Hugo Barreto, responsável pela concepção geral do MLP, justifica a unidade brasileira por meio de uma mestiçagem linguística, assim como ocorreu com os norte-americanos, porém num grau menor, assim como é visto abaixo: Também os norte-americanos de todo o território dos EUA se entendem em uma unidade linguística admirável. A diferença de nossa unidade linguística, porém, é o altíssimo grau de mestiçagem que constitui o português do Brasil. Não se trata apenas de speech paterns ou ritmos diferenciados. Na verdade, há aqui uma alta carga de palavras não portuguesas – basicamente indígenas e africanas – que foram incorporadas ao uso cotidiano e estão presentes em nosso vocabulário. (BARRETO, 2005, p.2).

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As duas posições destacadas acima atualizam o discurso luso-tropicalista que foi divulgado na década de 30 e 40 nas obras de Gilberto Freyre como: Casa Grande & Senzala (1933), O mundo que o Português criou (1940), Integração portuguesa nos trópicos (1959), O luso e o trópico (1961). O luso-tropicalismo refere-se à maleabilidade dos povos portugueses na relação com outros povos pela capacidade inata de adaptação ao clima. Entre 1932 e 1968, Antônio de Oliveira Salazar, ao assumir o governo português com práticas autoritárias, utilizou o discurso do luso-tropicalismo com o objetivo de reforçar a assimilação entre os povos colonizados, e com isso manter a intervenção portuguesa nos países africanos (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde), na Índia (Goa, Damão, Diu), Timor Leste e Macau. Essa prática se colocava contra a autodeterminação dos povos, um princípio utilizado pelos movimentos de libertação dos países africanos diante da colonização europeia. Este princípio havia sido reforçado pela ONU em 1945 e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948. Porém apenas na década de 60 e 70, no auge dos movimentos de libertação contra os colonos europeus, que os povos colonizados foram reconhecidos como detentores legítimos do direito de se libertar de seus ocupantes e ditarem livremente as regras de seus países. Em 1966, 160 países assinaram o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que prevê em seu primeiro artigo: “Todos os povos têm direito a autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.63 Esta posição história não se relaciona com os discursos do MLP, por outro lado, identificamos em suas narrativas certa aproximação com o discurso luso-tropicalista, o qual foi utilizado historicamente na crítica às políticas de autodeterminação. Esta aproximação estaria, por exemplo, na própria definição do projeto deste museu. Nele, observa-se a forma de caracterizar a língua portuguesa falada no Brasil como resultado de uma miscigenação linguística. Abaixo, um trecho do projeto: O idioma falado no Brasil é tão misturado quanto a cor da pele das pessoas e a cultura do país. Assim, ele também está marcado pelos encontros e desencontros de povos e signos, por convergências e conflitos, por contradições e desigualdades. No Brasil, a língua, como as raças, amalgamou-se, dando unidade ao país. (FRM, 2006, p.2).

63 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm Último Acesso 16 dez 2018.

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Na citação acima, a mistura de povos e de línguas, não teria dissolvido as marcas de encontro e desencontro que existiram na convivência entre eles. O movimento de sujeição e resistência faz-se presente nas palavras “convergências” e “conflitos”, assim como nas palavras “contradições” e “desigualdades”. Entretanto, o enunciado finaliza com a seguinte afirmação: “no Brasil, a língua, como as raças, amalgamou-se, dando unidade ao país”. O luso tropicalismo continua sendo a ideia-base para a construção de várias paráfrases que ressaltam a harmonia racial e social no Brasil. Essas formas de fazer ver as práticas de sociabilidade no Brasil compõem referências de um discurso colonial, isto é, aquele que ressalta o exotismo cultural como forma de silenciar os aspectos históricos. Nas palavras de Eni Orlandi O princípio talvez mais forte de constituição do discurso colonial, que é o produto mais eficaz do discurso das descobertas, é reconhecer apenas o cultural e des-conhecer (apagar) o histórico, o político. Os efeitos de sentido que até hoje nos submetem ao “espírito” de colônia são os que nos negam historicidade e nos apontam como seres- culturais (singulares), a-históricos. (2008, p.19)

Esta posição acompanha outros pesquisadores das Ciências Sociais que questionam a fábula das três raças, isto é, a insistência de definir a sociedade brasileira a partir da mistura racial. A exposição Histórias Mestiças (16/08/2014 a 05/10/2014) no Instituto , colocou-se no desafio de resignificar o discurso da mestiçagem brasileira. Citamos abaixo a posição de Lilia Schwarcz, uma das curadoras desta exposição. Quase como uma resposta a esse modelo construído e veiculado pelas metrópoles coloniais, essas histórias mestiças aparecem como o outro lado do espelho, ou talvez como um outro espelho. Local de produção por excelência, essas narrativas apresentam respostas múltiplas e ambivalentes, frente a um tipo de discurso que prima por se mostrar assertivo e normativo. Os signos dessas histórias mestiças são também descontínuos, por oposição a uma história positiva – apoiada em datas e eventos previamente selecionados e cujo traçado se pretende objetivo e evolutivo. No caso dos textos mestiços, sexualidade, gênero, etnicidade, práticas violentas, raça, diferenças culturais e mesmo históricas emergem de maneira híbrida, incerta, deslocada. Por isso, em vez de refletirem a nossa cronologia, essas narrativas, não raro, driblam nossos regimes de tempo, sempre pautados por séries contínuas e progressivas. Carregam, dessa maneira, tempo híbridos, que agenciam diversas e variadas formas de memória. Por isso, também, mestiçagem ou hibridismo não se apresentam como um terceiro termo, que tenderia a suavizar a tensão entre duas culturas consideradas estáveis. Correspondem, antes, a um jogo dialético de

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reconhecimento, alimentado pela própria ambiguidade e pela violência. (SCHWARCZ, 2014, p.14-15)

As práticas museológicas que não problematizam discursos sobre a mestiçagem racial brasileira acabam por reforçar o discurso oficial do século XX, constantemente questionado pelo movimento negro “no esforço político de separar as diversas partes daquilo que, na esteira de constituição da nação, se construiu como cultura nacional mestiça” (COSTA, 2001, p. 154). Posições que polemizam narrativas consagradas à visualidade do Brasil como unidade nacional circulam com diferentes temas. Nesta perspectiva podemos citar a exposição Histórias África Atlântica (26/06/2018 a 21/10/2018) no MASP e Instituto Tomie Ohtake. Ser esta terra: São Paulo cidade indígena (24/11/2018 a 22/04/2019) no Memorial da Resistência de São Paulo. A exposição Atlântico Vermelho (14/10/2017 a 30/10/2017) de Rosana Paulino que esteve em Portugal, no Padrão de Descobrimento; na Galeria Superfície em São Paulo (16/06/2016 a 16/07/2016) e está na Pinacoteca de São Paulo com o título Costura da Memória (08/12/2018 a 04/03/2019). Abaixo estão as palavras da artista sobre a exposição Atlântico Vermelho. A maioria dos trabalhos expostos fazem parte de Atlântico Vermelho, uma série que é uma maneira de pensar este mar tingido de sangue pelo tráfico escravista. Inspirado no nome do livro escrito pelo sociólogo Paul Gilroy, Atlântico Negro, que li com intensidade e admiração há alguns anos atrás, penso neste mar que liga dois pontos, África e Brasil, e cujas pontas sofreram processos de aniquilamento e subjugação das suas populações, tendo a ciência, a religião e a ideia de progresso sido usadas para justificar os mais aterrorizadores abusos. Tanto quanto as culturas, portanto, o que nos une também é o modo como estas estruturas foram utilizadas, criando uma triste história comum a ligar os dois lados do Atlântico.64

O objetivo de promover uma leitura crítica dos processos de colonização e que ressaltam posicionamentos críticos a suas narrativas nos museus, ganham cada vez mais espaço com debates sobre a “decolonização” dos museus.65 Este desafio se coloca, por exemplo, no vídeo Carnavais ao mobilizar certo imaginário de Brasil forjado em contextos políticos autoritários e nas narrativas que ressaltam a “mistura” nos vídeos da Grande Galeria.

64 Disponível em: http://www.padraodosdescobrimentos.pt/pt/evento/atlantico-rojo-exposicion/. Último Acesso 04 dez. 2018 65 A perspectiva da “decolonização” dos museus é uma forma de questionar a aparente neutralidade discursiva das narrativas museológicas e apontar para existência de posições discursivas em luta.

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Neste aspecto, faz-se necessário observar a recorrência do discurso da mestiçagem como unidade nacional, a função que ele desempenha em silenciar os conflitos sociais, raciais e de gênero para ressaltar um país sinônimo de exotismo, das belezas naturais e da harmonia das relações sociais.

2.5. O desenho da oralidade na sociedade da escrita

O que chamamos de língua oficial num país, de acordo com Bagno, “é um dialeto com exército e marinha” (BAGNO, 2014, p.38).

As palavras no MLP ganham corpo e sambam como no vídeo Carnavais. Visualiza-se palavras que nomeiam os instrumentos musicais (cuíca, pandeiro, bumbo, chocalho), materiais usados no carnaval (fantasia, serpentina, confete, bandeira, cerveja), partes do corpo (bunda, cintura), gestos (rebolado, passo), cada letra muda de tamanho alternadamente como se estivessem sambando.

Figura 127: palavras que nomeiam diferentes objetos usados no carnaval e partes do corpo. Fonte: Vídeo Carnavais

Na cena do vídeo Cotidiano, as palavras em movimento representam a circulação sanguínea do corpo como vemos abaixo.

Figura 128: figura humana desenhada com palavras Fonte: Vídeo Carnavais

As palavras estão no corpo, na fala, no pensamento, também dizem sobre como falamos, os modos de falar. Narrador do vídeo Natureza e Cultura diz: “ Grande parte

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dos conhecimentos sobre a natureza se baseia na experiência de vida. O estilo de falar tem o colorido dado por quem fala”. Entra fotografia da Caatinga e locução de um caçador que conta sua técnica para rastrear um animal. As palavras grifadas aparecem na tela como são pronunciadas, todas juntas. Locução: “Sou caçador experiente na caçada. Às vezes saio de casa a caçar, todo mundo vê que aquele bicho, vai naquela pista, naquela goteira, eu chego embaixo daquela moita. Se não tem outra entrada à direita nem à esquerda tem aquele buraco, na fúria, eu conheço de longe, eu sei que ele passou naquele local, que ali eu não vejo, mas que lá adiante, vejo que ele vai ali porque onde não cabe um animal ele não entra”. Olha lá, olha lá onde está aquele galinho de pau quebrada, aquela raminha, quebrado por onde ele vai, olha lá, naquele buraquinho, entrada é ali, porque aqui é beira, beira do mato, mas não ali, … aqui não entraram, desse lado não entraram, por enquanto não vem, ... então vou duvidar, ... pronto, por aqui, ah vá, então neste caso é o seguinte, vocês são duvidoso. Andando e varrendo que não fica rastro, que um açoite da vassoura só tange, só tange pra trás, pra frente não pode, eu rastreador experiente deve ter suas bases, e nóis daqui do sertão, não é todos, mas são muitos daqui que não vai perder o rastro de nenhum animal, de nenhum homem e nem de uma cobra. ”

Figura 129: Sertanejo Fonte: Vídeo Natureza e Cultura

O que parece uma expressão tem lugar dentro da ordem gramatical da língua portuguesa e da cultura local, este também é o caso da palavra “lonjura” na cena do vídeo Natureza e Cultura. Narrador: “A região e a atividade introduzem diferenças no vocabulário e na maneira de falar”. Entra foto em branco e preto de uma senhora e sua locução: “Então eu faço assim, peixinho com banana, ensopadinho, frito. Todo dia peixinho fresco. É lonjura! É assim que nem daqui a Baraqueçaba, a remo não dá pra ir, tem que ir a motor.”

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Figura 130: Locução de uma senhora Fonte: Vídeo Natureza e Cultura

O mesmo acontece numa cena do vídeo Culinária. Um prato pode estar “no ponto” como forma de dizer que ele “está pronto” ou que só falta “montar o prato”. Estas variações obedecem às mesmas regras formais da língua portuguesa.

Figura 131: diferentes formas de falar sobre um mesmo assunto Fonte: Culinária

Estes exemplos ilustram as formas diferentes de dizer e nomear a realidade que se vive. Entretanto, são poucos os exemplos ilustrados nos letreiros que transcrevem partes da locução das cenas da Grande Galeria e que, nesta transcrição, trazem as palavras sobre como se fala, principalmente se considerarmos que a língua escrita não é a realidade de grande parte dos brasileiros. De acordo com estudo feito pelo Ibope Inteligência, desenvolvido pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro, “na faixa de 29% de brasileiros classificados nos níveis mais baixos de proficiência e escrita, há 8% de analfabetos absolutos (quem não consegue ler palavras e frases). Os outros 21% estão no nível considerado rudimentar (não localizam informações em um calendário, por exemplo)”.66 É importante frisar que a língua oficial, aquela que usa a gramática correta, embora seja considerada a língua nacional, não representa o uso de grande parte da

66 Disponível em: . Último Acesso: 8 out. 2018

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população brasileira no seu cotidiano.67 Este aspecto possibilita dar importância às variações linguísticas, a força política que ela desempenha nas relações sociais. A variedade linguística refere-se aos modos de falar de uma língua e correspondem a variações fonéticas, morfológicas, sintáticas, semânticas e que se relacionam com aspectos socioeconômicos, de escolarização, idade e mercado; elas podem indicar tanto a posição social de quem fala como o contexto do que é falado e como é falado. Por meio destas variações ressalta-se saberes que são transmitidos pela oralidade, como expressão de dialetos, modos de falar urbano e rural, expressões regionais e sotaques.68 O tom das narrativas nos vídeos da Grande Galeria, por exemplo, é de celebração da língua portuguesa e com isso ouve-se do narrador do vídeo Festas: “É a língua que expressa a maravilha do Brasil. Festa, brincadeira, balada, baderna, boêmia, bródio, farra, folia, folguedo, galhofa, gandaia, gáudio, broma, pagode, pândega, rambóia, rapioca. Nossa língua tem muita festa e nossa festa tem muita língua”.

