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# 42 – julho 2014

O mundo é uma bola Alemanha sagrou-se tetra na sede maravilhosa

Reserve um dia para conhecer as principais atrações do Centro, como o Theatro Municipal (de 1909, inspirado na Ópera de Paris), a Biblioteca Nacional (de 1910, é uma das maiores do mundo, com 10 milhões de obras), o Real Gabinete Português de Leitura (de 1887, reúne o mais valioso acervo de autores lusitanos fora de Portugal), a Confeitaria Colombo (de 1894, seus salões

receberam de Chiquinha Gonzaga à rainha rês milhões de peregrinos tomaram as Elizabeth), a Academia Brasileira de Letras (a ruas e areias do Rio de Janeiro durante construção é uma réplica do Petit Trianon de a Jornada Mundial da Juventude (ver Versalhes), o Palácio Tiradentes (foi a Cadeia T Velha, onde Tiradentes ficou antes de ser JornalDaCasa #24), em julho de 2013. O encontro católico foi só a primeira prova de enforcado, logo seria sede do Congresso fogo para a cidade, prestes a receber outros Nacional, e hoje abriga a Assembleia dois megaeventos: a Copa do Mundo, em Legislativa). 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016. Para dar conta de tudo, o Rio se redesenha. As O Centro caracteriza-se também por abrigar obras prosseguem na zona portuária e nos igrejas monumentais: de São Francisco da acessos à Barra da Tijuca –o bairro será Penitência (impressiona pelos altares palco de 14 modalidades olímpicas e vai dourados e pela riqueza de detalhes do piso abrigar as delegações na Vila dos Atletas. ao teto), ao lado fica a Igreja e Convento de Sto. Antônio, N.S. do Carmo da Antiga Sé Nunca faltam motivos para visitar o Rio. Se (aqui ocorreram a sagração de João VI como tiver pouco tempo, aproveite para ir logo rei de Portugal, em 1816, e de Dom Pedro I e conhecer o Cristo Redentor/Corcovado e o Dom Pedro II como imperadores do Brasil), Pão de Açúcar, símbolos máximos da cidade. N.S. de Montserrat (anexa ao Mosteiro de O Cristo Redentor, com 38 m de altura, virou São Bento), Da Ordem Terceira de N. S. do uma das Maravilhas do Mundo. Imerso no Monte do Carmo (um dos autores do altar foi Parque da Tijuca, seu acesso pode ser feito Mestre Valentim, um dos principais artistas por um trenzinho, em estrada de ferro de do Brasil colonial), N. S. da Candelária (a 1884. O Pão de Açúcar está formado por dois cúpula foi trazida de Lisboa) e a Catedral de mirantes naturais na entrada da Baia de São Sebastião do Rio de Janeiro/ Guanabara: o Morro da Urca (227 m) e o Pão Metropolitana (no subsolo fica o Museu de de Açúcar (396 m). Do mais alto, a vista é Arte Sacra). deslumbrante: os barcos na Praia de Botafogo, o Cristo, o Morro Dois Irmãos, a Criado por Dom João VI, o Jardim Botánico do Pedra da Gávea... Bondinhos fazem o Rio é o principal e maior do Brasil. Sua beleza transporte (ver JDC #11). Outro clássico é resiste há mais de 200 anos, com uma percorrer o calçadão de Copacabana –você alameda de palmeiras-imperiais, um lago pode botecar por ali antes de caminhar pela com vitórias-régias, um orquidiário e um orla ou ver o pôr do sol no Arpoador (foto). bromeliário, cartões-postais da atração. A Não deixe de relaxar nas areias das praias de área verde é tombada pelo IPHAN e foi Ipanema ou do Leblon. declarada Reserva da Biósfera pela Unesco.

