Anais Eletrônicos Do III Encontro Do Grupo De Estudo E Trabalho Em História E Linguagem
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Anais eletrônicos do III Encontro do Grupo de Estudo e Trabalho em História e Linguagem: Política das narrativas políticas FAFICH – UFMG 08, 09 e 10 de abril de 2014 Anais eletrônicos do III Encontro do Grupo de Estudo e Trabalho em História e Linguagem: Política das narrativas políticas Márcio dos Santos Rodrigues Renata Moreira (organizadores) ISBN: 978-85-62707-64-3 FAFICH – UFMG 2015 Reitor da UFMG Prof. Dr. Jaime Arturo Ramírez Diretor da Fafich Prof. Dr. Fernando de Barros Filgueiras Chefe do Departamento de História Prof. Dr. Tarcísio Rodrigues Botelho Coordenador do curso de História Profª Drª Adriane A. Vidal Costa Comissão de Organização do III Encontro do GETHL Alexandre Bellini Tasca Isabella Batista de Souza Luiz Arnaut Márcio dos Santos Rodrigues Renata Moreira Warley Alves Gomes Crédito da imagem da capa: Esboço do mural iniciado primeiro no RCA Building e depois destruído O Homem na Encruzilhada, Olhando Pleno de Esperança para um Futuro Melhor, 1932. Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera: 1886 - 1957. Köln: Taschen, c2006. Normatização e revisão dos textos: Márcio dos Santos Rodrigues Renata Moreira Diagramação e arte gráfica: Márcio dos Santos Rodrigues Apoio: PAIE/UFMG Pró-Reitorias Acadêmicas Realização: GETHL http://www.fafich.ufmg.br/hist_lingua/ Apresentação Provenientes do III Encontro do Grupo de Estudo e Trabalho em História e Linguagem – Política das narrativas políticas, realizado entre os dias 08, 09 e 10 de abril de 2014, os textos que integram o presente volume colocam em evidência as complexas e intercambiantes relações entre a narrativa e a política. Tais trabalhos explicitam, em maior ou menor grau, essa relação, caracterizada por um duplo e simultâneo movimento: a narrativa é política e a política é conformada por mecanismos narrativos. Trata-se de um movimento complexo e construído por meio da linguagem (imagética ou linguística), que nos textos tão dispares e de composições extremamente plurais acaba sendo o principal objeto de interesse. Nos três dias de evento foram apresentados trabalhos que buscaram aprofundar a narrativa como uma dimensão intrínseca ao humano na condição de animal político, dentro de uma perspectiva que extrapolou o domínio exclusivamente ficcional ou mesmo da narrativa histórica e que passou a abranger todos e quaisquer materiais linguístico-imagéticos que mobilizem elementos para o contar. O evento foi aberto ao público em geral e contou com a participação de profissionais das Humanidades (estudantes e professores das redes municipal, estadual, federal e particular de ensino), de diferentes instituições e localidades. Agradecemos a todos aqueles que contribuíram para a realização deste III Encontro do Grupo de Estudo e Trabalho em História e Linguagem (GETHL) e convidamos o leitor – acadêmico ou não – para que possa avaliar a pertinência e a relevância dos temas explorados nos textos destes anais. Enfim, boa leitura e até o próximo encontro! GETHL PORTUGUESES E BOTOCUDOS: NARRATIVAS E SUJEIÇÃO CRIMINAL NO BRASIL COLÔNIA Alessandro da Silva Leite1 Em 1808, D. João VI, por meio da Carta Régia de 13 de maio, autorizou o genocídio dos Botocudos que habitavam os “sertões” situados nas fronteiras das capitanias de Minas Gerais e do Espírito Santo. Esse episódio da história colonial brasileira durou, oficialmente, até 1831, porém os conflitos na região entre colonos e nativos estenderam-se até meados do século XIX. Nas narrativas, correspondências e documentos régios do período encontram-se termos como selvagens, bárbaros, violentos, invasores e criminosos usados para classificar as ações praticadas pelos Botocudos em relação ao colonizador. Acredita-se que a linguagem e semântica desses relatos tenham contribuído para influenciar a política colonial portuguesa na direção de uma construção social do crime e subjetivação criminal dos Botocudos, culminando com a permissão para seu extermínio. O processo de sujeição criminal dos Botocudos caracterizou-se, sobretudo, pela ressignificação dos lugares simbólicos de “invasores e invadidos”. Assim, por meio das descrições e denúncias de práticas culturais e ações protagonizadas pelos Botocudos, como atos violentos e crimes cometidos contra a sociedade colonial, o nativo foi sendo representado no campo simbólico como o “invasor”, ao passo que o português, foi ocupando o lugar de “invadido”. Por outro lado, os aspectos linguísticos e semânticos presentes nos relatos de viajantes, nas correspondências e nos documentos régios, constituem-se em fontes de pistas, indícios da construção da subjetividade e identidade dos Botocudos de maneira fragmentada e deteriorada, servindo de justificativas para o uso de “tecnologias disciplinares” pelo poder político institucionalizado. Por meio de medidas autoritárias, as tecnologias 1 Mestre em História Social (USS), professor de Ciência Política na Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas, FADILESTE, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES. E-mail: [email protected] 6 visaram ao extermínio, simbólico e real, dos Botocudos pela catequese, aldeamento e escravização, e da guerra justa. Nesse trabalho, pretende-se demonstrar como esse processo, de certa forma, pode estar relacionado às faltas e desejos de conquista e satisfação objetais - materiais e imateriais - inscritas no campo psicossocial, político e econômico do Estado e da Sociedade portuguesa, especialmente, nos contextos da crise aurífera do final do séc. XVIII. Para tanto, utilizando-se de uma abordagem interdisciplinar, tecida nas fronteiras das ciências sociais e da psicanálise, pretende-se informar aspectos teóricos e metodológicos do indiciarismo como metodologia de reconhecimento e interpretação das pistas, dos indícios e elementos históricos, sociais, antropológicos e psíquicos nas narrativas sobre o Outro. Nesse sentido, toma para ilustração algumas narrativas que na colônia contribuíram para a representação simbólica dos Botocudos como categoria social perigosa, metaforizada na figura do selvagem, do invasor, do bárbaro e do criminoso. Historiografia e política indigenista: os Botocudos em foco A respeito do tema, MOREIRA (2001) informa-nos que a ausência do indígena e/ou sua sub-representação, tanto na historiografia quanto no ensino de história em todos os níveis, relacionam-se a quatro vícios teóricos e metodológicos, vinculados às informações das fontes oficiais e às análises dos pesquisadores. Os vícios apontados pela autora são: 1) o vazio demográfico e seu poder imagético, 2) a imprecisão dos dados demográficos sobre as populações nativas nos “sertões”, 3) os mitos sobre o processo de colonização, no qual os portugueses “ensinaram” muitas coisas aos indígenas, desconsiderando o fato de que à chegada do colonizador seguiu-se um processo de invasão, doenças, guerras, morticínios, dominação e sujeição criminal dos nativos, e 4) a diluição das identidades indígenas originais, integrando-os ao tecido social, por meio de uma ampla categorização - “índios” -. Às vezes, para distingui- 7 los, essa categoria é adjetivada de “manso”, “domesticado”, “civilizado”, “selvagem” ou “bravo”. Uma taxonomia dos Botocudos é apresentada por MATTOS (2002). Segundo a autora, durante a expansão das “fronteiras coloniais e econômicas” em direção ao vale do Rio Doce, e da Capitania do Espírito Santo, os colonizadores se depararam com diferentes subgrupos indígenas, ocupando os chamados “sertões”, habitando as selvas impenetráveis, nos limites entre a “barbárie” e a “civilização”. Em comum, esses grupos nativos portavam os mesmos adereços nas orelhas e lábios inferiores, o botoque, sendo, por isso, denominados genericamente e pejorativamente, pelo colonizador, de Botocudos2. Dessa maneira, sob essa denominação, ficaram registrados os Giporok; Tapuias; Aranã; Pojichá; Aimoré; Coroados; Naknenuk; Bakuen, Tamonhec, Crenaques, Minia-jirunas, Gutcraques, Nac-requés, Pancas, Manhangiréns, Incutcrás entre outros. Para alguns estudiosos da questão, a condição sociopolítica do nativo brasileiro, deve ser abordada da perspectiva de uma política indigenista que tendeu para sua inserção na “nação” brasileira pela “via da pacificação”, embora, paradoxalmente, esta tenha tido a guerra como recurso. De acordo com esses autores o indígena sempre encarnou as metáforas da possibilidade e do obstáculo às realizações dos projetos civilizacionais e colonizadores. Assim, para esses autores a construção social e simbólica do nativo tornou possível a elaboração de uma política indigenista orientada por uma ambiguidade que se revelou no primeiro registro feito pelo colonizador português no seu encontro com indígena brasileiro. Pero Vaz de Caminha na correspondência que enviou ao rei de Portugal informou num trecho que os nativos eram “gente de grande inocência” e em outro trecho que eram “gente bestial e de pouco saber” (AZANHA e VALADÃO, 1991, p. 09 e 11). 2 De acordo com a autora, o uso do termo Botocudo surgiu a partir de 1760 como uma maneira do colonizador luso-brasileiro identificar os grupos indígenas, que se mostraram, excessivamente, hostis à presença do “branco”. 8 Essa ambiguidade, ora de fascínio, ora de ódio mortífero, que marcou a as relações entre colonizadores e indígena, será mais bem desembaraçada no estudo de MARINATO (2007), pois ele nos oferece com maior clareza as correlações entre a construção narrativa das imagens simbólicas, imaginárias e a legislação indigenista para os nativos com a conjuntura histórica. Para a autora, no geral, apesar de fragmentada,