Figura 132: Apresentação de diferentes palavras que representam variações da palavra “festa” Fonte: Vídeo Festas

As palavras abaixo aparecem como estalos de fogos de artifícios na cena. Optou- se por colocar em ordem alfabética para facilitar a identificação de todas que são exibidas. baderna, bagunça, bambochata, bandarrice, beberronia, berzundela, boêmia, borga, brincadeira, bródio, comedela, comezaina, divertimento, farra, festa, festança, folga, folgança, folguedo, folia, franciscanada, funçanada, funçanata, função, funçonata, galhofa, galhofada, galhofaria, gandaia, gaudério, gáudio, gebreira, groma, guinalda, opa, pagode, pagodeira, pândega, pangalhada, papazana, parôdia, pepineira, rambóia, ramboiada, rapioca, rega-bofe, regalório, reinação, reinata, suciata, troça.

67 Sobre o tema do idioma nacional, ver em: . Acesso em 10 jan. 2017. 68 BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007.

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As várias formas para falar “festa” testemunham a diversidade de relações e modos de vivê-las. Este discurso gera no interlocutor a possibilidade de ver e ouvir expressões que marcam a oralidade da língua portuguesa, portanto, a diversidade de palavras acompanha a ideia de uma diversidade nos modos de falar. Na cena de rodeio em Barretos, por exemplo, são exibidas na tela as palavras: brete, abeia, bitelo, veiaco, ginete, peia, tropeiro, espritado, dirrubada.

Figura 133 Festa de peão de boiadeiro Fonte: Vídeo Festas

Descriçao da cena acima: entra em cena o rodeio em Barretos-SP com música típica e a locução: “Segura Peão (...)” Na tela são exibidas as palavras: brete, abeia, bitelo, veiaco, ginete, peia, tropeiro, espritado, dirrubada, coité. Na descrição da festa de São João: entra a locução de um trabalhador rural e diz: “Quem faz a festa de São João, é nóis da roça. É o lavrador da zona rural. Porque se a gente não trazer a laranja, não trazer o milho, não trazer o jenipapo, tudo enfim, como é que faz o São João? Fica um São João muito triste”.

Figura 134 Senhor morador da zona rural Fonte: Vídeo Festas

O MLP não realizou transcrições para as palavras que aparecem nos letreiros sobre as cenas, por isso ouvimos o senhor dizer “nóis da roça” enquanto aparece sobre a cena “nós da roça”.

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Figura 135: letreiro sobre a cena do vídeo Festas Fonte: Vídeo Festas

A transcrição no letreiro da cena marca a regra da escrita o que apaga a característica oral da língua portuguesa deste trabalhador. Esta característica pode facilmente passar despercebida pelo comentário do narrador que na sequência diz: Narrador: “Dos homens e das mulheres da roça não vem só a riqueza das coisas da festa. Vem também a riqueza dos nomes das coisas da festa” O narrador reconhece os alimentos que são preparados pelos trabalhadores rurais e que compõem a festa de São João e também reconhece as palavras que nomeiam as coisas das festas como de autoria deste grupo social. Esta autoria é uma forma de associar algumas palavras de origem indígena (Jenipapo), africana (Mungunzá) e europeia (Milho, embora seja um produto ameríndio, esta palavra vem do latim) compondo um corpo de ancestrais comuns destes trabalhadores da zona rural, assim como é visto na cena descrita abaixo: Entra Dona Tina, uma mulher da zona rural que cita os alimentos típicos de uma festa junina e que aparecem em formato de letreiros sobre a cena.

Figura 136: Dona Tina, senhora moradora da zona rural Fonte: Vídeo Festas

Locução de Dona Tina: “é canjica, mungunzá, bolo de puba, bolo de aipim, pomonha, milho assado e um copinho de licor”.

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Figura 137: Palavras que se referem a alimentos que compõe uma festa junina Fonte: Vídeo Festas

No momento em que ela cita “bolo de puba” a palavra que aparece na tela é “bolo de fubá”, com imagem deste bolo e não do que ela diz. Neste caso vemos sobrepor a referência citada pela Dona Tina por outra referência de imagem e palavra. Esta sobreposição cria um pequeno hiato entre o que é falado e o que é visto. Como mencionado, são poucos os exemplos encontrados na Grande Galeria que transcreve exatamente como se fala na cena. Grande parte dos letreiros sobre as cenas não transcreveram a marca da oralidade sobre as palavras, mas as descreveram a partir das regras do português escrito. O tom de celebração e valorização dos saberes transmitidos por meio da língua portuguesa não possibilita criar espaço para falar sobre os preconceitos linguísticos que ocorrem na oralidade. A variação linguística transforma-se em signo de exotismo quando não se leva em conta pensar nas opressões sociais que se vive pelos diferentes modos de falar, isto é, a não aceitação das variações de sotaques, léxicos e expressões regionais. As formas como a língua falada é criticada a partir das regras da língua escrita estigmatizam o português coloquial (informal) em relação à gramática normativa, vista como língua culta. Este preconceito ocorre em diferentes situações de comunicação, seja nas comunicações institucionais, ao padronizar um único sotaque, como o dos apresentadores do Jornal Nacional da Rede Globo, por exemplo, ou seja nas relações pessoais, no ato de corrigir o modo de falar de alguém. São definições polêmicas para um museu que têm como tema a língua portuguesa. A cartilha “Mundo Língua Palavra”, elaborada por educadores do MLP como material entregue para professores, mencionava que uma das características da língua portuguesa era ser “integradora”. De acordo com a cartilha, a língua era integradora: [...] como elemento de comunicação, interação e união entre as identidades dos vários sujeitos que a utilizam, é matéria-prima por

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excelência nas artes, seja na literatura e poesia, compondo também as artes visuais, o teatro, a música e as artes plásticas. (p.14).

A perspectiva apresentada na cartilha não se posicionava em relação aos preconceitos linguísticos. Uma das características do preconceito linguístico, por sua vez, é sinalizar como nos relacionamos com as pessoas a partir do estereótipo construído sobre a sua cultura. Esse estereótipo ganha materialidade na identificação do modo de falar de cada região, os chamados dialetos. O preconceito linguístico relacionado aos dialetos brasileiros são os principais instrumentos discursivos que rompem com a unidade imaginária de pertencimento ao ideal de nação. Este posicionamento era silenciado nas informações expostas no museu. Deste modo, toda perspectiva que deseja ser vista como neutra é uma posição, compõe um lugar na ordem do discurso dominante. As regras estabelecidas sobre o modo de falar ou a pronúncia “correta” das palavras respondem a posições políticas construídas historicamente e que também acompanham a disputa de prestígio entre os sotaques do Estado do Brasil. Observa-se, a partir dos estudos de Marcos Bagno (2007), que o controle sobre a língua portuguesa responde à manutenção do sistema de hierarquia social, cujo poder se exerce em rebaixar as variações da língua, com isso, desconsiderando os falantes da língua para valorizar uma concepção abstrata que chamamos de língua culta, “como se fosse um corpo estável, homogêneo, um produto acabado, pronto para consumo, uma caixa de ferramentas já testadas e aprovadas (...) como se fosse um conjunto de regras de aplicação prática, concreta.” (BAGNO, 2003, p.19-20). O interesse de promover uma unificação ortográfica, entre Brasil e Portugal, em especial, quanto à acentuação gráfica das palavras ocorreu em 1931, 1943, 1945 e 1971, porém havia resistência em colocá-la em prática tanto pelo Brasil como por Portugal. Em 1986, 1990 e 2009, os países africanos, ex-colônias portuguesas, foram inseridos nesta discussão sobre um novo acordo ortográfico entre países de língua portuguesa. Em grande parte, nestes acordos almejava-se a unificação ortográfica e, para isso, colocava-se em discussão os acentos gráficos das palavras. Desde o encontro de 1986 a perspectiva de abolir os acentos gráficos foi justificada pela importância da oralidade como fenômeno que precede a língua escrita, em outras palavras, a prática oral colaboraria no entendimento de um texto e por isso seria desnecessário inserir acentuações gráficas nas palavras para compreendê-las. A Academia de Ciências de

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Lisboa, contrária à abolição dos acentos, justificou a importância da língua escrita sobre a língua oral, em especial, na forma de aprender corretamente as palavras técnicas e científicas. Considerou que a abolição dos acentos dificultaria o aprendizado correto da língua portuguesa, principalmente quando esta ocorre em situações precárias de aprendizagem.69 Na Linha do tempo encontramos exemplos de como o português falado no Brasil foi se diferenciando do português falado em Portugal.

Figura 138: Diferenças do português do Brasil e de Portugal Fonte: Linha do Tempo

Encontrou-se, também nesta instalação, alguns registros para sinalizar a diferença entre o português falado e o escrito, porém estas diferenças são colocadas de forma a diferenciar o que seria o português “popular” diferente do “culto”, assim como é apresentado na legenda. Na tabela ao lado, há expressões nordestinas, cuja legenda as reconhece a partir da difusão adquirida em outros Estados pela migração nordestina.

69 Sobre esta questão, disponível em: . Último Acesso 27 nov. 2018.

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Figura 139: Primeira tabela diferenças entre o português popular e o culto, na segunda tabela expressões nordestinas Fonte: Linha do tempo

O setor Mapa dos Falares permitia ouvir os sotaques de algumas cidades, porém não havia nenhum texto que acompanhasse a percepção dos sotaques como uma marca africana, indígena ou de outros povos imigrantes. Há diferentes linhas de pesquisa sobre a compreensão da história de nossos sotaques e influências linguísticas, por exemplo, sobre como se constitui a forma de falar a língua portuguesa no Brasil. A descrição citada do vídeo localizado no tablado da Linha do Tempo do MLP da prof.ª Dr.ª Yeda de Castro apresenta uma posição que faz ver na sonoridade da língua portuguesa falada no Brasil as marcas das línguas da região do Congo africano: Graças às semelhanças entre o português arcaico, português do século XVI, século XVII, que foi falado aqui no Brasil e as línguas africanas, sobretudo as línguas do grupo banto que também foram as mais faladas do Brasil e também no seu aspecto antigo, não no aspecto atual, aconteceu que essas semelhanças entre essas línguas na pronúncia, em alguns fatos de gramática, essas semelhanças resultaram na modalidade do português do Brasil que estamos aqui a falar, estou dizendo a falar, quando deveria dizer estou aqui falando porque falar é uma construção lusitana, o português estou falando, então estou aqui falando, estou aqui a falar, que afastou o português do Brasil do português de Portugal tornando o português de Portugal uma língua extremamente consonantal e o português do Brasil uma língua extremamente vocalizada, graças a vocalização do português arcaico que coincidiu com a vocalização das línguas africanas, sobretudo das línguas banto. (Descrição de vídeo localizado na Linha do Tempo do MLP)

O posicionamento da Prof.ª Yeda era uma das videoaulas que poderiam ser acessadas no tablado da Linha do Tempo, numa visualidade diferente da Grande

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Galeria. Assim como a videoaula sobre Bilinguismo no Brasil no mesmo monitor da Linha do Tempo. Nela, ouve-se sobre as marcas sonoras das línguas africanas na língua portuguesa, a qual foi se perdendo com a escolarização do ensino desta última língua. Abaixo, o trecho mencionado: [...] houve falantes africanos, de línguas africanas neste país em grande quantidade a ponto de estabelecer situações de bilinguismo no século XVII, no século XVIII e de multilinguismo no século XIX. Nós podemos dizer para concluir que o português do Brasil naquilo em que ele se afastou do português de Portugal é um resultado da imantação, dos sistemas linguísticos africanos em direção ao português arcaico e em sentido inverso. O português arcaico, o português antigo, o movimento desse português arcaico e o português antigo em direção às línguas africanas. A maior ou menor influência das línguas africanas nesse processo depende de níveis socioculturais de linguagem. Então, na medida em que há uma alfabetização, uma escolaridade, traços de influência africana começam a ser substituídos por traços da presença da língua portuguesa.

As práticas de valorização da língua portuguesa tende a apagar as línguas que conviveram e continuam a partilhar o mesmo território com ela. Havia mais de mil línguas indígenas e, cerca de duzentos a trezentas línguas africanas na formação da sociedade brasileira. Sobre as línguas de imigração As mais antigas seriam o alemão, o italiano e o japonês; e, entre as mais recentes, podemos citar: o polonês, o ucraniano, o pomerano, o coreano, o chinês, o espanhol latino-americano e o crioulo haitiano. Porém, os falantes dessas línguas não perfazem mais do que 1% da população do Brasil. (LUCCHESI, 2015, p.81).