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A Quinta da Boa Vista abriga o Museu O Parque Nacional da Tijuca é o mais visitado Nacional, o primeiro do país, que ocupa – do Brasil (2 milhões de pessoas por ano). desde 1892– o Palácio São Cristóvão, Amado por suas trilhas e estradas, preserva residência da família imperial até 1889. os mananciais que abastecem o Rio e ajuda Destacam-se as coleções greco-romanas que a amenizar o clima. A antiga região cafeeira pertenceram à imperatriz Teresa Cristina, foi reflorestada a mando de Dom Pedro II e, esposa de Dom Pedro II, a Sala do Egito, com em 1961, virou parque, dividido em quatro múmias e esquifes (a maior parte das peças setores: Floresta da Tijuca, Serra da Carioca, foi adquirida por Dom Pedro I), e o setor de Pedra da Gávea e Pretos Forros/Covanca. paleontologia, onde está o esqueleto de um dinossauro que viveu no Brasil há 80 milhões Se você gosta de passear a pé, Praia do de anos. Perigoso, Pedra Bonita, cachoeiras do Horto e Morro da Urca são alguns dos destinos das No prédio da Quinta também funciona o caminhadas dos Amigos da Zona Oeste. O Jardim Zoológico / RioZoo, onde os felinos grupo também organiza saídas culturais são as raridades: há onça-pintada, como ao museu Casa do Pontal e à Ilha jaguatirica, lince europeu, leopardo, leões e Fiscal, todas grátis. os tigres do Himalaya e siberiano. Uma passarela, suspensa sobre o recinto dos Em reserva ecológica, a Casa do Pontal tem o cervos, leva até o aquário. maior acervo de arte popular de pais: 5 mil obras de 200 artistas, colecionadas durante O Museu Histórico Nacional é uma aula sobre 40 anos pelo francês Jacques Van de a história brasileira, desde os tempos pré- Beuque. Em 12 galerias temáticas, exibe históricos, em galerias modernizadas. Lá maquetes com movimento e esculturas de estão um painel multimídia sobre a expansão madeira e barro, como as do pernambucano marítima portuguesa e a coleção de Mestre Vitalino. porcelanas da corte lusitana. Se você prefere passear de barco, o No Museu da República, do lado de fora há rebocador Laurindo Pitta, que participou da um belo jardim, café e cinema. Dentro do Primeira Guerra Mundial, parte do Espaço palácio, comece pela galeria que explica a Cultural da Marinha, no Centro, para um história de sua construção e lista os 16 passeio pela Baia de Guanabara. presidentes da República que aqui trabalharam entre 1897 e 1960. Prossiga A Cidade Maravilhosa também merece ser pelos salões, com mobília original, até o conhecida de bicicleta. O Rio tem 200 km de segundo andar, onde está o quarto no qual ciclovias bem-sinalizadas. O Parque Aterro do Getúlio Vargas se matou, em 1954 (o revólver Flamengo, as orlas de Copacabana, Ipanema e o pijama usados por ele estão expostos). e Leblon e a Lagoa Rodrigo de Freitas são bons roteiros. O Bike Rio é um sistema de A construção de 1954 do Museu de Arte aluguel de bicicletas com 60 estações, do Moderna / MAM, do arquiteto Affonso Centro ao Leblon, com cadastro online. Eduardo Reidy, valoriza a vista para o Parque Aterro do Flamengo. O segundo andar expõe O bairro Santa Teresa surgiu ao redor da parte do acevo de Gilberto Chateaubriand. Há Igreja Nossa Senhora do Desterro, de 1629, e quadros de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e se desenvolveu a partir de 1894, quando Henry Moore. chegaram os bondes elétricos. Vá até o Museu da Chácara do Céu e ao Parque das No Centro Luiz Gonzaga de Tradições Ruínas. Tombados pela prefeitura, os 215 Nordestinas / Feira de São Cristóvão há 700 degraus da Escadaria Selarón, decorados em estandes, com palcos para shows e barracas verde e amarelo pelo artista chileno Jorge de comida nordestina. Selarón, ligam Santa Teresa a Lapa.

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À noite, vá à Lapa e renda-se à carioquice nas casas de samba, com apresentações no Carioca da Gema, no Centro Cultural Carioca, no Clube dos Democráticos e no Rio Scenarium. Junto aos famosos Arcos está o Circo Voador e a Fundição Progresso, casas de shows com programação variada.

O projeto de revitalização da efervescente zona portuária, chamado Porto Maravilha, poderá ser o principal legado deixado para a cidade após a Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas de 2016. Vai se fortalecer a área como polo cultural, com os já inaugurados Museu de Arte do Rio/MAR (são quatro andares do eclético Palacete Dom João VI, que abrigam exposições temporárias e permanentes, como aquarelas de Santiago Calatrava e uma escultura de Aleijadinho), Meu Porto Maravilha, o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, e o Museu do Amanhã, megaprojeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava previsto para 2015. O pôster do Rio de Janeiro representa a essência do carioca, “que se move no ritmo do mar e com a energia da natureza que o cerca e do calor do sol". A silhueta e a bola em um gesto descontraído formam um coração que está no centro de várias camadas expressando o amor do carioca pelo futebol. Cada camada representa um aspecto do Rio: a praia, a montanha, o Pão de Açúcar, o mar e o céu.

Como chegar Há dois aeroportos: o Santos Dumont, na

região central, e o Internacional Antônio O estádio Carlos Jobim (ou Galeão), na Ilha do O Maracanã é gigante em história. Didi foi o Governador, a 20 km do Centro. Ônibus com primeiro a balançar a rede, no jogo de ar-condicionado (conhecidos como “frescão”) inauguração, em 1950; Zico (ver JDC #19) é ligam, a cada 30 minutos, o aeroporto ao o artilheiro, com 333 gols em 435 disputas; e Centro, à Zona Sul e à Barra da Tijuca. Os foi ali que Pelé marcou seu milésimo gol, em ônibus interestaduais chegam no Terminal 1969. Depois de quase três anos em reforma Rodoviário Novo Rio, próximo à zona (ver JDC #23), as arquibancadas, com portuária e ao Centro. De carro, as principais cadeiras azuis, amarelas e brancas (que, vias de acesso são a BR-101 (para quem junto com o verde do gramado, formam as chega do Nordeste), a BR-040 (de Belo cores da bandeira brasileira), ficam a 14 m Horizonte) e a BR-116 (Via Dutra) para quem do campo e há cobertura para 96% dos vem de São Paulo. A Avenida Brasil e a Linha assentos. Na Copa do Mundo houve 7 jogos, Vermelha são parte do trajeto de quem chega quatro na primeira fase (15, 18, 22 e 25 de pela BR-116. Ambas tem conexão com a junho), um nas oitavas (27 de junho), um nas Linha Amarela, via expressa para a Barra. quartas (4 de julho) e a final (13 de julho). # 42 – julho 2014

Ao pé da letra Cidade Maravilhosa

Cidade maravilhosa Cheia de encantos mil Cidade maravilhosa Coração do meu Brasil Berço do samba e de lindas canções Que vivem n'alma da gente És o altar dos nossos corações Que cantam alegremente

Cidade maravilhosa Rio de Janeiro pode se orgulhar de ter Cheia de encantos mil um hino conhecido nacionalmente. A Cidade maravilhosa associação de Cidade Maravilhosa O Coração do meu Brasil (1934) com o Rio tornou-se tão inevitável que o então estado de Guanabara legitimou-a Jardim florido de amor e saudade como hino oficial nos anos 60. A expressão Terra que a todos seduz “cidade maravilhosa” foi cunhada em uma Que Deus te cubra de crônica do escritor Coelho Neto em 1908. O Ninho de sonho e de luz Rio acabara de passar pela polêmica reforma urbanística do prefeito Pereira Passos, que se Cidade maravilhosa mirou no modelo parisiense para alargar Cheia de encantos mil avenidas, criar passeios ajardinados e Cidade maravilhosa demolir cortiços. Além disso, o Cristo Coração do meu Brasil Redentor (foto) acabara de ser inaugurado, em 1931. Na Rádio Mayrink Veiga, o radialista César Ladeira apresentava as Crônicas da Cidade Maravilhosa, escritas pelo futuro imortal da Academia Brasileira de Letras, Genolino Amado. O cinema também tomava novo fôlego: em 1934, o produtor norte-americano Wallace Downey se associava à brasileira Cinédia para produzir sucessos do cinema musical. Foi no primeiro filme da Waldow-Cinédia, Alô, Alô, Brasil, que Aurora Miranda, estimulada pela irmã Carmen, estreou cantando Cidade Maravilhosa.

A canção foi apenas a segunda colocada no concurso de marchas de 1935, sob protestos do público. Não à toa, Coração Ingrato, a vencedora, ficou esquecida. Também caiu no Discos onde ouvir ostracismo o restante da boa obra de André Taiguara – Trilha sonora do filme “Crônica da Filho (1906-1974). Autor, entre outras, de Cidade Amada” (1966) Filosofia (com Noel Rosa), André Filho passou Claudionor Germano – Baile da Saudade I por problemas psiquiátricos nos anos 40 e (1980) abandonou prematuramente a carreira Carmen Miranda & Aurora Miranda (1990) artística. Léo Gandelman – Made in Rio (1993) # 42 – julho 2014