Ainda assim é significativo a compreensão do multilinguismo na história brasileira, principalmente pela história das línguas indígenas e africanas. Segundo Lucchesi, “Durante muito tempo, o português foi apenas uma das muitas línguas faladas no Brasil.”(2015, p.81). De acordo com este pesquisador, na atualidade 98% da população brasileira fala apenas a língua portuguesa e grande parte das línguas indígenas estão em risco de extinção. Com isso, a diversidade enunciada pelo MLP reforçava a língua portuguesa como agente na modificação e apropriação das palavras de outras línguas, em especial, nos enunciados que valorizam a transmissão desta língua para as novas gerações. Esta prática remonta a forma de apropriação desta língua por africanos e ameríndios na história brasileira. Segundo Lucchesi, Africanos e índios eram obrigados a aderir ao português em suas relações na sociedade branca, mas o aprendizado dessa língua era assistemático e,no mais das vezes, bastante precário. A dominação

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social e simbólica também impedia que os filhos de índios e africanos adquirissem a língua nativa de seus pais, fazendo com que essa população derivasse forçosamente para a língua portuguesa. Entretanto, os descendentes de índios e africanos desenvolviam sua língua materna tendo, muitas vezes, como modelo formas bastante alteradas de português falado como segunda língua nas senzalas e nos aldeamentos indígenas. Diante disso, somos obrigados a reconhecer que o processo de transmissão linguística irregular ocupa uma posição central na história das variedades de português faladas por mais de dois terços da população do país que hoje são denominadas em seu conjunto português popular brasileiro. (LUCCHESI, 2015, p.86)

Deste modo é na transmissão geracional de uma língua que encontramos as marcas das outras línguas que foram sobrepostas. Reconhecer estas marcas é contar outra história da língua portuguesa no Brasil, em especial, na atenção que se pode dar ás variações linguisticas. Estas posições são concorrentes ao disputar certa visualidade sobre a língua portuguesa como força da unidade nacional Brasil. É válido lembrar que dez mil vocábulos da família do Tupi-guarani entraram na Língua Portuguesa. Estas palavras transformaram-se em substantivos próprios de lugares e de pessoas, enquanto outras palavras, de fato, representavam os nomes de vegetais e animais. Falta pesquisa sobre a influência fonológica dos ameríndios na Língua Portuguesa, como a importação pelos paulistas do ( r ) retroflexo dos índios do tronco Macro-Jê. Os acordos ortográficos, que envolveram o Brasil no intuito de padronizar as publicações oficiais e de ensino em língua portuguesa, são formas que recaem sobre a escrita, mas não podem influenciar a fala, não de forma absoluta. Os diferentes modos de falar a língua portuguesa e pronunciar determinadas palavras terão sempre a marca das relações sociais que são produzidas a partir de condições sociais, históricas e locais. Isso significa considerar que a língua e a cultura possuem caráter, sobretudo, político.70

70 De acordo com Storey (2015), a Grã-Bretanha, ao instituir o inglês como língua oficial sobre a população indígena e africana no Caribe, reconheceu a tonicidade que estas populações empregaram ao inglês falado neste país e como as palavras destes povos também são características do inglês falado no Caribe.

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3. CORPOS CIRCUNSCRITOS PELA EXPERIÊNCIA E AFETO

A palavra território pode significar espaço de produção de subjetividades. Estas são atravessadas por diferentes práticas discursivas e não discursivas assim como indica os lugares onde nossos olhos são lançados a ver. Os enunciados de um museu não resultam de um fluxo de pensamentos transformados em palavras, mas de certas palavras que são formas de ver e produzir materialidades, isto é, corpos territórios de determinados discursos. Entretanto, as cristalizações são temporárias, estão em disputa por novas formas. Neste sentido, serão apresentdas neste último capítulo algumas posições-limites da experiência da ação educativa em significar a língua portuguesa como tema museológico.

3.1. O jogo de posições no espaço expositivo

Todos nós estamos entre discursos, localizados em espaços discursivos e sendo produzidos por eles. A construção de uma pesquisa que trate do discurso de um museu tem em vista estas relações. As palavras que compõem enunciados de um acervo museológico são lugares em que o seu interlocutor é colocado a ver, assim como acontece com as palavras dos educadores de museu direcionadas para o público. Neste lugar, algumas palavras são mais expostas do que outras. Entre o que é exposto e o que é lido movimenta-se uma rede de saberes associados aos referenciais de cada um, isso significa que os discursos que circulam num museu são passíveis de serem encontrados fora do seu espaço expositivo, como os ilustrados na Grande Galeria. Neste aspecto, os enunciados não necessariamente traduzem determinadas experiências como fidedignas, mas geram em seus interlocutores uma atitude de reconhecimento do que é excessivamente visto. Entre as histórias de reconhecimento, coloca-se o educador de museus na mediação dos diferentes repertórios. O educador de museus não é uma profissão regulamentada e, geralmente, são confundidos pelos visitantes com guias de turismo ou

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monitores. Os educadores do MLP, na sua maioria, eram recém-formados em diferentes áreas, como Arte, Filosofia, História, Letras, Ciências Sociais, Pedagogia e Turismo. Os museus compartilham com os educadores os enunciados que circulam no espaço expositivo. Cada um traz de suas experiências construídas em diferentes espaços de saber posições discursivas em diálogo com outras. Com isso, o educador do MLP levantava uma forma de ver um assunto. Quanto ao visitante, este tem um papel ativo nesta mediação, ao retornar para o educador a partir de suas versões sobre o mesmo assunto. Juntos, educador e visitante ampliam as narrativas de um museu. A elaboração de jogos educativos pela equipe de educadores compunham estratégias para estabelecer o diálogo com diferentes públicos e tensionar o prestígio da língua normativa ensinada na educação formal, em especial, os jogos que traziam expressões regionais. A orientação do educador é estimular o visitante a se colocar mais sobre expressões vividas em língua portuguesa, uma ação que poderia gerar reconhecimento do público ou provocar o olhar para o não pensado. Como educadora do MLP, pude compartilhar com os demais educadores vários momentos de discussão em que a relação entre cultura e língua já estava dada na narrativa do acervo, uma vez que não discutíamos as formas de pensar estas significações. Cabia a cada um realizar os recortes necessários no percurso com o visitante e incluir algumas informações que poderiam reforçar ou complementar o conteúdo exposto.71 Outra orientação estava em oportunizar a experiência afetiva do visitante com as informações apresentadas. Privilegiar uma percepção sensorial e emotiva da língua portuguesa era uma prática que aproximava o discurso do educador da cenografia do museu. Por outro lado, as leituras de formação pautavam-se em pesquisadores do campo das letras como Ataliba Castilho, Marcos Bagno, Eduardo Calbucci. No campo das referências pedagógicas, , John Dewey, Jorge Larrosa, Piaget e vários autores do campo da museologia que discutem o papel dos museus e da mediação educativa. Não era comum autores das Ciências Sociais como leitura de base na formação dos educadores do MLP, uma vez que, era uma socióloga, a coordenadora de

71 Um dos importantes cuidados das práticas educativas em museus é aliar a perspectiva histórica com a cultural o que evita transformar a cultura como essência de um povo.

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conteúdo, roteirização e direção do material expositivo para as instalações do segundo andar do MLP.72 A abordagem das Ciências Sociais apenas ganhava relevância nas exposições temporárias do primeiro andar do museu como em: Câmara Cascudo: o tempo e eu (e você) (19/10/2015-20/12/2015); 41º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, Humor nos anos de Chumbo (20/12/2014-01/04/2015); Futebol na ponta da língua (10/06/2014-07/09/2014); Alemanha de A a Z (31/03/2014-01/06/2014); Cazuza mostra sua cara (22/10/2013-23/02/2014); , o fazendeiro do ar (25/06/2013- 01/09/2013); “ e universal”: um olhar inusitado sobre o homem e a obra (17/04/2012-22/07/2012); Oswald de Andrade: o culpado de tudo (27/09/2011- 26/02/2012); Francês no Brasil em todos os sentidos (11/05/2009-08/11/2009); Machado de Assis, mas este capítulo não é sério (15/07/2008-01/03/2009); Gilberto Freyre- intérprete do Brasil (27/11/2007-18/05/2008). No momento de elaboração do material educativo destas exposições temporárias, a relação entre o contexto político e cultural brasileiro se colocava em evidência, rompendo temporariamente o monopólio das leituras do campo linguístico e museológico. Este é o caso do material produzido sobre a exposição do Cazuza e estudos sobre a formação do povo brasileiro nas exposições sobre Gilberto Freyre, Jorge Amado e Futebol na Ponta da Língua. O único material educativo que produzimos fora de uma exposição temporária foi um pequeno folder sobre Millôr Fernandes, distribuídos nas escolas de Paraty durante a sua homenagem na 12ª edição da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2014. Para os educadores, as exposições temporárias constituíam-se em possibilidades de novos estudos, elaboração de jogos educativos e cursos a serem montados. O espaço do primeiro andar favorecia direcionar o fluxo dos grupos agendados. Para o público era a presença da novidade, posto que a cada seis meses ou mais inaugurava-se uma nova exposição e com ela estimulava-se o convite para visitar o museu. Na ausência destas exposições, que ocupavam geralmente apenas o primeiro andar do museu, ficávamos com pouco espaço para circulação com os grupos diante do alto fluxo de visitantes. As práticas de negociação para maior circulação e uso de

72 Isa Grinspum Ferraz foi curadora não apenas do MLP como do Museu interativo Cais do Sertão em Recife. Trabalhou para Fundação Roberto Marinho por dez anos como coordenadora e criadora de projetos para editoriais e televisão. Dirigiu a série O povo brasileiro baseado na obra de exibidos na TNT e TV Cultura.

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determinadas instalações do acervo de longa duração do museu (acervo fixo localizado no segundo andar) aumentavam entre educadores, agentes de turismo e público espontâneo. Podemos dizer que o trabalho educativo circunscreve limites que precisam ser reconhecidos. Podemos considerar que um dos principais atributos do educador de museus é reconhecer estes limites na construção do seu percurso de visita, uma vez que recebe pessoas de diferentes faixas etárias e perfis sociais. Um dos desafios da ação educativa é concorrer com a cultura de uso intensivo das câmeras digitais, celulares, relatórios dos grupos escolares e questionários propostos por professores. Estas práticas estimulam uma experiência de fixar informações no lugar de experimentá-las de outras formas. A ação educativa também acontece num intervalo de tempo estipulado, o tempo de cada visitante nem sempre é percebido neste controle conduzido pelo educador.73 Num contexto em que ver e ler tornaram-se uma relação com o tempo e o corpo de cada um, cabe ao educador perceber o tempo necessário para que o grupo conheça o espaço em que está, pare para ouvi-lo e mude o percurso da visita nas situações em que o diálogo não acontece. O modelo da ação educativa é construído nas abordagens pensadas antes e após a visita, uma ação que se refaz com o próprio grupo. Com isso, era comum ouvir retornos à equipe educativa sobre a visita com alguns grupos, os considerados “bons”, os considerados “ruins” ou aqueles que “causavam no museu”. O que está sendo aprovado e reprovado referia-se a expectativas que não foram atendidas pelo ponto de vista do educador. Havia um espelhamento de expectativas esperadas pelos membros de cada cargo. Por exemplo, para os educadores, os seguranças deveriam saber se colocar durante uma visita, de forma gentil, principalmente, quando apresentavam o museu nos elevadores. Esta expectativa incluía o comportamento de falar baixo. Importante mencionar que estas práticas corriqueiras existiam mesmo diante do treinamento da equipe de segurança. Os seguranças, por sua vez, esperavam que os educadores e orientadores de público “fizessem a ronda” e tivessem a postura profissional de “guardiões do patrimônio museológico”, no caso do MLP, cuidar dos suportes tecnológicos. Outras

73 A relação entre educador e público é enriquecida quando há um lugar para sentarem e conversarem.

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posições eram “ter o pulso firme” quando os visitantes não cumpriam as regras de visitação, estar atento em proibir o uso de chicletes, garrafas de água ou qualquer tipo de alimentos, bem como evitar a entrada com mochilas nas dependências do museu. Deste modo, apresentamos algumas posições que movimentavam o cotidiano no museu, regras que são escritas nos gestos, no tom da voz e no assunto de que se fala entre equipes e na relação com os vistantes. Sobre alguns dos assuntos conversados no museu deixarei para o próximo item.

3.2. A experiência com a palavra na relação com a cultura

Durante a minha experiência no museu propus alguns cursos para professores, de modo a cultivar o que se colocava até então como proposta de pesquisa. Todos eles foram ministrados na sala de aula do MLP, com o apoio e divulgação desta instituição. O curso “Os usos das palavras nas representações sociais”, realizado em 2013, teve como orientação a reflexão sobre como nos relacionamos com as palavras e como elas movimentam nossa leitura da realidade. Para essa reflexão, utilizei os jogos elaborados por nós, educadores do museu, para a mediação com o público. Esse material era composto por cartas com imagens de expressões populares, palavras regionais, relação entre as expressões formais e informais, a mudança do léxico das palavras e seus significados, além de trechos de documentários, filmes, poesias e músicas.74 Por meio deste material educativo pensávamos sobre a sonoridade e significado de algumas palavras, bem como das que migraram de outras línguas para a língua portuguesa. A partir da percepção sobre o que é uma palavra, como signo, som, significado e significante, de acordo com minhas incursões na teoria de Ferdinand Saussure, adentrava a apresentar a língua como estrutura e problematizava a relação entre língua e pensamento. De acordo com Saussure (1977), o signo linguístico não une uma coisa e uma palavra, mas um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante). A

74 Além dos recursos educativos do museu, neste curso foram utilizados trechos dos documentários: “Zeistgeist: o filme” (parte 1 Religiões) produzido pelo norte americano Peter Joseph em 2007; “Palavra (En)Cantada” de Helena Solberg lançado em 2008, trecho inicial do filme “Terra Vermelha” de Marco Bechis também lançado em 2008; Poema de Orídes Fontela a “Teia” que compõe o livro de mesmo título publicado em 1996 e a música de Chico Buarque “Uma Palavra” do álbum do mesmo título lançado em 1995.

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imagem acústica é a impressão do som no nosso psiquismo. “Cada termo funciona de modo a articular a fixação de uma ideia a um som e faz com que determinado som se torne signo de determinada ideia”. (ARAÚJO, 2004, p.31). Neste sentido, a língua é vista como um sistema de relações que se destaca como forma e não como substância. Ao conceber a língua como forma, inseria a reflexão do campo da filosofia da linguagem em torno da frase de Wittgenstein: “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo”. Esta frase foi traduzida da obra Tractatus Logico- Philosophicus, publicada em 1921, antes da chamada Virada linguística e era exposta sobre um dos bancos centrais do segundo andar do museu. Para este filósofo, a relação entre pensamento e realidade só poderia ser compreendida dentro de um sistema lógico representado por sentenças e proposições (imagens e figurações). O limite do pensável seria exatamente o limite do que é representável numa cultura. Fora desse sistema a realidade não poderia ser pensada. Problematizando esta reflexão, realizávamos um exercício de suspensão das certezas que tínhamos em nossa mente sobre o significado de algumas palavras, para dar vazão às várias possibilidades de sentido sobre ela, um deslocamento do olhar para a percepção do que foge à regularidade, previsão e imutabilidade de um sistema lógico. A reflexão final do curso pautava-se nos seguintes dizeres: a linguagem não é uma mera descrição de algo “externo” que se espelha na mente, como um padrão neutro que deve corresponder à realidade, as significações são construções públicas. Se a palavra é capaz de dar forma ao mundo, ela não é transparente, não reflete diretamente o que pensamos, mas busca representar pela ordem gráfica e sonora alguns sentidos compartilhados. Cada um pode ter uma experiência diferente com cada palavra falada e escrita em português, assim como são diferentes as experiências de contato com línguas e culturas distintas. O limite das palavras em representar o que vemos é também o limite da língua em significar o nosso pensamento. Afinal, se existe a possibilidade de algo escapar da palavra, da língua e do pensamento, os contornos da nossa identidade se colocam sempre num processo inacabado, num devir contínuo que tentamos identificar pelas bordas os limites que a língua realiza para nos definir. Deste modo, explorava com os participantes do curso como a língua poderia ser o retrato de um povo? Quem seria visto nesta moldra e quais outros grupos ficariam de fora? Estas questões possibilitaram rever as invenções sobre a brasilidade, os mitos de origens que apagam a compreensão das diferenças entre os povos ameríndios e

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africanos, por exemplo. Ainda assim não cabia pensar no alargamento da moldura do espelho, mas de identificar as disputas por este espaço.

3.3. Para uma leitura sobre o contato entre grupos linguísticos

A oficina A palavra na cultura Iorubá, ministrada em 2013, teve como finalidade apresentar algumas características da cultura oral Iorubá falada em algumas regiões da Nigéria, Togo e Benin e da cultura oral Bantu, tronco linguístico da África Subsaariana. Para este curso apoiei-me na pesquisa da prof.ª Drª. Margarida Peter e prof.ª Dr.ª Yeda Pessoa de Castro. De acordo com Castro (2001), a língua portuguesa falada no Brasil carrega forte influência das línguas Bantu como, por exemplo, a inclusão da sonoridade de vogais em palavras de sons consonantais como pneu e advogado, a forma como na oralidade flexionamos o plural com o artigo sem concordar com o substantivo, bem como a semelhança destas línguas com a estrutura silábica do português arcaico composto por consoante-vogal-consoante.75 Este curso foi elaborado e justificado em virtude de conter no acervo do segundo andar do museu espaços dedicados ao léxico e à cultura dos povos africanos. A atenção a esta parte em nossas visitas educativas ganhou força com os grupos de estudos que organizávamos no museu, em especial, com a inauguração da exposição temporária Gilberto Freyre Intérprete do Brasil em novembro de 2007.76 O grupo de estudos Kibáaba era uma iniciativa dos educadores do MLP para trocar textos, livros e filmes sobre as características dos povos africanos do Congo e Nigéria. Escolhemos a palavra Kibáaba da língua Quicongo/Quimbundo, que significa

75 A posição sobre a acomodação da estrutura silábica do português arcaico e as línguas Bantu também se encontra no Dicionário de Língua Portuguesa escrito pelo Prof. Dr. Ataliba Teixeira. Por outro lado, sua pesquisa difere da Profª. Drª Yeda de Castro ao justificar que a língua portuguesa falada no Brasil teria pouco se modificado em relação ao português de Portugal devido à herança predominante do português arcaico (do período colonial). 76 Foi durante esta exposição que propus o meu primeiro curso no museu com o objetivo de apresentar a história das mulheres narradas por Gilberto Freyre em “Casa Grande e Senzala”. Foi desenvolvido na sala de aula do museu aos sábados durante o mês de março de 2008 com o título “A condição feminina na obra de Gilberto Freyre”. Tive a honra de desenvolvê-lo no mesmo mês que a profª.e Dr.ª Elide Rugai Bastos pode ministrar o seu curso sobre as obras de Gilberto Freyre todas as quintas feiras na mesma sala, assim, fortalecia, indiretamente, uma parceria de discussão entorno deste autor, ressaltando os pontos polêmicos de suas narrativas. A exposição Gilberto Freyre Interprete do Brasil esteve no primeiro andar do MLP no período de 27/11/2007 a 18/05/2008.

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babá, como forma de fazer ver a importância das mulheres negras no período colonial brasileiro. No educativo do MLP tínhamos horário dedicado ao estudo do conteúdo das exposições temporárias e do acervo de longa duração, o que favorecia elaborar oficinas e visitas temáticas. O grupo Kibáaba ganhou força dentro do educativo do MLP na proposição de seminários, jogos, visitas temáticas, oficinas, cursos e contação de histórias africanas. Dentro deste universo de discussão sobre como abordar a cultura africana no acervo do museu foi possível o amadurecimento para propor em 2013 o curso A palavra na cultura Iorubá, desenvolvido com o educador e filósofo André Bispo de Araújo.77

Figura 140: cursos oferecidos no MLP Fonte: acervo pessoal

Observávamos que não havia em nenhum ponto do espaço expositivo a menção sobre como ocorreu a apropriação da língua portuguesa no Brasil pelos povos não falantes desta língua. As influências de palavras eram expostas, mas as condições que possibilitaram estas marcas na língua portuguesa não eram comentadas. Esta ausência poderia conduzir a um discurso de assimilação linguística e cultural na leitura do

77 É importante lembrar que antes deste curso, em 2007, organizei com as educadoras Rita de Cássia e Ana Paula Portela, o primeiro seminário chamado Negros Escritos na sala de aula do MLP. O Seminário Negros Escritos tinha como objetivo homenagear escritores negros da nossa literatura brasileira. Esta iniciativa dialogava com a pesquisa de Oswald de Camargo, em Negros Escritos: apontamentos da presença do negro na literatura brasileira, publicada em 1987. Em 2011, presenciamos a publicação do compêndio de quatro volumes chamado Literatura e afrodescendência no Brasil: ontologia crítica organizado por Eduardo de Assis Duarte. Ambas publicações representam uma referência de pesquisa sobre escritoras e escritores negros brasileiros.

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processo de contato entre povos distintos, bem como a reforços de estereótipos veiculados à posição da população ameríndia e negra no período colonial. Na Linha do Tempo do MLP encontrávamos imagens consagradas nos livros didáticos, como as apresentadas abaixo:

Figura 141: Mapa feito por europeus com o nome “Terra Brasilis” Fonte: https://www.historiadetudo.com/pau-brasil

Foi na proposição de cursos que tentávamos ir além do que o museu apresentava, adentrando as brechas que rompiam com esta fácil apreensão. A partir das leituras de João José Reis (1989), Hebe Maria Matos (2000) e Roger Bastide (1983) visualiza-se as diferenças de condições dos “crioulos”, aqueles que nascem no espaço brasileiro e dominam a língua portuguesa, e os considerados “pretos” africanos que chegavam neste espaço com sua língua materna Quicongo, Quimbundo, Umbundo, pertencentes ao grupo linguístico Banto, e as línguas Iorubá, Evé e Fon, pertencentes ao grupo Kwa.78 Na posição destes pesquisadores houve “conflito”, “resistência” e “negociação” na relação entre crioulos, pretos e brancos durante o regime escravocrata. As práticas culturais e linguísticas do modo de ser africano em terras brasileiras representaram uma forma de resistir e existir na história tecida sobre esta terra. Para alguns autores brasileiros, estas relações resultaram numa “antropofagia simbólica”.79 Esta possível antropofagia poderia ser visível na incorporação do vocabulário africano, bem como na absorção da tônica vogal e das sílabas nasais nas palavras faladas em português do Brasil. Houve tanto a modificação da estrutura morfológica das

78 Nos estudos do professor Ataliba Teixeira (2010), o português brasileiro foi extensivamente exposto à influência das línguas africanas. Entre 1538 a 1855 foram trazidos dezoito milhões de escravos africanos, sujeitos a um contato mais intenso com a escassa população branca. 79 O conceito de antropofagia referido, apresenta-se no Manifesto Antropofágico escrito por Oswald de Andrade e publicado na Revista de Antropologia por Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado, em 1928.

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palavras africanas como a alteração fonética da língua portuguesa na sua apropriação. Segundo a professora Yeda de Castro (2001): A vogal é a parte sonora da palavra. As consoantes são as partes ensurdecidas sem som da palavra, tanto que para nós pronunciarmos uma consoante, seja B, P, G, C, o que for essa consoante precisa do apoio de uma vogal. Então, este fato dessa coincidência dessas estruturas contribuiu para fazer do português do Brasil uma língua sonora, cantante, enquanto o português de Portugal continuou sendo uma língua extremamente consonantal. Onde nós podemos pontuar mais ainda essa presença, essa influência, interferência de línguas africanas, de línguas banto, sobretudo, no português brasileiro? Podemos implantar, por exemplo, em uma sintaxe. E um dos exemplos melhores para se dar aqui nesse momento é a construção das frases: "ir na escola", "ir no cinema", então é a construção do "ir" seguido do "no" ou do "na", da preposição "em", que no português de Portugal é "ir ao cinema", "ir à escola", então esse verbo "ir" é acompanhado da preposição "a", e no Brasil esse verbo "ir" costuma ser acompanhado da preposição "em". Essa expressão, essa frase “ir na casa do João” ou “ir na casa”, corresponde exatamente à expressão banto: “guanda nunzo”. (Descrição do áudio de uma das videoaulas que ficavam no tablado da Linha do Tempo, com o título “As influências das línguas africanas no Brasil”.)

As línguas mudam ao acompanharem a história dos seus falantes. As línguas africanas (família Banto e Kwa) no Brasil também mudaram ao adaptar-se à forma portuguesa, porém ainda marcam a sua presença por meio das palavras que foram absorvidas e que circulam nos vários estratos sociais do Brasil. Na instalação Palavras Cruzadas encontrava-se algumas palavras africanas do grupo linguístico Banto que puderam circular nos espaços das casas e ruas ocupando o espaço dos vocabulários em uso da língua portuguesa do Brasil como: Babá, Bagunça, Bamba, Banguela, Batucar, Beleléu, Berimbau, Bunda, Cachaça, Cachimbo, Caçula, Cafuné, Calango, Canga, Cangaço, Capenga, Capoeira, Carimbo, Cochilar, Cuíca, Curinga, Dendê, Dengo, Encabular, Forró, Fubá, Garapa, Ginga, Lenga-lenga, Macaco, Miçanga, Minhoca, Moleque, Moringa, Muamba, Quilombo, Quindim, Quitanda, Quitute, Sunga, Tanga, Xingar Xoxota, Zanga, Zonzo. Estas palavras eram encontradas na instalação Palavras Cruzadas, no totem das línguas Quicongo, Quimbundo, Umbundo. Enquanto a língua portuguesa de Portugal não aceita certos “estrangeirismos”, tende a traduzir palavras estrangeiras. Na língua portuguesa do Brasil estas palavras

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foram incorporadas, mas modificadas dentro da morfologia das palavras escritas em português como:

Palavras que tem origem nas línguas: Quicongo, Quimbundo e Umbundo kasole “o mais novo dos filhos ou irmãos” transformou-se em caçula Mbunda “nádegas; ânus” transformou-se em bunda kushila “dormitar; dormir levemente” transformou-se em cochilar

No mesmo tablado da Linha do Tempo também se encontrava palavras africanas que influenciaram a língua portuguesa do Brasil.

Figura 142: algumas palavras africanas que foram incorporadas ao português Fonte: Linha do tempo

As diferentes etnias africanas, ao refazerem a vida no Brasil sob uma lógica portuguesa, viram a atribuição de novos sentidos às suas palavras mas também puderam reinventar-se sobre esta língua. A palavra “quilombo”, por exemplo, significa território, aldeia e agrupamento. Para Beatriz de Nascimento (2006), também pode ser compreendido como corpo e pensamento que não se reconhecem como propriedade do outro.

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No ambiente das ruas e das casas, a realidade brasileira nunca foi totalmente portuguesa, nem africana. Os movimentos de resistência e sujeição ocorreram dos dois lados, o que favoreceu a formação de pontos de contato entre estas línguas e culturas. Por exemplo, os africanos que falavam o Iorubá tinham em seus ofícios um Orixá, protetor de sua profissão. Neste aspecto, os ferreiros eram devotos de Ogum. Esta simbologia Iorubá foi identificada na cultura religiosa católica e refeita na aproximação com “santos” que também protegiam as diferentes funções dos batizados no catolicismo. 80 A presença dos muiraquitãs indígenas, escapulários portugueses e inquices/patuás africanas fortaleceram a ação de estabelecer os pontos de contato com a cultura do “Outro”, identificando pequenas semelhanças simbólicas. A identificação e adaptação não significaram uma conciliação ao novo sistema cultural, mas formas de sujeição e resistência diante da condição de desigualdade social. A cultura é algo que se traz no corpo, nos gestos, na memória, na forma do andar, no contorno das expressões verbais e não verbais, não é possível perdê-la; a mudança de um contexto cultural para outro acompanha adaptações e recriações sob o novo molde. Nas visitas educativas mencionava que todos os povos que vieram para o Brasil trouxeram em sua língua saberes da sua cultura, uma forma de ler o mundo, de se relacionar e expressar-se não só com palavras, mas com gestos, costumes e através de um paladar próprio. Estes seriam alguns exemplos que não deixamos no nosso país de origem, uma perspectiva que se aproxima da antropologia da linguagem de Edward Sapir (1884-1939) e Benjamin Lee Whorf (1897-1941). Para estes pesquisadores, aprender uma língua não é apenas aprender um código, mas outra forma de perceber o mundo. Essa teoria ficou conhecida como a hipótese Sapir-Whorf (DELBECQUE:2006). Ao apresentar as palavras de outras línguas que estão presentes na Língua Portuguesa uma lacuna fazia-se presente nesta passagem e poderia ser preenchida com a ideia de assimilação de uma língua sobre a outra, isentando os conflitos destas relações. Perceber este gesto era uma forma de questionar a minha própria posição discursiva,

80 A Igreja Católica foi a religião oficial do Brasil até 1889 quando a partir do novo regime político (República), declara-se o caráter laico do Estado político republicano, no entanto as referências das religiões de matrizes africanas continuaram a ser perseguidas e discriminadas praticamente por todo o século XX.