Telas e telinhas 10 telenovelas que voltaram em novas versões

eu pedacinho de chão (1972 e Mulheres de areia (1973 e 1993) 2014) A história das gêmeas fisicamente idênticas e M A história da professorinha que psicologicamente opostas, Raquel e Ruth, muda a rotina de uma pequena vila, que surgiu na extinta TV Tupi em 1973, com Eva pode ser vista atualmente às 18h na TV Wilma no papel das duas irmãs e Carlos Zara Globo, foi contada pela primeira vez em como bem-sucedido empresário Marcos 1972. Na época, ela foi exibida pela Globo e Assunção. Vinte anos mais tarde, a trama pela TV Cultura simultaneamente. Na década ocupou o horário das 18h na Rede Globo, de 1970, a atriz Renée de Vielmond assumiu com Glória Pires assumindo o papel da irmã o papel da professora Juliana, hoje boa e da má. interpretado por Bruna Linzmeyer. Castro Gonzaga era o coronel Epaminondas e seu filho, Fernando, foi interpretado por Ênio Carvalho. Hoje os personagens estão nas mãos de Osmar Prado e Johnny Massaro, respectivamente.

Cabocla (1979 e 2004) A novela, inspirada em um romance homônimo de Ribeiro Couto, foi adaptada pela primeira vez em 1959, e exibida pela extinta TV Rio. Os atores Glauce Rocha e Sebastião Vasconcelos assumiram o papel dos protagonistas na época. Em 1979 a trama ganhou sua segunda adaptação na Globo, nas mãos de Benedito Ruy Barbosa. O Selva de pedra (1973 e 1986) cantor Fábio Jr. Interpretava Luis Jerônimo, o Na história, o interiorano Cristiano Vilhena moço da cidade que vai para o interior se mata um homem durante uma briga. Após o curar de uma tuberculose. No campo, acaba assassinato, foge para o Rio de Janeiro, com se apaixonando pela afilhada do coronel que a escultora Simone Marques, com quem se o hospeda, a jovem do interior Zuca, acaba casando. Na cidade grande se torna interpretada pela então estreante, Glória parte de uma engrenagem corrupta, que põe Pires (foto). A terceira versão, também da seu casamento em jogo e culmina em um Globo, chegou às telas em 2004, com Daniel acidente de carro do qual Simone é vítima. de Oliveira no papel de Luis Jerônimo e fez em 1973 seu primeiro Vanessa Giácomo como a . O ibope protagonista, ao lado de Regina Duarte, seu do remake foi ainda impulsionado pela par romântico (foto). No remake de 1986 disputa cômica entre os coronéis Boanerges e Fernanda Torres conduzem a e Justino, interpretados por Tony Ramos e trama. As duas versões passaram na TV Mauro Mendonça, respectivamente. Globo. Sebastião Vasconcelos voltou nessa versão no papel de Felício. # 42 – julho 2014

A viagem (1975 e 1994) O astro (1978 e 2011) Mais um remake de novela surgida na TV O ator Francisco Cuoco foi o vidente Tupi, “A viagem” foi exibida pela primeira vez Herculano Quintanilha no final da década de em 1975, e de novo em 1994, na Globo 1970, quando a novela “O astro” foi exibida (ambas as versões escritas por Ivani Ribeiro). pela primeira vez, na Globo. Tony Ramos Inspirada nas obras de Allan Kardec, a novela dividia a cena com ele, no papel do era conduzida pelo espírito de um homem coprotagonista Márcio Hayala. Foi quando que se mata na cadeia, e volta para surgiu o bordão “quem matou Salomão atormentar aqueles que julga responsáveis Hayala?”, recuperado em 1988 pela novela por seu destino. O protagonista Alexandre foi “Vale tudo” para solucionar o mistério do interpretado por Ewerton de Castro em 1975 assassinato de Odete Roitman. Na versão de e por Guilherme Fontes na década de 1990. 2011, no mesmo canal, os papéis principais são interpretados por e Thiago Fragoso. Cuoco fez uma participação especial no remake como Ferragus, conselheiro de Quintanilha. A adaptação ganhou o prêmio Emmy Internacional de melhor novela em 2012.