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uma vez que a “mistura” repetida na Grande Galeria compunha uma fórmula para sintetizar o processo de contato entre línguas diferentes.81 Uma fórmula caracteriza-se por seu uso maciço e repetitivo, sua circulação em um espaço público em uma conjuntura dada. Ela é o objeto de conhecimentos amplamente partilhados, mas sempre conflituosos, observados particularmente nos comentários metadiscursivos e polêmicos que acompanham frequentemente a fórmula. Seu conteúdo referencial não é um conceito estável: ele tem um caráter metafórico, contornos imprecisos, que o tornam objeto de controvérsias, de definições contraditórias, de enfrentamentos polêmicos entre correntes ideológicas opostas ou concorrentes, que dele procuram se apropriar. (CHARAUDEAU, 2004, p.244).

Entre estas visões e outras, pensar uma língua é vê-la na fronteira com outras línguas, assim como ocorre com a ação educativa do museu, na qual os educadores estão entre experiências singulares na relação com os visitantes. Nestas relações, cada um, educador e público, mobilizam narrativas a serem ocupadas por determinados sujeitos. Por isso, podemos dizer que não há um modelo a seguir, uma causa a transformar, mas relações a serem pensadas, discutidas e trocadas no espaço museal.

3.4. Os limites da língua em dar forma ao mundo

Durante nove anos em que trabalhei como educadora no Museu da Língua Portuguesa, presenciei a relação de inibição manifestada com risos pelos visitantes ao clicarem na palavra bunda, de origem na Língua Quicongo/Quimbundo, e Xoxota, de origem na língua Quicongo, na instalação Palavras Cruzadas. O incômodo era provocado não pela palavra em si, mas pela força simbólica que elas carregam perante nossas práticas culturais. Essa força materializava no riso a liberação de uma coação estabelecida sobre os corpos e sobre as palavras, isto é, o que se construiu de repressão entre culturas de costumes distintos. A presença de palavras como “pecado” e “atraso” sinaliza limites diante de outras formas de se relacionar com a nudez e com as diferenças culturais. A construção do pudor ou do que é ofensivo tratam de palavras que são orientadas a assumirem determinado sentido prático, no qual sua conotação pejorativa dependerá da posição de quem fala. Evidencia-se, assim, um princípio arbitrário de relação de poder que regula o que é permitido falar e não falar, o que é ofensivo e não

81 Sobre o conceito de fórmula na análise de discurso podemos citar: Krieg-Planque, Alice. A noção de fórmula em análise do discurso: quadro teórico e metodológico. São Paulo: Parábola, 2010.

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ofensivo, ou o que é aceito e não aceito, o que gera constrangimento e não constrangimento. Toda censura é dada em palavras de cunho moralizador, mantendo a sobreposição de outros pontos de vista sobre a mesma palavra. Por exemplo, a palavra bunda no Brasil refere-se de imediato à parte do corpo, apagando outras histórias desta palavra que indicariam também o nome de uma etnia africana.82 A palavra beleléu na sua origem nomeia um lugar que conhecemos como cemitério e não uma forma de expressão da gíria paulista, a palavra macumba referia-se a um instrumento musical, a palavra samba na origem significava um ato de oração e quindim, que significava a ideia de delicadeza, tornou-se um doce feito com ovos, coco e açúcar. Estes exemplos sinalizam a mudança de sentido das palavras em virtude não apenas do deslocamento do seu contexto social original, mas também a partir de qual posição social ela passa a ser resignificada. O significado das palavras reflete práticas sociais e históricas, isto é, como determinada ação favoreceu ver determinados sentidos associados a uma palavra, anulando outros, como o caso da palavra Baderna. Esta palavra refere-se na origem ao sobrenome de Marieta Baderna, uma dançarina cujos fãs passaram a ser nomeados como baderneiros. Também é possível observar palavras cujos novos significados foram cristalizados no tempo e no campo religioso. A palavra Capeta, por exemplo, perdeu o seu significado na origem relacionado a Capa. Outras práticas referem-se à escolha de palavras de uma mesma língua, geralmente do grego ou latim, para derivar outras palavras. A Etimologia é o campo que consagra a visibilidade de determinadas línguas, isto é, as que são mais vistas na origem de uma palavra. Apresentamos abaixo alguns exemplos do latim e que eram vistas no espaço chamado Beco das Palavras, no final do segundo andar do MLP. A palavra Gravidade proporcionou a palavra Gravidez; a palavra Lens cujo significado era disco de vidro possibilitou a palavra Lentilha. Em trechos da Linha do Tempo encontrava-se esta mesma perspectiva de verificar no latim a produção de novas palavras e das “novas línguas”, isto é, que marcam a filiação comum com o latim, as línguas indo-europeias.

82 Alguns estudos sobre as etnias Banto estão na obra de , “Bantos, Malês e Identidade Negra”. Nesta obra, conhecemos que os grupos do Kimbundu (Quimbundo ou Bundo) vieram para São Paulo no século XVII. Os bundas eram um subgrupo dos Ganguelas, localizados na fronteira leste de Angola.

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Figura 143: Palavras com origem no latim Fonte: Linha do Tempo

Figura 144: Palavras de origem no indo-europeu Fonte: Linha do Tempo

Cito um exemplo recorrente das minhas experiências como educadora do MLP. Embora não houvesse ampla menção sobre os povos gregos no segundo andar deste museu, ouvia várias vezes de diferentes visitantes o quanto devemos a estes povos a história da língua portuguesa. Neste discurso, uma determinada relação com a história da língua portuguesa no Brasil desconsiderava a presença dos léxicos oriundos das línguas africanas e indígenas na sua caracterização no Brasil. No tablado da linha do tempo do MLP também encontrávamos palavras que foram incorporadas nas línguas africanas e que são apresentadas abaixo:

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Figura 145: algumas palavras do português que foram incorporadas às línguas Quicongo Fonte: Linha do Tempo

Estas palavras trazem uma nova cosmologia aos povos que as incorporaram, por exemplo, a inclusão da palavra Cristão no vocabulário de suas línguas. Estas interferências na cultura também implicavam numa outra compreensão de organização do tempo com a inclusão da palavra Semana. A alteração de significados de algumas palavras responde a posições de poder daqueles que as alteram em determinado contexto histórico. Os nomes de etnias colonizadas pelos povos portugueses, por exemplo, receberam outros sentidos vinculados a estas palavras. Por exemplo, os Songos, os Brutucus, os Bengelas e os Mandingas perderam a referência de identidade étnica para representar outras histórias em língua portuguesa do Brasil.

Figura 146: Registro fotográfico da etnia Benguela, uma de suas marcas estaria em usar fendas nos dentes. Fonte: Google imagem

A palavra Maluco, que usamos como estado mental ou expressão de algo bom ou ruim, adquiriu esse significado na língua portuguesa. O significado dessa palavra na língua portuguesa representa o ponto de vista dos portugueses na relação com os

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habitantes das ilhas Molucas (ou Malucas), a qual foi ocupada pelos portugueses em 1511. A história dos sobrenomes também é outra forma desta sobreposição cultural. Assim, não existe um ponto de observação acima do fator histórico, a partir do qual o significado verdadeiro e universal possa ser avistado, principalmente quando tratamos de palavras, línguas e pessoas. O que vemos são apropriações violentas, interesses em jogo, em fazer ver e apagar traços de contato e dominação entre culturas e línguas diferentes. A tradução também se coloca neste limiar. Ela será sempre um diálogo incompleto e inconcluso, uma vez que: A grande maioria das palavras de uma língua tem sentidos complexos e relativamente específicos que refletem [...] de alguma forma as experiências históricas e culturais distintivas da comunidade linguística em causa. (DELBECQUE, 2006, p.184).

O que cabe às palavras cabe também aos objetos de culturas e línguas diferentes. A leitura destes objetos num museu coloca nos visitantes a posição de exercer certa tradução na ação de compreender seus usos e, consequentemente, os sentidos que os envolvem. Esta posição deixará sempre que algo escape desta significação, porque o que é movimentado são significados que circulam nas palavras dos visitantes e não necessariamente da cultura representada. A legenda que acompanham a descrição dos objetos torna-se um terceiro sujeito na atribuição de seu sentido entre o criado pelo visitante e o mobilizado pela sociedade que estes objetos representam. O setor Palavras Cruzadas apresentava, de um lado, a origem de palavras que foram incorporadas no português brasileiro e, do outro, objetos representativos da cultura à qual devemos estas palavras. Os objetos selecionados poderiam gerar estranhamento como familiaridade. O totem do inglês e francês com a exposição do Tênis, Sutiã e Abajur geravam maior aproximação dos visitantes pela identificação imediata com estes objetos, utilizados por muitos brasileiros e que são visivelmente presentes em vitrines de lojas, cenas de novelas, filmes, etc. do que com os objetos das outras vitrines.

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Figura 147: Registro fotográfico de objetos localizados na instalação Palavras Cruzadas dedicada as línguas do Inglês e Francês.

Fonte: André Bispo

Na legenda da vitrine “Línguas Indígenas Hoje” podemos ler a combinação da tradição artesanal das nações ameríndias com materiais industrializados e importados de outros países. Para representar o processo desta troca cultural foi escolhido um colar dos indígenas Mgap Xicrim e uma tanga da etnia Uai-uai. O texto da legenda diz: “As comunidades atuais combinam sua tradição artesanal com novos materiais, como demonstra a preferência de muitos grupos pelas miçangas de plástico originárias da República Checa.”

Figura 148: Colar de Figura 149: Vitrine miçangas da nação línguas indígenas hoje Mgap Xicrim Fonte: André Bispo Fonte: André Bispo

O trabalho realizado pelo Iepé junto aos povos indígenas do Amapá e norte do Pará considera, por exemplo, “inadequado identificar e isolar patrimônios étnicos – ou

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seja, patrimônios culturais isolados, com se fossem acervos de cada etnia.”(GALLOIS, 2006,p.7). De acordo com as pesquisas realizadas por esta organização social, as nações indígenas próximas territorialmente estabelecem sistemas de troca que permitem compartilhar elementos culturais de vários povos de uma mesma região. “Além disso, os componentes compartilhados por estes grupos são constantemente reelaborados em contextos particulares, permitindo a cada grupo reconhecer e valorizar o que considera parte de seu próprio patrimônio cultural”. (GALLOIS, 2006, p.7). Na vitrine da instalação As Línguas Indígenas haviam seis objetos apresentados. O primeiro objeto a legenda refere-se a Buzina Marubo. A palavra buzina na sociedade brasileira diferencia-se dos sentidos de uso de como é entendida a Buzina Marubo. Os sinais que indicam estas diferenças estão no próprio objeto, no local acima em que é assoprada. Neste local visualizamos o desenho de um pássaro.

Neste ponto observamos o desenho do pássaro sobre o local em que será usado o objeto

Figura 150: Figura 151: Figura 152: Buzina Marubo Buzina Marubo Vitrine Línguas Fonte: André Bispo Fonte: André Bispo Indígenas Hoje

Na vitrine da língua Tupinambá, encontrávamos a betiga com significado de adorno labial, o que restringe os sentidos de uso deste objeto.

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153: imagem de betiga na vitrine das Palavras Cruzadas do MLP, lanterna referente aos povos Tupinambás e ao lado imagem de mulher Yanomami usando a betiga. Fonte:

Na vitrine dos povos de línguas Quicongo, Quimbundo e Umbundo, do grupo Bantu e dos povos falantes de Iorubá e Eve-Fon do grupo linguístico Kwa foi utilizado o mesmo texto da legenda. O enunciado coloca estes povos a pertencerem a um imaginário sobre o “continente africano” e não as particularidades de cada região que pertencem a estas línguas. Essa posição poderia explicar porque os objetos representativos da Nigéria estariam na vitrine que se refere aos povos do Congo e Angola.

Figura 154: Legenda dos objetos Fonte: Legenda da vitrine das Línguas Quicongo, Quimbundo e Umbundo

Além da opção por repetir o texto da legenda em duas vitrines que representam povos de línguas e culturas diferentes, localizados em regiões distintas no continente africano, também observamos a forma da tradução dos objetos. O Irukerê, primeiro objeto da legenda, deveria estar na vitrine do grupo linguístico Kwa, a quem pertence este objeto, mas foi colocado na vitrine que corresponde às línguas do grupo Bantu. O enunciado que acompanha este objeto refere-

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se ao seu uso: “espantar mau olhado”. Entretanto, o Irukerê representa um cetro religioso e envolve relações com entidades espirituais. A escolha pelas palavras “espantar mau olhado” aproxima-se de práticas conhecidas em diferentes países com o intuito de gerar a proteção do corpo, o que retira a compreensão particular deste objeto na sua língua de origem.

Fonte: André Bispo Fonte: André Bispo Figura 155: Irukerê Figura 156: Vitrine das línguas Bantu

O Cetro é o segundo objeto da legenda, ele também deveria estar na vitrine do grupo linguístico Kwa, uma vez que é utilizado na localização da Nigéria; possui a sua descrição como símbolo de poder, porém não se tem descrito como é compreendido o exercício deste poder. O Irukerê junto com o Cetro representa símbolos de poder que se aproximam de referências religiosas.

Fonte: André Bispo Figura 157: Cetro localizado na instalação Palavras Cruzadas do MLP

A Rainha Tchokwe é o terceiro objeto da legenda, ela era identificada por visitantes angolanos que visitavam o museu como o símbolo de Angola conhecido

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como Pensador. Na legenda vemos outra descrição, estatueta da Rainha Tchokwe. Ela está identificada com a seta na imagem abaixo.

Fonte: André Bispo Figura 158: Duas estatuetas localizadas na instalação Palavras Cruzadas do MLP

São sentidos diferentes que estão em choque, apropriações distintas para aproximar o público do museu da narrativa exposta. Num museu imaterial, considera-se que o tema trate de experiências que estejam em movimento e mudança. Os objetos deste museu deveriam ser considerados peças contemporâneas, isto é, que se distanciam da concepção de relíquias de uma época histórica. Entretanto, na vitrine das línguas Iorubá e Eve-Fon, do grupo linguístico Kwa são apresentados três objetos que contradizem a perspectiva de um museu imaterial responsável por narrativas que contam a cultura viva.

Figura 159: Objetos referentes as Línguas Iorubá e Evé-Fon Fonte: André Bispo

O primeiro objeto refere-se a Máscara Iorubá, que também é conhecida como Máscara Gueledés. Encontramos imagens dos povos iorubanos utilizando esta máscara com materiais mais leves e coloridos. A escolha apresentada no museu faz referência ao modelo antigo de uso e não o atual apresentado abaixo.

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Figura 160: Uso de Máscara Geledés Fonte: Google imagens

O segundo objeto refere-se à estatueta do Ibeji cuja história representa gêmeos e geralmente é vista em par, foi exposta uma única estatueta. O terceiro objeto consta na legenda Pano de cabeça, mas não encontramos nenhum registro do uso deste modelo com esta utilização, principalmente pela sua própria textura que facilmente era observada pela vitrine. Entretanto, encontramos registro do mesmo pano enrolado sobre o corpo. Na imagem abaixo apresentamos exemplos de um jovem segurando um ibeji e com o referido pano exposto no museu, porém utilizado no corpo.

Figura 161: Jovem com estatueta do Ibeji

Do outro lado da instalação Palavras Cruzadas são exibidas as origens de palavras que falamos em língua portuguesa no Brasil.

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Figura 162: Registro fotográfico da instalação Palavras Cruzadas e a Grande Galeria Fonte: Luciano Bogado

Nesta instalação era possível visualizar a origem das palavras e suas adaptações morfológicas e fonéticas à estrutura da língua portuguesa, bem como a mudança de significado com o novo contexto de uso. Ao clicar sobre a palavra, visualizávamos o seu significado e ouvíamos o fonema da palavra falada na língua portuguesa do Brasil e, na sequência, o seu significado e fonema na língua de origem. Nos totens da língua Tupinambá e línguas africanas Banto e Kwa era comum no primeiro momento que o visitante tocava sobre a palavra em português gerava a confirmação afetiva à língua portuguesa, em virtude do reconhecimento imediato do significado e fonema que eram apresentados após o toque. No sequência havia o estranhamento e consequentemente distanciamento em relação ao significado e fonema da mesma palavra, vista na sua língua de origem. Esta dinâmica favorecia ver nas matrizes linguísticas africanas e indígenas uma herança distante da história da língua portuguesa no Brasil, apagada pelos novos usos e sentidos que estas palavras ganharam.83 O convívio entre povos culturais e linguísticos diferentes também possibilitou criações de novos léxicos e expressões, o que dificulta separar o que teria sido criado no Brasil e o que migrou de outros países. As fronteiras não são fáceis de serem estabelecidas, tendo em vista a dinâmica sobre o que se troca e incorpora em termos de palavras e objetos. Por outro lado, as palavras do totem do Espanhol, da instalação Palavras Cruzadas, divulgavam grande parte dos produtos ameríndios como chocolate, cacau, batata e tomate, a partir de como os espanhóis passaram a divulgar estes produtos, isto é, como palavras de origem no Castelhano embora fossem produtos dos indígenas da América Central.

83 A instalação Palavras Cruzadas, não favorecia compreender a lógica das línguas africanas e ameríndias no contato com a língua portuguesa. O uso de palavras portuguesas, africanas e indígenas pressupõe um conflito semântico e cultural na relação entre estes povos, a qual é silenciada no MLP.

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Em janeiro de 2016, no auditório do Museu do Futebol, realizamos uma reunião com o consultor do MLP. Ele propôs ouvir os educadores sobre como pensávamos o museu e, pela experiência diária no acervo de longa duração, o que poderíamos ressaltar para a construção do novo acervo. Neste momento, mencionei que seria importante trazer reflexões sobre o processo de contato entre culturas e línguas distintas de modo a incluir os conflitos que os envolvem. Contudo, esse ponto de vista não era o fio condutor do discurso do museu, assim como essa foi a resposta que obtive sobre a minha indagação. Ainda em conversa com o referido consultor, ele falou sobre a consciência que a identidade linguística nos fornece quando estamos fora do país. Na condição externa ao contexto cultural a identidade linguística manifesta sua plenitude definindo-nos como brasileiros ou moradores de determinada região do Brasil. Esta seria a intenção do museu, a de valorizar referências culturais e linguísticas que exaltassem este sentimento de pertencimento à língua portuguesa, o que explicaria o foco adotado nos enunciados do museu. Entretanto, a importância da língua portuguesa como um bem museológico e de patrimônio imaterial está em reconhecer as especificidades culturais e linguísticas dos povos que estiveram em contato com ela. A ausência desta posição discursiva dificulta problematizar as fronteiras sobre o que somos como brasileiros falantes da língua portuguesa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“[...] lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades”. (FOUCAULT, 2012, p.8).

Visualizou-se, neste trabalho, diferentes desdobramentos para compreender a produção discursiva do MLP e o jogo de posições colocadas aos seus interlocutores, ao mesmo tempo, reconhecemos que o próprio ato de descrevê-las já é dar forma e sentido às forças que nos produzem. Optou-se por palavras como ver, ler e escrever, mobilizando a relação da oralidade e da escrita, não apenas como formas de representação da realidade, mas como constituição da realidade dita e que se refaz a partir de determinadas palavras pronunciadas, lidas e ouvidas. Aprende-se a ler o mundo com certas práticas discursivas. A luta entre discursos é uma luta entre o que permite ser pensado e dito em determinados espaços. Novas formas de pensar se dão no exercício de problematizar as formas já existentes. A curadoria do MLP organizou uma forma de pensar a história da língua portuguesa como bem museológico. Nós também levantamos uma forma de pensar sobre esta organização. A análise envolveu um olhar subjetivo, assim como o olhar de todos, diante de uma informação. Selecionamos e analisamos os discursos de cada instalação do museu a partir do modo como eles nos afetam. As afecções das palavras e das imagens são exercícios de poder que foram mobilizamos junto à ação do museu. Essa forma de compreender a análise de um discurso é uma crítica à análise hermenêutica. Falamos de uma posição, um lugar em luta para fazer ver uma determinada realidade, assim como realizam os educadores museais quando provocam olhares não vistos. Verificamos que o MLP gerou uma forma de pensar a língua portuguesa no Brasil, entretanto, ocultou os processos de contato e conflito linguístico e cultural, em outras palavras, se a particulariedade da língua portuguesa falada no Brasil se deve, em especial, a influência das línguas/palavras africanas do grupo linguístico Banto e Kwa e as línguas ameríndias como o Tupinambá, o discurso do museu foi tirar de vista a particulariedade destas línguas no processo de contato com a língua portuguesa, assim

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como as condições de como a língua portuguesa foi apreendida por estes povos. Embora seja um museu que celebra o resultado das influências sobre a língua portuguesa falada no Brasil, a forma como esta especificidade é contada ressalta um olhar exótico e, por isso, estereotipado de sua história. O museu que celebra a língua portuguesa no Brasil escolheu, para isso contar sua história com discursos que reforçam a sensualidade, ginga, malícia e certo exotismo em torno das práticas culturais brasileiras. A língua portuguesa é tomada na posição de dizer o que somos enquanto brasileiros. Esta posição está em diálogo com referências da história colonial, dos artistas viajantes e empresas que falam para turistas estrangeiros uma forma de ser brasileiro. A narrativa construída destina-se à identificação do público com o que é visto, contribuindo para a manutenção de determinadas formas de pensar sobre os processos de contato entre línguas e culturas diferentes. A partir dos nove anos de experiência na ação educativa do MLP foi possível observar que grande parte das pessoas que iam a este museu procurava se relacionar com algo que as emocionassem. Entretanto, é importante sinalizar que há neste sentimento um discurso atrelado a determinada educação emocional. A perspectiva principal de todos os vídeos da Grande Galeria foi apresentar a língua em uso. O conceito de museu vivo alia-se ao de língua viva. Em virtude deste posicionamento, as locuções trataram de experiências culturais de diferentes pessoas, em diferentes lugares. Essas experiências são embaladas com músicas, fotografias e poemas. Foram utilizados recortes de diferentes produções cinematográficas, com cenas selecionadas na sua maioria destinadas a programas televisivos. As cenas das culturas locais ampliavam-se para uma perspectiva sobre o nacional. Os cenários culturais exibidos são colocados em paralelo, como se fosse possível o diálogo entre eles. Esses fragmentos, unidos pelo discurso da “mistura”, evidenciam as variações da língua portuguesa falada no Brasil, as quais são acompanhadas pelas práticas singulares de seus falantes. Não se exibe as perguntas dos entrevistadores, mas as respostas dos seus entrevistados. O foco de cada vídeo é registrar opiniões captadas por um jeito de falar. Há poucos relatos de como as pessoas se relacionam com a língua portuguesa. Grande parte das locuções refere-se a depoimentos sobre como as pessoas se relacionam com

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suas práticas culturais, o que permitia ilustrar modos de falar e de se expressar em português. Ao apresentar o falante da língua portuguesa no Brasil no cenário das festas, músicas e religião, por exemplo, possibilitava ao visitante reconhecer-se na narrativa exposta e com isso sentir-se parte do acervo. A oralidade é o grande guarda-chuva da ideia de brasilidade presente na interface deste acervo, porém ela é significada com adjetivos como doce, alegre, musical, tem ginga, excesso, tato, etc.. Não se reconhece nela as marcas das línguas africanas e ameríndias, estas são dissolvidas pelo discurso da mistura, assim como não se fala sobre a convivência entre expressões de lugares diferentes num mesmo território, cada uma tem o seu lugar. Não há a provocação necessária sobre os preconceitos linguísticos e regionais. A narrativa pode expor características da oralidade, expressões populares e a criatividade rítmica de repentistas, sambistas e grupos de rap, porém, vivemos num país que culturalmente utiliza formas de falar como distinção social e tende, nos noticiários de rede nacional, a evitar as variações linguísticas em nome de um único sotaque. Se, por um lado, há a intenção de gerar identificações com o que é exposto, por outro lado, também pode reforçar estereótipos produzidos nos discursos de massa, em que cada grupo é marcado em um determinado lugar social e com seu linguajar. Uma das ações princiais da construção da Grande Galeria foi utilizar diferentes produções cinematográfica, clipes, reportagens, documentários para construção do seu discurso. As seleções realizadas descontextualizavam o sentido dos enunciados para serem recontextualizados no discurso do museu. O MLP valorizou a língua portuguesa no Brasil por meio das características das línguas que conviveram com a língua portuguesa no solo brasileiro, sendo estas o passado daquela. Há um apagamento sobre o que se produziu linguisticamente e culturalmente como resultado de resistências e conflitos entre povos de diferentes línguas e culturas. Também é importante ressaltar que, em 1980, o Afrikaanse Taal Museum (Museu Africânder), localizado na África do Sul, foi fundado como o primeiro museu dedicado a um idioma. Essa menção não é reconhecida pelos idealizadores do MLP como podemos observar na página do site deste museu:

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Figura 163: O pioneirismo do MLP Fonte: Site do MLP

A reportagem que trata da inauguração do MLP na revista Isto É igualmente reforçou o seu pioneirismo: O visitante que pisar o Museu da Língua Portuguesa, inaugurado na segunda-feira 20 em São Paulo, estará pisando no primeiro espaço cultural do mundo destinado exclusivamente ao idioma de um país. Mais: entrará numa instalação gigantesca concebida num cenário futurista – luzes, efeitos especiais, computadores, telões, projeções digitais, tudo isso exibindo obras clássicas da literatura brasileira e jogos que mostram a riqueza de nossa língua. Essa parafernália faz desse museu uma espécie de parque de diversão tecnológico onde os brinquedos são letras e palavras – e o público pode brincar, ou melhor, interagir, o tempo todo.84

Estas posições confirmam, assim como Bagno, que “o rótulo de língua é aplicado segundo critérios que têm muito mais a ver com ideologias políticas, nacionalismos, tradições culturais e religião do que com elementos estruturais, gramaticais etc.” (BAGNO, 2014, p.34). Não é à toa que a projeção da língua portuguesa no mundo ganhou força como fator econômico e diplomático entre os países lusófonos e tem como exemplo o último acordo ortográfico. Instituições culturais portuguesas são parceiras do Museu da Língua Portuguesa como o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesa e a Fundação Calouse Gulbenkian; todas elas investem na projeção política e cultural da língua portuguesa nos países falantes dessa língua.85

84 Visto em: 85 Esta posição foi apresentada por Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões, Instituto da Cooperação da Língua, em Lisboa, na conferência A promoção e a celebração internacional da língua portuguesa proferida no Seminário Museu da Língua Portuguesa: conquistas e desafios, realizado na

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Os interesses entono da língua portuguesa como instrumento político serão sempre distintos, assim como os recortes sobre as forma de pensar as potencialidades dos museus. Por isso finalizo esta pesquisa com algumas das experiências educativas vivenciadas no MLP e que possibilitaram as relações decorrentes nesta pesquisa entorno do tema patrimonio urbano, cultural e línguístico.

Lugar onde aprendi a andar o camino das pedras.....

Oficina: A cidade como currículo discutiu a política de planejamento urbano no bairro Luz e Bom Retiro em contraste com a memória dos habitantes destes bairros. Como produto final elaborou-se o mapa afetivo do bairro em que residem os participantes da oficina.