Ti-ti-ti (1986 e 2010) A trama foi estrelada pela primeira vez por e Luis Gustavo, como dois rivais eternos, do campo da moda a assuntos pessoais, em 1986. A novela de 2010 misturou a história original com personagens e seus intérpretes de outras novelas de Cassiano Gabus Mendes, como os de “Plumas e paetês” (1980). Murilo Benício e Anjo mau (1976 e 1997) Alexandre Borges assumiram os personagens A primeira versão da novela foi ao ar em dos costureiros inimigos e contaram, 1976, com Susana Vieira no papel de Nice, também, com o retorno dos atores da uma babá disposta a tudo para subir na vida. primeira novela. O original e o remake são da José Wilker era Rodrigo, o filho de família rica Globo. que Nice quer conquistar, mas por quem acaba de fato se apaixonando (foto). O Sinhá moça (1986 e 2006) remake mudou o cenário do Rio para São Inspirada em romance homônimo de Maria Paulo em 1997, e trouxe Glória Pires mais Dezonne Pacheco, a novela se passa dois uma vez como protagonista, dessa vez ao anos antes da promulgação da Lei Áurea. lado de Kadu Moliterno. A nova versão Lucélia Santos voltou em um enredo sobre a guardou um final mais feliz para o casal no escravidão, mas dessa vez no papel da filha último episódio, que contou com uma de um coronel escravocrata, que se apaixona participação especial de Susana Vieira. As por um republicano abolicionista (Marcos duas versões são da Globo. Paulo). A novela foi refeita 20 anos mais tarde, de novo pelas mãos das filhas de seu A escrava Isaura (1977 e 2004) criador, Ruy Barbosa. A nova versão, também Inspirada em romance homônimo de 1875, na Globo, foi protagonizada por Débora de Bernardo Guimarães, a história Falabella e Danton Mello. Foi a primeira abolicionista sobre uma escrava branca novela brasileira indicada ao prêmio Emmy ganhou sua primeira adaptação na Globo em International, o Oscar da TV mundial. Milton 1977 com Lucélia Santos. Em 2004, mudou Gonçalves foi indicado a melhor ator do de emissora e foi relançada na Record, mesmo prêmio, graças a sua participação marcando a teledramaturgia do canal. A atriz especial na novela como Pai José. Bianca Rinaldi assumiu o papel de Isaura. # 42 – julho 2014

Boca no trombone O Que é Que o Caymmi Tem?

denominação não foi à toa. São três os fatores que tornaram o período de 1929 a 1945 tão importantes para a música brasileira: a consolidação do samba e da marchinha; a chegada ao Brasil de vários inventos (radiodifusão, gravação eletromagnética do som, gramofone eletrificado, microfone, cinema falado) e, o mais decisivo, o aparecimento de uma geração de músicos, compositores e cantores de imenso talento, que só iria se repetir décadas mais tarde, no período dos festivais (1965-1972). Caymmi fez parte da segunda fase da Época de Ouro e um dos artistas mais famosos da última fase.

Sobre o samba que fazia, Caymmi fez questão de explicar: “A música típica brasileira é samba. E o samba na Bahia era om motivo do centenário de seu um estilo de samba de mote e glosa, é você nascimento, o dia 30 de abril a Casa do abrir um estribilho e responder. É o C Brasil fez uma merecidíssima samba de umbigada, samba de rua, com homenagem ao compositor Dorival Caymmi. influência portuguesa e africana”. Na ocasião, professores, alunos e amigos partilharam um vídeo, uma palestra –que Mas Dorival não trouxe apenas uma temática levou o nome desta matéria– e três músicas de apelo popular, pois além de suas letras que se executaram e cantaram ao vivo, os trazerem aspectos e usos da vida baiana sambas Maracangalha e Samba da Minha desconhecidos do resto do Brasil, como os Terra, e o samba-enredo Caymmi mostra ao balangandãs ou os pregões das baianas, sua Mundo o que a Bahia e a Mangueira Tem. música era inteiramente diferente do que se ouvia no rádio de então, absolutamente Depois de um flerte com as rádios de sua original. terra, o baiano tomou um Ita para o Rio de Janeiro, onde decidiu tentar a vida, com 23 O pesquisador Jairo Severiano é ainda mais anos de idade, no dia 1º de abril de 1937, o radical: “Caymmi é único, não tem dia da mentira. Deve ter sido por isso que, antecessores, nem deixa herdeiros. Mesmo excetuando seu amigo Zezinho, nenhum seus filhos (Dori, Danilo e Nana), não são amigo apareceu, pensando que fosse piada. caymmianos, são inteiramente jobinianos. Ele Levava a mala e o violão bem embrulhado. esgotou a temática do mar. Qualquer canção Em menos de um ano, gravado por (e com) praieira feita depois dele é lugar comum”. Carmen Miranda, em O Que É Que a Baiana Tem? (ver JornalDaCasa #38), Caymmi O baiano era sestroso cultor do ócio criador estreou na Rádio Tupi e projetou-se que levou nove anos para concluir a saga de internacionalmente. João Valentão (ver JornalDaCasa #24). Por conta disso, ganhou a irremediável e O compositor entrou para o mundo do rádio inadequada fama de preguiçoso, da qual no auge do período que o pesquisador Ary tirou partido malandramente deitado na rede Vasconcelos batizou de “Época de Ouro”. Tal nos anúncios de TV. # 42 – julho 2014