Oficina: Patrimônio é atualidade possibilitou um passeio histórico pelo bairro Luz e Bom Retiro ressaltando a história de algumas edificações e monumentos presentes.

Pinacoteca de São Paulo, em 02 de maio de 2016. Disponível em: . Ultimo Acesso 12 jun. 2017

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Oficina: As palavras me representam? propõe compartilhar expressões do “Pajubá” de modo a ressaltar o papel das palavras nos laços identitários entre mulheres transexuais.

Roda de conversa: A identidade Transexual, um diálogo reflexivo com o tema após a exibição do filme “De Unhas e gravatas Vermelhas”.

Visita ao acervo do Museu da Língua Portuguesa com imigrantes e solicitantes de refúgio.

Rodas de conversa com Mulheres em situação de prostituição no Bairro Luz e Bom Retiro.

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Oficina: Um Kurumim passou por aqui teve como objetivo explorar a história do grafismo Karajá e desenhá-los sobre nossos corpos.

Oficina: A boneca Karajá um rito de passagem expôs práticas e saberes da cultura Karajá e a representação social da boneca Karajá. No final, os participantes da oficina foram convidados a desenhar um modelo de boneca Karajá sinalizando os grafismos representativos desta nação indígena.

Oficina: A boneca Abayomi: um rito de passagem retomou o contexto de passagem das famílias africanas para o Brasil, nos navios negreiros, neste espaço as bonecas “abayomis” foram construídas. Os sentidos e significados desta literatura oral ganha vida na produção dessa boneca.

Oficina: O uso da palavra na cultura Ioruba teve como objetivo refletir a característica das palavras na cultura oral Iorubá.

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Oficina: Aproximações do sentido das máscaras africanas utilizou a leitura do conto Yámi e explicações sobre a representação dos orixás como mediação para a confecção de máscaras inspiradas no universo simbólico da etnia Geledés.

Oficina Uma História à La Carte propôs que os participantes fizzessem uma salada de fruta enquanto ouviam a história de cada fruta utilizada, bem como de outros alimentos trocados entre um povo e outro. Momento de descoberta sobre o significado de algumas palavras e as lendas que as envolvem.

Curso Entre a Palavra e o Pensamento: uma conversa sócio filosófica com a Língua Portuguesa utilizou jogos que envolviam expressões populares e palavras regionais para reflexão sobre as diferenças cuturais.

O curso Os usos das palavras nas representações sociais teve como orientação a reflexão sobre como nos relacionamos com as palavras e como elas movimentamos a nossa interpretação sobre a realidade? Com esta pergunta o curso abordou questões da antropologia da linguagem para problematizar a relação cultura e língua.

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Curso: O olhar de Gilberto Freyre sobre a condição feminina no Brasil teve como finalidade destacar na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, a função social, econômica e política desempenhada pelas mulheres negras durante o período colonial e monárquico.

Formação para educadores da exposição itinerante “Estação Língua” em Registro e Sorocaba.

Formação para educadores da Fundação Casa, reflexão sobre ações educativa que visem ocupar os espaços públicos da cidade.

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ANEXO 1

Mapa com sinalização dos bens tombados na região próximo da Estação da Luz

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ANEXO 2

Créditos - Grande Galeria

CARNAVAIS FICHA TÉCNICA Direção - Carlos Nader Direção de Arte, Montagem e Finalização - Gustavo Gordilho Narração - Carlos Nader Produção - Flávio Botelho Produção Adicional - Renata Druck Sonoplastia e Trilha Original - Daniel Zimmerman Estúdio de Som São Paulo - Vox Mundi Audiovisual Assistência de Direção - Flávio Botelho Produtora - Já Filmes IMAGENS DE ARQUIVO Alô Amigos - Walt Disney/ Buena Vista Home Entertainment Inc. Carnavais - Amaro Filho - Oficina de Com./ Auçuba / Oficina de Imagem CEDOC - Rede Globo Chame Gente - Mini Kerti - Dueto Filmes Filhos de Gandhy - Luiz Buarque de Hollanda - Conspiração Filmes Maracatu, Maracatus - Marcelo Gomes - Parabólica Brasil Moro no Brasil - Mika Kaurismaki - Magnatel Nossa Escola de Samba - Thomas Farkas - Thomas Farkas Preto e Branco - Carlos Nader - Já Filmes Rio, Carnaval de Rua - Roberto Machado - Roberto Machado Prod Cinematográficas Samba - Theresa Jessouron - Kinofilmes Via Brasil - Sérgio Bernardes Magnetoscópio MÚSICAS A-la-laô - Haroldo Lobo e Nássara - Banda do Canecão - Edi Irmãos Vitale Ele Gibô (Uma história de Ifá) - Rei Zulu e Itamar Tropicália - Margareth Menezes Música das Coisas, dos Bichos e dos Vegetais - Abril Produções/ Giros Produções Zé Pereira - Banda do Canecão - Editora Irmãos Vitale - Universal

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ICONOGRAFIA Instituição - Fototeca Fotografia - Pedro Ribeiro

COTIDIANO FICHA TÉCNICA Direção - Victor Lopes Produção Executiva - Rodrigo Letier Direção de Arte - Marcelo Pereira (Tecnopop) Pós Produção - Patrícia Nóbrega Montagem - Sérgio Marini Montagem Adicional - Guilherme Schumann Videografismo - Inez Torres e Rodrigo Lima Trilha Sonora e Mixagem - Leleo Narração - Marco Nanini Coordenação de Produção - Lorena Bondarovsky Assistência de Direção - Alice Lanari e Alice Spitz Técnico de Som - Renato Calaça Produtor Associado - Victor Lopes Produtora - TvZERO IMAGENS DE ARQUIVO Bar Esperança - Hugo Carvana - Marca Cinematográfica Boleiros - Era Uma Vez o Futebol... - Ugo Giorgetti - América Vídeo / Paris Filmes Cazuza, O Tempo Não Para - Sandra Werneck Copacabana me Engana - Antonio Carlos Fontoura - Canto Claro Cosmópolis - Camilo Tavares - Mutante Filmes De Passagem - Ricardo Elias - Raiz Produções Cinematográficas Hoje eu quero sair só, Lenine - Roberto Berliner - Sony/BMG Menino do Rio - Antonio Calmon - L.C. Barreto MTV Apresenta Dead Fish - Fabrizio Martinelli - DeckDisc / MTV Por Trás do Pano - Luiz Villaça - Nia Produções Repertório: João Paulo Schlittler - João Paulo Schlittler - Broadcast Design Roberto Carlo a 300 km por hora - - RF Farias Prod Cine

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Roberto Carlos em Ritmo de Aventura - Roberto Farias - RF Farias Prod Cine Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Subterrâneos do Futebol - Maurice Capovilla - Thomaz Farkas Surf Adventures - Arthur Fontes - Conspiração Filmes / Massangana / Lumière Uma Onda no Ar - Helvécio Ratton - Quimera Filmes Vai Trabalhar Vagabundo - Hugo Carvana - Alter Filmes MÚSICAS Devagar, Devagarinho - Eraldo Divagar - - BMG - Sony Music ICONOGRAFIA Fotografia - João Paulo Schlittler

CULINÁRIA FICHA TÉCNICA Direção - Victor Lopes Produção Executiva - Rodrigo Letier Direção de Arte - Marcelo Pereira - Tecnopop Pós Produção - Patrícia Nóbrega Montagem - Sergio Marini Montagem adicional - Guilherme Schuman Videografismo - Inez Torres e Rodrigo Lima Trilha Sonora e Mixagem - Leleo Narração - Zezé Motta Coordenação de Produção - Lorena Bondarovsky Assistência de Direção - Alice Lanari e Alice Spitz Direção de Fotografia - Paulo Violeta e Luis Abramo Técnico de Som - Renato Calaça Produtor Associativo - Victor Lopes Produtora - TvZERO IMAGENS DE ARQUIVO Dona Flor e Seus Dois Maridos - Bruno Barreto - L.C. Barreto Hoje eu Quero Sair só - Lenine - Roberto Berliner - Sony/ BMG O Novo Brasil - Jean Pierre Manzon - Acervo Jean Manzon , Meu Tempo é Hoje - Isabel Jaguaribe - Videofilmes

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Pierre Fatumbi Verger - Luiz Buarque de Hollanda - Conspiração Filmes - Pierre Verger Fundação Preto e Branco - Carlos Nader - Já Filmes Projeto Saberes do Brasil - Ana Luiza Trajano - GAIA Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Série Brasil Corpo e Alma - Jarbas Mantovanini - FRM Série Mesa Brasileira - Ricardo Miranda - Anders Produções Série MPB Especial - Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura Sons da Bahia - Paulo Caldas e Luiz Buarque de Hollanda - Conspiração/ Conexão MÚSICAS Feijão da Dona Nenem - / Arlindo Cruz - Zeca Pagodinho - Sony/ BMG - Universal Os Quindins de Iaiá - Ary Barrosos/ Cyro Monteiro/ Canhoto / José Meneses - Editora Irmãos Vitale S/A Indústria e Comércio - Sony / BMG Pecadora - Paulinho da Viola -Paulinho da Viola e Velha Guarda da Portella - Warner Chappel Vatapá - - Dorival Caymmi (com orquestra) - Mangione Filhos - Universal

DANÇAS FICHA TÉCNICA Direção - Victor Lopes Produção Executiva - Rodrigo Letier Direção de Arte - Marcelo Pereira - Tecnopop Pós Produção - Patrícia Nóbrega Montagem - Sergio Marini Montagem adicional - Guilherme Schuman Videografismo - Inez Torres e Rodrigo Lima Trilha Sonora e Mixagem - Leleo Narração - Antonio Nóbrega Coordenação de Produção - Lorena Bondarovsky

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Assistência de Direção - Alice Lanari e Alice Spitz Direção de Fotografia - Rodrigo Monte Técnico de Som - Renato Calaça Produtor Associativo - Victor Lopes Produtora - TvZERO IMAGENS DE ARQUIVO A Bahia Singular e Plural, Dança de São Gonçalo - TVE Bahia/ IRDEB A Busca do Graal - Victor Lopes - Dell’Arte A Capoeiragem na Bahia - José Humberto - TVE Bahia / IRDEB A’uwe Uptabi, O Povo Verdadeiro - Ângela Papianni e Belisário França - Giros Produções Amerindia Memória Remorso, Compromisso no V Centenário - Conrad Berning - Verbo Fin Barravento - Glauber Rocha - Iglu Filmes Bengulê - Grupo Corpo Canal Futura CEDOC - Rede Globo Clube do Balanço - Lea Van Steen - Regata Música - Black Ninja Filmes Cordão de Ouro - Antonio Carlos Fontoura - Canto Claro Produções Artísticas De Raízes e Rezas - Sérgio Muniz - Thomaz Farkas Débora Colker 4x4 - Paulo Severo - Cia. Débora Colker Fundação Padre Anchieta / TV Cultura Gafieira - Gerson Tavares - Verona Filmes Mapas Urbanos II - Daniel Augusto Sampaio - Grifa Cinematográfica Maracatu, Maracatus - Marcelo Gomes - REC Produções Na Rota dos Orixás - Renato Barbieri - Videografia Nossa Escola de Samba - Thomaz Farkas - Thomaz Farkas O Descobrimento do Brasil - Humberto Mauro Instituto de Cacau da Bahia Quasar - Victor Lopes - Dell’Arte Imagens REC PLAY- Tatiana/ Sergio Roizemblitz - Miração Filmes Saudade do Futuro - Cesar Paes e Marie Clémence Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Série Brasil Corpo e Alma - Jarbas Mantovanini - FRM Série Danças Brasileiras - Belisário França - Giros Produções

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Série Música do Brasil - Belisário França - Abril Produções/ Giros Produções Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio MÚSICAS Canto VIII - Eldorado De Onde Vem o Baião - Gilberto Gil - Gilberto Gil/ - Gegê Produções Na Glória - Raul de Barros - Roberto Marques - Editora Irmãos Vitale S/A Roda Pião - Dorival Caymmi - Dorival Caymmi, Leo Peracchi e sua Orquestra - Mangione - EMI MUSIC São Bento Pequeno - Nenéo - Mestre Bimba Vem Morena - Luiz Gonzaga - Addaf - BMG

FESTAS FICHA TÉCNICA Direção - Carlos Nader e Eduardo Menezes Direção de Arte, Montagem e Finalização - Eduardo Menezes Narração - Lázaro Ramos Produção - Flávio Botelho Produção Adicional - Renata Druck Direção de Fotografia Adicional - Christian Johnson Sonoplastia e Trilha Original - Daniel Zimmerman Estúdio de Som Rio de Janeiro - Monaural Assistência de Direção - Flávio Botelho Assistência de Arte, Montagem e Finalização - Luciana Branco Assistência de Produção Gravações Adicionais - Luis Ludmer Produtora - Já Filmes IMAGENS DE ARQUIVO Babilônia 2000 - - Videofilmes/ Cecip/ Donald K. Ranvaud Buena Sorte - Tania Lamarca - Bruno Stroppiana/ Donald Ranvaud Cedoc - Rede Globo Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura Oktoberfest - Jacqueline Burger - Jeclac Oriki - Jorge Alfredo e Moisés Augusto - Truq Cine TV Vídeo Série Música do Brasil - Belisário França - Abril Produções/ Giros Produções Sons da Bahia - Paulo Caldas e Luiz Buarque de Hollanda - Conspiração/ Conexão

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As Filhas da Chiquita - Edvan Coutinho - Cia. Amazônia de Filmes Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio VIVA São João - - Conspiração Filmes/ Gegê Produções MÚSICAS Dancing Days - Rubens Queiroz/ Nelson Motta - As Frenéticas - Sigem - Warner Music É Disso que o Velho Gosta - Campos Azambuja - Chitãozinho e Xororó - Warner Chappel - Universal Festa de Rodeio -César Augusto/ Reinaldo Barriga/ César Rossini - Leandro e Leonardo - BMG/ Warner Chappel - Som Livre Jorge Moisés - Jorge Moisés - Rec Play Olha pro céu -Luiz Gonzaga/ José Fernandes -Irmãos Vitale S.A. White Out - DJ Periférico, Érico Beraldo Theobaldo ICONOGRAFIA Fotografia - Silvestre Silva