Caymmi foi um incansável lutador pelos começar para não acordar ninguém. Fazia, direitos autorais na música brasileira. Ele foi em silêncio, a “Oração da Manhã” que um dos fundadores da União Brasileira dos conhecia desde menino. Depois da oração, Compositores, em 1942. meditava e esperava pelo café da manhã. Era metódico. Gostava de se aproximar da janela A década de 1950 lhe fora pródiga. Compôs a qualquer hora do dia. Observava a vida que muito –considerando-se seu ritmo de ourives, corria. Costumava ler. Aceitava cada um é claro- e ao longo de dez anos teve como era. Nada exigia. Nada impunha. Era a praticamente todas as suas canções favor da liberdade total. Não fazia da vida consagradas pelo público, unindo sucesso à alheia um alimento da sua curiosidade. qualidade inegável de suas composições. Invadir, jamais. Conversava com criança pequena como se fosse gente grande. Ele as Além das canções praieiras e seus sambas respeitava. Elas o amavam. de inspiração tipicamente baiana –que por si só representam uma página de ouro na Havia nele, além do imenso talento –muitos música brasileira–, teve fôlego e engenho usam a palavra genialidade–, a junção da para lançar-se numa nova fase musical, a das inspiração com a extrema atenção. Dorival canções urbanas, em que compôs sambas- Caymmi estava sempre atento. Não era à toa canção com ricas e complexas harmonias, que adorava uma janela. Era um observador que lançaram as bases da chamada moderna nato. Um “curtidor” do cotidiano. Curtia música brasileira. Jamais se permitiu fazer coisas que em geral as pessoas sequer uma música de qualidade inferior. notam: sentia um prazer especial em acompanhar um animal em suas andanças Caymmi era um letrista inspirado, com letras ou o comportamento aparentemente banal excelentes, lapidadas com o rigor de um de uma criança. ourives. Às vezes deixava de ser um ourives da canção para ser um garimpeiro na beira Inúmeras vezes, quando compunha, a letra e do rio, em busca não da palavra certa –esta a música da canção vinham juntas. Não não lhe bastava–, mas da palavra exata. Para precisava do violão para compor, raramente ele, a perfeição se confundia com a exatidão. compunha nele, preferindo ouvir suas Exatidão profundamente enraizada na vida. canções na sua imaginação. Tinha uma Nada de abstrações nem sentimentalismos. memória admirável. E lhe sobrava paciência. Não tinha maiores teorias sobre o que fazia. Aquela busca pacífica e confiante de quem sabe que encontrará o que procura. Quando Raríssimas vezes, em toda a sua carreira, ele pegava o violão a música já estava pronta. Caymmi interpretou em disco canções que não fossem suas. Apesar de ser um excelente Em 1984, Carlos Drummond de Andrade cantor, limitou-se quase que exclusivamente saudou o aniversário do compositor: “Que a cantar sua própria obra. são setenta anos, diante da melodia que não conta tempo, não envelhece, enquanto as Foi para sua filha Nana que Caymmi fez modas de cantar se sucedem e quase nada Acalanto, que se tornou a cantiga de ninar de música existe mais de que uma estação? mais conhecida no Brasil, quando passou a Não há dia seguinte para o cancioneiro de encerrar as atividades da Rádio Tupi e depois Caymmi. A flor que o vento joga no colo da da TV Tupi. morena de Itapuã não murchou ainda. Murchará um dia? Não creio. O que está na O dia-a-dia de Dorival era bem simples. Não voz de Caymmi a gente guarda como faz com havia grandes mudanças na sua rotina quer as coisas de estimação. E ao ouvi-la em casa, esteja em Copacabana (RJ), Pequeri (MG) ou na rua, no ar, é sempre a emoção de um bom Rio das Ostras (BA). Costumava acordar por encontro. Incorporou-se ao patrimônio de arte volta das 6 da manhã. Até antes. Ficava na e coração do Brasil. Ninguém o apaga ou cama, esperando o movimento da casa destrói”. Palavra de poeta.