FUTEBOL FICHA TÉCNICA Direção - Victor Lopes Produção Executiva - Rodrigo Letier Direção de Arte - Marcelo Pereira (Tecnopop) Pós Produção - Patrícia Nóbrega Montagem - Sérgio Marini Montagem Adicional - Guilherme Schumann Videografismo - Inez Torres e Rodrigo Lima Trilha Sonora e Mixagem - Leleo Narração - Pelé Narração Adicional - Leo Batista

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Coordenação de Produção - Lorena Bondarovsky Assistência de Direção - Alice Lanari e Alice Spitz Técnico de Som - Renato Calaça Produtor Associado - Victor Lopes Produtora - TvZERO IMAGENS DE ARQUIVO CEDOC/TV GLOBO - CBF - FIFA Cenas Copa 50 - Cinemateca Uruguaia Futebol Filme 1 - João M. Salles/ Arthur Fontes - Videofilmes Futebol Filme 3 - João M. Salles/ Arthur Fontes - Videofilmes Garrincha, A Alegria do Povo - Joaquim Pedro de Andrade - LC BARRETO Nossa Escola de Samba - Manuel Gimenez - Thomaz Farkas O Pagador de Promessas - Cinedistri/ Oswaldo Massani Rádio Gogó in Curta Cinema - José Araripe Jr. - Truq Cine TV Vídeo Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Subterrâneos do Futebol - Maurice Capovilla - Thomaz Farkas Uma História de futebol - Paulo Machline - 1 Filmes Uma Partida de Futebol, Skank - Roberto Berliner - Sony / BMG MÚSICAS 1x 0 - Pixinguinha e Benedito Lacerda - Irmãos Vitale S.A - EMI Histórias que o Rádio Não Contou - Reynaldo C. Tavares - editora HARBRA Segura Ele - Pixinguinha/ Benedito Lacerda - Irmãos Vitale S.A. - Universal ICONOGRAFIA Instituições - Biblioteca Nacional, Centro Britânico - SP Centro Pró Memória Hans Nobiling do Esporte Clube Pinheiros.

MÚSICA FICHA TÉCNICA Direção - Carlos Nader Direção de Arte, Montagem e Finalização - Gustavo Gordilho Narração - Adriana Calcanhoto Produção - Flávio Botelho Produção Adicional - Renata Druck

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Sonoplastia e Trilha Original - Daniel Zimmerman Estúdio de Som Rio de Janeiro - Monaural Assistência de Direção - Flávio Botelho Produtora - Já Filmes IMAGENS DE ARQUIVO A Sede do Peixe, - Carolina Jabor/ Lula Buarque de Hollanda - Conspiração Filmes Antes, Uma Viagem na Pré-História - Marcello Dantas - Magnetoscópio Armas e Paz, Adão Xalebaredã - / Daniela Thomas/ Kátia Lund - Videofilmes CEDOC/ Rede Globo Chico e as Cidades - José Henrique Fonseca - Conspiração Filmes Elis Regina, MPB Especial - Fernando Faro - Fundação Padre Anchieta / TV CULTURA Loadeando, Marcelo D2 - Johnny Araújo - Sony/ BMG Memórias Crônicas e Declarações de Amor, - Claudio Torres/ Lula Buarque de Hollanda - Conspiração Filmes Noites do Norte ao Vivo, Caetano Veloso - Carlos Nader/ - Universal Music Partido Alto - Leon Hirszman - Embrafilme Paulinho da Viola, Meu Tempo é Hoje - Isabel Jaguaribe - Videofilmes Rattamahata - Fred Stuhr - Roadrunner Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Série Música do Brasil - Belisário França - Abril Produções/ Giros Produções Sons da Bahia - Luiz Buarque de Hollanda/ Paulo Caldas - Conspiração/ Conexão Us Mano, as Mina, Xis - Mariana Jorge - 4P Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio MÚSICAS A Terceira Margem do Rio - Milton Nascimento - Milton Nascimento - Tribo Prod Universal Águas de Março - Tom Jobim - Elis Regina - Jobim Music - Ensaio/ TV Cultura Cada Macaco no Seu Galho - Lampirônicos/Riachão Cantilena - Heitor Villa Lobos - Irmãos Vitale S.A. Indústria e Comércio - Movie Play

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Coisa do Mundo Minha Nega - Paulinho da Viola - Paulinho da Viola - Editora Arlequim Detalhes - Roberto Carlos - Roberto Carlos - TV Globo Língua - Caetano Veloso - Caetano Veloso - Natasha Produções - Universal Music Luar do Sertão - Catulo da Paixão Cearense/ Luiz Gonzaga - Maria Bethânia - Fermata - Biscoito Fino Luar do Sertão - Catulo da Paixão Cearense/ Luiz Gonzaga - Luiz Gonzaga - Fermata Para Ver as Meninas - Marisa Monte - EMI Paratodos - Chico Buarque - Chico Buarque - Sony/ BMG Quem Mandou Duvidar - Candeia - Editora Fermata Ratamahatta - Carlinhos Brown, Max Cavalera, Igor Cavalera - Sepultura - Sum Records Us Mano, As Mina - Xis- 4P ICONOGRAFIA Instituições - Arquivo do Estado de São Paulo e Som Livre.

NATUREZA E CULTURA FICHA TÉCNICA Direção - Carlos Nader, Alex Gabassi e Renato Amoroso Direção de Arte - Renato Amoroso Montagem - Alex Gabassi Finalização - Saulo Silva e Bruno Bottignon Dicolla Narrações - Antônio Fagundes, Alex Gabassi (diálogo dos seringueiros), (poema sujo) Produção - Flávio Botelho Produção Adicional - Renata Druck Sonoplastia - Daniel Zimmerman Estúdio de Som São Paulo - Vox Mundi Audiovisual e Estúdio Gaia Assistência de Direção - Flávio Botelho Agradecimento Especial - Trattoria Filmes Produtora - Já Filmes IMAGENS DE ARQUIVO Antes - Histórias da Pré História - Marcello Dantas - Magnetoscópio Ao Sul da Paisagem - Paschoal Samora - Grifa Cinematográfica

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Imagens Super 8 - Alex Gabassi O Novo Brasil - Jean Pierre Manzon - Acervo Jean Manzon Preto e Branco - Carlos Nader - Já Filmes Rastejador - Sérgio Muniz - Thomaz Farkas Série Expresso Brasil, Poema Sujo, Ferreira Gullar - Helder Aragão/ Marcelo Gomes - Polo de Imagem Terra do Mar - Mirella Martinelli/ Eduardo Caron - Riofilmes Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio MÚSICAS Milagre - Dorival Caymmi - Gilberto Gil - Gegê Edições - Warner Music ICONOGRAFIA Fotografias - Araquém Alcântara Cristiano Mascaro Edu Lyra Edu Simões Gal Oppido Hilton Ribeiro Iatã Canabrava Marcelo de Paula Renato Amoroso Roberto Linsker Rômulo Fialdini Tiago Santana ILUSTRAÇÕES - Álvaro Evandro Xavier Nunes Jean Baptiste Debret Jean Théodore Descortilz Johann Baptist Karl Hermann Burmeiser Spix &Martius e Victor Frond INSTITUIÇÕES - Biblioteca do Instituto de Pesca, Biblioteca Mário de Andrade, Instituto Itaú Cultural,

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Instituto Moreira Salles, Instituto Sócio Ambiental e Samba Photo.

RAIZ LUSA FICHA TÉCNICA Direção - Marcello Dantas Produção - Melina Valente Montagem - Haná Vaisman Composição Digital - Leandro Lima Câmera - Neni Glock Assistente de Produção Portugal - Gisela Barros Pesquisa Iconográfica - Sandra Jeha Com - Jorge Couto, historiador, presidente Biblioteca Nacional Ivo Castro, linguista, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Claudio Torres, arqueólogo, Diretor Museu Islâmico de Mértola Produtora - Magnetoscópio ICONOGRAFIA Instituição Academia de Ciencias de Lisboa Agência RMN - Museu do Louvre Archivo fotográfico Oronoz Biblioteca Apostólica do Vaticano Biblioteca Casatenense Biblioteca da Ajuda Biblioteca Monastério San Lorenzo Del Escorial Biblioteca Nacional de Portugal Bibliothèque Nationale de France British Library Museu Condes de Castro Guimarães Museus Castro Maia The Pierpont Morgan Library IMAGENS Alfonso X El Sábio

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Al-Idrîsî Antonio de Hollanda Duarte Galvão Jean Baptiste Debret MÚSICA Dança dos Montanheses - Carlos Paredes - Carlos Paredes - Addaf - EMI Fez Medina (ambient sounds) - Randall Brarnwell - Ellipsis Art Luanda Nbolo - Bonga Kuenda - Bonga Kuenda - Lusafrica/ BMG/ RCA Victor Mona Ki Ngi Xica - Bonga Kuenda Bonga Kuenda - Lusafrica/ BMG/ RCA Victor Porto Santo - Carlos Paredes - Carlos Paredes - Addaf - EMI Tabato - Lambango - Ellipsis Arts Viola Chinesa - A Outra Banda (com o grupo Cheong Hong) - Tradisom/ co-produção Pavilhão de Portugal Expo 98. Ya Rayah - Dahmane El Harrachi - Amrani Abderrahmane - NFB World

RELAÇÕES HUMANAS FICHA TÉCNICA Direção - Carlos Nader e Renata Druck Direção de Arte e Finalização - Ricardo Müller Carioba Montagem - Gustavo Gordilho e Ricardo Müller Carioba Narração - Regina Casé Produção - Flávio Botelho Produção Adicional - Renata Druck Direção de Fotografia Adicional - Christian Johnson Som Direto Adicional - Alfredo Alves Guerra Sonoplastia e Trilha Original - Daniel Zimmerman Estúdio de Som Rio de Janeiro - Pindorama Assistência de Direção - Flávio Botelho Assistência de Produção Gravações Adicionais - Luis Ludmer Produtora - Já Filmes IMAGENS DE ARQUIVO Babilônia 2000 - Eduardo Coutinho - Videofilmes Canal Futura - Canal Futura - Canal Futura

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CEDOC/ Rede Globo Edifício Master - Eduardo Coutinho - Videofilmes Parabolic People - Sandra Kogut - Sandra Kogut Série Além Mar - Belisário França - Giros Produções Série Música do Brasil - Belisário França - Abril Produções/ Giros Produções Surf Adventures - Arthur Fontes - Conspiração Filmes/ Lumiére/ Massangana Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio VideoCabines - Sandra Kogut - Sandra Kogut MÚSICA Rap da Felicidade - Nowa - Link Records Ronda - - Márcia - Arlequim/ Paulo Vanzolini - Biscoito Fino ICONOGRAFIA Instituição - Cia da Memória

RELIGIÕES FICHA TÉCNICA Diretor - Marcello Dantas Assistência de Direção - Nathalie de La Chevalerie Montagem - Haná Vaisman Direção de Arte - Eduardo Menezes Assistente - Luciana Cristina Branco Sonoplastia - Daniel Zimmerman Narração - Gero Camilo IMAGENS DE ARQUIVO À Margem da Luz - Torquato Joel/ Marcos Villar - Para‘iwa/ TV Viva/ Comvideo A’uwe Uptabi - Ângela Papianni/ Belisário França - Giros Produções CEDOC/ Rede Globo Central do Brasil - Walter Salles - VideoFilmes De Raízes e Rezas - Sérgio Muniz - Thomaz Farkas Fé - Ricardo Dias - Superfilmes Maracatu, Maracatus - Marcelo Gomes - Rec Produções Polifonia da Imigração - Jurandir Muller - Palco TV Santa Cruz - João Moreira Salles - Videofilmes/ GNT

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Série Brasil Corpo e Alma - Jarbas Mantovanini - FRM Terra Brasil - Marcello Dantas - Magnetoscópio Via Brasil - Sérgio Bernardes - Magnetoscópio MÚSICAS Lume - Beto Villares - Beto Villares - Ambulante Mangalacharan - Madhup Mudgal - Silvana - SESC A Chegada do Zé do Né na Lagoa de dentro (sinos) - Cordel do Fogo Encantado (Lirinha, Clayton Barros e Buguinha) - Cordel do Fogo Encantado - Rec Beat Prod. Artísticas Antes dos Mouros (violão) - Cordel do Fogo Encantado - Cordel do Fogo Encantado - Rec Beat Aboio - Beto Villares - Beto Villares - Ambulante O Crente e o Cachaceiro - Pinto e Rouxinol - Caju & Castanha - Pinto & Rouxinol - Trama Loa de Abertura (2ªmúsica) - Antônio Nóbrega - Antônio Nóbrega - Brincante Orais Pro Nobis - Caixeiras da Casa Fanti Achanti - Graça - Cachuera ICONOGRAFIA Fotografias - Alexandre Tokitaka Ary Diesendruck Cynthia Brito Daniel Augusto Jr. Daniel Cymbalista Delfim Martins Edson Santo Fabio Bonoti João Prudente José Cordeiro Luciano Mattos Bogado Percival Tirapeli Ricardo Azoury Rogério Reis Ilustrações - J.Borges INSTITUIÇÕES -

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Corrupio Edições e Promoções Fotográfica Comunicação e Editora Fundação Pierre Verger Museu Histórico Nacional - Rio de Janeiro Pinacoteca do Estado de São Paulo Pulsar Imagens Reflexo Silvestre Silva Studio R Imagens Terra Virgem Tyba Agência Fotográfica SUPORTE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL: Ana Paula Marini Rodrigues Dirceu Grobmann Junior Juliana Souza Marli Garcia Ricardo Martins Tato DiLascio Ubiratan Missioneiro

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